Revista do Superior Tribunal de Justiça...Passarinho Junior, Jorge Scartezzini, Francisco Falcão,...

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PUBLICAÇÃO OFICIAL Revista do Superior Tribunal de Justiça

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  • PUBLICAÇÃO OFICIAL

    Revista doSuperior Tribunal de Justiça

  • Volume 204Ano 18

    Outubro/Novembro/Dezembro de 2006

    Revista do

    Superior Tribunal de Justiça

  • DiretorAssessora do Ministro

    Chefe de GabineteAssessores Judiciários

    Oficiais de Gabinete

    Assistentes

    Estagiários

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAGabinete do Ministro-Diretor da Revista

    Ministro Humberto Gomes de BarrosTeresa Cristina Cesar Osório Ribeiro Francisco Ribeiro de OliveiraMaria Angélica Neves Sant’AnaPriscila Tentardini MeottiEdilma Neiva IbiapinaFrancisco das Chagas Caetano FilhoMaria do Socorro MedeirosCarlos Cardoso de OliveiraGerson Prado da SilvaHekelson Bitencourt Viana da CostaJéter RodriguesJosé Vieira JúniorMax Günther Feitosa Albuquerque AlvimSebastiana Alves de OliveiraSilon Carvalho SouzaAna Luisa Fernandes PereiraFábio José Dias ChavesFranklin Gonçalves de SousaRuth Nadja de Oliveira Rodrigues

    Gabinete do Ministro Diretor da [email protected] do Ministro Diretor da RevistaSetor de Administração Federal Sul (SAFS)Quadra 6 - Lote 1 - Bloco C - 2º andar - sala C - 240Brasília-DF - 70095-900 Telefone (061) 3319-8003Fax (061) 3319-8992

    Revista do Superior Tribunal de Justiça – n. 1- Brasília: STJ, 1989

    TrimestralISSN 0103-42861. Direito - Periódico - Brasil. 2. Jurisprudência - Periódico - Brasil. 3. Brasil. Superior Tribunal de Justiça

    CDU 340.142(81)(05)

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    Ministro Humberto Gomes de BarrosTeresa Cristina Cesar Osório Ribeiro Francisco Ribeiro de OliveiraMaria Angélica Neves Sant’AnaPriscila Tentardini MeottiEdilma Neiva IbiapinaFrancisco das Chagas Caetano FilhoMaria do Socorro MedeirosCarlos Cardoso de OliveiraGerson Prado da SilvaHekelson Bitencourt Viana da CostaJéter RodriguesJosé Vieira JúniorMax Günther Feitosa Albuquerque AlvimSebastiana Alves de OliveiraSilon Carvalho SouzaAna Luisa Fernandes PereiraFábio José Dias ChavesFranklin Gonçalves de SousaRuth Nadja de Oliveira Rodrigues

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    Revista do Superior Tribunal de Justiça – n. 1- Brasília: STJ, 1989

    TrimestralISSN 0103-42861. Direito - Periódico - Brasil. 2. Jurisprudência - Periódico - Brasil. 3. Brasil. Superior Tribunal de Justiça

    CDU 340.142(81)(05)

  • Revista do

    Superior Tribunal de Justiça

    Ministro Humberto Gomes de Barros Diretor

  • Presidente Ministro Raphael de Barros Monteiro Filho Vice-Presidente Ministro Francisco Peçanha Martins Corregedor do Conselho Ministro Antônio de Pádua Ribeiro Nacional de Justiça Ministro Nilson Vital Naves Diretor da Revista Ministro Humberto Gomes de Barros Ministro Francisco Cesar Asfor Rocha Ministro Ari Pargendler Ministro José Augusto Delgado Coordenador-Geral da Ministro Fernando Gonçalves Justiça Federal Ministro Carlos Alberto Menezes Direito Ministro Felix Fischer Ministro Aldir Guimarães Passarinho Junior Ministro Gilson Langaro Dipp Ministro Hamilton Carvalhido Ministro Jorge Tadeu Flaquer Scartezzini Ministra Eliana Calmon Alves Ministro Paulo Benjamin Fragoso Gallotti Ministro Francisco Cândido de Melo Falcão Neto Ministra Fátima Nancy Andrighi Ministro Sebastião de Oliveira Castro Filho Ministra Laurita Hilário Vaz Ministro Paulo Geraldo de Oliveira Medina Ministro Luiz Fux Ministro João Otávio de Noronha Ministro Teori Albino Zavascki Ministro José de Castro Meira Ministra Denise Martins Arruda Ministro Hélio Quaglia Barbosa Ministro Arnaldo Esteves Lima Ministro Massami Uyeda Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins Ministra Maria Thereza Rocha de Assis Moura Ministro Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin

    SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇAPLENÁRIO

    Resolução n. 19-STJ, art. 3º.

    RISTJ, arts. 21, III e VI; 22, § 1º e 23.

  • CORTE ESPECIAL(Sessões às 1ª e 3ª quartas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Barros Monteiro Vice-Presidente Ministro Francisco Peçanha Martins Corregedor do Conselho Ministro Antônio de Pádua Ribeiro Nacional de Justiça Ministro Nilson Naves Diretor da Revista Ministro Humberto Gomes de Barros Ministro Cesar Asfor Rocha Ministro Ari Pargendler Ministro José Delgado Coordenador-Geral da Ministro Fernando Gonçalves Justiça Federal Ministro Carlos Alberto Menezes Direito Ministro Felix Fischer Ministro Aldir Passarinho Junior Ministro Gilson Dipp Ministro Hamilton Carvalhido Ministro Jorge Scartezzini Ministra Eliana Calmon Ministro Paulo Gallotti Ministro Francisco Falcão Ministra Laurita Vaz Ministro Luiz Fux Ministro João Otávio de Noronha Ministro Teori Albino Zavascki

    PRIMEIRA SEÇÃO(Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

    Presidenta Ministro Francisco Falcão

    PRIMEIRA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Teori Albino Zavascki Ministro José Delgado Ministro Francisco Falcão Ministro Luiz Fux Ministra Denise Arruda

    SEGUNDA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro João Otávio de Noronha Ministra Eliana Calmon Ministro Castro Meira Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins Ministro Herman Benjamin

    CORTE ESPECIAL(Sessões às 1ª e 3ª quartas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Barros Monteiro Vice-Presidente Ministro Francisco Peçanha Martins Corregedor do Conselho Ministro Antônio de Pádua Ribeiro Nacional de Justiça Ministro Nilson Naves Diretor da Revista Ministro Humberto Gomes de Barros Ministro Cesar Asfor Rocha Ministro Ari Pargendler Ministro José Delgado Coordenador-Geral da Ministro Fernando Gonçalves Justiça Federal Ministro Carlos Alberto Menezes Direito Ministro Felix Fischer Ministro Aldir Passarinho Junior Ministro Gilson Dipp Ministro Hamilton Carvalhido Ministro Jorge Scartezzini Ministra Eliana Calmon Ministro Paulo Gallotti Ministro Francisco Falcão Ministra Laurita Vaz Ministro Luiz Fux Ministro João Otávio de Noronha Ministro Teori Albino Zavascki

    PRIMEIRA SEÇÃO(Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Francisco Falcão

    PRIMEIRA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Teori Albino Zavascki Ministro José Delgado Ministro Francisco Falcão Ministro Luiz Fux Ministra Denise Arruda

    SEGUNDA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro João Otávio de Noronha Ministra Eliana Calmon Ministro Castro Meira Ministro Humberto Eustáquio Soares Martins Ministro Herman Benjamin

  • SEGUNDA SEÇÃO(Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Aldir Passarinho Junior

    TERCEIRA TURMA(Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Castro Filho Ministro Humberto Gomes de Barros Ministro Ari Pargendler Ministro Carlos Alberto Menezes Direito Ministra Nancy Andrighi

    QUARTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Jorge Scartezzini Ministro Cesar Asfor Rocha Ministro Aldir Passarinho Junior Ministro Hélio Quaglia Barbosa Ministro Massami Uyeda

    TERCEIRA SEÇÃO(Sessões às 2ª e 4ª quartas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Gilson Dipp

    QUINTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Arnaldo Esteves Lima Ministro Felix Fischer Ministro Gilson Dipp Ministra Laurita Vaz

    SEXTA TURMA (Sessões às terças-feiras e 1ª e 3ª quintas-feiras do mês)

    Presidente Ministro Paulo Medina Ministro Nilson Naves Ministro Hamilton Carvalhido Ministro Paulo Gallotti

    Ministra Maria Thereza de Assis Moura

  • COMISSÕES PERMANENTESCOMISSÃO DE COORDENAÇÃO

    Presidente Ministro Fernando Gonçalves

    Coordenador-Geral da Ministro Felix Fischer

    Justiça Federal Ministro Gilson Dipp

    Suplente Ministro João Otávio de Noronha

    COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

    Presidente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

    Ministro Francisco Falcão

    Ministro Castro Filho

    Suplente Ministra Laurita Vaz

    COMISSÃO DE REGIMENTO INTERNO

    Presidente Ministro José Delgado

    Ministro Aldir Passarinho Junior

    Ministro Paulo Gallotti

    Suplente Ministra Nancy Andrighi

    COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

    Presidente Ministro Nilson Naves

    Diretor da Revista Ministro Humberto Gomes de Barros

    Ministro Ari Pargendler

    Ministro Hamilton Carvalhido

    Ministra Eliana Calmon

    Ministro Luiz Fux

    MEMBROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

    Corregedor-Geral Ministro Cesar Asfor Rocha

    Efetivo Ministro José Delgado

    1º Substituto Ministro Ari Pargendler

    2º Substituto Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

    COMISSÕES PERMANENTESCOMISSÃO DE COORDENAÇÃO

    Presidente Ministro Fernando Gonçalves

    Coordenador-Geral da Ministro Felix Fischer

    Justiça Federal Ministro Gilson Dipp

    Suplente Ministro João Otávio de Noronha

    COMISSÃO DE DOCUMENTAÇÃO

    Presidente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

    Ministro Francisco Falcão

    Ministro Castro Filho

    Suplente Ministra Laurita Vaz

    COMISSÃO DE REGIMENTO INTERNO

    Presidente Ministro José Delgado

    Ministro Aldir Passarinho Junior

    Ministro Paulo Gallotti

    Suplente Ministra Nancy Andrighi

    COMISSÃO DE JURISPRUDÊNCIA

    Presidente Ministro Nilson Naves

    Diretor da Revista Ministro Humberto Gomes de Barros

    Ministro Ari Pargendler

    Ministro Hamilton Carvalhido

    Ministra Eliana Calmon

    Ministro Luiz Fux

    MEMBROS DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL

    Corregedor-Geral Ministro Cesar Asfor Rocha

    Efetivo Ministro José Delgado

    1º Substituto Ministro Ari Pargendler

    2º Substituto Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

  • CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL(Sessão à 1ª sexta-feira do mês)

    Presidente Ministro Barros Monteiro Vice-Presidente Ministro Francisco Peçanha Martins

    MEMBROS EFETIVOS

    Coord.-Geral da Justiça Federal Ministro Fernando Gonçalves Ministro Felix Fischer Ministro Aldir Passarinho Junior TRF 1ª Região Juíza Assusete Dumond Reis Magalhães TRF 2ª Região Juiz Frederico José Gueiros TRF 3ª Região Juíza Diva Marlebi TRF 4ª Região Juíza Maria Lúcia Luz Leiria TRF 5ª Região Juiz Francisco de Queiroz Bezerra Cavalcanti

    MEMBROS SUPLENTES

    Ministro Gilson Dipp Ministro Hamilton Carvalhido Ministro Jorge Scartezzini TRF 1ª Região Juiz Carlos Olavo Pacheco de Medeiros TRF 2ª Região Juiz José Eduardo Carreira Alvim TRF 3ª Região Juiz Paulo Otávio Baptista Pereira TRF 4ª Região Juiz Amaury Chaves de Athayde TRF 5ª Região Juiz Paulo Roberto de Oliveira Lima

  • SUMÁRIO

    I — Jurisprudência

    Corte Especial ................................................................. 19Primeira Seção ................................................................ 27Primeira Turma ............................................................... 73Segunda Turma ..............................................................181Terceira Turma ...............................................................241Quarta Turma .................................................................317Terceira Seção ................................................................367Quinta Turma .................................................................405Sexta Turma ...................................................................443

    II — Súmula .............................................................................553

    III — Índice Analítico ................................................................557

    IV — Índice Sistemático ............................................................589

    V — Siglas e Abreviaturas ....................................................... 595

    VI — Repositórios Autorizados e Credenciados peloSuperior Tribunal de Justiça ......................................................601

  • Jurisprudência da Corte Especial

  • EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL N. 595.099-RS (2004/0133272-0)

    Relator: Ministro Felix FischerEmbargante: Estado do Rio Grande do Sul Procuradores: Paulo César Klein e outrosEmbargada: Miranda e Quadros Ltda Advogado: Ivogacy Nascimento da Silveira

    EMENTA

    Embargos de divergência. Execução. Penhora. Boxe de estaciona-mento. Penhorabilidade.

    O boxe de estacionamento, identificado como unidade autônoma em relação à residência do devedor, tendo, inclusive, matrícula pró-pria no registro de imóveis, não se enquadra na hipótese prevista no art. 1º da Lei n. 8.009/1990, sendo, portanto, penhorável.

    Embargos de divergência acolhidos.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista da Srª. Ministra Eliana Calmon e os votos dos Srs. Ministros Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Luiz Fux, Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson Naves, Ari Pargendler, José Delgado, Fernando Gonçalves e Carlos Alberto Menezes Direito, por unanimidade, preliminarmente, conhecer dos embargos de divergência e, no mérito, por maioria, acolher, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Vencido, em parte, o Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Eliana Calmon, Paulo Gallotti, Laurita Vaz, Luiz Fux, Antônio de Pádua Ribeiro, Nilson Naves, Ari Pargendler, José Delgado e Fernando Gonçalves votaram com o Sr. Ministro-Relator. Não participaram do julgamento os Srs. Ministros Francisco Peçanha Martins, Humberto Gomes de Barros, Cesar Asfor Rocha, Aldir Passarinho Junior, Jorge Scartezzini, Francisco Falcão, João Otávio de Noronha e Teori Albino Zavascki, Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Gilson Dipp.

    Brasília (DF), 2 de agosto de 2006 (data do julgamento).

    Ministro Barros Monteiro, Presidente

    Ministro Felix Fischer, Relator

    DJ 25.10.2006

  • 22

    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    RELATÓRIO

    O Sr. Ministro Felix Fischer: O Estado do Rio Grande do Sul interpôs embar-gos de divergência contra v. acórdão prolatado pela Segunda Turma, cuja ementa restou assim definida:

    “Execução fiscal. Vaga de garagem de apartamento. Penhora. Bem de família. Impenhorabilidade. Pretendida reforma. Recurso especial conheci-do, mas improvido.

    É comezinho que o Superior Tribunal de Justiça, guardião do direito federal, ao examinar a correta aplicação de uma legislação, não deve fazê-lo de modo a desprezar as demais normas que regem a matéria. Assim, é de rigor cotejar o disposto na Lei n. 8.009/1990 com os ditames que regulam o condomínio em edificações e as incorporações imobiliárias (Lei n. 4.591, de 16.12.1964). Esse mandamento legal, com a redação dada pela Lei n. 4.864, de 29.11.1965, prevê que o direito de guarda de veículos nas vagas de garagem “poderá ser transferido a outro condômino, independentemen-te da alienação da unidade a que corresponder, vedada sua transferência a pessoas estranhas ao condomínio” (§ 2º).

    A exigência, inserida na Lei de Condomínio, veio a lume para conter abusos por parte de alguns incorporadores que alienavam unidade resi-dencial com direito à garagem e depois esta não era encontrada no solo. A matrícula imobiliária das vagas, distinta do apartamento, tutela com mais eficácia o interesse dos condôminos. Mas, porém, na prática, a autonomia conferida pela norma legal não corresponde à autonomia orgânica.

    A respeito do tema em comento, já se posicionou o douto Ministro Carlos Alberto Menezes Direito no sentido de que “há um elemento indis-pensável para manter a garagem, no caso, sob o regime tutelar do bem de família que é a impossibilidade de negócio em separado”. Em outro passo, adverte o ilustre Magistrado que, “em muitos condomínios é vedada a utili-zação da garagem por quem não é condômino, com o que sequer é possível o aluguel da mesma para pessoa estranha ao condomínio. Sem dúvida, em se tratando de imóvel residencial, a garagem adere ao principal, não sendo, a meu sentir, possível apartá-la para efeito da incidência da Lei n. 8.009/1990.” (cf. REsp n. 222.012-SP, DJ 24.04.2000)

    Não custa lembrar que os titulares de bem de família, na propriedade horizontal, acabariam por ter tratamento diferenciado para pior em relação aos de imóveis não-condominiais.

    Recurso especial conhecido, mas improvido.” (Fls. 89/90)

  • JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

    23

    RSTJ, a. 18, (204): 19-26, out/dez 2006

    O embargante aponta divergência jurisprudencial com v. acórdão prolatado pela Terceira Turma, qual seja, REsp n. 311.408-SC, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 1º.10.2001, que, em situação similar a do v. acórdão em-bargado, teria divergido deste. Sustenta, em suma, ser possível a penhora de vaga de garagem em condomínio residencial, por não estar amparada pela Lei n. 8.009/1990.

    Admitidos os embargos (fl. 113), não foi apresentada impugnação. (Fl. 118)

    É o relatório.

    VOTO

    O Sr. Ministro Felix Fischer (Relator): A quaestio trazida à baila nos presen-tes embargos de divergência diz respeito à possibilidade de penhora de boxe de estacionamento em condomínio residencial.

    Sobre a impenhorabilidade do bem de família e o seu alcance, assim dispôs o parágrafo único do art. 1º da Lei n. 8.009/1990:

    “A impenhorabilidade compreende o imóvel sobre o qual se assentam a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, inclusive os de uso profissional, ou móveis que guarnecem a casa, desde que quitados.”

    In casu, o boxe de garagem é identificado como unidade autônoma em re-lação à residência do devedor, tendo, inclusive, matrícula própria no registro de imóveis (fl. 16). Não há, portanto, como enquadrar o referido bem nas hipóteses previstas no dispositivo legal transcrito.

    No mesmo sentido, os seguintes precedentes:

    “Civil e Processual. Execução. Bem de família. Vaga de garagem em condomínio vertical, com matrícula própria. Impenhorabilidade afastada. Lei n. 8.009/1990, art. 1º. Exegese.

    I - O entendimento pacificado na Segunda Seção do STJ é no sentido de que pode ser objeto de penhora a vaga de garagem que possua inscri-ção própria no Registro de Imóveis, portanto diversa do apartamento onde residem os executados, apenas este considerado como bem de família e protegido pela Lei n. 8.009/1990.

    II - Recurso especial não conhecido.” (REsp n. 582.044-RS, Quarta Turma, Relator Ministro Aldir Passarinho Junior, DJ 29.03.2004)

    “Processual Civil. Recurso especial. Prequestionamento. Ausência. Execução. Garagem. Matrícula própria. Penhora. Possibilidade.

  • 24

    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    1. Não decidida pelo Tribunal de origem matéria suscitada no especial, ressente-se o recurso do necessário prequestionamento.

    2. Nos termos da iterativa jurisprudência desta Corte, a garagem que tem matrícula e registro próprios pode ser objeto de constrição, não se lhe aplicando a impenhorabilidade da Lei n. 8.009/1990, tampouco afiguran-do-se como empecilho eventual convenção de condomínio, assegurando exclusividade de uso aos condôminos. Inteligência do art. 2º, §§ 1º e 2º da Lei n. 4.591/1964.

    3. Recursos especiais não conhecidos.” (REsp n. 316.686-SP, Quarta Turma, Relator Ministro Fernando Gonçalves, DJ 29.03.2004)

    “Execução. Penhora de vaga de garagem. Admissibilidade.

    Tendo em vista a natureza autônoma da vaga de garagem com registro e matrícula própria, é possível sua penhora. Precedentes.

    Recurso parcialmente conhecido, mas improvido.” (REsp n. 541.696-SP, Quarta Turma, Relator Ministro Cesar Asfor Rocha, DJ 28.10.2003)

    “Civil. Garagem. Se a garagem tem matrícula própria no Registro de Imóveis, não está alcançada pelo art. 1º da Lei n. 8.009, de 1990. Juris-prudência pacificada no âmbito da Segunda Seção. Agravo regimental não provido.” (AgRg no Ag n. 453.085-SP, Terceira Turma, Relator Ministro Ari Pargendler, DJ 16.12.2002)

    “Execução. Penhora. Vaga de garagem.

    I - As vagas de garagem de apartamento residencial, individualizadas como unidades autônomas, com registros individuais e matrículas próprias, podem ser penhoradas, não se enquadrando na hipótese prevista no art. 1º da Lei n. 8.009/1990.

    II - Recurso especial conhecido, mas desprovido.” (REsp n. 311.408-SC, Terceira Turma, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, DJ 1º.10.2001)

    “Execução. Penhora. Boxe de estacionamento. Penhorabilidade.

    O boxe de estacionamento, identificado como unidade autônoma em relação à residência do devedor, tendo, inclusive, matrícula própria no registro de imóveis, não se enquadra na hipótese prevista no art. 1º da Lei n. 8.009/1990, sendo, portanto, penhorável.

    Recurso desprovido.” (REsp n. 205.898-SP, Quinta Turma, de minha relatoria, DJ 1º.07.1999)

    “Execução. Impenhorabilidade. Lei n. 8.009, de 23.03.1990. Vaga de garagem.

  • JURISPRUDÊNCIA DA CORTE ESPECIAL

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    RSTJ, a. 18, (204): 19-26, out/dez 2006

    O boxe de estacionamento, quando individualizado como unidade autônoma no Registro de Imóveis (art. 2º, §§ 1º 2º, da Lei n. 4.591, de 16.12.1964), é suscetível de penhora sem as restrições apropriadas ao imóvel de moradia familiar. Precedentes.

    Recurso especial conhecido e provido.” (REsp n. 182.451-SP, Quarta Turma, Relator Ministro Barros Monteiro, DJ 14.12.1998)

    Pelo exposto, acolho os embargos de divergência.

    É o voto.

    VOTO-VISTA

    A Srª. Ministra Eliana Calmon: O presente recurso tem como Relator o Ministro Felix Fischer que em judicioso voto conheceu dos embargos de diver-gência e lhes deu provimento.

    O tema central da controvérsia desenvolveu-se em torno de duas teses jurídicas antagônicas: a constante do acórdão impugnado, oriundo da Segunda Turma relatado pelo Ministro Franciulli Netto, proclamando a impenhorabilida-de do bem objeto da constrição, por tratar-se de bem de família, consubstanciado em uma garagem com matrícula independente e registro próprio, dissociado da unidade residencial pertencente a seu proprietário; a retratada no acórdão paradigma, oriundo da Terceira Turma, relatado pelo Ministro Pádua Ribeiro, considerando que o box garagem quando independente da unidade residencial e com matrícula própria é penhorável e não integra a unidade residencial que se tornou impenhorável por ser bem de família.

    Como o Relator, concluí que deve ser o recurso conhecido, porque configu-rado está o confronto. Aliás, há no âmbito desta Corte divergência de entendi-mento sobre o tema.

    Entendem ser a garagem indissociável da unidade residencial, para efeito de penhora, posição que acompanha o entendimento do acórdão impugna-do alguns poucos julgados relatados pelos Ministros Franciulli Netto — REspn. 595.099 e Carlos Alberto Menezes Direito — REsp n. 222.012, o qual man-tém posição bem definida e extremada, para não aceitar a penhora de garagem, independentemente da unidade residencial, mesmo quando é ela independente e com matrícula própria. Disse Sua Excelência no precedente aqui referido: “A garagem de apartamento residencial, embora com matrícula própria, não pode ser penhorada, estando sob a proteção da Lei n. 8.009/1990”.

    A grande maioria dos julgados, diferentemente, aceita a penhora autônoma das garagens, quando a mesma tem matrícula independente. Neste sentido são os

  • 26

    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    Recursos Especiais ns. 316.686, Relator Ministro Fernando Gonçalves, 541.696, Relator Ministro César Asfor Rocha, 311.408, Relator Ministro Antônio de Pádua Ribeiro, 205.898, Relator Ministro Felix Fischer, 32.284, Relator Ministro Ari Par-gendler, 23.420, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, 182.451, Relator Ministro Barros Monteiro e 582.044, Relator Ministro Aldir Passarinho.

    Na espécie em julgamento o bem penhorado é um box garagem com matrí-cula independente e autônoma da unidade residencial.

    Diante da posição jurisprudencial da Corte, acompanho o Relator, conhe-cendo, e provendo o recurso.

    É o voto.

    VOTO-MÉRITO

    O Sr. Ministro Luiz Fux: Sr. Presidente, acompanho o voto do Sr. Ministro-

    Relator porque a regra é sempre no sentido de que a impenhorabilidade é a

    exceção.

    No caso, tratamos de lei que regula o bem de família, cuja razão de ser é a proteção da habitação familiar, no sentido de que a vaga de garagem não é servil a esse desígnio legal.

    Conheço dos embargos de divergência e os acolho.

    VOTO VENCIDO

    O Sr. Ministro Carlos Alberto Menezes Direito: Sr. Presidente, peço vênia para ficar vencido. Acompanho o voto proferido pelo Sr. Ministro Franciulli Netto. Já tenho o meu entendimento. Mesmo no caso do paradigma que foi apresentado, fiquei vencido no âmbito da Turma no sentido de que, no caso, não haveria como desvincular a vaga do bem de família, porque, em muitos condomínios, e acontece freqüentemente, a vaga está umbilicalmente ligada à unidade, não podendo sequer ser comercializada. Por essa razão, ao meu sentir, não caberia essa dissociação.

    Peço vênia ao Sr. Ministro-Relator para permanecer com a minha posição originária. Fico vencido.

    Conheço dos embargos de divergência, mas lhes nego provimento.

  • Jurisprudência da Primeira Seção

  • AGRAVO REGIMENTAL NO CONFLITO DE COMPETÊNCIA N. 33.052-SP (2001/0097520-7)

    Relator: Ministro Humberto MartinsAgravante: Ministério Público Federal Procuradores: Moacir Guimarães Morais Filho e outrosAgravado: R. decisão de fls. 27/29 Interessada: Fazenda Nacional Procuradores: Sandro Gomes Naegele de Abreu e outrosInteressado: Interior Representações S/C Ltda

    EMENTA

    Processo Civil. Agravo regimental. Execução fiscal. Conflito nega-tivo de competência — não-localização de pessoa jurídica executada no endereço indicado. Declinação da competência para o endereço do sócio responsável. Impossibilidade. Competência territorial só argüida por meio de exceção. Precedentes.

    1. Na linha dos precedentes desta Corte, a competência se esta-belece no momento da propositura da ação. (Arts. 87 e 578 do CPC).

    2. Não há distinção a ser feita apenas por se tratar de execução fiscal movida em face de pessoa jurídica não encontrada no endereço indicado para citação.

    3. Não pode a execução ser redirecionada de ofício ou a reque-rimento da exeqüente para o domicílio de representante legal da executada.

    4. Competência territorial, que é relativa, só se altera com ação declinatória de foro (art. 112 CPC) a ser movida pelo executado. Leitura dos Verbetes ns. 33 e 58-STJ.

    5. Permanece competente o juízo suscitado, onde a ação foi inicialmente proposta.

    Agravo regimental improvido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental, nos termos do voto do Sr.

  • 30

    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    Ministro-Relator. Os Srs. Ministros Herman Benjamin, José Delgado, Luiz Fux, João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira e Denise Arruda votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, justificadamente, a Srª. Ministra Eliana Calmon.

    Brasília (DF), 13 de setembro de 2006 (data do julgamento).

    Ministro Humberto Martins, Relator

    DJ 02.10.2006

    RELATÓRIO

    O Sr. Ministro Humberto Martins: Cuida-se de conflito de competência sus-citado pelo Juízo Federal da 10ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado de São Paulo em face do Juízo Federal da 3ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado Paraná, nos autos de execução fiscal promovida pela Fazenda Nacional contra Interior Representações S/C Ltda.

    Assevera o Juízo suscitante (fl. 17) que não foi obtido êxito na citação da executada, porquanto não encontrada em endereço indicado, situado na Seção Judiciária do Juízo suscitado. Daí porque requereu a exeqüente fosse efetivada a citação na pessoa do representante legal da devedora, que reside na comarca do Juízo suscitante.

    Sustenta ainda o Juízo suscitante (fls. 17/18) que exsurgiu a perpetutatio jurisdiciones quando da propositura da ação, de maneira que seria vedado o declínio de competência territorial do modo como feito à fl. 15.

    A Subprocuradoria Geral da República, por sua vez, manifestou-se pela competência do Juízo suscitante aos argumentos de que, assim, a execução seria processada da maneira menos gravosa para o executado, e que o representante da empresa não está sujeito ao art. 87 do Código de Processo Civil, porque ainda não era parte da relação jurídica processual no instante da propositura da ação. (Fls. 21/25)

    Atribuído que foi inicialmente o referido conflito de competência à relatoria do saudoso Ministro Franciulli Netto, houve ele por bem declarar competente o Juízo suscitado (3ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado Paraná), com base em precedentes da Corte. (Fls. 27/29)

    Irresignado, o Ministério Público Federal interpôs agravo interno (fls. 34/40), ao argumento de que “a teor da norma contida no art. 578, do Código de Processo Civil, a própria decisão reconhece, explicitamente, ser possível a modificação do foro executório em razão do interesse público intrínseco da parte credora (...).”

  • JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA SEÇÃO

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    Asseverou ainda o Parquet não ser o caso de aplicação do Verbete n. 33 da Súmula do Superior Tribunal de Justiça, e que incide também a regra do art. 620 do Código de Processo Civil que aduz dever a execução correr pelo modo menos gravoso ao credor.

    Pugna pela reforma da r. decisão de fls. 27/29.

    Os autos a mim foram redistribuídos em 03.07.2006.

    É, no essencial, o relatório.

    VOTO

    O Sr. Ministro Humberto Martins (Relator): Inicialmente, conheço do recurso por preencher seus pressupostos extrínsecos e intrínsecos.

    Passo ao mérito recursal.

    A respeitosa decisão agravada deve prevalecer.

    A alegação do Ministério Público Federal não encontra guarida nesta Corte, uma vez que proposta execução fiscal fora do domicílio do executado, “só este poderá recusar o juízo, mediante exceção declinatoria fori” (CC n. 1.499-SP, Mi-nistro Ilmar Galvão, DJ 18.02.1991). Pois se trata de competência territorial, que só poderá ser afastada pelo executado, com a utilização da exceção de compe-tência. (Art. 112 CPC).

    Cabe ponderar que, apenas por se tratar de execução fiscal, não há exceção à regra da perpetuação da jurisdição consubstanciada no art. 87 do Código de Processo Civil.

    A competência, mesmo em sede de executivo fiscal, é estabelecida no momento da propositura da ação, de modo a incidir analogicamente o Verbete n. 58 da Súmula desta Corte, que substituiu o Verbete n. 189 do extinto Tribunal Federal de Recursos e assim estabelece: “proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executado não desloca a competência já fixada.”

    O pensamento alinhavado na decisão agravada é idêntico. Confira-se:

    “Com efeito, proposta a execução fiscal no juízo suscitado, restou determinada a competência desse foro, a teor do comando inserto no art. 578, parágrafo único do estatuto processual civil.

    Colocada a questão nesses termos, cumpre uma vez mais recorrer ao preciso magistério de Araken de Assis ao dilucidar que ‘instituída a com-petência atendendo às conveniências do credor, a presença do interesse público, imanente à própria parte (Fazenda Pública), não torna absoluta a

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    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    competência’ (op. cit., p. 203). Daí decorre que, se a competência, in specie, não é absoluta, mas relativa.

    A título de reforço, merece ser trazido à colação v. aresto exarado pelo ilustre Ministro Ari Pargendler, quando do julgamento do Conflito de Com-petência n. 17.596-MS, DJ 02.09.1995, cuja ementa está assim vazada:

    ‘Conflito de competência. Execução fiscal. Competência relativa. A regra de que a execução fiscal deve ser processada no domicílio do réu constitui espécie de competência relativa, que não pode ser declinada de ofício (...)’.

    Dessa feita, não oposta exceção, é defeso ao magistrado determinar a remessa dos autos, ex officio, a outro Juízo, consoante matéria já sedi-mentada pela Súmula n. 33 deste Sodalício (‘A incompetência relativa não pode ser declarada de ofício’) e Súmula n. 58 (‘Proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do devedor não desloca a competência já fixada’).

    Trilhando esse pensar, podem ser lembrados, entre outros, os seguintes julgados: Conflito de Competência n. 39.122-RS, Relator Ministro Teori Albino Zavascki, DJ 30.06.2003; Conflito de Competência n. 37.973-RS, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 1º.07.2003; Conflito de Competêncian. 37.543-SP, Relator Ministro João Otávio de Noronha, DJ 04.02.2003; Conflito de Competência n. 35.906-SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, DJ 25.10.2002, e Conflitos de Competência ns. 33.773-AP e 33.774-AP, ambos relatados por este subscritor.” (Fls. 28/29)

    Recentemente, a Primeira Seção, à unanimidade de votos, assim pontuou:

    “Conflito de competência. Execução fiscal. Alteração do endereço da executada. Incompetência relativa. Declaração de ofício.

    Impossibilidade. Súmulas ns. 33 e 58-STJ. Competência do juízo federal onde foi proposta a demanda.

    1. O art. 578 do Código de Processo Civil estabelece que a execução fiscal será ajuizada no foro do domicílio do réu. Não obstante isso, cumpre ressaltar que a competência territorial é relativa, e, portanto, só poderia a incompetência ser argüida por meio de exceção (CPC, art. 112).

    2. Feita a escolha e ajuizada a ação, ficou definida a competência do Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Tocantins (CPC, art. 87), não podendo ser reconhecida ex officio eventual incompetência do Juízo, nos termos do enunciado da Súmula n. 33-STJ.

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    3. Além disso, segundo o entendimento consolidado com a edição da Súmula n. 58-STJ, ‘proposta a execução fiscal, a posterior mudança de domicílio do executado não desloca a competência já fixada’.

    4. Ressalta-se que, em relação à análise de conflitos de competência, o Superior Tribunal de Justiça exerce jurisdição sobre as Justiças Estadual, Federal e Trabalhista, nos termos do art. 105, I, d, da Carta Magna. Desse modo, invocando os princípios da celeridade processual e economia pro-cessual, esta Corte Superior pode definir a competência e determinar a remessa dos autos ao juízo competente para a causa, mesmo que ele não faça parte do conflito.” (CC n. 47.761-PR, Primeira Seção, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 19.12.2005).

    5. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária do Estado de Tocantins, onde foi ajuizada a execução fiscal.” (CC n. 53.750-TO, Relator Ministro Denise Arruda, DJ 15.05.2006).

    Nesse sentido, improcedentes as razões do Ministério Público Federal, uma vez que somente o executado poderá oferecer exceção de incompetência (art. 112 CPC) se entender pertinente; não pode nem a União nem o Juízo suscitado, alterá-la sponte propria.

    Remanesce competente, para julgar e processar o feito, por ora, o Juízo da 3ª Vara de Execuções Fiscais da Seção Judiciária do Estado Paraná, o suscitado.

    Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

    É como penso. É como voto.

    EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIALN. 485.969-SP (2005/0152163-1)

    Relator: Ministro José delgadoEmbargante: Ministério Público Federal Embargado: Município de São Bernardo do Campo Procuradores: Adriana Bueno Zular e outros

    EMENTA

    Processual Civil, Administrativo e Constitucional. Embargos de divergência. Ação civil pública. Legitimidade do Ministério Público.

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    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    Direito constitucional à creche, aos menores de zero a seis anos. Obri-gação de fazer. Exigibilidade em juízo. Precedentes desta Corte e do colendo STF.

    1. O acórdão embargado reconheceu, ex officio, a ilegitimidade do Ministério Público para, via ação civil pública, defender interes-se individual de menor, visto que, na referida ação, atua o Parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional, configurando a ilegitimidade quando a escolha se dá na proteção de um único menor.

    2. “Sendo a educação um direito fundamental assegurado em várias normas constitucionais e ordinárias, a sua não-observância pela administração pública enseja sua proteção pelo Poder Judiciário”. (AgRg no RE n. 463.210-SP, Segunda Turma, Relator Ministro Carlos Velloso, DJ 03.02.2006)

    3. “A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a edu-cação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das ‘crianças de zero a seis anos de idade’ (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inacei-tável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inér-cia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. A educação in-fantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. Os Municípios — que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) — não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF,

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    art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. Embora resida, primaria-mente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, determinar, ainda que em bases excepcionais, especialmen-te nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constitui-ção, sejam estas implementadas pelos órgãos estatais inadimplentes, cuja omissão — por importar em descumprimento dos encargos políti-co-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório — mostra-se apta a comprometer a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão perti-nente à ‘reserva do possível’. Doutrina.” (AgRg no RE n. 410.715-SP,Segunda Turma, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 03.02.2006)

    4. Legitimidade ativa do Ministério Público reconhecida.

    5. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.

    6. Embargos de divergência conhecidos e providos.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer dos embargos e dar-lhes provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. A Srª. Ministra Eliana Calmon e os Srs. Ministros João Otávio de Noronha, Teori Albino Zavascki, Castro Meira, Denise Arruda e Humberto Martins votaram com o Sr. Ministro-Relator. Ausente, ocasional-mente, o Sr. Ministro Francisco Falcão. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Luiz Fux.

    Brasília (DF), 23 de agosto de 2006 (data do julgamento).

    Ministro José Delgado, Relator

    DJ 11.09.2006

    RELATÓRIO

    O Sr. Ministro José Delgado: O Ministério Público Federal intenta embargos de divergência para discutir acórdãos da egrégia Segunda Turma desta Corte, da lavra da eminente Ministra Eliana Calmon, assim ementados:

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    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    “Processo Civil. Ação civil pública: legitimidade do Ministério Público. Nulidade absoluta não argüida. Limites do recurso especial.

    1. O prequestionamento é exigência indispensável ao conhecimento do recurso especial, fora do qual não se pode reconhecer sequer as nulidades absolutas.

    2. A mais recente posição doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades absolutas ex officio, por ser matéria de ordem pública. Assim, se ultrapassado o juízo de conhecimento, por outros fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula n. 456-STF).

    3. Hipótese em que se conhece do especial por violação do art. 535, II, do CPC e por negativa de vigência ao art. 87 da Lei n. 9.393/1996, ensejando o reconhecimento ex officio da ilegitimidade do Ministério Público para, via ação civil pública, defender interesse individual de menor.

    4. Na ação civil pública atua o Parquet como substituto processual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional.

    5. Ilegitimidade que se configura a partir da escolha de um único menor para proteger, assumindo o Ministério Público papel de representante e não substituto processual.

    6. Recurso especial provido.”

    “Processual Civil. Embargos de declaração. Efeito infringente.

    1. Prestação jurisdicional devidamente entregue, visto que o Tribunal não está obrigado a responder questionários formulados pelas partes.

    2. Inexistente qualquer hipótese do art. 535 do CPC, não merecem acolhida embargos de declaração com caráter infringente.

    3. Embargos de declaração rejeitados.”

    A embargante afirma que o mencionado aresto divergiu de outros, quais se-jam: REsp n. 467.160-SP, Terceira Turma, Relatora Ministra Nancy Andrighi; REsp n. 600.532-DF, Sexta Turma, Relator Ministro Paulo Gallotti; REsp n. 662.033-RS, Primeira Turma, deste Relator, no sentido oposto à decisão embargada.

    Distribuídos inicialmente ao insigne Ministro Barros Monteiro, este proferiu o seguinte despacho:

    “(...)

    Destaco que a competência para apreciar os embargos de divergência com relação ao julgado proveniente da Primeira Turma é da colenda Primeira Seção.

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    Com relação aos demais julgados, não se encontra evidenciada a dissidência pretoriana.

    Primeiro, porque não foram observadas as exigências previstas nos arts. 541, parágrafo único, do CPC e 255, § 2º, do RISTJ, porquanto deixou o recorrente de mencionar as circunstâncias que identifiquem ou asseme-lhem os casos confrontados de modo a evidenciar a divergência.

    Segundo, porque são distintas as molduras fáticas dos julgados em confronto. Quanto ao paradigma da Terceira Turma, o recurso foi conhecido e provido por afronta ao art. 535 do CPC, o Acórdão embargado, por sua vez, conheceu do recurso especial por afronta ao art. 535 do CPC, porém acolheu preliminar de ilegitimidade de parte, o que prejudicou eventual provimento do recurso quanto ao art. 535 do CPC. O REsp n. 600.532-DF, por sua vez, refere-se à existência de julgamento extra petita, que mesmo sendo questão de ordem pública, não pode ser apreciada sem que tenha havido o prequestionamento da matéria, enquanto que, neste caso, trata-se de ilegitimidade de parte que, como condição da ação, pode ser apreciada de ofício.

    Ante o exposto, indefiro liminarmente os embargos com fundamento no art. 266, § 3º, do RISTJ, e determino a remessa dos autos à colenda Primeira Seção para apreciação da divergência em relação ao julgado da egrégia Primeira Turma.”

    A ementa do julgado da egrégia Primeira Turma registra:

    “Processual Civil e Constitucional. Ação civil pública. Cassação de limi-nar. Extinção do processo por ilegitimidade ativa. Fornecimento de medica-mento, pelo estado, à criança hipossuficiente, portadora de doença grave. Obrigatoriedade. Afastamento das delimitações. Proteção a direitos funda-mentais. Direito à vida e à saúde. Dever constitucional. Art. 7º, c.c. os arts. 98, I, e 101, V, do estatuto da criança e do adolescente. Arts. 5º, caput, 6º, 196 e 227, da CF/1988. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.

    1. Recurso especial contra acórdão que extinguiu o processo, sem jul-gamento do mérito, em face da ilegitimidade ativa do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, o qual ajuizou ação civil pública objetivando a proteção de interesses individuais indisponíveis (direito à vida e à saúde de criança ou adolescente), com pedido liminar para fornecimento de medica-ção (hormônio do crescimento recombinante TTO) por parte do Estado.

    2. O art. 7º, c.c. os arts. 98, I, e 101, IV, do Estatuto da Criança e do Adolescente, dão plena eficácia ao direito consagrado na Carta Magna

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    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    (arts. 196 e 227), a inibir a omissão do ente público (União, Estados, Distri-to Federal e Municípios) em garantir o efetivo tratamento médico a menor necessitado, inclusive com o fornecimento, se necessário, de medicamentos de forma gratuita para o tratamento, cuja medida, no caso dos autos, im-põe-se de modo imediato, em face da urgência e conseqüências que possam acarretar a não-realização.

    3. Pela peculiaridade do caso e, em face da sua urgência, há que se afastarem delimitações na efetivação da medida sócio-protetiva pleiteada, não padecendo de qualquer ilegalidade a decisão que ordena que a Admi-nistração Pública dê continuidade a tratamento médico, psiquiátrico e/ou psicológico de menor.

    4. O poder geral de cautela há que ser entendido com uma amplitude compatível com a sua finalidade primeira, que é a de assegurar a perfeita eficácia da função jurisdicional. Insere-se, aí, sem dúvida, a garantia da efe-tividade da decisão a ser proferida. A adoção de medidas cautelares (inclu-sive as liminares inaudita altera pars) é crucial para o próprio exercício da função jurisdicional, não devendo encontrar óbices, salvo no ordenamento jurídico.

    5. O provimento cautelar tem pressupostos específicos para sua con-cessão. São eles: o risco de ineficácia do provimento principal e a plausi-bilidade do direito alegado (periculum in mora e fumus boni iuris), que, presentes, determinam a necessidade da tutela cautelar e a inexorabilidade de sua concessão, para que se protejam aqueles bens ou direitos de modo a se garantir a produção de efeitos concretos do provimento jurisdicional principal.

    6. A verossimilhança faz-se presente (as determinações preconizadas no Estatuto da Criança com o do Adolescente — Lei n. 8.069/1990, em seus arts. 7º, 98, I, e 101, V, em combinação com atestado médico indicando a necessidade do tratamento postergado). Constatação, também, da presença do periculum in mora (a manutenção do decisum a quo, determinando-se a suspensão do tratamento (fornecimento do medicamento), com risco de dano irreparável à saúde do menor). Se acaso a presente medida não for outorgada, poderá não mais ter sentido a sua concessão, haja vista a possi-bilidade de danos irreparáveis e irreversíveis ao menor.

    7. Prejuízos irá ter o menor beneficiário se não lhe for concedida a liminar, visto que estará sendo usurpado no direito constitucional à saúde, com a cumplicidade do Poder Judiciário. A busca pela entrega da prestação

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    jurisdicional deve ser prestigiada pelo juiz, de modo que o cidadão tenha, cada vez mais facilitada, com a contribuição do Poder Judiciário, a sua atuação em sociedade, quer nas relações jurídicas de direito privado, quer nas de direito público.

    8. Precedentes desta Corte Superior e do colendo STF.

    9. Recurso provido.”

    Conhecida a divergência e devidamente intimada, a parte embargada res-tou silente.

    É o relatório.

    VOTO

    O Sr. Ministro José Delgado (Relator): A matéria submetida a exame já foi apreciada pela egrégia Primeira Turma deste Tribunal. No REsp n. 718.203-SP, jul-gado, à unanimidade, em 06.12.2005, Relator Ministro Luiz Fux, DJ 13.02.2006, surgindo do julgado a seguinte ementa:

    “Administrativo. Constitucional. Ação civil pública. Legitimatio ad causam do Parquet. Art. 127 da CF/1988. Arts. 7º, 200, e 201 da Lei n. 8.069/1990. Direito à creche extensivo aos menores de zero a seis anos. Norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Norma definidora de direitos não programática. Exigibilidade em juízo. Interesse transindividual atinente às crianças situadas nessa faixa etária. Ação civil pública. Cabimento e procedência.

    1. O Ministério Público está legitimado a defender os interesses transin-dividuais, quais sejam os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos.

    2. É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um microsistema de tutela de interesses difusos referentes à probi-dade da administração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

    3. Deveras, é mister concluir que a nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos inte-resses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

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    4. Legitimatio ad causam do Ministério Público à luz da dicção final do disposto no art. 127 da CF, que o habilita a demandar em prol de interesses indisponíveis.

    5. Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideológica e analógica com o que se concluiu no RE n. 248.889-SP para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda for-ma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opres-são.” Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).

    6. O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem comum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.

    7. Outrossim, a Lei n. 8.069/1990, nos arts. 7º, 200 e 201, consubs-tancia a autorização legal a que se refere o art. 6º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como “substituição processual”.

    8. Impõe-se, contudo, ressalvar que a jurisprudência predominante do egrégio STJ entende incabível a ação individual capitaneada pelo MP (Precedentes: REsp n. 706.652-SP, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 18.04.2005; REsp n. 664.139-RS, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ 20.06.2005; e REsp n. 240.033-CE, Primeira Turma, Relator Ministro José Delgado, DJ 18.09.2000).

    9. O direito constitucional à creche extensivo aos menores, de zero a seis anos, é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990): “Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obri-gatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento educacional especializado aos portadores de defi-ciência preferencialmente na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade.”

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    10. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibi-lidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas pro-messas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo pla-no. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O direito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.

    11. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública.

    12. A determinação judicial desse dever pelo Estado não encerra su-posta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise a afastar a garantia pétrea.

    13. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo pa-tamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o direito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.

    14. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.

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    15. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicá-vel pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

    16. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal con-sagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.

    17. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pú-blica implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a in-gerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.

    18. O direito do menor à freqüência em creche insta o Estado a de-sincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, colocar um menor na fila de espera e atender a outros é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê de ferir de morte a cláu-sula de defesa da dignidade humana.

    19. O Estado não tem o dever de inserir a criança numa escola particu-lar, porquanto as relações privadas subsumem-se a burocracias sequer pre-vistas na Constituição. O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche para crianças de zero a seis anos. Visando ao cumprimento de seus desígnios, o Estado tem domínio iminente sobre bens, podendo valer-se da propriedade privada, etc. O que não ressoa lícito é repassar o seu encargo para o particular, quer incluindo o menor numa ‘fila de espera’, quer suge-rindo uma medida que tangencia a legalidade, porquanto a inserção numa creche particular somente poderia ser realizada sob o pálio da licitação ou delegação legalizada, acaso a entidade fosse uma longa manu do Estado ou anuísse, voluntariamente, fazer-lhe as vezes. Precedente jurispruden-cial do STJ: REsp n. 575.280-SP, desta relatoria p/ o acórdão, publicado no DJ 25.10.2004.

    20. O Supremo Tribunal Federal, no exame de hipótese análoga, nos autos do RE n. 436.996-6-SP, Relator Ministro Celso de Mello, publicado no DJ 07.11.2005, decidiu verbis:

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    ‘Criança de até seis anos de idade. Atendimento em creche e em pré-escola. Educação infantil. Direito assegurado pelo próprio texto cons-titucional (CF, art. 208, IV). Compreensão global do direito constitucional à educação. Dever jurídico cuja execução se impõe ao poder público, notadamente ao município (CF, art. 211, § 2º). Recurso extraordinário conhecido e provido.

    A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponí-vel, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvol-vimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).

    Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamen-tal, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.

    A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental.

    Os Municípios — que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamen-tal e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) — não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes munici-pais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.

    Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legis-lativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre

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    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos políti-co-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a com-prometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à ‘reserva do possível’. Doutrina.’

    21. Recurso especial provido.”

    No voto que conduziu a ementa supra, o eminente Ministro Luiz Fux desen-volveu as seguintes fundamentações, verbis:

    “Versam os autos, originariamente, Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, objetivando compelir o Municí-pio de Santo André a efetivar matrícula de criança, contando com três anos de idade à época do ajuizamento da ação, em creche municipal.

    Como cediço, a ação civil pública está centrada na violação a direitos ou interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos.

    Hugo Nigro Mazilli, discorrendo sobre o tema da legitimidade do Ministério Público, afirma:

    ‘A possibilidade de o Ministério Público agir como autor no processo civil supõe autorização taxativa na lei, salvo as hipóteses de legitimação genérica nas ações civis públicas em defesa de interesses transindividuais.’ (A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo, 16ª ed., p. 90)

    É que a Carta de 1988, ao evidenciar a importância da cidadania no controle dos atos da administração, com a eleição dos valores imateriais do art. 37 da CF como tuteláveis judicialmente, coadjuvados por uma série de instrumentos processuais de defesa dos interesses transindividuais, criou um micro-sistema de tutela de interesses difusos referentes à probidade da ad-ministração pública, nele encartando-se a Ação Popular, a Ação Civil Pública e o Mandado de Segurança Coletivo, como instrumentos concorrentes na defesa desses direitos eclipsados por cláusulas pétreas.

    Deveras, é mister concluir que nova ordem constitucional erigiu um autêntico ‘concurso de ações’ entre os instrumentos de tutela dos interesses transindividuais e, a fortiori, legitimou o Ministério Público para o manejo dos mesmos.

    In casu, segundo a jurisprudência predominante deste Sodalício, a hipótese não se amolda a interesse transindividual a legitimar a atuação do Ministério Público, mas apenas interesse material particular de menor. As decisões desta Corte neste sentido têm assentado que não se coaduna com

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    a ação civil pública, objeto mediato individual, mas tão-somente transindi-vidual. À guisa de exemplo, vale conferir:

    ‘Processo Civil. Ação civil pública: legitimidade do Ministério Público. Nulidade absoluta não argüida. Limites do recurso especial.

    1. O prequestionamento é exigência indispensável ao conheci-mento do recurso especial, fora do qual não se pode reconhecer sequer as nulidades absolutas.

    2. A mais recente posição doutrinária admite sejam reconhecidas nulidades absolutas ex officio, por ser matéria de ordem pública. Assim, se ultrapassado o juízo de conhecimento, por outros fundamentos, abre-se a via do especial (Súmula n. 456-STF).

    3. Hipótese em que se conhece do especial por violação do art. 535, II, do CPC e por negativa de vigência ao art. 11, V, da Lei n. 9.394/1996, ensejando o reconhecimento ex officio da ilegitimidade do Ministério Público para, via ação civil pública, defender interesse individual de menor.

    4. Na ação civil pública atua o Parquet como substituto proces-sual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional.

    5. Ilegitimidade que se configura a partir da escolha de apenas dois menores para proteger, assumindo o Ministério Público papel de representante e não de substituto processual.

    6. Recurso especial parcialmente provido.’ (REsp n. 706.652-SP, Segunda Turma, Relatora Ministra Eliana Calmon, DJ 18.04.2005)

    ‘Processo Civil. Ação civil pública: legitimidade do Ministério Público. Nulidade absoluta não argüida. Limites do recurso especial.

    (...) 3. Hipótese em que se conhece do especial por violação do art. 535, II, do CPC e por negativa de vigência ao art. 11, V, da Lei n. 9.394/1996, ensejando o reconhecimento ex officio da ilegitimidade do Ministério Público para, via ação civil pública, defender interesse individual de menor.

    4. Na ação civil pública atua o Parquet como substituto proces-sual da sociedade e, como tal, pode defender o interesse de todas as crianças do Município para terem assistência educacional.

    5. Ilegitimidade que se configura a partir da escolha de apenas dois menores para proteger, assumindo o Ministério Público papel de representante e não de substituto processual.

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    6. Recurso especial provido.’ (REsp n. 466.861-SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 29.11.2004)

    ‘Ação civil pública. Ministério público. Legitimidade. Fornecimen-to de medicamentos. Menor. Carente.

    1. Na esteira do art. 129 da Constituição Federal, a legislação infraconstitucional, inclusive a própria Lei Orgânica, preconiza que o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para propor ação civil pública para a proteção de interesses difusos e coletivos, como regra. Em relação aos interesses individuais, exige que também sejam indisponíveis e homogêneos. No caso em exame, pretende-se que seja reconhecida a sua legitimidade para agir como representante de pes-soa individualizada, suprimindo-se o requisito da homogeneidade.

    2. O interesse do menor carente deve ser postulado pela Defen-soria Pública, a quem foi outorgada a competência funcional para a ‘orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados na forma do art. 5º, LXXIV’. Não tem o Ministério Público legitimidade para propor ação civil pública, objetivando resguardar interesses indi-viduais, no caso de um menor carente.

    3. Recurso especial improvido.’ (REsp n. 664.139-RS, Segunda Turma, Relator Ministro Castro Meira, DJ 20.06.2005)

    A despeito do posicionamento exarado nos recentes julgados, tenho que, à luz da dicção final do art. 127 da Carta Maior, legitimado está o Parquet, a demandar em prol de interesses indisponíveis como o que ora se afigura. Resta assim redigido o referido dispositivo:

    ‘Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis.’

    Sob esse enfoque, assento o meu posicionamento na confinação ideo-lógica e analógica com o que se concluiu no RE n. 248.889-SP, para externar que a Constituição Federal dispõe no art. 227 que: ‘É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à con-vivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opres-são.’ Conseqüentemente a Carta Federal outorgou ao Ministério Público a

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    incumbência de promover a defesa dos interesses individuais indisponíveis, podendo, para tanto, exercer outras atribuições previstas em lei, desde que compatível com sua finalidade institucional (CF, arts. 127 e 129).

    O direito à educação, insculpido na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é direito indisponível, em função do bem co-mum, maior a proteger, derivado da própria força impositiva dos preceitos de ordem pública que regulam a matéria.

    Outrossim, a Lei n. 8.069/1990, nos arts. 7º, 200 e 201, consubs-tancia a autorização legal a que se refere o art. 6º do CPC, configurando a legalidade da legitimação extraordinária cognominada por Chiovenda como ‘substituição processual’, senão vejamos:

    ‘Art. 7º A criança e o adolescente têm direito à proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.’

    ‘Art. 200. As funções do Ministério Público previstas nesta Lei serão exercidas nos termos da respectiva lei orgânica.’

    ‘Art. 201. Compete ao Ministério Público:

    (...)

    V - promover o inquérito civil e a ação civil pública para a prote-ção dos interesses individuais, difusos ou coletivos relativos à infância e à adolescência, inclusive os definidos no art. 220, § 3º, inciso II, da Constituição Federal;’

    Ultrapassadas as questões preliminares e feitas as considerações perti-nentes, subjaz o exame de mérito do recurso especial.

    O art. 208 da Constituição Federal garante o atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade, verbis:

    ‘Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

    (...)

    IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;’

    Por seu turno, o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/1990) e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (Lei n. 9.394/1996), no art. 4º, IV repetiu a garantia constitucional no afã de assegurar creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos, nos seguintes termos:

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    REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

    ‘Art. 4º O dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de:

    (...)

    IV - atendimento educacional especializado gratuito aos educan-dos com necessidades especiais, preferencialmente na rede regular de ensino.’

    Muito embora a matéria pareça gravitar única e exclusivamente em sede constitucional, o que retiraria a competência do STJ para aferir a legi-timidade da decisão recorrida no âmbito do recurso especial, a realidade é que a questão vem traçada no ECA (Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990), em seu art. 54, que assim dispõe:

    ‘Art. 54. É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

    I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

    II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao en-sino médio;

    III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmente na rede regular de ensino;

    IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade; (omissis).’

    Ora, se é dever do Estado, é direito subjetivo da criança.

    Deveras, em função do princípio da inafastabilidade consagrado cons-titucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o assegura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito, por isso a homogeneidade e transindividualidade do mesmo a ensejar a bem manejada ação civil pública.

    De tudo quanto se alegou, revela notável seriedade a questão da suposta ingerência do Judiciário na esfera da Administração.

    Sob esse ângulo, não nos parece correta a alegada discricionariedade do administrador diante de direitos consagrados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo, a atividade é vinculada, inadmitindo-se qualquer exegese que vise a afastar a garantia pétrea.

    Evidentemente que num país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, promes-sas constitucionais alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da

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    República, não se poderia imaginar fosse o direito à educação das crianças relegado a um plano diverso daquele que o coloca na eminência das mais belas garantias constitucionais.

    Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dúvida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos.

    Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância a categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente da promessa cons-titucional a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.

    Realmente, meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na esfera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

    Sobre o tema leciona Luís Roberto Barroso, in O Direito Constitucional e a Efetividade de Suas Normas, 5ª ed., litteris:

    ‘(...) A Constituição de 1988 reiterou ser a educação direito de todos e dever do Estado (art. 205), e detalhou, no art. 208, que tal dever será efetivado mediante a garantia de ‘ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria’ (inciso I), bem como pelo ‘atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência...’ (inciso III). Também aqui não parece haver dúvida quanto à imperatividade da norma e a exigibilidade do bem jurídico tutelado em ambos os casos.

    É bem de ver, no entanto, que o constituinte preferiu não sujeitar-se a riscos de interpretação em matéria à qual dedicou especial atenção: o ensino fundamental. Desse modo, interpretando assim mesmo, fez incluir no § 1º do art. 208 a declaração de que ‘o acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo’. O dispositivo, to-davia, não deve induzir ao equívoco de uma leitura restritiva: todas as outras situações jurídicas constitucionais que sejam redutíveis ao esquema direito individual — dever do Estado configuram, na mesma sorte, direitos públicos subjetivos. Não pretendeu o constituinte limitar outras posições jurídicas de vantagem, mas tão-somente ser meridiana-mente claro em relação a esta posição específica. Com isto evita que a autoridade pública se furte ao dever que lhe é imposto, atribuindo ao

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    comando constitucional, indevidamente, caráter programático e, pois, insusceptível de ensejar a exigibilidade de prestação positiva’ (p. 115).

    Entretanto, quando a Constituição consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, impõe-se ao Judiciário torná-lo realidade, ainda que isso resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orça-mentária.

    É evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio, e atuar sem que isso infrinja a harmonia dos poderes, por-quanto, no regime democrático e no estado de direito, o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu.

    Afastada assim a ingerência entre os poderes, o judiciário atacado de malferimento da lei nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a reali-zação prática da promessa legal.

    Assim, se é direito do menor a freqüência em creche, o Estado, num sentido lato deve desincumbir-se desse dever através da sua rede própria.

    Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da vontade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel.

    Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Cir-culares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano.

    Ora, o Estado prometeu o direito à creche e cumpre adimpli-lo, por-quanto a vontade político e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi essa, no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o País.

    Trata-se de direito com normatividade mais do que suficiente, por-quanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.

    Versando tema análogo, o STF legou princípio a que se deve manter vigília em hipóteses como essa, em que se exige o cumprimento dos deveres constitucionais mercê do respeito e harmonia entre os poderes:

    ‘Mandado de segurança. Sanção disciplinar imposta pelo Presi-dente da República. Demissão qualificada. Admissibilidade do manda-do de segurança. Preliminar rejeitada. Processo administrativo-disci-plinar. Garantia do contraditório e da plenitude de defesa. Inexistência

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    de situação configuradora de ilegalidade do ato presidencial. Validade do ato demissório. Segurança denegada.

    1. A Constituição Brasileira de 1988 prestigiou os instrumentos de tutela jurisdicional das liberdades individuais ou coletivas e sub-meteu o exercício do Poder Estatal — como convém a uma sociedade democrática e livre — ao controle do Poder Judiciário. Inobstante estruturalmente desiguais, as relações entre o Estado e os indivíduos processam-se, no plano de nossa organização constitucional, sob o império estrito da lei. A rule of law, mais do que um simples legado histórico-cultural, constitui, no âmbito do sistema jurídico vigente no Brasil, pressuposto conceitual do estado democrático de direito e fator de contenção do arbítrio daqueles que exercem o poder.é preci-so evoluir, cada vez mais, no sentido da completa justiciabilidade da atividade estatal e fortalecer o postulado da inafastabilidade de toda e qualquer fiscalização judicial. A progressiva redução e eliminação dos círculos de imunidade do poder há de gerar, como expressivo efeito conseqüencial, a interdição de seu exercício abusivo. (...).’ (MS n. 20.999, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 25.05.1990)

    Deveras, colocar um menor numa fila de espera e atender a outros significa o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mas também ferir de morte a dignidade humana.

    O que o Estado soberano promete por si ou por seus delegatários é cumprir o dever de educação mediante o oferecimento de creche a crianças entre zero e seis anos.

    Nesse sentido confira-se julgado da Primeira Turma, no REsp n. 575.280-SP, desta relatoria p/ o acórdão, publicado no DJ 25.10.2004, verbis:

    ‘Direito constitucional à creche extensivo aos menores, de zero a seis anos. Norma constitucional reproduzida no art. 54 do estatuto da criança e do adolescente. Norma definidora de direitos não progra-mática. Exigibilidade em juízo. Interesse transindividual atinente às crianças situadas nessa faixa etária. Ação civil pública. Cabimento e procedência.

    1. O direito constitucional à creche extensivo aos menores, de zero a seis anos, é consagrado em norma constitucional reproduzida no art. 54 do Estatuto da Criança e do Adolescente. Violação de Lei

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    Federal. ‘É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente: I - ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; III - atendimento edu-cacional especializado aos portadores de deficiência preferencialmen-te na rede regular de ensino; IV - atendimento em creche e pré-escola às crianças de 0 (zero) a 6 (seis) anos de idade.’

    2. Releva notar que uma Constituição Federal é fruto da von-tade política nacional, erigida mediante consulta das expectativas e das possibilidades do que se vai consagrar, por isso que cogentes e eficazes suas promessas, sob pena de restarem vãs e frias enquanto letras mortas no papel. Ressoa inconcebível que direitos consagrados em normas menores como Circulares, Portarias, Medidas Provisórias, Leis Ordinárias tenham eficácia imediata e os direitos consagrados constitucionalmente, inspirados nos mais altos valores éticos e morais da nação sejam relegados a segundo plano. Prometendo o Estado o direito à creche, cumpre adimpli-lo, porquanto a vontade política e constitucional, para utilizarmos a expressão de Konrad Hesse, foi no sentido da erradicação da miséria intelectual que assola o país. O di-reito à creche é consagrado em regra com normatividade mais do que suficiente, porquanto se define pelo dever, indicando o sujeito passivo, in casu, o Estado.

    3. Consagrado por um lado o dever do Estado, revela-se, pelo outro ângulo, o direito subjetivo da criança. Consectariamente, em função do princípio da inafastabilidade da jurisdição consagrado constitucionalmente, a todo direito corresponde uma ação que o as-segura, sendo certo que todas as crianças nas condições estipuladas pela lei encartam-se na esfera desse direito e podem exigi-lo em juízo. A homogeneidade e transindividualidade do direito em foco enseja a propositura da ação civil pública.

    4. A determinação judicial desse dever pelo Estado, não encerra suposta ingerência do judiciário na esfera da administração. Deveras, não há discricionariedade do administrador frente aos direitos consa-grados, quiçá constitucionalmente. Nesse campo a atividade é vinculada sem admissão de qualquer exegese que vise afastar a garantia pétrea.

    5. Um país cujo preâmbulo constitucional promete a disseminação das desigualdades e a proteção à dignidade humana, alçadas ao mesmo patamar da defesa da Federação e da República, não pode relegar o di-

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    reito à educação das crianças a um plano diverso daquele que o coloca, como uma das mais belas e justas garantias constitucionais.

    6. Afastada a tese descabida da discricionariedade, a única dú-vida que se poderia suscitar resvalaria na natureza da norma ora sob enfoque, se programática ou definidora de direitos. Muito embora a matéria seja, somente nesse particular, constitucional, porém sem importância revela-se essa categorização, tendo em vista a explicitude do ECA, inequívoca se revela a normatividade suficiente à promessa constitucional, a ensejar a acionabilidade do direito consagrado no preceito educacional.

    7. As meras diretrizes traçadas pelas políticas públicas não são ainda direitos senão promessas de lege ferenda, encartando-se na es-fera insindicável pelo Poder Judiciário, qual a da oportunidade de sua implementação.

    8. Diversa é a hipótese segundo a qual a Constituição Federal consagra um direito e a norma infraconstitucional o explicita, im-pondo-se ao judiciário torná-lo realidade, ainda que para isso, resulte obrigação de fazer, com repercussão na esfera orçamentária.

    9. Ressoa evidente que toda imposição jurisdicional à Fazenda Pública implica em dispêndio e atuar, sem que isso infrinja a harmo-nia dos poderes, porquanto no regime democrático e no estado de direito o Estado soberano submete-se à própria justiça que instituiu. Afastada, assim, a ingerência entre os poderes, o judiciário, alegado o malferimento da lei, nada mais fez do que cumpri-la ao determinar a realização prática da promessa constitucional.

    10. O direito do menor à freqüência em creche, insta o Estado a desincumbir-se do mesmo através da sua rede própria. Deveras, co-locar um menor na fila de espera e atender a outros, é o mesmo que tentar legalizar a mais violenta afronta ao princípio da isonomia, pilar não só da sociedade democrática anunciada pela Carta Magna, mercê