Revista do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro · Matemática do Fracasso do Voto...

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Revista doMinistrio Pblicodo Estado do Rio de Janeiro

Revista doMinistrio Pblicodo Estado do Rio de Janeiro

ISSN 1413-3873

n 56 abr./jun. 2015

Repositrio autorizado de jurisprudnciado Egrgio Supremo Tribunal Federal

Registro n 25/99, de 22/04/1999DJU n 72, de 16/04/1999, p.1

Repositrio autorizado de jurisprudncia do Egrgio Superior Tribunal de Justia

Registro n 37 - Portaria n 1, de 26/10/1998DJU de 05/11/1998, p.137 - Registro retificadoPortaria n 9, de 14/06/1999 - DJ 22/06/1999

Revista do Ministrio Pblico do Estadodo Rio de Janeiro

Emerson GarciaDiretor

Robson Renault GodinhoVice-Diretor

Sergio Demoro HamiltonDiretor Honorrio

Luiza Torezani

Coordenao-Geral Jeziel Gusmo

Felipe MelloLia Pacheco de Oliveira

Tifany FiksPesquisa

Davi KaptzkiEditor-Chefe

Projeto GrficoJonas Cruz

Design Grfico Foto da capa

Daniel CameloDiagramao

Agnaldo AlvesCludia Campocho

Controle AdministrativoSilvio Emanuel Fernandes

EstagirioCristina SiqueiraLorena Tavares

Caroline LinharesReviso Ortogrfica

A responsabilidade dos trabalhos publicados exclusivamente de seus autores.As reprodues fotogrficas utilizadas na capa e no miolo pertencem ao acervo do Museu Hitrico

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Catalogao na publicao - Biblioteca Clvis Paulo da Rocha / MPRJ

Revista do Ministrio Pblico / Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro. - Vol. 1, n.1 (jan./jun. 1995)- . - Rio de Janeiro: Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro, 1995 - v. ; 23 cm

Trimestral

1995-2014 (1 - 54)2015 (55, 56

ISSN 1413-3873

1. Direito - Peridicos. I. Rio de Janeiro (Estado). Ministrio Pblico.

CDD 340.05CDU 34(05)

Procuradoria-Geral de Justia do Estadodo Rio de Janeiro

Marfan Martins VieiraProcurador-Geral de Justia

Eduardo da Silva Lima NetoSubprocurador-Geral de Justia de Administrao

Alexandre Araripe MarinhoSubprocurador-Geral de Justia de Assuntos

Institucionais e Judiciais

Jos Eduardo Ciotola GussemSubprocurador-Geral de Justia de Planejamento Institucional

Ertulei Laureano MatosSubprocurador-Geral de Justia

de Direitos Humanos e Terceiro Setor

Ana Carolina Barroso do Amaral CavalcanteSecretria-Geral do Ministrio Pblico

Corregedoria-Geral do Ministrio Pblico

Pedro Elias Erthal SanglardCorregedor-Geral do Ministrio Pblico

Dennis Aceti Brasil FerreiraSubcorregedor-Geral

Mrcia lvares Pires RodriguesSubcorregedora-Geral

rgo Especial do Colgiode Procuradores de Justia

Marfan Martins VieiraPresidente

Pedro Elias Erthal SanglardCorregedor-Geral

Membros natos

Carlos Antonio da Silva NavegaMaria Cristina Palhares dos Anjos Tellechea

Dalva Pieri NunesHugo Jerke

Adolfo Borges FilhoFernando Chaves da Costa

Ertulei Laureano MatosLuiza Thereza Baptista de Mattos

Mrcio KlangSrgio Bastos Vianna de Souza

Membros eleitos

Walberto Fernandes de Lima Claudia Maria Macedo Perlingeiro dos Santos

Mrcia Alvares Pires Rodrigues Marcelo Daltro Leite

Dirce Ribeiro de Abreu Ktia Aguiar Marques Selles Porto

Patrcia Silveira da RosaMaria Luiza de Lamare So Paulo

Joel TovilSvio Renato Bittencourt Soares Silva

Conselho Superior do Ministrio Pblico

Marfan Martins VieiraPresidente

Pedro Elias Erthal SanglardCorregedor-Geral

Titulares Eleitos

Pelos Procuradores de Justia

Alexandre Viana SchottSrgio Roberto Ulha Pimentel

Marlon Oberst CordovilSumaya Therezinha Helayel

Pelos Promotores de Justia

Cludio Henrique da Cruz VianaConceio Maria Tavares de Oliveira

Ricardo Ribeiro MartinsFlvia Arajo Ferrer de Andrade

Associao do Ministrio Pblicodo Estado do Rio de Janeiro

Luciano Oliveira Mattos de SouzaPresidente

Caixa de Assistncia do Ministrio Pblicodo Estado do Rio de Janeiro

Arthur Pontes TeixeiraDiretor-Presidente

Fundao Escola Superior do Ministrio Pblicodo Estado do Rio de Janeiro

Karine Susan Oliveira Gomes de CuestaDiretora-Presidente

Centro dos Procuradores de Justia do Estadodo Rio de Janeiro

Maria do Carmo dos Santos Casa NovaPresidente

Sicoob Coomperj

Luiz Antnio Ferreira de ArajoPresidente

EDITORIAL

Um dos maiores desafios da cincia jurdica contempornea consiste em realizar anlises que conjuguem os eixos de realidade coletiva, institucional e individual. A base da evoluo do Direito moderno est no equilbrio das tenses existentes entre a vontade popular, fundamento de toda normatizao estatal, os meios de manifestao do Estado para a conservao da ordem e os direitos e obrigaes individuais e coletivos. nesse ponto que o Direito e a Poltica tocam-se, cabendo aos juristas buscar o progresso da reflexo terica no seu campo de estudos, tendo em perspectiva desafios enfrentados tanto pelos legisladores quanto pelos operadores da ordem jurdica. Em sua busca pelo bom funcionamento do sistema jurdico, nunca devem perder de vista o sentido prprio do Direito, que a desafiadora realizao do ideal de Justia.

A presente edio da Revista do Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro no se afasta desses desafios. A seleo dos trabalhos teve como diretriz as mltiplas perspectivas de anlise da trade sociedade-indivduo-Estado. Na seo Doutrina, destacam-se artigos sobre a influncia do Ministrio Pblico na regulao estatal dos servios pblicos e no combate corrupo, bem como sobre as mudanas do novo Cdigo de Processo Civil. So apresentados estudos sobre a precluso, o modo como se d a assistncia, a possibilidade de surgimento da legitimao extraordinria a partir de um negcio jurdico e, por fim, o exame da estabilizao da tutela provisria de urgncia. Na sequncia, so analisados a possibilidade de negcios jurdicos processuais atpicos em matria probatria e o regime de bens e de sucesso. Uma exposio tratando da segurana jurdica e da proteo da confiana no Direito Processual e um exame acerca do voto plurinominal para a formao da lista trplice para a escolha do Procurador-Geral de Justia encerram a seo.

No Observatrio Jurdico, a relao do Estado com a economia est em foco. Na seo Peas Processuais, so mltiplos os temas abordados. O primeiro parecer selecionado trata da limitao do aumento de despesas com pessoal em perodo imediatamente anterior ao trmino de mandato eletivo ou de investidura a termo certo; o segundo, da inconstitucionalidade de preceito de lei municipal que garante o recebimento de penso previdenciria at que o beneficirio complete 24 anos de idade. Ao final, apresentado parecer que trata da requisio de presos, na qualidade de parte, testemunha ou informante, por rgos do Poder Judicirio, a qualquer unidade de custdia. O relacionamento do Parquet com o Estado e os cidados afirma-se enfaticamente na seo de peas: uma ao civil pblica sobre a construo de unidade educacional dentro de rea definida como praa pblica e contrarrazes que abordam a impugnao de decreto que disciplina a reduo da base de clculo do ICMS incidente na importao de malte, cevada e lpulo por estabelecimento do contribuinte que firmar termo de acordo com o Estado do Rio de Janeiro.

Na seo Jurisprudncia, priorizaram-se temas atuais que ocupam a pauta dos dois principais tribunais do Pas (STF e STJ), dos quais a Revista repositrio autorizado. Em Jurisprudncia Internacional, reproduzida a deciso da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso Gomes Lund e outros versus Brasil, referente ao desaparecimento de integrantes da Guerrilha do Araguaia durante as operaes militares da dcada de 1970.

O conjunto dos trabalhos que compem esta edio representa o empenho da Revista do Ministrio Pblico do Estado do Rio de Janeiro em honrar a mais destacada tradio jurdico-cientfica nacional em sua persistente busca pelo aprimoramento do Direito. Trata-se de uma modesta contribuio institucional para a prpria evoluo das cincias jurdicas e, sobretudo, para auxiliar os operadores do direito em sua luta diria pela realizao do ideal de Justia no Brasil contemporneo.

EmErson GarciaDiretor da Revista

robson rEnault GodinhoVice-Diretor da Revista

Sumrio

Doutrina

A Tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada: Segurana Jurdica e Proteo da Confiana no Direito ProcessualAntonio do Passo Cabral .......................................................................................................................19

Regime de Bens e SucessoCarlos Roberto Barbosa Moreira ........................................................................................................45

Os Contornos da Estabilizao da Tutela Provisria de Urgncia Antecipatria no Novo CPC e o Mistrio da Ausncia de Formao da Coisa JulgadaDierle Nunes rico Andrade ...........................................................................................................................................63

Papel do Ministrio Pblico na Lei Anticorrupo (Lei 12.846/2013)Eduardo Cambi ........................................................................................................................................93

O Ministrio Pblico no Processo Civil: Aspectos da PreclusoEmerson Garcia .......................................................................................................................123

Fonte Normativa da Legitimao Extraordinria no Novo Cdigo de Processo Civil: a Legitimao Extraordinria de Origem NegocialFredie Didier Jr. ........................................................................................................................137

A Escolha do Pior Candidato: Rasgando Seu Voto em Trs Pedaos e a Constatao Matemtica do Fracasso do Voto Plurinominal para Procurador-Geral de JustiaJos Marinho Paulo Junior ..................................................................................................................145

A Assistncia no Novo Cdigo de Processo Civil BrasileiroLeonardo Carneiro da Cunha .............................................................................................................151

Ministrio Pblico: Regulador Estatal dos Servios Pblicos e das Atividades Particulares Paulo Wunder de Alencar ....................................................................................................................165

A Possibilidade de Negcios Jurdicos Processuais Atpicos em Matria ProbatriaRobson Renault Godinho ....................................................................................................................191

Observatrio Jurdico

O Estado e a Economia

Ives Gandra da Silva Martins ............................................................................................................. 203

Peas Processuais

Pareceres

Parecer. Consultoria Jurdica. Limitadores existentes para o aumento das despesas com pessoal em perodo imediatamente anterior ao trmino de mandato eletivo ou de investidura a termo certo. As restries existentes na Lei Complementar n 101/2002, Lei de Responsabilidade Fiscal, e na Lei n 9.504/1997, que veicula a Lei das Eleies.Emerson Garcia ......................................................................................................................................211

Parecer ministerial. Subprocuradoria-Geral de Justia de Assuntos Institucionais e Judiciais. Arguio de Inconstitucionalidade da Resoluo n 45/2013, do rgo Especial do Tribunal de Justia do Estado do Rio de Janeiro, que probe a requisio de presos, na qualidade de parte, testemunha ou informante, por rgos do Poder Judicirio a qualquer unidade de custdia, salvo para a realizao de audincias.Luiz Roldo de Freitas Gomes Filho ..................................................................................................221

Parecer ministerial. Subprocuradoria-Geral de Justia de Assuntos Institucionais e Judiciais. Arguio de Inconstitucionalidade suscitada por rgo fracionrio do Tribunal de Justia com o objetivo de que seja apreciado o tema relativo inconstitucionalidade do art. 147, 5 da Lei n 1.506/2000, do Municpio de Duque de Caxias, que garante o recebimento de penso previdenciria at que o beneficirio complete 24 anos de idade, desde que comprovada a sua condio de estudante.Veronica C. R. Antunes Zylberman ....................................................................................................231

Peas

Ao Civil Pblica ajuizada pela 1 Promotoria de Justia de Tutela Coletiva de Defesa da Ordem Urbanstica da Capital. Construo de unidade educacional dentro de rea definida como praa pblica, em afronta rea definida no edital de licitao e em desconformidade com o desenho urbanstico do local. Pedido de Dano Moral Coletivo.Andr Constant Dickstein ................................................................................................................... 237

Contrarrazes. Subprocuradoria-Geral de Justia de Assuntos Institucionais e Judiciais. Recurso Extraordinrio interposto pela Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro na ao direta de inconstitucionalidade, ajuizada pelo Procurador-Geral de Justia, que impugnou o Decreto que disciplina a reduo da base de clculo do ICMS incidente na importao de malte, cevada e lpulo por estabelecimento do contribuinte que firmar termo de acordo com o Estado do Rio de Janeiro.Srgio Roberto Ulha Pimentel ......................................................................................................... 267

Jurisprudncia

Supremo Tribunal Federal

Jurisprudncia Criminal

Recurso ordinrio em habeas corpus. Processual Penal. Jri. Homicdio Qualificado. Artigo 121, 2, II, C/C O Art. 29, do Cdigo Penal. Leitura pelo Ministrio Pblico, nos Debates, de Sentena Condenatria de Corru Proferida em Julgamento Anterior. Alegao de sua Utilizao como Argumento de Autoridade, em Prejuzo do Recorrente. Nulidade. No Ocorrncia. Sentena que no faz Qualquer Aluso a sua Pessoa nem a sua Suposta Participao no Crime. Inaptido do Documento para Interferir no nimo dos Jurados em Desfavor do Recorrente. Pea que no se Subsume na Vedao do Art. 478, I, do Cdigo de Processo Penal. Possibilidade de sua Leitura em Plenrio (Art. 480, Caput, CPP). Inexistncia de Comprovao de que o Documento, de Fato, foi Empregado como Argumento de Autoridade e de que Houve Prejuzo Insanvel Defesa (Art. 563, CPP). Recurso no Provido. Recurso Ordinrio em Habeas Corpus 118.006 So PauloPrimeira Turma, 10/02/2015. .............................................................................................................. 277

Jurisprudncia Cvel

Ao Direta de Inconstitucionalidade. Direito Constitucional. Partilha de Competncia Legislativa Concorrente em Matria de Educao (CRFB, Art. 24, IX). Lei Estadual de Santa Catarina que Fixa Nmero Mximo de Alunos em Sala de Aula. Questo Preliminar Rejeitada. Impugnao Fundada em Ofensa Direta Constituio. Conhecimento do Pedido. Ausncia de Usurpao de Competncia da Unio em Matria de Normas Gerais. Compreenso Axiolgica e Pluralista do Federalismo Brasileiro (CRFB, Art. 1, V). Necessidade de Prestigiar Iniciativas Normativas Regionais e Locais Sempre que no Houver Expressa e Categrica Interdio Constitucional. Exerccio Regular da Competncia Legislativa pelo Estado de Santa Catarina ao Detalhar a Previso Contida no Artigo 25 da Lei n 9.394/1994 (Lei de Diretrizes e Bases da Educao Nacional). Pedido Julgado Improcedente. Ao Direta de Inconstitucionalidade 4.060 Santa CatarinaSesso Plenria, 25/02/2015 .............................................................................................................. 285

Constitucional. Recurso Extraordinrio. Invioabilidade Civil das Opinies, Palavras e Votos de Vereadores. Proteo Adicional Liberdade de Expresso. Afastamento da Reprimenda Judicial por Ofensas Manifestadas no Exerccio do Mandato e na Circunscrio do Municpio. Provimento do Recurso. Recurso Extraordinrio 600.063 So PauloSesso Plenria, 25/02/2015 .............................................................................................................. 305

Superior Tribunal de Justia

Jurisprudncia Criminal

Habeas Corpus . Art. 155, 1 e 4, I e IV, C.C. Art. 71, do Cdigo Penal. Writ Substitutivo de Reviso Criminal. Via Inadequada. Crime Praticado Durante o Repouso Noturno. Aplicao do Art. 155, 1, do Cdigo Penal. Furto Qualificado. Possibilidade. Desclassificao do Crime para a Forma Tentada. Afastamento da Continuidade Delitiva. Revolvimento Ftico-Probatrio. Inviabilidade. Pena-Base. Exasperao. Fundamentao Concreta. Ilegalidade no Evidenciada no Conhecimento.Habeas Corpus n 306.450 SP (2014/0260612-2)Sexta Turma, 04/12/2014 .....................................................................................................................337

Jurisprudncia Cvel

Administrativo e Processual Civil. Recurso Especial. Ao Civil Pblica. Improbidade Administrativa. Controvrsia a Respeito da Possibilidade de Aplicao da Pena de Perda de Cargo a Membro do Ministrio Pblico. Possibilidade.Recurso Especial n 1.191.613 MG (2010/0076423-3)Primeira Turma, 19/03/2015 ................................................................................................................361

Recurso Especial Representativo de Controvrsia. Art. 543-C do CPC e Resoluo STJ n 8/2008. Direito Empresarial e Civil. Recuperao Judicial. Processamento e Concesso. Garantias Prestadas por Terceiros. Manuteno. Suspenso ou Extino de Aes Ajuizadas contra Devedores Solidrios e Coobrigados em Geral. Impossibilidade. Interpretao dos Arts. 6, Caput, 49, 1, 52, Inciso III, e 59, Caput, da Lei n 11.101/2005. Recurso Especial n 1.333.349 SP (2012/0142268-4) Segunda Seo, 26/11/2014 ............................................................................................................... 379

Jurisprudncia Internacional

Corte Interamericana de Direitos Humanos

Nota Introdutria ..........................................................................................................................397

Caso Gomes Lund e Outros (Guerrilha do Araguaia) vs. Brasil Sentena de 24 de Novembro de 2010(Excees Preliminares, Mrito, Reparaes e Custas) ........................................................... 399

NDICE ALFABTICO-REMISSIVO ..............................................................................................527

Detalhe da imagem da capa

Doutrina

Revista do Ministrio Pblico do Rio de Janeiro n 56, abr./jun. 2015 | 19

A Tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada: Segurana Jurdica e

Proteo da Confiana no Direito Processual

antonio do Passo cabral*1

Sumrio

1. Introduo. A Jurisprudncia Consolidada e sua Influncia nos Comportamentos Humanos. 2. Alterao de Jurisprudncia Consolidada. 3. Segurana Jurdica como Continuidade. 3.1. Continuidade Jurdica, Segurana e Alterao de Jurisprudncia. 3.2. A Importncia da Argumentao para que se Verifique a Estabilidade da Jurisprudncia. 4. Exemplos Brasileiros de Retroao de Jurisprudncia Violadora da Segurana Jurdica: Superior Tribunal de Justia (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST). 5. Mecanismos Preventivos e Tcnicas Reparadoras para Preservao de Segurana na Mudana de Jurisprudncia. 5.1. Julgamento-alerta: o Anncio Pblico da Possvel Mudana ou Reapreciao do Entendimento Consolidado. 5.2. Exemplos de Anncio Pblico na Jurisprudncia Estrangeira. 5.3. Forma e Contedo do Julgamento-alerta. 6. Concluso. Bibliografia.

Resumo

Num cenrio em que as decises do Judicirio crescem em importncia no ordenamento jurdico brasileiro, as alteraes de jurisprudncia consolidada podem ferir a confiana legtima de indivduos que tenham pautado suas condutas na expectativa da manuteno do entendimento estvel. O texto aborda o tema da segurana como continuidade jurdica, e especialmente o tema das chamadas decises-alerta, a serem utilizadas preventivamente para evitar prejuzos individuais quando o tribunal visualizar que um entendimento consolidado possa estar errado e vir a ser superado no futuro.

Palavras-chave

Jurisprudncia. Estabilidade. Alterao. Aviso pblico. Julgamento-alerta.

* Professor de Direito Processual Civil da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Doutor em Direito Processual pela UERJ e pela Universidade de Munique, Alemanha (Ludwig-Maximilians-Universitt). Mestre em Direito Pblico pela UERJ. Ps-doutor pela Universidade de Paris I (Panthon-Sorbonne). Procurador da Repblica e ex-Juiz Federal.

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Antonio do Passo Cabral

1. Introduo. A Jurisprudncia Consolidada e sua Influncia nos Comportamentos Humanos

Ao contrrio dos ordenamentos do common law, nos quais os precedentes jurisprudenciais possuem fora vinculativa,1 os sistemas jurdicos de tradio romano-germnica normalmente atribuem jurisprudncia um papel secundrio no processo de produo normativa. Partindo-se da tradio francesa da mais aguda separao de poderes, bem assim da concepo dualista do ordenamento jurdico (segundo a qual a sentena no tem funo criativa, mas somente declaratria de direitos preexistentes), nos sistemas de civil law os precedentes dos tribunais sempre tiveram vinculatividade relativa, denominada aqui e ali de fora persuasiva da jurisprudncia.2 A consolidao do entendimento dos tribunais nunca foi compreendida como fonte do direito, e atuaria apenas como elemento argumentativo, sem carter cogente ou vinculativo.

No obstante, esta tradio vem mudando, e o fenmeno no parece ser restrito ao ordenamento brasileiro. Por aqui, mesmo vivendo em ordenamento de direito escrito e de precedente meramente persuasivo, j longa a evoluo histrica dos mecanismos de vinculao da jurisprudncia, desde as primeiras disposies acerca da eficcia erga omnes das decises do Supremo Tribunal Federal em controle abstrato da constitucionalidade,3 passando pela criao de recursos e incidentes especficos para a uniformizao de jurisprudncia, culminando com as reformas do CPC e da Constituio da Repblica nas ltimas dcadas. Sem embargo, as alteraes do final da dcada de 1990 na legislao processual 4 j ampliavam a fora da jurisprudncia das instncias superiores, mas foi a partir de 2004 que se introduziram mecanismos mais incisivos de vinculao das instncias inferiores, tais como a smula vinculante (art.103-A da CR/88),5 a smula impeditiva de recurso (art. 518, 1 do CPC), e novos incidentes de uniformizao de jurisprudncia.6

1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evoluo do direito, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. So Paulo: RT, 2012, p. 20.2 Sobre o tema, TUCCI, Jos Rogrio Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. So Paulo: RT, 2004, passim; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais: racionalidade da tutela jurisdicional. Curitiba: Juru, 2012, p.116; ATADE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro: os precedentes dos tribunais superiores e sua eficcia temporal. Lisboa: Juru, 2012, p. 103.3 A evoluo foi tratada em BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Mecanismos de uniformizao jurisprudencial e a aplicao da smula vinculante, in Revista dos Tribunais, ano 96, vol. 865, nov, 2007, p. 26 e ss. Desde a primeira Repblica, na criao do Supremo Tribunal, a regra era as decises do STF valerem apenas inter partes. Posteriormente, a ampliao do espectro subjetivo dos vinculados passou pelo controle de constitucionalidade. A Constituio de 1934 previu instituto at hoje presente no cenrio constitucional brasileiro (art. 52, IX da CR/88) que a possibilidade do Senado suspender uma lei declarada inconstitucional pelo STF incidentalmente. A emenda constitucional 16/65 criou a ADI, ento com legitimidade ativa restrita ao Procurador-Geral da Repblica e j com eficcia erga omnes. Foi no perodo ps-1988 que diversos mecanismos do controle abstrato da constitucionalidade se desenvolveram e se aperfeioaram totalmente com as Leis 9.868/99 e 9.882/99.4 A Lei n. 9.756/98 alterou o art. 557 e pargrafos para admitir decises monocrticas, em sede recursal, baseadas na jurisprudncia dominante.5 As smulas, criadas por emenda ao regimento interno do STF em 1963, ganharam fora vinculante com a Emenda Constitucional n 45/2004. Na doutrina, Cf. WOLKART, Erik Navarro. Smula vinculante: necessidade e implicaes prticas de sua adoo (o processo civil em movimento), in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. So Paulo: RT, 2012, passim.6 A smula impeditiva de recursos prevista no art.518 1 do CPC, e que consiste numa barreira recursal

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

Tudo isso levou a doutrina a constatar a progressiva importncia que a jurisprudncia vem assumindo no ordenamento brasileiro. Com efeito, ainda que se adote a teoria dualista do ordenamento, com a consequente natureza declaratria da deciso judicial, fora de dvida que a jurisprudncia consolidada condiciona comportamentos, gerando padres de conduta estveis. Ao cristalizar-se nos debates pretorianos, o entendimento slido dos tribunais a respeito de um tema um relevante dado do trfego jurdico e que frequentemente utilizado para a tomada de conduta individual.

que muitos atos decisrios (sobretudo dos tribunais superiores e especialmente aqueles que tm funo uniformizadora) assumem uma capacidade de generalizao e irradiao que outras decises no possuem,7 sinalizando padres de conduta para uma grande quantidade de casos similares.8 Trata-se de um relevante aspecto da segurana jurdica, qual seja, a calculabilidade do resultado normativo de uma conduta humana,9 que fornece aos indivduos segurana de orientao na adoo de um comportamento.10

Com efeito, j passou do tempo de admitirmos que a jurisdio tambm um fator estabilizador do direito quando a mesma concluso pronunciada, em vrios casos similares, durante um perodo contnuo e duradouro. Quando diante desse grau de estabilizao, os profissionais do direito passam a ter em conta a expectativa de que o mesmo resultado venha a ser seguido em outros casos. P. ex., quando os advogados aconselham seus clientes, quando indivduos e empresas celebram contratos, e em muitas outras situaes, certamente a jurisprudncia

quando a deciso recorrida estiver alinhada com o entendimento sumulado dos tribunais. A Lei 10.259/01 criou novo incidente de uniformizao de jurisprudncia no mbito dos juizados especiais federais. Hoje h outras tcnicas deste tipo no prprio CPC. Parte da doutrina vem denominando as decises proferidas nestes incidentes de precedentes relativamente obrigatrios. Assim, por todos, ATADE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro. Op.cit., p.102-103.7 RBERG, Burkhard. Vertrauensschutz gegenber rckwirkender Rechtsprechungsnderung. Hamburg: Hansischer Gildenverlag, 1977, p.22 ss; p.49 ss; GRUNSKY, Wolfgang. Grenzen der Rckwirkung bei einer nderung der Rechtsprechung. Karlsruhe: C.F.Mller, 1970, p.14-15.8 VILA, Humberto. Segurana jurdica no direito tributrio: entre permanncia, mudana e realizao. Tese apresentada Faculdade de Direito da USP para concurso de ingresso como Professor Titular de Direito Tributrio, mimeografado, 2010, p.530-532. Existe verso comercial, publicada em 2011 sob o ttulo: Segurana jurdica: entre permanncia, mudana e realizao no direito tributrio. So Paulo: Malheiros, 2011.9 PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Eine rechtsvergleichende, methodologische Untersuchung zum Phnomen der hchstrichterlichen Rechtsprechungsnderung in der Schweiz (civil law) und den Vereigniten Staaten (common law). Basel e Frankfurt am Main: Helbing & Lichtenhahn, 1993, p.275; BURMEISTER, Joachim. Vertrauensschutz im Prozerecht. Ein Beitrag zur Theorie vom Dispositionsschutz des Brgers bei nderung des Staatshandelns. Berlin: de Gruyter, 1978, p.18; ZIPPELIUS, Reinhold. Rechtsphilosophie. Mnchen: C.H.Beck, 5 Ed., 2007, p.169-172; LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip: unter besonderer Bercksichtigung des Steuerrechts. Tbingen: Mohr Siebeck, 2002, p.356-358; KATZ, Alfred. Staatsrecht. Heidelberg: C.F.Mller, 18 ed., 2010, p.102.10 BIRK, Dieter. Kontinuittsgewhr und Vertrauensschutz, in PEZZER, Heinz-Jrgen (Ed.). Vertrauensschutz im Steuerrecht. Kln: Otto Schmidt, 2004, p.11; ROTH, Gnther. Das Problem der Rechtsprognose. Festschrift fr Friedrich Wilhelm Bosch. Gieseking: Ernst und Werner, 1976, p.832; SCHLTER, Wilfried. Das Obiter Dictum. Die Grenzen hchstrichterlicher Entscheidungsbegrndung, dargestellt an Beispielen aus der Rechtsprechung des Bundesarbeitsgerichts. Mnchen: C.H. Beck, 1973, p.40.

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Antonio do Passo Cabral

consolidada tambm levada em considerao.11 inegvel que as pessoas, ao planejarem suas vidas e seus negcios, so tambm guiadas por estas diretrizes da jurisprudncia constante.12

Alis, a constncia da jurisprudncia saudada modernamente como relevante fator no s de segurana jurdica, mas tambm de igualdade.13 De fato, como o ordenamento jurdico admite diversos centros de deciso (pulverizados pelo territrio e em variadas instncias de poder, muitas delas com independncia) sistemicamente natural que haja alguma medida de inconsistncia que poderia levar a decises desiguais para casos substancialmente idnticos. Porm, apesar da possibilidade de divergncia, inconcebvel que no haja mecanismos para uniformizao que reduzam as possibilidades dos indivduos serem tratados de maneira anti-isonmica.

Por outro lado, a segurana jurdica contm elementos que exigem estabilidade, certeza e durao da jurisprudncia solidificada. Neste sentido, no basta que o entendimento seja uniforme; faz-se necessrio tambm que o entendimento consolidado perdure e as mudanas de jurisprudncia sejam operadas de maneira responsvel, controlvel, e com consideraes a respeito da segurana jurdica no tempo. Esta tem sido tambm uma preocupao constante da doutrina no Brasil e no estrangeiro, e mesmo em pases de civil law, onde o precedente no tem fora vinculativa.

Por todas estas necessidades, nos ltimos anos, vemos mais e mais autores a pugnar um aumento da fora dos precedentes no nosso sistema, no apenas em nome da segurana (estabilidade x alteraes na jurisprudncia), mas tambm em favor da igualdade (uniformidade x independncia).

Neste texto, deixaremos de lado a questo da isonomia para tratar somente da segurana jurdica frente a mudana de jurisprudncia. E procuraremos abordar apenas a estabilidade da jurisprudncia consolidada, no um nico precedente (mas um conjunto de decises), e desde que este complexo de decises esteja maturado e solidificado como um entendimento estabilizado. Nossa proposta, portanto, estudar solues plenamente aplicveis a um modelo de precedentes persuasivos, tpico do civil law: no trataremos aqui cogitaes de lege ferenda a respeito de precedentes vinculativos.

11 IPSEN, Jrn. Richterrecht und Verfassung. Berlin: Duncker & Humblot, 1975, p. 223.12 KIRCHHOF, Paul. Kontinuitt und Vertrauensschutz bei nderungen der Rechtsprechung, in Deutsches Steuerrecht, n.9, 1989, p.263-264; KRUSE, Heinrich Wilhelm. Kontinuitt und Fortschritt der hchstrichterlichen Rechtsprechung, in Festschrift 75. Jahre Reichsfinanzhof Bundesfinanzhof. Bonn: Stollfu, 1993, p.239 ss; BURMEISTER, Joachim. Grenzen rckwirkender Verschrfung der Besteuerungspraxis aufgrund einer nderung der Auslegung (veranlagungs-)steuerlicher Vorschriften durch die Finanzverwaltung und gerichte, in Staat, Wirtschaft, Steuern. Festschrift fr Karl Heinrich Friauf zum 65. Geburtstag. Heidelberg: C.F.Mller, 1996, p.765; G.REINICKE e D.REINICKE. Zum Vertrauensschutz auf eine stndige Rechtsprechung, in Monatsschrift fr Deutsches Recht, ano 10, n.6, 1956, p.327-328; LANGENBUCHER, Katja. Die Entwicklung und Auslegung von Richterrecht. Eine methodologische Untersuchung zur richterlichen Rechtsfortbildung im deutschen Zivilrecht. Mnchen: C.H.Beck, 1996, p.117.13 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Op.cit., p.130.

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

Muito bem, visto que um entendimento jurisprudencial estvel condiciona comportamentos, nos tpicos seguintes propomos reflexo as seguintes perguntas: a jurisprudncia consolidada pode mudar? Deve mudar? Se afirmativa a resposta, como ento promover a alterao de jurisprudncia sem perda de segurana? Quais mecanismos podem ser utilizados para atingir este escopo?

2. Alterao de Jurisprudncia Consolidada

Claro que a busca pela correo e o aprimoramento das decises deve permitir alteraes de contedo em julgamentos futuros. Da mesma forma que um entendimento consolidado deve ter estabilidade, deve ser natural a sua alterao pela percepo de que este mesmo entendimento est equivocado ou que a evoluo da sociedade revela sua obsolescncia.14 Em nome da evoluo e desenvolvimento do direito, a jurisprudncia, por tratar de uma realidade essencialmente mutvel, deve estar aberta mudana, mesmo de concluses consolidadas pela reiterao decisria ao longo do tempo.15

No obstante, o planejamento humano baseado na orientao jurisprudencial anterior pode ser dura e subitamente afetado por uma substancial violao s expectativas criadas na manuteno do entendimento estabilizado.16 Portanto, a mudana de jurisprudncia deixa de ser apenas uma questo de cultura ou praxe, algo que poderia ser considerado sempre normal, e passa a dever ser analisada no contexto do Estado de Direito, especialmente em face das necessidades de segurana jurdica.17 Sem embargo, a continuidade da jurisprudncia dos tribunais um fator importante para a criao das expectativas,18 e ento deve haver uma medida de constncia na jurisprudncia, no podendo ser alterada sempre e por qualquer motivo.

Ora, nesse cenrio em que a jurisprudncia um fator de previsibilidade e calculabilidade no trfego jurdico, no pode haver surpresa dos litigantes que pautaram seus comportamentos na jurisprudncia anterior.19 Impende haver proteo para a parte que confiou na manuteno do entendimento consolidado.20

14 MARKMAN, Stephen. Precedent: tension between continuity in the Law and the perpetuation of wrong decisions, in Texas Law Review of Law and Politics, vol.8, n.2, abr. 2004, p.283.15 ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Op.cit., p.282 ss.16 BEERMANN, Joahanes. Verwirkung und Vertrauensschutz im Steuerrecht. Mnster-New York: Waxmann, 1991, p.29.17 SOBOTA, Katharina. Das Prinzip Rechtsstaat: Verfassungs- und verwaltungsrechtliche Aspekte. Tbingen: Mohr Siebeck, 1997, p.180; KIRCHHOF, Paul. Kontinuitt und Vertrauensschutz bei nderungen der Rechtsprechung, Op.cit., p.264; KRUSE, Heinrich Wilhelm. Kontinuitt und Fortschritt der hchstrichterlichen Rechtsprechung, Op.cit., p.239-240.18 ARNDT, Hans-Wolfgang. Probleme rckwirkender Rechtsprechungsnderung. Frankfurt am Main: Athenum, 1974, p.86-88; LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip, Op.cit., p.611.19 KIRCHHOF, Paul. Kontinuitt und Vertrauensschutz bei nderungen der Rechtsprechung, Op.cit., p.269.20 KOHLER, Helmut. Gesetzesauslegung und gefestigte hchstricherliche Rechtsprechung, in Juristische Rundschau, n.2, fev, 1984, p.45-47; PIEKENBROCK, Andreas. Faktische Rechtsnderungen durch Richterspruch als Kollisionsrechtliches Problem, in Zeitschrift fr Zivilproze, 119 Band, Heft 1, 2006, p.11; GRUNSKY, Wolfgang. Grenzen der Rckwirkung bei einer nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.10 ss.

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Assim, em casos onde a mudana possa prejudicar indivduos que tomaram condutas com base na jurisprudncia anterior, algum mecanismo deve existir para evitar o dano aos agentes de boa-f.21

3. Segurana Jurdica como Continuidade

corrente o entendimento de que a segurana jurdica, seja derivada da clusula do Estado de Direito, seja compreendida como princpio autnomo, incorpora ideias como certeza, previsibilidade, confiabilidade, coerncia, etc.22 Sem embargo, uma norma no pode ser imprecisa ao ponto de revelar-se incompreensvel, at porque a litigiosidade e o conflito so estimulados quando o contedo das normas duvidoso.23 Por outro lado, o ordenamento jurdico no pode ser um conjunto catico e descoordenado de pontos isolados e sem comunicao entre eles. Ao visualizarmos o sistema jurdico, devemos poder enxergar um complexo de regras consistente e coerente, que permita aos indivduos e aos rgos de Estado trabalhar com as normas dentro de um quadro minimamente seguro e estvel, tanto no que se refere determinabilidade, preciso e compreensibilidade de seu contedo, como tambm no que tange estabilidade dos atos jurdicos. Ento, a segurana jurdica deveria atuar para emprestar ao conjunto de normas que forma o ordenamento qualificativos como a estabilidade, coerncia sistmica, harmonia interna, ausncia de contradies, permanncia, durao, etc.

Tradicionalmente, sempre se tratou do tema da segurana como se o Estado, ao procurar atribuir estabilidade ao contedo dos atos pretritos, necessariamente perdesse, total ou parcialmente, sua capacidade de reagir de maneira flexvel e adaptvel a novas realidades. Esta forma ortodoxa de conceber a segurana descrevia-a como algo incompatvel com a mudana.24

Contudo, o tratamento da segurana jurdica, atualmente, no se compadece mais com uma abordagem esttica, tpica do formato da segurana-imutabilidade, que se baseia nos referenciais de inalterabilidade, indiscutibilidade, imunizao,

21 BR, Rolf. Praxisnderung und Rechtssicherheit, in FORSTMOSER, Peter e SCHLUEP, Walter R. (Ed.). Freiheit und Verantwortung im Recht. Festschrift zum 60. Geburtstag von Arthur Meier-Hayoz. Bern: Stmpfli, 1982, p.1; ROBBERS, Gerhard. Rckwirkende Rechtsprechungsnderung, in Juristen Zeitung, ano 43, n.10, 1988, p.485.22 IPSEN, Jrn. Richterrecht und Verfassung. Op.cit., p.223; SINGER, Reinhard. Das Verbot widersprchlichen Verhaltens. Mnchen: C.H.Beck, 1993, p.77-79; KIRCHHOF, Paul. Vertrauensschutz im Steuerrecht, Op.cit., p.1-2; SCHMIDT-ASSMANN, Ebehard. Der Rechtsstaat, in ISENSEE, Josef; KIRCHHOF, Paul (Orgs.). Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Band II: Verfassungsstaat. Heidelberg: C.F.Mller, 1996, p.587; WERDER, Alexander. Dispositionsschutz bei der nderung von Steuergesetzen zwischen Rckwirkungsverbot und Kontinuittsgebot. Berlin: Duncker & Humblot, 2005, p.94; PECZENIK, Alexander. Certainty or coherence?, in KRAWIETZ, Werner; SUMMERS, Robert S.; WEINBERGER, Ota; e WRIGHT, Georg Henrik (Ed.). The Reasonable as Rational? On legal argumentation and justification. Festschrift for Aulis Aarnio. Berlin: Duncker & Humblot, 2000, p.162, 168.23 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evoluo do direito, Op.cit., p.33; WOLKART, Erik Navarro. Smula vinculante: necessidade e implicaes prticas de sua adoo..., Op.cit., p.294.24 Percebe-se traos desta concepo em WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evoluo do direito, Op.cit., p.15, 19.

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

intangibilidade. Hoje em dia, o Estado de Direito precisa atuar na segurana jurdica de maneira flexvel, permitindo proteo do contedo estvel, mas acomodando novos elementos que apaream ao longo do tempo. A segurana projeta-se num continuum, temporalmente balanceada entre as estabilidades pretritas, as exigncias do presente e as expectativas e prognoses futuras. E assim deve ocorrer tambm quando o Judicirio lida com posies jurdicas consolidadas.

Na atualidade, portanto, o formato mais adequado para a segurana jurdica a segurana-continuidade.25 A continuidade jurdica um conceito que est na sntese da tenso entre uma total e estanque eternizao de contedos estabilizados e o oposto de uma ampla e irrestrita alterabilidade. Continuidade, ento, no significa petrificao, mas mudana com consistncia,26 protegendo os interesses humanos de estabilidade e permanncia, mas viabilizando tambm a alterao das posies jurdicas estveis.27 Por conseguinte, a continuidade revela uma maneira de no bloquear totalmente as mudanas e, ao mesmo tempo, preservar a segurana.

Observe-se que, por um lado, a continuidade favorece a segurana jurdica, revelando-se no dever do Estado de estabilizao do sistema jurdico no longo prazo.28 De fato, a continuidade incorpora a necessidade de constncia (Bestndigkeit) e consistncia (Stetigkeit) nos procedimentos de mudana normativa,29 pressionando pela invariabilidade das regras (e tambm, como veremos, do entendimento jurisprudencial consolidado).30 No obstante, essa tendncia de estabilidade no definitiva, intangvel, imutvel, inaltervel. Trata-se de uma fora prima facie que pode ser infirmada se circunstncias especiais demonstrarem a necessidade de modificao daquela posio jurdica. O direito pretende valer permanentemente, mas deve incorporar elementos mveis e de contedo varivel, inclusive no tempo.31

Portanto, no se trata apenas de enfocar a continuidade jurdica na consistncia, constncia, e portanto contra a mudana. O estudo da continuidade

25 KATZ, Alfred. Staatsrecht. Op.cit., p.102; WEBER-DRLER, Beatrice. Vetrauensschutz im ffentlichen Recht. Basel und Frankfurt am Main: Helbing Von Lichtenhahn, 1983, p.52; Schulze-Fielitz, Helmuth. Kernelemente des Rechtsstaatsprinzips, in DREIER, Horst (Ed.). Grundgesetz Kommentar. Tbingen: Mohr Siebeck, Band II, 1998, p.184.26 WOERNER, Lothar. Der Bundesfinanzhof zwischen Stetigkeit und Wandel Theorie und Praxis, in Steuerrecht, Verfassungsrecht, Finanzpolitik: Festschrift fr Franz Klein. Kln: Otto Schmidt, 1994, p.1025; LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip. Op.cit., p.4-5, 15, 376.27 COING, Helmut. Grundzge der Rechtsphilosophie. Berlin: de Gruyter, 5 ed., 1993, p.148; WERDER, Alexander. Dispositionsschutz bei der nderung von Steuergesetzen. Op.cit., p.94.28 LEISNER-EGENSPERGER, Anna. Kontinuittsgewhr in der Finanzrechtsprechung, in PEZZER, Heinz-Jrgen (Ed.). Vertrauensschutz im Steuerrecht. Kln: Otto Schmidt, 2004, p.200; VILA, Humberto. Segurana jurdica no direito tributrio. Op.cit . p.373. A previsibilidade como componente da segurana jurdica um tema h muito estudado no campo da revogao de leis. Cf.KISKER, Gunter. Die Rckwirkung von Gesetze. Eine Untersuchung zum anglo-amerikanischen und deutschen Recht. Tbingen: Mohr, 1963, p.17 e 93 e ss.29 BIRK, Dieter. Kontinuittsgewhr und Vertrauensschutz. Op.cit., p.11.30 KAUFMANN, Arthur. Grundprobleme der Rechtsphilosophie. Eine Einfhrung in das rechtsphilosophische Denken. Mnchen: C.H.Beck, 1994, p.171.31 MERKL, Adolf. Allgemeines Verwaltungsrecht. Wien: Springer, 1927, p.209-210.

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abraa tambm o reconhecimento de uma margem permitida de alterabilidade.32 Trata-se de enxergar uma mnima medida de consistncia, a proteo de um minimum de continuidade33 ao lado de uma esfera marginal de mudana sistemicamente autorizada. Portanto, a fora da continuidade atribui ao sistema apenas uma durao tendencial,34 sem precluir ou impedir a alterao de contedos estveis.

3.1. Continuidade Jurdica, Segurana e Alterao de Jurisprudncia

Vimos que as pessoas programam suas vidas e suas condutas com base na expectativa da manuteno de uma regra. E, na viso do indivduo, pouco importa se a alterao normativa que pode surpreend-los vir por uma nova lei, ato administrativo ou por uma guinada no entendimento jurisprudencial.35 Se os efeitos so os mesmos, prejudicando o planejamento que considerou e confiou na expectativa de manuteno da jurisprudncia constante, ento a proteo das expectativas na alterao de entendimento consolidado dos tribunais deve ser assemelhado ao das alteraes das leis e normas regulamentares.36

Em qualquer caso, a segurana jurdica deve proteger as expectativas daqueles que legitimamente confiaram na subsistncia daquela concluso no tempo, e praticaram atos tomando este contedo estabilizado em considerao. Isso se aplica tambm no que se refere s decises jurisdicionais estveis,37 campo no qual a doutrina estrangeira tem aplicado os conceitos de segurana, continuidade ou, mais comumente, de proteo da confiana.38

32 LEISNER, Walter. Das Gesetzesvertrauen des Brgers. Zur Theorie der Rechtsstaatlichkeit und der Rckwirkung der Gesetze, in Festschrift fr Friedrich Berber zum 75. Geburtstag. Mnchen: C.H.Beck, 1973, p.281; LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip. Op.cit., p.19.33 KRIELE, Martin. Theorie der Rechtsgewinnung entwickelt am Problem der Verfassungsinterpretation. Berlin: Duncker & Humblot, 2 ed., 1976, p.263-264, na linha de vinculaes presumidas das prejudiciais. No mesmo sentido, LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip. Op.cit., p.197.34 BARROSO, Luis Roberto. Em algum lugar do passado: segurana jurdica, direito intertemporal e o novo Cdigo Civil, in Temas de Direito Constitucional. Tomo III. Rio de Janeiro: Renovar, 2005, p.133; Idem. Poder constituinte derivado, segurana jurdica e coisa julgada, in: Temas de Direito Constitucional, vol. II. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p.409; SCHMIDT-ASSMANN, Eberhard. Der Rechtsstaat. Op.cit., p.586 e ss; LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip.... Op.cit., p.354 e ss; MEDAUAR, Odete. Segurana jurdica e confiana legtima, in Fundamentos do Estado de Direito. Estudos em Homenagem ao Professor Almiro do Couto e Silva. So Paulo: Malheiros, 2005, p.115-117; PIEROTH, Bodo. Rckwirkung und bergangsrecht. Verfassungsrechtliche Mastbe fr intertemporale Gesetzgebung. Berlin: Duncker & Humblot, 1981, p.118; MAURER, Hartmut. Kontinuittsgewhr und Vertrauensschutz, in ISENSEE, Josef e KIRCHHOF, Paul (Org.). Handbuch des Staatsrechts der Bundesrepublik Deutschland. Heidelberg: C.F.Mller, III, 1996, p.417.35 GRUNSKY, Wolfgang. Grenzen der Rckwirkung bei einer nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.11.36 MAURER, Hartmut. Kontinuittsgewhr und Vertrauensschutz. Op.cit., p.468-469; OSSENBHL, Fritz. Vertrauensschutz im sozialen Rechtsstaat. Die ffentliche Verwaltung. Zeitschrift fr Verwaltungsrecht und Verwaltungspolitik, n.1-2, jan, 1972, p.33; Schulze-Fielitz, Helmuth. Kernelemente des Rechtsstaatsprinzips, Op.cit., p.193. Confira-se ainda o debate em KNITTEL, Wilhelm. Zum Problem der Rckwirkung bei einer nderung der Rechtsprechung. Eine Untersuchung zum deutschen und US-amerikanischen Recht. Bielefeld: Gieseking, 1965, p.20 ss, 50 ss.37 LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip, Op.cit., p.153.38 BOUJONG, Karlheinz. Rechtsfortbildung, Rechtsprechungsnderung und Vertrauensschutz in der Judikatur des Bundesgerichtshofs, in Festschrift fr Andreas Heldrich zum 70. Geburtstag. Mnchen: C.H.Beck, 2005, p.1238-1239.

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

Pensamos que o princpio de proteo da confiana se aplica tambm aos atos jurisdicionais, embora esta seja uma concluso reconhecida s mais recentemente que para os atos administrativos e legislativos, para os quais a aplicao do princpio muito mais antiga.39 De fato, vrios autores veem na proteo da confiana o fundamento para restringir a mudana de jurisprudncia retroativa.40 Se a mudana de jurisprudncia reflete uma coliso intertemporal de normas,41 e a proteo da confiana assume, no contexto do Estado de Direito, uma dimenso de confiana intertemporal,42 esta tambm deveria ser protetiva dos direitos individuais na mudana de jurisprudncia.

Porm, a questo polmica, e muitos autores so contrrios aplicao do princpio da proteo da confiana nas alteraes de jurisprudncia. Claus-Wilhelm Canaris, p.ex., afirma no ser possvel justificar o problema da revogao de jurisprudncia na Vertrauensschutz porque este seria um princpio muito vago e que nem sempre invocado contra o Estado. O professor de Munique prefere usar conceitos civilistas como o abuso de direito (Rechtsmissbrauch).43

Outros autores, como Leisner e Burmeister, engrossam o coro e tambm afirmam que a proteo da confiana no serve para bloquear alteraes de jurisprudncia. Por um lado, no poderia existir uma autovinculao dos tribunais aos entendimentos anteriores,44 sob pena de estarmos impedindo a evoluo e o aprimoramento do direito, aprisionando os tribunais a entendimentos e interpretaes no mais aceitveis.45 Fortes na no vinculatividade da jurisprudncia nos ordenamentos do civil law, sustentam que no se poderiam aplicar os mesmos critrios consagrados para a proteo da confiana em relao aos atos legislativos porque, no caso da mudana legal, a lei anterior efetivamente existiu e foi vlida; na mudana de jurisprudncia, o entendimento superado corresponderia a uma m-compreenso do direito, e ento no haveria em verdade qualquer alterao normativa.46 No existiria, portanto, um direito do particular confiana em uma percepo antiga e ruim do juiz, no havendo expectativa legtima a ser tutelada.

Ademais, afirma-se que, pela limitao subjetiva inter partes da coisa julgada, normalmente as decises judiciais no devam gerar confiana para ningum.47

39 BEERMANN, Joahanes. Verwirkung und Vertrauensschutz im Steuerrecht. Op.cit., p.28.40 ARAJO, Valter Shuenquener de. O princpio da proteo da confiana. Uma nova forma de tutela do cidado diante do Estado. Niteri: Impetus, 2009, p.174-175; BEERMANN, Joahanes. Verwirkung und Vertrauensschutz im Steuerrecht. Op.cit., p.29.41 PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.714, 719; PIEKENBROCK, Andreas. Faktische Rechtsnderungen durch Richterspruch als Kollisionsrechtliches Problem, Op.cit., p.21.42 SOBOTA, Katharina. Das Prinzip Rechtsstaat. Op.cit., p.163: intertemporre Verllichkeit. PIEKENBROCK, Andreas. Faktische Rechtsnderungen durch Richterspruch als Kollisionsrechtliches Problem, Op.cit., p.32-33 e 38.43 CANARIS, Claus-Wilhelm. Anmerkung zum BAG Beschluss vom 6.1.1971, in Sammlung Arbeitsrechtlicher Entscheidungen, n.1, 1972, p.22-23.44 BURMEISTER, Joachim. Vertrauensschutz im Prozerecht. Op.cit., p.35.45 LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip, Op.cit., p.538-541.46 PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.441-442.47 Cf. ROBBERS, Gerhard. Rckwirkende Rechtsprechungsnderung, Op.cit., p.485.

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Com todas as vnias aos ilustres autores, estas crticas so, em nosso sentir, fundadas em premissas equivocadas. Em primeiro lugar, apesar da coisa julgada ser limitada s partes, os efeitos das decises podem atingir os terceiros, o que j seria fundamento suficiente para justificar uma preocupao com a proteo da confiana. De outro lado, a aplicao do princpio da proteo da confiana hoje corriqueira, havendo menos vagueza e maior quantidade de parmetros aplicativos, o que torna sua utilizao controlvel e racional. Ademais, a proteo da confiana essencialmente um direito do indivduo contra o Estado. Alm disso, como o juiz no aplica a lei, mas a lei interpretada, hoje j se aceita muito mais a fora criativa da deciso judicial, sendo cada vez mais claro que o entendimento dos tribunais tambm condicionante aos juzos inferiores pela fora persuasiva das decises, ainda que no vinculantes.48 Por fim, em decises de espectro subjetivo mais amplo, de definio de contedo normativo geral (incidente de recursos repetitivos, repercusso geral, etc), pode-se compreender que a pretenso de correo do tribunal, somada abrangncia do pronunciamento, possam gerar confiana legtima, j que sero modelos de conduta futura.49

No obstante, ainda que se defenda que o princpio da proteo da confiana no poderia ser considerado o fundamento para as restries mudana jurisprudencial, a vertente da continuidade jurdica impe deveres aos tribunais de permanncia e durao da jurisprudncia consolidada reclamando mtodos e tcnicas de preservao da segurana jurdica na mudana de entendimento consolidado.

Isso porque a prpria noo de jurisprudncia depende de uma certa continuidade das decises.50 As decises de alterao de jurisprudncia devem, ento, preocupar-se com o futuro, para que o indivduo que se programou com base na jurisprudncia anterior possa praticar atos jurdicos sem ser surpreendido.51 Portanto, ambos os princpios, continuidade jurdica e proteo da confiana, complementam-se na questo da estabilidade da jurisprudncia.52

48 Kriele chega a afirmar que as decises anteriores gerariam uma espcie de presuno. Cf.KRIELE, Martin. Theorie der Rechtsgewinnung. Op.cit., p.246, 262 ss.49 Nestes casos, pode-se fazer alguma analogia sobre a retroatividade da jurisprudncia com a retroatividade das leis. Cf.LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip, Op.cit., p.536-538, 616-618.50 LEISNER-EGENSPERGER, Anna. Kontinuittsgewhr in der Finanzrechtsprechung, Op.cit., p.208.51 KNITTEL, Wilhelm. Zum Problem der Rckwirkung bei einer nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.59-60.52 O Tribunal Superior do Trabalho alemo justifica a estabilidade da jurisprudncia no apenas na proteo da confiana, mas tambm no princpio da continuidade: ambos devem impor limites alterao. Confira-se BAGE 45, 277 (288). No obstante, lembre-se sempre que o princpio da proteo da confiana tem um carter subjetivo: para que seja implementada a proteo da confiana de um indivduo quando a alterao da jurisprudncia se fizer necessria, deve haver um comportamento concreto para justificar a base da confiana. Sobre o tema, Cf. ARNDT, Hans-Wolfgang. Probleme rckwirkender Rechtsprechungsnderung. Op.cit., p.82-84; PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.539 ss; BURMEISTER, Joachim. Vertrauensschutz im Prozerecht. Op.cit., p.26 ss; LEISNER, Anna. Kontinuitt als Verfassungsprinzip, Op.cit., p.541.

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

3.2. A Importncia da Argumentao para que se Verifique a Estabilidade da Jurisprudncia

No h um conceito claro que defina qual a ratio decidendi de uma jurisprudncia consolidada; tampouco se sabe com preciso o que significa uma mudana jurisprudencial ou da praxis judiciria nos ordenamentos do civil law.

Nos ordenamentos do common law, mais acostumados a lidar com a jurisprudncia (pelo carter vinculativo do precedente), os estudos sobre as decises passam no apenas pela identificao do contedo da regra do precedente (a identificao da ratio decidendi ou holding), mas tambm uma perspectiva externa, sobre como aquele precedente ou aquela jurisprudncia deve se comportar diante de novos elementos que alterem as bases do raciocnio que levou ao entendimento consolidado.53

Naqueles ordenamentos, fala-se no overruling como sendo a superao de uma regra jurdica estabelecida em uma deciso anterior, deciso que fora a primeira a tratar daquele tema (case of first impression), e que , em termos simples, a deciso que lidera a jurisprudncia sobre a matria (leading case).54

Porm, no possvel aplicar estes conceitos aos ordenamentos de precedente no vinculativo ou meramente persuasivo. Nestes, como no Brasil, a jurisprudncia se constitui de uma srie de decises, e no apenas uma. Portanto, sua alterao deve ser verificada no s por uma outra deciso que conclua em sentido diverso de todas aquelas que compunham a jurisprudncia anterior; necessrio que haja uma certa reproduo e estabilizao do novo entendimento para que se possa constatar uma mudana jurisprudencial.55 Somente em raras hipteses poderamos pensar num overruling no sentido anglo-americano. Isso seria imaginvel em certas decises do STF (p.ex., que analisam a repercusso geral em recurso extraordinrio) e tambm do STJ (como nas decises no julgamento de recursos especiais repetitivos).56 Estes tribunais por vezes decidem tambm recursos especficos de uniformizao de jurisprudncia, como os embargos de divergncia, que so julgados por rgos de composio mais representativa, como as Sees ou o Pleno.57 Nestes casos, uma nica deciso poderia ser considerada como overruling de todo o conjunto consolidado de arestos que anteriormente aplicavam o entendimento oposto.

Na generalidade dos casos em que falamos, no Brasil, sobre superao, revogao ou mudana de jurisprudncia consolidada, pensamos numa virada de entendimento que pode at se iniciar de uma nica deciso, mas que, para

53 Esta perspectiva externa salientada por MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios. So Paulo: RT, 2010, p.214-215.54 Sobre o tema, Cf. PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.126-129; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Op.cit., p.304.55 PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.130-134.56 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evoluo do direito, Op.cit., p.81.57 VILA, Humberto. Segurana jurdica no direito tributrio. Op.cit., p.532 ss.

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significar a substituio de uma concluso estvel por outra, depende igualmente de que o novo entendimento venha a ser reiterado em outros crculos decisrios e por algum tempo.

Nesse contexto, o que talvez o mais interessante notar que o estudo da segurana jurdica da jurisprudncia, bem assim as formas e tcnicas para sua reviso ou superao, revela que a estabilidade aqui depende fundamentalmente de uma anlise sobre os argumentos das partes e do juzo. Isto , ao contrrio de outras formas de estabilidade processual (como a coisa julgada), nas quais a comparao de contedo para que se verifique haver ou no estabilidade (e para se seguir a quebra de estabilidade) revela-se num exame das concluses da deciso (o dispositivo), na jurisprudncia consolidada o exame dos fundamentos, do debate em contraditrio, das razes de decidir, que permitir aquilatar se havia um conjunto slido de decises unvocas que poderia ser considerado uma jurisprudncia consolidada, e neste mesmo complexo de argumentaes, cotejado com o novo entendimento, que se poder identificar uma reverso ou superao daquela concluso anterior. E, para descobrir este ncleo de questes estveis que est sendo modificado, mister se faz analisar a fundamentao.

E a segurana jurdica das expectativas criadas pela jurisprudncia consolidada tambm depender desta verificao. De fato, o que gera a confiana, expectativas, a ratio decidendi, at porque esta que est relacionada com a vinculatividade.58 Assim, a anlise da quebra de estabilidade da jurisprudncia remete o jurista a uma anlise do procedimento em contraditrio, vale dizer, um exame muito mais dinmico do que aquelas tcnicas tradicionalmente aplicadas para verificao da existncia de coisa julgada, por exemplo.

4. Exemplos Brasileiros de Retroao de Jurisprudncia Violadora da Segurana Jurdica: Superior Tribunal de Justia (STJ) e Tribunal Superior do Trabalho (TST)

Para evidenciar a necessidade de estudo e reflexo sobre a mudana de jurisprudncia, e a surpresa que a aplicao retroativa de um novo entendimento pode gerar, traremos alguns exemplos recentes de retroao de decises que geraram, e certamente ainda produziro, muitos prejuzos, em patente violao proteo da confiana legtima e continuidade jurdica.

58 SCHLTER, Wilfried. Das Obiter Dictum. Op.cit., p.81; BODENHEIMER, Edgar. Prjudizverwertung und Gesetzesauslegung im amerikanischen Staat. Archiv fr die civilistische Praxis, ano 160, 1961, p.4-16; RIEZLER, Erwin. Ratio decidendi und obiter dictum im Urteil, in Archiv fr die civilistische Praxis, ano 139, 1934, p.161-162; ARAJO, Valter Shuenquener de. O princpio da proteo da confiana...Op.cit., p.201. Sobre a diferena entre ratio decidendi e obiter dictum, confira-se, no direito brasileiro, WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evoluo do direito, Op.cit., p.39-40, 46; MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios. Op.cit., p.335 ss; TUCCI, Jos Rogrio Cruz e. Precedente judicial como fonte do direito. Op.cit., p.175 ss; NUNES, Dierle. Precedentes, padronizao decisria preventiva e coletivizao, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. So Paulo: RT, 2012, p.267 ss; WOLKART, Erik Navarro. Smula vinculante: necessidade e implicaes prticas de sua adoo..., Op.cit., p.295; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Op.cit., p.105 ss; ATADE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro. Op.cit., p.71 ss.

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

Especialmente nesta coletnea, em que se estuda, em retrospectiva, a jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia em matria processual, entendemos relevante tambm apresentar nossa crtica ao tratamento que j foi dado, em algumas oportunidades, alterao de entendimento consolidado nos tribunais superiores brasileiros.

Exemplo de aplicao retroativa de um novo entendimento jurisprudencial foi da orientao jurisprudencial n. 320 do TST, referente ao sistema de protocolo integrado. Este sistema tinha sido criado, em alguns Tribunais do Trabalho, para permitir que varas do interior recebessem o protocolo de recursos destinados a outras varas e ao prprio tribunal. O TST afirmou que este protocolo s valia no mbito do prprio tribunal local, mas no no TST, e passou a inadmitir diversos recursos com base neste novo entendimento, mesmo que os recursos tivessem sido interpostos muito tempo antes. Seria bvio ressaltar que inmeros recorrentes foram prejudicados. E as enormes dificuldades prticas decorrentes desta aplicao retroativa e sem preocupao com a segurana jurdica geraram a revogao desta orientao jurisprudencial.59

Outro exemplo pode ser extrado da jurisprudncia do Superior Tribunal de Justia, que operou uma retroativa mudana de jurisprudncia que certamente gerou e ainda produzir inmeros prejuzos. Tratava-se da questo de saber qual seria o termo a quo para os prazos do Ministrio Pblico, se seria contado a partir da entrada fsica dos processos no protocolo do rgo, ou do recebimento pessoal pelo membro (Promotor ou Procurador), com a aposio do ciente. A jurisprudncia do STJ, que outrora decidira que deveria ser contado o prazo do recebimento pessoal dos autos pelo membro do MP, passou a entender que o prazo deveria comear a transcorrer da entrada do processo no rgo, ainda que o processo, por burocracia interna, demorasse para chegar s suas mos. Pois bem, at a, seria uma alterao normal de entendimento, operada pela convico da corte de estar aprimorando sua interpretao das regras legais.60 No entanto, posteriormente, o STJ decidiu que a nova contagem do prazo seria aplicada retroativamente, isto , tambm aos casos anteriores aos arestos que mudaram o entendimento.61 Ora, com todas as vnias, no podemos concordar. Isto porque as partes sempre se pautaram pelo entendimento anterior, e ento os membros do MP, durante anos, utilizavam o prazo contando o termo a quo a

59 Cf. MALLET, Estvo. A jurisprudncia sempre deve ser aplicada retroativamente? Revista de Processo, ano 31, n.133, mar. 2006, p.73.60 Inclusive concordamos, no mrito, com o Superior Tribunal de Justia.61 AgRg nos Embargos de Divergncia em Recurso Especial n 403.153-SP, Rel.Min.Castro Meira. Embargos de Divergncia. Ministrio Pblico. Prazo Recursal. Termo a quo. 1. A jurisprudncia desta Corte unssona no sentido de que os prazos processuais para o Ministrio Pblico comeam a correr a partir da entrega dos autos no protocolo administrativo do rgo. Precedentes da Corte Especial: AgEREsp 734.358/PR, Rel. Min. Eliana Calmon, DJU 18.12.06; EREsp 337.052/SP, Rel. Min.Felix Fischer, DJU 14.03.05; REsp 628.621/DF, Corte Especial, Rel. Min.Carlos Alberto Menezes Direito, DJU 06.09.04. 2. No pairam dvidas de que esse entendimento aplicvel tambm aos recursos apresentados em momento anterior sedimentao do posicionamento da Corte Especial, haja vista que manifesto o contedo declaratrio dos julgamentos, os quais no criaram nova regra acerca da tempestividade fenmeno que deriva da edio de uma lei, mas apenas procederam interpretao de normas j vigentes. 3. Agravo regimental no provido. Braslia, 02 de agosto de 2010 (data do julgamento).

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partir da chegada dos autos a seus gabinetes. Quantos devem ter sido os arrazoados, talvez at mesmo com prazos peremptrios (como recursos), que foram protocolados em juzo acreditando ser esta a maneira correta de computar o prazo?! A retroatividade aplicada pelo STJ fere patentemente o dever de continuidade que os tribunais devem observar, surpreendendo os litigantes (no caso, um rgo estatal que atua a servio da sociedade), com uma abrupta e retroativa alterao jurisprudencial. O que ainda mais flagrantemente violador da continuidade jurdica que tal deciso foi tomada no julgamento de um recurso especfico para uniformizar jurisprudncia, os embargos de divergncia em recurso especial, sede na qual as preocupaes da corte com o impacto da deciso e a estabilidade na mudana deveriam ser ainda maiores.62

Aps estes exemplos, pensamos estar demonstrada a importncia de mecanismos compensatrios para evitar uma perniciosa retroao das decises judiciais em contrariedade segurana-continuidade.

5. Mecanismos Preventivos e Tcnicas Reparadoras para Preservao de Segurana na Mudana de Jurisprudncia

Pois bem, fixadas as premissas de que: 1) a jurisprudncia consolidada gera padres de conduta individual, e que, por este motivo, 2) deve haver proteo s posies estveis quando da mudana de jurisprudncia, coube doutrina teorizar a respeito de tcnicas eficazes de implementar a segurana-continuidade na alterao de entendimentos jurisprudenciais consolidados.

Dentre estes mecanismos, alguns podem ser considerados reparatrios ou compensatrios, como so as regras de transio editadas pelo Judicirio. Sobre este tema, no ser possvel ampliar o debate nestas linhas, e remetemos o leitor a outro texto.63

Aqui concentraremos nossos esforos numa tcnica diversa, que poderia ser denominada de preventiva porque atua num momento anterior alterao da jurisprudncia em si. Trata-se do anncio pblico de reviso de entendimento, tambm chamada de deciso ou julgamento-alerta.

5.1. Julgamento-alerta: o Anncio Pblico da Possvel Mudana ou Reapreciao do Entendimento Consolidado

Os mecanismos preventivos de atuao da continuidade jurdica na mudana de jurisprudncia tm como objetivo prevenir as mudanas abruptas e alertar para uma possvel alterao futura, e ento preparar os indivduos para que no mais se pautem naquele entendimento at ento consolidado. O mais importante

62 Veja-se que a aplicao da proteo da confiana, neste caso, no pode ser implementada porque, para a maioria da doutrina, o princpio s se aplica em favor dos indivduos, mas no em favor do Estado; o que justificaria a utilizao de tcnicas reparadoras, como a modulao de efeitos da jurisprudncia, o princpio da continuidade, demonstrando, ainda uma vez, tratar-se de tutelas diversas em complementares. Cf.BEERMANN, Joahanes. Verwirkung und Vertrauensschutz im Steuerrecht. Op.cit., p.31 e 212.63 Sobre o tema, confira-se o nosso CABRAL, Antonio do Passo. Coisa julgada e precluses dinmicas: entre continuidade, mudana e transio de posies processuais estveis. Salvador: Jus Podivm, 2013, passim.

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

instrumento deste tipo o que poderia ser denominado de anncio pblico de reviso de jurisprudncia consolidada.

Atravs desta tcnica, o tribunal veicula a informao de que estar revendo, reavaliando, reapreciando, em casos futuros, o posicionmento at ento mantido e reiterado.64 O anncio equivale a uma pronncia de que a corte duvida da correo do entendimento aplicado at aquele momento, e portanto se afigura possvel a alterao de sua concluso a respeito do tema.65

Este tipo de deciso no um pressuposto para a modificao da jurisprudncia, e tampouco poderia ser enxergado como uma obrigatoriedade para os tribunais,66 at porque as prprias caractersticas deste tipo de comunicao mostram que a corte ainda considera haver necessidade de alguma reflexo adicional antes que a mudana seja implementada,67 caso contrrio j o teria feito. Assim, o contedo do anncio no vinculativo, nem para as instncias inferiores, nem para o prprio tribunal. Vale dizer, pode haver o anncio sem que posteriormente a mudana de jurisprudncia se verifique.

Mas ainda que o anncio pblico no seja vinculativo, esta tcnica tem importantes aspectos de harmonia e continuidade sistmica, e empresta jurisdio uma abordagem voltada regra futura (future-law approach),68 reduzindo-se o impacto da mudana de entendimento nos comportamentos humanos.69 E a relevncia do instituto pode se analisada tanto do ponto de vista dos indivduos como nos interesses do trfego jurdico.

Do lado individual, o anncio pblico representa uma deciso-alerta (Warnurteil),70 informando da relativa insegurana que se visualiza sobre como ser consolidado o entendimento jurisprudencial sobre a matria (afinal, uma pronncia de que a corte poder mudar sua posio), e ento desde logo comunica-se que no se poder alegar, em processos futuros, que as partes se pautaram confiando na manuteno do entendimento pretrito. A partir da deciso, os particulares podem (e devem) deixar de praticar condutas que sejam exclusiva ou preponderantemente baseadas na jurisprudncia cuja reviso pode vir a acontecer, ou na interpretao rejeitada pela corte.

64 Cf. WOERNER, Lothar. Der Bundesfinanzhof zwischen Stetigkeit und Wandel..., Op.cit., p.1034-1035.65 BR, Rolf. Praxisnderung und Rechtssicherheit, Op.cit., p.8-9.66 BOUJONG, Karlheinz. Rechtsfortbildung, Rechtsprechungsnderung und Vertrauensschutz in der Judikatur des Bundesgerichtshofs, Op.cit., p.1239; BR, Rolf. Praxisnderung und Rechtssicherheit, Op.cit., p.18.67 BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen. Rechtssoziologische und methodologische Bemerkungen zum Urteil des BAG vom 26.10.1973, in Juristen Zeitung, 1974, p.738.68 DWORKIN, Gerald. Stare decisis and the rule of law. Modern Law Review, ano 25, n.2, mar, 1962, p.177 ss. No Brasil, SANTOS, Evaristo Arago Em torno do conceito e da formao do precedente judicial, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. So Paulo: RT, 2012, p.179.69 Em sentido similar, LANGENBUCHER, Katja. Die Entwicklung und Auslegung von Richterrecht. Op.cit., p.136-137; PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.684; No mesmo sentido, afirma Maurer: Die Problematik der Rechtsprechungsnderung wrde entschrft, wenn das jeweils zustndige oberste Gericht die knftige nderung seiner Rechtsprechung vorher, also in einem frheren Urteil, durch ein obter dictum, ankndigen wrde. MAURER, Hartmut. Kontinuittsgewhr und Vertrauensschutz, Op.cit., p.472.70 RBERG, Burkhard. Vertrauensschutz gegenber rckwirkender Rechtsprechungsnderung. Op.cit., p.212 ss; BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen, Op.cit., p.740.

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J no que tange aos interesses sistmicos referentes ao trfego jurdico, a tcnica permite ao rgo decisrio estatal no s cumprir seu dever de continuidade, operando transies suaves entre dois regramentos, como ainda facilita a verificao futura da tutela individual da confiana legtima. Com efeito, ao operar o anncio pblico, alertando sobre a possvel reviso do entendimento jurisprudencial, o tribunal transfere o risco dos prejuzos pela alterao da estabilidade para o particular. Portanto, caso programe suas atividades com base no entendimento que venha a ser alterado, o indivduo no poder alegar expectativas legtimas dignas de proteo, porque sua conduta, a partir do momento do anncio pblico, fora tomada assumindo o risco da mudana.71

Com a publicao e divulgao desta notcia, inclusive na imprensa, pode ficar descaracterizada a legitimidade da confiana depositada pelo particular na manuteno da jurisprudncia anterior.72 De fato, as expectativas na aplicao do direito (Rechtsanwendungserwartungen) perdem sua razo quando os tribunais anunciam que estaro refletindo sobre a sua jurisprudncia at aquele momento consolidada.73 Note-se que, para que este tipo de anncio pblico seja eficaz, a amplitude da publicidade dada deve ser a maior possvel, inclusive com a utilizao de meios eletrnicos como a internet.74

Ainda se pode pensar em outro efeito desta tcnica do ponto de vista da interao institucional entre os diversos tribunais nas variadas instncias recursais. que, a partir do anncio pblico de uma possvel reviso da jurisprudncia, mesmo que esta alterao no seja certa, pode-se imaginar numa postura de cautela das cortes inferiores em invocar um entendimento consolidado para certos tipos de deciso em que a existncia de jurisprudncia consolidada pressuposto. Assim, tcnicas como o julgamento monocrtico pelo relator (arts.120, pargrafo nico; 557 e 1-A; 544, 4, b e c, todos do CPC), a smula impeditiva de recurso (art.518, 1 do CPC), a repercusso geral (arts.543-A, 3; 543-B, 2, ambos do CPC), a no aplicao do duplo grau de jurisdio obrigatrio (art.475, 3 do CPC), ou mesmo o recebimento do recurso especial com fundamento no dissdio jurisprudencial (art.105, III, c da CR/88; art.541 do CPC), todas podem deixar de ser aplicadas ou terem sua aplicao relativizada diante da instabilidade que persiste, aps o julgamento-alerta, a respeito da manuteno da jurisprudncia consolidada.

Apesar das muitas vantagens que a tcnica processual poderia trazer, existem alguns fatores que fazem com que certos setores doutrinrios ainda se demonstrem refratrios adoo do aviso pblico em julgamentos. Sem embargo, muitos parecem ser contra o julgamento-alerta, de um lado, porque no seria algo tpico da funo jurisdicional; ou tambm porque o aviso corresponderia a uma

71 WEBER-DRLER, Beatrice. Vetrauensschutz im ffentlichen Recht. Op.cit., p.185, 191, 227.72 ARAJO, Valter Shuenquener de. O princpio da proteo da confiana...Op.cit., p.187; SOBOTA, Katharina. Das Prinzip Rechtsstaat. Op.cit., p.181; ROBBERS, Gerhard. Rckwirkende Rechtsprechungsnderung, Op.cit., p.488.73 SACHS, Michael. Grundgesetz Kommentar. Mnchen: C.H.Beck, 5 ed., 1995, p.823; BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen, Op.cit., p.737, 739.74 MAURER, Hartmut. Kontinuittsgewhr und Vertrauensschutz, Op.cit., p.472-473.

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mera especulao, que poderia tornar a jurisprudncia demasiadamente instvel. Afirma-se ainda que as decises-alerta poderiam gerar frustrao ou prejudicar a confiana depositada no Judicirio, sobretudo se a anunciada mudana de entendimento no ocorresse.75 Note-se que, mesmo quando efetivamente reavaliada pelo tribunal (o que pode nem mesmo vir a acontecer), se a interpretao ou aplicao anterior for mantida ou confirmada, isto , reabilitada, realmente ter havido alguma insegurana no trfego jurdico no perodo entre o anncio pblico e a confirmao da tese anterior.76

A doutrina faz algumas restries tambm possibilidade de utilizao do anncio por ele ser prvio, isto , anterior ao caso em que venha a operar a mudana de entendimento. Sustenta-se que, se por um lado a tcnica realmente pode proteger os indivduos da surpresa de uma mudana da jurisprudncia, ela deveria sempre ser operada no prprio caso em que a corte verificou que um novo entendimento deve prevalecer. Ento correto seria mudar imediatamente o entendimento e ponderar, com base na continuidade jurdica, a necessidade de aplicao de regras de transio (como a modulao temporal dos efeitos da deciso).

De nossa parte, balanceando as crticas e as vantagens do instituto, temos que a proteo da continuidade deve ser vista como uma funo da jurisdio contempornea, uma preocupao com os resultados do processo para alm da eficcia inter partes.77 Os avisos, informaes, instrues para as instncias inferiores e para todos os indivduos enquadram-se em tarefas do Judicirio na atualidade, atividade que escapa mera soluo do Streitgegenstand,78 verdade, mas que devem ser compreendidas como funes jurisdicionais. Ademais, a publicizao do processo moderno faz com que devam ser repensados os meios de comunicao e interao do Judicirio com as partes, as instncias inferiores, os advogados, outros rgos de Estado, juristas,79 etc., num verdadeiro dilogo institucional.

5.2. Exemplos de Anncio Pblico na Jurisprudncia Estrangeira

A tcnica dos julgamentos-alerta ou anncios pblicos tem sido constantemente verificada na jurisprudncia no direito comparado. J foi implementada, p.ex., em julgados da House of Lords inglesa,80 do Tribunal Federal suo,81 e do Tribunal Constitucional austraco.82

75 BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen, Op.cit., p.741-742. Cf.PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.691-692.76 RBERG, Burkhard. Vertrauensschutz gegenber rckwirkender Rechtsprechungsnderung. Op.cit., p.214-216.77 Cf.KIRCHHOF, Paul. Kontinuitt und Vertrauensschutz bei nderungen der Rechtsprechung, Op.cit., p.270.78 SCHLTER, Wilfried. Das Obiter Dictum. Op.cit., p.180.79 BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen, Op.cit., p.735-736.80 Hedley Byrne & Co. v. Heller & Partners, Ltd. (1963) 2 All E.R.575. No voto de Lord Devlin, l-se que Cases may arise in the future in which a new and wider proposition, quite independent of any notion of contract, will be needed. () and when similar facts arise in the future, the case will have to be judged afresh in the light of the principles which the house has now laid down.81 BGE 102 I B 107; BGE 95 I 253.82 VerfGH Slg. 1963 n.4365.

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No direito estadunidense, por outro lado, existem alguns institutos mais conhecidos e que so diferentes da tcnica do aviso pblico de mudana potencial de jurisprudncia. Assim, no se deve confundir o julgamento-alerta com o chamado antecipatory overruling, pelo qual as cortes inferiores (que no produziram o precedente e que deveriam estar vinculadas a ele), entendem que h grande probabilidade de que a concluso do precedente venha a ser superada pela corte superior, e ento antecipam-se revogao do precedente. No antecipatory overruling, a mudana de jurisprudncia efetivamente ocorre, mas operada de fato (e no de direito) pelas cortes inferiores (at porque s se pode falar num verdadeiro overruling se o tribunal superior confirmar posteriormente a substituio do precedente pelo novo entendimento.83

Outra tcnica praticada nos EUA, e que poderia ser erroneamente confundida com o julgamento-alerta chamada signaling ou sinalizao,84 segundo a qual a corte reconhece que o contedo do precedente est errado e deve ser superado mas, em nome da segurana jurdica, afirma apenas sua perda de consistncia, sinalizando a sua futura revogao.85 Neste mecanismo, como se v, o tribunal no duvida do desacerto do precedente, e tampouco parece que a mudana de jurisprudncia seja apenas uma possibilidade, que pode ou no vir a se verificar. No caso de signaling, j existe uma concluso pela superao do precedente, mas o overruling no pronunciado de imediato para no ferir a segurana jurdica. Tanto a tcnica como sua finalidade so diversas, como se v.

Observam-se algumas decises no direito norte-americano que os tribunais efetivamente estabelecem um dilogo, em nome da segurana jurdica, incentivando a adoo de padres de conduta diversos quando entende que um entendimento estava equivocado. Isso ocorre inclusive na Supreme Court dos Estados Unidos da Amrica, e em certas hipteses a corte expressamente sugere que os indivduos no se pautem mais pelo entendimento anterior.86 Porm, apesar de ser uma interao louvvel para o trfego jurdico, no bem o uso do que aqui denominamos de julgamento-alerta.

J no direito alemo, a tcnica do julgamento-alerta vem sendo mais e mais aplicada. O aviso pblico de reviso de jurisprudncia j foi pronunciado pelo

83 Sobre o tema, Cf. TUCCI, Jos Rogrio Cruz e. Parmetros de eficcia e critrios de interpretao do precedente judicial, in WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Coord.). Direito jurisprudencial. So Paulo: RT, 2012 p.109; ATADE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro. Op.cit., p.96; ROSITO, Francisco. Teoria dos precedentes judiciais. Op.cit., p.307; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Precedentes e evoluo do direito, Op.cit., p.43.84 EISENBERG, Melvin Aron. The Nature of the Common Law. Cambrigde: Harvard University Press, 1988, p.122.85 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatrios. Op.cit., p.335 ss; ATADE JR., Jaldemiro Rodrigues de. Precedentes vinculantes e irretroatividade do direito no sistema processual brasileiro. Op.cit., p.92.86 England v. Medical Examiners, 375 U.S. 411, 422 (1964): On the record in the instant case, the rule we announce today would call for affirmance of the District Courts judgment. But we are unwilling to apply the rule against these appellants. As we have noted, their primary reason for litigating their federal claims in the state courts was assertedly a view thatWindsorrequired them to do so. That view was mistaken, and will not avail other litigants who rely upon it after todays decision ().

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A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

Tribunal Constitucional87 e pelo Tribunal Superior do Trabalho.88 Com efeito, a corte trabalhista tedesca certamente aquela que mais tem se valido dos julgamentos-alerta, e j o fez com a considerao de que a mudana de entendimento, quando relevante ao trfego jurdico, mereceria debate mais prolongado e pluralista, e ento o aviso pblico daria oportunidade para que outros argumentos fossem trazidos considerao da corte.89 Em suma, o mecanismo no s protege a confiana legtima, mas tambm facilita a atuao mais ampla de um contraditrio participativo e de dilogos interinstitucionais, iluminando e democratizando o prprio procedimento de alterao do entendimento consolidado.

5.3. Forma e Contedo do Julgamento-alerta

A primeira referncia que pode ser feita, quando pensamos nas caractersticas que este tipo de pronncia deva conter, a forma e contedo do julgamento alerta, sede em que pode ou deve ser operado.

de imaginar que a mudana de jurisprudncia seja sempre operada de maneira clara e direta, com grande destaque para os novos fundamentos e com realce na novidade, isto , com nfase em informar e divulgar que se trata de uma alterao de jurisprudncia consolidada. Todavia, esta no a realidade nem mesmo nos ordenamentos do common law, onde s vezes o overruling vem em notas de rodap.90

Portanto, se os tribunais pelo mundo no tm o cuidado de destacar a mudana de jurisprudncia nem mesmo quando esta efetivamente ocorre, cabe aqui dedicarmos algumas linhas a uma preocupao maior ainda no caso dos julgamentos-alerta. que esta tcnica, como no significa ainda uma mudana, poderia ser operada pelos tribunais com menos rigor ou com reduzida preocupao com a divulgao que a manifestao deva receber.

Inicialmente, ressaltamos que absolutamente fundamental que se aponte qual o instituto, direito ou regra que poder ter sua interpretao revista ou cuja exegese esteja sendo redefinida. Ou seja, a clareza e preciso deste tipo de comunicao essencial para que cumpra sua funo garantstica: so dois aspectos essenciais de uma tcnica que procura estabelecer diretrizes para a programao da conduta humana, caso contrrio no teria capacidade de conferir uma mnima certeza dos caminhos a seguir, e em nada acrescentaria em termos de calculabilidade e previsibilidade.

87 BVerfGE 34, 9 (26). Confira-se, em doutrina, BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen, Op.cit., p.736.88 BAGE 21, 237 (245).89 BAGE 22, 16 (21-22).90 realmente algo no mnimo curioso se comparamos a importncia da alterao e a negligncia na sua documentao. Confiram-se Jones v. Mayer Co., 392 U.S. 409, 441-443, nota n.78 (1968); Gregg v. Georgia, 428 U.S. 153, 195-196 nota n.47, (1976).

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Para ser eficaz, o aviso pblico de reviso de jurisprudncia tambm deve ser transparente a respeito de quais as normas podero ter sua aplicao ou interpretao revistas. O anncio pblico deve ser direto, com meno determinada e especfica em relao direo possvel da reviso de jurisprudncia, de como pode ser decidida a matria, sobre as normas ou a interpretao que podero ser revistas, etc.91

Ento, no serve para estes propsitos qualquer forma suave e imprecisa de rejeio, repdio ou no confirmao da jurisprudncia anterior que corresponda apenas a uma maneira indireta de criticar: este formato no presta para anunciar ou informar a respeito da inteno do tribunal de alterar seu entendimento.92 Portanto, no aceitvel que sejam compreendidas como um julgamento-alerta meras desaprovaes manifestadas pela corte sem qualquer explicitao acerca da possvel alterao ou reviso da jurisprudncia no futuro.

A corte deve ser clara e transparente tambm em descrever a reflexo sobre a necessidade de alterao de jurisprudncia apenas como uma possibilidade, que poder no vir a ocorrer no futuro. O cuidado de no redigir o aviso em termos que possam sugerir que a jurisprudncia j se alterou.

Por outro lado, devemos lembrar tambm que a deciso-alerta deve vir, sempre que possvel, no voto condutor do julgamento. Um voto vencido, p.ex., pode no mximo influenciar a formao de maiorias jurisprudenciais futuras, mas no pode ser considerado como base para a confiana porque no comps a maioria vitoriosa naquela deciso.93

Mas as preocupaes sobre as formalidades desta tcnica tambm existem mesmo se o aviso for publicado no voto que liderou a maioria. Isso porque o alerta pode vir, como si acontecer, num obiter dictum.94 O perigo que, como o obiter dictum no faz parte do objeto do processo, nem sempre exposto com clareza e frequentemente no bem documentado. De fato, a impreciso mais comum nos argumentos laterais do que na ratio decidendi.95 Assim, quando visualizados diversos obiter dicta, podemos ser levados a crer que uma considerao levantada apenas como um apelo reflexo seja tomada como uma tendncia jurisprudencial.96 Portanto, quando o aviso pblico for proferido em obiter dictum, deve-se atentar para que tambm este trecho da fundamentao seja divulgado, e no apenas a ratio decidendi, o dispositivo, a ementa ou qualquer extrato da concluso.97

91 BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen, Op.cit., p.737; BOUJONG, Karlheinz. Rechtsfortbildung, Rechtsprechungsnderung und Vertrauensschutz in der Judikatur des Bundesgerichtshofs, Op.cit., p.1240.92 PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.689-692.93 PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.685-687.94 BR, Rolf. Praxisnderung und Rechtssicherheit, Op.cit., p.9.95 PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.182-184.96 LANGENBUCHER, Katja. Die Entwicklung und Auslegung von Richterrecht. Op.cit., p.137-138; PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.694-695.97 BIRK, Rolf. Die Ankndigung von Rechtsprechungsnderungen, Op.cit., p.739. H pases em que por vezes no se publica nem mesmo o dispositivo da sentena. Cf. PROBST, Thomas. Die nderung der Rechtsprechung. Op.cit., p.157 e nota 769.

Revista do Ministrio Pblico do Rio de Janeiro n 56, abr./jun. 2015 | 39

A tcnica do Julgamento-alerta na Alterao de Jurisprudncia Consolidada

6. Concluso

Quando se fala na importncia da jurisprudncia para os comportamentos humanos, bem assim da necessidade de preocupao com a estabilidade do entendimento consolidado nos tribunais, normalmente vemos um discurso pessimista que pinta uma realidade de constantes alteraes: o Judicirio frequentemente retratado com anacrnico, catico, desorganizado, etc.

No entanto, a observao da jurisprudncia brasileira e mundial mostra que as alteraes de entendimento consolidado no so to f