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    do professor de educação infantil

    entrevista: matéria especial: artigo:

    Revista

    Maria do PilarLacerda Almeidae Silva

    Programa apóia a construçãode creches e pré-escolas e dá

    assessoria a municípios

    Pelo direito à educação infantil:Movimento Interfóruns deEducação Infantil do Brasil

    Educaçãoda Criança de0 a 3 anos em

    espaço coletivo

    Programa apóia a construçãode creches e pré-escolas

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    2 • revista criança

    expediente

    Presidência

    Ministério da Educação

    Secretaria Executiva

    Secretaria de Educação Básica

    Diretoria de Concepções e Orientações Curri-culares para a Educação Básica

    Coordenação Geral de Educação Infantil

    Jornalista ResponsávelCésar Augusto Pinheiro de Oliveira

    Editor Alex Criado

    Reportagem Adriana Maricato e Heloisa d`Arcanchy.

    Colaboradores Adrianne Ogêda Guedes, Ângela Maria F. Rabe-lo Barreto, Magda P. Muller Lopes, Maria CarmemSilveira Barbosa, Maria Clotilde Rossetti Ferreira eRodrigo Faleiro.

    Direção de Arte e ProduçãoTech Gráfica

    Criação e Projeto Gráfico

    Daniel RibeiroDiagramação e EditoraçãoDaniel Ribeiro

    Fotografias André Dusek, Júlio Cesar Paes de Oliveira, Edu-cadoras do Berçário/Maternal da Creche Carochi-nha/Coseas/USP

    RevisãoMargaret de Palermo Silva

    Foto CapaEducadoras do Berçário/Maternal da Creche Ca-rochinha/Coseas/USP

    Envie cartas para o endereço:Ministério da Educação/SEB/DCOCEB –Coordenação Geral de Educação InfantilEsplanada dos Ministérios, Bloco L – Edifício Sede,6º andar – Sala 62370047-900 Brasília – DF. Tel: (61) 21048645E-mail: [email protected] dessa edição: 268.470 exemplaresDezembro de 2008

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    carta ao professor

    entrevistaMaria do Pilar Lacerda Almeida e Silva

    caleidoscópioEducação da Criança de 0 a 3 anos em espaço coletivo

    professor faz literatura Afinal, o que é ser professor?

    matéria especialPrograma apóia a construção de creches e pré-escolas e dá as-

    sessoria a municípios

    artigo

    Pelo direito à educação infantil: Movimento Interfóruns deEducação Infantil do Brasil

    relatoProfessores premiados do Brasil

    reportagem

    notas

    cartas

    Bebês vão ao teatro

    resenha

    arte A Última Ceia

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    sumário

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    Prezada professora, prezado professor:

    ste número da Revista Criança apresenta uma entrevista com a secretária deeducação básica do MEC, professora Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva,

    na qual são discutidos os desafios atuais da educação infantil brasileira e aspropostas do governo federal. A Matéria Especial aborda o Programa Nacional de Reestruturação e Apa-

    relhagem da Rede Escolar Pública de Educação Infantil – Proinfância, uma dasações que compõem o Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE). O Proinfânciavisa a contribuir com os municípios para garantir o direito das crianças de até 5 anos e11 meses de idade à educação infantil de qualidade. Em 2008, o Fundo Nacional de De-senvolvimento da Educação (FNDE) firma acordo com 955 municípios conveniados comeste objetivo.

    Dentre os inúmeros desafios da educação infantil no país, destaca-se o atendimentoda faixa etária de 0 a 3 anos. Quais princípios devem orientar a educação de crianças tão

    pequenas em espaços coletivos? Qual o papel da professora? Discutir diretrizes políticas,orientações curriculares, práticas pedagógicas, entre outros, para a criança desta faixaetária é um caminho na perspectiva de reafirmar o atendimento em creches como parteda educação básica.

     A seção Caleidoscópio apresenta a visão de conhecidos pesquisadores em relaçãoà educação da criança de 0 a 3 anos, a fim de contribuir com o professor, sobre as pos-sibilidades de trabalho, a partir das características e especificidades desse período dainfância. A professora Maria Clotilde Rossetti Ferreira destaca a indissociabilidade entrecuidar e educar na educação da criança pequena. A professora Maria Carmem SilveiraBarbosa incita à construção de projetos educacionais voltados para esta faixa etária. E aprofessora Adrianne Ogêda Guedes ressalta a importância da comunicação com bebês

    e com crianças pequenas na educação infantil. A reportagem Bebês vão ao teatro relata o trabalho desenvolvido por uma companhiade teatro da Espanha, denominada La Casa Incierta, que propõe a aproximação entre aarte e a primeira infância, por meio da criação de um universo poético conjunto. A experi-ência teatral evidencia a competência social dos bebês e abre possibilidades de trabalhocom teatro desde os primeiros meses de vida.

    O artigo de Ângela Maria F. Rabelo Barreto mostra a importância dos movimentos so-ciais na luta para garantir educação infantil de qualidade a todas as crianças de até 5 anose 11 meses de idade ao descrever o surgimento e atuação do Movimento Interfóruns deEducação Infantil no Brasil (Mieib).

    O relato dos trabalhos vencedores do último Prêmio Professores do Brasil evidenciaa importância de observar e estar conectado com a criança para o sucesso da ação pe-dagógica na educação infantil. Já a seção Cartas procura esclarecer algumas dúvidasacerca da Lei 11.274, que amplia o ensino fundamental para nove anos

    Envie artigo, pergunta, relato de experiência, criação literária para a Coordenação Ge-ral de Educação Infantil (Coedi). Não se esqueça de autorizar a publicação na RevistaCriança, caso sua contribuição seja selecionada. Nossa equipe está interessada no diá-logo com as professoras e os professores.

    Desejamos que este número contribua de forma efetiva com sua reflexão sobre o de-senvolvimento e a educação da criança de até 5 anos e 11 meses de idade.

    Boa leitura!

    carta ao professor

    E

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    entrevista

    Qual é o quadro atual daeducação básica no Brasil?

    Maria do Pilar - O quadroé positivo, os índices dão si-nal de melhora. Aumentamosa inclusão das crianças, pra-ticamente universalizando o

    Maria do Pilar Lacerda Almeida e Silva

    As duas demandasda educação infantil:quantidade equalidadeAdriana Maricato / Brasília/DF

    os últimos meses, a educação brasileira ganhou um reno-vado alento. Programas, projetos e um novo modelo definanciamento levam o país a encarar outras perspectivas

    no que diz respeito à qualidade do ensino público.Como secretária de educação de Belo

    Horizonte e presidente da União Nacionaldos Dirigentes Municipais de Educação(Undime), Maria do Pilar Lacerda Almeidae Silva participou de todo o processo dediscussão e aprovação do Fundeb. Ago-ra, como secretária de educação básicado Ministério de Educação, sua tarefaé implantar o novo fundo e levar a caboprogramas que induzam mudanças qua-litativas, sobretudo na educação infantil,como o Proinfância.

    Nesta entrevista, Maria do Pilar fala so-bre o significado dessas inovações para aqualidade da educação em nosso país.

    N

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    ensino fundamental. Entretan-to, ainda hoje, existem cercade 650 mil crianças entre 6 e14 anos fora da escola, o quepara o Brasil como um todo é

    muito pouco, mas para cadauma dessas crianças é muitograve. Estamos aumentandoo atendimento da educaçãoinfantil e fazendo uma abran-gente e profunda discussãosobre o ensino médio.

     As perspectivas são boas,com a aprovação do piso na-cional salarial para os profes-

    sores, o fim da Desvinculaçãode Recursos da União (DRU)para a educação e o Índice deDesenvolvimento da Educa-ção Básica (IDEB), mostran-do que as séries iniciais co-meçam a reagir. Esperamosque, nos próximos anos, issose reflita nas séries finais e noensino médio.

    Quais são os principais de- safios da educação infantilatualmente?

    Maria do Pilar  - Preci-samos aumentar expressi-vamente o atendimento àscrianças de 0 a 3 anos, poissomente 15% delas estão emcreches. Nós já dispomos deum atendimento maior paraas de 4 e 5 anos, mas temostambém de aumentar a cons-trução de prédios escolarese discutirmos mais o projetopedagógico da pré-escola. Oprimeiro ponto para viabilizarisso é o financiamento para aeducação infantil.

    O Fundeb incluiu o finan-

    ciamento da educação infan-til, inclusive o da creche. Omais importante e inovadoré que está financiando tam-bém a rede conveniada. O

    Proinfância, programa do go-verno federal, vai investir R$ 1bilhão entre 2007 e 2008 naconstrução de mil escolas deeducação infantil em 950 mu-nicípios, além do esforço queos próprios municípios fazemna construção de creches.Vamos repetir esse númeroentre 2009 e 2010.

    Como a senhora avalia asdemandas da educação in-fantil?

    Maria do Pilar  - Existemduas grandes demandas:quantidade e qualidade. Ain-da não há prédios suficientespara atender todas as crian-ças, que é uma demandaprimária. Depois há necessi-dade de definir e aprofundarmelhor o nosso projeto peda-gógico para a infância e pen-sar em como realizar esseatendimento, fazer com queele seja coerente com as ne-cessidades das famílias, comos orçamentos municipaise que inove ao reconheceresse sujeito, que é a criançade 0 a 5 anos de idade. Eledemanda projeto pedagógi-co diferenciado, espaço físi-co adequado e profissionaiscom formação muito especí-fica. Temos clareza da prio-ridade e da importância daeducação infantil, mas ain-da há muito trabalho a ser

    entrevista

    Precisamos

    aumentar

    expressivamente

    o atendimento

    às crianças de

    0 a 3 anos, pois

    somente 15%

    delas estão em

    creches.

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    feito, tanto na questão dofinanciamento quanto dasconcepções.

    Quais as perspectivas para

    educação infantil com a im- plantação do Fundeb?

    Maria do Pilar - De cres-cimento! Mas é importantedestacar que o Fundeb remu-nera apenas a matrícula dascrianças. Para a prefeiturareceber recursos do Fundeb,ela deve construir as escolas

    e matricular as crianças. Porisso o Proinfância destina re-cursos para os municípios.Portanto, a perspectiva é quehaja um crescimento grandeda educação infantil.

    O Proinfância revelou enor- me demanda dos municí- pios em relação a investi- mentos do governo federal. A senhora considera quea construção já assegurauma educação infantil dequalidade?

    Maria do Pilar  - A cons-trução da obra é parte do pro-cesso, mas ela isoladamentegarante pouca coisa além davaga. O prédio só vai asse-gurar uma educação de qua-lidade se vier acompanhadode um projeto pedagógicoconsistente e um grupo deprofissionais com formaçãomuito sólida. Eles têm quesaber quem é aquela crian-ça, a diferença entre ela e acriança mais velha, a impor-tância das brincadeiras, da

    contação de histórias, das ro-tinas. Tudo isso é fundamentalpara que a construção tenhasentido. Não é suficiente umprédio ser bonito, mas vazio

    em termos de conteúdo. Deveter um objetivo educacionala partir do entendimento dequem é essa criança. Por issoo equipamento da educaçãoinfantil é estratégico. Umaescola de educação infantilque seja tratada igual a umaescola de séries finais do en-sino fundamental torna-se umdesastre. As cadeiras devemser adequadas, as cores di-ferentes, os brinquedos muitobem especificados para nãohaver peças pequenas, porexemplo. É uma fase que exi-ge muito detalhamento, muitocritério e muita clareza da fun-ção daquele espaço, que nãoé um depósito de crianças.

    Qual é o papel da educa-ção infantil na formação doleitor?

    Maria do Pilar  - Trata-sede um equívoco achar que aeducação infantil não podetrabalhar com leitura, poisquanto mais cedo históriasorais e escritas entrarem navida das crianças, maioresas chances de elas gostaremde ler. Primeiro, as criançasescutam histórias lidas pelosadultos, depois conhecem olivro como um objeto. Mesmoantes da alfabetização, folhe-ando e olhando figuras, ascrianças estão lendo, do jeitodelas. Elas também apren-

    entrevista

    ...quanto mais

    cedo histórias

    orais e escritas

    entrarem na vida

    das crianças,

    maiores as

    chances de elas

    gostarem de ler.

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    a inovação do Proinfância aodebater com equipes técni-cas das secretarias munici-pais. A contribuição do arqui-teto, por exemplo, tem a ver

    com o projeto pedagógico,pois disso depende a pró-pria concepção de sala. Asescolas infantis tendem a tersalas maiores divididas emvários ambientes; elas nãotrabalham com a concepçãode sala de aula. Na educaçãoinfantil, a sala pode ter qua-tro cantos: um de brinquedo,

    um de descanso, um de ativi-dades pedagógicas e um deleitura. Assim, a Secretaria deEducação Básica tem desen-volvido programas para queas escolas tenham acesso aessas possibilidades.

    Quais as perspectivas paraque todos os municípios

     brasileiros sejam contem- plados pelo Proinfância?

    Maria do Pilar  - À medi-da que o orçamento do MECpossibilite, vamos atendercada vez mais municípios.Muitos já fazem o atendimen-to da educação infantil comrecursos próprios. Vamospriorizar cidades grandescom orçamento pequeno,como algumas capitais doNordeste, que têm grandepopulação, onde a demandaé grande, mas o orçamentoinsuficiente. E também, aque-las cidades que ainda não re-alizam atendimento.

    dem observando o gesto deleitura dos outros, as chama-das “práticas de leitura e deescrita”. Além de ter acessoaos materiais de leitura, como

    livros e revistas, as criançasdevem aprender a usá-los.Por isso se recomendam aspráticas de roda de leitura,contação de histórias, leiturade livros, sistema de malasde leitura, de cantinhos, brin-cadeiras com livros. Então,os professores também pre-cisam se tornar leitores paraque sintam prazer no convíviocom o material escrito e pas-sem isso para as crianças.

    O MEC tem programas mui-to importantes, como o livrodidático e bibliotecas nasescolas. Como a senhoraentende a possibilidade deum programa específico dedistribuição de brinquedos?

    Maria do Pilar - Nós já dis-pomos de algo semelhante, oPrograma de Equipamentospara a Educação Infantil, queinclui distribuição de brinque-dos e de livros. Nós fizemosuma cesta de livros para aeducação infantil e tambémuma cesta de material espe-cífico para esta faixa etária. Aescola de educação infantilnão pode ser vista como umlugar de guardar crianças,somente do “cuidar” e, nessesentido, o MEC tem ampliadosua forma de trabalhar. Pen-sar no projeto pedagógico,no equipamento, na forma-ção de professores, essa é

    entrevista

    Os professorestambémprecisam setornar leitorespara que sintamprazer noconvívio com omaterial escrito epassem isso paraas crianças.

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    caleidoscópio

    estabelecimento educacional que atende crianças de até 3 anosde idade enfrenta uma complexidade de demandas basicamen-te vinculadas a três segmentos: as crianças, seus pais ou famí-lia, professores e funcionários.

    Entretanto, a instituição, embora responda à necessidade demães e pais trabalhadores urbanos e rurais e se configure como umaárea de trabalho e emprego, tem como objetivo principal assegurar odireito da criança à educação.

    Desta forma, o grande desafio é construir uma prática pedagógicade qualidade e fundamentada em uma visão ampla de educação queafirme a infância como um ciclo de vida pleno de possibilidade.

    Isto implica em considerar educação e cuidado como indissociáveis ea criança como ser ativo, competente e produtor de cultura.

    Para participar deste Caleidoscópio convidamos Adrianne OgêdaGuedes, professora do curso de especialização em educação infantilda PUC-RJ, Maria Clotilde Rossetti Ferreira, professora da USP (RibeirãoPreto) e Coordenadora de Investigações sobre o desenvolvimento Hu-mano e Educação Infantil (CINDEDI) e Maria Carmen Silveira Barbosa,professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

    Educação da Criançade 0 a 3 anos em

    espaço coletivo

    O

    F  o t   o: A r  q ui  v  o /   d i  v  ul   g a ç  ã 

     o

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    caleidoscópio

    estos, olhares, balbu-cios, contato, imitação.

     A comunicação combebês e crianças pequenasnos convida a observar comatenção as diferentes formasde expressão que têm cursonesse especial momento, osprimeiros anos da vida huma-na. Dialogar com os bebêsrequer interagir com suasmanifestações e com elesconstruir sentidos, apoiando

    a estruturação da linguagem

    infantil e de suas formas decomunicação com o mundo.

    Portanto, conhecer os signifi-cados das ações e interaçõesinfantis é fundamental paranossa atuação nas creches epré-escolas. Só assim é pos-sível apoiar de fato a criançaquando necessário, incenti-vando-a em suas conquistase aquisições.

    Desde muito pequenas,as crianças já possuem mo-

    dos de se aproximarem umasdas outras, que variam indivi-dualmente e de grupo paragrupo. Podemos ver crian-ças bem pequenas, com até1 ano de idade, que mesmosem articular a fala encon-tram formas de estabelecerparcerias pelo movimento,pelos gestos, pela imitação

    etc. Tomemos essas cenascomo exemplos:No pátio de um espaço de

    educação infantil, algumascrianças com idade de até 2anos estão juntas. Uma delasresolve correr de uma ponta aoutra do pátio. Em seguida to-das as outras correm, em meioa gostosas gargalhadas.

    Na sala de atividades des-

    A comunicação com bebêse com crianças pequenas:

    a imitação como forma deconhecer o mundo

    Adrianne Ogêda Guedes

    GDoutora em Educação pela Universi-dade Federal Fluminense (UFF/RJ),

    professora do curso de especializa-ção em educação infantil da PUC-RJ.

     Atua também em cursos de forma-ção continuada promovidos pelaSecretaria Municipal de Educaçãodo Rio de Janeiro e foi consultora doProinfantil.

    ot o  :

       A  r  q 

      u   i  v  o

      /  d   i  v

      u   l  g   a

      ç  ã  o

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    caleidoscópio

    se mesmo grupo, a profes-sora traz uma novidade: umasacola cheia de bolsinhas ebonés. Assim que apresenta omaterial para as crianças, elasse põem a manipulá-los. Umadas crianças pega uma bolsa,põe um boné e acena, comoque se despedindo. Na mes-ma hora a professora pergun-ta: “Aonde você vai?”. A crian-ça sorri e responde: “Paia”(praia). A partir daí, o grupo secontagia com o movimento doamigo e o professor vai insti-gando a brincadeira: “Vocês

    vão de carro? Quem vai diri-gir? Não corre muito viu? Vãotomar sorvete na praia? Etc”.Os comentários da professoravão provocando novas ações,e em pouco tempo todos es-tão dando tchau, agrupando-se como se estivessem emum carro. Nasceu uma novabrincadeira!

    Todos os dias, em um gru-po com idade de até 1 ano,as crianças se reúnem numasala para brincar. A porta dasala só é fechada na parte in-ferior. Sendo assim, todos osque chegam por lá, seja paradar um recado, seja para visi-tar, são vistos pelas crianças.Esse grupo já conhece bemos espaços da creche e emmuitos momentos passeiapor eles. Um dos meninos dogrupo, bastante ativo e de-senvolto em sua caminhada,olha para os visitantes quepassam por ali e levanta osbraços em direção a eles.Ele quer passear! Para en-tendermos o significado domovimento de braços deste

    menino, é preciso levar emconta outras informaçõesque possuímos sobre ele eo grupo. Caso contrário, po-deríamos atribuir outros sen-tidos ao seu movimento (elepoderia estar querendo colo,ou mostrando algo em suasmãos, ou pedindo para ir aobanheiro).

    Quem já não viu cenascomo essas? Tais exemplosnos mostram que, a partirdo movimento vivido coleti-vamente, o grupo criou ummodo próprio de relação, uma

    brincadeira cujo disparador foio corpo e o movimento na ob-servação do outro (e tambémo objeto, no caso do passeio).Mesmo bem pequenas, ascrianças se afetam umas asoutras e criam formas própriasde brincarem juntas.

    O aprendizado pela

    imitaçãoRelacionar-se com o outro

    se dá de muitas e diversasformas. Uma criança que co-meçou a freqüentar a crechepode passar alguns dias oumeses mais observadora.

     Aparentemente poderíamosdizer que ela não está se re-

    lacionando, pois não faz ne-nhum movimento em direção aoutras crianças. No entanto, seobservarmos o interesse comque ela acompanha as açõesdo grupo, os movimentos ebrincadeiras que passa a fazera partir dessa observação, po-deremos perceber claramenteo quanto a presença do outroinfluencia suas ações.

     As experiências partilha-das entre as crianças vãoconstituindo a história, a cul-tura do grupo. Essas experi-ências permitem que as crian-ças estabeleçam relações deconfiança, de intimidade, depertencimento. Nesse senti-do a imitação tem papel im-portante, o de integrar, criaridentificações, significadospartilhados coletivamente.

     A imitação faz parte do de-senvolvimento cognitivo e cul-tural da criança. É pela imita-ção que ela vai experimentar

    comportamentos e açõesque talvez ainda não fizes-se por conta própria. Nessesentido ela se coloca em si-tuação de aprendizagem, deampliação de seus recursosde ação. Impulsionada pelosmodelos que a cercam, vaicriando e incorporando no-vas formas de ação.

    As trocas como adulto

    Com Vigotski (1987), com-preendemos que a criança,quando imita, apreende aatividade do outro e realizaaprendizagem. Não se tratade mera cópia, uma vez que

    para imitar alguém ela preci-sa compreender o comporta-mento do outro, envolver-seintelectualmente na atividade,o que implica representá-lo eavaliar a adequação de suaimitação. É também desseautor o conceito de Zona deDesenvolvimento Proximal,que se refere à diferença en-tre o desenvolvimento atual

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    da criança e aquilo que elaconsegue fazer com o auxíliode outras pessoas. A presen-ça e ajuda do outro permiteque a criança faça mais doque conseguiria fazer sozi-nha, atingindo novos níveisde desenvolvimento. Aqui-lo que a criança realiza hojecom ajuda poderá amanhãrealizar sozinha.

    Podemos assim, colocarem destaque a importânciadas interações das criançasentre si e com os adultos nocotidiano da educação infantil.

    Partimos do princípio de queo desenvolvimento humanose dá por meio das interaçõesestabelecidas com outros se-res humanos, em ambientesfísicos e sociais culturalmen-te estruturados. Portanto, sãoessas trocas que se consti-tuem nas oportunidades decrescimento e construção de

    conhecimentos.

    A linguagemdo choro

    É nos primeiros anos devida que muitas criançasfreqüentam as creches epré-escolas. Nesse períodonossa dependência do outro

    constitui uma peculiaridadeespecial do desenvolvimen-to (Wallon, 2007). Ela vai setransformando gradualmen-te, à medida que a criançavai conquistando novas for-mas de ação.

      Desde bebês possuímoscerta organização comporta-mental e algumas condiçõespara perceber e reagir às si-

    tuações exteriores, principal-mente aos parceiros diversosque formam nosso meio hu-mano. É na relação com osoutros que vamos compreen-dendo o mundo, dando signi-ficado para as ações, domi-nando formas de agir, pensare sentir presentes em nossomeio cultural, desenvolvendoa capacidade de expressão ede linguagem.

    Tomemos como exemploo comportamento do bebêem seus primeiros meses devida. Inicialmente ele chora

    em reação a diferentes incô-modos e ajustes orgânicos:cólicas, sono, fome, neces-sidades de higiene etc. Osadultos responsáveis peloscuidados com o bebê reagemao choro e tomam atitudespara ampará-lo, oferecendo-lhe alimento, colo, trocandosuas fraldas etc.

    Pouco a pouco, o bebêpercebe que sempre quechora obtém a atenção deseus objetos de afeição. Co-meça então a chorar não maiscomo ação reflexa: agora seuchoro se torna intencional, istoé, ele chora para obter a aten-ção desejada e a resoluçãode seus desconfortos. Depois

    de algum tempo, podemosaté diferenciar quando o cho-ro indica fome, ou sono, ouapenas necessidade de proxi-midade física. Não apenas obebê vai controlando seu cho-ro (mais intenso, mais alto),como também os adultos quese relacionam com ele vãoaprendendo, na interação, adiferenciar suas formas de

    expressão e construindo jun-to com ele novos e diferentessignificados, tanto para o cho-ro quanto para os demais ges-tos expressivos que a criançavai desenvolvendo.

    caleidoscópio

    F  o t   o: A r  q ui  v  o /   d i  v  ul  

     g a ç  ã  o

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    O espaço deeducação infantil

    Vale destacar que a formacomo o adulto vai compre-ender esse choro será fun-damental para que a criançavá também atribuindo sentido

    os diferentes desafios que aconvivência põe em cena.

    Vimos então que a imita-ção é uma forma de conhe-cer o outro, de compreenderformas de se relacionar eexpressar a partir da vivên-cia com os parceiros, sejamcrianças ou adultos. Será apartir da interação que ascrianças descobrirão formassocialmente construídas deestar juntas, comunicar-se,elaborarem regras coletivas.É o encontro com o outroque dispara nosso desen-

    volvimento.

    Referências:GUEDES, Adrianne Ogêda. Acomunicação com bebês e comcrianças pequenas (Unid. 5 – OTPmód II). Programa de FormaçãoInicial do Professor da Educação

    Infantil em Exercício – PROINFAN-TIL. Brasília: MEC/DPEIEF, 2004.

    _____________. O corpo nosso decada dia. Programa Salto para ofuturo. TVE: abril de 2008. (dispo-nível no site do programa).

    OLIVEIRA, Marta Kohl. Vygotski - Aprendizado e desenvolvimento.Um processo sócio-histórico. SãoPaulo: Scipione, 1993.

    VYGOTSKI, L. S.. Pensamento elinguagem. São Paulo: MartinsFontes, 1987.

    ____________. A construção dopensamento e da linguagem. SãoPaulo: Martins Fontes, 2001.

    WALLON, Henri. A evolução psi-cológica da criança. São Paulo:Martins Fontes, 2007

    às suas sensações. Para ela,embora reconheça o descon-forto físico, a discriminaçãoentre o que exatamente “estálhe incomodando” não é cla-ra. Se por acaso o adulto rea-ge ao choro do bebê, achan-do que sempre que ele choraé porque está com fome eo alimenta, é provável queo bebê comece a associarsuas sensações desconfortá-veis àquela forma de confortoapresentada pelo adulto (aoalimento, nesse caso).

    Por isso é importante inves-

    tigarmos as expressões infan-tis, tentando compreender osdiferentes significados que seexpressam em seus compor-tamentos. Será por meio denossa ajuda que, desde muitocedo, o bebê irá compreendere dar sentido ao que sente evive. Podemos mesmo dizerque nascemos disponíveis

    para o contato com o outro edependemos dele para nossodesenvolvimento.

    O aprendizado da convi-vência é potencializado nosespaços de educação infan-til. É nesses locais que pri-vilegiadamente poderemosaprender a negociar com ooutro, reconhecer os dife-rentes pontos de vista, lidarcom conflitos de interesse,promover situações coope-rativas, internalizar regras,trocar afeto etc. No ambien-te das creches e pré-escolasas crianças poderão ter múl-tiplas oportunidades de serelacionarem, desenvolvendoformas de comunicação va-riadas. E também de vivenciar

    caleidoscópio

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    caleidoscópio

    inserção das criançasde 0 a 3 anos de idadeno sistema de ensino

    impõe-nos um grande de-safio. Como garantir tanto ocuidado quanto a educação

    nessa faixa etária? Embora arelação entre cuidar e educarseja necessária e indissociá-vel em todo e qualquer pro-cesso educativo, na educa-ção da criança pequena elase torna imprescindível.

    Para sobreviver, o filhotehumano necessita mais decuidados de um adulto doque qualquer outro animal.

     Ao nascer, ele enfrenta umaimaturidade motora muitogrande, que o faz dependerpor longos anos dos outrosque dele cuidam. Mas essalonga dependência tambémtorna o ser humano capaz deaprender com os outros e dese adaptar aos mais variadosambientes e situações.

    Inicialmente se achava que,ao nascer, o bebê era imatu-ro e dependente em todosos sentidos. Nas últimas dé-cadas, foram desenvolvidosvários estudos que mostra-

    A educação coletivado pequeno cidadão

    de 0 a 3 anos* Maria Clotilde Rossetti Ferreira ram que o bebê humano tem

    uma série de competênciasauditivas, visuais e olfativas.Ele também possui maior ex-pressividade do que qualqueroutro animal; não apenas ex-

    pressividade facial, mas tam-bém vocalizações, gestos eposturas que favorecem muitosua interação e comunicaçãocom outras pessoas.

    Na realidade, o bebê apre-senta essa interessante con-tradição: grande imaturidademotora, mas competênciasocial única. Essa capacida-de é que vai lhe possibilitar

    interagir com outras pessoas,que irão introduzi-lo na culturae interpretarão o mundo paraele e ele para o mundo. Nascondições materiais e sociaisem que os adultos vivem e deacordo com sua cultura, seuscostumes e crenças, eles or-ganizam o ambiente, permi-tindo às crianças pequenas

    agir nele e sobre ele. Possi-bilitam, assim, que as coisasdesse mundo façam sentidopara a criança.

    Essa realidade humanabastante complexa encon-

    * Este artigo constitui versão modificada de outro publicado anteriormente na revista Pátio Educação Infantil, Ano I, nº 1 (abril/julho 2003), pág. 10:12, ArtMed Editora, Porto Alegre/RS, com o título: A necessária asso-ciação entre EDUCAR e CUIDAR. (Cindedi). A autora agradece auxílios da Fapesp e CNPq a suas pesquisas.

    ADoutora em Psicologia pela Univer-sity of London e professora da USP(Ribeirão Preto), onde coordena oCentro de Investigações sobre oDesenvolvimento Humano eEducação Infantil

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    caleidoscópio

    lie Chaplin no filme TemposModernos. Duas educadorascompunham a situação, comum grupo de 15 crianças de 2a 3 anos. O ritmo de umas e deoutras era bem diferenciado.

    Enquanto as educadoras,automática e rapidamente,desempenhavam as tarefasde despir, lavar, secar e ves-tir uma criança após a outra,as crianças eram submetidasa um contínuo e longo tempode espera. De início, permane-ciam em pinicos, encostadasà parede. Quando chegava

    sua vez, eram pegas, esfrega-das, enxaguadas e deixadas,ainda pingando, no estradopara esperar o momento deserem vestidas e penteadaspela outra educadora.

    Terminado esse procedi-mento, ficavam à espera darotina seguinte, sendo re-preendidas se não ficassem

    quietas e silenciosas. Poucaou nenhuma oportunidade

    tra-se bem retratada em umaexpressão no ditado do povoXhosa, de Nelson Mandela:Pessoas são pessoas atravésde outras pessoas. Tal dita-do contrapõe-se fortementeà dissociação entre cuidar eeducar, tão freqüente em es-colas, pré-escolas e creches.

    Esquecemos que, ao cui-dar ou descuidar da criança,estamos colocando-a emcerta posição, dando-lhe cer-tos sentidos, os quais contri-buem para constituí-la comopessoa. Certas experiências

    observadas em algumas cre-ches e pré-escolas podemajudar a evidenciar isso. Assituações de higiene são asmais típicas.

    O banho passivo 

     A rotina de banho observa-da em uma creche lembrava

    as linhas de montagem dasfábricas, ironizadas por Char-

    lhes era propiciada para exer-cer alguma autonomia na situ-ação, curtir o prazer da águano corpo, aprender, interagir ebrincar umas com as outras.

     A organização dessa rotinade cuidados estava claramen-te prepando as crianças paraserem submissas e passivas,sem iniciativa e autonomia.

     A mesma situação do banhopode ser trabalhada de for-ma completamente diversa.O ambiente e a rotina podemser organizados de maneiraa oferecer ocasião para as

    crianças desenvolverem comautonomia uma série de ha-bilidades, como despir, lavar,secar, vestir e calçar a si pró-prias e às outros. Podem teroportunidade de experimen-tar a temperatura e outrasqualidades da água, a textu-ra do sabão e das esponjas.Podem ensinar a cuidar dos

    outros, ou serem cuidadaspor eles. Com isso, estare-mos exercendo um cuida-do/educação que as colocaem uma posição mais ativa,de alguém competente parainteragir, aprender e exerceruma série de funções.

    Discriminação cruel

     A injusta estrutura socialbrasileira se espelha sobre-maneira nas instituições edu-cacionais, onde as atividadesde cuidado são com freqüên-cia empurradas para os demenor salário e status. Issoocorre porque a essas ativi-dades é atribuído um menorvalor simbólico que àquelas

    F  o t   o:  c  ar  o c h i  nh  a /   C  o s  e a s  /   U S P 

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    denominadas educativas.Nas creches, nota-se fre-

    qüente discriminação entre“as professoras”, entendidascomo responsáveis pela par-te mais nobre da educação,e “as auxiliares, atendentes,serventes ou pajens”, res-ponsáveis pela parte menosnobre, de cuidado das crian-ças e do ambiente. Suposta-mente, as primeiras formam acabeça da criança, responsa-bilizando-se pelas atividadesditas de aprendizagem cog-nitiva, definidas no currículo

    escolar. Já as outras cuidamdas atividades de alimenta-ção, higiene, limpeza, des-canso e recreação, as quais,supostamente, requerem me-nor qualificação. Como a dis-criminação é grande, quemeduca não se propõe a cuidare quem cuida não se consi-dera apto para educar, como

    se essa cisão fosse possível.Em estudo sobre a inclu-são/exclusão de criançascom paralisia cerebral na pré-escola (Yazzle, Amorim & Ros-setti-Ferreira, 2004), pudemosobservar os efeitos perversosdessa dissociação. A pessoaportadora de necessidadesespeciais usualmente requer

    maior cuidado, seja no que serefere a apoio ambiental (ram-pas, cadeiras adequadas etc),seja no sentido de um auxíliomais direto e efetivo em ativi-dades nas quais não tem au-tonomia, como ir ao banheiro,por exemplo. As professorasda pré-escola mostraram-se despreparadas e atônitasdiante dessa situação. Para

    elas, esse tipo de função nãolhes cabia, e sim às serventes,que não estavam disponíveisem vários momentos.

    Na realidade, nossa inves-tigação pôs em evidência ofato de que todas as crian-ças precisam, em vários mo-mentos, de algum cuidadoespecial, adequado a suasnecessidades individuais.

     As professoras, porém, nãoestão preparadas para isso,pois acham que sua funçãoé apenas ensinar saberes es-pecificados em um currículo

    escolar predefinido. Quandoobrigadas a exercer ativida-des de cuidado, geralmente ofazem à revelia das crianças.

    O ritual daalimentação

    Porém, tanto o processode cuidado quanto o de ensi-

    no-aprendizagem tornam-semuito mais efetivos e praze-rosos quando há real sintoniaentre quem cuida e quem écuidado, entre quem ensina equem aprende. Um processono qual a educadora é capazde perceber o momento dacriança, de proporcionar con-dições que a acolham e moti-

    vem, envolvendo-a e compar-tilhando com ela atividadesvariadas, as quais podem terpartido da iniciativa seja dacriança, seja do adulto.

     Ao colocar a criança emuma posição mais ativa, deparceria e co-autoria do queocorre e de seu próprio pro-cesso de cuidado e aprendi-zagem, a professora estará

    lhe dando oportunidade deconstruir uma identidade po-sitiva a respeito de si mesma,de pessoa capaz de se cui-dar e ser cuidada, de interagircom outros e dominar diferen-tes habilidades e conteúdos.

     A identidade da criançatambém está sendo formadadurante atividades de vidadiária, como a alimentação,por exemplo. Muito da culturae dos saberes de um povo étransmitido nessa prática so-cial. Que o digam os italianos,árabes, franceses e os brasi-

    leiros do Norte ao Sul! O pre-paro da comida e o momentoda refeição constituem ocasi-ões extremamente ricas paraa aprendizagem e desenvol-vimento de hábitos e costu-mes individuais e culturais.No entanto, essa situação éfreqüentemente tratada nainstituição como uma rotina

    cansativa, da qual os adultosdesejam desvencilhar-se omais rapidamente possível.

     As atividades de cuidado/ educação de crianças cujosdireitos são reconhecidos erespeitados pela instituição epor seus educadores devemenvolver o cultivo da identida-de familiar, de gênero e raça.

    Para isto, podem ser progra-madas situações nas criançaspossam explorar sua históriaindividual e familiar, descobrire ser acolhidas em sua indi-vidualidade, aprendendo areconhecer e respeitar as di-ferenças próprias e alheias.

    Propiciar oportunidadespara as crianças aprende-rem a gostar de si próprias,

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    desenvolvendo um autocon-ceito positivo e aprendendoa reconhecer e respeitar ascaracterísticas pessoais decada um constitui tarefa edu-cativa das mais importantes,tanto na infância quanto naadolescência.

    Educar e cuidar:inseparáveis

     A indissociabilidade en-tre cuidado e educação pre-cisa permear todo projetopedagógico de uma crecheou pré-escola. Trata-se, decerta forma, de uma filosofiade atuação que prevalece,ou não, em todo o planeja-mento. As famílias não pro-curam a instituição apenaspara que proporcione a seusfilhos os aprendizados defini-dos no currículo escolar. Elas

    buscam compartilhar comos educadores o cuidado ea educação de seus filhos.Esperam que suas criançassejam acolhidas em sua indi-vidualidade, o que comportanecessidades variadas.

    Para finalizar, gostaria depropor uma reflexão interes-sante. Na época atual, emque a maior ou menor oportu-nidade de acesso ao conhe-cimento define muitas vezeso futuro de uma pessoa, asatividades de cuidado as-sumem cada vez mais uma

    posição de destaque. Asmáquinas e os robôs estãosubstituindo o ser humanoem várias tarefas, mas nãonas de cuidado!

    O setor de empregos quemais cresce é o de serviços.E a competência neles exigi-da envolve também delicade-za e cuidado no trato. Outros

    segmentos que apresentamacentuado crescimento di-zem respeito diretamente aocuidado das pessoas e doambiente ecológico. Cabe

    então a pergunta: será queestaremos preparando umfuturo melhor para nossascrianças, se deixarmos defora o cuidado das tarefaseducativas em nossas cre-ches e pré-escolas?

    Foto: Carochinha/Coseas/USP

    Referências:

     YAZZLE, C.H.D.; AMORIM,K.S.; ROSSETTI-FERREIRA,M. C. A rede de significaçõesna investigação do processode inclusão de crianças por-

    tadoras de paralisia cerebralem pré-escolas. In: Maria Clo-tilde Rossetti-Ferreira; Kátiade Souza Amorim; Ana PaulaSoares da Silva; Ana Mariade Almeida Carvalho (Orgs.).Rede de significações e o es-tudo do desenvolvimento hu-mano, Porto Alegre: ArtmedEditora, 2004, p. 189-206.

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    m dos grandes desafios para o campo da educaçãoinfantil, neste início de século XXI, tem sido o de cons-truir propostas pedagógicas para atender os bebês e ascrianças pequeninhas em instituições educacionais.

    Educadores, professores, pais, crianças, gestores e

    políticos necessitam participar da formulação de proje-tos político-pedagógicos que ultrapassem a assistênciaàs necessidades biológicas e o adestramento das crian-ças em hábitos e costumes. É preciso construir projetoseducacionais que possibilitem às crianças ampliar suaspotencialidades e suas capacidades, desenvolvendosuas singularidades e constituindo-se pela participaçãona vida coletiva.

    Para educar crianças, necessitamos objetivos claros eprecisos que direcionem para a construção de seres hu-

    manos capazes de viver na sociedade contemporânea.Segundo Odena (1999), o objetivo geral para a escola de0 a 3 anos deve ser o de “formar pessoas para a auto-nomia pessoal e a solidariedade, capazes de experimen-tar, expressar-se, comunicar-se, sentir segurança, amar,ser feliz, ter autodomínio e compreender seu contexto”.Para as crianças, ir para a escola de educação infantil éuma oportunidade de viver com um grupo ampliado depessoas – adultos e crianças – num contexto pensadoespecialmente para a sua educação.

     A creche se caracteriza por ser um ambiente social deaceitação, de confiança, de contato corporal, brincadei-

    ras, conversas. Isto é, um lugar rico em possibili-dades para adquirir novas e posi-

    tivas experiências e linguagens:corporais, cognitivas, afetivase emocionais. Talvez a carac-terística mais importante da

    creche seja o convívio, a cons-trução de relacionamentos. Enfim,

    Pensar a educação das criançasde 0 a 3 anos em ambientes de

    educação coletiva

    Maria Carmem Silveira Barbosa UDoutora em Ciências Sociais aplica-da à Educação pela Universidade deCampinas (Unicamp) e professora daUniversidade Federal do Rio Grandedo Sul (UFRGS)

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    adequadas? Existem discipli-nas curriculares específicas?

    Necessitamos acolher osbebês e oferecer a eles tan-to as tradições culturais doseu grupo de pertença, comoabrir seus olhinhos para anovidade do mundo, enrique-cendo a vida cotidiana, dan-do atenção aos detalhes, aossentimentos, sensações, ale-grias que muitas vezes nospassam despercebidos.

    Na creche se educa nãoapenas pelo que se fala, maspor toda uma postura corpo-ral, cultural, relacional, de va-lores. Viver com intensidadeas experiências que se consti-tuem diariamente nas escolasinfantis e estar atento ao queacontece, realizando interven-ções adequadas é base dapedagogia com as criançasbem pequeninas. É precisoeducar os sentidos, os movi-mentos, as linguagens, o pen-samento, a autonomia pesso-al e a sociabilidade.

     A escola não apenas sig-nifica um espaço educadorpara meninos e meninas,

    mas representa uma institui-

    ção com múltiplos participan-tes, como os pais e a equipede trabalho. É um local ondetodos se educam de modocolaborativo.

    Por isso, para organizaruma proposta pedagógicapara a educação infantil, épreciso conhecer as caracte-rísticas gerais do meio social

    e cultural em que a escola sesitua e interagir com os pais.É necessário saber que finsperseguimos, como quere-mos que nossas crianças sedesenvolvam, como quere-mos que seja nossa escolae qual seu papel na comuni-dade. E assim, formular umaidentidade para a escola.

    Referências:

    ODENA, Pepa. Infancia yescuela de 0 a 3 años. Barce-lona: Associacion de Maes-tros Rosa Sensat/MEC, 1995.

    TONUCCI, Francesco.Com olhos de criança. Porto

     Alegre: Artes medicas, 1999.

    a participação em um gruposocial e a busca de sentidode pertencimento a um comu-nidade. Afinal, nós humanossomos seres sociais.

    Na escola infantil as crian-ças aprendem as combina-ções para o convívio social,aprendem a integrar-se comoutras crianças, a trabalharem grupos, a dividir os brin-quedos e também a atençãoda professora, a cuidar dassuas coisas (organizar, em-prestar e guardar) e das dos

    demais. Também ali desen-volvem o senso de respeitopúblico e de coletividade.Como afirma Tonnucci (1999),nos constituímos a partir das“pequenas atividades cotidia-nas”, pois estas, ao tornarem-se hábitos, fundamentam aautonomia das crianças.

     Assim, trabalhar com be-

    bês (0 a 3 anos) não é fazeruma creche ou jardim de in-fância simplificado, adaptadoe, muitas vezes, de baixa qua-lidade. Ao contrário, trabalharcom bebês vai exigir a cons-trução de novas respostas,de outras formas de exercitare pensar a pedagogia.

    Educar bebês em espa-

    ços de educação coletiva épensar em um desafio à edu-cação escolar como ela temsido realizada até hoje. Os be-bês causam-nos indagações,como: o que deve constar emum currículo para crianças de1 e 2 anos? Qual o papel daavaliação pedagógica numaturma de 3 anos? Quais as

    metodologias de trabalho

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    matéria de capa

    educação de crianças pequenas em instituições de edu-cação infantil é reconhecida como um investimento ne-cessário para o seu desenvolvimento integral desde osprimeiros meses. Não há o que discutir, todos têm direito

    à educação de qualidade. O acesso à creche e à pré-escola éum direito constitucional de toda criança.

    Entretanto, não é bem isso o que acontece. No Brasil, 67%das crianças de 4 até 5 anos estão matriculadas em institui-ções de educação infantil e na faixa etária de 0 até 3 anos oatendimento é de apenas 15%. Estes dados comprovam quea meta do Plano Nacional de Educação (PNE) de ampliar oatendimento das crianças de 0 a 3 anos para 50% e das crian-ças de 4 a 5 anos e 11 meses para 80%, até 2011, está muitolonge de ser alcançada. Portanto, um dos desafios da polí-

    Programa apóia a construção

    de creches e pré-escolas e dáassessoria a municípios

    A

    P

      r  o   i  n   f   â

      n  c   i  a

    matéria especial

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    matéria especial

    tica educacional é ampliar aoferta da educação infantil

    pública para receber todasas crianças que demandamatendimento.

    Este atendimento deveser oferecido em ambientesadequados, preferencialmen-te planejados para este fim,F  o t   o: A r  q ui  v  oF NDE 

    F  o t   o: A r  q ui  v  oF NDE 

    F  o t   o: A r  q ui  v  oF NDE 

    pois o espaço físico é um doscomponentes educativos, e

    este ambiente deve incenti-var o desenvolvimento inte-gral das crianças. Tendo emvista que muitos municípiosbrasileiros apresentam ne-cessidades técnicas e finan-ceiras para ampliar a oferta e

    atender com qualidade estaprimeira etapa da educaçãobásica, o governo federalcriou o Programa Nacionalde Reestruturação e Apa-

    relhagem da Rede EscolarPública de Educação Infantil(Proinfância), com o objetivode possibilitar a construção,a reestruturação e a aquisiçãode equipamentos para a redefísica da educação infantil.

    O programa, criado em2007, é uma das ações doPlano de Desenvolvimento da

    Educação (PDE), que buscagarantir o direito das criançasde até 5 anos e 11 meses àeducação infantil de qualida-de na rede pública de ensino.

     A elaboração do projetoarquitetônico do Proinfânciaconsiderou as orientações dosParâmetros Básicos de Infra-estrutura para Instituições de

    Educação Infantil (MEC/SEB/ COEDI, 2006) e a legislaçãocorrelata, garantindo a aces-sibilidade, a segurança, a hi-giene, além de espaços parabrincar e interagir com adultose outras crianças.

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    O Proinfância irá atendermunicípios avaliados por umconjunto de indicadores sociais,demográficos populacionais eeducacionais com maior núme-ro de crianças com idade até 5

    matéria especial

    Construçãoadequada

    O prédio financiado peloProinfância poderá atender,em período integral, até 112crianças e contará com os se-guintes ambientes:

    Área de Serviços:LavanderiaRoupariaServiços gerais (área descoberta/GLP/Lixo)

    Depósito de material de limpezaSanitários/vestiário parafuncionáriosCirculação

    Área administrativa:RecepçãoSecretaria

     AlmoxarifadoSala de professores/reuniãoSala da diretoria/coordenaçãoSanitários

     Área de circulação

    Área de Alimentação:Refeitório

    Cozinha

    Preparo

    Cocção

    DistribuiçãoLactário

    Lavagem de utensílios

    Lavagem de panelas

    Recepção e Estocagem

     Alimentos não perecíveis (despensa)

     Alimentos perecíveis(freezer/geladeira)

    Área Pedagógica:Creche I – 0 a 11 meses

     Acesso/escaninhos

    Sala de atividades

    Sala de repouso

    Brinquedos/alimentação

    Banho/fraldário

    Solário/varanda

    Creche II - 1 ano a 2 anos

     Acesso/escaninhos

    Sala de atividades

    Sala de repouso

    Banho/banheiro

    Solário/varanda

    Creche III – 2 anos a 3 anos

     Acesso/escaninhos

    Sala de atividades

    Sala de repouso

    Solário/varanda

    Pré-Escola - 4 anos a 5 anos

    Sala de atividadesSolário/varanda

    Sala Multiuso (TV, DVD, biblioteca)

    Informática

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    Para iniciar o trabalho deassessoramento técnico-peda-gógico, os municípios contem-plados com o programa foramdivididos em pólos. Nos meses

    de abril e maio, foram realiza-das reuniões em cada pólocom representantes da áreapedagógica das secretariasmunicipais de Educação bemcomo representantes do setorde obras destes municípios.

     Além dos dirigentes e téc-nicos municipais, participaramdestes encontros representan-tes de conselhos municipais e

    estaduais de Educação, fórunsde educação infantil, universi-dades, da União Nacional dosDirigentes Municipais de Edu-cação (Undime) e outros parcei-ros. Com isso, foi articulada umarede de colaboração à políticade educação infantil, de modoque os municípios e entidadespossam se apoiar mutuamentena elaboração e implantação

    das ações necessárias.Nas reuniões, surgiram asmais diversas demandas, apartir das quais o Ministério daEducação, por meio da Coor-denação-Geral de EducaçãoInfantil (Coedi), irá definir umaagenda de assessoramentotécnico aos municípios con-templados com o Programa.Ou seja, ao mesmo tempo em

    que as obras serão realizadas,

    os dirigentes municipais deeducação receberão assistên-cia técnica pedagógica sobreautorização de funcionamento,critério de matrícula, quadro derecursos humanos, rotinas de

    atendimento, projeto arquitetô-nico e relação com as famílias.Para as professoras Sílvia

    Degaraes e Adriana Librelot-to, da Secretaria de Educaçãode Campo Verde (MT), essasreuniões promoveram o forta-lecimento dos municípios, poistrouxeram subsídios para aconstrução de uma política deeducação infantil.

    O Proinfância, portanto, nãose restringe à construção denovas instalações, mas é umprograma de apoio e fortaleci-mento à política de educaçãoinfantil. Para a coordenadora-geral de educação infantil daSecretaria de Educação Bá-sica do MEC, Rita Coelho, osencontros foram importantespara orientar os representan-

    tes municipais de que a cons-trução que estamos realizandoprecisa estar a serviço de umaproposta pedagógica consis-tente, a fim de assegurar edu-cação infantil de qualidade.

    Para Cássia Vilanova, as-sessora da Secretaria deEducação de Itabuna (BA), oProInfância contribui para queos municípios ofereçam edu-

    cação de qualidade. Segun-do a professora, “a educaçãodas nossas crianças tambémpassa pelo ambiente ondeelas participam e interagem. Einteragir em um ambiente pen-sado, construído e organizadopara a infância, juntamentecom profissionais comprome-tidos com a qualidade socialda educação, é um direito denossas crianças”.

    anos e 11 meses, com índice devulnerabilidade social mais alto eque disponham de educadorescom formação adequada paraatuar na educação infantil.

    No dia 19 de maio de 2008,para marcar o primeiro ano doPDE, houve em Brasília um en-contro com prefeitos de todo opaís. No evento, o MEC liberouo pagamento dos 496 primei-ros convênios celebrados communicípios para construção de515 instituições de educaçãoinfantil. Posteriormente, foramconveniados mais 500 muni-

    cípios. Estão previstas cercade 1.000 novos convênios atéo fim de 2009. No encontrocom os prefeitos, o ministro daEducação, Fernando Haddad,destacou que é preciso eqüa-lizar as oportunidades educa-cionais: “Não importa onde acriança nasça, seu direito deaprender deve ser garantido”.

    Apoio técnicoPara garantir a qualidade e

    assessorar os municípios na for-mulação da política de educa-ção infantil, o MEC disponibiliza,além do apoio técnico e finan-ceiro para a realização da obra,assessoramento pedagógicopara os municípios organizaremo funcionamento das instituições

    de educação infantil.

    F  o t   o: A r  q ui  v  oF NDE 

    matéria especial

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    artigo

    Um pouco de história

     A educação das crianças em creches e pré-escolas no Bra-sil, direito reconhecido na Constituição de 1988, tem sua históriamarcada por mobilizações sociais. Na década de 1970, foram osmovimentos de mulheres e os de luta por creche seus maiores pro-tagonistas. Nos anos que precederam a Constituição, a defesa dodireito foi ampliada com o movimento Criança e Constituinte, queincorporou diferentes segmentos da sociedade.

    Garantiu-se, assim, na Carta Magna e, posteriormente, no Es-tatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o reconhecimento dacondição de sujeitos de direitos às crianças e adolescentes, atri-buindo-lhes prioridade nas várias políticas públicas. Entre essesdireitos estava o de atendimento em creches e pré-escolas para ascrianças até 6 anos de idade.

    O início dos anos 1990 caracteriza-se pela discussão das le-

    Pelo direito àeducação infantil:Movimento Interfóruns deEducação Infantil do Brasil

    Ângela Maria F. Rabelo Barreto

    Doutora em psicologia pelaUniversidade de Brasília (UnB)e membro do Comitê Diretivodo Movimento Interfóruns deEducação Infantil do Brasil (Mieib).

    F o t o :   Ar q u i v o  C o e d i 

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    gislações que irãoregulamentar váriostemas constitucio-nais. Promulgam-se o ECA (1990) ea Lei Orgânica da

     Assistência Social(1993), ambos defundamental im-portância para ainfância e a adoles-cência. A área edu-cacional vive umdebate mais longoe difícil em tornoda Lei de Diretrizes

    e Bases da Educa-ção Nacional (LDB),que transcorre maisda metade da dé-cada sem ser apro-vada pelo Congres-so Nacional, o queocorreria somenteem dezembro de1995.

    Nesse período, no vazio de-corrente da inexistência da leimaior da educação, o Ministérioda Educação toma a iniciativade definir, com os outros seg-mentos educacionais, uma po-lítica nacional para a educaçãoinfantil, consoante com os pro-jetos de LDB que tramitavamno Congresso Nacional. Os

    representantes de instituiçõesconvidados a discutir a propos-ta de política do Ministério, mui-tos deles participantes do mo-vimento Criança e Constituinte,propõem a criação de uma Co-missão Nacional de EducaçãoInfantil (CNEI), com o objetivode formular e implementar po-líticas na área. A CNEI atuou de1993 a 1996, e em alguns es-

    tados foram criadas comissõesestaduais com formato e objeti-vos semelhantes.

    O ano de 1994 representoumomento de significado espe-cial para a educação básicacom a realização da Conferên-cia Nacional de Educação paraTodos. Um dos eventos pre-paratórios à Conferência foi o ISimpósio Nacional de Educa-ção Infantil, no qual se discutiue aprovou a Política Nacional deEducação Infantil, com o apoioda CNEI.

    Em 1996, no bojo da pre-

    paração do II Simpósio Nacio-nal de Educação Infantil e IVSimpósio Latino-Americano de

     Atenção à Criança, reuniõesestaduais e seminários regio-nais estimularam a criação decomissões ou fóruns de edu-cação infantil em estados queainda não os possuíam.

    Em 1999, percebendo a ne-

    cessidade de articulação na-cional em torno da defesa dodireito à educação infantil, in-tegrantes dos fóruns de MinasGerais, Rio de Janeiro e SãoPaulo convidaram outros fórunspara discutir como fazê-la. Emreuniões entre representantesdesses três estados e do Ce-ará, Mato Grosso do Sul e de

    Santa Catarina, constituiu-se oMovimento Nacional de Edu-cação Infantil do Brasil, com asigla Mieib.

    O que é e pelo queluta o Mieib

    Constituído por fóruns esta-duais, regionais e municipaisde educação infantil, que se

    organizam de forma autônomaem cada local e se integram na-cionalmente por uma pauta deluta comum, o Mieib é um espa-ço de discussão e articulaçãosuprapartidário, comprometidocom a expansão e melhoria daqualidade da educação infantilno Brasil.

    O Mieib é aberto à participa-ção de todos os interessadosna educação infantil. De modogeral, participam dos fóruns edo Mieib órgãos governamen-tais na área da educação, as-sistência social, saúde, justiça

    e outros; organizações não-go-vernamentais; instituições deensino superior, ensino médioe outras que atuam com a for-mação de professores; con-selhos estaduais e conselhosmunicipais de educação, con-selhos de direito da criança edo adolescente, conselhos deassistência social e outros; re-

    presentantes de creches e pré-escolas públicas e privadas,famílias, comunidades e sindi-catos; instituições de pesquisa;professores e pesquisadores.O Movimento possui um comitêdiretivo, eleito a cada dois anosem encontros nacionais.

     A atuação do Mieib é orien-tada por princípios básicos,

    como garantia do direito cons-titucional das crianças de até6 anos à educação infantil, in-dependentemente de raça, gê-nero, etnia, credo e condiçõessocioeconômicas; concepçãode criança como sujeito de di-reitos, ativo e participativo noseu contexto histórico-cultural;indissociabilidade do cuidar edo educar; respeito ao direito

    artigoartigo

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    Executiva, atualmente sediadano Centro de Cultura Luiz Frei-re, em Pernambuco, e com osite www.mieib.org.br.

    O Mieib também participa dediferentes instâncias e redes dedefesa dos direitos da criançae da educação, para as quaiscontribui com seus posiciona-mentos e mobilizações. Desta-cam-se entre elas a CampanhaNacional pelo Direito à Educa-ção, que coordenou o “Fundebpra Valer!”, a Rede de Monito-ramento Presidente Amigo daCriança e a Rede Nacional Pri-

    meira Infância. Tem represen-tação no Comitê Nacional dePolíticas de Educação Básicado MEC, o que lhe possibilitaintervir nas discussões das po-líticas e ações do Ministério naárea da educação infantil.

    Em abril de 2008, o Mieibparticipou da Conferência Na-cional de Educação Básica,

    contribuindo para assegurarlugar de destaque à educaçãodas crianças até 6 anos na pau-ta das políticas de educação.

    da família de optar pelo aten-dimento na educação infantil;reconhecimento da educaçãoinfantil como primeira etapa daeducação básica; garantia deinclusão das crianças com defi-ciência nas classes comuns deeducação infantil.

    Sendo sua finalidade defen-der coletivamente a garantia dodireito das crianças de até 6anos ao atendimento na educa-ção infantil, o Mieib tem comobandeiras de luta a ampliaçãode vagas em creches e pré-es-colas; a destinação de recur-

    sos públicos adequados paraa educação infantil; a melhoriada qualidade do atendimento;a formação e valorização dosprofissionais da educação in-fantil; a implementação da pro-posta pedagógica elaboradade forma democrática e par-ticipativa pelas instituições deeducação infantil.

     Além dessas, que podemser consideradas de caráterpermanente, outras são de na-tureza conjuntural e respondema problemas decorrentes demomentos históricos vi-vidos pela educação in-fantil no país. Assim, sãopontos fundamentais daluta do Mieib a integra-

    ção das instituições deeducação infantil públi-cas e privadas, aos sis-temas de ensino; o esta-belecimento de normaspara o funcionamento eregularização das institui-ções de educação infan-til; e o controle social daimplantação do Fundeb(Fundo de Manutenção e

    Desenvolvimento da EducaçãoBásica e de Valorização dosProfissionais da Educação).

    No caso do Fundeb, deveser lembrado o papel que teveo Mieib na luta vitoriosa pela in-clusão das creches nesse im-portante mecanismo de finan-ciamento da educação básicano Brasil. As carrinhatas e o mo-vimento “Fraldas Pintadas”, quecontaram com a mobilizaçãoe participação das instituiçõescomunitárias, engrossaram ainiciativa “Fundeb pra Valer!”,que tinha entre seus principais

    pontos a inclusão da creche noFundo. Com essa vitória, muitascrianças excluídas do atendi-mento em creches e pré-esco-las poderão ter a oportunidadede freqüentá-las e se beneficia-rem efetivamente da primeiraetapa da educação básica.

    Nos últimos anos, o Mieibparticipou de pesquisas e pu-

    blicações sobre a qualidade daeducação infantil, o custo-alu-no, entre outras. Para sua atua-ção, conta com uma Secretaria

    Foto: Arquivo Coedi

    artigo

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    professor faz literatura

      ara ser professor,fizeram-me acreditarque precisaria de muito pouco,talvez quase nada.Ser alguém esperto,

    ter imaginação,usar da criatividade,ler alguns livros,responder o que for preciso,saber utilizar a palavra,

    ouvir quando necessário,calar em momentos determinados,cantar só quando for convidado,

    não sorrir de coisas bobas,chamar a atenção para manter a

    disciplina,cumprir o conteúdo,

    planejar o trivial.Com o passar do tempo,

    descobri que fui enganado pelo didático.Na caminhada da profissão,tudo o que pensei ter aprendidonão passou de ilusão.Lidar com gentenão é fácil não.

     Além de teorias e métodos revolucionários,é preciso mais do que saber.Ensinar não é passar instruçãopara a criança aprender.Professor tem que serator, cantor, mágico,palhaço, artista, malabarista,um pouco de mãee às vezes ter jeito pai.Tem que expor emoção,pôr sentimento no que faz,mexer com o coração,ter paciência e compreensão.Pois ser professor, na verdade,é ser gente que constróinão só personalidade.Contribui na formação do caráter,guia nos caminhos da aprendizagem,auxilia na formação do cidadão.

    Ser professoré mais que uma profissão.

    Afinal,o queé ser

    professor?

    Alessandra Regina Braga Veloso

     P 

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    Pedagoga, atuando como

    professora de educaçãoinfantil no Distrito Federal.

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    bservar o aluno em salade aula é o primeiropasso para o sucesso

    do professor e o desenvolvi-mento da criança. Foi o quedemonstraram os projetos se-

    lecionados pelo Prêmio Pro-fessores do Brasil – 2ª edição.Dez professores da educaçãoinfantil e nove das séries ini-ciais (1ª a 4ª) do ensino fun-damental da rede pública re-ceberam, cada um, R$ 5 mil,troféu e diploma, em cerimô-nia realizada no dia 15 de ou-

    Professores premiados do BrasilPrêmio Professores do Brasil reconhece profissionais que

    constroem o conhecimento a partir da realidade das crianças

    Heloisa d’Arcanchy

    Brasília/DF

    tubro, em Brasília. O prêmioé oferecido pelo Ministério daEducação em parceria coma Fundação Bunge, Funda-ção Orsa, Conselho Nacionalde Secretários de Educação

    (Consed) e União Nacionaldos Dirigentes Municipais deEducação (Undime).

    No dia seguinte à premia-ção, os 19 educadores quese destacaram entre os 1.564inscritos no ano de 2007, par-ticiparam de um seminário,no qual puderam apresen-

    O

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    relato

    tar e discutir suas experiên-cias. Para quem assistiu, fi-cou claro que professores eprofessoras deixaram de ser

    meros repassadores de co-nhecimento. Eles constroemesse conhecimento com osalunos, a partir da realidadedeles, do que eles gostam edo que precisam trabalhar. Oresultado são crianças moti-vadas com a escola. E tam-bém familiares e comunidadeenvolvidos com a educaçãode suas crianças.

    “O mérito principal do prê-mio é incentivar o registro daspráticas realizadas em salade aula”, salienta a diretora dePolíticas de Formação, Mate-riais Didáticos e Tecnologiaspara a Educação Básica doMinistério da Educação, Jea-nete Beauchamp. “Entende-mos que, quando o professor

    registra a sua prática, ele fazuma reflexão sobre o própriotrabalho e também constróisaberes pedagógicos”.

     As experiências premiadasserão reunidas em uma pu-blicação e distribuídas paraas secretarias de Educaçãode todo o país. “Mais do queestabelecer uma competição,pretendemos divulgar os tra-balhos que vêm sendo reali-

    “Quando o profes-

     sor registra a sua

     prática, ele faz uma

     reflexão sobre o

     próprio trabalho e

    constrói saberes”.

    zados nas escolas brasileirase que podem servir de mode-lo para outros educadores,evidentemente com as devi-

    das adaptações às diferentesrealidades”, observa Jeanete.Para Giovana Barbosa,

    coordenadora de projetos daFundação Orsa, que investehá mais de 13 anos em pro-jetos e programas voltadospara a infância, o prêmio re-vela o desenvolvimento daprática do professor e reforçaa importância das parceriasentre Estado e sociedade. “Oprêmio nos permite conhecero que está acontecendo emcada cantinho deste Brasil,como esse profissional sedestaca hoje, qual conheci-mento teórico ele tem, comoele une essa teoria à práticaolhando para as coisas espe-cíficas de suas regiões”.

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    Cultura A professora Maria Aparecida Rodrigues

    da Costa queria trabalhar a questão da vio-lência em sala de aula, por causa da atitu-de dos alunos diante de determinadas situ-ações. Mas os caminhos que ela escolhianão eram bem aceitos pelos estudantes de6 anos. Quando percebeu o interesse delespelo caranguejo, muito comum na Ilha dasCaieiras, em Vitória (ES), onde fica o CentroMunicipal de Educação Infantil (CMEI) PadreGiovanni Bartesaghi, decidiu aprofundar oconhecimento da meninada sobre o ambien-te em que viviam e realizou o projeto “A Cul-

    tura de uma ilha no coração capixaba”.Os alunos refletiram sobre a poluição do

    meio ambiente, envolveram-se rapidamenteem atividades, conheceram como se fabricaa panela de barro usada para fazer a mo-queca de caranguejo e visitaram um restau-rante típico da região. Além da parceria comempresários locais, a escola contou com aparticipação de estudantes da UniversidadeFederal do Espírito Santo, que ensinaram

    técnicas de grafismo, cerâmica e pintura emnegativos. Durante o processo, os alunos re-

    NegrosO projeto começou quando os alunos de

    3 anos da professora Geanne Duarte Poliniexcluíram uma coleguinha negra das brinca-deiras. A professora procurou a pedagogado CMEI Jacynta Ferreira de Souza Simões,em Vitória (ES) e, juntas, trabalharam o temadas diferenças a partir da literatura infantil. Olivro Menina Bonita do Laço de Fita, da es-

    critora Ana Maria Machado, caiu como umaluva: conta a história de uma linda meninanegra, que engana o coelho sobre o segredode ser tão pretinha: - “é só tomar café”, diza menina.

     A partir do interesse pela história, a profes-sora desenvolveu o projeto “Somos diferen-tes. Ninguém é igual a ninguém” e montouestratégias de trabalho para que as criançaspercebessem que no mundo há diferenças

    e existe beleza nisso. “Nós fizemos a receitado café na sala para que os alunos percebes-sem que não adianta tomar café, cada um

    nasce de um jeito; fize-mos passeios pela ci-dade para observar asdiferentes flores, cadauma com sua beleza;comparamos animaise visitamos um viveirode coelhos de diversascores, todos belos”,conta a professora.Oficinas de trança afro,teatro e compras nosupermercado para oaniversário da bonecaajudaram as criançasa respeitar as diferen-ças e ainda trabalhar amatemática.

    Índios A cultura indígena foi trabalhada pela professora Fran-

    cimaura Miranda de Souza, no projeto “Conhecer paraRespeitar”, da EMEI Balão Mágico, em Rolim de Moura(RO). A professora usou material de leitura e fotografiasque tirou durante uma visita a duas aldeias para mostrarque os indígenas são muito parecidos com os brancos.“Antes eles eram vistos como seres mitológicos da flo-resta”, explica.

    vitalizaram o espaço do refeitório, aprenden-do a gostar mais da escola e a respeitar oscolegas.

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    Meio ambienteNa Escola Municipal de Educação Infantil

    Maria Rosa do Prado, em Montividiu (GO), aprofessora Rosemeire Freitas Carvalho se in-

    comodava com o desmatamento aceleradoda pequena cidade. Sentia falta da sombradas árvores, dos animais, do canto dos pás-saros. Mais do que falar sobre o meio am-biente, ela queria que os próprios alunos – de4 a 6 anos – percebessem a importância dapreservação da natureza.

    Uma solução foi levar fotografias antigasda cidade e perceber como esses lugaresestão atualmente. Com jornais e revistas,

    observaram também paisagens de outrosmunicípios. Durante o projeto “Não quere-mos ‘meio ambiente’, queremos o ‘ambienteinteiro’”, a turma fez passeios para conheceros novos bairros que surgiam e observaramo rio tomado pelo lixo das construções. “Foinesse momento que eles se integraram aotrabalho. Não pudemos fazer o piquenique.Não havia uma árvore para dar sombra”, re-lata a educadora.

     A professora Rosemeire conta que as crian-ças passaram a cobrar ações nesse sentido.“Um dos alunos não tinha árvore perto de casae o pai precisou arrumar um lugar pra plantá-la. E quando eu falava em construir uma casa,eles perguntavam: - “tem como plantar umaárvore perto dessa casa?”

    Cientistas mirins

    Era uma vez uma libélula no pátio da esco-la. E a professora atenta transformou o casoem pesquisa científica. “Pequenos Pesquisa-dores, Grandes Descobertas” é o projeto deRosimere Dobrowolski Oteka, que leciona noCMEI Santa Isabel, em Ponta Grossa (PR). Eladesenvolveu o que se chama “escuta sensí-vel”. Quando o professor está atento àquiloque os alunos falam ou fazem, ele consegueperceber qual é realmente a necessidade

    das crianças. E aproveita o interesse delas

    para despertar o gosto pela aprendizagem.Depois da libélula, encontraram abe-

    lhas, joaninhas, grilos... “Os alunos ficaramfascinados com os tamanhos, as cores, asdiferenças entre os insetos. Foi possível de-senvolver e articular a curiosidade com asoutras áreas do conhecimento”. As criançasregistraram as descobertas com desenhose textos coletivos, experimentaram pinturacom tinta feita de terra, tinta guache, recortee colagem. Também houve um trabalho deconscientização sobre a dengue. “Se nósperguntarmos para elas sobre a dengue,elas sabem os cuidados que devemos to-mar”, observou Rosimere.

    FigurinhasQuem não gosta de montar um álbum e

    trocar figurinhas? Melhor ainda se elas for-marem a sua própria história! Foi o que pen-sou a professora Luciene Silva de Sousa, daEscola Estadual de Ensino Fundamental Re-pública, no Rio de Janeiro, quando um alunolevou um álbum desses para a aula. Surgiu o

    projeto “Figurinhas da Infância”.Os alunos entre 5 e 6 anos se divertiram

    e aprenderam enquanto completavam oálbum em que eles mesmos eram os per-sonagens. Fotos de família e ilustraçõesforam multiplicadas e ganharam números.

     Até uma banca foi improvisada para simu-lar a venda. Para completar o álbum, ascrianças trocavam as figurinhas repetidase conheciam a vida dos colegas.

     A história da professora Luciene Sousa,recém-chegada à Escola República, tambémestá no álbum. Isso permitiu que os alunosa conhecessem melhor e facilitou o trabalhoem sala. “No fim do ano, eles levaram paracasa um álbum completo, com a história detodos. E, durante a montagem, trabalhamosa matemática, a linguagem, as diferenças, acooperação”, relata a professora, que pro-meteu dividir o prêmio com os alunos, co-au-tores da produção.

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    Final felizOs alunos de 5 e 6 anos da professora

    Thelma Lílian Bighetti Sória, da EMEI 1, 2...Feijão com Arroz, em Marília (SP), não mos-travam interesse pelas histórias. Quando elalevava os livros para a sala de aula, eles pe-gavam vários ao mesmo tempo, mas logo oslargavam.

    Motivada pela idéia de que a leitura é fun-damental para a formação de um indivíduo,a professora montou uma pequena bibliote-ca na sala. Bastaram um tapete e uma cai-xa de livros. Quando o aluno terminava umaatividade, podia folhear os livros, e quandotodos terminavam, a professora contava his-tórias. “Fizemos com que eles entendessemque toda história tem início, meio e fim, e queesse final nem sempre é o que eles queriam”,conta Thelma.

    Princesas diferentesTrês projetos trabalharam a literatura no

    Prêmio Professores do Brasil. Um tapete má-gico na sala de aula do Centro EducacionalInfantil Padre Réus, em Palhoça (SC), levouos alunos de 3 e 4 anos da professora MariStela Boschetto da Silva Silveira a muitas via-gens. As crianças percorreram histórias nasquais as bruxas e os lobos podiam ser bonse príncipes e princesas tinham as mais va-riadas aparências. A intenção da professora

    Mari Silveira foi trabalhar com as crianças osestereótipos, tais como “o feio é mau” ou “asprincesas são brancas e lindas”.

    Para realizar o projeto “Reconstruindo His-tórias”, a professora e os alunos construíramgrandes cenários com material reciclado,como a baleia da história do Pinóquio e umcastelo em que as crianças podiam entrar ebrincar. Com o cenário pronto, eles recebe-ram a visita de príncipes africanos e outrospersonagens. O trabalho despertou a imagi-

    DentesUma reportagem num jornal local chamou a atenção das irmãs Luísa e Luciana Rita Bellin-

    canta Salvi, professoras da Escola Básica Municipal Santa Cruz, em Concórdia (SC). A ma-téria falava de problemas do município com a saúde bucal infantil. As professoras levaram ojornal e outros textos sobre o assunto para a aula de leitura. Rapidamente, os alunos de 4 a6 anos se identificaram com as fotos, apontando semelhanças em suas bocas.

     A necessidade de promover ações educativas ficou clara. Luciana e Luísa pesquisaramem livros, revistas, internet, usaram poesias que orientavam as crianças para os cuidadoscom os dentes. O trabalho levou transformações para a escola. Não havia espelhos emfrente às pias, mas logo foram providenciados. “Não adiantava ensinar a escovar os den-tes se a criança não pudesse visualizar a prática”, explica Luciana.

    Mas era preciso conscientizar também a família. A Secretaria Municipal de Saúde man-dou, então, uma dentista até a escola para orientar pais e filhos. “A criança passou a cobrardos pais que escovassem os dentes e ainda orientavam o modo correto. Cobravam o fio

    dental e quiseram até ir à dentista. Perderam o medo”, conta a professora, feliz com osresultados. O projeto “Mostrando os Dentes” trabalhou diversas áreas do conhecimento epossibilitou mudanças na vida das crianças.

    nação das crianças, que começaram a criaras próprias versões para as histórias.

    relato

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    Ótimas experiências podem se perder porque não foram registradas. Adotar um ca-derno de anotações é uma boa sugestão. Quando o professor escreve a sua práticadiariamente e depois lê o que fez durante o ano, é capaz de perceber melhor o desen-volvimento dos alunos, onde errou, onde acertou, e redirecionar o trabalho.

    “Eu pego o caderno de planejamento e um outro caderno onde colocamos os pontos

    trabalhados no dia, que depois vão servir de reflexão. Isso me dá uma visão clara daprática e até daquilo que foi possível ou não foi possível executar”, ensina a professoraMaria Aparecida Santos.

    Fotografias, ilustrações, tudo que puder contribuir para o registro é importante. Todosos dias, ao final das atividades, a professora Geanne Polini e os alunos registram o quefizeram naquele período. Ela escreve, eles desenham. A esse caderno ela dá o nome de“Livro Vida”.

    O registro da prática

    GibitecaÚnico homem entre os professores pre-

    miados, Marcelo Campos Pereira, da EscolaMunicipal de Ensino Infantil Sonho de Crian-

    ça, de Pompéia (SP), apresentou o projeto“Semeando o prazer de ler com as históriasem quadrinhos”. O professor iniciou com osalunos uma campanha para montar a gibite-ca da escola. Além da leitura, eles aprende-ram sobre solidariedade. Com a ajuda dospais, foram à rádio, ao jornal local, montaramcartazes e caixas de coleta e recolheram 300revistinhas.

    Uma das técnicas utilizadas para desen-volver a leitura a partir dos quadrinhos foimontar um cartaz com vários quadros e co-brir as figuras uma a uma. Então, o professorMarcelo mostrava uma por vez. “A criançaanalisa as expressões dos personagens efica mais fácil identificar as situações. Comisso trabalhamos três coisas: a inferência,pela qual a criança pode inventar uma histó-ria em cima daquele quadrinho; a questão daantecipação: você pergunta o que vai acon-tecer com o outro quadrinho coberto e elavai ter que criar também; e a conferência: elaverifica se aquilo que ela criou realmente fazparte da história.”

    Com a ajuda da prefeitura, o projeto con-

    seguiu um trenzinho, onde os alunos do pro-fessor Marcelo, vestidos como os persona-gens dos gibis, levam para outras escolas osgibis e o gosto pela leitura. “Hoje eles têmfacilidade de ler a seqüência, a localização(esquerda, direita) e desenvolveram tambéma escrita, porque as crianças se interessamem saber o que está dentro do balãozinho”,diz o professor, emocionado.

    Depois da leitura, a professora discutiacom os alunos: “vocês gostaram? Porqueserá que ele quis fazer isso? Será que nãotinha outro jeito de ele conseguir o que que-ria?” Assim, as crianças passaram a se inte-ressar mais pela leitura e começaram a levarlivros para casa e recontar as histórias paraas mães e os pais. E estes foram convidadosa contar histórias na escola.

    relato

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    reportagem

    Bebês

    vãoaoteatro

    Adriana Maricato │ Brasília/DF

    Espetáculos criados a partir do olhar das criançaspequenas ajudam bebês a superar seus medos e angústias

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    PPais e mães com filhos até 3 anos aguardam no sa-guão do teatro, onde são recebidos por Carlos Lare-da, diretor da companhia La Casa Incierta. Ele expli-ca as regras do jogo: crianças autônomas sentam na

    frente do palco e os bebês de colo ficam na segunda fileira,com os adultos responsáveis. O ambiente é pequeno e inti-mista, portanto requer silêncio – outra regra do jogo – e por

    revista criança •

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    reportagem

    isso os adultos não devemexplicar os acontecimentospara as crianças. “Elas nas-cem poetas, são capazes decompreender a peça”, afirmao diretor.

    No ambiente escuro, elassão conduzidas e acomoda-das próximo ao palco, emuma área iluminada. O quese vê pela próxima meia horaé fascinante: bebês em silên-cio, atentos ao que se passano palco, eventualmente dan-do gritinhos, falando, baten-do palmas, pulando no colo

    dos pais, imitando os gestose movimentos das atrizes.Também olham curiosos unspara os outros. Alguns delestentam alcançar o palco, massão impedidos de avançar –permanecer na platéia é umadas regras. Crianças que jáfalam repetem os nomes dosobjetos em cena e palavras

    ditas pelas atrizes: pé, sapa-to, água, pedra, voar, peixe,mamãe.

    Para os adultos, o espe-táculo parece non-sense.Estímulos visuais, sonoros everbais são simultaneamenteexplorados, intercalados porfrases poéticas, gestos e mo-vimentos corporais das atri-zes, compondo uma narrativanão-linear. Se não faz muitosentido para os pais e edu-cadores presentes, a peçaatende à capacidade percep-tiva dos bebês na platéia.

     A iluminação, de váriascores, é alternada com o es-curo ao longo do espetáculo.No início, os bebês sentemmedo do escuro, o que é

    normal. O teatro os ajuda avivenciar esse tipo de senti-mento e a superá-lo. “Podeser o medo de perder o paiou a mãe, uma experiênciaassociada à morte”, explicaLareda. “A criança pequena émuito corajosa, pois é capazde enfrentar suas emoções”.

    Sons, luzes,objetos, ruídos emúsica

    O diretor conta que os

    espetáculos de La Casa In-cierta nascem da observa-ção, durante seis meses, decrianças em creches. O con-texto familiar também é umaforte referência, já que Lare-da é pai de dois filhos com aatriz Clarice Cardell, tambémda companhia. Eles constro-em as peças a partir do olharde seus bebês.

    Durante os espetáculos,as atrizes desenvolvem jogosde colocar-tirar, esconder-re-velar, puxar-soltar, experimen-tos com sons e luzes. Na trilhasonora, reprodução de vozesde outras crianças e música.“Existe uma idéia de que ascrianças pequenas desenvol-vem a compreensão pelo veí-

    culo sensorial”, afirma o diretor.Ou seja, bebês viveriam nummundo sem sentido porqueainda não desenvolveram a lin-guagem verbal, compreensãoque Lareda rejeita. Para ele,o sentido pode ser construí-do também a partir de outraslinguagens, que os pequenospercebem: musical, oral, plás-tica, cênica e gestual.

    De um emaranhado defios coloridos puxados de umlado para outro sai um úni-co fio, que é, então, cortadopor uma tesoura. Uma pedraamarrada a uma corda re-presenta o bebê com cordãoumbilical. Um objeto douradoem formato de meia esferaoca colocado sobre a barrigade uma atriz significa a barri-ga de uma mulher grávida.

    Segundo Lareda, as per-guntas mais profundas sobreexistência e identidade sãofeitas pelos seres humanos

    nos seus primeiros anos. Éassim que o nascimento, fatomais importante da vida epróximo da experiência dospequenos, torna-se o temadas peças. Tudo o que serelaciona a isso – gravidez,aconchego, embalo, pre-sença (ou ausência) da mãe– acaba sendo representado.

    O espetáculo baseia-senuma estrutura de pensa-mento complexo, no qual vá-rias camadas são exploradassimultaneamente: os planosconceitual, emocional, narra-tivo, sensitivo e perceptivo.“O bebê tem uma percepçãocinestésica do acontecimen-to”, explica o diretor. Em ou-tras palavras, as crianças pe-quenas percebem o ambientea partir de várias sensações esentimentos simultâneos, ereagem a todos eles.

    Durante a peça, as crian-ças viram a cabeça em dire-ção à origem de cada somouvido por elas – toque deobjeto metálico ou sino comvareta, batimento de pedra

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    João Corbert, 2 anos e 2 meses, ao assistir “Pu-

    pila D’Água” em companhia da mãe e da tia, saiudo espetáculo perguntando “cadê o teatro?”. Nosdias seguintes, pediu várias vezes para voltar lá eapontava a foto da peça no “livro do teatro” (pro-gramação do festival Cena Contemporânea), ondetinha “a moça”.

    Uma semana após sua primeira experiência,João largou o brinquedo favorito ao ser convidadopara ver fotos do “teatro”, disponíveis na internet.Ele apontava cada imagem e, do seu jeito, descreviasensações e sentimentos: identificou o escuro e acena em que sentiu medo, descreveu objetos. Esti-mulado a falar, disse “eu vi o peixinho”; sobre a atriz,afirmou que “fez água”, “fez sapato”, “fez barulho”,“coitado do sapato”. Lembrou-se de que o sapatoera colocado na árvore. Depois de cinco minutos, jácansado, disse “eu vou desligar” (o computador).

    “O bebê não é uma página em branco”, afirmaClarice Cardell; “ele tem abertura total para a mú-sica, os gestos”. Atriz da companhia, Clarice achaque cada espetáculo é uma oportunidade de ser

    transparente: “trata-se de um mundo muito profun-do e intenso, é difícil fazer caras e bocas para osbebês, você se sente na corda bamba”.

    Em determinado momento da apresentação de“Pupila D’Água”, as atrizes batem os sapatos ver-melhos no chão, produzindo seqüências de som esilêncio. Em Brasília, um menino com uma chupetana boca e uma fralda na mão, em pé, sapateou nomesmo ritmo das batidas, levantou os braços e gi-rou, imitando os gestos das atrizes em cena.

    Para manter a relação com a platéia, que é muitofrágil, as atrizes enfocam o bebê, que também estáem cena. No espaço pequeno, as crianças ficammuito próximas ao palco. Eventualmente, Clariceolha para os olhos de um dos bebês e se aproxima;ele corresponde ao olhar e se mantém atento. “Eume permito me perder nesses olhares, eles me ali-mentam”, diz a atriz.

    O mundo dos bebês 

    reportagem

    ou sapato no chão, fala dasatrizes, música, gritos de be-bês gravados, despejo degrãos, água escorrendo.

     A pesquisadora canaden-se Sandra Trehub, da Univer-sidade de Toronto , descobriuque os bebês têm percepçãomusical muito desenvolvida,comparável à de músicosprofissionais. Eles reconhe-cem tons, melodias, tonali-dades e ritmos, memorizamseqüências musicais e perce-bem padrões em canções dediferentes culturas. Segundo

    tais pesquisas, o ser humanonasce com essa habilidade ea perde durante o processode crescimento, pois a expo-sição a um único padrão limi-ta a percepção musical.

    Os bebês são muito sensí-veis e abertos não somente àmúsica, mas também às de-mais linguagens. As peças de

    La Casa Incierta favorecem acontemplação ativa, pois for-necem elementos para a in-terpret