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REVISTA CIENTÍFICA FAESA Volume 11 - número 1, 2015 v. 11, n. 1, 2015 VITÓRIA, ES ISSN: 1809-7367 REVISTA CIENTÍFICA FAESA Vitória, ES v. 11 n. 1 p. 01-140 2015

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REVISTA CIENTÍFICA FAESA

Volume 11 - número 1, 2015

v. 11, n. 1, 2015

VITÓRIA, ES

ISSN: 1809-7367

REVISTA CIENTÍFICA FAESA Vitória, ES v. 11 n. 1 p. 01-140 2015

EXPEDIENTE

Periodicidade: Anual

ISSN: 1809-7367

Temática: transversal (multidisciplinar)

Início da coleção: v. 1, n. 1, 2005

Circulação: Local, nacional e internacional

Tiragem de cada número: 1.000

CRÉDITOS TÉCNICOS

Revisão e Editoração

Sandro Dau

Impressão

GSA Gráfica e Editora

Capa

Núcleo de Comunicação e Marketing

Endereço

Núcleo de Pesquisa, Extensão e Cultura

Fundação de Assistência e Educação - FAESA Campus Av. Vitória

Av. Vitória, 2.220, Monte Belo

Vitória, ES – CEP: 29053-360

ACEITA-SE PERMUTA. I EXCHANGE IS REQUESTED. SE ACEPTA CAMBIO

Ficha catalográfica

Ficha catalográfica elaborada pelo Sistema FAESA de Bibliotecas

R454 Revista Científica FAESA / Sistema FAESA de Educação. - v.1, n.1,

(2005). - Vitória: Faesa, 2005.

V. 11, n. 1, jan./dez. 2015

Anual

ISSN 1809-7367

1. Generalidades - Periódicos. I. Sistema Faesa de Educação.

CDD 000

Superintendente InstitucionalAlexandre Nunes Theodoro

Diretor das Faculdades Integradas Espírito Santenses e Faculdades Integradas São Pedro - FAESA

Campus Avenida Vitória e Campus São PedroJuliano Silva Campana

Diretor da Faculdade Espírito-Santense- FAESACampus Cariacica

Henrique Alexandre Cardozo TheodoroConselho EditorialAdriana Gonring Kelly Fabiane Santos Ricardo Juliana Morgado Horta CorrêaAndressa Curto M. Dessaune Gilma Corrêa Coutinho Rodrigo Lemes Martins

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LINHA EDITORIAL

A Revista Científica FAESA é uma publicação anual, editada pela FAESA.

É multidisciplinar e recebe artigos da comunidade científica e acadêmica local, estadual e nacional. Os artigos são selecionados pelo Conselho Editorial e pela Assessoria Científica.

A Revista está indexada nas Bases: Indexação Compartilhada de Artigos de Periódicos (ICAP) e Sumários.org da Fundação de Pesquisas Científicas de Ribeirão Preto. Todos os artigos publica-dos têm o código de identificação Digital Object Identifier System (DOI).

A Revista Científica FAESA foi classificada como Qualis B em Psicologia e em Ciências Sociais Aplicadas.

A Revista é publicada em formato impresso e eletrônico. A partir deste ano o formato on – line terá o ISSN específico.

Estamos trabalhando para ampliar a distribuição da Revista e indexá-la em outras bases de da-dos nacionais e internacionais.

Conselho Editorial

MISSÃO DA FAESA

Promover o desenvolvimento social por meio do conhecimento.

MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: A LUTA PELA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS E SUAS RELAÇÕES COM A AUTONOMIA MORALMEDIATION: THE FIGHT FOR HUMAN RIGHTS GUARANTEE AND IT’S RELATION WITH MORAL AU-TONOMY

Fernanda Helena de Freitas Miranda

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APROVEITAMENTO DE GÁS DE EFEITO ESTUFA (GEE) GERADOS DE RE-SÍDUOS SÓLIDOS URBANOS VISANDO À SUSTENTABILIDADE DA MATRIZ ENERGÉTICA DO ESPÍRITO SANTOUTILIZATION OF GREENHOUSE GASES (GHG) GERATED OF MUNICIPAL SOLID WASTE IN OR-DER TO SUSTAINABILITY OF ENERGY MATRIX OF THE ESPIRITO SANTO

Jéssica Souto Peres, Raiza Zorzaneli Brumatti, Maria Claudia Lima Couto

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CASO ALICE: ATENDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO EM PSICOLOGIA ANALÍTICAALICE CASE: CARE PSYCHOTHERAPEUTIC IN ANALYTICAL PSYCHOLOGY

Simone Zamborlini, Isabele Santos Eleotério

21

DORES DE AMORES: ATENDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO EM PSICOLOGIA ANALÍTICA A UM GRUPO DE MULHERESLOVES PAIN: PSYCHOTHERAPY CARE IN PSYCHOLOGY ANALYTICS TO A GROUP OF WOMEN

Vera Lúcia Costa, Isabele Santos Eleotério

27

EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO TRABALHO: PESQUISA AÇÃO NO COTIDIANO DE POLICIAIS MILITARESHEALTH EDUCATION AT WORK: ACTION RESEARCH ON MILITARY POLICE EVERYDAY

Ana Paula Bissaro Loureiro, Rosane Cavalcante Santana, Andréia Silva Ferreira

33

ESTIMATIVA DA PRODUÇÃO DE LODO NAS ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ESGOTO MULEMBÁ E VALE ENCANTADO DA CESAN (ES) ESTIMATION OF SLUDGE PRODUCTION AT CESAN’S MULEMBÁ AND VALE ENCANTADO SEW-AGE WASTEWATER TREATMENT PLANTS (ESPÍRITO SANTO STATE, ES)

Maria Alice Moreno Marques, Ivan Hott Gomes, Uliane Bertholdi Bernadino

41

LA INTEGRACIÓN CIENTÍFICA BAJO UNA CONCEPCIÓN ÉTICO-HUMANISTA 51

O HOLOCAUSTO E AS MUITAS FACES DA CONCEPÇÃO HUMANA DE EXCLU-SÃO COMO ELEMENTO DE PRESERVAÇÃO DE UMA RAÇATHE HOLOCAUST AND THE MANY FACES OF HUMAN DESIG OF A RACE BECAUSE OF CONSER-VATION ELEMENT

Sayury Silva Otoni

61

UMA ABORDAGEM ALTERNATIVA COM O USO DE TECNOLOGIAS NO PROCES-SO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE INTEGRAL DEFINIDAAN ALTERNATIVE APPROACH TO THE TECHNOLOGY OF USE PROCESS OF TEACHING AND LEAR-NING FULL SET

Elvira Pádua Lovatte, Anderson de Oliveira Gadioli, Jocélia Abreu Barcellos Vargas, Thiago Ferrari, Thalles Trancoso

67

INFLUÊNCIA DO ÂNGULO DE INCLINAÇÃO SOBRE O FATOR DE FORMA DE MÓ-DULOS FOTOVOLTAICOS EM VITÓRIA, ESINFLUENCE OF TILT ANGLE ON FORM FACTOR OF PHOTOVOLTAIC MODULES IN VITÓRIA, ES

Izabele Venturott Ferreira Toniato, Lúcia Helena Sagrillo Pimassoni, Thaísa Christina Barbirato Nunes, Warley Teixeira Guimarães

75

SÓCRATES: UMA VIDA DEDICADA À FILOSOFIASOCRATES: A LIFE DEVOTED TO PHILOSOPHY

Sandro Dau

85

INTELIGÊNCIA COLETIVA APLICADA ÀS ORGANIZAÇÕES: UM MODELO DIS-RUPTIVO PARA O DESENVOLVIMENTO DE CAPITAL HUMANOCOLLECTIVE INTELLIGENCE APLIED TO ORGANIZATIONS: A DISRUPTIVE MODEL FOR THE DEVE-LOPMENT OF HUMAN CAPITAL

Sandra Medeiros Fonseca, Kátia Cyrlene de Araújo Vasconcelos.

95

AVALIAÇÃO DO DESCARTE DE MEDICAMENTOS VENCIDOS OU EM DESUSO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA/ES.

EVALUATION OF DRUG DISPOSAL DUE OR UNUSED IN THE CITY OF VITÓRIA/ES.

Hortencia Salarini Lourencini, Roberta Cunha Vieira, Maria Claudia Lima Couto

103

DIAGNÓSTICO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DE TRECHOS DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DO RIO BONITO UTILIZANDO FERRAMENTAS DO GEOPROCESSAMENTOLAND USE AND LAND COVER DIAGNOSIS OF THE EXCERPTS PERMANENT PRESERVATION AREA FROM RIO BONITO USING GEOPROCESSING TOOLS

Eder José Foeger, Elvis Rover Kneipp, Brunna Oliveira Guimarães

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O QUE VER, OUVIR E APREENDER?WHAT TO SEE, LISTEN AND LEARN?

Viviane Dutra Gramigna

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PRISÃO E PRECONCEITO: O DESAFIO DO CUMPRIMENTO DE PENA NO REGI-ME SEMIABERTOPRISON AND PREJUDICE: THE CHALLENGE OF THE COMPLIANCE OF SEMI-OPEN PENALTY

Lorena Cristina Campos de Oliveira, Mônica Tridade Pereira Sant’ana

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DE ARTIGOS PARA A REVISTA CIENTÍFICA FAESA

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MEDIAÇÃO DE CONFLITOS: A LUTA PELA GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS E SUAS RELAÇÕES COM A AUTONOMIA MORAL

MEDIATION: THE FIGHT FOR HUMAN RIGHTS GUARANTEE AND IT’S RELATION WITH MORAL AUTONOMY

Fernanda Helena de Freitas Miranda*

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.078

RESUMOO presente artigo visa refletir sobre o papel da mediação de conflitos na busca pela garantia dos Direitos Humanos e suas relações com a Psicologia da Moralidade. Foram utilizadas como instrumental metodológico as pesquisas bibliográfica e documental para abordar a temática, apresentando conceitos e dados, que sustentam a tese aqui defendida. A primeira parte do texto dedica-se à uma breve história sobre a questão do acesso à justiça e ao surgimento dos Meios Alternativos de Resolução de Conflitos, dando foco à Mediação. Posteriormente será feita a conceituação de Direitos Humanos, abordando também sua importância e brevemente o contex-to histórico de seu surgimento. A apresentação de aspectos da Psicologia da Moralidade, com especial atenção à autonomia moral na perspectiva piagetiana, será feita na terceira parte. Por fim, serão traçados os pontos de intersecção existentes entre as três temáticas: Mediação de conflitos, Direitos Humanos e Psicologia da Moralidade.

Palavras-chaves: Mediação de conflitos. Direitos Humanos. Moralidade.

ABSTRACTThis article has the objective of reflecting about the role of mediation in Human Rights guarantee and its link with moral autonomy according to the Piaget development theory. Using bibliographic and documental methodology to perform the research, the work shows data and concepts that can support the thesis defended. The article focus, at the first section, in provide history and concepts of justice access and Alternative Dispute Resolution, mainly about mediation. Subsequently, the text aim at concept and history of Human Rights. The presentation of Morality Psychology con-cepts in piagetian theorical point of view, it is the third part. Finally, this article intent to trace the link that exists amongst these three themes: Mediation, Human Rights and Morality Psychology.

Keywords: Mediation. Human Rights. Morality.

1 INTRODUÇÃOO objetivo deste artigo é discutir o uso da mediação de conflitos como forma de garantir a efe-tividade dos direitos humanos, inserindo nesse escopo os aspectos morais, que subsidiam tal prática. Para tanto, por meio do método bibliográfico/documental, serão apresentados dados e argumentos, que demonstrem que as práticas alternativas de resolução de conflitos, em particu-lar a mediação de conflitos, são, não apenas subsidiadas pela Declaração Universal de Direitos Humanos, como, por seu turno, também são subsidiadoras da efetividade da própria Declaração. Finalmente será feita uma contextualização da utilização da mediação no âmbito da Psicologia da Moralidade.

Primeiramente serão abordados os aspectos históricos da limitação de direitos sofridos pelos brasileiros no período da Ditadura Militar, época em que ocorreram algumas das maiores ofen-sas aos direitos humanos, superado apenas pelo longo período compreendido entre meados do século XVI e final do século XIX, no qual a escravidão era legalizada no país. Posteriormente serão alvo de reflexão a mediação de conflitos, seu breve histórico e sua prática atual. A discus-são prossegue ao inserir a questão dos direitos humanos e suas relações com a mediação de conflitos e finalmente será apresentada uma breve análise dos aspectos morais da prática da mediação.

2 LIMITAÇÃO DE DIREITOS E ACESSO À JUSTIÇAA Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL,1988) completou, recentemente, vinte e cinco anos. O texto comumente celebrado e chamado de “Constituição cidadã”, trouxe em seu escopo o reconhecimento de direitos civis, sociais e políticos a todos os cidadãos brasileiros. * Psicóloga Clínica, Professora do Curso de Direito FAESA. Graduada em Psicologia pela UFES, especialista em Ética e Filosofia Política pela AVM/Integrada, Mestre em Psicologia pela UFES, Doutoranda em Psicologia pela UFES.

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Uma das principais importâncias da Carta Maior foi a influência na estabilidade e manutenção das instituições democráticas em um país, que há cerca de trinta anos finalizou um dos períodos mais críticos de sua história em termos de desrespeito à liberdade e aos direitos humanos, a Ditadura Militar iniciada em 1964 (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 2008).

As dificuldades em buscar a efetividade dos direitos durante o período de Ditadura Militar, não findaram imediatamente ao término do Regime. As várias demandas e conflitos existentes entre os cidadãos não encontraram eco na justiça, provocando uma litigância contida. A morosidade e o custo dos processos judiciais agravaram a situação (GRINOVER, 2008).

Mesmo considerando os avanços alcançados nos últimos 30 anos, o Brasil ainda se constitui como um país, em que o acesso à justiça encontra-se limitado. O texto legal garante a todos os brasileiros tal direito, contudo, condições socioculturais e históricas, que dificultam o acesso dos cidadãos à justiça e por consequência aos seus direitos, se mantém presentes (COUTINHO; REIS, 2010).

Paulatinamente a população começou a buscar a Justiça, para solicitar respostas aos seus con-flitos. Esse processo se acentuou após a Constituição de 1988 e houve uma consequência reversa: o abarrotamento do judiciário com o grande volume de processos judiciais, frutos da anterior litigância contida (COUTINHO; REIS, 2010). O quadro se agravou devido ao contingente insuficiente de serventuários judiciais e excessivo número de recursos processuais.

Na busca de soluções para essa problemática, se inserem os meios alternativos de solução de conflitos, em especial, a mediação de conflitos. A mediação de conflitos é uma forma alternativa de solução de conflitos, que existe ancestralmente nas sociedades humanas. As primeiras for-mas da prática da mediação eram intuitivas, feitas por membros das comunidades, figuras que gozavam de respeito e ascendência sobre os outros indivíduos dos grupos. De forma geral, os conflitos eram resolvidos com participação e envolvimento de vários membros da comunidade (MOORE, 1998).

Foi apenas a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, frente às atrocidades da Guerra e dos crimes cometidos contra a Humanidade e com o acirramento da Guerra Fria nos anos de 1960 e 1970, que surgiram as versões modernas dos Meios Alternativos de Solução de Conflitos. A negociação cooperativa, criada pela Escola de Harvard, nos Estados Unidos foi a base teórica, para a consolidação e atualização das práticas modernas de resolução alternativa de conflitos (VASCONCELOS, 2008).

É nesse contexto, que se situa a mediação de conflitos. A mediação é entendida como uma prática alternativa de solução de controvérsias, na qual um terceiro imparcial e neutro irá, sem qualquer papel de hierarquia, orientar as partes conflitantes, para que cheguem a uma solução de sua disputa. A mediação é uma prática, que permite aos envolvidos no conflito, assumirem uma posição central e de protagonismo no encaminhamento da situação (MOORE; 1998, VAS-CONCELOS; 2008)

A função central do mediador, reside no papel de facilitador da interação entre as partes. É sabi-do, que boa parte dos conflitos são resultado de falhas na comunicação entre as pessoas, desse modo o mediador irá agir sem oferecer qualquer sugestão, para a resolução do conflito buscando orientar as partes, para permitir a retomada do canal de comunicação, dirimindo mal-entendidos (MOORE; 1998, VASCONCELOS; 2008). Outro papel a ser desempenhado pelo mediador é o de propiciar aos envolvidos uma vivência, que permita a sensibilização pelos aspectos subjacentes ao conflito, identificando quais são os possíveis afetos, que, mal gerenciados, podem ter susten-tado e ampliado o conflito em questão.

No empenho de sua atividade, o mediador irá se pautar em diversos princípios norteadores. Entre tais princípios norteadores de mediação, citam-se: neutralidade, imparcialidade, confiden-cialidade, celeridade e protagonismo. Cada um desse princípios busca a garantia, de que o pro-cedimento de mediação irá proporcionar, às partes envolvidas, a melhor oportunidade possível de resolver a questão em pauta. O princípio da neutralidade está associado ao fato, de que o mediador deve manter-se atento, para não se deixar influenciar por seus valores e experiência pessoais durante o exercício da função de mediar (DEMARCHI;2008, MOORE; 1998, NETO; 2008). Não se trata aqui de buscar a criticada “absoluta neutralidade científica”, que, sabidamen-te, é impossível de alcançar. O intento é manter no mediador a atenção e o foco, para que possa, utilizando as ferramentas técnicas que possui, impedir que sua atuação seja negativamente in-fluenciada por conceitos ou situações de âmbito pessoal, que possam comprometer sua função de facilitador.

A imparcialidade é condição fundamental, para a atividade de mediar e consiste na não prefe-rência do mediador por quaisquer das partes envolvidas evitando assim, que uma das pessoas

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que toma lugar na mediação seja prejudicada. O princípio da celeridade atua no sentido, de que o processo de mediação seja tão célere quanto possível, desde que atenda e respeite às necessidades dos envolvidos e o princípio da confidencialidade objetiva o total sigilo de todas as informações prestadas durante a mediação. Os participantes desse modo têm a segurança e a garantia do respeito às informações, muitas vezes íntimas, relatadas durante as reuniões de mediação de conflitos (MOORE; 1998, VASCONCELOS; 2008).

Entre os princípios norteadores, aqui apresentados, o princípio do protagonismo possui efeitos mais duradouros no tempo. O procedimento de mediação é baseado na capacidade das partes de resolverem e gerenciarem seus próprios conflitos, contando com a orientação do mediador. As partes, portanto, serão as responsáveis por estabelecer as sugestões e propostas de reso-lução, bem como será, a partir delas que serão tomadas as decisões finais, sejam condizentes com o término do conflito, sejam contrárias à resolução da lide. O princípio do protagonismo, assim, propicia, que as partes aprendam durante a experiência de mediação, orientadas pelo ter-ceiro imparcial e facilitador na figura do mediador, a gerenciar a situação conflituosa, bem como agir preventivamente no sentido de habilitá-las, para gerirem as situações de controvérsias, que possam ocorrer posteriormente em seus percursos de vida. (GRINOVER; 2008, MOORE; 1998).

3 MEDIAÇÃO E DIREITOS HUMANOS O conjunto dos princípios norteadores da mediação de conflitos demonstra com clareza, que o ideal, por trás da prática da mediação, é o da igualdade dos homens. Todas as pessoas são en-tendidas como iguais, alvos dos mesmos direitos. Todo ser humano é visto como parte integran-te e ativa de uma sociedade, sendo também parte das soluções dos problemas dessa mesma sociedade. Cada qual, em seu âmbito pessoal como em suas relações sociais, é um agente de transformação e mudança. Valoriza-se assim não só as ações de cada ser humano, mas o ser humano em si mesmo, em seu aspecto intrínseco e único. Nas palavras de Coutinho e Reis

a mediação possibilita à pessoa humana a preservação e o respeito de sua dignidade, no sentido de proporcionar outra forma possível para a resolução de conflitos; alternativa esta que visa oportunizar uma comunicação mútua, onde as partes envolvidas possam ser sujeitos desta relação, compartilhando dúvidas, anseios, sentimentos e problemas inerentes ao conflito; mas também possíveis soluções e mudanças de atitudes para a pacificação do mesmo (2010, p. 5).

Os direitos à dignidade, à liberdade e à igualdade subsidiam, desse modo as práticas de media-ção. A Declaração Universal dos Direitos Humanos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948) configura-se, do ponto de vista legal, como a mais próxima base jurídica para a prática da mediação de conflitos (VASCONCELOS, 2008). A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) foi homologada no ano de 1948, no pós-guerra. O documento teve, desde sua criação, a intenção de ser um símbolo norteador de princípios, endereçado a todas as nações. Foi ela-borada por representantes de diferentes culturas de todo o mundo e estabeleceu, pela primeira vez, a proteção universal dos direitos humanos (ONU, 2015).

A Declaração, visa garantir a igualdade e o pleno acesso aos direitos, que constituem o mínimo necessário para todos os seres humanos (ONU, 1948). Por direitos humanos, Carvalho (2008) afirma, que

são um conjunto de leis, vantagens e prerrogativas que devem ser reconhecidos como essência pura pelo ser humano para que este possa ter uma vida digna, ou seja, não ser inferior ou superior aos outros seres humanos porque é de diferente raça, de diferente sexo ou etnia, de diferente religião, etc. Os Direitos Humanos são importantes para que viver em sociedade não se torne um caos. São importantes para a manutenção da paz. (s/p)

Os Direitos Humanos são fundados sobre o respeito pela dignidade e valor de cada pessoa; são universais e inalienáveis. Os direitos humanos são indivisíveis, sendo insuficiente e inadequado respeitar alguns direitos humanos e outros não (ONU, 2015). Os Direitos Humanos relacionam--se ao avanço civilizatório e à disseminação de valores/princípios, entre eles, o da igualdade. Visam a garantir o respeito e o direito de ser reconhecido como ser humano íntegro e digno, não sofrendo quaisquer discriminações, preconceitos ou maus tratos de quaisquer naturezas (NUNES, 2012).

A efetivação jurídica dos Direitos Humanos se dá por normas internacionais. Tratados interna-cionais e outros documentos foram criados, a partir do ano de 1945, conferindo uma forma legal aos direitos humanos (ONU, 2015). A maior parte dos países do mundo adotou constituições na-cionais e outras normas legais, que visam a proteger formalmente os direitos humanos básicos.

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A ONU possui hoje 193 países-membros (ONU, 2014); no entanto, problemas vêm sendo en-frentados, para a promoção e proteção de tais direitos, desde antes da criação da DUDH (ONU, 2015). Carências nos atendimentos dos direitos mais básicos, como alimentação, moradia e educação, são comuns em todo o globo terrestre, sendo mais graves em alguns continentes do que em outros. Populações inteiras, que, além de não ter acesso real aos Direitos Humanos, também não estão conscientes de serem possuidoras/alvos desses direitos. No Brasil a realidade não é diferente. Nesse contexto de desconhecimento de direitos, o acesso à justiça fica limitado. A organização do Estado, no que tange à prestação jurisdicional, por mais avanços que tenha alcançado com o atual processo virtual, não se coloca, ainda, presente à toda a população. Direitos de igualdade e dignidade, do mesmo modo, existem como garantias no texto legal, mas estão longe de ser experienciados por todos os cidadãos brasileiros. Borto-lai (2012, s/p.) afirma que a dificuldade de acesso à justiça, de forma efetiva e plena, encontra barreiras econômicas, que se apresentam a “uma sociedade miserável, em que o acesso ao conhecimento se mostra limitado, que dirá acerca dos direitos e garantias inerentes a todos”.

Esse é um campo fértil, para o florescimento de desrespeitos aos Direitos Humanos. A pergun-ta que surge é: Como proceder, para mudar esse quadro? As respostas podem se apresentar em vários sentidos. No que tange à mediação de conflitos, ela se coloca como alternativa útil e efetiva na busca pela efetivação dos Direitos Humanos em locais, nos quais as leis não são respeitadas (ANDRADE, 2011).

Andrade (2011) avança nesse sentido, para o autor, a mediação de conflitos se situa como um norteador para as ações concernentes à justiça. O autor afirma que as cláusulas da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, configuraram-se como normas constitucionais, que sus-tentam essa tese (ANDRADE, 2011). Complementa ainda que “os princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade densificam o princípio da mediação” (ANDRA-DE, 2011, p.191). A dignidade, de acordo com Kant, diria respeito a tudo, que não pode ter preço fixado. Tal princípio se faz presente na maioria dos Estados constitucionais da atualidade. Sua origem jurídica remonta à Declaração Universal dos Direitos do Homem da ONU (ANDRADE, 2011).

4 A PSICOLOGIA DA MORALIDADE E MEDIAÇÃONo campo dos princípios e valores morais, a mediação de conflitos se aproxima também de ou-tras ciências, entre elas a psicologia. O campo denominado psicologia da moralidade, se dedica a estudar os motivos, que influenciam as ações morais humanas. Jean Piaget, epistemólogo suí-ço, estudioso do desenvolvimento humano, foi pioneiro nas pesquisas sobre o desenvolvimento da moralidade. O autor desenvolveu uma teoria do desenvolvimento da moralidade humana, na qual esta se desenvolveria por meio de um processo de construção, que compreende fases ou tendências de desenvolvimento: a anomia, a heteronomia e a autonomia. A fase ou tendência de desenvolvimento moral chamada autonomia seria a mais avançada e poderia fazer-se presente a partir do final da infância, aproximadamente, quando a pessoa já estaria apta a compreender e elaborar as regras de comportamento e relacionais. As regras deixam de ter valor em si mesmas e passam a ser consideradas em termos de princípios (PIAGET, 1932/1994).

Na autonomia moral, a aderência às regras não se daria mais devido ao respeito à hierarquia, mas advinda da compreensão de que aquela regra ou ação seria o melhor modo de se compor-tar considerando seus próprios anseios e necessidades, bem como às necessidades coletivas. Tomam lugar as relações de reciprocidades e respeito mútuo. A cooperação e a igualdade são as pedras de toque das relações no pensamento autônomo. Age-se buscando o bem comum a partir dos ideais de igualdade, cooperação e coletividade (PIAGET, 1932/1994). Tais elementos direcionadores, apresentam-se comuns à prática de mediação de conflitos, que, desse modo, apresenta-se não somente como prática sustentada e sustentadora dos Direitos Humanos, mas também relacionada ao mais alto grau de avanço moral: a ideia de humanidade.

5 CONSIDERAÇÕES FINAISA prática dos meios alternativos de solução de conflitos, em particular da mediação, é um campo de atividade multidisciplinar. Diversos saberes tais como como o Direito, a História, a Psicologia e a Sociologia devem ser utilizados, para abarcar a complexidade e amplitude das formas alter-nativas de solução de controvérsias.

Apresentando uma perspectiva histórica do surgimento dos meios alternativos, fica clara a ne-cessidade de as nações e cada sociedade se dedicar a implementar formas mais eficazes e humanitárias na gestão dos conflitos gerados nas interações humanas. Os homens não deixarão de se envolver em conflitos, mas é papel de cada cidadão e do Estado, como elemento regulador

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da organização social, propiciar estratégias efetivas e preventivas na solução das lides.

Uma ambição humana comum é ter a solução de seus conflitos de modo fácil e rápido. As res-postas, no entanto, não vêm de modo simples. Serão necessários a dedicação e o empenho das diversas instâncias da sociedade civil, dos órgãos governamentais e dos órgãos internacionais trabalhando numa mudança de cultura, na qual os Direitos Humanos e a autonomia moral sejam a tônica das relações, abandonando a cultura da competição e do egoísmo, em favor de uma cultura de paz.

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANDRADE, G. H. B. A mediação como princípio e a concretização do acesso à justiça. In: MON-TEIRO, V. B. Democracia, Direitos Humanos e Mediação de Conflitos: do local ao interna-cional. Organização: Valdênia Brito Monteiro. Recife: Gajop, 2011. Disponível em <http://www.gajop.org.br/arquivos/publicacoes/revista_05-07-2011.pdf>. Acessos em jun. de 2015.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Sena-do Federal, 1988.

BORTOLAI, L. H. Acesso à justiça e os benefícios da gratuidade da justiça (Lei No 1.060/50). In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 100, maio 2012. Disponível em: <http://www.ambito-ju-ridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11708>. Acessos em jun. de 2015.

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APROVEITAMENTO DE GÁS DE EFEITO ESTUFA (GEE) GERADOS DE RESÍDUOS SÓLIDOS URBANOS VISANDO À SUSTENTABILIDADE DA MATRIZ ENERGÉTICA DO

ESPÍRITO SANTOUTILIZATION OF GREENHOUSE GASES (GHG) GERATED OF MUNICIPAL SOLID WASTE

IN ORDER TO SUSTAINABILITY OF ENERGY MATRIX OF THE ESPIRITO SANTO

Jéssica Souto Peres*

Raiza Zorzaneli Brumatti**Maria Claudia Lima Couto***

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.079

RESUMO Diversos municípios brasileiros não possuem adequado gerenciamento de resíduos sólidos urbanos (RSU), dispondo seus resíduos de forma irregular. Além de problemas ambientais e socioeconômicos, a disposição de resíduos sólidos urbanos em lixões dificulta o aproveitamen-to do biogás gerado na decomposição desses resíduos. Deve se salientar que, ao se fazer o aproveitamento energético do biogás, composto de metano (CH4) e dióxido de carbono (CO2) evita-se, que as emissões desses gases para a atmosfera contribuam, para o efeito de estufa e desta forma para o aquecimento global do planeta. Neste sentido, este trabalho apresenta a situação atual de RSU no estado do Espírito Santo e analisa as tecnologias, para o tratamento e aproveitamento energético dos gases gerados pelos RSU visando à sustentabilidade da matriz energética no estado.

Palavras-chave: Tecnologias. Biogás. GEE. Energia.

ABSTRACTSeveral municipalities do not have adequate urban solid waste management, which leads to ir-regular waste disposal. In addition to environmental and socioeconomic problems, the scrapping of urban solid waste in garbage dumps hinders the use of biogas generated by the decomposition of these residues. It should be noted that in the energetic utilization of the biogas, which consists of methane (CH4) and carbon dioxide (CO2), the emission of these gases into the atmosphere avoids the contribution to the greenhouse effect and thus to global warming. In this sense, this paper presents the current situation of “SW” and analyzes different types of technologies for en-ergy utilization of the gases generated by urban solid residues aiming at the sustainability of the energetic matrix in Espírito Santo.

Keywords: Technologies, biogas, (GHG), energy.

1 INTRODUÇÃOOs resíduos sólidos considerados como resto das atividades humanas, são considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis ou descartáveis. Dentre as possibilidades de se classificar os resíduos, esta pode ser de acordo com a fonte geradora (domiciliar, industrial, proveniente de atividades públicas, de vias públicas, de postos, aeroportos e terminais rodoviários e ferroviários, serviços de saúde, urbano, radioativos e agrícolas) e com sua degradabilidade (facilmente de-gradáveis, moderadamente degradáveis, dificilmente degradáveis e não degradáveis).

Dentre as várias alternativas conhecidas para disposição de resíduos sólidos, a prática de dis-posição final em áreas para posterior aterramento ainda é a mais comum, devido principalmente ao seu baixo custo, à facilidade de execução e à grande capacidade de absorção de resíduos, quando comparado às outras formas de destinação final como a incineração, a compostagem e a reciclagem. No processo de aterramento dos resíduos, diversos impactos ambientais devem ser considerados, sendo um deles a emissão de gases gerados pela decomposição do material orgânico (ENSINAS, 2003).

Biogás é uma mistura resultante da fermentação anaeróbia de material orgânico encontrado em resíduos animais e vegetais, lodo de esgoto, lixo ou efluentes industriais, como vinhaça, restos de matadouros, curtumes e fábricas de alimentos (GIACAGLIA; SILVA DIAS, 1993). A * Jéssica Souto Peres é graduada em Engenharia Ambiental (FAESA).**Raiza Zorzaneli Brumatti é graduada em Engenharia Ambiental (FAESA).***Maria Claudia Lima Couto é Engenheira Civil, Mestre pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Douto-randa pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Professora da FAESA atuando na Engenharia Ambiental e Civil. Email: [email protected].

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composição típica do biogás é cerca de 60% de metano, 35% de dióxido de carbono e 5% de uma mistura de hidrogênio, nitrogênio, amônia, ácido sulfídrico, monóxido de carbono, aminas voláteis e oxigênio (WEREKO-BROBBY; HAGEN, 2000). Dependendo da eficiência do processo de degradação biológica, influenciado por fatores como carga orgânica, pressão e temperatura durante a fermentação, o biogás pode conter entre 40% e 80% de metano.

Em aterros sanitários, quanto maior a fração de metano, mais energia por unidade de massa o biogás contém (CETESB, 2006). Porém, a composição da mistura de gases não é constante ao longo do período de decomposição dos resíduos sólidos urbanos, assim como também não é constante a quantidade de biogás gerada ao longo do tempo.

A simples queima do gás metano em flare ou seu aproveitamento, para geração de energia con-tribuem significativamente para a minimização dos gases, que aumentam o efeito estufa. Estes procedimentos podem gerar, ainda, créditos de carbono através do Mecanismo de Desenvolvi-mento Limpo, previsto pelo Protocolo de Kyoto (BORBA, 2006).

O Protocolo de Quioto reconhece seis gases de efeito estufa: dióxido de carbono, metano, dió-xido de nitrogênio, compostos perfluorados, hidroflurocarbonetos e exafluoreto de enxofre. Os presentes nos aterros de resíduos são o metano e o dióxido de carbono.

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) é um instrumento previsto no Protocolo de Kyoto, relativo a ações de mitigação de emissões de gases de efeito estufa, seu propósito é de auxiliar os países em desenvolvimento a atingirem o desenvolvimento sustentável, bem como contribuir para o alcance de objetivos da Convenção de Clima, prevista a geração de créditos por Redução Certificadas de Emissões (RCEs) a serem utilizadas pelos países desenvolvidos, para cumprimento de suas metas no âmbito do referido acordo internacional.

Diante este cenário, este estudo tem por objetivo analisar a situação atual da disposição dos re-síduos sólidos no estado de Espírito Santo, bem como analisar as tecnologias para o tratamento e aproveitamento energético dos gases gerados pelos RSU.

2 MATERIAIS E MÉTODOSPara a realização deste trabalho a metodologia foi dividida em três etapas:

Etapa 1: Levantamento de dados secundários quanto aos projetos MDL, que estão sendo ado-tadas no Brasil, visando o aproveitamento energético de gás de efeito estufa (GEE) relacionados a RSU.

Etapa 2: Levantamento de dados primários junto aos órgãos estaduais do Espírito Santo, que atuam na gestão e gerenciamento de RSU, sendo estes, o Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA) e a Secretaria Estadual de Saneamento Habitação e Desenvolvi-mento Urbano (SEDURB). Este levantamento visou avaliar o cenário atual e futuro da disposição final de RSU no estado.

Etapa 3: Estudo de caso de um dos aterros sanitários, que opera no Espírito Santo, visando avaliar as tecnologias, que estão sendo utilizadas para tratamento e aproveitamento energético do biogás gerado.

3 RESULTADOS E DISCUSSÕES3.1 Gerenciamentos dos RSU no ES A geração de resíduos sólidos pela população do estado do Espírito Santo tem crescido nos últimos anos. Segundo o Panorama de Resíduos Sólidos no Brasil, realizado pela Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (ABRELPE), em 2013, houve uma produção total de aproximadamente 1,2 milhão de toneladas de resíduos sólidos urbanos no Espírito Santo, 3,9% a mais que em 2012 (Tabela 1), (ABRELPE, 2013):

Geração de resíduos sólidos urbanos do estado do Espírito Santo

Ano População Total RSU Coletado RSU Gerado (t/dia)(kg/hab./dia) (t/dia)

2012 3.578.067 0,759 2.714 2.9562013 3.839.366 0,763 2.931 3.197

% 3,5 0,26 3,8 3,9

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Segundo dados do Relatório Final de Disposição de Resíduos Sólidos, realizado pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos, em agosto de 2014, dos 78 municípios do esta-do do Espírito Santo, 50 municípios destinam seus resíduos para seis aterros sanitários ambien-talmente licenciados, os demais 28 municípios fazem a disposição final dos resíduos em lixões e ou aterros controlados (IEMA, 2014).

Outra informação importante é apontada na Figura 1, que mostra a evolução dos cenários de disposição dos RSU entre 2009 e 2014, mostrando uma melhoria na forma de destinação final dos RSU:

Cenários de destinação final de RSU no Espírito Santo entre 2009 e 2014

3.2 Gestões associada de RSU no ESAterros sanitários que atendem a pequenos municípios têm custo operacional unitário elevado, quando comparados àqueles que recebem grandes volumes de resíduos. Dessa forma, a com-posição de consórcios entre pequenos municípios é vantajosa e tende a viabilizar financeiramen-te a gestão de resíduos, visto que o compartilhamento reduz consideravelmente tanto os custos operacionais como os investimentos iniciais.

A Lei no 12.305/2010 que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) estabelece, que serão priorizados no acesso aos recursos da União os estados, que instituírem microrre-giões, para integrar a organização, o planejamento e a execução das ações a cargo de municí-pios limítrofes na gestão de resíduos sólidos (BRASIL, 2010).

Nesta linha, o estado do Espírito Santo possui um programa de regionalização para RSU, Pro-grama “ES sem Lixão”, que tem como objetivo principal a erradicação dos lixões do território ca-pixaba, por meio de sistemas regionais de destinação final adequada de RSU (SEDURB, 2014).

De acordo com o Programa “ES sem Lixão”, o estado do Espírito Santo foi dividido em 04 re-giões: Norte, Doce Oeste, Sul e Metropolitana, sendo que a última região citada não faz parte do projeto, devido aos municípios que as constituem já estarem sendo atendidos por soluções de mercado (aterros sanitários privados existentes). Os municípios de cada uma dessas regiões im-plantarão sistemas de coleta, transporte e destinação final, em sistema de consórcio (SEDURB, 2014).

3.4 Tecnologia utilizada no Espírito Santo para o aproveitamento de gás de efeito estufa a partir de RSUO aterro sanitário é uma técnica de aterramento biológica dos resíduos sólidos urbanos, que con-siste basicamente na compactação dos resíduos no solo na forma de camadas, periodicamente cobertas com solo ou outro material inerte, de modo a produzir uma degradação natural e lenta, por via biológica, até a mineralização da matéria biodegradável. Havendo a presença de oxigênio livre os processos são aeróbios, conforme a reação química (1). Na ausência do oxigênio livre os

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processos são anaeróbios, segundo a reação química (2):

1) MO O2 CH4

2) MO MO CO²+H²O

Nota: Matéria orgânica (MO)

O biogás gerado nesses processos pode ser queimado na atmosfera ou ter aproveitamento energético. A maioria dos aterros utiliza o sistema de drenos abertos, onde é mantida acesa uma chama, para queima imediata do biogás, que vai sendo naturalmente drenado. Esse sistema apresenta uma baixa eficiência e estima-se, que apenas 20% do biogás seja efetivamente des-truído pela queima. O restante é emitido para a atmosfera (ICLEI, 2009).

Um sistema padrão de coleta do biogás de aterro possui três componentes centrais: poços de coleta e tubos condutores, compressor e sistema de purificação do biogás. O Sistema de coleta conta com tubos verticais perfurados ou canais e em alguns casos com membrana protetora. Além disto, a maioria dos aterros sanitários com sistema de recuperação energética possui flare para queima, conforme a reação química (3), do excesso do biogás ou para uso durante os pe-ríodos de manutenção dos equipamentos (MUYLAERT, 2000):

3) CH4 + 2O² CO² + 2H²O

A utilização do biogás pode ser objeto de projetos, que visem ter como recompensa financeira a comercialização de créditos de carbono em mercados voluntários ou RCEs do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, conforme previsto no Protocolo de Kyoto.

Dos seis aterros licenciados no estado do Espírito Santo, apenas dois possuem projetos de RCE’s do MDL, sendo que apenas um possui projeto MDL de Aproveitamento Energético e ou Geração de Energia.

A Figura 2 mostra a quantidade de projetos Mecanismo de Desenvolvimento Limpo em aterros sanitários por região, onde fica evidente, que a região Sudeste é a que conta com um maior nú-mero de projetos deste tipo, com um total de 18 projetos registrados (ABRELPE, 2013):

Projetos MDL por região

Observa-se, que o estado do Espírito Santo contribui com 5,6% do total de projetos de Mecanis-

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mo de Desenvolvimento Limpo na região Sudeste.

4 ESTUDO DE CASO - ATERRO SANITÁRIO LOCALIZADO NO MUNICÍPIO DE CARIACICA – ESFoi realizado um estudo sobre as tecnologias de tratamento e aproveitamento energético de biogás gerado em um aterro sanitário, localizado no município de Cariacica no Espírito Santo.

O Aterro sanitário é privado e iniciou suas atividades em 1995, sendo este licenciado pelos órgãos de meio ambiente do estado. A empresa atende a diversos municípios e empresas da região metropolitana da Grande Vitória e recebe uma média de 30.000 toneladas de resíduos por mês, possuindo, em sua planta de mais de 2,5 milhões de metros quadrados, diversas unidades que são operadas por aproximadamente 300 colaboradores, divididos nas áreas operacionais e administrativas.

4.1 O Projeto MDL A empresa estudada possui projeto de MDL aprovado e, parcialmente implementado, uma vez que foi configurado em duas etapas: queima do metano e geração de energia elétrica. A fase de geração de eletricidade ainda não foi implementada. A princípio, o objetivo do tratamento do biogás estava vinculado ao ganho ambiental. Com a evolução do projeto, surgiu a oportunidade de comercializar os créditos de carbono e, principalmente, a utilização do biogás como fonte de energia. Observam-se também outras vantagens importantes, como: mídia positiva, inovação tecnológica através do MDL, desenvolvimento de pesquisas diversas e gestão mais eficiente do aterro sanitário.

O projeto, que está em fase de desenvolvimento e ainda não gera energia elétrica, tem previsão de geração de 1MW a partir do biogás. Em paralelo está em fase de licenciamento um projeto, para purificação do biogás e comercialização de Gás Natural Renovável.

Há uma previsão de geração de biogás de 2500 a 3000 Nm3/h, com 50% de metano, sendo que 600 Nm3/h para geração de 1 MW de energia elétrica e o restante para o projeto de purificação do biogás para geração de Gás Natural Renovável.

O projeto de MDL implementado pode ser resumido da seguinte forma:

a) produção negociada: aprox. 1.500 m3/h;

b) custo da implantação dos equipamentos, obras locais, operação e manutenção;

c) do sistema, US$1.000.000,00, pagos da receita bruta obtida pela venda do crédito de carbono;

d) estimativa de geração até 2020 – 2.814.417 t CO2;

e) preço médio € 8,00/t CO2 para período de 2004 – 2012;

f) flare foi importado da Inglaterra e foi projetado, construído e é operado pela Biogas Technology UK Ltd;

g) a importação do flare foi iniciada em 2004, levando 6 meses na alfândega para liberação, o que só ocorreu em 16.02.2005;

h) o flare encontra-se instalado, certificado e em processo de ajustes técnico;

i) projeções: adequar a validação já existente no aproveitamento do biogás como fonte geradora de energia, para equipamentos e/ou projetos industriais da Empresa.

Para a implementação do projeto de MDL foi necessário um sistema de coleta do gás gerado, sistema de drenagem do chorume, equipamento de incineração do biogás e, quando houver a implementação da segunda fase do projeto, uma usina de geração de eletricidade modular, bem como um complexo de geradores em cada local para que haja aproveitamento do gás de aterro na produção de eletricidade.

Os RSU depois de aterrado entram em processo de decomposição gerando os gases dióxido de carbono e metano. Parte desses gases (25%) é impossível de capturar e classificam-se como emissões fugitivas; a outra parte (75%) será coletada para possível geração de eletricidade e o gás de aterro em excesso e todos os gases coletados durante períodos em que a eletricidade não é produzida serão incinerados. A energia gerada, a princípio, será utilizada para consumo próprio e, posteriormente, exportada para a rede de distribuição de energia no Espírito Santo,

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onde terá seu uso final. A utilização e a incineração combinadas reduzirão as emissões de CO2 e (equivalente) em 4.859.503t nos próximos 21 anos (MARCHEZI, 2013), ou seja, 231.405t de CO2 por ano.

4.2 RESULTADOS OBTIDOS COM O PROJETOSegundo o Brasil Manager da Biogas Technology (2008) citado por MARCHEZI (2013) além de obter um resultado abaixo do esperado no início do projeto, em alguns meses teve zero de cap-tação de gás. Esse fato ocorreu devido paralisação do sistema para realização de manutenções e/ou melhorias.

Segundo PEREIRA (2005) a quase totalidade dos aterros sanitários brasileiros encontram-se com desempenho abaixo do esperado. Isso acontece porque as empresas participantes do pro-jeto calculavam a geração de gases de acordo com as metodologias existentes, as quais não se mostraram adequadas para os aterros brasileiros.

5 POTENCIAL DOS ATERROS EXISTENTES NO ESPÍRITO SANTOEstudos realizados pela Fundação Promar, intitulado Plano Diretor para o Gerenciamento de Aterros Sanitário, visando à captura do aproveitamento de metano no estado do Espírito Santo, que teve como objetivo apresentar uma visão geral da situação atual do gerenciamento de RSU no estado do Espírito Santo. De forma a identificar futuras oportunidades da utilização de land-fillgas (LFG).

O estudo inicial concluiu, que considerando o tamanho reduzido das áreas e a falta de estrutura operacional da maioria dos locais de disposição no Espírito Santo, somente três locais, operados pelo poder público, existentes à época do estudo poderiam ser candidatos potenciais de apro-veitamento do biogás, apesar de nenhum deles atender às condições do Guidance Criteria for International Candidate Landfills: a) profundidade mínima, b) mínimo de toneladas acumuladas e c) mínimo de toneladas a serem recebidas (Fundação Promar, 2009).

Ainda segundo a Fundação Promar (2009) os locais selecionados para estudos posteriores fo-ram:

• Colatina: O único local de disposição municipal que atende a uma população de mais de 100.000 habitantes. Estima-se que o aterro de Colatina tenha acumulado aproximada-mente 840.000t de RSU até o ano de seu encerramento, o que representa uma quanti-dade de aproximadamente 110.264.584m3 de metano emitido para atmosfera (1.600.000 MT CO2 eq.) entre o ano de 2000 e 2060 e uma capacidade mínima de energia em torno de 0,24 MW em 2031.

• Cachoeiro de Itapemirim: O único aterro municipal que atendeu uma população entre 50.000 e 100.000 habitantes. Este local foi fechado em 2007 e dispõe 666.579t de RSU. Estima-se que liberará aproximadamente 43.501.789 m3 CH4 (640.000MT CO2 eq.) entre 1994 e 2034. Neste momento o principal objetivo é a mitigação da área que atualmente libera metano para atmosfera, causando graves impactos ambientais, uma vez que a ca-pacidade máxima de geração de energia (pico) ocorreu em 2008, e foi de 0,39MW.

• São Mateus: O único lixão que atende a uma população de 50.000 a 100.000 habitantes ainda em operação, na época, a previsão era de que em 2010, o lixão de São Mateus comportaria 453.570t de RSU, e com lançamento de aproximadamente 29.674.563m3 de CH4 (420.000MT CO2 eq.) entre 1990 e 2040. A relação custo/benefício deste projeto só será alcançada se considerados os aspectos sociais e ambientais devido aos altos custos e à complexidade da implementação das estruturas de coleta de gás em lixões.

6 CONCLUSÃO

Com os resultados analisados neste estudo foi possível concluir que 50, dos 78 municípios do estado do Espírito Santo destinam seus resíduos para seis aterros sanitários ambientalmente licenciados, contudo destes seis, apenas dois possuem projetos de RCE’s do MDL, sendo que apenas um possui projeto MDL de Aproveitamento Energético e ou Geração de Energia.

Contudo, dos seis aterros licenciados no Estado do Espírito Santo, apenas dois possuem proje-tos de RCE’s do MDL, sendo que apenas um possui projeto MDL de Aproveitamento Energético e/ou Geração de Energia. A região Sudeste é a que conta com um maior número de projetos deste tipo, sendo que o estado do Espírito Santo contribui com 5,6% do total de projetos de Me-canismo de Desenvolvimento Limpo na região Sudeste.

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Constatou-se que, através do projeto “ES sem Lixão”, que atuará por meio de consórcios munici-pais, a viabilidade econômica dos projetos de captura e uso do metano ser positiva e poderá ser ampliada nos aterros do estado.

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CASO ALICE: ATENDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO EM PSICOLOGIA ANALÍTICA

ALICE CASE: CARE PSYCHOTHERAPEUTIC IN ANALYTICAL PSYCHOLOGY

Simone Zamborlini* Isabele Santos Eleotério**

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.080RESUMOO referente artigo apresenta um relato de experiência de atendimento clínico, realizado durante os Estágios Básicos III e IV em Psicologia Analítica na Clínica-Escola do curso de Psicologia da FAESA. Este caso refere-se ao atendimento psicoterapêutico individual a uma paciente de 22 anos. Os atendimentos ocorreram entre os meses de março e outubro de 2014, totalizando 30 sessões. Os procedimentos realizados durante o desenvolvimento deste estudo foram: a pesquisa bibliográfica, a análise do prontuário e dos relatórios semanais de atendimento. O pseudônimo Alice foi utilizado para identificar a paciente, cujas queixas trazidas eram de abuso sexual, depressão e tentativas de suicídio. Foram realizados dois atendimentos semanais, de 50 minutos cada. Neles foram trabalhadas a desesperança e alguns pontos ligados à construção da identidade e do fortalecimento da autoestima da paciente. O objetivo desse estudo foi de exa-minar como o atendimento psicoterapêutico em Psicologia Analítica pode auxiliar na superação das ideias suicidas da paciente, identificar os fatores que podem tê-la influenciado a tentar o suicídio, analisar o vínculo terapêutico e a relação deste com o desenvolvimento do processo do atendimento. No decorrer do trabalho, a paciente apresentou melhoras no quadro clínico, retor-nou ao trabalho, passou a maquiar-se diariamente, a vestir roupas de tecidos leves e coloridos e despender maior atenção ao cônjuge e aos familiares.

Palavras-Chave: Depressão. Pensamento suicida. Psicologia Analítica.

ABSTRACTThe related article presents a report of clinical care experience made during the Foundation Stage III and IV in Analytical Psychology in the School Clinic of the Psychology course of FAESA. This case refers to the individual psychotherapeutic care for a patient of 22 years. The sessions took place between the months from March to October 2014, totaling 30 sessions. Procedures perormed during the development of this study were: a bibliographical research, analyzing the records and weekly reports of attendance. Alice nickname was used to identify the patient, whose complaints were brought sexual abuse, depression and suicide attemps. Two weekly sessions, 50 minutes each were performed. In them were worked emotions and some points related to the construction of identity and strenghening self-esteem of the patient. The aim of study was to examine how the psychotherapeutic care in Analytical Psychology can help to overcome the suicidal patient, identify the factors that may have influenced her to attempt suicide, analyze the therapeutic relationship and its relationship with the development of the attendance process. While you work , the patient experienced improvements in clinical , returned to work , went on to applying makeup daily, wear light colored fabrics and clothes and spend more attention to the spouse and family.

Keywords: Depression. Suicidal thinking. Analytical Psychology.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo trata de um relato da experiência de um atendimento clínico a uma paciente do sexo feminino de 22 anos, casada, que chegou à Clínica-Escola de Psicologia da FAESA com queixas de depressão, tentativas de suicídio, baixa autoestima e de ter sido vítima de abuso sexual quando criança. Os atendimentos foram realizados individualmente, duas vezes por se-mana, com duração de 50 minutos cada, no período de março a outubro de 2014. A intervenção realizada baseou-se nos conceitos da Psicologia Analítica.

A psicoterapia, sob o enfoque da Psicologia Analítica, tem como objetivo auxiliar pessoas com uma determinada queixa, que não se vêem capazes de resolver sozinhas seus conflitos, a lidar melhor com suas dores e sofrimentos. Para isso o auxílio de um psicólogo é essencial e este terá o papel de estimulá-las a se reconhecerem, se aceitarem e a buscarem estratégias para superar * Psicóloga formada nas Faculdades Integradas São Pedro (FAESA).** Psicóloga, especialista em Teoria e Prática Junguiana (UVA/RJ); mestre em Psicologia (UFES); doutoranda em Psicologia (UFES); professora das Faculdades Integradas São Pedro (FAESA).

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seus medos e dificuldades (JUNG, 2004).

O trabalho na psicoterapia Analítica implica estimulação à retomada no processo de desenvol-vimento do paciente, por meio de reflexões acerca das causas de suas queixas. Essas queixas podem gerar sintomas tanto de ordem física como emocional. No que se trata aos aspectos psí-quicos, o desenvolvimento do indivíduo ocorre, em geral, através de um processo constante de integração de conteúdos consciente e inconsciente, da personalidade. Este processo é dirigido por um norteador, o Self, que conduzirá, segundo Jung, ao processo de individuação (SILVEIRA, 1991).

O processo de individuação é a autoconscientização das escolhas pessoais, direcionadas à constituição da própria autonomia, em que se aprendem analisar os obstáculos ou oportunida-des da vida de modo realístico (MAGALHÃES, 1994). Com isso, o paciente ao invés de evitar os obstáculos, passa a construir estratégias, para superá-los ou busca desenvolver habilidades, para lidar com eles sem sofrimento, consequentemente tende a obter maior integração intra e interpessoal e o fortalecimento da autoestima.

O processo de individuação ocorre de maneira espontânea e inconsciente e faz parte da nature-za inata do indivíduo. Esse processo só se torna real e pleno de significados à medida em que os indivíduos se tornam conscientes e se comprometem com ele, ou seja, na realização da própria vida. Muitas vezes este processo pode estar paralisado por uma neurose, que bloqueia ou atra-palha a sua evolução natural (SILVEIRA, 1991).

Os motivos que trazem uma pessoa ao consultório são diversos, desde algum tipo de sofrimento físico ou emocional até a necessidade de autoconhecimento. Na psicoterapia junguiana, o psicó-logo e o paciente sentam-se frente a frente, de modo que o paciente sinta conforto e segurança, para ser ouvido e acolhido. Essa postura facilita a comunicação e a interação, pois Jung acredita-va, que o envolvimento emocional entre paciente e terapeuta é uma parte importante da relação terapêutica (JUNG, 2004).

2 A HISTÓRIA DE ALICE

O nome Alice dado à paciente relatada nesse artigo foi escolhido como uma alusão ao conto infantil Alice no País das Maravilhas. A paciente apesar dos seus 22 anos, se apresentava como uma menina frágil de voz fina como de uma criança. Como a personagem, a paciente Alice pre-cisava seguir seu caminho e ultrapassar os obstáculos imaginários, para retornar a sua rotina de vida. As Aventuras de Alice no País das Maravilhas foi publicado em 4 de julho de 1865, sob o pseudônimo de Lewis Carroll. O livro narra a estória de uma menina chamada Alice, que caiu numa toca de coelho e foi transportada a um lugar, que mistura fantasia e realidade. Ao chegar ao país das maravilhas, a menina se depara com animais, que ser comportaram como humanos, objetos animados e cartas de baralho personificados em meio a eventos aristocráticos, que se entrelaçam de modo inusitado e rápido causando confusão e sentimento de inadequação à pro-tagonista da estória (CARROLL, 2009).

Alice é a filha caçula de um casal com quatro filhos e a única mulher dos quatro. Os pais de Alice não gostavam, que a menina saísse de casa para brincar e sua alternativa era brincar com seus irmãos mais velhos, com os quais realizava diversas atividades. Quando os pais de Alice saiam para algum evento, ela preferia ficar em casa. No entanto, em uma dessas saídas de seus pais, aconteceu que um dos adolescentes da família, se aproveitou da ocasião para abusar da meni-na. Esse ato se repetiu algumas vezes, o que afetou a vida e a estrutura emocional de Alice, que tinha apenas sete anos, quando ocorreram os abusos.

Segundo Dalgalarrondo (2008) os abusos sexuais são fenômenos trágicos e dolorosos direcio-nados principalmente às mulheres, sendo que grande parte dos abusadores são pessoas conhe-cidas, vizinhos, colegas ou familiares. Para o agressor é uma forma de descarga satisfatória, enquanto que para a vítima o legado pode incluir o estado de choque, a perda de memória, o medo, o pânico ou o nojo. O abuso sexual tem forte impacto na saúde física e mental das víti-mas, deixando marcas em seu desenvolvimento com danos, que podem persistir por toda vida (DALGALARRONDO, 2008, p. 361).

As consequências psíquicas, também chamadas de traumas psicológicos, são aquelas que não são vistas no corpo da vítima, mas sim na sua forma de pensar, agir e se comportar diante de determinadas situações e eventos, como por exemplo, nos transtornos sexuais, depressão, transtorno de estresse pós-traumático. Muita das vezes, esses traumas podem influenciar a vida profissional, social, afetiva e sexual das vítimas. A depressão é uma das consequências de nível gravíssimo, pois as vítimas de um abuso sexual, que entram em estado depressivo poderão ten-

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tar o suicídio, uma vez que perdem a vontade de viver:

As síndromes depressivas são atualmente reconhecidas como um problema prioritário de saúde pública, uma vez que, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), 2012, depressão maior unipolar afeta cerca de 50 milhões de pessoas ao redor do mundo, sen-do considerada a principal causa de incapacidade entre todos os problemas de saúde. Do ponto de vista psicopatológico, os transtornos depressivos têm como elemento principal o humor triste. No entanto, elas são caracterizadas por uma multiplicidade de sintomas afetivos, instintivos e neurovegetativos, ideativos e cognitivos, podendo estar presentes, concomitantemente, sintomas psicóticos e fenômenos biológicos (DALGALARRONDO, 2008, p. 306-307).

A avaliação que a pessoa faz do quanto pode enfrentar as adversidades cotidianas tais como as pressões de ordem social ou familiar, as dificuldades financeiras, a dependência afetiva ou mesmo a inadequação à rotina de trabalho podem intensificar um quadro depressivo. A tal ponto que pode imobilizar o paciente ou deixá-lo prostrado e sem disposição, para realizar atividades corriqueiras como alimentar-se, caminhar, atender ao telefone ou escrever.

Muitas vezes, o paciente não tem a adequada percepção dos seus limites. Para uns o limite é mais elástico do que para outros. Algumas pessoas que tentam o suicídio, normalmente estão tentando fugir de uma situação da vida, que lhes parece impossível de enfrentar. O impulso suici-da em geral está associado a sintomas como: humor deprimido, desesperança, desmoralização ou ansiedade crônicas (DALGALARRONDO, 2008).

Portanto, Jung (2004, p. 70) evidencia, que:

Um segredo inconsciente prejudica mais do que um segredo consciente [...]. Já vi muitos pacientes que desenvolvem tendências suicidas em situações difíceis da vida – situações graves em que dificilmente pessoas mais fracas teriam resistido ao impulso suicida – tendências essas que o bom-senso, no entanto, impediu que se tornassem conscientes, dando assim origem a um complexo inconsciente de suicídio. O impulso inconsciente de suicídio provoca por sua vez uma série de situações imprevistas perigosas. Neste caso, quando se torna consciente o impulso suicida, o bom-senso consciente podia intervir, inibindo e, portanto, ajudando, fazendo com que a opção consciente identificasse e evitasse as ocasiões de suicídio.

Diante disso, a pergunta que se inscreve é: como o atendimento psicoterapêutico em Psicologia Analítica pode auxiliar na melhora da paciente? Jung, em sua obra, relata que a psicoterapia é uma ferramenta de autoconhecimento e transformação, dada à importância do “querer” existente na procura da terapia, que enfatiza a energia psíquica mobilizando-a para a cura do indivíduo. Jung também demonstrara que a psicoterapia possibilita caminhos eficazes de reajuste de atitu-des psicológicas do paciente adquirida com a ajuda do psicoterapeuta (JUNG, 2004; SANTOS, 2008).

A Psicologia Analítica de Carl Gustav Jung demonstra que o caminho de transformação, sob o conceito do processo de individuação, se constitui numa diferenciação psicológica, que possui como finalidade o desenvolvimento da personalidade individual. De um modo geral, é o processo pelo qual, os indivíduos se formam e se diferenciam uns dos outros. O processo de individuação envolve uma consciência crescente da realidade psicológica única, incluindo as forças e as limitações pessoais (JUNG et al, 2002). Tornar-se um indivíduo, único e singular, configurando-se nos resultados de experiências e vivências de grandes e profundas transformações, que ocorrem durante todo o processo existencial de cada um dos indivíduos, ao qual Jung denominou como processo de individuação (JUNG, 2002):

O indivíduo sai em busca de seu próprio caminho, e assim reconhece que o caminho é construído durante a caminhada. E durante este caminho, as transformações psíquicas pessoais, atravessam vários níveis de aceitação e compreensão, necessitando então de cuidadosa e meticulosa abordagem, que auxiliará na remoção dos obstáculos (SILVEIRA, 1991, p.70).

Com a integração de conteúdos inconscientes, o indivíduo passa a refletir sobre a sua realida-de e história de vida. Pouco a pouco toma consciência de seus conflitos e dificuldades e pode buscar alternativas, para poder enfrentá-los ou ajustar-se a eles sem culpa ou sofrimento. Isso permite o despertar do potencial humano, principalmente a criatividade. Essa transformação resultante do confronto com os complexos os complexos do inconsciente pessoal estimula o indivíduo a se esforçar, para buscar sua autonomia. Isso ocorre em muitos pacientes através das mudanças de comportamento e atitudes. O indivíduo passa a “querer” e esse processo abre novas alternativas, para a conquista da cura como algo atingível e consciente de um indivíduo durante o atendimento (JUNG, 2004, p.84).

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3 METODOLOGIA

O presente artigo trata de um relato de experiência de atendimento clínico, realizado na Clíni-ca-Escola de Psicologia. Os atendimentos discutidos nesse artigo tiveram a duração de sete meses, totalizando 30 sessões, ocorridas entre março e outubro de 2014; as sessões foram realizadas duas vezes por semana com duração de 50 minutos cada.

Este relato de experiência baseou-se nos seguintes procedimentos: pesquisa bibliográfica, aná-lise de prontuário e de relatórios semanais dos atendimentos. A pesquisa bibliográfica caracte-riza-se pelo estudo de livros e artigos científicos relacionados ao assunto referente e ao campo de pesquisa em questão (GONSALVES, 2007, p 68). Portanto, tanto na produção desse artigo, como na prática psicoterapêutica, foram realizadas esse tipo de pesquisa utilizando-se os livros escritos por Carl Gustav Jung. Do prontuário e dos relatórios de estágio foram obtidos os dados dos atendimentos para a confecção do texto.

A Psicologia Analítica é uma abordagem, na qual o psicólogo constrói o seu processo de trabalho de modo específico para cada paciente, usando várias técnicas e conteúdos no qual responde à utilização de estratégias diferenciadas, para estimular a livre expressão do paciente atendido. Jung (2004, p.103) afirma que: “todo psicoterapeuta não só tem o seu método: ele próprio é esse método”. No entanto, no atendimento desta paciente, em particular, foram utilizadas as seguin-tes técnicas: a escuta clínica, o debate e o relaxamento. Na escuta a psicóloga esteve atenta à fala da paciente. Com o decorrer dos atendimentos a paciente ficou à vontade, para expor tudo àquilo, que lhe afligia. O debate realizado no decorrer das sessões serviu para estimular a au-torreflexão da paciente acerca de suas questões. A técnica de relaxamento ajudou a tranquilizar a paciente e deixá-la mais à vontade.

4 RESULTADOS E DISCUSSÕES

Para uma melhor compreensão do atendimento psicoterapêutico, as sessões foram agrupadas em três fases: primária, secundária e terciária.

4.1 Fase Primária: quando foram realizados os primeiros atendimentos, no qual Alice expressou suas queixas. Durante essa fase, foi realizada entrevista de anamnese. A paciente relatou suas angústias e descreveu sua história de vida. Ela pode revelar aquilo, que até então permanecia oculto em seus pensamentos, verbalizou sua condição e expôs seu sofrimento.

Alice relatou ter sofrido abuso sexual quando criança. Quando se casou contou, para o marido esse fato, mas não conseguia se libertar das lembranças. Entrou em um quadro de depressão e com isso passou a ter pensamentos suicidas. Relatou ter tentado o ato umas três vezes. Disse que não conseguia sair, para trabalhar. Só chorava. Não tinha amigos e pensava, que não tinha mais motivos para viver. Tinha baixa autoestima e se culpava por tudo de errado, que acontecia ao seu redor.

4.2 Fase Secundária: a paciente se permitiu compartilhar seu sofrimento, expressando senti-mentos, que eram conscientemente vivenciados. Durante essa fase, investiu nos atendimentos o que possibilitou a construção de um vínculo de confiança. Com isso, foi possível trabalhar as queixas trazidas por ela de várias formas, através de conversações, reflexões, debates e técni-cas de relaxamento. Foi percebida uma melhora no humor da paciente com relação às angústias trazida por ela. Esse trabalho fez com que Alice refletisse sobre seus comportamentos e suas atitudes referentes a si mesma e nos seus relacionamentos com: o marido, a família, o meio so-cial e o ambiente de trabalho.

4.3 Fase Terciária: a paciente começou a enfrentar os fatores, que desencadearam seu sofri-mento. Neste momento, Alice apresentou uma preparação consciente, para assumir uma nova atitude diante de sua vida. Voltou a se interessar por seu trabalho. Abriu espaço para o convívio social. Aprendeu a gostar mais de si. Passou a dar mais valor aos seus sentimentos e desejos. E passou a sonhar em progredir em sua carreira. Em suas falas, manifestou a intenção de voltar a estudar, ter uma graduação, crescer profissionalmente, assumindo novos riscos. Durante essa etapa a paciente passou a não trazer mais para as sessões as queixas antigas. Ela trouxe novas queixas, mais voltadas a sua rotina de trabalho e relatou, que não pensava mais no passado. Disse que preferia viver o presente e pensar em um futuro mais próspero. Relatou sentir mais confiança em si e nas suas decisões. Apesar de toda evolução de Alice ela não teve alta terapêu-tica e foi encaminhada, para dar continuidade ao atendimento.

Percebeu-se que nessa fase, Alice passou a chegar com uma nova aparência. Cabelos novos,

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mais arrumados, maquiada, com uma nova postura, mais mulher, mais feminina, com a voz mais firme, cheia de ideias, mais crítica e atenta às mudanças ocorridas em seu trabalho. Nesse período, ela falou de uma possível promoção de cargo em seu emprego, de um curso no qual gostaria muito de fazer, pois com ele poderia alcançar um cargo melhor. Passou a enxergar os problemas, que apareciam em seu cotidiano de forma mais objetiva. Passou a não se desespe-rar e a refletir em busca de soluções concretas. Relatou que se sentiu mais disposta, cheia de ideias e criativa.

5 CONCLUSÃO

Um dos aspectos importantes da relação terapêutica é o vínculo. Uma das tarefas do psicote-rapeuta é estar sempre atento aos sinais de vinculação e aos sinais que o paciente emite, nos quais transmitem suas experiências de vida a cada instante, em sua forma específica como cada um desempenha seu papel no contexto psicoterápico. Ambos estão a todo tempo sendo modi-ficados, pois se trata de uma relação humana do indivíduo com suas potencialidades, limites e saberes.

No caso Alice o vínculo criado positivamente entre a psicóloga e a paciente permitiu, que Alice ganhasse confiança e enxergasse as suas sessões de terapia como uma forma de se livrar de sua dor e de buscar novas formas de lidar com suas lembranças e medos do passado. Ela deixou de ser a menina frágil e passou a ser mulher, guerreira, trabalhadora, casada, dona-de-casa, e com novas responsabilidades em seu trabalho. Estava cheia de expectativas e sonhos para serem realizados. Em uma das sessões, Alice relatou, que: “o passado foi deletado da minha caixa de memórias. Eu nem me lembro mais! Agora quero viver o presente e sonhar com um futuro próspero.” Embora não seja possível apagar o passado, a paciente passou a centrar-se no presente e na construção de alternativas para seu futuro.

Os objetivos propostos e aplicados no atendimento psicoterapêutico em Psicologia Analítica con-tribuíram, para o sucesso do processo de superação das ideias suicidas. A paciente apresentou melhoras no quadro clínico, retornou ao trabalho, passou a se maquiar diariamente, a vestir rou-pas de tecidos leves e coloridos, despender maior atenção ao cônjuge e aos familiares.

6 REFERÊNCIAS

CARROLL, Lewis. As Aventuras de Alice no País das Maravilhas. [s.l.]: Relógio d’Água, 2009.

DALGALARRONDO, Paulo. Psicopatologia e Semiologia dos transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed, 2008.

GONSALVES, Elisa Pereira. Conversas sobre iniciação á pesquisa cientifica. 4a ed. São Paulo: Alínea, 2007.

JUNG, Carl Gustav. A Energia Psíquica. Petrópolis: Vozes, 2002.

_____. A prática da psicoterapia. 9a ed. Petrópolis: Vozes, 2004.

JUNG, Carl Gustav et al. O homem e seus símbolos. 22a rein. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2002.

MAGALHÃES, Lúcia Maria Azevedo. Teorias da Personalidade em Carl Gustav Jung. In: RAPPA-PORT, Clara Regina. Teorias da Personalidade em Freud, Reich e Jung. São Paulo: EPU, 1994. (Temas Básicos em Psicologia-v,7). p. 152-162.

SANTOS, Sandra Regina (org.). Noções Gerais da Terapia. In: Jung: um caminhar pela psicolo-gia analítica. Rio de Janeiro: Wak, 2008.p 35-70.

SILVEIRA, Nise da. Jung: vida e obra. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

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DORES DE AMORES: ATENDIMENTO PSICOTERAPÊUTICO EM PSICOLOGIA ANALÍTICA A UM GRUPO DE MULHERES

LOVES PAIN: PSYCHOTHERAPY CARE IN PSYCHOLOGY ANALYTICS TO A GROUP OF WOMEN

Vera Lúcia da Costa*

Isabele Santos Eleotério**

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.081RESUMOO referente artigo baseou-se na experiência do processo psicoterapêutico realizado com um grupo de mulheres com mais de 35 anos, na Clínica-Escola de Psicologia da Faesa, no Está-gio em Psicologia Analítica do curso de Psicologia. Os atendimentos ocorreram no período de março a outubro de 2014, totalizando 21 sessões. Os procedimentos utilizados na elaboração deste artigo foram baseados em: 1) pesquisa bibliográfica, 2) estudo dos relatórios semanais de atendimento e 3) estudo do prontuário de atendimento. O grupo Dores de Amores foi formado, a partir de uma seleção considerando a quantidade de busca por atendimento psicoterapêutico de mulheres com queixas relacionadas à impaciência consigo e com os outros, indisposições frente à rotina do dia-a-dia, desesperança, baixa autoestima, dificuldade em lidar com os conflitos fami-liares, sociais e pessoais. Nas sessões foram utilizadas técnicas de entrevista, debate, observa-ção assistemática, técnicas de relaxamento e dinâmicas expressivas. O objetivo da intervenção foi elevar a autoestima, estimular a capacidade de se sentir plena, ampliar o autoconhecimento, estimular cada participante a buscar a satisfação de suas necessidades, construir um espaço de trocas para expressão de seus anseios, medos, angústias e sonhos, bem como descobrir poten-cialidades e formas de enfrentamento dos conflitos e dificuldades cotidianas.

Palavras-Chave: Psicoterapia Junguiana em grupo. Conflitos amorosos. Metanóia feminina.

ABSTRACTThe related article based on the experience the psychotherapeutic process made a group of women over 35 years, in Psychology Clinic-School Faesa, in Stage in Analytical Psychology of the Psychology course. The sessions took place in the period March-October 2014, totaling 21 sessions. The procedures used in the preparation of this article were based on: 1) bibliographic research, 2) study of weekly reports of attendance, e 3) study records psychological of atten-dance. The group Loves Pain was from a selection considering the amount of search for psycho-therapeutic care of women with complaints related to impatience with herself and others, indispo-sitions front of the routine day-to-day, desperation, low self-esteem, difficulty dealing with family, social and person conflicts. In the sessions were interview techniques, discussion, observation, relaxation techniques and expressive dynamics. The goal os the intervention was to rise self-es-teem, stimulate the ability to feel full, extend the self-knowledge, encourage each participant to meet your needs, build a trade space for the expression of their anxieties, fears, anxieties and dreams as well as discover potential and ways of coping with conflicts and daily difficulties.

Keywords: Group Jungian psychotherapeutic. Loving conflicts. Metanoia female.

1 INTRODUÇÃO

O presente artigo refere-se ao relato de experiência de um atendimento Psicoterapêutico, com base na Psicologia Analítica, realizado durante o Estagio Básico III e IV oferecido pelo curso de Psicologia das Faculdades Integradas de São Pedro (FAESA). Foram realizados 21 atendimen-tos destinados a um grupo de mulheres acima de 35 anos e ocorreram no período de março a outubro de 2014.

As intervenções no grupo foram fundamentadas na Psicologia Analítica, que tem por objeto de estudo a dinâmica da psique. Segundo Jung, “a psicologia é uma ciência que tem como objeto a psique, a totalidade da estrutura anímica do ser humano englobando, portanto, tanto fenômenos conscientes quanto inconscientes” (REIS, 1984, p.132).

A Psicologia Analítica parte do pressuposto de que o inconsciente não algo é estagnado ou estático. Ele está em constante renovação, advindas de experiências adquiridas ao longo da vida e das situações reais vivenciadas. Esse processo dinâmico apresenta um mecanismo de * Graduanda em Psicologia (FAESA).** Psicóloga, especialista em Teoria e Prática Junguiana (UVA/RJ); mestre em Psicologia (UFES); doutoranda em Psicologia (UFES); professora das Faculdades Integradas São Pedro (FAESA).

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progressão e regressão, que é impulsionado por uma permanente troca contínua de energia da “libido”, à qual Jung chamou de energia psíquica, capaz de promover novas ideias e provocar transformações. Nessa dinâmica, o inconsciente se transforma e provoca transformações sendo capaz de estimular o desenvolvimento psíquico, “chamado por Jung de processo de individua-ção” (REIS, 1984, p. 133).

O autoconhecimento adquirido no processo de individuação amplia o conhecimento, que temos de nós mesmos e por isso se torna às vezes doloroso, pois traz à consciência, fatos de nossas vidas e processos reprimidos de nossa personalidade, que nos são abomináveis: “Essa amplia-ção se refere, em primeiro lugar, à consciência moral, ao autoconhecimento, pois os conteúdos do inconsciente liberados e conscientizados pela análise em geral, desagradáveis e por isso mesmo foram reprimidos” (JUNG, 2011, p. 24).

O homem, segundo Jung, é uma totalidade de mente e corpo, o que faz com que o processo ana-lítico busque entender o homem nessa totalidade, levando em consideração todos os processos biológico, psíquico e social.

A Psicologia Analítica em sua busca para entender o homem em sua totalidade considera a existência de elementos primitivos e respeita a sua natureza humana. Para Jung, cada pessoa, indistintamente, “herda dados de memória emocional comuns a uma coletividade, à espécie hu-mana” (SANTOS, 2008, p. 41). Com isso, o homem torna-se um ser ao mesmo tempo individual e coletivo, devido às inúmeras experiências, que vão se acumulando em seu inconsciente desde o início de sua vida.

Na análise do paciente, sob a ótica da Psicoterapia Analítica, não são considerados os fatos contidos no passado, mas as experiências relevantes vividas ao longo da vida do paciente (SAN-TOS, 2008, p.48). Nesse contexto, a escuta terapêutica tem como princípio proporcionar ao pa-ciente o autoconhecimento e a autovalorização, auxiliando-o a utilizar de seus recursos próprios, para solucionar os conflitos do dia a dia.

2 O GRUPO TERAPÊUTICO

O grupo terapêutico é uma estratégia de intervenção psicológica mais dinâmica. A utilização de técnicas expressivas, gráficas e corporais, pode estimular o desenvolvimento de potencialida-des, a fim de alcançar o bem-estar psicossocial. Além disso, o atendimento em grupo possibilita a inserção de um número maior de pacientes ao trabalho psicológico, o que possibilita a otimiza-ção de espaço e tempo.

O objetivo do Grupo Dores de Amores foi o de facilitar a busca por novas respostas, para os ve-lhos e atuais dilemas femininos relacionados a cobranças sociais vinculadas à vida doméstica, amorosa e familiar; elevar a autoestima; estimular a percepção da capacidade de se sentir plena, ampliar o autoconhecimento de forma crítica, estimulando a cada participante a ir ao encontro de seus próprios caminhos e necessidades.

O nome do grupo Dores de Amores fora escolhido, a partir do relato das histórias de vida das par-ticipantes, que de alguma forma traziam marcas de amores sofridos e vividos nas relações com seus pais, maridos, filhos e diversos amores experienciados ao longo de suas histórias de vida. Essas relações tiveram fortes significados e jamais foram esquecidos. Contudo, lhes causaram o esquecimento de si mesmas e das suas necessidades como pessoa e como mulher.

A inspiração do nome do grupo é a música “Dores de Amores”, lançada no ano de 1973, de au-toria de Luiz Melodia e interpretada por ele e a cantora e atriz Zezé Motta:

Eu fico com essa dor, ou essa dor tem que morrer? /A dor que nos ensina e a vontade de não ter. / Sofrer de mais que tudo nós precisamos aprender, / Eu grito e me solto eu pre-ciso aprender. / Curo esse rasgo ou ignoro qualquer ser, / sigo enganado ou enganando meu viver, / pois quando estou amando é parecido com sofrer, / eu morro de amores, / eu preciso aprender (MELODIA, 2014).

Os atendimentos clínicos realizados com o Grupo Dores de Amores foram pautados, a partir das demandas trazidas pelas pacientes, que eram um amontado de fatos e emoções reprimidos.

As histórias de vida das participantes do Grupo Dores de Amores eram carregadas de frustra-ções, abandono e maus tratos sofridos na infância, por parte dos pais e madrastas ou por parte dos maridos, lutos prolongados e amores, que não deram certo e que causaram várias marcas de sofrimento silencioso e perigoso, o sofrimento psíquico.

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No processo terapêutico foram trabalhadas as imagens arquetípicas relacionadas à persona e à fase da metanóia, que se denomina “meia idade ou metade da vida”, período de vida que se inicia a partir dos 35 anos de idade (HALL; NORDBY, 2000, p. 81).

3 PERSONA E METANÓIA

Segundo Hall e Nordboy (2000) o termo Persona significa máscara. As máscaras eram utiliza-das no teatro grego, para que os artistas pudessem desempenhar seus vários papéis, vivendo vários personagens em um mesmo ser. A Persona no tocante à Psicologia Analítica refere-se às máscaras, que as pessoas utilizam e que lhes permitem transitar, nos diversos palcos da vida e representar os vários papeis sociais, que são solicitados cotidianamente: “É necessário à adap-tação do indivíduo às exigências do meio social onde vive. Persona na qualidade de arquétipo é própria de todo ser humano” (SANTOS, 2008, p. 62).

As máscaras utilizadas, muitas vezes, retiram o lado autêntico de ser, pois as forçam a apre-sentarem não o que são, mas o que os outros esperam que sejam, a fim de serem aceitos em sociedade. Segundo Jung é uma forma de defesa e socialização: “A Persona é o sistema de adaptação ou a maneira que se dá à comunicação com o mundo” (JUNG, 2002, p. 357). Jung (2002) relata que para que o processo de individuação ocorra é necessário despir-se das várias máscaras utilizadas pela Persona. Durante algum tempo as máscaras podem funcionar como muralha protetora. Contudo, algumas que são utilizadas, para representar os papéis sociais des-pendem do usuário grande energia e se confundem com a personalidade real do sujeito a ponto de se perder de quem de fato se é (SANTOS, 2008, p. 65).

A mulher ao enfrentar todas as demandas sociais e familiares, que lhe são peculiares, ao chegar à meia idade enfrenta uma fase de transição do período de vida reprodutivo ao período não re-produtivo, o período do climatério ou menopausa. O desequilíbrio hormonal é pautado por vários sintomas, que podem causar grande dor e sofrimento emocional: “Numa sociedade patriarcal, em que a juventude e beleza são relacionadas ao sucesso, entrar ‘na meia idade’ pode trazer, para muitas mulheres a sensação que tudo acabou” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2011, p. 43).

Jung relata sobre as fases da vida comparando-as com as estações do ano e com as posições do sol, marcado pelo amanhecer “a juventude”, o entardecer “a meia idade” e o anoitecer “com a velhice”. O entardecer ou meia idade é enfrentado pelas pessoas como um período sombrio devido à expectativa do anoitecer, o envelhecimento passa a ser algo temido, trazendo grande sofrimento (REIS, 1984, p. 122).

A mulher passa por duas fases bem definidas de sua existência. A primeira fase se estabelece com a passagem da fase de menina para a puberdade, na qual a menarca ocorre, dando início à menstruação e marca o início da fase fértil da mulher. A segunda fase se caracteriza pelo climaté-rio e a menopausa, marcado pelo fim da menstruação e da fase produtiva da mulher, isso ocorre por volta dos 45 anos de idade. Na segunda metade da vida a mulher passa por um processo chamado metanóia. Segundo Jung a metade da vida, Metanóia, é marcada pela busca de novas demandas, de novos sentidos e novo significado existencial: “a vida perdera não somente todo o interesse e o sabor da aventura [...] mas também o significado” (HALL; NORDBY, 2000, p.82)

Jung descreve essa fase da vida como parte de declínio das funções produtivas do indivíduo, norteada por medos, frustações e solidão. Ele a interpreta como um crepúsculo aonde as luzes, o brilho pessoal vai se apagando e a vida se torna sem sentido. Esse processo de declínio pro-dutivo gera um turbilhão de conflitos, onde muitas vezes o indivíduo recolhe-se em seu interior, deixando a vida à deriva. A vida passa então a perder seu colorido, seu sentido e se torna vazia (REIS, 1987, p.148).

4 MÉTODO

O Grupo Dores de Amores contou com a participação média de 4 a 6 pacientes por encontro. Os atendimentos foram realizados na Clínica-Escola de Psicologia da FAESA, no período de março a outubro, uma vez por semana, com duração de 90 minutos, totalizando 21 sessões.

Uma das características marcantes do grupo foi o fato dele ser aberto e essa dinâmica permi-tiu, que as participantes pudessem transitar de forma livre no grupo, ou seja, “as portas” foram mantidas abertas a novas demandas e a novas participantes. Os encontros foram baseados nas demandas, que o próprio grupo trazia ou de assuntos estipulados pelas próprias participantes. Iniciava-se com a explanação do assunto, que era discutido e debatido entre elas, que expres-savam de forma espontânea suas opiniões e partilhavam suas experiências, criando assim um espaço de troca e crescimento mútuos.

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O presente relato foi fundamentado na Psicologia Analítica tendo como fonte de dados: 1) pes-quisa bibliográfica; 2) a análise do prontuário do grupo atendido 3) o estudo dos relatórios sema-nais do estágio Supervisionado Básico III e IV, que continham os relatos da vida dos pacientes e as discussões ocorridas durante os encontros do grupo psicoterapêutico.

A pesquisa bibliografia incluiu a utilização do acervo da biblioteca da faculdade e a leitura de artigos relacionados à Psicologia Analítica e ao site do Ministério da Saúde. O prontuário do grupo foi produzido no decorrer dos encontros e permanece arquivado em pasta apropriada na Clínica-Escola de Psicologia da FAESA.

Conforme preconiza o Código de Ética do Psicólogo, que estabelece no art. 9o: “é de responsabi-lidade do psicólogo respeitar o sigilo profissional a fim de proteger por meio da confidencialidade, a intimidade da pessoa, grupo ou organizações a que tenha acesso ao exercício profissional” (CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA, 2005, p. 13). Para manter sigilo e preservar as iden-tidades das pacientes atendidas foram utilizados pseudônimos com nome de cantoras da música popular brasileira, que interpretaram as mais variadas histórias de amores sofridos, conflituosos e traumáticos ou que demostraram alguma semelhança física ou de personalidade com as parti-cipantes. Assim, as pacientes foram identificadas com os nomes a seguir:

Tabela 1 – Caracterização das pacientes atendidas no Grupo Dores de AmoresNOME IDADE ESTADO CIVIL OCUPAÇÃO FILHOSÂngela Maria 76 Divorciada Aposentada 05Diana 39 Casada Auxiliar de Serviços Gerais 02Sandra de Sá 37 Divorciada Empresária 02Sandy 51 Casada Microempresária 01Kátia 59 Divorciada Do Lar 01Dalva de Oliveira 46 Casada Zeladora escolar 01Alcione 54 Casada Aposentada 02Sandra de Sá 35 Divorciada Microempresária 02Carmem Miranda 53 Viúva Funcionária Pública 02

A análise da evolução das pacientes foi realizada, a partir das supervisões do estágio em encon-tros semanais realizados após cada sessão, nos quais eram explanados os assuntos debatidos no grupo, o avanço do processo terapêutico, as interpretações das estagiárias e as articulações com a fundamentação teórica baseada na Psicologia Analítica.

5 RESULTADOS E DISCUSSÕES

O atendimento psicoterapêutico do Grupo Dores de Amores, iniciado em março de 2014, foi de-senvolvido em três fases: 1) Estruturação do atendimento; 2) Conexão do grupo; 3) Desconexão do grupo.

5.1 Estruturação do Atendimento A fase de estruturação contou com a separação das fichas de inscrição de acordo com a idade cronológica. Foram analisadas várias fichas na busca de paciente para atendimento. Foi perce-bido, que havia uma demanda muito grande de pacientes com a faixa etária acima de 35 anos e que essas pacientes, eram do sexo feminino e tinham queixas semelhantes em relação à busca por atendimento psicológico.

Após a separação das fichas foram realizados o contato com as pacientes e marcado a primei-ra sessão individual, que teve início com a acolhida e entrevista de anamnese. A partir desse contato foi realizado o convite, para participar do grupo e a explanação dos trabalhos a serem desenvolvidos no grupo. O grupo iniciou-se pequeno, com duas participantes, e foi se estrutu-rando aos poucos.

Durante as entrevistas de anamnese as pacientes relataram sua trajetória de vida. As pacientes chegaram fragilizadas e com baixa autoestima. Durante toda sua existência depositaram a ra-zão de suas vidas em outras pessoas e acabaram por se sentirem frustradas e decepcionadas ao constatarem, que as pessoas com quem conviviam tinham suas próprias demandas e neces-sidade de viverem suas vidas, o que, na maioria das vezes, contradiziam os desejos e sonhos das pacientes.

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Algumas pacientes apresentavam um quadro depressivo, envolvidas por sentimentos de culpa, perante o abandono dos pais ou do marido. Cumprir a missão de educar os filhos sozinha e exercer vários papéis, acabava por levá-las ao esquecimento de suas próprias vidas. Segundo Dalva de Oliveira: –“eu sofri muito quando me separei, passei até fome, mas decidi ficar com meus filhos. Eu amava muito meu marido, mas, não suportei a traição.”

A retenção de seus conflitos era visível nas marcas deixadas pelas sequelas físicas e psíquicas. Algumas falas eram carregadas de emotividade, expressavam um sentimento de humilhação e submissão, devido à violência moral praticada pelo marido e isso se fazia presente na forma de se relacionar com seus superiores no trabalho. A experiência de rejeição da figura masculina, do pai, dos maus tratos da mãe e o sentimento de traição vividos no matrimônio ressoavam frente às relações sociais e familiares, o que pode ser observado na fala de Carmem Miranda: –“minha mãe me batia sempre, mesmo que não fosse culpa minha. Eu apanhava calada, não chorava, para ela parar. Eu me fingia de morta. [...]nunca gostei de abraços, mantenho distância de con-tato”.

5.2 Conexão do Grupo A segunda etapa dos atendimentos foi à constituição do grupo, a integração das participantes e o direcionamento dos trabalhos, a partir da demanda de cada paciente, de forma a serem expla-nados os assuntos do cotidiano e a busca da interação de todas as participantes levando-as a elaborarem formas de se ajudarem mutuamente. Essa fase contou com a inclusão de três novas participantes no grupo.

Nesta etapa foi percebido, que todas as participantes passavam pelo mesmo momento de suas vidas, “o climatério”. Nessa fase muitos problemas surgem da falta de conhecimento de si mesmo e de vários mitos, que são criados sobre essa etapa da vida da mulher, por isso foram esclare-cidos alguns aspectos relacionado ao tema e sugerido que buscassem mais informações sobre assunto, a fim de minimizar os efeitos psicológicos ocorridos durante esse ciclo da vida feminina.

O entrosamento do grupo se deu de modo espontâneo e o espírito de confiança foi se estabele-cendo no grupo. A cada sessão as pacientes se tornaram mais receptivas a novos assuntos, tra-ziam e compartilhavam suas conquistas. A cada semana, chegavam à sessão mais bem-humo-radas, apesar da distância, que tinham que percorrer (aproximadamente 50km). Traziam sempre na fala as conquistas alcançadas. no contexto familiar, como por exemplo, no enfrentamento de situações depreciativas.

Sandy: –“Nesta semana meu marido me chamou de feia, velha, acabada, virou as costas e saiu. Chamei-o de volta pedi para sentar e falei que ele iria ouvir tudo que tinha para falar. Disse-lhe: sou feia, velha e acabada e você o que é? Velho, feio, barrigudo, careca, vive cheirando a bebida [...]. Eu me casei com você e continuo gostando de você ainda. Agora, eu não vou deixar você fazer isso mais comigo!”

O ponto de incentivo à participação do grupo era o próprio relato e as construções, que as parti-cipantes iam trazendo acerca dos benefícios, que percebiam no processo psicoterapêutico. Em uma das sessões, compartilhou Sandra de Sá: –“como a terapia tem me feito bem. Aprendi a enxergar coisas que estão bem à minha frente das quais não conseguia ver. Hoje diante de uma situação consigo parar e analisar primeiro”.

5.3 Desconexão do Grupo A terceira fase contou com a desconexão do grupo devido ao fim dos atendimentos. Nesta fase, os encontros passaram a ocorrer quinzenalmente, foram realizados encontros individuais para análise da evolução da psicoterapia, encaminhamento para continuidade do atendimento, para aquelas que necessitaram, e um momento de confraternização do grupo.

O estreitamento das relações, entre as participantes, mostrou de forma positiva os resultados do trabalho no que ser refere à autonomia conquistada no decorrer do processo. Expressou Sandy: –“Através do grupo, fui capaz de começar a falar do que gosto, do que não gosto, e de como gosto das coisas.”

6 CONCLUSÃO

Em virtude do trabalho realizado foi imprescindível perceber, que não existe receita, não exis-te remédios, existe potencialização, que se concretiza através do redirecionamento de nossas próprias energias. Para isso, é necessário tomarmos consciência de nossos medos, de nossas

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frustações e de nossos conflitos para nos tornarmos capazes de contextualizá-los de uma nova forma.

A abordagem na Psicologia Analítica facilitou o trabalho em grupo, uma vez que vê o homem tanto como um ser coletivo como individual. À medida que as pacientes foram capazes de trans-formar seus conflitos inconscientes em conscientes, através da fala, expondo seus pensamentos mais íntimos e secretos, foi verificado o desenvolvimento psíquico e redinamizado o processo de individuação. E, diante das construções realizadas pelas pacientes ao longo de todo o trata-mento, foi possível confirmar as palavras de Jung: “só aquilo que somos realmente tem o poder de curar-nos” (JUNG, 2011, p. 57).

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Código de Ética Profissional do Psicólogo. Brasí-lia: CFP, 2005.

HALL, C. S.; NORDBY, V. Introdução à psicologia Junguiana. 5a ed. São Paulo: Cultrix, 2000.

JUNG, C. G. A Função Transcendente. In: A natureza da psique. 6a ed. Petrópolis: Vozes, 2000. p.1-23.

_________. O eu e o inconsciente. 22a ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

_________. Os arquétipos e o Inconsciente coletivo. 2a ed. Petrópolis. Vozes. 2002.

_________. Psicologia do Inconsciente. Petrópolis: Vozes, 1981.

MELODIA, L. Dores de Amores. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch? v=tSm51a-aUWT4>. Acesso em 20 out. 2014.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. Política Nacional de Atenção Integral à saúde da Mulher, Princí-pios e diretrizes. Brasília, Ministério da Saúde, 2011.

REIS, A. O. A. ROSENBERG. R. L. RAPPAPORT. C. R.. Teorias da personalidade em Freud, Reich e Jung. São Paulo: EPU, 1987 (Coleção Temas básicos da psicologia - v. 7). p.132-162.

SANTOS, S. R. Jung: um caminhar pela psicologia Analítica. Rio de Janeiro: Wak, 2008.

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EDUCAÇÃO EM SAÚDE NO TRABALHO:Pesquisa Ação no Cotidiano de Policiais Militares

HEALTH EDUCATION AT WORK:Action Research on Military Police Everyday

Ana Paula Bissaro Loureiro*

Rosane Cavalcante Santana**

Andréia Silva Ferreira***

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.082

RESUMOO presente trabalho consiste em uma pesquisa-ação realizada, a partir de um projeto de intervenção desenvolvido durante o Estágio da Ênfase em Educação, no curso de Psicologia da FAESA/ES, em uma Companhia da Polícia Militar de Vitória/ES. Inicialmente houve a solicitação do comandante desta companhia, para que fosse realizado um acompanhamento psicológico junto aos policiais militares da companhia. As queixas apontadas estavam associadas às condi-ções de saúde física e mental dos militares. Após reuniões iniciais foram realizadas observações participantes, conversas informais e aplicação do teste STAXI (Inventário de Raiva como traço e estado), a fim de levantar as reais demandas de intervenção. O trabalho envolveu um grupo de aproximadamente 27 policiais militares, do sexo masculino, com idades variando de 22 a 52 anos, no período de setembro/2012 a maio/2013. Cabe ressaltar, que todo trabalho ocorreu na sede da companhia militar. Foi verificado que os fatores de adoecimento psíquico dos militares estavam muito associados aos conflitos nas relações interpessoais na família, no trabalho, sexualidade, uso abusivo de substâncias e na atividade laboral. Da mesma forma as condi-ções de trabalho e a relação da polícia com a comunidade foram aspectos mencionados pelo grupo. Dessa forma, foi proposta uma pesquisa ação a partir de entrevistas semiestruturadas, um programa de saúde e qualidade de vida, composto por 10 encontros temáticos seguidos de atividades específicas que foram realizadas coletivamente e individualmente pelos policiais e aplicação do teste ISSL( Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de LIPP) antes e após a execução do programa, fim de verificar se houve mudança nas respostas dos policiais, em função da participação no programa proposto. A partir de todas as atividades realizadas no decorrer da pesquisa ação foi possível identificar, que a atividade militar se insere em um contexto de vulnerabilidade, que prejudica o desempenho profissional, a qualidade de vida e a saúde mental do policial. Os resultados da segunda aplicação do teste ISSL indicam mudanças de atitude dos participantes para a busca de saúde e autonomia, assim como a prevenção de doenças e enfrentamento das situações adversas, favorecendo a saúde e qualidade de vida dos policiais. Entretanto, é necessário acompanhamento e novos estudos, para ampliar as informa-ções sobre o tema e propostas de intervenções, que favoreçam as estratégias de enfrentamen-to do cotidiano por parte dos policiais.

Palavras-Chave: Pesquisa Ação. Polícia Militar. Saúde. Qualidade de Vida.

ABSTRACT This work consists of an action research conducted from an intervention project developed during Stage Emphasis on Education in the course of Psychology of FAESA / ES, in a Military Police Company of Vitória/ES. Initially there was the request of the commander of this company, to be carried out psychological counseling at the company’s military police. Complaints were identified associated with the conditions of physical and mental health of the military. After initial meetings were held participant observation, informal conversations and application of STAXI test (Inventory Anger as trait and state) in order to raise the actual intervention demands. The study involved a group of about 27 police officers, male, aged 22-52 years from September / 2012 to May / 2013. It is noteworthy that all work at the headquarters of the military company. It was found that mental illness factors of the military was much associated with conflicts in interpersonal relationships in the family and at work, sexuality, substance abuse and labor activity. Similarly working conditions and police relations with the community were aspects mentioned by the group. Thus, an action research was proposed from semi-structured interviews, a health program and quality of life, com-

* Psicóloga graduada pelas Faculdades Integradas São Pedro (FAESA/AEV). Email: [email protected]. ** Psicóloga graduada pelas Faculdades Integradas São Pedro (FAESA/AEV). Email: [email protected].*** Psicóloga, Especialista em Processos Sócio Educativos com Crianças e Adolescentes, Mestra em Psicologia So-cial e Desenvolvimento, Professora do curso de Psicologia (FAESA/AEV). Email: [email protected].

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prises 10 thematic meetings followed specific activities that were held collectively and individually by police and application of ISSL test (Symptom Inventory Stress for Adults of LIPP) before and after the program, to check if there was a change in the responses of police, according to partic-ipation in the proposed program. From all activities performed during the research action were identified that military activity is inserted in a context of vulnerability that affect professional perfor-mance, quality of life and mental health of police. The results of the second application of the ISSL test indicate changes in attitude of the participants in the search for health and autonomy, as well as disease prevention and coping with adverse situations, promoting health and quality of life of police officers. However it is necessary monitoring and further study to extend the information on the topic and proposed interventions that favor the everyday coping strategies by police.

Keywords: Action Research. Military Police. Health. Quality of Life.

1 INTRODUÇÃOOs policiais militares constituem uma das categorias de trabalhadores com maior risco de vida e estresse. Para estes trabalhadores o nível de estresse tem sido apontado como superior ao de outras categorias profissionais, não só pelas atividades que executam, mas também devido ao peso do trabalho e pelas relações internas à corporação, cuja organização se fundamenta em hierarquia rígida e disciplina militar (CALAZANS, 2010). Essas características estruturantes tornam a Instituição resistente a mudanças, repercutindo na saúde física e mental dos servido-res.

Essa excessiva exposição a riscos e à violência, juntamente com as cobranças de eficiência da sociedade e às precárias condições de trabalho no âmbito nacional, constituem fenômenos que atribuem ao policial um status de destaque entre os servidores, que mais sofrem de estresse. (OLIVEIRA; SANTOS, 2010).

Não obstante, também é atribuída ao policial a competência de tomar decisões e intervir em situações complexas, envolvendo questões de vida humana em um contexto de forte tensão (COSTA et al. 2007), em uma sociedade, que apresenta um aumento crescente nos dados de violência e criminalidade, com respostas de políticas públicas empobrecida no âmbito social e de infraestrutura (SILVA, 2009).

O estresse é comumente associado à interação entre as características do sujeito e as influên-cias sofridas por ele diante das circunstâncias ambientais, ou seja, a relação entre os meios internos e externos, em conjunto com a percepção do sujeito sobre sua própria capacidade de enfrentamento (DEJOURS, 1992; LIPP, 1996). Diante disso, as atividades e relações laborais, tanto podem produzir saúde, bem-estar físico e emocional como podem ser marcadas por in-satisfações, estresse e sofrimento. De qualquer forma, o trabalho, além de ser um mecanismo necessário de sobrevivência do sujeito, desempenha um papel significativo, já que além de sa-tisfazer aspectos naturais fundamentais à sobrevivência permeia os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais do sujeito.

A ideia de fazer Educação em Saúde é ainda nova, mas pode ser entendida como um campo de práticas, que, se dão a nível das relações sociais, tem como premissas a prevenção de doenças, promoção da saúde e da autonomia das pessoas envolvidas, tornando-as sujeitos ativos e trans-formadores de sua realidade de vida, e consequentemente, da sociedade.

Essa interlocução entre as ciências da saúde e educação possibilita, que o profissional não fi-que em uma só linha de ação de assistência curativa, mas também, abrangendo linhas de ação preventivas visando alcançar o objetivo maior, que é a qualidade de vida dos sujeitos envolvidos nesse processo.

A presente pesquisa é fruto dos estudos e resultados obtidos no decorrer do Estágio Supervisio-nado da Ênfase em Educação do curso de Psicologia da FAESA, a partir de setembro de 2012/2, com término em 2013/1. O estágio e a pesquisa foram desenvolvidos em uma companhia de polícia militar na cidade de Vitória/ES, a partir da solicitação do Comandante desta Companhia.

Os objetivos desta pesquisa, embora norteados por um objetivo geral a princípio, foram se deli-neando no decorrer do estágio, resultando em suas etapas distintas e contínuas, as quais serão descritas no método. Buscamos proporcionar aos policiais militares a escuta do cotidiano de trabalho, a fim de identificar os fatores de adoecimento psíquico, bem como realizar intervenções que pudessem favorecer à saúde e à qualidade de vida dos participantes, a partir da tomada de consciência sobre o protagonismo individual ante a vida pessoal, social e no trabalho, possibili-tando diferentes modos de ser no mundo, a fim de estabelecer contatos mais satisfatórios para o sujeito.

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Neste trabalho adotamos uma perspectiva social e preventiva da Psicologia, buscando a cons-trução de novos modelos teóricos de atenção e educação para a saúde. Partimos da premissa de que o ser humano é alguém dotado de múltiplas potencialidades, o que nos permite refletir as inúmeras possibilidades de escuta e acolhimento das demandas individuais e coletivas dos sujei-tos envolvidos. Assim esperamos com esta Pesquisa-Ação, contribuir com a Instituição Campo e seus membros, auxiliando-os na resolução de situações-problema, para que se possam alcançar melhores condições de trabalho, de saúde e de vida.

2 MÉTODOEste trabalho consiste no estudo sobre os fatores de adoecimento psíquico e físico de policiais militares. A metodologia utilizada baseou-se na pesquisa bibliográfica e na Pesquisa-Ação, en-tendida como um tipo de investigação social com base empírica, concebida e realizada em es-treita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesqui-sadores e os participantes estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo (THIOLLENT, 1988).

Para, Fonseca (2002):

A pesquisa ação, pressupõe uma participação planejada do pesquisador na situação pro-blemática a ser investigada. O processo de pesquisa recorre a uma metodologia sistemá-tica, no sentido de transformar as realidades observadas, a partir da sua compreensão, conhecimento e compromisso para a ação dos elementos envolvidos na pesquisa (p. 34).

Para coleta dos dados, foram utilizados a observação participante, além de entrevistas semies-truturadas e testes psicológicos. Todos os dados foram registrados em diário de campo e dis-cutidos em supervisões semanais. Os resultados foram analisados qualitativamente (a partir da análise do discurso).

A coleta de dados foi realizada individualmente ou em grupo, com os policiais, que assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. Os objetivos e procedimentos foram esclarecidos aos participantes, bem como o caráter sigiloso dos dados. Cabe ressaltar, que essa pesquisa foi devidamente aprovada em Comitê de Ética em Pesquisa após cadastrada na Plataforma Brasil (Conselho Nacional de Saúde)

3 PARTICIPANTES Na primeira etapa da pesquisa, participaram 23 policias militares com idades entre 21 e 52 anos, 22 do sexo masculino e 1 do sexo feminino (a única da companhia), os quais foram indicados pelo comando de acordo com critérios próprios ou participaram voluntariamente. Na segunda etapa, participam 27 policiais (incluindo todos que participaram da primeira etapa). Cabe ressal-tar, que os participantes foram devidamente informados acerca dos procedimentos da pesquisa, bem como autorizaram a publicação dos dados, a partir da assinatura do Termo de Consentimen-to Livre e Informado.

4 PROCEDIMENTOSDe setembro a dezembro de 2012, ocorreram reuniões iniciais com o Comando da Companhia, observação participante e aplicação do Teste STAXI (Inventário de Raiva como Traço e Estado - BIAGGIO, 2010) como instrumentos de coletas de dados.

Em 2013/1 ocorreu a devolução dos resultados ao comando e aos participantes, entrevistas se-miestruturadas, bem como foi desenvolvido um Programa de Saúde e Qualidade de Vida junto aos sujeitos participantes.

O Programa de Saúde e Qualidade de Vida foi proposto, a partir da análise do levantamento de demandas com os participantes e teve duas frentes de atuação:

1o - escuta psicológica individual, uma vez por semana, na própria companhia, com duração de 35 minutos cada atendimento, de acordo com a busca espontânea dos policiais, para conversar com as pesquisadoras;

2o - programa de Saúde e Qualidade de Vida.

O programa foi composto por um conjunto de 10 tarefas, executadas individualmente, disponi-bilizadas impressas a cada semana. O conteúdo das tarefas estava diretamente relacionado a fatores mais relevantes de adoecimento psíquico identificados nos participantes da primeira etapa da pesquisa, a saber: resolução de situações problema, autocontrole, autoestima, relacio-

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namentos interpessoais (família e colegas de trabalho), sexualidade, saúde física e psíquica. As tarefas também incluíram atividades de vida diária e exercícios de estimulação das atividades mentais, além de inclusão de textos informativos impressos.

Ao final houve a compilação de uma apostila individual, contendo todas as atividades realizadas, as quais foram analisadas a partir da ficha de avaliação da atividade, preenchida pelo participan-te.

Para avaliar se o Programa de Saúde e Qualidade de Vida produziu melhorias na vida dos par-ticipantes, foi aplicado o teste ISSL (Inventário de Sintomas de Estresse para Adultos de LIPP, 2010), antes do início do programa e no final, após a conclusão das atividades semanais, a fim de verificar se houve mudanças nos resultados do teste com a execução das tarefas propostas.

Todos os resultados obtidos foram registrados em diário de campo e discutidos nas supervisões.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃOInicialmente, houve uma solicitação do serviço de psicologia por parte do Comandante de uma Companhia do 1o Batalhão de Polícia Militar de Vitória/ES, à FAESA. Nas reuniões iniciais para discussão das necessidades de atuação do psicólogo e discussão do projeto inicial, foram colo-cadas pelo comandante demandas de intervenção relacionadas a uma ampla gama de fatores associados à função militar, à qualidade do trabalho do policial, tanto interna (na companhia), como externamente (na comunidade) e à qualidade de vida pessoal do trabalhador (saúde física e mental, família, relacionamentos íntimos, sexualidade, uso de substâncias químicas, relação com o trabalho, relação com a comunidade, equipamentos, cotidiano de serviço, entre outros).

De posse desses dados, foi estabelecido um roteiro de entrevista semiestruturada, inicialmente realizada com policiais indicados pelo comandante, porém aberta a todos, que quisessem parti-cipar. Participaram da entrevista 23 policiais militares com idades entre 21 e 52 anos, 22 do sexo masculino e 1 do sexo feminino. Abaixo, apresentamos os dados mais significativos verificados nas entrevistas.

Em relação ao Estado Civil, a maioria dos policiais entrevistados é casada (11 sujeitos), moram em Vitória (18) e estão na corporação há 5 anos ou menos (14 sujeitos).

Quando perguntados se “sempre quis ser Policial Militar”, 8 participantes responderam, que sim pois: “Acha interessante e gratificante; gosta e por familiares (tios); incentivo da família (o avô que o criou era); gosta da profissão; gosta da profissão e sempre admirou, achava interessante; influência familiar, o pai era policial militar; a muito tempo atrás se expirava no pai que era policial militar, hoje não quer, e não quer para o filho, só estando dentro para saber os erros que tem que consertar, mais não tem oportunidade, erros principalmente administrativos”(sic); e 15 respon-deram que não, nem sempre quiseram ser policial. Em relação a esta questão observamos, que há uma grande influência familiar na escolha da profissão de militar, especialmente a influência do pai. A participação do pai no processo de socialização e desenvolvimento da identidade da pessoa é um assunto muito discutido, exigindo uma ampla reflexão, o que não é objetivo por ora.

Em relação ao que fez buscar a profissão de policial militar, as respostas variaram entre: “estabi-lidade; salário e estabilidade; quando estava concluindo faculdade começou a fazer concursos, está gostando; estabilidade, gostaria de ser bombeiro; estabilidade, focado no concurso; desen-volveu a vontade com o tempo, aos 20 anos de idade; estabilidade; estabilidade; tentou concurso para SEJUS, bombeiro e polícia militar, optou por militar; estabilidade; pesquisa sobre CFO e se interessou; oportunidade de levar um amigo para fazer inscrição e acabou fazendo também; ne-cessidade de um salário melhor; área que mais abria concurso; oportunidade de emprego”. (sic).

De um modo geral, 20 policiais relatam estar satisfeitos com a profissão e 3 se dizem insatisfeitos devido à “desvalorização da profissão e aceitação da família; não é o que pensava, não concor-da com o regulamento e a forma de tratamento com superior, falta de liberdade, incompreensão com a sociedade; equipamentos utilizados no dia a dia, nem sempre em bom estado”. (sic). Observa-se que muitos profissionais buscaram a profissão visando à estabilidade no trabalho e à garantia de salário, entretanto alguns não consideram o outro lado, que envolve a rotina de trabalho de um policial.

Os fatores relatados associados à saúde física foram: colesterol alto; gastrite, labirintite; hiper-tensão, diabete e reumatismo; 19 policiais tomavam algum tipo de medicamento (incluindo an-tidepressivos, analgésicos e remédios para pressão alta). Muitos policiais relataram, que há alguma doença ou problema de saúde, que pode ter sido desenvolvido em decorrência do seu trabalho, incluindo problemas de atenção/concentração e memória. Havia policiais, que já fize-ram ou faziam uso de remédio controlado ou tratamento psicológico, devido ao estresse causado

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pela atividade policial. Além disso, havia policiais que relataram excesso de peso, sedentarismo e uso de álcool.

Quando perguntados: “Se você pudesse mudar algo em você, o que mudaria?” as respostas in-cluíram: “Ter mais paciência; ter mais iniciativa; ser proativo; ter mais atitude; aparência; timidez; preguiça para estudar; ser menos indeciso; não guardar rancor; mudaria o peso; se preocupar menos com as coisas; ser mais relex”; ficar mais calmo; personalidade; ansiedade; corrigir algu-mas palavras que fala; ser mais social; ter vida normal com todo mundo; ser menos pessimista; escutar mais as pessoas que o ama; ser mais calmo, saber lidar com o próximo; jeito de ser; gostaria de ser mais novo, para aproveitar mais a vida; emagrecer. (sic).

Para a pergunta: “Se você pudesse mudar algo em sua vida, o que mudaria?”, as respostas foram: “mudar a estruturação do trabalho; relação entre superior e subordinado; a relação com a comunidade; algumas tomadas de decisões; não gosto da minha vida, cansativa sem objetivo; pensamento suicida desde adolescência; gostaria que os filhos estivessem mais próximos; o autocontrole financeiro; estudar mais; ganhar um pouco mais; ser melhor remunerado; estudar ensino superior; mais tempo para praticar atividade física; Reclamar menos da esposa, ter pra-zer sexual com a esposa; não sabe; relacionamento que não deram certos; tentaria controlar a ansiedade que o aflige muito; parar de beber e parar de tomar remédio; o jeito de ser; satisfeito; talvez não seria policial, por causa da falta de amor e laço de amizade; teria filho mais tarde, 20 a 21 anos o primeiro filho; 2 coisas, local de trabalho e onde mora, local para o filho morar, para não ficar a messe da criminalidade; mudaria mais hábitos adquiridos, bebida alcoólica e exercí-cio. (sic)

No que se refere aos fatores psíquicos, afetivos e saúde mental um aspecto, que chamou a atenção foi um nível elevado de irritação, quando as situações cotidianas escapam ao controle próprio, o que foi relatado pela maioria dos policiais. A maioria sinalizou, que gostaria de ser mais calmo. Outro aspecto relevante referiu-se à baixa autoestima, revelada por insatisfação com a própria personalidade, aparência física, relacionamentos, sexualidade e realização profissional. Também apareceram outros fatores relevantes tais como: falta de confiança na habilidade de resolver problemas, tristeza sem uma causa específica; incapacidade de controlar as coisas importantes na vida, nervosismo, ansiedade e estresse.

A partir dos dados acima optou-se por aplicar o Inventário de Raiva como Traço e Estado - STAXI (BIAGGIO, 2010). Este instrumento fornece medidas, para o estudo dos componentes da expe-riência da raiva e pode auxiliar na avaliação da personalidade do sujeito naquele momento.

No teste STAXI a experiência da raiva pode ser compreendida como constituída por dois compo-nentes principais: o traço de raiva que se refere à disposição do indivíduo de perceber situações diversas como desagradáveis e a tendência a reagir a estas com raiva. O estado de raiva é ca-racterizado por sentimentos subjetivos, que oscilam desde um leve aborrecimento até a fúria in-tensa, de acordo com o tratamento injusto recebido pelos outros, além de frustrações resultantes de obstáculos ao comportamento dirigido a um objetivo (BIAGGIO, 2010). Os resultados obtidos com os sujeitos indicaram que havia policiais vivenciando sentimentos de raiva relativamente intensos, apresentando temperamento explosivo e agressivo, demonstrando-se altamente sen-síveis às críticas, injustiçados pelos outros, além da repressão desses sentimentos de raiva. Os resultados do teste também indicaram, que a maioria dos policiais investe grande energia no monitoramento e prevenção da experiência e expressão da raiva.

A partir dos dados coletados surgiu a preocupação em propor um programa de educação, para a qualidade de vida além de proporcionar um espaço, para a escuta das questões cotidianas apresentadas pelos policiais. Esta etapa iniciou após a devolução de resultados e apresentação da proposta de intervenção.

Para avaliar a interferência do programa proposto na saúde e qualidade de vida dos participan-tes, foi aplicado o teste ISSL (Inventário de Sintomas de Estresse para adultos de LIPP, 2010) instrumento desenvolvido, para medir o nível de estresse global em jovens e adultos. O teste foi aplicado antes do início do programa e após o participante completar as tarefas, a fim de verificar se houve mudanças nos resultados dos testes com a execução das tarefas propostas.

Inicialmente, 27 policiais participaram da 1a fase de aplicação do teste ISSL (Inventário de Sinto-mas de Estresse para adultos de LIPP, 2010). Toda a aplicação do teste dependeu da disponibili-dade de horário de cada participante, devido à rotatividade de turnos dos mesmos. Cada sessão teve duração aproximada de 20 minutos e foi realizada na própria companhia, resguardando os cuidados éticos.

Os resultados obtidos na primeira aplicação do teste ISSL (Inventário de Sintomas de Estresse para adultos de LIPP, 2010) nos 27 policiais foram: 14 dos participantes não apresentam sinais

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claros para o estresse. Treze policiais participantes apresentaram estresse, sendo que 11 po-liciais se apresentaram na 2a fase do estresse, denominada de Fase da Resistência, que de acordo com Lipp (1996), se dá quando o organismo consegue resistir ao estressor através da adaptação, o que leva ao reequilíbrio do organismo. Entretanto, dois policiais obtiveram resul-tados referentes à 3a fase do estresse, denominada de Fase de Quase Exaustão. Nessa fase aumenta a vulnerabilidade às doenças se há maior intensidade, concomitância e frequência dos agentes estressores. Nessa fase ocorre um grande desequilíbrio interno, o corpo sofre desgaste excessivo na tentativa de recuperar a homeostase e a pessoa pode ficar incapacitada de tomar decisões e de se concentrar.

De acordo com os resultados do teste, nenhum policial apresentou-se na última fase do estresse, denominada de exaustão, a fase mais negativa. Mas também nenhum policial apresentou es-tresse na Fase de Alerta (Fase 1), que segundo Lipp (2010) caracteriza-se por ser um estresse positivo, que vai deixar a pessoa mais motivada para a ação.

A partir do teste ISSL (Inventário de Sintomas de Estresse para adultos de LIPP, 2010), nova-mente foi possível verificar a presença de sintomas físicos e psicológicos, isolados ou combina-dos de forma consistente, na maioria dos policiais, que realizaram o teste.

Seguida às sessões de testagem foi iniciado o Programa de Saúde e Qualidade de Vida com os 27 policiais. No entanto, um policial pediu para sair das atividades e o outro foi transferido da Companhia no decorrer do trabalho. Foram aplicadas as 10 atividades previstas com 25 policiais, mas muitos no decorrer do processo não concluíram as atividades, restando apenas 16 policiais que efetivaram o processo do início ao fim.

A partir da análise das fichas de avaliação das tarefas, ao final do programa, dos 16 policiais, que concluíram todas as atividades, verificamos a prevalência de respostas, que indicavam mudan-ças significativas na realidade de vida para 14 dos participantes no que se refere à resolução de situações problema, autocontrole, autoestima, relacionamentos interpessoais (família e colegas de trabalho), sexualidade, saúde física e psíquica. Os policiais avaliaram que o programa ajudou a melhorar a qualidade de vida no serviço, melhor relacionamento interpessoal entre os colegas da companhia, mas também apontaram a necessidade de assistência psicológica pessoal, visto que cada um reage de forma diferente às situações cotidianas.

A segunda aplicação do teste ISSL (Inventário de Sintomas de Estresse para adultos de LIPP, 2010) foi realizada apenas com os policiais, que completaram todas as tarefas do programa. As-sim, o teste foi reaplicado a 16 policiais. Após a execução do programa verificamos, que 11 dos participantes não apresentaram sinais claros para o estresse. Dos 5 participantes que apresen-tam sinais de estresse, 3 policiais se encontram na fase de resistência apresentando sintomas fí-sicos e 2 se encontravam na fase de quase exaustão apresentando sintomas psicológicos; o que é muito preocupante, uma vez que tais sujeitos também avaliaram suas atividades no programa como Péssimo ou Ruim. Este resultado aponta, para uma real necessidade do encaminhamento desses profissionais para serviços de saúde mental. Assim, foi possível observar, que há fatores muito mais complexos, que envolvem as questões de ordem individual de cada policial, os quais sugerem pesquisas mais aprofundadas.

Trabalhar questões como baixa autoestima revelada por insatisfação com a própria personalida-de, aparência física, relacionamentos, sexualidade, realização profissional, falta de confiança na habilidade de resolver problemas, tristeza sem uma causa específica, incapacidade de controlar as coisas importantes na vida, nervosismo, ansiedade, etc., é apenas uma pequena parte do pro-blema. A pesquisa destaca como uma das principais fontes geradoras de estresse as relações, por vezes, tensas e conflituosas dos policiais com o sistema de justiça e com o público a quem atendem. Isso nos leva a crer, que além de fatores intrínsecos ao sujeito é de extrema relevância o questionamento da Instituição Militar, em historicidade, como um todo e condição concreta de tudo, que envolve o policial militar. Tal questionamento nos remetem a um universo de análises muito mais amplo, tal como ressaltam Couto et al. (2012).

Por fim, ressaltamos que não foi possível realizar a escuta individual tal como havia sido propos-ta inicialmente, uma vez que os policiais não buscaram este serviço. Alguns justificaram que não sentiram necessidade, mas outros revelaram certa resistência com esse tipo de atendimento, uma vez que poderia denotar para os colegas um sinal de fraqueza, algo que os policiais não ad-mitem transparecer. Assim, a escuta, na maioria das vezes, quando aconteceu, foi em situações informais e os dados, que puderam ser observados nesses momentos também apareceram em outros procedimentos, estando descritos no decorrer desse trabalho.

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6 CONCLUSÃOA partir da pesquisa realizada foi possível verificar, que o estresse, ansiedade, medo, insatis-fações pessoais, desgaste físico e mental, são os fatores que mais influenciam no cotidiano do trabalho e da vida pessoal do Policial Militar. Os participantes da pesquisa sentem a falta do apoio da família, da sociedade e do Estado o que acaba desencadeando fatores psico-lógicos, tais como: baixa autoestima, insatisfação profissional, falta de confiança em si mesmo, tristeza, nervosismo e ansiedade.

Entretanto, no decorrer do processo de intervenção foi possível observar ganhos significativos tanto na vida profissional como na vida pessoal dos sujeitos, melhoria da autoestima, na comu-nicação, na alimentação, saúde física, bem como maior entrosamento familiar e entre os cole-gas de trabalho, segundo relatos e avaliações dos participantes. Alguns dos policiais que faziam uso de bebida alcoólica relataram a diminuição gradativa do uso da substância.

A partir dos resultados pudemos constatar, que planos de ação de valorização dos indivíduos em sua prática profissional e mudanças do cotidiano, trazem resultados promissores em relação à qualidade de vida desses policiais.

Também foi possível verificar, que dentro da Instituição Militar não se têm medidas de pre-venção ou até mesmo políticas eficazes, que apresentem uma melhor estruturação das ações, que objetivam à melhoria da qualidade de vida do Policial Militar. Assim, ressaltamos que esses profissionais precisam de maior assistência e valorização do Estado e da população no geral.

Vale ressaltar a relevância e importância de se ter um profissional psicólogo nas instituições militares atuando de forma preventiva, para que o policial esteja realmente preparado, para enfrentar a tensão e o desgaste impostos no dia a dia, oferecendo apoio diante das dificulda-des ante à vida e favorecendo ao bem-estar, à saúde física e mental, levando a uma melhor qualidade de vida.

Foi muito importante trabalhar com a Educação em Saúde, à medida que essa abordagem proporcionou um processo coletivo de conscientização e de ajuda aos policiais militares. Acre-ditamos que a intervenção psicológica pode contribuir, para o desenvolvimento da Corporação Militar, tanto para a formação de uma força policial mais saudável, dinâmica e hábil, como para a compreensão do Policial Militar como um ser humano.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBIAGGIO, A. M. B. (trad) STAXI: Manual do Inventário de Expressão de Raiva como Estado e Traço. São Paulo: Vetor, 2010.

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ESTIMATIVA DA PRODUÇÃO DE LODO NAS ESTAÇÕES DE TRATAMENTO DE ESGOTO MULEMBÁ E VALE ENCANTADO DA CESAN (ES)

ESTIMATION OF SLUDGE PRODUCTION AT CESAN’S MULEMBÁ AND VALE ENCAN-TADO SEWAGE WASTEWATER TREATMENT PLANTS (ESPÍRITO SANTO STATE, ES)

MARIA ALICE MORENO MARQUES*

IVAN HOTT GOMES**ULIANE BERTHOLDI BERNADINO***

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.083

RESUMOEste trabalho teve como objetivo realizar uma avaliação comparativa entre a metodologia de cál-culo de geração de lodo em Estações de Tratamento de Esgoto (ETE’s) e os dados reais de gera-ção obtidos em duas ETE’s da CESAN–ES, que operam com sistemas biológicos de tratamento diferentes. A estação de tratamento de esgoto Mulembá, situada no município de Vitória, opera com o sistema de lodos ativados por aeração prolongada, enquanto que a estação de tratamento de Vale Encantado, situada no município de Vila Velha, opera de forma intermitente utilizando o processo de reator anaeróbio de fluxo ascendente, UASB. Os cálculos de estimativa de geração foram realizados utilizando dados reais das ETE’s, bem como dados de literatura quando estes não estavam disponibilizados. Os resultados mostraram, que a estação Mulembá tem uma pro-dução mássica e volumétrica igual a 36 gSS.hab-1.d-1 e 3,6 L.hab-1.d-1, respectivamente. Já a es-tação Vale Encantado apresentou uma produção mássica e volumétrica igual a 25 gSS.hab-1.d-1 e 0,6 L.hab-1.d-1, respectivamente. O estudo evidenciou, que os tratamentos aeróbios produzem uma maior quantidade de lodo em comparação com os sistemas anaeróbios e que a metodologia de cálculo se mostra eficiente, para prever a geração de lodo, quando comparada com a faixa referenciada na literatura e com menor eficiência quando comparada aos valores reais.

Palavras-chave: Lodo de esgoto. Produção de lodo. Estação de tratamento de esgoto.

ABSTRACTThis paper presents a comparative assessment of the calculation method for sludge generation in sewage wastewater treatment plants (WWTPs) and actual generation data obtained at two of CESAN’s (ES) WWTPs using different biological treatment systems. The Mulembá sewage wastewater treatment plant – located in the city of Vitória – uses an activated sludge process with prolonged aeration, and the Vale Encantado sewage wastewater treatment plant – located in the city of Vila Velha – operates intermittently using the anaerobic process of ascending flow, UASB. The calculation of the estimated generation was performed using actual data from the WWTPs, and literature data when the former was not available. The results showed that the Mulembá plant had mass and volumetric productivities of 36 gSS.cap-1.d-1 and 3.6 L.cap-1.d-1, respectively. The Vale Encantado plant had mass and volumetric productivities of 25 gSS.cap-1.d-1 and 0.6 L.cap-1.d-1, respectively. The study showed that aerobic treatments produce larger amounts of sludge when compared to anaerobic systems. In addition, the calculation method was efficient to predict sludge generation when compared to the literature range, and less efficient when com-pared to actual data.

Keywords: Sewage sludge. Sludge production. Sewage wastewater treatment plant.

1 INTRODUÇÃO

Ao longo dos últimos anos foi possível observar um grande crescimento populacional e com isso a expansão dos centros urbanos. No entanto, esse crescimento não foi acompanhado em termos de infraestrutura, o que ocasionou uma variedade de problemas no meio ambiente, principal-mente em relação à poluição dos recursos hídricos. Nas áreas urbanas o principal agente polui-dor da água é o esgoto, que ao ser lançado no corpo hídrico sem tratamento, além de promover sua degradação, traz consigo inúmeras doenças parasitárias e infecciosas.

Segundo Costa et al. (2008, p. 2) o esgoto que sai das residências e é coletado pelas redes de saneamento é destinado à ETE, para promover o seu tratamento reduzindo os riscos de poluição * Maria Alice Moreno Marques é graduada em Química (UFMG) e Mestre em Engenharia Ambiental (UFES).** Ivan Hott Gomes é graduado em Engenharia Ambiental (FAESA).*** Uliane Bertholdi Bernadino é graduada em Engenharia Ambiental (FAESA).

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ao meio ambiente. Nesse processo é gerado um resíduo rico em matéria orgânica e nutrientes: o Lodo de Esgoto.

O termo “lodo” tem sido utilizado, para designar os subprodutos sólidos do tratamento de esgotos. Nos processos biológicos de tratamento parte da matéria orgânica é absorvida e convertida, fazendo parte da biomassa microbiana, denominada genericamente de lodo biológico ou secundário, composto principalmente de sólidos biológicos e, é por esta razão, que o lodo também é denominado de biossólido. (ANDREOLI et al. 2001, p. 13).

A produção de lodo varia, além do número de habitantes, em relação ao sistema de tratamento do esgoto adotado, que pode ser aeróbio ou anaeróbio, ou uma combinação de ambos.

Segundo Hammer (1979, p. 427) a adição de oxigênio ao esgoto bruto, por algumas horas, remove a matéria orgânica da solução pela síntese em células microbianas, pois na medida em que as bactérias metabolizam a matéria orgânica presente no esgoto elas absorvem o oxigênio e liberam gás carbônico e se multiplicam adicionando uma grande população de microrganismos ao lodo a ser biodegradado.

A biodegradação anaeróbia ocorre, na ausência de oxigênio, por microrganismos anaeróbios ou facultativos começando, a partir do momento em que o oxigênio dissolvido no esgoto já foi consumido pelos microrganismos aeróbios. (SANEPAR, 1997, p. 8)

Na Companhia Espírito Santense de Saneamento (CESAN) existem estações, que adotam dife-rentes tipos de tratamento. Os mais utilizados são os sistemas de tratamento por lodos ativados e o reator anaeróbio, Upflow Anaerobic Sludge Blanket (UASB), ou reator anaeróbico de fluxo ascendente em manta de lodo. Assim, essa pesquisa adotou como objeto de estudo as Esta-ções de Tratamento de Esgotos (ETE’s) Mulembá e Vale Encantado, que empregam um sistema aeróbio de lodos ativados e um sistema composto de um reator UASB e uma lagoa polimento respectivamente, buscando comparar através de cálculos e da literatura as diferenças encontra-das na produção de lodo de cada sistema.

Dentro desse contexto esta pesquisa objetivou quantificar a geração do lodo produzido nos dife-rentes sistemas das estações de Mulembá e Vale Encantado.

2 METODOLOGIAO presente estudo foi realizado de acordo com as seguintes etapas:

Descrição da área envolvida no estudo

Inicialmente foram feitas visitas às ETE’s, com o intuito de conhecer melhor a área de estudo e obter informações para o desenvolvimento do mesmo. A partir dessas informações foi feita a descrição da área.

2.1 Coleta de dadosOs dados e informações reais utilizados neste trabalho foram obtidos de um documento interno fornecido pela CESAN (CESAN, 2013) contendo a descrição e memorial de cálculo das esta-ções. Os dados adotados foram obtidos da literatura consultada.

2.2 Cálculo da estimativa de produção de lodo

Os cálculos da estimativa da produção de lodo foram feitos de acordo as equações citadas por Andreoli et al. (2001). Os dados de entrada foram dados reais das estações e os dados de literatura, quando estes não estavam disponibilizados. A seguir são apresentadas as equações utilizadas:

a) Carga de DQO no lodo bruto

Carga DQO (kg.d-1) = Qmédia afl (m3.d-1) x DQOafl (Kg.m-3) (1)

Onde:

Qmédia afl = Vazão média do lodo bruto afluente

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DQOafl = Concentração de DQO no lodo bruto afluente

b) Produção mássica de lodo no tanque (ST)

ST (KgSS.d-1) = Y (Kg SS.Kg DQO.-1) x Carga DQO(Kg DQO.d-1 ) (2)

Onde:

Y = coeficiente de produção de sólidos

c) Produção mássica de lodo digerido (STd)

STd (Kg SS d-1) = [(SV - SV x ESV/100) + (ST x SF%)] (3)

Onde:

SV (Kg SS d-1) = ST (Kg SS d-1) x SV%/100

ST = sólidos totais no lodo bruto (KgSS.d-1)

SV = sólidos voláteis no lodo bruto (Kg SS d-1)

ESV = percentual de sólidos voláteis removidos na digestão (%)

SV% = percentual de sólidos voláteis no lodo bruto (%)

SF% = percentual de sólidos fixos no lodo bruto (%)

d) Produção mássica de lodo adensado (STadens)

STadens (Kg SS d-1) = (Capadens (%)/100 x STd (Kg SS d-1) (4)

Onde:

Capadens = Eficiência na captura de sólidos no adensador

e) Produção mássica de lodo desidratado (STdesid)

STdesid (Kg SS d-1) = (Capdesid(%)/100 x STadens (Kg SS d-1) (5) Onde:

Capdesid = Captura de sólidos na desidratação

f) Vazão de lodo (Carga de SS (Kg SS . d-1) Vazão de lodo m-3.d-1) = (SS (%)/100 x ρ (Kg .m-3) (6)

(Onde:)

Carga de SS=Carga de sólidos secos

SS =Sólidos secos

ρ =massa específica do lodo

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Comparativo da Produção de Lodo nas ETE’s Vale Encantado e Mulembá

Para comparar a produção de lodos nas duas ETES, fez-se o cálculo dos valores per capta do lodo líquido produzido nas estações estudadas, de acordo com as equações 7 e 8.

Produção mássica per capta (g . hab-1 . d-1) = (carga produzida (g . d-1) / (No Habitantes (Hab) (7)

Produção volumétrica per capta (L . hab-1 . d-1) = (Vazão (L . d-1) / (No Habitantes (Hab) (8)

3 RESULTADOSOs resultados serão apresentados seguindo as etapas descritas na metodologia.

3.1 Descrição da área envolvida no estudo

Situada no município de Vitória, no bairro Joana D’Arc, a estação de tratamento de esgoto de Mu-lembá (figura 1), está localizada nas coordenadas cartesianas UTM 362074.9 E e 7756362.37 N. A estação opera com o sistema de lodos ativados por aeração prolongada, atendendo 51 bairros de Vitória. A estação foi ampliada em 2011 e hoje se divide em duas etapas, Mulembá I e Mulem-bá II. Para efeitos de pesquisa, foram utilizados apenas os dados da ETE Mulembá II, que opera com a maior vazão. O lodo gerado no processo de tratamento dessa estação é condicionado com polímero e desidratado por meio de centrífuga (CESAN, 2013).

Figura 1 – Visão geral da ETE Mulembá

A estação de tratamento de Vale Encantado (figura 2) localiza-se nas coordenadas cartesianas UTM 359155 E e 7747142 N, município de Vila Velha, no bairro Vale Encantado. Essa estação opera de forma intermitente utilizando o processo de reator UASB. O processo de tratamento ainda conta com uma lagoa de polimento, quatro leitos de secagem, para desidratação do lodo produzido e dois leitos para o armazenamento dos resíduos retirados do gradeamento. A vazão de entrada do efluente é medida através de uma calha Parshal e a saída por meio de um vertedor triangular e o efluente tratado é despejado por uma de tubulação emersa no córrego Carrefour (CESAN, 2013):

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Figura 2 - Visão geral da ETE Vale Encantado

4 Coleta de dados Os dados utilizados nas estimativas de produção do lodo foram obtidos com a empresa de sa-neamento CESAN. O quadro 1 apresenta os dados gerais (reais) do sistema de tratamento nas duas ETE’s.

Quadro 1 - Dados de população, vazão, concentração de DQO, massa de lodo e teor de sólidos no lodo desi-dratado produzido nas ETE’s Mulembá II e Vale Encantado

Itens Unidade ETE Mulembá II ETE Vale Encantado

População projeto Hab 141.751 6.890

População atendida Hab 73.456 1.025

Vazão de projeto L.s-1 360 9,6

Vazão média do afluente L.s-1 152,0 3,5

Concentração de DQO afluente mg.L-1 369 470

Massa do lodo produzido t. mês-1 63 1,19

Teor de sólidos do lodo desidratado % 25 40Fonte: Cesan, 2013

4.1 Cálculo da estimativa de produção de lodo a) ETE Vale EncantadoPara o cálculo da produção de lodo da Estação de Tratamento de Vale Encantado foram ado-tados valores de coeficiente de produção de sólidos (Y), massa específica do lodo digerido e desidratado (ρ), teor de sólidos no lodo do digestor (SS) e captura de sólidos na desidratação (Cap), apresentados no quadro 2. O quadro 2 apresenta ainda os valores de referência citados por Andreoli et al. (2001):

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Quadro 2: Dados de referência para lodos secundário anaeróbio e valores adotados neste estudo

Parâmetros UnidadeValor

adotado

Valor de Re-ferência (An-dreolli et al.,

2001)

Coeficiente de produção de sólidos (Y) Kg SS.(Kg DQO) -1 0,18 0,12 – 0,18

Massa específica do lodo do reator (ρ) Kg. m-3 1020 1020-1030

Teor de sólidos do lodo do digestor (SS) % 4,0 3,0 – 6,0

Massa específica do lodo desidratado (ρ) Kg. m-3 1060 1050-1080

Captura de sólidos na desidratação (Capdes) % 95 90 -98

A tabela 1 apresenta os resultados obtidos de quantificação do lodo gerado no reator UASB da ETE Vale Encantado, a partir das equações já citadas.

• Lodo Gerado do Reator UASBTabela 1: Carga de DQO, produção mássica de lodo e vazão de lodo gerado no reator

UASB da ETE Vale Encantado

Parâmetro Unidade Valor Equação

Carga DQO Kg DQO.d-1 142 Eq. 1

Produção mássica Kg DQO.d-1 26 Eq. 2

Vazão m3.d-1 0,6 Eq. 6

• Lodo desidratado

O lodo gerado na ETE Vale Encantado é desidratado por leito de secagem. A tabela 2 apresenta os resultados obtidos de estimativa de produção do lodo desidratado gerado na ETE Vale En-cantado

Tabela 2: Produção mássica e vazão do lodo desidratado gerado no reator UASB da ETE Vale Encantado

Parâmetro Unidade Valor EquaçãoProdução mássica Kg SS.d-1 24 Eq. 5

Vazão m3.d-1 0,06 Eq. 6

Após os cálculos de estimativa chegou-se a uma produção diária de 24 KgSS, que corresponde a uma produção de 720 Kg SS.mês-1 de lodo. Considerando um lodo com 40% de sólidos, temos 1800 Kg de lodo por mês. A média real é de 1190 Kg.mês-1. Essa diferença de 51% é justificável, pois se trata de uma ETE de pequeno porte e fluxo intermitente, o que interfere na precisão dos resultados médios.

b) ETE MulembáPara o cálculo da produção de lodo da ETE Mulembá alguns dados utilizados foram reais e ou-tros foram adotados da literatura. O quadro 3 apresenta os valores reais obtidos junto à CESAN:

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Quadro 3: Dados reais do sistema de Lodos ativados da ETE Mulembá

Parâmetros Unidade Valor

Eficiência na remoção de sólidos voláteis na digestão (E SV) % 30

Captura de sólidos no adensador (Cap adens) % 85

Teor de sólidos no lodo adensado por gravidade (SS adens) % 3

Captura de sólidos na desidratação por centrífuga (Cap desid) % 95

Teor de sólidos do lodo desidratado (SS desid) % 25Fonte: CESAN, 2013

O quadro 4 apresenta os valores adotados e os valores de referência citados por Andreoli et al. (2001).

Quadro 4: Dados de referência para lodos ativados e valores adotados neste estudo

Parâmetros unidadeValor

adotado

Valor de Refe-rência (Andreolli

et al. 2001)

Teor sólidos voláteis (SV%) % 65 60 -65

Massa específica do lodo bruto (ρ) kg.m-3 1002 1002

Massa específica do lodo digerido (ρ) kg.m-3 1007 1007-1020Massa específica do lodo adensado (ρ) kg.m-3 1004 1004-1010

Massa específica do lodo desidratado (ρ) kg.m-3 1050 1050-1100

Teor de sólidos do lodo bruto (ST) % 1 0,8-1,2

Teor de sólidos no lodo digerido (STd) % 2 2-3

Coeficiente de produção de sólidos (Y) Kg SS. (Kg DQO) -1 0,55 0,55

A tabela 3 apresenta os resultados obtidos de quantificação do lodo gerado na ETE Mulembá.

• Lodo gerado do reator

Tabela 3: Carga de DQO, produção mássica e vazão de lodo gerado no reator

UASB da ETE Vale Encantado

Parâmetro Unidade Valor Equação

Carga DQO Kg DQO.d-1 4847 Eq. 1

Produção mássica Kg SS d-1 2666 Eq. 2

Vazão m3.d-1 266 Eq. 6

• Lodo digerido

A tabela 4 apresenta os resultados obtidos de quantificação do lodo digerido gerado na ETE Mulembá.

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Tabela 4: Produção mássica e vazão do lodo digerido gerado no reator UASB da ETE Vale Encantado

Parâmetro Unidade Valor Equação

Produção mássica Kg SS d-1 2146 Eq. 3

Vazão m3.d-1 107 Eq. 6

• Lodo adensado

A tabela 5 apresenta os resultados obtidos de quantificação do lodo adensado gerado na ETE Mulembá:

Tabela 5: Produção mássica e vazão do lodo adensado gerado no reatorUASB da ETE Vale Encantado

Parâmetro Unidade Valor Equação

Produção mássica Kg SS d-1 1824 Eq. 4

Vazão m3.d-1 61 Eq. 6

• Lodo desidratado

A tabela 6 apresenta os resultados obtidos de quantificação do lodo desidratado gerado na ETE Mulembá, por meio de centrífuga previamente condicionado com polímero:

Tabela 6: Produção mássica e vazão do lodo desidratado gerado no reator UASB da ETE Vale Encantado

Parâmetro Unidade Valor Equação

Produção mássica Kg SS d-1 1733 Eq.5

Vazão m3.d-1 7 Eq. 6

Com base nos cálculos realizados encontrou-se uma produção média diária de 1.733 Kg SS no lodo desidratado, que corresponde a uma produção de 51.990 Kg SS.mês-1 de lodo. Consi-derando um lodo com 25% de sólidos, teremos 207.960 Kg de lodo por mês. Esse valor difere consideravelmente da produção média real, que chega a 63.000 Kg.mês-1, o que representa uma diferença de 230%, sem levar em conta a adição do polímero. Um fator que interfere na estimati-va de valores são os dados adotados em relação ao percentual de sólidos voláteis presentes no lodo antes da digestão, o coeficiente de produção de sólidos e a massa específica do lodo em cada fase do processo. Como são muitas fases o erro vai se propagando no cálculo.

5 Comparativo da Produção de Lodo nas ETEs Vale Encantado e Mulembá

A tabela 7 apresenta os resultados encontrados de produção mássica e volumétrica per capta de lodo nas ETE’s Vale Encantado e Mulembá e os valores de referência utilizados:

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Tabela 7: Produção mássica e volumétrica per capta dos lodos produzidos na ETE Vale Encantado e ETE Mulembá II

ETE Produção mássica (gSS. hab-1. d-1)

Valor de referência (Andreoli et al., 2001)

Produção volumétrica (L. hab-1. d-1)

Valor de referência (Andreoli et al., 2001)

Equação Eq.7 --- Eq.8 ---

Vale Encan-tado 25

12-18 (Andreolli et al., 2001)

7-15 (Tsutiya, 2001) 0,6

0,2-0,6 (Andreolli et al., 2001)

0,18-1,0 (Tsutiya, 2001)

Mulembá II36

40-45 (Andreolli et al., 2001)

38 - 43 (Tsutiya, 2001) 3,6

3,3-5,6 (Andreolli et al., 2001)

5,0–12,0 (Tsutiya, 2001)

A ETE Vale encantado é uma estação de pequeno porte e realiza a desidratação do lodo por leito de secagem o que gera uma torta com maior teor de sólidos (40%), que o lodo desidratado por centrífuga (25%) na ETE Mulembá. O leito de secagem, por ocupar uma área maior que a centrí-fuga, é usado quando a geração de lodo é baixa, uma vez que o processo é menos mecanizado e, portanto, tem menor custo. Entretanto, a produção mássica na ETE Mulembá é maior, uma vez que a digestão aeróbia gera um volume maior de lodo, já que a digestão aeróbia libera mais energia e com isso há um maior crescimento microbiano.

Os resultados de produção mássica e volumétrica obtidos estão próximos aos encontrados por Andreoli et al. (2001) e Tsutiya (2001). Observou-se que a produção mássica do lodo anaeróbio é menor, que a produção do lodo aeróbio nesta pesquisa e nos autores referenciados, compro-vando, que o processo de tratamento anaeróbio produz uma menor quantidade de lodo, quando comparado ao sistema de lodos ativados, que adotam a digestão aeróbia.

6 CONCLUSÕESA ETE Vale Encantado apresentou uma estimativa de produção mássica de 25 g.hab-1.d-1, en-quanto a ETE Mulembá II apresentou uma estimativa de produção de 36 g. hab-1.d-1. Quanto à produção volumétrica, os valores encontrados foram 0,6 e 3,6 L.hab-1.d-1. Esses valores estão dentro ou próximos da faixa estipulada pela literatura e quando comparados entre si comprovam, que os reatores anaeróbios produzem menos lodo que os reatores aeróbios.

A metodologia de cálculo mostrou um erro muito maior para a estação Mulembá (230%) do que para a estação Vale Encantado (51%). Isso ocorre porque Mulembá tem mais etapas de trata-mento (digestão, adensamento e desidratação), que Vale Encantado (digestão e desidratação) o que gerou maior quantidade de parâmetros adotados, propagando o erro.

Uma vez que a população atendida ainda está muito abaixo da população de projeto nas duas estações, a metodologia usada para a estimativa de lodo se mostra eficiente, para se prever a futura geração de lodo na ETE Vale Encantado, de modo a se realizar estudo de custos para o gerenciamento do mesmo. Entretanto, para a ETE Mulembá será preciso diminuir os parâmetros adotados, através de análises de densidade do lodo nas diversas etapas do tratamento, visando diminuir o erro.

7 AGRADECIMENTOSÀ CESAN pelo apoio no fornecimento de dados para a elaboração deste trabalho.

8 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANDREOLI, C.V.; VON SPERLING, M.; FERNANDES, F. Lodo de esgotos: tratamento e dispo-sição final. In: Princípios do Tratamento Biológico de Águas Residuárias. Belo Horizonte: Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental - Universidade Federal de Minas Gerais, 2001. 483 p.

CESAN. Pesquisa acadêmica: processo no 840-2013-00086. Vitória, 2013. Documento Interno.

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HAMMER, M. J. Sistemas de abastecimento de água e esgotos. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1979. 563 p.

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TSUTIYA, M. T. et al. Biossólidos na agricultura. São Paulo: SABESP, 2001. 468 p.

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LA INTEGRACIÓN CIENTÍFICA BAJO UNA CONCEPCIÓN ÉTICO-HUMANISTA

Josefina Caridad Piñón González*

Sérgio Rodrigues de Souza**

Sandro Dau***

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.084RESUMEN

El trabajo que se presenta es el resultado del desarrollo cualitativo alcanzado por la Universidad de Ciencias Pedagógicas “Enrique José Varona” en sus actividades científicas y educativas me-diante la integración científica, que tiene por esencia la voluntad política de los investigadores por aportar al perfeccionamiento educativo de la sociedad cubana y otros pueblos de América Latina que reclaman de nuestros logros, teniendo en vista la necesidad de un proyecto de desarrollo sostenible. Debruzase sobre una propuesta caracterizada por la necesidad de un mayor y más claro diálogo entre los campos de acción y actuación de las ciencias humanas, sociales, exactas e de la naturaleza como forma de preparar mejor los niños de la escuela primaria y los alumnos de pregrado, grado y posgrado para actuaren como sujetos capaces de promover la interacción y la integración del hombre con su medio ambiental, su comunidad, sus pares y, en especial, consigo mismo. Para esto trabaja con la caracterización de ética como elemento esencial en esto proceso desarrollador.

Palabras llave: Integración de las Universidades de ciencias pedagógicas. Desarrollo sosteni-ble. Integración.

ABSTRACT

The work that is presented is the result of the qualitative development reached by the University of Pedagogic Sciences “Enrique Male” José in its scientific and educational activities by means of the scientific integration that has for essence the political will of the investigators to contribute to the educational improvement of the Cuban society and other towns of Latin America that claim of our achievements, having in view the necessity of a project of sustainable development. Dedi-cating on a proposal characterized by the necessity of a bigger and clearer dialogue between the action fields and performance of the human, social, exact sciences and in the nature like way of preparing the children of the primary school and the second grade students, grade and post-grad-uation better for actuating like fellows able to promote the interaction and the man’s integration with their half environmental one, their community, their couples and, especially, I get same. For this he/she works with the ethics characterization as essential element in this I process developer. Keywords: Integration of University of Pedagogical Sciences. Sustainable Development. Inte-gration.

1 INTRODUCCIÓN

Desde el siglo XIX las ciencias muestran puntos de contactos que marcan su desarrollo. Engels, em 1982, los llamó puntos de crecimiento. Los resultados de sus interacciones logran adquirir carácter regular en el siglo XX, hasta que en el siglo XXI este movimiento integrador de las cien-cias se relaciona con el desarrollo social. La dialéctica del desarrollo del conocimiento científico, su carácter contradictorio, muestra cómo una tendencia engendra la otra, de hecho, cuanto más se desarrolla la diferenciación delas ciencias tanto más se crean las posibilidades para su inte-gración.La palabra integración tiene origen en lo término latino integratio, que tratase de la acción y efec-to de integrar o integrarse (constituir un todo, completar un todo con las partes que faltaban o hacer con que alguien o algo pase a pertenecer a un todo. Tratase de combinación de partes que trabajan aisladamente con vistas a formar un conjunto que trabaje como un todo. La integración científica, por su vez, es un proceso dinámico y multifactorial que supone que los diferentes campos del saber humano se encuentren en diferentes situaciones de desarrollo sean reunidas sub un mismo objetivo o precepto. Para eso, los envueltos en el proceso deben pro-* Doctora em Ciencias Pedagógicas; Master en Educación Avanzada, Profesora Titular, Vicerrectora de Investigación y Postgrado en la Universidad de Ciencias Pedagógicas “Enrique José Varona”. Correo electrónico: [email protected] / [email protected].** Profesor licenciado en Pedagogía y Ciencias Sociales. Aspirante de doctorado en Ciencias Pedagógicas en la Universidad de Ciencias Pedagógicas “Enrique José Varona” – La Habana (Cuba). Correo Electrónico: [email protected]. *** Pós-Dr. em Filosofia. Profesor de la FAESA-ES. Correo electrónico: [email protected].

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mover políticas e acciones que sean capaces de fomentar habilidades de autonomía personal y social, la inserción ocupacional, la educación, la ética y el moral. Para que esto venga a tornarse posible, implica siempre en el esforzo coordinado, en la planificación conjunta y na convivencia pacífica entre los sectores que confirman el grupo. Esta es la única forma donde las partes pue-den constituir un todo, sin que cualquier de las partes perca su individualidad.

En los marcos de la Gestión de la Actividad de Ciencia e Innovación Tecnológica se aprecia como el Ministerio de Educación y sus instituciones de la educación superior dan respuestas a los com-plejos problemas de práctica educativa, aunque aún no es suficiente la socialización como com-ponente de la actividad científica educacional, espacio propicio para desarrollar el intercambio, la comunicación y las relaciones sociales entre los ramos de las ciencias son elementos básicos para la integración.

No cabe duda que promover la integración entre las universidades de Ciencias Pedagógicas e otras que actúan en campos diversos de investigación responde especial y esencialmente a elevar las potencialidades y virtudes de la comunidad científica para contribuir al desarrollo de la calidad de la educación. Por tanto, podemos afirmar que la integración constituye un proceso de carácter eminentemente constructivo, que parte de reconocer las fortalezas y las debilidades para dirigir el sistema de acciones en función del desarrollo cualitativo de la educación. En este análisis no deja de ser oportuno considerar lo expresado por Brito Moreno E. (2009) al decir que “la integración pedagógica es un proceso de acción flexible y abierto, que posibilita construir y reconstruir de manera dinámica el proceso pedagógico de modo coordinado, cooperado y con-venido con cada uno de los implicados.”

A esta posibilidad de integración dicha por Brito Moreno, podemos entender que desde que hube una fragmentación del saber e, consecuentemente del concepto y da visión del género humano, que esto justificó por sí solo, la cisión entre las ciencias, cada uno de ellas, siguiendo un ramo que pasó a llamar especialidad. Pero las ciencias pedagógicas estudian el hombre cómo ser inte-gral, individual, caracterizado en tres dimensiones muy definidas, más que imbricase: La política, la económica y la social.

Tenemos que admitir que se hace necesaria la integración de las universidades de ciencias pedagógicas para solucionar situaciones más complejas, pero, para ello se requiere establecer coordinaciones de cooperación que respondan, de manera objetiva, a los principios de solidari-dad, comprensión, equidad y ética en función de la política científica y tecnológica como punto de partida para orientar la producción, introducción y generalización de conocimientos que sean y se hacen útiles a la solución de problemas. Para ello debe prevalecer la voluntad humana y profesional con fines éticos dirigida al desarrollo de la educación y formación de una consciencia crítica.

Lo gran cambio deseada de paradigmas de la nueva estructura de pensamiento curricular es que por medio de las ciencias pedagógicas las otras ciencias posan tener una visión más amplia, con preocupaciones de enjergar el individuo como un todo, como una nueva estructura agregada a otra, aún más compleja. Y esto, porque, como dejó bien claro Rodolfo Ortiz, A. (2014), la uni-versidad no forma técnicos para o trabajo o reproductores de ideologías, ella prepara hombres que, en el futuro irán preparar e formar otros hombres que, tendrán a formar otros en un infinito movimiento dialéctico.

2 DESARROLLO

El avanzo científico y tecnológico debe ser no sentido de proporcionar más conforto e seguranza a los hombres, pero no es lo que tiene sido presentado a todos. Cuanto más desarrolla las cien-cias, las técnicas, más los humanos tienen sido relegados a la condición de cosa, alguna cosa o a nada. Esto es un gran paradojo.

Y sobre esto la universidad tiene una gran responsabilidad, porque los científicos son formados bajo suya tutela. Un ejemplo son las atrocidades realizadas por los médicos de los campos de concentración durante la Segunda Guerra Mundial, que cuando confrontados frente a un tribunal de juiciamientos declaró que, meramente, cumplía órdenes. ¿Quién merece ser culpabilizado pela destruición de Hiroshima y Nagasaki (1945), el piloto del Enola Gay o lo general que dice la orden autorizando, así, su lanzamiento?

Mismo aquí hay un paradojo… se el general ordenó, en ningún momento concedió autoridad al piloto. Este no tenía poder para decidir sobre si o no… La ética militar decía que suya obligación era obedecer, in contesti. Lo desarrollo científico y tecnológico de la fizón nuclear fue un avan-zo incontestable que podría promover una mejora significativa en la condiciones de desarrollo

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social; pero su uso fue en sentido de promover la pace al precio de millares de vidas que nada tenían con la situación de guerra.

Un científico, logo después de realizar testes con una bomba de neutrones, con capacidad de destruición 300 (trescientas) veces maior que las que arrasaran las ciudades japonesas, escribió que el futuro de la humanidad estaría a, solamente, un apretar de un botón. Los autores discuer-dan… El futuro del hombre está a una decisión de un único otro hombre. En Brasil, en la década de 1970, fue llevado a efecto un gran proyecto de desarrollo de uso de energía termo-nuclear, pero bastó que hubiese rumores de que ello estaba a construir una bomba atómica para que los Estados Unidos de la América bloquease suyas propuestas de avanzo. O que podría representar economía e desarrollo a un costo mais bajo e con menor impacto ambiental fue transformado, pirante la opinión pública en más un proyecto de fracaso de lo gobierno militar.

Immanuel Kant escribió, en el siglo XVIII, que los hombres están mucho preocupados en dejar un mundo mejor para sus hijos, pero ningún padre tiene preocupación en educarlos para que puedan ser hombre mejores para el mundo. Guiándose por lo mismo camino, la Academia se es-fuerza para promover el avanzo tecnológico y científico, pero, ao hacer solamente esto, actuando de manera unilateral deniega a su alumno la oportunidad de cuestionarse en cuanto parte de un proceso que tanto podrá hacerlo hombre, o monstro, u objeto de manipulación.

En todos los aspectos que se pueda dirigir el pensamiento “en el siglo XX, el capitalismo llegó al más alto grado y la ciencia y la técnica de producción en serie realizaran tantas descubiertas e invenciones científicas que de tan valorizadas y, sobretodo, sobre valorizadas, acabaran por provocar la pérdida de la noción del hombre como ser de transcendencia. A separación que se estableció en el ser humano hice con que ello perdiese la harmonía interior e se transformase en una quimera en crises. Crises esta en todos los sentidos: social, provocada por la nueva orden establecida por la situación de producción industrial (fordismo, taylorismo) en la cual o que, real-mente, importaba era la producción. El individuo valía o quanto producía; psicológica, en recu-rrencia del nuevo foco de valorización del hombre, dejando de ser importante por suya atividade interior, para valerse pelo era capaz de producir en el plan material concreto. O sea, las situacio-nes de amistad, compañerismo, son relegadas a una condición de estado de flaqueza (…) Aliado a todo esto advén el avanzo en los medios de comunicación e en los medios de transporte, que a pesar de servir para disminuir la distancia física entre las personas, no sirvió para aumentar el grado de solidaridad entre ellas, pues, visaba apenas a aumentar al lucro inmediato e al capital” (Rodrigues de Souza, S. 2013, p. 24).

Cuando hablan los autores en paradojo, es porque aunque los avanzo en las áreas de ciencia y tecnología propagan, más miserable y aislado el hombre tiene se tornado. La descubierta de lo Clostridium penicilinum fue un gran avanzo para la medicina y para la sociedad de suya época, pero, su producción comercial, solamente, fue a efecto 17 (diecisiete) anos después, bajo un decreto presidencial. Fleming, su descubridor, abrió mano de los derechos de patente, creyendo que así sería un producto accesible a todos, porque podría ser producido a precios bajos, pero ocurrió que las industrias farmacéuticas con miedo de no ter control absoluto sobre el producto, consecuentemente, de no ter los lucros almenados, lo renegaran.

El avanzo tecnológico y científico debería ofrecer seguridad a los ciudadanos, pero no es esto que tiene ocurrido, pues, a cada vez que la ciencia avanza, más miedo el hombre tiene de ella e más inseguro se torna cuanto a su futuro e del planeta. Después de la Segunda Guerra Mundial, el hombre perdió su censo de plausibilidad y comenzó a creer que podría ignorar y excluir los elementos que estaban a su vuelta. No más el precisaría se integrar a la naturaleza, antes esta había se tornado una masa informe de argila que el modelaba a su gusto e bel placer; así, era ella quien debería integrarse a su nuevo señor.

Surge a partir de esto una percepción unilateral de sus valores, la creatura deseando a la fuerza de su propia decisión se tornar creador y en seguida, el destruidor, el profanador, porque sin la valorización del otro, sin este juzgamiento se tornó incapaz de valorizar a sí mismo como perso-na de derecho, una vez que fue privado de un modelo, un parámetro, un norte.

Bombino (2009) resalta que “el tiempo y el propio desarrollo de las nuevas concepciones y enfo-ques transforma costumbres, usos e ideas. Pero a su vez, es de vital importancia crear una cons-ciencia crítica a respecto a los valores y acciones depredadoras que hoy se expresan a escala planetaria; de aquí la importancia de conservar la memoria colectiva y proyectarla hacia el futuro, pues de lo que se trata es de re contextualizar el pasado para poder anticipar el futuro” (p. 09). Y ello continúa a explanar que “en la actualidad vivimos en un mundo que tiene capacidad para hacer que el espacio que nos acoge sea inhabitable dentro de pocos años. Pero eso, la reflexión sobre la ética ha de abarcar otra dimensión, que tenga en cuenta a quienes vendrán después de

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nosotros. Según como actuemos, podemos destruir o mejorar el mundo. Por lo tanto, debemos entender que los que aún no han nacido tienen derecho a recibir un entorno natural que pueda habitarse de manera digna” (Ibid.).

Hay que tener en cuenta que la posibilidad de un desarrollo sostenible, tendrá obligatoriamente, a originarse de un hombre sostenible, que, por su vez tenga recibido una formación sostenible, a partir de un proceso educativo sostenible. No puede ser una cosa fragmentada, pensada en un momento y hecha en otro… Todas las ciencias tienen que tender en su orden del día que está a preparar un individuo que no será solamente esto en su labor cotidiano. El neoliberalismo creó la concepción de que la universidad debe producir el “hombre toro” que sirve apenas y tão sola-mente para trabajar o reproducir ideas aleñas. Produce, así, ‘idiote savants’ sujetos poseedores de gran conocimiento e intelecto, pero, incapaces de pensar, crítica y reflexivamente, sobre sus acciones y consecuciones, ahora y en el futuro.

Por tanto, esto no es educación libertadora ni transformadora, se caracteriza como una edu-cación bancaria (FREIRE, P., 1996), donde el maestro va a depositar en las cabezas de sus alumnos una cantidad desmedida de informaciones que son, ao final, inútiles a ellos. Hernández (2009) refuerza este pensamiento hablando que “la realidad constitutiva de la persona individual, sin embargo, se reconfigura dinámicamente, en los planos de las posibilidades auto regulado-ras – auto poiéticas y de la articulación de los mecanismos psicológicos de la subjetividad como praxis, en sus dimensiones temporal y social, en su historicidad y contextualización cultural.”

3 INTEGRACIÓN DE LAS CIENCIAS Antes de pensar la integración de las ciencias, hay que pensar la integración del hombre con ellas, teniendo en cuanta que estas son medios capaces de llevar a un fin que no se encierra en sí mismo: el desarrollo científico-tecnológico. Y así, o defendemos porque una vez alcanzado o que ocurre son que nuevas puertas son abiertas, nuevas perspectivas; mas de igual forma y en la misma proporción, los cuestionamientos éticos sobre suyas posibles aplicaciones e limitacio-nes de su uso y formas.

Cuando Dolly fue creada por medio de la técnica de clonaje, el mundo científico se encantó con la posibilidad de reproducirse seres humanos, considerados superiores. Más, la instabilidad del proceso llevó el Dr. Ian Vilmut, su creador, a no seguir con la idea del proyecto y a abandonarlo. Facto semejante, para no considerarlo idéntico, ocurrió cuando, en la década de 1950, fue reali-zado, con absoluto suceso un trasplante de cabeza, o que provocó gran expectativas en aquellos que eran tetrapléjicos, pero estos son avanzos que, aunque sean, verdaderos milagros de genios hay que tener que la vida resume-se en una compleja simplicidad y es bien acá que nasce y justificase esta necesidad de integración, o sea, integrar la simples complejidad de los avanzos científico-tecnológicos a la compleja simplicidad de la vida humana. Esto es lo gran desafío de la universidad.

La propuesta soberana de la integración es equilibrar, de una manera objetiva la búsqueda cien-tífico-tecnológica, el desarrollo técnico-científico y la aplicación de todo esto na, posible, mejora de las condiciones de vivencia e convivencia social. Pero, todo esto per pasa por la formación de los individuos, y, la formación humanística de un ser humano es conditio sine qua non para que venga a ser enterado de su papel social no apenas junto a sus otros iguales cómo también como un ser responsable por el equilibrio de las otras criaturas con las cuales divide el espacio. La debida racionalización, la búsqueda por el conocimiento refinado, erudito, crítico a punto de dudar de todo el proceso que lo envuelve , esclarece, propicia avanzos es parte del proceso de una formación humanística. Pero, “(…) la división da sociedad, en que las personas ejecutan tareas delimitadas y muy específicas, hace con que desaparezca la cualidad humana del trabajo y vida. La persona no mira la situación cómo un todo, mas apenas mira la situación una pequeña parcela del general, y así fica incapaz de ají sin algún tipo de dirección general” (MILGRAN, S., 1983:28).

Por medio de esta habla puede-se verificarse determinadas condiciones impuestas por la socie-dad desde tiempos inmemoriales y sus reflejos en el individuo que a ella pertenece. Las reglas son dictadas y con ellas también los valores, que de igual forma son creados sin la menor visión de totalidad; as veces es necesario privar los humanos de todos estos valores que son imputa-dos a ellos para permitir que vayan al encuentro del conocimiento y sean capaces de quebrar los paradigmas epistemológicos que encuentran se preparados, acabados. Tornase, por tanto, un desafio hercúleo esa retirada de esto veo que representa todo un saber impuesto, dogmá-tico, para salir en búsqueda del saber crítico, cuestionador. La sociedad capitalista sub a cual vive-se, en el siglo XXI, que preconiza la alienación social, una vez que cree que solamente sub esta condición, transformando a todos en objetos de uso, consumo y manipulación y su posterior descarte, posee fuerzas para manipular todos los deseos elitistas y, así, impedir que la sociedad

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alcance el conocimiento necesario para entender y, consecuentemente, evitar las manobras ma-quiavélicas existentes en este sistema. Para Schopenhauer (2000, p. 259) “leer y escribir son cosas que cualquier individuo puede ha-cer por su propio libre arbitrio – pero, pensar, no! Lo pensar debe ser incitado como el fuego por lo viento; debe ser sustentado por algún interés en cuestión. Ese interés puede ser puramente objetivo o meramente subjetivo. O último existe en cuestiones que nos dicen respecto personal-mente. O interés objetivo se encuentra solamente en las cabezas que piensan por naturaleza, para las cuales pensar es tan natural cuanto respirar – pero, son muy raras; por esto tiene tan poco dele en la mayoría de los hombres de lo conocimiento.”

Conocimiento jamás ocurre en línea recta o en lances. Ello se forma a partir de una espiral, que va y vuelta en un círculo, o sea, sem fin. Aprendizaje é todo aquello que lo individuo aprende a partir de la experiencia, sobre si y sobre o mundo en torno, pudiendo ser producto de refina-miento formal o no. A este respecto Vygotsky L. (2000) llama la atención para el facto de que los maestros están tan, más tan preocupados con los resultados finales que acaban por olvidar que lo camino per corrido para se llegar a los resultados es el que realmente hacen la diferencia. Por actuar teniendo siempre en vista los fines, al alcanzarlos ya no se sabe más que medios nortea-ran la excelencia de la conquista.

En la escuela infantil no es diferente. Se preocupan en cuantidad absurda en enseñar a los niños a leer y escribir. Estas son tareas que cualquier ser humano puede realizar con un mínimo de esfuerzo, pero elaborar construcciones mentales superiores, desarrollar pensamientos críticos, se tornar actor político no es una tarea que se pueda hacer sin la ayuda de un tutor muy bien preparado y, nuevamente surge la obligación de la universidad con la preparación, la formación de maestros que ejerzan el magisterio infantil con vistas a preparar los niños para enfrentar las situaciones cotidianas como hombres de valor y autónomos.

Nietzsche hace una severa crítica al sistema educativo de su tiempo, más la misma permanece muy actual no que se refiere a los modos de educación que no buscan a formar el alumno em ciudadano. Para ello “la extraordinaria incerteza de todo enseño público que, para todo adulto, pasa la impresione que su único educador fuera el acaso – o cata-viento de los métodos y das intenciones educativas – se explica por el facto de que, en nuestros días, las fuerzas pedagó-gicas más antiguas y más nuevas, como una tumultuada asamblea pública, insisten antes en ser escuchadas que ser comprendidas y quieren, por medio de sus voces, a todo costo, por sus gritos que ellas existen aún o que ya existen. En este barullo insensato, los pobres profesores y educadores se sentirán desnortados, después se calaran y, finalmente, su espirito perdió lo fio y se contentan em dejar pasar todo por la cabeza de los alumnos. Ni ellos propios se educaran, ¿cómo podrían educar? No son eses troncos poderosos, repletos de ceiba, que crecerán retos: aquel que desear se apoyar en ellos deberá se curvar y se contorcer y acaba pareciendo desnor-tado y retorcido” (NIETZSCHE, F. 2007, p. 85).

Y porque hacemos críticas acá sobre las escuelas infantiles y sus métodos de trabajo es por el facto de que la formación del hombre no comienza y termina en la universidad. Ella comienza en interior de la familia y extendiese para dentro del muro de las escuelas, donde los maestros irán trabajar otros valores, ahora agregados a los conocimientos sociales, más complejos, profundi-zando las técnicas de lectura, escrita, interpretación e comprensión de situaciones problemáticas que son colocadas para el género humano en su convivencia con los otros, que, también son sujetos de derecho. E además, el maestro es la única persona con la cual el niño irá formar un vínculo afectivo, real y profundo, después de sus padres. Algunos, solamente en la escuela, en las figuras de los maestros irán encontrar este tipo de aproximación. Logo, no estamos a hablar sobre la formación técnica de un licenciado, sino de una preparación para actuar como sujeto capaz de provocar mudanzas intrínsecas en sus pupilos y tutorados.

De igual forma, el agrónomo, el veterinario en su lucha para producción de géneros de primer necesidad debe tener en cuenta que personas irán consumir productos oriundos de sus técnicas de manejo, por tanto, hay que tener precauciones, medios que no provoque alteraciones en me-dio ambiente o que o haza en pequeña escala cuando no posible que o evite y que el producto pueda ser consumido sin riesgos por la población. Para esto hay dominar mucho más além da técnica a capacidad para pensar responsablemente, éticamente y sosteniblemente. Cuando ocurre esta preocupación con la formación del niño, con su preparación para vivir en un mundo complejo, a saber que tiene que dividir su espacio físico e intelectual, epistémico y laboral con otras personas além de sus padres, provoca en ello una percepción de que su mundo estás preso a limitaciones, que sus acciones pueden o integrarlo o excluirlo de este grupo.

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¿E adonde entra la integración de la universidad pedagógica con las sociales aplicadas, con las ciencias humanas y exactas y de la naturaleza? Es aquí, en centros e institutos superiores de enseñanza que son preparados y formados, por medio do recibimiento de informaciones útiles; que hombres son dotados del derecho de dirigir, lesionar, actuar como profesionales liberales, agentes sociales.

Hay quien opina que la integración es un fenómeno complejo, sin definición univoca, que se pro-duce como consecuencia de la adaptación a las respuestas del individuo según los requerimien-tos del medio y de la interacción entre ambos; otros consideran que es un proceso dinámico y a la vez, producto o resultado de este proceso. Ambas son interpretaciones, por demás, simplistas. La primera dice que es una situación producida pelos deseos o por la necesidad de los sujetos envueltos, la segunda dice que es producto del ocaso. Pero, ambas eliminan de esto proceso la situación de intencionalidad.

Cuando ocurrió la fragmentación, la desintegración de los saberes hube una intención, una pro-puesta intencional, camuflada sub un discurso que a su tiempo necesitaba de esto como forma de manutención del poder y da exploración de los hombres y de los recursos naturales. Pero ahora hay hacer un camino inverso, donde lo aislamiento de las ciencias llevaran a los científicos a no tiñeren una propuesta que sea compatible con las exigencias de las sociedades modernas y la manutención de la vida en espacio ambiental.

Los procesos de globalización probaran que las economías desarrolladas continuarían a mante-ner sus monopolios, sus definiciones sobre aquello que es bueno y mal a los otros y esto provocó la creación de verdaderas aldeas individuales, protegidas en su esencia contra los peligros que fue presentada por la propuesta. El Protocolo de Kyoto no fue aún asignado por Estados Unidos, porque esto provocaría reducción en su avanzo económico. De esto preguntamos: ¿Qué valores trabajar con los alumnos de un país como este, adonde los intereses propios están sobre todo y cualquier cosa que no los interese? ¡¿Dónde los fines justifican los medios?!

¡Por tanto, al pensarse en integración hay que pensar antes que tipo de intención tiñese con esto! Porque ella no ocurrirá a partir de un simples ocaso, una revelación oracular… Nacerá, a partir de un interés conjunto en firmar o avanzo científico-tecnológico agregando a ello mejores condiciones de vivencia personal (individual) y comunitaria (social).

En el Diccionario Ilustrado de la Lengua Española “ARISTO” integrar es dar integralidad a una determinada cosa, componer un todo con sus partes integrantes; algunos autores prefieren de-nominarlo como asimilación, para referirse a la adaptación de los individuos a una determinada jerarquía de forma social. Lo cierto es que si se estudia las partes, hay que buscar la manera de transparentar el todo a través de esta, condición que propone la teoría de la complejidad, como parte del estatuto para la ciencia en la nueva era del conocimiento.

Esto es lo principio de Blaise Pascal, que defendía que se debe conocer el todo para conocer las partes y conocer a estas para tener una idea del todo, pero, “el todo es mayor que la soma de las partes” (ARISTÓTELES [384 a.C. – 322 a.C.], 2007). Ello está a combatir, ya en su tiempo, la estructura fragmentaria del saber, de manera que el concepto de saber está, estrechamente, relacionado con el de integración, de tal suerte que la presencia de cierta totalidad supone el acto integrativo del singular y del múltiple. Es pertinente aclarar la relación de totalidad pedagógica e integración. Se entiende por totalidad pedagógica al objeto, sistema o proceso, visto como sínte-sis dialéctica y didáctica de componentes, cuya cualidad es afectada por influjos, nexos y víncu-los – endógenos o exógenos – que determinan su existencia y en específico por integración, el proceso mediante el cual las partes, componentes rasgos, aspectos, entre otros se relacionan en una totalidad mayor, fusionándose, sintetizándose en una nueva cualidad diferente a las partes aisladas, separadas, pero contiene elementos de ellas, refleja en estas. Debe quedar claro que entre lo externo y lo interno, o sea, entre lo visible y o invisible, lo sensible y lo insensible existe una mutua dependencia, esto es, las causas externas ocurren y actúan a través de las condicio-nes internas. Estas causas son producto de interés propio y necesidad de las partes, o sea, el todo se forma por la síntesis de las partes y no por simple unión o agregación. 4 LA ÉTICA COMO MEDIO DE INTEGRACIÓN ENTRE LAS CIENCIAS PEDAGÓGICAS La integración en la esfera de la investigación científica tecnológica es un concepto más abar-cador, que no trata solo el caso de la cooperación, del intercambio de resultados científicos, de la colaboración de una misma rama, o la utilización en común, por diferentes instituciones, de recursos materiales entre otros, sino una nueva perspectiva del sistema de ciencia, tecnología y desarrollo, que implica sobre todo, o sea, falta la comprensión de la necesidad de una inte-rrelación a un nivel más amplio de todas las ramas del saber científico, con vistas a esa visión totalizadora de la sociedad y de las vías para se alcanzar un progreso multilateral.

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Para logar esto desarrollo de integración científica planteado por nuestro comandante en jefe, se requiere de una organización de las formas de pensar y de actuar quebrado el aislamiento y par-celación que en ocasiones existe entre las propias instituciones de la Educación Superior. Y no solamente entre ellas, entre las ciencias también; aquellas que debruzan sobre las Exactas y de la naturaleza no dedican valor a aquellas que buscan a las humanidades. Por tanto, los procesos de integración deben considerar las posibilidades de interconexiones entre los resultados cien-tíficos para su posterior introducción y generalización en la práctica educativa, creando nuevos paradigmas que permitan nuevas formas enseñanza e aprendizaje, porque el objetivo principal es la formación del alumno (de pregrado, grado y posgrado).

¿Y porque o albo final de todo es el alumno? La respuesta es que es ello que irá trabajar direc-tamente con la sociedad, con otros hombres y en la aplicación de las tecnologías existentes y na contribución para producción de nuevos avanzos de esto todo. Ello es lo verdadero extensionista de las propuestas y del pensamiento de la universidad. Así cuanto más la integración de los sa-beres y de las universidades hace posibles los elementos ligados a la ética y ao desarrollo sos-tenible, más fuerte se torna la sociedad, porque sus ciudadanos son hombres preparados para vivir en comunidad, en sociedad. Y, “la palabra sostenibilidad que actualmente viene utilizándose insistentemente, deriva de sostener que significa esmantener. Em términos medio ambientales alude a la conservación del hábitat y al mantenimiento de la biodiversidad. Todo ello surge como respuesta a La degradación medioambiental que se produce a consecuencia de la sobrepro-ducción y contaminación. La tesis que mantiene la filosofía del desarrollo sostenible se basan el hecho de que debe hacerse compatible el satisfacer las necesidades de las generaciones pre-sentes y futuras. Para ello hay que limitar la exploración de los recursos naturales mediante uma eficiente gestión de los mismos. La búsqueda de métodos alternativos que preserve los recursos naturales, se ha convertido em una necesidad urgente” (AZCÓN, 1999:315).

Para se efectivar el comportamiento ético en largo plazo en las organizaciones de investigación, enseñanza, serían necesarios tres elementos combinados: el hombre, la cultura y sus preceptos y las oportunidades técnicas ligadas a la determinada cultura, en particular. Esto porque es im-posible desvincular el género humano de su proceso histórico cultural, siendo lo primero porque se vive en la era de la lengua escrita, o sea, la comunicación no dase más por medios orales, apenas; segundo porque es necesario preparar el sujeto para la vida social, laboral, científica y técnica, una vez que ningún hombre nace educado y/o si educa en el vacío; tercero porque la educación solamente se efectiva cuando cuñada por el ejemplo de aquellos que educan, haya visto que “la técnica ya no aparece como una posibilidad de vida humana más auténtica. Más, como un peligro para ella, un poder que nos pesa demasiadamente sobre los hombros y des-humaniza (transforma en cosa), que pone, inclusive, en grave riesgo la sobrevivencia física de la humanidad y de gran parte de la vida sobre el planeta, cuando no toda ella” (PARÍS, 2004, p. 157).

De esto, puede entenderse que la promoción del hombre a la condición de zoon politikon, zoon logon echon en la concepción aristotélica es una tarea que implica asumir responsabilidades con la generación esta que decidirá sobre los rumos de la vida en el futuro. Retomando las palabras de Immanuel Kant, a preocupación de un educador y, aquí, consecuentemente de las universi-dades de ciencias pedagógicas no deben ser con quien es culpado por el fracaso na preparación de los niños, de los estudiantes en todos los niveles, sino es trabajar para que los otros puedan integrar los saberes por ella producido y por ellos divulgados, promoviendo así, el nacimiento de una integración ética. Siendo así, el papel de la ética no es el de impedir el desarrollo científico y tecnológico. Es ayu-dar a conducirlos en el sentido de que pueda promover avanzos sostenibles. Muchos científicos dicen que no fose por la ética el desarrollo de las ciencias y de la tecnología estarían mucho más adelante. Dicen así que ella impide los avanzos en estos campos. Esto es más una acusación precipitada y desproveída de fundamentos lógicos, que en su lugar debería ocurrir argumenta-ciones más profundizadas sobre su función como ramo de las ciencias humanas e sociales.

Etimológicamente, la palabra ética (ethos) es una transliteración de dos vocablos griegos: ηθοζ que significa morada del hombre, morada del animal: toca, caverna, ηθοζ que da el sentido de abrigo protector; el hombre encuentra un estilo de vida y de acción en el espacio del mundo. Acostumbrase con morada, permitiendo, así, el nacimiento del costumbre, más, esta morada es pasible de perfectibilidad, de perfeccionamiento. El otro vocablo εθοζ (ethos) significa comporta-miento que resulta de un repetir los mismos actos – una constante que manifiesta el costumbre, el acto del indivíduo – tiene se así el hábito. Tanto costumbres cuanto hábito son construidos (SOUZA, 2012).

Estos dos vocablos nos llevan a percibir que el espacio ético humano se instaura en la reina

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da contingencia (esto es, en aquello que puede ser necesario o en aquello libre e imprevisible, porque se da dentro de posibilidades y probabilidades); en cuanto que, la naturaleza está en el dominio de la necesidad, porque ella es necesidad dada, siempre a la sucesión del mismo. Por tanto, la ética puede ser definida como la reflexión acerca de los valores y criterios que deter-minan la escoja de una conducta considerada correcta. Al escoger una conducta que puede ser considerada la mejor, es papel de la ética clarear los valores que determina esta escoja. Siendo así, la finalidad de la escoja ética es promover el bien común, lo que puede ser resumido en tres albos: no perjudicar ninguna persona, no dejar que ninguna persona o perjudique y no se perju-dicar (SOUZA, 2012). De esta forma, la integración de las universidades de ciencias pedagógicas con las otras áreas del saber humano, científico y tecnológico, deben tomar en cuenta procesos como:

El intercambio científico: hacia dentro y hacia fuera de la universidad teniendo lugar la eleva-ción de su calidad intrínseca, al mismo tiempo que se abre al entorno, a la satisfacción de sus necesidades y la búsqueda de nuevas experiencias para su ulterior desarrollo. Rojas Arce, C. y Piñón González, J. (2008) afirman que “el intercambio científico es el proceso mediante el cual tiene lugar la influencia científica recíproca de la universidad y su entorno conducente al mejora-miento acelerado de la practica social, en general y de la ciencia en particular.”Para que esto se torne acción efectiva debe buscar ajustar los resultados a un contesto determi-nado, buscando evitar repeticiones de un objeto de estudio por diferentes por medio de un diá-logo abierto, ético donde se establezcan compromisos de trabajo que resulten beneficiosos para el mejoramiento de la práctica social, incluido el propio desarrollo de la ciencia, como expresión este último del resultado más elevado que debemos aspirar del proceso de la integración.

La cooperación: dirigida a establecer un trabajo científico coordinado entre los investigadores cuya tendencia no sea modificar el trabajo científico individual sino potenciar el carácter socia-lizador y colectivo, encaminado a encontrar alternativas que faciliten el cambio o perfecciona-miento del objeto investigado. No se trata de realizar una revisión de conceptos y contenidos de estudio, si bien es necesario encontrar nexos y relaciones lo más importante es lograr el cambio de mentalidad de los sujetos implicados con la responsabilidad de aportar ao desarrollo educati-vo. El objetivo constante de la cooperación es el beneficio mutuo en las interrelaciones humanas.

La colaboración: regida por el compromiso individual y colectivo de resolver, eficazmente, los problemas educativos y trazar estrategias pedagógicas conjuntas que respondan a las nuevas realidades surgidas de las contradicciones de la práctica educativa.

Aquí, por contradicciones puede entenderse los desafíos que están ligados directamente al de-safío de la enseñanza, los cuales Freud (1856 – 1938) atribuyó a ella el termo de profesión im-posible, no en el sentido de ser imposible realizarla; es que el maestro vive sin condiciones de mensurar el grado real de aprendizaje de su alumno. Una de estas contradicciones es que en las ciencias humanas siempre hay que trabajar con posibilidades y jamás con valores cuantitativos. Aún que los psicólogos behavioristas tendrán a quedarse pela idea fantasiosa de que el com-portamiento humano pueda ser modificado, mecánicamente, esto es tão imprevisible quanto la meteorología o la astrología.

Pero, como cualquier contradicción su posible solución debe transitar por un proceso de bús-queda científica, esencialmente de carácter participativo donde todos los miembros de la comu-nidad universitaria y de obras afines a la misión educativa, aporten alternativas para vencer los obstáculos de naturaleza objetiva e subjetiva que puedan limitar el trabajo científico. Por tanto, la solución de esta contradicción es un momento esencial en el proceso de elaboración de los planes estratégicos de desarrollo social, tanto para la adecuada proyección de trabajo científico, como para el apoyo a la realización de los restantes procesos universitarios y el logro de las metas que se propongan.

O sea, promover la integración de las universidades de ciencias pedagógicas y por su vez de los ramos de las ciencias investigativas, con fines de proporcionar un desarrollo sostenible es “[…] defender a la propia humanidad amenazada por hecatombes bélicas, agotamiento de recursos, deterioro irreversible del medio ambiente, la violencia más macabra y diversa, la intolerancia, el individualismo y la ferocidad anti solidaria” (GRACEL, 1999:55).

Partiendo de esta defensa tiene que la ética y la ciudadanía son, en la actualidad, imperativos de conciencia, deberes y derechos públicos subjetivos de naturaleza social. Es ter en cuenta o que ocurre en este mundo, cada vez más globalizado, más cruel y aún más distante de su matriz: los ciudadanos. Cada vez más ellos se sienten desamparados y entregues a su propia surte o al su azar y, no raro, como consecuencia de esto, al desespero. Por esto, es necesario memorar a

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quién frecuentemente olvida, de que todos tenemos una función a desempeñar; que toda la fun-ción, por más simple que posa parecer o sea, es necesaria para formar el conjunto de la vivencia e convivencia humana. Se unos son políticos y desempeñan funciones a este nivel es porque otros tienen cualidades de electores e os eligen. Sin la cualidad de unos, automáticamente, no existiría la cualidad de los otros. Y sin la universidad no existiría la diversidad de pensamientos e búsqueda científica y tecnológica que hoy se contempla.

5 CONCLUSIONESLa integración que se piensa para las universidades de ciencias pedagógicas a otras ciencias humanas, sociales, exactas y de la naturaleza se basa en asumir un pensamiento que no separe el significado de su sentido y/o valor estimulando el ejercicio original, las acciones de desarrollo y el crecente valor social. Trabajar en equipo exige la búsqueda multilateral de posiciones teórico-prácticas, tener cono-cimiento interdisciplinario y asumir posturas críticas y no dogmáticas con respecto al objeto de investigación y su aplicación. Como se aprecia, es importante la visión integral de las ciencias y de los hombres de ciencias y, para que esto se configure como una posibilidad real y no hipoté-tica, es necesario tener presente:

• Los valores (responsabilidad de los participantes, prestigio profesional, compromiso ins-titucional, individual y social, entre otros);

• El desarrollo del pensamiento complejo/crítico, con visión de cambio, de perfeccionar el objeto de investigación;

• La capacidad para elección de teoría(s) apropiada(s), con el fin de que convierta(an) en herramientas de trabajo para una mejor acción o transformación práctica;

• Voluntad de cambio que derive la actualización permanente de los participantes.

Para que todo esto, sea posible hay que crear una perfecta sistematización de los aportes teóri-cos-prácticos, como vía de integración de las experiencias para volver a la práctica con resulta-dos, cualitativamente, superiores y debidamente integrados a las reales necesidades sociales. Pues, la sistematización – en tanto proceso de reflexión y análisis crítico de las experiencias en manos de suas propios actores – permite descubrir, a partir de la identificación de los aciertos y errores de las investigaciones y de los participantes, los elementos clave que influyen en la ob-tención de determinados resultados. Por tanto, no se trata de medir consecuencias y logros para recomendar modificaciones y proponer mejoras, la sistematización se interesa en “recuperar” las experiencias vividas para analizarlas e interpretarlas, crítica y ordenadamente, con el fin de extraer aprendizajes que permitan mejorar la práctica investigativa y de extensión universitaria. Por tanto, se concluye después de todo lo expuesto que la integración científica permite partici-par de los resultados con el compromiso de generar nuevos saberes, en función del crecimiento profesional de los implicados y de las transformaciones educativas que se generan de las inves-tigaciones en diferentes áreas del saber humano y más, la actividad científica educacional en las universidades de ciencias pedagógicas constituye hoy, como nunca antes, un compromiso esen-cial de cualquier estrategia de desarrollo que se proponga para estas instituciones, siempre que en su concepción se logre conjugar de manera armónica las exigencias que traza la integración científica en el quehacer educativo, condición esencial para poder alcanzar un mayor protagonis-mo en el mejoramiento educativo y el desarrollo de las ciencias de la educación.

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O HOLOCAUSTO E AS MUITAS FACES DA CONCEPÇÃO HUMANA DE EXCLUSÃO COMO ELEMENTO DE PRESERVAÇÃO DE UMA RAÇA

THE HOLOCAUST AND THE MANY FACES OF HUMAN DESIG OF A RACE BECAUSE OF CONSERVATION ELEMENT

SAYURY SILVA OTONI*

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.086

RESUMOA concepção de exclusão como elemento de preservação racial não é obra exclusivamente na-zista. O conceito de vida útil/inútil está presente na história da humanidade e em nome de falsas premissas muitos foram mortos. O presente estudo é um alerta, para que o processo civilizador parta de um movimento de inclusão social e aceitação das diferenças.

Palavras-chave: Holocausto. Eugenia. Engenharia social.

ABSTRACTThe conception of exclusion and racial preservation element is not only a nazi work. The concept of useful or useless life is present in human history and in The name of efficiency, from false premises, many people were killed. This study is a warning in order to ensure that the civilizing process starts from a social inclusion movement and acceptance of differences.

Keywords: Holocaust. Eugenics. Social engineering.

1 INTRODUÇÃOO presente trabalho é o resultado de um estudo sobre o movimento de eugenia, além do viven-ciado na Alemanha, que culminou no holocausto.

A perspectiva da pesquisa é a ótica, de que sempre existiu, por vezes de forma latente, na socie-dade humana, a concepção de exclusão, como elemento de preservação racial, ou minimamente a ideia pré-concebida da inferioridade do “outro”, o não igual.

Esparta, Roma, outras tribos e nações praticaram o eugenismo, cada qual com a justificativa plausível, dado o momento histórico, para preservação de sua raça. Em Esparta, por exemplo, os filhos que apresentavam deficiência incapacitante ao combate eram sumariamente descarta-dos.

O holocausto, sem dúvida, versa sobre eugenismo estatal e isso é mais assombroso, porque alcança proporções muito maiores do que a prática de exclusão individual e pontual. O holo-causto revelou a incerteza do destino da humanidade, a imprecisão da evolução do homem e a possibilidade da “coisificação” do outro. Mas o Holocausto não foi um evento isolado, fruto de uma mente desvairada. Ele é o resultado da omissão do homem em relação aos seus pares, do coletivismo febril, da desimportância atribuída ao semelhante; de um conceito de valor, de vida útil, impregnado do pragmatismo que a vida impõe. É o extremo de um conceito internacional, que em cada nação ganhou contorno próprio e encontrou na Alemanha um terreno fértil e aliado à política expansionista, se fez mais contundente, eliminando, internamente o inimigo, enquanto muitos Estados alijavam para além de suas fronteiras o estranho declarado. Cumpre esclarecer que cada inimigo eleito foi tratado, de forma diferente, pela Alemanha Nazista. O alienígena era mantido além-fronteira, ou seja, sequer chegava a fazer parte de um grupo a ser alijado.

Ou seja, a prática da eugenia não foi uma exclusividade alemã e nem cessou com o término da Segunda Guerra. Bauman (1998, p. 90) deixa claro que nenhuma das condições, que tornaram Aushwitz possível realmente desapareceu.

Ousamos priorizar, neste ensaio, outros movimentos de exclusão, que, ainda hoje, contaminam a sociedade. É um alerta. Um pedido de socorro.

2 A EUGENIADesde a antiga Grécia, com seus padrões excepcionais de beleza, que o homem se propõe a

*Coordenadora e Professora do Curso de Direito da FAESA. Advogada. Mestre em Direito pela Universidade Gama Filho. Graduada em Direito pela Universidade Federal do ES. Email: [email protected]

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alcançar a perfeição da raça. Os exércitos de Esparta proclamavam a virtude e a força, desde o séc. VIII A. C. Nesta defesa, recém-nascidos eram lançados do monte Targeto, quando elimi-nados por um conselho de anciãos, por anomalia física, mental ou por falta de robustez, como registra Diwan (2007, p. 1). Ensinam Cortés e Salgado (2011, p. 190) que vários projetos sociais neste sentido foram desenvolvidos pela humanidade. Os elementos comuns a estes projetos são: a ideia de que é possível aperfeiçoar o ser humano; a existência de seres subumanos, que não são, verdadeiramente, pessoas; a ideia de perfeição tanto biológica como psicológica como progresso social. Segundo Beviláqua (1956, p. 14), em Platão já encontramos a defesa do aborto eugênico e a pureza da raça humana, assim como em Aristóteles.

Segundo Souza (2007, p. 518), a eugenia é um movimento de ideia mundial, dentro de cada contexto nacional. Esta análise será feita adiante.

O termo eugenia - bem nascer - foi adotado por Galton (1883, apud CORTES; SALGADO, p. 1), ao se apropriar das concepções de Darwin, no desenvolvimento de uma nova ciência. Cortés e Salgado afirmam, que Galton (1883, apud CORTES; SALGADO, p. 1) se aproveitou do momen-to histórico, para introduzir, no início do século XX, sua campanha em favor da Eugenia como “política de Estado” (CORTES; SALGADO, p. 190). Segundo Galton (1883, apud CORTES; SAL-GADO, p. 1), a base da eugenia dita positiva é o casamento entre bem-dotados biologicamente aliado a uma reprodução consciente de casais saudáveis. Para o cientista, homens distintos pro-vinham de famílias igualmente distintas. A eugenia negativa, por sua vez, tinha como premissas, que a inferioridade é hereditária e que as armas de combate são a esterilização, a segregação, as licenças para o casamento, devidamente controladas e leis de imigração restritiva.

A obra Hereditary Talent and Character, publicada por Francis Galton em 1865, chama a atenção pelo conjunto de crenças como as citadas. Palavras do cientista: “All I can show is that talent and peculiarities of character are found in the children, when they have existed in either of the parents, to an extend beyond all question greater than in the children of ordinary persons.”**

O autor (GALTON, 1865) acreditava que, quando o filho de um homem brilhante era medíocre, a influência era do outro genitor.

Neste sentido, a proibição da miscigenação da raça era imperativa, com o propósito de evitar a “degeneração” da população reconhecida como homogênea.

A definição do “outro”, do ser inferior, do evitável, é particularmente importante para um movi-mento de controle de raça liderado pelo Estado. Rafecas (2005) esclarece, que:

se trata de una condición necesaria de funcionamiento de todo modelo autoritário de poder estatal: definir claramente al “outro”, aislar a un sector de la población definiéndola como enemiga del sistema de poder imperante, más allá del motivo que impulsa dicha segregación, aunque suele ser la agitación de estandartes vinculados con el odio racial, religioso o político.

A premissa da desvalorização de um segmento da sociedade, em ato segregatório, permite o isolamento necessário para promoção do ódio entre raças.

3 EUGENIA: ALÉM DA ALEMANHAConforme Souza, enquanto nos países anglo-saxônicos vigorou a concepção mendeliana de genética, os eugenistas latino-americanos trabalharam com as noções neolamerckianas de he-reditariedade (transmissão dos caracteres adquiridos), em eugenia preventiva (SOUZA, 2007, p. 516).

Diwan (2007, p. 2) ressalta que os Estados Unidos da América implementaram “o mais bem su-cedido e organizado plano de eugenização da história, vigente até os dias de hoje”. O argumento da autora pode ser comprovado pelos seguintes fatos, que elenca, por pesquisa histórica: Desde 1875, os Estados Unidos adotaram uma política restritiva à imigração. Inicialmente, a restrição se aplicava a estrangeiros indesejáveis, como prostitutas; no ano de 1882, foram incluídos os lunáticos e os idiotas; em 1903, epiléticos e insanos; em 1907, imbecis e débeis mentais.

Acrescente-se ainda que em 1905, o geneticista Charles Davenport criou, nos Estados Unidos, O Eugenics Record Office; Em 1907, o estado de Indiana aprovou a primeira Lei de Esterilização Americana, que perdurou até a década de setenta, com registros de esterilização de mais de cinquenta mil pessoas até 1949; Em 1924, entrou em vigor a Reed Immigration Restriction (Lei de Imigração Jonson-Logge) através do Act of 1924, instituindo a restrição à imigração e término da política open-door nos Estados Unidos, para impedir o “suicídio da raça” e permitir o processo ** Tradução nossa: Tudo que posso demonstrar é que talento e peculiaridades de caráter são encontrados em crian-ças, quando existentes em algum dos pais, em maior proporção do que em crianças de pessoas comuns.

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de purificação racial (DIWAN, 2007, p. 2).

Cortés e Salgado (2011, p. 192) anotam ainda que o estado de Indiana adotou a medida tripartite (1905): proibição do matrimônio de deficientes mentais e alcoólicos habituais; requerimento de certificado de saúde de todas as pessoas, que passassem por internação em instituição de saú-de mental; declaração pela invalidade dos matrimônios contraídos por essas pessoas, em outros estados. Essas medidas foram levadas para os demais estados federados.

A Lei Alemã de 1933, inclusive, foi inspirada na legislação Californiana, pré-existente. Ásia, China e Japão, por sua vez, adotaram práticas para aperfeiçoamento da raça. No Japão, no período Meiji (1868-1912) foi instituído o Programa para Produção de Futuros Samurais; em 1948, no Japão, entrou em vigor a Eugenic Protection Law, para evitar a reprodução dos indesejados. A China, por sua vez, a partir de 1995, adotou os exames pré-nupciais para controle de doenças, sob o princípio de que “para o chinês, conceber uma criança com qualquer tipo de deficiência, significa uma falha moral de seus pais.” (CORTÉS; SALGADO, 2011, p. 192).

Na América Latina o cenário não é diferente. O médico Victor Delfino, representante do movi-mento eugenista na Argentina, em 1918, fundou a Sociedade Argentina de Eugenesia. A Argen-tina realizou o denominado “branqueamento racial”, única experiência neste sentido na América Latina. O México, na década de trinta, praticou o que chamamos de eugenia negativa: a política de imigração restritiva, com exaltação do mestiço em detrimento da raça negra, que, assim en-tendiam, deveria ser eliminada. No Brasil, o médico Renato Kelul criou a Fundação Sociedade Eugênica, em São Paulo, no ano de 1918. Segundo Cortés e Salgado (2011, p. 193), o Brasil foi o primeiro país latino-americano a ter um movimento eugenésico relevante. O projeto brasileiro sofreu entraves, por divergências internas do grupo fundador, o que culminou na adoção do eugenismo negativo, com a lei de restrição à imigração (de caráter mais político do que racial); por essa lei, asiáticos e judeus foram considerados não assimiláveis. A legislação vigorou, cons-titucionalmente em 1934, e foi retirada da Constituição em 1937 (CORTÉS; SALGADO, 2011, p. 193), que, por sua vez, já tinha definido outro inimigo: os comunistas. A opção fica clara à leitura do Preâmbulo Constitucional. No mesmo sentido, na Alemanha nazista, aos judeus foram asso-ciados os males e as indesejáveis ideologias, como registra Rafecas (2005).

Cortés e Salgado (2011, p. 191), no mesmo sentido, afirmam que a eugenesia negativa limitava os direitos reprodutivos individuais, usando a segregação sexual e racial, além da restrição à imigração, e confirmam que a prática foi adotada no Brasil, México, Estados Unidos e também na Alemanha.

Bauman (1998, p. 90) faz, em breve referência, o registro de que o alienígena não foi a preocu-pação primária da política racista alemã. Na realidade, ao estrangeiro bastava a aplicação de velhas políticas de vigilância de fronteiras.

Cortés e Salgado (2011, p. 191) apontam, ainda, uma questão econômico-social de absoluta re-levância para o entendimento da tolerância omissiva das populações dos países, que adotaram a política eugênica. A citação é imprescindível:

En todos los países en los que durante el siglo XX se llevó a cabo um movimento euge-nésico apoyado por el gobierno, se desarrolaba un proceso histórico común: acelerada industrialización, urbanizacioan y inmigración; três características que provocaran la in-conformidad de las clases medias, pues veían en los inmigrantes extranjeros y los campe-sinos pobres que migraban también a las ciudades una amenaza para el orden social. Por lo tanto, al encontrar en la eugenesia una alternativa científica y biológica para resolver estos problemas, dieron su apoyo a los pequeños grupos de elite que introdujeron y lide-raron, sobre todo al inicio, los movimentos eugenésicos en sus países.

A conjuntura econômica é campo que pode favorecer à alienação da população envolvida no proceso de eugenia, uma vez que projeta nos “excluídos” a culpa pelos males sociais.

4 A ENGENHARIA SOCIAL: VIDAS ÚTEIS E VIDAS INÚTEISDesde a antiguidade, o homem ousou classificar a vida do outro segundo critérios sociais vi-gentes à época, como vida útil, portanto digna de ser vivida, e vida inútil, ou onerosa, e por isso indigna de ser vivida.

Em Esparta, o descarte de recém-nascidos considerados frágeis, dentro de um contexto de pre-paração de bravos guerreiros, era assim justificado. A preparação do varão Espartano chama atenção pela dureza e espírito de subserviência ao Estado imposto aos pupilos. O modelo de administração da cidade-estado grega lembra, em muito, a aplicação de princípios de adminis-tração utilizados na Alemanha Nazista. O infanticídio foi recomendado, pela primeira vez, na obra A República (Platão), como ensina Vieira (1999, p. 56). O pátrio poder, em Roma, atribuía ao

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pater, de igual forma, a seleção de seus filhos. Esse poder só encontrou barreira com o advento do cristianismo e a piedade paternal. Vieira esclarece que tribos e nações eliminavam seus de-ficientes, a fim de impedir que eles se tornassem um peso para si mesmos e para a sociedade (VIEIRA, 1999, p. 56).

Binding, jurista penal citado por Rafecas (2005), em 1906, em monografia, defendeu a elimi-nação física de retardados mentais pela impossibilidade, de que os mesmos pudessem dispor livremente de suas vidas. Segundo o jurista, o Estado deveria libertar tais deficientes de “tanto sofrimento”, por serem pessoas desprovidas de valor vital.

Antes da eutanásia, porém, e como medida preventiva, muitos países adotaram a esterilização como prática, a fim de proteger a sociedade de toda gama de deformidades consideradas trans-missíveis por herança, como se acreditava à época, serem a tendência para o crime, o retardo mental e a idiotia. Este movimento foi liderado pela Inglaterra e pelos Estados Unidos, como também registram Cortés e Salgado (2011, p. 193).

A Suécia, em 1757, adotou uma lei, que proibia o casamento com pessoas epiléticas, com base em critério de eugenia.

Bauman (1998, p. 90), ao analisar a sociedade nazista, por sua vez, concluiu, que o projeto de-senhado pelos idealizadores da denominada “sociedade perfeita” consistia em base, na divisão das vidas humanas em úteis e inúteis. A vida útil era aquela merecedora de espaço (vital) e a vida inútil, por consequência, deveria ser afastada. A impossibilidade do afastamento poderia justificar a exterminação, como vimos na Solução Final.

O mesmo autor faz uma observação de como o racismo tomou uma dimensão crescente, até cul-minar na eutanásia propriamente dita. Primeiramente, a ideologia é utilizada com a justificativa de proteção da raça, prevenindo-se a geração de descendentes vulneráveis. Assim, o racismo era uma medida importante, para evitar a geração de criminosos hereditários, mentalmente defi-cientes, imbecis. Ou seja, tratava-se da esterilização de incapazes hereditários. Não obstante, a primeira ideia evolui, para a tentativa de “melhorar a geração presente”, eliminando-se as vidas inúteis (BAUMAN, 1998, p. 90). São então criados os institutos de eutanásia, sob eufemismos como “Centro de Caridade para Cuidados Institucionais”, entre outros. A associação de caridade à prática da eutanásia não foi uma articulação política exclusivamente alemã.

Na França, em 1987, a Associação pela Prevenção da Criança Deficiente defendeu a aprovação de lei autorizativa da eutanásia em crianças com menos de três dias, que apresentassem en-fermidades incuráveis e uma vida, que não fosse “digna de ser vivida” (VIEIRA, 1999, p. 63/64). Segundo a Associação, tais crianças seriam infelizes e tornariam infelizes aqueles, que com elas convivessem.

Faremos um relato histórico, pós-guerra (VIEIRA, 1999, p. 68), que demonstra que diversos países aplicaram o conceito classificatório de vida digna, como forma de “purificação” da raça. Uma observação criteriosa permite afirmar, que, ainda hoje, há quem defenda práticas de este-rilização compulsória.

De 1935 a 1976, a Suécia, com justificativa de viés econômico (redução de custos do sistema de seguridade social), manteve um programa de esterilização compulsória para pobres, doentes e etnicamente impuros. Acrescente-se que delinquentes, prostitutas e ciganos, também eram considerados inferiores e passíveis da mesma ação (BAUMAN, 1998, p. 90).

Suíça, Noruega e Finlândia adotaram medidas similares. Na Suécia, o caso Maria Nordin, chama a atenção pela barbárie: quando contava com dezessete anos, Maria Nordin foi diagnosticada como doente mental, por ter o rendimento escolar inferior ao dos colegas; ocorre que a moça era portadora de elevado grau de miopia, não avaliado. Após internação e dentro da política euge-nista adotada, Maria Nordin foi obrigada a se submeter à esterilização, para que pudesse obter a alta da clínica para doentes mentais (VIEIRA, 1999, p. 64).

Até 1948, os Estados Unidos mantiveram a prática da esterilização compulsória em “fracos de espírito”, epiléticos, doentes mentais e criminosos. O país, ainda hoje, defende, que os direitos concernentes à reprodução não são absolutos (BAUMAN, 1998, p. 90).

A Alemanha, mesmo após a guerra, em 1989, aprovou uma lei, que permitiu a esterilização, in-dependentemente do consentimento, em casos em que o estado entenda pela incapacidade da mulher de criar um filho (VIEIRA, 1999, p. 64).

Na Áustria, em 1997, foi denunciada pelo grupo de direitos humanos a prática abusiva de es-terilização em deficientes mentais, sob falsos argumentos e sem o conhecimento das partes envolvidas (VIEIRA, 1999, p. 64).

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A comparação é necessária, para demonstrar que a Alemanha nazista não foi e nem é o único país a invadir a esfera dos direitos individuais e se arvorar como criador, à rotulação do humano. Charles Susane, citado por Vieira, entende que “o sentido social da vida humana variará de acor-do com a importância, que esta vida tem para os outros indivíduos conscientes e responsáveis” (VIEIRA, 1999, p. 64).

O que nos preocupa é saber quem são os indivíduos conscientes e responsáveis.

Na Alemanha Nazista, o “governo responsável” entendeu, que evitar a reprodução dos “indese-jáveis” era importante. A Lei de Esterilização Eugenésica, de 1933, tratou do assunto (CORTÉS; SALGADO, 2011, p. 195). A Eugenesia, após a guerra, foi considerado assunto tabu. Não obs-tante, a partir de 1960, o controle de natalidade e a concepção de autonomia reprodutiva voltam ao debate, culminando, em 1970, com as discussões sobre aborto e novas tecnologias de repro-dução assistida (CORTÉS; SALGADO, 2011, p. 195).

É importante registrar que a esterilização compulsória não foi classificada como “crime de guerra”, porque vários estados a incentivaram, desde 1907. O caso Buck V. Bell (1927), na Vir-gínia, E.U.A. é um exemplo, e a sentença chama a atenção pela dureza: “Three generations of imbeciles are enough”*** (CORTÉS; SALGADO, 2011, p. 195).

Hoje, convivemos com o que Nicholar Agar, em 1999 (apud VIEIRA, 1999, p. 64), denominou “eugenesia liberal”. O risco é que o conceito de vidas úteis ou inúteis esteja impregnado por questões econômicas e por uma carga de preconceito social e ao arbítrio de cada indivíduo.

Os conceitos morais, no holocausto, foram quebrados, ignorados ou sequer pensados. Para Bauman (1998, p. 41-46), isso é possível, desde que algumas condições sejam satisfeitas. Fare-mos a citação de Kelman, lembrado pelo autor, encerrando o capítulo, com a advertência de que a convergência já aconteceu. É preciso evitar que se repita:

Inibições morais contra atrocidades violentas tendem a ser corroídas se satisfeitas con-dições, isoladas ou em conjunto: a violência é autorizada (por práticas governadas por normas e a exata especificação de papéis) e as vítimas de violência são desumanizadas (por definições e doutrinações ideológicas) (BAUMAN, 1998, p. 41-46).

A valorização da vida e das diferenças, bem como o correto entendimento de Dignidade da Vida Humana deve ser tarefa cotidiana, de eterna vigilância.

5 CONCLUSÃOBauman, na obra já citada nesse trabalho, proclama que, de modo geral, nós não nos preocupa-mos com o holocausto. Na realidade, a nossa rotina diária não comporta similar cuidado. De for-ma simplista e reducionista aprendemos que a Alemanha nazista perseguiu judeus e os matou, como um plano originariamente assim concebido.

O processo do holocausto e o fato de que o judeu foi um dos inimigos de muitos, não nos é re-velado com clareza.

O presente trabalho é um alerta para o fato de que acontecimentos nefastos como o holocaus-to precisam, para se fazer realidade, de uma convergência de fatores, que, isoladamente, não chamam a atenção para o perigo intrínseco. Muitas vezes, discursos políticos, jurídicos e socio-lógicos justificam algumas práticas, que, observadas em um contexto maior, ganham contornos diferentes e podem gerar consequências, que impliquem na exclusão, na rotulação, na persegui-ção e na eliminação de alguns seres humanos.

O processo civilizador deve ser entendido na ótica da mais alta forma de inclusão social e acei-tação da diferença, sob pena de ratificarmos o mundo hobbesiano.

A combinação de eficiências a partir de premissas falsas pode ser o fortuito, que justifique ho-locaustos. A evolução tecnológica – e a possibilidade de geração de informação em massa - a capacidade de argumentação e fundamentação jurídica para o indefensável, além do poder de liderança (usado para propósitos individualistas, que se disfarçam em coletivismo), juntos, po-dem ser usados para facilitar a morte do “indesejado”. E, isso, era inesperado para humanidade, que acreditava que o progresso sempre nos conduziria a um final feliz.

Bem conclui Bauman no sentido de que a civilização moderna, com seus falsos conceitos e o desprezo pelo outro foi condição necessária ao holocausto.

*** Tradução nossa: “Três gerações de imbecis são suficientes.”

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6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBAUMAN, Zygmunt. Modernidade e Holocausto. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1998.

BEVILÁQUA, Clóvis. Direito da Família. São Paulo: Livraria Freitas Bastos S.A, 1956.

CORTÉS, Fabiola Villela e SALGADO, Jorge E. Linares. Eugenesia: Un análisis histórico y una posible propuesta. In: Revista Acta Bioethica. 2011, v.17, n.2., p. 190. Disponível em: <http://www.scielo.php?script=sci69X2011000200005&Ing+es&nrm+iso>. Acesso em: 11 jun. 2015.

DIWAN, Pietra. Revista Duetto Editorial. Ed. 49, nov. 2007. Eugenia, a biologia como farsa. Disponível em: <www2.uol.com.br/história viva>. Acesso em: 11 jun. 2015.

RAFECAS, Daniel. El aporte de los discursos penales a la conformación de Auschwitz. Revista Nuestra Memória. Fundación Memoria de Holocausto, Buenos Aires, n. 25, jul. 2005.

SOUZA, Vanderley Sebastião de. A Hora da Eugenia: raça, gênero e nação na América Latina. Caderno de Pesquisa (online). 2007, v. 37, n. 131. p. 515-518. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?scrip= sci-artex>. Acesso em: 11 jun. 2015.

VIEIRA, Tereza Rodrigues. Bioética e Direito. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999.

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UMA ABORDAGEM ALTERNATIVA COM O USO DE TECNOLOGIAS NO PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE INTEGRAL DEFINIDA

AN ALTERNATIVE APPROACH TO THE TECHNOLOGY OF USEPROCESS OF TEACHING AND LEARNING FULL SET

Elvira Pádua Lovatte*

Anderson Oliveira Gadioli**Jocélia Abreu Barcellos Vargas***

Thiago Ferrari****Thalles Trancoso*****

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.087

RESUMOUma prática relativamente comum no Ensino de Matemática é a aplicação de vários exercícios numéricos, para fixação procedimental de cálculo, o que em muitas situações é necessário, porém não suficiente, para a compreensão do significado conceitual do tema. Considerando a limitação dessa abordagem utilizou-se uma alternativa metodológica, a partir de uma sequência didática com o objetivo de valorizar o aprendizado de determinados conceitos de cálculo diferen-cial e integral. A sequência foi proposta e executada nos cursos de Engenharias oferecidos no Ifes - campus Cariacica e na FAESA, na busca de facilitar o entendimento da integral definida usando soma de Riemann. A metodologia envolve a identificação e escolha de um sólido de revolução, a determinação e modelagem matemática de região geradora usando um software matemático, o fatiamento da região geradora, a geração de discos cilíndricos correspondentes a estas fatias, o cálculo dos volumes das inúmeras fatias usando uma planilha eletrônica, a modelagem matemática do volume total usando somatório e o uso de integrais definidas para a obtenção do volume. Durante o desenvolvimento do trabalho ficou evidente, que esse recurso didático favorece as interações entre os alunos, o diálogo e o espaço para discussões, mostran-do-se como facilitador da aprendizagem de conceitos e métodos.

Palavras-chave: Sólidos de Revolução. Integral definida. Educação. Sequência didática.

ABSTRACTA relatively common practice in mathematics education is the application of various numerical exercises to procedural setting calculation, which in many situations is necessary, but not suffi-cient for understanding the conceptual meaning of the subject. Considering the limitation of this approach, we used a methodological alternative, from a didactic sequence, in order to enhance the learning of certain concepts of differential and integral calculus. The sequence was propo-sed and implemented in Engineering courses offered at IFES - campus Cariacica and FAESA in seeking to facilitate the understanding of the definite integral using Riemann sum. The methodo-logy involves the identification and selection of a solid revolution, determination and mathematical modeling generating region using a mathematical software, slicing generating region, generating corresponding cylindrical disks to these slices, the calculation of volumes of several slices using a spreadsheet, the mathematical modeling of the total volume using sum and the use of definite integrals to obtain the volume. During the development work it was evident that this teaching re-source promotes interactions between students, dialogue and space for discussions, showing up as a facilitator of learning concepts and methods.

Keywords: Revolution solids. Definite integral. Education. Didactic sequence.

1 INTRODUÇÃOEntender a definição de integral definida, usando a soma de Riemann, é extremamente impor-tante para os estudantes de cursos de exatas. Este entendimento é fundamental, para que a ferramenta integral possa ser utilizada em diversas aplicações.* Mestre. FAESA e Instituto Federal do Espírito Santo. [email protected].** Mestre. Instituto Federal do Espírito Santo. [email protected].*** Mestre. Instituto Federal do Espírito Santo. [email protected].**** Graduando. FAESA. [email protected].***** Graduando. FAESA. [email protected].

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O desenvolvimento de métodos para cálculos de áreas e volumes de figuras quaisquer é pra-ticado desde antes o nascimento de Cristo. Em especial, hoje, estes cálculos, em cursos de Engenharias, são normalmente realizados em disciplinas de Cálculo Diferencial e Integral. Estas disciplinas são consideradas básicas, mas, normalmente, muitos alunos apresentam dificulda-des, para assimilar conceitos extremamente importantes para o desenvolvimento do aprendiza-do. Estas dificuldades acabam desencadeando em falta de interesse, descaso e desistência das disciplinas.

Acredita-se que a implementação de metodologias, que enfatizem a modelagem matemática, possa contribuir na minimização das dificuldades dos alunos. Esta é uma maneira de fazer teo-ria, prática e aluno se aproximarem.

Neste trabalho é apresentada uma proposta, que exigiu a participação ativa dos discentes. Ini-cialmente, eles tiveram que escolher um sólido de revolução para o cálculo do seu volume. Desde o momento da escolha, os estudantes já precisaram associar o conhecimento teórico ao prático. Escolhido o sólido, inicializou-se a etapa da sua modelagem matemática. Para isso, determinou-se a região geradora. Nesta etapa, os alunos identificaram pontos pertencentes à borda da região geradora e utilizaram o software MATLAB, para determinar as curvas fronteiras desta região. Esta região foi fatiada de forma, que se aproximasse por um conjunto de n retângu-los. Cada um dos retângulos foi girado ao redor do eixo de rotação dando origem a um cilindro. Ao se aumentar o valor de n (quantidade de retângulos) verificou-se, que a sequência destes cilindros se aproximava muito do sólido de revolução. Para calcular o volume aproximado do só-lido escolhido foi feito o somatório dos volumes dos cilindros usando a planilha eletrônica Calc. A definição de integral de Riemann permitiu escrever o somatório como uma integral definida. As integrais foram resolvidas com o auxílio do MATLAB e determinou-se o valor do volume.

2 OBJETIVOSO objetivo geral foi desenvolver uma metodologia, para facilitar do entendimento do conceito de Integral definida usando soma de Riemann, de forma, que a ferramenta integral possa ser aplicada em situações reais. O objetivo específico é desenvolver, através de uma linguagem acessível aos estudantes de graduação, o entendimento da conexão entre integral e somatório usando como elemento intermediador um sólido de revolução. Utilizar recursos computacionais como facilitadores do processo.

3 REFERENCIAL TEÓRICOOs métodos usados na Grécia Antiga há 2500 anos representam as primeiras ideias para o de-senvolvimento do Cálculo Integral. De acordo com Boyer, há dois aspectos nas antigas origens do Cálculo Integral. Um deles, derivado de Eudoxio, é representado pelo rigoroso método da exaustão; o outro, proveniente da visão atomística associada a Demócrito, está relacionado com o método de Arquimedes.

As contribuições medievais dos matemáticos deste período, pouco contribuíram, para o desen-volvimento do Cálculo Integral. Para BOYER, o renascimento em matemática consistiu numa in-teração intrincada das tradições medievais com ideias mais novas e mais antigas. Em particular a retomada de um interesse amplo pelas obras de Arquimedes levou o século XVII, à busca de atalhos, que pudessem simplificar o Cálculo Integral.

Segundo D’Otaviano (2011), no século XVII Johannes Kepler (1571-1630) utilizou transforma-ções geométricas e métodos infinitesimais no cálculo do volume de inúmeros sólidos de revolu-ção, em particular, no cálculo do volume de tonéis de vinho.

Outros estudiosos da matemática, como Descartes (1596-1650), Cavalieri (1598-1647), Fermat (1601-1655), John Wallis (1616,1703), Barrow (1630-1677) também merecem destaque dentre os precursores do Cálculo Diferencial e Integral. Apesar de todas as contribuições significativas de todos estes matemáticos, nesse tempo ainda não havia uma sistematização, no sentido de uma construção logicamente estruturada.

Nesta época, entraram para a história Isaac Newton (1642-1727) e Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716), eles desenvolveram de forma independente uma teoria matemática sobre o Cálcu-lo Diferencial e Integral. Segundo Zuin, citado por De Almeida (2011), as ideias geradas neste sé-culo iriam repercutir e transformar o mundo. De Almeida et al. afirmam, que é a partir de Newton e Leibniz, que o Cálculo passa a constituir um campo autônomo do conhecimento e atualmente as ferramentas do Cálculo estão impregnadas nas aplicações das mais diversas áreas e, como ramo da Matemática, seu ensino é contemplado como disciplina obrigatória em diferentes cur-sos.

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Por volta de 1854, o matemático alemão Bernhard Riemann (1826-1866) realizou um estudo bem mais aprofundado sobre a Integral e em sua homenagem a integral estudada por ele passou a receber o nome de Integral de Riemann.

São inúmeras as situações, em que uma determinada grandeza é medida por meio do somatório de determinadas quantidades. Em algumas dessas situações, o somatório, transforma-se em uma integral. Porém, esta transição não é percebida pela maioria dos alunos.

De Almeida et al. (2011), afirmam, que ao usar a modelagem matemática como alternativa pe-dagógica, são realizadas nas aulas sessões onde os alunos, reunidos em pequenos grupos assistidos pelo professor, se envolvem na elaboração e resolução de problemas, que, em geral, têm origem fora da Matemática.

Para Sampaio (2003) a sequência didática é um esquema experimental de situações e proble-mas desenvolvido por seções, a partir de um estudo preliminar, caracterizando os objetivos, con-trole e resolução das atividades, análise didática e pré-requisitos de cada problema, para que o aluno possa resolver aos poucos cada uma das simulações.

4 METODOLOGIAO sólido escolhido, para o cálculo de volume, foi uma lâmpada incandescente comum, com fila-mento de tungstênio, bulbo de vidro e contatos elétricos por meio de rosca metálica. As especi-ficações técnicas, dimensões máximas e imagem da lâmpada (Figura 1a) foram obtidas no site do fabricante.

Com o sólido de revolução escolhido, fora definida sua região geradora seccionando-se a figura da lâmpada longitudinalmente em duas partes de igual raio (Figura 1b) de modo, que seu giro em torno do eixo x gere a figura tridimensional com o volume a ser calculado.

Este é um sólido de volume consideravelmente complexo de ser calculado, pois seu formato é bastante irregular, de forma que foram necessárias algumas funções polinomiais de grau eleva-do para a modelagem matemática da região geradora:

Figura 1(a): lâmpada incandescente comum

Figura 1(b): Região geradora

Optou-se por calcular o volume por fatiamento em discos cilíndricos, para isso houve a neces-sidade de garantir a divisão da região geradora em retângulos com bases de mesma largura e alturas de valores variados, porém conhecidos. Isso exigiu, que se conhecesse muitas outras dimensões da lâmpada e não apenas as dimensões máximas – 28x97 mm. Para isso, foi neces-sário adotar o emprego de um artifício, para que pudessem ser obtidos os retângulos desejados. Dessa forma, a imagem da região geradora foi sobreposta a uma imagem digitalizada de papel milimetrado com resolução 1x1mm (Figura 2a). Na sequência, a imagem da região geradora teve suas dimensões ajustadas proporcionalmente à escala do papel milimetrado, ou seja, foi propor-cionalmente “esticada” de modo a cobrir suas medidas reais na escala do papel milimetrado. A partir de então pôde-se dividir a imagem da região geradora em retângulos de 1mm de largura e alturas, cujas medidas eram as mais próximas possíveis de seus limites superiores (Figura 2b):

x

y

x

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Figura 2(a): imagem sobreposta no papel milimetrado

Figura 2(b): Região geradora fatiada em retângulos

Quanto menor a base do retângulo mais retângulos caberiam na região geradora e mais ade-quadamente esses retângulos se acomodariam às suas curvas. Por conta disso, optou-se por um milímetro de base – ∆x = 1mm , levando à quantidade de 97 retângulos de variadas alturas (tabela 1):

X [mm] Y(x)[mm]0 1,001 1,702 3,003 5,45... ...95 9,9096 6,9597 0,00

Tabela 1: Apresentação das alturas Y(X) dos retângulos

Considerando o giro de cada um desses 97 retângulos componentes da região geradora em torno do eixo x (figura 3a), passamos a ter um conjunto de cilindros cujos volumes, quando so-mados aproximam o volume total da lâmpada. Com isso, pôde-se obter uma experiência prática sobre a utilização de um somatório na solução de um problema do mundo real: o cálculo aproxi-mado do volume V da lâmpada (Figura 3b):

Figura 3a: Exibição do cilindro obtido a partir da rotação de um retângulo ao redor do eixo x

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Figura 3b: Volume aproximado usando somatório

Para se obter um resultado mais preciso no cálculo do volume, é necessário o uso do conceito de integrais. Mas integrar o quê? Na disciplina de Cálculo nos é ensinado, que a integração de funções – teorema fundamental do Cálculo – é usada, para calcular áreas e volumes. Porém, para que se possa integrar uma função, é preciso antes conhecê-la. Mas como, se apenas temos os pontos (Tabela 1), que formam uma curva desenhada por uma função y = F(x) (Figura 4) até agora desconhecida?

Figura 4: Gráfico gerado pelo software matemático. Com base nos pares (x,y)resultantes das medidas da região geradora.

Uma vez que manualmente seria bastante complexo chegar à função F(x) desejada foi utilizado, para tal o software matemático MATLAB (License 40291625: MATLAB - student use), para onde os valores dos pares (x, y) resultantes das medidas da região geradora foram importados. Com os dados importados bastaria utilizar um algoritmo de ajuste de curvas, para se obter F(x). En-tretanto, como a curva de F(x) é bastante variada, não foi possível obter um polinômio cuja curva descrita, para o domínio pretendido se aproximasse satisfatoriamente da curva obtida através das medições.

Sendo assim, optou-se por dividir F(x) em cinco funções mais simples, usando como critério pe-daços da curva mais facilmente ajustáveis individualmente (Tabela 2):

Tabela 2: As partes da função F e alguns dos seus pares ordenados

Em seguida cada função foi determinada com o auxílio do MATLAB com boa taxa de aproxima-ção das curvas reais (Figura 5):

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Figura 5: Representação gráfica de cada uma das 5 funções

A representação algébrica de cada uma das 5 funções, obtidas no MATLAB, são:

R(x) = 0,000028509092486x4 + 0,000660246605915x3 - 0,090745500550233x2 + 1,888208792100107x + 0,298477971555678

B1(x)= 0,0028594771242x3 - 0,3131652661064x2 + 11,5623771438394x - 127,6385891198517

B2(x)= - 0,009191176470588x2 + 1,496838235294062x - 29,886764705880850

B3(x)= - 0,020871991606836x2 + 2,858399547477017x - 69,758479750228474

B4(x)= - 0,07929292930x3 + 21,90892857203x2 - 2018,96892141292x - 62067,76785891734

Com as funções devidamente definidas e divididas, formando a região geratriz, tem-se o neces-sário, para se calcular o volume através de integrais definidas. A fórmula para cálculo de cilindros é πhr2, onde h será desconsiderado, pois se refere a altura do cilindro, que neste caso, é sempre igual a 1. Como o raio do sólido de revolução varia constantemente, de acordo com as funções que o delimitam, o Raio r será substituído pela função, ficando assim π[y(x)]2. Basta definir os limites de integração como os pontos em que cada função começa e os pontos em que a mesma termina, que será o mesmo ponto de início para a próxima função, e assim por diante. Com os intervalos definidos, colocamos como integrando, a função que se encontra nos limites corres-pondentes, sendo somada as outras integrais definidas. Desta forma:

97 27 45 60 90 97

V = π ʃ0 [F(x)]2 dx π ʃ0 [R(x)]2 dx π ʃ27 [B1(x)]^2 dxπ ʃ45 [B2(x)]2 dx+π ʃ60 [B3(x)]2 dx+π ʃ90 [B4(x)]2 dx

Integrando cada função dentro de seus respectivos limites de integração obtivemos o volume, que cada uma delas possui. Ao somar o volume de todos os intervalos em que cada função se encontra, obtemos o volume total (V) de toda a região geradora:V = 9298,726905310718mm3 + 14666,18443443383mm3 + 25596,84923818838mm3 + 62722,47812730826mm2 + 3671,024502986793mm2 = 115955,2632082280mm2

Realizando uma comparação entre o volume aproximado, usando 97 discos de 1mm de espes-sura com o volume obtido usando o método dos discos e com o auxílio do MATLAB verificou-se, que a diferença entre os valores obtidos é de aproximadamente 53 mm3. Esta diferença (erro) é inferior a 5% do valor obtido pelo método, que faz uso de integrais.

5 RESULTADOS E DISCUSSÃOO desenvolvimento da sequência didática tornou as aulas mais dinâmicas, gerando uma apren-dizagem mais significativa. Houve maior interação entre alunos e professora. Na metodologia adotada, os alunos tiveram, que desenvolver protótipos, trabalhar com proporções, fazer coleta de dados e usar recursos computacionais. Cabe ressaltar, que todo processo desenvolvido na sequência didática teve como suporte um conteúdo matemático e o auxílio da professora, para garantir que os modelos pudessem representar o sólido real. Foi possível verificar a satisfação e surpresa dos alunos ao vivenciarem os resultados teóricos. A metodologia também demonstrou como as dificuldades básicas emergem com mais facilidade.

A partir das comparações dos volumes obtidos pela integral de Riemann e pelo somatório de-senvolvido os alunos observaram, que realmente os resultados se aproximavam, à medida que a quantidade de retângulos aumentava. Destaca-se, que o fato do resultado da medida real ser próximo do encontrado através da aplicação de integrais definidas ajuda ao aluno aceitar, que se

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pode “usar” a matemática em situações reais.

Verificou-se que muitos alunos ainda não estão preparados, para serem protagonistas do seu processo de aprendizagem. Normalmente, estes alunos rejeitam a proposta de realizar uma me-todologia diferenciada. Para evitar problemas como este recomenda-se, que práticas como esta sejam realizadas com mais frequência.

A partir das observações possibilitadas pelos procedimentos descritos verificou-se, que a reali-zação deste trabalho despertou o maior interesse dos alunos, para o aprendizado do conteúdo proposto além do desenvolvimento de outras habilidades.

6 CONSIDERAÇÕES FINAISO uso dessa metodologia no ensino da integral definida se mostrou como uma alternativa pro-missora, pois permitiu à criação de novas possibilidades de aprendizagem de objetos matemáti-cos, favorecendo a interação mais ativa do aluno com o conhecimento.

A sequência desenvolvida permitiu o entendimento prático do conceito de integral definida, além de permitir o desenvolvimento de outras habilidades, que poderão ser aplicadas na resolução de outras situações problemas.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBOYER, Carl B. Tópicos de História da Matemática para uso em sala de aula: Cálculo. São Paulo: Atual, 1995.

DE ALMEIDA Lourdes M. et al. Ensino de Cálculo: uma abordagem usando Modelagem Mate-mática. RCT: Revista Ciência e Tecnologia-UNISAL, v. 10, n. 16, 2007. Disponível em: <http://www.revista.unisal.br/sj/index.php/123/article/view/17/31> Acesso em: abril de 2014.

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SAMPAIO, C.S. A Utilização de métodos computacionais no estudo de tópicos do Cálculo Diferencial e Integral. Ilhéus: UESC, 2003.

STEWART, J. Cálculo. São Paulo: CENGAGE Learning, 2014. Vol. 1.

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INFLUÊNCIA DO ÂNGULO DE INCLINAÇÃO SOBRE O FATOR DE FORMA DE MÓ-DULOS FOTOVOLTAICOS EM VITÓRIA, ES

INFLUENCE OF TILT ANGLE ON FORM FACTOR OF PHOTOVOLTAIC MODULES IN VITÓRIA, ES

Izabele Venturott Ferreira Toniato*

Lúcia Helena Sagrillo Pimassoni** Thaísa Christina Barbirato Nunes***

Warley Teixeira Guimarães****

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.088

RESUMO

O ângulo de inclinação dos módulos fotovoltaicos, em relação ao plano horizontal, tem influência direta sobre a produção de energia elétrica dos mesmos. Este trabalho teve o objetivo de avaliar a influência da inclinação sobre o fator de forma de módulos fotovoltaicos instalados em Vitória, ES. Foram utilizados 7 módulos fotovoltaicos instalados com diferentes ângulos de inclinação em relação ao plano horizontal sendo eles, respectivamente, de 17°, 20°, 23°, 26°, 29°, 32° e 35°. Após 58 dias realizando cinco medições diárias, a análise de variância, ao nível de 5% de significância, permitiu inferir, que não houve diferença significativa (valor-p > 0,05), para o fator de forma entre os módulos com diferentes ângulos de inclinação. A partir dos resultados expe-rimentais encontrados para a cidade de Vitória conclui-se, que os módulos fotovoltaicos podem ser instalados com inclinações, que variam de 17° a 35° sem perda significativa na produção de energia, facilitando a aplicação da energia solar nas fachadas e telhados pré-existentes.

Palavras-chave: Energia solar. Módulo fotovoltaico. Geração de energia elétrica.

ABSTRACT

The tilt angle of the photovoltaic modules has a direct influence on the production of electricity. This study had the objective to evaluate the influence of the tilt angle on the form factor of PV modules installed in Vitória, ES. 7 PV modules were installed at different angles of inclination and they are, respectively, 17°, 20°, 23°, 26°, 29°, 32° and 35°. After 58 days doing five daily mea-surements, the analysis of variance at 5% significance level allowed to infer that there was no sig-nificant difference (p-value > 0.05) for the form factor between modules with different inclination angles. From the experimental results for the city of Vitória, it was concluded that the modules can be installed with inclinations which vary from 17° to 35° without significant loss in energy produc-tion, facilitating the application of solar energy in facades and roofs pre-existing.

Keywords: Solar energy. Photovoltaic module. Generation of electricity.

1 INTRODUÇÃOA população mundial atual é de 7,2 bilhões e está projetada a crescer cerca de 1 bilhão nos pró-ximos 12 anos de acordo com o relatório da Organização das Nações Unidas (ONU, 2012). Com esse crescimento populacional, intensificam-se as atividades humanas sobre o meio ambiente e a necessidade por novas fontes de energia capazes de suportar a demanda. É nesse contexto, que se insere a energia solar fotovoltaica, que é uma energia limpa e renovável.

No dia 17 de abril de 2012 foi regulamentada no Brasil a Resolução Normativa 482 da ANEEL, que estabelece condições para o acesso de micro e minigeração distribuídas ao sistema de distribuição e ao sistema de compensação de energia elétrica (ANEEL, 2012). Após essa regu-lamentação, moradores do município da Serra começaram a utilizar módulos fotovoltaicos em suas residências, com o intuito de gerar energia elétrica para consumo próprio. Entretanto, se-gundo Guimarães et al. (2012), o desempenho dos módulos fotovoltaicos instalados na região da * Izabele Venturott Ferreira Toniato é graduada em Engenharia Ambiental (FAESA). Email: [email protected].** Lúcia Helena Sagrillo Pimassoni é professora do Curso de Engenharia Ambiental da FAESA. Email: [email protected].*** Thaísa Christina Barbirato Nunes é graduanda em Engenharia Ambiental (FAESA). Email: [email protected].**** Warley Teixeira Guimarães é professor do Curso de Engenharia Ambiental da FAESA. Email: [email protected].

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Grande Vitória poderá ser reduzido pela ação da poluição atmosférica local, pois como as células de um módulo fotovoltaico são conectadas em série, estão sujeitas ao efeito do sombreamento, impedindo a passagem de corrente elétrica para as outras células, o que também ocorre no caso dos módulos ligados em série.

Na região da Grande Vitória, existem áreas com elevado índice de habitantes, localizadas próxi-mas ao principal polo industrial da região, que é conhecido como Complexo de Tubarão, onde são desenvolvidas atividades do ramo minero-siderúrgico. De acordo com o mais recente Inventário de Fontes de Emissão da RMGV, divulgado em 2011 pelo Instituto Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos (IEMA), tendo como base o ano de 2009, as taxas médias de emissão de Material Particulado (MP) das duas principais empresas instaladas no Complexo Industrial de Tubarão são de 248,38 Kg/h (Arcelor Mittal) e 595,09 Kg/h (VALE) (IEMA e ECOSOFT, 2011), o que representa aproximadamente 80,5% de toda a emissão industrial de Material Particulado da Região da Grande Vitória (SOUZA, 2011).

O material particulado de origem industrial aliado à poeira e à fuligem gerada pelos automóveis, pode influenciar na produção de energia dos módulos fotovoltaicos, fazendo com que o desem-penho seja reduzido em virtude do sombreamento.

Este estudo teve o objetivo de avaliar a influência da inclinação sobre o fator de forma de módu-los fotovoltaicos expostos ao ar livre, em Vitória, ES, além de observar a influência da inclinação sobre a corrente de curto circuito, a tensão de circuito aberto e o fator de forma dos módulos fotovoltaicos.

2 ENERGIA SOLAR: CONCEITOS BÁSICOSA energia gerada pelo Sol pode ser aproveitada como fonte de calor e de luz e é uma das alter-nativas energéticas mais promissoras para a demanda crescente. Praticamente todas as outras fontes de energia na Terra dependem do Sol (PINHO e GALDINO, 2014).

A energia solar é uma excelente alternativa, para substituir as fontes não renováveis e o Brasil tem grande potencial, para a captação de energia solar, por ter abundância de radiação solar predominante em quase todos os meses do ano (CABRAL E VIEIRA, 2012).

As células fotovoltaicas são as responsáveis pela conversão da luz em eletricidade. Os mó-dulos fotovoltaicos são formados por uma quantidade de células fotovoltaicas conectadas em série, que possibilitam aumentar a tensão de circuito aberto e, assim, aumentar a potência final (BRAUN-GRABOLLE, 2010).

Segundo Pinho e Galdino (2014), os conceitos básicos acerca do funcionamento dos módulos fotovoltaicos são:

Corrente de curto circuito (Isc): é a máxima corrente, que se pode obter e é medida na célula fotovoltaica, quando a tensão elétrica em seus terminais é igual a zero. Pode ser medida com um amperímetro curto-circuitando os terminais do módulo.

Tensão de circuito aberto (Voc): é a tensão entre os terminais de uma célula fotovoltaica, quando não há corrente elétrica circulando e é a máxima tensão, que uma célula pode produzir. Pode ser medida diretamente com um voltímetro nos terminais do módulo.

Fator de forma (FF): é a razão da máxima potência da célula e o produto da corrente de curto circuito com a tensão de circuito aberto. O FF é definido pela equação:

(1)

Os sistemas fotovoltaicos se diferenciam dos sistemas solares térmicos, pois captam a radiação proveniente do Sol e transformam em energia elétrica; enquanto os sistemas térmicos aquecem a água ou produzem eletricidade, a partir da energia térmica do sol. A corrente elétrica gerada pelo sistema fotovoltaico é processada por dispositivos controladores e conversores e pode ser armazenada em baterias ou ligada diretamente à rede elétrica. Os módulos fotovoltaicos podem ser instalados em telhados de residências e edifícios ou podem ser utilizados em usinas gerado-ras de eletricidade (VILLALVA e GAZOLI, 2013).

Segundo Demonti (2003), os sistemas fotovoltaicos podem ser classificados em dois grupos: os sistemas isolados e os sistemas conectados à rede. Os sistemas isolados geralmente são utiliza-dos em locais, que não têm acesso à rede elétrica convencional podendo ser empregados, para

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bombeamento de água, eletrificação de cercas e na telefonia móvel. Esse sistema necessita do uso de baterias, para armazenar a energia produzida. Por outro lado, os sistemas conectados à rede elétrica injetam energia na rede da distribuidora local, podendo suprir a demanda de ener-gia, ou uma parte dela. Esses sistemas, por serem conectados à rede elétrica, não necessitam do armazenamento da energia.

3 FUNCIONAMENTO DAS CÉLULAS E DOS MÓDULOS FOTOVOLTAICOSOs módulos fotovoltaicos podem ser ligados em série e/ou em paralelo, dependendo das carac-terísticas desejadas para a tensão e a corrente elétrica. Na associação em série, a tensão do ar-ranjo é a soma das tensões individuais dos geradores e a corrente elétrica é a mesma para todos os geradores. Na associação em paralelo, a tensão do arranjo é a mesma em todos os módulos, enquanto a corrente elétrica é a soma das correntes produzidas por cada gerador fotovoltaico.

A associação de células em série, assim como o arranjo de módulos fotovoltaicos em série, tem como desvantagem o efeito do mau funcionamento e/ou do sombreamento de uma célula ou gerador sobre os demais, afetando a produção de energia elétrica de todo o sistema. Uma célula sombreada, ou em más condições, ficará submetida a uma tensão inversa igual à soma das ten-sões das demais células do circuito. Em consequência, dissipará a potência gerada pelas outras células, podendo provocar uma elevação da temperatura e sofrer danos irreversíveis (PEREIRA, 2012). Esse fenômeno é conhecido pela formação de pontos quentes ou hot spot.

Para prevenir a ocorrência dos pontos quentes nos módulos, são empregados diodos de by-pass ligados em paralelo com as células. Esses diodos evitam o aparecimento de tensões inversas elevadas e oferecem um percurso alternativo para o fluxo da corrente elétrica. Entretanto, na prática, a utilização de um diodo por célula pode elevar consideravelmente o preço de um mó-dulo fotovoltaico. Por isso, estes devem ser ligados a grupos de células dentro de cada gerador (GAZOLI, 2011).

Além da instalação dos diodos, torna-se fundamental a limpeza periódica dos módulos fotovol-taicos, especialmente daqueles instalados em regiões com alta incidência de poluição do ar. O material particulado depositado sobre a cobertura transparente do gerador, formando uma cama-da homogênea, influencia na transmissão da luz às células fotovoltaicas e pode diminuir o seu desempenho na produção de energia elétrica em até 5% (PEREIRA, 2012).

O sombreamento causado pela poluição atmosférica pode, em muitos casos, ser reduzido pela chuva, mas também existem chuvas, que depositam impurezas sobre a cobertura de vidro dos módulos. Em regiões de pluviosidade média ou alta, a água da chuva pode ser suficiente, para manter o gerador com limpeza aceitável ao longo do ano. Porém, em regiões de baixa pluviosi-dade, é necessário recorrer a uma limpeza frequente, sobretudo no período do inverno, sob risco de o sistema fotovoltaico sofrer uma redução significativa na produção de energia elétrica.

É importante ressaltar, que o sombreamento interfere de forma crítica e significativa no funciona-mento de um conjunto de módulos fotovoltaicos. É imprescindível determinar um local isento de sombra, para um ótimo desempenho do sistema fotovoltaico (SOLAR ENERGY INTERNATIO-NAL, 2007). Também é fundamental conhecer as condições de poluição local, visando definir um plano de manutenção preventiva, incluindo a limpeza dos módulos.

4 OTIMIZAÇÃO DA INCLINAÇÃO DOS MÓDULOS FOTOVOLTAICOS PARA A INSTALAÇÃOA instalação física dos módulos fotovoltaicos deve ser ajustada de acordo com a localização geográfica e o período do ano, a fim de maximizar a produção de energia. Um sistema de cap-tação solar fixo, localizado no Hemisfério Sul, deve ser orientado para o Norte geográfico, com o ângulo de inclinação similar à latitude local ou que obedeça à recomendação dos fabricantes (ANEEL, 2005). Porém, segundo Pinho e Galdino (2014), a inclinação dos módulos pode variar cerca de 10° em torno da latitude local, sem que haja perda significativa na produção de energia ao longo do ano.

De acordo com o estudo realizado por Santos et al. (2012), foram analisados ábacos das capitais do Brasil, que demonstram as perdas de potenciais, que ocorrem nas variações de inclinação e azimute do posicionamento dos módulos, visando auxiliar projetistas na definição de sua posição de instalação. As cores mais claras dos ábacos demonstram orientações e inclinações expostas a altos índices de irradiação solar ao longo do ano, já as cores mais escuras demonstram meno-res incidências de radiação, conforme exposto a seguir na Figura 1:

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Figura 1 – Ábaco do potencial de radiação recebido pelas superfícies em Vitória.

Fonte: Santos et al., 2012.

O eixo horizontal do ábaco expõe as variações de orientação, onde 0° indica o norte, com va-riações de +180° e -180°, já o eixo vertical expõe as variações de inclinações da superfície, 0° indicando uma superfície horizontal, e 90° indicando uma parede vertical.

Ainda, segundo Santos et al. (2012), os ábacos das capitais do Brasil permitem observar, que o nível de 95% de irradiação para inclinações até 15° se mantém constante nos diferentes azi-mutes, o que indica que com até 15° de desvio azimutal, não há perdas significativas. A man-cha mais escura na parte superior do gráfico indica, que para paredes verticais pode ser mais interessante uma instalação ao Leste ou Oeste do que ao Norte, e a mancha central de 95% de aproveitamento indica, que os maiores níveis de aproveitamento de irradiação só ocorrem próxi-mo ao azimute 0° (norte) e inclinação próxima à latitude local.

Em relação ao uso dos módulos fotovoltaicos, para projetos arquitetônicos, várias telhas metá-licas e algumas telhas cerâmicas necessitam de uma inclinação de 15° ou 26° para a sua insta-lação, logo, o nível de irradiação mínimo de 95% em qualquer azimute para inclinações até 15% nos mostra, que esses telhados podem ser usados de forma satisfatória, para a instalação de módulos fotovoltaicos, possibilitando uma maior geração de energia. Coberturas muito inclina-das em cidades de baixa latitude ocasionam perdas significativas na geração de energia, porém, o ábaco indica, que não é necessária a rigidez de orientação ao Norte geográfico, facilitando a instalação em tais locais (SANTOS et al., 2012).

5 A POLUIÇÃO DO AR E O DESEMPENHO DOS MÓDULOS FOTOVOLTAICOSSegundo Seinfeld & Pandis (2006), um poluente atmosférico pode ser considerado como qual-quer substância presente no ar, que, de acordo com sua concentração, possa torná-lo impróprio, nocivo à saúde, inconveniente ao bem-estar público, danoso aos materiais, à fauna e à flora ou prejudicial ao gozo da propriedade e às atividades normais da comunidade. Nesse conjunto de poluentes atmosféricos é encontrado o material particulado.

O material particulado é formado de partículas sólidas ou líquidas em suspensão na atmosfera. Seu tamanho possui uma grande variabilidade, podendo ir de nanômetros a micrômetros. O impacto associado ao material particulado está relacionado ao tamanho, forma e composição química das partículas. Partículas finas (<2,5 µm) estão associadas a efeitos diretos à saúde humana, devido à penetração profunda no sistema respiratório, e tendem a permanecer por mais

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tempo na atmosfera, enquanto as partículas maiores (>2,5 µm) tendem a se sedimentarem mais próximo à fonte emissora (SEINFELD & PANDIS, 2006).

A camada homogênea gerada pelo material particulado depositado sobre o módulo fotovoltaico, aliada à poeira e à fuligem gerada pelos automóveis, pode causar ainda mais interferência na produção de energia dos módulos fotovoltaicos, fazendo com que a intensidade dessa produ-ção seja reduzida devido ao sombreamento. Estudos realizados por pesquisadores no mundo inteiro (GOOSSENS e KERSCHEVER, 1999; KALDELLIS e FRAGOS, 2010; SULAIMAN et al., 2011; PILIOUGINE et al., 2013) investigaram tecnologias, a fim de reduzir a influência da poluição do ar no funcionamento dos módulos fotovoltaicos. Eles avaliaram o efeito do acúmulo de material particulado na superfície dos equipamentos, analisando o quanto isso interfere na produção de energia.

Asl-Soleimani, Farhangi e Zabihi (2001) fizeram uma instalação experimental no Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade de Tehran, no Irã, com o objetivo de avaliar o quanto a poluição do ar e o ângulo de inclinação influenciam na quantidade de ener-gia produzida por um módulo fotovoltaico. Os resultados obtidos constataram, que o ângulo de inclinação de cerca de 30° é o ideal, para um sistema conectado à rede em Tehran. Além disso, concluiu-se, que a poluição do ar influencia consideravelmente o desempenho de sistemas foto-voltaicos chegando a reduzir cerca de 60% a produção de energia dos módulos fotovoltaicos em Tehran, nas condições meteorológicas estudadas.Kaldellis e Kokala (2010) desenvolveram um projeto de pesquisa com o intuito de avaliar o efeito da poluição do ar urbano relacionado ao desempenho energético dos módulos fotovoltaicos em Atenas, na Grécia. Concluíram, que a presença da poluição atmosférica urbana pode reduzir sig-nificativamente a produção de energia de módulos fotovoltaicos, mesmo depois de um pequeno período de exposição dos módulos ao ar livre, reduzindo o desempenho até cerca de 6,5%.

6 MATERIAIS E MÉTODOS

Este trabalho foi desenvolvido no pátio do estacionamento da FAESA/Campus I, submetendo os equipamentos às condições meteorológicas locais, durante o período de 58 dias, sem que ocor-resse a limpeza dos módulos.

Inicialmente, todos os equipamentos a serem empregados foram testados, visando à homoge-neidade das características elétricas. Nesses testes foram selecionados 7 módulos fotovoltaicos policristalinos do fabricante Tecnometal, modelo SV85D12, dotados de 36 células cada, com potência de pico de 85 Wp, tensão de circuito aberto de 21,8 V e corrente de curto circuito 5,24 A. Os módulos foram fixados em suportes metálicos, nas inclinações de 17°, 20°, 23°, 26°, 29°, 32° e 35° em relação ao plano horizontal e direcionados ao norte geográfico, conforme mostra a Figura 2.

As medidas dos parâmetros elétricos foram realizadas diariamente em 5 horários: 10h, 11h30min, 13h, 14h30min e 16h de acordo com o horário especial de verão. Em cada medição foram re-gistradas a corrente de curto circuito e a tensão de circuito aberto de cada módulo fotovoltaico, utilizando um multímetro do fabricante ICEL Manaus, modelo MD-6111, que apresenta resolução de 100 mV e exatidão de ± (0,5% + 3d) para tensão, e resolução de 10 mA e exatidão de ± (2,0% + 5d) para corrente. Os dados foram tratados estatisticamente ao nível de significância de 5%, através da análise de variância, utilizando o software SPSS:

Figura 2: Módulos fotovoltaicos localizados na FAESA/Campus I, que foram utilizados na pesquisa.

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Foram realizadas análises descritivas sobre os valores de tensão de circuito aberto, corrente de curto circuito e fator de forma com o intuito de analisar e verificar os padrões de variação dos mes-mos entre os diferentes ângulos de inclinação em relação ao plano horizontal. A análise e interpre-tação dos resultados foram feitas por meio da utilização de testes estatísticos (ANOVA) e a com-paração múltipla de Dunnet, considerando o nível de confiança de 95%. Os resultados estatísticos foram apresentados em gráficos indicando o “valor-p” de cada ANOVA realizada, sendo esta uma estatística utilizada para sintetizar o resultado do teste de hipótese, definida como a probabilida-de de se obter uma estatística de teste igual ou mais extrema, quanto àquela observada em outra amostra. Nos testes realizados neste estudo, considerou-se o nível de confiança de 95%, então, quando o valor-p < 0,05, os resultados apresentaram diferença significativa entre os aspectos ana-lisados. Em seguida foi realizada a comparação múltipla de Dunnet entre os parâmetros estuda-dos para os diversos ângulos de inclinação, que apresentaram diferença significativa na ANOVA.

7 RESULTADOS E DISCUSSÃO

7.1 Tensão de circuito aberto

A análise de variância, ao nível de 5% de significância, indicou que houve diferença significati-va da tensão de circuito aberto entre módulos com diferentes ângulos de inclinação. Utilizando como base o ângulo de inclinação equivalente à latitude local (ângulo de 20°), o teste de compa-ração múltipla de Dunnet indicou diferença significativa (valor -p = 0,000) na tensão de circuito aberto dos módulos nas inclinações de 17°, 23°, 29°, 32° e 35°, conforme ilustra a Figura 3. Não houve diferença para o módulo na posição de 26°, pois, conforme exposto na Figura 3, o intervalo de confiança do ângulo de 20° pertence ao intervalo de confiança do ângulo de 26°, o que pode ser explicado por variações de fatores como o sombreamento e fuga de corrente:

Ângulo

35º32º29º26º23º20º17º

IC d

e 95

% p

ara

tens

ão d

e ci

rcui

to a

berto

(V)

20,2

20,0

19,8

19,6

19,4

19,2

Figura 3 – Intervalo de confiança para tensão de circuito aberto a cada ângulo de inclinação.

7.2 Corrente de Curto Circuito A análise de variância, ao nível de 5% de significância, indicou, que houve diferença significativa na corrente de curto circuito entre módulos com diferentes ângulos de inclinação. Através do teste de comparação múltipla de Dunnet, verificou-se uma diferença significativa da corrente de curto circuito entre o ângulo de 20º com o de 35º, conforme ilustra a Figura 4, com o intervalo de confiança do ângulo de 20° não pertencendo ao de 35°, uma possível explicação é a sua maior inclinação em relação aos demais módulos, com menor incidência de radiação solar, produzindo uma quantidade menor de corrente de curto circuito:

Valor-p = 0,000

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Ângulo

35º32º29º26º23º20º17º

IC d

e 95

% p

ara

corre

nte

de c

urto

circ

uito

(A)

3,2

3,0

2,8

2,6

2,4

2,2

2,0

Figura 4 – Intervalo de confiança para corrente de curto circuito a cada ângulo de inclinação.

7.3 Fator de formaEmbora tenha ocorrido diferença significativa entre as características elétricas dos módulos em diferentes inclinações, é mais importante conhecer a influência sobre o fator de forma. A análise de variância, ao nível de 5% de significância, indicou não haver diferença significativa entre os fatores de forma para as sete inclinações testadas, pois, como ilustra a Figura 5, todos os inter-valos se pertencem. Assim, como o fator de forma compara a máxima potência, que cada módulo pode produzir em condições controladas (25ºC e 1000 W/m²) com o produto entre a corrente de curto circuito e a tensão de circuito aberto, pode-se inferir que a inclinação não tem influência na potência de produção de energia, ao nível de 5% de significância, e nas condições meteorológi-cas verificadas no período do experimento:

Ângulo

35º32º29º26º23º20º17º

IC d

e 95

% p

ara

fato

r de

form

a

5,0

4,5

4,0

3,5

3,0

2,5

2,0

Figura 5 – Intervalo de confiança para o fator de forma para cada ângulo de inclinação.

As análises estatísticas permitem estimar, que os módulos fotovoltaicos podem ser instalados em Vitória, ES com inclinações, que variam de 17° a 35°, sem perda significativa na produção de energia. Isso pode facilitar a instalação em telhados ou superfícies pré-existentes, que apre-sentam inclinações diferentes daquelas indicadas pelos fabricantes dos módulos. Isso está de

Valor-p = 0,273

Valor -p = 0,001

Valor-p = 0,001

Valor -p = 0,273

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acordo com os resultados encontrados por Santos et al. (2012) para telhados metálicos ou de cerâmica com inclinações dos módulos até cerca de 33º, direcionados para o norte geográfico.

Uma possível explicação para os resultados expostos está relacionada com a remoção mais facilitada do material particulado depositado sobre as superfícies dos módulos, visto que para maiores inclinações poderá ocorrer o escorregamento ou tombamento natural das partículas de poeira, além de promover uma limpeza mais eficiente durante os períodos de chuva.

8 CONCLUSÃOA maior dificuldade da maioria dos projetistas é adaptar os módulos fotovoltaicos às fachadas e telhados de prédios e residências, visando maximizar a produção de energia. Desse modo, este trabalho apresenta dados importantes, para avaliar a influência do ângulo de inclinação sobre o fator de forma de módulos fotovoltaicos em Vitória, ES, objetivando maximizar a produção de energia com o menor acúmulo de material particulado.

Os resultados encontrados permitem inferir, que não há diferença para o fator de forma de mó-dulos fotovoltaicos instalados nas inclinações de 17º, 20°, 23°, 26°, 29°, 32° e 35°, ao nível de 5% de significância.

Os fabricantes dos módulos fotovoltaicos recomendam, que eles sejam instalados com inclina-ções próximas à latitude local (20°). Com o estudo apresentado, podemos concluir, que para as condições físicas da cidade de Vitória, ES, os módulos fotovoltaicos podem ser instalados com inclinações, que variam de 17° a 35° sem perda significativa na produção de energia, o que pode facilitar a instalação em telhados ou superfícies pré-existentes, que apresentem inclinações dife-rentes daquelas indicadas pelos fabricantes dos módulos.

9 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASANEEL. Atlas de energia elétrica do Brasil. Agência Nacional de Energia Elétrica. 2a ed. – Bra--sília: ANEEL, 2005.

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Sócrates: uma vida dedicada à filosofiaSocrates: a life devoted to philosophy

Sandro Dau*

Shirley Dau**

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.089RESUMOO artigo a seguir analisará a filosofia socrática e a sua influência no pensamento ocidental. Dentre as diversas questões, que podem implicar um estudo deste filósofo, escolhemos pesquisar como ele influenciou toda a reflexão filosófica posterior. O nosso objetivo é discriminar os principais filosofemas socráticos, que contribuíram para a construção da filosofia nos últimos 2500 anos. Como método de pesquisa optamos por fazer uma pesquisa bibliográfica, pois este método é o mais adequado, para compreendermos a relevância deste filósofo no desenvolvimento da filo-sofia ocidental. O resultado alcançado foi um relato fidedigno entre a sua vida e a sua filosofia.

Palavras-chave: Sócrates. Ética. Filosofia.

ABSTRACTThe following article will examine the Socratic philosophy and its influence on Western thinking. Among the various issues that may involve a study of this philosopher, we chose to research how he influenced all subsequent philosophical reflection. Our objective is to discriminate the main philosophemes Socratic, which contributed to the construction of philosophy in the last 2500 years. As a research method we chose to do a bibliographic search, because this method is best suited to understand the relevance of this philosopher in the development of Western philosophy. The result achieved was an honest account of his life and his philosophy.

Keywords: Socrates. Ethics. Philosophy.

1 INTRODUÇÃOSócrates nasceu no demo de Alopece em Atenas no ano de 470 a.C. (77a Olimpíada); era filho do escultor Sofronisco e da parteira Fenareta: em sua vida adulta seguiu a profissão do pai, contudo em seu interesse pela pesquisa filosófica colocava em prática a profissão da mãe. Ele casou duas vezes: a primeira vez com Xantipa, cuja relação deu-lhe um filho, Lamproclés; e a segunda vez com Mirtó a qual lhe deu dois filhos: Sofronisco e Menêxeno. A maior parte do que se sabe a respeito de Sócrates foi transmitido pelos diálogos platônicos, porém há uma dificuldade em saber o que é o pensamento socrático e o que é a reflexão pla-tônica. É certo que, depois de Sócrates, a filosofia ocidental mudou radicalmente e sua filosofia tornou-se uma herança sólida da cultura europeia.

No século V a.C. (período da democracia de Péricles 495-429 a.C.), a cultura helênica alcançou sua plenitude, com um grande desenvolvimento cultural, econômico, militar, político, filosófico e social. Atenas assumiu a hegemonia sobre a Grécia fazendo com que Esparta e Tebas ficassem insatisfeitas com o desenvolvimento de Atenas, por isto Esparta, incentivada por Corinto, decla-rou guerra a Atenas e a seus aliados. Como consequência imediata da guerra temos uma crise sócio-político-econômica, a qual de-sencadeou uma crise intelectual caracterizada pelo ceticismo em relação aos valores culturais. Os gregos tentaram conter essas crises se reportando aos grandes legisladores como Sólon (640-558 a.C.), que criou, na sua época, uma legislação conservadora, a fim de substituir a de Clístenes (560-508 a.C.), que era vista como causadora de todas as dificuldades em que se en-contravam os atenienses. Surge neste contexto Sócrates, o qual se diz portador de uma missão, que lhe fora confiada pelo deus do Templo de Delfos: a partir de seus questionamentos reuniu um grupo de fieis discípulos, entre eles distinguiram-se Platão (428-347 a.C.), Antístenes de Atenas (444-365 a.C.), Arístipo de Cirene (435-356 a.C.) e Euclides de Mégara (435-365 a.C.): vários destes foram fundadores de escolas socráticas. Devido à diversidade intelectual de seus discípulos cada qual adotou um diferente aspecto doutrinário dos ensinamentos do mestre, por exemplo: Antístenes apresenta-o como um moralista, enquanto que Platão o tem como o criador da filosofia especulativa.Após o dia de trabalho, como escultor, lia as obras dos grandes mestres, que conseguia obter; apesar de sua pobreza pode frequentar diversas discussões filosóficas, uma vez que seu discí-* Sandro Dau é graduado em Ciências Sociais, bacharel em Antropologia da Comunicação, graduado em Filosofia, bacharel em Filosofia Antiga, mestre em Filosofia (Ética), doutor em Filosofia (Ética) e Pós-doutor em Filosofia (Ética). Autor de vários livros que tratam do método de pesquisa científica, sociologia, filosofia e política.** Shirley Dau é licenciada e bacharel em Filosofia pela UFJF, mestre em Filosofia pela UFRJ. Atualmente é Profes-sora Auxiliar (nível 04) da UFSJ. Tem como área de atuação a Teoria do Conhecimento com ênfase nos seguintes temas: Metodologia; Epistemologia; Filosofia Analítica e Filosofia da Linguagem. É autora de vários livros que tratam do método de pesquisa científica e sociologia.

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pulo Crítias pagava por sua educação, por isso foi-lhe possível participar das palestras de Anaxá-goras de Clazômenas (499-428 a.C.) até os 35 anos, entretanto com a expulsão deste de Atenas, passou a frequentar o círculo de Arquelau de Atenas (V a.C.), que se considerava continuador de Anaxágoras de Clazômenas; frequentou, ainda, as palestras sobre eloquência ministradas por Pródico de Cós (465-365 a.C.) e de vários outros mestres nos mais variados campos do saber.

A filosofia de Sócrates tem a característica de purificação da psiqué assim como a de Pitágoras de Samos (582-497 a.C.) e de Parmênides de Eleia (530-460 a.C.). Além deste caráter Sócrates acentua a importância da moral: “Sua filosofia, como aquela que situa a essência na consciência como um algo geral, não é, na realidade, uma verdadeira filosofia especulativa, senão uma ação individual; sem embargo, propunha-se como meta, evidentemente, chegar a instituí-la como uma ação de validade universal.” (HEGEL, G. F. W., p. 46, v.2.)

O conhecimento socrático tinha um interesse formal (lógico), pois sua reflexão se caracteriza pelo aspecto lógico-metodológico do conhecimento, por outras palavras ele desejava encontrar uma verdade absoluta. É possível concluir, portanto, que mesmo no século V a.C. ele faz a per-gunta do homem moderno: qual é o valor, o limite e a verdade contida no conhecimento?

De acordo com Platão, Sócrates era dono de um autocontrole enorme sendo capaz de suportar o frio, a fome e a sede, bem como os prazeres do corpo, era capaz de permanecer por longos períodos em profunda concentração. «É um hábito seu esse: às vezes retira-se onde quer que encontre, e fica parado.» (PLATÃO. O Banquete, p. 16.). Outros hábitos de Sócrates eram a capacidade de dormir pouco e de beber em grande quantidade e não se embebedar, sobre esse costume seu discípulo Alcibíades Clínia (450-404 a.C.) afirmava: “Para Sócrates, senhores, meu ardil não é nada: quanto se lhe mandar, tanto ele beberá, sem que por isso jamais se embria-gue.” (PLATÃO. O Banquete, p. 51.). Em outra passagem seus amigos enaltecem seu poder de sedução sobre seus discípulos; é o que se constata em A República, quando Glauco destaca: “Com efeito, creio que Trasímaco cedeu mais rapidamente do que devia, fascinado por ti como uma serpente; [..].” (PLATÃO. A República, p. 42.)

Sócrates saiu de Atenas por quatro vezes: a primeira “quando te dirigiste ao istmo de Corinto para assistir aos jogos. Nunca saíste, exceto para expedições militares [..].” (Platão. Críton, p. 111.). Nas guerras que participou mostrou-se corajoso e solidário, para com os amigos em peri-go: isso pode ser visto na batalha do Peloponeso, Potideia (432 a.C.), quando salvou Alcebíades e foi condecorado por bravura; na batalha da Beócia, Délio (424 a.C.) salvou Xenofonte (427-355 a.C.); por fim na terceira guerra, da qual participou, a de Edonis, perto de Anfípolis (421 a.C.), não foi menos solidário para com os amigos em perigo.

Sua participação política se restringiu ao mínimo necessário como cidadão, visto que se preocu-pava com a filosofia, pois, como ele próprio dizia, isso não o deixaria cumprir a missão, que lhe fora imposta pelo deus. Aponta, ainda, dois motivos para não ter atuado com mais frequência nos assuntos da pólis: o primeiro é devido à sua obediência a essa voz interna, que diz a ele para não se dedicar aos assuntos políticos, pois muito provavelmente teria morrido e dessa maneira nada teria realizado de útil à pólis; o segundo é relativo à defesa da justiça, pois um homem que queira ser justo não deve “exercer funções públicas”. Não obstante, a essas escusas ele exer-ceu a magistratura duas vezes: uma foi durante a democracia no julgamento dos dez capitães, que na batalha de Arginusas não recolheram os mortos e os náufragos. Nesse exercício ele se opôs àqueles, que queriam ir contra a lei e condenar a todos os capitães: “Então eu me opus, lutando para que nada fosse feito contra a lei, e votei. Os oradores habituais já estavam prontos a suspender-me da função e aprisionar-me, e vós a instigá-los e a gritar; julguei que era meu dever correr aquele risco mantendo-me ao lado do direito e do justo em vez de apoiar-vos a deliberar o injusto por temer a prisão e a morte.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, pp. 84-5.)

A outra participação política foi sob a Tirania dos Trinta, quando os tiranos o chamaram à sala do Tolo e ordenaram-no que trouxesse Leon de Salamina, para que fosse executado. Sócrates não os obedeceu e foi para casa; assim mais uma vez mostrou que a morte não era sua preocupa-ção e que o importante era não cometer injustiças: “se me visse obrigado a optar entre praticar alguma injustiça ou sofrê-la, preferiria sofrê-la, não praticá-la.” (PLATÃO. Górgias, XXIV.). E mais adiante: “Em si mesma, a morte não é de temer, salvo por quem for insensato e pusilânime. O que é de temer é cometer injustiça.” (PLATÃO. Górgias, LXVIII.)

Sócrates não criou uma escola e sua filosofia existencial era apresentada em locais públicos, onde fazia as seguintes perguntas, aos quais seu daimon indicava que era alguém, que merecia ser questionado: tem conhecimento de si mesmo? O que é a verdade e a ciência? Qual o valor do homem? Qual sua opinião a respeito deste tema? Que quer provar com este pensamento? Quais as consequências do seu posicionamento?

O objetivo de seu discurso era patentear a fragilidade das opiniões dos interlocutores, para assim

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mostrar as inconstâncias de seus argumentos e indicar a obscuridade de seus conceitos. Como consequências muitas reputações de sapiência revelaram-se infundadas e mesmo as tradições mostravam-se preconceituosas: evidenciava, pois, com seus questionamentos a falta de base racional dos discursos alheios, bem como o preconceito das tradições e da religião gregas: era deste modo, que ele evidenciava a ignorância pela própria ignorância, a qual prende a psiqué em seu próprio engano e a distancia de si própria.

Com Sócrates a filosofia passa a ser crítica, isto é, nega o dogmatismo, assim toda e qualquer crença, doutrina, valores, usos, costumes, ideias, opiniões, leis e instituições sofrem uma críti-ca radical, pois todas devem ser questionadas, uma vez que eram crenças sem consistências, portanto devemos procurar os fundamentos teóricos para uma nova pólis. Ele transmitia suas ideias filosóficas pela via oral, porque acreditava que esta era a única maneira de se filosofar “onde o mestre mais pergunta do que responde, excita a reflexão ativa do discípulo e provoca sua resposta dirigindo-a a procurar para descobrir; ou seja: é um despertador de consciências e inteligências, não um provedor de conhecimento.” (MONDOLFO, Rodolfo. Sócrates, p. 37-8.) Sócrates é um mestre, que não estipula uma meta a ser atingida durante o diálogo; isso fica patente, quando Adimanto diz que Sócrates irá examinar a relação da tragédia e da comédia na pólis, ao que ele responde: “Talvez mais do que isso, pois eu ainda não sei ao certo. Contudo, para onde a Razão, como uma brisa, nos levar, para lá devemos seguir.” (PLATÃO. A República, 1999, p. 86.)

O saber socrático tinha por objeto o cuidado com a psiqué e o afastar dela todas as ilusões de co-nhecimentos, a fim de se obter o conhecimento verdadeiro, racional. Ele não constrói um sistema filosófico, justamente porque sua filosofia está em conexão direta com sua vida: “No despertar da consciência que a filosofia alcança com Sócrates no exercício da sua tarefa de purificação espi-ritual e que se afirma com o ditame do oráculo de Delfos: - Conhece-te a ti mesmo. Porém não já no sentido original - ‘sabe-se que és mortal e que não deves pensar coisas divinas’- mas, ao contrário, em um sentido procedente das crenças órfico-pitagórico: ‘sabes que tens uma psiqué divina e deves purificá-la de tudo o que é indigno da sua natureza e da sua tarefa.” (MONDOL-FO, Rodolfo. Sócrates, p. 50.) Com essa máxima quer que o interlocutor tenha consciência da finalidade da vida e dos erros que se cometeu. Não saber que está no erro, é o maior obstáculo à purificação da psique, porquanto não conhecer a si mesmo leva o homem a se iludir com a pretensão de sabedoria; entretanto ao reconhecer que não sabe nada temos a primeira verdade, que brota quando o homem questiona sua psiqué: “Este retorno da consciência a si mesma se manifesta - em Platão, muito prolixamente - sob a forma de que o homem não pode aprender nada, tampouco a verdade, o qual não quer dizer que a virtude não forme parte da ciência. O que ocorre é que, segundo demonstra Sócrates, o bom não vem de fora; não é suscetível de ser ensinado, senão que vai implícito na natureza mesma do espírito.” (HEGEL, G. F. W. Historia de la Filosofia, p. 63, v.2.) Sócrates não afirma a realidade da psiqué como o faz Platão, pois ele não a separa do corpo, portanto neste sentido seguir à psiqué é servir ao deus, porque “ela é o espírito pensante e razão moral, e estes são os bens supremos do mundo.” (JAEGER, Werner. Paideia, p. 495.)

2 “SÓ SEI QUE NADA SEI”A situação de Sócrates em Atenas era perigosa, porque em seu ensinamento partia do pressu-posto que nada sabia; este posicionamento ele o aceitava como superior até mesmo ao do orá-culo de Delfos: “ainda não cheguei a ser capaz como recomenda a inscrição délfica de conhecer a mim próprio. Parece-me ridículo, pois, não possuindo eu ainda esse conhecimento, que me ponha a examinar cousas que não me dizem respeito.” (PLATÃO. Fedro, p. 196.)

Os cosmólogos pretenderam possuir muita sabedoria, mas esqueciam-se, segundo Sócrates, que o único saber fundamental é o que segue o imperativo: “conheça-te a ti mesmo”, por isso ele admitia, que nada sabia ao afirmar: “só sei que nada sei”. Esta afirmação não revela um saber, contudo é uma predisposição ao aprendizado e ao mesmo tempo uma oposição, também ao sofista: “Quando se afirma que tudo sabe e que tudo se ensinará a outrem, por quase nada, e em pouco tempo, não é caso de se pensar que se trata de uma brincadeira?” (PLATÃO. Sofista, p. 159, 234a.) Essa sua máxima, portanto, é um confronto direto com o sofista, visto que esse afirmava algo, que poderíamos entender, mais ou menos, como: “só sei que tudo sei.”

O reconhecimento, por parte do homem, de não saber não é uma sabedoria, mas um desejo de aprender, visto que reconhecimento da própria ignorância faz com que o espírito se purifique de todos os erros: “Mas, meu caro Crítias, lhe respondi, procedes comigo como se eu conhecesse as questões por mim apresentadas e como se bastasse querer para ficar de acordo contigo. Porém, não é assim; investigo contigo o que é trazido à discussão, justamente por ignorá-lo. Só depois da investigação é que poderei dizer se estou ou não de acordo contigo. Dá-me tempo

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para refletir.” (PLATÃO. Cármides, 2007, 165c.)

Para Sócrates o princípio de todo o saber está em aceitar a ignorância sobre as coisas: “A que poderá ser, senão ao que convém ao ignorante? Ora, convém-lhe ser instruído por quem sabe; portanto, condeno-me a isso.” (PLATÃO. A República, 1999, p. 19.) A partir deste ponto de vista é possível estabelecer uma linha divisória entre o subjetivismo sofístico e o socrático, uma vez que segundo os sofistas o sujeito humano é um espelho da realidade, sendo esta multiforme, também seu reflexo será variado.

3 REAÇÃO CONTRA SOFÍSTICASócrates combateu os sofistas dizendo, que eles se apresentavam como sabedores, por isso são eles quem devem responder às perguntas dos outros: “És tu que deves falar, dado que pre-tendes saber e ter algo a dizer.” (PLATÃO. A República, 1999, p. 19.) Apesar de se colocar contra os sofistas ele trata dos mesmos temas com quais os sofistas refletiram: o homem; as questões políticas e morais; bem com a vinculação dessas questões aos problemas da linguagem; além disso, tal como os sofistas, defende a Razão como tribunal último de todas as decisões.

Sócrates, e os sofistas, retomaram a ideia de que a excelência poderia ser aprendida: por ser uma capacidade intelectual sobre uma determinada atividade, ela poderia ser ensinada: tal ati-tude deixava a aristocracia irritada, visto que para ela a excelência era recebida de herança da família, era dada pelo sangue.

Sócrates se afasta dos sofistas ao afirmar o pensamento como objetivo e não subjetivo, entretan-to. Há, ainda, três características que o difere dos sofistas: ensina gratuitamente; adota o método do diálogo; traz soluções novas aos problemas analisados pelos sofistas. Sócrates, também, não aceita teoria relativista dos sofistas, a qual parte do pressuposto de que não há uma verdade absoluta, quanto aos valores morais, à verdade, à conduta política, etc. Sócrates é totalmente contra esta perspectiva, para ele se não houvesse um consenso quanto ao significado das pala-vras, a comunicação entre os homens seria impossível; logo deveria restabelecer o valor da lin-guagem como objetiva e válida para a comunidade de homens, para tanto prega a necessidade da definição rigorosa dos conceitos.

É devido a este motivo, que ele reage ao relativismo sofístico, para tanto ele se alicerça em pres-supostos órfico-pitagóricos, pois o conhecimento não é uma sucessão de impressões sensíveis e muito menos é uma criação humana, a partir das impressões sensíveis, dos sinais convencio-nais, que constituiriam a linguagem.Ele debate longamente com os sofistas, apesar de vários temas sofísticos fazerem parte de sua filosofia, os resultados a que chegava eram diferentes dos da sofística: “não pretendo convencer os ouvintes de que é verdadeiro tudo o que eu disser – embora o deseje secundariamente – mas em primeiro lugar desejo persuadir-me, a mim mesmo, disso.” (PLATÃO. Fédon, p. 102-3, 91 a.)

4 MISSÃO SOCRÁTICAPara os sofistas a filosofia era uma atividade profissional como qualquer outra, enquanto que na visão socrática era uma missão sagrada, que lhe fora dada pelo oráculo de Delfos: o homem deve cuidar de sua essência, isto é, da sua psiqué; essa é a missão que Sócrates diz ter recebido dos deuses: cuidar da psiqué dos homens. Deste modo, podemos afirmar que sua missão era viver filosofando e dedicando a conhecer-se a si mesmo e aos outros. Ele considerava isso tão importante, que afirmava que caso deixasse de cumprir as ordens do deus deveria ser levado ao tribunal, porque teria abandonado o posto, que lhe fora delegado: nessa circunstância deve-ria ser acusado de desobedecer aos deuses, de recear à morte e de se sentir sábio sem sê-lo. É por esse motivo, que anda pela pólis dizendo aos cidadãos, para não se preocuparem “nem com o corpo, nem com as riquezas, nem com qualquer outra coisa [...]”, pois o homem deve ter somente uma preocupação: tornar a psiqué excelente e virtuosa, uma vez que “das riquezas não se origina a virtude, mas da virtude se originam as riquezas e todas as outras coisas que são venturas para os homens, tanto para os cidadãos individualmente como para o Estado.” (PLA-TÃO. Apologia de Sócrates, p. 82.) Essa missão, a qual se dedicou e, até mesmo, morreu por ela, se resumia a ensinar os homens a cuidarem de sua psiqué; por essa causa não cobrava por suas lições, pois eram exercidas em nome do espírito religioso e abertas a qualquer um que se interessasse em buscar o saber.

A única sabedoria que Sócrates afirma ter é a sabedoria humana (“se de fato trata de sabedo-ria”) e nada mais do que isso: essa sua afirmação é importante, pois seu saber não é dado por deuses, mas por suas pesquisas, interrogações. Ele narra, que seu amigo Querefonte dirigiu-se ao templo de Delfos e perguntou ao oráculo se existia um homem mais sábio que Sócrates, ao

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que recebeu uma resposta negativa. Querefonte voltou às pressas, para Atenas e apresentou ao mestre o oráculo: o filósofo questionou sobre o significado do enigma e por muito tempo ficou na dúvida. Sócrates diz que longamente se manteve nesta dúvida, todavia ele foi procurar aqueles, que se consideram grandes sábios, a fim de desmentir o vaticínio. A fim de mostrar a todos, que ele estava certo (“só sei que nada sei”) e o oráculo estava errado (Sócrates é o homem mais sábio, que existe) decidiu, que deveria interrogar a todos, que se apresentassem como sábios. Deste modo, ele percorreu as ruas de Atenas tentando encontrar homens mais sábios do que ele.

Na tentativa de resolver a questão procura primeiro um político com fama de ser sábio, entretan-to o resultado da pesquisa mostrou, que o político não era sábio e Sócrates preocupado com o saber age da seguinte maneira: “Procurei fazê-lo compreender que embora se julgasse sábio, não o era. Em vista disso, a partir daquele momento, não só ele passou a me odiar, como tam-bém muitos dos que se encontravam presentes.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 71.) Da reação dos presentes em relação às suas perguntas Sócrates pode concluir, que era mais sábio, do que aqueles com os quais dialogava, porque mesmo não sabendo nada, não afirmava saber alguma coisa: “como não sabia, também não julgava saber, e tive a impressão de que, ao menos numa pequena coisa, fosse mais sábio que ele, ou seja, porque não sei, nem acredito sê-lo.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 71.)

Sócrates busca uma resposta, porque precisa saber se o oráculo estava certo ou não, por esse motivo ele procurou os poetas, a fim de confirmar que o oráculo estava errado e ele, Sócrates, era menos sábio do que aqueles, uma vez que, esses também, se apresentavam como sábios. Após ter procurado os políticos ele dirige-se aos poetas tentando aprender alguma coisa com eles: não podemos esquecer, que era por intermédio das poesias de Homero e Hesíodo, que o homem grego aprendia todas as coisas, às quais deveriam saber, para bem viver na pólis. Só-crates quer mostrar que a educação dos atenienses se faz através não da ve rdade, contudo por intermédio de falsas imagens trazidas pelos poetas: esta crítica é dirigida ao saber do homem comum afirmando, que eles se encontram no caminho do erro e não no caminho da verdade.

Partindo do estudo das poesias Sócrates foi interrogar aos aedos, para sua surpresa e a dos pre-sentes sabia mais sobre o assunto, que tratava a poesia do que os próprios poetas. E descobriu: “que não era por nenhum tipo de sabedoria que eles faziam versos, mas por uma propensão e inspiração natural que eu desconheço, como os adivinhos e vaticinadores, que dizem de fato muitas coisas belas, mas não conhecem nada do que dizem, e aproximadamente o mesmo, e isto eu percebi com clareza, é o que ocorre entre os poetas.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 72.)

A conclusão socrática sobre os poetas foi idêntica, à que chegou a respeito dos políticos: eles não conhecem nada sobre o que falam, por esse motivo sentiu-se melhor do que os poetas, por-quanto nada sabe, entretanto nada afirma saber: o que os poetas dizem não se trata de verdade alguma, mas apenas coisas belas e nada mais.

Por fim, Sócrates dirige-se aos artesãos (“que de sua arte tinha a consciência de não conhecer nada”) considerando-os como conhecedores de inúmeras coisas: o contato com os artesãos revelou, que eles sabiam muitas coisas, inclusive, coisas, que o próprio Sócrates não sabia e, por conseguinte, eles eram mais sábios nesses assuntos, contudo, eles tinham um grave defei-to, visto que por serem sábios em sua arte transpunham os limites dela e falavam sobre coisas, que não tinham conhecimento. Daí Sócrates afirmar: “De forma que eu, em nome do oráculo, indaguei a mim mesmo se deveria permanecer tal como era, nem sabedor de minha sabedoria nem ignorante de minha ignorância, ou ser ambas as coisas, como eles, e respondi a mim e ao oráculo que convinha continuar tal qual eu era.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 73.)

5 OS RESULTADOS OBTIDOS EM SUA BUSCA Como consequência da sua tentativa em resolver seu problema (“que quer dizer o deus ao afir-mar, que sou o mais sábio dos homens?”) Sócrates angariou inúmeros inimigos e diversas calú-nias, entre as quais a fama de ser sábio. Todavia, diz ele, que a afirmação do oráculo (não existe ninguém mais sábio do que Sócrates) quer simplesmente mostrar que a sabedoria do homem “muito pouco ou nada vale”. Por este motivo Sócrates procura, em nome do oráculo, alguém que seja sábio e, no entanto, ainda não encontrou nenhum homem, que pudesse contradizer o orá-culo. Devido a esta sua pesquisa ele pouco pode fazer pela pólis e por sua casa levando, pois vive a serviço dessa missão dada pelo oráculo.

Devido às suas pesquisas Sócrates sentiu-se muito caluniado e, dentre todas, a que mais o in-comodava era a fama de ser sábio, uma vez que não se considerava sábio, entretanto apenas deixava às claras a ignorância alheia. A conclusão a que ele chega é, que o saber humano vale pouco ou nada: “E não é a ignorância, a mais vergonhosa das ignorâncias, acreditar saber o que

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não se sabe?” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 81.) Sendo assim, porque o oráculo disse ser ele o mais sábio dos homens? Sócrates responde, que sábio é o deus e que ao usar o nome de Sócrates para dizer, que ele é o mais sábio dos homens, o oráculo quer apenas dizer, que sábio é aquele reconhece os limites do seu saber e procura por novos conhecimentos.

A irritação causada por Sócrates a muitos homens de sua época, era devido ao fato de que estes o vissem com responsável pela destruição de certas crenças tradicionais; sobretudo Sócrates intervinha em assuntos, aos quais os homens mais resistem: suas próprias vidas. Por intermédio de constantes interrogações fazia surgir, o que antes não parecia existir: um problema. Assim, dedicou-se a descobrir problemas ocultos pela falsa sabedoria, por ignorâncias encobertas, por inautênticas satisfações, mas para descobrir as respostas aos problemas, é necessário existir sempre a Razão: Sócrates aceitou essa necessidade e converteu-a em uma de suas máximas virtudes, portanto ele não via contradição entre Razão e virtude.

Devido a seus questionamentos Sócrates foi levado ao tribunal, para ser julgado por três crimes: introduzir novos deuses, não reconhecer os valores tradições e corromper a juventude. Durante seu julgamento Sócrates afirma, que caso seja condenado não estará recebendo nenhum mal, visto que um homem de bem não pode ser prejudicado por um homem mal, por esse motivo ele apela aos atenienses dizendo, que sua absolvição não fará bem a ele, sem embargo aos pró-prios cidadãos, que não se oporiam ao oráculo.

6 O DAIMON SOCRÁTICOAntes de chegar ao tribunal ele se encontrou com Eutífron, perto do Pórtico do Rei (local onde Meleto fixou a acusação), que afirma ser Sócrates perseguido e erroneamente tachado de in-trodutor de novas divindades na pólis: “Entendo, Sócrates, e acredito que ele [Meleto] esteja se referindo a esse daimon, que tu dizes ouvir a todo tempo. Ele deduz daí que promoves inovações no que diz respeito ao divino, de onde se origina sua acusação. E apresenta-se diante do tribunal para caluniar-te, convicto de que tais coisas se prestam a interpretações errôneas por entre o populacho.” (PLATÃO. Eutífron, p. 36.)

Sócrates admite que possui um “espírito divino e demoníaco”, que desde criança faz com que ele desista de fazer algo, não obstante nunca o impele a uma determinada atitude. Ele dizia obedecer a este daimon (o qual foi identificado como a tentativa de introdução de um novo deus, por isso o perseguiram), todavia os atenienses não conseguiram compreender, que o daimon socrático era somente sua própria consciência: “Ele sempre me impede de fazer o que desejo.” (PLATÃO. Fedro, p. 212.) O daimon não se refere à sua filosofia, pois para ele a verdade vem da Razão e não dos deuses; ele não se refere muito menos à moral, pois ele somente dizia o que não era para fazer: era apenas um sinal, que o advertia para evitar prejuízos. O daimon socrático somente não o advertiu no dia do seu julgamento: “A usual inspiração, a da divindade, sempre foi rigorosamente assídua em opor-se a ações mínimas, quando eu ia cometer um erro; [..] mas a advertência divina não se me opôs de manhã, ao sair de casa, nem enquanto subia aqui para o tribunal, nem quando ia dizer alguma coisa; [...].” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 95)

É este daimon, que o orienta em seu périplo intelectual, porquanto o faz identificar três tipos de espíritos, quanto à busca pela sabedoria, aqueles que: têm repulsa pelo saber; não têm interesse pelo saber; têm interesse pelo saber. Ao primeiro e ao segundo grupo Sócrates não se dirige, pois não apresentam nenhuma receptividade à sabedoria. É somente o terceiro grupo, que po-derá se transformar em discípulo na busca pela sabedoria, porquanto nele existe a simpatia, que é a base para o dialogar.

Alguns jovens atenienses ricos seguem Sócrates por toda parte, a fim de vê-lo interrogar os ho-mens, que se dizem sábios e, às vezes tentam fazer o mesmo que o mestre: por serem jovens e cheios de ímpeto eles interrogam qualquer um e não os largam até mostrar, que os interrogados nada sabem. O resultado de suas ações é que aqueles, que tiveram um contato desse tipo com eles atacam Sócrates como sendo um homem infame e corruptor da juventude. Quando, todavia, os pretensos sábios são inquiridos sobre o que Sócrates ensina aos jovens, para corrompê-los eles não dizem nada de relevante.

7 JULGAMENTO DE SÓCRATESSócrates diante do tribunal afirma, que se tivesse de escolher a desobedecer ao deus e não mais filosofar, preferiria obedecer ao deus e continuaria a estimular e a censurar os atenienses, mesmo correndo o risco de morrer, porquanto sua vida é a filosofia, por conseguinte uma vida sem o filosofar não merece ser vivida. Sua censura aos atenienses é a respeito da preocupação com “riquezas, fama e honras” e seu estímulo está em fazê-los cuidar “da inteligência, da verda-de e da psiqué”, por conseguinte, o maior bem, para a pólis é a sua obediência ao deus: “tende

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certeza de que nunca agirei de outra maneira que esta, mesmo que não só uma, mas muito mais vezes devesse morrer.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 82.) As atitudes tomadas por ele foram determinadas pelo deus, que lhe ordenou a estimular a pólis com o ferrão de seus questio-namentos, que não tem outro interesse a não ser torná-la mais virtuosa: “E a prova cabal de que é verdade o que vos declaro, eu dou: a minha pobreza.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 83.)

O motivo de sua condenação era político por ser amigo de Alcibíades, um dos Trinta Tiranos, mas comumente enumeram-se três motivos: falar sobre as coisas do céu; falar sobre segredos obscuros; transformar as razões mais fracas em mais fortes. Daqueles que o processaram ele identifica dois grupos de acusadores: antigos; recentes. Estes são os mais temidos, pois admi-tem que quem trata desses assuntos não crê nos deuses: eles causam um maior temor, por-quanto pode parecer, que os homens, que agem como Sócrates, são acusados de não crer na existência dos deuses.

Essas três acusações foram apresentadas por Meleto (representando os poetas), Ânito (defen-dendo os artesãos e políticos) e Lícon (expondo a insatisfação dos oradores). Os políticos não aceitavam o fato de Sócrates propor a superioridade da inteligência sobre a assembleia popular: essa é a verdadeira causa da condenação Sócrates, a não aceitação de uma assembleia forma-da por homens comuns, para governar a pólis. Por isso, podemos afirmar, que a condenação de Sócrates ocorreu por questões políticas e não religiosas, as quais foram usadas somente como pretexto. Sócrates não era favorável à democracia e com o fim da Tirania dos Trinta ele se viu em apuros, pois seus discípulos Crítias e Alcebíades participaram diretamente desse governo.

A primeira defesa de Sócrates é contra o representante dos poetas: Meleto. A acusação de Me-leto a Sócrates é exposta pelo filósofo da seguinte maneira: “Sócrates é réu de corromper os jovens, de não crer nos deuses nos quais a cidade crê e também de praticar cultos religiosos extravagantes.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 75.) E, continua, Meleto: “Sócrates é réu de haver-se ocupado de assuntos que não eram de sua alçada, investigando o que existe embaixo da terra e no céu, procurando transformar a mentira em verdade e ensinando-a às pessoas”. (Platão. Apologia de Sócrates, p. 68.)

Sócrates admite que esta acusação é falsa, como falso é dizer que ele ensina por dinheiro como fazem Protágoras de Abdera, Górgias de Leontino, Pródico de Cós e Hípias de Élida. Ele mos-tra-se chateado pela juventude ateniense procurar os sofistas, que são estrangeiros, ainda por cima pagar-lhes e serem gratos a eles, visto que os sofistas, para Sócrates, têm somente um saber aparente.

Sócrates considera a acusação de Meleto (corrupção da juventude) como sendo vil, pois o acu-sador é jovem, portanto acha-o um gênio por ver nas atitudes socráticas um modo de corromper os jovens. Sócrates interroga Meleto sobre como tornar os jovens melhores, pois de acordo com esse acusador é o único em Atenas, que torna os jovens corruptos. Mas, Sócrates mostra, que Meleto não se preocupa com os jovens e muito menos com as outras coisas com que o acusou. Então, afirma que quem torna um homem mau arrisca-se a receber o mau, portanto ele não pode tornar os jovens maus. E, conclui, que ele não corrompe os homens ou caso os corrompa o faz sem querer; todavia, a lei ateniense diz, que somente será levado ao tribunal aquele que deva ser castigado e não aqueles, que precisam censurados: no caso de Sócrates, por ele edu-car mau aos jovens, não por querer e sim por engano, ele deve ser censurado e não castigado, portanto não deveria estar no tribunal.

Na acusação de Meleto encontra-se ainda a afirmação, de que Sócrates ensina aos jovens a não acreditarem nos deuses da pólis e a introduzir novos deuses. Ora, diz Sócrates, é claro que não há motivos para a acusação de ateísmo, visto que ele, como quer Meleto, introduz novos deuses na pólis. Meleto acusa a Sócrates de pregar que o sol e a lua não são deuses, entretanto são apenas pedras: Sócrates diz que essas afirmações não são suas e sim de Anaxágoras de Clazô-menas (500-428 a.C.) e que seus livros estão à disposição de qualquer um por um preço módico. Sócrates não admite ser acusado de ateísmo, porque ele respeita aos deuses. Por considerar a acusação de Meleto impertinente Sócrates deixa de interrogá-lo e dirigindo-se à plateia afirman-do, que se algum dano ele deve temer não é de seus acusadores, todavia o ódio dos homens.

Seguindo essa linha de raciocínio vemos, que sua recusa às acusações torna-se inamovível: “Se morreres, serás vítima de injustiça, não das leis, mas sim dos homens, e se saíres daqui com ignomínia, trocando a justiça pela injustiça e mal pelo mal, desobedecerás à convenção que te obriga conosco, leis, e causarás dano a muitos que não esperam isto de ti e a ti mesmo, bem como a nós, a teus amigos e à tua pátria.” (PLATÃO. Críton, p. 113.)

Ao receber o veredicto ele não se abala, porque já esperava pela sentença, entretanto ele es-tranha ter tantos votos a seu favor, já que não contava com isso: a pena pedida por Meleto é a morte. Como pena alternativa Sócrates pede para ser alimentado no Pritaneu, uma vez que ele

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faz mais bem à pólis do que os vencedores dos Jogos Olímpicos. Como essa pena alternativa não foi aceita pelos jurados, ele propõe pagar multa de uma mina de prata, visto que é muito pobre e não tem condições de arcar com mais. Como o valor é irrisório seus discípulos propõem uma multa de trinta minas, o que ele não aceitou e foi levado à prisão.

Após ser sentenciado à morte, Sócrates diz que pior, que a morte é a maldade: “Não se tenha por difícil escapar à morte, porque muito mais difícil é escapar à maldade; ela corre mais ligeira que a morte.” (PLATÃO. Apologia de Sócrates, p. 94.) Ao receber a sentença Sócrates dirige-se àqueles, que votaram pela pena capital dizendo-lhes, que o próprio Zeus os castigará, além dis-so seus discípulos pedirão conta do que o mestre sofreu.

Ao falar com os que os absolveram diz, que seu daimon não o advertiu uma vez sequer e que isso significa, que talvez a morte seja um bem para ele e não um mal. A morte talvez seja um bem, visto que morrer só pode ser duas coisas: nada; emigração. No primeiro caso não se sente coisa alguma, caso a morte seja um sono sem sonho seria uma grande vantagem. Se a morte é uma mudança para outro lugar, no qual se encontram todos os mortos, então isso será um gran-de bem, visto que poderá encontrar Orfeu, Museu, Hesíodo e Homero. Por esse encontro estaria disposto a morrer muitas vezes, porque seria um bom entretenimento encontrar os que foram mortos por sentença iníqua. Além disso, passaria todo seu tempo interrogando quem é sábio e quem não o é: e com a vantagem de não ser condenado à morte.

8 SÓCRATES NA PRISÃOAlguns tentaram persuadi-lo a reconhecer seus “crimes”, para assim sair da prisão, Sócrates não aceitou o oferecimento e preferiu cumprir a sentença livremente aceita, pois acreditava que existisse uma vida após a morte: “Tive a impressão de ver perto de mim uma mulher alta e bela, vestida de branco, que me chamava e dizia: ‘Sócrates, em três dias estarás na fértil Ftia’.” (PLA-TÃO. Críton, p. 102.)

Na tentativa de convencer Sócrates a fugir, Críton apela para a situação que ficará seus filhos, pois ou se não tem filho ou se os tem deve-se ter o máximo de cuidado para com eles. Além disso, diz Críton, é preciso pensar em seus amigos, que serão acusados de covardia por deixá-lo morrer, bem como por deixá-lo comparecer ao tribunal e ser acusado em um processo vergonho-so. Críton diz a Sócrates que tanto ele como Símias de Telos e Cebes tem dinheiro suficiente, para pagar a multa ou mesmo subornar os guardas, a fim de que facilitem a fuga de Sócrates.

Quando Críton diz a Sócrates, que receia o que o povo pensará sobre ele, por ter deixado o ami-go morrer sem pagar a multa ele fica receoso, porque nada há de mais vergonhoso do que se apegar mais ao dinheiro do que aos amigos. Entretanto, Sócrates tentando consolá-lo dizendo, para não ouvir ao povo, porém aos homens racionais, visto que eles sabem realmente o que aconteceu.

Sócrates não aceitou a proposta de Críton, uma vez que é de seu hábito sempre agir de acordo com a justiça: caso a fuga seja justa deve-se tentá-la, sem embargo caso seja injusta é preciso abandoná-la e obedecer ao tribunal. Além disso, durante o processo poderia ter pedido o exílio e assim poderia sair de Atenas com seu consentimento o que não foi feito naquele momento.

Afirmando que nem todas as opiniões devem ser consideradas, sem embargo é necessário levar em consideração apenas as boas opiniões, por consequência a opinião do povo não deve ser considerada, contudo o que a verdade diz. A opinião do povo é um péssimo juiz no que diz res-peito ao justo, bom, digno e do contrário, admitindo que o povo não se interessa por raciocínios, sem embargos por fatos: “Se no instante de nossa fuga, ou como queres denominar nossa saída, as leis da República nos dissessem: ‘Sócrates, o que vai fazer? Executar teu plano não significa aniquilar-nos completamente, sendo que de ti dependem as leis da República e as de todo o Estado? Acreditas que um Estado pode subsistir se suas sentenças legais não têm poder e, o que é mais grave, se os indivíduos as desprezem e as aniquilam?’.” (PLATÃO. Críton, p. 109.)

Com esse argumento Sócrates quer mostrar a Críton, que o cidadão, para viver na pólis, neces-sita se submeter às leis. A vida do cidadão depende das leis, porque são elas que garantiram o casamento, a educação, a alimentação, que dizem aos pais como é preciso educar o corpo e a alma dos filhos: por tudo isso o cidadão é filho das leis e sendo assim deve se submeter a elas. Sócrates conclui que não poderá fugir, porque será lhe apontado três culpas: desobedecer às leis que garantiram seu nascimento; perturbar às leis que o amamentaram e o alimentaram; ofender a fé jurada. Logo, um homem que burle as leis deverá ser “considerado corruptor dos jovens e do povo ignorante”.

Porque ele não fugiu? Porque ele tinha respeito às leis da pólis, que sempre o protegera, por isso não seria justo desobedecer às leis justas, que ele próprio ajudou a construir. Assim, em 399 a.C.

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(95a Olimpíada) Sócrates tomou uma taça cheia de cicuta e pouco tempo depois morreu.

Sua vida estava constantemente dirigida a dar aos homens o conhecimento e a sabedoria de que a filosofia não é mera especulação sobre o mundo (exterior às outras atividades humanas), contudo é antes de tudo um modo de ser, portanto esta vida, que é a própria filosofia, deve ser sacrificada quando for preciso.

9 CONSIDERAÇÕES FINAISCom Sócrates a consciência toma forma e seu surgimento está ligado diretamente aos aconteci-mentos e às discussões do dia a dia de seu mundo: seu princípio filosófico é o da interioridade do pensamento. Difere seu pensamento do dos físicos jônicos (que se preocupavam com a nature-za e não refletiram sobre o pensamento), como também se afasta do pensamento dos atomistas (que transformam a essência em pensamento, mas ainda são abstrações). Seu pensamento abarca os problemas do: saber; valor. Além dessas questões tem mais três características: o pensamento é o geral que se auto determina; a liberdade da consciência de si mesma; o bom no sentido prático.

Anaxágoras de Clazômenas (499-428 a.C.), em busca do princípio de todas as coisas, abando-nou a materialidade e o transformou em pensamento, o qual foi denominado de pensamento, Inteligência, Nous. A essência socrática é o eu geral e neste ponto se aproxima de Anaxágoras, pois para este filósofo era o Nous que governava o mundo. Em Sócrates, assim como em Pro-tágoras de Abdera (480-410 a.C.), a essência é o pensamento consciente, entretanto em Protá-goras o pensamento é sempre móvel e em Sócrates é imóvel, é o fim, é o verdadeiro, é o bom.

Deste modo nas reflexões socráticas o importante é o pensamento geral se auto reconhecendo como subjetividade infinita: é o substancial, que mesmo sendo eterno ainda deve ser produzido pela atividade formal do eu. Por isso Sócrates tenta levar os discípulos ao autoconhecimento: o homem reflete no seu agir. Caso se pergunte como agir com justeza: deve-se procurar saber antes o que significa justiça. Daí ser o princípio socrático a descoberta dos fins da ação humana, tanto como dos fins do universo a partir do próprio eu. Um pensamento para ser verdadeiro deve pensar o objetivo, isto é, a generalidade em si e para si, como diz Hegel, e não a objetividade externa (tal como queria os pré-socráticos).

O traço positivo do desenvolvimento da consciência por Sócrates é o conceito de bom, o qual foi tirado da própria consciência por meio do saber. Enquanto que para os sofistas o fim do homem se liga à particularidade, para Sócrates, ao contrário, é o geral descoberto pelo pensamento li-vre. A consciência socrática deseja somente o abstrato, que não é tão abstrato como o Nous de Anaxágoras, contudo é um geral que se autodetermina na tentativa de se realizar o bem tanto interna, como externamente. Apesar do princípio socrático ser um concreto em si, ele ainda não se encontra totalmente desenvolvido: este é o traço negativo da sua filosofia, porquanto nada pode afirmar a seu respeito.

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INTELIGÊNCIA COLETIVA APLICADA ÀS ORGANIZAÇÕES: UM MODELO DISRUPTIVO PARA O DESENVOLVIMENTO

DE CAPITAL HUMANO

COLLECTIVE INTELLIGENCE APPLIED TO ORGANIZATIONS: A DISRUPTIVE MODEL FOR THE DEVELOPMENT

OF HUMAN CAPITALSandra Medeiros Fonseca*

Kátia Cyrlene de Araújo Vasconcelos**

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.090

RESUMOEste artigo traz um estudo bibliográfico e dois estudos de casos, com o objetivo de levantar os principais conceitos de inteligência coletiva e como eles podem auxiliar as organizações a desenvolverem seu capital humano de forma inovadora. O levantamento bibliográfico partiu de diferentes publicações dos autores como Michel Authier, Arthur Hyppólito de Moura e Pierre Lévy sobre inteligência coletiva e termos relacionados, tais como “árvores de conhecimentos”, “cibe-respaço” e “cibercultura.” A partir deles, outras publicações foram pesquisadas com o intuito de complementar a análise, considerando: título do periódico, período da publicação (a partir da vi-rada do século XX) e enfoque da publicação. Para os estudos de caso foram selecionadas duas empresas de São Paulo, que aplicam os conceitos de inteligência coletiva em seus projetos: Promon Engenharia e Educartis. A escolha de casos múltiplos não teve o objetivo de estabelecer comparações. A pesquisa foi descritiva, baseando-se na análise bibliográfica e interpretação dos dados coletados. Constatou-se, que a economia do futuro será pautada pela “economia do hu-mano”, cujo capital será o homem total, com suas competências, habilidades e conhecimentos interagindo coletivamente.

Palavras-chave: Árvores de conhecimentos. Capital humano. Inteligência coletiva.

ABSTRACTThis article conveys a bibliographic study and case studies with the purpose of to explore the main concepts on collective intelligence and how they can assist organizations to develop their human capital in an innovative way. The bibliographic study started from different publications of the authors Michel Authier, Arthur Hyppólito de Moura e Pierre Lévy on collective intelligence and related expressions such as “trees of knowledge”, “cyberspace” and “cyberculture.” From them other publications were researched aiming at complementing the analysis, considering: periodic title, date of publication (at the turn of the twentieth century and onwards) and publication focus. For the study cases two companies from the State of São Paulo that applies the concepts of col-lective intelligence in their projects were picked: Promon Engenharia and Educartis. The choice of multiple cases did not have the goal of making comparisons. This research was descriptive, based on bibliographical analysis and interpretation of collected data. It was reported that the economy of the future will be supported by the “economy of the human”, whose capital will be the human being in his entirety, with his competences, abilities and knowledge acting collectively.

Keywords: Trees of knowledge. Human capital. Collective intelligence.

1 INTRODUÇÃOO que move as organizações, no mundo atual, não são as máquinas, mas as pessoas. Elas são seu ativo mais importante. Cada vez mais a força organizacional e seu core business estão nas competências e na mobilização das pessoas, que a compõem. Segundo Mayo (2003, p. 16) “os agentes criadores de valor na empresa são as pessoas, pois todos seus demais ativos e estru-turas são resultados de ações humanas.”

É nesse contexto, que o termo inteligência coletiva ganha importância no cenário corporativo. Quem não entende esse conceito, deixa de entender, também, como os seres humanos fun-cionam e se comportam tanto em sociedade como na sua individualidade. E não entender os seres humanos é não compreender a organização como um “agrupamento de pessoas, que se reuniram de forma estruturada e deliberada e em associação, traçando metas para alcançarem objetivos planejados e comuns a todos os seus membros” (HEILBORN; LACOMBE, 2003, p. 13).

* Pós-Graduada em Gestão Estratégica em Recursos Humanos (Faesa).** Doutoranda em Administração, Mestre em Administração. Professora dos cursos de Pós Graduação da FAESA.

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Visando analisar o termo inteligência coletiva e alguns de seus conceitos relacionados, os quais são “árvores de conhecimentos”, “ciberespaço” e “cibercultura”, realizou-se essa pesquisa com o objetivo de responder ao seguinte questionamento: como as organizações aproveitam seu capital humano, para identificar problemas e chegar a soluções efetivas?

Considerando o problema apresentado, o objetivo geral da pesquisa foi apresentar como tais conceitos podem auxiliar as organizações, no cenário atual de competitividade, a desenvolver seu capital humano de forma disruptiva. Para isso a pesquisa foi realizada por intermédio de dois estudos de casos: um envolvendo as práticas de inteligência coletiva na Promon Engenharia e outro que utiliza os princípios das árvores de conhecimentos em processos seletivos, orquestra-dos pela empresa Educartis. As duas empresas estão sediadas em São Paulo.

Esse artigo foi estruturado em quatro partes, além desta introdução. Na primeira, apresenta--se a fundamentação teórica a respeito de inteligência coletiva e seus conceitos relacionados (“árvores de conhecimentos”, “ciberespaço” e “cibercultura”). O levantamento bibliográfico para compor o referencial teórico partiu de diferentes publicações dos autores Michel Authier, Arthur Hyppólito de Moura e Pierre Lévy. A partir deles outras publicações foram pesquisadas com o in-tuito de complementar a análise considerando: título do periódico, período da publicação (a partir da virada do século XX) e enfoque da publicação. Na segunda parte apresenta-se a metodologia utilizada na pesquisa; na terceira, estão os dois estudos de casos e, por fim, na quarta parte, as considerações finais.

O tema torna-se relevante pela necessidade, que as organizações têm, hoje, de responder mais rapidamente a um determinado problema, usando seu próprio capital humano, não se restringin-do apenas ao gerenciamento dos problemas ou dos processos. Isso se dá pela adoção de uma nova dinâmica de trabalho e de relacionamento baseada em conhecimentos e decisões gerados a partir da coletividade. Uma organização pautada no coletivo torna-se mais robusta, diferencia-da e inovadora (AUTHIER, 2009).

2 BASE TEÓRICAO termo ‘inteligência coletiva’ foi desenvolvido por Pierre Lévy, um filósofo da informação, que se ocupa em estudar as interações entre a internet e a sociedade. Ele a define como “uma inte-ligência distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (LÉVY, 2007, p. 28).

Detalhando cada trecho da definição o autor defende, que é uma inteligência distribuída por toda parte, uma vez que “ninguém sabe tudo, todos sabem alguma coisa, todo o saber está na humanidade. O saber não é nada além do que as pessoas sabem” (LÉVY, 2007, p. 29). É inces-santemente valorizada, considerando o contexto em que pessoas se preocupam cada vez mais em evitar o desperdício econômico ou ecológico e acabam dissipando o recurso mais precioso, que é a inteligência recusando-se a dar o valor, que ela merece, desenvolvê-la e empregá-la. É possível coordenar em tempo real, graças aos novos sistemas de comunicação que oferecem aos membros de uma comunidade os meios, para promover interações no mesmo universo virtu-al de conhecimentos. E, por fim, Lévy (2007, p. 29-30) explica porque o resultado da inteligência coletiva é a mobilização efetiva das competências:

Para mobilizar as competências é necessário identificá-las. E para apontá-las é preciso reconhecê-las em toda sua diversidade. Na era do conhecimento, deixar de reconhecer o outro em sua inteligência é recusar-lhe sua verdadeira identidade social, é alimentar seu ressentimento e sua hostilidade, sua humilhação, a frustração de onde surge a violência. Em contrapartida, quando valorizamos o outro de acordo com o leque variado de seus saberes, permitimos que se identifique de um modo novo e positivo, contribuímos para mobilizá-lo, para desenvolver nele sentimentos de reconhecimento que facilitarão, con-sequentemente, a implicação subjetiva de outras pessoas em projetos coletivos (LÉVY, 2007, p. 29-30).

Inteligência coletiva não é a simples fusão de inteligências individuais, mas um processo de crescimento, de diferenciação e de retomada recíproca das singularidades (LÉVY, 2007). Ela é impulsionada pelo “ciberespaço”, termo criado pelo escritor norte-americano William Ford Gibson em seu conto Burning Chrome, de 1982, e, posteriormente, popularizado em seu romance de estreia, Neuromancer, de 1984.

Gontijo (2006) vê no ciberespaço um campo gerador de infinitas possibilidades interativas, uma vez que representa um novo espaço de comunicação, de sociabilidade e de reconfiguração de identidades, para além de sua dimensão mais visível e pragmática, que é a organização e a tran-sação da informação e do conhecimento. Para Lévy (2007, p. 64), esse ciberespaço cooperativo deve ser concebido como um verdadeiro serviço público:

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Essa ágora virtual facilitaria a navegação e a orientação no conhecimento, promoveria trocas de saberes, acolheria a construção coletiva do sentido, proporcionaria visualização dinâmica das situações coletivas, permitiria, enfim, a avaliação por múltiplos critérios, em tempo real, de uma enorme quantidade de proposições, informações e processos em andamento. O ciberespaço poderia tornar-se o lugar de uma nova forma de democracia direta em grande escala (LÉVY, 2007, p. 64).

Lévy (2007) defende, que o ciberespaço oferece suporte à “cibercultura”, caracterizada por San-tos (2011) pela emergência da Web 2.0 com seus softwares e redes sociais mediadas pelas interfaces digitais em rede, pela mobilidade e convergência de mídias, dos computadores, dis-positivos portáteis e da telefonia móvel. A cibercultura é, portanto, um novo espaço de comuni-cação, de sociabilidade, de organização, acesso e transporte de informação e conhecimento, constituindo-se como o principal canal de comunicação e suporte de memória da humanidade.

Nesse cenário de movimento das redes, troca recíproca de saberes e socialização surge a abor-dagem das “árvores de conhecimentos”, que trata, justamente, de exprimir a opinião geral de um coletivo de agentes (virtuais ou reais), levando em conta não o indivíduo em particular, mas todos juntos. Para seus criadores, Authier e Lévy (1995), as árvores de conhecimentos são uma hipótese de democracia, que se encaixa na atual sociedade voltada para a informação e a co-municação rápida.

Os princípios que fundamentam as árvores de conhecimentos são, simultaneamente, matemá-ticos, filosóficos e sociológicos. Eles são resultados de inúmeras obras, relatórios, memoriais, relatos de experiências e de inovações nos domínios da educação, do ensino a distância, da for-mação profissional e do reconhecimento das aquisições, dos quais Authier e Lévy (1995) toma-ram conhecimento durante os trabalhos de uma missão confiada pelo Governo Francês, no início da década de 1990, com o objetivo de estudar problemas e possíveis soluções relacionadas à exclusão social, ao desemprego, à educação e formação no século XXI (AUTHIER; LÉVY, 1995).

A ideia consiste em um programa de informática criado, para que os membros de uma determina-da comunidade possam revelar suas qualificações e habilidades e mostrá-las para a sociedade. Nesse sentido, as árvores de conhecimentos representam uma saída, para que as organizações possam, de fato, saber o que sabem (MOURA, 2001a).

As árvores de conhecimentos se estruturam a partir de patentes (ou brasões), que são pequenos emblemas simbolizando os saberes de cada indivíduo. Essas patentes são atribuídas aos indiví-duos depois de realizada uma prova, que pode ser um exercício de simulação, de memória, de testemunho, entre outros. Os saberes não são, necessariamente, classificados por sua validade acadêmica formal. Assim sendo, o conceito de patentes inclui saberes como saber cozinhar, con-tar histórias, cuidar de idosos ou de crianças, costurar, etc. O indivíduo é, portanto, valorizado por aquilo que sabe e por suas competências, não por aquilo que não sabe. O conjunto das patentes inseridas na árvore de conhecimento forma um brasão, que é uma representação gráfica dos saberes de cada indivíduo, ou seja, sua identidade cognitiva.

Mas o saber não é somente a riqueza primeira do mundo contemporâneo. Vivendo de invenção coletiva, de transmissão, de interpretação e de partilha, o conhecimento é um dos lugares em que a solidariedade entre os homens pode ter mais sentido, um dos elos mais fortes entre os membros de nossa espécie. As árvores de conhecimentos tornam esse elo visível, palpável, encarnam esta solidariedade (AUTHIER; LÉVY, 1995, p. 25).

A empresa desenvolvedora do sistema de árvores de conhecimentos é a francesa Société Tri-vium S.A., cujo representante para o Brasil e América do Sul era, a DDIC – Dispositivos Institu-cionais e Coletivos. A DDIC foi comprada, em 2009, pela empresa Educartis que, desde então, passou a utilizar os princípios das árvores de conhecimentos em seus projetos.

Os conceitos aqui expostos representam o retrato de um mundo emergente, diferente das for-mas culturais que vieram anteriormente, no sentido de que esse novo mundo se constrói sobre a indeterminação de um sentido global qualquer. Nele, todos podem interagir, aprender, ensinar, trocar conhecimentos e saberes. Segundo Lévy (2000, p. 11) “estamos vivendo a abertura de um novo espaço de comunicação, e cabe a nós explorar as potencialidades mais positivas deste espaço nos planos econômico, político, cultural e humano.”

Esse novo mundo em rede traz impactos relevantes ao ambiente corporativo e alguns termos como “gestão do conhecimento” adquire novas dimensões. Para Albrecht (2004), por exemplo, esse termo está ultrapassado, uma vez que gestão pressupõe algum tipo de ordem sobre o conhecimento, o que não se deve fazer: “O que podemos, e devemos, fazer é gerenciar as cir-cunstâncias em que o conhecimento pode prosperar. Em outras palavras, a ideia seria gerenciar culturas de conhecimento.” (ALBRECHT, 2004, p. 2). O autor propõe a substituição do termo “gestão do conhecimento” por “inteligência organizacional”, definida por ele como a capacidade

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de a empresa mobilizar todo seu potencial intelectual disponível e concentrar tal capacidade na realização de sua missão. Quando isso não acontece, ocorre o que o autor chama de entropia organizacional: “quantidade de capacidade intelectual perdida ou desperdiçada, que não pode ser mobilizada para implementar a missão” (ALBRECHT, 2004, p. 3).

No que diz respeito às práticas de gestão do conhecimento, Moura (2001a) acredita, que o sis-tema das árvores de conhecimentos traz uma estrutura conceitual e operacional importante, o qual é resultado de uma verdadeira mudança de paradigma. Segundo o autor, o princípio basilar da gestão do conhecimento é que qualquer organização ou comunidade necessita, antes de tudo, saber o que ela sabe e isso só é possível se houver sistemas de mapeamento e explora-ção do conhecimento existente em seus diferentes âmbitos e, principalmente, nas pessoas que compõem esta organização ou comunidade. Além disso, é preciso que esse conhecimento seja mobilizado e valorizado por intermédio do compartilhamento e da formação de comunidades de práticas e de interesse, de modo a garantir um crescimento sinérgico constante. Para que isso seja possível, é necessário que os esforços, de fato, se alinhem com as estratégias da organi-zação ou da comunidade envolvida. Moura (2001a) reforça, portanto, o conceito de inteligência organizacional defendido por Albrecht.

3 METODOLOGIA

Visando entender como as organizações aproveitam seu capital humano, para identificar pro-blemas e chegar a soluções efetivas, foram utilizados, na pesquisa, os recursos da abordagem qualitativa. O tipo de pesquisa aplicado foi o estudo de caso de natureza descritivo-analítica, recomendado por Godoy (1995) em três situações: quando o pesquisador procura responder às questões “como” e “por quê” certos fenômenos acontecem, quando há pouca possibilidade de controle sobre os eventos estudados e quando o foco de interesse é sobre fenômenos atuais, que só podem ser analisados dentro de algum contexto da vida real. No caso desta pesquisa foi utilizado com o intuito de entender como duas organizações aplicam o conceito de inteligência coletiva em seus projetos e os principais resultados alcançados. A escolha de casos múltiplos se deu apenas, para descrever mais de uma organização sem o objetivo de estabelecer com-parações. Foram escolhidas duas empresas de São Paulo: a Promon Engenharia, para a qual a pesquisadora prestou serviços durante quatro anos, fazendo a gestão de um programa de capa-citação profissional a distância, e a Educartis, para a qual a pesquisadora prestou serviços du-rante quase seis anos na área de desenvolvimento humano e organizacional, também no modelo a distância. A realização da pesquisa contou com a autorização expressa das duas empresas.

Como instrumentos de coleta de dados foram utilizados o levantamento bibliográfico, a obser-vação participante e a realização de entrevistas semiestruturadas com dirigentes das duas em-presas objeto do estudo. A condição de observação participante da pesquisadora proporcionou um melhor entendimento das organizações estudadas e a facilidade de acesso às informações coletadas. Apesar dessa condição poder comprometer a imparcialidade na análise dos dados, houve o cuidado de manter certo distanciamento, mesmo admitindo a inexistência da “neutra-lidade científica”, considerada por Vergara (2005) como impossível de ser praticada devido à interação do pesquisador com seu objeto de pesquisa.

As entrevistas semiestruturadas foram realizadas no mês de junho de 2013 com o Diretor de Inteligência da Educartis, responsável pela gestão dos processos seletivos orquestrados pela empresa e com o Diretor Executivo da Promon Engenharia. Pelo fato de os entrevistados residi-rem no estado de São Paulo e a pesquisadora no estado do Espírito Santo, as entrevistas foram feitas utilizando-se o Skype e o e-mail, respectivamente. A entrevista por Skype foi gravada com autorização do entrevistado e transcrita para compor a análise dos dados. Foram utilizadas per-guntas abertas com o objetivo de captar a percepção desses dirigentes sobre inteligência coleti-va e de que forma esse conceito é utilizado nos projetos de cada organização.

Os dados coletados nos estudos de casos foram cruzados com o levantamento bibliográfico e receberam tratamento analítico buscando apresentar, neste artigo, os principais resultados da aplicação da inteligência coletiva tanto, para as empresas como para os profissionais.

4 ESTUDOS DE CASOS4.1 Promon EngenhariaO desperdício de conhecimento humano é, na maioria das organizações, tão habitual a ponto de ser aceito como fato consumado:

Falta de objetivos comuns, brigas internas, políticas interdeparmentais, má organização e uma série de outros problemas funcionais da organização causam um desperdício assus-

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tador de capacidade intelectual. Já escrevi uma vez que “pessoas inteligentes reunidas em uma empresa tendem à estupidez coletiva.” O antídoto para a estupidez coletiva é a inteligência coletiva, ou a capacidade intelectual disseminada (ALBRECHT, 2004, p. 3).

Segundo Albrecht (2004), poucas empresas têm, hoje, cultura, estrutura e liderança do tipo necessário para transformar sua inteligência coletiva em vantagem competitiva relevante. Um exemplo de organização, onde o conhecimento de seus colaboradores é reconhecido como essencial para o sucesso nos negócios, é a Promon Engenharia. Fundada em 1960, a empresa pertence ao Grupo Promon e está sediada em São Paulo. Sua atuação abrange projeto, integra-ção e implementação de soluções complexas de infraestrutura, destacando mineração e meta-lurgia, energia elétrica, óleo e gás, indústrias de processo e química e petroquímica. Seu modelo de participação acionária, acessível a todos, é a forma como a empresa tangibiliza sua cultura de comunidade aberta e participativa. A Promon Engenharia reconhece uma Diretoria de Gestão do Conhecimento e sob sua coordenação estão os Centros de Competência, que atuam como comunidades de práticas, nas quais os profissionais que atuam em diversos projetos encontram espaço, para compartilhar conhecimentos, experiências e lições aprendidas. O Diretor Executivo da organização reforça, que a participação em comunidade é valorizada e reconhecida na em-presa em seus processos de Avaliação de Desempenho.

Os principais resultados advindos desse estímulo à inteligência coletiva, segundo o diretor, são: oportunidades de desenvolvimento para os profissionais, melhoria contínua dos processos, maior produtividade e inovação. “O próprio reconhecimento de nossos clientes relacionados à qualidade de nossos produtos e da qualificação de nossos profissionais são outros indicadores dos resultados obtidos com o uso da inteligência coletiva.”

Esses resultados refletem o significado dado por Stewart (1998, p. 68) ao capital humano de uma organização: “é a capacidade necessária para que os indivíduos ofereçam soluções aos clientes […]; é a fonte de inovação e renovação dentro da empresa.” Para o autor o capital hu-mano é formado e empregado, quando uma parte maior do tempo e do talento das pessoas, que trabalham em uma empresa é dedicada às atividades, que resultam em inovação. Esse capital cresce de duas formas: “quando a empresa utiliza mais o que as pessoas sabem e quando um número maior de pessoas sabe mais coisas úteis para a organização. [...] Para usar mais o que as pessoas sabem, as empresas precisam criar oportunidades de tornar público o conhecimento privado” (STEWART, 1998, p. 77-78).

A Promon Engenharia coloca esse argumento em prática em diversos projetos: um deles é o Pro-grama Trajetórias. Trata-se de um programa de capacitação profissional baseado num modelo inovador, para as ações de desenvolvimento e treinamento técnico dos profissionais. Os conte-údos são produzidos pelos próprios profissionais, que se utilizam de recursos multimídia, para transformar em módulos de ensino a distância (e-learning) os conhecimentos gerados ou opera-cionalizados pela organização. Esses profissionais são capacitados, para se tornarem dissemi-nadores de conhecimentos, produzindo módulos que são combinados em sequências, de acordo com as principais disciplinas dos Centros de Competência, e, depois, disponibilizados a todos os colaboradores. Graças à metodologia adotada, é o colaborador quem determina o horário, local e tempo que irá se dedicar a cada módulo. O colaborador também conta com recursos de interatividade, por meio de uma área de trabalho virtual, na qual é possível compartilhar conhe-cimentos adquiridos e trocar ideias e opiniões com outros colaboradores. O gerenciamento e o monitoramento da aprendizagem são feitos pelo Instituto de Tecnologia Promon e pela Diretoria de Gestão do Conhecimento, com o apoio da Diretoria de Relações Humanas e Comunicação. Os resultados obtidos pelos colaboradores fazem parte da grade de capacitação profissional.

O fato de ter o profissional como produtor e disseminador de conhecimentos gera mais valoriza-ção, reconhecimento e melhora a autoestima do colaborador, que passa a se sentir útil no co-nhecimento, que detém e que de alguma forma é materializado nos módulos ou nas discussões que produz. O retorno para a Promon é o maior envolvimento e engajamento do profissional para a captura, o registro, a disponibilização e a aplicação do conhecimento e das melhores práticas; o aumento da capacidade de monitorar o ambiente, de aprender e de adaptar-se às mudanças mais rapidamente que os concorrentes; a valorização do conhecimento existente na empresa, direcionando-o para ações que proporcionam vantagens competitivas; a não repetição dos mes-mos erros, já que a organização “aprende com a experiência”; o aproveitamento de forma mais eficiente do conhecimento existente, otimizando e integrando processos, reduzindo custos e aumentando a produtividade.

O Programa Trajetórias vai ao encontro, do que Authier (1995, p. 43) considera como o princípio da inteligência coletiva: “todos sabem algo e todo saber pode ter uma utilidade econômica ou social.”

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4.2 EducartisA Educartis é uma empresa sediada em São Paulo, que presta serviços nas áreas de inteligên-cia coletiva e mobilização do conhecimento coletivo para o desenvolvimento de competências humanas. As teorias de Authier (1995) e da prática do modelo matemático das árvores de co-nhecimentos, aplicados no Brasil por Arthur Hyppólito de Moura (2001), levaram a Educartis a aplicar o modelo de brevetagem em seus projetos de seleção e desenvolvimento de pessoas a partir de 2009, quando comprou a DDIC – Dispositivos Institucionais e Coletivos. De acordo com o Diretor de Inteligência da Educartis, o modelo de brevetagem visa garantir três aspectos para diferentes públicos: para a empresa, visa garantir a qualidade de perfil e da capacidade de de-senvolvimento das pessoas, para atender as demandas empresariais de forma adequada; para o candidato, visa garantir uma experiência diferenciada, promover a reflexão, ampliar a visão de si próprio e do mercado de trabalho; para a comunidade, visa promover a construção de rela-cionamento entre os diversos públicos envolvidos, assim como despertar suas capacidades de desenvolvimento. O diretor explica que o conceito de “brevê” (brevetagem), traduzido do francês brevet, traz a ideia de patente: “É uma maneira de dar nome e criar uma linguagem comum, para conhecimentos que podem ser adquiridos e compartilhados.”

Originalmente, as árvores de conhecimentos repousam sobre três tipos de imagens: a dos indi-víduos; a dos saberes elementares; a das comunidades (e por comunidade considera-se todo o coletivo de indivíduos, institucional ou não, que participa no crescimento da mesma árvore de conhecimento). Segundo Authier (1995) e Lévy (1995), a árvore de uma comunidade cresce e se transforma na medida da evolução das próprias competências da comunidade. E repousa ainda sobre quatro bancos: o primeiro ligado aos exames; o segundo às formações; o terceiro às competências; o quarto à economia e ao emprego. Figurativamente, o tronco de uma árvore de conhecimento representa os saberes de base; as folhas representam os saberes muito especia-lizados; os galhos são as patentes (ou brevês) associadas em determinados brasões.

Considerando o princípio de que “ninguém sabe tudo, cada um sabe alguma coisa” (MOURA, 2001a, p. 2), o primeiro processo de seleção orquestrado pela Educartis, já no modelo de bre-vetagem, em 2009, foi para uma grande empresa de cosméticos. O processo seletivo teve duas fases: uma online e outra presencial. Na fase online, além das atividades avaliativas individu-ais, como provas de raciocínio lógico e de inglês, ocorreram atividades interativas, reflexivas e avaliação em três dimensões (3D). O objetivo era fazer com que os candidatos adquirissem conhecimentos, trocassem aprendizados entre si e se relacionassem com pessoas de opiniões e culturas distintas. O diferencial desse modelo foi a atividade em grupo, realizada virtualmente, na qual o candidato se avaliou, avaliou os outros integrantes e foi, também, avaliado por eles em brevês como comunicação, responsabilidade, liderança, relacionamento e organização. Mesmo sendo brevês, ou comportamentos, mais simples de serem avaliados, foi possível fazer um filtro maior para a fase presencial, na qual participou um número menor de pessoas, porém com mais qualidade. Assim, os especialistas que conduziram as dinâmicas e entrevistas presenciais con-seguiram dar mais atenção aos candidatos.

A Educartis evoluiu sua metodologia ampliando os processos seletivos para eletivos, ou seja, é o candidato quem escolhe permanecer ou não no processo. Nesse modelo, há diversas atividades de reflexão, de autoconhecimento e de diálogo com executivos da empresa selecionadora com o objetivo de o candidato se conhecer, conhecer melhor a empresa e reconhecer os valores em comuns. O conceito das árvores de conhecimentos está por trás desse processo de descoberta, mapeando os saberes, os valores, os comportamentos em comuns entre candidato e empre-sa. De acordo com o diretor da Educartis, um dos aspectos positivos do modelo eletivo, é que mesmo não sendo selecionado pela empresa, ou que o candidato decida não mais participar do processo, ele vai sair com mais informações sobre si mesmo e sobre sua carreira, podendo dar um novo rumo à sua vida. A proposta da Educartis reforça, também, a base e o objetivo da inteligência coletiva, preconizado por Moura:

A base e o objetivo da Inteligência Coletiva se constituem no reconhecimento e no en-riquecimento mútuos das pessoas e de suas competências. Para isto é preciso haver um processo de reconhecimento dessas competências em sua diversidade, bem como sua identificação, validação e mobilização efetivas. Ao valorizarmos o outro através de seus conhecimentos, propiciamos o seu auto-reconhecimento a partir de uma perspec-tiva nova, possibilitando seu engajamento positivo e construtivo nos projetos coletivos (MOURA, 2001a, p. 1)

A proposta da Educartis ainda enfrenta barreiras em certas organizações. Algumas experimen-taram a processo e perceberam, que esse modelo não é adequado a sua cultura organizacional, pois a valorização está mais na formação acadêmica do candidato do que na capacidade, que ele tem de trabalhar em grupo, por exemplo. Outro entrave é que esse tipo de processo, é um

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pouco mais longo e algumas empresas precisam realizar recrutamento e seleção de forma mais rápida. E há, ainda, organizações que não têm recursos, para investir nesse modelo. De acordo com o diretor as empresas que procuram esse tipo de processo reconhecem as vantagens e, geralmente, têm perfil mais inovador.

5 CONSIDERAÇÕES FINAISA proposta do artigo foi entender os conceitos de inteligência coletiva e analisar como eles podem auxiliar as empresas no desenvolvimento de seu capital humano de forma disruptiva. Os dois estudos de casos apresentados revelaram, que o uso adequado da inteligência coletiva conduz a empresa à inovação e, consequentemente, à maior competitividade; gera valorização e reconhe-cimento do profissional, uma vez que ele se torna produtor e disseminador de conhecimentos, refletindo-se na qualidade dos serviços executados por eles e no sucesso da empresa. Outro resultado apontado é que a inteligência coletiva pode ser aplicada em qualquer organização de pequeno, médio ou grande porte, mas ainda enfrenta barreiras relacionadas, principalmente, à cultura organizacional e aos recursos disponibilizados para tal investimento.

Também foi possível constatar, que fazer uso da inteligência coletiva requer, das organizações, um redimensionamento de suas estratégias e tecnologias, para potencializar seu capital humano (MOURA, 2001b). A administração contemporânea necessita abdicar de valores tradicionais, em detrimento de uma abordagem mais humanística, à qual traz entre outros pontos, a valorização do potencial humano associado aos fatores locais do contexto organizacional. Isso é possível, segundo Kanaane (1999) com a adoção de posturas mais flexíveis com relação às concepções sobre poder e influência, o que implica na implementação de estratégias compatíveis com o en-volvimento e o engajamento dos trabalhadores. É justamente esse engajamento coletivo, que, segundo Authier (2009), permite às empresas terem tempos de respostas mais curtos, portanto competitivos, para administrar uma grande variedade de situações: “O coletivo circunscreve o espaço no seio do qual o indivíduo pode construir alianças. Assim o indivíduo estará em condi-ções de resolver novos problemas coletivamente e de modo rápido.”

Por tudo que foi exposto até aqui, é possível referendar a inteligência coletiva como um produto estratégico nas organizações. Produto, este, que revela uma nova economia: a economia do humano, citado por Lévy (2007). Nesse sentido, é importante cultivá-lo, valorizá-lo e multiplicá--lo, pois competências e conhecimentos, intrinsecamente ligados um ao outro, caracterizam as riquezas humanas, que a empresa detém (AUTHIER, 2009). Isso se constrói num ambiente onde as relações e as comunicações passam a ser descentralizadas, formando uma rede de intercâm-bios, que possibilita novos laços sociais e novos saberes, como foi demonstrado no estudo de caso da Promon Engenharia.

A aplicação do conceito de inteligência coletiva nas organizações ainda requer estudos mais específicos, especialmente no que diz respeito aos impactos, que podem trazer para as atuais teorias relacionadas à gestão de pessoas. Requer, também, certo cuidado ao ser aplicada em organizações mais tradicionais, que dão mais valor à formação acadêmica (conhecimento téc-nico) em detrimento das habilidades e aptidões do profissional. Nesse caso, corre-se o risco de entender a inteligência coletiva como uma simples fusão de inteligências individuais, ou seja, justamente o que ela não é, como bem afirmou Lévy (2007).

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASALBRECHT, Karl. Um modelo de inteligência organizacional. 2004. Disponível em: <http://www.consultoriadomestica.com.br/cgi-bin/curso/m02/a04/m02a04t03_inteligencia_ orga-niza-cional.pdf>. Acesso em: 16 mar. 2013.

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AVALIAÇÃO DO DESCARTE DE MEDICAMENTOS VENCIDOS OU EM DESUSO NO MUNICÍPIO DE VITÓRIA/ES

EVALUATION OF DRUG DISPOSAL DUE OR UNUSED IN THE CITY OF VITÓRIA/ES

Hortencia Salarini Lourencini*Roberta Cunha Vieira**

Maria Claudia Lima Couto***

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.091

RESUMO

Os medicamentos são produtos de elevada importância para a saúde pública, porém quando os medicamentos vencidos ou em desuso são mal gerenciados, podem causar efeitos adversos à população e ao meio ambiente. Desde a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos em 2010, a ANVISA vem discutindo e avaliando a forma de implantação da logística reversa na cadeia produtiva de medicamentos. Segundo dados da literatura a maioria da população possui o hábito de descartar os medicamentos de forma incorreta e em locais inadequados. Geralmente, o descarte ocorre no vaso sanitário ou no próprio resíduo doméstico. Pode-se perceber que, apesar das diversas regulamentações existentes sobre o descarte de medicamentos, esses resíduos ainda não são tratados de maneira efetiva e, consequentemente, causam impactos negativos ao meio ambiente e à saúde pública. Este trabalho tem por objetivo fazer uma avaliação das normas e legislações relacionadas ao tema, apresentar uma análise sobre a logística reversa de medicamentos inservíveis e verificar a situação atual do município de Vitória, quanto à implantação da Logística Reversa de Medicamentos (LRM).

Palavras-chave: Resíduos de Medicamento. Impacto ambiental. Logística Reversa.

ABSTRACTMedicines are important products to public health, but when the vanquished or unused medica-tions are poorly managed, they may cause adverse effects to the population and the environment. Since the creation of the National Policy on Solid Waste in 2010, ANVISA has been discussing and evaluating the form of reverse logistics implementation in the supply chain of medicines. Ac-cording to the literature, most of the population has the habit of discarding medicines incorrectly and in inappropriate places. Usually, the disposal occurs in the toilet, or on the household waste. It can be seen that, despite the many existing regulations for disposal of medicines, such waste is not treated effectively and consequently causes environmental impacts and public health. This study aims to evaluate the standards and legislation related to the topic, present an analysis on the reverse logistics of waste medicines and the current situation of the city of Vitória on the im-plementation of Reverse Logistics Medicines (RLM).

Keywords: Drug Waste. Environmental Impact. Reverse logistics.

1 INTRODUÇÃOO padrão de consumo da sociedade capitalista tem por consequência a geração de uma enorme quantidade de resíduos, que vem crescendo acima da capacidade de absorção da natureza. O descarte desses resíduos é uma preocupação constante e um grande desafio para a população, visto que o descarte inadequado pode gerar riscos para a sociedade, além de comprometer os recursos naturais (RODRIGUES, 2009).

Os resíduos dos serviços de saúde (RSS), incluindo os medicamentos, se inserem dentro desta questão, assumindo grande importância nos últimos anos e motivando a proposição de políticas públicas e legislações orientadas pela sustentabilidade do meio ambiente e a preservação da saúde (BRASIL, 2010a).

O uso irracional de medicamentos é um problema grave em todo o mundo e com múltiplas consequências de ordem econômico-sanitária. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima, que mais da metade de todos os medicamentos são prescritos, dispensados ou vendidos * Graduada em Engenharia Ambiental (FAESA).** Graduada em Engenharia Ambiental (FAESA).*** Engenheira Civil, Mestre (UFES), Profa. da FAESA atuando na Engenharia Ambiental e Civil.

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inadequadamente (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2012).

As sobras de medicamentos têm várias causas: a interrupção ou mudança de tratamento e a dispensação de medicamentos além da quantidade exata, para o tratamento do paciente devido à prescrição incompleta ou incorreta, à falta de conferência da prescrição no momento da dispensação, ao erro por parte do dispensador ou às apresentações não condizentes com a duração do tratamento, juntamente com a impossibilidade de fracionamento de alguns desses produtos. Soma-se a estes fatores a carência de informação da população relacionada à promoção, prevenção e cuidados básicos com sua saúde (BRASIL, 2010b).

A principal forma de contaminação de resíduos de medicamentos no meio ambiente é por meio do lançamento direto na rede de esgotos domésticos, tratados ou não, ou em cursos de água. Porém, o sistema de esgoto brasileiro não está preparado, para fazer o tratamento adequado de resíduos tóxicos provenientes de medicamentos, que são descartados na pia ou no vaso sanitário (OLIVEIRA, 2012).

Assim, os resíduos de medicamentos seguem para o esgoto bruto, chegam às estações de tratamento de esgotos (ETE), nas quais são submetidos a processos de tratamento convencionais, que não são eficientes para a completa remoção de fármacos residuais. Isso ocorre em decorrência dos medicamentos possuírem ação biocida ou estruturas químicas complexas não passíveis de biodegradação, fatos comprovados por estudos que evidenciam a presença desse tipo de contaminante em efluente de ETE (RODRIGUES, 2009). A eficiência de remoção de alguns fármacos em unidades de tratamento de esgotos é bastante variável.

Os principais sítios de ocorrência ambiental de fármacos podem ser divididos em cinco grupos principais (SORENSEN, et al., 1998; BOUND, et al., 2005; COMORETTO, et al., 2005 apud RODRIGUES 2009):

1) águas de lençóis freáticos: por infiltração de linhas de esgoto ou efluentes;2) águas de rios: por despejo de esgoto doméstico ou industrial ou rural, quando transportadas

do solo pelas chuvas;3) águas oceânicas: por despejo de esgoto doméstico ou dos próprios rios;4) sedimentos: pela deposição de espécies ativas insolúveis;5) solo: pelo despejo urbano inadequado ou do uso rural.A Figura 1, a seguir, mostra os possíveis trajetos de fármacos no meio ambiente:

Trajetos de Fármacos no meio ambiente

Fonte: Adaptado da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial, 2013

Entretanto, a população em geral desconhece o procedimento correto de descarte de medicamentos não utilizados e vencidos e na maior parte das vezes é realizado junto com os

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resíduos domésticos, sem qualquer tipo de tratamento (ALVARENGA; NICOLETTI, 2010).

Neste sentido, Ueda et al. (2009) chama a atenção para a falta de orientação à população por parte dos produtores. A embalagem dos produtos farmacológicos não fornece instruções de como proceder com os resíduos, ao contrário de muitos produtos industrializados provenientes de outros setores, como por exemplo garrafas pets e latas de bebidas, caixas de leite, embalagens plásticas diversas, entre outros.

Um estudo realizado na cidade de Porto Alegre/RS comprova essa questão e mostra que 54% dos medicamentos do estoque domiciliar não estão em uso, sendo que 55,2% foram adquiridos sem prescrição médica. Não existe consenso sobre itens, que devem compor o estoque domiciliar, o ideal é que o número de itens seja mínimo, para evitar desperdício e facilitar o manejo (SCHENKEL; FERNÁNDES; MENGUE, 2005).

Segundo o IBGE (2008) mais de 80% dos medicamentos vencidos estão em poder da população e menos de 20% são provenientes de empresas de saúde ou hospitais.

O Ministério da Saúde e o Ministério do Meio Ambiente, órgãos responsáveis pela normatização do descarte de medicamentos no Brasil, devem fornecer instrumentos, para que os atores envolvidos em atividades que geram resíduos dessa natureza, possam dar-lhes a disposição final adequada. Pois, o descarte incorreto de medicamentos pode gerar impactos ambientais extremamente relevantes, afetando diversos ecossistemas (BUENO et al., 2009).

Com o intuito de reduzir estas consequências e impulsionadas por recentes legislações com destaque para a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), Lei 12.305/2010, as empresas estão adotando o processo da logística reversa, que tem como objetivo destinar adequadamente os produtos pós-consumos e suas embalagens.

Desta forma, esse trabalho tem por objetivo fazer uma avaliação das normas e legislações relacionadas ao tema, apresentar uma análise sobre a logística reversa de medicamentos inservíveis e apresentar a situação atual do município de Vitória, quanto à implantação da Logística Reversa.

2 METODOLOGIA

A metodologia deste trabalho foi dividida em três etapas.

Etapa 1: avaliação de normas e legislações: foram levantadas e avaliadas as normas e legislações vigentes correlatas ao tema.

Etapa 2: avaliação da Logística Reversa no Brasil: foram levantados e avaliados projetos e programas já em desenvolvimento no Brasil para Logística Reversa de Medicamentos.

Etapa 3: estudo de caso: estimativas de geração de resíduos medicamentosos, utilizando três metodologias de cálculo e de gastos com transporte e a destinação final no município de Vitória/ES.

Etapa 1:Estudo realizado por Vollmer (2010), a partir de dados coletados pela Agência Ambiental Europeia junto aos responsáveis pelos programas nos vários países da Europa; o autor levantou o volume per capita nesses vários países e, a partir desses dados, calculou a média e mediana per capita. Para a aplicação desta metodologia, foi levantada, através do IBGE, a estimativa para o ano de 2014 da quantidade de habitantes do município de Vitória/ES.

Etapa 2:A partir do Programa Descarte Consciente, no qual os resultados das coletas, de um total de 170 pontos, foram compilados pelo estudo da ANVISA em 2011, resultando em uma média mensal de peso por ponto de coleta.

• Para a aplicação da metodologia houve um levantamento, junto à Vigilância Sanitária do Município de Vitória, do total de farmácias e drogarias em funcionamento.

• Os pontos de coleta do programa estavam concentrados em regiões urbanas de maior renda e densidade populacional, especialmente em São Paulo, portanto para o município de Vitória houve a ponderação do volume de resíduos tomando como referência o IDHM de São Paulo.

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O IDHM de Vitória foi obtido através do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.

O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é um índice, que serve de comparação entre países quanto ao grau de desenvolvimento econômico e a qualidade de vida oferecida à população. O relatório anual de IDH é elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), órgão da ONU. O IDH compara indicadores nos itens riqueza, alfabetização, educação, expectativa de vida, natalidade, entre outros, com o intuito de avaliar o bem-estar de uma população. Varia de 0 a 1, sendo que quanto mais próximo de 1 mais desenvolvido é o país.O IDH – Municipal é obtido pela média aritmética simples de três subíndices, referentes às dimensões Longevidade (IDHM-Longevidade), Educação (IDHM-Educação) e Renda (IDHM-Renda) (PMV, 2013). A tabela 1 apresenta a evolução do IDHM de Vitória até o ano de 2010, no qual foi o utilizado para os cálculos de estimativas e também mostra a distribuição entre os três subíndices.

Tabela 1 – Evolução do Índice de Desenvolvimento Humano em Vitória (ES)Descrição 1991 2000 2010

IDH Municipal 0,644 0,759 0,845IDH Renda 0,754 0,820 0,876IDH Longevidade 0,715 0,762 0,855IDH Educação 0,495 0,700 0,805

Fonte: Adaptado do Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil, 2013

Etapa 3:Coleta amostral conduzida pelo Grupo Tático Temático (GTT) criado, para avaliar a questão da logística reversa de medicamentos, como forma de subsidiar as projeções sobre os resíduos de medicamentos domiciliares possíveis de serem recolhidos. A coleta amostral contou com participação ativa de várias instituições privadas e públicas, resultando também em uma média mensal de peso por ponto de coleta.

• Foram realizadas as considerações dos subitens a. e b. da metodologia 2.

Na Tabela 2 estão descritas as metodologias e seus respectivos resultados utilizados para os cálculos, sendo a primeira a nível internacional e as duas últimas nacionais.

Tabela 2 – Metodologias utilizadas para as estimativasParâmetro de Estimativa Descrição Resultados

Estimativa dos resíduos a partir de dados internacionais per capita.

Dados comparáveis para vários países, sobre os resultados dos programas de recolhimento de resíduos de medicamentos, estudo realizado por Vollmer (2010).

Média: 71,30 gramas per capita por ano

Mediana: 54,00 gramas per capita por ano

Estimativa a partir do volume de resíduos do Programa Descarte Consciente

Resultados das coletas do Programa Descarte Consciente, foram compilados no estudo da Anvisa (2011)

14,00 kg/ponto de coleta/mês

Estimativa a partir do volume de resíduos da coleta amostral consolidado pelo GTT medicamentos

Informações recebidas pela coleta amostral conduzida pelo GTT de medicamentos

5,30 kg/ponto de coleta/mês

Fonte: Adaptado da ABDI, 2013

Após a estimativa do quantitativo foram estimados os custos anuais, para o transporte e destinação final dos resíduos utilizando dados do sistema existente de coleta e destinação de RSS, da região Sudeste e também através de levantamentos realizados em Vitória.

• Estimativas preliminares do custo de transporte e de destinação elaboradas pelo Núcleo de Regulação e Boas Práticas Regulatórias da ANVISA (NUREG-Anvisa) no âmbito dos trabalhos do GTT-Medicamentos para a região Sudeste.

• Levantamento dos custos de transporte e destinação dos RSS pagos pelo município de Vitória/ES para empresas terceirizadas, que prestam os serviços.

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3 RESULTADOS

3.1 Normas e Legislações aplicáveis a resíduos de medicamentos O descarte dos resíduos de medicamentos realizado pelo consumidor final não encontra no ordenamento jurídico brasileiro normas e regulamentos específicos, no que se refere ao manejo e gerenciamento desses resíduos.

Os resíduos de medicamentos são tratados por normas gerais ou específicas, para determinados setores da cadeia de produção farmacêutica. Todavia, dada as características dos resíduos de medicamentos de uso domiciliar, alguns desses instrumentos legais também se aplicam à sua gestão e gerenciamento (FALQUETO; KLIGERMAN, 2010).

De acordo com a norma ABNT NBR 10.004/2004, a produção de medicamentos pode envolver a utilização de substâncias tóxicas ou que conferem periculosidade aos resíduos. De acordo com essa norma, os resíduos sólidos podem ser classificados em:

1) Resíduos classe I - Perigosos;2) Resíduos classe II – Não perigosos;

a. Resíduos classe II A – Não inertes; b. Resíduos classe II B – Inertes.

Dependendo de sua composição, os medicamentos podem ser classificados como resíduos classe I, englobando as substâncias químicas, que poderão apresentar risco à saúde pública ou ao meio ambiente dependendo de suas características (inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade). A recomendação de destinação para esses resíduos é que seja destinado a aterros para produtos perigosos classe I (ABDI, 2013).

3.1.1 RDC 306/2004 e CONAMA 358/2005Desde 2004 o Brasil dispõe de Resoluções, que regulamentam o destino dos resíduos sólidos, como a RDC 306/2004 e a CONAMA 358/2005, que classificam os resíduos de serviços da saúde por grupos (FALQUETO; KLIGERMAN; ASSUMPÇÃO, 2006).

A Resolução do Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA no 358, de 29 de abril de 2005 dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Seguindo o mesmo objetivo a Resolução da Diretoria Colegiada - RDC No 306, de 7 de dezembro de 2004, da Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA, dispõe sobre o Regulamento Técnico para o gerenciamento de resíduos de serviços de saúde.

De acordo com a RDC 306/2004 e a resolução CONAMA 358/2005, os resíduos de medicamentos são classificados como Grupo B, que engloba resíduos que contém substâncias químicas, que podem apresentar risco à saúde pública ou ao meio ambiente, dependendo de suas características de inflamabilidade, corrosividade, reatividade e toxicidade. Ex: medicamentos apreendidos, reagentes de laboratório, resíduos contendo metais pesados, dentre outros.

3.1.2 Lei 12.305/2010A Lei 12.305 de 02 de agosto de 2010, que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS), estabeleceu a obrigatoriedade da implantação de Sistemas de Logística Reversa (SLR) para alguns produtos pós-consumo e suas embalagens e a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos.

O inciso XVII do art. 3 da PNRS define a responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida dos produtos como o “conjunto de atribuições individualizadas e encadeadas dos fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes, dos consumidores e dos titulares dos serviços públicos de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos para minimizar o volume de resíduos sólidos e rejeitos gerados, bem como para reduzir os impactos causados à saúde humana e à qualidade ambiental decorrentes do ciclo de vida dos produtos.” O ciclo de vida, por sua vez, é entendido como a série de etapas, que envolvem o desenvolvimento do produto, a obtenção de matérias-primas e insumos, o processo produtivo, o consumo e a disposição final (BRASIL, 2010).

De acordo com o parágrafo 2o do art. 18 do decreto 7.404/2010, os fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes ficam responsáveis pela realização da logística reversa no limite da proporção dos produtos, que colocarem no mercado interno, conforme metas progressivas, intermediárias e finais, estabelecidas no instrumento que determinar a implementação da logística reversa.

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Os sistemas de logística reversa serão implementados e operacionalizados por meio de acordos setoriais (visando à responsabilidade compartilhada pelo ciclo de vida do produto), regulamentos expedidos pelo poder público ou termos de compromisso, entre o poder público e o setor privado. Porém, antes, o Comitê Orientador (CORE), criado pela (PNRS) para a Implantação dos Sistemas de Logística Reversa, deverá avaliar a viabilidade da implantação do sistema de logística reversa com relação aos aspectos técnicos, econômicos e sociais (BRASIL, 2010).

O Comitê criou o Grupo Tático Temático (GTT), para avaliar a questão da logística reversa de medicamentos, coordenado pelo Ministério da Saúde e que conta com a participação das principais entidades da cadeia de produção e distribuição de medicamentos (atacado e varejo) em todo território nacional.

3.1.3 RDC 44/2009A Resolução da Diretoria Colegiada da ANVISA, RDC No 44, de 17 de agosto de 2009, dispõe sobre as boas práticas farmacêuticas para o controle sanitário do funcionamento, da dispensação e da comercialização de produtos e da prestação de serviços farmacêuticos em farmácias e drogarias. Conforme seu artigo 93: “Fica permitido às farmácias e drogarias participar de programa de coleta de medicamentos a serem descartados pela comunidade, com vistas a preservar a saúde pública e a qualidade do meio ambiente, considerando os princípios da biossegurança de empregar medidas técnicas, administrativas e normativas para prevenir acidentes, preservando a saúde pública e o meio ambiente.” (ANVISA, 2009).Nota-se que esta resolução permite, mas não obriga as farmácias e drogarias a receberem os medicamentos descartados pela sociedade.

3.1.4 RDC 80/2006De acordo com a RDC no 80, de 11 de maio de 2006, as farmácias e drogarias podem fracionar medicamentos, a partir das embalagens especialmente desenvolvidas para essas finalidades, de modo que possam ser dispensados em quantidades individualizadas, para atender às necessidades terapêuticas de usuários de medicamentos, considerando as exigências legais envolvidas para tal prática. Essa medida foi criada considerando, principalmente, o desperdício de medicamentos e as consequências de utilização decorrente das sobras pela prática da automedicação (OLIVEIRA, 2012).

Dessa maneira, há que se mencionar, que o fracionamento de medicamentos poderia auxiliar na redução do volume de medicamentos gerados e seus respectivos impactos, visto que proporciona o uso racional de medicamentos, na medida em que disponibiliza o produto adequado, para uma finalidade terapêutica específica em quantidade e dosagens suficientes para o tratamento.

3.2 Logística Reversa de Medicamentos inservíveisA logística reversa veio para contribuir na redução dos impactos ambientais causados pelo acúmulo de resíduo. A responsabilidade dos resíduos das empresas já está deixando de ser do governo e as legislações ambientais estão gradativamente passando essa responsabilidade para as empresas ou suas cadeias industriais (LEITE, 2009).

No entanto, apesar de sua constante evolução, os SLR ainda enfrentam obstáculos e barreiras como a falta de sistemas informatizados e integrados, recursos financeiros e recursos de pessoal escassos, menor importância da logística reversa em relação a outras questões e a própria política da empresa, que vê no fluxo reverso apenas custos e não receitas (RAVI, 2005).Segundo a Associação Brasileira de Logística, as principais vantagens da implantação da logística reversa são:

1) sensibilidade ecológica: os consumidores hoje estão cada vez mais preocupados com o equilíbrio ecológico;

2) competitividade: as empresas ecologicamente corretas e que utilizam do marketing ligado à questão ambiental, se tornam mais bem vistas pelos consumidores;

3) redução de custos: a redução de custos na logística reversa ainda é motivo de discussões, pois ainda é difícil a visualização imediata dos custos. A implantação da logística reversa necessita primeiro de investimento. Após a implantação, de forma eficaz e eficiente, gera o resultado, que não é receita e sim otimização dos custos. (GUIMARÃES, 2011).

A ANVISA desde a criação do grupo de trabalho temático GTT de medicamento, que teve início após a criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos em 2010, vem discutindo e avaliando a forma de implantação da logística reversa na cadeia produtiva de medicamentos. Na Tabela

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3 são apresentadas algumas experiências de programas de recolhimento de medicamentos inservíveis no Brasil:

Tabela 3– Experiências de programas de recolhimento de medicamentos inservíveis no Brasil.

Ano Nome do Projeto Responsável Logística Quantidade recolhida

1998

“Coleta Especial de Resíduos

Domiciliares de Curitiba” – Curitiba

Prefeitura Municipal de Curitiba

Um caminhão coleta em 24 terminais de ônibus da cidade: 7h às 15h

Entre 1998 e 2010: 32t; 3354,90 kg (2009) e 4823,00

kg (2010)

2006

“Medicamento Vencido–Destino Ambientalmente

Correto”- Porto Alegre

UFRGS e a Prefeitura de Porto

Alegre

2 pontos de coleta na Farmácia Popular da

UFRGS

Desde 2006 foram recolhidos cerca de 250 kg

2008“Devolução Segura de Medicamentos” -

São Paulo

Hospital das Clínicas da (USP)

Ponto de recolhimento no HC; transporte diretamente para o

destino final

Entre 2008 e 2010, o programa recolheu um total

de 2.170 Kg.

2010“Programa Destino

Certo” - Porto Alegre e Curitiba

Panvel - parceria com a UFRGS

Pontos de recolhimento nas farmácias;

Transporte para o destino final

Recolhimento de mais de 5t de medicamentos

2010“Descarte Correto de Medicamentos” - São

Paulo

Rede Pão de Açúcar e

Eurofarma

Pontos de recolhimento nas farmácias;

transporte para o destino final

2010: 348 kg de resíduos. 2011: segunda etapa em 28

lojas

2010 “Desarmamento de Medicamentos”

Associação Regional dos

Farmacêuticos de Uberlândia (ARFU)

Ponto de coleta nas farmácias domésticas Dado não informado

Fonte: Elaborado a partir de ABDI (2013); Mol et al. (2014).

A Figura 2 mostra o processo iniciando pelo consumidor até o ponto de origem, com o objetivo de recapturar valor ou realizar um descarte adequado, sendo assim, um processo de responsabilidade compartilhada com o ciclo de vida de um produto (CONSELHO EM REVISTA, 2011):

Figura 2 – Processo de responsabilidade compartilhada

Fonte: Conselho em Revista, 2011

3.2.1 Estimativa de geração de resíduosNo tocante à estimativa de descarte de medicamentos pela população há um conjunto de estudos desenvolvidos em diferentes países, inclusive no Brasil, sobre o percentual de medicamentos descartados. Para a estimativa de geração de resíduos foram empregadas três metodologias já

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utilizadas em nível nacional no estudo realizado pela ABDI - Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial.

Em relação à experiência internacional, o volume recolhido per capita apresenta uma elevada dispersão. Tais diferenças podem ser atribuídas às características de estruturação e de implementação dos programas, às especificidades das regulamentações dos países pesquisados, às diferenças na adesão dos cidadãos, às peculiaridades do comportamento de consumo e de pós-consumo de medicamentos dos consumidores nos diferentes países, à participação dos demais agentes envolvidos no programa e, é claro, na eficácia geral do próprio programa, mas em particular de suas estratégias de comunicação com as partes envolvidas.

Desta forma, quanto às experiências nacionais, o último aspecto a ser avaliado diz respeito à necessidade de ajustar a estimativa a estas diferenças regionais. Este é o elemento chave, visto que em certos municípios é possível, que o grau de adesão seja bem menor, em virtude da enorme heterogeneidade no que diz respeito à renda e à educação média da população brasileira.

Encontrar um único indicador, para mostrar esta diferenciação é um desafio. Porém, dentre as várias possibilidades, optou-se pelo Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), calculado pelo PNUD. Segundo às informações disponíveis a variabilidade do índice chega a 40% entre os municípios mais desenvolvidos e os menos desenvolvidos (ABDI, 2013).

As experiências nacionais concentraram seus pontos de coleta na região Sudeste, em especial em São Paulo, onde as condições socioeconômicas são bastante diferentes das demais regiões do país. Portanto, foi ponderado para Vitória (através do seu IDHM de 0,845) o volume de resíduos gerados nos pontos de coletas a partir do IDHM de São Paulo (tomado como referência), que para o mesmo ano de 2010 foi de 0,805, conforme apresentado na Tabela 4:

Tabela 4 – Volume ponderado de resíduo medicamentoso coletado.

Método de Estimativa Fórmula de cálculo Volume ponderado (kg/ponto de coleta/mês)

Estimativa a partir do volume de resíduos do Programa Descarte Consciente para todas as

farmácias e drogarias de Vitória.

(14,00 kg/ponto de coleta/mês x 0,845)/0,805 14,70

Estimativa a partir do volume de resíduos da coleta amostral consolidado pelo GTT medicamentos para todas as farmácias e

drogarias de Vitória.

(5,30 kg/ponto de coleta/mês x 0,845)/0,805 5,56

Fonte: Produzido pelos autores

Para o cálculo baseado nas experiências brasileiras é necessário saber o número de pontos de coleta, neste caso os estabelecimentos que vendem os medicamentos, que são as farmácias e as drogarias. Segundo a definição da ANVISA, farmácia é o estabelecimento de manipulação de fórmulas magistrais e oficinais, de comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e produtos para saúde (correlatos). Já a drogaria é o estabelecimento de dispensação e comércio de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e produtos para saúde (correlatos) em suas embalagens originais.

Para efeitos de cálculo, nesste estudo não houve diferenciação entre os estabelecimentos, resultando assim num total de 191 pontos de coletas em Vitória, segundo dados da Vigilância Sanitária do município até a data 11 de novembro de 2014. A Tabela 5 apresenta a estimativa de resíduos de medicamentos gerados no município de Vitória/ES:

Tabela 5 – Estimativas de resíduos medicamentosos gerados em Vitória

Método de Estimativa Fórmula de cálculo Volume estimado (t/ano)Estimativa dos resíduos gerados pela população

capixaba a partir de dados internacionais per capita.

hab x 71,3 g/hab/ano (média) 25,11

hab x 54 g/hab/ano (mediana) 19,01

Estimativa a partir do volume de resíduos do Programa Descarte Consciente para todas as

farmácias e drogarias de Vitória.

No de pontos de coleta x 14,70 kg/ponto de coleta/

mês33,68

Estimativa a partir do volume de resíduos da coleta amostral consolidado pelo GTT medicamentos para todas as farmácias e

drogarias de Vitória.

No pontos de coleta x 5,56 kg/ponto de coleta/mês 12,75

Fonte: Produzido pelos autores

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3.2.2 Estimativa de custo para destinação finalPela Resolução ANVISA no 306/04, o tratamento consiste na aplicação de método, técnica ou processo, que modifique as características dos riscos inerentes aos resíduos, reduzindo ou eliminando o risco de contaminação, de acidentes ocupacionais ou de danos ao meio ambiente.Para a estimativa de custos foram utilizados dados preliminares do custo de transporte e de destinação elaboradas pela NUREG-Anvisa no âmbito dos trabalhos do GTT-Medicamentos, utilizando a estrutura para RSS, que apontam que na região Sudeste o valor médio estimado para o descarte é R$ 4,00/Kg. Já o levantamento de informações realizado junto à empresa de transporte e destinação de RSS Marca Ambiental aponta um valor médio de R$3,50/kg para coleta e tratamento de RSS.

Desta forma foi elaborada a estimativa dos custos para destinação final, apresentados na Tabela 6:

Tabela 6 – Estimativas de custo para destinação final.

Parâmetro de EstimativaCusto estimado (R$/ano)

Para o volume estimado mínimo:12,75 (t/ano)

Para o volume estimado máximo:33,68 (t/ano)

Elaboradas pela NUREG-Anvisa 51 004,83 134 729,70

Estimado pela Marca Ambiental 44 629,23 117 888,50

Fonte: Produzido pelos autores

4 CONCLUSÃOAs análises realizadas durante este estudo mostraram, que a instituição da PNRS apresentou diretrizes importantes, para a implementação da Logística Reversa de Medicamentos (LRM) como o princípio da responsabilidade compartilhada. O governo do estado tem função importante de fiscalização, para que ocorra a LRM, já que atualmente estes resíduos são dispostos com os Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) e no sistema de esgotamento sanitário, ficando a expensas do município sua destinação final, mesmo que inadequada.

A estimativa do quantitativo de resíduos medicamentosos gerada é um dado importante, para a fase de implantação da LRM no Município de Vitória, visto que esta estimativa pode embasar as metas, que serão estabelecidas, como também estimar os custos de operação. Por mais que a estimativa projete a situação ideal, nem todo o volume de resíduos medicamentosos domiciliares será recolhido, visto que se faz necessário uma participação ativa do cidadão na devolução do medicamento vencido ou em desuso e uma estrutura adequada. Para isto, torna-se necessário a conscientização e adesão dos cidadãos e dos responsáveis pelos pontos de coleta ao processo, bem como a estruturação de um sistema de recolhimento eficaz.

Políticas para a classificação dos medicamentos se fazem necessárias, para a correta destinação final, como levantado no estudo, pois somente uma parte dos medicamentos é Classe I e, como não há segregação, todos acabam se enquadrando na classe de resíduos perigosos, onerando o sistema. Outra forma de viabilizar a LRM é adequar a legislação e infraestrutura já utilizada para o RSS, diminuindo os custos iniciais de implantação.

A implementação do sistema pode ser de maneira progressiva, iniciando pela capital do estado, com maior densidade populacional, que por sua vez pode servir como experiência para implementação posterior nos demais municípios do estado, com a possibilidade de realizar coletas, a partir de campanhas periódicas, dada a dificuldade de manter uma estrutura fixa como a prevista para os grandes centros urbanos.

5 AGRADECIMENTOS

À Marca Ambiental e Vigilância Sanitária de Vitória, por disponibilizarem as informações necessárias.

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DIAGNÓSTICO DO USO E OCUPAÇÃO DO SOLO DE TRECHOS DA ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE DO RIO BONITO UTILIZANDO FERRAMENTAS DO

GEOPROCESSAMENTOLAND USE AND LAND COVER DIAGNOSIS OF THE EXCERPTS PERMANENT PRESERVA-

TION AREA FROM RIO BONITO USING GEOPROCESSING TOOLS

EDER JOSÉ FOEGER* ELVIS ROVER KNEIPP**

BRUNNA OLIVEIRA GUIMARÃES***

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.092

RESUMO

O geoprocessamento vem se mostrando, ao longo dos últimos anos, uma importante ferramenta para identificação das ações antrópicas, que têm contribuído para a redução da mata ciliar das Áreas de Preservação Permanente (APP) de diversos rios. Neste contexto, este trabalho teve como objetivo diagnosticar, por meio de trechos escolhidos, a partir de ortofotomosaicos e com o uso do programa computacional ArcGIS 10.1, a atual situação do uso e ocupação do solo de trechos da APP do Rio Bonito, tendo em vista à manutenção e à melhoria da qualidade deste rio, definida pelo enquadramento realizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória. O rio estudado está compreendido na bacia hidrográfica supracitada e localizado entre os municípios de Santa Leopoldina, Santa Maria de Jetibá e Santa Teresa, no estado do Espírito Santo. Após este diagnóstico pode-se constatar, que por mais que existam áreas, ainda preser-vadas, a maior parte da APP em estudo encontra-se degradada pelas ações humanas, o que pode trazer uma grande dificuldade às entidades responsáveis pela garantia desta qualidade, tendo como referência um horizonte de 20 anos prospectado para este alcance.

Palavras–chave: Ocupação antrópica. Mata ciliar. Geotecnologias

ABSTRACT

The GIS has been showing over the past years, an important tool for identification of anthropo-genic actions that have contributed to the reduction of the riparian forest from permanent preser-vation areas (APP) of several rivers. In this context, this work aimed to diagnose selected areas chosen from orthophotographs and using the computer program ArcGIS 10.1, the current land use and land cover situation of excerpts permanent preservation areas (APP) from Rio Bonito, in order to maintain and improve the quality of that river, defined by “River Basin Committee San-ta Maria da Vitória” classification. The river, situated in the catchment area above, and located between the municipalities of Santa Leopoldina, Santa Maria de Jetibá and Santa Teresa, in the State of Espírito Santo. After this diagnosis, it can be noted that, as much as there are still pre-served areas, most of the APP in study is degraded by human actions, which can bring a great difficulty to the entities responsible for ensuring that quality, with reference to a horizon of 20 years prospected for this range.

Keywords: Human occupation. Riparian forest. Geotechnology.

1 Introdução

Após décadas de crescimento econômico sem que a conservação dos recursos naturais fosse levada em consideração e percebendo áreas desmatadas para empreendimentos agropecuários totalmente desprotegidos, viu-se a necessidade de promover a preservação de florestas e qualquer outra forma de vegetação do território brasileiro. Para isso, várias legislações ambientais foram criadas e aperfeiçoadas, com o intuito de proteger o meio ambiente e garantir que os cidadãos possam exigir atitudes do poder público e de toda a sociedade (JACOVINE et al., 2008).

* Graduando em Engenharia Ambiental (FAESA).** Graduando em Engenharia Ambiental (FAESA).*** Mestre em Engenharia de Saúde Pública e Desenvolvimento Sustentável (UFES).

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No Brasil temos três dispositivos, que tratam da questão florestal: a Constituição Federal de 1988, a Lei Federal no 6.938 de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente e a Lei no 12.651 de 25 de maio de 2012, que instituiu o Novo Código Florestal, com suas respectivas normas regulamentadoras e complementares.

As Áreas de Preservação Permanentes (APP’s) juntamente com as Reservas Legais, Reservas Indígenas e as Unidades de Conservação, fazem parte do sistema de áreas protegidas da legislação ambiental brasileira. Conforme o novo Código Florestal (Lei no 12.651, de 25 de maio de 2012), as formações florestais e demais formas de vegetação devem ser mantidas em extensões específicas, de acordo com a largura dos diferentes corpos d’água.

Segundo Caldas (2007) a demarcação das APP’s em matas ripárias e nascentes é um processo complicado de se fazer, utilizando-se somente métodos convencionais. Por isso, a utilização de SIG’s, sensoriamento remoto e geoprocessamento como ferramentas para delimitar tais áreas são fundamentais, para a correta identificação destas visando garantir à qualidade dos recursos hídricos e à manutenção da biodiversidade dentro das APP’s.

Nesta vertente Nowatzki, Santos e Paula (2010) expõem, que a utilização do geoprocessamento pode ser uma excelente ferramenta, para efetuar a delimitação das matas ciliares e nascentes, visto que seu mapeamento pode fornecer informações importantes para seu manejo e preser-vação. Além disso, permite uma grande precisão na demarcação dessas APP’s, que no novo Código Florestal se apresentam de uma forma subjetiva, ao admitir que nas áreas rurais consoli-dadas, que correspondem a imóveis rurais com ocupação antrópica preexistente a 22 de julho de 2008, com edificações, benfeitorias ou atividades agrossilvipastoris, sejam mantidas atividades florestais, culturas de espécies lenhosas, perenes ou de ciclo longo, além de toda infraestrutura física adjunta ao desenvolvimento dessas atividades (TAMBOSI et al., 2015).

Sobretudo, no que diz respeito às matas ciliares, cujo planejamento e monitoramento são im-prescindíveis para a conservação dos recursos hídricos, o aparato do geoprocessamento mini-miza o tempo necessário para os estudos e permite o melhor detalhamento da problemática em questão (LEAL, TODT, THUM, 2013), bem como definir e mapear com segurança as áreas rurais consolidadas, que são determinadas na Lei no 12.651/2012.

A preservação da mata ciliar está diretamente ligada ao trabalho realizado pelo Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória (CBHSMV). Em 2014, o CBHSMV deliberou o enqua-dramento do Rio Santa Maria da Vitória, um importante manancial de abastecimento público de água da Região da Grande Vitória, e seus principais afluentes: dentre eles, o Rio Bonito. Basea-do no monitoramento de alguns parâmetros pré-estabelecidos, como fósforo, coliformes, DBO, entre outros, todos os rios deliberados foram classificados de acordo com a resolução CONAMA 357/2005. O Rio Bonito, objeto de estudo, foi classificado como classe 1, mesmo que o parâme-tro fósforo tenha apresentado valores acima do estabelecido na resolução supracitada. Com a participação de todas as classes da sociedade, o CBHSMV enquadrou o Rio Bonito como classe 1, mas com a necessidade de melhoria do parâmetro fósforo. Num horizonte de 20 anos esta-belecido pelo referido comitê para alcançar o objetivo determinado, a manutenção e melhoria quantitativa e qualitativa desse recurso hídrico se faz necessária, e a preservação da mata ciliar tem papel fundamental, para atingir esse anseio.

Desta forma, este trabalho objetivou diagnosticar, por meio de ferramentas do geoprocessamen-to, a situação atual do uso e ocupação do solo de trechos de APP do Rio Bonito, que possam indicar, em um contexto geral, a situação de toda a APP do rio, propondo alternativas que visem a manutenção e melhoria da qualidade da água do rio em estudo.

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2 MATERIAL E MÉTODOS

2.1 Área de Estudo

O Rio Bonito figura como um dos principais afluentes do Rio Santa Maria da Vitória, um dos mais importantes mananciais de abastecimento da Região da Grande Vitória, com uma vazão média de 19 m³/s.

Ao longo de todo seu percurso o Rio Bonito funciona como divisor político dos municípios de Santa Maria de Jetibá e Santa Leopoldina, fazendo parte da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória. Tal bacia ocupa uma área de 1.817,25 km², entre às coordenadas UTM de 286.869,6 e 371.580,3 de deslocamento Leste, e 7.750.031,7 e 7.793.463,9 de deslocamento Norte, compreendendo os municípios de Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina, Serra, Ca-riacica e Vitória, com uma população de aproximadamente 641.500 habitantes, e podendo ser dividida em três Unidades de Planejamento dos Recursos Hídricos (UP’s): Alto Santa Maria da Vitória, Médio Santa Maria da Vitória e Baixo Santa Maria da Vitória. A área de estudo faz parte da UP do Médio Santa Maria da Vitória, que corresponde a 52% da área total da bacia supraci-tada (Figura 1):

Figura 1 – Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória com as respectivas Unidades de Planejamento

Fonte: Produzido pelos autores

A Microbacia Hidrográfica do Rio Bonito está localizada entre os municípios de Santa Maria de Jetibá, Santa Leopoldina e Santa Teresa, ocupando uma área de 44,66 km², entre às coordena-das UTM 327.586,5 e 334.557,8 de deslocamento Leste, e 7.781.665,5 e 7.792.328,4 de des-locamento Norte (Figura 2). Possui o predomínio do clima tropical úmido com estação chuvosa no verão e seca no inverno, além de uma vegetação característica do bioma da Mata Atlântica, características essas representativas de toda a bacia do Rio Santa Maria da Vitória (TRINDADE, 2011):

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Figura 2 – Bacia Hidrográfica do Rio Bonito

Fonte: Produzido pelos autores

2.2 Metodologia

Os procedimentos adotados, para realização do trabalho dividiram-se basicamente em quatro etapas: aquisição dos materiais e informações, determinação dos trechos a serem avaliados ao longo do rio, geração do mapa da APP dos trechos selecionados e diagnóstico do uso e ocupa-ção do solo dessa APP.

Os critérios necessários para o diagnóstico da situação ambiental e informações gerais da área estudada, foram obtidos por meio de levantamentos bibliográficos acerca do tema, além da aqui-sição de materiais existentes sobre a região de abrangência da bacia hidrográfica de estudo.

As informações cartográficas necessárias para realização do estudo foram fornecidas pela HI-PARC Geotecnologia, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Comitê de Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória. Todas as informações cartográficas neces-sárias para realização deste trabalho encontram-se no Quadro 1. Destaca-se o uso de imagens originais de aerolevantamento e ortofotomosaicos, obtidas por meio da HIPARC Geotecnologia, sendo estas utilizadas para o mapeamento de trechos da APP do rio e diagnóstico do uso e ocu-pação do solo da área:

Quadro 1 – Informações usadas no estudo dos trechos da APP do Rio Bonito

DADOS DATUM HORI-ZONTAL FONTE COORDENADAS

Municípios

SAD 69

IBGE

UTM

Delimitação da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória e suas unidades de planejamento

Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria

da Vitória

Delimitação da Bacia Hidrográfica do Rio Bonito

SIRGAS 2000 HIPARC Geotec-nologiaOrtofotomosaicos

Hidrografia

Por meio de visitas a campo na área de estudo, foram selecionados 05 trechos a serem ava-liados: a nascente do rio; a comunidade de Aparecidinha; a comunidade de Cabeceira do Rio

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Bonito; a comunidade de Rio Bonito; a foz do rio (figura 3 A). Os trechos foram escolhidos por manterem maiores ocupações marginais ou melhores estágios de preservação da APP, conside-rando o horizonte de 20 anos adotado no enquadramento do Rio Bonito pelo CBHSMV.

Depois de definidos os pontos a serem estudados, a base cartográfica do IBGE e do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória, que originalmente estavam no datum horizon-tal SAD 69, foram transformadas para o datum horizontal SIRGAS 2000, utilizando o aplicativo computacional ArcGIS 10.1.

2.2.1 Utilização da ferramenta buffer e meansureAtravés da ferramenta buffer do referido aplicativo, foram determinadas larguras de 30 metros das faixas ciliares dos trechos selecionados do rio e do raio de 50 metros entorno da nascente, conforme preconiza a Lei no 12.651/2012. Neste estudo as áreas rurais consolidadas não foram levadas em consideração, por não haver informações a respeito de sua ocupação anterior a 22 de julho de 2008 de acordo com o novo Código Florestal.

O diagnóstico da situação atual dos trechos da APP do rio, com relação ao uso e à ocupação, se deu através da observação das ortofotomosaicos dentro do buffer criado em cada trecho, e com a utilização da ferramenta meansure do aplicativo supracitado para determinar áreas, compri-mentos e porcentagens do terreno ocupado.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃOOs 05 trechos de APP do Rio Bonito selecionados para realização desse diagnóstico podem ser vistos na Figura 3 A. Na figura é possível ter uma perspectiva geral do percurso do rio, interca-lado entre trajetos retilíneos e meandros, com comprimento de talvegue na ordem de 10.406 metros. Observa-se a nascente do rio ao norte da Comunidade de Aparecidinha e sua foz ao su-doeste da Comunidade de Rio Bonito, com os demais trechos inseridos ao longo de seu decurso:

Figura 3 – Rio Bonito com os respectivos trechos de estudo (A) e nascente do Rio Bonito (B)

Fonte: Produzido pelos autores a partir de ortofotomosaicos fornecidas pela HIPARC

O primeiro trecho analisado (Figura 3 B), corresponde à nascente do Rio Bonito, possui a mata ciliar integralmente preservada tanto na porção estabelecida como obrigatória na legislação como nas áreas adjacentes. A área mais próxima onde se observa a influência da ação do ho-

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mem (monocultura de eucalipto ao norte) está distante do limite de APP da nascente a cerca de 45 metros, praticamente o dobro do que preconiza a Lei no 12.651/2012. Isso é um fator positivo no que diz respeito às garantias de preservação do rio, pois a nascente é um dos principais pon-tos de recarga hídrica da bacia estudada e uma importante fonte de abastecimento público para a população de seu entorno. Sendo assim, a ausência de influências antrópicas traz uma maior segurança quanto à preservação da mata cilia e isso tem papel importante no alcance da meta estabelecida no enquadramento do rio.

Para o trecho que corresponde à Comunidade de Aparecidinha (Figura 4 A), observa-se a au-sência da mata ciliar em praticamente toda a extensão da APP no trecho do rio. Nota-se apenas uma diminuta porção de mata na parte norte do trecho, de aproximadamente 1.100m², que não chega a ser suficiente para garantir a preservação do rio. Os maiores problemas que podem ser encontrados nesse trecho são lançamentos de efluentes domésticos sem tratamento, em função da presença de uma comunidade rural próximo às margens do rio, lançamento de agrotóxicos em decorrência de monoculturas de café (cerca de 6.800 m2) e assoreamento de parte deste tre-cho devido à presença de pastagens na porção central da imagem (cerca de 6.600 m2) e terrenos terraplanados ao sul (cerca de 2.700 m2). Com a perspectiva de crescimento populacional, para o estado do Espírito Santo, em cerca de 600 mil habitantes para os próximos 20 anos (IBGE, 2014), a ausência de políticas que garantam à conservação e à ocupação racional de áreas pode comprometer o alcance do enquadramento deliberado para o Rio Bonito:

Figura 4 – Comunidade de Aparecidinha (A) e Comunidade de Cabeceira do Rio Bonito (B)

Fonte: Produzido pelos autores a partir de ortofotomosaicos fornecidas pela HIPARC

O trecho estudado na Figura 4 B, que representa a Comunidade de Cabeceira do Rio Bonito, é marcado por uma sequência de impactos negativos, no que se refere à preservação do rio. Uma área de pastagem ao norte da APP, de aproximadamente 7.000 m², e uma área de agricultura desenvolvida de forma intensiva ao sul (cerca de 17.700 m²). Após à visita a campo percebeu--se, que tais áreas não possuem nenhuma proteção para o corpo hídrico, sendo que o pisoteio dos animais pode levar a impactos de erosão e aumento da turbidez no rio. Logo, as influências negativas verificadas na APP desse trecho tendem a dificultar a manutenção e melhoria da quali-

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dade da água do rio determinada em seu enquadramento, portanto ações para recuperar a mata ciliar devem ser estudadas.

O quarto trecho de estudo (Figura 5 A) é marcado pela maior extensão de área preservada da APP do Rio Bonito. Com cerca de 56.000 m² de mata ciliar, a APP do trecho ainda está preser-vada em sua maior parte. Verifica-se que, por mais que tenhamos muitas áreas marcadas por alterações antrópicas, que comprometem a qualidade das águas, ainda temos áreas conserva-das como referência para outros trechos ao longo do rio. O grande cuidado a se ter nesse trecho é impedir, que as áreas agricultáveis próximas acabem invadindo a área destinada à APP do rio, visto que tratamos de um horizonte longo e a necessidade de uso de solo e de água tem crescido cada vez mais:

Figura 5 – APP do Rio Bonito preservada (A) e Foz do Rio Bonito (B)

Fonte: Produzido pelos autores a partir de ortofotomosaicos fornecidas pela HIPARC

No último trecho de estudo, correspondente à foz do Rio Bonito (Figura 5 B), observa-se, ao nor-te da APP, uma área de aproximadamente 8.800 m² composta por pastagens: na porção central existe uma grande área agricultável, com uma monocultura de café e uma área degradada. E, na porção sul do rio, já na foz com o Rio Santa Maria da Vitória, confrontam-se duas situações bem distintas: um lado com fragmento de mata ciliar preservada, com cerca de 5.600 m² e o outro lado degradado com aproximadamente 4.850 m². As modificações antrópicas, seja na retirada da vegetação, que fragmenta o habitat, seja no tipo de manejo do solo, pode transformar a área em ambiente degradado (METZGER, 2003) causando uma série de fatores negativos, para popula-ções e comunidades naturais que precisam de características de habitats peculiares (PRIMACK, RODRIGUES, 2001).

4 CONCLUSÃO

O uso do geoprocessamento foi elemento essencial, para diagnosticar a situação atual do tipo de uso e ocupação do solo da APP do Rio Bonito nos trechos selecionados, mostrando-se tam-bém uma boa ferramenta para o planejamento no âmbito de bacias hidrográficas. Destaca-se, também, a importância de estudos futuros para a determinação das áreas rurais consolidadas

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no âmbito da Lei no 12.651/2012, pois nesse trabalho essas áreas não foram levantadas, por não haver informações suficientes a respeito de sua ocupação anterior a 22 de julho de 2008.

Pode-se concluir, ainda, que a Bacia Hidrográfica do Rio Bonito apresenta áreas com uma boa preservação de mata ciliar, o que deve servir de referência na tomada de medidas para as de-mais áreas da bacia. Caso não haja uma preocupação das entidades responsáveis em melhorar o uso e a ocupação do solo da área estudada, a manutenção e melhoria da classe do Rio Bonito, no horizonte de 20 anos, pode ser dificultada, fato esse preocupante, visto que se trata de um dos principais afluentes do Rio Santa Maria da Vitória, um dos mais importantes mananciais de abastecimento público da Grande Vitória.

Após a realização do diagnóstico do uso e ocupação do solo de trechos da APP do Rio Bonito, recomenda-se a manutenção de toda a mata ciliar presente, servindo de espelho para melhoria dos trechos comprometidos pelas ações antrópicas. Assim, a principal recomendação para as áreas já degradadas seria o incentivo dos órgãos governamentais aos produtores rurais, para o reflorestamento desses trechos com o plantio direto de vegetação nativa, garantindo a preserva-ção de toda a APP do rio.

5 AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à HIPARC Geotecnologia pelo fornecimento da base cartográfica e das ortofotomosaicos. Agradecem também ao Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Santa Maria da Vitória pela base cartográfica fornecida.

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O QUE VER, OUVIR E APREENDER?WHAT TO SEE, LISTEN AND LEARN?

Viviane Dutra Gramigna*

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.093

RESUMOA filosofia foi, em todos os tempos, denominada como pedagógica: seu papel sempre foi o de transformar nosso modo de pensar, de agir e até mesmo de se afetar e afetar o outro. Mesmo quando a filosofia não parece mudar nada, ela se mostra exemplar como atividade humana, tal como nas implicações da educação moral. Porém, há uma crise e discordância profunda, quanto à maneira em que o ensino de filosofia se deveria permitir, ao mesmo tempo, ao desenvolvimen-to do indivíduo e da sociedade virtual. Ele, muitas vezes, se mostra agregado ao ensino utilitário e aos inoculadores de ideias. Contudo, a filosofia na sua intenção reflexiva deve detectar os peri-gos, que ameaçam o ensino e mostrar facilitadores da aprendizagem, ou seja, mostrar que cada um pode ter disposição, para ver de outro modo o que se tem e o que se pode ter a sua volta.

Palavras-chave: Filosofia. Educação. Mundo virtual.

ABSTRACTPhilosophy has been all around time understood as pedagogical: its main purpose was to trans-form the way we think, act and even to affect ourselves and others. Even when philosophy doesn’t appear to change anything, it shows fundamental to human activities, such as when related to moral education. Although there is a crisis and profound disagreements related to the way teaching Philosophy should allow, at the same time, to human and virtual society development. It, many times, is related to utilitarian teaching and transmitting ideas. Therefore, Philosophy in its reflective intention should detect the danger that threaten teaching and demonstrate learning ways, in other words, to show that every one is able to see in a different way what they have and what they could have around.

Keywords: Philosophy. Education. Virtual world.

1 O contoAntes de inquirir sobre o panorama relativo ao ensino de filosofia especificamente na disciplina Introdução à Filosofia e os perigos, que ameaçam esta disciplina nas instituições de educação superior, proponho um convite ao conto infantil da escritora Ruth Rocha (1996): “O Velho, o Me-nino e o Burro” (ROCHA, 2006).

O conto é o seguinte: Vinham contentes, o velho, o menino e o burro pela estrada. De um lado, o velho puxando o cabresto do burro e do outro, o menino. Até que ouviram o seguinte comentário de dois homens sentados no barranco:

- Veja só compadre! Que despropósito! Em vez de o velho montar no burro vem puxando ele!

O velho e o menino apenas se olharam e, logo, o velho pôs-se a montar no burro. Só que não demorou muito, quando ouviram outro comentário de duas comadres:

- Olha só Sinhá, que desfrute! O velho bem-bom, montado no burro e o pobre menino gramando a pé.

O velho e o menino se olharam de novo. O velho desceu do burro e botou o menino na sela. E foram, agora, ressabiados com que o povo poderia dizer. Ao passar numa porteira escutaram de uma velha:

- Mas que absurdo, um velho que não se aguenta mais e o menino, bem sem vergonha, escanchado no burro!

Os dois se olharam e nem esperaram, o velho mais que depressa montou na garupa do burro junto com o menino e lá se foram o três.

Como não se bastassem todos os comentários, ainda havia um do padre:

- Olha só que pecado! O pobre burro carregando dois preguiçosos! Mas isso é coisa que se faça?

* Profa do curso de Direito da FAESA e mestre em Filosofia (UFMG).

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O velho e o menino se olharam e saíram carregando o burro.

Agora era só risada do povo:

- Olha só os dois burros carregando o terceiro!

Quando chegaram em casa, o velho muito cansado disse:

- Bem feito para nós. Que a gente já faz muito de pensar com a própria cabeça, e ainda quer pensar pela cabeça dos outros. Agora eu sei porque é que meu pai dizia:

Quem quer agradar a todos

A si próprio não faz bem!

Pois só faz papel de burro

E não agrada a ninguém!

Há muitas possibilidades a serem levantadas neste conto infantil, principalmente questões de cunho moral. Porém, ocupo-me do conto para pensar o quanto o aluno é domesticado, no sen-tido que Nietzsche deu a esta palavra em Genealogia da Moral: “O sentido de toda a cultura é amestrar o ‘homem’, reduzi-lo a um animal manso e civilizado” (NIETZSCHE, 1998, p.33). O pensador da filosofia moderna acreditava ainda, que a educação moderna era sinônimo de domesticação, cujo tratamento de habilidades transforma o aluno em uma criatura dócil e frágil, que o inibe a pensar e o leva unicamente a escutar e a obedecer. Essa crítica nietzschiana à educação de sua época nos transporta a um problema atual, principalmente, no que se refere ao ensino de filosofia. A questão é: como estimular o aluno, que possui opiniões vagas, imprecisas e até negativas sobre a filosofia a uma aproximação não somente a seus conteúdos teóricos, mas à apreensão do pensamento e à criação?

Estimular o desenvolvimento do espírito crítico, tanto proferido aos quatro cantos da imagem do ensino filosófico, não é uma tarefa fácil. A meu ver, há algumas questões a serem questionadas no ensino. É preciso realmente fazer da filosofia a História da Filosofia? É possível uma reflexão sobre as questões universais por meio dos textos clássicos? Como, em tal caso, despertar inte-resse crítico para textos pouco didáticos e promover o diálogo do próprio aluno com o pensador? Tudo isso em apenas um semestre, nas designadas “Introdução à Filosofia” e “Filosofia Geral” numa época dominada pelo mundo virtual.

2 O ENSINO DE FILOSOFIA É O BURRO A TIRACOLO? Do mesmo modo que o velho e menino, no conto de Ruth Rocha, sequer refletiram sobre a fun-cionalidade de um animal de carga ou sobre suas próprias vontades e desejos, carregamos ou conduzimos o ensino de filosofia sem apercebermos a real função do ensino. Os professores deixam-se atropelar por manuais de filosofia, transmitem ou apenas narram a História da Filoso-fia, quando não, se utilizam de um ensino com propostas didáticas ou técnicas, cujas estratégias apelam tão somente ao lúdico.

Além disso, o docente carrega o “burro” e, junto com ele, o fardo das condições sociais e cultu-rais do imediatismo ou da utilidade ao que ensina e a quem ensina, conduzindo, cada vez mais, as aulas de filosofia à uma atividade acrítica, ao abandono do ensino como, reflexão e experi-ências do pensamento, pois, são essas experiências do pensar, que conduzem o aluno a uma dimensão própria, “para uma certa visão de mundo, uma certa percepção, muito particular, do que constitui a realidade” (PIMENTA NETO, 2006, p. 44 apud DE LIBERA,1999).

Entretanto, para que se retome ao espaço de autonomia, por parte dos professores, é preciso descarregar da prescrição metodológica de ensino da reprodução e criar o que o filósofo Gilles Deleuze (2006, p.16) chama de gestos não meramente reproduzidos, mas que emitem signos a serem desenvolvidos no heterogêneo. Isto, para o pensador francês, significa que aprendemos com aqueles, que dizem “faça comigo” e não “faça como eu”.

Um ótimo exemplo para prescrição deleuziana é a fala das personagens de Clarice Lispector (1998, p.157). A professora primária Lóri diz ao professor de filosofia Ulisses: “Aprendo contigo, mas você pensa que eu aprendi com tuas lições, pois não foi, aprendi o que você nem sonhava em me ensinar.” E era isso mesmo, que Deleuse pretendia dizer: ensinar é “colocar sinais para que outros possam orientar-se”, do mesmo modo que ensinar faz jus a sua raiz etimológica do latim in + signare, que é necessidade de alguém ser guiado por sinais, que se coloca sobre algo para ser mostrado, estar aparente e servir de referência. Ainda que os sinais cumpram a parte

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fundamental de ensino-aprendizagem, é essencial que o professor saiba sair de cena e deixar, que os alunos preencham sua própria tábula.

É de extrema relevância fazer da filosofia algo, que cumpra uma finalidade educativa: não me re-firo apenas a conteúdos curriculares, mas a uma metodologia que pressupõe o aprofundamento do conhecimento, o qual só fará sentido se for visto como material de trabalho e parte integrante de um processo de totalização do curso, diferente dos conteúdos do programa que são elabora-dos de forma isolada e independente, no qual se faz da História da Filosofia, uma representação didática pura com resumo das grandes correntes filosóficas.

Sugiro um diálogo mais próximo com o curso, não para sanar a insatisfação abstrata e teórica da filosofia, mas como utilidade intrínseca, com o fim em si mesma. Ou seja, a filosofia deve levar o aluno a um desfecho prático, que denomino aqui como modificador, na maneira de ver o curso como todo, de deixar-se afetar, para que as dúvidas surjam, de deixar-se inquietar e não ser apático. Afinal, é como digo aos alunos: “se não há dúvidas, também não houve compreensão da matéria.” A dúvida construtiva sempre oferece novos estímulos, para definir suas posições pessoais, enriquecendo-as também com o pensamento coletivo.

Certamente, a disciplina de Filosofia é a mais indicada a “apoquentar” este aluno, no sentido de despertá-lo para a postura crítica; entretanto, é preciso eliminar o caráter de desprezo pela filosofia, que muitas vezes é provocado não só pela metodologia de fazer dos pensadores uma história, mas principalmente do espírito misósofo (do grego miséo, odiar, detestar o saber).

O aluno que ouviu por aí, que a filosofia não serve, para nada e que a matéria é “chata”, passa um semestre estudando a disciplina e nada aprende. Os professores passam, inutilmente, um período tentando explicar: O que é Filosofia? Os comentários são diversos e pouco animadores. E de opiniões errôneas vivem a maioria desses alunos, que, sem atitude, não ampliam a percep-ção do mundo a novas possibilidades, para viver o pensar. É, pois, neste dar ouvidos à opinião dos outros, que a filosofia se vê em crise e a tiracolo.

3 A CRISE A crise nos obriga a buscar respostas e também a repensar as nossas próprias conclusões. O que é desastroso diante de uma crise, é quando se busca responder com argumentos prontos, contaminados de preconceitos, não se desenvolvendo reflexão. Já dizia Sócrates: “A vida irre-fletida não vale a pena ser vivida”. Uma vida inquestionada é uma vida de ignorância. “Quem dá [ouvidos] a todos, a si próprio não faz bem e só faz papel de burro”, ressalta Ruth Rocha no conto.

Eis a crise aí - um pathos pelo novo, um entusiasmo, sem critério de valores, por tudo que vem do mundo virtual, com foco maciço em redes sociais. Os alunos estão conectados ao mundo, às imagens, às informações e, ainda assim, recaem na unânime reclamação dos professores: “não conseguem ler. Por quê?” José Saramago, nosso saudoso escritor português, também não se entusiasmava com excesso do mundo virtual e disse num documentário acerca do mito da caver-na de Platão: “Nós estamos num mundo, que chamamos de audiovisual e estamos efetivamente a repetir as situações das pessoas aprisionadas ou atadas na caverna olhando em frente, vendo sombras e acreditando, que essas sombras são a realidade” (SARAMAGO, 2012).

“Nós nunca vivemos tanto no mundo da caverna de Platão como hoje”, estamos cada vez mais acorrentados ao celular e às formas de conhecer pela eikasía (imagem; simulacro) e pela doxa (opinião) do mundo sensível de Platão. Aprisionados a este modo de apreender o mundo, faze-mos da cópia, a cópia que se torna cópia infinitamente reenviada – no celular. Invertemos a lógi-ca da percepção: temos que experimentar, ver, sentir o outro apenas, quando o outro nos curte; nos adiciona; envia palmas; carinhas sorridentes, tristes e tantas outras que nem sabemos qual a melhor se encaixa em nossos sentimentos. Fico imaginando: qual carinha um aluno envia ao outro na aula de Filosofia? Procurei a carinha de crise e para minha surpresa – não encontrei. Significa que a filosofia fica fora do alcance das percepções e isso me angustia ainda mais, pois, ao contrário do pensamento platônico ou que se imagina, a filosofia não é puramente intelectual, mas implica numa capacidade de emocionar, de sentir: é preciso sentir para reconhecer, reco-nhecer para conhecer.

Há um ponto em comum com o “tirar uma selfie” de sua câmera de celular e a máxima socrática “conhece-te a ti mesmo”? Sim, é a autocorreção. Na máxima do filósofo grego é preciso por meio da maiêutica (“parir ideias” - que já estão em nós) corrigir e revelar o verdadeiro conhecimento. E, quanto à “selfie”, também utilizamos da autocorreção, para revelar uma aparente forma ideal. Porém, cumpre ter o cuidado para não confundirmos o que denomino de ponto em comum. Esta última – o “selfie” – condiciona a identidade e individualidade a uma ameaça da massificação imagética do outro. Queremos ver numa imagem (o outro) o que pode ser facilmente manipula-

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do, corrigido, editado, isto é, queremos ver o simulacro, a construção do eu a partir do eu – dife-rente de mim; isto é, o outro.

Neste ambiente que não permite desconectar, a crise para o pensar está ameaçada, mas não perdida. Desconstruir o entendimento do mundo virtual, para reconstruir com esclarecimento, é uma tarefa árdua e contra o tempo. Entretanto, a crise é possível, quando analisamos de um modo socrático-platônico aquilo, que não é aparente à visão dos olhos, mas à visão da Razão: o que ver, porque ver, para que ver?

Em um futuro próximo todas essas ferramentas virtuais provavelmente estarão obsoletas e o modo de sermos atingidos pelas imagens e informações serão outras, mas a nossa capacidade de continuar pensando sobre o que tem por trás de toda a tecnologia – a liberdade do homem de escolher – estará sempre sujeita à Razão e daquilo que afeta diretamente o homem – a sua existência.

Assim, como Saramago, nosso poeta Tom Zé também havia se expressado acerca da aparência e sua forma ilusória de se mostrar a realidade. Em 1968, o compositor brasileiro no seu álbum A Grande Liquidação teve um olhar crítico do advento da televisão, tal como sempre existiu em qualquer progresso na história da humanidade. O Tom resvala no “Sabor de Burrice”:

Veja que beleza Em diversas coresVeja que belezaEm vários saboresA burrice está na mesa

Refinada, poliglotaEla é transmitida por jornais e rádioMas a consagraçãoChegou com advento da televisãoÉ amigo da belezaGente feia não tem direito [...]

A beleza vende e vende felicidade, antes na televisão e agora também nos computadores e celu-lares – as propagandas – em diversas cores e sabores invadem nossos sentidos e nos convence de um belo ideal onde a feiura não tem espaço. O gosto estético chega ao ponto de inibir a capa-cidade de desejo e de escolha do melhor para o indivíduo, isto é, do que lhe apraz e o realiza de fato. Será que perdemos a originalidade na busca pelo conhecer e estamos cárceres da imitação mecânica e repetitiva da cultura pautada na informação e no conteúdo virtual? Será que estarí-amos banalizando o pensamento? O professor de filosofia Charles Feitosa (2013) enfatiza, que em vez de evitar a internet, as mídias e as tecnologias, é preciso conhecê-las de forma rigorosa, entretanto, é necessário ir à tradição filosófica, para ser capaz de ultrapassá-las.

A biblioteca está ao nosso alcance, pelo simples toque e ainda assim, nós professores, temos uma grande dificuldade em aproximar o aluno a estes textos, que não ensinam didaticamente, mas propõe um percurso de pensamento a ser experimentado e percorrido intensamente em várias direções. Por isso, mesmo que os textos sejam acessíveis em qualquer momento para o aluno, o papel do professor em sala de aula, como mediador destas leituras, é especialmente interessante para os nossos intuitos primordiais, pois a mediação professor-aluno responde ao debate de defesa do ensino de filosofia como desenvolvimento crítico em ambas as partes.

Ao nos aproximarmos dos textos não significa segui-los literalmente, inclusive a desconstrução é essencial para nosso próprio entendimento, pois, entendo que a base para o esclarecimento de fato é conseguir ter um “olhar’ com um certo distanciamento do texto, para posteriormente haver uma aproximação do diálogo reflexivo do que pode compor as escolhas, os interesses e o modo de vida do aluno, além da particularidade imediata e útil que é o ensino superior.

4 No caminho: a sabedoria O caminho sobre o qual o aluno se vê inserido, nas instituições de nossa época, tem por domí-nio critérios quantitativos e não qualitativos, retrata bem a crítica nietzschiana à educação nos

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ginásios e universidades de seu tempo, em sua obra Escritos sobre a Educação. No séc. XIX, Nietzsche (2003) afirmava que o homem moderno estava esmagado e iludido por falsas neces-sidades, justificada por uma falsa cultura. Os estabelecimentos de ensino perdiam a finalidade original e transformavam-se em lugares para a miséria de viver. Por se tratar de uma obra além de seu tempo, temos a liberdade de transportá-la ao nosso, justamente, porque vivemos sob as sombras teóricas do conhecimento, que se nutre da banalidade de um ensino pragmático.

Agregado ao ensino utilitário e aos inoculadores de ideias, o ensino, como sabemos, foi incor-porando-se na aparência do mundo contemporâneo do consumismo, na produção em massa e num modelo único, inserindo-se assim no contexto de valores da cultura vigente, além de demolir o humano em favor de um modelo de indivíduo obediente e ao mesmo tempo destituído de per-sonalidade. Desta forma, não nos reconhecemos na diferença e a cada dia estamos condiciona-dos a ver por uma lente, que não nos pertence.

Para uma inversão destes valores é preciso, antes de qualquer coisa, fazermos coro com Imma-nuel Kant e superarmos o estado de menoridade, pois assim, como afirma o filósofo em sua investigação sobre o esclarecimento, na menoridade o sujeito não é capaz de fazer uso do seu entendimento sem orientação de outrem. Falta-lhe ver com seus próprios olhos, falta-lhe cora-gem e decisão, enfrentamento para opiniões alheias, falta-lhe pensar de modo livre e autônomo. Diante dessas especulações, Saramago novamente nos mostra um caminho: a sabedoria se adquire com tempo e paciência:

Como em todas as coisas da vida é uma questão de tempo e de paciência, uma palavra aqui, outra acolá, um subentendido, uma troca de olhares, um súbito silêncio, pequenas gretas dispersas que se vão abrindo no muro, e arte do devassador está em saber apro-ximá-las, em eliminar as arestas que as separam. (SARAMAGO, 2004, 321).

Como nunca experimentado antes, os nossos alunos possuem o mundo; o conhecimento nas mãos, porém, este não se transfere, constrói-se a partir de estímulos, como curiosidades e subs-tratos intelectuais como livros, sejam eles, virtuais ou não. Aos professores, por outro lado, cabe derrubar os muros, que os separam dos seus alunos, para assim se tornarem facilitadores da aprendizagem, não inoculadores de ideias.

Neste caminho de possibilidades e sabedoria, ainda que vaga, o ensino de filosofia pode mos-trar-se como uma “viagem” como dizem os estudantes. Para tanto, é preciso orientá-los na na-vegação (entendida aqui como virtual). Nietzsche recomenda que o aprendiz de filosofia se edu-que “através de viagens, na juventude”, mas tudo depende de como se viaja. No parágrafo 288 de Humano, Demasiadamente Humano, o filósofo diz que há cinco tipos de viajantes: os que querem mais ser vistos do que ver nas viagens; os que realmente veem algo no mundo; os que vivenciam alguma coisa em função do que é visto; os que carregam consigo as vivências da via-gem; finalmente aqueles que colocam as experiências incorporadas de novo para fora, por meio de ações e obras.

Charles Feitosa (2004, p.37) interpreta bem essa passagem de Nietzsche ao dizer, que o se-gredo da filosofia e toda a viagem está na capacidade de deixar-se envolver por aquilo, que encontramos no caminho e, portanto, em conclusão, não me parece, que haja um método, que insinue como se fazer filosofia, mas atinar-se para as coisas, que existam no caminho, permi-tindo-se assim ser afetado pelos conhecimentos filosóficos, sem que esses deixem de ser parte integrante do percurso dos alunos.

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PRISÃO E PRECONCEITO: O DESAFIO DO CUMPRIMENTODE PENA NO REGIME SEMIABERTO

PRISON AND PREJUDICE: THE CHALLENGE OF THE COMPLIANCE OF SEMI-OPEN PENALTY

LORENA CRISTINA CAMPOS DE OLIVEIRA *

MÔNICA TRIDADE PEREIRA SANT’ANA**

ISSUE DOI: 10.5008/1809.7367.094

RESUMOEste estudo tem como objetivo identificar e analisar a percepção, que as mulheres cumprindo pena no regime semiaberto, têm sobre o preconceito sofrido fora e dentro da unidade prisional. A pesquisa foi realizada com 8 (oito) mulheres, que cumprem pena no regime semiaberto de uma penitenciária feminina do Espírito Santo e trabalham fora da unidade prisional. Foram utilizados para coleta de dados, os diários de campo dos atendimentos psicológicos realizados e uma entrevista aplicada coletivamente. A pesquisa foi cadastrada na Plataforma Brasil e aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa. Foi feita Análise de Conteúdo dos dados coletados. Os resultados apontam, que as ressocializandas percebem, que sofrem preconceito dirigido a elas por outras ressocializandas, pelos agentes penitenciários e pelas pessoas com as quais trabalham fora da Unidade Prisional. Os principais tipos de preconceito, que elas enfrentam são: quanto à orientação sexual; à classe social; ao nível de escolaridade; por ser presidiária; pelo tipo de crime cometido; racial. A crença socialmente arraigada de que o preso voltará a delinquir, ligada à verdade deste fato, reforça o preconceito contra os apenados. A produção deste preconceito poderia ser diminuída se realmente houvesse um programa ressocializador, que reabilitasse o preso.

Palavras-chave: Prisão. Preconceito. Psicologia.

ABSTRACTThis study aims to identify and analyze the perception that women in semi-open system have about prejudice suffered inside and outside the prison unit. The survey was conducted with eight (8) women serving time in the semi-open regime of a women’s prison of the Espírito Santo and work outside the prison unit. It was used field diaries of psychological attendance and a interview collectively applied for data collection. The research was registered in Brazil Platform approved by the Ethics in Research Committee. It was made Content Analysis of the collected data. The results show that the female inmates realize that they suffer prejudice from the other prisoners, from the prison guards and from the people with whom they work outside the prison unit. The main kinds of prejudice they face are about sexual orientation, social class, level of education, for being prisoner, by type of crime and race. The socially ingrained belief that the prisoner return to offending , connected to the truth of this fact reinforces prejudice against convicts . The production of this bias could be diluted if there really was one resocializing program to rehabilitate the prisoner.

Keyword: Prison. Prejudice. Psychology.

1 INTRODUÇÃOA temática do preconceito não é recente para a Psicologia, no entanto não deixa de ser um assunto atual. Ainda vivemos numa sociedade em que as diferenças são desqualificadas e tratadas de modo desigual. Tais atitudes são permeadas por um conjunto de crenças, atitudes e comportamentos negativos atribuídos a membros de determinados grupos sociais.

O preconceito, contra o grupo composto por ex-presidiários, foi divulgado em uma pesquisa rea-lizada pela Fundação Perseu Abramo (2010) apontando, que este grupo está entre os que mais sofrem preconceito. A preocupação com este tipo de preconceito apareceu nos atendimentos psicológicos em grupo, realizados no Estágio da Ênfase em Educação do curso de Psicologia da AEV/FAESA, com mulheres ressocializandas, que cumpriam pena no regime semiaberto de uma penitenciária feminina localizada no Espírito Santo. A partir de tais preocupações, surgiu o

* Graduanda do curso de Psicologia das Faculdades Integradas Espírito Santenses (FAESA).** Psicóloga, Mestra em Psicologia, Especialista em Psicodrama, Professora do Curso de Psicologia das Faculdades Integradas Espírito Santenses (FAESA).

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interesse de realizar este estudo, que tem como objetivo identificar e analisar a percepção, que mulheres cumprindo pena no regime semiaberto, têm sobre o preconceito sofrido fora e dentro da unidade prisional.

2 PRECONCEITO E SUAS IMPLICAÇÕES NA PRISÃOA ideia de igualdade não é comum, nem amplamente aceitável em algumas culturas. Desde as mais antigas civilizações, o homem buscou suas diferenças de origem, de nacionalidade, de classe social. A ideia de igualdade parece ter surgido com o cristianismo: a ela se associou as noções de bondade, caridade e vontade divina, às quais, ao longo da história, foram se somando alguns aspectos como a vontade, liberdade, igualdade jurídica e civil (COSTA, 1997).

Nos dias atuais parece difícil pensar em preconceito e discriminação, quando se vê que a socie-dade massifica, padroniza e assemelha as pessoas, ditando moda no consumo de bens, modos de ser, trabalhar, comunicar e vestir, por exemplo. Assim, a cultura de massa, segundo Costa (1997), parecia ter diminuído as diferenças, contudo revelou contradições, injustiças e privilégios.

Os grupos religiosos, étnicos, nacionais, raciais, entre outros têm sido avaliados de maneira negativa, discriminados e/ou segregados. Também são desconsiderados pelos regimes repre-sentativos, pelos levantamentos estatísticos e pelos interesses políticos, sendo apontados como desviantes. Contudo, hoje já se reconhece, que podem representar tendências sociais emergen-tes e representam importantes aspectos da vida social (COSTA, 1997).

Apesar deste reconhecimento, estes grupos sofrem com o preconceito e suas consequências. Como o próprio nome indica, preconceito significa pré-julgamento negativo sobre os membros de uma etnia, religião ou qualquer outro grupo social. O preconceito é um conjunto de sentimentos de antipatia e de crenças distorcidas e negativas sobre grupos sociais. No entanto, está essen-cialmente relacionado a práticas e comportamentos discriminatórios frente a membros de grupos externos pelo simples fato de pertencerem a estes (JONES, 1972).

É demasiado positivo pensar na diminuição do preconceito, entretanto as mudanças sociais ocorridas que visam à dissolução ou, pelo menos, à moderação das relações sociais desiguais não se mostram bem sucedidas. Com efeito, o que vem ocorrendo são modificações nas formas pelas quais as pessoas expressam o preconceito. Face à coação dos princípios democráticos de igualdade e liberdade, as pessoas começaram a expressar o preconceito de maneira mais contida e sutil, sendo este fenômeno presente, inclusive, nas crianças (FRANÇA; MONTEIRO, 2004).

O preconceito que o presidiário sofre foi construído dentro de um sistema prisional falido e que dificilmente permite a reintegração. O que por sua vez reforça uma representação, compartilhada por muitas pessoas, de que não há nada a ser feito pelos criminosos, pois muitos ex-presidiários voltam a reincidir na prática criminosa. Assim, estar na prisão ou ter passado por ela acaba por funcionar como um “atestado de exclusão com firma reconhecida” (MENANDRO; TAVARES, 2004).

No Brasil muito se fala sobre o preconceito contra o presidiário e os ex-presidiários, mas poucas pesquisas podem ser encontradas sobre o assunto. O preconceito contra o ex-presidiário foi divulgado em uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (2010), que buscava dados sobre o preconceito contra homossexuais, contudo tal pesquisa verificou, que na opinião de 21% dos brasileiros os ex-presidiários são o terceiro grupo, que as pessoas menos gostariam de encontrar ou ver. Perdem apenas para os usuários de drogas (35%) e as pessoas, que não acreditam em Deus (26%). O preconceito contra ex-presidiários aparece como o segundo maior, quando os entrevistados manifestaram sua aversão de maneira espontânea. Em pergunta não estimulada o grupo apontado como mais repulsivo foi o de portadores de vício (15%), seguido de perto por pessoas que cometeram delitos (10%). A pesquisa também revelou, que os ex-presidiários despertam repulsa ou ódio em 5% dos brasileiros, antipatia em 16% e recebem a indiferença de 56% dos entrevistados.

A Lei de Execução Penal, No 7.210, de 11 de julho de 1984 (LEP) Brasil (1984) regulamenta, que nos presídios devem existir vários programas, para a reintegração dos presos por meio de um projeto de política penitenciária. Tal projeto deve ter como finalidade recuperar os indivíduos apenados, para que estes possam, quando saírem da penitenciária, ser reintegrados ao convívio social, ou seja, ressocializados. No entanto, o estudo da Fundação Perseu Abramo (2010) indica, que mesmo após a liberdade muitos são os preconceitos enfrentados pelos ex-presos. Além do preconceito da sociedade que o encara o como um marginal, o ex-detento esbarra na falta de emprego, no abandono da família e na precária assistência prestada pelo Estado.3 MÉTODO

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O estudo realizado começou com 15 ressocializandas, mas em função de um alvará de soltura ter sido expedido para sete delas, continuamos com oito mulheres que cumpriam pena no re-gime semiaberto em uma penitenciária feminina do Espírito Santo. A amostra deste estudo foi composta por apenadas, que têm emprego fixo fora do presídio e participaram do atendimento psicológico realizado no Estágio de Ênfase em Educação do Curso de Psicologia da AEV/FAESA de agosto a novembro de 2012. Os dados foram coletados dos diários de campo dos atendi-mentos realizados e de uma entrevista aplicada coletivamente. As internas foram selecionadas pela equipe técnica da unidade prisional, que utilizou como critério a proximidade do fim do cum-primento da pena. O estudo foi realizado após Cadastro na Plataforma Brasil e aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa.

Os dados foram analisados por meio da técnica de Análise de Conteúdo proposta por Bardin (2009), a partir das falas das ressocializandas nos atendimentos e nas respostas da entrevista, criamos categorias de análise a partir dos núcleos de sentido encontrados.

4 RESULTADOSOrganizamos os relatos das percepções das internas sobre o preconceito nas seguintes cate-gorias: preconceito no trabalho, preconceito das agentes penitenciárias, preconceito entre as ressocializandas.

4.1 O Preconceito no trabalhoSegundo Lemgruber (1999) quando introduzido na prisão o trabalho era, inicialmente, considerado como uma atividade, na qual o criminoso teria a oportunidade de refletir sobre a sua conduta e era uma ótima forma, para ele se reintegrar na sociedade, não tinha, portanto, a produção como a meta, era considerado apenas como uma forma de evitar o ócio. Paulatinamente, o trabalho prisional foi se tornando um meio de gerar riqueza e aos presos era destinado o trabalho forçado e o salário, quando presente, era irrisório, constituindo-se em evidente exploração de mão-de-obra. O trabalho do preso também serviu, para diminuir os custos operacionais do sistema e ao preso cabia cuidar da limpeza e manutenção dos presídios. No Brasil, só recentemente o trabalho passou ser considerado como programa de tratamento, visando preparar o preso, para a vida livre como pode ser visto na LEP nos artigos 28 ao 33.

Em relação ao trabalho que executam fora da Unidade Prisional, as ressocializandas percebem que o baixo salário, a falta de algumas garantias trabalhistas, a comparação que fazem com o salário pago às não presidiárias em relação à mesma função exercida e o sinal negativo, que o presidiário carrega lhes permitem afirmar, que há preconceito. Como podemos ver no relato de uma apenada:

As empresas geralmente não assinam carteira, daí já vimos nitidamente à exclusão, o trabalho em que trabalhei exercia atividades com costura o dia todo, aprendi a costurar de fato no presídio no curso que fiz, nesta empresa é pago apenas o salário mínimo [...]. Atualmente estou desempregada, mas no ambiente de trabalho em que trabalhei era proibida de falar que era presa, para não afastar as pessoas que trabalham no local, para não ficarem com medo. O chefe não gostava de dizer quem era presidiária para não afetar o grupo de trabalho. Um dia sumiu um vestido, o chefe me perguntou se tinha roubado o vestido? Infelizmente, a bomba estourou para uma presa que tinha acabado de entrar na empresa, que logo foi mandada embora com a desculpa por falta de produção no trabalho, sendo que ninguém descobriu quem roubou o vestido, com isto, gerou muita revolta entre as presas, pois como uma pessoa com dois dias de empresa, ser pode acusada de um vestido que sumiu sendo que ela nem trabalhava na área que fazia vestidos. [sic].

As ressocializandas relataram também sentir preconceito no trabalho, porque o tipo de vaga disponível para elas é de trabalho desqualificado e em alguns casos exige grande esforço físico como: costureira, embaladora, auxiliar de depósito, limpeza e conservação. Apontam ainda, a impossibilidade de progredir dentro da empresa.

No que se refere ao grau de escolaridade apenas uma apenada era analfabeta e as demais esta-vam cursando o ensino médio pelo programa de Educação de Jovens e Adultos (EJA) existente dentro da Unidade Prisional. A pouca, ou nenhuma qualificação profissional, o baixo nível de es-colaridade, aliados ao preconceito e à exploração do trabalho prisional parecem contribuir, para o tipo de oferta de vagas para as apenadas e progressão na carreira profissional. O que indica, que a proposta da LEP de ter no trabalho prisional uma possibilidade, para educação para vida livre e à sobrevivência por meio de um trabalho honesto precisa de algumas reflexões. Em relação a este fenômeno, Lemgruber (1999) ressalta, que o trabalhador livre gerencia sozinho seu salário,

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precisa com este salário pagar suas despesas, almeja trabalhar melhor para ser promovido para um cargo melhor e com isso ter melhores condições de vida. Para o preso a qualidade de seu trabalho não tem relação com a melhoria de condições de vida e progressão na carreira. Os presidiários contam apenas com o seu pecúlio, que é fixo e com a redução de pena, fatores não associados à qualidade e investimento no trabalho, mas ligados a fato de trabalhar.

As ressocializandas também perceberam a existência de preconceito no trabalho quanto ao tipo de crime cometido. Segundo elas, há um preconceito maior com as que foram presas por tráfico de drogas, uma vez que seu delito também está relacionado com o uso de drogas, admitem que os empregadores e os colegas de trabalho as consideram como pessoas, que são dependentes ainda, que vão voltar usar droga, traficar e retornarão ao presídio. Afirmaram ainda, que usaram drogas em função de problemas familiares, das dificuldades da vida e que traficavam, para sus-tentar o próprio vício em drogas e para a sobrevivência da família. Como pode ser visto na fala de uma apenada: “entrei nas drogas por fraqueza mesmo, fui muito fraca e eu precisava dar de comer pros meus filhos.” [sic].

LOPES, et al (2010) confirmam os dados de nosso estudo ao afirmar, que mulheres encarcera-das têm uma prevalência maior no uso e tráfico de drogas ao longo de sua vida e de terem sido presas anteriormente pelo mesmo delito. Os autores apontam ainda, que as características da trajetória criminal das presidiárias estão associadas a fatores sociais, psicológicos, econômicos e familiares.

Deste modo, existe uma relação entre o delito do tráfico de drogas e à reincidência, um dado que pode fortalecer o preconceito. Contudo, é importante refletir, que a reincidência pode estar associada à falta de programas dentro do presídio, que tratem a dependência química e que qualifiquem o preso, para uma carreira profissional capaz de lhe garantir o sustento, sem que seja necessário traficar para conseguir dinheiro. Além da necessidade de programas específicos de inserção do egresso no mercado de trabalho.

4.2 O preconceito das agentes penitenciáriasNa visão das ressocializandas o agente penitenciário parece acreditar, que não há possibilidade de ressocializar. Para elas os agentes julgam as ressocializandas pela aparência física, como podemos ver no relato: “Algumas agentes acham que umas têm cara de favelada e com isto aca-bam sendo mais radicais devido à aparência. Assim, tipo pela cor da pele, aparência, estética, se tá faltando dente, como que é o cabelo, se a gente tem uma mulher aqui dentro.” [sic].

A expressão “cara de favelada”, como fator de preconceito, reflete a relação entre o preconcei-to de classe e a aparência física. O preconceito de classe não é novidade no Brasil: vivemos em uma sociedade com diferenças absurdas na distribuição de renda entre as pessoas, carac-terizando uma sociedade com classes sociais desiguais e que, tal desigualdade faz com que pessoas de grupos sociais menos favorecidos economicamente sejam tratadas como pessoas indignas, de menos valor e, potencialmente criminosas. Fato amplamente discutido por Sposati (2011), quando aponta à ação preconceituosa da polícia em bairros pobres.

4.3 Preconceito entre as ressocializandasPara as ressocializandas há preconceitos entre elas com relação à etnia (preconceito racial), quanto à orientação sexual, quanto à aparência física e ao crime cometido, como pode ser visto nas falas abaixo, coletadas na entrevista:

Aqui a maioria da gente namora entre si, porém na hora de escolher tem preferências por aquelas mais bonitas, como as brancas, as esteticamente mais apresentáveis, que não tem cara de favela, mesmo. [sic].

A igreja prega muito para não haver estes relacionamentos que não são a favor de Deus, o homem foi feito para a mulher e vice-versa. E Deus não aceita relacionamentos do mesmo sexo, esse negócio de mulher com mulher, lésbica, não entrará no reino dos céus. [sic].

A questão do preconceito contra a homossexualidade gerou muita polêmica no grupo de ape-nadas, pois muitas ressocializandas namoram nas celas. Por outro lado, algumas têm aversão e discordam dos relacionamentos entre ressocializandas do mesmo sexo. Para algumas, tais relacionamentos geram brigas e desentendimentos no presídio em função da não aceitação da homossexualidade por questões religiosas e pelo ciúme existente nestas relações.

No Brasil, não há criminalização da conduta de manifestar preferência ou orientação sexual ho-mossexual, mas isso não significa a ausência de preconceito ou discriminação. A união civil de

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pessoas do mesmo sexo, a proibição constitucional do preconceito, o direito à cirurgia para mu-dar de sexo, a alteração do registro civil e a identificação sexual apontam para grandes avanços e novas conquistas, mas não resolveu a questão do preconceito. É importante ressaltar ainda, que tal preconceito está impregnado de forte componente ideológico e de aspectos religiosos.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A naturalização e a banalização de alguns preconceitos contra as minorias como presos, ex-pre-sidiários, negros, homossexuais e pobres faz com que estes grupos, constantemente, estejam expostos às situações de constrangimento e humilhação. A ideologia e a constante reincidência criminal construídas e reproduzidas, histórica e socialmente, causam distorções na produção da subjetividade e na constituição da identidade dos presos, gerando sentimentos de desvaloriza-ção pessoal e baixa autoestima, que prejudicam a crença das apenadas em sua possibilidade de não voltarem a delinquir. Somado ao sinal negativo se ser presidiária, encontramos mulheres neste presídio, que sofrem por pertencer a outras minorias tais com ser negra, pobre, ter feito uso de drogas e ser homossexual.

A crença socialmente arraigada de que o preso voltará a delinquir, ligada à verdade deste fato, reforça o preconceito contra os apenados. A produção deste preconceito poderia ser diluída se realmente houvesse um programa ressocializador, que reabilitasse o preso, que fossem divul-gadas para população ações ressocializadoras, que acontecem nas prisões e que os profissio-nais que lidam com a ressocialização, como os agentes penitenciários, estivessem imbuídos deste propósito. Como de fato tais ações não existem, ou são muito incipientes, fica mesmo difí-cil acreditar, que uma pessoa presa não voltará a delinquir, isso não se dá em função de sua von-tade, pois muitas ressocializandas, que participaram deste estudo, afirmam não desejar praticar mais crimes. Deste modo, as ex-presidiárias estão destinadas ao desemprego, a subempregos ou (como as mulheres deste estudo) ao crime e ao preconceito.

A história já deu provas de que o preconceito impõe barreiras ao progresso humano, pois produz suspeitas negativas, intolerância, ódio ou aversão irracional a outras raças credos, religiões, classes sociais.

6 AGRADECIMENTOSÀ Secretaria de Justiça do estado do Espírito Santo pela autorização para realização deste tra-balho, às ressocializandas por contribuírem com a formação dos alunos de Psicologia e por acei-tarem participar deste estudo, à diretora e à equipe técnica da Unidade Prisional por nos ceder um espaço apropriado para realização do trabalho, pela ajuda na escolha das ressocializandas e prontidão para atender nossas demandas, para facilitar e dinamizar nosso trabalho. À FAESA pelo apoio técnico e disponibilidade de recursos materiais e financeiros para realização das ati-vidades de coleta de dados.

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, LDA, 2009.

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COSTA, C. Sociologia: introdução à ciência da sociedade. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1997.FRANÇA, D., & MONTEIRO, M. B. As novas expressões de racismo na infância. In M. E. O.

LIMA e PEREIRA, M. E. (Eds.). Estereótipos, preconceitos e discriminação. Salvador: Editora da Universidade Federal da Bahia, 2004.

FUNDAÇÃO PERSEU ABRAMO (2010). Diversidade Sexual e Homofobia no Brasil: Intolerância e respeito às diferenças sexuais. Disponível em: http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/pesquisas-de-opiniao-publica/pesquisas-realizadas/2-grupos-sociais-vitimas-de-intolera. Acesso: 12/08/2012.

JONES, J. Racismo e preconceito. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1972.

LEMGRUBER, J. Cemitério dos vivos: análise sociológica de uma prisão de mulheres. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1999.

LOPES, R.M.F; MELO, M. D. C. e ARGIMON, I.L. Mulheres encarceradas e fatores associa-dos a drogas e crimes. Estudos de Cognição. Março 2009, Vol.15, no 2, p. 121-131. Dispo-nível em: http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/cec/article/view/308. Acesso:

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MENANDRO, P. R. M. e TAVARES, G. Atestado de exclusão com firma reconhecida: o sofrimento do presidiário brasileiro. Psicol. Cienc. Prof., Jun. 2004, vol.24, no 2, p.86-99.

SPOSATI, A. Feios, sujos e malvados. In: Pinsky, J. As doze faces do preconceito. 10.ed. São Paulo: Contexto, 2011.p.113-120.

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃO DEARTIGOS PARA A REVISTA CIENTÍFICA FAESA

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7 A citação bibliográfica, no texto, deverá mencionar o último sobrenome do autor e a data da publicação. Quando se tratar de mais de três autores, a citação deverá conter o último sobre-nome do primeiro autor seguido de et al. e a data da publicação. Citação de vários autores deverá obedecer à ordem alfabética. Todos os trabalhos citados no texto deverão ser relacio-nados nas Referências.

Exemplos:Citação direta

De acordo com as conclusões de Sinhorini (1983, p. 20), “O BCG induz à formação de lesão granulomatosa, quer na ausência, quer na presença da hipersensibilidade específica detectada pelo PPD”.

Citação indiretaA hipertermia em bovinos Jersey foi constatada quando a temperatura ambiente alcançava 29.5° C (RIECK; LEE, 1948).

Citação de citaçãoMueller (1858, apud REIS; NOBREGA, 1956) chegou às mesmas conclusões... ou (MUELLER, 1858, apud REIS; NOBREGA, 1956)

Citação com mais de três autoresJardim et al. (1965) ou (JARDIM et al., 1965)

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8 Os agradecimentos devem ser registrados ao final do texto, antes das referências, e dirigidos apenas às pessoas ou instituições, que prestaram efetiva colaboração ao trabalho. Caso o trabalho seja resultado de pesquisa financiada, o órgão financiador deverá ser mencionado ao final dos agradecimentos.

9 Apenas os trabalhos citados no texto deverão ser apresentados sob o título Referências. Os trabalhos deverão ser relacionados em ordem alfabética, segundo o último sobrenome dos

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autores. Os títulos das revistas não deverão ser abreviados.

Exemplos: Referenciação de livros:Um autor

PASTRO, C. Arte sacra. São Paulo: Loyola, 1993. 343 p.

Dois autoresDAMIÃO, R. T.; HENRIQUES, A. Curso de direito jurídico. São Paulo: Atlas, 1995.

Três autoresPASSOS, L. M. M.; FONSECA, A.; CHAVES, M. Alegria de saber: matemática, segunda série, primeiro grau. São Paulo: Scipione, 1995. 136 p.

A partir de quatro autoresURANI, A. et al. Constituição de uma matriz de contabilidade social para o Brasil. Bra-sília, DF: IPEA, 1994.

Referenciação de capítulos de livros:MAYER, R. J. Neoplasias do esôfago e do estômago. In: ISSELBACHER, K. J. et al. (Ed.). Harrison: medicina interna. 13. ed. Rio de Janeiro: McGraw-Hill, 1995. cap. 253, p. 1450-1454.

Referenciação de artigo:SIMON, J. E.; PERES, J.; RUSCHI, P. A. A importância da Serra das Torres para a conserva-ção de aves no estado do Espírito Santo, Sudeste do Brasil. Revista Científica da Faesa, Espírito Santo, v. 4, n. 1, p. 47-62, jan./dez. 2008.

Referenciação de tese:ASSINE, M. L. Aspectos da estratigrafia das seqüências pré-carboníferas da Bacia do Paraná no Brasil. 1996. 207 f. Tese (Doutorado em Geologia Sedimentar) – Faculdade de Geociências, Universidade de São Paulo, São Paulo, 1996.

Referenciação de dissertação:

DEMARCHI, C. Medida liminar em mandado de segurança no Direito Educacional. 1998. 166 f. Dissertação (Mestrado em Ciência Jurídica) – Faculdade de Direito, Universida-de do Vale do Itajaí, Itajaí, 1998.

Referenciação de monografia:JARRETTA, C. N. Perícia contábil: um estudo contributivo ao aperfeiçoamento do conteúdo programático aplicável ao curso de Ciências Contábeis. 1996. 59 f. Monografia (Especiali-zação em Ciências Contábeis) – Faculdade de Ciências Humanas, Universidade de Marília, Marília, 1996.

Referenciação de artigo publicado em evento:CARVALHO, M. M. Utilização de sistemas silvipastoris. In: SIMPÓSIO SOBRE ECOSSIS-TEMA DE PASTAGENS, 3 ed., 1997, Jaboticabal. Anais ... Jaboticabal: UNESP, 1997. p. 164-207.

Referenciação de informação retirada da Internet:TEMPORAO, J. G. O mercado privado de vacinas no Brasil: a mercantilização no es-paço da prevenção. Caderno de Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 19, n. 5, p. 15-36, set./out. 2003. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S-0102-311X2003000

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500011&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 9 fev. 2003.

Referenciação de CD-ROM:KOOGAN, A.; HOUAISS, A. (Ed.). Enciclopédia e dicionário digital 98. São Paulo: Delta, 1998. 5 CD-ROMs.

Referenciação de Fita de vídeo ou DVD:AGROTURISMO: um novo conceito de negócio. Produção de Marcos Orlando de Oliveira. Vitória: SEBRAE, 1999. 1 videocassete. (61min).

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10 As tabelas e as ilustrações (quadros, gráficos, figuras, fotografias, mapas etc.) deverão ser enviadas em páginas separadas com numeração independente, em números arábicos na ordem em que são citadas no texto. Os autores deverão indicar, ao longo do texto (entre os parágrafos) os locais onde deverão ser inseridas as tabelas e as ilustrações. Nas legendas deverão constar o título e fonte (caso necessário). No caso de ilustrações, deverão ser envia-dos os originais (ou a imagem em CD, com qualidade necessária para reprodução e identifi-cação do programa utilizado).

Vitória, 01 de dezembro de 2015.

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