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Legalidade e Moralidade Administrativa

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    excelncia criado para divulgar pesquisa em formato de artigos cientficos, comentrios a julgados, resenhas de

    livros e consideraes sobre inovaes normativas.

    REVISTA DIGITAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO

    FACULDADE DE DIREITO DE RIBEIRO PRETO

    UNIVERSIDADE DE SO PAULO

    Seo: Artigos Cientficos

    A legalidade e a moralidade: a previso normativa e a

    compreenso doutrinria de dois princpios em aparente tenso

    no discurso judicial brasileiro

    Legality and morality: the normative precept and the doctrinal comprehension of two principles in apparent tension in the Brazilian judicial discourse

    Tamira Almeida Martins

    Resumo: Este artigo discorre brevemente acerca da compreenso dos princpios

    da legalidade e da moralidade, a partir do sentido que lhes foi atribudo pelo

    ordenamento jurdico brasileiro atual e pela interpretao judicial levada a efeito

    pelos Tribunais Superiores nacionais. Analisa, ao fim, a aparente tenso existente

    entre as noes de moralidade e de legalidade e o embate criado entre os referidos

    princpios nas Cortes brasileiras.

    Palavras-chave: Princpio da legalidade; princpio da moralidade; coliso de

    princpios; cortes superiores brasileiras; ordenamento jurdico brasileiro.

    Abstract: This article briefly discusses the comprehension of the principles of

    legality and morality, analyzing the meaning assigned to them by the current

    Brazilian legal system and by the judicial interpretation undertaken by the national

    high Courts. Finally, it analyzes the apparent tension between the notions of

    morality and legality and the clash created between these principles in Brazilian

    Courts.

    Keywords: Principle of legality; principle of morality; collision of principles;

    Brazilian superior courts; Brazilian law.

    DOI: http://dx.doi.org/10.11606/issn.2319-0558.v2n1p137-149

    Artigo submetido em: julho de 2014 Aprovado em: agosto de 2014

  • REVISTA DIGITAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, v. 2, n. 1, p. 137-149, 2015.

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    A LEGALIDADE E A MORALIDADE: A PREVISO NORMATIVA E A

    COMPREENSO DOUTRINRIA DE DOIS PRINCPIOS EM

    APARENTE TENSO NO DISCURSO JUDICIAL BRASILEIRO

    Tamira Almeida MARTINS* Sumrio: 1 Introduo; 2 O princpio da legalidade e a reserva de lei; 3 O princpio da moralidade e a viso extensiva do Supremo Tribunal Federal; 4 O embate dos princpios da legalidade e da moralidade na jurisdio brasileira; 4 Concluso; 5 Referncias bibliogrficas.

    1 Introduo

    O impulso para a pesquisa do tema e elaborao dos trabalhos a ele vinculados

    nasceu, talvez, da pretenso de evidenciar um padro muito preocupante, que vem,

    h algum tempo, tornando-se frequente na seara judicial. Em um momento de forte e

    constante demanda por moralizao poltica e tica - consequncia de intensa presso

    miditica e social -, promovem-se ataques a princpios consagrados historicamente e

    expressamente garantidos na Constituio Federal. Busca-se o aperfeioamento e a

    correo democrtica custa do sacrifcio de garantias extremamente caras ao

    Estado de Direito atual.

    Intentando balizar futuros exames acerca da conduta recorrente dos Tribunais

    Superiores brasileiros neste sentido, o presente estudo discorre acerca do

    entendimento atribudo a dois princpios que se inserem no centro da controvrsia,

    permanecendo em aparente tenso no discurso judicial brasileiro: o princpio da

    legalidade e o princpio da moralidade.

    Assim, analisa-se a compreenso atual dos referidos princpios, a partir do sentido que

    lhes foi atribudo pelo ordenamento jurdico nacional e pela constante interpretao

    judicial levada a efeito pelos Tribunais Superiores nacionais. Discutem-se, neste

    nterim, o teor de decises das Cortes Superiores sobre o tema, e o falso embate

    criado, nelas, entre as noes.

    2 O princpio da legalidade e a reserva de lei

    A Constituio Federal, em seu artigo 5, inciso II1, consagra, em meio aos direitos e

    garantias fundamentais do indivduo, o princpio da legalidade, ao enunciar que

    ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de

    * Advogada. Bacharela em Direito pela Universidade Federal do Paran (UFPR Curitiba, Brasil). Aluna Regular dos cursos de Especializao em Gesto Pblica (UAB/UEPG), Ps- Graduao em Direito Administrativo (Instituto Romeu Felipe Bacellar Curitiba, Brasil) e Especializao em Direito Eleitoral (Instituto Verbo Jurdico). 1 Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos

    brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) II - ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei.

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    lei. princpio, como apontado por Celso Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 100),

    especfico do Estado de Direito, justamente aquele que o qualifica e que lhe d

    identidade prpria -lhe essencial, intrnseco e estruturante2, nasce com o Estado

    de Direito; uma consequncia dele (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 99).

    Embora costumeiramente nomeado princpio, pertinente pequena observao

    quanto natureza da legalidade. Maral Justen Filho suscita a anlise, aduzindo que a

    constante tendncia a referir-se norma como norma princpio liga-se a uma noo

    hierrquica, que confere ideia de princpio uma importncia basilar maior do que

    regra sem considerar, no entanto, que caracterstica do princpio a incerteza e a

    indeterminao de seu contedo, concretizado pelo aplicador (JUSTEN FILHO, 2009, p.

    124-125). Afirma o autor, ento, que o artigo 5, inciso II da Constituio Federal

    consagra uma regra da legalidade (2009, p. 124), afastando a possibilidade de

    ponderao do intrprete caber ao aplicador promover uma atividade de

    subsuno, caracterizada pela reduo da autonomia de escolhas (2009, p. 125).

    Perceber a natureza de norma regra do princpio da legalidade essencial para

    impedir que a indeterminao caracterstica dos princpios reduza a fora vinculante

    da noo de legalidade, produzindo resultados diversos daqueles buscados pelo

    constituinte3.

    A despeito da observao feita, cabe ressaltar que, no entendimento aqui esposado, a

    legalidade adquire natureza de princpio, sendo norma base do sistema, estruturando-

    o como um todo, com elevado grau de fundamentalidade e importncia. Se

    considerada as teorias de Alexy e Dworkin4, no entanto, o princpio da legalidade deve

    2

    Com Paulo Bonavides, aponte-se que *o+ Estado de Direito no se define apenas pela legalidade, mas pelos princpios constitucionais, por consideraes superiores de mrito, que governam e fundamentam (BONAVIDES, 2001, p. 257). 3

    Observa o autor: A tendncia predominante a aludir a princpio reflete uma concepo hierrquica, que reconhece maior importncia ao princpio do que regra. Alude-se a princpio da legalidade para indicar que a Constituio deu grande importncia ao tema. Mas esse enfoque esquece que a natureza do princpio impe incerteza e indeterminao ao contedo da norma, permitindo uma relevante margem de autonomia ao seu aplicador. Em termos prticos, afirmar a existncia pura e simples de um princpio da legalidade permitiria que o processo de concretizao das normas jurdicas conduzisse ao surgimento de direitos e obrigaes no constantes em lei. Essa observao no se destina a negar legalidade a condio de princpio. Existe o princpio da legalidade, consistente na previso de que os direitos e obrigaes sero produzidos por meio de lei. Mas o art. 5, II, da CF/88 tambm consagra uma regra da legalidade. Trata-se de estabelecer vedao criao de direitos e obrigaes por meio diverso da lei (JUSTEN FILHO, 2009, p. 124).

    4 Para compreender a tese de Alexy, necessrio considerar a relao entre valor, regra e princpio. O

    autor coloca a Constituio como uma ordem concreta de valores. A partir da ideia de valores, Alexy promove uma abertura do sistema constitucional, conferindo-lhe uma conotao moral. Essa aproximao do sistema constitucional a uma moralidade deve se basear em alicerces racionais, no entanto. Os juzos de valor a serem utilizados pelo aplicador, a valorao levada a efeito no mbito do Poder Judicirio, pelo juiz, deve ter fundamento racional, deve poder ser racionalmente controlada (ALEXY, 2011, p. 22-26). Enquanto eventuais conflitos entre regras ocorreriam em um plano abstrato, da validade, o conflito entre princpios acontece apenas no plano concreto, diante de uma situao posta, envolvendo o plano da eficcia. Tanto Alexy quanto Dworkin oferecem soluo a casos em que princpios colidem entre si. A tenso dessa coliso no exclui princpios do sistema (como aconteceria com as

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    ser observado e aplicado pelo Poder Judicirio como se regra fosse vez que regra -,

    no passvel de relativizao.

    Aponta Jos Afonso da Silva (2012, p. 421) que s a lei cria direitos e impe

    obrigaes positivas ou negativas, no podendo o Estado exigir qualquer ao, nem

    impor qualquer absteno, nem mandar tampouco proibir nada aos administrados,

    seno em virtude de lei (2012, p. 420). Consubstanciando meio de submeter o Estado

    a um controle normativo, como garantia de direitos dos particulares em face de

    potenciais desmandos, o princpio da legalidade busca assegurar que a atuao estatal

    esteja, a todo tempo, sujeita aos limites em lei estabelecidos5.

    Por lei, deve entender-se lei formal ato legislativo emanado dos rgos de

    representao popular e elaborado em conformidade com o processo legislativo

    previsto na Constituio (SILVA, 2012, p. 421). Aponta, ainda, oportunamente, Celso

    Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 102), a partir da literalidade do dispositivo

    constitucional ningum ser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno

    em virtude de lei , que, ali, no se faz referncia a decreto, regulamento, resoluo

    ou, tampouco, portaria6: somente lei em sentido estrito, lei formal, fruto de processo

    legislativo regular, nos termos previstos constitucionalmente, pode impor deveres ou

    restries aos particulares7.

    Jos Afonso da Silva aponta pequena exceo. Afirma que a ideia no exclui a

    possibilidade que ato equiparado lei formal (2012, p. 421) regule determinadas

    matrias. Ressalta, no entanto, que ato equiparado lei formal, no sistema

    regras, segundo os autores). No caso de conflitos entre princpios, Dworkin afirma que um princpio pode possuir maior peso do que os demais diante de determinada circunstncia, atribuindo-se lhe maior importncia ele ento prevalecer na situao concreta em apreo. Segundo o autor, a igualdade tem sempre maior peso, sendo as liberdades fundamentais entendidas a partir da igualdade (que significa tratar a todos com igual respeito) (DWORKIN, 2002, p. 35-46). J Alexy coloca que, em situaes de conflito, possvel reduzir-se o mbito de aplicao de um dos princpios em funo do outro, por meio de uma tcnica de ponderao de valores, que busca a aplicao mxima de cada princpio conflitante (ALEXY, 2002, p. 89 e ss.). O conflito entre as disposies principiolgicas jamais acarreta a excluso de um princpio do sistema. As teses apresentadas por Dworkin e Alexy no so, no entanto, as mais adequadas ideia de princpio mais amplamente adotada no Brasil. Neste pas, a noo mais adotada quanto natureza dos princpios aquela que os enuncia como normas fundantes, nucleares do sistema, de grau de importncia inestimvel e alto carter estruturante. Sob a forma de princpios, expressar-se-iam os valores e escolhas fundamentais do sistema. 5

    Coloca Celso Antnio Bandeira de Mello: Pretende-se atravs da norma geral, abstrata e por isso

    mesmo impessoal, a lei, editada, pois, pelo Poder Legislativo que o colgio representativo de todas as tendncias (inclusive minoritrias) do corpo social garantir que a atuao do Executivo nada mais seja seno a concretizao desta vontade geral (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 100). 6

    Vale dizer, no lhe possvel expedir regulamento, instruo, resoluo, portaria ou seja l que ato for para coartar a liberdade dos administrados, salvo se em lei j existir delineada a conteno ou imposio que o ato administrativo venha a minudenciar (BANDEIRA DE MELLO,

    2012, p. 102-103).

    7 A respeito, perceba-se que (...) a ideia matriz est em que s o Poder Legislativo pode criar regras que

    contenham, originariamente, novidade modificativa da ordem jurdico-formal, o que faz coincidir a competncia da fonte legislativa com o contedo inovativo de suas estatuies (...) (SILVA, 2012, p. 420-421).

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    constitucional brasileiro atual, sero apenas a lei delegada (art. 68) e as medidas

    provisrias, convertidas em lei (art. 62), as quais, contudo, s podem substituir a lei

    formal em relao quelas matrias estritamente indicadas nos dispositivos referidos

    (SILVA, 2012, p. 421).

    Justen Filho atenta, ainda, ao fato de alguns defenderem que, mais correto do que

    aludir noo como princpio da legalidade, seria referir-se a ela enquanto princpio

    da constitucionalidade ningum poderia ser obrigado a fazer ou deixar de fazer algo

    seno em virtude da Constituio. Afasta o autor, no entanto, a noo, afirmando, com

    propriedade, que o princpio da legalidade significa, em grande parte dos casos, a

    insuficincia da previso constitucional para a validade da atividade administrativa

    (2009, p. 127-128), que torna essencial a especificao infraconstitucional8.

    De qualquer forma, o princpio da legalidade envolve, como apontado pelo autor, a

    ausncia de poder normativo para a Administrao Pblica instituir norma jurdica que

    no tenha sido, antes, delineada legislativamente (JUSTEN FILHO, 2009, p. 154)9. A

    partir da noo, pode-se diferenciar duas manifestaes do princpio, a legalidade

    simples e a estrita legalidade. A legalidade simples exige disciplina legal para impor

    direitos e obrigaes, no excluindo, no entanto, a possibilidade de se estabelecer,

    atravs de lei, competncias discricionrias, a fim de possibilitar a soluo mais

    adequada s vicissitudes do caso em apreo (JUSTEN FILHO, 2009, p. 155). A estrita

    legalidade, ao contrrio, nasce quando a Constituio determina a regulao

    normativa exaustiva por via de lei e probe a instituio normativa da

    discricionariedade (JUSTEN FILHO, 2009, p. 155) - no h espao para a

    regulamentao normativa da matria fora do Poder Legislativo10. Adota-se a estrita

    legalidade em todos os casos em que estiver em jogo um valor jurdico fundamental,

    cujo sacrifcio fica na dependncia de ser objeto da disciplina normativa (JUSTEN

    8

    A Constituio o conjunto de normas fundamentais, mas insuficiente para disciplinar a atividade administrativa. So indispensveis as leis (infraconstitucionais) que funcionam como garantia especfica e precisa da existncia de normas mais concretas e determinadas. (...) verdade que todas as leis devem ser interpretadas de acordo com a Constituio. Quando se afirma que a validade da atividade administrativa depende de sua compatibilidade com a lei, isso significa que a atividade administrativa determinada, em ltima anlise, pela prpria Constituio. Mas isso no significa a desnecessidade da existncia de leis infraconstitucionais disciplinadoras da atividade administrativa. Esse um requisito necessrio, mas nem sempre suficiente. Para tanto, indispensvel no s a autorizao genrica da Constituio, mas tambm uma manifestao concreta e determinada produzida por meio de lei (JUSTEN FILHO, 2009, p. 128).

    9 Quanto noo de norma jurdica, aduz Justen Filho ser norma jurdica o comando que versa sobre a

    conduta, resultante de um processo lgico e valorativo desenvolvido a partir do texto da lei. Afirma, ento, que o princpio da legalidade significa, na verdade, que ningum obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude da existncia de uma norma jurdica produzida por uma lei (JUSTEN FILHO, 2009, p. 126).

    10 Portanto, a determinao constitucional da estrita legalidade significa a supresso da competncia

    normativa externa ao Poder Legislativo para disciplina de certo tema. Nesses casos, h a determinao constitucional do exerccio exaustivo e completo pelo Legislativo da competncia normativa, sem margem para complementao da disciplina por meio da atuao do Poder Executivo (JUSTEN FILHO, 2009, p. 155).

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    FILHO, 2009, p. 155) - decises que eventualmente ocasionem restrio parcial ou

    total supresso de direitos fundamentais exigem, indispensavelmente, determinao

    legislativa.

    Perceba-se que a natureza fundamental dos direitos polticos, por exemplo, aproxima

    indissociavelmente o Direito Eleitoral ao ncleo essencial dos dispositivos previstos na

    Carta Magna. Relacionado essncia constitucional, o Direito Eleitoral regido

    diretamente pelo princpio da legalidade especfica, exigindo, tanto para a garantia de

    direitos quanto para a imposio de deveres ou sanes, lei formal, fruto de discusso

    ampla e pblica no mago do Poder Legislativo, respeitado o procedimento

    constitucionalmente estabelecido11.

    Cabe ressaltar a concluso lgica de tal anlise: quaisquer atos provenientes do Poder

    Executivo ou do Poder Judicirio no so aptos a disciplinar matria eleitoral que s

    pode ser regulada por lei em sentido estrito12.

    Situao diversa assistida no pas atualmente. A Justia Eleitoral constantemente

    toma para si papel que no lhe compete, inovando a ordem jurdica, criando ou

    restringindo direitos de forma no j prevista em lei ou de forma diversa daquela nela

    estabelecida.

    O Direito Eleitoral, portanto, figura dentre as matrias que o legislador constituinte

    escolheu submeter ao princpio da reserva de lei. Cumpre atentar que o princpio da

    reserva de lei no se confunde com o princpio da legalidade. Este estatui

    subordinao lei, atuao nos limites legislativamente estabelecidos. O princpio da

    reserva de lei estabelece que o condicionamento legislativo de certos assuntos deve

    relacionar-se, necessariamente, lei formal13. O princpio da reserva de lei, assim,

    11

    Neste sentido: O princpio da estrita legalidade em matria eleitoral impe que as regras eleitorais devem ser estabelecidas por lei, entendida essa em sentido estrito: regras derivadas de um processo democrtico de deliberao parlamentar, a partir da arena poltica formada por representantes das correntes de opinio da sociedade (SALGADO, 2010, p. 297).

    12 Neste sentido: As regras eleitorais se referem concretizao do princpio de legitimao do exerccio

    do poder poltico. Exige-se, para a sua imposio, ampla discusso parlamentar, com carter fortemente deliberativo e com a participao das minorias. A legitimidade para a restrio de direitos direitos polticos, como a elegibilidade () est, por fora do princpio do Estado de Direito, no rgo representativo. Apenas o Parlamento pode ditar normas sobre a disputa eleitoral (SALGADO, 2010, p. 300). 13

    Esclarece Jos Afonso da Silva:

    o primeiro [princpio da legalidade] significa a submisso e o respeito lei, ou a atuao dentro da esfera estabelecida pelo legislador. O segundo consiste em estatuir que a regulamentao de determinadas matrias h de fazer-se necessariamente por lei formal. (...) Em verdade, o problema das relaes entre os princpios da legalidade e da reserva de lei resolve-se com base no Direito Constitucional positivo, vista do poder que a Constituio outorga ao Poder Legislativo. Quando essa outorga consiste no poder amplo e geral sobre qualquer espcie de relaes, tem-se o princpio da legalidade. Quando a Constituio reserva contedo especfico, caso a caso, lei, encontramo-nos diante do princpio da reserva legal. (SILVA, 2012, p. 422).

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    envolve a escolha constitucional14 de matrias que podem ser disciplinadas

    unicamente atravs de lei resultante de devido procedimento no Congresso

    Nacional15.

    Aponta Celso Antnio Bandeira de Mello:

    Deveras, as leis provm de um rgo colegial o Parlamento no qual se

    congregam vrias tendncias ideolgicas, mltiplas faces polticas,

    diversos segmentos representativos do espectro de interesses que

    concorrem na vida social, de tal sorte que o Congresso se constitui em

    verdadeiro cadinho onde se mesclam distintas correntes. Da que o

    resultado de sua produo jurdica, as leis que iro configurar os direitos e

    obrigaes dos cidados , necessariamente terminam por ser, quando

    menos em larga medida, fruto de algum contemperamento entre as

    variadas tendncias (2012, p. 363).

    As leis, submetidas a um processo de elaborao que envolve fiscalizao social

    daquilo que possam vir a conter, so marcadas por um grau de controlabilidade,

    confiabilidade, imparcialidade e qualidade normativa em muito superior ao dos

    regulamentos (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 362) por exemplo16. O Direito Eleitoral,

    por intimamente relacionado aos direitos polticos direitos fundamentais do cidado

    , base do Estado Democrtico de Direito erigido pela Constituio de 1988, foi

    elencado dentre as matrias a que, por exigir tratamento exclusivo por lei formal,

    impe-se uma reserva legal absoluta (SALGADO, 2010, p. 299).

    14

    Esta deciso justificada pela seleo constitucional de temas que devem ser tratados no mbito da representao, envolvida pela legitimidade democrtica e cuja deciso passvel de amplo controle dos seus fundamentos, garantido pela publicidade das discusses e pela possibilidade de participao no debate de todos os partidos com representao (SALGADO, 2010, p. 299).

    15 Maral Justen Filho esposa entendimento diverso. Ao diferenciar a soluo vigente na Frana, em que

    se estabelece constitucionalmente um elenco de temas a serem tratados legislativamente e aquilo que ali no for abrangido resta como de competncia normativa reservada ao Poder Executivo (por regulamento), afirma que no direito brasileiro, a expresso reserva de lei at pode ser utilizada, mas no apresenta maior utilidade. Segundo o autor, em princpio todas as matrias so reservadas lei, e o Poder Executivo no pode opor-se a que o Poder Legislativo discipline certos temas por meio de lei. Portanto, a Constituio brasileira reserva todos os assuntos (como regra) para serem disciplinados por lei. No existe um conjunto de temas subordinados a uma reserva de regulamento (JUSTEN FILHO, 2009, p. 135). Aqui, adota-se a tese contrria. 16

    J, os regulamentos carecem de todos estes atributos e, pelo contrrio, propiciam as mazelas que resultariam da falta deles, motivo pelo qual, se so perfeitamente prestantes e teis para a simples delimitao mais minudente das providncias necessrias ao cumprimento dos dispositivos legais, seriam gravemente danosos o que sobremodo claro em pas com as caractersticas polticas do Brasil se pudessem, por si mesmos, instaurar direitos e deveres, impondo obrigaes de fazer ou no fazer. Deveras, opostamente, s lei, os regulamentos so elaborados em gabinetes fechados, sem publicidade alguma, libertos de qualquer fiscalizao ou controle da sociedade ou mesmo dos segmentos sociais interessados na matria (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 362-363).

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    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    3 O princpio da moralidade e a viso extensiva do Supremo

    Tribunal Federal

    Parte integrante do regime jurdico administrativo o princpio da moralidade, erigido

    a princpio constitucional com a Constituio Federal de 1988, em que consta

    expressamente consignado, ao lado do princpio da legalidade e dos demais princpios

    constitucionais da administrao pblica, no artigo 37, caput17. Meno expressa ao

    princpio da moralidade figura tambm no artigo 5, inciso LXXIII18, que dispe acerca

    da possibilidade de proposio de ao popular a fim de anular ato lesivo moralidade

    administrativa, e no artigo 85, inciso V19, que coloca a improbidade administrativa

    como crime de responsabilidade. H meno ao princpio, ainda, no artigo 14,

    pargrafo 920, que, a fim de proteger a moralidade para o exerccio do mandato

    considerada a vida pregressa do candidato , dispe que lei complementar

    estabelecer outros casos de inelegibilidades alm dos constitucionalmente

    estabelecidos. Recentemente, a Lei Complementar n 135/2010, elaborada sob a gide

    deste dispositivo, foi declarada constitucional no Supremo Tribunal Federal, apesar de

    extremamente polmica.

    No Estado Democrtico de Direito, a moral passou a ocupar espao enquanto condio

    de legitimidade da atividade poltico-administrativa. Assiste-se um fenmeno de

    juridicizao das normas morais21, que passaram a integrar, no apenas

    materialmente, mas tambm formalmente, o sistema em um movimento de

    moralizao do direito22.

    17

    Art. 37. A administrao pblica direta e indireta de qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios obedecer aos princpios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficincia e, tambm, ao seguinte: (...). 18

    Art. 5 Todos so iguais perante a lei, sem distino de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no Pas a inviolabilidade do direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, nos termos seguintes: (...) LXXIII - qualquer cidado parte legtima para propor ao popular que vise a anular ato lesivo ao patrimnio pblico ou de entidade de que o Estado participe, moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimnio histrico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada m-f, isento de custas judiciais e do nus da sucumbncia. 19

    Art. 85. So crimes de responsabilidade os atos do Presidente da Repblica que atentem contra a Constituio Federal e, especialmente, contra: (...) V - a probidade na administrao. 20

    Art. 14. A soberania popular ser exercida pelo sufrgio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: (...) 9 Lei complementar estabelecer outros casos de inelegibilidade e os prazos de sua cessao, a fim de proteger a probidade administrativa, a moralidade para exerccio de mandato considerada vida pregressa do candidato, e a normalidade e legitimidade das eleies contra a influncia do poder econmico ou o abuso do exerccio de funo, cargo ou emprego na administrao direta ou indireta. (Redao dada pela Emenda Constitucional de Reviso n 4, de 1994). 21

    que o sistema jurdico democrtico fundamenta-se na legitimidade, a qual se compe com o elemento da moralidade pblica socialmente afirmada. Por isso, no sistema constitucional dos povos contemporneos, a moralidade pblica adotou aquela forma jurdica, fez-se princpio fundamental e dotou-se de natureza e vigor normativo (ROCHA, 1994, p. 183).

    22 Afirma Vicente Rao: Se em todos os tempos se proclamou que o direito, ao se concretizar em normas

    obrigatrias, h de respeitar os princpios da Moral, hoje, mais do que nunca se acentua a tendncia que

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 145

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    Nos termos do princpio da moralidade, positivado constitucionalmente, a

    administrao e seus agentes tm de atuar na conformidade de princpios ticos

    (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 119). Impe-se administrao uma atuao moral,

    marcada por obedincia tica, lealdade, boa-f, honestidade, uma atuao no

    apenas em conformidade com preceitos legais. O princpio da legalidade no

    suficiente para sustentar a ao administrativa, que deve respeitar os preceitos da

    moralidade, enquanto dever geral de boa administrao.

    A ao administrativa que desrespeite a moralidade pode ser anulada. Neste sentido,

    coloca Celso Antonio Bandeira de Mello que violar os princpios ticos aos quais o

    princpio da moralidade impe observncia implicar violao ao prprio Direito,

    configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidao, porquanto tal

    princpio assumiu foros de pauta jurdica, na conformidade do artigo 37 da

    Constituio (2012, p. 119). Helly Lopes Meirelles caminha no mesmo sentido,

    afirmando que a moralidade administrativa constitui hoje em dia pressuposto de

    validade de todo ato da Administrao Pblica. (...) O certo que a moralidade do ato

    administrativo, juntamente com sua legalidade e finalidade, constituem pressupostos

    de validade, sem os quais toda atividade pblica ser ilegtima (MEIRELLES, 1990, p.

    79-80).

    A moral administrativa no se confunde, no entanto, com a moral comum.

    Diferentemente desta, eminentemente subjetiva, a moral administrativa objetiva,

    no se influencia segundo impresses ou preceitos individuais. Ainda que trate de

    padres ticos, o princpio da moralidade no envolve noes puramente pessoais,

    mas um contedo objetivo, surgido do prprio sistema jurdico como um todo. Aduz

    Helly Lopes Meirelles, com Hauriou, sistematizador do conceito discutido, que no se

    trata (...) da moral comum, mas sim de uma moral jurdica, entendida como o

    conjunto de regras de conduta tiradas da disciplina interior da Administrao (1990,

    p. 79)23.

    Oportunamente, aponta Celso Antnio Bandeira de Mello que mera ofensa noo de

    moral socialmente estabelecida no ser suficiente para atingir o princpio jurdico da

    as normas morais revelam no sentido de sua transformao em normas jurdicas; acentua-se, isto , a tendncia para a moralizao do direito (RAO, 1997, p. 69-70). 23

    Segue o autor: Desenvolvendo a sua doutrina, explica o mesmo autor [Hauriou] que o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o Bem do Mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, no poder desprezar o elemento tico de sua conduta. Assim, no ter que decidir somente entre o legal e o ilegal, o justo e o injusto, o conveniente e o inconveniente, o oportuno e o inoportuno, mas tambm entre o honesto e o desonesto. Por consideraes de direito e de moral, o ato administrativo no ter que obedecer somente lei jurdica, mas tambm lei tica da prpria instituio, porque nem tudo que legal honesto, conforme j proclamavam os romanos 'non omne quod licethonestum est'. A moral comum, remata Hauriou, imposta ao homem para sua conduta externa; a moral administrativa imposta ao agente pblico para a sua conduta interna, segundo as exigncias da instituio a que serve, e a finalidade de sua ao: o bem comum (MEIRELLES, 1990, p. 79-80).

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 146

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    moralidade - este ser havido como transgredido quando houver violao a uma

    norma de moral social que traga consigo menosprezo a um bem juridicamente

    valorado (2012, p. 120).

    Esclarece, ainda, Romeu Felipe Bacellar Filho, ao aduzir que

    a afirmao da moralidade administrativa como princpio da Administrao

    Pblica juridiciza a tica na atividade administrativa. Introduz o conceito de

    boa administrao, da moral administrativa especializada em face da

    moralidade comum (2011, p. 192).

    Bandeira de Mello atribui ao princpio da moralidade um sentido mais estrito do que o

    trazido por Hauriou em suas lies, ao identific-lo com os chamados princpios da

    lealdade e da boa-f segundo os cnones da lealdade e da boa-f, a administrao

    haver de proceder em relao aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-

    lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malcia, produzido de

    maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exerccio de direitos por parte dos

    cidados (2012, p. 119-120).

    Mrcio Cammarosano afirma, no entanto, que essa referibilidade a valores

    juridicizados, consubstanciados em normas e princpios, no nos permite reconhecer a

    moralidade administrativa como princpio dotado de autonomia (2006, p. 111).

    Afirma que s se pode falar em ofensa moralidade administrativa se a ofensa ao

    Direito caracterizar tambm ofensa a preceito moral por ele juridicizado, e no o

    princpio da moralidade que, de per si, juridiciza preceitos morais (2006, p. 114) 24.

    Embora diversa da noo de moralidade comum, a ideia de moralidade administrativa

    no a ela completamente oposta. Maurcio Antonio Ribeiro Lopes aduz que

    a moralidade administrativa no se confunde com a moralidade comum o

    que, contudo, no as antagoniza, pelo contrrio, so complementares. A

    moralidade administrativa composta de regras de boa administrao, ou

    seja: pelo conjunto de regras finais e disciplinares suscitadas no s pela

    distino entre os valores antagnicos bem e mal; legal e ilegal; justo e

    injusto mas tambm pela ideia geral de administrao e pela ideia de

    funo administrativa (1993, p. 29).

    Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que "a moralidade exige proporcionalidade entre

    os meios e os fins a atingir; entre os sacrifcios impostos coletividade e os benefcios

    por ela auferidos; entre as vantagens usufrudas pelas autoridades pblicas e os

    24

    Aponta, ainda, que (...) no possvel dissociar a ideia de moral moral comum ou jurdica da ideia de liberdade, de conscincia, de livre arbtrio. A tica diz respeito ao comportamento humano apenas em razo mesmo dos atributos do homem, que tem a faculdade de, controlando seus instintos, criar sua prpria escala de valores, determinando-se por ela. essa liberdade decisria sem embargo dos condicionamentos individuais e sociais a que estamos todos sujeitos que nos permitem censurar ou elogiar este ou aquele comportamento como sendo bom ou mau. Se no h liberdade, no h o que censurar ou aplaudir, no como aplicar sanes ou premiar. (CAMMAROSANO, 2006, p. 113-114).

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 147

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    encargos impostos maioria dos cidados" (1991, p. 111). Defendendo a autonomia

    do princpio da moralidade, ao contrrio do entendimento esposado por

    Cammarosano, afirma que o princpio da moralidade exige da Administrao

    comportamento no apenas lcito, mas tambm consoante com a moral, os bons

    costumes, as regras de boa administrao, os princpios de justia e de equidade, a

    ideia comum de honestidade (DI PIETRO, 2010, p. 358-359).

    Cumpre reafirmar que o respeito ao princpio da legalidade no seria, ento, suficiente

    para sustentar a ao administrativa, que deve respeitar os preceitos da moralidade25.

    Neste sentido, caminha Maral Justen Filho aduzindo que a ausncia de disciplina

    legal no autoriza o administrador ou o particular a uma conduta ofensiva tica e

    moral. A moralidade soma-se legalidade. Assim, uma conduta compatvel com a lei,

    mas imoral, ser invlida (JUSTEN FILHO, 1998, p. 58). Assim, alm de limitada aos

    mandamentos legais, em respeito ao princpio da legalidade, a administrao pblica

    vincula-se indissociavelmente moralidade.

    A dificuldade de determinao do ncleo significante do princpio instiga dvidas

    quanto a sua autonomia com relao ao princpio da legalidade, como j exposto. H

    doutrinadores que, inclusive, no consideram sua existncia, entendendo que o

    princpio da moralidade est compreendido no prprio princpio da legalidade26.

    Mencione-se, no entanto, que tal entendimento no compatvel com o sistema

    jurdico brasileiro, que prev os princpios da legalidade e da moralidade como

    princpios autnomos27.

    A delimitao do cerne do princpio essencial para evitar que o instituto acabe

    incuo. Importante, no entanto, perceber que, no obstante as consideraes tecidas,

    no h como definir a priori o contedo do princpio da moralidade, fludo e malevel,

    vez que sem tipificao exata. Aponta Marcus Vinicius Corra Bittencourt a natureza

    de conceito jurdico indeterminado que envolve a noo de moralidade

    25

    Neste sentido: A legalidade, que o cerne de todos os demais princpios constitucionais, deve ser

    compreendida como legalidade tica, isto , legalidade sempre associada a moral na gesto pblica. A legalidade desprovida de contedo tico constitui insuportvel distanciamento entre direito e a justia e, por isso, no legitima a conduta pblica (PAZZAGLINI FILHO, 2003, p. 31).

    26 Celso Antnio Bandeira de Mello, por exemplo, coloca o princpio jurdico da moralidade

    administrativa como um reforo ao princpio da legalidade, dando-lhe um mbito mais compreensivo do que normalmente teria (BANDEIRA DE MELLO, 2012, p. 120). 27

    Confirma tal entendimento o fato de o princpio da moralidade ser expressamente previsto, de forma autnoma ao princpio da legalidade, em diversos dispositivos legais: o princpio da moralidade consta expressamente consignado, ao lado do princpio da legalidade e dos demais princpios constitucionais de direito administrativo, no artigo 37, caput. Meno expressa ao princpio da moralidade figura tambm no artigo 5, inciso LXXIII, no artigo 85, inciso V e no artigo 14, pargrafo 9, por exemplo. Quanto autonomia do princpio da moralidade, conclui Maria Sylvia Zanella Di Pietro: evidente que, a partir do momento em que o desvio de poder foi considerado como ato ilegal e no apenas imoral a moralidade administrativa teve seu campo reduzido; o que no impede, diante do direito positivo brasileiro, o reconhecimento de sua existncia como princpio autnomo (DI PIETRO, 2010, p. 71).

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 148

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    administrativa (2011, p. 214). No possvel, de pronto, determinar, abstratamente, o

    contedo do princpio.

    Perceba-se, no entanto, que, apesar do assinalado, o conceito indeterminado no

    deixa de apresentar-se determinvel, de possuir certa densidade mnima (BANDEIRA

    DE MELLO, 1992, p. 28-29) limites so inerentes natureza de todo conceito, que,

    por ser conceito, limitado. No existe impreciso absoluta, como ensina Celso

    Antnio Bandeira de Mello (2012, p. 927). Ensina o autor, acerca da natureza da

    noo, que todo conceito jurdico indeterminado comporta duas zonas de certeza

    (2012, p. 928)28, uma zona de certeza positiva, na qual o conceito certamente incide, e

    uma zona de certeza negativa, no abrigada, de forma alguma, pelo contedo do

    conceito (BANDEIRA DE MELLO, 1992, p. 29). Atente-se que entre estes marcos, h

    uma rea nebulosa de indefinio em que uma gama enorme de situaes podem ser

    inseridas e com caractersticas das delimitaes externas do conceito (BITTENCOURT,

    2011, p. 213). No intervalo entre as zonas de certeza haveria, portanto, um espao de

    indeterminao29.

    Resta nas mos do aplicador a tarefa de determinar o indeterminado. Frise-se que o

    trabalho, no entanto, no , de forma alguma, livre de qualquer controle30 - a

    incompatibilidade entre o limite do conceito e a atuao do aplicador resolve-se na

    invalidao desta ltima (JUSTEN FILHO, 1998, p. 17-18).

    Ao lado dos ensinamentos doutrinrios, cabe assinalar a divergncia acerca do

    contedo do princpio da moralidade nos Tribunais Superiores. Um dos acrdos

    paradigmticos acerca da questo, expondo o entendimento posteriormente adotado

    de maneira ampla pelo Supremo Tribunal Federal sobre o tema, foi proferido no RE

    28

    A respeito, afirma ainda: indubitvel que os seres humanos podem acordar, em tempo e local certos, a respeito do contedo mnimo, da significao mnima, daqueles conceitos. Logo, jamais o agente administrativo poderia, em nome da fluidez desses conceitos, tom-los ou acolh-los em uma significao no comportada por esse mbito mnimo que conota e denota a palavra, o conceito, portanto (BANDEIRA DE MELLO, 1992, p. 29). 29

    No mesmo sentido, Maral Justen Filho: H um ncleo de certeza positiva, correspondente ao mbito de abrangncia inquestionvel do conceito. H outro ncleo de certeza negativa, que indica a rea a que o conceito no se aplica. Entre esses dois pontos extremos, coloca-se a zona de incerteza. medida que se afasta do ncleo de certeza positiva, reduz-se a preciso na aplicao do conceito. Aproximando-se do ncleo de certeza negativa, amplia-se a pretenso de inaplicabilidade do conceito. No existe, porm, um limite exato acerca dos contornos do conceito (JUSTEN FILHO, 1998, p. 17-18). 30

    Aponta Maral Justen Filho que a teoria dos conceitos jurdicos indeterminados no desgua na liberao do aplicador do Direito para adotar qualquer soluo, a seu bel-prazer. Alis, muito pelo contrrio. Conduz a restringir a liberdade na aplicao dos conceitos jurdicos indeterminados (JUSTEN FILHO, 1998, p. 17-18). Quanto ao tema, ainda, aduz Celso Antnio Bandeira de Mello que nada importar a concepo particular, pessoalssima, que alguma autoridade tenha (real ou pretensamente), sobre o que segurana jurdica, moralidade pblica, urgncia, interesse pblico relevante, tranquilidade pblica ou de outros conceitos fluidos do gnero. (...) Tais conceitos no tm elastrio determinado pelo peculiar subjetivismo (verdadeiro ou no) do agente tal ou qual, mas cinge-se a um campo delimitado pela inteleco razovel, corrente, isto , aquela que normalmente captada pelos administrados, porquanto para reger-lhes os comportamentos que a regra foi editada (BANDEIRA DE MELLO, 1992, p. 30).

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 149

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    579.951-4/RN31, de relatoria do Sr. Ministro Ricardo Lewandowski, em que se discutia

    acerca da vedao do nepotismo no mbito do Poder Executivo. H poca, no havia

    qualquer norma que vedasse a prtica para alm do mbito do Judicirio32. Defendeu-

    se, ento, que a proibio decorreria diretamente dos princpios albergados no artigo

    37, caput, da Constituio Federal, em especial, do agora tratado princpio da

    moralidade.

    Em seu voto, o Sr. Ministro Lewandowski expe:

    A Constituio de 1988, em seu art. 37, caput, preceitua que a

    Administrao Pblica rege-se por princpios destinados a resguardar o

    interesse pblico na tutela dos bens da coletividade.

    Esses princpios, dentre os quais destaco o da moralidade e o da

    impessoalidade, exigem que o agente pblico paute a sua conduta por

    padres ticos que tm como fim ltimo lograr a consecuo do bem

    comum, seja qual for a esfera de poder ou o nvel poltico-administrativo da

    Federao em que atue.

    Como se v, as restries impostas atuao do administrador pblico pelo

    princpio da moralidade e demais postulados contidos no referido

    dispositivo da Constituio so auto-aplicveis, visto que trazem em si carga

    de normatividade apta a produzir efeitos jurdicos, permitindo, em

    consequncia, ao Judicirio exercer o controle dos atos que vulnerem os

    valores fundantes do texto constitucional.

    No se olvide, ademais, que o estrito respeito a esses postulados, em

    especial ao da moralidade, por parte do administrador pblico, configura

    31

    RE 579.951-4/RN, Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 20.08.2008, DJ n 202, 23.10.2008.

    32 Atualmente, a vedao ao nepotismo, alm de decorrer da fora normativa dos princpios

    constitucionais, emana de uma srie de previses normativas. No mbito do Poder Executivo, h previso no Estatuto dos Servidores da Unio, Lei n. 8.112/1990, que, em seu artigo 117, inciso VIII, probe o servidor de manter sob sua chefia imediata, em cargo ou funo de confiana, cnjuge, companheiro ou parente at o segundo grau civil. No Poder Executivo Federal, dispe sobre a vedao do nepotismo o Decreto n 7.203, de 04/06/2010. No mbito do Poder Judicirio, foi editada, pelo Conselho Nacional de Justia (CNJ), a Resoluo n 7 (18/10/2005), alterada pelas Resolues n 9 (06/12/2005) e n 21 (29/08/2006). Para o Ministrio Pblico, o Conselho Nacional do Ministrio Pblico (CNMP) publicou as Resolues de n 1 (04/11/2005), n 7 (14/04/2006) e n 21 (19/06/2007). Ainda a respeito, em agosto de 2008, o Supremo Tribunal Federal editou a Smula Vinculante n 13, proibindo o nepotismo em todos os rgos do Estado, incluindo as estruturas do Poder Executivo e Legislativo e atingindo tambm a administrao pblica indireta. Estabelece a Smula, in verbis: A nomeao de cnjuge, companheiro, ou parente, em linha reta, colateral ou por afinidade, at o 3 grau inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurdica, investido em cargo de direo, chefia ou assessoramento, para o exerccio de cargo em comisso ou de confiana, ou, ainda, de funo gratificada na Administrao Pblica direta ou indireta, em qualquer dos Poderes da Unio, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municpios, compreendido o ajuste mediante designaes recprocas, viola a Constituio Federal.

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 150

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    pressuposto de validade de seus atos, como se decidiu na ADI n 2.661/MA,

    que teve como relator o Ministro Celso de Mello (...). 33

    Da ementa da Ao Direta de Inconstitucionalidade n 2.661/MA merece destaque o

    seguinte trecho:

    O princpio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitaes

    ao exerccio do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os

    atos do Poder Pblico que transgridam os valores ticos que devem pautar o

    comportamento dos agentes e rgos governamentais 34

    .

    4 O embate dos princpios da legalidade e da moralidade na

    jurisdio brasileira

    A respeito do princpio da moralidade e sua relao com os demais princpios em

    especial, o princpio da legalidade , cita-se o entendimento trazido, em sede

    doutrinria, por Carmen Lcia Antunes Rocha, em trecho tambm referido pelo Sr.

    Ministro Lewandowski em voto proferido no Recurso Extraordinrio j comentado,

    que coloca a noo de que o princpio da moralidade teria, dentre os princpios

    constitucionais de direito administrativo, precedncia, informando a interpretao e

    aplicao dos demais:

    O princpio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros

    princpios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua

    exigncia, de elemento interno a fornecer a substncia vlida do

    comportamento pblico. Toda atuao administrativa parte deste princpio

    e a ele se volta. Os demais princpios constitucionais, expressos ou

    implcitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a

    moralidade como parte integrante do seu contedo. Assim, o que se exige,

    no sistema de Estado Democrtico de Direito no presente, a legalidade

    moral, vale dizer, a legalidade legtima da conduta administrativa (ROCHA,

    1994, p. 213-214).

    O entendimento adotado pelo Ministro Lewandoski de que o princpio da moralidade

    teria primazia sobre os demais atinge frontalmente noes como a albergada pelo

    princpio da unidade da Constituio, segundo o qual as normas constitucionais devem

    ser consideradas de forma integrada, e no isoladamente, a fim de contornar

    eventuais contradies aparentemente existentes35 - da que o intrprete deva

    33

    RE 579.951-4/RN, Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 20.08.2008, DJ n 202, 23.10.2008. 34

    ADI 2.661/MA, Relator Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgado em 05.06.2002, DJ 23.08.2002. 35

    O princpio da unidade da Constituio ganha relevo autnomo como princpio interpretativo quando com ele se quer significar que o Direito Constitucional deve ser interpretado de forma a evitar contradies (antinomias, antagonismos) entre as suas normas e, sobretudo, entre os princpios jurdicos-polticos constitucionalmente estruturantes. Como ponto de orientao, guia de discusso e factor hermenutico de deciso o princpio da unidade obriga o intrprete a considerar a Constituio na sua globalidade e procurar harmonizar os espaos de tenso [...] existentes entre as normas constitucionais a concretizar (CANOTILHO, 2000, p. 162).

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 151

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    sempre considerar as normas constitucionais, no como normas isoladas e dispersas,

    mas sim como preceitos integrados num sistema interno unitrio de normas e

    princpios (CANOTILHO, 2000, p. 162).

    Decorrncia desse princpio a considerao de que todas as normas constitucionais

    possuem igual dignidade, no havendo entre elas hierarquia no h prevalncia de

    uma norma constitucional sobre outra, no ocorrendo superposio de normas

    conflitantes. A defesa de uma hierarquia entre as normas constitucionais originrias

    no compatvel com o sistema brasileiro: o fundamento de validade de todas as

    normas constitucionais originrias jaz na mesma base, o poder constituinte originrio.

    Dessa forma, indispensvel ressaltar que os princpios constitucionais no guardam

    entre si qualquer relao de hierarquia. Da decorre a concluso essencial de que

    invocar o princpio da moralidade no enseja de forma ou maneira alguma a negao

    ou supresso do contedo do princpio da legalidade.

    O Ministro Lewandowski, ainda no voto proferido no referido Recurso Extraordinrio,

    comenta acerca da sindicabilidade de atos administrativos pelo Poder Judicirio,

    quando considerados desrespeitosos noo de moralidade expressa no princpio

    constitucionalmente positivado. A considerao tecida a partir de trecho do voto do

    Ministro Joaquim Barbosa na Medida Cautelar na Ao Direta de Constitucionalidade

    n 12/DF, em que este afirma o papel que entende ter a justia constitucional na

    correo de atos administrativos que atingem o princpio da moralidade, ou seja, que

    contrastam com uma noo de moral coletiva composta por um conjunto de valores

    enraizados na sociedade e decorrentes do povo. Cabe observar que, muitas vezes, a

    ideia de povo, abstratamente construda, colocada enquanto instncia de

    legitimao36 de um conceito de moral oportunamente elaborado.

    O direito no pode dissociar-se da Moral, isto , de uma moral coletiva, pois

    ele reflete um conjunto de crenas e valores profundamente arraigados, que

    emanam da autoridade soberana, ou seja, do povo. Quando, em

    determinada sociedade, h sinais de dissociao entre esses valores

    comunitrios e certos padres de alguns segmentos do aparelho estatal,

    tem-se grave sintoma de anomalia, a requerer a interveno da justia

    constitucional como fora intermediadora e corretiva37

    (grifos no original).

    Segue o Ministro Lewandowski, no voto em sede de Recurso Extraordinrio,

    discorrendo a respeito da indissocivel relao entre o contedo dos princpios

    constitucionais e sua interpretao e o substrato espiritual que se consubstancia em

    um determinado povo, nas palavras de Konrad Hesse (1991, p. 14-15). Indissociveis,

    36

    noo de povo, pode ser atribuda a funo de instncia global de atribuio de legitimidade, nos termos propostos por Friedrich Mller (2003, p. 59-64), a fim de corroborar aes e ideias como se fossem surgidas no seio social e sustentadas pela vontade povo. 37

    RE 579.951-4/RN, Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 20.08.2008, DJ n 202, 23.10.2008.

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 152

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    portanto, no entendimento do Ministro, a moral coletiva socialmente enraizada e

    decorrente do povo, citada por Barbosa no trecho acima referido, e o contedo do

    princpio da moralidade e sua interpretao (e a interpretao da Constituio como

    um todo), intimamente relacionada s condies histricas de sua realizao.

    A respeito, pertinente o apontamento de Eneida Desiree Salgado, que, ao observar que

    o artigo 3 do texto constitucional aponta para a adoo de determinados princpios

    morais como objetivos da Repblica Brasileira, afirma que h compartilhamento de

    uma moralidade, mas de uma moralidade objetiva, relacionada aos valores pblicos,

    sem que isso derive da imposio estatal de um contedo especfico (2010, p. 23).

    No se permite ao Estado a composio unilateral do sentido que completa os

    princpios morais a que faz referncia o artigo mencionado e diversos outros

    dispositivos constitucionais. O contedo no , tampouco, ditado por uma moralidade

    de cunho subjetivo, que envolva noes puramente pessoais, mas por um contedo

    objetivo, surgido do prprio sistema jurdico como um todo, por uma moralidade

    objetiva.

    No mesmo sentido, versa o Ministro Gilmar Mendes, em voto proferido na Medida

    Cautelar na Ao Direta de Constitucionalidade n 12/DF, j referida: Essa moralidade

    no elemento do ato administrativo, como ressalta Gordilho, mas compe-se dos

    valores ticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por

    isso, da ordem jurdica vigente38. A Ao Direta de Constitucionalidade n 12/DF foi

    ajuizada em prol da Resoluo n 07, de 18/10/2005, do Conselho Nacional de Justia,

    que pretendeu disciplinar o exerccio de cargos, empregos e funes por parentes,

    cnjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de

    direo e de assessoramento, no mbito dos rgos do Poder Judicirio e d outras

    providncias 39, a fim de vedar, no mbito do Poder Judicirio, o nepotismo

    O Ministro Gilmar Mendes expe, na mesma oportunidade, ainda, o entendimento de

    que a indeterminao semntica dos princpios (da moralidade e demais) no

    poderia ser um impedimento determinao de eventuais regras que surjam no

    mbito do judicirio a fim de impedir condutas consideradas imorais.

    A indeterminao semntica dos princpios da moralidade e da

    impessoalidade no pode ser um obstculo determinao da regra da

    proibio ao nepotismo. Como bem anota Garca de Enterria, na estrutura

    de todo conceito indeterminado identificvel um ncleo fixo (Begriffkern)

    ou zona de certeza, que configurada por dados prvios e seguros, dos

    quais pode ser extrada uma regra aplicvel ao caso. A vedao ao

    38

    MC na ADI 12/DF, Relator Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 16.02.2006, DJ 01.09.2006. 39

    Como consta da ementa da resoluo em comento.

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 153

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    nepotismo regra constitucional que est na zona de certeza dos princpios

    da moralidade e da impessoalidade40.

    No trecho disposto, resta clara a inteno de fundamentar a possibilidade de

    concretizao do contedo de princpios como o princpio da moralidade, de natureza

    essencialmente fluda e indeterminada, em sede jurisdicional, a partir da deduo de

    regras contidas em um ncleo fixo ou zona de certeza no interior do princpio.

    Cabe, neste ponto, crtica ao entendimento esposado pelo Ministro. Afirmar que

    princpios como o princpio da moralidade so dotados, como obviamente se deduz, de

    contedo, no permite us-los diretamente para restringir direitos fundamentais em

    ausncia de lei. A tarefa conferida ao aplicador de determinar o contedo

    indeterminado do princpio, conferindo-lhe concretude, no livre de qualquer

    controle, no permite que se insira em seu ncleo contedo com ele no compatvel e

    no permite sua aplicao a situaes por ele no albergadas no permite, frise-se,

    usar o princpio diretamente para restringir direitos em ausncia de lei, em prejuzo do

    princpio da legalidade. No lcito ao Poder Judicirio, extrapolando limites de

    legalidade, definir extenso de princpios a fim de, mascaradamente, inovar a ordem

    jurdica41.

    Observe-se, como caso tpico, novamente, trecho do voto proferido pelo Sr. Ministro

    Ricardo Lewandowski no RE n 579.951-4/RN, amplamente citado, em que comenta o

    tema, especificamente, quanto deduo de vedao do nepotismo a partir do

    princpio da moralidade, em que afirma a desnecessidade de norma secundria *

    poca, inexistente que obste formalmente essa reprovvel conduta. In verbis:

    Ora, tendo em conta a expressiva densidade axiolgica e a elevada carga

    normativa que encerram os princpios abrigados no caput do artigo 37 da

    Constituio, no h como deixar de concluir que a proibio do nepotismo

    independe de norma secundria que obste formalmente essa reprovvel

    conduta. Para o expurgo de tal prtica, que lamentavelmente resiste

    inclume em alguns bolses de atraso constitucional que ainda existem no

    Pas, basta contrastar as circunstncias de cada caso concreto com o que se

    contm no referido dispositivo constitucional42

    .

    Ainda que ao Judicirio caiba a possibilidade de concretizao do contedo dos

    princpios na anlise do caso concreto, importante perceber que no se faz admissvel

    40

    MC na ADI 12/DF, Relator Min. Carlos Britto, Tribunal Pleno, julgado em 16.02.2006, DJ 01.09.2006. 41

    Neste sentido: A questo sobre a concretizao dos princpios, pela determinao do seu significado e de seu alcance, encontra-se no centro da tenso entre democracia e jurisdio constitucional. Ainda que no se possa negar a necessidade de reservar ao Poder Judicirio a capacidade de dar um contedo concreto aos princpios para sua aplicao a um caso concreto (sob pena de enfraquecer a normatividade dos princpios), deve-se reconhecer a primazia do consenso democrtico na concretizao dos princpios, quando do seu adequado e consistente desdobramento em outros princpios e em regras constitucionais e infraconstitucionais (SALGADO, 2010, p. 13). 42

    RE 579.951-4/RN, Supremo Tribunal Federal, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Tribunal Pleno, julgado em 20.08.2008, DJ n 202, 23.10.2008.

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 154

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    que extrapole os limites da legalidade ao definir sua extenso ou ao deduzir a partir da

    interpretao a eles dada regras restritivas de direitos. Conferir ao princpio da

    moralidade um contedo de base subjetivista, influenciado por impresses ou

    preceitos individuais desvirtua sua base. A moral administrativa, consubstanciada

    constitucionalmente no princpio da moralidade positivado, no se confunde com a

    moral comum a moral administrativa objetiva. Qualquer relativizao excessiva de

    seu contedo pode conduzir a um moralismo baseado em impresses puramente

    pessoais, construdas, muitas vezes, dentro dos prprios Tribunais Superiores e com

    forte apelo popular e extrajudicial.

    Atente-se que no se pretende atacar o valor da impessoalizao das relaes na seara

    pblica, da qual a vedao ao nepotismo decorrncia direta. Cabe discutir, no

    entanto, a forma pela qual se efetivou a restrio apontada, no Brasil.

    Lnio Streck aduz, acertadamente, que em Constituies como a brasileira, detalhadas

    e altamente compromissrias, os elementos valorativos que, em outros ordenamentos

    jurdicos, necessita-se buscar fora do sistema j esto devidamente abarcados pelo

    texto constitucional. No caso brasileiro, a indeterminao dos princpios no exige que

    se recorra, necessariamente, a argumentos externos ao ordenamento43. Os elementos

    necessrios para a concretizao de conceitos fluidos podem ser encontrados no

    mago do prprio sistema, no precisando ser, de todo, buscados fora dele44.

    O moralismo em seara social, que serve de argumento para atos de

    restrio de direitos, principalmente do direito poltico passivo dos cidados,

    esbarra nestes problemas, tornando debates essencialmente jurdicos

    (acerca da possibilidade de limitao de um direito fundamental ou acerca

    da consequncia de um embate entre princpios) em debates de cunho

    moral e moralizante, ao preencher o sentido indeterminado do princpio da

    moralidade com um contedo de ordem subjetiva forjado pelo Poder

    Judicirio, com apelo a elementos valorativos externos ao ordenamento

    jurdico (SRECK, 2006).

    43

    Com o autor: Alm do mais, enquanto Dworkin sustenta que a indeterminao de regras jurdicas obriga a recorrer a direitos ou a argumentos principiolgicos que se encontram fora da ordem jurdica positiva, no podendo, assim, ser identificados por meio de regra de reconhecimento, em sistemas jurdicos como o brasileiro essa questo assume outra dimenso, isto , a Constituio abarca em seu texto um conjunto principiolgico que contm a co-originariedade entre direito e moral e nisso Habermas tem inteira razo , isto , aquilo que Dworkin necessita buscar fora do sistema, j est contemplado em Constituies fortemente compromissrias como a brasileira. Portanto, na situao hermenutica (no sentido gadameriano do conceito) da Constituio do Brasil, o discurso moral-principiolgico no vem de fora, para atuar como corretivo para os impasses interpretativos, at porque, e isto parece evidente, o direito aberto moral, mas no dela dependente, como quer, v.g., Alexy. (...)Como j dito, exatamente por isso que os princpios no abrem o processo interpretativo em favor de arbitrariedades; ao contrrio, a aplicatio, a partir dos teoremas fundamentais da hermenutica (...) proporciona um fechamento da interpretao, isto , serve como blindagem contra a livre atribuio de sentidos (STRECK, 2006, p. 211-212). 44

    Adota-se, neste trabalho, como j apontado, o entendimento de que um sistema constitucional como o brasileiro, apesar de aberto, no exige que se busque fora dele os elementos de que necessita.

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 155

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    5 Concluso

    J no satisfatria a diviso rgida e estanque de funes entre os poderes de Estado.

    Hoje, o estabelecimento de funes atpicas, ao lado das funes tpicas, ato

    necessrio para sustentar a prpria tripartio e no constitui ofensa separao de

    poderes. O Poder Judicirio vem tomando um papel de relevo na deciso de questes

    de grande importncia social e poltica no pas, em substituio s instncias polticas

    tradicionais, s quais cabia a deliberao sobre tais temas. Na seara eleitoral, por

    exemplo, visvel o fenmeno. Tentando ser protagonista de um processo de

    transformao poltica que julga necessrio, o judicirio eleitoral assume, no entanto,

    um papel que no lhe pertence, tomando o lugar que cabe ao legislador e levando a

    efeito uma srie de mudanas, sem as submeter ao processo devido e sem respeitar

    princpios constitucionais. O faz a partir, principalmente, de limites implicitamente

    forjados limites que surgem a partir de embates entre princpios no mbito

    jurisdicional.

    No presente trabalho, adota-se a postura segundo a qual os princpios figuram como as

    normas base do sistema, estruturando-o como um todo, sendo normas de elevado

    grau de fundamentalidade e importncia. De carter claramente fundamental e

    estrutural, o princpio da legalidade deve ser observado e aplicado pelo Poder

    Judicirio como se regra fosse na concepo de Alexy e Dworkin, regra , no

    passvel de relativizao.

    O uso dos princpios tem sido consecutivamente ampliado no mbito jurisprudencial,

    possibilitando a maleabilizao da interpretao e da aplicao do ordenamento. Cabe

    ressaltar, no entanto, que, justamente por essa razo, sua aplicao exige controle: o

    uso de expresses de sentido no definido ou de carter subjetivo no abre ao Poder

    Judicirio caminho para interpretaes criativas. No possvel, que, sob o manto da

    extenso fluida e do contedo malevel dos princpios, criem-se novas normas.

    Aponte-se que afirmar que princpios so dotados, como obviamente se deduz, de

    contedo, no permite us-los diretamente para restringir direitos fundamentais em

    ausncia de lei. A tarefa conferida ao aplicador de determinar o contedo

    indeterminado do princpio, conferindo-lhe concretude, no livre de qualquer

    controle, no permite que se insira em seu ncleo contedo com ele no compatvel e

    no permite sua aplicao a situaes por ele no albergadas no permite, frise-se,

    usar o princpio diretamente para restringir direitos em ausncia de lei, em prejuzo do

    princpio da legalidade: no admissvel que se extrapole os limites da legalidade ao

    definir sua extenso ou ao deduzir, a partir de uma interpretao unilateral do Poder

    Judicirio acerca da amplitude e do contedo de expresses, regras restritivas de

    direitos, abrindo-se a possibilidade de arbitrariedades. Qualquer relativizao excessiva

    do contedo de princpios pode conduzir a um moralismo baseado em impresses

  • MARTINS, Tamira Almeida. Legalidade e moralidade: a previso normativa (...). 156

    RDDA, v. 2, n. 1, 2015

    puramente pessoais, construdas, muitas vezes, dentro dos prprios Tribunais

    Superiores e com forte apelo popular e extrajudicial.

    momento de perceber que no cabe ao julgador estabelecer as normas gerais de

    controle social seu primeiro estabelecimento deve ser feito na seara discursiva,

    atravs da representao legislativa democrtica. A Justia reveste-se, cada vez mais,

    de um papel que no lhe pertence.

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