Revista Cásper #16

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CASPER ´ Setembro de 2015 A trajetória do publicitário Sergio Gordilho FORA DE SÉRIE RÁDIOS COMUNITÁRIAS A RC Itaquera resiste pelo direito à comunicação A discussão sobre a ocupação do espaço público DIREITO À CIDADE Os desafios do jornalismo ilustrado ALEXANDRE DE MAIO # 16

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Produzida pelo Núcleo Editorial integrado por alunos e professores, a revista Cásper trata de assuntos ligados às áreas da Comunicação Social, Cultura e Educação, com o objetivo de estreitar os laços da instituição com o mundo acadêmico e com o mercado da Comunicação no País.

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CASPER´Setembro de 2015

A trajetória do publicitário Sergio GordilhoFORA DE SÉRIE

RÁDIOS COMUNITÁRIASA RC Itaquera resiste

pelo direito à comunicaçãoA discussão sobre a

ocupação do espaço público

DIREITO À CIDADEOs desafios do

jornalismo ilustrado

ALEXANDRE DE MAIO

#16

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CASPERFUNDAÇÃO CÁSPER LÍBERO

PRESIDENTEPaulo Camarda

SUPERINTENDENTE GERALSérgio Felipe dos Santos

FACULDADE CÁSPER LÍBERO

DIRETORCarlos Costa

VICE-DIRETORRoberto Chiachiri Filho

REVISTA CÁSPERNÚCLEO EDITORIAL DE REVISTAS

COORDENADORA DE ENSINO DE JORNALISMOHelena Jacob

EDITORES-CHEFESBianca Santana e Pedro Ortiz

EDITORJoão Gabriel Hidalgo

CONSELHO EDITORIAL Bianca Santana, Dimas Künsch, Helena Jacob, Marcelo Rodrigues, Pedro Ortiz, Roberto Chiachiri Filho, Roberto D’Ugo, Sergio Andreucci, Sônia Breitenwieser e Walter Freoa

REPORTAGEMAna Carolina Siedschlag, André Valente, Carolina Mikalauskas, Guilherme Venaglia, João Gabriel Hidalgo, Mariana Gonzalez, Naiara Albuquerque, Nathalia Gorga

EDITOR DE ARTE E FOTOGRAFIAAndré Valente

PROJETO GRÁFICOPedro Camargo

DIAGRAMAÇÃOAna Carolina Siedschlag e Carolina Mikalauskas

COLABORADORESAna Clara Muner, Andrea Rauscher, Everton Dias, Isabella Faria, Luiz Hirschmann, Martha Lopes, Mayra Idoeta, Stella Gontijo

NÚCLEO EDITORIAL DE REVISTASAvenida Paulista, 900 – 5º andar01310-940 – São Paulo – SP(11) 3170-5874/[email protected]/a-casper-libero/revista-casper

CAPA© Vitor Zocarato

CARLOS COSTADiretor

A edição #16 da Revista Cásper se destaca por colocar em prática um conceito muito falado e pouco aplicado no universo midiático: a comunicação integrada. Unir as discussões e necessidades de todas as áreas da comu-nicação que são estudadas nos cursos de graduação e de pós-graduação da Faculdade Cásper Líbero foi uma atividade prazerosa e importante neste número.

Começando pela área de Publicidade e Propaganda, muito bem representada pelo perfil de Sergio Gordilho,

co-presidente e diretor de arte da Africa, agência brasileira eleita em 2014, Internacional Agency of the Year pela Advertising Age, revista norte-ame-ricana considerada a “bíblia” do mundo da publicidade. Os desafios da propaganda em formatos digitais estão presentes também na matéria “Ad-mirável Mundo Novo?”, que discute as estratégias de comunicação nesse ambiente que não é tão novo assim, mas que está cada vez mais desafiador.

Em “Além do media training”, o foco vai para o universo das Relações Públicas, discutindo o treinamento que porta-vozes de empresas e organi-zações precisam para se relacionar de forma adequada com os veículos de comunicação. “Brasil em série” investiga a inovadora produção que toma conta do universo do rádio, TV e internet no país, mostrando um panora-ma que mescla a importância das séries de televisão como produto midiáti-co e os títulos atualmente em produção. O mundo do audiovisual também se destaca em “Dados ao ar”, reportagem sobre os avanços e a importância do armazenamento de conteúdos sonoros e visuais.

Os desafios do jornalismo contemporâneo aparecem em “Janelas de oportunidades”, uma amostra de como a reportagem é praticada hoje nas e além das redações tradicionais. Conteúdos digitais, curadoria de informação, produção cultural: esse trabalho mostra que são muitos os caminhos que um jovem jornalista pode percorrer em sua profissão. Em “Vozes da comunidade”, conhecemos no exemplo da Rádio Comu-nitária Itaquera, que conseguiu outorga de funcionamento após 10 anos intensos de luta por esse direito.

E tem mais: Cásper traz ainda uma entrevista com Alexandre De Maio falando sobre a dificuldade de fazer jornalismo em quadrinhos; reportagem sobre as decorrências do Novo Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Paulo; e os avanços e conquistas dos 25 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além da seção Portfólio, com o trabalho do inesquecível fotógrafo americano David Drew Zingg.

Boa leitura!

´ ISSN 2446-4910

Se não houver um © explicitado, você pode copiar, adaptar e distribuir os conteúdos desta revista, desde que atribua créditos

CCBY

COMUNICAcaO

DEVERDADEINTEGRADA,

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SUMÁRIO

06 PAPO DE CRIANÇAOs 25 anos do ECA recordam a importância do direito à comunicação infanto-juvenil

10 QUADRINHOS DE FATOO jornalismo em quadrinhos na experiência de Alexandre De Maio

14 VOZES DA COMUNIDADEA Rádio Comunitária Itaquera consegue a outorga após dez anos de luta

22 FORA DE SÉRIE

28 ADMIRÁVEL MUNDO NOVO?A publicidade virtual cresce explorando novos formatos e discutindo a privacidade de informações

32 CIDADE EM MOVIMENTOO novo Plano Diretor, o Minhocão, o Parque Augusta e uma nova concepção sobre ocupar São Paulo

38 JANELAS DE OPORTUNIDADESJornalistas que se reinventaram e descobriram novas atuações no mercado de trabalho

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O perfil de Sergio Gordilho, co-presidente da agência Africa e um dos melhores criativos brasileiros

42 DADOS AO ARAs técnicas digitais de acervo audiovisual são desafiadoras para os profissionais da área

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44 ALÉM DO MEDIA TRAININGConheça as novas ferramentas de treinamento para os porta-vozes das organizações

48 IMAGEM SOBRE IMAGENSA iconografia brasileira através das lentes do fotógrafo David Drew Zingg

SeÇões

61 casperianas

66 CRÔNICA

56 resenha

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58 BRASIL EM SÉRIEA produção nacional de série e seriados ganha fôlego e qualidade com novos incentivos

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d i r e i t o

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CRIANÇATexto por Andrea Rauscher

Proteger e promover os direitos de crianças e adolescentes é dever da família, da sociedade e do Poder Público. Além de ser também dos comunicadores

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que celebrou 25 anos em julho, inaugurou no país um novo olhar à infância e juventude: se menores de idade eram menores em direitos, enfim se transformam

em sujeitos de direitos — e a comunica-ção é um deles. Fonte de inspiração do Estatuto, a Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, aprovada em 1989, destaca a liberdade de expressão e o pa-pel desempenhado pela mídia no acesso das crianças às informações.

O campo midiático pode ser enri-quecedor para o desenvolvimento dos pequenos, com o potencial de transfor-mar comportamentos, educar e informar. Por outro lado, os riscos da exposição na rede, os impactos na saúde e o estímulo ao consumo preocupam. De acordo com Suzana Varjão, jornalista e gerente do Nú-cleo de Qualificação de Mídia da ANDI

— Comunicação e Direitos, as mídias im-pactam “o desenvolvimento de crianças e adolescentes, tanto positiva quanto nega-tivamente, ora promovendo, defendendo; ora negligenciando e violando direitos”.

Mass medias e novas tecnologias são realidades no universo infantil, “um verdadeiro ecossistema, com diferentes níveis de poderes, práticas e estratégias comunicacionais: abarca do jornalismo ao entretenimento, passando por publi-cidade, somente para citar algumas destas estratégias”, explica Suzana. Crianças e adolescentes estão mais conectados à in-ternet e dedicam várias horas do dia à tele-visão, assistindo a milhares de propagan-das no ano: como o jornalismo, a televisão e a publicidade têm dialogado com eles? Promover conteúdos de qualidade, que transformem informação em formação, é um dos debates entre os comunicadores.

Coisa de adulto?Por determinação do ECA, quando a criança ou adolescente é manchete de

jornal, deve ser preservada sua identida-de. Mais do que proteger, o jornalismo pode mobilizar a sociedade na proteção e nas conquistas de direitos do menor por meio de suas pautas. Com o papel ativo da profissão na formação da opinião pública, repensar a representação social que se faz desse público-alvo, seja como vítimas ou infratores, é essencial. Como o conteúdo veiculado na imprensa pode contribuir (ou prejudicar) debates relevantes?

Em tempos de discussões calorosas sobre a maioridade penal, Suzana Varjão problematiza: “O campo midiático em geral tem supervalorizado a presença de adolescentes em ocorrências violentas e minimizado a presença de adultos nas mesmas situações”. Esse tratamento pode levar a “uma mentalidade distorci-da sobre o fenômeno e sobre como en-frentá-lo — daí a aceitação da população da proposta de redução da maioridade penal”, complementa.

Para a jornalista, é dever do comu-nicador atuar de modo a promover,

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Design por Ana Carolina Siedschlag

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defender e proteger direitos de crianças e adolescentes, mas ressalta: “O maior problema da contemporaneidade em relação à violações de direitos desse e de outros grupos vulneráveis da população concentra-se em programas especializa-dos na narração de fatos policiais, que muitas vezes não são comandados por jornalistas, mas por animadores sem formação no campo”.

E a reflexão vai bastante além da abordagem utilizada pelos comunicado-res. Embora o acesso à informação seja um direito da criança, o jornalismo ain-da é produzido quase que exclusivamen-te para o público adulto. “É incrível que praticamente não existam publicações infantis. Esse público está conectado e recebe muitas informações, mas não adaptadas para eles”, comenta Adriana Carranca. A repórter especial do Estado de S.Paulo publicou recentemente o livro Malala, a menina que queria ir para a es-cola (Companhia das Letrinhas), sobre a delicada história da paquistanesa Malala

Yousafzai, ganhadora do prêmio Nobel da Paz em 2014.

Trata-se, provavelmente, do primeiro livro-reportagem voltado às crianças no país. “O processo de apuração e criação do livro foi jornalístico. Tudo que está es-crito é verídico”, ressalta a autora. Quan-do chegou ao Vale do Swat, a jornalista produziria uma matéria para adultos, mas logo percebeu que aquela história carre-gava mensagens transformadoras para as crianças sobre tolerância, educação e a trajetória de uma menina simples que conseguiu ser ouvida no mundo inteiro — Malala tornou-se a pessoa mais jovem na história a ganhar o Nobel.

Adriana Carranca estudou literatura infantil para adequar a linguagem aos pequenos — ilustrações e quadrinhos--dicionário dão vida às palavras. O livro--reportagem dialoga com as crianças sobre assuntos sensíveis, como religião, violência e desigualdade de gênero, e pode ser ponto de partida para repensar o jornalismo e a informação voltada para os menores. “Tal-

vez falte enxergar mais as crianças como fonte, muitas histórias ainda precisam ser contadas”, ressalta a jornalista.

Na frente das telinhasA televisão é o veículo de comunicação mais presente no universo da criança — dados do Ibope revelam que os pequenos passam cerca de cinco horas diárias em frente às telinhas. Atentar-se à classifica-ção indicativa prevista no ECA é impor-tante para evitar o acesso a conteúdos que possam provocar comportamentos agressivos, estímulos ao consumo ou amadurecimento precoce. “A faixa etária indicada não seria uma restrição à liberda-de, mas uma adequação e um controle do conteúdo destinado às crianças”, explica Patrícia Blanco, presidente do instituto Pa-lavra Aberta, que se dedica à promoção da liberdade de expressão e da livre iniciativa.

O ECA estabelece ainda que emis-soras de rádio e televisão devem exibir somente programas com finalidades educativas, culturais e informativas no

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O ECA propõe que as crianças também sejam contempladas pelo direito à comunição. No caso, informação pode ser sinônimo de formação

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horário recomendado para o público infanto-juvenil. Apesar da relevante audi-ência, a programação voltada aos menores está cada vez mais reduzida, em especial na televisão aberta. Canais segmentados, como Discovery Kids, se dedicam ao entre-tenimento infantil, porém, nem todos têm acesso à TV por assinatura.

Patrícia alerta que a eventual proibição da publicidade para crianças poderá preju-dicar o financiamento dos canais e contri-buir para que existam menos programas dedicados a esse público. Porém, a advoga-da do Instituto Alana, Isabella Henriques, acredita que existem outras formas de custeamento, mas que “exigem um esforço do mercado de se reinventar”. Mariana Sá, publicitária e co-fundadora do Movimen-to Infância Livre de Consumismo (Milc), concorda: “Será que não conseguimos contemplar a programação infantil com patrocínios e apoios de empresas sem utili-zar uma linguagem publicitária que leve ao consumismo da criança?”.

Mamãe, eu quero!Quando o público-alvo é infantil, a pu-blicidade caminha em corda bamba: deve equilibrar-se entre a persuasão do mercado e o respeito à vulnerabilidade dos menores. Com receio dos impactos

de anúncios infantis, organizações da so-ciedade civil lutam pela restrição de todo e qualquer comercial destinado às crianças de zero a doze anos. “Devido à fase de de-senvolvimento, elas não têm condições de compreender o caráter persuasivo da pu-blicidade em sua inteireza”, explica Isabella Henriques, do Alana.

A Associação Brasileira das Agências de Publicidade (ABAP), que defende a li-berdade da propaganda, criou a campanha “Somos todos responsáveis”, ela ressalta o papel educativo dos pais frente às mí-dias — as crianças influenciam 80% das decisões de compras, segundo pesquisa da TNS/InterScience realizada em 2003, mas a palavra final é sempre dos adultos. A iniciativa reuniu centenas de depoimen-tos, incluindo nomes como Mauricio de Sousa, criador da Turma da Mônica.

Com base em um estudo encomen-dado pelo cartunista, a proibição desse segmento da publicidade pode gerar um prejuízo bilionário na economia, além de interferir na produção de brinquedos, au-mentar o valor de produtos e outras conse-qüências. Para o Instituto Alana, o cenário é outro: a propaganda não vai desaparecer, mas se direcionar a outro público, capaz de compreender as mensagens e transmiti-las da forma adequada às crianças. “Deve-se

“DEVIDO À FASE DE DESENVOLVIMENTO, AS CRIANÇAS NÃO TÊM CONDIÇÕES DE COMPREENDER O CARÁTER PERSUASIVO DA PUBLICIDADE EM SUA INTEIREZA

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Isabella Henriques,advogada

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colocar na balança a necessidade de garan-tir os direitos infanto-juvenis e a necessi-dade de se garantir o lucro das empresas. Qual bem deve ser garantido com maior relevância?”, questiona Isabella.

Em entrevista ao Brasil Post, o conse-lheiro da ABAP, Stalimir Vieira, sustentou que esconder informação comercial das crianças “com o propósito de protegê-las é contraditório, pois a sociedade em que elas vão crescer e construir sua indepen-dência econômica é a sociedade capitalis-ta”. Patrícia Blanco também acredita que proibir a publicidade tira a possibilidade de o público infantil receber informa-ções: “Claro que ele merece um cuidado especial e deve ser protegido das infor-mações inadequadas, mas não podemos aliená-lo de uma mídia que existe e está presente, seja na televisão ou na internet”.

Isabella Henriques contesta: “Res-tringir anúncios não busca o isolamento das crianças da realidade. Não significa que ela deixará de ir ao mercado ou ao shopping. Mas entende-se que nesses ambientes terá a mediação dos adultos, enquanto a publicidade infantil dialoga diretamente com a criança”. Além disso, Mariana Sá aponta para a necessidade da inclusão dos pais na discussão: “Muitas vezes o debate centra-se em organizações da sociedade civil e do mercado, sem es-cutar as mães e os pais. Como deixá-los de fora do debate?”.

Estimular o consumo é uma das

grandes preocupações, pois pode gerar impactos negativos no desenvolvimento dos pequenos, sobretudo na alimentação. O estudo Targeting Children With Treats (Crianças no Alvo das Guloseimas, em tradução livre), de 2013, aponta que as crianças com sobrepeso aumentam em 134% o consumo de alimentos de baixo valor nutricional quando expostas às publicidades. Os anúncios poderiam, da mesma forma, potencializar o consumo de produtos saudáveis, como frutas e ve-getais. Nas prateleiras do supermercado, porém, pouco se vê produtos in natura que se comunicam com as crianças.

Mas afinal, o que diz a lei? O Con-selho Nacional dos Direitos da Crian-ça e do Adolescente (CONANDA) aprovou no ano passado uma resolução que restringe a publicidade infantil. A medida colocou em pauta o debate, mas questionada juridicamente, produz poucos efeitos. Patrícia Blanco sustenta que a resolução é inconstitucional, pois a legitimidade para legislar sobre o tema pertence ao Congresso Nacional.

A ABAP e o Palavra Aberta ressaltam o papel do Conselho Nacional de Autor-regulamentação Publicitária (CONAR) no caso de eventuais colisões com os direitos das crianças ou demais abusos do direito à comunicação. Responsável em julgar as denúncias relativas às publi-cidades, o Conselho pode recomendar a alteração de anúncios ou até suspender

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sua veiculação — “É importante res-saltar que os veículos acatam cem por cento das decisões”, complementa Pa-trícia. No entanto, há críticas ao sistema de autorregulamentação, uma vez que o CONAR é mantido por entidades da publicidade e seus filiados; anunciantes, agências e veículos.

Procurado, o Conselho não quis se manifestar sobre o tema, mas disponibiliza suas decisões em seu portal. Patrícia Blan-co explica que a autorregulamentação não é a única via, “há ainda o Estatuto da Crian-ça e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor (CDC). O sistema misto de controle da publicidade já garante a proteção”. No entanto, a advogada Isabella Henriques sustenta que a interpretação sistemática do ECA em conjunto com o CDC — que considera abusiva a publi-cidade que se aproveita da deficiência de julgamento e experiência da criança — já ensejaria a coibição dos anúncios nos ter-mos da resolução do CONANDA. Sendo assim, regulamentações e debates sobre o direito à comunicação para menores é um tema complexo e tão delicado quanto seu público. Enquanto as instituições não progridem, cabe à sociedade e aos tutores atentar para o que os pequenos conso-mem ou deixam de consumir.

Andrea Rauscher é formada em Direito pela PUC-SP e graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero

Ilustrações do livro Malala, a menina que queria ir para a escola

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quadrinhos de

fatoTexto por Nathalia Gorga

Design por Carolina Mikalauskas

Alexandre De Maio fala sobre os desafios de fazer jornalismo em quadrinhos no Brasil

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Nossa entrevista aconteceu na Galeria Presiden-te, mais conhecida como Galeria do Rock, lu-gar significativo para o entrevistado dessa edi-ção da Revista Cásper, Alexandre De Maio. Jornalista em quadrinhos, em 1999, criou sua primeira revista, a Rap Brasil (Editora Escala), cujo conteúdo era constituído por HQs e reportagens sobre hip hop, estilo musical origi-nado da cultura afro, que também é o foco da

Galeria. Por isso, para fazer o periódico, ele começou a falar com as pessoas que lá trabalhavam e frequentavam.

O jornalista já fez trabalhos para diversos veículos: desenhou sobre os “rolezinhos” no jornal Folha de S.Paulo, ganhou o prêmio Tim Lopes de Jornalismo Investigativo com a matéria “Meninas em Jogo” sobre a prostituição na Copa do Mundo, feita ao lado da jornalista Andrea Dip, para a Agência Pública. Fez dois livros de ficção sobre a periferia (Os inimigos não mandam flores e Desterro) em parceria com o escritor Reginaldo Ferreira da Silva – o Ferréz –, além de muitas matérias para a Fórum e para o portal Catraca Livre, do qual ele é sócio e trabalha focado na área de tecnologia.

De Maio contou sobre sua trajetória profissional e falou

sobre o trabalho como jornalista em quadrinhos com rap e hip hop como trilha sonora ao fundo.

Quando você começou a desenhar e como aperfeiçoou seus traços até chegar ao que é hoje?Desde a sexta série, depois da escola eu ia para minha casa ou a de alguém e fazia quadrinhos de alguma história. Naquela época, me inspirava em meus amigos e criava personagens com base neles. Usava alguma referência do real para desenhar. Com uns 15 anos comecei a procurar cursos, fiz um de desenho básico, que ensinava perspectiva, por exemplo. Aí meu professor montou um ateliê na casa dele, que eu frequentei durante uns quatro ou cinco anos. Cada um fazia o que queria, então não eram grupos fecha-dos, fiquei desenvolvendo minhas ilustrações junto com poucos alunos. Sempre gostei desse lance de ser autodidata ou de ter essa liberdade de aprender por conta própria.

Quando estava terminando o colegial comecei a ver que o mundo dos desenhos estava meio em crise, porque os compu-tadores estavam chegando e os desenhistas precisavam se atu-alizar. Por isso, fiz uns dois cursos de CorelDraw e Photoshop e, em paralelo, fui largando a escola. Tentei fazer duas vezes o

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Os traços de De Maio já são reconhecíveis pela originalidade do trabalho e pela crítica social

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terceiro colegial, mas aconteceram outras coisas. Meu pai mu-dou de cidade e tive que morar sozinho. Nessa época já estava fazendo quadrinhos sobre o que acontecia no meu bairro. Com dezoito anos — é aquela história de não saber que era impossí-vel — pensei em lançar uma revista sobre rap, porque gostava e o gênero estava bombando em São Paulo, tinha tudo a ver com os quadrinhos que eu fazia, queria usá-los para representar a re-alidade. Aí resolvi fazer o boneco de uma publicação. Assim, em 1999, aos 20 anos, lancei a primeira revista de rap do Brasil, com redação e funcionários. No processo de aprender na prática, tirei o MTB [registro profissional do Ministério do Trabalho] de jor-nalista em 2001, porque nesse período era possível tirá-lo se já tivesse várias matérias publicadas.

Você já atuou como editor, jornalista e ilustrador, então tem uma bagagem muito vasta. Qual desses trabalhos te deixa mais à vontade? O jornalismo em quadrinhos, porque essa área pega os dois lados da minha experiência profissional. Já lancei livro em quadrinhos de ficção e durante muitos anos trabalhei fazendo matérias na revista Raça e em outros veículos, como o Catraca Livre. Então, nos quadrinhos consigo usar o desenho de uma forma legal, juntando minhas duas paixões.

Há muita desconfiança em relação às informações que vêm do jornalismo em quadrinhos. Pelo fato de estarem em for-mato de desenho, as pessoas ficam receosas em dar credibili-dade. Como é possível mudar esse quadro? Esse quadro é baseado no preconceito na linguagem do quadri-nho, que ficou muito arraigada na mente das pessoas como algo direcionado para crianças e para fins de entretenimento. Por exemplo: você tem a ex-ministra da cultura, Marta Suplicy, falan-do que essa forma de arte não é cultura e o pessoal do vale cultura questionando se o dinheiro pode ser gasto em quadrinhos. Tem uma carga de preconceito em cima da técnica em si, porque é visual, mas quando você pega um país em que o quadrinho faz parte da cultura efetivamente, como o Japão, ele é usado para te-mas policiais, humor, suspense, infantil, adulto, enfim, em todos, pois como é uma linguagem pode ser usada para qualquer estilo, inclusive para apurar um fato.

Quando eu entrei na área, sabia desse desafio, que ainda hoje permanece, de quebrar o preconceito dentro da cabeça dos jornalistas, das redações e dos editores, que é trabalhar uma linguagem com essa carga de ser uma coisa infantil e ao mesmo tempo trabalhar com jornalismo. O meu caminho foi: “preciso publicar em veículos de credibilidade”. Consegui publicar na Folha, no Estadão, na Fórum e ganhei o prêmio de Jornalismo Investigativo Tim Lopes, que é o jornalismo de mais alto nível.

A gente não deixou de ganhar pelo fato de estar em quadrinhos e também não deixamos de apurar nada de forma diferente porque era nesse formato. O jornalismo desse tipo pode estar no cader-no econômico e em matérias mais descontraídas. O quadrinho é uma técnica jornalística.

Como você se mantém financeiramente fazendo jornalis-mo em quadrinhos, já que é uma área relativamente recen-te? Você viveria apenas disso? Tenho outros trabalhos. No Catraca Livre, comecei fazendo jor-nalismo em quadrinhos, mas, desde a época da minha revista, eu gostava de tecnologia, então, depois de mais ou menos um ano, assumi essa área, na qual penso como atrelar o editorial do Catraca à tecnologia. É onde eu tenho um salário fixo e segurança para poder ficar brincando de jornalismo em quadrinhos (risos). Comecei com a revista aos 20 anos e em 2009 eu saí, logo em se-guida fui para o Catraca. Vivi dez anos puramente de jornalismo cultural, mas sempre desenvolvendo pequenos trabalhos de arte e design em paralelo. Hoje já consigo ganhar algum dinheiro com jornalismo em quadrinhos, mas ainda não vivo só disso, talvez tenha conseguido fazer todos os trabalhos em quadrinhos por

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isso. Ainda me pergunto se viveria apenas dele, como tudo está andando bem, minha carreira de desenhista e jornalista, ainda não tenho uma resposta. Gosto muito do projeto do Catraca Livre, é como um filho, tem muita coisa para fazer lá. Tendo outras fontes de renda, tenho liberdade de dizer não para alguns trabalhos e pro-curar os que eu gostaria de fazer. Gosto tanto de desenhar que eu quero deixar o desenho em um pedestal e se eu depender apenas dele talvez eu tenha que ilustrar coisas que eu não queira. Você acha que fazer jornalismo em quadrinhos é uma forma eficiente de democratizar a informação? Desde 1996, quando eu comecei a pensar em fazer quadrinhos, já desenhava sobre notícias de violência que me chamavam a aten-ção. Mesmo quando era uma obra sem a consciência jornalística, eu já queria destacar um problema social e levar informação so-bre isso. Os quadrinhos eram uma forma mais fácil das pessoas absorverem. Cada vez mais o público tem dificuldade de enten-der grandes informações e aí quem precisa saber o que está acon-tecendo acaba ficando à margem. Sempre pensei no quadrinho como forma de chamar mais atenção para algum tema e a violên-cia, naturalmente, por crescer mais em regiões periféricas e ter a

ver com o rap, ficou mais evidente nos meus trabalhos. A imagem é muito forte hoje em dia e gosto muito de ler desde pequeno. É o jeito de eu colaborar com o jornalismo, usar o quadrinho para algo mais legal que apenas o entretenimento.

Como os quadrinhos influenciam o jornalismo? As ilustra-ções podem acrescentar algo? Tem algumas matérias que isso fica mais evidente, quando a técnica é usada em prol do conteúdo. Em “Meninas em Jogo”, conversamos com algumas garotas menores, então teria que ser tarja preta na cara. Com os quadrinhos mostramos a pessoa sem ser ela. Isso contribuiu para aquela matéria, porque teríamos que falar da vida de pessoas sem mostrá-las, então o quadrinho tem esse poder de reconstituir fatos. Em outro caso com um cara perseguido, que quase morreu no massacre de Corumbiara, também não poderíamos mostrar seu rosto e, além disso, ele falou sobre fatos que tinham apenas uma foto e eram comple-xos. Com o jornalismo em quadrinhos você consegue mostrar esses temas apenas conversando com a pessoa. Essa técnica tem o poder de reconstituir os acontecimentos sem registros, é onde o gênero se encaixa bem.

Alexandre De Maio desenha e fala sobre o uso dos quadrinhos para reconstituir fatos

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COMUNIDADEVOZES DA

Rádio Comunitária Itaquera: símbolo de resistência mantém viva a luta pelo direito à comunicação

Texto por Naiara Albuquerque

Design por André Valente

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Depois de aproximada-mente uma hora de tra-jeto da Avenida Paulista até Itaquera, distrito da Zona Leste da cidade de São Paulo, o carro sobe uma ladeira íngre-me e, do alto do morro, enxergo a silhueta de

uma construção faraônica. É a Arena Corinthians, estádio conhecido como “Itaquerão”, palco da abertura da Copa do Mundo de 2014. Daqui, a paisagem é logo embaralhada pela visão de diversos outros prédios, chegamos ao topo do bairro por alguns segundos e, em seguida, começamos a descer em direção à Rádio Comunitária da região, a RC Itaquera.

Dez minutos passados e estamos em um bairro majoritariamente residencial. Adentro a comunidade: o sentimento que tenho é um misto do tom sépia do asfalto com a vivacidade das crianças que brincam de esconde-esconde, enquanto uma delas pousa o rosto entre a parede rebocada e o portão de ferro de um dos sobrados coloridos da Rua Boas Noites, meu ponto de parada. O carro avança e procuramos pelo número certo: 550, 556, 558... “É aqui!”, anuncio ao motorista.

Na sacada do segundo andar do prédio vejo letras garrafais que formam o nome “Rádio Comunitária Itaquera 87,5 FM”, ao lado do logotipo composto pela imagem de um headphone e de um micro-fone, em uma faixa presa por quatro pon-tos de arames nas grades do portão. Toco a campainha sobre o interruptor desgasta-do enquanto ouço passos apressados de quem desce as escadas. Paulo Ferraz Si-mões, jornalista e responsável pela Rádio Itaquera é quem me atende. “Vocês são da Revista Cásper?”, pergunta. Ao seu lado, uma cadela da raça boxer vem ao meu en-contro, passa a boca sob meu braço e en-costa sua cabeça em minha mão. “Quem é essa?”, questiono. “É a Ronda, mascote da rádio”, apresenta Paulo. Antes de conhecer o estúdio, vejo uma câmera antiga encos-

tada no canto da garagem. Ele me conta que provavelmente é uma das mais antigas do Brasil, da época em que trabalhou com Silvio Santos na TV Tupi e acabou em um passaralho, demitido. Ronda é quem abre o caminho pelos carros e o portão e nos conduz ao andar superior.

Primeiro contato“E acertem os ponteiros! Nove horas e de-zoito minutos. Hoje é segunda-feira, pla-cas de carros com final 1 e 2 não circulam das 7h às 10h e das 17h às 20h. A multa é de 127 reais e mais 5 pontos na carteira. Caminhões nas áreas restritas até às 11h. Mais informações é só ligar para 1188”. O primeiro programa que acompanho é o de Léo Santos, o Onda Jovem. Ele é motorista de ônibus aposentado e se apresenta todas as manhãs na Rádio Itaquera. A maior parte de sua grade consiste na reprodução de músicas de diferentes gêneros, hábito conhecido na região, já que o locutor de-safia sempre os ouvintes a pedirem uma faixa que ele não tenha. Paulo Ferraz me explica que Léo está na equipe desde o início da rádio, em 2011, e nunca deixou de frequentá-la desde então.

Com a parceria de Dona Sônia Reis, também moradora do bairro e técnica de enfermagem aposentada, são responsáveis pelo conteúdo matutino da rádio, das 8h às 10h, todos os dias, com ressalvas aos sába-dos, quando o programa vai ao ar das 8h ao meio-dia. São eles que anotam os pedidos musicais da comunidade, dão os informes gerais e montam toda a programação.

Após Dona Sônia anotar a sugestão de mais um ouvinte e Léo sincronizá--la no computador, tenho a chance de conversar com ambos. Ele começa, ainda tímido, a me contar sobre sua vida, os lugares que trabalhou e o início da car-reira na Rádio Cumbica, em Guarulhos, onde conheceu o sonho de Paulo de criar uma rádio comunitária. Pergunto ao apresentador se ele tem ideia de quantas pessoas o escutam naquele momento. Já à vontade, ele responde com um sorriso

orgulhoso: “Olha, sei que é muita gente, viu? Principalmente aqui em Itaquera”. Arrisco perguntar à Dona Sônia o que a rádio significa para ela. Ainda tentando dimensionar as palavras, ela me explica: “Tudo, mesmo. Eu me aposentei, minhas filhas estão casadas e trabalhando e meus netos também. Eu levanto e já venho para cá. Ajudamos muita gente, até quando ligam avisando que um cachorro sumiu, nós divulgamos a notícia pela rádio e con-seguimos transmitir essas informações para a comunidade. É incrível”.

A diversidade de grupos e identida-des da RC Itaquera é impressionante. Na mesma programação, o ouvinte pode sincronizar no programa do Pastor Alaor Leite, Abra sua bíblia, no do Pai Ivan, Voz, e também no do Bispo Vivaldo, Jornal Falado — mostrando como o sincretismo religioso é forte na comunidade e represen-tado na programação da RC Itaquera. Tive a chance de conversar com o ex-policial e bispo Vivaldo, conhecido por fazer um pe-queno jornal impresso há mais de 25 anos e distribuí-lo nos ônibus e outros pontos da região. Ele conta como tem orgulho da rádio e de sua diversidade: “Aqui, inde-pendente de quem você é, pode aparecer, a rádio é para todos”, diz.

Resistência De acordo com dicionário Michaelis, o significado de comunidade é “estar em comum”. Ou seja, aqueles que vivem as-sim têm uma mesma realidade e anseios parecidos. Na comunidade de Itaquera esse cenário se repete. Paulo Ferraz teve a ideia de formar a rádio em 2001. Jornalista graduado, ouviu e pesquisou muito antes de entrar com o processo na Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) para conseguir a autorização definitiva. O principal responsável pela emissora juntamente com os moradores conseguiu, por meio de resistência, rea-lizar esse sonho. Três andares da casa de Paulo são destinados à rádio: o térreo é seu estúdio de gravação e edição, ali se

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A casa que abriga a RC Itaquera pode ser confundida com qualquer outra do bairro

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“AQUI, INDEPENDENTE DE QUEM VOCÊ É, PODE APARECER.A RÁDIO É PARA TODOS

pode ver um grande quadro com diversas fotos de sua trajetória histórica.

O segundo andar é o mais movimen-tado. Nele funciona o estúdio central, mediado por uma porta amarela que per-manece sempre aberta. O espaço conta com três microfones, um computador, o equipamento que permite a transmissão pela comunidade, e um sofá, para o caso de algum morador querer acompanhar a programação de perto. Colados à parede, perto do equipamento de som, existem diversos papéis. Ao me aproximar mais, leio o código de ética da rádio, a relação dos rodízios e a grade de programação semanal juntamente com um aviso: “Você, que acendeu a luz durante o dia sem querer, apague!”.

Pergunto a Paulo como o veículo se sustenta, já que, no conjunto da Lei nº 9.612 das rádios comunitárias é expres-samente proibido o lucro e a difusão de

propagandas por meios de comunicação desse perfil. Ele explica que pede a contri-buição de uma mensalidade àqueles que apresentam um programa: “São 80 reais por mês de cada um que participa, e, as-sim, eles me ajudam a pagar a luz, o telefo-ne, a água e a manutenção da rádio — que não é barata. Além de alguns apoios da comunidade. Infelizmente, não podemos ter nenhuma publicidade para o comércio local, isso dificulta”, explica.

Paulo conta que fez sua inscrição na Anatel no dia 11 de janeiro de 2001 e a rádio, curiosamente, entrou no ar pela primeira vez no mesmo dia em 2011, exa-tamente 10 anos depois. Nesse período, a luta não esmoreceu por um dia sequer: foi preciso conseguir assinaturas para provar que a comunidade estava de acordo com a abertura de uma nova rádio. Com a ajuda de vizinhos e amigos, o abaixo-assinado passou de oito mil assinaturas. “A autori-

zação temporária saiu em junho de 2010, fixada pelo presidente da República”, conta satisfeito. Mas além da autorização provisó-ria, o aparelho rádio transmissor necessita de um selo da Anatel e custa caro. Por isso, a primeira vez, de fato, que a rádio conseguiu ir ao ar foi só em 2011.

Ao lembrar de como tudo aconteceu no dia de estreia da RC Itaquera, Paulo conta que conseguiu um carro para ir até o centro da cidade buscar a papelada e a antena. Vitória. Ao voltar, a ajuda dos vizinhos foi crucial. Correram com todos os aparelhos, subiram as escadas e foram ao terraço: os cabos de aço para segurar a antena foram presos, um deles ainda permanece junto ao muro do vizinho, um amigo que sempre apoiou a rádio. Então, às 20h30, a Rádio Comunitária Itaquera ganhou vida, ou melhor, voz. As primeiras frequências saíram de dois carros sincro-nizados nela, o de Paulo e o de sua esposa, a professora Florença Iumi Ferraz Simões.

Direto à informaçãoAs rádios comunitárias encaram, atual-mente, um impasse legislativo. Princi-palmente por conta da parte burocrática em conseguir uma concessão, que ainda impede muitas pessoas de prosseguirem com um projeto desses. Pedro Vaz, doutor em Radiodifusão Comunitária e professor de Radiojornalismo na Faculdade Cásper Líbero, explica que as diversas restrições legislativas para a criação de uma rádio impedem-na de alcançar maior visibi-

Vivaldo, bispo e locutor

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lidade. Ele acompanhou o processo de resistência da Rádio Heliópolis, na região Centro-Oeste de São Paulo, exemplo de um veículo que foi fechado por vias judi-ciais, mas foi reaberto graças à mobiliza-ção do bairro. Para Vaz, “ainda falta muito para avançarmos na democracia do setor da comunicação.” Sua fala não é a única: muitos intelectuais, ativistas e cidadãos acreditam que o processo de continui-dade ou não de uma rádio é falho e recai apenas sobre aqueles que não tem tanto poder. Em 2008, o manifesto do Movi-mento Mídia Livre elencou diversos pon-tos para democratizar a comunicação, não só das rádios comunitárias, mas também o processo de concessão de TV’s para uma mídia alternativa à tradicional.

A RC Itaquera completou quatro anos de existência em 2015, mas os desafios não terminaram apenas no processo para torná-la legal. Paulo acredita que a aprova-ção da concessão aconteceu também por conta da Copa do Mundo. Os olhos se voltaram a Itaquera e a tudo que ela podia oferecer. O ano de 2014, foi o ano doura-do e de maior sucesso da rádio e ajudou a contribuir para que sessenta pessoas sus-

tentassem financeiramente os programas. O período de disputa eleitoral também costuma ser um sucesso de apoio com a presença da comunidade nas discussões políticas, afirmando opiniões, além do ganho de visibilidade com os candidatos. Já que a rádio possui o dever de conceder o mesmo espaço de resposta a todos.

Hoje, a RC Itaquera está perdendo o suporte comercial da comunidade. Se-gundo Paulo, “quando as coisas pioram as pessoas tiram o apoio, é a primeira coisa que elas cortam.” A rádio conta com vinte contribuintes atualmente, uma redução de 66,6 % em relação ao número de do-adores do ano anterior.

A principal legislação sobre a radiodi-fusão comunitária foi criada no governo de Fernando Henrique Cardoso: é a já mencionada Lei nº 9.612, de 19 de feve-reiro de 1998. Entre seus diversos decre-tos estão a altura da antena, a delimitação do conteúdo das rádios, o raio de alcance do sinal da rádio de um quilômetro, a regulamentação para que pessoas sem qualificação de locutor ou radialista pos-sam participar de quaisquer programas, a mesma frequência — 87,5 megahertz

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para todas as rádios comunitárias. Isso, somado à proibição de fins lucrativos, como, por exemplo, a publicidade, tão co-mum e fundamental para a sobrevivência das rádios comerciais.

A brecha que existe na lei é a de que propaganda não é permitida, mas o “apoio cultural” de empresas, sim. Não há especi-ficações exatas quanto a este termo, mas a ideia principal é a de que o comércio local possa fazer alguma divulgação pequena na programação. O escritor Dioclécio Luz acompanha a questão das rádios comuni-tárias no Congresso desde 1996 e é autor de diversos livros na área, entre eles A arte de pensar e fazer rádios comunitárias, escrito para entendermos a complexidade da le-gislação que envolve o tema. Tive a chance de conversar com Dioclécio por telefone, já que ele reside em Brasília nos dias atuais. De acordo com o autor, é impossível negar que vivemos em um mundo capitalista e que as rádios comunitárias não conse-guem fugir disso, portanto, necessitam de uma renda para que possam existir e também investir em sua programação. “É imprescindível legalizar a publicidade na programação. Mas, infelizmente, o que

Léo Santos e Dona Sônia Reis são os apre-sentadores do programa matutino da rádio

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acontece é que não há a mobilização por parte do setor público em enfrentar os ca-beças que possuem rádios privadas, como o setor da comunicação tradicional”.

Asfalto da comunidadeA esposa de Paulo, Florença Iumi Ferraz, professora e diretora de uma das escolas da região, é quem me leva para conhecer a Rua das Boas Noites em minha segun-da visita. Era sábado e o clima do bairro estava diferente. Longe da rotina e do tra-balho árduo, algumas pessoas aproveitam o tempo livre dançando samba e pagode nas sacadas, enquanto as crianças saem para brincar na rua.

Descemos mais um pouco o bairro para conhecer os amigos de Florença, do-nos do depósito de construção da região, Leoson Pereira e Laudenir Gonçalves. São ouvintes assíduos da programação da Rádio Comunitária Itaquera e já fo-ram apoiadores culturais, mensalmente. Pergunto à Florença se acredita que o estádio Itaquera melhorou a vida do bairro como um todo. A professora me explica que, infelizmente, a espera com o que o “Itaquerão” iria trazer foi decepcio-

nante. O poder público não conseguiu alcançar as expectativas da população, que permanece ignorada em suas de-mandas. A avenida principal da região, a Jacu Pêssego, que dá acesso ao Rodoanel, permanece fechada. Esperança de refor-ma que foi alimentada previamente antes da Copa do Mundo pelo setor público. O comerciante Leoson deixa claro seu incontentamento: “Não fizeram nada, e seria interessante para os comerciantes da região o acesso à via. A gente sequer fica sabendo quando tem jogo aqui, eles só usam a nossa rua para cortar caminho do engarrafamento”, critica.

De volta ao depósito, a professora mostra mais um dos lados de se viver em um bairro afastado da região central de São Paulo. A falta de uma maior partici-pação da comunidade na rádio pode ser relacionada com a falta de oportunidade de trabalho no local: “Compreendo que não é por pouca vontade que as pessoas não participam tanto, mas por não haver emprego por perto, a população tem que se deslocar muitas vezes até o centro, o que a coloca de volta ao bairro só perto da noite e de fim de semana”, lamenta.

Já o ouvinte Francisco Gomes, enca-nador, residente na mesma rua da 87,5 FM e pai de um dos apresentadores do programa Trans Music, conhecido na região como Rubão, compartilhou suas percepções sobre a música sertaneja, parte que mais gosta na programação. Assim, relembrou do árduo andamento para conseguir o apoio necessário para o processo de abertura da rádio: “O pessoal da região falava que era pirata, mas nós provamos que não. Eu mesmo peguei mais de mil assinaturas”.

O senso comum em julgar uma rádio como pirata ou acreditar que um avião pode cair por conta da frequência delas, vem da cobertura midiática ao colocá-las como sendo algo negativo, ilegal. Sobre o assunto, Daniel Fonseca, representante do coletivo Intervozes e membro da Asso-ciação Mundial de Rádios Comunitárias (Amarc), comenta que a maior questão reside na ideia colocada sobre a palavra “pirata”. “Não que eu defenda a ilegalida-de, mas nem tudo que é ilegal é ilegítimo e nem tudo que é legal é legítimo, nós temos esse exemplo com as rádios comerciais, por exemplo”, aponta.

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Dentro da frequênciaDe volta à rádio. Depois de circular nos andares inferiores, no segundo andar vejo a forma da antena, que mede mais de 30 metros, pelo vitral do teto. O piso quadriculado preto e branco lembra um tapete bem costurado pelo espaço pequeno, que ainda tem uma mesa com um rádio ligado 24 horas na frequência da RC Itaquera. Sou surpreendida por Paulo ao ser convidada para conhecer o terraço. Vejo, encostada à parede, uma escada de madeira manchada por alguns pingos de tinta branca. Animado, Paulo a posiciona. “Espero que não tenha medo de altura”, brinca.

Subo um degrau por vez, encorajada pelo jornalista responsável pela rádio, que me aguarda no terraço. “Quer uma mão?”. Agradeço e continuo subindo, até me apoiar na borda da saída ladrilhada pelos mesmos azulejos do segundo andar. Sinto os raios de sol aquecerem minha cabeça quase instantaneamente, é meio dia. O lu-gar guarda alguns ferros retorcidos e o que chama mais a atenção é a antena. Pintada de branca e laranja, é quase difícil ver seu topo. Paulo me mostra os cabos de aço

que a sustentam, inclusive, um dos pinos preso no muro do vizinho.

É difícil dizer o que vi lá de cima. Ita-quera parece um grande campo povoado por várias casas. Os tijolos alaranjados pintam a paisagem como se as diversas moradias fossem uma só, delimitar onde uma casa acaba e a outra recomeça é quase impossível, mas é nesta tentativa que per-maneço por alguns minutos em silêncio. Paulo percebe minha dispersão e começa a enumerar tudo que vejo. Desde a escola principal do bairro, onde todos os alunos do ensino fundamental estudam, até mais longe, apontando a Universidade Camilo Castelo Branco, um prédio alto cor de cre-me à distância. Ao lado esquerdo diversas outras construções com diferentes cores mudam a paisagem monocromática que tinha em mente até então. Pergunto qual morro é um longínquo, quase no limite da paisagem alaranjada que vejo. Após pensar um pouco, Paulo responde: “Serra da Cantareira. Aqui estamos a 850 metros do nível do mar, é realmente alto. Pode-se ver quase tudo”.

Perto da antena, permaneço cerca de uma hora no terraço. Paulo continua me

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contando sua história, que se cruza aos eventos da emissora. O jornalista é um morador orgulhoso de seu bairro e do projeto que desenvolve com a RC Itaque-ra. “Todos que participam dos programas tem a chave da rádio, ou seja, da minha casa”, revela despreocupado.

Entre o concreto e os tijolos que formam a RC Itaquera, pude encontrar a voz de uma comunidade. Mais do que um prédio, existe um significado simbólico na luta de mais de dez anos para conseguir uma outorga aqui, na conquista histórica da colocação da an-tena e dos cabos presos aos muros dos vizinhos. Os moradores reconhecem aquele ponto do bairro como um ícone que lhes pertence, um lugar aberto para quem quiser falar e ser ouvido; e assim, a rádio também os considera, já que sem os moradores ela não existiria. A Rádio Comunitária Itaquera continua provan-do que o direito à comunicação é uma causa primordial e, também, um triunfo sobre aqueles que não acreditaram na força coletiva da comunidade como o fio condutor que mantém as vozes do bairro ligadas à sua frequência.

Do terraço da RC Itaquera, Paulo conta que seu trabalho é motivo de orgulho para ele e para todos do bairro

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De soteropolitano à cosmopolita: a trajetória do publicitário Sergio Gordilho

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Texto por João Gabriel HidalgoDesign por André Valente

Numa dessas manhãs de-gradês de outono, Sergio Gordilho partia para sua primeira aula de remo. Na academia localizada em frente ao prédio da agência em que trabalha — pela altura do número 2000 da Avenida Briga-

deiro Faria Lima — escutou de sua nova instrutora, que apontava o homem ao lado: “Aquele rapaz ali fez 5 quilômetros em meia-hora”. Sergio não se conteve e, embora, nunca tivesse praticado o esporte, bateu a meta do companheiro de classe. A determinação lhe rendeu dores que ainda sofria quando à noite, pronto para apresentar-se no evento Foras de Série, da Associação dos Profissionais de Propagan-da (APP), ressaltou uma das principais ca-racterísticas dos publicitários: a competiti-vidade. “Todos nós somos muito críticos, muito observadores e muito competitivos. Extremamente competitivos”, disse.

Gordilho é co-presidente e diretor de arte da Africa (sem acento mesmo), agência brasileira que, em 2014, foi eleita Agência Internacional do Ano pela Ad-vertising Age e também é considerada uma das dez agências mais criativas do mundo, segundo a publicação Adweek. Além disso, Sergio acumula vários prê-mios individuais, entre eles o Caboré, o Agency Innovator da organização The Internationalist (único brasileiro premia-do) e, recentemente, foi eleito um dos

publicitários mais influentes do Brasil pela revista GQ. Mas depois dessa apresenta-ção pomposa, o publicitário prefere ficar com o que o levou a esse tanto de reco-nhecimento: “Esses nomes de prêmio não valem tanto, o que realmente vale é o que estamos fazendo na agência”.

Descendente de uma família meio espanhola, meio alemã, tradicionalmente fixada na Bahia, Sergio Gordilho nasceu em Salvador, no mês de maio de 1970. Enxerga com olhos verdes e possui uma pele clara, que era castigada pelo sol das praias soteropolitanas. Carrega no rosto maçãs arredondadas e na cabeça um ca-belo castanho composto por fios bem fi-nos, que já deixam revelar parte do couro. Da infância, a memória que prevalece é a do grande tempo passado nas obras e no escritório da construtora de seu pai e de seu avô. Um ambiente cheio de pranche-tas e embutido do signo do “construir”, o qual revelou cedo sua predileção pelo desenho e pela criação.

Ainda adolescente, Gordilho já fazia os traços de seus próprios cartuns e gibis e, em decorrência disso, chegou a atuar como cartunista no jornal Tribuna da Bahia — na época o segundo periódico mais lido do estado. Porém, não foi o jornalismo que fisgou a decisão de seu futuro e sob a influência de duas das suas gerações anteriores, em 1989 decidiu cur-sar arquitetura na Universidade Federal da Bahia (UFBA), da qual Walter Gordilho, seu avô, foi o primeiro diretor. “Era difícil

na faculdade, porque como meu avô foi diretor, ele era uma referência muito forte lá na Bahia. Meu pai estudou lá também, então eu sempre tive essa sombra. ‘Ah, o neto do Walter’”, recorda.

Em meados da graduação e já com alguma experiência como estagiário na área, Sergio foi perdendo o fôlego diante da profissão e se viu frustrado com a falta de avanços técnicos que tinha ao seu alcance: “A arquitetura é uma produção de longo prazo, eu nunca me senti con-fortável em fazer uma coisa só. Eu larguei arquitetura quando conheci o trabalho do Frank Gehry [arquiteto canadense de van-guarda], porque pensei que nunca ia con-seguir chegar perto de um cara desses, ele trabalhava com tecnologias que na Bahia não chegariam cedo”. Gordilho concluiu a graduação, mas, do impasse, foi atrás de alternativas. Aproveitou a facilidade em desenhar e começou a vender adesivos de mascotes para as atléticas das faculdades da região. Com o comércio do novo produto nos estacionamentos dessas instituições, fez dinheiro como nunca antes até ali.

Em acordo com o pensamento neoli-beral, segundo Sergio “só o lucro liberta”. A partir da renda com os adesivos investiu em um dos setores mais fortes da Bahia: o carnaval. Montou vários blocos, como, por exemplo, um para a lavagem do Bonfim e outro para São João, sempre pensando na relação de identidade nesses empreendi-mentos: “O que me interessava nesses blo-cos era criar o nome, a marca, no logotipo,

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no abadá. Então, eu já tinha essa veia publi-citária”. Ele chegou a investir numa banda durante três anos, mas não teve a sorte nem a paciência de desenvolver um ouvi-do afinado para aquele mercado: “Eles me trouxeram um sucesso, uma composição, aí me mostraram dizendo que era boa, eu verifiquei e disse que era uma merda. No carnaval seguinte, a música virou o tema da festa. Foi aí que eu caí fora do setor, escolhi a publicidade”, conta, rindo.

O pupiloO Sergio Gordilho que conheci depois de enfrentar uma fila de interessados em ter um contato direto com ele já era o publici-tário reconhecido de hoje, mas até ganhar a alcunha de profissional “fora de série”, ele atravessou áreas de atuação em publicida-de que, de certa forma, lhe proporciona-ram uma formação prática bastante plural. Em Salvador, começou na agência Propeg direto como diretor de arte, que naquele tempo “era só um materializador das ideias do redator, não quem comandava o trabalho”. Existiam três caminhos bási-cos para um publicitário baiano: varejo, imobiliário ou marketing político. Sergio passou por todos. Chegou a escrever “¾” ao invés de “três quartos” para ganhar mais espaço em anúncio de moradia até ser chamado para ficar três meses como marqueteiro da campanha do presidente José Eduardo dos Santos, em Angola, que por acaso está no poder até hoje.

Gordilho, então, logo viria a ser pupilo de uma geração de conterrâneos que explodiram na publicidade brasileira e no mundo. O primeiro a procurá-lo foi Duda Mendonça, fundador da agência DM9 e um dos maiores marqueteiros políticos do país, famoso pela campanha bem-sucedida de Maluf a prefeito de São Paulo em 1992 e, posteriormente, ganhador de notoriedade pela campanha “Lulinha paz e amor”, capaz de reverter a série de derrotas do presidente Lula e fazê--lo vencer as eleições de 2002. Mais tarde, Duda viria a ser acusado de envolvimento no esquema de corrupção do mensalão, no qual assumiu ter aberto uma conta nas Bahamas para receber dez milhões de

reais pelos seus serviços publicitários e de assessoria ao Partido dos Trabalhadores (PT). Antes disso, Sergio veio a São Pau-lo para trabalhar ao lado de Mendonça, atuou no marketing político por cerca de quatro anos e por essa via também esteve ao lado de Geraldo Walter e Nizan Guana-es, realizando campanhas para Fernando Henrique Cardoso e José Serra.

Sergio pôde ver de perto a dinâmica desse segmento publicitário: “O marketing político te coloca exatamente onde está o consumidor, você tem que entender que cada voto é importantíssimo”, conta, com um ar de sigilo, continuando: “Mas eu sabia que não era o que eu queria fazer, chegou uma hora que o que eu estava fazendo nem sempre era bom. Quando você está muito tempo no marketing político você perde um pouco a linha do que é certo e do que é errado, do bem e do mal. Porque você está tão envolvido com o candidato que come-ça a aceitar um trabalho sem questionar se ele é válido ou não. Você está sendo um dos liderados, sempre olha para o lado positivo do candidato. Teve uma hora que isso aí bastou pra mim”, conclui.

Na “hora certa de pular do barco”, Ser-gio juntou suas economias e decidiu que era momento de aperfeiçoar-se estudando em um programa de pós-graduação de excelência. Para tanto, foi cursar design no Royal College of Art em Londres, um dos melhores do mundo na área. Lá ele chegou a estudar ao lado de Alan Fletcher (um dos fundadores da Pentagram, icô-nica consultoria de design), ganhou ama-durecimento e um peso acadêmico que lhe deu um novo fôlego. Quando voltou, entrou para a DM9 a convite de Nizan Guanaes: “O cara mais importante da minha carreira é o Nizan. O publicitário precisa levar os olhos para passear e deixar o ouvido aberto. O Nizan tem algo muito importante, ele não tem a sensação nem o medo de ser do terceiro mundo, o mito de que acima da linha do equador estão os melhores do que a gente”, ressalta.

Sergio aprendeu a lidar com o medo tentando equilibrá-lo com uma alta dosa-gem de auto-confiança — depois da Afri-ca ter ganho o prêmio de melhor agência

“O CARA MAIS IMPORTANTE DA

MINHA CARREIRA É O NIZAN. ELE NÃO TEM A SENSAÇÃO NEM O MEDO DE SER DO TERCEIRO MUNDO, O MITO

DE QUE ACIMA DA LINHA DO EQUADOR

ESTÃO OS MELHORES DO QUE A GENTE

Sergio Gordilho

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O publicitário Sergio Gordilho dá sequência ao histórico de uma geração de baianos bem-sucedidos na área

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do ano todos funcionários estamparam camisetas escrito: “I AM FODA (EU SOU FODA)” —, no fundo parece só um método para lidar com a insegurança, porque como ele disse em sua palestra da APP: “Todo dia o criativo pensa: vão descobrir que sou uma farsa, caiu um job na mesa e é isso, o medo faz parte”. Sob tal pressão, Gordilho enxerga o contexto que o mercado se encontra: “O poder da ideia é o grande antídoto para combater essa crise que está em nosso país. Vivemos duas crises no mercado da publicidade: a financeira, que é geral, essa a gente tem que rezar para ‘São Joaquim Levy’ e eu como baiano acredito em macumba, en-tão não tá faltando galinha preta na Bahia pra esse cara. E a outra crise é a crise de re-levância, hoje a puta ideia virou uma ideia puta. O criativo tinha aquela coisa de ser o dono da ideia, não existe isso mais”.

AfricaA Avenida Brigadeiro Faria Lima é famosa por abrigar agências de publicidade e é conhecida por sua atmosfera corporativa e financeira. É um logradouro equivalente a Madison Avenue em Nova York, onde, por sinal, também existe um escritório da Africa. Não é coincidência o fato de o Sindicato das Agências de Propaganda do Estado de SP (Sapesp) também ficar por lá. É o ethos ideal para a Africa, localizada nos andares vigésimo segundo e vigésimo terceiro de um prédio novo e robusto em frente ao shopping Iguatemi. Meu segun-

do encontro com Sergio Gordilho come-çou na recepção da agência, que contrasta com o ambiente do hall comum do edifí-cio: luz baixa, velas, couro, peles, castiçais, taco de madeira no chão, portas pretas enormes com maçanetas douradas, maçãs verdes, uma lareira falsa simulando lenha queimando numa tela de LCD e uma simpática secretaria negra (a única pessoa com esse tom de pele que tive contato lá) que me pediu para aguardar no sofá da sala. Tudo isso porque o nome Bossa-No-va, primeiro cogitado para a Africa, não pôde ser usado. “A gente não pôde usar o nome Bossa-Nova, então pensamos num nome que fosse internacional e terminou vindo Africa. Nós queriamos uma agência enraizada com o que o consumidor brasi-leiro anseava”, revela Gordilho.

Ele foi convidado para integrar o time da Africa por Nizan Guanaes no período que era vice-presidente da antiga agência Bates Brasil, hoje a Young & Rubicam

Brasil, do Roberto Justus. A proposta era diferente do modelo convencional de fa-zer publicidade, a inspiração vinha de uma agência inglesa chamada Saint Louis, na qual Sergio estagiou, onde todo mundo se sentia dono do negócio e a noção do tempo dedicado às marcas era outro. Até por isso, a Africa zela mais pela qualidade do que pela quantidade de seus clientes, atualmente contas como a da Vivo, da Brahma, do Itaú, da Gilette, da Mitsubishi e da Folha de São Paulo fazem parte da clientela seleta da agência.

Já dentro de sua sala, o publicitário me contou que está no seu segundo casamen-to e tem duas filhas. De soteropolitano ele se considera mais um cidadão brasileiro e, ao mesmo tempo, cosmopolita, porém guarda suas raízes afetivas com Salvador, principalmente em relação à família e à religiosidade. Um exemplo disso é Gordi-lho escrever atualmente um livro sobre a culinária dos orixás no candomblé: “Cada

TODO DIA O CRIATIVO PENSA: VÃO DESCOBRIR QUE SOU UMA FARSA, CAIU UM JOB NA MESA E É ISSO, O MEDO FAZ PARTE

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orixá tem um prato e cada um representa uma força da natureza”. E não é só a crença afro-brasileira que ele leva consigo: “Eu acredito em tudo, tudo, tudo que você me falar eu acredito”. O catolicismo, o espiri-tismo e a astrologia fazem parte da vida dele, é, inclusive, de seu costume passar suas datas de aniversário num lugar indi-cado por seu astrólogo.

BrasilSobre o atual cenário econômico brasi-leiro, Sergio não nega que o petismo foi bom para o Brasil: “Por mais preconceito sobre a figura do Lula, eu vi gente passar fome no sertão, eu vi mães não mandarem filhos pra escola porque senão o menino ia ter que andar três quilômetros com o sol na cabeça, sem comer. Como essa crian-ça vai aprender? Então, eu acho que os projetos sociais foram muito importantes pro Brasil e olha que eu nunca votei no Lula”. Segundo ele, a classe C virou “c” de

conectada e a D de “d” de digital e essa des-centralização do consumo influenciou no mercado publicitário, que hoje trabalha muito menos para a elite, esta já acostu-mada com produtos estrangeiros. “Agora, não dá para ficarmos dependentes desses programas sociais, é também um absurdo as pessoas ficarem dependentes disso. Tem que ter dia e hora pra acabar”, pontua antes de eu mudar de assunto.

Hoje, as ações da Africa foram troca-das pelas do Grupo ABC, maior holding de comunicação da América Latina, do qual Sergio tornou-se sócio. A ideia, segundo ele, foi a de “unificar os melhores”. Outras agências nacionais, como a DM9, e regio-nais, como a Sunset, também fazem parte do corpo empresarial do grupo presidido por Nizan Guanaes. Nesse sentido, Gordi-lho ganha o estatuto de um dos principais nomes da publicidade brasileira. Quando o entrevistei na Africa, ele tinha acabado de voltar de Cannes Lions, pela primeira

vez passou da figura de concorrente a jurado no maior festival internacional de criatividade do mundo. Julgou a categoria “CyberLions”, que premia os melhores trabalhos com marcas na esfera digital.

O arquiteto que virou diretor de arte não se considera um artista. A criatividade que o levou a uma posição de destaque aqui parece mais uma questão de curiosi-dade e de kairós — momento oportuno. Todavia, não deixa de ser também curiosa a complexidade que esse publicitário de-monstra diante do espelho. Na contramão da homogeneização de uma categoria que parece ser formada por indivíduos predestinados, o nordestino é atento às sutilezas e contrastes do mundo que ele tanto viajou. Bater no peito e dizer: “sou foda” e, talvez ele seja mesmo no que faz, na verdade, revela um cara como eu, o vizinho, o leitor, que precisa de gana para realizar os objetivos. No fundo, ninguém quer ser obrigado a sobreviver.

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Gordilho não se considera um artista. O segredo de sua criatividade se deve ao seu espírito curioso

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Os avanços e as perspectivas do mercado publicitário na internet levantam questões sobre o relacionamento entre as marcas e os usuários

Texto e design por André Valente

Nas últimas duas décadas, os modelos comunicati-vos vêm se reorganizan-do em torno da potente ferramenta que é a inter-net. A web como meio não só causou uma enorme ruptura nas es-tratégias de negócio no

campo da comunicação como também trouxe possibilidades aparententemente infinitas para essa área — especialmente para os segmentos da publicidade e do marketing. “A internet consegue atingir a massa, assim como os veículos de amplo alcance da mídia tradicional, sem per-der a riqueza do contato único”, aponta Cristiane Camargo, diretora executiva da filial brasileira da Interactive Advertising Bureau (IAB), entidade multinacional especializada em mídia interativa.

O grande atrativo da web está em um aspecto muito mais relevante para as em-presas: os custos. Ao contrário dos altos preços pagos em um veículo analógico (rádio, TV, impresso...), o valor da pro-paganda online é praticamente irrisório. “Logo que a internet surgiu, a grande imprensa achou que seria uma boa ideia

disponibilizar seu conteúdo gratuitamen-te na rede”, conta a jornalista Silvia Bassi, diretora executiva e publisher do portal de notícias sobre tecnologia IDG Now!. De acordo com ela, quando a audiência se voltou para o meio digital, o número de internautas cresceu abruptamente — o que, é claro, chamou a atenção dos anun-ciantes, que também migraram para as redes. “A escassez espacial e temporal que fazia com que a publicidade custasse caro nos meios tradicionais desapareceu com a internet”, explica a jornalista.

Para se adequar aos novos formatos, a área também precisou se reinventar: os classificados foram traduzidos para links patrocinados e os outdoors para ban-ners virtuais. Porém, para sobreviver ao contexto que nascia, foi preciso assimilar mais do que o ambiente digital estava ofe-recendo. Silvia exemplifica: “Hoje em dia, você consegue fazer um anúncio seguir o leitor. Quando isso acontece, você sabe que o site está usando alguma ad network [veja no infográfico da página seguinte]”. E cada vez mais as empresas investem nesse tipo de tecnologia. Um exemplo disso é a International Business Machines (IBM), líder no mercado mundial de in-

formática, que recentemente firmou acor-do com o Facebook. “Estamos colocando uma camada de analytics [ferramenta de análise de dados] diretamente sobre as informações dos usuários do Facebook”, explica o diretor da IBM Commerce na América Latina, Maurício Sucasas. E completa: “Poderemos identificar a rota dos clientes dentro da rede social, per-mitindo que as marcas criem campanhas melhor desenhadas nesse sentido”.

O desenvolvimento da propaganda no ambiente digital é contínuo. “É um meio que ainda está amadurecendo, mas acho que já evoluímos bastante”, comenta o publicitário Lucas Polato, diretor de mí-dia da agência digital LiveAD. De acordo com ele, a publicidade já se preocupa com a utilização de formatos menos intrusivos — que incomodam menos os usuários. “O native advertising, por exemplo, é um conteúdo de publicidade que fica no meio de um conteúdo editorial genuíno. E se é reconhecido pelo leitor, não tem proble-ma, porque ele já espera que tenha algum produto ou serviço associado ao conteú-do que ele leu”, explica Silvia Bassi. Para ela, essa tendência está ganhando espaço no mercado e é uma das principais saídas

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ADMIRAVELMUNDOnovo?

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das empresas para alcançar efetivamente o cliente: “No impresso, se você coloca uma matéria perto de uma propaganda do mesmo assunto, o público rejeita. Na internet é justamente o contrário, o leitor quer a funcionalidade, por isso, não ter um hiperlink é um pecado”.

Fica claro que as novas perspectivas para a publicidade não tocam somente no caráter tecnológico e editorial, mas também no modo em que as marcas se relacionam com os consumidores. “Uma boa propaganda no digital tem a capaci-dade de gerar engajamento real, conver-sação sobre o tema e movimentação nas timelines nas redes sociais”, define Lucas. Ele acredita que o principal desafio de uma marca hoje é manter-se relevante. “As pessoas querem muito mais do que um simples produto, elas precisam de algo em que acreditem e que tenha impacto em suas vidas, na sociedade”. Para Maurício, a relevância da informação está diretamen-te ligada com entender o momento do usuário, bem como sua experiência digital por completo: “Todo mundo já recebeu uma oferta imperdível depois que já com-prou um produto. Você precisa fazer a informação ser importante para o cliente, por exemplo, oferecer uma promoção no momento em que ele entra na loja”.

Atualmente, a maior parte das marcas recorre à personalização dos anúncios, método que tende a ser foco dos inves-timentos nos próximos anos. “É esse o potencial que existe nos milhões de dados disponíveis na internet”, diz Lucas. Ao combinar os bancos de dados das grandes empresas de internet com camadas de web semântica — que permite que as máquinas percebam o significado do con-teúdo postado —, é possível gerar propa-gandas muito mais precisas e individuais. Cristiane Camargo exemplifica: “Dá para pegar o histórico de navegação de um usuário e, por exemplo, descobrir que ele é maratonista e que comprou um tênis na semana anterior. Não adianta ficar mos-trando propaganda de tênis para ele, você direciona uma publicidade de camisa”. É

como afirma Maurício Sucasas: “Não é só uma questão de o cliente responder à pro-paganda ou não, mas sim de promover a sensação de que aquela marca te conhece”.

Do outro ladoAs possibilidades que circulam o cenário da comunicação e, mais especificamente da publicidade online, são fruto direto do uso que o internauta faz da web. O fenômeno das redes sociais, por exemplo, criou uma enorme base de dados para as corporações e agências. Diariamente, os usuários alimentam as grandes corpo-rações de internet com informações de comportamento, localização, interesses e até mesmo renda — dados estes que, eventualmente, se converterão em publici-dade personalizada nas mãos das agências.

“A propaganda sempre existiu sem pedir permissão e utilizou de dados que estavam disponíveis no momento para

Propaganda digitalcomo funciona a

?

buscadorpesquisa

Toda vez que o usuário acessa a internet, o con-teúdo das páginas que visita e das buscas que faz é armazenado. Essas informações são transferidas para as companhias de ad network

O USUÁRIO

atingir seus objetivos”, diz Lucas Polato. “A questão está em garantir que sempre exista controle e responsabilidade de seu uso”, acrescenta. Para a jornalista e ativista da privacidade na internet Patrícia Cornils, o perigo está justamente no fato de que o controle mencionado por Lucas não exis-te. “Tudo o que colocamos na rede é ma-nejado sem sabermos claramente como e nem para quê. Não temos como fiscalizar”, afirma. Assim como ela, a advogada do Ins-tituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e ativista do coletivo Intervozes, Veridiana Alimonti, aponta essa mesma questão: “Com relação aos tipos de informações recolhidas e o uso das mesmas, não rara-mente as explicações das empresas são ge-néricas. Na prática, isso autoriza a coleta de uma gama enorme de dados, bem como infinitas maneiras de tratamento”.

De acordo com Cristiane, da IAB, essa é uma questão que está sendo discutida no

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WEBSITES

Quando o usuário de um determinado segmento acessar

uma página, o anúncio com seu perfil vai aparecer

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Com esses dados, as companhias detectam grupos de usuários que tem um interesse comum e criam “pacotes” de audiência segmentados por assuntos

Essas empresas compram espaços de anúncios nos websites, em que será colocada a publicidade criada nas agências

As agências e as marcas, a partir desses “pacotes”, criam anúncios relevantes para uma

determinada audiência

AGÊNCIAS

mundo inteiro. Ela acredita que o uso de informações pelas empresas é algo muito mais positivo do que negativo e exempli-fica: “Eu tomo remédio para tireóide e tenho um cadastro no laboratório que me fornece o medicamento. Eles têm acesso a todo o meu histórico de saúde, todos os meus exames. Isso pode ser considerado invasivo, mas não acho. Quando teve pro-blemas de distribuição, eu recebi um aviso do laboratório perguntando se eu tinha estoque do medicamento”.

Patrícia, por outro lado, questiona os supostos benefícios que esse modelo pro-porciona. “O problema é que ao tentar nos vender coisas que ‘se parecem’ com a gente, na verdade as empresas estão tentando nos fazer parecer com o modo de ser majori-tário”, afirma a jornalista. E completa: “Eu sou mulher. Recebo anúncios de sapatos de que não gosto, de remédios para ema-grecer. Além de violar nossa privacidade, eles tentam nos moldar para sermos algo que não precisamos ser”. Como a jornalista aponta, a questão da privacidade também é bastante discutida neste debate. De acordo com Veridiana, a anonimização de dados realizada pelas empresas não é con-fiável: “Diferentes informações sobre uma pessoa — como preferências, idade, ende-reço, gênero —, mesmo sem identificá-la, podem demonstrar que se referem a ela quando são cruzadas”.

Mesmo com pouco ou até mesmo nenhum conhecimento técnico, é possível que o internauta exerça um pouco mais de controle sobre o que está acontecendo ao se conectar na rede. É o que Veridiana chama de “empoderamento do usuário”. Patrícia exemplifica: “Você pode usar uma ferramenta de busca como o duckduckgo, que não guarda suas buscas. Pode usar software livre, que não tem formas de terceiros coletarem todos os seus dados sem você saber. Pode bloquear cookies em seu navegador ou apagá-los periodi-camente. Pode instalar o LightBeam, que é um plugin que mostra para quais outros lugares os sites que você acessa mandam sua informação. Pode tentar não concen-trar toda a sua atividade somente em um prestador de serviços. Pode aprender a usar ferramentas de criptografia em suas conversas online”. Para ela, as alternativas são inúmeras, mas ainda não expressivas.

Independentemente do posiciona-mento no debate, a tendência é que o usuário se encontre rodeado por esse contexto. Ter consciência desse fenôme-no é importante, pois a publicidade digital continuará se aprofundando nos próxi-mos anos. A ruptura dos antigos modelos nos traz para um cenário de possibilidades infinitas, mas a questão que se mantém ainda é como as empresas e usuários se adequarão a essas novas perspectivas.

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O novo Plano Diretor Estratégico e a participação popular na (des)construção da cidade de São Paulo

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Manhã de sol e o Ele-vado Costa e Silva nada se assemelha à via expressa na qual, de segunda à sexta-feira, circu-lam entre 6 e 8 mil automóveis da re-gião central à Zona

Oeste da capital paulista. Aos domingos, o conhecido Minhocão é interditado para carros e se transforma em um parque de concreto: o asfalto vira pista para ciclistas, skatistas e patinadores, profissionais e amadores, adultos e crianças, além dos que estão ali só pela caminhada. Os 3,4 quilômetros de extensão dão lugar a even-tos e intervenções cheios de vida: uma vez por mês, o grupo de teatro Esparrama se apresenta nas janelas do Edifício São Be-nedito, na rua Amaral Gurgel, para a pla-teia de transeuntes do Elevado; também mensalmente, uma feira de trocas em que é possível encontrar roupas, artesanatos, utensílios domésticos, vinis e peças de decoração, é instalada em parte da via.

Porém, o local, construído em 1971, não deve permanecer como está por muito tempo. O novo Plano Diretor Estratégico (PDE) da cidade de São Pau-lo, sancionado pelo prefeito Fernando Haddad (PT) em julho de 2014, prevê que o Minhocão seja desativado para a circulação de automóveis aos poucos, até ser completamente fechado, com prazo máximo para 2029. A proibição gradual do trânsito no Elevado é certa, mas o destino da construção está em debate: alguns defendem o desmonte, outros querem que o espaço se transforme em um parque linear suspenso, similar ao Highline, em Nova York. Segundo uma pesquisa do Datafolha de setembro de 2014, 53% dos paulistanos preferem que

a via permaneça como está: aberta para carros; do restante, 23% apoiam que seja transformado em parque e apenas 7% defendem a demolição. O interesse do governo e da mídia pela opinião pú-blica vêm crescendo diante de debates sobre o futuro do espaço, o que nos leva a questionar até que ponto a vontade da maioria pode e deve interferir no planeja-mento do espaço urbano.

Criar e recriarO direito à cidade é, segundo o soció-logo francês Henri Lefebvre, o direito de não exclusão da sociedade e seus indivíduos das qualidades e benefícios da vida urbana. Acima de tudo, trata-se de um poder que deve ser reivindicado e exercido coletivamente, como explica o geólogo britânico David Harvey: “é o direito de mudar a nós mesmos [como grupo social] mudando a cidade”. A po-lêmica ao redor do destino do Minhocão não foi a única a trazer o conceito à tona em São Paulo: a ampliação das ciclovias, a disputa pelo território do Parque Au-gusta e o incentivo ao carnaval de rua, por exemplo, são temas recorrentes, que geram dissenso da mesa do bar às audi-ências públicas na Câmara Municipal.

“Em uma cidade tão cara e com um mercado imobiliário tão forte, a disputa entre o capital e a preservação ambiental e cultural é acirrada. Nesse sentido, os avan-ços do novo Plano Diretor são muitos”, afirma Jorge Paulino, arquiteto especialista em habitat, professor de História da Arte da Faculdade Cásper Líbero e membro da comissão de planejamento do novo PDE. Ele explica: “A ideia era manter os itens do antigo Plano que funcionaram e reforçá--los — dentre eles, a defesa dos direitos à moradia e ao meio ambiente”. Em relação às áreas verdes, um dos principais pontos

Texto por Mariana Gonzalez

Design por André Valente

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do documento amplia o reconhecimento das Zonas Especiais de Preservação Am-biental (ZEPAMs) — são propostos 163 novos parques. É exatamente a disputa entre o capital e o interesse público que marca o destino do Parque Augusta, loca-lizado na rua homônima, na região central de São Paulo.

Resistência ecológicaO terreno do Parque Augusta, que nos anos 1980 sediou festivais de rock e MPB do chamado Projeto SP, foi cotado para tornar-se o Museu da Música Popular Bra-sileira em 2008, mas foi comprado pelas construtoras Setin e Cyrella depois que o Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico (Conpresp) autori-zou a construção de três torres no local, no mesmo ano. Em 2012, ativistas fizeram a primeira grande manifestação contra a privatização do espaço e, um ano depois, a Câmara Municipal autorizou a criação do parque público, que abriga áreas rema-nescentes da Mata Atlântica. Aliada a essa medida, com a aprovação do novo Plano Diretor Estratégico, a capital paulista pas-sa a ter um novo fundo de investimentos

para parques. Entretanto, o Parque Augus-ta já está situado em território privado.

Diante dos portões fechados pelas construtoras, os ativistas a favor do Par-que decidiram ocupar o lugar, em janeiro de 2015, fazendo surgir um movimento batizado de Verão Parque Augusta, que durou cerca de 40 dias. “Ninguém foi morar lá, essa não era nossa proposta”, explica o jornalista Breno Castro Alves, “foi um acampamento rotativo, com várias atividades culturais, para garantir as portas abertas e a movimentação no local” — dentre elas, exibição de filmes, aulas públicas e pequenos festivas de mú-sica. Na manhã do dia 4 de março, quan-do a tropa de choque chegou ao parque para desapropriá-lo, havia cerca de 500 pessoas ocupando, porém, não houve enfrentamento: “meia dúzia de ativistas resolveu resistir e subir numa árvore, mas, mesmo esses conseguiram sair sem serem agredidas”, relata Castro Alves.

A presença maciça de câmeras e repórteres no momento da desapropria-ção foi um fator decisivo para uma ação pacífica, acredita o jornalista. Apesar da cobertura midiática parcial, a favor das

empreiteiras, como observa Breno, a cau-sa ganhou visibilidade: “Nunca vi tanta multiplicidade de público movido por uma causa. Pela primeira vez, vi pessoas de várias idades, ricas e pobres, do mes-mo lado”. Apesar de situado em um dos bairros mais caros da capital paulista, o Parque Augusta passou a abrigar, durante o movimento no verão, moradores de rua e usuários de droga, explica Castro Alves: “A carência de espaços livres, onde um mendigo pode estar sem medo de apa-nhar da polícia é tão grande em São Paulo que, assim que o Parque reabriu, houve um fluxo muito grande dessas pessoas, que passaram a se sentir seguras ali”. Bre-no destaca, ainda, a mudança do discurso midiático em relação ao movimento: “Pela primeira vez, ouvi grandes emisso-ras de televisão usarem as palavras ‘ati-vistas ocupam’ e não ‘vândalos invadem’, referindo-se ao Verão Parque Augusta”.

“O direito à cidade vai muito além de poder ir e vir: trata-se de construir a cidade que você quer, e não apenas usar o espaço que outras pessoas construíram pra você”, define o jornalista, “e todo o processo do Verão Parque Augusta passa

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As apresentações do grupo de teatro Esparrama são possibilitadas pelo fechamento do Minhocão aos domingos. A maior parte do público é formado por transeuntes curiosos

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por esse entendimento”. A Lei 10.257-2001, do Estatuto da Cidade, criado no mesmo ano, prevê o planejamento parti-cipativo e a função social da propriedade, ou seja, que o espaço urbano de interesse público não pode ser negociado como pequenos latifúndios, e sim deve servir à sociedade. Hoje, com a aprovação do novo Plano Diretor Estratégico, os riscos de um outro fechamento se tornaram menores: o documento reconhece o Parque Augusta como parte da Rede Hídrica Ambiental do município e deli-mita-o como uma Zona de Preservação Cultural (ZEPEC), protegendo, assim, seus patrimônios cultural e ecológico.

Ainda tendo em vista a preservação ambiental da capital paulista, o novo Pla-no Diretor tem como objetivo reformular parte do planejamento da mobilidade ur-bana, de forma que o desenvolvimento do sistema de transportes seja coexistente à qualidade do meio ambiente. “A SPTrans incorpora, em todos os seus projetos, premissas ambientais com o objetivo de promover melhorias na mobilidade ur-bana e na saúde ambiental da região que receberá o empreendimento”, explica An-

drea Franklin Vieira, gerente do departa-mento de meio ambiente da SPTrans. Ela ressalta, ainda, que as propostas do novo PDE estão em sinergia com os projetos para a mobilidade urbana desenvolvidos pela Secretaria Municipal de Transportes e pela Secretaria Municipal de Desen-volvimento Urbano: “O fato de o Plano Diretor considerar os novos corredores de ônibus como eixos estruturados de transformação [os quais visam reequili-brar a relação da distância entre moradia e emprego, orientando a produção imobi-liária ao longo das áreas com fácil acesso ao meio de transporte coletivo público] contribui para a qualidade dos espaços abertos que se desenharão na cidade no decorrer dos próximos anos”.

Fora dos museusOs avanços do novo Plano Diretor Estra-tégico de São Paulo em relação à cultura e meio ambiente são muitos. Além dos su-pracitados reconhecimento das ZEPAMs e fundo de criação para novos parques, a delimitação de ZEPECs merece destaque, segundo Jorge Paulino, por reconhecer oficialmente que a cultura paulistana não

está restrita aos museus e monumentos: agora, locais que abrigam arte de rua, graffitti e exposições a céu aberto, por exemplo, estão oficialmente protegidos. A região da Fábrica de Cimento de Perus, no bairro homônimo, na Zona Norte da capital paulista, foi uma das áreas transfor-madas em ZEPEC. A medida preserva e incentiva a existência de locais de impor-tância cultural para a cidade, podendo até isentá-los de impostos, como já acontece com alguns prédios antigos da capital.

Durante o processo de sanção do Plano atual, movimentos favoráveis à permanência do Minhocão e à sua trans-formação em parque lutaram para que o local também integrasse a lista das Zonas de Preservação Cultural. A tentativa foi falha e a única cláusula que se refere ao Elevado no Plano Diretor decreta que a via deve ser totalmente interditada para carros nos próximos catorze anos. O lu-gar, que já funciona como um parque aos domingos, é símbolo de como a cidade de São Paulo cresceu projetada para os automóveis e, hoje, as discussões sobre seu destino são um ótimo gancho para trazer à tona o debate sobre direito à ci-

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dade: como os paulistanos usam o espaço que têm à disposição?

Via de dúvidas“De um lado, existe o desejo da cidade de ter um parque, mas, do outro, existe o direito à saúde e ao bem-estar das pessoas que moram na região”, problematiza o paisagista David Abrão Calixto, membro do Movimento Desmonte o Minhocão (MDM) e morador local há 28 anos. Ca-lixto participa de audiências públicas sobre o tema, em nome do MDM, defendendo a demolição do Elevado que, segundo ele, “é uma aberração arquitetônica e social”. Além dos problemas que a via expressa causa aos moradores em decorrência dos ruídos e da poluição, os apartamentos ao redor têm a privacidade totalmente comprometida, já que, em alguns pontos da via, os carros passam a cerca de três metros das janelas dos edifícios.

Fato é que o Minhocão, aos domin-gos, proporciona aos paulistanos uma vivência única da cidade. Iarlei Rangel, diretor do grupo de teatro Esparrama, acredita que “o mais importante é revelar outras potencialidades para a via pública: mostrar que a rua também é local de encontro, de convivência, de transfor-mação”. Segundo ele, “as intervenções artísticas nos ajudam a ver como a cidade realmente é e nos incentivam a criar no-vas possibilidades para ela”. A última tem-porada de espetáculos do grupo, Minhoca na cabeça, teve sua estreia em 14 de junho e discute o medo das pessoas em ocupar o espaço urbano, renunciando às infinitas

possibilidades que ele pode oferecer. Essa é uma das características mais marcantes das intervencões do Esparrama: “Para nos assistir, o público tem que estar lite-ralmente na rua, com o olhar voltado para a cidade”, destaca Iarlei. “A arte tem como princípio romper com o estabelecido e apontar para o avanço da sociedade. E o teatro de rua faz a gente assumir e consu-mir cultura”, comenta Plínio Zangerolla, professor da rede pública, que parou para assistir ao espetáculo, por acaso, enquan-to andava de bicicleta pelo Minhocão.

Dois dos integrantes do grupo mo-ram no Edifício São Benedito, onde o espetáculo é apresentado, a uma distância de aproximadamente cinco metros da via expressa do Elevado. Ainda assim, os atores incentivam as discussões sobre a transformação do Minhocão em parque e acreditam que o conhecimento sobre o tema é o melhor caminho para chegar à solução: “É preciso qualificar o debate para sair dos achismos e da dualidade entre o ‘gosto’ e o ‘não gosto’.” A ideia de alcançar um consenso também é defen-dida pelo vereador Ricardo Young (PPS--SP), cofundador do Movimento Nossa São Paulo: ele acredita que, grosso modo, a melhor opção seria desmontar a estru-tura, porém, o projeto demandaria tempo, planejamento e recursos financeiros; “assim, me parece razoável que, enquanto nada é definido, o espaço seja interditado para trânsito e se transforme em parque suspenso”, e conclui: “Essa transformação atenuaria muito os problemas, mas não seria uma solução definitiva”.

Cidade tomadaNa esfera da cultura, apesar do crescente incentivo da prefeitura de São Paulo, du-rante a última década, de fomentar even-tos culturais públicos, como o festival de aniversário da cidade e a Virada Cultural (que, em junho de 2015, completou dez anos), o cenário ainda é muito desigual em termos espaciais.

Além disso, pouco se fala sobre as disputas capital privado versus interesse público fora da região central: o Parque Vila Ema, na Zona Leste de São Paulo, e o Parque dos Búfalos, na região de Guarapi-ranga, lutam contra a privatização, tentan-do se preservar como área verde e, no caso do segundo, como abrigo de dezenas de nascentes. “Em termos ecológicos, esses locais muito mais relevantes que o terri-tório do Parque Augusta e merecem mais espaço na mídia”, afirma Ricardo Young.

A discussão sobre ocupar a cidade ainda engatinha em direção à visibilida-de e é importante que a sociedade civil se engaje no debate sobre as medidas que visam criar um ambiente urbano mais coletivo e sustentável. As ciclovias, o Parque Augusta, o Minhocão, a recente proposta de fechar a Avenida Paulista aos domingos pela Prefeitura, são exemplos que ainda geram dúvidas e controvérsias aos munícipes paulistanos. Porém, já é um estopim positivo a existência de de-bates acalorados sobre o tema, afinal, “a liberdade de criar e recriar nossas cidades [...] é um dos mais preciosos e mais negli-genciados dos nossos direitos humanos”, aponta David Harvey.

O MAIS IMPORTANTE É REVELAR OUTRAS POTENCIALIDADES PARA A VIA PÚBLICA: MOSTRAR QUE A RUA TAMBÉM É LOCAL DE ENCONTRO, DE CONVIVÊNCIA, DE TRANSFORMAÇÃOIarlei Rangel, diretor do grupo Esparrama

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“A presença maciça de câmeras e repórteres no momento da desapropriação do Parque Augusta foi um fator decisivo para uma ação pacífica”, diz Breno Castro Alves

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OPORTU

A área da comunicação abrange diversas profis-sões e o Jornalismo é, talvez, a mais (re)conhe-cida. Porém, há setores na construção de uma carreira nesse campo que passam despercebidos, embora também sejam

importantes para o relacionamento en-tre as esferas da sociedade. No artigo O trabalho dos jornalistas como sintoma da lógica dos conglomerados, o Prof. Rafael Grohmann, da Faculdade Casper Líbero e mestre em Ciências da Comunicação pela ECA-USP, discorre sobre as transições pe-las quais o meio de trabalho está passan-do: “Ele [mundo jornalístico tradicional] está sendo marcado por ondas de demis-sões de jornalistas nas grandes empresas do segmento: os famosos ‘passaralhos’.

As transformações econômicas das indús-trias midiáticas provocaram modificações no processo produtivo dos trabalhadores destas indústrias culturais. As mudanças nas esferas tecnológicas, nas rotinas pro-dutivas e nas relações de comunicação, criaram novas práticas e conformaram novos perfis para esses profissionais”.

Em momentos de crise, muitas vezes o caminho é encontrar outras alternati-vas e alguns profissionais optaram por isso, como no caso de Felipe Lavignatti, 36 anos, formado em Jornalismo pela Cásper Líbero em 2001: “Ainda sou jor-nalista, mas faço o mesmo em um lugar não tradicional”, que, no caso é a área de produção cultural. Além disso, Felipe não foi demitido, ele quem decidiu sair: “Me cansei das redações, são locais que matam a criatividade. Ainda mais porque eu trabalhava no setor de notícias diárias.

Com as hard news você não tem tempo nem cabeça para pensar em assuntos fora desse contexto”. Felipe compara esse am-biente a uma “caixinha”, ou seja, há limites físicos e ideológicos nele. Outro fator que o influenciou a entrar na produção cultu-ral foi ter feito pós-graduação em Jorna-lismo Cultural na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).

Hoje, ele é sócio da empresa Liquid Media Laab, laboratório de mídia espe-cializado em experiências narrativas e vi-sualização de dados de interesse público. Felipe e seu sócio, Andre Deak, procuram as melhores convergências entre cultura, comunicação, tecnologia e transforma-ção com o objetivo de melhorar a socie-dade. “Agora eu consigo transpor o que eu fazia nas redações com mais potência a partir da rede e dos produtos que eu in-vento ou participo”. O projeto “Arte fora

JANELAS

Design por André Valente

Texto por Nathalia Gorga

Conheça a história de jornalistas que optaram por atuar além das redações

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do museu” é uma de suas criações e tem como finalidade mapear as obras de arte que estão no espaço público da cidade. O alcance chegou a um público de mais de 10 milhões de pessoas em 2012 e foi transformado em aplicativo para celular.

A capacidade de pensar em grandes projetos e colocar em prática é uma con-sequência de seu maior aprendizado na redação do jornal O Estado de S. Paulo: “Lá eu aprendi a me virar, não existe nada que não dê para ser feito, você descobre como faz. ‘Do it yourself ’ [Faça você mesmo] é não depender de ninguém para realizar um trabalho”, diz o jorna-lista e produtor cultural, que não gosta de rótulos. Felipe não é realizado finan-ceiramente e coloca a seguinte questão: “Mas que jornalista é, dentro ou fora de uma redação? Aliás, acho que é até mais fácil conseguir isso fora”. Porém, gosta e

acredita no que faz que, de acordo com ele, “consiste em abrir os olhos das pes-soas para o que acontece e transformar a sociedade em maior ou menor escala dependendo do projeto em execução”.

VersatilidadeEm um momento no qual ser previsí-vel não garante um “lugar na baia” das redações, é preciso se adequar. Rafael Grohmann fala sobre a importância da versatilidade em Sentidos do Empreen-dedorismo no Campo Profissional Jorna-lístico: “A capacidade de ser flexível, no sentido de se adaptar às circunstâncias e responder com eficiência a elas, se torna uma espécie de valor social que ganhará ressonância no mundo contemporâneo em torno de noções como empreende-dorismo e ‘capital humano’, que ultrapas-sam o âmbito corporativo e contribuem

para delinear os traços de uma “menta-lidade econômica”, capaz de promover determinadas formas de subjetividade, orientada para uma ética empresarial do trabalho” (López Ruiz, 2007).

Carlos Henrique Carvalho, de 48 anos, formado em Jornalismo pela PUC--SP começou a se interessar pela área aos 16 anos ao participar de militâncias so-ciais e políticas. Teve certeza da escolha na reta final do ensino médio ao montar uma produtora de vídeo para documentar os movimentos: “Queria ser jornalista mes-mo sem ter uma tradição familiar, pois é uma área difícil quando não se tem con-tatos. Então, nadei contra a maré de meus parentes, que me estimulavam a fazer administração de empresas, por exemplo”.

No primeiro ano de faculdade, em 1986, Carlos começou a trabalhar na TV Record, que ainda não pertencia à Igreja

NIDADES

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Universal. Nos dois anos em que atuou como produtor do programa chamado São Paulo à tarde ele percebeu que não queria fazer jornalismo diário: “Sentia pouco prazer em algo que eu achava uma procura meio estúpida: a notícia exclusiva, o furo, o escândalo. Era uma busca esqui-zofrênica como para mim continua sendo até hoje”. E continua: “O trabalho pouco aprofundado, para mim não fazia sentido. Eu encarava a comunicação como um processo e não apenas como informação. Aquele período me fez mal, embora tenha sido de grande aprendizado”.

Carlos Henrique passou pela equipe de comunicação interna da prefeitura de São Paulo em 1989, ano em que Luiza Erundina assumiu o cargo de prefeita — na época ela fazia parte do Partido dos Trabalhadores (PT). Depois ele voltou para a televisão, mas dessa vez para fazer documentários e ficou na área entre 1992 e 1998 trabalhando para TV Cultura e produtoras independentes. O jornalista também passou pela TV Gazeta, onde atuou no programa Gazeta Meio Dia, cujo foco era o debate político. Em 2002, ele foi chamado para assumir a Associação Brasileira de Agências de Comunicação (ABRACOM) por meio de um conhecido que o indicou. “Eles colocaram duas condições para assumir

esse cargo: a pessoa não podia ser vin-culada com nenhuma das agências e ela tinha que ter conhecimento em políticas setoriais”, diz o atual presidente executivo da entidade. “O que eu faço é atender e entender as demandas dos 230 associa-dos da empresa. As instituições querem informações sobre tributos, regras da concorrência setorial, auxílio em casos polêmicos e de concorrência mal feita. Meu trabalho é voltado para isso. Nossa prioridade é o empresário, que, no caso, é de comunicação”. Carlos Henrique expli-ca que a comunicação interna é um seg-mento importante na área. Segundo ele, as pessoas só enxergam assessoria de im-prensa nas empresas, que garante 40% do faturamento, pois é o que corresponde ao gerenciamento de crises, relacionamento com a comunidade e mobilização social.

Os ensinamentos que ele leva até hoje da experiência nas redações são: o de tomar decisões rapidamente con-textualizando as opções, ler de forma crítica os processos de comunicação, não acreditar na verdade absoluta, que é um valor relativo, averiguar outros lados quando receber uma informação e sem-pre checá-la. Mas eles não bastaram para Carlos realizar as tarefas empresariais; ele se queixa da falta de disciplinas adminis-trativas no curso de Jornalismo: “Tenho

deficiências ligadas ao fato de que as faculdades de comunicação não nos preparam para sermos empreendedores e gerir equipes ou o financeiro, áreas com as quais tenho que lidar na entidade e, volta e meia, tenho dificuldades, porque durante o período agudo da minha for-mação eu queria ser apenas jornalista, não dando importância a essas questões”.

De acordo com o Prof. Rafael, no contexto em que Felipe e Carlos se en-contram “tudo se passa como se as opor-tunidades de trabalho dependessem de estratégias individualizadas, mobilizadas por sujeitos dispostos a aproveitar ou não as ‘janelas de oportunidades’ e de desenhar o seu destino de maneira com-petitiva, criativa, inovadora e eficiente, orientados pela aquisição ininterrupta de conhecimentos e capacidades que possuem valor econômico”.

Mariana Nascimento Costa, 24 anos, formada em Jornalismo pelas Faculdades Integradas Espírito-Santenses (FAESA), localizada em Vitória (ES), abriu outras “janelas de oportunidade” e aproveitou a paisagem delas até chegar onde está hoje: ela faz parte da equipe de Marketing na Sociedade Brasileira de Coaching. No primeiro período da graduação, Mariana entrou na monitoria da rádio da institui-ção, onde ficou por um ano produzindo

SENTIA POUCO PRAZER EM ALGO QUE EU ACHAVA UMA PROCURA MEIO ESTÚPIDA: A NOTÍCIA EXCLUSIVA, O FURO, O ESCÂNDALO. ERA UMA BUSCA ESQUIZOFRÊNICA COMO PARA MIM CONTINUA SENDO ATÉ HOJECarlos Henrique Carvalho, presidente da ABRACOM

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um programa, depois trabalhou no tea-tro e, posteriormente, na assessoria do Sindicato dos Metalúrgicos, além de ter atuado como social media em algumas agências de propaganda e publicidade, como a Fire e a Único.

Embora Mariana tenha passado por diversificadas áreas da comunicação, ao ingressar na faculdade ela não tinha a mente tão aberta: “Quando eu entrei me imaginava trabalhando em redação de rádio e televisão. Cheguei na faculdade muito deslumbrada, porque eu sempre gostei de história e a época da Ditadura me fascinava, período em que os jorna-listas eram muito importantes, isso era minha inspiração: mudar o mundo, fazer a diferença como aqueles profissionais fizeram”, comenta. Mariana não se identi-ficava com o universo da redação. Porém, ela afirma que a escolha da sua formação

ArtigosO trabalho dos jornalistas como sin-toma da lógica dos conglomerados-Rafael Grohmann

Sentidos do Empreendedorismo no Campo Profissional JornalísticoRafael Grohmann

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foi certeira: “Mesmo assim continuo com a certeza que me fez escolher o Jornalis-mo: minha versatilidade. Como jornalista posso trabalhar em muitas áreas nas quais não teria a oportunidade como publici-tária”. Depois que entrou no “mundo da propaganda”, ela não sentiu mais vontade de trabalhar em uma redação clássica.

A produção cultural, o empreende-dorismo e a publicidade são três de mui-tos outros setores da comunicação que podem ser explorados por um profis-sional da área de jornalismo que não se satisfaz com a rotina e a insegurança das redações. Pois, embora ainda seja objeto de desejo para os aspirantes da profissão de primeira viagem, nem os veículos tra-dicionais são mais os mesmos, deman-dando outro tipo de comunicador. Um tipo ao qual Felipe, Carlos e Mariana não quiseram se moldar.

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O presidente da ABRACOM, Carlos Henrique Carvalho, sentiu falta de um foco em administração durante sua graduação em Jornalismo

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t e c n o l o g i a

Texto por Carolina Mikalauskas

Design por Ana Carolina Siedschlag

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Nem todos sabem, po-rém o armazenamento e a memória audio-visual são trabalhos que requerem muitos cuidados técnicos, bem como profissio-nais especializados em preservá-los. Desde o

surgimento do rádio e, posteriormente, da televisão, a preocupação com o patri-mônio dos conteúdos produzidos nesses gêneros acarretou em diversos avanços nos processos e formatos de acervo. Na TV brasileira, o armazenamento eletrô-nico se iniciou de forma física, com a fita quadruplex. Aos poucos, as emissoras substituíram os laboratórios fotográficos pelo processo eletrônico, que começou com o HDCAM em fita magnética. A

partir dos anos 2000, já na era digital, todas as maneiras de guardar áudio e vídeo são dados: bits e bytes, e a televisão começa a trabalhar com a tecnologia ta-peless, um novo conceito de presevação de acervo em nuvem, sem a necessidade de um suporte físico.

Porém, em algumas emissoras, os arquivos são armazenados no formato Linear Tape Open (LTO), uma tecnolo-gia desenvolvida por bancos para guardar as informações de seus clientes. A LTO é uma fita magnética pequena em tama-nho, mas enorme em espaço: ela tem capacidade de armazenar 64 terabytes, isto é, 1024 gigabytes. São arquivados da-dos em volume muito grande numa fita muito pequena, que ocupa menos espa-ço físico. Maurício Donato, professor do curso de Rádio, TV e Internet da Facul-

dade Cásper Líbero, membro oficial do Fórum do Sistema Brasileiro de TV Di-gital (SBTVD) e diretor executivo da TV Record, afirma: “A tecnologia de áudio e de vídeo em uma emissora broadcast [ra-diodifusão] está sempre associada à duas premissas: o avanço no armazenamento de imagens e a velocidade da produção de conteúdo e qualidade audiovisual”.

Com a celeridade que surgem as novas tecnologias, os formatos de cap-tação de arquivos e de armazenamento nas emissoras broadcast são variados e cíclicos, tornando assim, mais difícil estabelecer um padrão oficial. Antiga-mente permaneciam durante muito mais tempo no mercado: “Inseria-se um padrão adotado mundialmente pelas emissoras, o qual ficava vigente por cerca de uma década. Quando um novo for-}

Era ANALÓgICA1950 1960-70

Em setembro de 1950, os primeiros tipos de captações de imagem eram feitas em película 16mm. Na metade dessa década, surgiu o processo de fita magnética: o quadruplex de duas polegadas. Esses equipamen-tos eram pesados e tinham pouca mobilidade

Com os avanços da tecnologia, entre as décadas de 60 e 70, foi desenvolvida a fita magnética de uma polegada. A partir de então, possibilitou-se que os equipamen-tos pudessem ser levados para as gravações externas

Os avanços e a importância do armazenamento de conteúdo audiovisual

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mato surgia, levava no mínimo metade desse tempo para todos se adaptarem a ele. Hoje, novos surgem semanalmente”, afirma Marcos Oliveira, media manager da emissora TV Gazeta.

A transição do analógico para o digi-tal é um dos pontos nos quais as tecno-logias do audiovisual se convergem. No início da história da televisão brasileira, em setembro de 1950, a preservação das filmagens era feita em película 16mm; foi sucedida por fitas magnéticas e, pos-teriormente, pelas Betacam Analógica e Digital. Segundo Donato, “a Betacam Analógica [fita magnética de videotape de meia polegada criadas pela Sony em 1982] foi uma grande revolução, tanto em qualidade de imagem, de som e prin-cipalmente por sua velocidade: nesse processo, eliminou-se o operador de vi-deotape, criando maior agilidade no pro-cesso de captação. A captura por meio de sistema tapeless avançou às câmeras do padrão da película ao padrão que chama-mos hoje de cinematografia digital”.

Confunde-se recorrentemente digi-tal como somente computador e inter-net. O Betacam já era um tipo de arquivo nesse formato. Foi apenas a partir dos anos 2000 que se começou a trabalhar com computadores. No entanto, em vez de estes facilitarem os processos produti-vos, foi necessária uma mão de obra ain-da mais especializada. Além disso, a era digital traz incertezas, pois sua história no mercado é muito recente, se compa-rada à de mais de cem anos das películas.

Desafio digital Avanços foram do HDTV até a tecnolo-gia de resolução 2K e 4K, que classificam o padrão de cinematografia digital que te-mos hoje. A grande tendência, então, são os arquivos na forma de dados em códigos binários, bits e bytes, que ficam guardados e são organizados em uma rede chamada workflow, um sistema de armazenamento comum nas emissoras modernas de tele-visão, que utilizam servidores comparti-lhados para um ‘trabalho fluido’, ágil e em conjunto. Em questão de espaço físico, as novas tecnologias facilitaram muito no manejo das produções audiovisuais, mas ainda há um risco que assombra a área: o cuidado e a atenção são imprescindíveis, pois, com apenas um clique errado, é possível perder tudo.

O livro O Dilema Digital, uma publi-cação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas dos Estados Unidos, expõe questões estratégicas na guarda e no acesso a materiais cinematográficos digitais. A discussão gira em torno de como essas mídias aceleraram a explosão de informações no mundo, e como, ape-sar dos avanços, ainda existe a ameaça de perda delas: “Os problemas de ‘extinção de dados’ não param de crescer, com mais e mais aspectos da atividade huma-na passando para o domínio digital. [...] Diante destes desafios preservar esse tipo de informação e assegurar sua acessibili-dade a longo prazo requer um processo sistemático, geralmente descrito como ‘armazenamento digital’.”

Custo, tempo, espaço e mão de obra. São esses os principais desafios existen-tes para a digitalização de um acervo. Por serem investimentos muito altos, hoje em dia, as emissoras priorizam o conteú-do que for considerado atual e relevante, ou conforme necessário, como, por exemplo, para especiais de fim de ano. Não se perde qualidade, necessariamen-te, ao digitalizar um arquivo. “É o mesmo processo de transformar um CD de mú-sicas para o formato MP3, por exemplo. A mesma qualidade do CD permanece, só que em sua forma digital”, completa Marcos Oliveira. Os arquivos gravados em fitas não apresentavam problema algum até o seu desgaste. Hoje, na rede, eles demandam constante manutenção, até mesmo do próprio sistema.

Arthur Picolli, também media man-ager da TV Gazeta, conta que na recen-temente extinta MTV Brasil, empresa em que trabalhou, existia o desejo de digitalizar em DVDs muitas horas de fitas. “Não demorou para perceberem que em menos de dois anos o DVD não resolveria nada, pois logo ficaria obsole-to. Formatos novos e soluções melhores viriam a surgir em pouco tempo”. Por conta desses obstáculos, a digitalização de acervo é feita com muita cautela. A atenção e a atualização dos profissionais que cuidam da memória audiovisual — aspecto tão caro à construção de nossa História moderna — são motivos sufi-cientes para revalorizarmos os modos e as técnicas de armazenamento.

Era digital1980 1990-HOJE

O formato Betacam Analógico foi uma revolução em qualidade de imagem, em qualidade sonora e em velocidade. As câmeras pas-saram a ter o videotape acoplado, gerando assim mais agilidade no processo de captação

}O formato Betacam Digital começa a trabalhar a informação em códi-gos binários, bits e bytes. Não existe mais perda de qualidade quando são feitas cópias. Nos anos 2000, nasce o HD e chegam as HDCAMs. Hoje, já existem os formatos digitais 2k, 4k e a película 35 mm

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Conheça o que há de mais moderno no treinamento de porta-vozes

Design por Carolina Mikalauskas

Você liga a televisão e está no ar o telejornal, trans-mitindo uma reportagem sobre determinada em-presa, marca, em crise. Na sequência, aparece um executivo que nada esclarece sobre o assunto ou diz “sem comentários”.

Naquele momento, a imagem da organiza-ção já está comprometida. Logo vem em nossa mente: “Por que a empresa não quer comentar? Será algo muito grave?”; o ruído na comunicação está mais do que inaugu-rado. O caminho da eficácia comunicativa certamente perpassa pela boa imagem e reputação que a instituição tem com seus diversos públicos e stakeholders (pessoa ou grupo que possui participação, investimen-to ou ações em uma empresa).

Hoje, mais do que nunca, é preciso que a comunicação aconteça de forma transparente, para que mal-entendidos não atrapalhem os bons resultados no mundo organizacional. Nesse contexto, são funda-mentais os treinamentos dos porta-vozes, que têm importante papel na imagem de uma corporação. Um dos caminhos da preparação destes profissionais é o media training (treinamento do modo de comuni-car com a mídia), que é um assunto pouco explorado, em termos bibliográficos de Re-

Texto por Stella Gontijo

lações Públicas. Segundo Gisele Lorenzet-ti, presidente da LVBA, uma das agências pioneiras a realizar planos anticrise no Bra-sil, “a preparação de porta-vozes é uma ação inerente da atividade de RP, não se pode ter o canal com a mídia, sem ter um repre-sentante preparado”. Já para Heródoto Bar-beiro, jornalista, âncora da RecordNews, e autor de livros de media training: “Nos últimos anos, a formação de fontes e porta--vozes é um dos instrumentos de assessoria de imprensa que mais se popularizou. Entender os veículos de comunicação e aproveitar as oportunidades para transmitir mensagens de maneira eficiente é uma das estratégias de quem trabalha com comuni-cação.” Porém, essa importante ferramenta para preparação de representantes ganhou novos contornos ainda mais complexos no mundo globalizado.

Quem nunca sentiu um frio na bar-riga na hora de uma apresentação, seja no trabalho, na escola ou na faculdade? Quem nunca hesitou e até tremeu no momento de falar em público? Sempre se ouve dizer em conversas informais sobre essa fobia no momento de expor uma ideia, em público ou frente aos meios de comunicação. Um estudo feito em São Paulo pelo Centro de Pes-quisas e Tratamento de Transtornos de Ansiedade-SP, em 2005, realizado pelos

pesquisadores Gustavo J. Fonseca D’El Rey e Carla Alessandra Pacini, mostra que 32% dos entrevistados reportaram ansiedade excessiva quando falavam para um grande grupo de pessoas. No total, 13% dos entrevistados relataram que o medo de falar publicamente resultou em grande interferência no trabalho, vida social e educação, ou causou sofrimento acentuado. Se grande parte da população sofre desse medo, dentro das organiza-ções não seria diferente. Numa entrevista ou no palco, o maior desejo de qualquer pessoa é estar confiante e confortável. Não é apenas o executivo que sonha em falar todas as palavras corretamente, encantar as pessoas e ser aplaudido, em uma apresentação. Todos têm o desejo e a necessidade de serem compreendidos e também de comunicarem de forma correta o seu pensamento.

Mas como é possível dominar os me-dos e enfrentar uma audiência? O media training tem sido considerado uma gran-de ferramenta, ganhou popularidade e é apresentado e vendido como preparação de porta-vozes. Mas sozinho está longe de representar o sentido completo da preparação de um mensageiro. Ensinar como se portar perante uma entrevista, fazer um discurso sem repetir palavras, olhar com respeito para o entrevistador,

media trainingalem do

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não fugir de perguntas, pode ajudar na comunicação, mas não irá, necessaria-mente, despertar um excelente orador.

Em alguns países da Europa, como em Portugal, o que tem se aplicado é o chamado new media training, que possi-bilita ir além dessa preparação técnica e envolver o treinamento no todo do plane-jamento de comunicação, como esclarece Sara Batalha, diretora da Media Training WorldWide Portugal: “O executivo deve se focar no jornalista, como se fosse a sua audiência, deverá compreender que este é um gatekeeper [filtrador de informações] e que é uma pessoa, tem também as suas experiências, emoções, valores, medos, objetivos e preferências. E como ser hu-mano que é, o profissional da imprensa merecer ser ouvido, valorizado e respeita-do. Por isso, um estilo de comunicação co-laborativo no qual o executivo prepara as

suas mensagens de forma que também o jornalista brilhe, é o mínimo que se espera de um comunicador moderno e evoluído.”

Nos treinamentos realizados em Portugal, segundo Batalha, o ângulo de abordagem dá uma maior relevância ao message mapping (mapeamento de men-sagem), ou seja, o foco incide bastante no desenvolvimento das mensagens, a sua congruência com os valores pessoais dos clientes e alinhamento com os valo-res da empresa. Depois das mensagens--chave do tema estarem definidas, a sua adaptação ao meio e à audiência é extre-mamente rápida. Para chegar à eficácia é necessário que o treinado seja filmado diversas vezes, em diferentes tipos de exercícios, sempre de acordo com o seu estilo inato de comunicação e garantindo que mantenha a sua coerência, credibili-dade e naturalidade. No new media train-

ing, a proposta é justamente evidenciar o papel e o objetivo em longo prazo de treinamento. Os cursos identificam os problemas específicos de cada indivíduo, com técnicas de coaching e programação neuro-linguística (PNL). Certamente, um workshop com participação de seis a quinze pessoas, pode ajudar os partici-pantes a aprenderem importantes dicas, mas o aprofundamento da maneira de comunicar de cada um é um trabalhado que demanda tempo.

Aqui no Brasil, já temos algumas ex-periências que vão além do simples trei-namento de mídia. É o caso do realizado pela Eaton Corporation, na qual existe uma integração do planejamento de mí-dia com as estratégias de comunicação da organização. Francis Kusvni, que gerencia a área de comunicação da Eaton para as América do Sul e Central, diz que o trei-

O jornalista Heródoto Barbeiro enxerga o media training como ponto alto da comunicação corporativa

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namento de mídia é importante, mas sem um plano de comunicação e uma diretriz muita clara, não funciona. “Claro que o curso visa atender às necessidades dos jornalistas e técnicas de televisão, mas o importante é mostrar claramente a men-sagem que eles devem transmitir com foco no negócio da empresa. A definição dessa informação clara é muito mais im-portante que técnicas básicas de Rádio e Televisão”. O mérito aqui não é condenar o trabalho de media training e os cursos mais básicos sobre o tema, uma vez que eles têm suma importância quando os profissionais são de escalões intermedi-ários, que precisam de conhecimentos genéricos sobre o assunto. Mas, esse não é trabalho mais completo em gerencia-mento de crises, e também na formação de porta-vozes com poder de persuasão.

Um mensageiro, além de saber os detalhes técnicos do que falar, do que não falar e como falar, deve colocar em prática os conhecimentos com simu-lações que durem mais do que poucos dias. Por isso, como Sara Batalha e Fran-cis Kusvni abordam, os cursos devem ter também aspectos que estudem e mos-trem o perfil psicológico e profissional do participante. Somente dessa forma, a organização pode conhecer a reação dessa pessoa, em uma situação de stress, e podem surgir caminhos para a melhor atuação do porta-voz. Certamente, esse trabalho não pode ser realizado apenas coletivamente, mas individualizado. O método chamado de new media training consiste nessa prática, já que cada pessoa aprende de forma diferente, tem o seu

próprio estilo de comunicação, tem o seu perfil comportamental, os seus medos, os seus valores e limitações. Assim, é possível desenvolver e treinar as compe-tências comunicativas para que a pessoa consiga atingir o seu maior potencial. A equipe deve ter certificações em diferen-te áreas: Media Training, Public Speaking, Presentation, Business and Team Coaching, Programação Neurolinguística, Body Language, Micro-expressões, Imagem e Credibilidade, Coaching Vocal, Business English e outras competências que traba-lham o executivo no seu todo.

O curso de media training, além de praticar a abordagem individual, deve dar a oportunidade dos porta-vozes revisarem e treinarem as mensagens em situações desconfortáveis. A preparação deve conter situações que colocam os porta-vozes a estarem aptos a enfrentar situações adversas e apresentá-las e comentá-las de forma positiva. O treina-mento deve ainda preparar os represen-tantes para evitar situações de defensiva, e manter o controle da situação o maior tempo possível em uma entrevista ou aparição pública, o que significa que o porta-voz deve dominar as técnicas. Ele também deve ter segurança na hora de lidar com perguntas e fugir do compro-metedor “sem declarações”.

Apesar de existirem empresas que somente procuram o media training como prevenção de crise ou prepara-ção para o mesmo. Na empresa Media Training WorldWide, especialista em treinamento de porta-vozes, existem cursos com duração de dozes semanas e

carga horária treinamento antes de cada entrevista. São executivos que valorizam o tempo, que querem ganhar mais do que o clássico retorno de investimento, mas têm, antes, como objetivo de negócio, o moderno retorno de influência (o ROI, em inglês). Líderes que se preparam com excelência para os negócios também o fazem nas decisões de mensagens, en-trevistas e discursos. São normalmente altos executivos, ou os que pretendem chegar lá. Não se deve poupar tempo e nem recursos na preparação dos porta--vozes, no tipo de treinamento do new media training, porque o método não é baseado nos dias ou em horas, mas sim, focado na melhoria dos resultados. Um porta-voz sem preparação pode provo-car uma crise sem precedentes com um discurso improvisado. É preciso se pre-parar, usar a palavra certa, no momento certo. No livro do filósofo Confúcio, Kung-Fu-Tzu, está escrito: “Quem diz o que não deve, perde o amigo; quem não fala duro, pode perder a palavra. O sábio não perde o amigo e nem a palavra”. O porta-voz tem sobre si a tarefa de passar uma mensagem, no sentido de levar as pessoas que o escutam a uma compre-ensão e conclusão. Um trabalho funda-mental para a manutenção da imagem e reputação de uma empresa.

“UM ESTILO DE COMUNICAÇÃO COLABORATIVO NO QUAL O EXECUTIVO PREPARA AS SUAS MENSAGENS DE FORMA QUE TAMBÉM O JORNALISTA BRILHE, É O MÍNIMO QUE SE ESPERA DE UM COMUNICADOR MODERNO E EVOLUÍDOSara Batalha, diretora da Media Training WorldWide Portugal

Stella Gontijo é formada em Jornalismo e em Relações Públicas pelo Centro Uni-versitário de Belo Horizonte. Pós-gradua-da em Produção de Documentários pelo City University of London e em Gestão de Marketing pela Faculdade Cásper Líbero. É apresentadora do Jornal da Gazeta (TV Gazeta) desde 2011

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Texto por Guilherme Venaglia

Design por André Valente

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Em sua viagem pelo Norte do país, o americano registrou um estúdio fotográfico em Rio Branco (AC)

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Talvez seja o mais brasileiro de todos os americanos”, avalia Tiago Mesquita, curador da exposição “David Drew Zingg: Imagem sobre Imagem”, sobre o fotógrafo norte-americano que dá nome à mostra, exposta entre os meses de abril e se-tembro de 2015 no Instituto Moreira Salles, em São Paulo. David Zingg nasceu em Nova Jersey, nos Estados Unidos, em 1923, colaborou como repórter e fotógrafo para as re-vistas americanas Look, Esquire, Life e Vogue, tendo estrei-tado sua relação com o Brasil em 1959, quando conheceu o Rio de Janeiro. Ele viria a trabalhar em importantes veícu-los da imprensa nacional, como a extinta revista Realidade. Fez a mudança definitiva em 1978, aos 53 anos, quando passou a morar na capital paulista, atuando no jornal Folha de S.Paulo, como consultor e cronista, cidade onde ele tam-bém viria a falecer em 2000.

Conhecido por seus retratos e seu pioneirismo na repre-sentação de ídolos pop no Brasil, foi responsável neste traba-lho por uma verdadeira iconografia brasileira. Zingg reuniu um extenso acervo fotográfico de regiões rurais e grandes centros urbanos, acumulados durante quase duas décadas de registro. Para a fotografia e o fotojornalismo brasileiros, o norte-americano contribuiu, na visão de Tiago, com “o uso natural e sem travas da imagem colorida e a exploração que ele fez do que há de mais vulgar na técnica”.

A exposição que ilustra esse portfólio apresenta flagran-tes coloridos da cidade, uma parte específica dentro do todo que foi produzido pelo fotógrafo. “Além disso, imagens que mostram certo descompasso da urbanização do Brasil e de um aspecto, ao mesmo tempo, divertido e perverso dessa sociedade”, destaca Mesquita. Fez retratos de um país vasto, de muitos tempos em um só, transformando seus escritos e imagens em ícones de um povo pelo qual ele se encantou. Nas palavras do curador, “um fotógrafo narrativo, bem hu-morado, mas nada inocente”.

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52 CÁSPER | Setembro de 2015

“Matinas Suzuki Jr., no encarte da exposição “Despachos de uma terra perdida”

ELE TENTOU DAR EXISTÊNCIA PARA SEMPRE A UMA GRAÇA, UMA VIVACIDADE, UMA ELEGÂNCIA, UM CHARME PARTICULARÍSSIMO DE CERTOS PERSONAGENS DO PAÍS CHAMADO BRASIL. COMO SE O VOYEUR PROFISSIONAL DETIVESSE O DOM DE DAR VIDA ETERNA ÀQUILO QUE, NA VERDADE, SÓ CONSEGUE ESPIAR COM UM OLHO SÓ

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Sinalizações e placas de rua fazem parte da coleção iconográfica do fotógrafo. O sinal acima foi registrado na cidade de Tiradentes (MG)

Ilustração de um fusca vermelho, fotografada por Zingg durante sua viagem pelo Norte do país, em Porto Velho (RO), no ano de 1982

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Em 1982, reta final da Ditadura Militar, Zingg registrou propaganda política em Porto Velho (RO)

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O livro Comunicação, diálogo e compreensão, organizado por Dimas A. Künsch, Guilherme Azevedo, Pedro Debs Brito e Viviane Regi-na Mansi, é resultado do projeto de pesquisa “Con-versando a gente se enten-de”, que foi realizado pelo

Mestrado em Comunicação da Cásper Lí-bero em conjunto com a Universidade de Antioquia, de Medellín, na Colômbia. Esse vínculo com a universidade colombiana foi iniciado em 2014, quando as duas institui-ções firmaram um convênio. O objetivo do trabalho foi explorar as dimensões de uma epistemologia compreensiva da comunica-ção em diferentes momentos da vida, com um olhar atento para as situações de reso-lução de conflitos. Concluída em 2014, o

fechamento da coletânea abre espaço para o início de outro projeto casperiano: “A compreensão como método”.

Comunicação, diálogo e compreensão é dividido em três partes: “O pensamento da compreensão”, “A pesquisa compre-ensiva” e “A prática da compreensão”. Di-ferentes autores tentam aplicar ao campo da expressão comunicacional uma atitude compreensiva, que abarca sentidos, inclui, integra e faz dialogar. Ousada, a proposta é a de imaginar a construção coletiva de um modo de ver o mundo fundamentado no diálogo interpessoal e acadêmico nos múl-tiplos ângulos, perspectivas e experiências que os caminhos da vida têm a oferecer. Nessa linha, a obra reúne diversos gêneros de textos, desde o ensaio até o artigo, a crônica e a reportagem.

Sob essa concepção compreensiva, o

livro conta também com a participação especial de cinco autores colombianos. Pedro Debs Brito comenta que, “na vi-sita que um grupo de nós [da Faculdade Cásper Líbero] fez à Colômbia, no mês de março de 2015, fomos muito bem recebidos. A Universidade de Antioquia está entre as vinte principais da América Latina. Uma universidade de porte, bem organizada, com um edifício inteiro re-servado somente aos grandes grupos de pesquisa com melhor nota, avaliados pela Colciencias (similar à Capes, no Brasil)”. Künsch acrescenta que: “Medellín co-meça a ser considerada uma cidade de destaque, uma das smart cities do mundo”.

Quatro dos 22 textos foram publica-dos em espanhol em homenagem à língua--irmã. O que se pretende com tal pluralida-de de ideias é perceber em que momentos

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Texto por Mayra Idoeta e Everton Dias

Livro é resultado do projeto de pesquisa “Conversando a gente se entende”, da pós-graduação casperiana

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Design por Carolina Mikalauskas

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ou lugares pode ser possível considerar uma visão compreensiva do mundo ou apostar nela, como gostam de sublinhar os participantes do projeto “Conversando a gente se entende”. Um dos textos em es-panhol foi escrito pelo Prof. Ramón Car-dona, em um trecho traduzido livremente a seguir: “Quinta-feira, 8 da noite. (...) Ali vão chegando seis estudantes de Jornalis-mo que decidiram percorrer o Centro de Medellín. (...) A princípio, o professor será quem lhes abrirá as portas do submundo e os guiará por essas ruas de vagabundos, de hedonistas que atravessam a noite. Mas, a cada passo, ele irá se convertendo em mais um companheiro que lhes conta histórias, segredos, enquanto canta, ri, dança, bebe, come e, junto com eles, contorna as vicis-situdes, as surpresas que a viagem traz” (p. 299), conta Cardona.

Outro texto que faz parte da obra é “Mediação: o amadurecimento do Direito”, escrito por Lúcia Deccache. A autora enfatiza a importância do diálogo no Direito como uma forma de concilia-ção, com atenção especial em relações familiares. No lançamento do livro, foi marcante a metáfora utilizada pela autora para falar sobre seu texto: duas crianças que discutiam por uma laranja e uma mãe que tenta resolver a questão dividin-do a laranja ao meio. Quando isto ocor-re, os dois filhos choram insatisfeitos. A mãe, confusa, os questiona e só então compreende que uma criança queria brincar com a casca da laranja e outra queria usar a laranja como uma bola. O diálogo entre os envolvidos é essencial para a compreensão entre as partes.

Refletindo sobre a ideia, Künsch

acrescenta que “estamos dando um passo à frente no sentido de trazer a compreen-são para o campo da produção de conheci-mentos. Um pensamento compreensivo, isto é, aberto, dialógico, que conversa com diferentes saberes, teorias, experiências. Um conhecimento de menos verdades e certezas e de mais busca, entendimento, compreensão em si.” O livro encontra-se disponível gratuitamente no site da Facul-dade Cásper Líbero, em licença creative commons. A proposta da disponibilização tem a ver com a forma compreensiva com a qual o grupo trabalha, no sentido de estar aberto, de incluir e estar disponível, eliminando possíveis obstáculos para o compartilhar do conhecimento.

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Comunicação, diálogo e compreensãoDimas A. Künsch, Guilherme Aze-vedo, Pedro Debs Brito e Viviane

Regina Mansi (Orgs.)Editora Plêiade, 2014, 309 pgs

Mayra Idoeta e Everton Dias são mes-trandos em Comunicação na Faculdade Cásper Líbero

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a u d i o v i s u a l

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BRASILTexto por Isabella Faria

Como a produção nacional de séries e seriados, influenciada pelos norte-americanos, conquistou o público brasileiro e pode mudar radicalmente o modo de se ver televisão

Pode se dizer que séries são o novo papo de eleva-dor. Não se fala de outra coisa a não ser do com-plexo enredo de um de-terminado programa, das atuações de outro ou de mais uma temporada que está por vir. As séries con-

seguiram novamente: caíram nas graças de mais uma geração. Desde a época dos folhetins do século XIX, as publicações em periódicos já faziam sucesso ao di-vulgar um capítulo de uma determinada história por dia, prática que surgiu na Europa, mas foi disseminada por todo o mundo. Com o surgimento do rádio, mais espectadores eram conquistados: o formato de folhetim se mantinha, mas, dessa vez, havia o estímulo auditivo que prendia fãs de radionovelas.

Entretanto, a forma de séries e seria-dos que se mantém até hoje se iniciou com a popularização da televisão. O pri-meiro seriado televisivo foi I Love Lucy, que estreou em 15 de junho de 1951, da rede norte-americana CBS, uma co-média familiar que se manteve no ar por

Design por Ana Carolina Siedschlag

nove anos, até primeiro de abril de 1960. Nota-se que o gênero sempre foi um su-cesso e sua capacidade de se reinventar é tão louvável quanto as boas atuações.

O fato é que na contemporaneidade o fenômeno está mais forte. Em tempos em que a internet não para de crescer, diversos serviços de streaming — como o Netflix, site no qual, por meio de um cadastro, é possível assistir conteúdos online, o que ajudou na disseminação de séries dos mais variados tipos. Na seção desse gênero dos serviços on demand, é possível identificar das mais clássicas às que acabaram de estrear, no entanto, é mais difícil visualizar uma que seja de origem brasileira dentre tantas interna-cionais. No entanto, o quadro tem se invertido. Andrea Barata Ribeiro, sócia fundadora da O2 Filmes e produtora de longas-metragens como Cidade de Deus, Ensaio Sobre A Cegueira e da série Felizes Para Sempre — exibida pela Rede Glo-bo em janeiro de 2015 — afirma que o espaço para produções brasileiras só está aumentando: “Séries, animações, programas de entretenimento, muito do que se vê no cabo, é produzido pelo

cenário independente. Isso garante que o público brasileiro receba conteúdo nacional, o que é fundamental para a formação de qualquer país”.

Um bom exemplo dessa conquista de espaço é o futuro lançamento de uma série denominada 3% , que terá produção totalmente nacional e será a primeira a integrar o Netflix. Ela tem como protago-nista a atriz Bianca Comparato, já vetera-na em minisséries ao atuar na produção da MTV A Menina sem Qualidades, de 2013. A série 3% traz uma distopia futu-rista, criada por Pedro Aguilera, quando jovens que provêm do “lado de cá” (uma terra miserável e sem oportunidades) se arriscam em um processo de seleção para viver no “lado de lá” (um lugar muito mais promissor), sendo que apenas 3% dos participantes conseguem seu objetivo.

As séries no Brasil enfrentaram um caminho mais tortuoso até começarem a cair no gosto do público nacional, com dificuldades geradas graças à maciça pre-sença de telenovelas. Herança do rádio, o formato desta fez um absurdo sucesso, parando o país e o mundo todo, em 21 de dezembro de 1951 quando a telenovela

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Sua Vida Me Pertence, escrita e dirigida por Walter Forster e exibida pela extinta TV Tupi São Paulo, inaugurou o gênero. Por ser muito tradicional e enraizada no país, sempre prendia mais a atenção do telespectador do que as boas séries bra-sileiras, mas Andrea Barata garante que a forma de ver TV mudou e que vai mudar ainda mais: “A novela é uma tradição no Brasil. Porém, já não ocupa um lugar tão seguro como ocupava alguns anos atrás. Prova disso é a audiência cada vez mais disputada, não só pelos canais a cabo, mas também pela internet”.

Alguns telespectadores devem se perguntar: “Por que a produção de sé-ries nacionais aumentou de repente?” A resposta está no 3º Artigo da Lei de Audiovisual que passou por uma regula-mentação. Segundo a Agência Nacional de Cinema (ANCINE), “o artigo 3º-A autoriza empresas de televisão aberta e programadoras de TV por assinatura (nacionais ou estrangeiras) a investirem parte do imposto devido sobre a remessa de recursos enviados ao exterior na co--produção de obras audiovisuais brasilei-ras de produção independente”, ou seja, todas as emissoras devem produzir con-teúdo de origem nacional, não apenas “importar” entretenimento. Esse é o caso da série Magnífica 70, produzida pela Conspiração Filmes e pela HBO Latin America Originals, criada por Claudio Torres, Renato Fagundes e Leandro As-sis. Ela apresenta a história de um cen-surador, em plena ditadura militar brasi-leira, que acaba se apaixonando por uma atriz de um dos filmes que tem a obriga-ção de vetar. O cenário remete à Boca do Lixo, lugar na cidade de São Paulo onde se produzia as famosas pornochanchadas e alguns filmes independentes.

O professor José Augusto de Blasiis, mestre em Comunicação Social pela Universidade Metodista de São Paulo e professor de Fotografia na Faculdade Cás-per Líbero, complementa: “O boom das

séries nacionais também está ocorrendo agora graças à Lei 12.485/11 – Lei do Serviço de Acesso Condicionado – TV por assinatura, que obriga cada canal internacional presente no país a produzir três horas e meia de programação original brasileira em horário nobre. Sendo que 50% disso deve ser de produção inde-pendente.” O professor também explica a diferença entre série, seriado e telenovela: “Embora série seja usado como sinônimo de seriado, há pequenas diferenças”, ele complementa, “uma série possui um ma-cro arco de história — narrativa contada de forma continuada por meio de episó-dios, não necessariamente de forma linear —, sendo sequencial, e fazendo com que tal narrativa se desenvolva inteira durante uma temporada.” José afirma que os famo-sos seriados se distinguem justamente das séries pelo arco de história: “Há um em cada episódio, fazendo com que ele tenha começo, meio e fim. As telenovelas, velhas conhecidas do público brasileiro, possuem arcos de história móveis que se adequam de acordo com pesquisas de audiência”.

Made In BrazilApesar da forte tradição das telenovelas no Brasil, houve raros casos antigos em que protótipos de seriados nacionais começaram a ser produzidos. Em 1952, por exemplo, foi ao ar a primeira versão d’O Sítio Do Pica-Pau Amarelo, dirigida por Júlio Gouveia e Tatiana Belink. Po-rém, na época, essa produção era consi-derada apenas um programa exibido du-rante anos inteiros, já que o conceito de “temporada” ainda não existia na época: “Classicamente na televisão brasileira, havia os tele-teatros, que nada mais eram do que peças de teatro transmitidas ao vivo e que, mais tarde, passaram a ser gravadas”, comenta o professor José Augusto. “Graças à influência de séries norte-americanas é que começaram a dizer que os programas possuíam tem-poradas”, corrobora.

A série Magnífica 70, da HBO, agrada pela qualidade de produção e mostra o potencial dos trabalhos nacionais nesse formato

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Entretanto, nos anos 1970, a Rede Globo começou a fazer especiais, que eram caracterizados por episódios com histórias únicas. Também naquela década, houve, de fato, a produção de programas com formatos de seriados como Ciranda, Cirandinha e a primeira versão de A Grande Família, dirigida por Milton Gonçalves e por Paulo Afonso Grisolli, além de muitas “minisséries”. Graças aos serviços de streaming, cuja grande popularização começou no iní-cio dos anos 2010, a relação das pessoas com séries mudou de forma drástica. Passa a ser possível assisti-las quando e onde quiser, o que se adequa aos horá-rios de muitos jovens adultos, e, princi-palmente, de universitários.

Na Faculdade Cásper Líbero, os alu-nos Laís Franklin e Matheus Moreira, do segundo ano de Jornalismo, criaram um grupo no Facebook intitulado “Breaking Cásper” que é totalmente dedicado a dis-cussões das mais diversas séries. “O grupo nasceu das minhas conversas com a Laís sobre The Flash. Nós participávamos de um grupo “The Flash BR”, mas lá tinha muita piada machista, racista”, Matheus comenta. “Em um desses desabafos por inbox [chat do Facebook] surgiu a ideia de criarmos um grupo da Cásper para poder falar de séries que amamos e descobrir outras mais legais”, Laís completa. A ade-são dos alunos ao grupo foi grande e ele já tem mais de quatrocentos membros.

A Lei do Audiovisual, juntamente

Uma telenovela dura, em média, seis meses no ar e divide-se em cerca de 180 capítulos. Seus arcos de história são móveis e se modificam de acordo com pesquisas de audiência. Ex: Babilônia, Roque Santeiro, Chocolate com Pimenta

Embora usado como sinônimo de seriado, uma série é caracterizada por um macro arco de história, sendo sequencial, e fazendo com que tal história se desen-volva inteira durante uma temporada. Ex: 3 Teresas, 24 horas, Breaking Bad

Seriado possui um arco de história por episódio (possuindo começo, meio e fim), ou por alguns deles, e seu tempo no ar é denominado como temporada. Ex: House, A Grande Família, Mentes que Brilham, Friends

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com a Lei 12.485/11, permitiu que produtoras nacionais investissem em um conteúdo com potencial, mas que, segundo os fundadores do grupo, ainda precisa ser trabalhado. “Podemos sim fazer séries de qualidade, só acho que ainda estamos encontrando o nosso jei-to de fazer isso”, comenta Laís.

O professor José Augusto de Blasiis compartilha da mesma opinião: “Nós, brasileiros, temos dificuldade de traba-lhar em equipe e de despersonalizar o

processo, tirar o ego da jogada”, afirma. “É necessário aprender a fazer e que o público aprenda a ver esse modelo”. E, com as audiências de séries cada vez mais elevadas, pode-se dizer que o públi-co está assistindo a própria televisão de forma mais moderna, prezando por mais qualidade, porém, sem perder a tradição de se apaixonar por boas histórias.

A série 3% será a primeira produção brasileira dentro do canal on demand Netflix

Isabella Faria é graduanda em Jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero

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casperianas

Entre os dias 17 e 19 de agosto, a Coordenadoria de Cultura Geral pro-moveu, em parceria com o Coletivo Africásper, a 1ª Semana de Debates Raça, Resistência e Identidades, visan-do discutir de forma ampla e aprofun-dada a questão de raça no Brasil e seus desdobramentos. A abertura coube ao vice-diretor, o Prof. Dr. Roberto Chia-chiri, que convocou todos a lutarem pela igualdade e pelo fim da discrimi-nação. A introdução foi sucedida pela apresentação teatral Zumbi or Not Zum-by, adaptação da Cia. Antropofágica para o texto Arena Conta Zumbi, de Au-gusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, que fala sobre Zumbi dos Palmares, herói da luta negra no Brasil.

No dia seguinte, pela manhã, es-tiveram em debate as religiosidades negras e o combate à intolerância religiosa no Brasil. A segunda mesa,

na parte da noite, abordou as inter-secções entre os movimentos femi-nista e racial, principalmente no que tange à luta das mulheres negras. Debateram a historiadora e blogueira Dulci Lima, a filósofa e colunista da revista CartaCapital Djamila Ribei-ro, a antropóloga Laura Moutinho, a aluna do coletivo Africásper Giulia Ebohon, e a escritora Claudia Canto.

Na quarta-feira, um debate mediado pela Profa. Juliana Serzedello abordou as diferentes “estratégias de controle da população negra”. No encerramento da Semana, antes da abertura dos trabalhos, a coordenadora de Cultura Geral, Profa. Sonia Castino, recitou o dramaturgo ale-mão Bertolt Brecht ao dizer: “Nada deve parecer impossível de mudar”, lembran-do que, por mais enraizado que esteja, o sistema de opressão à população negra pode e deve ser combatido.

O tema da mesa que seguiu abor-dou as artes e os artistas negros, com a exibição do documentário Tons na Música, sobre musicistas negras na mú-sica erudita, seguido de uma discussão com a participação de Amanda Martins e Elioenai Paes, jornalistas formadas pela Cásper e autoras do documentário (um dos contemplados com o prêmio Curtas Universitários 2013, do Canal Futura e Associação Brasileira de Tele-visão Universitária), o poeta e músico da banda Aláfia, Jairo Pereira, e a aluna e bailarina, Laís Franklin. Dando fim às discussões, Bianca Santana, professora da Faculdade, apresentou previamente um trecho de seu futuro livro Quando eu me descobri negra, que aborda a temá-tica e traz reflexões por meio de experi-ências individuais, pessoais e frutos de observações do lugar e da imagem do negro na sociedade.

Nada deve parecer impossível de mudarPor Guilherme Venaglia

Semana de Raça, Resistência e Identidades traz pela primeira vez o debate sobre a questão do negro dentro e fora da Cásper

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Por Nathalia Gorga

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Iniciativa de alunas torna a Cásper única faculdade da América Latina a integrar o Her Campus

A universidade costuma ser um marco na vida de jovens universitárias do mundo inteiro por representar a di-visão entre a adolescência e o início da fase adulta. Estágios, provas, namoros, relacionamento em família e outras problemáticas costumam rechear o co-tidiano dessas meninas que, habilitadas pelo mundo digital, buscam em blogs e sites dicas de como passar pelo proces-so da melhor maneira possível.

Desde o dia 8 de setembro, as es-tudantes da Faculdade Cásper Líbero têm uma nova plataforma para sanar dúvidas quanto à vida universitária: o portal Her Campus chegou à Paulista 900 trazido por Alana Claro e Bárbara Muniz, alunas do 2o ano de Jornalismo e entusiastas da vida acadêmica.

O site, acessado por cerca de um mi-

lhão de usuários por mês, é administra-do pelas próprias alunas das instituições e reúne histórias do corpo discente, tu-toriais de moda e beleza, dicas de cursos e viagens, além de relatos de como é a vida na universidade. A Faculdade Cás-per Líbero será a primeira na América Latina a participar do projeto, ao lado de outras 270 instituições de sete países.

A ideia de criar um espaço casperiano no Her Campus surgiu quando Alana Claro, conversando com uma das amigas brasileiras que fez durante um intercâm-bio no Arkansas — EUA, descobriu a iniciativa de três alunas da Universidade de Harvard em criar uma plataforma escrita por e para universitárias de várias instituições. Assim, firmou uma parceria com a colega de sala, Bárbara Muniz, para conseguirem um lugar na plataforma.

“Foi um procedimento longo, mas muito prazeroso”, conta Bárbara. A última etapa consistia em recolher em uma sema-na pelo menos cem assinaturas de alunas interessadas em ler o conteúdo da página. Foram quase trezentos em apenas um dia, o que Bárbara explica como uma oportu-nidade única: “Em um mundo com tantas obrigações, é uma coisa que a gente gosta, na área que nós escolhemos”, conta.

Além de internacionalizarem a Faculdade, objetivo almejado também pela nova gestão diretora, as meninas querem unir as estudantes dos quatro cursos em um mesmo projeto. “É um lugar para se sentir incluída, parte de alguma coisa. Fazer reportagens em conjunto, olhar outras universidades e tirar ideias. É para se sentir parte do campus”, convida Alana.

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Por Ana Carolina Siedschlag

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Em 1947, por decisão do testamento deixado pelo jornalista Cásper Líbero, nasceu a Escola de Jornalismo, hoje Facul-dade que leva seu nome. Um ano depois, em 1948, foi inaugurada no antigo prédio da instituição, na Avenida Cásper Líbero, a Biblioteca Prof. José Geraldo Vieira (chamada assim desde 1977, quando a Congregação da Faculdade homenageou o professor, falecido meses antes).

Especialista em Comunicação

O acervo, considerado um dos mais ricos quando o assunto é a área da Co-municação, reúne cerca de 119 mil itens, dos quais quase 48 mil são livros. Entre os mais locados pelos alunos estão clás-sicos do jornalismo literário como Fama e Anonimato, de Gay Talese, Hiroshima, de John Hersey e livros técnicos como Comunicação interna: a força das empre-sas, de Paulo Nassar.

Entre seus diferenciais estão mais de mil fitas em VHS, dentre as quais duzen-tas fazem parte de um acervo raro, e 445 livros que pertenceram ao próprio Cás-per Líbero, alguns deles com técnicas de cursos atuais da instituição, Jornalismo e Relações Públicas, antes que essas for-mações específicas existissem na Amé-rica Latina. Trata-se de um verdadeiro tesouro para comunicadores e curiosos.

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Por Guilherme Venaglia

Biblioteca Prof. José Geraldo de Oliveira conta com acervo raro e é referência em pesquisas bibliográficas de comunicação

Em 1932, populares tomaram às ruas de São Paulo na chamada Revolu-ção Constitucionalista, que reivindicava uma nova constituição para o país, na época, governado de forma provisória por Getúlio Vargas, após o golpe de 1930. Em homenagem ao movimento, o jornalista Cásper Líbero instituiu a Prova Ciclística 9 de Julho, realizada todo ano na data-símbolo dos paulistas.

Desde 2011 fora das ruas de São Pau-

lo, a prova voltou a ser disputada em 2015, graças à iniciativa da Fundação Cásper Líbero, por meio do site GazetaEsportiva.Net, em parceria com a Federação Pau-lista de Ciclismo, o apoio do Hospital 9 de Julho e da Prefeitura de São Paulo. Foram duas voltas — uma de 28,3 e outra de 25,3 quilômetros — para os homens e uma volta de 28,3 qui-lômetros para as mulheres. A partida e a chegada aconteceram em frente ao

Jockey Club de São Paulo, na Avenida Lineu de Paula Machado.

O ciclista José Candido Prado Júnior, do Team Osasco, venceu a prova mascu-lina em uma das edições mais disputadas, com sete dos dez primeiros colocados com diferença de milésimos nos tempos finais. A prova feminina foi vencida por Camila Coelho Ferreira, do Team Me-morial/Santos, atleta que já havia venci-do a Prova 9 de Julho em 2008.

De volta às ruasPor Guilherme Venaglia

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Quando somos pequenos, pensamos no Papai Noel com aquela barba grande e brinquedos para entregar em nossos miú-dos braços, na magia que é a chegada do coelho da páscoa com milhares de cho-colates ou a espera mais dolorida: a volta dos nossos pais do trabalho. Contudo, todas sempre terminam com um cochilo no sofá vendo desenhos e sonhando. E, nesse intervalo, crescemos e escutamos a famosa frase: “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim”, porque quando ama-durecemos queremos que falem o nosso nome de qualquer maneira e não sim-plesmente que nós mesmos o falemos, o pensemos e o transformemos.

A peça Falemos de Nós surge desse dilema, dos nossos medos do que os ou-tros possam pensar, da culpa que senti-mos pelos nossos sentimentos do amor, que evitamos por problemas que já existem e somos apenas vítimas. Porém, é mais fácil ser cruel e não encará-los, é mais simples empurrar quem nos dá a mão com receio da pessoa tirar quando formos segurá-la.

A Cásper foi fundamental nesse processo, me ajudando com ferramen-tas e espaço para que eu mostrasse essas questões que tanto me rondavam. O professor de filosofia Mauro Araujo, do curso de RTVI, junto com o coordena-dor Roberto D’Ugo, abriram as portas para eu entrar com os meus textos, se não fosse a faculdade provavelmente eu seria um engenheiro. Larguei tudo por um sonho, e não esperava que a realida-de se tornaria melhor.

Todo o processo foi abraçado pelo Prof. Mauro. As perguntas dele sobre o caminhar do projeto eram constantes e o meu desejo de escrever, ainda latente. Aos poucos, quanto mais a vontade crescia, maior era o apoio e já não se sabia quem tinha mais brilho nos olhos, ele ou eu. Apenas sei que, no final disso tudo, era ele quem me aplaudia junto com os alunos de Rádio, TV e Internet. A sensação de fazer arte e ser escutado por pessoas do meu curso, da minha

idade, de colocar um dilema comum e emocioná-los, me fez mais humano.

Talvez um engenheiro consiga isso resolvendo uma equação, mas os únicos números que eu agradeço foram as incon-táveis demonstrações de apoio, do meu professor, dos meus pais, do meu diretor Elias Andreato e dos meus amigos que conseguiram enxergar nesse novato, que dormia sonhando à espera de alguma solu-ção, alguém que queria se expressar e fazer a sua imaginação e a sua crítica tomarem formas. E quem diria que essas formas te-riam cores, luzes, texturas, sons e uma pol-trona, sim, uma poltrona e uma mesinha branca. Assim é que o texto virou a peça.

Foi uma alegria ir todas as sextas e sábados, durante dois meses e meio, fa-zer a coisa que mais amo: atuar. Passar uma mensagem que faça o público re-fletir e vê-los discutindo ao final de cada apresentação. Os alunos da Cásper fo-ram, pensaram e me questionaram. Eu torço para que o teatro continue assim, um espaço em que estudantes vão para indagar e as instituições incentivem o diálogo, porque, no final, não estamos falando só de mim ou de você, estamos falando de nós.

Aluno da graduação de Rádio, TV e Internet lança peça autoral e casperianos vão conferir como atividade didática

Sentimentos censuradosPor Luiz Hirschmann

Luiz Hirschmann graduando em Rádio, TV e Internet pela Faculdade Cásper Líbero

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Nove dias de apuração, entrevistas em “portunhol” e produção de textos no saguão do hotel madrugada adentro: as-sim consigo resumir minha experiência em Buenos Aires, como participante da 4ª edição do Jornalismo Sem Frontei-ras ( JSF), programa organizado pela agência Link Consultoria. Trata-se de um projeto que leva comunicadores em formação para uma vivência de corres-pondente internacional.

Durante a viagem, o turismo não está nos planos: os jornalistas estudam, en-trevistam e escrevem, pelo menos, duas reportagens, com prazo rígido de entrega. Em meio ao trabalho, o curso também oferece palestras e debates com corres-pondentes brasileiros na Argentina. Na última edição, participaram nomes como Mariana Carneiro, correspondente da

Folha de S.Paulo, e Ariel Palacios, enviado do jornal O Estado de S. Paulo. Por fim, visitamos redações de grandes veículos de comunicação, como o Clarín e o La Nacion — neste, presenciamos uma reu-nião de capa com os editores responsáveis pelas seções do diário. A participação da Cásper foi massiva: dos quinze jornalistas estudantes ou recém-graduados integran-tes do JSF, sete eram casperianos, dos pri-meiros aos terceiros anos da graduação.

A experiência foi ímpar: o frio, a lín-gua e a pouca familiaridade com a cultura portenha foram alguns dos obstáculos que surgiram e me fizeram amadurecer pessoal e profissionalmente. Foi minha terceira visita à capital argentina, porém, desta vez, o objetivo ia muito além do turismo tradicional. Eu e dois colegas es-colhemos falar sobre a política migratória

do país e o êxodo latino-americano. De-pois de dezenas de entrevistas que oscila-vam entre inúmeros sotaques andinos e da festa que assisti na Avenida de Mayo em comemoração à Independência da Argentina, meu olhar sobre o continente mudou e o discurso de Gabriel García Márquez no Prêmio Nobel de 1987, “A solidão da América Latina”, passou a fazer todo o sentido. O que vi e ouvi durante a apuração dessa reportagem me ensinou mais sobre a nossa cultura do que anos em sala de aula.

Apesar da rotina cansativa e das mudanças de plano ao longo do pro-grama, o saldo da viagem foi positivo: espanhol aprimorado, horas de entre-vistas gravadas, dezenas de fotos incrí-veis, seis livros na mala, novas amizades e três reportagens prontas.

Experiência internacional

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Por Mariana Gonzalez

A aluna Mariana Gonzalez e a Casa Rosada ao fundo, símbolo da capital argentina, marcada por protestos populares

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Diante de mim vejo os olhos, esferas amarronza-das voltadas para o alto, passeando de um lado para o outro. A boca aberta, as mãos apoiadas sobre a mesa, o dedo que tamborila o tampo de vidro. Eu poderia me deter sobre qualquer coisa, mas tem os olhos.

Diante do meu avô, imersa no silêncio que se instaura até que ele encontre as palavras desejadas, imagino aqueles olhos vistos de

dentro. Vejo uma lista de nomes, informações, imagens, tudo o que ele foi capaz de colher ano após ano, década após década. Se antes as informações estavam dispostas de um jeito mais organizado, como livros enfileirados em uma estante, agora as imagino correndo em redemoinho, palavras soltas ao vento, letras embaralhadas. “Quem foi mesmo aquele autor? Quando é que isso aconteceu? Fomos mesmo lá ou só imagino?”.

É claro que nem sempre foi assim. Antes, eu pequena, meu avô era a pessoa que sabia tudo. Datas, nomes, fatos históricos, relatos de guerras, famílias reais, capitais, países. Os livros guar-dados pareciam transcritos para dentro da cabeça, jorrados pela

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Texto por Martha Lopes

boca em monólogos extensos no almoço e no jantar. Eu lembro de me sentir cansada diante de tanto falatório, mas também ad-mirada com tamanho conhecimento. Quando era que aquele homem, imigrante espanhol, chegado assim, uma mão na fren-te outra atrás, tinha acumulado tudo aquilo?

Hoje, o amontoado de informações continua lá, mas é preciso pescar o que se deseja. Hoje, é preciso humildade para aceitar ajuda. Hoje, quando ele varre a lembrança em busca da palavra, eu cubro a mão dele com a minha. Os olhos deixam o transe para pousar sobre mim. “Rei Ricardo II, vô? É isso que você tá tentando lembrar?”. Ele me olha um tempo, a lágrima equilibrista sobre a pálpebra flácida, a boca semiaberta num sorriso: “É sim, você tem razão”.

Design por Carolina Mikalauskas

LEMBRANCAS

Martha Lopes é jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero e escritora. No final de 2014, publicou seu primeiro livro, Em Carne Viva, pela KaYá Editora. Hoje, além de revisora e editora de livros freelancer, ministra oficinas de gênero, comunicação e redes para escolas. Também coordena projetos como o #KDmulheres, que busca promover visibilidade para as mulheres no campo da escrita e da literatura.

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