REVISTA BRASILEIRA DE INTELIGENCIA Nº5

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA Revista Brasileira de Inteligência Revista Brasileira de Inteligência Revista Brasileira de Inteligência Revista Brasileira de Inteligência Revista Brasileira de Inteligência ISSN 1809-2632

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PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICAGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONAL

AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIA

Revista Brasileira de InteligênciaRevista Brasileira de InteligênciaRevista Brasileira de InteligênciaRevista Brasileira de InteligênciaRevista Brasileira de Inteligência

ISSN 1809-2632

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REPÚBLICREPÚBLICREPÚBLICREPÚBLICREPÚBLICA FEDERAA FEDERAA FEDERAA FEDERAA FEDERATIVTIVTIVTIVTIVA DO BRASILA DO BRASILA DO BRASILA DO BRASILA DO BRASILPresidente Luiz Inácio Lula da Silva

GABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONALGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONALGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONALGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONALGABINETE DE SEGURANÇA INSTITUCIONALMinistro Jorge Armando Felix

AGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIAAGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIAAGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIAAGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIAAGÊNCIA BRASILEIRA DE INTELIGÊNCIADiretor-Geral Wilson Roberto Trezza

SECRETSECRETSECRETSECRETSECRETARIA DE PLARIA DE PLARIA DE PLARIA DE PLARIA DE PLANEJAMENTOANEJAMENTOANEJAMENTOANEJAMENTOANEJAMENTO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃO, ORÇAMENTO E ADMINISTRAÇÃOSecretário Luizoberto Pedroni

ESCOLESCOLESCOLESCOLESCOLA DE INTELIGÊNCIAA DE INTELIGÊNCIAA DE INTELIGÊNCIAA DE INTELIGÊNCIAA DE INTELIGÊNCIADiretora Luely Moreira Rodrigues

Comissão Editorial da Revista Brasileira de InteligênciaComissão Editorial da Revista Brasileira de InteligênciaComissão Editorial da Revista Brasileira de InteligênciaComissão Editorial da Revista Brasileira de InteligênciaComissão Editorial da Revista Brasileira de InteligênciaAna Beatriz Feijó Rocha Lima; Eliete Maria de Paiva; Osvaldo Pinheiro; Olívia Leite Vieira; Paulo P. Sousa; SauloMoura da Cunha; G. Oliveira; Delanne Novaes de Souza; Paulo Roberto Moreira

Jornalista ResponsávelJornalista ResponsávelJornalista ResponsávelJornalista ResponsávelJornalista ResponsávelOsvaldo Pinheiro – SJPDF 20369

CapaCapaCapaCapaCapaWander Rener de Araujo e Carlos Pereira de Sousa

Editoração GráficaEditoração GráficaEditoração GráficaEditoração GráficaEditoração GráficaJairo Brito Marques

RevisãoRevisãoRevisãoRevisãoRevisãoLúcia Penha Negri de Castro; Caio Márcio Pereira Lírio; Geraldo Adelano de FariaO texto “Os Fundamentos do Conhecimento de Inteligência” foi revisado por Denise Goulart

Catalogação bibliográfica internacional, normalização e editoraçãoCatalogação bibliográfica internacional, normalização e editoraçãoCatalogação bibliográfica internacional, normalização e editoraçãoCatalogação bibliográfica internacional, normalização e editoraçãoCatalogação bibliográfica internacional, normalização e editoraçãoCoordenação de Biblioteca e Museu da Inteligência - COBIM/CGPCA/ESINT

Disponível em: Disponível em: Disponível em: Disponível em: Disponível em: http://www.abin.gov.br

Contatos:Contatos:Contatos:Contatos:Contatos:SPO Área 5, quadra 1, bloco KCep: 70610-905 Brasília – DFTelefone(s): 61-3445.8164 / 61-3445.8427E-mail: [email protected]

Tiragem desta edição: 3.000 exemplares.

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Os artigos desta publicação são de inteira responsabilidade de seus autores. As opiniões emitidas não exprimem, necessariamente,o ponto de vista da Abin.É permitida a reprodução total ou parcial dos artigos desta revista, desde que citada a fonte.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

Revista Brasileira de Inteligência / Agência Brasileira de Inteligência. – n. 5(out. 2009) – Brasília : Abin, 2006 -

102p.

Semestral

ISSN 1809-2632

1. Atividade de Inteligência – Periódicos I. Agência Brasileira deInteligência.

CDU: 355.40(81)(051)

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SumárioSumárioSumárioSumárioSumário

Editorial

CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTRE A INTELIGÊNCIA ESEUS USUÁRIOSLeonardo Singer Afonso

DECORRÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO DA INTERNET POR ORGANIZA-ÇÕES TERRORISTAS: o recurso da comunicação tecnológica como pro-posta de mudança não-democrática de poderRomulo Rodrigues Dantas

BRAZIL’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISMDelanne Novaes de Souza

MUDANÇAS CLIMÁTICAS : Inteligência e DefesaUirá de Melo

A ATIVIDADE OPERACIONAL EM BENEFÍCIO DA SEGURANÇAPÚBLICA: o combate ao crime organizadoCristina Célia Fonseca Rodrigues

DESCRIMINALIZAÇÃO DO DELITO DE POSSE DE ARMAS NO BRASILDouglas Morgan Fullin Saldanha

A SOBERANIA BRASILEIRA, A GRÃ-BRETANHA E A QUESTÃO DOESCRAVISMO DURANTE A GUERRA DO PARAGUAI: um caso deContrainteligência?Miguel Alexandre de Araújo Neto

OS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIAJosemária da Silva Patrício

ResenhaThe Last Forest: The Amazon in the age of globalizationRomulo Rodrigues Dantas

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EditorialEditorialEditorialEditorialEditorial

Desde a instituição do Sistema Brasileiro de Inteligência e a criação da Agência Brasilei-ra de Inteligência em 1999, está em curso, com a participação de órgãos integrantes doSistema, um processo de construção de caminhos que conduzam à efetividade e eficá-cia da atividade de Inteligência no país.

Assim, como parte de um projeto de consolidação do Sistema, fortalecimento da atividadede Inteligência e concretização do papel de coordenação da ABIN, várias ações sãodesenvolvidas pela Direção-Geral, Departamentos e demais unidades da instituição.

Dentre elas insere-se a edição da Revista Brasileira de Inteligência – RBI, cuja propostaprincipal é disseminar conhecimento sobre os diversos temas inerentes ao desempenhoda atividade de Inteligência e proporcionar espaço aos profissionais para a exposição ecompartilhamento de suas ideias. Espera-se ainda que a publicação desperte em seusleitores a reflexão sobre muitos aspectos que envolvem uma atividade tão complexaquanto antiga e estratégica como é a atividade de Inteligência.

O filósofo romano Sêneca afirmou: “Não há vento favorável para aquele que não sabeaonde vai”. A Inteligência deve ser a bússola do decisor. E assim tem sido desde asépocas mais remotas até os dias atuais. A atividade perpassa toda a história e secontextualiza conforme fatores predominantes: as guerras, as estratégias nacionais, osfenômenos sociais, as relações internacionais, a economia.

Tal fato comprova a vitalidade da atividade e impõe que os profissionais que escolhe-ram laborar na Inteligência estejam sempre empenhados em enriquecer seus conheci-mentos em prol do incremento da qualidade do trabalho, aqui compreendido todo oprocesso de produção do conhecimento de Inteligência – planejamento, açõesoperacionais, análise, difusão.

A Revista Brasileira de Inteligência, desde o seu primeiro número, constitui-se em ins-trumento para essa melhoria, na medida em que busca trazer para um público variado,artigos de servidores e colaboradores que se debruçaram sobre temas que proporcio-nem a aquisição ou o acréscimo de conhecimento sobre Inteligência.

E é dentro dessa proposta que se insere esta edição da Revista, por meio de textos quetratam da relação entre a Inteligência e seus usuários; da utilização da internet pororganizações terroristas; do papel do Brasil na luta contra o terrorismo; da ação daInteligência e da Defesa em decorrência das mudanças climáticas; da atividade operacionalem favor da segurança pública; da descriminalização do delito de posse de armas no

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Brasil; das relações entre a Grã-Bretanha, o Brasil e o escravismo na Guerra do Paraguai;e, dos fundamentos do conhecimento de Inteligência; além de resenha do livro The lastforest: the Amazon in the age of globalization.

Esta edição também inaugura uma nova fase da RBI, marcada pela inovação, que vaidesde a elaboração de uma capa totalmente remodelada até a diagramação e o leiauteinterno da obra, sempre buscando tornar agradável a experiência de ler a Revista Brasi-leira de Inteligência. É por isso que as inovações não vão parar neste número: as próxi-mas edições trarão mais novidades e o compromisso de periodicidade semestral que,por motivos alheios à RBI, não foi possível manter no biênio 2008/09.

Por isso, conclamo todos aqueles que já participaram da elaboração da Revista Brasilei-ra de Inteligência e aqueles que pretendem colaborar com as edições futuras para con-tinuarem alimentando este projeto, que tem o especial propósito de difundir conheci-mento de qualidade e, por conseguinte, obter reconhecimento à atividade e aos profis-sionais de Inteligência. Aproveite a leitura e, se desejar, envie comentários [email protected].

Luely Moreira RodriguesLuely Moreira RodriguesLuely Moreira RodriguesLuely Moreira RodriguesLuely Moreira RodriguesDiretora da Escola de Inteligência/AbinDiretora da Escola de Inteligência/AbinDiretora da Escola de Inteligência/AbinDiretora da Escola de Inteligência/AbinDiretora da Escola de Inteligência/Abin

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ResumoResumoResumoResumoResumo

O nível em que se apresentam a importância e a qualidade do serviço de inteligência para oEstado reflete-se na consolidação de um relacionamento intenso, porém prudente, abrangendoprodutores e usuários de inteligência. Tecer tal relação requer cautela, uma vez que ela deveráesta alicerçada em um distanciamento ideal entre os atores envolvidos, capaz de preservar aimparcialidade das análises e a oportunidade dos temas tratados.

CONSIDERAÇÕES SOBRE A RELCONSIDERAÇÕES SOBRE A RELCONSIDERAÇÕES SOBRE A RELCONSIDERAÇÕES SOBRE A RELCONSIDERAÇÕES SOBRE A RELAÇÃO ENTREAÇÃO ENTREAÇÃO ENTREAÇÃO ENTREAÇÃO ENTREA A A A A INTELIGÊNCIA E SEUS USUÁRIOSINTELIGÊNCIA E SEUS USUÁRIOSINTELIGÊNCIA E SEUS USUÁRIOSINTELIGÊNCIA E SEUS USUÁRIOSINTELIGÊNCIA E SEUS USUÁRIOS

LeonarLeonarLeonarLeonarLeonardo Singer Ado Singer Ado Singer Ado Singer Ado Singer Afonsofonsofonsofonsofonso

IntrIntrIntrIntrIntroduçãooduçãooduçãooduçãoodução

D esde os primórdios dainstitucionalização da atividade de In-

teligência, foram insuficientes os esforçospara teorizá-la. Provavelmente, tal ausên-cia de produção acadêmica foi efeito ema-nado da aura de secretismo que envolveueste ramo governamental durante todo operíodo da Segunda Guerra Mundial e daGuerra Fria. Não obstante, países que vis-lumbram a Inteligência além do estigma daespionagem e das operações clandestinas,como os Estados Unidos e Grã-Bretanha,produziram importantes autores, em suamaioria membros e ex-membros da comu-nidade de Inteligência, que, a partir da dé-cada 90, iniciaram a conceituação do temae o estudo de suas peculiaridades com oobjetivo de teorizá-lo.

Entre uma variada gama de assuntos, asprincipais referências acadêmicas na área

apontam o estudo das patologias que re-sultam do relacionamento entre Inteligên-cia e seus usuários como fundamental paraa formação dos profissionais deste ramoe para garantir o aperfeiçoamento gradu-al da atividade. Levando-se em conta quea atividade é um ofício de assessoria,depreende-se que não haveria uso para aInteligência sem que ela estivesse apro-priadamente incluída no processodecisório, o que só é possível caso a rela-ção entre produtores e usuários seja in-centivada e gerida de maneira eficaz eresponsável. Não obstante, a discussãosobre o tema é preterida em benefício detópicos relacionados à esfera da coleta,da análise e dos métodos de análise.

Os benefícios provenientes da manuten-ção de certa distância ou do esforço pelaaproximação entre Inteligência e

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policymakers1, têm sua fundamentaçãológica, que explicita a necessidade da bus-ca por um equilíbrio entre a relevância ea independência das análises. Todavia,também apontam para riscos inerentes taiscomo a politização da atividade e a ame-aça de torná-la irrelevante.

A intenção deste trabalho não é elegerum posicionamento ideal, em que riscose benefícios estejam equilibrados a pontode tornar a Inteligência um exemplo devirtuosidade institucional, mas apresentara questão e os problemas que gravitamem seu entorno, com a finalidade de in-centivar a reflexão e o debate sobre a ati-vidade e, concomitantemente, ampliar oentendimento dos usuários dos produtosde Inteligência.

Em primeiro lugar, cabe contextualizar aInteligência como atividade de assessoriaao processo decisório, identificar os prin-cipais atores na interação entre Inteligên-cia e centro decisório e observar como eem que medida a Inteligência pode influ-enciar a decisão e vice-versa. O objetivodesta parte inicial é destacar a importân-cia da manutenção de uma relaçãosimbiótica entre produtor e usuário para,em seguida, na parte final, podermosanalisá-la mais a fundo e apontar tendên-cias, vantagens e desvantagens.

É importante destacar que o conceito deInteligência como atividade acessória nãoé comum a todas as nações, e menos ain-da é a configuração da estrutura na qualesta atividade é inserida. Por isso, grande

parte das concepções que utilizei origi-na-se da experiência norte-americana nosetor devido à suas relativas similaridadescom a conformação do Sistema Brasileirode Inteligência e os propósitos da Agên-cia Brasileira de Inteligência, em termosestruturais2 e conceituais3.

1 Dois atores em cena1 Dois atores em cena1 Dois atores em cena1 Dois atores em cena1 Dois atores em cena

Sob o ponto de vista norte-americano, oque se denomina “atividade de Inteligên-cia” - no âmbito governamental - está in-trinsecamente relacionado à idéia de pro-dução de conhecimento com o objetivode assessorar o processo decisório de umou mais policymakers. Tal posicionamentoestá claramente expresso no parágrafo deabertura do Guia do usuário de Inteligên-cia, publicado pela Agência Central deInteligência (CIA) dos Estados Unidos:

Grosso modo, Inteligência é oconhecimento e a presciência sobre omundo que nos cerca. Do ponto de vistados policymakers, é o prelúdio da decisãoe da ação. As organizações de Inteligênciaprovêm informação trabalhada e formatadapara auxiliar usuários, sejam eles líderescivis ou comandantes militares, aconsiderarem linhas de ação e resultadosalternativos.4

Alguns acadêmicos restringemconceitualmente a atividade de Inteligên-cia ao campo tático-estratégico dos as-suntos militares e de segurança nacional.Para eles, o cerne dos serviços de Inteli-gência consistiria na ‘disputa silenciosa’

1 Evitei traduzir o termo policymaker. No decorrer do texto referir-me-ei a ele também como‘usuário’, ‘cliente’ e ‘decisor’, substantivos que definem o papel do policymaker em relação àinteligência e o posicionam dentro do processo de produção de conhecimento.

2 Modelo constituído por comunidade de Inteligência com a presença de agência central.3 Visão de Inteligência como instrumento de assessoria que transcende o sigilo, as atividades

de espionagem e as operações clandestinas, e com escopo que alcança além das questõesimediatas de segurança nacional.

4 Guia do usuário de Inteligência, Central Intelligence Agency - USA (2003).

Leonardo Singer Afonso

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entre as nações e enfatizaria a espiona-gem, as ações clandestinas, a contra-in-teligência e a desinformação5. Todavia, aatuação dos serviços de Inteligência podeextrapolar o campo da defesa em funçãodas prioridades dos policymakers6. Inde-pendente da delimitação do escopo desuas análises, os serviços de Inteligênciasão basicamente organismos de assesso-ria e têm como propósito influenciar re-motamente a ação governamental com afinalidade de torná-la racional. Neste sen-tido, para dar bases sólidas ao processodecisório, demanda-se Inteligência traba-lhada e oportuna, que será provida naforma de contextos, informações lapida-das, alarmes, tendências e análises de ris-co e de oportunidades.

Depreende-se a existência de pelo me-nos dois atores essenciais que dão vivaci-dade à atividade de Inteligência e cujorelacionamento é imprescindível para ainserção dela no processo decisório: oprodutor (o profissional de Inteligência),que interpreta demandas e se insere nociclo de elaboração do produto de Inteli-gência, e o usuário (o policymaker), queaciona e utiliza Inteligência como mais umdos diversos subsídios que o auxiliarão atomar uma decisão otimizada. Logo, cabevisualizarmos mais detalhadamente ainteração entre esses atores, a fim de ten-tarmos entender como a atividade de uminfluencia a do outro.

Sherman Kent (1949), que serviu comoanalista de Inteligência no Office ofStrategic Services e no Office of NationalEstimates (CIA), foi também um pioneirono estabelecimento de métodos para aanálise de informações. Diz o autor, criti-cando um eventual descaso do decisorpela análise de Inteligência, que “... nãopretendo desqualificar todo tipo de intui-ção e de palpite com o pretexto de quesão todos igualmente arriscados, pois exis-tem intuições baseadas em conhecimen-to que são objetos da mais pura verdade.O que desejo rejeitar é a intuição basea-da em nada, partida de um desejo”. Nocontexto do Estado moderno, espera-seque em seu cotidiano o policymakermuna-se de ingredientes que o permiti-rão deliberar sobre uma decisão, até mes-mo o rumo de uma política, de maneiramais apropriada do que se dispusesseapenas de pistas vagas ou visões pré-con-cebidas dos fatos. O produto de Inteli-gência é um desses ingredientes.

Na mesma direção, o ex-analista da Inte-ligência britânica e acadêmico MichaelHerman (1996) afirma que a “ação base-ada em Inteligência é a antítese da lide-rança baseada na ideologia”. Na opiniãodesse autor, “o mero fato da incorpora-ção de subsídios de Inteligência no pro-cesso decisório confirma o compromissode um governo com a racionalidade e asua preocupação com a realidade”. Emvista disso, o analista de Inteligência, noexercício de suas funções finalísticas, nãoplaneja nem sugere linhas de ação7; tenta

5 Abram Shulsky (2002), autor do livro ‘Silent warfare: understanding the world of intelligence’,assim define inteligência.

6 A comunidade de Inteligência dos Estados Unidos, também se ocupa de temas bastanteamplos como os acordos internacionais sobre comércio e meio-ambiente.

7 Eventualmente o analista de Inteligência poderá ser convocado por órgãos executores (ministé-rios, comitês, gabinetes de crise) para opinar em um planejamento. No entanto, deve estar claroque, nesse caso, não estará exercendo a função de oficial de Inteligência e sim de colaborador.

Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários

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atingir um grau elevado de imparcialida-de em suas análises e seus trabalhos8

abarcarão o nível de confirmação dos fa-tos analisados e o levantamento de hi-póteses que podem inspirar ou não odecisor a elaborar e adotar novas táticase estratégias relacionadas aos rumos doEstado em uma área específica.

Esse processo, que resultará na produ-ção de conhecimento, é técnico, envol-ve necessariamente a participação ativade produtor e usuário, e consubstancia-se no chamado “ciclo de Inteligência9”.Kent (1949) demonstra que o ponto decontato inicial entre Inteligência e pro-cesso decisório dá-se no início da açãodo produtor e identifica duas possibili-dades para que o ciclo comece: a) o apa-recimento de uma nova linha de açãosobre dado assunto desencadearia umpedido de antecedentes para a Inteligên-cia por parte do decisor10 ou b) os pro-fissionais de Inteligência, no decorrer desuas atividades de acompanhamento dedeterminado tema, assinalariam um fato

ou processo que demandaria a produ-ção de conhecimento.

Os papéis de produtor e de decisor tam-bém adquirem semelhança no estágio ini-cial da metodologia de produção de co-nhecimento proposta por Kent, em razãode o que o autor chama de ‘problemasubstantivo’11 surgir de três maneiras: a)como resultado das reflexões de um ho-mem de dentro da organização de Inteli-gência, cuja única função é prever pro-blemas12; b) quando os levantamentos dedados sobre determinado assunto reve-lam algo fora do comum; e c) de umasolicitação do usuário dos produtos deInteligência.

Ao longo do ciclo de Inteligência, possivel-mente os caminhos do analista e do decisorse cruzarão algumas outras vezes. Além deser uma importante fonte de dados e deexpertise sobre um dado assunto, o usuáriopode ser responsável pela renovação do ci-clo ao questionar informações e análisesrecebidas sobre as quais ainda se sente in-

8 O produto de Inteligência, cuja confecção fica sob a responsabilidade analista, é fruto da apli-cação do conhecimento deste profissional sobre um tema à informação trabalhada ao longo deum minucioso método de tratamento de dados e de fonte.

9 Processo técnico de confecção do produto de Inteligência que abrange etapas específicas aserem seguidas a fim de organizar a produção do conhecimento. Segundo Cepik (2003), em‘Espionagem e Democracia’, a idéia de ciclo de Inteligência deve ser entendida como umametáfora, “um modelo simplificado que não corresponde exatamente a nenhum sistema deInteligência realmente existente”. “A principal contribuição da idéia de ciclo de Inteligência éjustamente ajudar a compreender essa transformação da informação e explicitar a existênciadesses fluxos informacionais entre diferentes atores”.

10 Mark M. Lowenthal (2003) explica que, idealmente, a formulação de prioridades da Inteligênciaquanto ao acompanhamento de determinado assunto deveria ser feito pelos usuários dessaatividade. No entanto, devido à escassez de tempo e até mesmo à falta de uma cultura deInteligência por parte do cliente, este poderá eximir-se dessa tarefa. A responsabilidade deapontar prioridades ficará, portanto, a cargo dos “gerentes” de Inteligência, que para tal finali-dade se aproveitarão da expertise inerente à atividade em relação aos assuntos acompanha-dos. Neste caso, a Inteligência corre o risco de ser, posteriormente, acusada de equívoco oude manipular o processo decisório.

11 Quando Sherman Kent (1949) se refere a “problema objetivo”, refere-se ao problema que é oobjeto real da Inteligência, como a necessidade de estimar a capacidade produtiva máxima dosetor metalúrgico de determinado país em um cenário pré-definido de racionamento energético.

12 Segundo Kent (1949), “um desastre como Pearl Harbor deve ser atribuído em grande parte àausência de uma pessoa desagradável e persistente que, sabedora da crescente animosida-de do Japão, se mantivesse a perguntar quando e como viria o ataque japonês”.

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suficientemente seguro para absorver, ouainda desdobrar as análises em novos re-querimentos informacionais (re-orientaçãode coleta e análise), dando início a um novoesforço analítico.

2 Medindo a importância e o alcance da2 Medindo a importância e o alcance da2 Medindo a importância e o alcance da2 Medindo a importância e o alcance da2 Medindo a importância e o alcance daInteligência nas decisõesInteligência nas decisõesInteligência nas decisõesInteligência nas decisõesInteligência nas decisões

De acordo com o que foi anteriormentedescrito, o policymaker que necessite de-cidir amparado em argumentos mais sóli-dos do que os disponíveis pode optar porrecorrer aos setores de informações.Quando o faz, acatar ou não um argu-mento levantado pela Inteligência é açãodiscricionária própria. E ainda que umrelatório tenha sido levado em conside-ração, em alguns casos é útil de maneiraseletiva; ou seja, a análise pode não serintegrada em sua totalidade às decisõesdo usuário, que absorveria apenas algunsparágrafos constantes em um produto deInteligência.

Apesar de alertado para esses importan-tes detalhes desde os primeiros momen-tos de sua formação profissional, o ana-lista tende a superestimar o valor do seuofício para o usuário e cria expectativascom relação aos resultados concretos deseu trabalho, muitas vezes ignorando ofato de que a influência da Inteligência noprocesso decisório costuma ser (ainda quenem sempre o seja) bastante sutil. Então,como mensurar a importância e o alcan-ce dos produtos de Inteligência no pro-cesso de tomada de decisões?

Em princípio, a resposta a essa perguntaestaria condicionada à comparação entreo que foi analisado pela Inteligência e odesenrolar futuro das situações analisa-das e, em alguns casos, o resultado daação tomada tendo como base a Inteli-gência provida. A tarefa não poderia ser

mais complexa. Os subsídios proporciona-dos pela Inteligência aos policymakers po-dem conter previsões que desencadeari-am ações capazes de alterar os própriosfatos por ela previstos. Ademais, aquelessubsídios podem também levar o consu-midor à inércia, uma vez constatado que aação de menor risco para o caso analisadoconsistiria na inação. Se em princípio a fi-nalidade da Inteligência é informar e auxili-ar na orientação das ações do Estado, ese, muitas vezes, essas ações impedem osacontecimentos previstos em relatórios deInteligência – ou até mesmo permitem queocorram sem limitações –, a pergunta emquestão continuaria sem resposta.

... como mensurar a... como mensurar a... como mensurar a... como mensurar a... como mensurar aimportância e o alcance dosimportância e o alcance dosimportância e o alcance dosimportância e o alcance dosimportância e o alcance dosprprprprprodutos de Inteligência noodutos de Inteligência noodutos de Inteligência noodutos de Inteligência noodutos de Inteligência no

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A inexistência de uma estrutura formalpara a tomada de decisão desfavorece atarefa. Parafraseando Michael Herman(1996), as decisões são como ‘caixas-pre-tas’, que não possuem nenhuma indica-ção externa de seus circuitos. Tudo que édecidido sofre ação direta e indireta tan-to de elementos externos quanto de sub-sídios formais de informações advindas ounão do aparato de Inteligência. Lembre-mos que a atividade dos decisores envol-ve fatores alheios à atividade do produ-tor, como julgamento, interesses políti-cos, liderança e determinação. Por isso,“o processo decisório racional ou analíti-co constitui um ideal ao qual o sistemaque o executa aspira”.

Possivelmente, o impacto dos efeitos daInteligência para as decisões será maisbem visualizado avaliando-se o estado da

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reputação que ela goza perante os seususuários. Neste caso, a aceitação e a in-clusão institucional da atividade no pro-cesso decisório será o referencial por ex-celência. Quanto mais houver interaçãoresponsável13 entre instituições e entreprodutor e decisor, mais sadio será o ci-clo de Inteligência, provocando um gran-de fluxo de requerimentosinformacionais14, análises e re-orienta-ções. Conseqüentemente, serão fortes asevidências de que os produtos de Inteli-gência estão recebendo atenção apropri-ada e tendo algum alcance no processodecisório.

3 A relação entre os atores: pr3 A relação entre os atores: pr3 A relação entre os atores: pr3 A relação entre os atores: pr3 A relação entre os atores: proooooximidadeximidadeximidadeximidadeximidade

Ao percorrermos a literatura voltada paraas questões de Inteligência, percebemosque é recorrente a idéia de que o estabe-lecimento de boas relações entre o usuá-rio e o cliente é responsabilidade quaseexclusiva dos serviços de Inteligência. Essaafirmação torna-se evidente diante do ar-gumento de que a atividade é acessóriae, portanto, precisa mostrar-se útil econfiável para que seja aproveitada noprocesso decisório15. Como usuários deum produto, os decisores terão de serconvencidos de que suas ações não adeveriam dispensar, sob o risco de per-derem um importante input. Vale lembrarainda, como coloca Mark Lowenthal

(2003), que “os decisores existirão e tra-balharão sem a existência da Inteligência,porém o oposto não é verdadeiro”. Por-tanto, a demanda deve ser estimulada,pois nem todo governante compreende-rá ou verá benefício na utilização dos pro-dutos de Inteligência até que se prove ocontrário.

A maioria dos decisores exerce uma fun-ção tão técnica quanto política e possuiconvicções particulares, as quaispermearão suas atitudes profissionais.Seus projetos e sua situação comopolicymaker podem depender de umposicionamento político a ser seguido, porexemplo. Caso o modo como os assun-tos de sua competência são conduzidosentre em desconformidade com as con-clusões atingidas pelas análises de Inteli-gência, o usuário tenderia a – e teria po-der para isso, se desejasse – diminuí-lasem importância no âmbito de suas deli-berações, pois o planejamento e a execu-ção de políticas, inclusive a escolha dosargumentos que as embasarão, cabemapenas a ele. Ainda que trabalhe com adosconfiáveis, a Inteligência não é panacéia– mas acessório, ainda que diferenciado16.

Não se pode condenar o fato de umpolicymaker desagradar de uma análiseque não reforça suas opiniões. O proble-ma ocorre quando ele a desconsidera

13 Sobre “interação responsável” ou “relação responsável”, refiro-me à relação entre o usuário eo produtor de Inteligência conduzida de maneira que leve em conta e proceda de acordo comas benesses e mazelas a respeito das conseqüências da proximidade e do distanciamentoentre os dois atores.

14 Os requerimentos informacionais, assim como a pró-atividade do profissional de Inteligência,iniciam o ciclo de Inteligência e são compostos por pedidos sobre informações sujeitas aaprofundamento, dados não conhecidos e temas a serem elaborados. Cepik (2003) critica anoção de que o ciclo é integralmente dirigido pelos requerimentos informacionais do usuáriofinal, apontando que esse pensamento “induz expectativas exageradas sobre o tipo deracionalidade que orienta os processos decisórios governamentais e sobre o próprio papel daInteligência”.

15 Para Herman (1996), “o efeito da Inteligência, por isso, depende de sua reputação institucionale da química pessoal entre produtores e usuários”.

16 Para autores especializados e profissionais da área, o diferencial da Inteligência encontra-se nasanálises especializadas a partir de fontes diversificadas, na maior imparcialidade de um órgãoassessor em relação a um órgão executor, e no fato de acessar tecnicamente fontes sigilosas.

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imediatamente depois de constatada umacontradição ou não a aprecia por sabertratar-se de documento que potencialmen-te não corroborará seus planos. Um exem-plo clássico provém da antiga União dasRepúblicas Socialistas Soviéticas (URSS),quando Stalin ignorou os avisos da Inteli-gência britânica que o alertavam daiminência do ataque de Hitler a seu país.Na ocasião, a URSS era signatária de umtratado bilateral de não-agressão com aAlemanha nazista. Os motivos que leva-ram Stalin a ignorar os avisos da Inteli-gência podem ter sido muitos, entre elesa desconfiança de que a Grã-Bretanha oqueria a seu lado contra Hitler, mas tam-bém o detalhe de que provavelmente Stalintinha uma simpatia exagerada pelo bemsucedido – até aquele momento – trata-do de não-agressão que ele mesmo tinhaengendrado. Tomar providências a partirdo subsídio recebido da Inteligência bri-tânica evidenciaria sua ingenuidade naocasião, o que possivelmente nenhum lí-der na posição de Stalin desejaria.

... qual é o limite de... qual é o limite de... qual é o limite de... qual é o limite de... qual é o limite deprprprprproooooximidade e deximidade e deximidade e deximidade e deximidade e de

distanciamento desejáveldistanciamento desejáveldistanciamento desejáveldistanciamento desejáveldistanciamento desejávelpara que as relações entrepara que as relações entrepara que as relações entrepara que as relações entrepara que as relações entreanalistas de Inteligência eanalistas de Inteligência eanalistas de Inteligência eanalistas de Inteligência eanalistas de Inteligência e

policymakpolicymakpolicymakpolicymakpolicymakersersersersers não não não não nãocomprcomprcomprcomprcomprometam a utilidadeometam a utilidadeometam a utilidadeometam a utilidadeometam a utilidade

e a confiabilidade dae a confiabilidade dae a confiabilidade dae a confiabilidade dae a confiabilidade daInteligência prInteligência prInteligência prInteligência prInteligência produzida?oduzida?oduzida?oduzida?oduzida?

Michael Herman (1996) constata que, nabusca de criar um ambiente simbióticoentre os dois atores, a Inteligência, sujei-ta às atitudes imprevisíveis dospolicymakers, faz uso de “persuasão, re-lações pessoais e marketing”, o que auxi-liaria na aproximação entre produtor e

usuário. No mesmo sentido, ainda que emtom ortodoxo, Kent (1949) afirma que “osanalistas, mesmo os mais inexperientes,têm que carregar o pesado fardo de ad-ministrar as relações com seus clientes”,e que esta interação é criada “por meiode um grande empenho consciente e per-sistente, e que estará sujeita ao desapa-recimento caso o esforço seja relaxado”.

Existem, todavia, limites que não devemser ultrapassados nessa interação. Aindaque a proximidade seja necessária, a inti-midade entre os dois atores poderá cau-sar danos sérios ao papel da Inteligênciano processo decisório. Se a distância exa-cerbada entre eles tem a capacidade deinutilizar as análises de Inteligência, a si-tuação diametralmente oposta traz con-sigo o perigo da politização e da unifor-mização dos discursos. Então, qual é olimite de proximidade e de distanciamentodesejável para que as relações entre ana-listas de Inteligência e policymakers nãocomprometam a utilidade e aconfiabilidade da Inteligência produzida?

Com o intuito de tornar-se proveitosa, éimportante que a Inteligência se permitaaproximar dos decisores, pois somente odiálogo entre produtor e usuário poderábalizar e municiar a análise de modo atorná-la oportuna diante de questões ime-diatas aos policymakers. É necessário queo profissional de Inteligência conheça aagenda de seu cliente, seu histórico, suaatuação atual e ofício. Portanto, um ana-lista deve conscientizar-se de que é ne-cessário, em primeiro lugar, estudar ecompreender seu interlocutor para não oencarar como um recipiente vazio, quepode ser preenchido com qualquer tipode material.

O usuário espera da Inteligência algo quecontribua para a atitude que tomará em

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14 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

relação a uma questão17. Não obstante,por melhor que seja a maneira de umpolicymaker usar e pedir o que quer à In-teligência, nem sempre os requerimentosinformacionais incluirão circunstânciasdetalhadas a ponto de orientar perfeita-mente o processo de análise18. Para Kent,documentos cujo conteúdo se encontra“à deriva” – sem orientação – certamen-te não agregarão valor às suas decisões.Por isso, o analista deverá estar prepara-do para detectar, ainda que por si só, oque o decisor necessita saber. Isto somen-te será possível se houver a combinaçãode dois fatores fundamentais: a) a expertisedo analista de Inteligência na área que sepropõe a analisar, e b) a existência de umainteração responsável com os usuários deseus produtos.

Com relação ao policymaker, a aproxima-ção entre os atores garantirá sua partici-pação efetiva no processo de produçãode conhecimento, pois será educado nosprocedimentos da Inteligência. Ao longodo tempo, o usuário tenderá a adquirir anoção de como a atividade lhe pode serútil, de como se recorre a ela, bem comoafastará dúvidas causadas pela pouca fa-miliaridade com o assunto19 – fragilizando

argumentos e lugares-comuns como o quedefine a Inteligência como uma duplica-ção dos esforços do usuário20. Garantin-do que o decisor saiba o que é, para oque é, o que pode fazer e como se fazuso da Inteligência, todo produto prove-niente dessa atividade lhe será potencial-mente útil em algum momento21. Nestesentido, o ciclo de Inteligência será dina-mizado, dado que possivelmente haveráorientação adequada, volume de requeri-mentos informacionais e continuidade dofluxo de análises22. Em resumo, a Inteli-gência ganhará a confiança e o respeitode quem ela propõe a auxiliar.

Alguns usuários, no entanto, poderãoenxergar na Inteligência um instrumentopolítico para uso próprio e certamentetentarão aproveitar-se da sua proximida-de com o analista para que este tendencieas conclusões dos seus trabalhos, o quecaracteriza a politização da Inteligência,ou, como denominavam os nazistas,kämpende Wissenschatf 23. Neste senti-do, as análises poderão ser vir aopolicymaker como um poste de luz podeservir a um homem embriagado – maiscomo um mero apoio do que como ilu-minação para seu caminho. Da mesma

17 Ainda que a análise o inspire a não tomar atitude alguma ou mudar de atitude.18 Na verdade, muitas vezes os requerimentos são extremamente vagos, segundo Kent (1949).19 A CIA, por exemplo, prepara vídeos e cartilhas para seus usuários no intuito de educá-los nos

procedimentos da Inteligência.20 Tal argumento é extremamente prejudicial e seus efeitos são desastrosos, pois o policymaker

passará a enxergar os analistas como competidores diretos que lhe estariam furtando a atribui-ção de raciocinar. Neste contexto, a cooperação entre os dois e a desejada relação simbióticaestará seriamente comprometida, o que demandará esforços muito maiores em direção a umasolução.

21 Cabe ressaltar que parto do princípio de que todos os profissionais de Inteligência compreen-dam perfeitamente o que é, para o que é, o que pode fazer e como se faz uso da Inteligência.Do contrário, o risco de desvio de função é grande e, neste caso, analistas e policymakerscertamente entrarão em conflito.

22 Não se pode encarar sempre a manufatura de um relatório de Inteligência sobre um determi-nado assunto como produto final ou como a apreciação incontestável para o problema dousuário, pois normalmente um requerimento informacional deve desencadear um processoque resultará em diversos novos questionamentos e requerimentos, que gerará novas análi-ses e assim por diante, ultrapassando o momento em que o decisor se satisfaça, até que oassunto torne-se desimportante a partir da ótica do analista.

23 Kent (1949) traduz esta expressão como “conhecimentos que embasam a política do estado”. Nocaso, tais conhecimentos eram cuidadosamente elaborados pelos intelectuais do partido nazistapara fundamentar conceitos tais como a supremacia ariana, o destino alemão, o Vesailles Diktat etc.

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forma, a proximidade exacerbada entreanalista e decisor – principalmente umdecisor de vulto – pode criar distorçõesanalíticas, uma vez que o oficial de Inteli-gência estará sujeito a pressões mais di-retas ou à sedução, caso troque a impar-cialidade inerente ao seu trabalho pelaadmiração por seu interlocutor.

Exemplos claros de manipulação das aná-lises de Inteligência são difíceis de seremencontrados. A suposta manipulação dosrelatórios da CIA sobre a existência dearmas de destruição em massa no Iraquepela Casa Branca ainda não foi provada ea simples constatação de que houve co-erção para que analistas de Inteligênciarelatassem o que o governo queria ouvirsobre o Iraque seria desastrosa. O fato,porém, proporciona uma idéia de como apolitização poderia ser gerada quando arelação entre produtor e usuário se tornainstável. Em outubro de 2002, uma esti-mativa produzida pela comunidade deInteligência norte-americana considerouque o Iraque continuava com a sua políti-ca de produção de armas de destruiçãoem massa. O documento, que se tornoupúblico em 2003, previa inclusive a cons-trução de um dispositivo nuclear iraquianopara esta década (ESTADOS UNIDOS,2002). A discrepância no processo deprodução do conhecimento poderia serencontrada na falta de vontade dosdecisores norte-americanos para criticaro embasamento de afirmações tão cate-góricas quanto aquelas encontradas nacitada estimativa, que supostamenteembasava uma vontade do governo Bush.Numa mesma linha especulativa, um arti-go publicado por Seymour Hersh para arevista ‘The New Yorker’, em 2003, insi-nua que o governo norte-americano cul-

tivou analistas dispostos a embasar suaspretensões, o que teria constituído um dosprincipais meios através dos quais teriase dado a suposta manipulação da análisede Inteligência.

O outro problema apresentado pela mácondução da relação entre produtor eusuário é a uniformização dos discursos.A função do analista não abarca acontraposição aos vieses políticosadotados e às decisões tomadas pelopolicymaker. Mas conflitos de idéias sur-girão rotineiramente e é possível que de-les nasçam novas hipóteses e opções viá-veis que se encontrem além das vistas dosdois atores. Também abundarão casos emque as análises de Inteligência e as pre-tensões do decisor coincidirão. E haverámomentos nos quais a confiança do usu-ário na assessoria da Inteligência chegaráa um nível tão elevado que as idéias deambos tenderão a, insistentemente, nãoapresentar contradições.

A falta de eventuais contraposições entreusuário e produtores cria uma barreira quesimplifica o ciclo de Inteligência de umamaneira tão perversa que pode inspirar opolicymaker a cometer erros graves. De-vido à poderosa confiança que se originada similaridade entre os argumentos dosdecisores e da Inteligência, potenciaisquestionamentos às análises, contra ou afavor de informações que fundamentamuma argumentação, permanecerão inde-finidamente latentes. Nesse contexto, in-formações que necessitem de agregaçãode valor (confirmação) carecerão de aten-ção, o que comprometerá todo o resulta-do final da confecção do produto de In-teligência24. Criar-se-á um círculo viciosodifícil de ser quebrado.

24 Insisto na idéia de que um relatório não é o produto final da Inteligência, pois esta consiste emum processo materializado na repetição indefinida do ciclo de Inteligência.

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16 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

Para ilustrar essa argumentação,retornemos a 1973, em Israel. Nessa épo-ca, as Inteligências civil e militar israelen-ses gozavam de um alto conceito entreos decisores daquele país. Com relação àameaça de uma nova guerra com seus vi-zinhos árabes, os policymakers e analis-tas israelenses dividiam o mesmo pensa-mento formulado no final da década de60, que ficou conhecido como‘kontzeptziya’ 25. Este se baseava em trêslinhas de argumentação para concluir que,para árabes e israelenses, a guerra estavafora de cogitação naquele momento: a)após a guerra de 1967, Israel havia al-cançado uma posição de superioridademilitar capaz de dissuadir qualquer inten-ção belicista de seus vizinhos; b) a Sírianão estava disposta nem preparada parase engajar em uma guerra solitária contraIsrael; c) o Egito não estava preparadomilitarmente, principalmente em termosde capacidade aérea ofensiva e defensi-va, para atacar Israel. Por isso, os rela-tórios da Inteligência militar, até o dia 5de outubro de 1973, véspera do YomKippur e do ataque egípcio e sírio, con-sideravam a iminência de uma guerracomo fato “altamente improvável”(BLACK; MORRIS,1991).

A crença na kontzeptziya estava tão ar-raigada em Israel que as reiteradas de-monstrações de disposição para a guerrapor parte de Síria e Egito não convence-ram nem governo nem Inteligência. Umcomandante israelense chegou a comen-tar que, caso fossem iniciadas as hostili-

dades, bastava posicionar um pelotão deparatroopers e dois tanques em cima deuma colina para que todos os inimigos deseu país fossem sobrepujados. O resulta-do foi um ataque surpresa dos vizinhoscontra Israel, ocorrido no dia 6 de outu-bro de 1973, em pleno “Dia do Per-dão26”, e uma vitória à custa de sacrifíci-os que, em outras circunstâncias, poderi-am ter sido evitados.

4 A relação entre os atores:4 A relação entre os atores:4 A relação entre os atores:4 A relação entre os atores:4 A relação entre os atores:distanciamentodistanciamentodistanciamentodistanciamentodistanciamento

Um dos motivos pelos quais a Inteligên-cia existe como atividade de estado apar-tada das demais instâncias executivas é asua capacidade de se pronunciar de ma-neira independente. Essa separação pre-tende evitar que todo o magnetismo con-tido no jogo político intrínseco ao pro-cesso decisório logre atrair a Inteligênciaem maior ou menor grau, desde a fase decoleta até a etapa da análise (SHULSKY,2002). Agindo dessa forma, busca-sepreservar a imparcialidade das conclusõesdo analista, evitando hábitos como o de“eliminar o mensageiro”27 – obviamenteaquele que porta más notícias.

A própria justificativa para a criação deagências centrais de Inteligência seria pro-porcionar-lhes o máximo de independên-cia possível. Como a CIA, elas estão nor-malmente vinculadas ao mandatário doPoder Executivo, mas não aos maioresconsumidores de produtos de Inteligên-cia, como as Relações Exteriores, os

26 Tradução em português para Yom Kippur.27 Shulsky (2002) se refere à “killing the messenger” syndrome, e nos proporciona um ótimo

exemplo extraído de “Antony and Cleopatra” de Shakespeare. Na obra, após ameaçar de mor-te o mensageiro que lhe trouxe a notícia de que Marco Antônio havia se casado com Otávia,Cleópatra se explica: “Tough it be honest, it is never good to bring bad news: give to a gracioustiding a host of tongues; but let ill tidings tell themselves when they be felt.” – “Não obstante sejahonesto, nunca é bom trazer más notícias: alardeie as boas novas; todavia, deixe as másnotícias anunciarem a si mesmas quando forem sentidas.” (tradução livre).

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Ministérios e Departamentos de Defesa.Isso não exclui o fato de que primeiros-ministros e presidentes sejam eles mes-mos os principais clientes28 da Inteligên-cia, com virtudes, vícios e opiniões pró-prias. Por isso, o problema em questãotende a reaparecer em outro nível, e agarantia de que haverá objetividadesatisfatória nas análises dependerá da pre-disposição dos líderes da Inteligência amanter a finalidade original da atividade(SHULSKY, 2002).

Além de poder apontar coerências e dis-crepâncias em políticas em curso, a ativida-de de Inteligência deve ser suficientementeindependente a ponto de não centrar suasatenções apenas em assuntos e áreas geo-gráficas que interessem aos seus clientes.Uma das funções de um serviço de Inteli-gência é identificar novas ameaças, proces-sar novas questões e alertar sua contrapartepara tópicos que lhes serão potencialmenteúteis, porém que permanecem inobservadosdevido ao direcionamento do foco sobreassuntos que o caminhar das políticas ofici-ais de governo impõe.

O desequilíbrio no distanciamentoinstitucional e físico da Inteligência emrelação aos seus usuários pode resultarna irrelevância da atividade para o gover-no, já que será muito difícil educá-lo so-bre a função e os processos da Inteligên-cia, bem como definir o que é e o quenão é interessante para os decisores,inviabilizando a produção de subsídiosdelineados e direcionados. O efeito é ne-fasto, principalmente para a atividadeacessória, que tenderá a criar e a viverem seu próprio mundo, tal como se so-fresse de um autismo institucional, peloqual a Inteligência seria desligada da rea-lidade exterior e se limitaria, na maior parte

das vezes, a situações que apenas ela con-sidera importante.

Uma das funções de umUma das funções de umUma das funções de umUma das funções de umUma das funções de umserserserserserviço de Inteligência éviço de Inteligência éviço de Inteligência éviço de Inteligência éviço de Inteligência é

identificar novas ameaças,identificar novas ameaças,identificar novas ameaças,identificar novas ameaças,identificar novas ameaças,prprprprprocessar novas questões eocessar novas questões eocessar novas questões eocessar novas questões eocessar novas questões ealertar sua contraparte paraalertar sua contraparte paraalertar sua contraparte paraalertar sua contraparte paraalertar sua contraparte para

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O insulamento da Inteligência pode ocor-rer pelo medo das conseqüências da pro-ximidade do usuário ou pela simples trans-formação de uma prática viciosa em umaxioma. Sem entender as razões e as con-seqüências do distanciamento entre o pro-dutor e o usuário, os doutrinadores de In-teligência podem se tornar pregadores tãoradicais que acabariam fazendo a atividadeviver por si e para si, esquecendo-se deque sua função real é assessorar de umamaneira específica. Conseqüentemente,isso eliminaria qualquer traço de relevân-cia da Inteligência para seu Estado.

Na opinião de Sherman Kent (1949), en-tre o isolamento e a proximidade, o pri-meiro causaria os piores danos, uma vezentendendo-se que o processo de cons-truir um ambiente simbiótico partindo dozero é bastante difícil. Além disso, odistanciamento, quando exacerbado,comprometeria desde seu princípio aprodução de Inteligência, que dependede orientação adequada para fluir. A ex-clusão se torna mútua, porque o ciclo deInteligência não mais contaria com a par-ticipação sine qua non do policymaker,bem como a força que a Inteligência poderepresentar nas deliberações do proces-so decisório seria desconhecida até quea situação se invertesse.

28 Não necessariamente o maior consumidor.

Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários

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18 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

Os exemplos proporcionados pelas duassituações não admitem que a Inteligênciafaça concessões e opte pela proximidadeexagerada ou pelo distanciamento conser-vador de seus usuários. O esforço deveriaestar voltado sempre para o equilíbrio quecada situação exigisse. Qualquer escolhaextremada condenaria a atividade ao exer-cício de uma função viciada e construiriaum exemplo de ineficácia institucional edesperdício de recursos públicos.

Da mesma forma, por parte de um decisorconhecedor e usuário costumeiro da In-teligência, a tentativa de manipulá-la vi-sando interesses próprios causaria omesmo efeito. Ainda assim, esta é umaopção – censurável, ressalta-se – dopolicymaker, que só virá à tona caso oscontroles externos da atividade procedameficientemente na fiscalização da mesma.

Para o potencial usuário que não tem ci-ência do valor que a atividade pode agre-gar a seu ofício e a ignora por completo,atribui-se a responsabilidade sobre essacondição à própria comunidade de Inteli-gência, que tem como obrigação aproxi-mar-se de seus clientes e educá-los noque diz respeito às atribuições e contri-buições da atividade. O policymaker tam-bém pode ter interesse em conservar umrelacionamento responsável com a Inteli-gência, o que só se concretizará com ins-trução adequada.

Educar usuários e produtores com a fina-lidade de criar uma cultura de Inteligên-cia forte não somente oxigenaria o ciclode Inteligência, no âmbito do processodecisório, tornando-o mais eficiente,como também estimularia a reproduçãode vários modelos de Inteligência que, aolongo do tempo, tenderiam a se adequar

e a se consolidar em função da realidadenacional, por meio de consultas mútuasentre os dois atores.

Profissionalizar cada vez mais a Inteligên-cia é uma necessidade que se impõe acada dia. Esse esforço passa pela perfeitavisualização do ofício do profissional daárea, cujas funções vão além da manufa-tura de relatórios e abrangem desde asensibilização dos usuários para as ques-tões de Inteligência até o estudo das pa-tologias institucionais derivadas de suaprópria existência, com o objetivo de ela-borar e aperfeiçoar contrapesos e con-troles externos da atividade. É fundamen-tal que a Inteligência tome consciênciacompleta de si para que possa educar ese impor de maneira benéfica, ocupandoum lugar exclusivamente seu.

Por mais que estejamos conscientes, fa-lhas ocasionalmente ocorrerão, devido àmá administração da interação entre pro-dutores e usuários, principalmente aque-las falhas derivadas do aspecto da proximi-dade e da distância entre os dois atores.Em lugar nenhum no mundo se alcançouum modelo perfeito de inserção da Inteli-gência no processo decisório que a previ-na totalmente contra os vícios apresenta-dos. Entretanto, os aparatos de Inteligên-cia atuais são relativamente eficientes naidentificação e reversão das mazelas e suascausas, incentivando o aprimoramento dadiscussão em torno desse tema e colocan-do idéias em prática. É necessário que pro-fissionais de Inteligência e governantesconscientizados, em conjunto, desenvol-vam continuamente meios cada vez maiscapazes de minimizar as patologias quesurjam da inexorável relação entre produ-tor e usuário, bem como nunca baseiemsuas relações em axiomas e práticas semalicerce teórico, mas em conceitos bemfundamentados e oxigenados pelo debate.

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Considerações sobre a relação entre a Inteligência e seus usuários

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DECORRÊNCIAS DDECORRÊNCIAS DDECORRÊNCIAS DDECORRÊNCIAS DDECORRÊNCIAS DA UTILIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA UTILIZAÇÃO DA INTERNETA INTERNETA INTERNETA INTERNETA INTERNETPOR ORGANIZAÇÕES TERRORISTPOR ORGANIZAÇÕES TERRORISTPOR ORGANIZAÇÕES TERRORISTPOR ORGANIZAÇÕES TERRORISTPOR ORGANIZAÇÕES TERRORISTAS:AS:AS:AS:AS:

o recurso da comunicação tecnológica como pro recurso da comunicação tecnológica como pro recurso da comunicação tecnológica como pro recurso da comunicação tecnológica como pro recurso da comunicação tecnológica como propostaopostaopostaopostaopostade mudança nãode mudança nãode mudança nãode mudança nãode mudança não-democrática de poder-democrática de poder-democrática de poder-democrática de poder-democrática de poder1

Romulo Rodrigues DantasRomulo Rodrigues DantasRomulo Rodrigues DantasRomulo Rodrigues DantasRomulo Rodrigues Dantas

“Estamos em uma batalha e mais da metade dessa batalha é travada namídia, à distância. Essa batalha tem por alvo os corações e as mentes donosso povo”.2

AAAAAyman al-Zawahiriyman al-Zawahiriyman al-Zawahiriyman al-Zawahiriyman al-Zawahiri

ResumoResumoResumoResumoResumo

Gerar publicidade e propaganda é axioma fundamental do terrorismo, que, historicamente,vale-se de recursos também à disposição da sociedade contemporânea. A internet é um desses.Com a união do efeito de demonstração do fanatismo do século XII com o alcance da comuni-cação do século XXI, as palavras ‘terrorismo’ e ‘cibernética’ fundem-se e geram nova expressão– terrorismo cibernético ou ciberterrorismo – e capitalizam efeitos psicológicos decorrentes dotemor do desconhecido e da imprevisibilidade do ato, embasados na dependência das socieda-des nas redes de informação. A Convenção de Budapeste estabelece o que constitui crimecibernético, mas é pouco provável que o Brasil vincule-se automaticamente ela. O momentohistórico, os referenciais internacionais e a disposição do Brasil em aprimorar sua legislaçãosobre crimes cibernéticos ensejam prever tipificar a utilização da internet por organizaçõesterroristas e dotar a atividade de Inteligência de Estado brasileira com os recursos jurídicosnecessários para o acompanhamento analítico, estratégico e sistemático dessas organizações.

ApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentaçãoApresentação

Em 7 de outubro de 2001, algumashoras após o inicio da reação militar

dos Estados Unidos da América (EUA)contra instalações do regime Talibã e daal Qaeda no Afeganistão, um vídeo foi

divulgado por meio da internet e, depois,pela televisão. Nele, um homem magro,de barba longa e desarrumada, vestindojaqueta militar camuflada, com turbantena cabeça, um fuzil AK-47 a seu lado e

1 Texto originalmente apresentado no Seminário Internacional: Crimes Cibernéticos e Investiga-ções Digitais, organizado pela Câmara dos Deputados, em 28 de maio de 2008.

2 Carta de 2005 de Ayman al-Zawahiri, vice-chefe da al Qaeda, para Abu Mussab al-Zarqawi,então comandante militar da organização no Iraque.

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22 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

tendo montanhas ao fundo, falava demodo pousado, mas firme, olhando dire-tamente para a câmara. De modo desafi-ador, Osama bin Laden declarou, naque-le momento, o começo da segunda etapada guerra que iniciara em 11 de setem-bro do mesmo ano.

A mensagem de bin Laden evidenciou quea internet também estava à disposição daal Qaeda, com qualidade, segurança, al-cance global e oportunidade, e que asarmas à disposição da organização nãomais se resumiam a fuzis e bombas, masagora incluíam computadores, seus aces-sórios e periféricos.

A prA prA prA prA propaganda é técnicaopaganda é técnicaopaganda é técnicaopaganda é técnicaopaganda é técnicaessencial de que se valemessencial de que se valemessencial de que se valemessencial de que se valemessencial de que se valemorororororganizações eganizações eganizações eganizações eganizações extremistas,xtremistas,xtremistas,xtremistas,xtremistas,

especialmente com aespecialmente com aespecialmente com aespecialmente com aespecialmente com afinalidade de atrairfinalidade de atrairfinalidade de atrairfinalidade de atrairfinalidade de atrair

seguidores.seguidores.seguidores.seguidores.seguidores.

Um dos axiomas mais duradouros do ter-rorismo o considera fundamentalmentedestinado a gerar publicidade e atrair aatenção para os terroristas, as causas quedefendem e a mensagem que objetivamdivulgar.

Poucas palavras têm carga política ouemotiva semelhante a ‘terrorismo’. Estu-do do final da década de 90 constatoumais de cem definições do fenômeno, com22 elementos conceituais diferentes. Oponto de convergência entre estes é queterrorismo é uma forma de ação não-tra-dicional, que considera o uso da violên-cia ou a ameaça de seu uso.

Ao se analisar a história do terrorismo,constata-se que é fenômeno em evolu-ção, que se vale de recursos também à

disposição da sociedade contemporânea.A internet é um desses.

As decorrências de tal constatação im-põem a governos e sociedades a necessi-dade de dispor e se valer de dispositivoslegais e de segurança capazes de confron-tar a ameaça, porém sem restringir o aces-so à informação. Essa dicotomia traz de-safios crescentes ao modelo tradicional demonopólio da comunicação por entida-des estatais e comerciais, na medida emque organizações não-governamentais ede natureza não-democrática também sevalem desses recursos para lograr finspolíticos violentos.

A propaganda é técnica essencial de quese valem organizações extremistas, espe-cialmente com a finalidade de atrair se-guidores. Por décadas, material impres-so, vídeos com operações e treinamen-tos, discursos, história e realizações têmestado à disposição de interessados, emredes de distribuição difusas, clandesti-nas e de acesso limitado. Entretanto, noséculo XXI, pessoa interessada em conhe-cer, apoiar ou aderir a esse tipo de orga-nização pode individualmente e de ma-neira aberta se valer da internet e obter ainformação desejada, tanto por meio depáginas estáticas quanto interativas, comosalas e fóruns de discussão.

Ao unir o efeito de demonstração do fa-natismo do século XII com o alcance glo-bal da comunicação do século XXI, as pa-lavras ‘terrorismo’ e ‘cibernética’ fundem-se e geram nova expressão, dimensão econceito – terrorismo cibernético ouciberterrorismo –, que capitaliza efeitospsicológicos decorrentes do temor dodesconhecido e da imprevisibilidade doato, embasados na dependência das so-ciedades nas redes de informação.

Romulo Rodrigues Dantas

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Igualmente, por se caracterizar como fenô-meno recente, o terrorismo cibernético ouciberterrorismo também carece de defini-ção consolidada e universalmente aceita.

Isso decorre, provavelmente, do entendi-mento tradicional de que as expressõesterterterterterrrrrrorismoorismoorismoorismoorismo e internetinternetinternetinternetinternet aparentemente nãocoexistem nem se complementam. Mas ocerto é que essa combinação ainda é pou-co estudada pela ciência política.

Com essa percepção, objetiva-se discor-rer sobre a relação entre essas expressões.Apesar de serem apresentadas definiçõesoperacionais3 para se estabelecer basesde entendimento, não se terá por objeti-vo a busca de definição ideal ou satisfatóriapara elas, mas, apenas, ater-se a entendi-mentos que se fundamentam no sensocomum da variedade de definições aca-dêmicas e governamentais sobre o tema.

Trata-se, assim, de percepção acadêmicae não se deve atribuir a ela valorinstitucional.

Estratégia Global das Nações Unidas deEstratégia Global das Nações Unidas deEstratégia Global das Nações Unidas deEstratégia Global das Nações Unidas deEstratégia Global das Nações Unidas deContraterContraterContraterContraterContraterrrrrrorismoorismoorismoorismoorismo

A Estratégia Global das Nações Unidasde Contraterrorismo foi adotada pela As-sembléia-Geral em 8 de setembro de2006. Esta estratégia estabelece açõesconcretas que devem ser implementadas,individual ou coletivamente, pelos Esta-dos-membros em matéria de terrorismo.Atividades de coordenação e cooperação

da estratégia incluem tarefas relacionadasa: facilitar sua implementação; fazer fren-te a ações radicais e extremistas que pos-sam resultar em atos terroristas; impediro uso da internet com finalidades terro-ristas; proteger os direitos humanos, mes-mo ao se combater o terrorismo; prote-ger e fortalecer alvos vulneráveis; apoiare destacar as vítimas do terrorismo; e com-bater o financiamento do terrorismo.

No que se refere à utilização da internetcom finalidades terroristas, os Estados-membros acordaram que a estratégia te-ria por objetivo identificar e proporcionaro debate com atores públicos e privadossobre o assunto e identificar maneiraspossíveis de combater essa ação, nos ní-veis global, regional e sub-regional.

Ainda que se tenha incluído tópico sobrea prevenção ao uso criminal, é escasso oconhecimento sobre a ameaça represen-tada pela utilização da internet por terro-ristas, que a têm utilizado para recrutaradeptos, arrecadar fundos e estabelecerações de propaganda, em escala global.

Utilização da internet por OrUtilização da internet por OrUtilização da internet por OrUtilização da internet por OrUtilização da internet por OrganizaçõesganizaçõesganizaçõesganizaçõesganizaçõesTTTTTerererererrrrrroristasoristasoristasoristasoristas

O estudo da conexão entre terrorismo einternet – ou, conforme proposto nesteensaio, – tem sido objeto de interesse deacadêmicos e especialistas, dos setoresprivado e público, a partir da segundametade da década de 90 e, especialmen-

3 Conforme estabelecido por Portaria de 2004 do Conselho Consultivo do Sistema Brasileiro deInteligência (Sisbin), para a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) e os demais órgãos desteSistema, terrorismo é a ameaça ou emprego da violência física ou psicológica, de forma preme-ditada, por indivíduos ou grupos adversos, apoiados ou não por Estados, motivado por razõespolíticas, ideológicas, econômicas, ambientais, religiosas ou psicossociais, e objetiva coagir ouintimidar autoridades ou parte da população, para subjugar pessoas ou alcançar determinado fimou propósito (SISTEMA...,2004, grifo nosso). Terrorismo cibernético ou ciberterrorismo, aca-demicamente, é definido pela Escola de Inteligência, como o uso premeditado de ações deinterrupção ou ameaça de interrupção de serviços com base em computadores ou redes deinformação, com motivação criminal ou ideológica e visando a provocar danos ou intimidação.

Decorrências da utilização da internet por organizações terroristas

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te, após os ataques de 2001. WalterLaqueur (2000) foi um desses visionários.

No âmbito acadêmico, artigos têm sidoproduzidos, vislumbrando supostos esfor-ços de organizações terroristas – sobre-tudo a al Qaeda – para a aquisição demeios técnicos, destinados à realizaçãode ataques com super-alta tecnologia con-tra infraestruturas críticas ocidentais, par-ticularmente dos EUA, por meio de re-des de computadores.

Especialistas em áreas de Inteligência deEstado, inclusive no Brasil4, avaliam que,atualmente, é pouco provável que a alQaeda ou qualquer outra organização ter-rorista conhecida tenha capacidade de re-alizar ações que demandem emprego derecursos de alta tecnologia. Entretanto, háconcordância de que fatores críticos paraa continuidade da al Qaeda incluem plane-jamento operacional aprimorado; ênfase nosigilo das informações; uso planejado detécnicas de comunicação e propaganda;exploração de lacunas legais, além decriatividade e inovação na utilização de tá-ticas convencionais de ataque.

Organizações criminosas, movimentosradicais e a tendência deles à violência nãorepresentam novidade no cenário dospaíses. Governos têm continuadamentebuscado formas de aprimorar sua capaci-dade de confrontar a ameaça. Para tanto,é fundamental dotar organismos de segu-rança e de Inteligência de Estado com trei-namento e recursos legais e materiaiscompatíveis com demandas que se apre-

sentam, respeitados competências espe-cíficas e limites estabelecidos.

Vive-se em uma Era em que a tecnologiada informação é parte integrante dos va-riados aspectos que compõem a socieda-de contemporânea. A internet é a ‘face’mais conhecida do processo deglobalização. As vantagens que compu-tadores, redes computacionais etecnologia associada oferecem à socieda-de e ao comércio também auxiliam orga-nizações criminosas a realizar suas ativi-dades, o que é facilitado pela aindaincipiente capacidade de resposta dosEstados, como parte de estratégia univer-sal concertada. O Brasil não é exceção.

Tipicamente, as páginas-web terroristasapresentam história e feitos da organiza-ção; biografia de líderes, fundadores eheróis; informações sobre objetivos alme-jados; e críticas aos opositores. De modogeral, o uso considera a internet para ar-recadar fundos, recrutar adeptos, obterinformações e coordenar ações.

Muitas das condutas cometidas com o usode computadores e redes computacionaissurgiram em função desses objetivos,como invasão de sistemas e interceptaçãode comunicações eletrônicas sem autori-zação judicial. Naturalmente, a internetse constitui ambiente ideal para organi-zações terroristas, em decorrência: dofácil acesso; da carência de legislaçãouniversalmente aceita; do pouco contro-le ou de crítica governamental ou de ór-gãos de autorregulamentação; do alcan-

4 Nos termos do art. 3º da Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999, cabe exclusivamente à Abin,órgão de assessoramento direto ao Presidente da República, que, na posição de órgão centraldo Sistema Brasileiro de Inteligência, tem, exclusivamente a seu cargo, planejar, executar,coordenar, supervisionar e controlar as atividades de inteligência do País, obedecidas a políti-ca e as diretrizes estabelecidas em lei.O acompanhamento de manifestações do terrorismo de bases científica ou tecnológica integraa relação de assuntos acompanhados sob ótica analítica e estratégica pela Abin – especifica-mente, por meio do Departamento de Contraterrorismo –, com a finalidade de prevenir o terro-rismo e seu financiamento, no Brasil ou contra interesses brasileiros no exterior.

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ce global a públicos-alvo imediato e po-tencial; da instantaneidade da comunica-ção; dos razoáveis anonimato e seguran-ça; do baixo custo de operação e manu-tenção; do ambiente multimídia; da sim-plicidade, entre outros fatores.

A internet é espécie de biblioteca digital,onde informações são obtidas a custobaixo e podem dizer respeito a serviçosde transporte, imagens de infraestruturascríticas, horários e regras de acesso aedifícios públicos, aeroportos e portos;rotinas e procedimentos de segurança,inclusive contra ações terroristas.

Em 2003, Dan Verton descreveu entre-vistas de organizações terroristas, sobre-tudo a al Qaeda, que operam com o auxi-lio de bases de dados com detalhes deobjetivos potenciais ao redor do mundoe se valem da internet para obter Inteli-gência sobre tais objetivos. Com progra-mas computacionais comerciais ou espe-cificamente concebidos, identificam de-bilidades, projetam resultados desejados,avaliam impactos econômicos decorren-tes e resultados nos direitos civis.

Desafio LegalDesafio LegalDesafio LegalDesafio LegalDesafio Legal

Sob a ótica da Inteligência de Estado, astarefas de responder a condutas crimino-sas envolvendo recursos computacionaisnão são triviais nem teóricas e impõemdesafios: Técnicos Técnicos Técnicos Técnicos Técnicos – relativos à capaci-dade de se identificar fatos e situações deinteresse; LegaisLegaisLegaisLegaisLegais – capazes de prover oembasamento jurídico de resposta aodelito; e OperacionaisOperacionaisOperacionaisOperacionaisOperacionais – para assegurarcapacidade a profissionais de organizaçõesespecializadas de analisar de forma céleree com abordagem estratégica a vinculaçãoentre terrorismo e internet, até mesmo noexterior.

O acompanhamento de atividades terro-ristas pela internet requer que agênciasde Inteligência de Estado disponham dosinstrumentos legais imprescindíveis paraa obtenção, em bases racionais, de dadose conteúdo relacionados à interceptação,análise e avaliação de tendências de ativi-dades terroristas e conexas a ela, com fis-calização e limites estabelecidos,proativamente. Entretanto, não deve com-petir a essas agências executar tarefas denatureza processual, forense ou de polí-cia judiciária.

O primeiro acordo multilateral sobre cri-me cibernético foi firmado entre paíseseuropeus em 23 de novembro de 2001,em Budapeste, Hungria, sem a participa-ção do Brasil. O acordo é conhecido comoConvenção do Conselho Europeu sobreo Cibercrime, ou Convenção de Budapes-te. Essencialmente, esse instrumento ob-jetiva proteger a sociedade contra crimesna internet, por meio da adoção de legis-lação adequada e do avanço da coopera-ção internacional, decorrentes daconscientização acerca das mudanças doprocesso de comunicação digital.

O acordo entrou em vigor em 1º de julhode 2004, depois que cinco países o rati-ficaram, sendo três integrantes do Con-selho Europeu. Quarenta e sete países járatificaram o tratado. Os EUA são o úni-co país de fora do Conselho Europeu queo ratificou, em 29 de setembro de 2006.O Japão e o Canadá o assinaram.

A uniformização da lei internacionalcentrada na convenção ainda é limitada eprecisa ter a participação de maior núme-ro de países, além de sofrer adição deoutras modalidades de delitoscibernéticos. Entretanto, para ser eficaz,necessita ter adesão universal, no âmbito

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das Nações Unidas, para poderpotencializar suas chances de sucesso.

A convenção estabelece o que constituicrime cibernético e permite que as polí-cias de cada país cooperem nas investi-gações desses delitos, podendo até pren-der suspeitos de crimes cometidos forade seu território. Críticos do documentoquestionam os poderes atribuídos à polí-cia, que, segundo eles, poderiam com-prometer a preservação da liberdade nainternet. Muitos países já dispõem de le-gislações que permitem que organismosde segurança monitorem a internet, masespecialistas temem que esses poderessejam ampliados nos países que adota-rem o tratado.

Não há, entretanto, prNão há, entretanto, prNão há, entretanto, prNão há, entretanto, prNão há, entretanto, provisãoovisãoovisãoovisãoovisãocom o objetivo decom o objetivo decom o objetivo decom o objetivo decom o objetivo de

prprprprproporoporoporoporoporcionar o debate comcionar o debate comcionar o debate comcionar o debate comcionar o debate comatores públicos e privadosatores públicos e privadosatores públicos e privadosatores públicos e privadosatores públicos e privados

sobre o uso da internet comsobre o uso da internet comsobre o uso da internet comsobre o uso da internet comsobre o uso da internet comfinalidade terfinalidade terfinalidade terfinalidade terfinalidade terrrrrrorista eorista eorista eorista eorista e

iiiiidentificar maneiras possíveisdentificar maneiras possíveisdentificar maneiras possíveisdentificar maneiras possíveisdentificar maneiras possíveisde combater essa ação, nosde combater essa ação, nosde combater essa ação, nosde combater essa ação, nosde combater essa ação, nos

níveis global, regional eníveis global, regional eníveis global, regional eníveis global, regional eníveis global, regional esub-regional.sub-regional.sub-regional.sub-regional.sub-regional.

Discute-se no Brasil a agregação de no-vos paradigmas relativos ao delito eletrô-nico, de forma a adequar o ordenamentojurídico brasileiro para responder a essanova modalidade de crime e a possibilitarao País se inserir em um modelo de coo-peração internacional – provavelmente, aConvenção de Budapeste –, para preve-nir e combater crimes cibernéticos. Aanálise e o monitoramento do uso dainternet com finalidades terroristas deve-ria ser uma dessas adequações.

O Legislativo brasileiro tem buscado apri-morar o debate sobre o tema e incorpo-rar contribuições ao substitutivo que osenador Eduardo Azeredo (PSDB-MG)apresentou ao Projeto de Lei nº 76/2000,em tramitação no Senado. O substitutivodefine e tipifica os delitos da área deinformática e aglutinou três projetos delei que já tramitavam no Senado,enfocando crimes e condutas realizadosmediante uso de sistema eletrônico, digi-tal ou similares, de redes de computado-res, ou que sejam praticadas contra redesde computadores, dispositivos de comu-nicação ou sistemas informatizados e si-milares.

Nesse sentido, em 10 de junho de 2008,a Comissão de Assuntos Econômicos(CAE) do Senado aprovou a proposta dosenador Eduardo Azeredo para tipificar epunir os crimes cometidos com o uso dastecnologias da informação.

Com base nessa proposta, os novos tipospenais são: 1) acesso não-autorizado adispositivo de informação ou sistemainformatizado; 2) obtenção, transferênciaou fornecimento não-autorizado de dadoou informação; 3) divulgação ou utiliza-ção indevida de informações e dados pes-soais; 4) destruir, inutilizar ou deteriorarcoisa alheia ou dado eletrônico alheiro;5) inserção ou difusão de vírus;6) agravamento de pena para inserção oudifusão de vírus seguido de dano;7) estelionato eletrônico; 8) atentado con-tra segurança de serviço ou utilidade pú-blica; 9) interrupção ou perturbação deserviço telegráfico, telefônico, infor-mático, telemático, dispositivo de comu-nicação, rede de computadores ou siste-ma informatizado; 10) falsificação de da-dos eletrônicos públicos; e 11) falsifica-ção de dados eletrônicos particulares.

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Não há, entretanto, provisão com o obje-tivo de proporcionar o debate com ato-res públicos e privados sobre o uso dainternet com finalidade terrorista e iden-tificar maneiras possíveis de combater essaação, nos níveis global, regional e sub-regional, contrariando o que dispõe aEstratégia Global das Nações Unidas deContraterrorismo.

Também na Europa, já foram adicionadosà Convenção de Budapeste, pelo Conse-lho Europeu, três novos delitoscibernéticos: propaganda, recrutamento etreinamento terroristas, com a intenção de,posteriormente, harmonizar o combate aociberterrorismo no continente. O Comitêde Especialistas em Terrorismo (Codexter,em espanhol) estuda o tema e pesquisa nospaíses as modificações necessárias no con-junto normativo existente, para combateressa forma emergente de crime.

Considerações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações FinaisConsiderações Finais

O continuado interesse no aprimoramen-to da legislação brasileira sobre o temados delitos digitais e a busca por incor-porações de atores públicos e privadossobre a matéria ensejam legitimidade, efi-cácia e identificação de ameaças para aação do Estado brasileiro. Adicionalmen-te, criam oportunidades para considerarnovas contribuições, que potencializam acapacidade de se adequar às novas mo-dalidades criminais que se apresentam nosníveis global, regional e sub-regional, en-tre elas, a utilização da internet por orga-nizações terroristas.

Internacionalmente, o referencial propor-cionado pela Convenção de Budapeste éreconhecido como marco da tentativa deharmonização da legislação de combateàs manifestações de crime cibernético.Apesar de esse fato representar passo

significativo na matéria, considera-se quesua eficácia é diretamente proporcional àadesão que obtiver.

Como principio e tradição da diplomaciado País, os sucessivos governos brasilei-ros aderem aos tratados cujo processo deelaboração considera interesses e percep-ções nacionais, posteriormente acordadosno âmbito das Nações Unidas.

Assim, ao se cotejar princípios quenorteiam a ação governamental brasileiracom a gênesis do referencial jurídico dis-ponível, refuta-se como pouco provávelque o Brasil vincule-se jurídica e automa-ticamente à Convenção de Budapeste,sem que o País seja convidado pelo Co-mitê de Ministros do Conselho Europeuou que a Convenção seja discutida uni-versalmente para ser legitimada. A segun-da hipótese representaria reforço ao prin-cípio do multilateralismo no combate aocrime cibernético, numa evidência decompromisso e disposição dos 192 Esta-dos-membros das Nações Unidas para en-frentar o problema.

A utilização da Internet por grupos ter-roristas transcende o mero uso datecnologia e alcança dimensõesorganizacional e de transformação estra-tégica, além de constituir método e meiocapazes de disseminar informação origi-nal desses grupos, sem interpretações oucensura, de modo instantâneo e com al-cance global.

Essa nova modalidade de crime terroristadepende da revolução da informação eda tecnologia associada e tem foco narelevância do debate livre para o funcio-namento das instituições democráticas.

O momento histórico, os referenciais in-ternacionais e a disposição do Brasil em

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ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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BRASIL. Lei nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria aAgência Brasileira de Inteligência - ABIN, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9883.htm>. Acesso em: 12 fev. 2008.

CONVENÇÃO DE BUDAPESTE (2001). Convenção do Conselho da Europa sobre o Cibercrime.Budapeste, 23 de novembro de 2001. Disponível em: <http://conventions.coe.int/Treaty/Commun/QueVoulezVous.asp?NT=185&CL=ENG>

LAQUEUR, Walter. The new terrorism: Fanaticism and Arms of Mass Destruction. New York: OxfordUniversity Press, 2000.

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VERTON, Dan. Black Ice: The invisible threat of cyberterrorism. Osborne, McGraw-Hill OsborneMedia, 2003.

aprimorar sua legislação sobre crimescibernéticos ensejam prever tipificar autilização da internet por organizaçõesterroristas e dotar a atividade de Inteli-gência de Estado com os recursos jurí-dicos necessários para o acompanhamen-to analítico, estratégico e sistemáticodessas organizações.

Proativamente, essa ação previne a capa-cidade que têm as organizações terroris-tas de potencializar, por meio da internet,não mais apenas o consumo de ideologi-as não-democráticas, bem como de pro-duzi-las e de usar os recursos de comu-nicação tecnológica como proposta demudança de poder.

Romulo Rodrigues Dantas

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BRAZILBRAZILBRAZILBRAZILBRAZIL’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISM’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISM’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISM’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISM’S ROLE IN THE FIGHT AGAINST TERRORISM

Delanne Novaes de SouzaDelanne Novaes de SouzaDelanne Novaes de SouzaDelanne Novaes de SouzaDelanne Novaes de Souza

AbstractAbstractAbstractAbstractAbstract

Although Brazil has accomplished all international obligations on terrorism, strategic and executivemeasures are still to take place. Diplomacy does not seem to be an insurance policy againstterrorism. Brazilian foreign policy on terrorism is a necessary but not a sufficient tool against thethreat. Additionally, domestic legislation does not guarantee institutional readiness.

ResumoResumoResumoResumoResumo

Embora o Brasil tenha cumprido todas as obrigações internacionais quanto à prevenção e aocombate ao terrorismo, medidas de cunho estratégico e institucional quanto à matéria são aindanecessárias ao País. O cumprimento de acordos diplomáticos não representa imunidade àameaça terrorista. A política externa brasileira acerca do tema é instrumento necessário, masnão suficiente contra tal ameaça. Ademais, leis domésticas não garantem eficiência nem eficáciaàs instituições.

1 The per1 The per1 The per1 The per1 The perception of the threat in Brazilception of the threat in Brazilception of the threat in Brazilception of the threat in Brazilception of the threat in Brazil

Brazilians in general, and even mostBrazilian authorities, consider terrorism asan exogenous threat. It is somethingdistant from the Brazilian mindset. AsSalvador Raza (2006, p.61) argues, thisstate of mind is not derived by specificgovernment’s policies, but by nationalculture.1 Brazilians view terrorism assomething intrinsically and geographicallyassociated with the Middle East and, interms of its targets, with Israel and theUnited States of America (US).

There is no empirical data concerningterrorism in Brazil’s territory. As a result,any attempt to analyze terrorismstrategically in Brazil is more related topolicy-making per se than any otherapproach taken by the US, the UnitedKingdom (UK) or Spain, countries thatwere attacked by terrorism and, as aconsequence, have different and moredeveloped tools to face it. Certainly, Brazilhas a lot to learn from them.

Although international terrorism has nottaken place in Brazil, Brazilian citizenshave been indirect victims of it. Brazilians

1 In respect of terrorism, Raza relates this Brazilian cultural trait as a cognitive break.

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were among the victims of the World TradeCenter (WTC) terrorist attacks in 2001;2

of the bombings of tourist sites in Bali in2002; of the United Nations (UN) officein Baghdad in 20033, and of the bombingsin Madrid in 2004. More recently, in July2005, following the bus bombings inLondon, a Brazilian, Jean Charles deMenezes, was mistakenly killed by a Britishcounter-terrorism officer. No authority inthe country, therefore, should everconsider terrorism as something distantfrom Brazilian reality.

Brazilian authorities are not totallyunaware of the fact that no country isimmune to the potential threat posed byinternational terrorism.4 It is not, however,a perception shared by some of the highestauthorities in the government. Thismisperception reflects a pattern not onlypresent in Brazil, but also in other LatinAmerican countries, if one takes thecurrent threat posed by terrorism intoaccount. As Salvador Raza (2005) pointsout, the recent terrorism is strategic,distinct from the conspirational terrorismtypical of the seventies and mostlyassociated with the leftist movements ofthat period. This work focuses on theformer, not the latter. Based on twohundred interviews made in Latin America,Raza (2006, p. 43) argues that LatinAmerican businessmen, students andpoliticians are not prepared tocomprehend the instrumental use ofviolence, such as terrorism.

In general, there is not much strategicthinking on the subject in Brazil (SILVA,2006). Despite the overall lack ofconcern, it is worth mentioning the effortsof the Committee on Monitoring andInstitutional Studies (SAEI) and of theBrazilian Intelligence Agency (Abin), bothsubordinated to the Institutional SecurityMinistry (GSI) of the Presidency ofRepublic. The former promoted twomeetings on terrorism. One took place inJuly 2004, and the other in september2005. More recently, on november, 30and december, 1, 2006, Abin promotedits Second Seminar on Intelligence (State,Media and Terrorism).5

At the Sixth Summit on National StrategicStudies (ENEE), held in Rio de Janeiro, atthe Naval War School (EGN), fromnovember 8 to november 10, 2006, AldoRebelo, then president of the Câmara dosDeputados of Brazil, the equivalent of theUS House of Representatives, addressedthe interaction between the LegislativeBranch of the Federal Government andthe Armed Forces. He stated that Brazilis not a territory currently subject tointernational terrorist acts. His opinion isvery significant due to two reasons: first,under the Federal Constitution, thePresident of the House of Deputies (Câ-mara dos Deputados) assumes thePresidency in the absence of the Presidentand the Vice-President of the Republic;

2 One hundred and sixty citizens of thirty different countries lost their lives in the attacks againstthe WTC.

3 Sérgio Vieira de Mello, the UN Special Representative for Iraq, was killed in a bomb attack on theUN headquarters in Baghdad in October, 2003. He was well-known for his work in East Timor.

4 Therefore, the Federal government, under the National Defense and Foreign Affairs Chamber(CREDEN), elected terrorism as one of the most prominent issue on its agenda.

5 Several officials and experts participated in the Seminar. Among them, Israeli and AmericanIntelligence officials, diplomat Carol Fuller, Secretary of the Inter-American Committee againstTerrorism of the Organization of the American States (CICTE) and Steven Monblatt, formerSecretary of CICTE, Professors Daniel Pipes and Thomas Bruneau.

Delanne Novaes de Souza

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therefore, Rebelo was at the time one ofthe highest authorities in the country6;and, second, he is a politician not out ofthe circle of national strategic thinking. Forinstance, his very participation in the eventmentioned above and his writings onsecurity and defense prove the opposite.7

He is not only a high political (legislativeand potential executive) authority, butsomeone whose ideas are accepted byscholars and experts in internationalrelations, security and defense studies.Moreover, Aldo Rebelo seems not toagree with the ideas of imbalanceunderlined in this work. Asked aboutBrazilian intelligence and defensecapabilities to fight terrorism, he does notnotice any discrepancy or gap betweenBrazil’s international obligations andaccomplishments, and its institutionalcapabilities.

Even when security and defense are takeninto consideration in a broad, strategicperspective, most Brazilian civil andmilitary strategic thinkers contemplate ageneral strategic approach to security anddefense, related to the classic guaranteeof national sovereignty and multilateralism.This approach can be associated with two

specific aspects: first, a minor perceptionof interstate threat since the settlement ofall disputes on international borders8 andthe development of confidence-buildingand a strategic alliance with Argentina,through several mechanisms, such as theBrazilian-Argentine Agency forAccounting and Control of NuclearMaterials (ABACC) and the CommonMarket of the South (Mercosur)9, and,second, the potential spillage overBrazilian territory of the conflict betweenthe Colombian Armed Forces and theColombian Revolutionary Armed Forces(FARC)10, which could ultimately representa threat to Brazilian territorial integrity andinstitutional stability. Due to the potentialthreat posed by FARC and mainly by thegreat strategic relevance to Brazil, themajor Brazilian strategic vulnerability is theAmazon (VIDIGAL, 2004, v.2, p.25). Theimplementation of the Surveillance Systemof the Amazon (SIVAM)11 and of theDestructive Shooting Law (BRASIL,2004), nicknamed ‘Lei do Abate’ is aresult of this threat perception.

Two arguments serve the interests of thosewho perceive the country out of the reachof international terrorism: first, the general

6 The current President of the House of Deputies was Arnaldo Chinaglia, a member of the sameParty of President Luis Inácio Lula da Silva, the Worker’s Party.

7 See Rebelo (2003, 2004); see also SEMINÁRIO DE POLÍTICA... (2003).8 In this sense, for over 100 years Brazil has considered itself a ‘geopolitically satisfied’ country.

See Lima & Hirst (2006, p. 21-40); see also Vizentini (2007) and Cervo (2002). Particularlyregarding the Baron of Rio Branco and his role on Brazilian foreign policy, especially in respectof Brazil’s peaceful settlement of its borders, see Lins (1995) and Ricupero (2000).

9 Currently, the Mercosur is comprised of Argentina, Brazil, Paraguay, and Uruguay. Venezuelawas accepted by the other members as a full member of the Bloc, though it still awaits theratification of its membership by the Brazilian and Paraguayan Parliaments. Bolivia, Chile andPeru are associate members of the Bloc; Mexico is an observer. In respect of the perspectivesof Brazil and Argentina concerning nuclear weapons, see the Treaty of Tlatelolco (1967), whichestablished the region as a nuclear-free zone. For a brief history of Argentine-Brazilian relations,that comes back to the Portuguese and Spanish Empires in South America, see Jaguaribe(2005, p. 42-52).

10 For security and defense issues, see Vidigal (2004, v.2, p.13-36). For an overview of security inSouth America, see Rojas Aravena (2005, p. 53-77).

11 A project developed by Raytheon, worth of US$ 1.7 bi.

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and traditional perception that Brazil is apeaceful, hospitable, tolerant, happy andunited country.12 The second is the verynature of Brazilian foreign policy,13 a productof the values and principles of Braziliansociety. Brazilian foreign policy traditionallyseeks peace by peaceful means14.

Several arguments confront the previousperception, which ultimately seems to bea misperception of the threat posed byterrorism. The perception that the countryand its people are traditionally peacefuland open to different cultures does notnecessarily imply that Brazil’s society andstate are immune to terrorist attacksagainst interests and nationals of countriesfrequently taken as targets, such as theUS and Israel. The very possibility of beinga stage of terrorism, due to the existenceof visible and vulnerable spots in itsterritory and the presence of Americanand Israeli interests in the country,augments the magnitude of the threat toBrazil’s homeland security and to Brazilianforeign policy. Vulnerability and visibilityare the most basic and important elementsfor a terrorist action to take place. In thissense, the stage where the target is locatedis not necessarily relevant. Any countryhas sites of great visibility and symbolismthat if targeted by terrorists would causegreat repercussions throughout the world

(DINIZ, 2004, p.30). For instance, in1998, when a suicide bombing of the USEmbassy took place, was Tanzania a par-ticular target of terrorist acts? It does notseem so. The fact that Brazil was neverthreatened by any terrorist individual ororganization does not necessarily meanthat acts of terrorism will never occur inthe country. Hope is not a method.15

Brazil’s rBrazil’s rBrazil’s rBrazil’s rBrazil’s role in the fightole in the fightole in the fightole in the fightole in the fightagainst against against against against internationalinternationalinternationalinternationalinternational

terterterterterrrrrrorism has focused onorism has focused onorism has focused onorism has focused onorism has focused oninternational cooperation,international cooperation,international cooperation,international cooperation,international cooperation,the signing and ratificationthe signing and ratificationthe signing and ratificationthe signing and ratificationthe signing and ratificationof international conventionsof international conventionsof international conventionsof international conventionsof international conventions

on teron teron teron teron terrrrrrorism and theorism and theorism and theorism and theorism and theadaptationadaptationadaptationadaptationadaptation of national laws of national laws of national laws of national laws of national laws

to these instruments.to these instruments.to these instruments.to these instruments.to these instruments.

The problem seems to be graver if oneconsiders some specific vulnerabilitiesBrazil faces. It is quite impossible to su-pervise and control 16,884.4 km of landboundaries, with nine tri-border areas,and 7,491 km of coastline.16 Besides, asthen Director of Abin, Márcio PauloBuzanelli, highlights, intelligence actions,even if international cooperation is takeninto account, are limited (by nature).17

12 For Darc Costa (2004, v.2, p.40), former vice-president of the Brazilian Economic and SocialDevelopment Bank (BNDES), this is the true (sic) Brazilian discourse.

13 A brief overview of the current Brazilian foreign policy, even when considered the date published,can be found in Amorim (2004, p. 40-47). See also Lima & Hirst (2006). For an overview ofBrazil’s international agenda, see Souza (2002).

14 As stated by Lima & Hirst (2006, p.38), Brazilian political and intellectual circles do not valuemilitary deterrence as a source of international and/or regional prestige. Since the nineteenthcentury, Brazil’s presence in South America has represented for the most part a factor of stabilityand peace that has contributed to the region’s profile as a zone of relative peace. Brazilian pacifism,nevertheless, as the current Brazilian Ambassador to the US, Antônio de Aguiar Patriota (1998,p.193), states, does not exclude the engagement of troops and materials in the troubled conflicttheaters of Southern Africa, Central America and East Europe. The Peacekeeping operation inHaiti (MINUSTAH), under the military command of Brazil, also corroborates to this fact.

15 Although it seems to be an American cliché, especially in military circles, it also seems to be anappropriate idea here.

15 For an assessment of the vulnerability of Brazilian ocean waters, see Medeiros (2006).17 For instance, by law (Law nº 9296/1996), Abin cannot do eavesdropping (BRASIL, 1996).

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Brazil also lacks material, technological,financial and human resources. Inaddition, the very inexistence of aneffective body to coordinate the actionsof the different sectors of the Braziliangovernment responsible for fightingterrorism is a gap to be considered.(BUZANELLI, 2004, p. 7-13)18.

Even when all measures taken by Brazilianforeign policy are taken into consideration,terrorism does not seem to be a priorityfor the Brazilian authorities. Whencompared with economic issues, such astrade, for instance, it is quite clear thatsecurity and defense, in general, andterrorism, in particular, have adisproportionately reduced role inBrazilian foreign affairs (DINIZ, 2004,p.38). If social and economic developmentis one of the pillars of Brazilian foreignpolicy, it is reasonable that trade has acrucial role in the international agenda ofthe country. It would be, nevertheless, oneof the greatest strategic mistakes if themisperception of terrorism as a threatprevented a more pro-active role in thefight against terrorism, consistent with theglobal threat the international communitycurrently faces. Would not a terrorist actin Brazil be a tremendous setback for itssocial and economic development andother permanent aspirations of its foreignpolicy? It seems so.

2 A reflection on some international2 A reflection on some international2 A reflection on some international2 A reflection on some international2 A reflection on some internationalchallenges posed by Brazil’s rchallenges posed by Brazil’s rchallenges posed by Brazil’s rchallenges posed by Brazil’s rchallenges posed by Brazil’s role in theole in theole in theole in theole in thefight against terfight against terfight against terfight against terfight against terrrrrrorismorismorismorismorism

Brazil’s role in the fight againstinternational terrorism has focused on

international cooperation, the signing andratification of international conventions onterrorism and the adaptation of nationallaws to these instruments. The feeling thatthe international and legislative roles arevery pro-active could potentially reduceinterest in further steps, such as thedevelopment of a national strategy andstructures to fight terrorism. AlthoughBrazil has accomplished all internationalobligations on terrorism, strategic andexecutive measures are still to take place.Diplomacy does not seem to be aninsurance policy against terrorism.Brazilian foreign policy on terrorism is anecessary but not a sufficient tool againstthe threat. Additionally, legislation doesnot guarantee institutional readiness(CEPIK, 2004).

In respect to international cooperation,intelligence sharing has improved theperception of the threat and thepossibilities to fight terrorism. Doubts,however, persist. Are they a reasonable –not to say sufficient – tool to address thepotential threat?

In the absence of a national strategy andan effective institutional apparatus forpreventing and combating terrorism, theaccomplishment of internationalobligations and the improvement ofinternational cooperation do notguarantee a rational deterrent againstterrorism. Given the potential threatterrorism poses to the internationalcommunity and to Brazil, despite recentinstitutional efforts and improvement ininternational cooperation, Brazil still lackstwo elements in its fight against

18 Eugênio Diniz (2004, p.35) also states that difficulties in the Brazilian security and intelligenceapparatus augment the vulnerability of possible targets. In this sense, he argues, the inexistenceof any terrorist acts in Brazil so far could be a result of low probability of occurrence or a lowdetection capability, i.e., a greater vulnerability.

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international terrorism: a national strategyand a better institutional apparatus forfighting it.

Being prioritized as they have been in theBrazilian fight against terrorism,diplomatic and legislative decisions cangenerate a sense of security and a feelingthat the job of preparing for the threat isdone. As Marco Cepik (2004, p.58)argues, in the debates on internationalsecurity matters in Brazil, there is apersistent trend to restrict the issues tonormative and legal aspects.

The imbalance between international andnational components can pose at least twointernational challenges to Brazil: first, theabsence of a national strategy and aneffective institutional apparatus forpreventing and combating terrorism couldnegatively affect Brazil’s aspirations to apermanent seat in the United NationsSecurity Council (UNSC), and second, theimbalance could jeopardize Brazil’s bila-teral and multilateral relations, particularlywith the US, the EU and the othermembers of the Mercosur.

Brazil has historically pursued a permanentseat in the Security Council, and this goalhas been one of the major objectives ofits foreign policy. This aim is not recent19.Being the non-permanent member thatparticipated in UNSC more than any othernon-permanent member, Brazil sees thepermanent membership as a democraticshift in the international arena. The very

active participation of Brazil in the UNSChighlights its pro-active role as a player atthe UN. For Brazil, the current UN systemshould not reflect the Cold War politics.To achieve its aim, Brazil has fully engagedin strategic diplomatic talks with countriesthat support its candidacy to a permanentseat, such as Germany, India and Japan (withBrazil, they comprise the so-called G4).

The G4 seeks to increase the number ofUNSC members, from fifteen to twenty-five in total. Six would be permanent, andfour would be non-permanent members.Regarding the veto power, the group hasproposed not to have the right to veto forfifteen years. Additional discussionsconcerning reforms of the UNSC will takeplace in the end of 2007.20

This work has sought to emphasize thepotential challenges Brazil could face dueto its foreign policy on terrorism, and theimplications of its actions for Brazil’saspirations to UNSC permanentmembership. Since the emphasis here ison the need for a national strategy forcombating terrorism and not the UNSCpermanent membership, all internationalgeopolitical and geo-economic conditionsand implications related to Braziliancandidacy are not being considered. Themain point here is that given the currentthreat to international peace and securityposed by terrorism, Brazil couldstrengthen its candidacy for a permanentseat on the UNSC by adopting a morepro-active role in the fight against

19 See Lampreia & Correa (1995). The book is a collection of all statements made by Brazil at theUN General Assembly, from 1946 to 1995. It is particular useful to see the consistency of Brazilianforeign policy. Brazil aims a better position at international organizations in general. See Garcia(2000).For an additional account of the Brazilian aspiration to UNSC permanent membership and asharp analysis of the changes the Council has undergone since the Gulf War (1991), thehumanitarian intervention in Somalia, in the ex-Yugoslavia, in Rwanda and in Haiti, see Patrio-ta, (1998).

20 For a more comprehensive analysis of all proposals for reforms of the UNSC, see Souza (2007).

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terrorism, particularly concerning thedevelopment and adoption of a nationalstrategy and an effective coordinating bodyfor preventing and combating terrorism.

All current permanent members (the US,China, the UK, France and Russia) haveadopted a national strategy for fightingterrorism. Although the development andadoption of strategies by the so-called P5reflect an obvious response to terrorismby the majority of the most threatenedstates in the international community, itcould indicate a gap in Brazil’s aspirationto a permanent seat in the Council. Sincethe US is a permanent member of theUNSC, it is particularly importantregarding Brazil-US relations.21

Another challenge BrazilianAnother challenge BrazilianAnother challenge BrazilianAnother challenge BrazilianAnother challenge Brazilianforeign policy faces is theforeign policy faces is theforeign policy faces is theforeign policy faces is theforeign policy faces is thefrequent perfrequent perfrequent perfrequent perfrequent perception of theception of theception of theception of theception of the

supposed esupposed esupposed esupposed esupposed existence ofxistence ofxistence ofxistence ofxistence ofterterterterterrrrrrorism in the Torism in the Torism in the Torism in the Torism in the Tri-Borri-Borri-Borri-Borri-Borderderderderder

(TB) region (Ar(TB) region (Ar(TB) region (Ar(TB) region (Ar(TB) region (Argentina,gentina,gentina,gentina,gentina,Brazil Brazil Brazil Brazil Brazil and Paraguay) by theand Paraguay) by theand Paraguay) by theand Paraguay) by theand Paraguay) by theinternational communityinternational communityinternational communityinternational communityinternational community.....

Taken Brazil’s aspiration to a permanentseat in the UNSC into account, besidesits economic and political influenceglobally and regionally, concerning its roleon international security and peace, a pro-active role in the fight against terrorismdomestically could be added to, forinstance, Brazil’s participation in the UNpeace operations, such as the currentMission of the United Nations forStabilization of Haiti (Minustah). Morethan addressing its own homeland security,

Brazil would give an important signal tothe international community.

Moreover, two other points should beconsidered regarding Brazil’s aspirationsfor a permanent seat in the UNSC: first,according to Chapter VII of the UNCharter, the UNSC is the very body thataddresses threats to international peaceand security and, second, members of theUNSC, especially the permanent ones,take part in the specific committeescreated to confront international terrorism,such as the Committee against Al Qaedaand the Taliban (1267 Committee), theCounter Terrorism Committee (CTC), the1540 Committee and the 1566 WorkingGroup. Hence, under the Charter, bydefinition, permanent membership in theUNSC implies a very pro-active role inthe fight against terrorism, which isultimately and practically a threat tointernational peace and security.Furthermore, membership also impliesparticipation in the Committeesmentioned before, which were establisheddue to the increased perception of thethreat after September 11, 2001.

As Brazilian Ambassador Rubens Ricupero(apud RAZA, 2006, p.59) emphasizes,Brazil, as an aspirant to a permanent seatin the UNSC, has to have a pro-active rolein the conventions and strategies onterrorism developed in the UN. However,he does not take the lack of a Brazilianstrategy into consideration. Therefore,concerning its aspirations, Brazil shouldnot only actively participate in alldevelopments taking place in the UN onterrorism, but also consider the very factthat it has no strategy to counter terrorism.

21 So far, the US supports only Japan.

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The argument advanced herein thus goesbeyond that of Ambassador Ricupero.

Another challenge Brazilian foreign policyfaces is the frequent perception of thesupposed existence of terrorism in the Tri-Border (TB) region (Argentina, Brazil andParaguay) by the international community.There has been a plethora of studies thattake the existence of terrorism in theregion for granted.22 Fortunately, most arebased on mere speculation and wishfulthinking. They lack one of the mostimportant tools of any analysis, namely,good sources, and thus analytical value.Dogma and political interests seem to playa role here.

Instead, two official documents, amongseveral others, are important in relationto what has been discussed about theregion in the 3 + 1 Group on Tri-BorderArea Security, particularly related to US-Brazil relations. One is the US Departmentof State (DOS) Country Reports onTerrorism, 2005, released in April 2006(UNITED STATES, 2006). The other isthe Resolution 338 proposed in February2006 by US Representative Ileana Ros-Lehtinen, among others.23 The DOSReport underlined that “the United Statesremained concerned that Hizballah andHAMAS were raising funds among thesizable Muslim communities in the regionand elsewhere in the territories of theThree, although there was nocorroborated information that these orother Islamic extremist groups had anoperational presence in the area”(UNITED STATES, 2005, p. 157-158).The proposed resolution, in turn, statesthat “Whereas since at least the AMIA

bombing in 1994, Hezbollah hasmaintained networks in the tri-border areaof Paraguay, Brazil, and Argentina—primarily focusing on fundraising andrecruitment” (Ibid).

The two statements above reflect anapparent contradiction. All jointstatements by the 3 + 1 Group underlinethat there is no evidence of any terroristactivity in the TB area. All members ofthe Group agreed to share intelligence thatcould lead to any evidence of terroristactivity in the region. In addition, it is worthmentioning that all statements made bythe Group are binding. Thus, whilecommon people, scholars and evenauthorities claim that terrorist individualsor organizations have been acting in theregion, intelligence and diplomatic officialsof Argentina, Brazil, Paraguay and the USdeny vehemently that there is any evidencerelated to terrorist activities in the area.Authorities of those countries haveconsistently denied the existence ofterrorism in the TB through the 3 + 1Group since 2002.24 Given all authoritiesthat participate in the Group, it seems tobe a much more prudent and rational,although political, approach than dogmaticstatements made by scholars with norealistic information on what is reallyhappening in the TB.

The very fact that the Group has notprovided any evidence related to terrorismin the area, however, does not represent,in any way, a guarantee that there will notbe terrorism in the region. Because of that,even though the 3 + 1 Group representsthe very forum to address the problempolitically based on intelligence, its

22 As one of several works on the TB and its supposed association with terrorism, see Raza (2005).23 The Resolution was sent to the Senate and referred to the Committee on Foreign Relations in

June, 2006. (UNITED STATES…, 2006).24 The Group meets once a year.

Delanne Novaes de Souza

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 37

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declarations should not be consideredinsurance policies. Brazil should avoid anypossibility of confronting the dogmaticarguments made by common citizens,scholars and even authorities with similardogmatic approaches. All institutionalmeasures yet to be taken, should be taken,

because Brazil is not only fightingunreasonable comments on one of themost important regions for its internationaltrade and tourism, but also terrorism, aninternational threat that seeks to kill anddestroy its targets by exploitingvulnerability and visibility.

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Delanne Novaes de Souza

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 39

MUDMUDMUDMUDMUDANÇAS CLIMÁTICANÇAS CLIMÁTICANÇAS CLIMÁTICANÇAS CLIMÁTICANÇAS CLIMÁTICAS: Inteligência e DefesaAS: Inteligência e DefesaAS: Inteligência e DefesaAS: Inteligência e DefesaAS: Inteligência e Defesa11111

Uirá de Melo Uirá de Melo Uirá de Melo Uirá de Melo Uirá de Melo

ResumoResumoResumoResumoResumo

Este artigo traça breve histórico da institucionalização internacional da problemática sobre ‘mu-danças do clima’. A partir das contribuições de outros autores e das evidências encontradas nosestudos do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), publicados em 2006e 2007, delineia, por fim, tendências para a Inteligência e os Sistemas de Defesa brasileiros.

AntecedentesAntecedentesAntecedentesAntecedentesAntecedentes

As primeiras percepções do fenômeno da influência antrópica sobre o equilí-

brio climático da Terra constaram em estu-dos científicos na década de 1960. Os mo-delos pioneiros de análise temporal da vari-ação da temperatura demonstravam tendên-cia de elevação anormal em comparaçãocom parâmetros observados em períodosanteriores. Esta constatação foi o estopimpara o início de estudos sobre o tema.

A comunidade científica se dividia em doisgrupos: aqueles que acreditavam na in-fluência do homem como modificador doequilíbrio climático e aqueles que nega-vam o protagonismo humano e acredita-vam que as variações observadas eramfenômenos cíclicos naturais do planeta.

Concomitantemente à polêmica entre ci-entistas, as atenções da comunidade in-

ternacional se voltaram para questõesambientais, formalizadas pela AssembléiaGeral das Nações Unidas em 1972. Nes-sa oportunidade, os países estabeleceramas bases para a criação do arcabouçoinstitucional que formaria o órgão de co-ordenação das ações das Nações Unidas,o Programa das Nações Unidas para oMeio Ambiente (PNUMA). O PNUMAfirmou em 1988 o tratado para amitigação da emissão de gases danosos àcamada de ozônio, principalmente os clo-ro-fluor-carbonos. O sucesso dessa inici-ativa alimentou os anseios pela adoção demedidas semelhantes em relação aos ga-ses do efeito estufa (dióxido de carbono(CO2); metano (CH4); óxido nitroso(N2O) e outros).

Apesar da indefinição teórica sobre osresultados das ações humanas sobre oclima, os países reunidos no sistema ONUdecidiram, durante a Conferência dasNações Unidas sobre o Meio Ambiente e

1 Artigo escrito em outubro de 2007.

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o Desenvolvimento, a ECO-92, pela cri-ação da Convenção-Quadro das NaçõesUnidas sobre Mudança do Clima (UnitedNations Framework Convention onClimate Change (UNFCCC)), delineando,assim, as bases legais sobre as quais seestabeleceu o Protocolo de Quioto (PQ)em 1997, no Japão.

A Conferência das Partes da Convenção-Quadro, órgão gestor da UNFCCC, defi-niu mudança climática como “uma mu-dança de clima que possa ser direta ouindiretamente atribuída à atividade huma-na, que altere a composição da atmosferamundial e que se some àquela provocadapela variabilidade climática natural obser-vada ao longo de períodos comparáveis”;firmou-se como um tratado universal;determinou como meta estabilizar a con-centração atmosférica de gases de efeitoestufa; e criou, por conseguinte, a neces-sidade de se limitar e manter em níveissuportáveis as emissões líquidas globaisde gases de efeito estufa.

A Convenção-Quadro possibilitou a cria-ção de protocolos que regulamentassema maneira pela qual se alcançariam asmetas estabelecidas para a manutençãoda estabilidade climática, listadas abaixo:

• inventariar as emissões antrópicas degases de efeito estufa (GEEs);

• elaborar programas de mitigação eadaptação;

• desenvolver tecnologias para reduçãoe prevenção de emissões;

• proteger sumidouros (áreas de absor-ção de gases do efeito estufa);

• considerar a mudança do clima nas po-líticas sociais, econômicas eambientais;

• promover pesquisa científica em mu-dança do clima; e

• educar, treinar e conscientizar a po-pulação acerca do tema.

Essas determinações foram contempladasno Protocolo de Quioto, que criou o ar-ranjo institucional operacional para o cum-primento das metas acima descritas. Aadoção destas medidas pressupõe mudan-ças amplas, principalmente no arranjotecnológico sobre o qual transcorrem asatividades econômicas.

Antecipando a Rodada de Doha da Or-ganização Mundial do Comércio (OMC)e sob pressão da Assembléia Geral daONU, os textos aprovados no Japão ino-varam ao estabelecer como princípios pri-mordiais:

• o direito ao desenvolvimento;

• a responsabilidade histórica das na-ções mais desenvolvidas por teremprocesso industrial desenvolvido maisantigo;

• a responsabilidade comum de todosos países para a manutenção do equi-líbrio climático do planeta, contudo le-vando em conta as diferentes condi-ções sociais, econômicas e históricasde cada nação;

• a necessidade de recursos financeirosadicionais e transferência de tecnologiapara combater os processos agravan-tes do efeito estufa.

Uirá de Melo

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 41

Aberto para adesões em 1997, o Proto-colo de Quioto entrou em vigor em feve-reiro de 2005. O texto do acordo trouxe adiferenciação entre países desenvolvidos eem desenvolvimento, delimitando para cadagrupo obrigações diferenciadas. Os primei-ros, membros do Anexo I do Protocolo,têm a obrigação de reduzir suas emissões5% abaixo do nível inventariado em 1990.Os países em desenvolvimento são incen-tivados a participar dos mecanismos dedesenvolvimento limpo (MDL).

Apesar de a produção de relatórios peloPainel Intergovernamental sobre Mudan-ças Climáticas (Intergovernmental Panel onClimate Change (IPCC))2 ser contínua des-de a década de 1990, as discussões sobreo aquecimento global continuaram contro-versas até 2006 e os dados da influênciado homem sobre o clima ainda não tinhamsido largamente divulgados. As informa-ções produzidas pelo IPCC passaram a serintensamente veiculadas nos últimos doisanos, aumentando aconscientização sobre oproblema e apresentandoargumentos científicos queatestavam a influênciaantrópica sobre o equilíbrioclimático. Segundo os últi-mos documentos apresen-tados pela comunidade ci-entífica e os relatórios doórgão da ONU, a tempera-tura da Terra teria aumen-tado 0,74 graus Celsius,nos últimos cem anos, edemonstra tendência deelevação para os próximosanos.

A comparação entre a evolução da con-centração de dióxido de carbono na at-mosfera e a evolução da temperatura re-vela relação diretamente proporcionalentre as duas variáveis, como mostram osgráficos seguintes, apresentados por Mar-cos Freitas (2007):

2 Instituto criado no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas, formado por especialis-tas de diversas áreas, para avaliar os impactos das atividades humanas sobre o clima. O IPCCdivulga, desde a década de 1990, relatórios sobre as condições climáticas e projeta cenáriosfuturos.

EVOLEVOLEVOLEVOLEVOLUÇÃO ANUAL DUÇÃO ANUAL DUÇÃO ANUAL DUÇÃO ANUAL DUÇÃO ANUAL DAAAAACONCENTRAÇÃO DE CO2 NACONCENTRAÇÃO DE CO2 NACONCENTRAÇÃO DE CO2 NACONCENTRAÇÃO DE CO2 NACONCENTRAÇÃO DE CO2 NA

AAAAATMOSFERATMOSFERATMOSFERATMOSFERATMOSFERA

PADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLUÇÃO DUÇÃO DUÇÃO DUÇÃO DUÇÃO DASASASASASTEMPERATEMPERATEMPERATEMPERATEMPERATURAS GLOBAISTURAS GLOBAISTURAS GLOBAISTURAS GLOBAISTURAS GLOBAIS

Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

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42 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

Segundo os cientistas, a manutenção datemperatura em 15 graus Celsius, emmédia, pelo efeito estufa, torna o meioambiente propício às atividades humanase à vida de outros seres vivos. Os dadosapresentados, reforçados ainda pela mai-or incidência de calamidades naturais nosúltimos 50 anos – como indica o gráficoabaixo –, apontam para a modificaçãodessa média com a geração de conseqü-ências graves, até o momento, não total-mente previsíveis.

A elevação da temperatura, segundo oProtocolo de Quioto, impõe aos paísesproblemas globais, solucionáveis somen-

te pela articulação de iniciativas para amitigação das emissõesmitigação das emissõesmitigação das emissõesmitigação das emissõesmitigação das emissões de GEEs e es-es-es-es-es-forços adaptativos forços adaptativos forços adaptativos forços adaptativos forços adaptativos das populações doglobo, tendo em vista o aumento da tem-peratura já constatado e a impossibilida-de de solução imediata.

Mudanças tecnológicasMudanças tecnológicasMudanças tecnológicasMudanças tecnológicasMudanças tecnológicas

As iniciativas a serem adotadas pelos pa-íses para a mitigação e a adaptação (M&A)elevarão custos dos processos produtivos.

Os projetos emM&A influem dire-tamente no níveltecnológico, desdea atividadeextrativista madei-reira à produçãode chips. Mudan-ças nesse parâ-metro necessitam eprovocam uma re-ação em cadeia emtoda a sociedade;modificam, inclusi-ve, comportamen-tos.

• MitigaçãoMitigaçãoMitigaçãoMitigaçãoMitigação

O Protocolo deQuioto previu apossibilidade datroca comercial decréditos de carbo-no entre países de-senvolvidos – comobrigação de redu-

ção de emissões – e países em desenvol-vimento. Esses créditos são gerados pe-los projetos de MDL3 implantados em

3 Os projetos de MDL devem ser monitoráveis, de longa duração e promover o desenvolvimentosustentável.

Uirá de Melo

PADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLPADRÕES DE EVOLUÇÃOUÇÃOUÇÃOUÇÃOUÇÃODO NÚMERO DE DESASTRESDO NÚMERO DE DESASTRESDO NÚMERO DE DESASTRESDO NÚMERO DE DESASTRESDO NÚMERO DE DESASTRES

NANANANANATURAISTURAISTURAISTURAISTURAIS

Data analysis: UNEP/DEWA/GRID-Europe

Data sources: EM-DAT, Centre for Research on the Epidemiology of

Disasters (CRED), 2004.

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 43

países fora do Anexo I e por empreendi-mentos conjuntos (joint implemen-tation)para redução de emissões entre países de-senvolvidos. Criou-se, a partir dessa ini-ciativa, um mercado global de carbono,complementado na Europa pelo comér-cio de redução de emissões certificadasentre os membros da União Européia.

O Brasil é pioneiro em projetos de MDL,tem empresas especializadas neste setore desponta como o terceiro maior emnúmero de projetos (222) e taxas de re-dução de emissões, conforme o gráficoabaixo, apresentado por Marcelo Theoto(2007):

• AAAAAdaptaçãodaptaçãodaptaçãodaptaçãodaptação

Os institutos internacionais em funciona-mento para as partes que já ratificaram oProtocolo de Quioto ainda carecem deforça política e instrumentos suficientes eeficientes para estabilizar as emissões deGEEs. A não-ratificação pelos EstadosUnidos da América (EUA), atualmentemaior emissor de GEEs, impõe restriçõesà eficiência dos esforços previstos pela

Convenção-Quadro sobre Mudança doClima. Os EUA detêm o centro financei-ro mundial, de onde virá grande parte dofinanciamento a iniciativas de contençãoe redução de emissões. A escolha políti-ca estadunidense sobre este tema tem in-fluência global.

A política estadunidense de energia estábaseada em três princípios fundamentais:segurança de suprimento; eficiência eco-nômica; e compatibilidade ambiental. Atu-almente, o primeiro fator tem peso maiorque os demais. A política externa dos EUAdedica extrema relevância à segurança desuas fontes de energia, e o carvão mine-

ral desponta como solução nacional demédio prazo para possíveis crises no su-primento de petróleo ou elevação exces-siva dos preços desta commodity. Os da-dos da Organização para Cooperação eDesenvolvimento Econômico (OCDE), daAgência Internacional de Energia dos EUAe da British Petroleum apontam para au-mento na demanda primária mundial porenergia, com intensidade maior para ademanda de carvão mineral (Anexo A).

Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

tCO2e

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44 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

Os cenários político e econômico para operíodo 2008-20124 indicam, segundoas projeções mais conservadoras, eleva-ção na temperatura da Terra de até 2ºCdecorrente da elevação das emissões decarbono (Anexo B), apesar da manuten-ção de esforços em pesquisas de outrasfontes de energia mais limpas e aumentoda eficiência energética5.

Essas previsões associadas aos impactosclimáticos já constatados pelos cientistasimpõem aos países a necessidade de pre-paração para as conseqüências econômi-cas e sociais do que Nicholas Stern, eco-nomista inglês, classificou como condi-

ções climáticas extremas (maior númerode furacões, aumento do nível do mar,maior número de secas em áreas de tem-peratura já elevada, inundações maiorese em maior quantidade).

As projeções do IPCC estimam tendênciadestrutiva dos efeitos provocados pelo au-mento da temperatura em todas as regi-ões do planeta. Especificamente para aAmérica Latina, o Grupo de Trabalho II –parte da equipe responsável pelos estu-dos dos impactos das mudanças climáti-cas para o 4º Relatório do IPCC – en-controu as seguintes conseqüências(INTERGOVERNMENTAL, 2007):

4 Primeiro período obrigatório de redução das emissões de Gases de Efeito Estufa (GEE) pre-visto para os países do Anexo I do Protocolo de Quioto.

5 Realizar o mesmo trabalho com menor gasto de energia e menor desperdício.6 Termo que define a região do continente americano que compreende aproximadamente o sul

do México, os territórios da Guatemala, El Salvador, Belize e as porções ocidentais de Honduras,Nicarágua e Costa Rica.

Uirá de Melo

Probabilidade Forte Histórico e Projeções

Variabilidade Climática e maiorocorrência de eventos climáticos

extremos

- Chuvas intensas na Venezuela em 1999e 2005

- Inundação nos Pampas argentinos em2000 e 2002

- Seca no rio Amazonas em 2005

- Chuvas de granizo na Bolívia em 2002 ena Grande Buenos Aires/Argentina 2002

- O furacão Catarina no Atlântico Sul

- Temporada recorde em número defuracões no Caribe

Mudanças em precipitação eaumento da temperatura

- Chuvas mais intensas na regiãoSudeste brasileira, no Paraguai, noUruguai, nos Pampas argentinos e em

partes da Bolívia influenciaram o cultivode grãos e aumentaram a intensidade e afreqüência de inundações

- queda nas precipitações no sudesteargentino, sul do Chile, sul do Peru e

oeste da América Central

- aumento de temperatura em 1º C naMesoamérica

1e na América do Sul e 0,5º

C no Brasil

- como conseqüência da elevação datemperatura, a diminuição da neve nos

Andes resulta em menor disponibilidadede água para uso doméstico e geraçãode energia para porções consideráveis da

Bolívia, do Equador, da Colômbia e doPeru

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 45

FFFFFuturuturuturuturuturo incerto para o Brasilo incerto para o Brasilo incerto para o Brasilo incerto para o Brasilo incerto para o Brasil

O Brasil não estará imune às conseqüênci-as das mudanças do clima. Segundo oIPCC, o País já vivencia muitas delas. Aelevação do nível do mar, o aquecimentode áreas da Amazônia, a transformação dosemi-árido em árido e inundações no Su-deste provocam reações em cadeia, quevão desde o deslocamento de populaçõespara regiões menos secas à movimentaçãode culturas agrícolas para outras áreas àprocura de condições climáticas ideais.

O sítio Agritempo7, disponível na redemundial de computadores, integrante doprograma de Zoneamento Agrícola insti-tuído pelo governo federal, gerido pelaEmpresa Brasileira de PesquisaAgropecuária (Embrapa) e pelo Centro de

Pesquisas Metereológicas e ClimáticasAplicadas à Agricultura (Cepagri-Unicamp), traz projeções dos efeitos daelevação da temperatura para as princi-pais culturas agrícolas no País. Para ocultivo da soja, no estado do Mato Gros-so, os gráficos gerados prevêem reduçãoexpressiva de área de plantio (Anexo C).

Na América do Sul, área de influênciapolítico-econômica do Brasil, os fenôme-nos ocasionados pela elevação continua-da da temperatura indicam eventos climá-ticos extremos, como secas nos Andesbolivianos, chuvas torrenciais e perda deáreas agricultáveis na Argentina, na Bolí-via, na Colômbia, nas Guianas, noParaguai, no Peru, no Suriname, no Uru-guai e na Venezuela. Essas ocorrênciaspoderão pressionar contingentespopulacionais contra os marcos fronteiri-

7 http://www.agritempo.gov.br

Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

Probabilidade Forte Histórico e Projeções

Extinção de espécies em áreas tropicais da América Latina

- mudança da vegetação do semi-árido em partes do Nordeste brasileiro e no

centro e norte mexicanos para cobertura vegetal árida, com reflexos nas espécies animais

- desflorestamento maior de florestas tropicais com extinção de espécies

animais e substituição deste bioma pelas savanas

- desertificação e salinização de solos agricultáveis com efeitos adversos para

os microorganismos

Elevação acelerada do nível do mar, variabilidade climática e eventos

climáticos extremos devem afetar as costas da América Latina

- nos últimos 10-20 anos, o nível do Atlântico subiu entre 1,2-3 mm/ano no

sudeste sul-americano. O continuado aumento do nível do mar afeta populações costeiras, reduzindo a quantidade de água potável, extinguindo

mangues, pressionando áreas habitadas, degradando reservas de corais e, conseqüentemente, o estoque de pescado

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46 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

ços e provocar migração ilegal, principal-mente, para áreas da Amazônia Legal.

Segurança e Mudanças ClimáticasSegurança e Mudanças ClimáticasSegurança e Mudanças ClimáticasSegurança e Mudanças ClimáticasSegurança e Mudanças Climáticas

O Coordenador de Programas e pesqui-sador do Oxford Research Group, ChrisAbbott (2008), baseado em apresenta-ção concedida à Polícia Federal australia-na em novembro de 2007, escreveu do-cumento intitulado An Uncertain Future:Law Enforcement, National Security andClimate Change. No texto, o cientista in-glês destaca três modalidades de impac-tos socioeconômicos: a) perda de infra-estrutura; b) escassez de fontes de recur-sos naturais; c) migração de grandes con-tingentes populacionais.

As alterações dos padrõesAs alterações dos padrõesAs alterações dos padrõesAs alterações dos padrõesAs alterações dos padrõesclimáticos construirãoclimáticos construirãoclimáticos construirãoclimáticos construirãoclimáticos construirão

contecontecontecontecontexto em que axto em que axto em que axto em que axto em que aInteligência e a DefesaInteligência e a DefesaInteligência e a DefesaInteligência e a DefesaInteligência e a Defesa

serão serão serão serão serão prprprprprotagonistas.otagonistas.otagonistas.otagonistas.otagonistas.

Neste cenário, não há uma separação tem-poral para a ocorrência dos eventos. Ainteração entre eles aumenta o potencialdestrutivo e a complexidade dos proble-mas a serem solucionados pelas institui-ções nacionais e internacionais de segu-rança e defesa.

No âmbito interno, a migração de gruposinteiros, fugindo de secas e outras catás-trofes ambientais, como enchentes, avan-ço do mar sobre áreas habitadas, tempotencial de geração de conflitos de duasnaturezas: a primeira entre comunidadesjá assentadas e contingentes migratóriosinternos e a segunda decorrente da pres-são desses grupos sobre o governo paraa tomada de soluções rápidas.

Internacionalmente, Abbott (2008), CleoPaskal (2007) e a German Advisory Boardfor Global Change (WissenchaftlicherBeirat der Bundesregierung GlobaleUnweltveranderungen (WBGU)) destacamque, além da pressão sobre as fronteirasprovocada pela migração decorrente dasmudanças do clima, o desaparecimentode ilhas e modificações de territórios peloaumento do nível do mar poderão gerardisputas territoriais e questionamentossobre soberania, uma vez que zonas eco-nômicas exclusivas deverão ser redefinidase populações inteiras detentoras de iden-tidade cultural singular perderão suas ter-ras, tendo de ser deslocadas para áreas jápertencentes a outro Estado. O derreti-mento das calotas polares e a conseqüenteabertura de novas passagens no Ártico,segundo Abbot e Paskal, poderão gerardisputas pelo controle de novas rotas denavegação. A pressão para as restriçõesdas emissões de mercados emergentes –como a China, a Índia e, talvez, o Brasil ea Rússia – seria também fator de disputae desestabilização entre os países.

Além disso, Abbott, Paskal e a WGBUapontam para a maior necessidade de fi-nanciamento e transferência de tecnologiade nações desenvolvidas para os Estadosem desenvolvimento, os mais afetadospelos eventos climáticos extremos.

As implicações decorrentes dessas previ-sões são variadas e inter-relacionadas.Para Abbott, a polícia e a segurança jurí-dica seriam afetadas por demandas cres-centes por maior segurança nas frontei-ras; modificações na taxa de incidência enos tipos de delitos; nova legislação paraassegurar os programas de mitigação eadaptação; e melhor planejamento daspolícias e corpos de assistência de emer-gência (no Brasil – a defesa civil) para aten-

Uirá de Melo

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dimento a áreas e populações vítimas dosefeitos de desastres naturais.

Paskal (2007) e Abbott (2008) destacamainda os desafios impostos à estabilidadeda segurança nacional e aos militares queteriam de considerar: dificuldades paramanutenção da capacidade de acionamentodas forças militares que operariam em am-bientes sob influência de eventos climáti-cos extremos, colocando recursos huma-nos e materiais em risco; a perda de insta-lações decorrentes de furacões ou do avan-ço do mar; maior necessidade de interven-ções humanitárias; e maior demanda porintervenções para assegurar a estabilidadeem áreas estratégicas.

O papel da Inteligência e da Defesa: oO papel da Inteligência e da Defesa: oO papel da Inteligência e da Defesa: oO papel da Inteligência e da Defesa: oO papel da Inteligência e da Defesa: oque já está sendo feitoque já está sendo feitoque já está sendo feitoque já está sendo feitoque já está sendo feito

O aumento de catástrofes climáticas emtodo mundo impõe, a cada país e tambémao Estado brasileiro, preparação para co-laborar com ações humanitárias e interven-ções com participação de militares, emtodo o globo, destinadas a dirimir danosgerados por catástrofes naturais e confli-tos ocasionados pelas mudanças no clima.

As alterações dos padrões climáticosconstruirão contexto em que a Inteligên-cia e a defesa serão protagonistas. Dosórgãos de defesa serão exigidas respos-tas tempestivas a eventuais conflitos eameaças à integridade territorial.

A Inteligência não será menos solicitada,pois seu caráter analítico e, em especial,sua habilidade para construção de prog-nósticos (ou cenários, estimativas) seráferramenta para a tomada de decisão doExecutivo.

Nesse sentido, já em 2003, relatório pro-duzido pelo Pentágono identificava asmudanças climáticas como ameaça à se-gurança nacional estadunidense. Concep-ção encampada pela CNA Corporation(CNAC)8, que, auxiliada por especialistase ex-militares de alta patente de todas asarmas, produziu o documento NationalSecurity and the Threat of Climate Change(Segurança Nacional e a Ameaça da Mu-dança do Clima). O documento da CNACproduziu as seguintes recomendações aogoverno estadunidense:

1. As conseqüências das mudanças do cli-ma para a segurança nacional devem sertotalmente contempladas pelas estratégi-as de segurança nacional e defesa;

2. Os Estados Unidos da América devemassumir posição mais forte e protagonistapara ajudar a estabilizar a mudança doclima em um nível que impeça adesestruturação significante da seguran-ça e estabilidade globais;

3. Os EUA devem se empenhar em par-cerias globais que colaborem com naçõesmenos desenvolvidas na construção decapacidade e poder de recuperação paramelhor administrarem impactos geradospelas mudanças climáticas;

4. O Departamento de Defesa dos EUAdeve aprimorar sua capacidadeoperacional por meio da adoção de pro-cessos de gestão nascidos no meiocorporativo e de tecnologias inovado-ras que resultem em poder de combatemaior e eficiente energeticamente;

8 Centro de pesquisa e análise, sediado nos EUA, que congrega o Center for Naval Analysis e oInstitute for Public Research.

Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

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48 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

5. O Departamento de Defesa dos EUAdeve elaborar uma avaliação dos possí-veis impactos nas instalações militaresestadunidenses em todo mundo produzi-dos pelas mudanças climáticas nos próxi-mos 30 a 40 anos.

... os países terão de... os países terão de... os países terão de... os países terão de... os países terão decontemplar em suascontemplar em suascontemplar em suascontemplar em suascontemplar em suas

estratégias voltadas aoestratégias voltadas aoestratégias voltadas aoestratégias voltadas aoestratégias voltadas aocombate às mudanças docombate às mudanças docombate às mudanças docombate às mudanças docombate às mudanças do

clima não só medidas paraclima não só medidas paraclima não só medidas paraclima não só medidas paraclima não só medidas para aaaaadiminuição de emissões, mas,diminuição de emissões, mas,diminuição de emissões, mas,diminuição de emissões, mas,diminuição de emissões, mas,com mesma ênfase, a criaçãocom mesma ênfase, a criaçãocom mesma ênfase, a criaçãocom mesma ênfase, a criaçãocom mesma ênfase, a criaçãode alternativas de adaptaçãode alternativas de adaptaçãode alternativas de adaptaçãode alternativas de adaptaçãode alternativas de adaptaçãoao novo cenário climático.ao novo cenário climático.ao novo cenário climático.ao novo cenário climático.ao novo cenário climático.

Algumas destas medidas já foram contem-pladas pelo governo estadunidense, comose pôde depreender da disposição do pre-sidente George Walker Bush para a cons-trução de alternativa ao Protocolo deQuioto, externada na última reunião doGrupo dos 8 países mais influentes domundo, em Berlim, Alemanha, e pela po-sição adotada pelos representantes diplo-máticos dos EUA em Bali, em dezembrode 2007.

O Departamento de Estado, na mesmadireção, incorporou as mudanças climá-ticas aos temas de trabalho da AgênciaCentral de Inteligência dos EUA (Cen-tral Intelligence Agency (CIA)), em aten-dimento ao solicitado no Global ClimateChange Security Oversight Act, apresen-tado ao Congresso estadunidense emabril de 2007.

Na mesma linha, o Ministério da DefesaBritânico (Ministry of Defence (MOD)),

que há muito identificava ameaças à se-gurança provocadas pelas mudanças cli-máticas como uma tendência para os pró-ximos anos, contratou, em setembro de2007, por US$ 24 milhões, o UK MetOffice Hadley Centre para a pesquisa deáreas do globo onde as mudanças climá-ticas podem gerar conflitos e para avaliare construir cenários de condições climá-ticas sobre as quais as forças britânicaspodem ser empregadas.

A Austrália segue a tendência de sua ex-metrópole e também incorporou aos te-mas de segurança as implicaçõesprovocadas pelas mudanças climáticas.

ConclusãoConclusãoConclusãoConclusãoConclusão

As mudanças climáticas já exercem influ-ência importante na construção de prog-nósticos em todo o mundo. Os efeitosdecorrentes das mudanças do clima e aprópria existência destas já não são maiscontestados. Resta à comunidade cientí-fica engajada no âmbito do IPCC e daUNFCCC responder às demandassurgidas das constatações de seus relató-rios e aos países responderem com pla-nejamentos de longo prazo que contri-buam com a redução das emissões e pla-nos para adaptação.

O protocolo de Quioto, apesar de ter vi-gência por mais quatro anos, já demons-tra sinais de ineficiência na mitigação dasemissões e revela desarticulação entre ospaíses participantes em decorrência danão adesão dos EUA. Um caminho viávelpara a diminuição das emissões arrasta-se ainda nos fóruns internacionais, semsinais claros de que apresentará uma so-lução factível e de curto prazo.

Uirá de Melo

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Neste cenário, os países terão de con-templar em suas estratégias voltadas aocombate às mudanças do clima não sómedidas para a diminuição de emissões,mas, com mesma ênfase, a criação de al-ternativas de adaptação ao novo cenárioclimático. Planejamento que não tragaprevisões específicas voltadas para a adap-tação a esta nova realidade será incom-pleto e passível de fracasso.

Está claro que o exercício efetuado peloCNAC e pelo Ministério da Defesa Britâ-nico (MOD – sigla em inglês) não é auto-maticamente transferível à realidade brasi-leira, mas serve como exemplo para umpaís que pleiteia protagonismo na regiãosul-americana e nas discussões acerca dotema das mudanças climáticas. Não há, atéo momento, no Brasil, coordenação inter-na suficiente entre as instituições públicasafeitas ao tema que permitam ao País pre-caver-se e preparar-se para os desafios na

área de segurança e defesa que a questãoimpõe, apesar do Decreto n.º 6.263, de21 de novembro de 2007, que cria o Co-mitê Interministerial sobre Mudança doClima – coordenado pelo MMA –, e daintensa participação brasileira em fórunsinternacionais por meio de sua represen-tação diplomática e técnica.

Países que não estejam preparados paralidar com o tema das mudanças climáti-cas e suas conseqüências tendem a serretardatários nas ações globais acerca doproblema, perdendo força política inter-nacional e colocando a estabilidade inter-na em perigo. Uma participação lenientena busca de soluções para a questão emtela levaria esses países a dependerem dacontribuição internacional para a manu-tenção da segurança e para cumprir me-tas e cronogramas estabelecidos no âm-bito da ONU.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

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50 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

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Uirá de Melo

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 51

ANEXO A

Cenário mundial do carvão mineral:projeção da demanda mundial de energia por fonte geradora

Cenário mundial do carvão mineral:reservas/produção/consumo 2004

Fonte: BP Statistical Review of World Energy - Jun/05

Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

América do Norte

247

Europa

Ásia

0,4

Oriente Médio

África

50

255

América do Sul

20

258

Oceania

79 Reservas

909 Gt

Produção5,5 Gt/ano

Consumo

4,8 Gt/ano

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52 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

ANEXO B

Cenários – temperatura e mudanças

Uirá de Melo

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 53

ANEXO B (continuação)

Cenário mundial dos efeitos do aumento da temperaturae necessidades de adaptação: projeção

Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

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54 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

Uirá de Melo

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 55

ANEXO C

Cenários: Efeitos da elevação da temperatura nas áreaspropícias ao cultivo da soja no estado do Mato Grosso

Cultura: SOJARetenção Solo:50Ciclo: 125Área Apta: 893243 KM2

Cultura: SOJARetenção Solo:50Ciclo: 125Área Apta: 326666 KM2

Cultura: SOJARetenção Solo:50Ciclo: 125Área Apta: 326666 KM2

Mudanças climáticas: Inteligência e Defesa

Cultura: SOJARetenção Solo:50Ciclo: 125Área Apta: 847560 KM2

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 57

A AA AA AA AA ATIVIDTIVIDTIVIDTIVIDTIVIDADE OPERACIONAL EM BENEFÍCIO DADE OPERACIONAL EM BENEFÍCIO DADE OPERACIONAL EM BENEFÍCIO DADE OPERACIONAL EM BENEFÍCIO DADE OPERACIONAL EM BENEFÍCIO DAAAAASEGURANÇA PÚBLICSEGURANÇA PÚBLICSEGURANÇA PÚBLICSEGURANÇA PÚBLICSEGURANÇA PÚBLICA: o combate ao crime orA: o combate ao crime orA: o combate ao crime orA: o combate ao crime orA: o combate ao crime organizadoganizadoganizadoganizadoganizado

Cristina Célia FCristina Célia FCristina Célia FCristina Célia FCristina Célia Fonseca Rodriguesonseca Rodriguesonseca Rodriguesonseca Rodriguesonseca Rodrigues

ResumoResumoResumoResumoResumo

A globalização favoreceu a expansão geográfica dos crimes transnacionais que utilizam as faci-lidades tecnológicas para encobrir suas atividades ilícitas. O tripé integrado por narcotraficantes,terroristas e contrabandistas atua em conjunto ou de forma complementar constituindo umagrave ameaça à sociedade e aos Estados nacionais. Nesse contexto, as operações de Inteligên-cia governamental e policial, aliadas ao intercâmbio de dados e informações entre Serviços deInteligência são instrumentos legais à disposição do Estado, na busca do dado sigiloso e prote-gido. No Brasil, a Abin é responsável pela interface com os órgãos internos e os Serviçosestrangeiros, e tem por missão fomentar a integração da comunidade de Inteligência. Paracumprir esta missão, a Abin deve atuar como a instituição governamental que reúne, analisa eprocessa dados oriundos de diversas fontes com o objetivo de produzir conhecimentos estraté-gicos para o assessoramento das autoridades decisórias.

IntrIntrIntrIntrIntroduçãooduçãooduçãooduçãoodução

Nas últimas décadas, o aumento dosíndices de criminalidade e a atuação

de organizações criminosas transnacionaiscolocaram o tema Segurança Pública en-tre as principais preocupações da socieda-de e do Estado brasileiros. A delinqüênciae a violência criminal afetam, em maior oumenor grau, toda a população, provocan-do sensação de apreensão, medo e des-crenças nas instituições estatais responsá-veis pela manutenção da Paz Social.

O Projeto Segurança Pública para o Bra-sil da Secretaria Nacional de SegurançaPública (Senasp) aponta como principalcausa do aumento da criminalidade o trá-fico de drogas e de armas. A articulaçãoentre estes dois ilícitos potencializa e

diversifica as atividades criminosas. Ho-micídios dolosos, roubos, furtos, seqües-tros e latrocínios estão, freqüentemente,associados ao consumo e venda de dro-gas e à utilização de armas ilegais.

Mundialmente, o tripé integrado pornarcotraficantes, terroristas e contrabandis-tas de armas e de seres humanos atua emconjunto ou de forma complementar, cons-tituindo uma grave ameaça à sociedade eaos Estados nacionais. A globalização fa-voreceu a expansão geográfica dos crimestransnacionais que utilizam as facilidadescomerciais, as comunicações e os múlti-plos meios de transportes para encobrirsuas atividades ilícitas.

Em razão da complexidade, da amplitudee do poderio das redes criminosastransnacionais, a solução para a

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criminalidade depende de decisões polí-tico-econômico-sociais e, concomi-tantemente, de ações preventivas e repres-sivas de órgãos estatais. A cooperaçãoentre os países torna-se imperativa edeterminante para o enfrentamento docrime organizado.

Nesse contexto, as operações de Inteli-gência governamental e policial, aliadasao intercâmbio de dados e informaçõesentre Serviços de Inteligência, são instru-mentos legais à disposição do Estado, nabusca do dado sigiloso e protegido.

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin),órgão central do Sistema Brasileiro deInteligência (Sisbin), deve assumir a mis-são de centralizar, processar e distribuirdados e informações estratégicos paramuniciar os órgãos policiais (federais, es-tatais e municipais) nas ações de comba-te ao crime organizado. Além disso, aAbin é responsável por manter contatocom os Serviços de Inteligência parcei-ros, no sentido de favorecer a troca deinformações e a cooperação multilateral.

1 Or1 Or1 Or1 Or1 Organizações criminosasganizações criminosasganizações criminosasganizações criminosasganizações criminosas

A ciência criminológica aponta como prin-cipais características de uma organizaçãocriminosa: hierarquia estrutural, planeja-mento empresarial, claro objetivo de lu-cros, uso de meios tecnológicos avança-dos, recrutamento de pessoas, divisãofuncional de atividades, conexão estrutu-ral ou funcional com o poder público e/ou com o poder político, oferta de pres-tações sociais, divisão territorial das ati-

vidades, alto poder de intimidação, altacapacitação para a fraude, conexão lo-cal, regional, nacional ou internacionalcom outras organizações e capacidadepara ameaçar interesses e instituiçõesnacionais.

Detentoras de grande poderio financeiro,as organizações criminosas recrutam, comfacilidade, elementos para compor e re-novar seus quadros, e passam a contarcom indivíduos motivados financeiramen-te, bem treinados e munidos de armamen-to, muitas vezes superior aos das forçaspoliciais. Tais fatores, aliados à ilegalida-de inerente as atividades das organizaçõescriminosas, tornam desigual o confrontocom as forças policiais.

2 Globalização do crime or2 Globalização do crime or2 Globalização do crime or2 Globalização do crime or2 Globalização do crime organizadoganizadoganizadoganizadoganizado

Nas últimas décadas do século XX, aglobalização permitiu ao crime organiza-do transnacional expandir-se geografica-mente e operar em qualquer continenteou Nação. Inovações tecnológicas facili-taram o fluxo das telecomunicações e dotráfego comercial aéreo, repercutindo nocrescimento do comércio internacional.Uma nova forma de fazer negócios sur-giu, possibilitando a movimentação degrandes volumes de dinheiro e a circula-ção de produtos e pessoas entre países eblocos econômicos. As organizações cri-minosas valeram-se de tais facilidades paraencobrir suas atividades ilícitas e dificul-tar o controle por parte dos Estados.

Para Shelley1 (2001, p.1), o fim daGuerra Fria permitiu o surgimento da

1 Louise Shelley é professora da Escola de Serviço Internacional e fundadora e diretora doCentro Transnacional de Combate ao Crime e à Corrupção na Universidade Americana emWashington, D.C. Uma das principais especialistas em crime e terrorismo transnacional, ela éa autora de Policing Soviet Society e Crime and Modernization, bem como de vários artigos ecapítulos de livros que enfocam os mais variados aspectos do crime transnacional.

Cristina Célia Fonseca Rodrigues

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globalização simultânea do crime, do ter-ror e da corrupção, “trindade obscena”que se manifesta em todo o mundo. Aatuação das redes criminosastransnacionais em conjunto com terroris-tas tornou-se viável a partir de umacorrupção endêmica, verificada em diver-sas Nações. Shelley analisa como a mes-ma globalização que atrai empresasmultinacionais legítimas permitiu que cri-minosos e terroristas desenvolvessem re-des transnacionais, “dispersando suas ati-vidades, seu planejamento e sua logísticaem vários continentes, confundindo, as-sim, os sistemas jurídicos estatais usadospara combater o crime transnacional emtodas as suas manifestações”.

De acordo com Shelley (2006, p.2), ocrime organizado e o terrorismo sempreoperaram fora de suas fronteiras, mas anovidade trazida pela globalização é avelocidade e a freqüência das interações,e a intensidade da cooperação entre asformas de crimes transnacionais.

Azevedo (2002, p. 473) concorda comShelley, e anota que os crimestransnacionais são os maiores beneficiáriosdo processo de globalização e que os“mesmos irão proliferar a uma velocidadealtíssima, razão pela qual a Inteligência deEstado e policial torna-se essencial para ocombate de organizações”.

3 Operações de Inteligência no comba-3 Operações de Inteligência no comba-3 Operações de Inteligência no comba-3 Operações de Inteligência no comba-3 Operações de Inteligência no comba-te ao crime orte ao crime orte ao crime orte ao crime orte ao crime organizadoganizadoganizadoganizadoganizado

3.1 Inteligência de Estado e Inteligência3.1 Inteligência de Estado e Inteligência3.1 Inteligência de Estado e Inteligência3.1 Inteligência de Estado e Inteligência3.1 Inteligência de Estado e Inteligênciapolicialpolicialpolicialpolicialpolicial

As operações de Inteligência são técnicasespecializadas aplicadas na busca do co-nhecimento privilegiado ou do dado ne-gado, com o objetivo de prevenir, detec-

tar, obstruir e neutralizar a ação de ele-mentos adversos e que atuam contra osinteresses do Estado ou da sociedade.

Em Estados democráticos, como o Bra-sil, as operações de Inteligência devemser executadas estritamente em obediên-cia aos preceitos constitucionais vigentes,salvaguardando direitos e garantias indi-viduais e em consonância com as normasestabelecidas no Direito Internacional.

Os dados e as informações reunidos pos-sibilitam identificar e compreender as ca-racterísticas, a estrutura, as formas de fi-nanciamento e o modus operandi das or-ganizações criminosas e de seus compo-nentes. Conhecer estes elementos é es-sencial para (a) a formulação de políticasdirecionadas para Segurança Pública; (b)o planejamento de ações preventivas eofensivas; (c) o subsídio de análisesprospectivas em nível estratégico; e (d) ofornecimento de provas materiais aos pro-cessos judiciais.

Gonçalves (2006) defende que:

Diante do grau de complexidade ediversificação do crime organizado, aatividade de Inteligência adquire grandeimportância não só para a repressão, mas,sobretudo, no que concerne à prevençãocontra o desenvolvimento do crimeorganizado. A atividade de Inteligência éútil para o planejamento de estratégias deação das autoridades no contexto dasegurança pública. E as ações deinteligência devem reunir Inteligênciagovernamental e policial, em escala federale estadual.

Apesar de apresentarem característicascomuns, operações de Inteligência esta-tal e policial têm finalidades diferencia-das. As operações de Inteligência de Es-tado, inseridas na fase da reunião de da-

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dos2, são realizadas para responder à de-manda da Atividade de Inteligência, queconsiste na obtenção de dados e/ou in-formações relevantes e pertinentes paracompor conhecimentos estratégicos esubsidiar as autoridades com poderdecisório.

... operação de Inteligência... operação de Inteligência... operação de Inteligência... operação de Inteligência... operação de Inteligênciade Estado [...] visa ade Estado [...] visa ade Estado [...] visa ade Estado [...] visa ade Estado [...] visa a

transformar informaçõestransformar informaçõestransformar informaçõestransformar informaçõestransformar informaçõestáticas em conhecimentostáticas em conhecimentostáticas em conhecimentostáticas em conhecimentostáticas em conhecimentos

estratégicos que antecipamestratégicos que antecipamestratégicos que antecipamestratégicos que antecipamestratégicos que antecipamfatos, alertam para situaçõesfatos, alertam para situaçõesfatos, alertam para situaçõesfatos, alertam para situaçõesfatos, alertam para situaçõese subsidiam documentose subsidiam documentose subsidiam documentose subsidiam documentose subsidiam documentos

para o assessoramento daspara o assessoramento daspara o assessoramento daspara o assessoramento daspara o assessoramento dasautoridades governamentais.autoridades governamentais.autoridades governamentais.autoridades governamentais.autoridades governamentais.

Gonçalves (2006, p. 6 e 7) anota que asações de Inteligência de Estado assumemvárias funções, e cita o planejamento es-tratégico e a análise prospectiva como asprincipais:

Com base na coleta e no processamentode informações de caráter nacional einternacional – como rotas de tráfico,dados sobre o consumo em várias regiõesdo país, as novas tipologias –, pode-sefazer um mapeamento das atividades dasorganizações criminosas e dascaracterísticas dos diversos grupos queatuam em variados setores, estabelecendo-se as conexões.

Acrescente-se também [ao emprego dasações de inteligência] a análise prospectivacom o objetivo de identificar as tendênciasde ação do crime organizado e suastipologias. Por meio dessas variáveis, épossível traçar linhas mestras de ação naprevenção e no combate às organizaçõescriminosas, em escala nacional, além decriar instrumentos para cooperação comoutros entes da comunidade internacional.

A necessidade de cooperação entre osórgãos estatais e a comunidade internaci-onal é considerada elemento imprescin-dível no combate ao crime transnacional.Godoy (2005, p.9) afirma que os proble-mas estratégicos, “por seu caráter sorra-teiro, [...] só podem ser contidos por meiode uma eficaz atuação dos serviços deInteligência dos diversos países, que [...]devem trocar informações entre si”.

No Brasil, cabe à Agência Brasileira deInteligência (Abin) – criada pela Lei nº9.883 (BRASIL, 1999) – manter con-tato com os Serviços de Inteligênciaestrangeiros e promover o intercâmbiode conhecimentos e a realização detrabalhos conjuntos. Paiva (2005, p.39), reforça a idéia da necessidade decooperação multilateral:

Vários textos, convenções e resoluções daOrganização das Nações Unidas têmconclamado a cooperação entre osserviços de Inteligência dos países-membros daquele organismo internacionalpara que se juntem nesse sentido ecooperem trocando experiências einformações.

No âmbito interno, compete à Abin –órgão central do Sistema Brasileiro deInteligência (Sisbin) – planejar, executar,coordenar, supervisionar e controlar asatividades de Inteligência do País. A insti-tuição, amparada por prerrogativas legais,deve receber, analisar e processar os da-dos e informações coletados e buscadospelos diversos órgãos que compõem acomunidade de Inteligência interna e ex-terna. O destino do material informacionalreunido é a produção de conhecimentosoportunos e estratégicos para oassessoramento das autoridadesdecisórias.

Cristina Célia Fonseca Rodrigues

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Azevedo (2002,p.469) cita o Manual deInteligência Policial do Departamento dePolícia Federal para definir operações deInteligência como:

[...] conjunto de ações de InteligênciaPolicial que empregam técnicas especiaisde investigação, visando a confirmarevidências, indícios e obter conhecimentossobre a atuação criminosa dissimulada ecomplexa, bem como à identificação deredes e organizações que atuam no crime,de forma a proporcionar um perfeitoentendimento sobre seu “modusoperandi”, ramificações, tendências ealcance de suas condutas criminosas.

No âmbito policial, as operações de Inte-ligência Policial têm o compromisso dereunir e produzir provas materialmentelícitas e processualmente legítimas paravalidar ações na Justiça e “produzir co-nhecimentos a serem utilizados em açõese estratégias de polícia judiciária”,Menezes e Gomes (2006, p.41).

A distinção entre operação de Inteligên-cia de Estado e operação policial é quea primeira visa a transformar informaçõestáticas em conhecimentos estratégicosque antecipam fatos, alertam para situa-ções e subsidiam documentos para oassessoramento das autoridades gover-namentais, enquanto a segunda, comocita Azevedo (2002, p. 470), busca aprodução de provas da materialidade eautoria de crimes.

No entanto, é imprescindível a interaçãoentre as Inteligências governamentais e aspoliciais, Menezes e Gomes (2006, p. 42)analisam que “é incontestável e premen-te a maior interação entre os órgãos [...]policiais e de segurança do Estado, coma mitigação da exacerbadacompartimentação, com a comunicaçãoem tempo real de possíveis ameaças ao

Estado”. Compartilhar dados e informa-ções, integrando bancos de dados, capa-citando pessoal para as ações ofensivassão iniciativas que devem ser buscadas,sobretudo pelos órgãos que integram oSisbin, em parceria com as agências es-trangeiras.

3.2 Técnicas Operacionais3.2 Técnicas Operacionais3.2 Técnicas Operacionais3.2 Técnicas Operacionais3.2 Técnicas Operacionais

Para o enfrentamento de redes crimino-sas (compostas por elementos treinados,motivados financeira ou ideologicamentee munidos de armamento moderno e detecnologia avançada), o elementooperacional necessita planejar cuidadosa-mente as ações a serem executadas. Paratanto, necessita primeiramente de umEstudo de Situação (ES), com levantamen-to completo dos dados e informaçõesexistentes sobre o alvo da operação. Osaspectos levantados no ES servem de sub-sídios para a elaboração do Plano deOperações (OP) que deverá abordar ositens situação, missão, execução, medi-das administrativas, coordenação e con-trole. No detalhamento da forma de exe-cução, o elemento operacional analisa astécnicas operacionais necessárias para aconsecução da missão.

A coleta de dados em ambiente adversoexige o emprego de diferentes tipos detécnicas operacionais, das mais simplesàs mais complexas (recrutamento e infil-tração de agentes), executadas isolada-mente ou em conjunto (emprego de umaestória-cobertura para realizar um reco-nhecimento); no entanto, observa-se querequisitos como planejamento detalhado,treinamento dos agentes, meiostecnológicos e equipamentos seguros eadequados para a missão são comuns àsações especializadas.

A atividade operacional em benefício da Segurança Pública

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Entre as técnicas especializadas legiti-mamente empregadas, Azevedo (2002,p. 470) destaca a “vigilância; o recruta-mento; a interceptação e o monitoramentode comunicações telefônicas, telemáticase em sistemas de informática; a captaçãoe a interceptação ambiental de sinais ele-tromagnéticos, óticos ou acústicos; e ainfiltração de agente” em organizaçõescriminosas. Além das técnicas elencadaspor Azevedo, outras ações, como a ob-servação, memorização e descrição(OMD), a estória-cobertura, o reconhe-cimento, a fotografia, a entrevista, são lar-gamente empregadas na busca do dadoprotegido.

Para Azevedo (2002, p. 470), monitoraras comunicações “torna-se imprescindívelface aos óbices encontrados na produçãode inteligência”, pois as organizações cri-minosas são “impermeáveis à presença deestranhos”; assim, técnicas convencionais deinvestigação tornam-se inócuas quando setrata de crime organizado especializado.

A Abin não possui amparo legal para rea-lizar a interceptação e o monitoramentodas comunicações telefônicas. Tal fato temsido apontado por especialistas na áreade Inteligência de Estado como uma falhalegislativa, pois cerceia o órgão central doSisbin de empregar esta importante téc-nica operacional na busca de dados refe-rentes, sobretudo à atuação do crime or-ganizado e às atividades de espionagemem território nacional.

Discute-se, no âmbito do PoderLegislativo, a aprovação de legislação quegaranta o direito de a Abin realizarinterceptações telefônicas, especificamen-te nos casos que envolvam sabotagem,crime organizado e espionagem.

No tocante ao controle das telecomuni-cações e na produção de imagens, a Inte-ligência de Sinais (Intlg Sin) representaimportante ferramenta de busca de da-dos ao produzir conhecimentos técnicose operacionais a partir dos sinais inter-ceptados de comunicações (incluindo si-nais de voz e de dados, como telegrafia,fac-símile e comunicações por satélite) ede não-comunicações (oriundos de rada-res e de guiamento de armamento).

As ações especializadasAs ações especializadasAs ações especializadasAs ações especializadasAs ações especializadassão fersão fersão fersão fersão ferramentas daramentas daramentas daramentas daramentas da

Atividade Atividade Atividade Atividade Atividade de Inteligênciade Inteligênciade Inteligênciade Inteligênciade Inteligênciacapazes de obter capazes de obter capazes de obter capazes de obter capazes de obter dadosdadosdadosdadosdados

sigilosos sobre estrutura,sigilosos sobre estrutura,sigilosos sobre estrutura,sigilosos sobre estrutura,sigilosos sobre estrutura,financiamentos, financiamentos, financiamentos, financiamentos, financiamentos, modusmodusmodusmodusmodus

operandioperandioperandioperandioperandi, r, r, r, r, rotas e redes dasotas e redes dasotas e redes dasotas e redes dasotas e redes dasorororororganizações criminosas.ganizações criminosas.ganizações criminosas.ganizações criminosas.ganizações criminosas.

Para o enfrentamento do crime organiza-do, a Intlg Sin realiza o mapeamento ele-trônico sobre regiões de interesse; cria ealimenta bases de dados com informaçõestécnicas das emissões eletromagnéticasprovenientes das regiões de interesse; efornece indícios para a utilização de ou-tros sistemas e fontes (Humanas e Imagens).

Efetivamente, a Inteligência de Sinais for-nece dados sobre pistas de pouso clan-destinas utilizadas por narcotraficantes;deslocamentos de comboios em faixa defronteiras ou em rios; fotos de plantaçõesde entorpecentes; e acompanhamento defreqüências de rádio e comunicações clan-destinas das redes de criminosos.

Para atingir o objetivo de buscar dadosem ambientes adversos, há a exigênciade aperfeiçoamento constante para os

Cristina Célia Fonseca Rodrigues

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 63

agentes operacionais (que devem estaratualizados com as inovaçõestecnológicas e treinados para empregá-las), aprimoramento e modernização deequipamentos e acompanhamento psico-lógico para os profissionais de Inteligên-cia que atuam no setor.

3.3 Considerações finais3.3 Considerações finais3.3 Considerações finais3.3 Considerações finais3.3 Considerações finais

A globalização do crime e as perspecti-vas de crescimento das organizações cri-minosas transnacionais – com ampliaçãode redes de atuação e constantes inova-ções no modo de ação – exigem dos Es-tados nacionais atividades coordenadas noâmbito da Segurança Pública, aliadas aointercâmbio de dados e informações comas agências de Inteligências parceiras, deforma a reduzir o avanço e a expansãodas redes criminosas internacionais.

As ações especializadas são ferramentasda Atividade de Inteligência capazes deobter dados sigilosos sobre estrutura, fi-nanciamentos, modus operandi, rotas eredes das organizações criminosas. Paracombater eficientemente as diversasmodalidades de crimes transnacionais, épreciso penetrar na hierarquia com-partimentalizada das organizações crimi-nosas para conhecer seus objetivos e li-gações, e antecipar suas ações.

Os dados coletados por elementosoperacionais são imprescindíveis para aelaboração de planejamento estratégicode ações de órgãos da segurança públi-ca, de análise prospectiva da evoluçãodo crime e, também, para a produçãode provas para a ação judicial.

A interceptação das comunicações e dossinais eletromagnéticos é considerada uma

técnica operacional relevante na busca dodado protegido, em um ambiente herme-ticamente fechado e segmentado. Nestecontexto, a Inteligência de Sinais repre-senta uma ferramenta importante para aaquisição de sinais e de imagens queorientam ações de combate e subsidiamconhecimentos estratégicos.

A Abin, enquanto órgão oficial de Inteli-gência do Estado Brasileiro, necessita deprerrogativas legais que lhe assegurem apossibilidade de realizar, obedecendo aospreceitos constitucionais vigentes, omonitoramento das comunicações,notadamente em casos que envolvam or-ganizações criminosas e espionagem.

O sucesso do embate entre as Nações e ocrime organizado depende de cooperação,coordenação e controle, e da presençadecisiva das Inteligências de Estado e poli-cial. No Brasil, a Abin é responsável pelainterface com os órgãos internos e os Ser-viços estrangeiros, e tem por missão fo-mentar a integração da comunidade de In-teligência. Para cumprir esta missão, a Abindeve funcionar como a instituição gover-namental que reúne, analisa e processadados oriundos das diversas fontes, pro-duz conhecimentos estratégicos para oassessoramento das autoridades decisóriase compartilha o conhecimento processa-do com os órgãos parceiros.

Reconhecidamente, o combate às orga-nizações criminosas transnacionais repre-senta uma tarefa árdua e perene, que deveser executada, permanentemente, dentrode preceitos legais, mas com ações pró-ativas de Inteligência governamental epolicial, e cooperação multilateral.

A atividade operacional em benefício da Segurança Pública

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64 Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009.

ReferênciasReferênciasReferênciasReferênciasReferências

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BRASIL. Lei Nº 9.883, de 7 de dezembro de 1999. Institui o Sistema Brasileiro de Inteligência, cria aAgência Brasileira de Inteligência – ABIN, e dá outras providências. Diário Oficial [da] República Federa-tiva do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 8 dez. 1998. Seção 1.

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Cristina Célia Fonseca Rodrigues

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Revista Brasileira de Inteligência. Brasília: Abin, n. 5, out. 2009. 65

DESCRIMINALIZAÇÃO DO DELITO DE POSSEDESCRIMINALIZAÇÃO DO DELITO DE POSSEDESCRIMINALIZAÇÃO DO DELITO DE POSSEDESCRIMINALIZAÇÃO DO DELITO DE POSSEDESCRIMINALIZAÇÃO DO DELITO DE POSSEDE DE DE DE DE ARMAS NO BRASILARMAS NO BRASILARMAS NO BRASILARMAS NO BRASILARMAS NO BRASIL

Douglas MorDouglas MorDouglas MorDouglas MorDouglas Morgan Fgan Fgan Fgan Fgan Fullin Saldanhaullin Saldanhaullin Saldanhaullin Saldanhaullin Saldanha11111

ResumoResumoResumoResumoResumo

Trata-se de estudo destinado a investigar as normas incriminadoras da Lei 10.826/2003,conhecida como Estatuto do Desarmamento, mormente quanto ao delito de posse de armas.Aborda as alterações sofridas pela legislação do desarmamento, concernente às campanhasde regularização e de desarmamento, que ocasionou a descriminalização da conduta deposse de armas de fogo de uso permitido e de uso restrito. Outrossim, destaca-se, sobrema-neira, a abordagem do tema sob o prisma dos princípios constitucionais que visam conter oaparelho estatal repressor, funcionando como uma forma de controle da atuação do direitopenal. Por fim, diante do amplo estudo da referida temática e dos diplomas legais pertinen-tes, tecem-se considerações acerca da necessidade de alterações na regulamentação da cam-panha do desarmamento de modo a evitar o efeito reflexo de acarretar a abolitio criminis nosdelitos de posse de armas de uso permitido e de uso restrito.

1 Descriminalização do delito de1 Descriminalização do delito de1 Descriminalização do delito de1 Descriminalização do delito de1 Descriminalização do delito deposse de armasposse de armasposse de armasposse de armasposse de armas

1.1 Campanhas de Regularização e do1.1 Campanhas de Regularização e do1.1 Campanhas de Regularização e do1.1 Campanhas de Regularização e do1.1 Campanhas de Regularização e doDesarmamentoDesarmamentoDesarmamentoDesarmamentoDesarmamento

Entre as metas almejadas pelo Estatuto do Desarmamento, está a retirada de

circulação do maior número de armas defogo possível, visando à redução dos ín-dices de violência e o fortalecimento dosentimento de segurança social. Neste

sentido, o item 9 da Exposição de Moti-vos nº 293, de 24 de maio de 1999,(apud FIGUEIREDO, 2006) que dá su-porte ao projeto de lei do Estatuto do De-sarmamento, já apontava para a necessi-dade de um posicionamento legal “sobreas armas que estão em poder de particu-lares, na forma do art. 2, no sentido dedeterminar aos proprietários das armasque as recolham às unidades das ForçasArmadas, da Polícia Federal ou da PolíciaCivil, garantindo-lhes a indenização de-corrente desse recolhimento”.

1 O autor é delegado de Polícia Federal lotado na Diretoria de Combate ao Crime Organizadoem Brasília, pós-graduado em Direito Público e em Ciências Penais, e professor na AcademiaNacional de Polícia.

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A Lei nº 10.826 de dezembro de 2003também previu, nos arts. 30, 31 e 32,algumas formas de se retirar armas de fogode circulação, assim como regularizaraquelas que permaneceriam em poder dasociedade civil.

O Estatuto dispôs, em seu art. 30, sobrea possibilidade de os possuidores e pro-prietários de armas de fogo nãonãonãonãonão-----registradasregistradasregistradasregistradasregistradas solicitarem o registro peranteo órgão competente, no prazo de 180dias da publicação da lei, desde que apre-sentassem nota fiscal de compra ou a com-provação da origem lícita da posse.

Esse dispositivo consagrou uma espécie deanistia irrestrita, que motivou a aquisiçãopela população de armas nãonãonãonãonão-registradas-registradas-registradas-registradas-registradas,principalmente de origem estrangeira, pararegularizá-las posteriormente. Ciente des-sa repercussão social da regulamentaçãolegal, o legislador, via Medida Provisóriano. 417, de 31 de janeiro de 2008, alte-rou a redação do art. 30. O novo textoprevê que somente as armas de fogo defabricação nacional, de uso permitido e nãoregistradas, e as de procedência estrangei-ra, de uso permitido e fabricadas anterior-mente ao ano de 1997 (ano de promulga-ção da Lei nº 9.437, de 20 de fevereiro),estarão sujeitas à regularização. No entan-to, o referido dispositivo não subsistiu apósa conversão da Medida Provisória na Leinº 11.706, de 26 de junho de 2008.Novamente foi permitida a regularizaçãode qualquer arma de fogo de calibre per-mitido até 31 de dezembro de 2008.

O art. 31, que não teve sua redação alte-rada, prevê a possibilidade de uma armade fogo registradaregistradaregistradaregistradaregistrada ser entregue a qual-

quer tempo à Polícia Federal, medianterecibo e indenização.

Já o art. 32 da redação original do estatutoprevia a hipótese de entregar a arma defogo nãonãonãonãonão-registrada-registrada-registrada-registrada-registrada à Polícia Federal, noprazo de 180 dias após a publicação daLei, mediante indenização, desde que pre-sumida a boa-fé do possuidor ou proprie-tário. Vale dizer que a referida boa-fé épresumida, desde que não conste no Sis-tema Nacional de Armas (SINARM) ne-nhum dado que aponte a origem ilícita daarma (apreendida, furtada, roubada etc)2.

Devido ao sucesso da campanha de regu-larização e do desarmamento, o prazo de180 dias fixado no estatuto, cujo início sedeu em 23 de dezembro de 2003, foi es-tendido, por meio das Leis nº 10.884/2004, 11.118/2005 e 11.191/2005,com encerramento em 23 de outubro de2005.

Em pesquisas da área de segurança pú-blica, evidenciam o contínuo incrementodas mortes causadas por armas de fogo,que só sofreu decréscimo após os esfor-ços empreendidos na campanha do de-sarmamento, que se deu nos anos 2004e 2005. Isto ficou demonstrado no “Mapada Violência dos Municípios Brasileiros2008” (WAISELFISZ, 2008).

Os resultados da campanha do desarma-mento nos índices de violência e a pressãoda sociedade, principalmente através dasorganizações não-governamentais (ONGs),levou o legislador a novamente concederprazo de regularização das armas, assimcomo a reestabelecer a campanha do de-sarmamento, agora de forma perene.

2 “Presumir-se-á a boa-fé dos possuidores e proprietários de armas de fogo que se enquadremna hipótese do art. 32 da Lei nº 10.826, de 2003, se não constar do SINARM qualquer registroque aponte a origem ilícita da arma”. Decreto nº 5.123 (BRASIL, 2004a, art.69).

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Este movimento culminou com a ediçãoda Medida Provisória nº 417/2008, pos-teriormente convertida na Lei nº 11.706/2008, que alterou, na Lei nº 10.826,as condições para a regularização dasarmas nãonãonãonãonão-registradas-registradas-registradas-registradas-registradas, conforme já des-tacamos, e estabeleceu uma permanentepermanentepermanentepermanentepermanentecampanha do desarmamento prevendo,em seu art. 32, que “os possuidores eproprietários de arma de fogo poderãoentregá-la, espontaneamente, medianterecibo, e, presumindo-se de boa-fé, se-rão indenizados, na forma do regulamen-to, ficando extinta a punibilidade deeventual posse irregular da referidaarma” (BRASIL, 2003, art. 32).

Alguns doutrinadoresAlguns doutrinadoresAlguns doutrinadoresAlguns doutrinadoresAlguns doutrinadoresentendem que o transporteentendem que o transporteentendem que o transporteentendem que o transporteentendem que o transporte

da arma de fogo parada arma de fogo parada arma de fogo parada arma de fogo parada arma de fogo pararegularização ou entrega aoregularização ou entrega aoregularização ou entrega aoregularização ou entrega aoregularização ou entrega ao

órórórórórgão competente fazgão competente fazgão competente fazgão competente fazgão competente fazpresumir a boa-fé dopresumir a boa-fé dopresumir a boa-fé dopresumir a boa-fé dopresumir a boa-fé do

possuidor e afastar o dolo,possuidor e afastar o dolo,possuidor e afastar o dolo,possuidor e afastar o dolo,possuidor e afastar o dolo,não incidindo o delito denão incidindo o delito denão incidindo o delito denão incidindo o delito denão incidindo o delito de

porte de armas.porte de armas.porte de armas.porte de armas.porte de armas.

Por meio da Exposição de Motivos nº 9(BRASIL. Ministério..., 2008), que acom-panhou a Medida Provisória nº 417/2008, o Sr. Ministro da Justiça motivou anecessidade da implementação da cam-panha do desarmamento sem definiçãode prazo para término, asseverando “quea partir da edição desta medida provisó-ria não mais definirá um prazo final paraa entrega, mediante indenização, de ar-mas não registradas. Essa alteraçãoviabilizará a retomada das campanhas de

entrega de armas que, por meio daconscientização e mobilização da socie-dade retirará milhares de armas de fogodas mãos dos cidadãos”.

A alteração legislativa imbuída de notávelespírito humanitário acabou por acarretar,ainda que não fosse esse o objetivo, gran-de impacto nas normas incriminadoras doEstatuto do Desarmamento, e ineficácia dedispositivos penais, como o delito de pos-se de armas, que também contribuem paraa diminuição da violência e proporcionamo controle e a redução do número de ar-mas em circulação.

1.2 Reper1.2 Reper1.2 Reper1.2 Reper1.2 Repercussão das campanhas de re-cussão das campanhas de re-cussão das campanhas de re-cussão das campanhas de re-cussão das campanhas de re-gularização e do desarmamento no deli-gularização e do desarmamento no deli-gularização e do desarmamento no deli-gularização e do desarmamento no deli-gularização e do desarmamento no deli-to de posse de armasto de posse de armasto de posse de armasto de posse de armasto de posse de armas

A partir de 2005, o Superior Tribunal deJustiça (STJ) firmou entendimento de queas benesses consagradas nos arts. 30 e32, do Estatuto do Desarmamento, pro-moveram uma descriminalização tempo-rária (“abolitio criminis temporalis”) ouainda uma vacatio legis indireta, duranteo prazo definido em lei, no que concerneaos delitos de posse de armas de uso per-mitido e de uso restrito previstos nos arts.12 e 16 da Lei nº 10.826/2003. Referi-do entendimento está consolidado na li-nha dos julgados Habeas Corpus (HC)83680/MS3 e Recurso Ordinário emHabeas Corpus (RHC) 19466/RS4.

Observa-se que o entendimento indica-do não contempla outras figuras típicasprevistas no Estatuto do Desarmamento,mas tão somente as condutas de posseirregular de arma de fogo, verbis:

Descriminalização do delito de posse de armas no Brasil

3 BRASIL. Superior..., 2007b, p.1237.4 BRASIL. Superior..., 2007e, p.641.

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HABEAS CORPUS. PENAL. ESTATUTODO DESARMAMENTO. FORNE-CIMENTO ILEGAL DE ARMA DE FOGO(ART. 14 DA LEI Nº 10.826/03).ABOLITIO CRIMINIS TEMPORÁRIANÃO-OCORRÊNCIA. EXTINÇÃO DAPUNIBILIDADE. IMPOSSIBILIDADE.[...] Diante da literalidade dos dispositivos[...] Diante da literalidade dos dispositivos[...] Diante da literalidade dos dispositivos[...] Diante da literalidade dos dispositivos[...] Diante da literalidade dos dispositivoslegais relativos ao prazo legal paralegais relativos ao prazo legal paralegais relativos ao prazo legal paralegais relativos ao prazo legal paralegais relativos ao prazo legal pararegularização do registrregularização do registrregularização do registrregularização do registrregularização do registro da arma (arts.o da arma (arts.o da arma (arts.o da arma (arts.o da arma (arts.30, 31 e 32 da Lei n.º 10.826/2003),30, 31 e 32 da Lei n.º 10.826/2003),30, 31 e 32 da Lei n.º 10.826/2003),30, 31 e 32 da Lei n.º 10.826/2003),30, 31 e 32 da Lei n.º 10.826/2003),esta Corte tem entendido que houve simesta Corte tem entendido que houve simesta Corte tem entendido que houve simesta Corte tem entendido que houve simesta Corte tem entendido que houve sima descriminalização temporária, mas tãoa descriminalização temporária, mas tãoa descriminalização temporária, mas tãoa descriminalização temporária, mas tãoa descriminalização temporária, mas tão-----somente no que diz respeito à posse desomente no que diz respeito à posse desomente no que diz respeito à posse desomente no que diz respeito à posse desomente no que diz respeito à posse dearma de fogo, a qual não se confundearma de fogo, a qual não se confundearma de fogo, a qual não se confundearma de fogo, a qual não se confundearma de fogo, a qual não se confundecom as demais figuras típicas, tais comocom as demais figuras típicas, tais comocom as demais figuras típicas, tais comocom as demais figuras típicas, tais comocom as demais figuras típicas, tais comoo porte, a aquisição e o fornecimento deo porte, a aquisição e o fornecimento deo porte, a aquisição e o fornecimento deo porte, a aquisição e o fornecimento deo porte, a aquisição e o fornecimento dearma de fogo [...]arma de fogo [...]arma de fogo [...]arma de fogo [...]arma de fogo [...]55555.....

A abolitio criminis temporalis não alcan-ça o delito de porteporteporteporteporte de armas consoanteposicionamento uníssono do STJ. Algunsdoutrinadores entendem que o transpor-te da arma de fogo para regularização ouentrega ao órgão competente faz presu-mir a boa-fé do possuidor e afastar o dolo,não incidindo o delito de porteporteporteporteporte de armas.Contudo, o melhor entendimento apontano sentido de se presumir a boa-fé dopossuidor somente quando este estejaportando a Guia de Trânsito6, expedidapela Polícia Federal. No caso de porte daguia, o fato será atípico7.

A descriminalização do delito de possepossepossepossepossede armas, segundo o STJ, abrange atémesmo aquela arma que esteja com onúmero de série raspado, tendo em vistaa autonomia entre o procedimento de re-gularização da arma e a faculdade deentregá-la à Polícia Federal, verbis:

CRIMINAL. HC. RECEPTAÇÃO. POSSEDE ARMAS DE FOGO E DEMUNIÇÕES. FLAGRANTE LAVRADONA VIGÊNCIA DO ESTATUTO DODESARMAMENTO. POSSIBILIDADE DEREGULARIZAÇÃO DA POSSE OU DEENTREGA DAS ARMAS. VACATIOLEGIS INDIRETA E ABOLITIO CRIMINISTEMPORÁRIA. ATIPICIDADE DACONDUTA. ORDEM CONCEDIDA.I. A Lei n.º 10.826/2003, ao estabelecero prazo de 180 dias para que ospossuidores e proprietários de armas defogo sem registro regularizassem a situaçãoou as entregassem à Polícia Federal, criouuma situação peculiar, pois, durante esseperíodo, a conduta de possuir arma de fogodeixou de ser considerada típica.II. É prescindível o fato de se tratar deII. É prescindível o fato de se tratar deII. É prescindível o fato de se tratar deII. É prescindível o fato de se tratar deII. É prescindível o fato de se tratar dearma com a numeração raspada e,arma com a numeração raspada e,arma com a numeração raspada e,arma com a numeração raspada e,arma com a numeração raspada e,portanto, insuscetível de regularização,portanto, insuscetível de regularização,portanto, insuscetível de regularização,portanto, insuscetível de regularização,portanto, insuscetível de regularização,pois isto não afasta a incidência da vacatiopois isto não afasta a incidência da vacatiopois isto não afasta a incidência da vacatiopois isto não afasta a incidência da vacatiopois isto não afasta a incidência da vacatiolegis indireta, se o Estatuto dolegis indireta, se o Estatuto dolegis indireta, se o Estatuto dolegis indireta, se o Estatuto dolegis indireta, se o Estatuto doDesarmamento confere ao possuidor daDesarmamento confere ao possuidor daDesarmamento confere ao possuidor daDesarmamento confere ao possuidor daDesarmamento confere ao possuidor daarma não só a possibilidade de suaarma não só a possibilidade de suaarma não só a possibilidade de suaarma não só a possibilidade de suaarma não só a possibilidade de suaregularização, mas também a deregularização, mas também a deregularização, mas também a deregularização, mas também a deregularização, mas também a desimplesmente entregá-la à Psimplesmente entregá-la à Psimplesmente entregá-la à Psimplesmente entregá-la à Psimplesmente entregá-la à Polícia Folícia Folícia Folícia Folícia Federalederalederalederalederal88888.....

É oportuno lembrar que a conduta de pos-pos-pos-pos-pos-sesesesese de arma de fogo com numeração, mar-ca ou qualquer outro sinal de identificaçãoraspado, suprimido ou adulterado, na Leinº 10.826 (BRASIL, 2003, art. 16, IV),não se confunde com a conduta de efeti-vamente suprimir ou alterar marca, nume-ração ou qualquer sinal de identificação dearma de fogo ou artefato (BRASIL, 2003,art. 16, I). Consoante o posicionamentoda jurisprudência, somente a conduta deposseposseposseposseposse de arma com numeração raspada,suprimida ou adulterada, estaria abarcadapela abolitio criminis temporária.

5 HC 75517/MS (BRASIL. Superior..., 2007c, p.360). No mesmo sentido ver: HC 90027/MG (BRASIL.Superior..., 2007d, p.267); e, AgRg no REsp 763840/RN (BRASIL. Superior..., 2007a, p.313).

6 “O proprietário de arma de fogo de uso permitido registrada , em caso de mudança de domicílioou outra situação que implique no transporte da arma, deverá solicitar à Polícia Federal aexpedição de Porte de Trânsito, nos termos estabelecidos em norma própria”. Decreto nº 5.123(BRASIL, 2004a, art. 28).

7 HC 57818/SP (BRASIL. Superior..., 2006, p.331).8 HC 42374/PR (BRASIL. Superior..., 2005, p.586).

Douglas Morgan Fullin Saldanha

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Questão controvertida diz respeito aoconflito de leis penais no tempo, tendoem vista a possibilidade de retroatividadeda aludida abolitio criminis temporáriaaos delitos cometidos sob a égide da Leinº 9.437/1997. O STJ também já en-frentou essa questão e manifestou-se nosentido da retroatividade dessadescriminalização, pois “a nova lei, aomenos no que tange aos prazos dos art.30 a 32, que a doutrina chama deabolitio criminis temporária ou de vacatiolegis indireta ou até mesmo de anistia,deve retroagir, uma vez que mais bené-fica para o réu (APn nº 394/RN, CorteEspecial, Rel. p/ Acórdão Min. JoséDelgado, j. 15/03/2006).”9

Os entendimentos supracolacionadosbaseiam-se nos art. 30 e 32 do Estatutodo Desarmamento, em sua redação ori-ginal, que previam prazos de 180 diaspara regularização e entrega voluntária dasarmas de fogo. Vale lembrar que tal pra-zo, cujo início deu-se em 23 de dezem-bro de 2003, teve seu termo final esten-dido, por meio das Leis n.º 10.884/2004,11.118/2005 e 11.191/2005, até a datade 23 de outubro de 2005.

Em recente julgamento, o STF, por suaPrimeira Turma, decidiu que o caráter tem-porário das normas consignadas nos arts.30 a 32 do Estatuto do Desarmamentonão lhe conferiam a aptidão para retroagire alcançar condutas realizadas antes desua vigência:

EMENTA Habeas Corpus. Posse ilegal dearma de fogo de uso restrito cometida navigência da Lei nº 9.437/1997. Lei nº

10.826/2003 (Estatuto doDesarmamento). Vacatio legis especial.Atipicidade temporária. Abolitio criminis.1. A vacatio legis especial prevista nosartigos 30 a 32 da Lei nº 10.826/2003,conquanto tenha tornado atípica a posseilegal de arma de fogo havida no curso doprazo assinalado, não subtraiu a ilicitudepenal da conduta que já era prevista noartigo 10, § 2º, da Lei nº 9.437/1997 econtinuou incriminada, até com maiorrigor, no artigo 16 da Lei nº 10.826/2003. Ausente, portanto, o pressupostofundamental para que se tenha porcaracterizada a abolitio criminis. 2. AlémAlémAlémAlémAlémdisso, o prazo estabelecido nos referidosdisso, o prazo estabelecido nos referidosdisso, o prazo estabelecido nos referidosdisso, o prazo estabelecido nos referidosdisso, o prazo estabelecido nos referidosdispositivos edispositivos edispositivos edispositivos edispositivos expressa, por si próprio, oxpressa, por si próprio, oxpressa, por si próprio, oxpressa, por si próprio, oxpressa, por si próprio, ocaráter transitório da atipicidade por elecaráter transitório da atipicidade por elecaráter transitório da atipicidade por elecaráter transitório da atipicidade por elecaráter transitório da atipicidade por elecriada indiretamente. Tcriada indiretamente. Tcriada indiretamente. Tcriada indiretamente. Tcriada indiretamente. Trata-se de normarata-se de normarata-se de normarata-se de normarata-se de normaque, por não ter ânimo definitivo, nãoque, por não ter ânimo definitivo, nãoque, por não ter ânimo definitivo, nãoque, por não ter ânimo definitivo, nãoque, por não ter ânimo definitivo, nãotem, igualmente, força retrtem, igualmente, força retrtem, igualmente, força retrtem, igualmente, força retrtem, igualmente, força retroativa. Nãooativa. Nãooativa. Nãooativa. Nãooativa. Nãopode, por isso, configurar abolitiopode, por isso, configurar abolitiopode, por isso, configurar abolitiopode, por isso, configurar abolitiopode, por isso, configurar abolitiocriminis em relação aos ilícitos cometidoscriminis em relação aos ilícitos cometidoscriminis em relação aos ilícitos cometidoscriminis em relação aos ilícitos cometidoscriminis em relação aos ilícitos cometidosem data anteriorem data anteriorem data anteriorem data anteriorem data anterior. Inteligência do artigo Inteligência do artigo Inteligência do artigo Inteligência do artigo Inteligência do artigo3º do Código P3º do Código P3º do Código P3º do Código P3º do Código Penalenalenalenalenal. 3. Habeas corpusdenegado.10

A interpretação do Pretório Excelso, trazen-do à baila o argumento da norma penal tem-porária11, afastou a possibilidade deretroação da lei, mas admitiu a atipicidadedas condutas perpetradas (abolitio criministemporalis) no período inicialmente previs-to nos art. 30 e 32 do estatuto. No mesmosentido, decidiu o STJ, no RHC nº. 22.668-RS, já sob a égide da Lei nº 11.706/2008(INFORMATIVO STJ, 2008).

Ocorre que, com o advento da conver-são da Medida Provisória nº. 417, de 31de janeiro de 2008, na Lei nº. 11.706/2008, o art. 32, que reestabelece a Cam-panha do Desarmamento, teve sua reda-ção alterada, não especificou o prazo para

9 RHC 21271/DF (BRASIL. Superior..., 2007f, p. 245). Ver também Resp 895093/RS (BRASIL.Superior..., 2007g, p. 679).

10 HC 90995/SP (BRASIL. Supremo..., 2008).11 A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as

circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência. CódigoPenal (BRASIL, 1940, art. 3º).

Descriminalização do delito de posse de armas no Brasil

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término da campanha. Esta alteraçãofoi propositada, com base no item 4da exposição de motivos da MedidaProvisória.

Considerando a tese da abolitio criministemporalis, adotada pelo STJ, e o detalhede que, atualmente, a lei não prevê qual-quer prazo para entrega espontânea dearmas de fogo à Polícia Federal, conclui-se que ocorreu uma novatio legis inmellius, a qual, irradiando-se pelo siste-ma jurídico, acarretará a descriminalizaçãodos delitos de posse de armas de usopermitido e de uso restrito.

Na dicção de Fernando Capez (2006, p.190),os arts. 30 e 32 da Lei nº. 10.826/2003estabeleceram um “paradisíaco período deatipicidade”. Leia-se que a novidade legislativaintroduzida pela Lei nº 11.706/2008 criouuma infernal e irrestrita descriminalização notocante à posse de armas.

Pode-se dizer que o legislador “atirou noque viu e acertou no que não viu”, vistoque desejava colocar “restrições àcomercialização, à posseà posseà posseà posseà posse e ao porte dearmas de fogo” (Exposição de Motivos nº293, de 24 de maio de 1999 apudFIGUEIREDO, 2006) e acabou pordescriminalizar o delito de posse de ar-mas de fogo por via da campanha do de-sarmamento de prazo indeterminado.

A nova redação do art. 32 prevê que aentrega da arma de fogo deve ser feita“espontaneamente”, e induz a que algunsoperadores do direito entendam que ocidadão surpreendido na posse da arma,p. ex. exemplo durante uma diligência debusca e apreensão, estaria incidindo nodelito de posse de armas. Ainda que te-nha sido a intenção do legislador de

restringir, não tem o condão de afastar oentendimento já desenvolvido sobre adescriminalização dos delitos de posse dearmas, visto que o dispositivo que prevêa entrega de armas mediante indenizaçãonão prevê prazo para fazê-lo.

Importa notar que nãoImporta notar que nãoImporta notar que nãoImporta notar que nãoImporta notar que nãohouve houve houve houve houve a pr a pr a pr a pr a promulgação deomulgação deomulgação deomulgação deomulgação de

nova lei que deixa denova lei que deixa denova lei que deixa denova lei que deixa denova lei que deixa deconsiderar o delito de posseconsiderar o delito de posseconsiderar o delito de posseconsiderar o delito de posseconsiderar o delito de possede armas como crime, masde armas como crime, masde armas como crime, masde armas como crime, masde armas como crime, masuma deruma deruma deruma deruma derrrrrrogação implícitaogação implícitaogação implícitaogação implícitaogação implícitapela norma que institui apela norma que institui apela norma que institui apela norma que institui apela norma que institui acampanha permanente decampanha permanente decampanha permanente decampanha permanente decampanha permanente de

desarmamento.desarmamento.desarmamento.desarmamento.desarmamento.

Ainda que se propugne nova alteraçãolegislativa para retificar essa equivocadapolítica criminal, a medida provisória al-cançará as condutas perpetradas antes desua vigência, tendo em vista o dispostono art. 5º, XL, da Constituição Federal enos arts. 2º e 107, III, do Código PenalBrasileiro.

Note-se que temos, neste caso, uma me-dida provisória tratando de matéria pe-nal, sendo certo que isso é vedado pelaConstituição da República. No entanto,alguns defendem que medida provisóriapode disciplinar matéria penal, desde quebeneficie o réu:

Como ensinam Celso Delmanto et al., àregra segundo a qual a medida provisórianão pode ser aplicada no campo penal,‘deve-se abrir exceção quando for favorávelao acusado’. Assim também, prosseguem:o decreto-lei ‘embora inconstitucional,pode e deve ser aplicado em matéria penal(STJ, RHC n. 3.337, j. em 20.9.1994,DJU de 31.10.1994)’ . [...] No mesmo

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sentido, Fernando Capez ensina que, nãoobstante o impedimento constitucional,não se justificam as restrições materiaisda Carta Magna, as quais só foramestabelecidas para impedir que medidaprovisória defina crimes e imponha penas.(JESUS, 2004).

Doutrinadores como Damásio Evangelistade Jesus entendem que a medida provi-sória não pode tratar de matéria penal,ainda que beneficie o acusado.

Como diz González Macchi, de acordocom o princípio de reserva legal ou dalegalidade, ‘corresponde exclusivamente àlei penal tipificar os fatos puníveis e asconseqüências jurídicas que eles geram.Nesse sentido, somente uma lei emanadado Poder Legislativo pode proibir ascondutas consideradas puníveis e impor-lhes uma sanção, em virtude do princípio

constitucional que regula o sistema deseparação e equilíbrio de poderes’. ‘[...]Não podemos nos esquecer de que afinalidade da restrição a que a medidaprovisória reine sobre Direito Penal dizrespeito a não se permitir que a vontadeúnica de uma pessoa, qual seja oPresidente da República, determine regrassobre direitos fundamentais [...]. Aadmissão da analogia ‘in bonam partem’também não ser ve de argumentocontrário. Ocorre que nela há uma leipenal regendo matéria similar, ao contráriodo que acontece com a medida provisória,a qual não é lei.’ (JESUS, 2004).

Assim, confirmando-se a descri-minalização anunciada, pode-se vislum-brar não só a abolitio criminis do delitode posseposseposseposseposse de armas, mas também a deposseposseposseposseposse de munições e acessórios, tendoem vista a analogia in bonam partem 12.

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12 Constituição. (BRASIL, 1988, art. 5º, XL) c/c Decreto Lei nº 4.657 (BRASIL, 1942, art. 4º).

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A SOBERANIA BRASILEIRA,A SOBERANIA BRASILEIRA,A SOBERANIA BRASILEIRA,A SOBERANIA BRASILEIRA,A SOBERANIA BRASILEIRA,A GRÃ-BRETA GRÃ-BRETA GRÃ-BRETA GRÃ-BRETA GRÃ-BRETANHA E A QUESTÃO DO ESCRAANHA E A QUESTÃO DO ESCRAANHA E A QUESTÃO DO ESCRAANHA E A QUESTÃO DO ESCRAANHA E A QUESTÃO DO ESCRAVISMOVISMOVISMOVISMOVISMO

DURANTE A GUERRA DO PDURANTE A GUERRA DO PDURANTE A GUERRA DO PDURANTE A GUERRA DO PDURANTE A GUERRA DO PARAGUAI:ARAGUAI:ARAGUAI:ARAGUAI:ARAGUAI:um caso de Contrainteligênciaum caso de Contrainteligênciaum caso de Contrainteligênciaum caso de Contrainteligênciaum caso de Contrainteligência11111

Miguel AleMiguel AleMiguel AleMiguel AleMiguel Alexandre de Araujo Netoxandre de Araujo Netoxandre de Araujo Netoxandre de Araujo Netoxandre de Araujo Neto22222

ResumoResumoResumoResumoResumo

Este artigo busca demonstrar que a Grã-Bretanha não cessou de pressionar as elites brasileiras,após a quebra de relações diplomáticas de 1863, com vistas a adotar medidas que pusessemum fim ao sistema escravista. Essa pressão aparenta haver tomado a forma de uma ação invasiva,encoberta como propaganda pela livre imigração, e teria sido contida pela liderança militarbrasileira entre 1867 e 1869.

Desde o início do processo políticoque produziu a proclamação (1822)

e o reconhecimento (1826) da Indepen-dência brasileiros, a extinção do regimede trabalho escravo no Brasil foi, para aGrã-Bretanha, uma prioridade. A diplo-macia britânica condicionou seu apoio àcausa nacional à assinatura de compro-missos mediante os quais a gradualextinção da escravidão fosse assegurada(BETHELL, 1970, p. 1-61).

A primeira etapa consistiu em abolir o trá-fico transatlântico. Um tratado foi firma-do em 1826 estipulando o ano de 1830como a data limite para o Brasil cessar otráfico. A partir de 7 de novembro de1831, de acordo a lei promulgada nessadata, todos os escravos trazidos para oPaís estariam legalmente livres (BETHELL,

1970, p. 69). As autoridades brasileiras,no entanto, não lograram adotar medidaseficazes para que a lei fosse cumprida.

O tráfico, então, robusteceu. O períodoposterior a 1831 assistiu a um ingressorecorde de africanos no mercado brasilei-ro. Em resposta, a Inglaterra adotou le-gislação atribuindo a si mesma poderespara reprimir militarmente o tráfico (oAberdeen Act, de 1845). Cinco anos maistarde, com a Lei Eusébio de Queirós, oBrasil finalmente extinguiu de fato a en-trada de mão-de-obra cativa provenientedo continente africano.

As pressões inglesas, a partir de então,foram concentradas sobre o cumprimen-to dos termos do acordo de 1826, for-çando o Brasil a adotar medidas que

1 O presente artigo foi publicado em língua inglesa pela Sociedade de Estudos Hiberno-Latino Ame-ricanos (SILAS), no periódico Irish Migration Studies in Latin America, Zurique, v. 4, n. 3, p. 115-132,jul. 2006. Disponível em: <http://irlandeses. org/0607_ 115to132. pdf>.Aceso em: jul. 2006.

2 Mestre em Estudos Latino-Americanos/ História, University College, Londres.

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resultassem no fim da escravidão(GRAHAM, 1979, p. 59-127). Esta novafase foi encerrada em 1863, com o rom-pimento das relações diplomáticas entreos dois países, após o bloqueio naval doporto do Rio de Janeiro, em 31 de de-zembro de 1862. Tal medida extrema foitomada pelo então Ministro Plenipoten-ciário William Christie (1816-1874), queexigiu reparações exorbitantes pelo sinis-tro de um navio inglês no litoral sul brasi-leiro, cuja carga fora roubada, e pela pri-são de marinheiros ingleses embriagados,no Rio de Janeiro.

A comoção política de julhoA comoção política de julhoA comoção política de julhoA comoção política de julhoA comoção política de julhode 1868 foi grave o bastantede 1868 foi grave o bastantede 1868 foi grave o bastantede 1868 foi grave o bastantede 1868 foi grave o bastantepara prpara prpara prpara prpara provocar o rovocar o rovocar o rovocar o rovocar o rompimentoompimentoompimentoompimentoompimentodo equilíbrio da vida políticado equilíbrio da vida políticado equilíbrio da vida políticado equilíbrio da vida políticado equilíbrio da vida política

e partidária nacional.e partidária nacional.e partidária nacional.e partidária nacional.e partidária nacional.

As relações anglo-brasileiras foram rea-tadas em 1865, já durante a Guerra doParaguai (1864-1870). Acredita-se quea partir de então a Inglaterra teria aban-donado seus propósitos de persuadir, ouforçar, o Brasil a abolir a escravidão. Avisão mais comum é a de que o assuntofoi deixado a cargo dos brasileiros, man-tendo-se neutra a diplomacia inglesa(CONRAD, 1972, p. 74-75).

Outros autores sustentaram a tese,grandemente disseminada em toda aAmérica Latina, incluindo o Brasil, de quea prioridade britânica havia passado a sera eliminação de um perigoso exemplo deauto-suficiência econômica e política naregião do Prata: o Paraguai de FranciscoSolano López (1827-1870). Para isso,teria manipulado as nações da TrípliceAliança (Argentina, Uruguai e Brasil) demodo a atingir esse objetivo e preservar

sua hegemonia comercial e estratégica nabacia do Prata (CHIAVENATO, 1979).

Pesquisadores de destaque, porém, de-monstraram de modo preciso e claro quea tese acima, segundo a qual a Inglaterrateria sido a grande instigadora ebeneficiária da Guerra do Paraguai, nãotem embasamento consistente. Ao con-trário do que se pensava, a Inglaterra naverdade tentou, por meio de seu embai-xador na Argentina (Thornton), impedir aeclosão do conflito, iniciado sem dúvidapelos paraguaios em dezembro de 1864(DORATIOTO, 2002, p.85-111).

De toda forma, não se discute se a Ingla-terra tomou medidas para levar adianteseu propósito de acabar com a escravi-dão no Brasil, depois de 1863. A únicamenção à continuidade dessa política apa-renta ser a asserção de Richard Graham(1979, p. 67-68) indicando não ser muitoconhecido

[...] o fato de que a Inglaterra continuou afazer pressão sobre o governo de D. PedroII, nas décadas de 1850 e 1860, até queo Brasil manifestou a firme decisão de pôrfim à escravatura. Enquanto a lei quelibertava os filhos dos escravos nascidosdepois de 28 de setembro de 1871 éhabitualmente considerada o primeiroindício de uma campanha abolicionista, narealidade foi a conclusão da fase britânicada história [...].

De fato, a Guerra do Paraguai foi um pe-ríodo em que houve intensa pressão pelosolapamento das bases do sistemaescravista, por meio do ingresso livre,espontâneo, massivo, de mão-de-obraeuropéia. E o principal veículo da propa-ganda da liberalização da políticaimigratória brasileira foi o jornal TheAnglo-Brazilian Times, fundado no Rio deJaneiro em inícios de 1865 pelo irlandês

Miguel Alexandre de Araujo Neto

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William Scully (1810?-1884). Esse órgãode imprensa foi, em 1868, nada menosque o pivô da maior crise político-parti-dária do Segundo Reinado (1840-1889),como será visto a seguir.

A desagregação do regime monárquicobrasileiro começou em 16 de julho de1868. Nesse dia, por intervenção do DomPedro II (1825-1891), o conservadorJoaquim José Rodrigues Torres (1802-1872), Visconde de Itaboraí, foi designa-do Primeiro-Ministro, em substituição aoprogressista Zacarias de Góes e Vascon-celos (1815-1877), chefe do Gabinete 3de agosto, formado em 1866. Era o fimdo terceiro, e último, mandato do Con-selheiro Zacarias.

O 3 de agosto detinha maioria parlamen-tar legítima, liberal e progressista. Osprogressistas eram uma dissidência doPartido Conservador, de católicos radi-cais, chamados ultramontanos (NEVES;MACHADO, 1999, p. 213-226; VIEIRA,1980, p. 32-38). Suas prioridades resi-diam na extinção das prerrogativas políti-co-religiosas do Imperador, que faziamdele verdadeiro chefe do catolicismo bra-sileiro. Graças a instituições luso-brasi-leiras (o Padroado e o Beneplácito), nor-mas emanadas do Vaticano só tinham va-lidade no País com a aprovação do Mo-narca. Zacarias era um político de forma-ção religiosa conservadora, ultramontanoe líder da coalizão com os liberais.

A compatibilidade entre essas correntesdivergentes estava na perspectiva de in-gresso livre no Brasil de imigrantes euro-peus. Para os ultramontanos, um reba-nho ampliado poderia contrabalançar opoder religioso do Imperador, além deimpedir os imigrantes protestantes de vi-rem a ser maioria em terras brasileiras

(VIEIRA, 1980, p. 245). Tanto o Papadocomo seus legítimos representantes noBrasil, assim, apoiariam iniciativas volta-das para a liberalização de nossa políticaimigratória.

A comoção política de julho de 1868 foigrave o bastante para provocar o rompi-mento do equilíbrio da vida política e par-tidária nacional. Bosi (1999, p. 222) ob-serva que a historiografia “[...] é unânimeem assinalar o ano de 1868 como o gran-de divisor de águas entre a fase mais es-tável do Segundo Império e a sua longacrise que culminaria, vinte anos mais tarde,com a Abolição e a República”.

A proclamação de um Manifesto e a fun-dação do primeiro partido republicanoocorreriam apenas dois anos após 1868.Em 1873 seria fundado o Partido Repu-blicano Paulista (BELLO, 1976, p. 16-18).Nas duas décadas seguintes, vários ou-tros movimentos, entre os quais oabolicionismo e a expansão do positivismo(especialmente nas Forças Armadas), con-correram para produzir o fim da Monar-quia no Brasil. Logo, não é nenhum exa-gero afirmar que a queda do Gabinete 3de Agosto foi o momento históricodesencadeador do processo que resulta-ria na Proclamação da República, em 15de novembro de 1889.

A crise de julho de 1868 teve relaçãodireta com a Guerra do Paraguai. A con-dução brasileira (e depois conjunta) dasoperações militares da Tríplice Aliança,sob as ordens do general Luís Alves deLima e Silva (1803-1880), então Mar-quês de Caxias, fora duramente criticadana imprensa liberal. As notas mais áspe-ras vieram de William Scully, em seuAnglo-Brazilian Times de 7 de janeirodaquele ano.

A soberania brasileira, a Grã-Bretanha e a questão do escravismo...

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Os ataques levaram Caxias a pedir suarenúncia, em fevereiro de 1868. Coubeentão ao Imperador optar por: 1) preser-var a Chefia Suprema das forças militaresbrasileiras, e aliadas, em guerra, ou 2)conservar o Gabinete 3 de Agosto. DomPedro II determinou-se a manter o gene-ral e Zacarias foi afastado, em 16 de ju-lho, usando-se como pretexto a nomea-ção do conservador Francisco de SalesTorres Homem (1812-1876), do RioGrande do Norte, para uma vaga no Se-nado (VIEIRA, 1980, p. 248-250). Des-feito o ministério, sob clamores de in-dignação, novas eleições comporiam novamaioria, desta vez conservadora. A der-rubada subseqüente afastaria dos cargospúblicos os servidores e as autoridadesnomeados pelo governo anterior.

Caso a InglaterCaso a InglaterCaso a InglaterCaso a InglaterCaso a Inglaterra tenha dera tenha dera tenha dera tenha dera tenha defato aplicado recursos emfato aplicado recursos emfato aplicado recursos emfato aplicado recursos emfato aplicado recursos emprprprprpropaganda abolicionista,opaganda abolicionista,opaganda abolicionista,opaganda abolicionista,opaganda abolicionista,

feita por um periódicofeita por um periódicofeita por um periódicofeita por um periódicofeita por um periódiconãonãonãonãonão-----oficial estabelecido nooficial estabelecido nooficial estabelecido nooficial estabelecido nooficial estabelecido noRio e dedicado à prRio e dedicado à prRio e dedicado à prRio e dedicado à prRio e dedicado à promoçãoomoçãoomoçãoomoçãoomoção

da imigração livre, teriada imigração livre, teriada imigração livre, teriada imigração livre, teriada imigração livre, teriaoperado uma mudança deoperado uma mudança deoperado uma mudança deoperado uma mudança deoperado uma mudança de

estratégia em seuestratégia em seuestratégia em seuestratégia em seuestratégia em seurelacionamento com o Brasil.relacionamento com o Brasil.relacionamento com o Brasil.relacionamento com o Brasil.relacionamento com o Brasil.

Batista Pereira (1975, p.36-38), SérgioBuarque de Holanda (1972, p.7-13 e 95-104), Brasil Gerson (1975, p.127-131),Wilma Peres Costa (1996, p. 251-254)e Francisco Doratioto (2002, p.334-339)apontam o Anglo-Brazilian Times comoo principal órgão da oposição liberal aCaxias. De acordo com o dono do jornal,

o general brasileiro estava velho demaispara derrotar o Paraguai. Em alusão àRoma republicana, Caxias seria, no dizerdo irlandês, um “Cincinnatusseptuagenário”. Também o acusava deprolongar a guerra “por tanto tempoquanto for permitido ao País desperdiçarrecursos”. Em seu entender, as armas fa-voritas do líder militar eram “gold bags”(evocando uma imagem de trincheirasguarnecidas por “sacos de ouro”). A len-tidão com que as operações vinham sen-do conduzidas, à época do cerco aHumaitá, aparentava ser proposital.

As acusações, graves, são de improbidadee corrupção. Todavia, esses aspectos dascríticas não são enfatizados, ainda que sereconheça nelas, em seu todo, o motivoda crise desencadeadora do declínio doSegundo Reinado. Além disso, em quasetodas as fontes secundárias não há men-ção às várias atividades em que o editorirlandês esteve envolvido anteriormente.

A impressão que fica da leitura dos auto-res citados acima é a de que o Anglo-Brazilian Times surgiu na cena políticabrasileira de 1868 como um relâmpago,em um céu azul anil. Mas William Scully,seu fundador, aparenta ter chegado ao Riode Janeiro em 1861, quando montou naRua da Candelária uma escola, para leci-onar caligrafia e vender canetascaligráficas3. Obteve da Coroa (pelo De-creto nº 3.293, de 25 de julho de 1864)a concessão para operar uma casa de ba-nhos de ar quente. Depois, em 1865, noRio de Janeiro estabelece o Anglo-Brazilian Times, cujas bases de apoio fun-cionavam em Londres e também emLiverpool. Fechou o jornal em 1884, apósvinte anos de publicação incessante, indomorrer na França (na cidade de Pau).

3 A edição de 1862 do Almanak Laemmert traz a propaganda das canetas vendidas por Scully.Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/almanak/al1862/00001298.html>. Seu nome e en-dereço estão na página 478. Nos almanaques dos anos anteriores não há menções a ele. Logo,pode-se deduzir que o futuro proprietário do Anglo-Brazilian Times chegou ao Brasil em 1861.

Miguel Alexandre de Araujo Neto

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É natural presumir que a vinda de Scullypara o Brasil e o estabelecimento de seujornal, posteriormente, tenham recebidoalgum apoio da Coroa Britânica. Lembroque o trabalho de Francisco Otaviano deAlmeida Rosa (1825-1889) à frente doCorreio Mercantil fora secretamente sub-vencionado pela Legação Britânica, fatodestacado por Bethell (1970, p. 313) eGueiros Vieira (1980, p. 90). Isso permi-te supor que Scully, um liberal católico,seria uma espécie de agente encoberto, aserviço das elites liberais britânicas e de-sempenhando uma ação invasiva.

E bem-sucedida. Significativamente,Zacarias admitiu a Caxias, em carta, sub-sidiar as atividades de Scully (PINHO,1930, p. 86-88). A Coroa era assinantedo jornal e os artigos de Scully eram pu-blicados na imprensa brasileira. Isso tor-na claro que o dono do Anglo-BrazilianTimes era influente. Seu discurso e açõeseram acompanhados de perto pelas elitesdo Império. Assinada pelo ConselheiroSaraiva (1823–1895), circular do Minis-tério dos Negócios Estrangeiros, de 8 deagosto de 1865, endereçada a 18 em-baixadores, notifica:

O editor do Anglo-Brazilian Times,periódico que se publica nesta capital, estápor mim autorizado para remeterdiretamente a V. Exa. um exemplar dele.O Governo Imperial paga esta assinaturae deseja que V. Exa. faça transcrever nosdiários desse país os artigos de maiorinteresse que encontrar no referidoperiódico e cuja publicação aí nos possaser de alguma utilidade na presentequadra. Reitero a V. Exa. as seguranças.

Caso a Inglaterra tenha de fato aplicadorecursos em propaganda abolicionista,feita por um periódico não-oficial esta-belecido no Rio e dedicado à promoção

da imigração livre, teria operado umamudança de estratégia em seu relaciona-mento com o Brasil. O estilo aristocráti-co, agressivo, de sua política externa(“gun-boat policy,” ou “política dacanhoneira”) estava sendo abandonado eo imperativo da extinção do trabalho es-cravo passaria a ser implementado, nacapital do Império Brasileiro, por meio dapropaganda jornalística. Logo, as linhasgerais da política britânica para o Brasilnão teriam sofrido alteração de fundo,após 1863, e o fim da escravidão conti-nuou a ser prioritário, com outro figuri-no. Esse, aliás, é um período dehegemonia dos liberais no Parlamentobritânico, pontificado por WilliamGladstone (1809-1898).

Esta hipótese está embasada no própriodiscurso de Scully, nas edições de seu jor-nal anteriores a 1868, e nas efetivas ini-ciativas visando a fomentar a imigraçãobritânica no Brasil, entre 1866 e 1875.Três tentativas frustradas de promover oingresso sustentado de irlandeses e ingle-ses no Brasil foram verificadas nesse pe-ríodo: em Brusque (Santa Catarina), emCerro Azul (Paraná) e Cananéia, no lito-ral de São Paulo (MARSHALL, 2005).

Quanto à propaganda da liberalização dapolítica imigratória, desde a primeira edi-ção do Anglo-Brazilian Times, de 7 defevereiro de 1865, essa proposta estevepresente. Sua divulgação aberta e enfáti-ca cresceu a cada número (o jornal eraquinzenal). A idéia era simples: aumentara oferta de mão-de-obra livre, na expec-tativa de tornar obsoleta a escravidão,desencadeando um processo que culmi-nasse na abolição da escravatura. O go-verno brasileiro não acatou a idéia deliberalização, contudo, e a colonização

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com imigrantes britânicos, por outro lado,foi um retumbante fracasso, queespelharia a resistência e retaliação naci-onais a pressões abolicionistas de Lon-dres (ARAUJO NETO, 2006).

A partir de 16 de julho de 1868 e dadissolução do Gabinete 3 de agosto, ainiciativa colonizadora na qual Scully es-tava mais diretamente envolvido ficariadesprovida de apoio político, material efinanceiro, desfazendo-se em aproxima-damente um ano. Esse foi o destino doassentamento de ingleses e irlandeses naColônia Príncipe Dom Pedro, no vale dorio Itajaí-Mirim, em Santa Catarina (hojeárea correspondente a Brusque).

A certeza do vínculo entre esse projetode colonização e a propaganda de estí-mulo à livre imigração, fartamente vei-culada no Anglo-Brazilian Times elogicamente identificada com a causaabolicionista, estaria na origem do fra-casso daquela colônia. Havendo inte-resse institucional britânico no empre-endimento, os imigrantes irlandeses eingleses corresponderiam a uma poten-cial ameaça à soberania brasileira noequacionamento do problema da escra-vidão. Em 1869, após uma catastróficaestação chuvosa, a empreitada, que nãoagregava apenas irlandeses de proce-dência britânica, mas também confede-rados norte-americanos, franceses, ita-lianos e outros, entraria em colapso(MARSHALL, 2005, p. 63-87;LAUTH, 1987). Feita a dispersão des-sa primeira leva de imigrantes, a áreaseria unificada com a colônia de Itajahye repovoada.

Quase simultaneamente, as outrasinvestidas visando à promoção da imi-gração britânica eram iniciadas nas pro-víncias do Paraná e de São Paulo. Ascolônias localizadas em Assunguy (hojeCerro Azul, próximo a Curitiba) e emCananéia, São Paulo, atraíram imigran-tes britânicos, principalmente em CerroAzul, na década de 1870, mas tambémresultaram em fracasso (MARSHALL,2005, p.103-187). Hoje, encontram-sepouquíssimos descendentes dos escas-sos remanescentes das levas de colonosingleses e irlandeses que foram destina-dos a essas áreas (MARSHALL, 2005,p.191-216). A partir de meados da dé-cada de 1870 a Grã-Bretanha decidiuproibir a emigração para experimentoscolonizadores no Brasil, a exemplo demedidas similares adotadas por outrospaíses europeus, como a Prússia, em1859 (HOLANDA, 1982).

... a defesa da soberania... a defesa da soberania... a defesa da soberania... a defesa da soberania... a defesa da soberaniabrasileira estava entrelaçada,brasileira estava entrelaçada,brasileira estava entrelaçada,brasileira estava entrelaçada,brasileira estava entrelaçada,

estruturalmente, com aestruturalmente, com aestruturalmente, com aestruturalmente, com aestruturalmente, com adefesa do sistema escravista.defesa do sistema escravista.defesa do sistema escravista.defesa do sistema escravista.defesa do sistema escravista.

Mesmo representando uma mudança tá-tica na campanha antiescravista britânica,o discurso presente no Anglo-BrazilianTimes não ocultava a tentativa de interfe-rência no tratamento de um problemanacional, a questão escravista. As ediçõesanteriores a 1868 contêm textos marca-dos por explícita agressividade econtundência, evidentes desde os primei-ros meses da atividade editorial de Scully.Ele não soa como um jornalista indepen-dente, mas sim como alguém que,lastreado por uma força maior, busca

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operacionalizar algo similar a uma verda-deira invasão. Essa pode ter sido a per-cepção, errônea ou não, da Coroa. E deCaxias. Não se pode esquecer que o Im-perador era assinante do jornal de Scully,como foi mostrado acima.

A primeira página da edição de número 9do Anglo-Brazilian Times (de 8 de junhode 1865), por exemplo, traz um balançoda promoção da imigração no Brasil,acompanhado de uma apreciação daspossíveis conseqüências do problema da“falta de braços”, gerado pela crise doescravismo. Após exortar os leitores bra-sileiros a não temer ou menosprezar oimigrante europeu (“não são a escóriadesprezada por Deus que o preconceitoe a ignorância brasileiros frivolamente as-sim consideram”), Scully assevera-lhesque “[...] sua posse sobre a populaçãoescrava está rapidamente saindo de seucontrole” e que “[...] suas terras [...] nãotêm valor algum sem trabalhadores.” Aseguir, afirma que os brasileiros

[...] devem recordar que com o imigranteeuropeu vêm progresso, riqueza,empreendimento e idéias avançadas, e queele tem pleno direito de requerer, comocondição de seu ingresso no país, igualconsideração com os filhos da terra à qualvincularão suas fortunas.

Avaliando as políticas de ingresso deimigrantes, Scully observa que:

É verdade que o Brasil destina anualmente600:000$ [seiscentos contos] para oencorajamento da imigração – em proveitode quem (cui bono)? Os governos, geral eprovincial, e particulares, têm estabelecido“colônias”, as quais “dirigem” e cercamde regulações. Desperdiçam seu dinheirocom estas plantas exóticas que malvegetam sob o cuidado paternal deDiretores, Chefes de Polícia e Juízes de

Paz, ao passo que a imigraçãoindependente, que não pede subvenções,nem dispêndio com instrutores religiososou profanos, nem escolas agrícolas [...] enem “diretores” assalariados; aquela quetraria consigo inteligência, empre-endimento, novas idéias e maquinárioagrícola avançado, essa não recebefacilidades, nem informação, nemencorajamento.

Mais adiante, Scully joga com o medo deuma rebelião escrava:

[...] Não vêem os brasileiros que toda asua prosperidade corre perigo,dependendo apenas da retenção de unstrês milhões e meio de população negrana servidão; [...] que nenhuma confiançase pode depositar no escravo seminstrução quando ele deixa de sercompelido, à força, ao trabalho? [...] quea navegação comercial pluvial e as ferrovias[...] são um fracasso, por falta de genteao longo das linhas? [...] Não vêem [...] operigo de um segundo Haiti pairando nofuturo, no isolamento fácil oferecido pormontanhas, florestas e rios não navegáveisdeste país vasto e fértil, mas sem estradas?

Prosseguindo, sua análise antecipa aspec-tos do pensamento geopolítico do séculoXX, no âmbito latino-americano:

[...] não vêem [os brasileiros] que, com asrepúblicas expansionistas e belicosas quecircundam o Brasil, cada uma das quaistendo muito a ganhar com o seudesmembramento, a integridade de suaexistência [territorial] requer que o Paísse mantenha na dianteira em se tratandode população, riqueza, e progressomaterial, um resultado apenas possívelcom [...] imigração grande e contínua?Para chegar a esse resultado, que ogoverno e o povo brasileiros ofereçam boarecepção aos imigrantes estrangeiros. Quelhes seja proporcionada toda facilidadepossível para se estabelecerem e que sejampoupados das restrições religiosas eirritante vigilância [...].

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Finalmente, Scully defende o modelo nor-te-americano de imigração livre:

[...] Que sejam doadas ou vendidas apreços módicos terras do governo, emtratos entre 30.000 a 500.000 braçascada, apenas para lavradores de verdade.Que uma quantidade suficiente dessestratos, de fácil acesso, seja mantida sempresupervisionada e mapeada [...]. Que todoo encorajamento seja [...] envidado nosentido de se formar no Brasil sociedadescomo a de Saint George, em Nova Iorque,às quais imigrantes [...] pudessem solicitarajuda e aconselhamento; e que se tomemmedidas para disseminar o conhecimentosobre o Brasil na Europa Continental e naGrã-Bretanha.[...] Com estas e medidassimilares e, talvez, imigração tempo-rariamente assistida, juntamente comliberalidade do povo e governo, uma talcorrente de imigração seria induzida,firmando a prosperidade do Brasil sobre aúnica base sólida e segura – uma produtivapopulação livre e inteligente [...].4

A argumentação, em sua totalidade, dei-xa evidente uma estratégia visando àextinção do escravismo no Brasil por meioda imigração européia em massa. MasScully não se limitara a isso. Logo nosprimeiros números de seu jornal, anteri-ores ao de 8 de junho de 1865, ele brin-dou o público leitor com artigos bastantedepreciativos sobre a vida política e cul-tural das elites brasileiras. Sua leitura fa-cilmente conduziria à dedução de quesuas iniciativas relativas à imigração con-templavam também uma extensa reformana sociedade brasileira. Nesse sentido, seudiscurso aparenta ter inspiração em JeremyBentham (1748-1832), fundador da cor-rente filosófica utilitarista.

A prática do clientelismo (“patronage”)seria então sarcasticamente deplorada porScully. Segundo ele, o tempo de um mi-nistro brasileiro era quase totalmente de-votado à tarefa de encontrar empregospara amigos, parentes, apadrinhados ecorreligionários, ficando a labuta adminis-trativa relegada a um segundo plano.Sumarizando o editorial de 24 de maiode 1865, pode-se ler no Anglo-BrazilianTimes que “a vida de um Ministro brasi-leiro é uma vida de completa escravidão”(“[…] the life of a Brazilian Minister is alife of downright slavery”). Noutras pala-vras, o trabalho escravo seria um cancro,comprometendo de baixo para cima todaa sociedade, atingindo as elites.

Em outro editorial, de 8 de abril, Scullyafirma que as novas gerações de brasilei-ros seriam trucidadas por uma onda deprogresso, com a chegada em massa deimigrantes europeus:

[...] é verdade que o nosso jovembrasileiro não é inculto [...]. Nãoobstante, todos os seus estudos não têmum propósito, sua única perspectiva devida está direcionada para o ‘dolce farniente’ de um emprego público [...]. Asclasses educadas do Brasil, através daindolência e do orgulho, abandonaram,em proveito do estrangeiro, maisutilitarista, a engenharia, a mineração, osofícios, o comércio e a manufatura, edeixam de desenvolver os recursos eriquezas de seu maravilhoso País, até quea ciência aplicada de um estrangeiroempreendedor encontre o tesouro e oempregue em seu benefício.

4 Scully (1868) elaborou um guia para o imigrante europeu, publicado duas vezes em Londres:Brazil, its provinces and chief cities: the manners and customs of the people; agriculture,commercial and other statistics, taken from the latest official documents; with a variety of usefuland entertaining knowledge, both for merchant and the emigrant. (O editor da primeira publica-ção, de 1866, chamava-se Murray.)

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Ao longo desse texto a ameaça é reitera-da, sob ângulos diferentes:

[...] advertimos nossos jovens brasileirosque, se sofrerem uma degeneração edeixarem-se emascular por meio daindolência e desprezo pelo que é útil,muito em breve suportarão a mortificaçãode serem expulsos até mesmo de sua atualcidadela que é o serviço público poraquelas outras classes a cujos objetivosdevotam tanto escárnio, tão logo asenergias que proporcionam àqueles a suariqueza sejam dirigidas para os pães epeixes do emprego público.

Para culminar, elogiando as vantagens dadisciplina de Educação Física, Scully ar-gumenta que a mesma, “[...] combinadacom a ciência utilitária ocidental, faz deduzentos mil europeus os árbitros de du-zentos milhões de habitantes dos climasindianos”. Os brasileiros deveriam se lem-brar também de que “[...] Waterloo foivencida em Eton e Harrow” (Eton eHarrow são duas tradicionais escolas doReino Unido, voltadas para a educaçãode rapazes, e fundadas, respectivamente,nos séculos XV e XVI).

Nos três artigos citados é possível reco-nhecer em Scully, com uma antecedênciade quase três anos em relação a 1868, overdadeiro antagonista não só de Caxiasmas também da vida política e social bra-sileira e da soberania nacional no trato daquestão escravista. Em seu discurso, oexpansionismo britânico vem articuladosobre um eixo ideológico liberalizante eutilitarista, mas também é evidente umaincontida vocação hegemônica ecolonialista (a despeito das idéias louvá-veis de mérito, educação e exames com-petitivos).

Nesse quadro, a defesa da soberania bra-sileira estava entrelaçada, estruturalmen-te, com a defesa do sistema escravista. OBrasil rejeitaria aquela forma deexpansionismo, e com ela, também as ini-ciativas britânicas no campo da imigração.Com esse fim, recorreu-se à derrubada,ou seja, o expediente segundo o qual ape-nas correligionários do partido no poderobtinham cargos públicos. Uma vezempossados, frustrariam os empreendi-mentos de seus opositores, liberais ouultramontanos.

Estariam aí as razões mais profundas do16 de julho de 1868. A ação invasivade William Scully, supostamente umagente britânico, teria sido neutraliza-da por Caxias, por meio do imobilismotático das tropas à época do cerco deHumaitá. Com sucesso, suscitou daimprensa liberal a reação acrimoniosaque o levou a entregar seu cargo aoImperador, produzindo a posterior que-da do 3 de Agosto. E impondo pesadaderrota à política britânica anties-cravista e ao Papado.

Ouso supor, finalmente, que a vitória ehumilhação sobre interesses e diretri-zes britânicos teriam deixado entranha-da no inconsciente dos brasileiros anoção de que a prática do aparelhamen-to estatal (e do fisiologismo, por exten-são), do clientelismo e do nepotismoos torna superiores.

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OS FUNDOS FUNDOS FUNDOS FUNDOS FUNDAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIAAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIAAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIAAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIAAMENTOS DO CONHECIMENTO DE INTELIGÊNCIA

Josemária da Silva Patrício Josemária da Silva Patrício Josemária da Silva Patrício Josemária da Silva Patrício Josemária da Silva Patrício

Este trabalho objetiva argumentar so-bre os fundamentos do Conhecimento

de Inteligência, os quais suscitam diver-sas indagações, sendo uma delas aabsorção, pela Atividade de Inteligência,das mesmas questões da filosofia queversam sobre a possibilidade, a origem ea essência do conhecimento.

Considerando que os pensadores dasquestões fundamentais da filosofia se de-dicaram e se dedicam à busca da verdadedo conhecimento, o que os leva a optarpor diversos caminhos e inúmeras varian-tes que traduzem o interesse de cada seg-mento das ciências particulares e das cul-turas em geral, diante de tal diversidadede entendimento, passei a procurar juntoa alguns pensadores - antigos, modernose pós-modernos - que desenvolveram

ResumoResumoResumoResumoResumo

Este trabalho consiste em apresentar os fundamentos do Conhecimento de Inteligência, aocontemplar a possibilidade, a origem e a essência deste. O fato de a razão humana ser ou nãocapaz de representar adequadamente a realidade é o cerne de uma reflexão fundamental paralegitimar o Conhecimento. Dessa forma, analisa-se a interpretação das várias correntes filosófi-cas que influenciam o Conhecimento de Inteligência, as quais são instrumentos de um perma-nente debate acerca dos critérios para validá-lo. O empirismo, o racionalismo, o fenomenologismo,o intuicionismo, o materialismo dialético, o pragmatismo, o estruturalismo, o construtivismo epós-modernismo são algumas das abordagens filosóficas determinantes para a construção daTeoria do Conhecimento. A discussão a respeito de quais aspectos seriam preponderantes – aexperiência ou a razão, a realidade ou a consciência, o sujeito ou o objeto, entre outros –também é importante para definir qual seria o arcabouço teórico apropriado para fundamentara produção do Conhecimento na Atividade de Inteligência.

estudos sobre a relação da consciência ea realidade e se a nossa mente é capaz deconhecer e representar adequadamente omundo que nos circunda. Esses estudosenvolveram filósofos como Platão,Aristóteles, Agostinho, Tomás de Aquino,Descartes, Locke, Kant, Husserl,Heidegger, Sartre, Foucault, JacobBazarian e Marilena Chauí.

Também foram pesquisados os fundamen-tos teóricos produzidos pelo Serviço Na-cional de Informações (SNI) para compre-ender as razões pelas quais osdoutrinadores da época buscaram exata-mente esses fundamentos que até hoje sãoutilizados. Tendo encontrado uma apre-sentação da Teoria do Conhecimento comexplicações das várias concepções quecompõem esta teoria, e mais o seguinte:

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Na Atividade de Informações, a produçãodo conhecimento final é feita, inicialmente,pela apreensão dos fatos através dossentidos externos; posteriormente, aquelessofrerão um processo de elaboração mentaldo analista. Dentro desse enfoque, aAtividade de Informações enquadra-sedentro do intelectualismointelectualismointelectualismointelectualismointelectualismo, na medida emque o informe é o relato, a observação ouo registro de um fato (logo, é empírico) e ainformação é resultante da integração eprocessamento de todos os informesdisponíveis sobre o assunto (portanto, é umprocesso racional). A posição do analistade informações, na produção doconhecimento, deve ser objetivaobjetivaobjetivaobjetivaobjetiva(eliminando todo o subjetivismo ou opiniõesparticulares e pessoais que possam serintroduzidas em suas indagações) ecaracterizada por um realismo críticorealismo críticorealismo críticorealismo críticorealismo crítico, ouseja, admitindo a possibilidade da existênciade um engano ou erro no julgamento darealidade dos fatos, irá questioná-losincessantemente, buscando oconvencimento sobre a verdade dosmesmos. A pesquisa efetuada pelo analista,durante as atividades desenvolvidas para aprodução do conhecimento, caracteriza-sepelo ceticismo metódicoceticismo metódicoceticismo metódicoceticismo metódicoceticismo metódico, pois que osinformes deverão ser escoimados oudecantados de seus falsos valores. Por outrolado, ao elaborar a sua informação, oanalista não pode deixar de levar em contao pragmatismopragmatismopragmatismopragmatismopragmatismo dos seus trabalhos,preocupando-se com o grau de utilidadeque o conhecimento final produzido irá terpara quem vai dele se utilizar. Segundo oresumo visto sobre a Teoria doConhecimento filosófico, podemosestabelecer as relações de analogia com oConhecimento da Atividade deInformações. (QUEIROZ NETO, 1984, p.10, grifo nosso).

Com estes dados, foi possível estabele-cer uma trajetória de argumentos parareflexão e obtenção do que se procurasobre as questões do conhecimento e so-bre esse modo tão singular de produçãode conhecimento que se dá no âmbito daAtividade de Inteligência, e assim poderatingir o objetivo proposto.

Segundo filósofos modernos, os funda-mentos do conhecimento são estudadospela filosofia. Tais fundamentos refletemas circunstâncias em que ocorrem as for-mulações de teorias, as quais traduzem arealidade dos cenários de cada época. Porisso, a primeira indagação deste trabalhoé a que o título sugere: F F F F Fundamentos doundamentos doundamentos doundamentos doundamentos doConhecimento de Inteligência.Conhecimento de Inteligência.Conhecimento de Inteligência.Conhecimento de Inteligência.Conhecimento de Inteligência.

A prA prA prA prA produção de Conhecimento de Inteli-odução de Conhecimento de Inteli-odução de Conhecimento de Inteli-odução de Conhecimento de Inteli-odução de Conhecimento de Inteli-gência utiliza uma metodologia baseadagência utiliza uma metodologia baseadagência utiliza uma metodologia baseadagência utiliza uma metodologia baseadagência utiliza uma metodologia baseadanas regras cartesianas e esse conheci-nas regras cartesianas e esse conheci-nas regras cartesianas e esse conheci-nas regras cartesianas e esse conheci-nas regras cartesianas e esse conheci-mento deve ser vermento deve ser vermento deve ser vermento deve ser vermento deve ser verdadeirdadeirdadeirdadeirdadeiro ou pro ou pro ou pro ou pro ou provável,ovável,ovável,ovável,ovável,fundamentando suas conclusões em evi-fundamentando suas conclusões em evi-fundamentando suas conclusões em evi-fundamentando suas conclusões em evi-fundamentando suas conclusões em evi-dências contidas nas frações significati-dências contidas nas frações significati-dências contidas nas frações significati-dências contidas nas frações significati-dências contidas nas frações significati-vas destacadas nos fatos e situações emvas destacadas nos fatos e situações emvas destacadas nos fatos e situações emvas destacadas nos fatos e situações emvas destacadas nos fatos e situações emprprprprprodução. O produção. O produção. O produção. O produção. O profissional de inteligên-ofissional de inteligên-ofissional de inteligên-ofissional de inteligên-ofissional de inteligên-cia, usando a metodologia adotada, forcia, usando a metodologia adotada, forcia, usando a metodologia adotada, forcia, usando a metodologia adotada, forcia, usando a metodologia adotada, for-----mula uma imagem imparmula uma imagem imparmula uma imagem imparmula uma imagem imparmula uma imagem imparcial e objetivacial e objetivacial e objetivacial e objetivacial e objetivaem sua mente que deverá corem sua mente que deverá corem sua mente que deverá corem sua mente que deverá corem sua mente que deverá corresponderresponderresponderresponderrespondertotalmente ao objetototalmente ao objetototalmente ao objetototalmente ao objetototalmente ao objeto (fato ou situação).Este é o discurso contido nosensinamentos da Escola de Inteligência(Esint) (grifo nosso).

O mencionado discurso estaria fundamen-tado na Doutrina Nacional de Inteligên-cia, a qual dispõe sobre os fundamentosem seu preâmbulo:

Para garantia de sua eficácia, a DoutrinaNacional de Inteligência adota comofundamentos, de um lado, a teoria desentido especulativo e universal e, deoutro, a própria realidade em suasdimensões interna e externa. Do primeirofundamento, a teoria, derivam pro-posições situadas predominantemente noplano do dever ser; do segundo,realidade, emergem preceitos que secolocam basicamente na ordem do ser.O correto entrosamento dessas pro-posições e desses preceitos garante àDoutrina Nacional de Inteligência caráterde atualidade e praticidade. (SISTEMA...,2004, p. 12).

Josemária da Silva Patrício

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O teor do discurso e a teoria de sentidoespeculativo e universal referida na dou-trina me levam a considerar alguns aspec-tos. A mencionada teoria revela um am-plo leque de possibilidades, porém, im-precisas ao não indicar nominalmente qualo referencial teórico que fundamenta aprodução de conhecimentos, fato que nãoocorre com o discurso - baseado no con-teúdo da nota de aula denominada Pro-dução de Conhecimentos - no qual seidentifica, de forma explícita, fundamen-tos da Teoria do Conhecimento formula-da no século XVII, sistematizada por JohnLocke e inspirada no racionalismo, afir-mando a capacidade que o homem temde conhecer a realidade que o circunda.

Outro aspecto e que resulta destaconstatação, é o de explicitar em que con-siste a Teoria do Conhecimento, para de-pois identificar sua correlação com o dis-curso e assim verificar quais fundamentossão utilizados pela Atividade de Inteligên-cia. Para compreendermos como estes fun-damentos seriam utilizados e o porquê dasua adoção, é necessário em primeiro lu-gar definir o que é Inteligência.

A doutrina preconiza que Inteligência é:

[...] o exercício permanente de açõesespecializadas orientadas para obtençãode dados, produção e difusão deconhecimentos, com vistas aoassessoramento de autoridadesgovernamentais, nos respectivos níveis eáreas de atribuição, para o planejamento,a execução e o acompanhamento daspolíticas de Estado. Engloba, também, asalvaguarda de dados, conhecimentos,áreas, pessoas e meios de interesse dasociedade e do Estado. (SISTEMA...,2004, p. 15).

Por se tratar da produção de conhecimen-tos deste cabedal e objetivá-lo verdadei-ro, imparcial, oportuno e útil, resultante

de representação de fatos e situações pro-duzidas pela mente especializada do pro-fissional de Inteligência, e considerandoa missão atribuída à Atividade de Inteli-gência, conforme o conceito supracitado,deve-se entender a importância da ado-ção de fundamentos filosóficos que sus-tentem um arcabouço teórico condizentecom os interesses desta atividade. Paraargumentar sobre esses fundamentos,necessário se faz lembrar um pouco dahistória e do conteúdo da teoria adotadapela Inteligência para melhor visualizar arazão da escolha.

Com uma posição deCom uma posição deCom uma posição deCom uma posição deCom uma posição demediação entre omediação entre omediação entre omediação entre omediação entre o

racionalismo e o empirismo,racionalismo e o empirismo,racionalismo e o empirismo,racionalismo e o empirismo,racionalismo e o empirismo,sursursursursurgiu uma orientaçãogiu uma orientaçãogiu uma orientaçãogiu uma orientaçãogiu uma orientação

epistemológica denominadaepistemológica denominadaepistemológica denominadaepistemológica denominadaepistemológica denominadaIntelectualismo afirmandoIntelectualismo afirmandoIntelectualismo afirmandoIntelectualismo afirmandoIntelectualismo afirmandoque o conhecimento tem aque o conhecimento tem aque o conhecimento tem aque o conhecimento tem aque o conhecimento tem aparticipação de ambos, poisparticipação de ambos, poisparticipação de ambos, poisparticipação de ambos, poisparticipação de ambos, poisenquanto o racionalismoenquanto o racionalismoenquanto o racionalismoenquanto o racionalismoenquanto o racionalismoparticipa com a eparticipa com a eparticipa com a eparticipa com a eparticipa com a existênciaxistênciaxistênciaxistênciaxistênciade juízos necessários aode juízos necessários aode juízos necessários aode juízos necessários aode juízos necessários ao

pensamento e com validadepensamento e com validadepensamento e com validadepensamento e com validadepensamento e com validadeuniversal, o empirismouniversal, o empirismouniversal, o empirismouniversal, o empirismouniversal, o empirismosustenta que retira ossustenta que retira ossustenta que retira ossustenta que retira ossustenta que retira os

elementos desses juízoselementos desses juízoselementos desses juízoselementos desses juízoselementos desses juízosda eda eda eda eda experiência.xperiência.xperiência.xperiência.xperiência.

Uma Teoria do Conhecimento é formula-da a partir das necessidades que o ho-mem tem de garantir a sua sobrevivência,o que ocasiona questões de ordem práti-ca e do pensamento, considerando quepara fazer frente ao mundo que o rodeia,primeiramente precisa compreendê-lo e

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conhecê-lo, para então sobreviver. Issoleva o homem a produzir mecanismossuficientes às suas necessidades cada vezmais crescentes e a se indagar o que maispoderá fazer a respeito. Desse processosurgiram, ao longo do tempo, as ques-tões identificadas e estudadas pela filoso-fia, o que ensejou a formulação de teori-as sobre o conhecimento. No século XVII,ocorreu uma sistematização, commetodologias e procedimentos, sob umaposição filosófica de princípios e funda-mentos racionalistas, para encontrar res-postas às questões da possibilidade, daorigem e da essência do conhecimento,validando-o.

Abordar unilateralmente a Teoria do Co-nhecimento que fundamenta o Conheci-mento de Inteligência sem mencionar al-gumas existentes no universo filosófico,ou pelo menos as mais utilizadas e co-nhecidas, bloqueia a compreensão daquiloque se quer mostrar e também impossi-bilita a amplitude necessária à consecu-ção do objetivo a alcançar.

Para não estabelecer uma longa faixa detempo que possa levar a digressões nãoobjetivadas por este trabalho, começareipela formulação da Teoria do Conheci-mento que, ao ser sistematizada, possi-bilitou saltar da gangorra filosóficametafísica desde Sócrates para uma esta-bilidade epistêmica, a qual permaneceuinconteste até meados do século XX, nosefervescentes anos sessenta, quando omovimento pós-moderno, com suas crí-ticas ao estabelecido, apresentou umanegação total da teoria do conhecimen-to, ocasionando uma aparente rupturaepistemológica.

A Teoria do Conhecimento, a partir doséculo XVII, passou a nortear as ciênciasparticulares, apresentando-se como maisum ramo da filosofia e priorizando o su-jeito do conhecimento ao afirmar sua ca-pacidade cognoscente para conhecer umarealidade exterior ao seu pensamento eassim atingir a verdade do conhecimento.

No entanto, essa visão racional, conside-rada um marco para a filosofia e as diver-sas ciências particulares, não passou in-cólume por mudanças e transformaçõesde cenários com circunstâncias peculia-res às épocas, que ensejaram o apareci-mento de teorias, doutrinas, escolas epensamentos vários, para concordar oudiscordar sobre o que se formulava a res-peito do conhecimento, sob a ótica dointeresse de cada segmento. Aliás, ospensadores do século XVIII chegariam àconclusão de que não existiria verdadeuniversal, por isso, cada segmento deve-ria procurar a verdade do tipo de conhe-cimento do seu interesse, apagando as-sim a concepção que predominava desdeos gregos com a ideia absoluta e o espíri-to absoluto do medievo.

As questões da Teoria do Conhecimento,ou seja, as mesmas desde que o homempassou a descobrir a si mesmo antes deperguntar sobre o mundo, permaneceramcomo objetos de questionamento para aelaboração de novos pensamentos, à épo-ca. Isso porque a influência medieval eraconsistente, pela forte presença do cristia-nismo que até então respondia a todos osquestionamentos com a verdade do misté-rio divino. Os pensadores modernos, aoconstatarem a separação estabelecida en-tre Deus e o homem, pelo cristianismo,em face do pecado original, se depararamcom um grande problema: pode o homem,

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um pecador, conhecer a realidade que ocerca com seus misteriosos objetos a co-nhecer? A resposta dos filósofos moder-nos foi que poderiam, sim, e por intermé-dio da razão humana. Assim, estabelece-ram que o homem passasse a ser o sujeitoe o objeto do seu conhecimento.

... sobre essa questão há... sobre essa questão há... sobre essa questão há... sobre essa questão há... sobre essa questão hádois entendimentos opostos:dois entendimentos opostos:dois entendimentos opostos:dois entendimentos opostos:dois entendimentos opostos:o entendimento que negao entendimento que negao entendimento que negao entendimento que negao entendimento que nega

a possibilidade dea possibilidade dea possibilidade dea possibilidade dea possibilidade deconhecermos, como oconhecermos, como oconhecermos, como oconhecermos, como oconhecermos, como o

ceticismo e suas variantes, eceticismo e suas variantes, eceticismo e suas variantes, eceticismo e suas variantes, eceticismo e suas variantes, eo entendimento que afirmao entendimento que afirmao entendimento que afirmao entendimento que afirmao entendimento que afirma

que podemos conhecerque podemos conhecerque podemos conhecerque podemos conhecerque podemos conhecer,,,,,como o das doutrinascomo o das doutrinascomo o das doutrinascomo o das doutrinascomo o das doutrinas

dogmáticas e as materialistas.dogmáticas e as materialistas.dogmáticas e as materialistas.dogmáticas e as materialistas.dogmáticas e as materialistas.

Daí, a razão passou a fundamentar o co-nhecimento e René Descartes, com oCogito ergo sum e a Dúvida metódica,desenvolveu todo um trabalho voltado àrazão, cujos princípios permanecem, con-forme se vê, quando da elaboração dequalquer conhecimento, pois sempre ana-lisamos as causas que podem nos levar aerererererrrrrrooooo, ou seja, os preconceitos e a veloci-dade com que concluímos sobre algo semverificar se os juízos emitidos são verda-deiros. Concomitantemente, John Lockeconcluiu que todos os princípios do co-nhecimento derivam da experiência, res-ponsável pela existência das nossas ideias,enquanto Descartes afirmava que o co-nhecimento deriva da razão, por opera-ções do nosso intelecto.

Surgiram então duas perspectivas diferen-tes para a Teoria do Conhecimento. Es-sas perspectivas resultaram no apareci-

mento de várias concepções, principal-mente por pensadores com posição céti-ca e suas variantes absolutas e relativas.

Com uma posição de mediação entre oracionalismo e o empirismo, surgiu umaorientação epistemológica denominadaIntelectualismo afirmando que o conhe-cimento tem a participação de ambos, poisenquanto o racionalismo participa com aexistência de juízos necessários ao pen-samento e com validade universal, oempirismo sustenta que retira os elemen-tos desses juízos da experiência.

Porém, pela visão da Teoria do Conheci-mento, somos capazes de conhecer. Nos-sa consciência tem uma atividade sensí-vel e intelectual, com um poder de análi-se e síntese e representação dos objetospor intermédio de ideias e de avaliação,bem como de interpretação desses obje-tos, por meio de juízos, e não por meioda luz divina (na visão do cristianismo),como até então se acreditava.

Somente no final do século XIX, EdmundHusserl, da escola alemã, apresentou umanova abordagem do conhecimento, pelafenomenologia, para descrever a Teoriado Conhecimento em âmbito geral, o querepresentou de forma mais contundente,diante das várias concepções reinantes, asistematização efetuada por Locke. Afenomenologia visa descrever todos osfenômenos, os materiais, naturais, ideais,culturais, do conhecimento e das realida-des, e considera o fenômeno como a pre-sença real das coisas reais diante da cons-ciência, daquilo que se apresenta direta-mente a ela. Também se propõe afirmar aprioridade do sujeito do conhecimentocom consciência reflexiva diante dos ob-jetos, aos quais intenciona, visa, pro-

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curando apreender as características e de-terminações destes objetos, o que ébasilar a todo conhecimento. Por isso, afenomenologia não afirma que o homempossa conhecer a realidade em toda a suaessência, e sim somente tal como apare-ce e se apresenta a sua consciência e ofaz por intermédio de representações ouafigurações.

Assim, a metodologia fenomenológica,considerando a capacidade de o homemconhecer um fenômeno exterior à suaconsciência e definindo o conhecimentocomo relação do sujeito com o objeto,destaca que este se constitui de três ele-mentos: o sujeito cognoscente, fonte deintencionalidades; o objeto a conhecer,independente do seu pensamento; e aimagem formada pela mente do sujeito,correspondente ao objeto. Portanto, oprocessamento do fenômeno do conhe-cimento ocorre da seguinte maneira: narelação, a função do sujeito é apreender,captar o objeto, o qual tem a função deser apreendido pelo sujeito. Essa apreen-são figura para o sujeito como uma saídade sua própria esfera para invadir a esferado objeto, apreendendo as determinaçõesou as propriedades deste. Nisto, o obje-to não é arrastado para a esfera do sujei-to, ele permanece independente, não sen-do nele que ocorre uma alteração pelafunção cognitiva. É no sujeito que houvealteração com o surgimento da imagemcontendo as determinações do objeto,para o qual esse fato se apresenta comoum alastramento das suas determinaçõesno sujeito, ocasionando uma preponde-rância do objeto sobre o sujeito, tornan-do-o determinado e ele, o objeto,determinante.

Porém, com isso, o sujeito não passa aser um simples determinado, mas apenas

a imagem do objeto na sua mente que oé, e nessa determinação pelo objeto háreceptividade do sujeito a respeito dele,objeto, em razão da intencionalidade. Aomesmo tempo se apresenta uma espon-taneidade do objeto a respeito da ima-gem em formação, na qual a mente teráuma participação criadora na sua repre-sentação, isto porque o sujeito lhe dá sig-nificado, com a intencionalidade. Toda-via, quando determina o sujeito, o objetomostra-se independente, transcendental,pois todo conhecimento visa a um objetoindependente da consciência cognos-cente, por isso todos os objetos doconhecimento são transcendentes, reaisou ideais. Os reais são os dados na expe-riência externa ou interna, e os ideais sãoos meramente pensados e mesmo assimpossuem um ser em si, umatranscendência. Como na matemática eas operações aritméticas com os núme-ros, eles existem, mas são objetos ideaise não reais.

Consequentemente, na visão feno-menológica, ocorre o fenômeno do co-nhecimento quando o sujeito capta asdeterminações do objeto e com isso for-ma uma imagem do mesmo e, para efe-tivar esse conhecimento, a imagem de-verá corresponder totalmente ao obje-to, pois se assim não for, teremos ape-nas um erro, não do objeto, mas ocorri-do na mente do sujeito. Contudo, essadescrição do processo do conhecimen-to pelo método fenomenológico não ex-plica e nem interpreta o conhecimento,apenas descreve o fenômeno ocorrido,cabendo à Teoria do Conhecimento fazê-lo, o que nos reporta às indagações quedizem respeito à possibilidade, a origem,a essência, os tipos do conhecimento eo critério da verdade.

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Cabendo à Teoria do Conhecimento a in-terpretação filosófica do fenômeno do co-nhecimento, vejamos sob a visão de ou-tras concepções que, quiçá, possibiliteampla condição de avaliação do por quepor quepor quepor quepor quese julgaria como mais apropriada a Teoriado Conhecimento para fundamentar oConhecimento de Inteligência. Conside-remos que todas as teorias ou entendi-mentos acerca do conhecimento come-çam questionando seus elementos sobrea possibilidade de conhecer, o que dásequência à abordagem das demais ques-tões da filosofia sobre o conhecimento.

Estabelecida a essência doEstabelecida a essência doEstabelecida a essência doEstabelecida a essência doEstabelecida a essência doconhecimento como relaçãoconhecimento como relaçãoconhecimento como relaçãoconhecimento como relaçãoconhecimento como relaçãoentre o sujeito e o objeto,entre o sujeito e o objeto,entre o sujeito e o objeto,entre o sujeito e o objeto,entre o sujeito e o objeto,

conforme afirma oconforme afirma oconforme afirma oconforme afirma oconforme afirma omaterialismo filosófico,materialismo filosófico,materialismo filosófico,materialismo filosófico,materialismo filosófico,

resta-nos saber a origem doresta-nos saber a origem doresta-nos saber a origem doresta-nos saber a origem doresta-nos saber a origem doconhecimento. Saber se osconhecimento. Saber se osconhecimento. Saber se osconhecimento. Saber se osconhecimento. Saber se ossentidos, a razão e a intuiçãosentidos, a razão e a intuiçãosentidos, a razão e a intuiçãosentidos, a razão e a intuiçãosentidos, a razão e a intuiçãoparticipam do conhecimentoparticipam do conhecimentoparticipam do conhecimentoparticipam do conhecimentoparticipam do conhecimento.....

Se existe possibilidade do conhecimento,ou seja, se a nossa mente é capaz de co-nhecer e refletir de forma adequada so-bre o que nos rodeia, se é capaz de efeti-vamente captar o objeto, conhecer a suaverdade - essa dúvida também poderáocorrer na Atividade de Inteligência, aoperguntarmos se o profissional de Inteli-gência pode chegar à verdade dos fatos esituações utilizando o modelo da Teoriado Conhecimento pela descriçãofenomenológica -, sobre essa questão hádois entendimentos opostos: o entendi-mento que nega a possibilidade de co-nhecermos, como o ceticismo e suas va-riantes, e o entendimento que afirma que

podemos conhecer, como o das doutri-nas dogmáticas e as materialistas.

Os céticos absolutos negam que o sujei-to seja capaz de apreender o objeto, ali-ás, o desconhecem e concentram toda suaatenção nos fatores subjetivos do conhe-cimento humano. Suas variantes relativasnegam parcialmente a possibilidade deconhecer a verdade em determinadoscampos e na sua totalidade, ou seja, ohomem só pode conhecer a aparência dascoisas e não a sua essência. Só podería-mos conhecer a manifestação exterior dacoisa em si (o objeto) como se apresentaà nossa consciência, sendo tarefa do nos-so pensamento dar forma e ordem nessassensações, conforme Kant. Por isso, nãoconhecemos a sua essência e sim a re-presentação, revestida dos elementos sub-jetivos nos quais a enquadramos, o quepodemos ver no ceticismo relativo deKant, no positivismo de Comte e nafenomenologia de Husserl, representan-do as variadas formas do ceticismo.

O entendimento que afirma a possibilida-de de conhecer se manifesta nodogmatismo e no materialismo filosófico.A doutrina dogmática, com sua crença deconhecer a verdade absoluta, de formaimediata e direta por meios empíricos,racionais ou suprarracionais, ignora des-se modo o conhecimento como uma re-lação entre o sujeito e o objeto. Quantoao materialismo filosófico e sua variante,o materialismo dialético, revelam-se comomediadores entre o ceticismo relativo e odogmatismo, ao afirmarem da existênciareal do mundo exterior refletido por nos-sa consciência, e distinguindo o objetodo sujeito cognoscente. Afirmam tambéme principalmente que a matéria é anteriorà consciência, e nossas sensações, re-

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presentações e conceitos são reflexos dascoisas que existem, independentementeda nossa consciência.

Destacados alguns entendimentos sobrea capacidade do sujeito conhecer ou não,pergunta-se em que consiste o conheci-mento, a sua essência, que relação háentre o sujeito e o objeto, o que constituiquestão fundamental para a filosofia e asatividades em geral, e que nos arrasta àquestão do centro de gravidade no fenô-meno do conhecimento: o que prepon-dera, o sujeito ou o objeto? Essa tambémseria uma preocupação crucial para a Ati-vidade de Inteligência, considerando quehoje nos deparamos, pelo menos no mun-do ocidental e em relação a diversas ati-vidades, com um conflito de mentalida-des. Esse conflito resultaria do fato de quealgumas instituições com atividades se-culares de Estado veem o conhecimentocomo uma criação fundamentada por prin-cípios e modelos já estabelecidos, sendoo objeto o elemento preponderante doconhecimento, crença vigente à época dasformulações. Hoje temos uma geraçãoformada sob a orientação de outra posi-ção filosófica para a qual o elemento pre-ponderante do conhecimento é o sujei-to, e acreditando ser o conhecimentouma construção do homem interagindocom seu meio social e as diferenças aliexistentes.

Da essência do conhecimento precisamosestabelecer o referido centro de gravida-de. O aspecto nevrálgico da preponde-rância nos apresenta entendimentos an-tagônicos e, considerando o fator huma-no, nunca deixarão de sê-lo, só restandoa cada atividade optar pela interpretaçãomais apropriada aos seus fins e interes-ses. Responder qual o elemento prepon-

derante no conhecimento, se a realidadeou a consciência, o sujeito ou o objeto,se a consciência é um reflexo e reprodu-ção do objeto, ou o objeto é um reflexo euma reprodução da consciência, dois seg-mentos doutrinários, o idealismo e o ma-terialismo, nos apresentam os seguintesentendimentos: o idealismo e suas vari-antes (objetiva e subjetiva) afirmam que osujeito determina o objeto. A varianteobjetiva afirma que o que prepondera é aideia absolutaideia absolutaideia absolutaideia absolutaideia absoluta, o espírito universalespírito universalespírito universalespírito universalespírito universal, a von-von-von-von-von-tade universaltade universaltade universaltade universaltade universal existentes antes da nature-za e dos homens e teria criado o mundo,sendo que todas as coisas materiais sãoseus produtos, o que podemosexemplificar por Platão, com o Mito dacaverna, , , , , e Hegel, com seu Demiurgo. Avariante subjetiva apregoa o eu absolutoeu absolutoeu absolutoeu absolutoeu absolutoda consciência do sujeito individual, afir-ma que toda realidade está encerrada nasua consciência, sendo a matéria uma ideiaque dela fazemos, é uma construção daconsciência.

Contrapondo-se a esse entendimento, omaterialismo filosófico nos afirma que háobjetos reais e independentes do pensa-mento, que a matéria é anterior à consci-ência, que é o reflexo ou produto da ma-téria. Ao materialismo filosófico se atri-bui resolver cientificamente o problemafundamental da essência do conhecimen-to ao mostrar que o mundo é materialpor natureza, considerando o ser (obje-to) como matéria, e que nossas sensaçõese ideias são imagens do mundo exterior.

Estabelecida a essência do conhecimentocomo relação entre o sujeito e o objeto,conforme afirma o materialismo filosófi-co, resta-nos saber a origem do conheci-mento. Saber se os sentidos, a razão e aintuição participam do conhecimento. Vis-

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to pela ótica de cada um desses elemen-tos, teremos o empirismo, o racionalismo,intuicionismo e o materialismo dialético.O empirismo, espécie que tem como úni-ca fonte do conhecimento a experiênciarecebida pelos sentidos e que acreditasuficiente para conhecer a verdade, temcomo forma de conhecimento a sensa-ção, a percepção e a representação.

O racionalismo defende que a fonte doconhecimento é a razão, o pensamentoabstrato. Afirma que os sentidos nos en-ganam e, portanto, não podem produzirum conhecimento verdadeiro, logicamentenecessário e universalmente válido, o qualsó pode ser alcançado pela razão.

O Intuicionismo afirma que é possívelconhecer a verdade sem os sentidos e arazão, mas por uma faculdade irracionalou sobrenatural chamada intuição.

O materialismo dialético, apesar de afir-mar serem o empirismo, racionalismo eintuicionismo unilaterais, propõe uma sín-tese dos três, como partes na elaboraçãodo conhecimento, que é um processodialético. Essas referências podem seridentificadas no discurso da Atividade deInteligência.

Ao apresentar os diversos entendimentossobre a origem do conhecimento nos vema indagação sobre seus tipos e formas,pelo menos os mais conhecidos, que sãoo racional discursivo e o intuitivo. No ra-cional discursivo, a consciência serve-sede diversas formas de operações mentais,como a ideia (ou conceito), juízo e racio-cínio, relacionando o objeto a outros,comparando e tirando suas conclusões.É um conhecimento mediato. No tipo in-tuitivo, o conhecimento é imediato, o

olhar apreende imediatamente o objeto,é uma experiência externa que se baseianos juízos que temos nas leis lógicas dopensamento. Essa apreensão imediata doobjeto se dá sob as formas da intuiçãosensível, intuição mística e a intelectual.

Vistas algumas questões detectadas nadescrição fenomenológica do conheci-mento, estas nos direcionam para a gran-de questão da validade do conhecimen-to: a verdade, e o critério utilizado paralhe atribuir a certeza. O conceito de ver-dade, como a concordância do conteúdodo pensamento com o objeto, constitui aconcepção transcendente de verdade, noentanto, há o conceito da imanência queafirma ser a verdade a concordância dopensamento consigo mesmo, e nada existirexterior à consciência. Portanto, manifes-tam-se assim os segmentos idealistas ematerialistas, bem como os aspectos sub-jetivos e objetivos da verdade. O idealis-mo subjetivo versa sobre o conceitoimanente de verdade, e o objetivo, sobrea concepção transcendente.

Não podemos ignorar, todavia, a doutri-na denominada e conhecida porpragmatismo, afirmando um entendimen-to oposto à corrente que defende atranscendência. Segundo esta doutrina, oconhecimento é verdadeiro quando pro-duz resultados práticos e eficazes, sendoseu critério de verdade a utilidade. Opragmatismo ignora o conhecimentocomo relação do sujeito e objeto.

Como podemos afirmar, a certeza da ver-dade é incumbência dos critérios e hávárias concepções para atribuir essa cer-teza, a saber: o critério da autoridade (uti-lizado pela teologia), o da evidência (de-fendido pela teoria do conhecimento e a

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inteligência), o da ausência de contradi-ção (idealismo subjetivo), da utilidade(pragmatismo, materialismo dialético) eo da prova (ciências particulares). O cri-tério da evidência, como o mais conhe-cido e aceito, é visto como plena clare-za da verdade e a certeza é o estado sub-jetivo que a acompanha. Porém, não éum critério último de verdade, pois fa-tores como a ignorância, ilusões dos sen-tidos, paixões e preconceitos podem le-var a uma falsa evidência, precisando,portanto, de outro critério para atribuirà verdade uma certeza.

O critério da evidência nos lembra umaquestão bastante controversa para a Ati-vidade de Inteligência, a imparcialidade.Pode o sujeito conhecer de forma im-parcial? Argumenta-se o seguinte: noprocesso do conhecimento, o sujeitoapreende as determinações ou proprie-dades do objeto e a imagem formadadeverá corresponder totalmente a esteobjeto e, como este é transcendente aosujeito, portanto, a imagem formada nãodeverá conter o já existente no pensa-mento do sujeito e sim correspondersomente às propriedades que são apre-endidas do objeto, o que resultaria numaimagem imparcial, ou o mais próximopossível da mesma.

Utilizando também da argumentação domaterialismo filosófico e dialético, do su-jeito ser capaz de conhecer a verdadeobjetiva, que afirma a apreensão do obje-to com suas determinações e característi-cas essenciais, é possível a imparcialida-de, argumento aceito até pelos céticosrelativos. Somente na concepção idealis-ta subjetiva a concordância do pensamen-to é consigo mesmo e não com o objeto.

Contudo, todas essas concepções acercado conhecimento humano vigoraramincontestes aproximadamente até meadosdo século XX, principalmente para a ati-vidade científica e instituições secularesde estado e alguns pensadores. Até hoje,seja qual for a teoria que sistematiza aprodução do conhecimento, ela se orien-ta pelos mesmos princípios diante da pro-blemática de interesse, ou seja, de fatoou situação ou qualquer objeto a conhe-cer. O homem planeja o que vai fazer,coleta o material necessário, avalia suasfontes, interpreta e busca o que todosquerem: o conhecimento consideradoverdadeiro. A base para esses procedi-mentos e entendimentos é a razão huma-na, em que os pensadores modernosacreditaram.

Norteando o ConhecimentoNorteando o ConhecimentoNorteando o ConhecimentoNorteando o ConhecimentoNorteando o Conhecimentode Inteligência com seusde Inteligência com seusde Inteligência com seusde Inteligência com seusde Inteligência com seusfundamentos, esta teoriafundamentos, esta teoriafundamentos, esta teoriafundamentos, esta teoriafundamentos, esta teoriainfluencia não somente ainfluencia não somente ainfluencia não somente ainfluencia não somente ainfluencia não somente a

metodologia utilizada pelametodologia utilizada pelametodologia utilizada pelametodologia utilizada pelametodologia utilizada pelaAtividade de InteligênciaAtividade de InteligênciaAtividade de InteligênciaAtividade de InteligênciaAtividade de Inteligência

na sua prna sua prna sua prna sua prna sua produção, masodução, masodução, masodução, masodução, mastambém nas questões datambém nas questões datambém nas questões datambém nas questões datambém nas questões dasua identidade; do perfilsua identidade; do perfilsua identidade; do perfilsua identidade; do perfilsua identidade; do perfil

do prdo prdo prdo prdo profissional; e doofissional; e doofissional; e doofissional; e doofissional; e doprprprprproduto final do produto final do produto final do produto final do produto final do processoocessoocessoocessoocesso

de prde prde prde prde produção.odução.odução.odução.odução.

Mas, o tempo é inexorável com as ideias,em razão de ocasionar mudanças e, porconseguinte, acarretar novos pensamen-tos diante dos desafios. A descontinuidadecorrente na filosofia, a herança dos es-combros materiais e mentais da SegundaGuerra Mundial, a bipolaridade

Josemária da Silva Patrício

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subsequente, o estado pós-industrial, osmodelos existentes não correspondendomais às necessidades e expectativas dasociedade e da ciência, a cibernética e onovo modelo de comunicação, o capitalfinanceiro gerindo a política e a econo-mia, a formação de movimentos sociais,o Construtivismo, a Gestalt, as ambiçõesimperialistas, ensejaram, nos anos sessen-ta a oitenta, uma postura de negação eangústia diante da sensação de que o quese acreditava ou foi levado a acreditar,estava errado e não mais servia para asociedade, considerando o que houve eo que estava ocorrendo no mundo.

Assim, as bases e os valores racionalistasimplantados desde o século XVII quenortearam a filosofia e as ciências foramnegados. Do racionalismo ao empirismo,do idealismo ao materialismo dialético.Não se ignorou, mas também não se de-fendeu as bandeiras do estruturalismo edo construtivismo. Aconteceu uma rup-tura epistemológica e estabeleceu-se opós-modernismo como uma posição fi-losófica discordante. Entre seus pensado-res mais conhecidos, destacam-se Sartre,Michel Foucault, François Lyotard, GillesDeleuze, Jaques Derrida e Bruno Latour,os quais negaram todas as teorias, valo-res, conceitos, doutrinas, enfim, tudo o queconstitui o universo filosófico moderno.

As propostas pós-modernas partem dadeterminação de romper e descronstruircriticamente o modelo epistemológicoque estava em vigor, bem como questio-nar fundamentos que girem em torno deverdades, recusar o dogmatismo da ciên-cia, isto é, recusar a ideia de que a ciên-cia é uma representação da realidade talcomo é em si mesma e adotar a ideia deque o objeto científico é um modelo

construído, e questionar todas as formasque nos conceituaram como sujeito e in-divíduo, principalmente junto às ciênciashumanas, das quais os modelos formula-dos não nos ser viriam mais. Asmetodologias e procedimentos baseadosnum modelo racional discursivo passari-am ao modelo similar ao construtivista esem fundamentos prontos.

Como evidência da mencionada ruptura,usarei as questões da Teoria do Conheci-mento como parâmetro da crucialdiscordância à mentalidade moderna e àsafirmações do discurso pós-moderno pordestacados arautos. Quanto à possibili-dade do conhecimento, o ser humano nãoconhece ou não precisa conhecer a reali-dade que o cerca, ele a constrói, pois abase racional e todo o discurso modernoseria, nesta nova visão, um disfarce parao exercício da dominação dos homens,por isso a negação a sistemas prontos queinduzem a pensar o que se quer que pen-se. A essência do conhecimento, que é arelação do sujeito e o objeto, foi consi-derada sem fundamento, pois tanto a fi-losofia quanto as ciências são construçõessubjetivas de seus objetos, os quais nadamais são do que os resultados de opera-ções teóricas e técnicas, considerando queos cientistas não observam as realidades,mas as constroem. Portanto, os objetosindependentes do sujeito não existem, sãoapenas construções teóricas.

Daí podem ser identificados reflexos doidealismo e a sua concepção imanente deverdade (a concepção imanente de ver-dade é defendida por uma parcela signifi-cativa de pensadores pós-modernos),porém, aí não há construção interativanenhuma, pois a apreensão do objeto pelamente do sujeito corresponde ao conteú-

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do da própria mente, sendo este um pro-cesso individual. A filosofia e o próprioconhecimento, passaram a ser considera-dos uma criação feita pela linguagem, as-sim como a literatura, onde não se dizcomo as coisas são, elas são criadas, e esseentendimento é reflexo do estruturalismo.

A origem do conhecimento não é conce-bida como no modernismo, pois o ho-mem não é um animal racional com livrevontade, ele é passional, se move por ins-tintos e por isso instituiu uma ordem socialpara reprimir seus desejos e paixões, pro-posição diametralmente oposta ao pen-samento moderno. A verdade do conhe-cimento como correspondência da ima-gem formada, cujo critério é a evidência,não seria apropriada, considerando queo conhecimento, seja qual a espécie, só éválido se for útil e eficaz para a obtençãodos fins desejados por quem conhece, nãoimportando que fins sejam esses.

O discurso que reveste essa concepçãode critério da verdade pode ser identifica-do no pragmatismo e no materialismodialético, se bem que os pensadores daescola de Frankfurt, que foram os últimosa abandonar a versão comunista do mate-rialismo dialético, nada levaram ou contri-buíram com esta doutrina para o pós-mo-dernismo, considerando que os pós-mo-dernos também negaram o socialismo apa-rentemente em razão do modelo russo.

Todavia, as concepções, os conceitos, assignificações, proposições e enunciados,segundo a linguagem de Foucault, logotiveram discordâncias, isto é, o mesmofenômeno ocorrido à teoria do conheci-mento, e a pós-modernidade passou a serdenominada de neo-capitalismo, lógicacultural do capitalismo tardio,modernidade líquida, neo-conservadoraem combate aos ideais iluministas.

Por conseguinte, passando pordescontinuidades e rupturas ou propos-tas de ruptura na história do conhecimen-to, os períodos mais marcantes da filoso-fia nos legaram pelo menos quatro siste-mas que revolucionaram o pensamentohumano, notadamente no milênio anteri-or, que foram a metafísica grega, a teolo-gia do medievo, a teoria do conhecimen-to moderna e a concepção pós-modernado conhecimento.

A visão das diversas concepções, doutri-nas e teorias versando sobre a essência,possibilidade, origem, tipos, formas e cri-tério de verdade do conhecimento, pos-sibilita a oportunidade de constatar que,do discurso da Atividade de Inteligênciae do disposto em sua doutrina, podería-mos afirmar quais fundamentos da Teoriado Conhecimento foram utilizados para aformulação de uma peculiar teoria doconhecimento de Inteligência.

Esta afirmação pode ser verificada ao iden-tificarmos fundamentos do materialismofilosófico na afirmação de que o profissi-onal de Inteligência pode produzir conhe-cimentos pela metodologia com a qualtrabalhamos, dirimindo a questão da pos-sibilidade do conhecimento. Também se-riam fundamentos oriundos do materia-lismo dialético e do intelectualismo asexplicações sobre a origem do conheci-mento como conjugação do racionalismoe empirismo, que compõem a represen-tação de fatos ou situações; que seria dosfundamentos identificados na descriçãofenomenológica da Teoria do Conheci-mento e no realismo crítico, a explicaçãosobre a essência do conhecimento comorelação do sujeito e objeto e que este pre-pondera sobre aquele; que o tipo de co-nhecimento que se produz é identificadocom o racional ou abstrato; e as formas

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que utilizamos conferem com as do co-nhecimento racional (conceito ou ideia,juízos e raciocínios).

Assim, se entendermos como teoria oconjunto de concepções, fundamentos,conceitos, metodologias e demais proce-dimentos formando uma singular posiçãofilosófica que sustenta a existência da Ati-vidade de Inteligência enquanto produ-tora de conhecimentos e diretamentenorteia o exercício da atividade, a Teoriado Conhecimento passaria a ser a maisapropriada, pela correlação aos interes-ses de objetivos e sobrevivência desta ati-vidade, dando a validade necessária aoconhecimento produzido.

Norteando o Conhecimento de Inteligên-cia com seus fundamentos, esta teoria in-fluencia não somente a metodologia utili-zada pela Atividade de Inteligência na suaprodução, mas também nas questões dasua identidade; do perfil do profissional; edo produto final do processo de produ-ção. Por conseguinte, não podemos atri-buir a responsabilidade de todo o proces-so somente às regras cartesianas, aponta-das como inspiradoras da metodologia uti-lizada, considerando que só temos emmente os princípios contidos nas mesmasquando da aplicação da metodologia, e nãoda atividade como um todo.

A Atividade de Inteligência com a atribui-ção de produzir conhecimentos sobre fa-tos e situações constantes da realidade,objetivando assessorar as decisões gover-namentais em benefício do Estado e dasociedade, teria que adotar um arcabouçoteórico apropriado que fundamentasse oexercício da atividade. Para escolha, teve aseu dispor desde a metafísica grega e a te-ológica, a teoria moderna e a concepçãopós-moderna do conhecimento. E teria

julgado uma delas, a Teoria do Conheci-mento sob a visão fenomenológica, a maisadequada ao objetivo a que se propõe, emface das correlações já mencionadas.

Essas correlações também se prendem aofato de que, se a produção de conheci-mentos de inteligência objetiva represen-represen-represen-represen-represen-tartartartartar a realidade, portanto, sob uma posi-ção cética relativa, não possibilitaria facil-mente a utilização de metodologias fun-damentadas em teorias de construçãointerativa do conhecimento (diferindo devárias ciências particulares), em razão dosfins a que se destina o mencionado co-nhecimento. Obviamente, não é impossí-vel, mas ainda não se vê claramente queprocesso pós-moderno seria adequadopara representar fatos e situações que jáocorreram, ocorrem e poderão vir a ocor-rer, mostrando deles a verdade (para aAtividade de Inteligência), por evidência,sem cair em erro ou possível dispersãoresultantes apenas da cosmovisão de cadaprofissional e assim se distanciar do fatoem si, sem utilidade para o usuário.

Consequentemente, ao final destes argu-mentos, os quais representam os objetospesquisados e não o conteúdo da minhaconsciência, pode-se constatar que, paraa Atividade de Inteligência, as questõesda filosofia acerca do conhecimento nãose transformaram em problemas por ra-zão da crença na posição filosófica ado-tada. A certeza dessa crença seria deriva-da dos valores e concepções funda-mentadores considerados apropriados aoexercício da Atividade de Inteligência epara esta vigentes, apenas, passando aserem discutidos e discordados quandoda comparação com a posição filosóficapós-moderna, de discurso oposto ao queutilizamos.

Os fundamentos do Conhecimento de Inteligência

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Josemária da Silva Patrício

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Romulo Rodrigues Dantas Romulo Rodrigues Dantas Romulo Rodrigues Dantas Romulo Rodrigues Dantas Romulo Rodrigues Dantas

Os jornalistas Mark London e BrianKelly viajaram ao Brasil em 1980 e

escreveram seu primeiro livro sobre aAmazônia. Na ocasião, de acordo comeles próprios, 3% da floresta já haviamsido destruídos. Vinte e cinco anos de-pois, segundo London, agora advogado,e Kelly, editor executivo do US News andWorld Report, 20% não existiam mais.

Nesse sentido, a questão central da obrade London e Kelly é indagar se a florestapoderá ser salva. A resposta dos autoresé otimista: “não é tarde para salvá-la”. En-tretanto, consideram que a solução aodesmatamento é tão complexa quanto aprópria floresta.

Mesmo para os que vivem na região, “afloresta é uma área alienígena”. Os auto-res relatam que milhões de espécies dife-rentes coabitam a Amazônia, e cada umadesenvolveu maneira única e fascinantepara sobreviver. Há lagartas que semimetizam e assumem a forma de víbora,de modo a sobreviver; peixes com quatroolhos e dois pares de córnea e retina, umapara proteger-se de perigos que vem decima e, outra, para buscar por comida,abaixo; plantas que se transformam decipós em árvores, dependendo da quan-

tidade de luz solar. Para impedir que do-ença as extinga completamente, árvoresde mesma espécie desenvolvem-se afas-tadas umas das outras.

Apesar disso, a mesma evolução e adap-tação que protege as árvores da extinçãoas expõem à destruição pelo homem. Pelofato de que certos tipos de madeira sãomais valiosos do que outros, não éincomum madeireiros abrirem trilhas nafloresta apenas para chegar à árvore es-pecífica. Os autores consideram que “ascicatrizes que essa prática causam nãosaram. Tais trilhas, minúsculas, usualmentesão visíveis do alto, com padrão que lem-bra um rio ao contrário. O fim dessa linhaé o local onde antes existia um mognocentenário”.

A primeira incursão na floresta revela apa-rente “irresistível percepção” de desen-volvimento. As trilhas começam a se divi-dir e a conduzir a pequenas estradasvicinais e a acessos a fazendas ou a pas-tagens. Segundo The Last Forest, 85% dodesmatamento ocorrem a partir das es-tradas, em média 50 quilômetros, bilate-ralmente. Com base em tais informações,estima-se que a floresta perderá um quartodo seu tamanho original até 2020.

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É possível que circunstâncias drásticasdemandem medidas igualmente drásticas.Ainda que prevaleça a crença de que aúnica maneira de salvar a Amazônia seriamantê-la completamente intocada,London e Kelly argumentam que esse pen-samento não é apenas “desatualizado”,mas, principalmente, “perigoso”. Paraeles, “atualmente, salvar a Amazônia im-põe também salvar as pessoas que vivemna Amazônia”.

Para London e Kelly, resposta a essaconstatação implica abordagemcolaborativa que une preservação comdesenvolvimento. O livro cita que o go-verno do Brasil já adota políticas nessesentido. “Não é proveitoso pessoas afir-marem, sobretudo do exterior, que aAmazônia – que ocupa mais da metadedo território – precisa ser mantida comosantuário da humanidade, e esquecer quecerca de 20 milhões de pessoas vivem naregião”, conforme disse o presidente bra-sileiro. Com o argumento de quedesmatamento legal e monitorado é pre-ferível à situação corrente, “caótica”, osautores destacam que o governo brasilei-ro pretende leiloar direitos de exploraçãomadeireira em vastas áreas da região.

The Last Forest apresenta a Amazôniacomo terra onde “abundam oportunida-des para o desenvolvimento, se aprovei-tadas de maneira correta, e não é corretoreconhecê-la apenas como região selva-gem e exótica, mas como uma das últi-mas fronteiras da terra”.

Como base para esse argumento, Londone Kelly apontam novas evidências antro-pológicas as quais sugerem que grandessociedades – com canais, pontes, ruaspavimentadas e milhares de pessoas –podem coabitar na bacia amazônica semdestruí-la. Apesar disso, os autores in-formam que “essa constatação não pro-vê muita esperança, ainda que existampesquisas em andamento, de que ocu-pação no século XXI também reproduzatal percepção de harmonia”, mas isso éparte da base do otimismo deles. O res-to é parte de suas próprias pesquisas naAmazônia, as quais revelam soluçõescriativas ao desmatamento, ainda quelimitadas.

O capítulo “A Way to Save the Amazon”aborda várias dessas soluções: programasde incentivo, bem remunerados, para pes-soas que, de outra forma, seriam empre-gadas no desmatamento ilegal; florestas“certificadas”, onde árvores seriam cor-tadas mediante método de rotação, paraproteger espécies; e uso alternativo daterra, desde a produção de juta a fazendade criação de peixes exóticos.

London e Kelly admitem que tais soluçõesnão são perfeitas, e nenhuma delas consti-tui-se panacéia. Entretanto, são exemplosde tentativas honestas de proteger a Ama-zônia, principalmente por pessoas que têmdeterminação em usá-la. Por fim, chegar aesse equilíbrio pode ser a esperança queThe Last Forest pretende informar.

Romulo Rodrigues Dantas