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194 ISSN 0034-7183 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 1-191, jan./abr. 1999. jan./abr. 1999 Volume 80 REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEP

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ISSN 0034-7183R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 1-191, jan./abr. 1999.

jan./abr. 1999 Volume 80

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DIRETORIA DE DISSEMINAÇÃO DEINFORMAÇÕES EDUCACIONAISSolange Maria de Fátima Gomes Paiva Castro

COORDENAÇÃO-GERAL DE DIFUSÃO DEINFORMAÇÕES EDUCACIONAISAntonio Danilo Morais Barbosa

COORDENAÇÃO DE PRODUÇÃO EDITORIALMaria Maura Ferreira Mattos

COORDENAÇÃO DE PROGRAMAÇÃO VISUALF. Secchin

EDITORJair Santana Moraes

PARECERISTAS AD HOCCândido Alberto Gomes (UCB)Carmem Susana Tornquist (Udesc)Cecília Osowski (Unisinos)Célia Frazão Soares Linhares (UFF)Fernando Lomônaco (USP)Inês Ferreira Bragança (UFF)Jorge Abrahão de Castro (UCB)José Gonçalves Gondra (Uerj)Lia Tiriba (UFF)Lígia Assumpção Amaral (USP)Mary Rangel (UFF)Valdemar Sguissardi (Unimep)

REVISÃOJair Santana MoraesJosé Adelmo GuimarãesJosé Alfredo Paiva Dezolt (rev. Inglês)Marluce Moreira SalgadoRosa dos Anjos Oliveira

NORMALIZAÇÃO BIBLIOGRÁFICARegina Helena Azevedo de MelloRosa dos Anjos Oliveira

PROJETO GRÁFICODanilo BarbosaF. Secchin

A exatidão das informações e os conceitos e opiniões emitidos são de exclusivaresponsabilidade de seus autores.

CAPAF. Secchin

COORDENAÇÃO DO PROJETO ILUSTRAÇÃOProf. Auresnede Pires StephanFaculdade de Belas-Artes de São Paulo/Curso deDesenho IndustrialILUSTRAÇÕESCoordenação: Profa Márcia Simões da FontouraEscola de Design da Universidade do Estado deMinas Gerais (UEMG)Bruno Nunes CoelhoChantal HerskovicLuciano IrrthumLuiz Otávio Martins de OliveiraMax Duarte FerreiraVítor Piedade GarciaWenderson Santos SobreiraDIAGRAMAÇÃO E ARTE-FINALMarcos Hartwich

TIRAGEM3.500 exemplaresEDITORIAInep/MEC – Instituto Nacional de Estudos ePesquisas EducacionaisEsplanada dos Ministérios, Bloco L, Anexo I,4º Andar, Sala 416CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61)224-7092, 321-7376Fax: (61)224-4167e-mail: [email protected] [email protected]://www.inep.gov.br

DISTRIBUIÇÃOCibec/Inep – Centro de Informações e Bibliotecaem EducaçãoEsplanada dos Ministérios, Bloco L, TérreoCEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFone: (61)323-3500e-mail: [email protected]://www.inep.gov.br

PUBLICADO EM JANEIRO DE 2001

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos / Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais.

v. 1, n. 1, (jul. 1944 - ). – Brasília : O Instituto, 1944 -.

Quadrimestral. Mensal 1944 a 1946. Bimestral 1946 e 1947. Trimestral 1948 a 1976.

Suspensa de abr. 1980 a abr. 1983.

Publicada pelo Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, até o v. 61, n. 140, set. 1976.

Índices de autores e assuntos: 1944/51, 1944/58, 1958/65, 1966/73, 1944/84.

ISSN 0034-7183

1. Educação-Brasil. I. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais

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194REVISTA BRASILEIRA DEESTUDOS PEDAGÓGICOS RBEP SUMÁRIO

n ESTUDOS

Aprendizagem, desenvolvimento e conhecimento na obra de Jean Piaget:uma análise do processo de ensino-aprendizagem em Ciências

Laércio Ferracioli (Ufes)

Tribunal de Contas: faz as contas ou faz-de-conta na avaliaçãodos gastos governamentais com educação?

Nicholas Davies (UFF)

Interesse e desinteresse no magistério oficial paulista (1902-1910)Gilson R. de M. Pereira (URRN)

Focalização ou eficácia na inserção profissional?Um trade-off na profissionalização de jovens

Cláudio Marques Martins Nogueira (UFMG)Luís Henrique Paiva (MTE)

Seleção social e o ensino superior das desigualdades:os determinantes da aprovação no vestibular

da UFRJ – 1993Marcelo Costa Ferreira (Iuperj)

Institutos Superiores de Educação: desafio para as universidadesSilza Maria Pasello Valente (UEL)

Regionalização da pesquisa e inovação pedagógica:os Centros de Pesquisas Educacionais do Inep (1950-1960)

Libânia Nacif Xavier (UFRJ)

n SEGUNDA EDIÇÃO

Palavra do Editor

Diálogo com Anísio Teixeira sobre a escola brasileiraZaia Brandão (PUC-Rio)

Sobre o problema de como financiar a educação do povo brasileiro:bases para a discussão do financiamento

dos sistemas públicos de educaçãoAnísio Teixeira

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n AVALIAÇÃO

Resultado do Saeb 97/Química e a reforma do ensino médio:um exercício de aproximação para a política educacional,

o planejamento de ensino e a gestão da prática docente voltadospara a Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)

Alvaro Chrispino (UFRJ)

Ensino superior e avaliação institucional:um modelo em implantação

Bernardete A. Gatti (PUC-SP)

n ESTATÍSTICA

O Censo EscolarEdnar Maria Vieira Diniz (Inep)

n CIBEC

Profissionais da sociedade de informação: o information brokerPatrícia Zeni Marchiori (UFPR)

Teses e dissertações recebidas

Lançamentos editoriais em educação

n INSTRUÇÕES PARA COLABORAÇÃO

Instruções aos colaboradores

Instruções para a elaboração de resumos

Instruções aos ilustradores

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ESTUDOS

Laércio Ferracioli

Palavras-chave: epistemologiagenética; ensino deciências; formação deconceitos.

Apresenta uma visão geraldas idéias de Jean Piaget,seguida da abordagem de algunsaspectos de sua obrarelacionados com a construçãodo conhecimento através deestádios e dos fatores que osinfluenciam. Na seqüência, sãoapresentadas a definição e a

Aprendizagem, desenvolvimento e conhecimentona obra de Jean Piaget: uma análise do processode ensino-aprendizagem em Ciências

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diferenciação dos conceitospiagetianos de aprendizagem,desenvolvimento e conhecimento,concluindo com a apresentação ea análise de alguns resultados depesquisa em ensino de ciências ea abordagem da questão daevolução conceitual em ciências.

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6 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 5-18, jan./abr. 1999.

a observação do comportamento espon-tâneo da criança, a observação do com-portamento provocado por uma situaçãoexperimental e o diálogo estabelecido en-tre o pesquisador e a criança.

Assim, esta perspectiva metodológicaparte da premissa de que a própria criança,suas interpretações, seus comentários eseus questionamentos fornecem a chavepara o entendimento do pensamento in-fantil. Ou seja, para Piaget, a criança, enão as perguntas formuladas, é a fonteprimária de dados para o estudo de seudesenvolvimento intelectual.

Esses estudos são relatados ao lon-go de toda a obra de Piaget e seus cola-boradores, que abrange publicações liga-das à Psicologia Genética, Lógica eEpistemologia e Epistemologia Genética.1Ao longo de sua vida, publicou algumasobras-síntese nas quais expõe de manei-ra clara as idéias básicas de seu projetosobre entendimento da construção do co-nhecimento no sujeito, ou sujeitoepistêmico.

Segundo Piaget, o conhecimento nãoestá no sujeito – organismo, tampouco noobjeto – meio, mas é decorrente das con-tínuas interações entre os dois. Para ele,a inteligência é relacionada com a aquisi-ção de conhecimento à medida que suafunção é estruturar as interações sujeito-objeto. Assim, para Piaget, todo pensa-mento se origina na ação, e para se co-nhecer a gênese das operações intelec-tuais é imprescindível a observação daexperiência do sujeito com o objeto.

Uma vez contextualizada a obra dePiaget, torna-se claro que não tem senti-do se referir a um método pedagógicopiagetiano. Piaget não é pedagogo, não épsicólogo, e jamais formulou uma teoriade aprendizagem. Seu objetivo maior é a bus-ca do entendimento de como o conheci-mento é construído, e nesta perspecti-va ele torna-se epistemólogo. A rigor, oque existe são propostas pedagógicasque utilizam as idéias de Piaget como di-retrizes para uma metodologia de traba-lho didático-pedagógica visando ao pro-cesso de ensino-aprendizagem.

Nesse sentido, este artigo apresentade forma restrita, e em alguns momentostextuais, aspectos da obra de Piaget rela-cionados com o conceito de aprendiza-gem e sua diferenciação dos conceitos dedesenvolvimento e conhecimento. Alémde contribuir para a difusão de sua obra

1 A apresentação completadas obras de Piaget foge aoescopo deste artigo. No en-tanto, uma lista de suasobras pode ser encontradano livro Piaget e a Escola deGenebra, da professora LuciBanks Leite, publicado pelaCortez Editora, em 1987.

Introdução

Nascido na Suíça, Jean Piaget (1896-1980) dedicou-se inicialmente aos estudoscientíficos relacionados com a naturezabiológica, pesquisando sobre moluscos.Mais tarde, investigando a relação entreorganismo e o meio, passa a estudar a na-tureza humana. Interessa-se pela inteligên-cia humana que considera tão natural comoqualquer outra estrutura orgânica, emboramais dependente do meio do que qualqueroutra. O motivo está no fato de que a inte-ligência depende do próprio meio para suaconstrução, graças às trocas entre orga-nismo e o meio, que se dão através daação.

Em 1924, publica A linguagem e o pen-samento na criança, quando a questão pri-meira era: para que serve a linguagem? Apartir daí, mostra que o progresso da inte-ligência da criança se dá através da mu-dança de suas características e não, sim-plesmente, pela eliminação de erros. Em1926, publica A representação do mundona criança, quando examina o desenvolvi-mento progressivo do pensamento infantilem suas tentativas de explicar realidadestais como a do sonho ou dos fenômenosnaturais. Neste livro, Piaget descreve ométodo clínico, que viria a ser a basemetodológica da Psicologia Genética, fun-damentada na observação e na entrevistaclínica.

Após inúmeras publicações relatandoa evolução de seus estudos, em 1950,publica Introdução à epistemologia genéti-ca, que em 1970 é publicado na forma deum breve resumo sob o título Epistemolo-gia genética. Nesta obra, após apresentaruma análise de dados psicogenéticos,seguida de uma análise dos antecedentesbiológicos e de um exame dos proble-mas epistemológicos clássicos, formalizasua epistemologia psicológica.

Na busca de uma explicação científi-ca da existência psicológica do homem,Piaget procura estabelecer um nexo lógi-co entre a psicologia e a biologia (Piaget,1973). A partir da procura de traços siste-máticos do pensamento de crianças quecorrespondessem à hierarquia biológica dacélula, organismo e espécie, desenvolveuma metodologia própria de pesquisa. Estametodologia tem uma abordagem qualita-tiva que agrega um conjunto de técnicasde investigação. Estas técnicas reúnemsimultaneamente três modos de trabalho:

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e de suas idéias, o texto apresenta a dis-cussão de resultados da pesquisa em en-sino de ciências, procurando mostrar evi-dências empíricas que possam contribuirpara o avanço teórico na investigação so-bre o processo de ensino-aprendizagem.

A construção do conhecimentoatravés de estádios

Quando interrogamos crianças de dife-rentes idades sobre os principais fenô-menos que as interessam espontaneamen-te, obtemos respostas bem diferentessegundo o nível dos sujeitos interroga-dos. Nos pequenos, encontramos todasas espécies de concepções cuja impor-tância diminui consideravelmente com aidade: as coisas são dotadas de vida ede intencionalidade, são capazes de mo-vimentos próprios, e esses movimentosdestinam-se, ao mesmo tempo, a asse-gurar a harmonia do mundo e servir aohomem. Nos grandes, não encontramosnada mais que representações da ordemda causalidade adulta, salvo alguns tra-ços dos estágios anteriores. Entre osdois, de 8 a 11 anos mais ou menos, en-contramos pelo contrário várias formasde explicações intermediárias entre oanimismo artificialista dos menores e omecanismo dos maiores; é o caso parti-cular de um dinamismo bastante siste-mático, do qual várias manifestaçõeslembram a física de Aristóteles, e que pro-longa a física da criança enquanto pre-para as ligações mais racionais (Piaget,1982, p. 173-174).

Desde o nascimento até a idade adul-ta, o desenvolvimento mental do indivíduoé um processo contínuo de construção deestruturas variáveis, que, ao lado de ca-racterísticas que são constantes e comunsa todas as idades, refletem o seu grau dedesenvolvimento intelectual. Para Piaget(1967), estruturas variáveis são maneirasde organização das atividades mentais,que englobam os aspectos motor ou inte-lectual e afetivo, tanto na dimensão indivi-dual como na social; já as características"invariáveis" são as funções de interesse,explicação, entre outras, que não variamcom o nível mental do indivíduo.

Assim, a cada explicação particularpara um certo interesse, há uma integra-ção com a estrutura existente, que, em umprimeiro momento, é reconstruída e, emseguida, ultrapassada para uma dimensãomais ampla, acarretando o desenvolvimento

mental. Então, a partir da integração desucessivas estruturas, na perspectiva deque cada uma conduz à construção daseguinte, Piaget dividiu esse desenvolvi-mento em grandes estádios ou períodosque obedecem basicamente a três critérios,que são descritos abaixo:

1. A ordem de sucessão é constante,embora as idades médias que as carac-terizam possam variar de um indivíduopara outro, conforme o grau de inteligên-cia, ou de um meio social a outro (Piaget,Inhelder, 1978, p. 131).

Vê-se, pois, que o desenrolar dos es-tádios pode ser acelerado ou retardado,dependendo da experiência do indivíduoe que as idades são relativas às popula-ções estudadas, e o mais importante é quea ordem de sucessão permanece inaltera-da. Isso é comprovado em estudos reali-zados por psicólogos de vários países queconstataram um retardamento de até 4anos em crianças em idade escolar, comoafirma o próprio Piaget (1982).

2. Cada estádio é caracterizado por umaestrutura de conjunto em função da qualse explicam as principais reações parti-culares (Piaget, Inhelder, 1978, p. 131).

Entretanto, esse critério não significaque cada estádio de desenvolvimento sejacaracterizado por um conteúdo fixo depensamento, mas sim, por uma certa ativi-dade potencial que é suscetível de atingiresse ou aquele resultado, dependendo domeio no qual a criança vive (Piaget, 1982).

3. As estruturas de um conjunto sãointegrativas e não se substituem uma àsoutras: cada uma resulta da precedente,integrando-a na qualidade de estruturasubordinada e prepara a seguinte, inte-grando-se a ela mais cedo ou mais tarde(Piaget, Inhelder, 1978, p. 132).

E esse contínuo processo de desen-volvimento se dá através do restabeleci-mento do equilíbrio entre a estrutura pre-cedente e a ação do meio, sendo que es-sas estruturas se sucedem de forma quecada uma assegura um equilíbrio mais es-tável do que o anterior, em direção a umaestrutura mais abrangente.

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ESTÁDIO FAIXA ETÁRIA APROXIMADA

Inteligência sensório-motora Até 2 anos de idade

Inteligência simbólica ou pré-operatória De 2 a 7, 8 anos

Inteligência operatória concreta De 7, 8 anos a 11, 12 anos

Inteligência operatória formal A partir de 12 anos

2 Embora os tradutores usemo termo estágio, a palavra es-tádio é mais apropriada na lín-gua portuguesa.

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Cada estádio se caracteriza pelosurgimento de estruturas originais que di-ferem das estruturas anteriores pela natu-reza de suas coordenações e pela exten-são do campo de aplicação. Essas estru-turas correspondem a características mo-mentâneas que são alteradas pelo desen-volvimento subseqüente, em função danecessidade de uma melhor organização,ou conforme Piaget (1967, p. 14): "cadaestádio (sic.)2 constitui então, pelas estru-turas que o definem, uma forma particularde equilíbrio, efetuando-se uma evoluçãomental no sentido de uma equilibraçãosempre mais completa".

Assim, no estádio sensório-motor oupré-verbal, a criança procura coordenar eintegrar as informações que recebe pelossentidos e, restringindo-se ao real, elaborao conjunto de subestruturas cognitivas ouesquemas de assimilação, que servirão debase para a construção das futuras estru-turas decorrentes do desenvolvimento ul-terior. Segundo Piaget e Inhelder (1978),um esquema é uma estrutura, ou a organi-zação de ações, que é generalizável emcircunstâncias semelhantes, no momentoda ação.

No estádio pré-operatório, surge o quePiaget e Inhelder denominam de funçãosimbólica, que consiste no poder de repre-sentação de objetos ou acontecimentos,tornando possível, por exemplo, a aquisi-ção da linguagem ou de símbolos coleti-vos. A partir daí, há o desenvolvimento deum pensamento simbólico e pré-conceituale, em seguida, do pensamento intuitivo,

que, em progressivas articulações, con-duzem ao limiar das operações. As ope-rações são ações internalizadas, ou seja,uma ação executada em pensamento so-bre objetos simbólicos, seja pela represen-tação de seu possível acontecimento e desua aplicação a objetos reais evocadospor imagens mentais, seja por aplicaçãodireta a sistemas simbólicos.

Já no período das operações concre-tas, as intuições articuladas se transfor-mam em operações – e.g. classificação,ordenamento, correspondência – além dese observar o surgimento das noções detempo, causalidade, conservação, entreoutras. Entretanto, o pensamento aindaconserva seus vínculos com o mundo real,isto é, as operações se prendem às expe-riências concretas, não envolvendo ope-rações de lógica de proposições – ou,como coloca Piaget (1967, p. 64): "... opensamento concreto é a representaçãode uma ação possível..."

Finalmente, na adolescência, éalcançada a independência do real, sur-gindo o período das operações formais.Seu caráter geral é o modo de raciocínio,que não se baseia apenas em objetos ourealidades observáveis, mas também emhipóteses, permitindo, dessa forma, aconstrução de reflexões e teorias. O pen-samento torna-se então hipotético-dedu-tivo e, conforme Piaget (1967, p. 64), ocor-re "a libertação do pensamento", quandoa realidade torna-se secundária diante dapossibilidade. Nesse período, além da ló-gica de proposições, são desenvolvidas,

Os estádios de desenvolvimento des-sas estruturas foram descritos de maneiraresumida e explicativa por Piaget em algu-mas de suas obras (e.g. Piaget, 1983, 1967)e podem ser divididos em quatro períodosprincipais na seguinte seqüência:

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entre outras, operações combinatórias ede correlação.

Uma vez descritas as etapas dessedesenvolvimento, pode-se questionar so-bre quais os fatores que o influenciam, ePiaget responde:

Para mim, existem 4 fatores principais:em primeiro lugar, maturação, uma vezque esse desenvolvimento é uma conti-nuação da embriogênese; segundo, opapel da experiência adquirida no meiofísico sobre as estruturas da inteligência;terceiro, transmissão social num sentidoamplo (transmissão lingüística, educa-ção, etc.); e quarto, um fator que freqüen-temente é negligenciado, mas que, paramim, parece fundamental e mesmo oprincipal fator. Eu denomino esse fatorde equlibração ou, se vocês preferem,auto-regulação (Piaget, 1964, p. 178).

Vê-se que a maturação é uma condi-ção necessária, na perspectiva de ser umacontinuação do processo de formação doindivíduo, mas que não explica todo odesenvolvimento, desempenhando o limi-tado papel de abrir possibilidades paranovas condutas que precisam ser atuali-zadas, o que automaticamente leva à con-sideração de outras condições, das quaisa mais imediata é a experiência.

Quanto à experiência, Piaget estabe-lece dois tipos distintos: a experiência físi-ca, que está relacionada com conteúdosassimilados, consiste em agir sobre osobjetos para abstrair suas propriedades,partindo dos próprios objetos; e a experi-ência lógico-matemática, que revela umaspecto construtivo da própria estrutura,também consiste em agir sobre os obje-tos para abstrair suas propriedades, masnão dos próprios objetos, e sim a partirdas ações do indivíduo sobre esses obje-tos. Assim, a experiência física não é umsimples registro de dados, mas umaestruturação ativa e assimiladora a quadrosmatemáticos internos (Piaget, Inhelder,1978).

A transmissão social – pela linguagem,contatos educacionais ou sociais – é umfator necessário, uma vez que a criançapode receber uma grande quantidade deinformações. Entretanto, não é suficiente,pois ela só assimilará as informações queestiverem de acordo com o conjunto deestruturas relativas ao seu nível de pensa-mento. Um dos principais equívocos daescola tradicional, afirma Piaget (1982), é

imaginar que a criança tenha apenas deincorporar as informações já "digeridas",como se a transmissão não exigisse umaatividade interna de assimilação-acomoda-ção do indivíduo, no sentido de haver umareestruturação e daí uma correta compre-ensão do que foi transmitido.

O quarto fator – a equilibração – consi-derado por Piaget como fundamental, é oque completa e evidencia o caráter não-apriorístico do desenvolvimento das estru-turas mentais do indivíduo. A evoluçãoocorre sempre na direção de um equilíbrio,mas sem um plano preestabelecido, assim"como a marcha para o equilíbrio daentropia em termodinâmica" (Piaget,Inhelder, 1978, p. 134), isto é, como o equi-líbrio depende da ação do sujeito ativosobre os distúrbios externos e, ao mesmotempo, da ação desses sobre aquele. Oque se pode observar é um ponto de equi-líbrio e não o ponto de equilíbrio.

Por outro lado, o processo de equili-bração difere do sentido que a física lhedá, sendo entendido como um "processoativo" de auto-regulação semelhante a umprocesso cibernético, onde há uma

seqüência de compensações ativas dosujeito em resposta às perturbações ex-teriores e de regulagens ao mesmo tem-po retroativas (sistemas de anéis oufeedbacks) e antecipadoras, que consti-tui um sistema permanente de tais com-pensações (Piaget, Inhelder, 1978, p. 134).

Dessa forma, o desenvolvimento se dápor uma constante busca de equilíbrio, quesignifica a adaptação dos esquemas exis-tentes ao mundo exterior.

A adaptação, entendida como proces-so, é um ponto de equilíbrio entre doismecanismos indissociáveis: a assimilaçãoe a acomodação. A assimilação diz respei-to ao processo pelo qual os elementos domeio exterior são internalizados à estrutu-ra, enquanto que a acomodação se refereao processo de mudanças da estrutura, emfunção dessa realização, quando há a di-ferenciação e integração dos esquemas deassimilação. Assim, pode-se dizer que opensamento é adaptado a uma realidade,quando ele consegue, ao mesmo tempo,assimilar às suas estruturas os elementosdessa realidade, acomodando essas estru-turas aos novos elementos que se apresen-tam, ou, nas palavras de Piaget (1982, p.157): "a adaptação é o equilíbrio entre aassimilação da experiência às estruturas

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Resumo esquemático do processo de desenvolvimento intelectual

Assimilação Acomodação

Diferenciação & Integraçãodos esquemas de assimilação

Adaptação = Equilibraçãoquando o pensamento assimila às suas estruturas os elementos da

realidade, acomodando essas estruturas aos novos elementos que seapresentam

Adaptaçãoé o

equilíbrioentre a

assimilaçãoda experiência às estruturas dedutivas

e aacomodação

dessas estruturas aos dados da experiência.

processo pelo qual oselementos do meio exterior são

internalizados à estrutura

processo de mudanças daestrutura

em função da assimilação

dedutivas e a acomodação dessas estru-turas aos dados da experiência". Um resu-mo esquemático desse processo de desen-volvimento descrito acima é apresentadoa seguir.

É importante acrescentar que a linea-ridade deste resumo não reflete de modoalgum o processo de construção do conhe-cimento pelo sujeito epistêmico. A partir darealidade biológica, o sujeito, como umorganismo, procura adaptar-se continua-mente ao mundo, construído e reconstruí-do o conhecimento num processo dialéti-co semelhante a uma espiral crescente,tanto na vertical quanto na horizontal, comoapresentado apresentado no esquema.Nas palavras de Piaget (1973, p. 375):

Sendo assim, é evidente que os diver-sos escalões hierárquicos que conduzemda organização genética, depois embrio-lógica, depois fisiológica ou funcional aocomportamento e às formas elementa-res, hereditárias ou adquiridas, às formassuperiores do conhecimento, não podemser distribuídos em séries lineares sim-ples, mas constituem, de maneira muitogeral, em séries mais ou menos comple-xas de “reconstruções convergentes comexcessos”, e com avanços de variadasamplitudes.

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Observa-se, então, que, para Piaget(1964), o sujeito é um organismo que pos-sui estruturas e que, ao receber os estímu-los do meio, dá uma resposta em funçãodessas estruturas. Ele chega a dizer que"a resposta já existia", no sentido de que oestímulo só será estímulo, se for significa-tivo e será significativo somente se existiruma estrutura que permita sua assimila-ção, uma estrutura que possa integrar es-ses estímulos mas que ao mesmo tempoapresente uma resposta.

Assim, Piaget, procurando entendercomo essa estrutura age sobre o estímulopara fornecer a resposta, baseia sua ex-plicação justamente no processo deequilibração por auto-regulação, que é, emsua opinião, o principal fator do desenvol-vimento intelectual.

Aprendizagem, desenvolvimentoe conhecimento

Piaget se propõe a estudar a gênesedo conhecimento centrado na ação do su-jeito, ou de como se dá o desenvolvimen-to de sua inteligência, essa última enten-dida não como a faculdade de saber, mascomo um conjunto de estruturas mentaismomentaneamente adaptadas – "toda in-teligência é uma adaptação" (Piaget, 1982,p. 162). Em função disso, surge o questio-namento sobre o que é a aprendizagempara a psicologia genética. Essa perguntaé respondida por ele, quando diferenciadesenvolvimento e aprendizagem:

Primeiro, eu gostaria de esclarecer a di-ferença entre dois problemas: o proble-ma do desenvolvimento e o da aprendi-zagem. (...) desenvolvimento é um pro-cesso que diz respeito à totalidade dasestruturas de conhecimento. Aprendiza-gem apresenta o caso oposto. Em geral,a aprendizagem é provocada por situa-ções – provocada por psicólogos expe-rimentais; ou por professores em relaçãoa um tópico específico; ou por uma situ-ação externa. Em geral, é provocada enão espontânea. Além disso, é um pro-cesso limitado – limitado a um problemaúnico ou a uma estrutura única. Assim,eu penso que desenvolvimento explicaaprendizagem, e essa opinião é contrá-ria à opinião amplamente difundida deque o desenvolvimento é uma soma deexperiências discretas de aprendizagem(Piaget, 1964, p. 176).

Dessa forma, Piaget entende que odesenvolvimento é o processo essencialque dá suporte para cada nova experiên-cia de aprendizagem, isto é, cada apren-dizagem ocorre como função do desenvol-vimento total e não como um fator que oexplica. Ele restringe a noção de aprendi-zagem à aquisição de um conhecimentonovo e específico derivado do meio, dife-renciando-a do desenvolvimento da inteli-gência, que corresponderia à totalidadedas estruturas de conhecimento construídas.

No entanto, como, para ele, o sujeitopossui uma estrutura mental, essa visão deaprendizagem difere da idéia associa-cionista, baseada no esquema estímulo-resposta. Para Piaget, o indivíduo assimilao estímulo e, após uma interação ativa, emiteuma resposta, ou seja, o conhecimentoadquirido não é devido a uma ação unilateraldo meio (estímulo) sobre o sujeito passivo,mas sim a uma interação nos dois sentidos:do estímulo sobre o sujeito e ao mesmotempo do sujeito sobre o estímulo. Vê-se,também, que o conceito piagetiano deaprendizagem é diferente da maneira comoo termo é utilizado no quotidiano escolar.

Em sua obra Aprendizagem e conhe-cimento (Piaget, 1974), ele delineia demodo mais claro esses conceitos, classifi-cando e discutindo os diferentes modos deaquisição do conhecimento – percepção,compreensão imediata, aprendizagem nosentido restrito (s. str.), indução, coerênciapré-operatória ou equilibração e dedução– sob o ponto de vista genético. Desses, aaprendizagem no sentido restrito (s. str.) éa única forma de aquisição de conhecimen-to que se constitui forma de aprendizagem.A partir daí, chega aos conceitos de apren-dizagem no sentido restrito (s. str.), apren-dizagem no sentido amplo (s. lat.) edesenvolvimento.

A aprendizagem s. str., que correspon-deria à maneira como a aprendizagem éentendida no senso comum, é definida porPiaget (1974, p. 52) como aquela cujo "re-sultado (conhecimento ou desempenho) éadquirido em função da experiência (...) dotipo físico, do tipo lógico-matemático oudos dois". Entretanto, nem todo resultadoadquirido pela experiência se constituiaprendizagem, pois, como ele diz na se-qüência, é necessário "reservar o termoaprendizagem s. str. a uma aquisição emfunção da experiência, mas se desenvolvendo

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no tempo, quer dizer, mediata e não imedi-ata como a percepção ou a compreensãoinstantânea" (Piaget, 1974, p. 53). Isto é,trata-se de uma aquisição que evolui notempo, no sentido de que o sujeito podechegar a compreender um evento, inferirsua lei de formação através de assimilaçõese acomodações, construindo novos esque-mas, mas que não são generalizáveis aqualquer situação nova.

Já a aprendizagem s. lat. é definidacomo "a união das aprendizagens s. str. edesses processos de equilibração" (Piaget,1974, p. 54). Assim, a aprendizagem s. lat.ocorre quando há uma aquisição de conhe-cimento em função da experiência de for-ma mediata, havendo, ao mesmo tempo, oprocesso de auto-regulação, onde o sujei-to procura ter sucesso na sua ação ou ope-ração. Como, pelo processo de equilibra-ção, o sujeito procura adaptar a sua estru-tura cognitiva à realidade que o cerca – oque, em essência, significa o desenvolvi-mento mental – quando ocorre a aprendi-zagem s. lat., ela tende a se confundir como próprio desenvolvimento.

Essas idéias são resumidas por Piaget(1974, p. 85-86), quando afirma:

Encontramos assim (...) a distinção neces-sária entre a aprendizagem no sentidoamplo e a aprendizagem no sentido res-trito. O que é aprendido s. str. nada maisé do que o conjunto das diferenciaçõesdevidas à acomodação, fonte de novosesquemas em função da diversidade cres-cente dos conteúdos. Em compensação,o que não é aprendido s. str. é o funcio-namento assimilador com suas exigênciasde equilibração entre a assimilação e aacomodação, fonte de coerência gradualdos esquemas e sua organização em for-mas de equilibração nas quais já discer-nimos o esboço das classes com suasinclusões, suas intersecções e seus agru-pamentos como sistemas de conjunto.Mas devido a essas interações entre assi-milação e a acomodação, a aprendizagems. str. e a equilibração constituem esseprocesso funcional de conjunto que po-demos chamar de aprendizagem s.lat. e que tende a se confundir com odesenvolvimento.

Vê-se, pois, que, para Piaget, o con-ceito de aprendizagem é muito maisabrangente do que o significado com queé normalmente utilizado no contexto esco-lar. Ela não se esgota no sentido restrito da

experiência mediata, mas, juntamente como processo de equilibração, assume a di-mensão do próprio desenvolvimento daestrutura cognitiva, que significa o cresci-mento biológico e intelectual do indivíduo.

Concepções do senso comum eevolução conceitual em ciências

A partir da conceituação piagetianasobre a aprendizagem, será feita umaanálise de alguns resultados de umapesquisa em ensino de ciências sobreconcepções do senso comum emtermodinâmica básica (Ferracioli, 1986)visando à busca de possíveis contribuiçõesda Epistemologia Genética para a questãoda aprendizagem, desenvolvimento,conhecimento e evolução conceitual noensino de conceitos científicos.

O estudo desenvolvido enquadra-sena linha de pesquisa da área de ensinode ciências, caracterizada pela investiga-ção sobre como os estudantes explicamo mundo físico que os rodeiam, com en-foque no entendimento desses estudan-tes sobre conceitos científicos (e. g. Mon-tangero et al., 1993; Driver et al., 1994).Estes estudos têm revelado que quandoos estudantes chegam à idade escolar jádesenvolveram seu próprio conhecimen-to o qual, muitas vezes, revela-se bastan-te diferente do conhecimento científicoensinado nas escolas. Essa maneira pró-pria de o aluno entender os conceitos ci-entíficos tem sido denominada de concep-ções do senso comum (Ferracioli, 1986,1994, 1995) e a articulação destas con-cepções constituiria o que é denominadode conhecimento baseado no senso co-mum ou simplesmente senso comum (Fer-racioli, 1994). Dois importantes resultadosdessas investigações são que concepçõessobre determinado conceito científico sãocompartilhadas por um grande número dealunos e que têm se mostrado resistenteà instrução formal. Dessa forma, estes re-sultados constituem a base de dados paraa investigação sobre o processo de ensi-no-aprendizagem que objetive a promo-ção da evolução conceitual pelo aluno, doconhecimento do senso comum para oconhecimento científico (Ferracioli, 1995).

A pesquisa foi desenvolvida com 16alunos do curso de Física e Química, ma-triculados em uma disciplina de FísicaBásica da Universidade Federal do RioGrande do Sul (UFRGS). A instrução foi

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do tipo tradicional com aulas expositivase exercícios, e os alunos foram entrevista-dos antes e depois da instrução. As entre-vistas foram baseadas no procedimentopiagetiano e versaram sobre situações-problema relacionadas com os conceitosde temperatura, calor e energia interna eforam gravadas em fitas cassetes.

Os dados obtidos com a primeira en-trevista foram analisados qualitativamen-te e foi possível o estabelecimento de ca-tegorias que traduzissem concepções dosenso comum dos alunos. Essas concep-ções foram representadas pelas categorias:

Temperatura é a sensação térmica/clima;Temperatura é confundida com quantida-de de calor;Temperatura é a medida de calor dos cor-pos;Temperatura é a medida da agitação dasmoléculas.

Essas categorias traduzem uma cer-ta hierarquização no sentido de que a pri-meira reflete uma concepção primitivabaseada na experiência quotidiana, e aúltima traduz uma visão mais elaboradadentro da evolução do conhecimentocientífico.

O mesmo procedimento foi adotadocom os dados da segunda entrevista, echegou-se a resultados semelhantes, queforam as concepções representadas pe-las categorias:

Temperatura é confundida com calor;Temperatura avalia o calor do corpo;Temperatura é a medida da agitação dasmoléculas.

A semelhança dos resultados dasentrevistas antes e depois da instruçãoevidenciou que, conforme relatado pelaliteratura, as concepções do senso comumse mostraram resistentes a alterações antea instrução recebida, Este fato revela umforte indicativo de que a evolução concei-tual em uma disciplina, ao longo do pro-cesso de ensino-aprendizagem, é um lon-go e progressivo co-processo que vai alémda instrução tradicional.

A partir deste quadro, adotou-se oprocedimento de discutir alguns resulta-dos a que se chegou com a segunda en-trevista, relacionando-os com os obtidosa partir da primeira entrevista.

A discussão podeser iniciada pela reto-mada de um aspectofundamental do pensa-mento piagetiano: o in-divíduo, diante de umarealidade que provocaum desequilíbrio emsua estrutura cognitiva,sempre procura a coerência no sentido deassimilá-la e acomodá-la, na busca de su-cessivas formas de equilíbrio, pelo proces-so de equilibração. Essas formas de equi-líbrio são atingidas somente em caráter pro-visório, não representando um estado de-finitivo e são estabelecidas de acordo como nível de desenvolvimento intelectual doindivíduo.

Assim, pode-se observar, por exemplo,os casos de dois alunos, que inicialmenteapresentaram concepções relacionadascom "Temperatura é a medida de calor doscorpos" e, a partir de suas respostas à se-gunda entrevista, apresentaram concep-ções relacionadas com a "Temperatura éconfundida com calor". Vê-se, pois, que,após a instrução, houve uma certa regres-são em suas concepções, uma vez que,se inicialmente possuíam uma concepçãoclara sobre temperatura, ainda que diferen-te da conceitualização científica, após ainstrução passaram a confundi-la com calor.

Esse fato pode ser um indicativo deque, para esses alunos, a instrução tenhadesempenhado o papel de um elementodesequilibrador de esquemas não-adapta-dos, sem que tenha conseguido levá-los,por meio de seus processos de equilibra-ção, a uma nova forma de equilíbrio. Nes-sa nova forma de equilíbrio, a concepçãode temperatura seria formulada de manei-ra diferenciada de sua concepção de ca-lor e teria atributos próprios. O que houve,talvez, foi o restabelecimento de um equilí-brio que evidencia a tomada de consciên-cia, por parte dos alunos, de suas confu-sões entre esses conceitos. Nesse senti-do, Piaget (1977a) afirma que a passagemdo porquê ou das razões funcionais para ocomo ou do mecanismo efetivo que tornaconsciente os elementos que permaneci-am até aquele momento inconsciente, nãoé um processo que se reduz a uma sim-ples eliminação que os torna perceptíveis,sem com isso modificá-los, mas consistenuma conceituação propriamente dita, ouseja, em uma passagem da assimilaçãoprática ou assimilação do objeto a um

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3 As entrevistas antes e depoisda instrução incluíam umasituação em que o aluno eraquestionado sobre o que po-deria ocorrer com a tempe-ratura de uma quantidade deágua colocada em uma gar-rafa térmica, após esta tersido chacoalhada fortemen-te por um longo período detempo.

4 A entrevista antes da instru-ção incluía a situação em queo aluno era questionado so-bre o que ocorreria com atemperatura do ar no interiorde uma seringa ao se com-primir rapidamente o êmbo-lo. Na entrevista, depois dainstrução, o aluno era questio-nado sobre o que ocorreriacom a temperatura do ar nointerior de uma seringa ao sedescomprimir rapidamente oêmbolo.

5 A Primeira Lei da Termodinâ-mica pode ser expressa demaneira simplificada por dU= dQ - dW, onde U é a ener-gia interna, Q é o calor e W otrabalho, sendo que a letra drepresenta variações infinite-simais das grandezas. A Pri-meira Lei traduz o Princípioda Conservação de Energiana Termodinâmica.

esquema para uma assimilação por meiode conceitos, quando o sujeito construiriaos conceitos de temperatura e calor sepa-radamente.

Análise semelhante talvez possa serfeita para mais três alunos, em relação aoconceito de temperatura, e para outros três,em relação ao entendimento do ato dechacoalhar a garrafa térmica.3

No caso dos três primeiros, se na pri-meira entrevista eles evidenciaram concep-ções bem definidas sobre temperatura re-lacionadas com a medição da agitação dasmoléculas, na segunda, após a instrução,eles foram analisados em separado, pornão apresentarem de forma consistenteatributos que pudessem delinear algumaconcepção do senso comum específica.

Para os três últimos, observa-se umaregressão no entendimento do chacoalhar:se na primeira entrevista eles evidenciaramum entendimento de que o ato de chacoa-lhar a garrafa térmica representava umaação de um agente externo que forneceenergia que causa a modificação da tem-peratura, na segunda entrevista, após ainstrução, eles afirmam que o ato de cha-coalhar é o próprio causador da modifica-ção da temperatura do sistema.

As causas dessas constatações po-dem ser as mais diversas. Para Piaget, osresultados da aprendizagem, seja no sen-tido restrito ou amplo, são função do nívelinicial do desenvolvimento do sujeito, istoé, os resultados estão ligados diretamenteaos esquemas de assimilação já construí-dos. Assim, esse fato ocorrido com essesalunos poderia estar ligado aos seus níveisiniciais de desenvolvimento, evidenciandouma possível ausência de esquemas deassimilação compatíveis com a instrução.Uma outra explicação estaria relacionadacom resultados encontrados por Inhelderet al. (1977), que relatam a regressão ocor-rida em um processo de aprendizagemcom crianças que apresentam uma condu-ta intermediária entre o julgamento de não-conservação e de conservação, em expe-rimentos piagetianos.

Em relação ao fato de o aluno nãoapresentar esquemas de assimilação ade-quados no nível de instrução, há váriosestudos que, utilizando tarefas piagetianas,mostraram que grande parte dos estudan-tes, ao ingressarem na universidade, aindanão atingiu um nível de raciocínio formal ouhipotético-dedutivo previsto por Piaget. Issoquer dizer que o aluno, ao iniciar o curso

universitário, ainda tem a necessidade darealidade observável ou de objetos paraconstruir suas reflexões ou teorias, nãoconseguindo raciocinar em termos de hi-póteses e deduções, tão importantes nasdisciplinas universitárias. Pode-se citar, porexemplo, os estudos de Renner e Lawson(1973), nos Estados Unidos; Braga (1983),no Chile; e Ure (1982), no Brasil.

Outro resultado que se pode discutiré o obtido através das respostas de umaluno em relação à tarefa da seringa.4

Esse aluno, que na primeira entrevista de-monstrou entender que o ato de compri-mir o êmbolo significa o fornecimento deenergia, na segunda, não mostrou enten-dimento da situação contrária, quando oêmbolo era puxado. Isso mostra que o alu-no consegue entender os mecanismos deum caso específico que ele estudou ante-riormente a esta pesquisa, evidenciandotalvez uma aprendizagem s. str., no senti-do de que ele construiu novos esquemasde assimilação com os quais consegue di-ferenciar situações. Entretanto, a instruçãoque ele recebeu durante a realização des-te estudo parece não lhe ter oferecidopossibilidade de agir e combinar os es-quemas existentes de modo a evidenciaruma aprendizagem s. lat. Essa aprendi-zagem teria permitido a sua construçãode um sistema de esquemas com o qualconseguiria ter claro o esboço de classesde fenômenos com suas operações deinclusão e interseção, que permitiriam ageneralização do conteúdo aprendido aqualquer caso específico.

Análise semelhante pode ser feitacom outro aluno que na primeira entrevis-ta, ao ser questionado sobre o conceitode energia interna, relacionou-a com aenergia cinética das moléculas, sem evi-denciar uma concepção propriamente ditasobre aquele conceito. Na entrevista apósa instrução, ele não consegue analisar atarefa da seringa, e na tarefa da garrafatérmica, aplica a Primeira Lei da Termodi-nâmica5 de maneira a evidenciar um cer-to entendimento do conceito de energiainterna. Em seguida, ao ser questionadosobre a relação entre energia interna etemperatura, retoma então a tarefa da se-ringa, conseguindo analisá-la através daPrimeira Lei. Esse resultado talvez tradu-za o fato de a instrução recebida pelo alu-no ter-lhe proporcionado condições parauma aprendizagem s. str., através da qual

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conseguiu construir esquemas de assimi-lação que não só lhe permitiram compre-ender o mecanismo de uma situação es-pecífica – garrafa térmica –, mas que tam-bém lhe abriram a possibilidade para al-guma generalização, possibilitando-o aresolver uma nova situação específica –seringa.

Processo de ensino-aprendizagem, evolução

conceitual e epistemologiagenética

A análise de resultados da pesquisa,na área de ensino de ciências, baseadano referencial piagetiano, procurou mos-trar evidências empíricas de que a Episte-mologia Genética pode estabelecer dire-trizes para a pesquisa do processo deensino-aprendizagem em ciências visan-do à busca de formas de promoção deevolução conceitual pelo aluno em dire-ção ao conhecimento ensinado no con-texto escolar.

Neste contexto, a evolução conceitualé entendida como um possível co-proces-so de reconstrução do conhecimento pelosujeito epistêmico que envolveria a articula-ção de aspectos já discutidos neste texto.

Assim, o primeiro a ser consideradoé o desenvolvimento intelectual do sujei-to, no sentido de este apresentar esque-mas de assimilação adequados no nívelde instrução a ser ministrada ou de seadaptar à instrução no seu nível de desen-volvimento intelectual.

O segundo aspecto é a tomada deconsciência, entendida como processo deconceituação que reconstrói e depois ul-trapassa, no plano da semiotização e darepresentação, o que era adquirido no pla-no dos esquemas de ação (Piaget, 1977b).Assim, a tomada de consciência seria apassagem do porque para o como, análo-ga à transição da física aristotélica para afísica galileana (Baptista, Ferracioli, 1999),quando haveria a passagem da assimila-ção do objeto a um esquema para a assi-milação por meio de conceitos, e o sujeitoconstruiria os conceitos abordados nainstrução.

O próximo aspecto a ser considera-do é a noção piagetiana de aprendizagemligada à aquisição de um conhecimento

novo e específico derivado do meio, alémde ser um processo limitado a um proble-ma único ou a uma estrutura única, dife-renciando do desenvolvimento da inteligên-cia, que corresponderia à totalidade dasestruturas de conhecimento construídas.

Nesse sentido, a instrução deveria nãosó objetivar a promoção da aprendizagems. str. como também da aprendizagem s.lat. A primeira corresponderia a uma aqui-sição em função da experiência, de formamediata, no sentido de que o sujeito podechegar a compreender um evento, inferirsua lei de formação através de assimila-ções e acomodações, construindo novosesquemas, mas que não são generalizáveisa qualquer situação nova. Já a aprendiza-gem s. lat. definida como a união dasaprendizagens s. str. e do processo deequilibração constituiria um processo fun-cional de conjunto, quando haveria umaaquisição de conhecimento em função daexperiência de forma mediata, havendo, aomesmo tempo, o processo de auto-regulação, onde o sujeito procura ter su-cesso na sua ação ou operação. Como,pelo processo de equilibração, o sujeitoprocura adaptar a sua estrutura cognitivaà realidade que o cerca – o que, emessência, significa o desenvolvimentomental –, quando ocorre a aprendizagems. lat., ela tende a se confundir com o pró-prio desenvolvimento o que, em última ins-tância, corresponderia à evolução das es-truturas de conhecimento. Esta evoluçãopoderia significar a reconstrução do conhe-cimento pelo sujeito e que poderia ser en-tendida, no contexto educacional, como aprópria evolução conceitual em uma áreade conhecimento específico.

Assim sendo, a articulação dos aspec-tos piagetianos relacionados com a apren-dizagem, tomada de consciência, desen-volvimento e conhecimento pode significaro estabelecimento de diretrizes básicaspara um programa de pesquisa sobre oprocesso de ensino-aprendizagem cujofoco principal seria a evolução conceitualem ciências.

Considerações finais

Este texto procurou mostrar que atra-vés da pesquisa no campo da Epistemolo-gia Genética, Piaget aprofunda a questãosobre o que é desenvolvimento, como sedá a construção do conhecimento pelo

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sujeito e do significado de aprendizagem,além de mostrar que a articulação destesaspectos pode estabelecer diretrizes paraa investigação do processo de ensino-aprendizagem baseada no referencialpiagetiano. Os resultados dessa investi-gação podem contribuir para a amplia-ção do debate sobre os objetivos do pro-cesso de ensino-aprendizagem, bem comosobre sua fundamentação teórica, parasubsidiar o estabelecimento de diretrizeseducacionais.

Esses aspectos são de interesse deprofessores envolvidos na prática pedagó-gica diária, além de professores que este-jam também envolvidos na sistematizaçãodos resultados dessa prática através dapesquisa educacional e, em particular, dapesquisa em ensino de ciências relaciona-da à investigação sobre evolução concei-tual em ciências entendida como proces-so de reconstrução do conhecimento nocontexto escolar.

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18 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 5-18, jan./abr. 1999.

Recebido em 30 de março de 1999.

Laércio Ferracioli, doutor em Educação em Ciências pelo Instituto de Educação daUniversidade de Londres, é professor adjunto do Departamento de Física da Universi-dade Federal do Espírito Santo (Ufes) e coordenador da área de concentração Ensinode Física, do Programa de Pós-Graduação em Física dessa universidade.

Abstract

Initially, this paper presents an overview approach on Jean Piaget's ideas, followedby a description of issues related to knowledge construction based on stages and relatedfactors. Secondly, a discussion on definition and differentiation among the concepts oflearning, development and knowledge in Piaget's work is presented. Finally, thepresentation and analysis on some research results on science teaching, focusing on theconceptual changing in sciences.

Key-words: genetic epistemology; science education; conceptual change.

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Nicholas Davies

Palavras-chave: financiamentoda educação; orçamento daeducação; aplicação dosrecursos públicos daeducação; controle social dosrecursos públicos.

Tribunal de Contas: faz as contas oufaz-de-conta na avaliação dos gastosgovernamentais com educação?*

Mostra a poucaconfiabilidade dos órgãos estataisno que se refere à aplicação(Secretarias de Educação) efiscalização (Tribunais de Contas)dos recursos vinculados àeducação e aponta elementospara uma avaliação e um controlesocial de tais recursos. Com basena experiência de análise dosorçamentos de várias prefeiturasfluminenses e do governoestadual, foram detectadas falhastécnicas nos pareceres doTribunal de Contas do Estado do

* Trabalho apresentado no Se-minário da Associação Naci-onal de Política e Administra-ção da Educação (Anpae)/Sudeste, realizado na Univer-sidade Metodista de Piracica-ba (Unimep), no período de28 a 31 de outubro de 1998.

ESTUDOS

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Rio de Janeiro, entre agosto de1985 e dezembro de 1996, comoo desconhecimento da Lei nº7.348, que definia as despesasque poderiam ser consideradas demanutenção e desenvolvimentodo ensino. Além disso, osconselheiros do Tribunal sãonomeados segundo critériosexclusivamente políticos, não selevando em conta a suacompetência técnica. Por isso, umdos principais desafios atuais égarantir a aplicação efetiva dosrecursos constitucionalmentevinculados à educação, através domaior controle social sobre osgovernantes e autoridades emgeral.

Introdução

A avaliação e o controle social dos re-cursos públicos para a educação e tam-bém para outros serviços fornecidos peloEstado, como saúde, habitação, etc., de-monstram ser cada vez mais uma ques-tão estratégica, pois a mera vinculaçãoconstitucional de tais recursos, emborauma conquista importante, não tem garan-tido a efetiva destinação deles para a edu-cação. No Estado capitalista e sobretudono Estado capitalista brasileiro, comviolentos traços privatistas, os recursospúblicos são alvo de disputa por empre-

sas privadas e pe-los vários órgãosb u r o c r á t i c o sestatais e, comfreqüência, nãochegam a atenderaos interesses enecess idadesdas maiorias. Sãomuitos os exem-plos de privatiza-ção dos recursospúblicos para a

educação: bolsas de estudo financiadaspelo Poder Estatal na rede privada; o sa-lário-educação (que previa que as empre-sas poderiam comprar vagas em escolasparticulares ou montar as suas próprias,caso não quisessem recolher a contribui-ção social do salário-educação aos cofrespúblicos); o crédito educativo (que, a pre-texto de ajudar alunos carentes, garantecentenas de milhões de reais para as fa-culdades particulares); as isenções fiscaisdas escolas; os empréstimos a fundo per-dido, concedidos pelo Estado a escolasparticulares; etc.

Em síntese, a história tem demonstra-do que o Estado brasileiro é poucoconfiável no que diz respeito à aplicaçãodas verbas públicas para a educação, pre-cisando ser desprivatizado para adquirir,na medida do que é possível, dentro daordem burguesa, um caráter menos pri-vado. Ao contrário do que alardeiam osdefensores do neoliberalismo, o proble-ma atual não está no Estado ou no seutamanho, mas sim no seu caráter, na suanatureza. É preciso torná-lo público. Daí aimportância do tema da avaliação e con-trole social dos recursos públicos para aeducação.

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Órgãos estatais não sãoconfiáveis

Esta avaliação e controle social ad-quirem relevância, porque os órgãos es-tatais responsáveis pela aplicação (Secre-tarias de Educação) e fiscalização (Tribu-nais de Contas) da aplicação das verbasnão demonstram a confiabilidade e a com-petência necessárias. Em estudos sobreos gastos em educação de prefeiturasfluminenses e do governo estadual, foidetectada uma série de problemas, tantonos orçamentos da educação, sua execu-ção orçamentária ao longo do ano, e pres-tação de contas, quanto nos pareceresprévios do Tribunal de Contas do Estado(TCE). Antes de abordar tais problemas,cabe ressaltar a pouca confiabilidade po-lítica do TCE, cujos conselheiros, ex-polí-ticos quase todos, são eleitos pelos de-putados da Assembléia Legislativa segun-do critérios que não parecem abranger acompetência técnica, a idoneidade moralou o compromisso social, conforme de-monstrado na eleição, no final de outubrode 1997, de filho do governador do Esta-do do Rio de Janeiro para o cargo vitalíciode conselheiro do TCE.

Afora este aspecto mais político, oTCE, apesar de abocanhar uma fatia con-siderável (para o número de funcionáriosque tem) do orçamento estadual, não de-monstra a necessária competência técni-ca na apreciação dos gastos em educa-ção das prefeituras e do governo estadu-al. Uma primeira falha técnica grave, de-tectada nos seus pareceres, é o desco-nhecimento e, portanto, o descumprimen-to da Lei Federal nº 7.348, de 1985, que,regulamentando a Emenda Calmon, pro-curou definir, entre outras coisas, o que ée não é Manutenção e Desenvolvimentodo Ensino (MDE), conceito-chave ao qualse vincula o porcentual mínimo. O TCE orautiliza a expressão MDE, mas não o seuconteúdo, ora confunde MDE com a fun-ção 8 (Educação e Cultura), definida pelaLei Federal nº 4.320, de 1964, que norma-tiza a elaboração e execução de orçamen-tos públicos. Ora, o conceito de MDE émuito mais restrito do que a função 8, aqual inclui educação no sentido amplo,cultura, esportes. Tal confusão faz com quecertas despesas sejam incluídas ilegal-mente no total vinculado ao porcentualmínimo, como construção de museus,

teatros, quadras esportivas, promoção deesportes e cultura em geral.

O desconhecimento da legislaçãoeducacional pertinente leva também o TCEa emitir parecer descabido, como o refe-rente às contas de Niterói em 1996, em queo conselheiro considera a despesa comalimentação escolar como parte do porcen-tual mínimo vinculado à MDE. Ora, a Cons-tituição Federal de 1988, em seu Art. 212,parágrafo 4º, é bem clara a este respeito:"Os programas suplementares de alimen-tação e assistência à saúde [...] serão fi-nanciados com recursos provenientes decontribuições sociais e outros recursos or-çamentários". Ora, contribuições sociaisnão são impostos, base de cálculo do por-centual, e outros recursos orçamentáriosnão são os recursos oriundos dos 25% dareceita de impostos. Tal interpretação écorroborada pela Lei de Diretrizes e Basesda Educação Nacional (LDB) de dezem-bro de 1996, que exclui os gastos commerenda do porcentual mínimo vinculadoà MDE.

O TCE também nãocomputa, como parte da re-ceita de impostos, a recei-ta da dívida ativa tributária,nem as multas e juros inci-dentes sobre tal dívida. Ora,tal dívida, por ser constituí-da majoritariamente de im-postos atrasados, devetambém entrar no total so-bre o qual incide o porcen-tual mínimo da educação,mas nem o TCE, nem os governos, inclu-em a receita desta dívida, que, embora nemsempre vultosa, pode alcançar de 5% a10% da receita total de impostos.

Um outro equívoco do TCE, pelo me-nos o do Estado do Rio de Janeiro, temsido computar apenas o total anual de va-lores nominais de impostos, não proceden-do à sua atualização monetária mensal.Este procedimento, embora cômodo paraos técnicos do TCE, acaba resultando numquadro distorcido dos valores reais aplica-dos em MDE, pois, sobretudo numa épo-ca de inflação alta (como aconteceu antesde 1994), as perdas reais mensais da re-ceita representaram de 20% a 30%. Parase ter uma idéia da distorção, a prefeiturade Niterói diz ter aplicado em 1993, combase na soma dos valores nominais, maisde 25% da receita de impostos em MDE,porém a correção mês a mês dos impostos

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arrecadados e das despe-sas contábeis em educaçãoaponta o porcentual de12%. Mesmo numa épocade inflação baixa, como aatual, a mera consideraçãodos valores nominais podesignificar uma diferença de10% a 15% de janeiro paradezembro. Este procedi-mento por parte de gover-nos curiosamente não serepete quando estão emjogo os impostos atrasadosde empresas e cidadãos.Para se proteger da desvalorização da re-ceita de impostos provocada pela inflação,os governos se armaram de indexadoresfiscais mensais e até diários, porém nãoadotaram nem adotam o mesmo procedi-mento quando se tratava e se trata de cal-cular os valores reais devidos em educa-ção. O TCE do Rio de Janeiro não demons-tra em seus pareceres atenção para a im-portância da correção monetária, emboratal correção já estivesse prevista na Lei nº7.348, que mandava os governantes corri-gir monetariamente e aplicar no último tri-mestre do exercício os valores inferiores aoporcentual mínimo não investidos nos pri-meiros nove meses do ano. A LDB de 1996avançou na questão ao diminuir para umtrimestre o prazo de apuração e correçãomonetária dos valores aplicados a menosem MDE, obrigando as autoridades a com-pensarem no trimestre seguinte os valoresnão aplicados no anterior.

Também, nas análises do orçamentodo governo estadual do Rio de Janeiro para1997 e das prefeituras de Niterói, São Gon-çalo e São João de Meriti, foi constatadoque as autoridades não vêm computandoas receitas de convênios de natureza edu-cacional (merenda, transporte escolar, etc.)e do salário-educação como acréscimos aoporcentual mínimo. No caso do governoestadual, a não-inclusão das receitas de con-vênios resultou em mais de R$ 180 milhõesa menos no total vinculado à educação.Também a receita do salário-educação, porser contribuição social, e não imposto,constitui um acréscimo ao porcentualmínimo, mas os responsáveis peloorçamento estadual do Rio de Janeiro para1997 não tiveram essa interpretação,deixando de acrescentar a previsão deR$ 297 milhões de arrecadação ao por-centual mínimo. Por conta disso, a receita

vinculada à previsão para aeducação foi reduzida emR$ 477 milhões em 1997.Também nesta questão o TCEnão demonstra a necessáriacompetência, deixando decomputar como acréscimosao porcentual mínimo asreceitas de convênios e dosalário-educação.

Uma outra falha gravena avaliação feita pelo TCEdos gastos públicos emeducação está no critérioadotado para averiguar a

aplicação do porcentual mínimo. O TCEnão considera os valores efetivamentepagos no exercício ou que, embora nãopagos, foram liquidados e, portanto, serãopagos no ano seguinte, mesmo sendorelativos ao ano anterior. O TCE, pelomenos o do Estado do Rio de Janeiro, vemconsiderando o total de valores empen-hados em educação como o efetivamenteaplicado, gerando um quadro falso, poisnem todo valor empenhado no ano éliquidado, condição para ele, mesmo nãotendo sido pago no exercício, ser pagono ano seguinte. Quando todos os valoresempenhados são liquidados, não háproblema em se considerar os valoresempenhados. Porém, algumas autori-dades, com o objetivo de cumprir apenascontabilmente, no papel, a exigência deaplicação do porcentual mínimo emeducação, vêm empenhando, porém nãoliquidando valores astronômicos noexercício, criando uma imagem falsa (poisbaseada apenas nos empenhos) deaplicação do montante investido. Aprestação de contas do governo estadualdo Rio de Janeiro referente a 1996 é umexemplo desta maquiagem contábil, nãoapontada pelo TCE em sua apreciação.Segundo o resumo da prestação decontas publicado no Diário Oficial doEstado em 3 de junho de 1997, a Secreta-ria Estadual de Educação teria empen-hado R$ 1.407.612.510,00 em 1996mas pago menos da metade destemontante até 31 de dezembro:R$ 664.176.996,00. O restante,R$ 743.435.513,00, é constituído deempenhos não-pagos, que podem incluirtanto empenhos liquidados quanto não-liquidados. O mais provável, no entanto,tendo em vista o que aconteceu com ascontas relativas a 1995 (em que a imensa

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maioria dos empenhos não-pagos até 31de dezembro de 1995 foi cancelada pordecreto do governador), é que os empen-hos não-pagos não tenham sido liqüida-dos no exercício, o que permite que,legalmente, possam ser cancelados noano seguinte. Entretanto, o TCE nãoestabelece essa distinção, computando osvalores de todos os empenhos, tanto osliquidados quanto os não-liquidados,como tendo sido efetivamente destinadosà educação. Em síntese, a aprovação dascontas pelo TCE não é nenhuma garantiade que os recursos tenham sido efetiva-mente aplicados na educação.

Elementos para a avaliação e ocontrole social

Diante da pouca confiabilidade técni-ca e política das autoridades no que dizrespeito à elaboração do orçamento eaplicação dos recursos públicos em edu-cação e do Tribunal de Contas no tocanteà fiscalização, o que fazer? Uma medidade curto prazo, que pode ser adotada por

movimentos sociais e, em particular, pelosprofissionais da educação e seus sindica-tos, é a capacitação técnica para a análisedos orçamentos, balancetes e balançosgerais do Poder Público, que é tambémuma capacitação política, no sentido deque as organizações dos movimentos so-ciais e profissionais da educação poderãoter mais eficácia nas suas reivindicaçõesde mais escolas, melhores condições deensino e melhores salários junto a autori-dades e a órgãos como o Ministério Públi-co, encarregado de velar pelo cumprimen-to da lei.

Entretanto, não basta a capacitaçãotécnica para a análise dos orçamentos,balancetes e balanços gerais, pois é co-mum a maquiagem contábil por parte dosgovernantes. É preciso que movimentossociais e, em particular, os educadores –no caso dos gastos em educação – ado-tem a prática de fiscalização regular dosgastos supostamente efetuados pelas au-toridades, verificando se o registro contábilde obras, serviços e pessoal concretizou-se. É possível, assim, serem detectadossuperfaturamentos em obras e serviçoscontabilmente realizados na educação oudesvios dos recursos para outros fins quenão a educação. Tal fiscalização se mostraimportante porque o Tribunal de Contasgeralmente não faz este trabalho de fisca-lização concreta, limitando-se, quase sem-pre, à documentação contábil.

Um outro meio de avaliação e acom-panhamento (mais do que controle) socialdos gastos em educação consiste em com-parar a evolução dos gastos contábeis emeducação de um mesmo governo ao lon-go de vários anos, para verificar se aumen-tos de despesas contábeis (contábeis por-que não há nenhuma garantia de que te-nham sido realizadas) se refletiram emampliação do: 1) número de matrículas, 2)número e salário dos profissionais da edu-cação, 3) número de unidades escolares,4) aparelhamento das escolas. Por exem-plo, a prefeitura de Niterói aumentou osgastos contábeis em educação em maisde cinco vezes em termos reais de 1990 a1995, mas os salários dos profissionaiscontinuaram tão baixos quanto sempre fo-ram, e o número de matrículas só cresceu10%. Ora, se o aumento de gastos contá-beis não se refletiu em melhorias concre-tas para os educadores, alunos e popula-ção em geral, podemos inferir ter havidosuperfaturamentos, desvios reais (mas não

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contábeis) para outros setores, ou despesasfictícias (o governo empenhou os valores,mas não realizou os gastos correspondentes).

A comparação das receitas e despe-sas em educação entre municípios e Esta-dos possibilita também detectar irregulari-dades na aplicação dos recursos. Porexemplo, segundo dados contidos no Anu-ário Estatístico do Centro de Informação eDados do Estado (Cide), órgão subordina-do à Secretaria Estadual de Planejamentodo Rio de Janeiro, a prefeitura de Niterói,com uma receita total de R$ 133 milhõesem 1995, alegou, no balanço geral, terdespendido mais de R$ 27 milhões emeducação e cultura, mas só atendeu a14.945 alunos no pré-escolar e no 1º grau,o que significou um extraordinário gastohipotético (hipotético porque não há nenhu-ma garantia real de que tenha sido realiza-do) de R$ 1.863,00 por aluno. A prefeiturafluminense de Itaboraí, no entanto, comreceita de R$ 19 milhões (sete vezes me-nos), gastou R$ 6 milhões e 704 mil (qua-tro vezes menos) para atender a mais de20 mil alunos (5 mil a mais do que Niterói),tendo um gasto hipotético por aluno seisvezes menor (R$ 325,00) do que Niterói eremunerando seus profissionais da educa-ção em níveis ligeiramente superiores aosde Niterói. A prefeitura de Duque de Caxias,com receita de R$ 127 milhões (portanto,um pouco inferior à de Niterói), gastoucontabilmente (R$ 28 milhões) pouco maisdo que Niterói, realizando um gasto hipo-tético de R$ 562,00 (3½ menos) para aten-der a mais de 50 mil alunos (número trêsvezes superior ao de Niterói), porém pagamais do que Niterói.

A comparação dos gastos hipotéticospor docente entre municípios e Estadospode levar à identificação de irregularida-des perpetradas pelas autoridades. Nite-rói, por exemplo, apresentou em 1995 omaior gasto hipotético por docente de to-dos os municípios fluminenses, emboraremunere mal seus docentes e tivesse em1994 a quinta menor rede de 1º grau doEstado. Dividindo-se a despesa com edu-cação e cultura (os dados do Cide não dis-criminavam os gastos com educação e osda cultura) pelo número de docentes, che-ga-se ao extraordinário gasto hipotético deR$ 32.125,00 por docente, bem superiorao de muitos outros municípios quegastam hipoteticamente menos pordocente, mas pagam salários melhores.Angra dos Reis, por exemplo, com receita

(R$ 61.968.101,00) e despesa (R$ 15 mi-lhões e 375 mil) menores, paga bem maisaos seus docentes do que Niterói, embo-ra gaste hipoteticamente menos por do-cente (R$ 16.675,00), a metade de Nite-rói. São Gonçalo, com 1.726 docentes (odobro do de Niterói), embora tenha aten-dido a mais de 37 mil alunos em 1995,tem um gasto hipotético 4½ vezes menor,de R$ 7.549,00.

Conclusão

Este texto procurou mostrar a poucaconfiabilidade dos órgãos estatais (Secre-tarias de Educação e Tribunais de Conta)no que se refere à aplicação dos recursosvinculados à educação, e apontar elemen-tos para uma avaliação e controle socialde tais recursos. Entretanto, por mais avan-ços que se consigam realizar nesta avali-ação e controle social, é preciso não seiludir com as possibilidades de o proces-so avançar indefinidamente dentro da or-dem burguesa, cuja lógica maior não ésocial, mas sim privada, ainda que, força-da pela luta de classes, seja levada a fa-zer concessões às necessidades das mai-orias. Assim, a luta por uma avaliação econtrole social dos recursos para a edu-cação – e dos recursos públicos em geral– deve se situar numa estratégia deacúmulo de forças para a ruptura com aordem capitalista. As conquistas parciaisdentro da ordem burguesa, se não inte-gradas num projeto maior de construçãode uma nova ordem, socialista, correm orisco de, numa conjuntura desfavorávelaos trabalhadores, ser retiradas pelas clas-ses dominantes e seus representantes nosgovernos, como a experiência recente temdemonstrado.

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Recebido em 6 de julho de 1999.

Nicholas Davies, doutor em Sociologia pela Universidade de São Paulo (USP), éprofessor de Política Educacional e Economia da Educação na Faculdade de Educaçãoda Universidade Federal Fluminense (UFF).

Abstract

The article shows the limited reliability of State Bodies regarding the expenditure (byEducation Secretariats) and inspection (by Audit Offices) of funds linked to educationand presents a number of elements for a social evaluation and control of such funds.Based on budget analysis experience of various local authorities in the State of Rio deJaneiro and in the State Government, the study found a number of technical failures in thereports produced by the Audit Office of the state of Rio, such as ignorance of Federal Law7.348, which defined those expenses that could be regarded as maintaining and developingeducation between August 1985 and December 1996. In addition, the appointment ofAudit Office councilors follows criteria that are solely political and do not take into accounttheir technical qualifications. For this reason, one of the chief challenges today is toguarantee the actual expenditure of funds constitutionally linked to education, through agreater social control over governors and authorities in general.

Key-words: educational finance; educational budget; use of State educational funds;social control of State funds.

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Gilson R. de M. Pereira

ESTUDOS

Palavras-chave: interesse;valores; profissão docente;campo educacional.

* O autor deseja registrar o seumais sincero agradecimentoà professora Denice BárbaraCatani e ao professor NilsonJosé Machado, da Faculda-de de Educação da Universi-dade de São Paulo (USP),pelas críticas e sugestões,bem como pelo apoio e ori-entação na realização destapesquisa. Eventuais equívo-cos são de inteira responsa-bilidade do autor. Este textoé dedicado a Maria da Con-ceição L. de Andrade. Foipreservada a ortografia origi-nal das citações.

Interesse e desinteresse no magistériooficial paulista (1902-1910)*

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A partir da análise dostextos publicados na Revista deEnsino, publicada pelaAssociação Beneficente doProfessorado Público de SãoPaulo, pretende demonstrar que aalquimia simbólica de se mostrarconvenientementedesinteressado e de proclamar odesinteresse adquiriu, para ocampo educacional, a formaespecífica da ocultação dointeresse em nome de valoressublimes, expressa numa recusa,ora velada, ora explícita, dadimensão econômica da vidasocial. Essa foi uma forma deestratégia adequada aos jogospropriamente simbólicospraticados no Estado de SãoPaulo, durante o processo deconstituição e autonomização docampo educacional.

Introdução

Os textos analisados são artigos, re-senhas, contos, poemas, relatórios e notí-cias gerais publicados na Revista de Ensi-no, editada pela Associação Beneficentedo Professorado Público de São Paulo,durante os anos de 1902 a 1910. A esco-lha desse periódico, com o propósito deapreender uma forma específica de estra-tégia adequada aos jogos simbólicos prati-cados pelos agentes do campo educacio-nal brasileiro no início do século – forma

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específica do desinteresse, manifesta ex-plícita ou veladamente pela recusa do eco-nômico (cf. Bourdieu, 1992, 1994) – deve-se a três razões: em primeiro lugar, por-que sendo uma publicação educacionalespecializada, capaz de refletir, segundoum ponto de vista interno, as diversas po-sições do campo, é uma "instância privile-giada para a compreensão do funciona-mento do campo educacional" (Catani,1994, p. 46); em segundo lugar, porque oestudo incide sobre uma dimensão poucoconhecida da cultura educacional, ou me-lhor, as estratégias de distinção social eprofissional, os esquemas de percepção ede apreciação que os agentes do magis-tério acionam para classificar e ser classifi-cados, para celebrar as figuras e fixar osvultos morais, para eleger e transmitir ospadrões de excelência profissional do ma-gistério, etc. São, pois, "justamente essesaspectos pouco explorados até o momen-to (...) que se apreendem de maneira fartanos periódicos" (Catani, 1994, p. 46); final-mente, a escolha da Revista de Ensinodeve-se, em que pese os altos e baixos,ao sucesso desse periódico, testemunha-do por fontes contemporâneas (cf. Escobar,1933; Oliveira, 1932; Rodrigues, 1930;Silveira, 1929), o que permite supor tantoa qualidade das publicações quanto a suapenetração e representatividade para aépoca. Trata-se do primeiro periódico edu-cacional de efetiva regularidade de SãoPaulo, e, além deste pioneirismo, a suaimportância pode também ser avaliadapelo desempenho dos seus colaboradoresmais assíduos, "professores que, desdeaquele momento, militam intensamentepela melhoria da qualidade de ensino,explicitam seus discursos e articulam suasrecomendações, fazendo-as circular medi-ante as revistas" (Catani, 1994, p. 50). Umaquarta razão pode ser adicionada parajustificar o período coberto pela pesquisa:trata-se de uma época de delimitação dosespaços profissionais, de diferenciação eautonomização do campo educacional, deconstrução da rede de escolas, enfim, umaépoca de fixação das apostas, dos jogos edas regras, da criação de objetos legítimose legitimáveis pelos quais se bater, e daescolha dos valores e da linguagem legíti-mos ao campo (cf. Catani, 1989).

As notas, a seguir, pretendem demonstrarpara o campo educacional brasileiro, emprocesso de autonomização, que a alquimiasimbólica de se mostrar convenientemente

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desinteressado, de proclamar o desinteres-se e encobrir o interesse, adquiriu a formaespecífica da ocultação do interesse emnome de valores sublimes, intangíveis, gra-ves e sacerdotais, geralmente de umamoralidade simultaneamente laica econfessional, forma expressa numa recu-sa, ora velada, ora explícita, da dimensãoeconômica da vida social. O roteiro de ex-posição consiste no seguinte: inicialmen-te, são apresentadas informações sumári-as sobre a Revista de Ensino e a Associa-ção Beneficente do Professorado Público,com o objetivo de permitir ao leitor rápidoacesso ao ciclo de vida do periódico. De-pois, as ambigüidades profissionais domagistério paulista, apreendidas nas ma-térias da Revista em sua primeira fase(1902-1904) e uma tipologia do desinteres-se característico do perfil profissional doprofessorado no período. Após o estudodas ambigüidades identificáveis no ofíciodos professores apreendidas na segundafase da Revista (1905-1910), são analisa-dos o interesse e desinteresse a partir datopografia do campo educacional paulistaà época.

A Associação Beneficente doProfessorado Público de SãoPaulo e a Revista de Ensino

A Revista de Ensino foi publicada noperíodo de 1902 a 1918, durante o qual vi-eram a lume 64 números. De 1902 a 1904,com o apoio oficial, e de 1905 a 1910, àcusta da Associação. Após extinguir-se em1910, a Revista é reeditada de 1911 a 1918,novamente às expensas do Estado. De1902 a 1910, apareceram 37 números daRevista. No relatório apresentado em As-sembléia-Geral, referente ao ano de 1901,assinado por Fernando M. Bonilha Junior,presidente, e datado de 12 de janeiro de

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1902, prestando contas das atividades doprimeiro ano de vida da Associação, es-tão documentados os propósitos da enti-dade e o ânimo que preside à sua funda-ção (Bonilha Junior, 1902, p. 111):

... como sabeis, a um grupo de distinctosprofessores, que de mais perto têmacompanhado as necessidades e inte-resses do professorado do Estado deSão Paulo, se deve a iniciativa da funda-ção da nossa Associação, cujos fins,condensados em nossos Estatutos, sãoum reflexo grandioso e eloquente dosnobilíssimos sentimentos que animaramos seus fundadores.

Por meio do relatório, somos informadosde que a Associação fora criada oficial-mente a 27 de janeiro de 1901, mediantea aprovação dos estatutos, por 34membros fundadores.

Ambigüidades e oscilações(1902-1904)

A ambigüidade a que vimos aludin-do, expressa na aceitação e recusa doeconômico, simultaneidade que é traçocaracterístico da constituição do campoeducacional brasileiro, faz-se presente,desde o início, tanto na Associação, quan-to na Revista.

Os responsáveis pelo periódico iniciamum processo em que se observa o des-locamento constante de focos, num dis-curso que fica marcado pela ambigüida-de. Questões pedagógicas ou questõeseconômicas? Competência técnica ouprobidade moral? Eis alguns pontos en-tre os quais vai oscilar o discurso dosrepresentantes do professorado (Catani,1989, p. 22).

Nesse discurso ambíguo convivem,em permanente tensão: primeiro, em umpólo, a explicitação das necessidades einteresses do professorado, que recebeabordagem a partir de questões voltadaspara defender a causa dos professores epara delimitar os espaços legítimos da atu-ação profissional. Nesse pólo, surgemquestões políticas sobre a neutralidadedos professores, questões relativas à dis-ciplina, à inspetoria, aos vencimentos, as-suntos referentes aos direitos e deveressociais da categoria, à organização darede de escolas, aos serviços de ensino,

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às direções, à abordagem pedagógica detemas pedagógicos, etc.; segundo, e, emoutro pólo, a exteriorização da represen-tação, consoante a qual a defesa dos in-teresses do professorado constitui um "re-flexo grandioso e eloqüente dos nobilíssi-mos sentimentos" dos distintos professo-res, visto que a própria profissão estámarcada pelo signo do altruísmo sacerdo-tal, caracterizado por seriedade, nobrezae elevada importância. Isso predomina nodiscurso sobre o desinteresse do profes-sor, verdadeiro tema transversal que cortaindistintamente os discursos, mas igual-mente presente na abordagem de temastendentes à consagração dos vultos e àfixação das tradições.

Desinteresse e ethos sacerdotal

Esses dois pólos, entre os quais osci-lam os textos publicados na Revista, qua-se nunca aparecem isolados, puros, sen-do mais comum a mescla. É corrente, emassuntos mais próximos do âmbito dosinteresses, ou da especificação dos obje-tos legítimos da profissão, subitamentesurgir, aparentemente sem nenhumpropósito, uma seqüência laudatória doaltruísmo e do desinteresse, como a marcar,pela repetição, a verdade quase transcen-dental do "sagrado dever". Nesse espírito,em artigo sobre os melhores métodos paraa educação da memória, vemos João Pintoe Silva (1902b, p. 410) inserir o trecho aseguir, bastante característico tanto daretórica quanto da auto-imagem doprofessor na época: "E, na sua elevadaprofissão, no seu grandioso sacerdocio,desbravando os maninhos das intelligen-cias, corrigindo-lhes os defeitos, o educadorconsciencioso e recto sorrirá feliz, vendoalvorejar nas intelligencias que lhe foramconfiadas, o rutilo clarão do saber".

A imagem do sacerdócio do profes-sor também aparece em texto de JoãoChrysostomo Junior (1902, p. 171): "cons-cientes do nosso difficilimo e sublimesacerdocio"; em texto de Antonio R. AlvesPereira (1902, p. 645): "punhado deevangelisadores"; em artigo sem autoria("A verdadeira...", 1903, p. 437): "obscu-ros missionarios devotados á causa doprogresso"; em resenha de Carvalho(1904, p. 58): "abnegados levitas do ensi-no publico"; em versos de Pedro de Mello(1904, p. 42): "O templo é a escola; dainstrucção/ Sacerdotiza – a professora/(...)/

Ao novo culto se consagrou", só para citaralguns exemplos, e em artigo de Carlos A.Gomes Cardim (1902, p. 174-175), sob tí-tulo "Deve-se ridicularizar o aluno perantea classe?"; neste, há a idéia de que a esco-la é a continuação do lar, sujeita, como olar, a uma lógica diversa da do grandemundo, do interesse e dos negócios – coi-sas masculinas: "A escola, segundo a con-cepção moderna, é a continuação do lar".As mesmas relações (escola/lar/igreja/mes-tre/sacerdote) aparecem em "Go Ahead",de Alves Pereira. O trecho a seguir, cujasmarcações são do próprio autor, é bastan-te característico tanto do ethos sacerdotalquanto da feminização do magistériopaulista na época:

Sejam, pois, essas duas entidades – uma,o sacerdote, outra, a cathedral, igreja, emcujo altar se faz a celebração que tem porhostia a sciencia, o objeto dos nossoscuidados. Tornemos a escola realmente"um ninho quente e perfumado", onde osnossos filhos, as esperanças de nossapatria vão alegres receber carinhosamen-te os ensinamentos que formarão ocabedal com que mais tarde irão fazer asua felicidade e a prosperidade do nossoquerido torrão (Pereira, 1904, p. 390).

É perceptível, nos artigos publicadosna Revista, uma marca bastante comum,predominante até, nos discursos educacio-nais da época: a prescrição (cf. Nagle,1976). Prescrevia-se e normatizava-se muito,a partir do cenário de valores partilhadospelas figuras mais visíveis do campo, logo,capazes de consertar, muito embora semintenção explícita, um discurso cuja eficáciarepousa na orientação da ação dos leitores,ou seja, dos demais professores, mormenteos não-produtores (cf. Bourdieu, Chartier,1993). Outra marca visível do discurso éa exortação, usada freqüentemente comoestratégia de transferir para o plano espiri-tual (desinteresse) os obstáculos materiais(interesse) enfrentados pelos professores– uma estratégia destinada a eufemizar osaspectos mais negativos da carreira (priva-ções: baixos vencimentos, submissão polí-tica, etc.). Por exemplo, o editorial do n. 3,v. 1, assinado por J. Chrysostomo Jr., exor-ta os jovens professores a não vacilaremante as dificuldades da "nobre missão" ecita palavras de Caetano de Campos, ape-ladoras dos sentimentos mais elevados deabnegação e idealismo, sem dúvidacompensadores das carências materiais

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crônicas da profissão: "Em vez de uma re-gião fertil e cobiçada, aponto-vos o treme-dal hediondo em que chafurdam o vício ea miseria, de mãos dadas com o erro e aignorancia. Em vez de hosannas e rique-zas, apenas vos prometto desillusões e fa-digas" (p. 384-385). Outro texto de forteapelo exortativo é o de Gabriel Ortiz, "Ga-rantias ao professorado II", no qual o autorinsiste no seu tema predileto, a neutralida-de do professorado. Nesse artigo, Ortiz citaexortação de Guizot aos professoresda França. É oportunotranscrever a se-qüência, pois con-tém todos os in-gredientes doethos sacerdo-tal de um dis-curso destina-do ao enobre-cimento deuma profissãoque, na época, erapercebida pelosagentes do própriocampo como de baixa ren-tabilidade econômica e de re-duzidas gratificações simbólicas:

Sua gloria consiste em nada pretender,além de sua obscura e laboriosa condi-ção, de se exhaurir em sacrificios, que nãosão notados senão por aquelles que dellestiram proveito; de trabalhar, emfim, paraos homens, e de não esperar recompen-sa nenhuma (Ortiz, 1902b, p. 929-930).

O tema da neutralidade do professo-rado – que era um móvel de lutas na época– presente nos textos de J. L. Robrigues eGabriel Ortiz antes citados, também foiabordado pelo último em "Garantias ao pro-fessorado" (Ortiz, 1902a, p. 401-404), noqual critica a participação de professoresna política e a instrumentalização da edu-cação por políticos, sobretudo do interior.O que desse artigo aqui importa, por umlado, é a verificação de que se trata simul-taneamente de um texto de delimitação doespaço profissional (a política aos políticos,a educação aos educadores) e um discur-so de reconhecimento implícito da fraque-za da profissão no espaço das carreirasdominantes (professores manipulados,etc.), e, por outro lado, a crítica a professo-res que se submetiam às imposições par-tidárias. O autor condena os professoresque "calculadamente procuram posições

incompatíveis com a dignidade do cargo[de professor]" (Ortiz, 1902a, p. 403). Asrecomendações que o articulista faz aoprofessorado sugerem disposições taiscomo: abnegação, sinceridade e imparciali-dade (mais adequadas, na estruturasocial da época, às carreiras femininas),opostas às disposições adequadas aosjogos propriamente econômicos e políti-cos, como o cálculo e o facciosismo parti-

dário (que constituíam, na épo-ca, o universo masculino das

carreiras dominantes). O sentimento de

dignidade, aliado à per-cepção de que é in-justa a recompensamaterial da "mis-

são", associandonum mesmo tex-to os dois pólosde aceitação erecusa do eco-

nômico anterior-mente referidos,

está presente no edi-torial assinado por Ramon

Roca Dordal (1902, p. 835),quando este, ao criticar os par-

cos vencimentos da carreira, refere-se aosprofessores como os que "rendendo cul-to á dignidade, devem poder ser aponta-dos como um exemplo". O autor põe-secomo o porta-voz da humildade digna doprofessorado: "Não queremos muito, pe-dimos só que se nos concedam os meiosde nos elevarmos e dignificarmos no con-ceito público – bem parca retribuição paraquem dedica á mocidade, á esperança denossa terra, todos os seus cuidados". Umacurta referência à biografia do articulista(Poliantéia..., 1946, p. 114) lança luz so-bre as disposições que estão na basedesse apelo modesto. Como era comumentre os professores da época, RamonRoca Dordal teve trajetória difícil: apren-diz de tipógrafo em Madri, empregadodesenhista na estrada de ferro Macaé-Campos e tipógrafo do Jornal do Commer-cio, chega a professor após diplomar-setardiamente, aos 35 anos. As dificuldadesna vida predispõem-no à modéstia e àhumildade, formas decerto desesperadasde reconciliação com as adversidades.

Trechos que revelam disposiçõesmodestas entre o professorado paulistanão eram incomuns na Revista: "do reces-so de minha obscuridade" (Carvalho,

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1904, p. 58), "sahir da obscuridade em quevivo" (Ortiz, 1902b, p. 928), "meu insignifi-cantissimo concurso" (Escobar, 1905, p.537), ou essa enfiada de adjetivos, devidoa Izidro Denser (1906, p. 776): "minha exis-tencia microscopica, minha atividade in-significante, minha intelligencia mediocre".Ou, ainda, como candidamente diz Ernes-to Lopes da Silva (1905, p. 525): "Não que-remos luxo, não pretendemos fazer figurano mundo elegante, mas precisamos mantera decencia correspondente á nossa posi-ção social". O trecho a seguir, de CarlosEscobar (1905, p. 557), revela simultane-amente o sóbrio realismo dos que avan-çam a custo na vida e as curtas perspectivasdo professorado público, objetivamenteenclausurado em posições da estruturasocial da Primeira República que nãoautorizavam sonhos ambiciosos:

Si o Estado não pode remunerar gene-rosamente os professores publicos, crieao menos asylos para os orphams dosprofessores onde elles possam conquis-tar uma profissão, e dê preferencia ásviuvas para os empregos no telegrapho,no correio e nas secretarias.

As modalidades do desinteresse

O desinteresse aparece explicitamen-te na Revista sob três modalidadesmarcantes. A primeira é, por assim dizer,do tipo científico, no sentido da abnega-ção difundida pelas descrições maishagiográficas da comunidade científica.Assim, em "Lições de historia da civiliza-ção", J. E. Correia de Sá e Benevides(1902, p. 236) defende o estatuto decientificidade da história invocando "leis,segurança dos methodos, certeza dos re-sultados e até o próprio desinteresse".Esse tipo de desinteresse aparece comoum ideal a ser alcançado no tratamentodos temas pedagógicos passíveis de abor-dagem científica.

O segundo tipo indica um desinteres-se geral, uma disposição que está na basedas ações que não esperam pagamento.Na resenha "Um bom livro", João Bellegar-de (1902, p. 87) comenta a sua própriaapreciação positiva do livro resenhado:

Outros [dirão], ser um sermão de encom-menda; não, fazemo-lo de motu proprio,desinteressadamente e, como o grandePadre Vieira, diremos: "Pouco fez, ou

baixamente avalia sua acção, quem cui-da que lh'a podiam pagar os homens".

É interessante observar que o rese-nhista invoca a irredutibilidade econômicade sua resenha, ação que, se paga, é debaixa valia, e ao mesmo tempo o carátervoluntário, livre e gratuito de seu comentá-rio ao livro de um colega, caracterizando-se assim uma prestação social do tipo dadádiva. Esse mesmo tipo de desinteresseaparece também em "Honesto", de JennyMaia (1904, p. 39), narrativa curta sobreuma criança que faz uma ação digna, massem esperança de elogios e presentes.

O terceiro tipo de desinteresse queaparece na Revista, este mais demarcado,sugere o oposto imediato do interesse eco-nômico, ou seja, sugere o desinteresseeconômico puro e simples, manifesto es-pecialmente no desapego ao dinheiro, napiedade e na caridade, valores acumula-dos no cenário axiológico do espaço pro-fissional dos educadores da época e queconfiguravam a taxa de câmbio regulado-ra das trocas entre as privações econômi-cas e políticas e as compensações simbó-licas que advinham da proclamação públi-ca dos sentimentos de alta dignidade. "AMoedinha", de Zalina Rolim (1902, p. 63-64), é um curto poema edificante, exortati-vo do desprendimento econômico e da ca-ridade. Uma criança guarda a sua moedi-nha ("não a dou para ninguém") e, apósfazer planos de como gastá-la com sabe-doria e ainda economizar, muda deplanos ao ver uma men-diga: "Uma velhinha, acoitada!/ Está pedin-do um vintém/ (...) Ah!meus Deus! minhamoedinha/ Que aminha vovó medeu!/ (...)/ Dou-lhe tudo... e comcerteza/ Ela con-tente se vai.../ Eutenho a minha riqueza:/Tenho mamãe e papae".

A caridade também foiobjeto do poema "Premio dacaridade", de Benedicto Otavio(1902, p. 538-540): "Porque é mil vezesbendito/ o moço, a creança, o velho/ Quesegue da esmola o rito/ Da caridade o evan-gelho!" A piedade foi objeto do poema "Osdesamparados", de Francisco F. M. Vianna(1903, p. 263): "Eu tenho muita piedade/

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De ver sosinhas na rua/ Essas creanças deedade/ Inda tão tenra e já nuas". Já "O Ava-ro", de João Pinto e Silva (1902a, p. 287-290), composto a partir das mesmas dis-posições antieconômicas, é um extensopoema condenando a voracidade econô-mica do avarento: "Creso mergulhado emouro, na opulencia", cujo exclusivo propó-sito é "encher-se de milhões, embora ar-raste a vida/ escrava da ambição mais cegae desmedida". O ricaço é pintado com ascores mais sombrias, assustadoras até: lou-co, desvairado, macilento, esquálido, "es-corre-lhe o suor em bagas, muito frio", in-diferente ao próximo, à família e aos des-graçados. Um contraponto a essa infelici-dade na riqueza aparece em "Uma familiafeliz", de Antonio Penna (1902, p. 302-307),narrativa curta sobre a felicidade na pobre-za honrada e desambiciosa, cujo centro éa família de um professor (gênero expres-sivamente minoritário no conjunto domés-tico, composto, além dele, da mulher e deuma filha).

Ambigüidades e oscilações(1905-1910)

A partir de 1905, com o fim das sub-venções oficiais, a Revista passa por mu-danças bastante pronunciadas. É notávela diminuição das colaborações assinadas.Há a preponderância de textos não assi-nados, relatórios, pareceres de juristas, emgeral versando sobre questões legais rela-tivas à redução dos vencimentos e ao fimda vitaliciedade do professorado, trechosde debates no Congresso do Estado, ex-certos de livros, transcrições de matériasde jornais, discursos, conferências, etc. Asseções ficam imprecisas. Aumenta o usode abreviaturas para assinar os artigos. Alinguagem dos editoriais fica mais acerba.No n. 6, v. 4, o editorial "De quem a culpa?"(1906, p. 834) combate a escola comple-mentar – móvel de lutas na época – alegan-do que esta, ao diplomar "cinco levas decandidatos ás cadeiras não providas", ter-mina por "baratear o salário, pelo excessoda producção e fazer concorrencia á esco-la normal". O editorial questiona: "De quevale um diploma, si não ha verba para re-munerar o trabalho dos novos professo-res?" A tirada conclusiva é pesada: "Sómesmo em São Paulo ou na cachola doslegisladores e pedagogos de meia tigela".A ambigüidade na abordagem das questões

econômicas permanece presente, masnessa fase a volta do pêndulo pende parao pólo dos interesses. Referências ao de-sinteresse e ao altruísmo do professora-do, contudo, continuam a aparecer. Porexemplo, quando da substituição de JoãoLourenço por Oscar Thompson na Direto-ria da Instrução Pública, lamenta-se comironia as dificuldades políticas enfrentadaspelo demitido, que o impediram de fazermais pela instrução pública: "o governo,atendendo a tanta competencia e a todosos esforços gastos pelo sr. João Louren-ço por amôr ao ensino paulista, resolveurecompensar-lhe tamanho desinteresse eexcessiva dedicação, exonerando-o docargo" (Inspectoria..., 1908, p. 45).

A carreira continua a ser classificadaa partir de um conjunto de atributos que,embora aparentemente negativos, sãousados para enobrecê-la: "profissão pe-nosa", "embaraços e miserias da profis-são", "espinhosos trabalhos", "melindrosamissão". Como aumenta a quantidade depublicações de discursos em ocasiõessolenes, aumenta também a quantidadede mensagens exortativas, momentos ide-ais para a explicitação do ethos sacerdo-tal da profissão. Por ocasião da formaturada turma de 1904 da Escola Complemen-tar Caetano de Campos, Arnaldo Barreto(1905, p. 654-660) profere discurso emque convoca os jovens professores à de-dicação e ao sacrifício, à resignação e aoentusiasmo, lembrando as dificuldadesque terão de enfrentar "no exercício dosacerdocio" e recomendando aos jovensformandos "amor, caridade, altruismo,para bem vos fortalecerdes no desempe-nho de vossa sacrosanta missão". Outraexortação aparece no discurso de Anto-nio Alves Aranha, quando da formaturados alunos da Escola Complementar deCampinas, no qual o orador fala em sacri-fício, missão, em "profissão de continuaabnegação". O autor descreve a escolacomo "um ninho onde tua paternal solici-tude acalentará os filhotes implumes". Aprofissão, prossegue o orador, é "uma vi-agem longa e cheia de incertezas", cujoguia, necessário para afrontar os "esco-lhos de preconceitos, nevoeiros de obscu-rantismo, gelos de indifferença, calmariasde desalento", só pode ser algo muito no-bre e sublime, "um ideal elevado" (Aranha,1907, p. 11-13).

Elementos do ethos sacerdotal daprofissão continuam a aparecer, como já

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mencionado. Em nota de falecimento, osprofessores são descritos como "os mis-sionarios das mais nobres ideias, prego-eiros da Republica, que levam a luz aorecesso mais sombrio das consciencias,fazendo tambem brilhar o sol nas intelli-gencias em trevas" (Falecimentos..., 1907,p. 34). Em discurso pronunciado na festade inauguração do Grupo Escolar de S.Simão, a professora d. Maria Reis (apre-sentada como discípula de João LourençoRodrigues) refere-se à "ingrata profissãode educadora", e, após conclamaçõesvisando levantar os ânimos, conclui, dizendo:"Viestes, vós, vos postar, como o apostolo,no limiar deste templo, para entregar aoseu abrigo sagrado, os innocentes, osignorantes que irão receber do sacerdotea hostia sancta do saber" (Reis, 1907, p.103-106).

Nessa fase, continuam a se fazer pre-sentes os mesmos alvos de lutas da faseanterior: a escola complementar, os ven-cimentos, a regulamentação da profissão,o livro didático, etc., mas o surpreendenteé que o próprio ethos sacerdotal da pro-fissão, em torno do qual parecia haver umasólida unanimidade, passa, pelo menosem duas ocasiões notáveis pela argumen-tação, a ser questionado. Em uma ocasião,de forma indireta, e, em outra, de modofrontal. Os dois textos a seguir comenta-dos, quando lidos à luz dos esforços fei-tos, na época, em prol da autonomizaçãodo campo educacional, revelam as con-quistas nos âmbitos da delimitação dosespaços de atuação e da construção doperfil profissional do educador. Em "Ensi-nar deve ser uma profissão" (1905, p. 662-665), artigo não assinado, o autor defen-de a especificidade profissional dos pro-fessores, compara-os a outros profissio-nais que, na época, já tinham suas prerro-gativas reconhecidas, como médicos, ad-vogados, farmacêuticos, etc. O articulistacaracteriza o mestre a partir do saber es-pecífico "que o habilite a pôr em practica,mais ou menos conscienciosamente, aarte que lhe ha de dar os meios de subsis-tencia" (p. 664). O interesse desse artigoreside na completa ausência dos elemen-tos do ethos sacerdotal quando da argu-mentação destinada à valorização da pro-fissão, feita não a partir de argumentos queinvoquem valores transcendentes, mas deraciocínios já propriamente profissionais.O autor pergunta: "porque as outras pro-fissões liberaes são mais lucrativas e ainda

se consideram mais honrosas?" A respos-ta, segundo o articulista, é que as outrasprofissões reúnem uma maior quantidadede "homens de talento, dos quaes se temexigido mais illustração (...) [e] elles têmsabido fazer valer os seus serviços profis-sionaes e têm sido, por isso, mais genero-samente remunerados" (p. 664). O segun-do artigo, esse mais polêmico, é intitulado"Onde o estimulo?" (1905, p. 695-696), evem assinado com abreviatura. O autorcomeça, de modo enfático, a criticar a in-vocação amiúde feita pelos professores dosacerdócio por eles praticado:

Pretende-se que o professor primario sejaum sacerdote, abnegado até a miseria,desprendido completamente de todo omovimento progressivo da sociedade,para dedicar-se unica e exclusivamente áeducação da infância. (...) É inconcebivelque haja ainda individuos que assim pen-sem, neste seculo de positivismo, em queo idealismo piegas de remotas éras sópode alimentar a phantasia dos nescios!(Onde…, 1905, p. 695).

Após afirmar que o professor "devealliar a uma solida instrucção profissionalas boas qualidades moraes, taes comofirmeza de caracter, força de vontade, bonssentimentos, etc., requisitos indispensaveispara bem desempenhar a sua nobilissimafuncção social", o autor observa que "sendoelle um ser humano, não pode furtar-se aodominio das leis biologicas e ás multiplasexigencias do meio social; d'ahi a ne-cessidade de estimulo e da remuneraçãocompensadora a esse que tão assignala-dos serviços prestam á sociedade"(Onde..., 1905, p. 695).

A partir dessa argumentação, que cri-tica os apelos ao sacerdócio do professore ao mesmo tempo põe a moralidade daprofissão em termos laicos e as questõesdos vencimentos em bases materiais, oarticulista combate a redução dos venci-mentos e a ausência de regulamentaçãoprofissional da carreira.

Interesse e desinteresse a partirda topografia do campo

É conveniente, no esforço de apreen-der o estado do campo educacional pau-lista à época, com o propósito de lançarluz sobre o habitus dos professores, res-ponder às três questões seguintes, pelo

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menos aproximadamente e nos limitesdestas notas: a) onde os professores eramrecrutados, ou seja, quais as origens so-ciais dos membros do magistério paulis-ta; b) quais as posições que os principaiscolaboradores da Revista ocupavam nocampo educacional e c) qual o envolvi-mento do professorado com os grupos so-cialmente dominantes.

Pode-se afirmar, a partir das biografi-as e das histórias das carreiras dos ele-mentos mais atuantes e visíveis do cam-po educacional paulista na primeira dé-cada deste século, e que, portanto, dei-xaram rastros nos relatos destinados àconsagração dos vultos (cf. São Paulo,s.d.; Melo, 1954; Poliantéia..., 1946), queos membros do professorado eram recru-tados, em geral, nas camadas sociais dos"de baixo" e em famílias mais ou menosbem situadas, embora o provável declíniodestas à época, em termos de capital eco-nômico e social, tenha impedido que osseus herdeiros almejassem ingressar nascarreiras mais vantajosas. Essas eram, porconseguinte, as duas mais importantesvias de ingresso no campo educacional:de baixo para cima, cavando colocação,"furando", abrindo espaço, vencendo navida (imigrantes ou filhos de, caixeiros, ti-pógrafos, órfãos, filhos de pequenos co-merciantes, de professores, gente vindado interior para a capital, gente com pré-via no jornalismo, que às vezes constituíaseu único pecúlio simbólico) ou de poucomais ou menos em cima para baixo, ajus-tando-se a postos talvez incompatíveiscom os sonhos pretéritos da família (her-deiros de famílias numerosas de comen-dadores, conselheiros, juízes, médicos,etc.).

Um forte indício das origens dos inte-grantes do professorado público de SãoPaulo à época dos educadores "à meia-luz" – origens modestas ou, quando detodo não modestas, com muito baixasperspectivas de alçarem os postos domi-nantes – consiste no fato de, com rarasexceções, segundo as informações dispo-níveis, não terem passado pela Faculda-de de Direito de São Paulo, considerandoque esta instituição desempenhava, naPrimeira República, papel central na for-mação do habitus dos membros da oligar-quia paulista (Miceli, 1979, p. 34-35).

É preciso considerar que, se atual-mente o sistema de ensino opera seleçõestanto mais drásticas quanto mais se vai às

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classes desfavorecidas, na Primeira Repú-blica, as chances que possuíam os filhosdos "de baixo" (pequenos proprietários ru-rais, pequenos comerciantes, artesãos,professores primários, assalariados do co-mércio e da indústria, etc.) de ingresso noensino superior eram extremamente redu-zidas. A Escola Normal e a Complemen-tar apareciam, assim, como opções viá-veis, embora não isentas de sacrifícios, deascensão social para esses agentes dis-postos ao trabalho simbólico. Deve-seigualmente considerar que o campo edu-cacional encontrava-se em expansão, de-vido às reformas da última década do sé-culo passado (que imortalizaram os nomesde Caetano de Campos e Gabriel Prestes),e absorvia satisfatoriamente agentes semas qualificações escolares exigidas em ou-tras carreiras dominantes. Ademais, ocampo já possuía as suas próprias instân-cias de qualificação e legitimação – a Es-cola Normal, instância mais tradicional emais valiosa, e a Escola Complementar,recente e menos prestigiosa – cujos diplo-mas correspondiam, para o campo edu-cacional, a mais ou menos uma chancelade nível superior, embora sempre fosse umlance arriscado diplomar-se pela EscolaNormal ou Complementar, pois era um tí-tulo com baixa taxa de conversão na bol-sa de valores das carreiras dominantes(daí o fato de alguns agentes, com maio-res trunfos, também tentarem o bachare-lado em Direito ou Engenharia, as duasúnicas vias de consagração escolar quepodiam, na Primeira República, conduziraos postos dirigentes – cf. Miceli, 1979).Dado que essa taxa de conversão fossedesfavorável aos diplomas do campo edu-cacional, observa-se a tendência dosagentes da instrução pública a acionarestratégias destinadas a rentabilizar aomáximo o montante de capital simbólicodo campo, e de cada agente, em particu-lar, por derivação. Ou seja, ao dotar o cam-po educacional de atributos de alta digni-dade, os agentes se dignificavam, por ta-bela, ao participar desses atributos e, porconseguinte, lutavam por tornar mais ren-dosos os diplomas – normalista ou com-plementarista – que eventualmente podi-am também servir de caução na disputapelos postos nas carreiras dominantes (emexpansão, por força do processo deindustrialização).

No eixo da constituição do campoeducacional referente às posições ocupadas

pelos autores que vimos examinando, asinformações são mais conclusivas: os maisativos colaboradores da Revista e membrosda Associação monopolizavam os melho-res postos da carreira. Eram, por conse-guinte, as figuras mais visíveis e mais re-presentativas do campo educacionalpaulista na década de 1900 a 1910.

É perceptível que o apelo aos ideaisde abnegação e altruísmo – elemento deuma estratégia de ocultação do interesseem nome de valores sublimes – aparecena Revista sob o signo da privação. Invari-avelmente é, pois, sob a marca da carên-cia econômica e política da profissão queo desinteresse é proclamado. O ethos sa-cerdotal dos professores em parte é expli-cado pela trajetória acidentada que os con-duz ao campo – trajetória em geral ponti-lhada de intensos esforços e privações, queos inclinavam a uma espécie de moralidadeascética e à boa vontade cultural peculiaraos pequenos poupadores simbólicos – eem parte pela relação dominada do cam-po educacional no quadro geral das car-reiras dominantes da época. De fato, osprofessores partilhavam com os sacerdo-tes (baixo clero) a vizinhança das opçõesprofissionais possíveis: ambas as carreirasimplicavam a "perda simbólica dos atribu-tos masculinos" de dominação (Miceli,1977, p. 26), e tal perda era percebidacomo privação e representada por meio dejuízos de elevada importância, espécie degratificação simbólica destinada a compen-sar a baixa rentabilidade econômica e po-lítica da profissão.

Considerações finais

O espaço profissional dos professoresocupava, no pólo dominante das estrutu-ras sociais da República Velha, a posiçãolimítrofe entre as carreiras percebidas eclassificadas como masculinas (poder, co-mando, virilidade, negócios – entorno frio)e as percebidas e classificadas como fe-mininas (submissão, carência, lar, ninho,cuidados, carinhos – entorno morno), ladoa lado com a dos sacerdotes, e, com es-tes, os professores partilhavam as disposi-ções que os faziam perceber seus espa-ços profissionais e os jogos simbólicos pra-ticados na etapa de autonomização docampo educacional em São Paulo (lem-brando que talvez tais reflexões sejamgeneralizáveis para todo o País), durante a

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primeira década deste século, como dig-nos e desinteressados, quase sempre deforma ambígua, num discurso que realiza-va um movimento pendular entre o interes-se econômico e o desinteresse simbólico.A vizinhança das posições entre professo-res e sacerdotes induzia os primeiros a lan-çar mão de mecanismos de enobrecimentoprofissional que sugeriam similaridadesentre as duas carreiras (isso lança luz nofato de professores tanto insistirem no sa-cerdócio da docência).

As posições sociais dos colaborado-res da Revista eram, em geral, como jáobservado, ascendentes, de origens "debaixo" (trajetórias acidentadas, trabalhado-res manuais que ascendiam à carreira in-telectual), de famílias de reduzido capitalsocial (queixas de "perseguições odiosas",remoções injustas, etc.), mas também, eocasionalmente, descendentes, professo-res oriundos de famílias decadentes quenão conseguiam alocar seus herdeiros nos

melhores postos nas carreiras dominan-tes e que, por isso, enveredavam por op-ções profissionais mais modestas. Os pro-fessores que colaboravam mais assidua-mente com a Revista e eram membros daAssociação ocupavam ou viriam a ocuparos melhores postos na carreira docente,eram os elementos mais visíveis e, porconseguinte, os agentes dominantes nocampo educacional, capazes da imposi-ção legítima dos arbitrários mais legítimos;ocupavam, no entanto, posições domina-das no campo do poder (desconto de 15%nos vencimentos, perda das "vantagens eregalias" da corporação, manipulação porpolíticos, etc.).

Finalmente, é proveitoso observarque o estudo do estado do campo em SãoPaulo, no início do século XX, decerto lan-ça luz nos estados subseqüentes e nastransformações sucessivas sofridas pelosjogos simbólicos praticados no campoeducacional brasileiro.

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Recebido em 10 de agosto de 1999.

Gilson R. de M. Pereira, doutorando em Educação pela Universidade de São Paulo(USP), é professor assistente da Faculdade de Educação da Universidade Estadual doRio Grande do Norte (URRN).

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AbstractBased on the analysis of some articles published in Revista de Ensino, organ from

the São Paulo Public Teaching Charity Association, this study aims to demonstrate thatthe symbolic alchemy of showing conveniently a detachment and to proclaim disinterestobtained, for the educational area, the specific feature of the hidden interest in name ofthe sublime values, expressed in a refusal either veiled or clear, of the social life economicdimension. It was a strategic way suitable to the properly symbolic games practiced, inSão Paulo State, during the constitution and autonomization process of the educationalarea.

Key-words: interest; value, academician; educational area.

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ESTUDOS

Cláudio Marques MartinsNogueiraLuís Henrique Paiva

Palavras-chave: educaçãoprofissional; focalização; mercadode trabalho; inserção profissional.

Focalização ou eficácia na inserção profissional?Um trade-off na profissionalização de jovens

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Faz um breve exame dedois dos mais importantesmodelos de profissionalização daAmérica Latina: o do Senai, noBrasil, e o do Chile Joven, noChile. Sugerimos como hipóteseque, em ambos os programas,existe um trade-off entre a buscade focalização e a da eficácia nainserção no mercado de trabalho.Dados empíricos provenientes deum programa deprofissionalização independente(realizado em Belo Horizonte efinanciado pelo Unicef) dãosuporte a esta hipótese. Examina,ainda, algumas possibilidades desuperação do dilema e apresenta,de maneira breve, a forma comoo Chile e o Brasil têm lidado coma questão: via criação deprogramas específicos voltadospara clientelas específicas (Chile),ou procurando universalizar aeducação básica e corrigir o fluxoescolar (Brasil).

Introdução

Iniciamos este trabalho com a expo-sição de dilemas enfrentados por "mode-los" distintos de profissionalização de tra-balhadores no Brasil e no Chile. Referimo-nos ao Serviço Nacional de AprendizagemIndustrial (Senai), integrante do chamado"Sistema S", e ao Chile Joven (CHJ), omodelo chileno de profissionalização deadolescentes que teve grande influência

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na América Latina. As dificuldades enfren-tadas por estes "modelos" apontam, nonosso entender, para um dilema fundamen-tal dos programas de profissionalização dejovens trabalhadores: aquele existente en-tre a focalização do programa e sua capa-cidade de inserção do treinando no mer-cado de trabalho.

Além de apresentar o dilema, o artigoanalisa em que medida sua existência é ounão comprovada por dados de um progra-ma de profissionalização independente,que será apresentado adiante.

As dificuldades encontradas peloSenai e pelo Programa Chile Joven

Em 1994, um documento produzidopelo Senai sugeria um dilema, por parteda instituição, entre duas opções possíveis:o aumento das exigências de escolarizaçãoformal – para otimizar os resultados da edu-cação profissional e possibilitar uma me-lhor inserção dos estudantes no mercadode trabalho – ou a abertura da possibilida-de de estudo aos menos escolarizados –atendendo à clientela, sem dúvida, maisnecessitada, mas criando a necessidadedo oferecimento da complementação daescolaridade formal (Serviço Nacional deAprendizagem Industrial, 1994).

O modelo CHJ também sofre uma di-ficuldade que se assemelha, num pontoespecífico, à do Senai. Trata-se de ummodelo que, no Brasil, encontra algumasemelhança apenas com o modelo deprofissionalização desenvolvido pelo Minis-tério do Trabalho e Emprego, com recur-sos do Fundo de Amparo ao Trabalhador(FAT). O Programa não sustenta um siste-ma escolar próprio – como ocorre no casodo "Sistema S" ou da Rede Federal deEducação Tecnológica do Ministério daEducação (MEC): ao contrário, "compra"cursos de qualificação de empresas queoperam no mercado, e as remunera àmedida 1) dos índices de retenção dos alu-nos na fase de formação (chamada de "fasecapacitadora") e 2) dos índices de coloca-ção na fase dos estágios (chamada de "fasede parceria profissional") (Guerrero, 1998).

As empresas de capacitação profissio-nal, desta forma, são pressionadas a man-ter "altos índices de retenção na fasecapacitadora e de colocação na fase deparceria profissional", em função dos quaisvaria sua remuneração.

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O modelo tem duas linhas de seleçãode participantes: a primeira é a da autofo-calização (isto é, a tentativa de torná-lo atra-tivo apenas para a clientela mais necessi-tada). Como o número dos interessadosainda ultrapassa o número de vagas domodelo, uma segunda seleção dos alunosé feita pelas empresas de capacitação.

Num cenário como esse, as exigênci-as de retenção e colocação acabam favo-recendo "aqueles que apresentam relativa-mente melhores níveis de competênciasbásicas, com o que o modelo tende a ex-cluir o núcleo mais duro do desempregoestrutural" (Guerrero, 1998, p. 239).

Tanto no caso do Senai quanto no doCHJ, existe uma preocupação de criaroportunidades para os grupos com menornível de escolarização formal (que são osmais prejudicados diante de um mercadode trabalho competitivo). Em ambos oscasos, esta busca da focalização convivecom a necessidade de eficácia na forma-ção (e de eficácia na inserção profissional),o que implica dificuldades: no caso doSenai, cria a necessidade de complemen-tação da escolaridade formal, sem a qualo aproveitamento da profissionalização éprejudicado; no do CHJ, faz com que aspróprias empresas deixem de lado o "nú-cleo duro" do grupo de trabalhadores de-sempregados – isto é, exatamente os maisnecessitados.

Focalização e inserçãono mercado de trabalho:

dois compromissos

Trazemos à baila, desta forma, emambos os modelos, dois dos temas maisrelevantes quando a questão é educaçãoprofissional: o da focalização (que sugereo investimento dos esforços feitos pelaspolíticas sociais naqueles grupos socialmentemais necessitados) e o da eficácia na inser-ção do aluno no mercado de trabalho.

Analisemos de maneira sumária cadaum desses temas. A preocupação com afocalização surge a partir do diagnósticode certas insuficiências das políticas soci-ais universalistas: primeiramente, a univer-salização "tende a impedir o estabeleci-mento de prioridades no interior da políti-ca social"; segundo, está associada a"graus exagerados de estatismo, burocra-tismo", uma vez que normalmente as polí-ticas tendem a ser executadas inteiramen-te por instituições públicas; finalmente,tende a introduzir "aberrantes distorções,privilegiando o acesso de grupos já privi-legiados da população, em detrimento dosmais necessitados" (Draibe, 1990).

A despeito das muitas e claras asso-ciações da focalização com políticas con-servadoras de redução de gastos nas áre-as sociais, é fato que não apenas essasassociações não são obrigatórias, comovem ganhando espaço e força a tese deque, diante da crise fiscal generalizadaenfrentada pelos Estados contemporâne-os, é fundamental redirecionar os gastospara concentrá-los nos setores de maiorpobreza.

Por seu turno, o tema da eficácia nainserção do aluno no mercado de traba-lho é tanto mais relevante quanto mais seleva em conta que a educação profissio-nal está assentada no valor da emprega-bilidade (Berger Filho, 1997). Com efeito,a função da educação profissional é – pormais redundante que seja a afirmação –"profissionalizar" e qualificar o trabalhadorjovem e adulto, dando a ele condições deingressar no mercado de trabalho damelhor maneira possível.

À medida que se pretenda utilizá-lacomo um instrumento de combate à ex-clusão social, a educação profissional nãopode ser entendida simplesmente comotransmissão de um conhecimento técni-co específico a alunos que ainda não odetêm. Em primeiro lugar, esses alunostêm que ser realmente os mais necessita-dos, os que apresentam as maiores difi-culdades de progresso no sistema esco-lar e de inserção autônoma no mercadode trabalho, para que os recursos tenhamsua melhor alocação. Isso significa dizerque os programas precisam ser bem fo-calizados, precisam selecionar seu públi-co nas camadas socioeconômicas maisdesfavorecidas.

Em segundo lugar, a profissionalizaçãotem que ter um impacto efetivamente po-sitivo sobre a trajetória desses adolescentes

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1 O Banco Interamericano deDesenvolvimento (BID, 1998)sustenta que a educação pro-fissional é útil num cenáriosocioeconômico em queexistem postos de trabalhoque não são ocupados porfalta de pessoal qualificado.Em cenários de estagnaçãoeconômica em que não hácriação de novos postos detrabalho, o oferecimento daeducação básica é mais útil,não apenas porque é maisbarata, como também pelofato de que a educação bási-ca cria competências quesão válidas para o trabalha-dor em contextos diversos epor longo período de tempo.

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no mercado de trabalho, ou seja, o pro-grama tem que ser capaz de propiciar ainserção dos seus beneficiários em posi-ções mais vantajosas do que as que elespotencialmente alcançariam por conta pró-pria (Questões..., 1995). Para que isso re-almente ocorra, é necessário que os cur-sos correspondam às exigências efetivasdo mercado de trabalho. Não se pode ofe-recer uma formação profissional superfi-cial e supor que, com as característicasatuais do mercado de trabalho, os alunosconseguirão uma boa inserção profissio-nal. Ao contrário, os cursos precisam serrelativamente aprofundados para que, defato, criem uma competência profissionalque possa ser reconhecida pelo mercado.

Desta maneira, acreditamos que seapresenta, nos dias de hoje, a dupla exi-gência de compromissos com a focaliza-ção das políticas de educação profissio-nal e com a inserção profissional dosegressos.

Antes de analisarmos em que medi-da tais compromissos podem ser simulta-neamente buscados, é interessante verifi-car que finalidade pode ser atribuída, comconseqüência, à educação profissional.

Sobre as finalidades daeducação profissional

Ainda há pouco mencionamos o fatode que o valor no qual se assenta a ques-tão da educação profissional é o daempregabilidade. Utilizamos o termo noseu sentido mais simples – e, em algumamedida, óbvio – que é o da capacidade deo trabalhador se empregar, diante das con-dições específicas de um mercado de tra-balho determinado.

O conceito, mesmo numa definiçãosimples, pode, implicitamente, estar carre-gado com supostos que valem a pena serapresentados. Um deles é o de que as con-tínuas e aprofundadas mudanças no ce-nário socioeconômico trariam, como con-seqüência, a eliminação de postos de tra-balho de mais baixo nível – cujas tarefas,repetitivas e pouco reflexivas, poderiamfacilmente ser substituídas pela utilizaçãomaciça de tecnologia – e a criação de pos-tos de trabalho que exigiriam alta qualifi-cação profissional. Nesse contexto, a qua-lificação apontaria para uma "promessaintegradora" dos setores excluídos pelonovo modelo econômico.

A questão é claramente controversa.Se levarmos em conta contribuições comoas de Offe (1989) e Rifkin (1996), dentreoutros, poderemos apontar para a previ-são de que os postos de trabalho elimina-dos pela utilização de tecnologia não sur-girão novamente, e de que teremos quecomeçar a pensar em como viver numasociedade em que o trabalho deixa de sero principal eixo estruturador.

Seja como for, um ponto pacífico é ode que a educação profissional não cria,por si só, empregos – a não ser de maneiraindireta, pela contribuição à estabilidadenas relações trabalhistas e a conseqüentecontribuição ao desenvolvimento econômico.1

Desta maneira, a finalidade da educa-ção profissional, que lhe serve de justifica-tiva, não é sua incerta "promessa integra-dora", ou mesmo a capacidade de indu-ção de criação de novos postos de traba-lho. Fundamental, entretanto, é destacarque a educação profissional pode ser umfacilitador no processo de transferência detecnologia e, eventualmente, se oferecidade maneira focalizada, um instrumento deredução das desigualdades de oportunida-des no mercado de trabalho.

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5 A escolha desses intervalosobedeceu, como se poderáperceber, ao princípio da di-visão da amostra em partesde tamanho semelhante.

2 A ONG encarregada de imple-mentar os programas foi aAssociação Municipal de As-sistência Social (Amas).

3 Os dados relativos à primeiraversão do programa foramproduzidos no interior de umtrabalho de avaliação coorde-nado pela professora MariaLígia de Oliveira Barbosa, daUniversidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG). CláudioMarques Martins Nogueirafez parte desse primeiro tra-balho como pesquisador as-sistente. Nogueira coordenouainda o trabalho de avaliaçãoda segunda versão doprograma.

4 A defasagem escolar é calcu-lada pela fórmula D = Id - 6 -E, na qual Id é a idade, 6 éuma constante e E é a esco-laridade do adolescente. Umadolescente de, por exemplo,15 anos, que cursa a 7ª sé-rie, tem defasagem escolarde dois anos (15 - 6 - 7 = 2).Ele deveria estar cursando,desta forma, o 1o ano do en-sino médio. Esses indicado-res não esgotam a idéia de"marginalização", evidente-mente. Como partes de umadefinição operacional, taisindicadores operam um "em-pobrecimento" do conceito –permitindo, como contrapar-tida, sua mensuração. Naverdade, esse "empobreci-mento" é inerente a qualquertransição entre uma definiçãoconceitual e uma definiçãooperacional.

Focalização e inserçãoprofissional: conciliáveis?

Retomemos à questão dos compro-missos com a focalização das políticas deeducação profissional e com o futuroprofissional dos egressos. As experiênci-as do Senai e do CHJ sugerem que taiscompromissos são dificilmente conciliáveis:a partir delas, podemos estruturar a hipótesede que existe um trade-off entre a focaliza-ção e a eficácia da inserção profissionalquando a questão é a educação profissio-nal – ou, em outras palavras, a hipótese deque quanto maior a "marginalização" socio-econômica e, especialmente, escolar dopúblico para o qual o programa estivervoltado, mais difícil será a inserção ade-quada desses alunos no mercado de tra-balho; ou, quanto maior a preocupaçãocom a eficácia da inserção (que se dará,sobretudo, pela seleção de um públicomais "elitizado" – sobretudo do ponto devista escolar – para o programa), menorserá sua focalização.

Esta é a hipótese que pretendemosexaminar neste trabalho, a partir de dadosobtidos na avaliação de dois programas deprofissionalização, que serão brevementeapresentados abaixo.

Origem e utilização dos dados

Utilizamos, para este exame, dadosreferentes a dois programas de profissio-nalização de adolescentes carentes, finan-ciados pelo Unicef e implementados poruma Organização Não-Governamental(ONG) de Belo Horizonte.2

Trata-se, na verdade, de duas versõesde um mesmo programa de profissionali-zação.3 O objetivo central da organizaçãonão-governamental que coordenou o pro-grama era, precisamente, o de influenciarpositivamente na trajetória social e profis-sional dos adolescentes através do ofere-cimento de cursos profissionalizantes dealta qualidade.

Ao todo, foram oferecidos sete cursosnas áreas de mecânica, elétrica, química,biblioteconomia e atendimento de consul-tório dentário. Esses cursos foram minis-trados, diretamente ou por convênio, peloCentro Federal de Educação Tecnológica(Cefet-MG), uma instituição cuja excelên-cia na formação profissional é reco-nhecida pelo mercado de trabalho.

Os cursos tiveram duração média de cin-co meses e carga horária que variava en-tre 210 e 390 horas, incluindo 90 horas deformação complementar, divididas entrematemática, português e cidadania.

Na primeira versão do programa, fo-ram atendidos 153 alunos entre 14 e 17anos, com uma escolaridade que variavaentre a 4ª série do ensino fundamental e o2o ano do ensino médio. Na segunda ver-são, foram atendidos 133 alunos na mes-ma faixa etária e com a escolaridade vari-ando entre a 6ª série do ensino fundamen-tal e o 3o ano do ensino médio. Os alunosforam selecionados entre famílias com ren-da per capita de até 90 reais mensais.

Todos os alunos receberam uma bolsamensal no valor de 100 reais, condicionadaà permanência e à assiduidade na escolaregular e a uma freqüência de, no mínimo,70% nos cursos profissionalizantes.

Definição operacional,tratamento e alcance dos dados

Utilizaremos, dos dados disponíveissobre os dois programas, aqueles referen-tes ao perfil econômico e escolar do pú-blico atendido e ao desempenho (apro-veitamento) dos alunos. Reduzimos, des-sa forma, o conceito mais amplo de"marginalização" a algumas variáveis re-lativas à renda e à escolaridade dos alu-nos, vale dizer: renda per capita da famí-lia, escolaridade e defasagem escolar(distorção série/idade).4

Os dados de aproveitamento foramagregados em duas categorias: numa pri-meira, estão aqueles alunos cujo aprovei-tamento foi considerado "ótimo", "muitobom" ou "bom"; na segunda, os demaisalunos, cujo aproveitamento foi conside-rado apenas "regular" ou "fraco", além dos"desistentes". Os dados de escolaridadetambém foram agregados: os alunos dos1º, 2º e 3º anos do ensino médio apare-cem sob um único valor (ensino médio).A defasagem escolar foi classificada em "bai-xa" (0 e 1 ano de defasagem), "média" (2 e 3anos) e "alta" (4 e 5 anos de defasagem).Por fim, deixamos a renda em três categori-as: na primeira, estão os alunos cuja rendaper capita dos membros da família vai de 0a 28 reais; na segunda, aqueles cuja rendavai de 29 a 47 reais; na terceira, os que têmrenda entre 48 e 90 reais.5

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Não pretendemos, aqui, fazer qual-quer generalização a partir dos dados re-lativos a estes programas. São, obviamen-te, experiências limitadas, e como tal de-vem ser consideradas. O objetivo aqui é ode saber se – e no caso positivo, em quemedida – tais dados dão (ou não) suporteà hipótese anteriormente apresentada.Portanto, a estrutura deste artigo se asse-melha mais ao teste de uma hipótese queà generalização indutiva.

Dedução e exame das hipóteses

O exame da hipótese de que existeum trade-off entre focalização de progra-mas de profissionalização e eficácia nainserção profissional se dará, aqui, pormeio da dedução de uma predição, que éfeito pela junção da hipótese com algu-mas condições iniciais. A predição a serposta a teste é a de que programas maisfocalizados terão pior resultado que pro-gramas menos focalizados – ou, vice-ver-sa, de que programas menos focalizadosterão melhor resultado que programasmais focalizados.

Os dados dos programas de profissio-nalização de adolescentes em Belo Hori-zonte permitem, em parte, este teste. Emparte, porque a avaliação dos programasnão fez um acompanhamento dos egres-sos – e, logo, não apresenta dados diretosda inserção profissional. Entretanto, o"aproveitamento" dos alunos no curso (me-dido através da avaliação feita pelos pro-fessores), do qual a inserção é, suposta-mente, função, foi medido, e pode ser utili-zada como um dado indireto do resultadodo programa.

Feita a ressalva, o que é fundamentalé que, das duas versões do programa, arealizada no ano de 1996 foi mais focali-zada que a realizada no ano de 1997. Emoutras palavras, o fato de ter havido umadiferença nas versões, no que diz respeitoà clientela, possibilita que se teste ahipótese de que programas mais focali-zados terão pior desempenho.

A hipótese parece ser corroboradapelos dados. Os resultados de desempenhoalcançados pelos adolescentes na primeiraversão do programa aqui analisado (1996)foram piores que os alcançados na segundaversão. Na primeira versão, a desistência

atingiu 32% dos adolescentes e apenas34% foram avaliados positivamente pelosprofessores (conceitos "bom", "muito bom"e "ótimo").

A hipótese básica levantada pelosgestores do programa foi a de que o nívelde escolaridade dos alunos não era sufici-ente para um bom aproveitamento nos cur-sos. Na tentativa de reverter esses resulta-dos, decidiu-se elevar, na segunda versãodo programa, o nível mínimo de escolari-dade exigido para a participação, da 4ªpara a 6ª série do ensino fundamental. Essaelevação modificou radicalmente o perfilescolar do público atendido. Na primeiraversão, 53% dos alunos estavam na 4ª ou5ª série. Na segunda, todos possuíam pelomenos a 6ª série.

Essa modificação foi acompanhada deuma melhoria extremamente significativanos dados de desempenho (permanênciae aproveitamento) alcançados pelo progra-ma. O índice de desistência caiu de 32%para 11%. A porcentagem de alunos avali-ados com os conceitos bom, muito bom eótimo subiu de 34% para 68%.

A elevação no nível mínimo de escola-ridade exigido parece ter afetado positiva-mente os resultados do programa atravésde, basicamente, quatro mecanismos com-plementares. Em primeiro lugar, pelo sim-ples fato de que os alunos mais escolari-zados já dominam ou, pelo menos, domi-nam mais do que os menos escolarizadosuma série de conteúdos que facilitam oaprendizado técnico. Um bom aproveita-mento das disciplinas técnicas só é possí-vel com o domínio prévio de certos con-teúdos básicos cuja transmissão cabe àsescolas regulares. A capacidade dos cur-sos profissionalizantes de suprir as insufi-ciências na formação escolar dos alunos ésempre limitada, inclusive, pela falta detempo disponível – como a experiência doSenai, anteriormente assinalada, pareceindicar.

Um processo de escolarização maisprolongado tende, também, a dar aos alu-nos um maior preparo para lidar e ser bem-sucedido ante as expectativas das institui-ções de ensino em geral, inclusive, asprofissionalizantes. A escola socializa osalunos num conjunto de atitudes e com-portamentos que, normalmente, tambémsão valorizados dentro dos cursos deprofissionalização. Isso explicaria o fato deos professores que participaram das duasversões do programa sublinharem o fato

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de os alunos da segunda versão seremmais responsáveis, disciplinados e interes-sados, o que, segundo eles, facilitava aaprendizagem.

Em terceiro lugar, a elevação no nívelmínimo de escolaridade exigido, manten-do-se o limite etário superior de 17 anos,produz uma seleção, não-intencional, dealunos com uma trajetória escolar maisbem-sucedida, que foram menos reprova-dos e que, portanto, atingiram, dentro dolimite etário estabelecido, um grau de es-colaridade superior. A comparação entreos índices de defasagem escolar das duasversões do programa evidenciam esse fato.A porcentagem de alunos com quatro oumais anos de defasagem escolar cai de48,8% na primeira versão para 27,9% nasegunda. Obviamente, alunos que forammais bem-sucedidos na vida escolar têmmaior probabi l idade de repet i remesse desempenho dentro dos cursosprofissionalizantes.

Finalmente, a elevação do nível míni-mo de escolaridade exigido implicou, nocaso deste programa, um aumento não-in-tencional da renda familiar per capita dosparticipantes. Na primeira versão do pro-grama, apenas 24,8% dos selecionadosvinham de famílias com renda per capitasuperior a 47 reais mensais. Na segundaversão, esse porcentual eleva-se para39,5% do total. Essa melhor situação eco-nômica das famílias, naturalmente, tam-bém, contribui positivamente para o de-sempenho dos alunos.

Os dados do 2o programa

Estes "quatro mecanismos" baseiam-se, fundamentalmente, em uma segundahipótese, até aqui não explicitada: a de que

os alunos numa situação econômica e es-colar inferior tenderão a aproveitar menosa formação profissional e, desta forma,conseguir uma pior inserção no mercadode trabalho; alunos em melhor condiçãoeconômica e escolar tenderão a aprovei-tar melhor o curso, e conseguir uma me-lhor inserção no mercado.

Os dados até aqui apresentados, en-tretanto, não possibilitam o teste desta hi-pótese, uma vez que estão sujeitos à falá-cia ecológica. Dizem respeito à versão doprograma, e não aos alunos. Dessa forma,o fato de a primeira versão ter tido um re-sultado ruim não é indicador de que osalunos de nível econômico e escolar maisbaixo tenham tido pior aproveitamento.Podem ter sido eles, exatamente, os quemelhor foram avaliados. Da mesma ma-neira, o fato de a segunda versão do pro-grama ter apresentado melhor resultadonão implica que os alunos em melhor po-sição econômica e escolar tenham tido umaproveitamento melhor.

Essa segunda hipótese, entretanto,pode ser testada através do cruzamentodas variáveis econômicas e escolares e oaproveitamento. Utilizamos, para isso, osdados da segunda versão do programa.

As tabelas apresentadas, a seguir,mostram que a hipótese é corroborada. Ocruzamento de dados revela uma associ-ação positiva entre renda per capita fami-liar e escolaridade, por um lado, e apro-veitamento dos alunos, por outro: quantomaior a renda e a escolaridade, melhor oaproveitamento dos alunos. Por outro lado,a associação entre a defasagem escolare o aproveitamento dos alunos é negati-va: quanto maior a defasagem escolar, me-nor o desempenho.

Escolaridade

Fonte: Relatório de Avaliação do Programa de Profissionalização de Jovens (AMAS).

Aproveitamento

Baixoaproveitamento

Bomaproveitamento

Total – coluna

6 série

2246,8%

2553,2%

a

4736,4%

7 e 8 séries

1624,2%

5075,8%

a a

6651,2%

ensino médio

212,5%

1487,5%

1612,4%

Total – linha

4031,0%

8969,0%

129100%

Tabela 1 – Escolaridade por aproveitamento

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6 Os índices de correlação en-contrados são significativos:o gamma é de .49 para a Ta-bela 1, -.48 para a Tabela 2 e.40 para a Tabela 3. São índi-ces que revelam uma relaçãomoderada, mas significativa(especialmente no contextodas ciências sociais), entre asvariáveis.

O gamma é uma medida deassociação entre variáveis,apropriada para variáveis or-dinais (isto é, aquelas cujosvalores têm duas proprieda-des: diferenciação e ordena-mento, como medidas agre-gadas de escolaridade).Pode variar de -1 a 1: 0 indi-ca inexistência de associa-ção; 1 (positivo ou negativo),associação perfeita. Nas ci-ências sociais são incomunsíndices próximos de 1.

A Tabela 1 indica uma relação diretaentre escolaridade e aproveitamento. Oporcentual dos alunos com "bom aprovei-tamento" aumenta de 53,2% para 87,5%com o aumento de escolaridade da 6a sé-rie para o ensino médio – enquanto oporcentual dos alunos com "baixo apro-veitamento" cai de 46,8% para 12,5%.

Não apenas o nível de escolaridade, masa natureza mais ou menos bem-sucedida da

trajetória escolar parece estar relacionadacom o desempenho na profissionalização.

A Tabela 2 indica a existência de umarelação clara entre defasagem escolar eaproveitamento. Com a diminuição da defa-sagem escolar, diminui o porcentual de alu-nos com "baixo aproveitamento" (de 47,2%para 10,5%) e aumenta o dos alunos combom aproveitamento (de 52,8% para 89,5%).

Finalmente, a Tabela 3 indica a exis-tência de uma relação direta e bastantesignificativa entre renda per capita da fa-mília do aluno e seu aproveitamento. A fai-xa de maior renda per capita possui, tam-bém, o maior porcentual de alunos combom aproveitamento, 82,4%, enquanto ade menor renda possui o maior porcentual

dos alunos com baixo aproveitamento,43,6%.

O aumento do nível de renda do públicoatendido pelo programa, ocasionado, indire-tamente, pela elevação do nível mínimo deescolaridade exigido, contribuiu, assim, cer-tamente, para os resultados mais favoráveisobtidos pela segunda versão do programa.6

Defasagem escolar

Fonte: Relatório de Avaliação do Programa de Profissionalização de Jovens ( AMAS).

Aproveitamento

Baixoaproveitamento

Bomaproveitamento

Total – coluna

De 0 a 1ano

210,5%

1789,5%

1914,7%

De 2 a 3anos

2128,4%

5371,6%

7457,4%

De 4 a 5anos

1747,2%

1952,8%

3627,9%

Total –linha

4030,5%

8969,5%

129100%

Tabela 2 – Defasagem escolar por aproveitamento

Renda familiar (reais)per capita

Fonte: Relatório de Avaliação do Programa de Profissionalização de Jovens ( AMAS).

Aproveitamento

Baixoaproveitamento

Bomaproveitamento

Total – coluna

De 0 a 28

1743,6%

2256,4%

3930,2%

De 29 a 47

1435,9%

2564,1%

3930,2%

De 48 a 90

917,6%

4282,4%

5139,5%

Total – linha

4031,0%

8969,0%

129100%

Tabela 3 – Renda por aproveitamentoper capita

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7 Improvável, à medida que asunidades responsáveis pelaprofissionalização (como asdo Senai, por exemplo) nãosão, em geral, escolas for-mais do ensino regular e, pormais que possam se esforçarem construir competênciasmais básicas e elementaresjunto aos seus alunos, nãopoderiam fornecer diplomasde conclusão dos níveis des-se ensino.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 42-52, jan./abr. 1999.

Dilemas e mudanças daeducação profissional: à guisa de

conclusão

Os dados disponíveis parecem, des-sa forma, corroborar a hipótese de que osmais "marginalizados" tendem a ter pioraproveitamento. Esta corroboração impõeo seguinte dilema para os cursos como oaqui estudado: se se quer um melhor apro-veitamento por parte dos alunos, por umlado, deve-se exigir maior escolaridade erenda e menor defasagem – exigência queafasta o curso do princípio de focalização;se se quer atender aos mais "marginaliza-dos", por outro, ter-se-á um aproveitamen-to menor – e, paradoxalmente, uma açãomenos eficaz de inclusão.

Do ponto de vista do objetivo de ofe-recer uma boa formação profissional, nãoparece haver dúvidas, portanto, da perti-nência de se elevar o nível mínimo de es-colaridade exigido para a participação. Oatendimento de um público mais escola-rizado não apenas permite a oferta de cur-sos mais aprofundados, que sejam, defato, reconhecidos pelo mercado de tra-balho, como faz aumentar a probabilida-de de um bom desempenho por parte dosalunos.

Do ponto de vista do objetivo de utili-zação da profissionalização como um ins-trumento de combate à marginalizaçãosocial, no entanto, a elevação do nível mí-nimo de escolaridade exigido para a par-ticipação nos programas é bastante pro-blemática. Essa elevação pode implicaruma desfocalização do programa. Indire-tamente, tendem a ser excluídos aquelesadolescentes com uma trajetória escolarmais conturbada, marcada pelo fracassoe pela repetência, e que, portanto, aindanão atingiram, na idade estabelecida peloprograma, o nível de escolaridade exigi-do. Seriam, justamente, esses alunos que,em princípio, mais precisariam ser aten-didos por um programa de combate à ex-clusão social – o "núcleo duro" de que nosfala Guerrero ao relatar a experiência doCHJ.

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A pretexto de conclusão, seria inte-ressante examinar algumas das possíveissoluções para o dilema aqui apontado –inclusive as que são sugeridas pelas polí-ticas brasileiras e chilenas.

Uma alternativa para a superaçãodesse dilema poderia ser a oferta de cur-sos mais longos, que fossem capazes desuprir, dentro dos próprios programas,as deficiências escolares do públicoatendido. Poder-se-ia, como cogitou opróprio Senai, suprir, na própria educa-ção profissional, as deficiências do ensinobásico. Os conteúdos do ensino normal,necessários para um bom acompanha-mento da formação profissional, poderiamser revistos ou mesmo integralmente en-sinados. Poder-se-ia, também, aprimoraro acompanhamento psicossocial dos alu-nos e ampliar as atividades chamadas deformação humana ou para a cidadania.As possíveis dificuldades de aprendizadoseriam assim, diretamente, enfrentadas.

Essa iniciativa teria como objetivobásico permitir que alunos com uma tra-jetória social e escolar bastante desfa-vorável conseguissem sucesso dentro daprofissionalização. Chegaríamos, então,à conciliação entre os objetivos da foca-lização no público mais excluído e daoferta de uma formação de qualidade.

Essa alternativa, no entanto, enfrentadois problemas. Em primeiro lugar, seucusto. Um atendimento intensivo dos alu-nos, abrangendo, simultaneamente, asdimensões psicossocial, escolar eprofissional, elevaria e muito o custo poraluno do programa. Essa elevação dimi-nui, por sua vez, as possibilidades deexpansão do atendimento para umnúmero maior de adolescentes.

Em segundo lugar, é necessário re-conhecer que mesmo que os adolescen-tes menos escolarizados consigam umbom desempenho dentro dos programasde profissionalização, através de umatendimento intensivo, isso não signifi-cará que eles terão as mesmas condi-ções de competição no mercado detrabalho que os adolescentes maisescolarizados. O título escolar, em simesmo, independente das competênci-as a que possa estar ou não associado,é uma credencial cujo valor é reconheci-do pelo mercado de trabalho – e a faltadessa credencial pode limitar as possi-bilidades do aluno. A solução possível,mas improvável, é a de que os progra-mas de profissionalização dêem umdiploma de ensino regular (de conclusãodo ensino fundamental ou médio).7

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O nível de escolarização do públicoa ser atendido permanece, portanto, sem-pre, como um limitador do alcance soci-al dos programas de profissionalização deadolescentes. Como foi visto, em primei-ro lugar, a baixa escolaridade diminui aspossibilidades de permanência e o bomaproveitamento dos adolescentes nos cur-sos. Mesmo que esses problemas sejamsuperados por um atendimento global eintensivo ao aluno, novas dificuldades sur-girão no momento da inserção profissio-nal. Os alunos menos escolarizados, pormais bem-sucedida que tenha sido suaformação profissional, enfrentarão maio-res obstáculos no mercado de trabalho.

A opção chilena foi criar programasespecíficos para clientelas específicas. Aotodo, o CHJ conta hoje com quatro mode-los: o modelo básico tem 200h de capaci-tação e 2 ou 3 meses de prática profissio-nal, e está voltado para a formação do tra-balhador assalariado; o modelo dirigido aotrabalhador independente, com capacita-ção de até 350h, apoio à construção deum projeto e apoio ao desenvolvimento doprojeto (inclusive empréstimos); o mode-lo para populações de alto risco, com

capacitação, que envolve formação gerale remediadora da marginalidade, chegan-do a 420 horas; por fim, foi criado um mo-delo recente, de aprendizagem em alternân-cia, influenciado pelo sistema dual alemão.Será preciso um estudo mais aprofunda-do para saber em que medida essa diver-sificação resolve, de fato, o problemaapresentado.

Por fim, os esforços brasileiros pare-cem mais voltados à universalização doensino fundamental e médio e à correçãodas trajetórias escolares, profundamenteafetadas pelas altas taxas de repetência eevasão. A ênfase está sendo dada, portan-to, na educação regular – inclusive no quea legislação tem de específico sobre o en-sino técnico: desde a publicação da Lei nº9.394/96, a educação técnica é vista como"complementar" em relação à educaçãoregular, e não como substituta.

No longo prazo, isto poderá eliminaraqueles bolsões de baixíssima escolarida-de e difícil profissionalização. No médioprazo, entretanto, alguma alternativa teráque ser criada para o "núcleo duro" dosdesempregados estruturais, que não sebeneficiarão das atuais iniciativas.

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Recebido em 18 de agosto de 1999.

Cláudio Marques Martins Nogueira, mestre em Sociologia pela Universidade Federalde Minas Gerais (UFMG), é professor de Sociologia da Educação na Faculdade deEducação dessa universidade.

Luís Henrique Paiva, mestre em Sociologia pela Universidade Estadual de Campinas(Unicamp), é doutorando em Sociologia e Política pela Universidade Federal de MinasGerais (UFMG) e especialista em políticas públicas e gestão governamental do Ministériodo Trabalho e Emprego (MTE).

Abstract

This paper makes a brief exam of two of the most important Latin American models ofvocational training: Senai, in Brazil, and Chile Joven, in Chile. By investigating this models,we suggest there is a trade-off between the program focus and the efficacy in labormarket insertion. The use of empirical data from an independent training program givessupport to this hypothesis. The article also examines some possibilities that can be usedto overcome this trade-off, and it also presents the way Chile and Brazil are dealing withthe matter: via the creation of specific programs directed to specific clients (Chile); orthrough the generalization of basic education and correction of the scholastic flow.

Key-words: vocational training; focus; professional insertion.

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Marcelo Costa Ferreira

Seleção social e o ensino superiordas desigualdades: os determinantesda aprovação no vestibular da UFRJ – 1993*

ESTUDOS

Palavras-chave: desigualdadessociais; ensino superior; socio-logia da educação.

* Diversas pessoas viabil i -zaram a execução destapesquisa, às quais manifestoos meus agradecimentos. Assugestões do pareceristaanônimo também foramincorporadas ao texto, aoqual manifesto a minha grati-dão. Entretanto, eles estãoisentos de quaisquer limita-ções ou equívocos que oestudo possa apresentar. Oargumento apresentado nestetexto é de minha autoria e deminha inteira responsabilidade,e a análise de dados efe-tuados neste estudo nãorepresenta nenhum parecerinstitucional da UFRJ.

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A imagem dasuniversidades públicas brasileirasainda é descrita pelo adjetivo"elitista" por muitos formadores deopinião. Porém, a análise dosmodelos de regressão múltiplalogística, efetuada em dados dapesquisa sociocultural dosvestibulandos da UFRJ em 1993,revela fracos coeficientes emalgumas variáveis independentesde origem socioeconômica e deconsumo cultural. A análise dosdados não corrobora a idéia deuma seleção social "elitista" nareferida instituição, quandocontrolamos a modelagemestatística analisada pelacompetitividade (relaçãocandidato/vaga) dos cursos.Conclui-se que os porcentuais dascaracterísticas socioeconômicas eculturais dos aprovados dovestibular mostram um corpodiscente com um perfil de classemédia, e não de elevada origemsocial.

Introdução

A questão da gratuidade dos cursossuperiores nas universidades públicas bra-sileiras é um dos argumentos mais usadosnos debates sobre as universidades brasi-leiras na grande imprensa e nos meios uni-versitários. Especificamente, argumenta-seque o fato de não se cobrar mensalidades

dos alunos das universidades públicasconsistiria num flagrante privilégio paraas classes altas brasileiras, já que elaspoderiam contribuir com os custos doensino superior, enquanto os setoressociais mais desfavorecidos em termossocioeconômicos e com baixas possibi-lidades de aprovação no vestibular dasuniversidades públicas acabam porautofinanciar a sua formação superior eminstituições privadas.1 A universidadepública brasileira é descrita como elitista,como se a seleção social dos estudantesno sistema de ensino superior público noBrasil fosse a mesma de uma universidadeda Ivy League nos Estados Unidos, talqual descreve Galbraith (1985, p. 26):

Aqueles que, na ocasião [início deste sé-culo], eram responsáveis pela admissãoem Princeton, favoreciam o que era cha-mado de "tipo Princeton". Até o ponto emque seria possível [definir que] ( ... ) o"tipo Princeton" era como um ex-aluno dePrinceton: rico, branco, anglo-saxão e emgeral protestante; originário de escola se-cundária razoável, de família importantee de bairro grã-fino, quase sempre daaristocracia de Filadélfia, e extremamen-te cuidadoso com a higiene pessoal.

O Brasil, até 1968, partilhava de umsistema de ensino superior baseado emdiretrizes francesas. Na França, as elitesdirigentes são formadas nas GrandesÉcoles – Politécnica, Escola NormalSuperior, Escola de Ciências Políticas ea Escola Nacional de Administração. Esteprocesso seria tão estático que Bourdieu(1989) denominou a formação daquelaselites como a gênese de uma nobreza doEstado. No Brasil, as escolas profissio-nais de Direito, Medicina e Engenhariadetinham o monopólio da formação daselites até a década de 1930.

Esse panorama foi alterado com acriação da Universidade de São Paulo(USP), em 1935, e da Universidade doBrasil (UB), em 1939. Essas universida-des tinham como objetivo ampliar o le-que de possibilidades de formação su-perior no Brasil, devendo ser um padrãode excelência e modelo para outros es-tabelecimentos de nível superior. A UB étransformada em Universidade Federaldo Rio de Janeiro (UFRJ) em 1966, apartir da reforma do ensino superior rea-lizada na época do governo militar.

1 Entrevista de José ArthurGiannotti a Elio Gaspari. Se-gundo Giannotti, "estamostodos de acordo que as ca-madas mais ricas da socie-dade brasileira estudam degraça nas universidades pú-blicas, com o dinheiro de to-dos os contribuintes. Bastaprocurar estudantes negrosnuma grande universidadepública para se perceber queesse sistema é injusto. Nos-sa educação é de um elitismobrutal. Eu defendo o paga-mento de qualquer taxa." (OGlobo, 13 de dezembro de1998).

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2 Instituição privada, mas querecebe verbas públicas e quetem uma elevada seletividadesocial, além de fornecerquadros para as grandescorporações empresariaispaulistas.

Abandonando o padrão francês vigen-te na antiga UB, a UFRJ é instituída na re-forma universitária de 1968 e passa a ado-tar o esquema norte-americano acadêmi-co, com a substituição das cátedras pelosdepartamentos. Mesmo desenvol-vendo instituições de reconhecidacapacidade, como a Coordenaçãode Programas de Pós-Graduaçãoem Engenharia (Coppe) e o Institutode Pesquisa e Pós-Graduação emAdministração (Coppead), a UFRJapresentou diversos problemas duran-te o período de 1980-1990. Entre es-ses anos, a forte politização dos cor-pos docente e discente, a enorme re-sistência de muitas unidades acadê-micas à transferência para a cidade uni-versitária e, mais recentemente, problemasfinanceiros decorrentes da redução de ver-bas governamentais para o ensino superi-or público.

Enquanto a França, os Estados Unidose a Inglaterra preservaram as suas univer-sidades de elite do processo de massifica-ção do ensino superior (Barros, 1977), apolítica educacional promovida durante oregime militar permitiu não só uma amplaexpansão das faculdades privadas, comodesencadeou um enorme crescimento dasvagas nas instituições oficiais (ver Sam-paio, 1991, p. 16). Com exceção doInstituto Rio Branco, do Ministériodas Relações Exteriores, do Ins-tituto Tecnológico da Aeronáu-tica (ITA) e da Escola de Ad-ministração de Empresasde São Paulo (Easp)2 daFundação Getúlio Vargas,todas as universidadespúblicas de primeira linha– como a USP e a UFRJ,por exemplo – ampliaramde forma considerável asvagas para novos estudan-tes, em comparação com adécada de 1960. Entretanto, aimagem das universidades pú-blicas brasileiras ainda éconsiderada, pela gran-de imprensa, como eli-tista (Estudante...,1994).

Ensinos superiorestípicos de seleção de eli-tes são presentes na Inglaterra,nos Estados Unidos e na França –principalmente no início deste século.

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3 As tabelas e o diagrama dopresente estudo foram elabo-rados pelo autor a partir dosdados coletados.

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A formação das classes dirigentes dessespaíses (Barros, 1977) é estruturada numreduzido conjunto de instituições de ele-vado padrão social, calcado numa largabase de escolas superiores de menor se-letividade social. Na Inglaterra, as rock bri-ck universities, Cambridge e Oxford, tive-ram um papel de socialização e formaçãoda identidade da elite. As chamadas TopUniversities dos Estados Unidos – Harvard,Yale, Princeton, Columbia, Stanford, Chi-cago, Michigan, Berkeley, entre outras –não só formam a elite dirigente do paíscomo concentram a maior parte das ati-vidades de pesquisa. São instituiçõesprivadas, de elevado custo financeiro, emarcadas por uma forte seletividade norecrutamento dos seus estudantes. Já aFrança forma os seus dirigentes nas gran-des escolas: a Politécnica, a NormalSuperior e a Nacional de Administração,cujo ensino é gratuito. Excluindo o casofrancês, praticamente todas as universida-des de elite na Inglaterra e nos EstadosUnidos são pagas.

Esse debate sobre a questão da gra-tuidade ou não do ensino superior é mui-to relevante, pois está associada a umapreocupação com a questão da demo-cratização do ensino superior público.Então, a idéia que desenvolvo neste arti-go é a de que a universidade pública bra-sileira não é tão rigorosa na seleção so-cial dos seus estudantes quanto as gran-des universidades de elite em paísescomo a França, a Inglaterra ou os Esta-dos Unidos. O corpo discente das uni-versidades públicas seria composto, emgrande parte, por membros oriundos deestratos médios da população brasileira.Além disso, a seleção dos candidatos nãoé tão restrita em termos socioeconômi-cos quanto o adjetivo "elitista", atribuídoàs universidades públicas, pressupõe. Aanálise dos dados sugere que os atribu-tos das variáveis de cunho socioeconô-mico que indicariam maior seletividadesocial não são estatisticamente significa-tivos, no sentido literal de que os alunoscom maior origem socioeconômica teri-am maiores chances de aprovação doque os alunos mais desfavorecidos soci-almente, quando consideramos a compe-titividade (relação candidato/vaga) doscursos.

Além disso, o perfil socioeconômicoe cultural dos vestibulandos como um todonão é muito diferente dos aprovados novestibular da UFRJ: classe média, combons níveis de escolaridade, renda e ra-zoável acúmulo de capital cultural. A tesede que só alunos de camadas mais favo-recidas entrariam na UFRJ não é confir-mada, pois se essa idéia fosse verdadei-ra, todas as estimativas das variáveis in-dependentes, presentes nas modelagenslogísticas relativas aos determinantes daaprovação no vestibular, empregadas nes-te trabalho, apontariam uma maior seleti-vidade social, independente da competi-tividade de cada grupo de carreira.

O artigo está dividido em mais quatropartes. Na seção subseqüente, são apre-sentados os dados e os métodos utiliza-dos neste estudo. A seguir, é discutida adiversidade sociocultural dos vestibulan-dos. Na seção seguinte, são analisadosos determinantes da aprovação no vesti-bular da UFRJ, comparados com o perfilsocioeconômico e cultural dos aprovadosno vestibular. Na conclusão, são resumi-dos os principais pontos desta pesquisa.

Dados e métodos

Este estudo utiliza um banco de da-dos contendo as respostas dos vestibu-landos da UFRJ no ano de 1993 ao ques-tionário sociocultural aplicado a todos oscandidatos no momento de inscrição novestibular. No referido ano, um total39.035 candidatos increveram-se no con-curso; e, dos inscritos presentes na baseempírica, foram aprovados 13,09%. Paraidentificar de forma mais clara o teste dahipótese, foram geradas quatro amostrascujo critério de elaboração foi separar osvestibulandos em distintos grupos deconcorrentes, a partir da relação candi-dato/vaga do curso no qual o vestibulan-do se inscrevera. Num segundo momen-to (ver Tabela 1), foram excluídos da aná-lise do banco de dados os candidatos decursos com relação candidato/vaga me-nor do que um candidato por vaga, comoMúsica ou Artes, o que resultou na análi-se de 38.682 candidatos na base de da-dos utilizada neste estudo. É o que resu-me a Tabela 1.3

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RelaçãoCandidato/Vaga Cursos

ArtesMúsica– Vocal – CantoLicenciaturaem EducaçãoArtes UtilitáriasMúsica– Corda DedilhadaMúsica – SoproMúsica – TecladoMúsica– Teoria MusicalMúsica– Corda e Arco

Baixacompetição

Escassacompetição

*

1

2

3

4

Devido ao prestígio social desses cursos, eles foram incluídos no grupo subseqüente de maior relação candidato/vaga.

Inclui candidatos dos seguintes cursos: Jornalismo, Publicidade, Produção Editorial e Radialismo.

Inclui candidatos dos seguintes cursos: Informática, Estatística, Matemática, Atuária e Licenciatura.

Inclui candidatos de todas as subopções do curso de Engenharia.

Inclui candidatos de todas as subopções do curso de Letras.

Entre 1 e 4

Abaixo de 1

EnfermagemEngenharia QuímicaDesenho IndustrialArquiteturaPedagogiaServiço SocialHistóriaQuímicaGeologiaMetereologiaAstronomiaGeografiaFísicaLetrasCiências SociaisFilosofia

*

4

Muito elevadacompetição >20 Medicina

Odontologia5.4442.056

19280

28,3525,70

Elevadacompetição Entre 8 e 20

Comunicação SocialAdministraçãoDireitoMatemática

1

2

2.6831.9905.9442.666

180160510260

14,9112,4411,6510,25

Candidatos Vagas Candidatos/VagasCompetitividade

Tabela 1 – Competitividade por cursos

Entre 4 e 7

Licenciatura emEducação FísicaNutriçãoCiências ContábeisPsicologiaEngenhariaCiências BiológicasFarmáciaCiências Econômicas

3

921

6461.2241.2124.228

809872924

8191.356

472974356516268265120

4463

126312

1.039214119

1139

94

8117

919

5

6

1008

99

9020

174715

20

96

72150160560120144160

144240100240

90170

909050203060

160546120

80

9,59

8,978,167,587,556,746,065,78

5,695,654,724,063,963,042,982,942,402,202,102,101,951,901,781,49

1,131,13

0,95

0,900,85

0,530,400,33

0,30

Médiacompetição

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Além das modelagens pertinentes àsquatro amostras descritas no parágrafoanterior, foi incluído um modelo contendotodos os vestibulandos participantes, masque exclui os candidatos de cursos comescassa competição, denominado "ModeloCompleto" nas tabelas com os resultadosdas regressões logísticas. Além disso, asvariáveis independentes foram organizadas

em quatro grupos categóricos, representa-dos no Diagrama 1, e descritos na Tabela 2.Eles analisam a influência de determinantesda aprovação ou não em quatro conjuntosde variáveis independentes: propensão aotrabalho, consumo familiar, consumocultural, e origem socioecônomica eocupacional.

Tabela 2 – Descrição dos grupos categóricos das variáveis utilizadasna regressão múltipla logística dos determinantes da aprovação

no vestibular da UFRJ – 1993

Idade do 1º trabalho

Trabalhano momento

Pretende trabalharno curso universitário

Tipo de escola(pública ou privada)

Turno em queestudou no 2º grau

Quantidade de livrosno domicílio familiar Leitura de livros Ocupação principal do pai

Nível de instrução do pai

Renda familiar mensal

Cursosextracurriculares

Domínio de línguaestrangeira

Casa própria

Posse de domicíliode lazer

Posse de automóvel

Grupos categóricos de variáveis independentes

Propensão aotrabalho Consumo familiar Consumo cultural Origem socioeconômica

e ocupacional

I II III IV

Diagrama 1 – Representação dos conjuntos de modelos em funçãodas variáveis independentes

Aprovação no Vestibular

Propensão ao Trabalho

Consumo Familiar

Consumo Cultural

Origem Socioeconômica eOcupacional

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O perfil socioeconômico ecultural dos vestibulandos

O argumento dos defensores do ca-ráter elitista da universidade pública bra-sileira pressupõe a existência de um cor-po discente com elevada seletividade so-cial. Logo, os estudantes do ensino supe-rior público seriam indivíduos de elevadaorigem social, e os campi universitáriosseriam freqüentados por um alunato alta-mente selecionado. Contudo, o próprioperfil socioeconômico dos vestibulandosnão apresenta características populares,como também não contém nenhumindicativo de que o candidato à UFRJ éum estudante de elevado estrato social.

A análise dos porcentuais das variá-veis relativas à participação dos vestibu-landos, em atividades remuneradas antesdo vestibular, parece confirmar, em princí-pio, a tese "elitista" do recrutamento dosestudantes nas universidades públicas. Amaior parte dos estudantes, 64,7%, nun-ca trabalhou, e 75,5% não exercem ativi-dades remuneradas no momento. Para68,9% dos estudantes, as atividades detrabalho durante o curso devem ser de-senvolvidas nos períodos próximos à for-matura ou apenas como treinamento parauma vida profissional futura. Neste caso,o trabalho não é visto como uma necessi-dade de sobrevivência, mas como parteintegrante da formação escolar.

Além disso, 64,4% dos estudantesestudaram em escolas privadas e 75,7%o fizeram no turno diurno. Porém, não exis-te associação entre a posse dos livros emcasa e a competitividade no vestibular.Praticamente, a metade dos vestibulandos,46,1%, têm de 21 a 100 livros. Por outrolado, uma minoria declarou possuir maisde 500 livros, enquanto um desprezívelporcentual de 0,4% declarou não possuirnenhum livro. A posse de bens de origemcultural no domicílio familiar não parecediscriminar os candidatos da UFRJ, e omesmo ocorre com a posse de automó-veis: 44% das famílias dos vestibulandostêm um automóvel, e a relação entre aposse de um carro e a competitividade nãoé explícita.

Contudo, as desigualdades sociaisentre os vestibulandos são identificadasde forma mais clara através da análise daposse dos imóveis próprios. Os alunoscujas famílias os possuem representam

62,9% da amostra utilizada neste estudo,e os estudantes de carreiras com alta oumédia competitividade são os que apresen-tam os maiores porcentuais de posse deimóvel de lazer, em torno de 35%, cujoporcentual total de posse é de 23,7% parao universo de vestibulandos. Em ambas asmodalidades de propriedade imobiliária, osestudantes com melhores condições finan-ceiras estão concentrados nas escolhas decarreiras de alta e média competitividade.

A análise dos porcentuais de leitura delivros não-escolares durante o ano revelaque os hábitos de leitura são escassosentre os vestibulandos. Apenas 9,7% des-tes leram no ano de 1993 mais de onzelivros, enquanto 38,2% declararam a leitu-ra de, pelo menos, três a cinco livros. Já aprática de atividades extracurriculares nãoé exercida por 46% dos candidatos, en-quanto 31,5% dos candidatos declararamnão ter domínio de nenhum idioma estran-geiro e 61,6% apresentam esta habilidadede forma razoável.

A inadequação dos pretendentes aofuturo mercado de trabalho, destinado aosportadores de diploma de nível superior, éexpressiva: 54,2% dos estudantes decla-raram freqüentar algum curso extracurricu-lar (línguas estrangeiras, ginástica/balé/esportes, música, artes e outros) e 1/3 dosvestibulandos não tem domínio de nenhumidioma estrangeiro. Entretanto, o mercadode trabalho atual requer cultura geral e odomínio de um idioma como aspectos es-senciais da "empregabilidade".

Em 1993, 71,2% dos candidatos aovestibular da UFRJ apresentavam origempaterna em grupos de status mais elevado(banqueiros e grandes empresários; pro-prietários; gerentes e ocupações de nívelsuperior). Porém, existe um contingenteexpressivo de estudantes de origem soci-al modesta, representado por 28,8% dosvestibulandos cujos pais exerciam ocupa-ções incluídas dentro dos grupos manuaisou que exigem apenas o 2º grau. Contu-do, apenas 0,8% dos estudantes apresen-ta pais que trabalham no meio rural. Estefato é coerente com a bibliografia sobremobilidade social no Brasil (Silva, 1981, p.34), uma vez que os egressos de gruposocupacionais de base rural apresentamescassas chances de mobilidade social.

A análise dos porcentuais de escolari-dade dos pais dos vestibulandos revelaque quanto maior o investimento em esco-laridade, maiores serão as chances de os

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4 Utilizamos o programa esta-tístico SPSS.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

razão, os modelos analisados neste estudoteriam coeficientes das variáveis inde-pendentes com sinais parecidos com osdescritos na Tabela 3a.

alunos serem vestibulandos. Enquantoapenas 1,2% dos candidatos tinha pais seminstrução, esse porcentual cresce para15,4% para vestibulandos com educaçãopaterna até o nível primário, para 23,2%com o nível secundário e 45,4% com a es-colaridade superior. O ensino escolar bra-sileiro favorece os vestibulandos cujos paistêm nível superior; contudo, também per-mite que um porcentual significativo decandidatos, com baixa origem social, pos-sa entrar na disputa por uma vaga numadas mais tradicionais universidades públi-cas do Brasil – o que faz o sistema escolarbrasileiro ser relativamente democrático emrelação à imagem da universidade supos-tamente elitista a ela atribuída por muitosformadores de opinião. É o que mostra opróximo tópico.

O teste da hipótese:os determinantes da aprovação

no vestibular e o perfilsocioeconômico e cultural

dos aprovados no vestibularda UFRJ

Pretendemos analisar modelos deregressão múltipla logística,4 conforme oespecificado na equação abaixo:

Ln (P/1-P) = 0 + 1 X1 + 2 X1 +...+ n Xn

onde P é a quantidade de pessoas queforam aprovadas no vestibular, variáveldependente. Já i são os coeficientesdas categorias das variáveis independen-tes empregadas neste estudo. Neste caso,as estimativas dessas categorias sãoelaboradas a partir de uma categoria dereferência – método denominado "desviosperante a média" (Hosmer, Lemeshow,1989). A não-rejeição da hipótese nulaconsiste na equivalência entre os sinais doscoeficientes das categorias das variáveisque caracterizem a alta origem social dosvestibulandos nas quatro amostras empre-gadas neste estudo enquanto determinan-te de aprovação no vestibular. Ou seja,independente da competitividade (relaçãocandidato/vaga), os sinais das categoriasdas variáveis que indiquem melhores con-dições em termos de status socioeconô-mico e cultural serão sempre positivos. Seos defensores da tese de que a universi-dade pública é de elite estiverem com a

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Tabela 3a – Sinais hipotéticos das estimativas dos modelos de regressão logística,caso a UFRJ fosse uma universidade composta por um corpo discente de elite

Variável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993 Variáveis independentes: propensão ao trabalho

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

Ou seja, independente da competiti-vidade de cada grupo de carreiras, os quenão ou nunca trabalham, os que preten-dem trabalhar pelo menos nos últimossemestres do curso superior, os que estu-daram em escola particular e fizeram osseus estudos de segundo grau no cursodiurno deveriam ter mais chances relati-vas de aprovação no vestibular do que osoutros vestibulandos.

A Tabela 3b mostra o resultado do tex-to de saída, que é coerente com a tese daseletividade no recrutamento no curso

superior, descrevendo as estimativas damodelagem referente à propensão ao tra-balho como determinante de aprovação novestibular.

A análise das estimativas que dizemrespeito à modelagem relacionada à influ-ência da propensão ao trabalho, por partedo vestibulando, é coerente apenas noscasos de alta competitividade na UFRJ. Otrabalho, ou a expectativa deste como ummeio de sobrevivência – e não como umcomplemento à formação profissional e/ouacadêmica, reduz as chances de aprovação

Nunca trabalhouAntes dos 14 anosEntre 14 e 16 anosEntre 17 e 18 anos

NãoSim, em tempo parcialSim, em tempo integral

PúblicaParticularMaior parte, pública

Todo no diurnoTodo no noturnoMaior parte no diurno

+---

+--

+++-

-+-

+--

+--

+--

+--

+--

-+-

-+-

-+-

-+-

+++-

+++-

+++-

+++-

+---

+--

+---

+--

+---

+--

+---

+--

Modelocompleto

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Idade do 1 trabalhoo

Trabalha no momento

Pretende trabalharno curso universitário

Tipo de escola no2 grau

o

Turno da escola2 grau

o

NãoSim, apenas em estágioSim, nos últimos anosSim, desde o primeiroano – em tempo parcial

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62 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

no vestibular dos estudantes que traba-lham. O mesmo ocorre com o turno no qualo vestibulando estudou no segundo grau,uma vez que o turno da tarde ou da manhãaumenta de forma significativa as chancesde aprovação no vestibular, enquanto oestudo no turno noturno as reduz. O fatode a escola ser pública ou privada tem efeito

no modelo completo e nos cursos de mai-or competitividade. Porém, o mesmo nãoocorre nas modelagens pertinentes àsamostras de candidatos aos cursos dealta, média e baixa competição.

A análise dos porcentuais das variá-veis independentes da Tabela 3b é coe-rente com a idéia de recrutamento seletivo

Tabela 3b – Estimativas dos modelos de regressão logísticaVariável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993

Variáveis independentes: propensão ao trabalhoMétodo: Enter

Nunca trabalhouAntes dos 14 anosEntre 14 e 16 anosEntre 17 e 18 anos

NãoSim, em tempo parcialSim, em tempo integral

PúblicaParticularMaior parte, pública

Todo no diurnoTodo no noturnoMaior parte no diurno

0,12- 0,20

0,02- 0,003

- 0,320,070,280,1

- 0,20,40,4

- 0,14

- 0,210,090,27

- 0,02

- 0,110,220,370,08

- 0,13- 0,01

0,250,05

0,1- 0,02- 0,17

0,19- 0,03

0,04

11,3595 4,2783 21,1919 9,7878 9,2546

7 7 7 7 7

0,1237 0,6391 0,0067 0,2802 0,3213

0,43- 0,44

0,40

- 2,4 - 5,84 - 2,69 - 2,5389 - 1,2402

1,5- 0,4

1,68

0,67- 0,50

0,39

0,55- 0,44

0,50

0,31- 0,41

0,39

0,540,41

- 0,24

0,14- 0,12

0,18

0,20,09

- 0,14

- 0,020,050,21

0,52- 0,44- 0,55

0,07- 0,05- 0,18

0,170,07

- 0,27

0,040,03

- 0,04

0,10,2

- 0,12- 0,2

0,0490,070,05

- 0,19

0,21- 0,23

0,12- 0,02

0,208- 0,37

0,0070,02

Modelocompleto

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Idade do 1 trabalhoo

Trabalha no momento

Pretende trabalharno curso universitário

Tipo de escola no2 grau

o

Turno da escola2 grau

o

Constante

G.L

Sig.

Teste deHosmer eLesmehow

NãoSim, apenas em estágioSim, nos últimos anosSim, desde o primeiroano – em tempo parcial

2

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63R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

dos estudantes da UFRJ. Contudo, istoocorre quando consideramos a relação dovestibulando com a necessidade ou não detrabalhar. Entre os aprovados no vestibular,70,4% nunca trabalharam; 64% cursaram osegundo grau em escolas particulares e82% estudaram no turno diurno.

Já a Tabela 4a mostra as estimativasque a UFRJ deveria ter, caso ela tivesse umaseleção escolar de elite. Ou seja, as cate-gorias referentes aos que possuem mais de201 livros, casa própria, posse de domicíliode lazer e a propriedade de mais de umautomóvel deveriam ser positivas, o queseria típico de um recrutamento de elite.

Já a modelagem na Tabela 4b repre-senta a influência observada das catego-rias das variáveis de consumo familiar en-quanto determinante da aprovação no ves-tibular. Ou seja: será que a posse de bensque propiciam conforto familiar aumentaas chances de aprovação? As estimativasencontradas são bem diversas do que ahipótese nula da seletividade da seleçãoda UFRJ em 1993.

Dentre as variáveis pertencentes aomodelo, apenas a quantidade de livros nodomicílio familiar e a posse de automóveisapresentam impacto significativo naaprovação no vestibular, nas quatrosubamostras. Quanto maior for o estoquede bens culturais no domicílio familiar, mai-ores serão as chances de aprovação – eeste fato é bem claro apenas para os cur-sos de maior competitividade e no modelo

Tabela 4a – Sinais hipotéticos das estimativas dos modelos de regressão logística, caso a UFRJ fosse uma universidade composta por um corpo discente de elite Variável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993 Variáveis independentes: capacidade de consumo familiar

NenhumAté 20De 21 a 50De 51 a 100De 101 a 200De 201 a 500

Própria, já quitadaPrópria, não acaboude pagarÉ alugada

Não temTem apenas umTem dois

-----+

----

+

----

+

----

+

----

+

+

--+

--+

--+

--+

--+

--

-

--

-

--

-

--

-

--

-

+ + + +

+ + + + +

Modelocompleto*

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Quantidade de livrosno domicílio familiar

Casa própria

Posse de domicíliode lazer

Posse de automóvel

Sim

*Inclui todos os vestibulandos, excluindo os que se inscreveram em cursos de escassa relação candidato/vaga.

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64 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

completo. Os cursos menos seletivos re-velam que alunos oriundos de domicílioscom médio investimento literário têmchances de aprovação, mas suas possibi-lidades de aprovação são bem reduzidasnos cursos com maior competitividade. Jáa ausência de automóvel reduz as chancesde aprovação, enquanto a posse de doisautomóveis aumenta essas chances. Con-tudo, a posse do domicílio de lazer e dacasa própria não apresentam estimativassignificativas – exceto para os cursos demuito elevada competição, onde a posse

da casa própria aumenta a chance deaprovação.

Os porcentuais das variáveis expla-natórias da Tabela 4b descrevem as famí-lias dos estudantes aprovados no vestibu-lar da UFRJ como tipicamente integran-tes da classe média. 73,4% dos alunos nãotêm imóvel de lazer, mas 64,8% deles sãooriundos de famílias que têm casa própriaquitada e 47,1% dos aprovados possuem,pelo menos, um automóvel na família. Osporcentuais modais de livros no domicíliosão de 22,2% (51 a 100 livros por domicílio)

Tabela 4b – Estimativas dos modelos de regressão logísticaVariável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993

Variáveis independentes: capacidade de consumo familiarMétodo: Enter

NenhumAté 20De 21 a 50De 51 a 100De 101 a 200De 201 a 500

Própria, já quitadaPrópria, não acaboude pagarÉ alugada

Não temTem apenas umTem dois

- 0,5- 0,66- 0,27

0,020,230,57

0,0090,06

- 0,008

0,17- 0,07

- 0,24

0,060,07

- 0,12

0,060,12

0,06

- 0,080,09

0,05

0,6- 0,7- 0,7- 0,4

0,020,3

- 0,8- 1,12- 0,27

0,010,460,86

- 0,2- 0,8- 0,37

0,010,210,56

- 0,8- 0,5- 0,16

0,160,230,61

Modelocompleto*

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Quantidade de livrosno domicílio familiar

Casa própria

Posse de domicíliode lazer

Posse de automóvel

Sim

*Inclui todos os vestibulandos, excluindo os que se inscreveram em cursos de escassa relação candidato/vaga.

1,3297 1,3510 8,3283 10,84 4,8274

8 8 8 8 8

0,9952 0,9949 0,4021 0,2109 0,7758

- 1,99

- 0,013

- 0,090,0570,06

- 0,380,040,49

- 0,130,08

- 0,04

- 0,34- 0,001

0,18

- 0,140,220,11

0,04 - 0,005 0,027 - 0,012

- 3,47 - 2,46 - 1,72 - 0,9059Constante

G.L

Sig.

Teste deHosmer eLesmehow

2

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65R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

e de 21,7% (de 101 a 200 livros por casa).Por outro lado, a presença de estudantescom melhores condições socioeconômi-cas e de sólida formação intelectual nãoconstitui maioria: quase 1/3 dos estudan-tes aprovados tem famílias com imóvel delazer, e aproximadamente 1/5 dos calou-ros declararam possuir mais de 500 livros.Apenas 5,8% das famílias dos aprovadostêm mais de dois automóveis.

Porém, os porcentuais das variáveisindicadoras de padrões de consumo cul-tural indicam que a maior parte (38,6%)dos estudantes aprovados leram entre trêsa cinco livros não-escolares por ano; e 70%dos aprovados declararam ter conheci-mentos razoáveis de apenas um idiomaestrangeiro. Não são porcentuais compa-tíveis com um corpo discente de elevadosestratos sociais. Apesar de 60% dos apro-vados terem praticado alguma atividadeextracurricular (línguas estrangeiras, balé,música, artes), apenas 11,2% dos calou-ros dominavam plenamente um idioma

estrangeiro. Entretanto, conforme as esti-mativas dos modelos de regressão logísticaque na Tabela 5b revelam, as chances deaprovação no vestibular são bem mais ele-vadas para os estudantes com maior capi-tal cultural – o que reforça o peso das va-riáveis de capital cultural. Mas, mesmoassim, uma parcela bem expressiva doscalouros da UFRJ não correspondem aoperfil esperado de um aluno oriundo de umcorpo discente muito selecionado: altoconsumo de livros não-escolares e plenodomínio de um idioma estrangeiro.

Já a Tabela 5a descreve os sinais dasestimativas esperadas, caso a hipótese daseletividade no vestibular de 1993 fosseverídica. Ou seja, apenas os que lêem maisde seis livros, os que fazem atividadesextracurriculares e os que dominam um oumais idiomas seriam os aprovados, inde-pendente da seletividade do curso em dis-puta. Contudo, a Tabela 5b revela um pa-norama diferente.

Tabela 5a – Sinais hipotéticos das estimativas dos modelos de regressão logística,caso a UFRJ fosse uma universidade composta por um corpo discente de elite

Variável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993 Variáveis independentes: capacidade de consumo cultural Método: Enter

Nenhum1 a 23 a 56 a 10

NãoSim, IdiomasSim, Esportes, DançaSim, MúsicaSim, Artes

Domina bem um oudois idiomasDomina de formarazoável

---+

-++++

+

-

+

-

+

-

+

-

+

-

-++++

-++++

-++++

-++++

---+

---+

---+

---+

Modelocompleto

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Leitura de livros

Cursosextracurriculares

Domínio de línguaestrangeira

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66

5 O conceito de capital culturaldesenvolvido por Bourdieu –numa definição bem concisa– refere-se à aquisição, porparte de um dado indivíduo,do conjunto de bens cultu-rais, como livros, freqüênciaa peças teatrais, conheci-mento de artes plásticas, en-fim, o acesso à cultura deuma forma geral. A quantida-de de capital cultural acumu-lado estaria associada àperformance de uma dadapessoa no sistema escolar.(Bourdieu, Passeron, 1975).

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

É interessante constatar como as vari-áveis de consumo cultural apresentam pa-drões de influência na aprovação no vesti-bular de forma tão heterogênea. A leiturade livros não influencia a aprovação, con-siderando-se o universo de estudantes queprestaram o vestibular, e o mesmo ocorrenos cursos de média competição. Entre-tanto, nos cursos de "Muito Alta Competi-ção", quanto maior for a quantidade de li-vros lidos, maiores serão as chances deaprovação em relação aos estudantes quenão lêem nenhum livro, enquanto a leiturade nenhum a um ou dois livros apresentainfluência apenas nos cursos de alta e baixacompetição. De uma forma geral, o domíniode um idioma aumenta as chances de apro-vação no vestibular, independentemente da

competitividade da carreira escolhida. Poroutro lado, a prática de quase todas asmodalidades de práticas extracurricularesinfluencia na aprovação em cursos maiscompetitivos – excluindo-se Artes – e afe-ta o êxito nos cursos de média competi-ção. A Tabela 5b corrobora a evidência deque estudantes com elevado capital cul-tural5 têm maiores chances de aprovaçãoem competições acadêmicas de elevadaconcorrência.

A Tabela 6a descreve as estimativasesperadas, caso a hipótese nula não fos-se rejeitada, ou seja, a seleção do vesti-bular na UFRJ, em 1993, recrutaria umaelite cujos pais seriam banqueiros ou al-tos proprietários, possuidores de elevadasrendas.

Tabela 5b – Estimativas dos modelos de regressão logísticaVariável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993

Variáveis independentes: capacidade de consumo culturalMétodo: Enter

Nenhum1 a 23 a 56 a 10

NãoSim, IdiomasSim, Esportes, DançaSim, MúsicaSim, Artes

Domina bem um oudois idiomasDomina de formarazoável

- 0,04- 0,02- 0,004

0,01

- 0,070,14

- 0,0050,020,28

0,630,80,81,16

- 3,14

0,020,26

- 0,02- 0,03

0,01

- 0,040,220,19

- 0,070,34

- 0,020,19

- 0,020,17

- 0,07

- 0,380,040,10,23

0,07- 0,15- 0,08- 0,004

0,0080,030,05

- 0,017

- 0,280,090,080,07

0,47

0,07

1,07

0,2

0,66

0,11

0,57

0,12

0,35

0,15

Modelocompleto

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Leitura de livros

Cursosextracurriculares

Domínio de línguaestrangeira

9,4236 7,6050 5,98 7,73 5,4214

8 8 8 8 8

0,3078 0,47 0,64 0,46 0,7117

- 1,75 - 4,16 - 2,12 - 1,6164 - 0,7810Constante

G.L

Sig.

Teste deHosmer eLesmehow

2

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67R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

A análise dos porcentuais das variá-veis independentes da Tabela 6b revelaque os aprovados no vestibular da UFRJem 1993 apresentam um padrão socioe-conômico de classe média. 46,4% dosestudantes têm pais exercendo ocupaçõesde nível superior, enquanto apenas 18,9%dos aprovados no vestibular apresentamorigem paterna em estratos ocupacionaismais altos (industriais, banqueiros; proprie-tários ou diretores/gerentes). Apenas22,8% dos calouros tinham renda familiarmaior do que 5 mil cruzeiros, enquanto39,7% dos alunos apresentavam rendafamiliar na faixa compreendida entre 3 mile 5 mil cruzeiros. 56,1% dos graduandosapresentavam pais com escolaridade su-perior, completa ou não.

A modelagem descrita na Tabela 6 écompletamente atípica, pois os resultadosdas estimativas dos modelos não écongruente com o comportamento descrito

na bibliografia para as variáveis indepen-dentes. A influência da ocupação, renda eescolaridade dos pais no destino social dosfilhos sempre esteve estruturada da seguin-te forma: os grupos de maior status, rendae anos de estudo teriam filhos com maio-res chances de sucesso no sistema esco-lar. Entretanto, as estimativas dos modelosdescritos na tabela anterior não confirmamessa idéia.

As categorias ocupacionais de gran-des industriais/banqueiros, além das ocu-pações de nível superior, apresentam esti-mativas de valor negativo em todos osmodelos analisados. Os coeficientes davariável escolaridade nos modelos relati-vos a "muito alta competição" e "baixa com-petição" apresentam valores coerentes ascategorias da variável nível de instrução nosoutros modelos apresentaram, em termosgerais, estimativas insignificantes. A variá-vel renda está aparentemente subestimada,

Tabela 6a – Estimativas dos modelos de regressão logísticaVariável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993

Variáveis independentes: origem socioeconômica e ocupacional

Industrial, banqueiro...ProprietárioDiretor, administrador...Ocupação de nívelsuperiorOcupação de nívelsecundário

Nenhum ano de estudoAté o primárioAté o ginasialAté o colegial

* Refere-se ao pai do vestibulando.

Até Cr$ 230.000,00De Cr$ 230.001,00até Cr$ 750.000,00De Cr$ 750,001,00até Cr$ 2.000.000,00De Cr$ 2.000.001,00até Cr$ 5.000.000,00

+++

+

-

---+

-

-

+

+

-

-

+

+

-

-

+

+

-

-

+

+

-

-

+

+

---+

---+

---+

---+

+++

+

-

+++

+

-

+++

+

-

+++

+

-

Modelocompleto

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Ocupação principal*

Nível de Instrução*

Renda familiar mensal

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68 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

já que o esperado era que ela apresentasseestimativas significativas.

Em resumo, a análise dos modelos deregressão múltipla logística não confirmaa opinião de muitos formadores de opiniãoacerca do "elitismo" da universidade públi-ca brasileira, pelo menos no caso da UFRJ.Se ela fosse realmente uma universidadede elite, todas as estimativas indicadorasde maior origem socioeconômica e cultural,além do consumo familiar e cultural, deve-riam ser positivas nos atributos de maiorstatus social – independentemente da com-petitividade do curso. Contudo, o que foiobservado foi uma notável heterogeneidade

nas estimativas dos modelos. As carrei-ras mais concorridas, como Medicina eOdontologia, realmente apresentam perfilbem seletivo. Entretanto, o mesmo não éválido quando analisamos os determinan-tes de aprovação nos outros grupos decarreira. Além disso, os porcentuais dasfreqüências das variáveis independentesrevelam que uma parcela considerável doalunado da UFRJ apresenta um padrãosocioeconômico muito mais próximo deum estrato médio do que de uma eliteestudantil em termos de origem socio-econômica.

Tabela 6b – Estimativas dos modelos de regressão logísticaVariável dependente: aprovação no vestibular da UFRJ – 1993

Variáveis independentes: origem socioeconômica e ocupacionalMétodo: Enter

Industrial, banqueiro...ProprietárioDiretor, administrador...Ocupação de nívelsuperiorOcupação de nívelsecundário

Nenhum ano de estudoAté o primárioAté o ginasialAté o colegial

Até Cr$ 230.000,00De Cr$ 230.001,00até Cr$ 750.000,00De Cr$ 750,001,00até Cr$ 2.000.000,00De Cr$ 2.000.001,00até Cr$ 5.000.000,00

- 0,190,070,14

- 0,43

0,24

0,15- 0,09- 0,04

0,5

- 0,2

0,27

- 0,14

- 0 ,06

- 0,02

0,65

- 0,51

- 0,38

- 0,5

0,53

- 0,4

0,05

- 0,38

0,47

- 0,3

- 0,08

- 0,02

0,1

- 0,13

- 0,02

- 2,020,50,320,30

- 0,02- 0 ,09- 0,11

0,002

0,04- 0,17- 0,08- 0,07

- 0,47- 0,1- 0,02

0,29

- 0,620,490,63

- 2,21

1,006

- 0,050,610,20

- 0,58

0,23

- 0,0360,250,16

- 0,75

0,29

- 0,490,20,08

- 0,23

0,27

Modelocompleto

Muito altacompetição

Altacompetição

Médiacompetição

Baixacompetição

Ocupação principal*

Nível de Instrução*

Renda familiar mensal

15,7162 6,5562 10,89 9,05 6,34

7 7 7 7 7

0,0278 0,5852 0,2 0,33 0,608

- 2,1464 - 4,95 - 2,58 - 2,01 - 1,03Constante

G.L

Sig.

Teste deHosmer eLesmehow

2

* Refere-se ao pai do vestibulando.

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69R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

Conclusão

A imagem das universidades públicasbrasileiras ainda é descrita pelo adjetivo "eli-tista" por muitos formadores de opinião.Segundo estes, o sistema de ensino superi-or público no Brasil é muito seletivo em ter-mos socioeconômicos e fortemente discri-minatório em relação a estudantes com bai-xa ou média origem socioeconômica, comose os vestibulandos brasileiros sofressem omesmo tipo de processo seletivo de umauniversidade da Ivy League do início do sé-culo dos Estados Unidos, tal qual descreve(Galbraith, 1985). A análise dos porcentuaisdo perfil socioeconômico e cultural dos apro-vados, bem como o dos vestibulandos, novestibular da UFRJ, em 1993, não são com-patíveis com a idéia de que os referidos alu-nos são integrantes exclusivamente dos es-tratos mais altos da sociedade brasileira.

O objetivo deste artigo foi testar a hipó-tese de que a universidade pública brasilei-ra não é tão seletiva em termos sociais quan-to muitos formadores de opinião apontam,utilizando como estudo de caso os deter-minantes da aprovação no vestibular naUFRJ em 1993. A análise dos modelos deregressão múltipla logística, efetuada emdados da pesquisa sociocultural aplicadanos vestibulandos da UFRJ, revela que ocor-re uma consistente seletividade social no re-crutamento dos seus futuros graduandos.Porém, os coeficientes não estatisticamen-te significativos, encontrados em algumasvariáveis independentes da origem social,não corroboram a idéia de uma seleçãosocial "elitista" na referida instituição, quan-do controlamos a modelagem estatísticaanalisada pela competitividade (relação can-didato/vaga) dos cursos.

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70 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 53-70, jan./abr. 1999.

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO. Manual do vestibulando. Rio de Janeiro: UFRJ, 1993.

______. Manual do vestibulando. Rio de Janeiro : UFRJ, 1994.

Recebido em 20 de agosto de 1999.

Marcelo Costa Ferreira é doutorando em Ciência Política no Instituto Universitáriode Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj).

Abstract

Brazilian public universities are described as elitist by many opinion formers. However,the data analysis of multiple regression logistic models in the social cultural questionnaireresearch applied on university applicants of The Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ)– Brazil in 1993, shows weak coefficients in some independent variables of social originthat do not support an elitist image concerning entrance exam. Moreover, many coefficientvariables of statistical modeling related to high social origin are not statistically significantwhen controlled by the competitiveness of each course (candidate vacancies relation). Inshort, the percentages of social economic and cultural features of approved students inthe entrance exam show a student group of middle class profile, not of a upper class one.

Key-words: inequality; higher learning; Sociology of Education.

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Silza Maria PaselloValente

Institutos Superiores de Educação:desafio para as universidades

ESTUDOS

Palavras-chave: institutossuperiores de educação;formação de professores.

Aborda o papel dasuniversidades e dos institutossuperiores de educação notocante à formação deprofessores. Primeiramente,

contextualiza o tema e depoisdiscute a questão, concluindo queesta deveria estar centrada maisnas características da formaçãodo que no locus em que se dá.

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A insatisfação com os cursos de for-mação de professores é uma questão pos-ta e indiscutível. Anísio Teixeira, em textopublicado no ano de 1966, no qual faz umaanálise histórica da educação brasileira, jáse referia ao problema da formação do ma-gistério afirmando: "Nesta situação (educa-cional), sobremodo confusa, o problema daformação do magistério faz-se o problemamáximo da educação brasileira" (Teixeira,1966, p. 284); e chamava a atenção para anecessidade de uma reformulação integraldos cursos de formação de professores.

Detecta-se na literatura consultadaque, embora os chamados de alerta tenhamsido significativos e denunciadores, a situ-ação não se alterou ao longo do tempo.

Candau (1981, p. 43) afirmava: "A for-mação de educadores está passando porum momento de revisão substantiva e decrise em nosso país". Gatti deixa evidenteque trinta anos após, a situação perdura:

com a grande expansão das redes deensino em curto espaço de tempo e aampliação conseqüente da necessidadede docentes, a formação destes não lo-grou, pelos estudos e avaliações dispo-níveis, prover o ensino com profissionaiscom qualificação adequada (Gatti, 1996,p. 1).

Para explicar esse fenômeno, reali-zam-se análises sob as mais diversas pers-pectivas. Candau agrupou grande partedos estudos realizados até 1981 em qua-tro categorias: centrados na norma – comênfase na legislação vigente; centrados nadimensão técnica – acentuando a organi-zação e operacionalização dos componen-tes do processo de ensino-aprendizagem;centrados na dimensão humana – salien-tando a relação interpessoal dos atores so-ciais envolvidos no processo de ensino-aprendizagem; e centrados nos contextossocioeconômico e político, onde as ques-tões macroestruturais sobressaem.

Pode-se afirmar que, a partir dosanos 80, a perspectiva de análise

de contexto foibastante valoriza-da, em função domomento históri-

co-político-educa-cional vivenciado

pela sociedade brasi-leira. Cumpre desta-

car, no entanto, que se-minários tais como "A Di-

dática em Questão," e os"Encontros Nacionais de Di-

dática e Prática de Ensino",realizados a partir de 1982, res-

saltam a necessidade de se enfo-car a formação de professores, sob uma

perspectiva multifacetada onde as dimen-sões política, humana e técnica se articu-lem, e chamam a atenção para o perigode análises reducionistas.

Apontando algumas questões acer-ca da qualidade, no que tange à forma-ção de professores, Gatti (1996, p. 25-26)refere-se à descaracterização dos cursos,tanto em nível médio, quanto superior. Aautora indica, entre outros, alguns dos fa-tores responsáveis: desqualificação doscursos por parte das próprias instituiçõesde ensino superior; falta de articulaçãoentre as disciplinas básicas e as pedagó-gicas; falta de visão sobre o profissionalque se deseja formar; ausência de articu-lação entre teoria e prática; carência de

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pobres dos demais cursos. Durham, emmanifestação no Seminário Internacionalsobre Formação de Professores, realizadono final de 1995, sintetizou a realidade denossas licenciaturas:

... a licenciatura é considerada uma coisasecundária, não tem aquela áurea da pes-quisa, que freqüentemente nem é lá gran-de coisa. E esse ambiente "acadêmico"tem dificultado enormemente uma dedi-cação da universidade ao problema daformação de professores (Durham, 1996,p. 314).

Edgar Morin (1995) também res-salta a necessidade de repensarmos taiscursos. Para este autor, temos, comodocentes, que ser andarilhos de fronteiras.Não nos basta o pontual conteúdo paraensinarmos aos alunos – temos que nos

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livros que dêem apoio à formação do pro-fessor, contendo conteúdos básicos emetodológicos. Gatti destaca que a litera-tura é pródiga na abordagem crítica, masressente-se de produção nas questões li-gadas diretamente à competência técnica.

Percebe-se que, aliada a estes fa-tores, ainda há a tendência de professo-res e alunos do ensino superior minimiza-rem as questões ligadas ao ensino, privi-legiando o domínio do conteúdo, ou seja,o saber objeto do trabalho e minimizandoo mesmo saber enquanto instrumento detrabalho. A questão pedagógica tem sidovista como uma questão menor e, conse-qüentemente, o preparo para a docência,já que se parte do pressuposto que paraensinar basta saber, como se domínio doconhecimento e transposição didática des-se mesmo conhecimento fossem aspec-tos similares e não exigissem diferentesabordagens. Estac o m p r e e n s ã oequivocada doensino, aliada àherança positivis-ta que compreen-de a realidade deforma dicotômica,desdobra-se emorganizações cur-riculares em queteoria e prática,conteúdo e forma,ensino e pesquisasão alocados emdiferentes momen-tos. Ao minimizaras questões liga-das ao ensino,como bem de-monstra o privilégiodado à pesquisa, auniversidade tam-bém minimiza oscursos de formaçãode professores.

Florestan Fernandes e Eunice Du-rham também denunciam o descompro-misso da universidade com a formação deprofessores. Fernandes, em palestra pro-ferida no ano de 1995 na Associação dosDocentes da Universidade de São Paulo(Adusp), criticou a Universidade de SãoPaulo (USP) pelo descaso com a forma-ção de docentes para o ensino básico.Disse o sociólogo que, na universidadebrasileira, as licenciaturas são as primas

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libertar dos grilhões impostos pelos con-teúdos programáticos, pelos temposinstitucionais e nos encantar com as pos-sibilidades que nos oferece o conhecimen-to entendido de forma abrangente, plural,multissensorial.

Recentemente, tem se incorporado àliteratura sobre formação de professores avertente epistemológica, seja discutindo oestatuto epistemológico das ciências daeducação, pedagogia e didática (Pimenta,1997; Libâneo, 1998); seja defendendo anecessidade de se incorporar a dimensãoepistemológica aos cursos de formação deprofessores. Esta última abordagem povoao universo educacional há longa data, em-bora tenha sido olvidada: Florestan Fernan-des e seu mestre Anísio Teixeira já chama-vam nossa atenção para a lacuna destadimensão na formação de professores; noentanto, suas ponderações não foramconsideradas nos currículos dos cursos delicenciaturas. Em sua última palestra,proferida na Adusp, e à qual já nos referi-mos anteriormente, Florestan Fernandesafirmou que faltam nos currículos doscursos de licenciatura teoria do conheci-mento, história das ciências e epistemologia,como canais de abertura para conhecero conhecimento.

Autores como Boaventura Santos(1995a, 1995b, 1996), Cunha e Fernandes(1994), Demo (1993, 1994) e Mazzotti(1993) também enfatizam a perspectivaepistemológica na construção de uma novapedagogia e apontam conflitos importan-tes a serem considerados nos projetos pe-dagógicos dos cursos de formação de pro-fessores. Entre eles, as dicotomias pesqui-sador/professor; conhecimento científico/aplicação técnica; conhecimento-como-regulação/conhecimento-como-emancipa-ção; imperialismo cultural/multiculturalismo.

As três últimas dicotomias são apon-tadas por Boaventura de Sousa Santos, quedesenvolve reflexões a respeito das carac-terísticas de uma ciência pós-moderna. Oautor considera que estamos em um mo-mento de transição: os paradigmas do pre-sente são insatisfatórios; urge, portanto,que construamos um novo paradigma. Pa-radigma este que, na visão do autor, devecontemplar a possibilidade de construçãode um projeto educativo emancipatório.

Ao se debruçar sobre sua proposta,Santos descreve as características quedeve ter a educação: inconformista,

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conflituosa, tendo a sala de aula como umlocus de opções e possibilidades de co-nhecimento, opções estas não necessaria-mente coincidentes e nem sempre assen-tadas em idéias, mas igualmente em emo-ções, sentimentos e paixões que conferemaos conteúdos curriculares sentidos ines-gotáveis (Santos, 1996, p. 18).

Um outro aspecto a ser levado emconsideração é o relativo ao processo deconstrução do conhecimento: nossa civi-lização, como afirma Gutierrez (1978), éuma civilização preponderantemente ima-gética. As imagens permeiam nosso coti-diano, invadem todos os espaços; o com-putador já faz parte da rotina de grandeparte da população. Este fato temprofundas implicações na formade se elaborar o conhecimen-to. Enquanto este, na escola,permanece atrelado à pala-vra que tem fundamento ló-gico; fora dela, por serimpregnado pela ima-gem, é multissensori-al, intuitivo. O com-putador, principal-mente, solicita doseu usuário umaatitude de aproxi-mações sucessi-vas, de ensaio eerro, de buscaautônoma de caminhos.

A insatisfação cres-cente com a escola, a de-núncia de que ela não estáadequada ao seu tempo, o es-tabelecimento dos paradigmase diretrizes curriculares, apon-tando caminhos educacionais muitomais flexíveis, criativos, qualitativa-mente diferenciados, solicita de todosnós, que nos envolvemos diretamente comos cursos de formação de professores emnossas universidades, uma atitude dialó-gica visando à superação do estabeleci-do, à proposição de alternativas, à dispo-nibilidade para discutir e aceitar idéias di-vergentes, à aceitação da multiplicidadede experiências e possibilidades, e, prin-cipalmente, ao comprometimento não sócom a qualidade como com o redimensi-onamento dos nossos cursos de forma-ção de professores.

Fica evidente, nas reflexões e pro-postas dos autores referenciados,que, embora os professo-res sejam essencialmente

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profissionais envolvidos diretamente coma disseminação do conhecimento histori-camente produzido, não se contempla emsua formação os elementos que lhes pos-sibilitem conhecer o conhecimento. Comodizem Maturana e Varela (1995): "Não é o

conhec imen to ,mas o conheci-

mento do conheci-mento o que nos

compromete". Pode-mos perguntar na es-

teira desta assertiva:que compromisso tem o

professor com o conheci-mento se não o conhece,

apenas o repete?

Os institutos superioresde educação no contexto

da políticade formação de professores

É tendo como "pano de fundo" essequadro de referências complexo, abran-gente, permeado de insatisfações, incer-tezas, dúvidas, questionamentos, possibi-lidades, propostas, exigências, onde ques-tões de índole epistemológica, sociológi-ca, cultural, psicológica, pedagógica, sefazem presentes, que gostaríamos de si-tuar os Institutos Superiores de Educaçãoe discutir qual o papel da universidade pe-rante essa nova figura instituída através doArt. 62 da Lei nº 9.394/96, que estabeleceas diretrizes e bases da educação nacional.

A pretensão de se formar professo-res à parte da universidade não é umaidéia original de Darcy Ribeiro, nem faziaparte de suas propostas educacionais emdécadas anteriores. Diz Paulo Speller(1996, p. 165) que, tanto no Plano Diretorda Universidade de Brasília, datado de1962, quanto em consultorias no exteriorrealizadas nos anos 70, Darcy Ribeiro des-tacava a importância das Faculdades deEducação na formação de professores, eo critica pela mudança de postura.

O fato de esta sua compreensão terse alterado nas décadas posteriores nãoé de causar estranheza. Admirável seriater Darcy Ribeiro, nos anos 90 – em facedas insatisfações crescentes com a uni-versidade no tocante ao desempenho doseu papel de formadora de professores –,permanecido na defesa do seu propósito

inicial. Certamente, as experiências inter-nacionais de outros loci com esta finalida-de inspiraram o antropólogo/educador e in-fluenciaram o legislador na proposição dealternativas. Digamos alternativas porquea Lei nº 9.394/96 é clara quando estabele-ce em seu Art. 62 que "a formação de do-centes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licen-ciatura, de graduação plena, em universi-dades e institutos superiores de educação",não retirando, portanto, da universidadeesta função, mas colocando no cenário umnovo ator: o instituto superior de educação,que doravante competirá com as universi-dades no que tange ao preparo para adocência da educação básica.

Importante é atentar para o fato deque a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-ção Nacional (LDB) não atribui a função deformar professores aos centros universitá-rios, faculdades integradas e faculdades,o que possibilita a inferência de ter a legis-lação permeado a compreensão da neces-sidade de um real compromisso para coma formação de professores. Ou seja: a deque ela cabe às universidades, instituiçõesqualitativamente diferenciadas, ou aos ins-titutos, criados para tal finalidade.

As experiências neste campo, reali-zadas por outros países, tanto nos inspi-ram novas tentativas quanto nos alertampara não cometermos as mesmas falhas.Não devem ser entendidas como modelosa serem seguidos acriticamente, mas comopontos de referência para reflexões. E oque nos dizem essas experiências?

Em primeiro lugar, que nossosproblemas, no que tange à formação deprofessores, não são particulares, aocontrário, são semelhantes tanto aosvivenciados por países latino-americanosquanto europeus, como demonstram osrelatos de experiências (Triviños, 1996;Menezes, 1996; Goergen, Saviani, 1998):

... há, efetivamente, uma série de proble-mas que são recorrentes nos diversos sis-temas de formação docente abordados,sejam eles de países considerados maisavançados ou não. A título de exemplo,podemos citar o da relação teoria-práti-ca, o do lugar da formação docente (Uni-versidade, Institutos Superiores, EscolasNormais, etc.) e o da relação entre o pú-blico e o privado (Goergen e Saviani,1998, p. 7).

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Outro fator a ser considerado nas fa-las dos expositores e que nos fornece ele-mentos para nossas reflexões, é que asexperiências de formação de professoresquando realizadas fora das universidadesnão são também isentas de insatisfações.E uma das maiores talvez seja a retiradada pesquisa do universo da formação do-cente, aspecto que empobrece o proces-so de ensino aprendizagem já que pesqui-sa é um momento privilegiado de apren-der a aprender, de questionamento, de crí-tica, de busca do entendimento de umasituação vivenciada (Demo, 1993).

O lado positivo da formação realiza-da à parte das universidades é a interaçãocom o ensino básico, especialmente atra-vés das secretarias de educação, e queleva à superação de uma crítica recorrenteque se faz à universidade, qual seja a doseu distanciamento dos demais níveis deensino. À universidade apraz discorrer so-bre e não a respeito das questões. Estapostura faz com que a formação de pro-fessores se dê distanciada do que efetiva-mente acontece na realidade escolar, sejaela pública ou particular.

Considerações finais

Em face do exposto, fica a indaga-ção: a formação de professores é tarefa dauniversidade?

Defendemos que é também, masnão exclusivamente, visto que um país dedimensões continentais, com realidadessocioeconômicas e culturais diversas, exigedi ferentes possibi l idades que nãodevem se esgotar em um único modelo,ou seja, o universitário.

Por outro lado, também defendemosa idéia de que se a universidade desejacontinuar formando professores, necessitaassumir esta tarefa como função não sódos centros ou faculdades de educaçãomas como um todo: estabelecendo umapolítica de formação de professores,criando espaços institucionais deinterlocução com as diversas licenciaturas,construindo projetos político-pedagógicossob um novo paradigma onde conteúdoespecífico e pedagógico, ensino e pesquisa,teoria e prática se articulem de formacoerente, consistente e comprometida.Diríamos mais: a concretização de talproposta tem como princípio básico o diá-logo. Um diálogo difícil de ser estabelecidonas estruturas vigentes. Daí a importância

de experiências como as da Universida-de Federal de Mato Grosso, que criou oInstituto Superior de Educação, em 1992,antes, portanto, da atual LDB. Este, no di-zer de Paulo Speller, diretor do Institutona época em que fez o pronunciamentono seminário "Professores: formação eprofissão":

abriu a perspectiva para uma maior rela-ção e comprometimento da universida-de com os desafios colocados pelas ne-cessidades de formação de educadorese produção do conhecimento educacio-nal que o Estado de Mato Grosso exige,com um enorme potencial para o setoreducacional do Estado (Speller, 1996, p.167).

Depreendo das leituras e reflexõese através das manifestações nos diversosfóruns de discussões, que o fulcro do pro-blema não se concentra no locus da for-mação, mas nas características que devea formação de professores contemplar.

Kullok (1998, p. 20), abordandoessa questão, conclui do mesmo modo:"... propomos que, seja na universidade,seja nos Institutos Superiores de Educa-ção, Faculdades de Educação ou nas es-colas, a formação parta de um novoenfoque na ação docente...".

Ao explicitar os componentes des-se novo enfoque, a autora destaca: inser-ção precoce na realidade profissional;superação do paradigma teoria-práticapelo de prática-teoria-prática; incorporaçãodo conflito no processo de construção doconhecimento, extrapolando a abordagemlógica; estabelecimento da ética e daresponsabilidade como eixos curriculares.

A proposta da autora contemplaaspectos que estão presentes na literatu-ra que discute as novas concepçõescurriculares em todas as áreas profissio-nais. É recorrente nessa literatura a ênfa-se nos aspectos acima explicitados e quepodem ser constatados nas DiretrizesCurriculares para os Cursos de Gradua-ção já elaboradas pelas Comissões deEspecialistas do Ministério da Educaçãoe que estão em fase de análise pela co-munidade acadêmica, antes de seremencaminhadas ao Conselho Nacional deEducação. A própria LDB já contempla emseu Art. 65 a exigência de 300 horas deprática de ensino, o que só poderá sercumprido se esta for incorporada ao cur-rículo desde o início do curso.

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Além dos elementos já explicitadosaté o momento, insistimos na necessida-de de os cursos de formação de profes-sores contemplarem em seus currículos aTeoria do Conhecimento e a Epistemolo-gia, visto que cada área do conhecimentotem diferentes objetos, que exigem distin-tas abordagens. Portanto, a metodologiade ensino de uma determinada disciplinaexige, além de conhecimentos de índolehistórica, sociológica, política, ideológica,cultural, psicológica, também e inelutavel-mente, a compreensão de como, nela, sedá o processo de construção do conheci-mento. Tal compreensão é imprescindívelpara que se possam planejar objetivos,métodos, técnicas e a avaliação da apren-dizagem. Pensar tais componentes do pla-nejamento desligados de uma epistemo-logia leva a um reducionismo metodológi-co, como se existisse a metodologia deensino que servisse a todos e a tudo.

Em face do exposto, percebe-seque formar professores é tarefa exigente.Tarefa a que a universidade deve se en-tregar não como algo a ser cumprido, mascomo compromisso assumido, com umasociedade profundamente necessitada deprofessores e onde a questão educacio-nal é o "calcanhar de Aquiles" que nos en-vergonha perante o mundo.

Seguramente, cada universidadedeverá encontrar seu caminho para darconta desta difícil empreitada. Um dessespossíveis caminhos é a criação, no âmbi-to das universidades, dos Institutos Supe-riores de Educação ou, se não quisermossobrepor figuras jurídicas, dos Centros deFormação do Magistério.

Tais Centros congregariam todas asatividades pertinentes à formação deprofessores:

. Curso de Formação de Professo-res de Educação Infantil e Séries Iniciais,não como uma habilitação do curso dePedagogia, mas de responsabilidade detodas as licenciaturas.

. Curso de Pedagogia, com a finali-dade de formar os professores responsá-veis pelas disciplinas pedagógicas doscursos de Formação de Professores e obacharel em Ciências da Educação. Nestesentido, somos favoráveis à postura deLibâneo (1998) e contrários à da comis-são de Especialistas, responsável pela ela-boração das Diretrizes Curriculares do Cur-so de Pedagogia, que estabelece a docên-cia como base da identidade profissional

do pedagogo. Esta é uma discussão quemerece um outro espaço para aprofunda-mento; no entanto, apenas para adiantaruma questão crucial, destacamos que a for-mação de professores das séries iniciais,quando restrita ao curso de Pedagogia, ficaseriamente comprometida no que se refe-re às metodologias de ensino. Não cabesomente ao pedagogo a responsabilidadede formar o professor das séries iniciais,pelo contrário, por algumas experiênciascolocadas em prática através de Projetosde Ensino (Rezende, 1998), esta pareceuma responsabilidade a ser assumida pelopedagogo, em ação conjunta com os pro-fissionais formados nas licenciaturas espe-cíficas. Além disto, a ênfase na formaçãode professores das séries iniciais a ser rea-lizada, no curso de Pedagogia, dá a este ocaráter de curso normal superior, o que oempobrece e o desvia do que entende-mos ser a sua verdadeira identidade: for-mar profissionais com visão abrangente,que tenham a possibilidade de atuar nosvariados ambientes educacionais.

. Cursos de pós-graduação na áreade Educação, aí incluídas as atuais habili-tações do curso de Pedagogia: OrientaçãoEducacional, Supervisão Escolar, Adminis-tração Escolar ou Gestão Escolar, entreoutras, a serem ofertadas em nível deEspecialização.

. Cursos de Capacitação paraProfessores da Educação Básica, açambar-cando os cursos de Capacitação Pedagó-gica para Professores não Licenciados epara Docentes do Ensino Superior.

. Núcleos de Estudos e Pesquisasem Educação a Distância, AvaliaçãoEducacional, Educação de Jovens eAdultos, Educação Ambiental, entre outros.

Enfim, propomos que todas asexperiências relativas à formação deprofessores que se dão no âmbito de umauniversidade, devem ter um locus catali-sador e disseminador.

Consideramos como um dos proble-mas organizacionais o fato de as atuaislicenciaturas já pertencerem a determinadosdepartamentos, e não seria adequadodesestruturar o estabelecido. A interlocu-ção poderá ocorrer se existir no Centrode Formação de Professores um órgão queaglutine representantes de todas as licen-ciaturas, onde as questões relativas àformação de professores sejam discutidase assumidas em conjunto.

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Incorporar uma atitude dialógica aoespaço universitário não é fácil tarefa. Énecessária uma predisposição para superar:procedimentos cristalizados, desavençasde todas as índoles, desconsideração parao que não deriva do próprio habitat,tendência ao isolamento tanto intra-univer-sitário como em relação às demais instân-cias educacionais.

Pensar um Centro de Formação deProfessores é não só pensar o novo a par-tir do já existente, criando um terreno deinterlocução intra-universitário, como

também se predispor a conviver com atoressociais que hoje partilham ou não, oupartilham parcamente do cotidiano dauniversidade: secretarias de educação,movimentos populares, OrganizaçõesNão-Governamentais (ONGs), movimen-tos eclesiais de base, empresas, entreoutros. Todos estes organismos estãovivenciando experiências no campoeducacional extremamente ricas. No en-tanto, a universidade, como um todo,passa ao largo delas.

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Recebido em 23 de agosto de 1999.

Silza Maria Pasello Valente, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Edu-cação da Universidade Estadual Paulista (Unesp) – Campus de Marília, é professora daUniversidade Estadual de Londrina (UEL), onde exerce atualmente a função de diretorade Apoio à Ação Pedagógica, na Coordenadoria de Assuntos de Ensino de Graduação.

Abstract

In this paper, the role of universities and higher education institutes regarding teacherstraining is discussed. After contextualizing the theme, the issue is introduced as onepertaining more to the characteristics of the training than to the locus it takes place.

Key-words: superior institutes for education; teachers' training.

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Libânia Nacif Xavier

Regionalização da pesquisa e inovaçãopedagógica: os Centros de PesquisasEducacionais do Inep (1950-1960)*

ESTUDOS

Palavras-chave: pesquisaeducacional; experimentaçãopedagógica; história daeducação; 1950-1960.

* Este artigo é parte de umcapítulo da tese de doutoradoO Brasil como laboratório:Educação e Ciências Sociaisno projeto do Centro Brasileirode Pesquisas Educacionais(1950-1960), apresentada aoPrograma de Pós-Graduaçãoem Educação Brasileira daPont i f íc ia Univers idadeCatólica do Rio de Janeiro(PUC-Rio), em julho de 1999.

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O Centro Brasileiro de Pesquisas Edu-cacionais (CBPE) foi uma instituição cria-da em 1956, sob a liderança de AnísioTeixeira, quando ele era diretor do InstitutoNacional de Estudos Pedagógicos (Inep),órgão ligado ao, então, Ministério da Edu-cação e Cultura (MEC). Durante os anos50 e 60, o CBPE reuniu educadores e cien-tistas sociais em um projeto ambicioso quetinha como metas prioritárias promover odesenvolvimento de pesquisas sobre edu-cação, a fim de subsidiar as políticas pú-blicas do setor implementadas no País.

A organização do CBPE em divisõesautônomas, dedicadas à Pesquisa Educa-cional (Depe), à Pesquisa Social (DEPS), àDocumentação e Informação Pedagógica(DDIP) e ao Aperfeiçoamento do Magistério(DAM), expressou a preocupação com oregistro e a sistematização de dados levan-tados nos grandes inquéritos e diagnósti-cos, ao lado do estímulo ao desenvolvimentode pesquisas sociais e educacionais. Cria-vam-se, assim, os meios materiais para afundação de um núcleo de estudos sobrea educação, com a organização de um vastoacervo bibliográfico e documental. Alémdisso, a preocupação em levar ao magis-tério as inovações pedagógicas, assimcomo os resultados de pesquisas e estudosrecentes, sobre temas pertinentes ao

ensino e à realidade social, orientou boaparte das atividades ali desenvolvidas.

A criação desse centro de pesquisasdestaca-se como mais uma das estratégi-as implementadas pelos renovadores doensino,1 no sentido de promover a espe-cialização e a autonomização do campoeducacional. Na virada dos anos 50 paraos anos 60, a estratégia de criação desseórgão estatal, voltado para o desenvolvi-mento de pesquisas científicas, determi-nou a articulação de intelectuais brasilei-ros com pesquisadores estrangeiros e or-ganismos internacionais em busca de no-vas parcerias, novos modelos analíticos ede incentivos financeiros.2

Durante os anos 50, verificou-se umamultiplicação de iniciativas no eixo Rio–São Paulo que deram origem a modelosinstitucionais diversos, entre os quais nosinteressa destacar a criação do CBPE, su-bordinado ao Inep e, portanto, à burocra-cia estatal. Seu caráter de instituição depesquisas e assessoramento técnico, so-mado à sua vinculação a órgãos interna-cionais como a Organização das NaçõesUnidas para a Educação, a Ciência e aCultura – Unesco (que garantiriam recur-sos financeiros à instituição), contribuirãopara que o Centro estabeleça uma rela-ção particular – nem totalmente indepen-dente nem propriamente autônoma – como campo político, ou seja, com o poder doEstado.

A mesma estrutura do Centro Nacio-nal reproduzia-se nos Centros Regionais,onde foram desenvolvidos estudos refe-rentes ao levantamento das condiçõeseconômicas, sociais, políticas e culturaisde cada região; além de estudos e proje-tos mais especificamente voltados para oprocesso ensino-aprendizagem. A criaçãodos Centros Regionais de Pesquisas Edu-cacionais (CRPE) foi progressiva. Aos pou-cos, Anísio Teixeira articulou as possibili-dades de apoio à iniciativa por parte deoutras instituições, selecionando tambémos nomes daqueles que convidou paradirigir os Centros de Pesquisa em cadaregião.

Para chefiar o Centro Regional deRecife, o convite foi endereçado a Gilber-to Freyre. A visão peculiar desse intelec-tual o levaria a relacionar a instituição re-cém-criada a um movimento de regionali-zação, imprescindível, na visão de Freyre,para a legitimação do projeto nacionalpartilhado pelo grupo. Inicialmente, para

Examina a estruturainstitucional do Centro Brasileiro dePesquisas Educacionais (CBPE/Inep/MEC), buscando observaraspectos significativos dasatividades desenvolvidas por esseórgão, durante os anos 50 e 60.

1 Estamos nos referindo ao grupode intelectuais que a partirdos anos 20 e 30 atuaram nasreformas do ensino nosEstados, relacionando oprocesso de reconstruçãonacional à renovação educa-cional em moldes modernos.Leia-se moderno a partir dabandeira de luta expressa noManifesto Educacional de1932, que defendia a demo-cratização das relações sociais,enfatizando a organização deum sistema de ensino públi-co, leigo e gratuito.

2 Com base em P. Bourdieu(1992), entende-se que o pro-cesso de autonomização docampo educacional encon-tra-se diretamente ligado aosesforços de demarcação deuma identidade própria aesse campo, em decorrênciada profissionalização/especia-lização de seus agentes, desua legitimação simbólica e/ou científica e da multiplica-ção e diversificação das ins-tâncias de consagração dosbens nele produzidos.

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dirigir o CBPE no Rio de Janeiro, AnísioTeixeira convidou Abgar Renault, que pre-feriu permanecer em Belo Horizonte, al-ternando a direção do Centro Regionalcom Mário Casasanta, enquanto PériclesMadureira de Pinho assumiu o cargo dediretor executivo do centro nacional. OCRPE de Porto Alegre ficou a cargo daprofessora Elooch Ribeiro Kunz e o CRPEda Bahia foi dirigido por Luís Ribeiro Senae Carmem Spínola Teixeira, irmã de Aní-sio. O CRPE de São Paulo articulou-se coma universidade; o de Belo Horizonte, coma Secretaria de Educação; o de Porto Ale-gre vinculou-se à universidade através daFaculdade de Filosofia; o de Recife per-maneceu no Inep; o da Bahia articulou-secom a Secretaria de Educação; enquantono Rio de Janeiro, o CBPE fez-se uma ex-pansão do Inep (Vianna Filho, 1990, p.139).

A criação do CRPE de São Paulo foiresultante de um convênio entre o Minis-tério da Educação, através do Inep, e daReitoria da Universidade de São Paulo(USP). Ali, pessoas ligadas aos Departa-mentos de Sociologia, de Pedagogia e deEstatística teriam trabalhado no planeja-mento e na organização daquele institutode pesquisas educacionais. Discursandona inauguração do centro paulista, em1956, Fernando de Azevedo festejou aabertura do campo educacional às ativi-dades de pesquisa, "lançando mão dasciências (...) para traçar diretrizes segurasà reconstrução educacional brasileira".Expressava, dessa forma, sua crença nosvínculos existentes entre educação e so-ciedade, entre educação e ciências soci-ais; entre o planejamento educacional e apesquisa social. Os CRPEs representavampara Azevedo a "transição de uma políticaempírica de educação para uma políticacientífica, realista e racional". Pode-se con-cluir que o empirismo a que Fernando deAzevedo se referia tem relação com umtipo de política educacional pautada naconcessão de benefícios sociais em trocade votos. Este tema foi retomado posteri-ormente por Darcy Ribeiro, quando afir-mou que a linha de ação política predomi-nante em educação, na época, correspon-dia a "uma concepção corrente segundoa qual o Inep tinha como função primordi-al distribuir verbas para os deputadosconstruírem escolas rurais para, em segui-da, forçar o Estado a nomear as professo-ras por eles indicadas".3

Buscando romper com as concepçõespredominantes no meio político, tanto oCentro Nacional quanto os Centros Regio-nais desenvolveram atividades fecundaspara o conhecimento da realidade educa-cional do País e, sobretudo, para o conhe-cimento de nossas formas de organizaçãosocial. Como meio de garantir soluções decontinuidade e avaliação dos planos e pes-quisas desenvolvidas, estimulou-se o levan-tamento, a ampliação e a sistematizaçãodo acervo de dados disponíveis sobre asrealidades regionais e nacionais.

O levantamento das atividades doCBPE teve como fonte privilegiada a leitu-ra, a sistematização e a classificação dosartigos e notícias publicados na revista doCBPE, Educação e Ciências Sociais. Aolongo de seus seis anos de existência(1956-1962), essa revista publicou um con-junto de ensaios, relatórios de pesquisa,análises de conjuntura e resenhas deobras, na área da educação e das ciênci-as sociais, que permitiram perceber impor-tantes aspectos do trabalho ali desenvolvi-do. Cabe esclarecer que este artigo temcaráter informativo. Ao descrever para oleitor os dados sistematizados na pesqui-sa, espera-se estar contribuindo para am-pliar o conhecimento sobre essa experiên-cia institucional, fornecendo informaçõesque podem contribuir para o desenvolvi-mento de futuros estudos sobre os temaspresentes no recorte efetuado.

A preocupação com a qualificação deprofessores ocupava um lugar central noprojeto do CBPE. Ao mesmo tempo quese criavam os centros regionais e os desti-navam à pesquisa, Anísio Teixeira não per-dia de vista o aperfeiçoamento do magis-tério. Em torno dessa preocupação, defi-niu-se o entendimento dele sobre o cará-ter da pesquisa educacional que se queriadesenvolver e em prol desta intenção mo-bilizou-se grande parte das atividades pro-gramadas para o Centro.

A DAM desenvolveu projetos destina-dos à formação e ao aperfeiçoamento deadministradores e orientadores escolares,especialistas em educação, professores deescola normal entre outros. Entre os cur-sos previstos, destacavam-se os cursos deaperfeiçoamento de professores para asescolas experimentais. A idéia inicial eraque cada centro regional organizasse umaEscola Experimental de Ensino Primário,destinada a servir de laboratório detestagem de novos métodos e procedimentos

3 Entrevista concedida porDarcy Ribeiro à equipe depesquisa do Departamentode Educação da PontifíciaUniversidade Católica do Riode Janeiro (PUC-Rio) em1995. (Mimeogr.)

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de ensino e a possibilitar o desenvolvimentode estudos e pesquisas sobre o específicoescolar. Contudo, apenas os Estados doRio de Janeiro e da Bahia mantinham es-colas experimentais. Na Bahia, o trabalhoexperimental era desenvolvido no CentroEducacional Carneiro Ribeiro, onde eraministrado o ensino regular por meio demétodos ativos. Existia também uma Es-cola Parque que se destinava a atividadesmanuais, culturais e sociais. No Rio de Ja-neiro, o centro de experimentação peda-gógica funcionava na Escola Guatemala,onde se realizavam constantes reuniões deestudos e orientação relativas ao Progra-ma de Aperfeiçoamento de Professores.

As escolas experimentais ou escolas-laboratório deveriam funcionar como campopara obtenção de dados e observação dosproblemas do ensino primário. Ali, eramrealizados estágios dos diversos cursospromovidos pelo Centro. Tanto a escola doRio de Janeiro como a da Bahia recebiamestagiários de outros Estados do Brasil. Aidéia básica era oferecer iguais oportuni-dades às crianças de camadas populares,organizando a escola – a arquitetura, osprogramas, os métodos de ensino e a vari-edade de cursos – de forma a adequá-laàs necessidades e possibilidades de suaclientela preferencial. As denominaçõesescolas de demonstração; escolas experi-mentais ou escolas-laboratório, justificama idéia que as embasava, tendo em vistaque ali seriam organizados centros de es-tudos para a implementação e a avaliaçãode métodos experimentais de ensino que,devidamente testados, pudessem seradaptados e generalizados para outrosestabelecimentos escolares.

O projeto das escolas experimentaisdefendia um modelo de escola que ampli-asse ou mantivesse, ao invés de reduzir onúmero de séries e o tempo de permanên-cia da criança na escola, enriquecendo osprogramas com atividades educativasindependentes do ensino propriamenteintelectual. Foi com o objetivo de oferecerum modelo para esse tipo de escola queAnísio Teixeira projetou, na Bahia, os Cen-tros de Educação Primária. O Centro Edu-cacional Carneiro Ribeiro foi idealizadoantes de 1950, quando Anísio Teixeira erasecretário de educação do Estado daBahia, mas, somente em 1962 é que, gra-ças ao auxílio federal concedido pelo Inep,tornou-se possível concluir o projeto daescola de demonstração. A partir de 1956,

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o Centro passou a funcionar como escolaexperimental, tendo como sede um pré-dio de seis salas construído em 1955, lo-calizada em terreno do CRPE, em Salva-dor. Lá, a instrução era ministrada em trêsgrandes edifícios, com capacidade para960 alunos cada um e situados em trêspontos de população mais densa do Bair-ro da Liberdade. As demais atividadeseducativas realizavam-se na Escola Par-que, formada por um conjunto de pavi-lhões situados em ampla área no mesmobairro, e construídos pelo Inep. O pavilhãode Artes Industriais começou a funcionarem 1955, sob a direção e financiamentodo CRPE. Previa-se ainda a utilização dosconjuntos escolares como centros de trei-namento do magistério. Dessa forma, jus-tificava-se o seu custo elevado, assimcomo o caráter experimental do projeto,"destinado a servir de modelo para a re-construção da educação pri-mária e à formação donovo magistério reque-rido pela escola as-sim ampliada"(Teixeira, 1962,p. 26).

No Rio deJaneiro, a EscolaGuatemala tornou-se olaboratório de experimentação pedagógi-ca da DAM. Seu corpo de professores eraformado por profissionais que optavampor exercer uma dupla função: a de do-centes da rede municipal e a de bolsistasdo Inep. Nessa condição, os professoresregentes desenvolviam sua prática e re-cebiam professores de outros Estados,formando uma equipe voltada para a pes-quisa em sala de aula. Dessa maneira, aspossibilidades didáticas verificadas naEscola Guatemala poderiam ser difundi-das nos locais de origem dos professoresbolsistas. Ela foi, pois, um celeiro de ondese escolheram inúmeros profissionaispara, por exemplo, lecionar no curso deformação de professores – antigo cursonormal – do Instituto de Educação, bemcomo para exercer funções de destaqueem órgãos da Secretaria de Educação(Passos, 1996). Além do atendimento àclientela escolar de 1ª a 4ª série, a EscolaGuatemala dava abertura a um novo cam-po de formação profissional, oferecendoestágios para professores bolsistas deoutros Estados, proporcionando um inter-câmbio dinâmico de saberes. Isso porque

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4 A seção "Noticiário do CBPE"era composta fundamental-mente por relatórios dos tra-balhos desenvolvidos emcada um dos Centros Regio-nais, além de relatos de mis-sões científicas no País e noexterior, entre outras notíciasconsideradas relevantes.

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lá se recebiam professores que, ao retor-narem a seus Estados de origem, poderi-am atuar como multiplicadores da expe-riência da qual participaram no estágio.Alguns docentes da Escola Guatemalatambém haviam passado pela mesmaexperiência de aperfeiçoamento no CentroEducacional Carneiro Ribeiro.

É interessante assinalar que, no Cen-tro Regional da Bahia, a DDIP atuou deforma integrada à DAM, chegando a ela-borar um plano de pesquisa para averi-guar a evasão de cerca de 600 alunos naEscola Parque.

A função primordial da DDIP era defi-nida pela materialização de fontes e deoutros materiais a serem utilizados pelasdivisões de pesquisa do CBPE e demaispesquisadores. Embora funcionalmentelocalizadas como subordinadas às neces-sidades das divisões de pesquisa – queconstituíam o núcleo central da instituição– , as DDIPs incorporavam uma função decaráter mais imediato, no âmbito do pro-jeto de transformação das práticas

educacionais. De acordo com os relatóri-os de atividades dos Centros Regionais dePesquisa, publicados na Seção "Noticiário"da revista Educação e Ciências Sociais,4 aestrutura dos mesmos devia compreender,tal como no CBPE, uma biblioteca de edu-cação, um serviço de documentação e in-formação pedagógica, um museu pedagó-gico e os serviços de pesquisa e inquérito,de cursos, estágios e aperfeiçoamento domagistério e, quando possível, dentre ou-tros, serviços de educação audiovisual, dedistribuição de livros e material didático.

No plano de organização do CBPE edos Centros Regionais, constavam os se-guintes fins e objetivos para essas Divisões:1) a documentação da educação, de ciên-cias sociais e demais fontes da educação,cumprindo-lhe, ainda, manter a mais com-pleta brasiliana que for possível; 2) docu-mentação relativa às necessidades dosestudos e pesquisas desenvolvidas pelasdiferentes divisões; 3) cadastro bibliográfi-co e de instituições educacionais; 4) in-formação, intercâmbio e divulgação;

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5) publicações; 6) museu pedagógico des-tinado a demonstrar a evolução das doutri-nas, práticas educacionais, do material deensino, especialmente em relação ao País,cabendo-lhe, ainda, manter filmoteca, dis-coteca, arquivo de fotografias e gravuras.

Dentre as atividades desenvolvidaspelas DDIPs, constavam a exposição depublicações, documentação e material di-dático sobre a atuação da Organização dasNações Unidas (ONU), evento que apre-sentou, ainda, a exposição de aparelhospara o ensino das ciências. Esta divisãotambém distribuía livros e colocava à dis-posição dos professores equipamentos emateriais de ensino, como laboratório deQuímica, projetores, etc. Como atividadesrotineiras, a DDIP do CBPE registrava a in-tensa correspondência com professores eadministradores escolares do Distrito Fe-deral, em busca de informações e esclare-cimentos sobre assuntos correlatos às suasatividades. As notícias relativas à DDIP doRio Grande do Sul davam destaque aosserviços de sua biblioteca, que ofereciainformações sobre publicações de interes-se educacional, além de catalogar conci-sas biografias de personalidades do Esta-do. Na Bahia, a DDIP iniciou suas ativida-des com a realização de duas conferênci-as, com o objetivo de reunir orientação bi-bliográfica sobre psicologia e sociologiaeducacional, para atender a alunos e pro-fessores das faculdades de filosofia e decursos normais. Elaboraram, ainda, umCompêndio de História da Bahia, destina-do ao curso de Pedagogia.

Durante o ano de 1957, a DDIP daBahia realizou duas conferências, a fim detornar conhecido o Serviço de Documen-tação, versando sobre: Pesquisas das fon-tes bibliográficas da educação baiana eEvolução da educação baiana. Tambémrealizou cinco publicações: Reforma doensino na Bahia; Memórias históricas daFaculdade de Medicina; Autonomia educa-cional baiana; Psicologia educacional em4 bibliotecas baianas; e Sociologia educa-cional em 4 bibliotecas baianas. As duasúltimas procuravam atender os professo-res e alunos das Faculdades de Filosofia eEscolas Normais, facilitando-lhes a locali-zação do livro. No ano seguinte, a seção"Noticiário" destacava como atividades prio-ritárias da DDIP: a constituição de acervodocumental sobre a educação na Bahia; arealização de pesquisas e levantamentosbibliográficos; e a pesquisa das fontes

bibliográficas para o estudo da história daeducação baiana. Como coroamento des-te esforço, divulgava-se a elaboração doCompêndio de História da Bahia, destina-do ao curso pedagógico. Esta obra esta-va vinculada a um programa mais geralde publicações, cujo objetivo era reunir emdiversos volumes um conjunto significati-vo de fontes para o estudo da história daeducação brasileira em cada Estado doPaís.

Em Minas Gerais, essa divisão rece-beu o nome de Serviço de Orientação eDivulgação Pedagógica, registrando comoserviços de destaque a existência de umabiblioteca que oferecia consultas e trocavacorrespondências, esclarecendo dúvidase fornecendo informações aos professoresmineiros. Possuía também uma gráficaonde se imprimiam trabalhos educativos.

Porém, foi na Divisão de Estudos ePesquisas Educacionais (Depe) que sedesenvolveram as atividades mais dire-tamente voltadas para o conhecimentoacerca da situação da rede escolar – seufuncionamento administrativo, os resulta-dos formais dos serviços educacionais,verificados com base nos índices de apro-vação e repetência; de matrículas e deevasão, entre outros aspectos. No que serefere à temática e à metodologia, a prin-cipal característica das pesquisas desen-volvidas nas Depes aponta para a conti-nuidade das Campanhas que começarama ser desenvolvidas em 1952, antecedendoa estruturação do CBPE: a Campanha deInquéritos e Levantamentos do EnsinoMédio e Elementar (Cileme) e a Campa-nha do Livro Didático e Material de Ensi-no (Caldeme). A primeira tinha em vistareunir dados da situação do ensinomédio e elementar que servissem desubsídio para o planejamento educacionaljunto às administrações estaduais emunicipais de educação. A segundapropunha-se a contribuir para a renovaçãoda literatura pedagógica, mediante a revisãode livros de leitura e a análise dos livrosdidáticos em uso nas escolas; a elaboraçãoe distribuição de guias de ensino, livros,textos e manuais para o professorado darede pública de ensino. Fiéis ao espíritoque animou as Campanhas, as Depes nosCentros Regionais orientaram suas ativi-dades no sentido de ampliar os inquéritose levantamentos já iniciados, dandocontinuidade também ao estudo crítico e

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5 No entanto, não se pode ge-neralizar tal afirmação, sobre-tudo se observarmos a rela-ção de pesquisas programa-das pelo CRPE do Recifepara o período 1958-1959.Pelos títulos das pesquisasdivulgadas na seção "Notici-ário" da revista do CBPE, épossível perceber a íntimarelação estabelecida entre oproblema educacional e ascondições sociais e culturaiscircundantes. É o caso daspesquisas intituladas: Cons-trução de Programa de Ensi-no Primário adaptado às ne-cessidades de cultura e deintegração social da escolano meio, apresentada porIsnar Cabral de Moura; A Edu-cação da mulher no Recife;Subsídios para uma pedago-gia do menor delinqüente; eAjustamento emocional deprofessoras primárias no inte-rior de Pernambuco; as trêsúltimas apresentadas porPaulo Silveira Rosas.

6 O Ponto IV foi um Programade Cooperação Técnica Inter-nacional proposto em 1949pelo presidente dos EUA,Harry Truman, aos países daAmérica Latina. Consubstan-ciando o quarto ponto do dis-curso do presidente norte-americano, o programa pro-punha acordos de coopera-ção técnica e o intercâmbiode serviços técnicos especi-ais, abrangendo as áreas deeconomia, administração pú-blica, saúde, educação, ali-mentação, etc. Na área daeducação, o Ponto IV dedi-cou-se à formação de profes-sores que, por sua vez, vies-sem a formar profissionaispara a indústria. (ver Abreu,Beloch, 1984).

7 Em agosto de 1956, o gover-no brasileiro deu sua aprova-ção à execução do ProjetoMaior (Ofícios 855 e 910 doMEC), atribuindo à Depe doRio de Janeiro a coordena-ção do curso, que deveriaacontecer em São Paulo, soba supervisão do Centro Re-gional Paulista e em coope-ração com o Ministério dasRelações Exteriores, pormeio de sua Divisão Culturale do Instituto Brasileiro deEducação, Ciência e Cultura(Ibecc), e com a Universida-de de São Paulo (USP). Aodar sua aprovação ao Proje-to Maior, o governo brasilei-ro, representado pelas lide-ranças do CBPE, pleiteou oenvio de especialistas daUnesco para colaborar comos técnicos brasileiros nosCRPEs em cursos de forma-ção e aperfeiçoamento deprofessores, diretores e su-pervisores de escolas nor-mais; a realização de um se-minário com a assistência de

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à elaboração de material didático. Assim,apesar de a estratégia do lançamento deCampanhas já ter sido ultrapassada com ainstitucionalização do CBPE, a pesquisa pe-dagógica desenvolvida nas Depes pareceter mantido a abordagem quantitativista queorientou as campanhas de levantamento dedados sobre situações do ensino, poucoavançando no sentido de uma abordagemqualitativa da questão educacional.

O que salta à vista, na maioria daspesquisas apresentadas, é a amplitudedos dados que se buscava reunir, com opropósito de primeiro caracterizar a situa-ção regional, para em seguida caracteri-zar a situação institucional do sistema es-colar. Nesse esforço, a amplitude e aabrangência dos dados, em geral denatureza diversificada – econômicos, fisi-ográficos, demográficos, administrativos,legislativos, comportamentais, etc.– parecia valer mais que as possibilida-des de se estabelecerem relações entreum escopo mais reduzido de dados a partirde um recorte temático mais específico.Os procedimentos em torno dos quais seapresentam tais pesquisas ficavam restritosassim à produção de levantamentossobre a quantidade e distribuição geográ-fica de estabelecimentos escolares, refe-rentes a determinado nível de ensino ou,preferencialmente, ao ensino médio e ele-mentar, assim como aos índices de rendi-mentos dos serviços prestados, como osreferidos anteriormente. Também sãobastante comuns os diagnósticos relativosa problemas do ensino, sendo estesformulados com base em questionáriosdistribuídos aos agentes escolares (dire-tores, professores ou outros, conforme ocaso), com amostragem variada. Não foipossível perceber a existência de critériosbásicos ou de padrões comuns para sedefinir o nível de generalização que esteslevantamentos poderiam oferecer. Porserem levantamentos tópicos, localizadosgeográfica e institucionalmente, é bem pro-vável que não existisse mesmo intençãode se chegar a uma avaliação da situaçãodiagnosticada, deixando a análise – tópi-ca ou comparada – de caráter qualitativo,para trabalhos posteriores ou mesmopara outros especialistas. Dessa forma,parece que na divisão de trabalho expres-sa na estrutura do CBPE coube à Depe,talvez por tradição, uma certa preferênciapela abordagem quantitativista da questãoeducacional, medida por meio dos

levantamentos e inquéritos realizados, comvistas a uma melhor caracterização do sis-tema formal de ensino, informando sobresua capacidade física, suas possibilidadeslegais e seus pontos problemáticos. Pou-cas foram as pesquisas desenvolvidas nasDepes nas quais figurassem temas maisgerais como o das relações entre escola ecultura ou entre métodos e conteúdos deensino e vida social.5

As linhas de trabalho que se voltavammais diretamente para a avaliação, elabo-ração e publicação de material didáticoparecem ter alcançado resultados mais efe-tivos no desenvolvimento de pesquisasaplicadas às necessidades prementes dotrabalho empreendido no interior das es-colas da rede pública de ensino. Outrosestudos voltavam-se para a reedição detextos com o intuito de divulgar, para omagistério, os conhecimentos e as infor-mações considerados úteis para forneceraos professores uma visão mais operativado mundo, fornecendo-lhes instrumentoscapazes de ampliar o conhecimento daeducação e da escola.

Dentre as atividades desenvolvidaspelas Depes, ganharam relevância, cadavez maior, os cursos de formação de es-pecialistas para atuarem na gestão esco-lar e os de formação de pesquisadores eestudiosos dos problemas educacionais.Dentre os cursos ministrados pela Depe, oque alcançou maior impacto foi o Cursode Especialistas em Educação para a Amé-rica Latina. Este curso fazia parte do Proje-to Maior nº 1 da Unesco, em parceria como Ponto IV, e foi promovido pelo CBPE/CRPE de São Paulo.6 O Projeto Maior nº 1da Unesco apresentava como meta geralpromover a generalização e melhoria doensino primário e a formação de professo-res e especialistas em educação na Amé-rica Latina. O curso tinha duração previstapara um período de 10 anos, a começarem 1957, e propunha-se a promover a for-mação universitária de especialistas emeducação (administradores, inspetores,conselheiros, diretores de escolas, etc.).7

O primeiro curso de formação de es-pecialistas em educação funcionou em1958, de março a dezembro, e, em 1959,iniciava-se a segunda turma. Entre 1958 e1963, foram realizados cinco destes cur-sos, reunindo educadores latino-america-nos e brasileiros dos seguintes campos:formação e aperfeiçoamento do magisté-rio, planejamento, organização, supervisão

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e administração. A seção "Noticiário" de1962 previa, ainda, a realização de outroscursos, destacando-se, entre estes, os cur-sos de Aperfeiçoamento em Serviço; Pes-quisadores em Administração; e Prática daEducação. Em 1963, realizou-se o V Cursode Especialistas em Educação, oferecen-do aos bolsistas brasileiros e latino-ameri-canos as seguintes opções por área deespecialização: treinamento em pesquisaeducacional, formação de especialistas emeducação e em recursos audiovisuais.

Em consonância com as recomenda-ções tiradas do Seminário Interamericanosobre Planejamento Integral da Educação(Unesco/OEA/Cepal), o objetivo fundamen-tal destes cursos era treinar em pesquisaeducacional trabalhadores dos staffs dosvários Centros de Pesquisas Educacionaisdo Inep e assessores técnicos da adminis-tração educacional dos Estados brasileiros,e também de países latino-americanos,observando-se a ênfase no trato científico,racional e objetivo, dos problemas da ad-ministração escolar. Por sua vez, a idéia deformar especialistas educacionais de dife-rentes regiões consubstanciava a crençade que a multiplicação de lideranças tec-nicamente competentes constituiria a basesobre a qual o sistema escolar e a vidaeducacional dos países da América Latinase ajustariam às necessidades de desen-volvimento cultural e econômico.

Segundo Anísio Teixeira (1958, p. 6),a idéia da formação de especialistas que aUnesco oferecia indicava que as mudan-ças decorrentes da massificação do ensi-no requeriam novos padrões de formaçãoe de atuação profissional. Na visão do edu-cador, o processo de especialização/buro-cratização da instituição escolar era umaresposta às mudanças provenientes damassificação, em função da qual as novasrelações estabelecidas requeriam um novotratamento dirigido aos alunos e aos mes-tres. Nesse sentido, ele frisava a necessi-dade de especialização sem admitir, noentanto, a possibilidade de hierarquizaçãoe fragmentação das atividades do magis-tério. Assim, a formação de especialistas,para os quais o curso acenava, deveria re-presentar projeções do antigo mestre emcapacidades específicas que, naquelemomento, já não eram passíveis de seremdesempenhadas sem a ajuda de especia-listas, ante a "complexidade das tarefaseducativas da sociedade moderna".

Para fazer frente a tamanha comple-xidade, a estrutura do CBPE previa a exis-tência de uma Divisão de Estudos e Pes-quisas Sociais (DEPS). Para o interessedeste artigo, importa destacar a dinâmicadesta Divisão de Pesquisas, no cruzamen-to entre projetos específicos que ora dis-putaram espaço, ora se associaram emtorno a objetivos comuns. A atuação inci-siva de Darcy Ribeiro e seu relacionamen-to, cada vez mais próximo, com AnísioTeixeira, dariam a esta Divisão papel pro-eminente no desenvolvimento das ativida-des de pesquisa que justificaram a cria-ção do Centro, da mesma forma que im-pulsionaram, decisivamente, o desenvol-vimento de linhas de pesquisa na área dasciências sociais. Se a marca de AnísioTeixeira funda o projeto do CBPE, a dinâ-mica de seu funcionamento nos remete àativa participação de Darcy Ribeiro. Nadireção da Divisão de Estudos e Pesqui-sas Sociais, ele atuou ativamente na pro-posição de linhas de pesquisa junto aospesquisadores que compunham a van-guarda das ciências sociais no Brasil.

As linhas de pesquisa ali desenvolvi-das refletiam as intensas transformaçõesocorridas no País, nos anos 40 e 50. Nes-se período, o País apresentava os sinaisde uma sociedade em trânsito, marcadapelo rápido crescimento da urbanizaçãoe da industrialização; pela intensificaçãodas migrações internas e pela emergên-cia de movimentos sociais e partidos polí-ticos, em meio ao surgimento de novosatores que iriam promover a reestrutura-ção das hierarquias sociais e modificar anatureza das demandas sociais. Assim, otema da mudança social povoou as pes-quisas sobre os mais variados temas davida social brasileira.8

Dentre os estudos programados, ob-serva-se a relevância alcançada pelas pes-quisas sobre as hierarquias de prestígioocupacional, o trabalho e suas relaçõescom a educação escolar em diferentes ní-veis. Naquele momento, a inclinação fun-damental residia nos conhecimentos daestrutura e da organização social, comatenção especial para os processos demobilidade social e a assimilação cultural.Tal inclinação estava relacionada com otema do desenvolvimento, e seu estudoapresentava-se como uma espécie determômetro dos níveis de desenvolvimentoalcançados. Assim, enquanto a mobilidadede status social era tomada como indicador

técnicos estrangeiros, desti-nado ao aprimoramento depessoal envolvido com o trei-namento e o aperfeiçoamen-to de professores em exercí-cio no País; a concessão porparte da Unesco de 20 bol-sas de estudo para preparode especialistas de diversosEstados brasileiros, em arti-culação com os CRPEs; oauxílio das universidades la-tino-americanas nas investi-gações em matéria de edu-cação e mediante o estabe-lecimento de número limita-do de bolsas de estudo paraprofessores e alunos.

8 O levantamento das linhas depesquisa inicialmente progra-madas pela DEPS/CBPE foifeito com base no primeironúmero da revista de divulga-ção do CBPE, Educação eCiências Sociais, v. 1, n. 1,mar. 1956. Os quadros mon-tados em função desse levan-tamento foram publicadosem Xavier, 1997.

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de modernização, uma estratificação so-cial rígida denotava um obstáculo ao de-senvolvimento social. De maneira geral, ostrabalhos voltavam-se para o entendimen-to da educação como processo de socia-lização, que passa a ser entendido pormeio da análise dos processos de integra-ção e assimilação de grupos de culturasdiferentes.

Boa parte das pesquisas incluía umamplo programa de levantamento das ca-racterísticas da região estudada, compre-endendo dados sobre a história, a geo-grafia, a demografia e a economia da re-gião e dos municípios. O levantamento daconfiguração ecológica visava mapear adistribuição espacial da população, dasinstituições e associações no quadro ru-ral e urbano. Para além da coleta de da-dos, alguns programas de pesquisa pro-punham o estudo da organização da fa-mília, dos padrões de comportamento, dosprocessos de socialização, da organiza-ção e funcionamento do sistema escolare de outras agências, como as instituiçõesreligiosas, os centros recreativos, etc. Aabertura era ampla, e a análise da proble-mática educacional, que não se queriarestrita, situava o tratamento das questões

ligadas à educação formal e informal, noslimites da sua relação com os demaisaspectos constitutivos do universo culturaldas comunidades estudadas, localizandoa instituição escolar em meio a outros es-paços de realização da vida da comunidade.

Em que pese a variedade de temas,objetos e métodos de pesquisa observados,é visível a importância que os chamadosestudos de comunidade foram adquirindona dinâmica do CBPE. As linhas de pes-quisa relacionadas com os estudos de co-munidade consolidaram a predominânciadesta forma de conceber as ciências sociaisno interior do CBPE. Esta perspectivaganhou maior evidência quando Darcy Ri-beiro formulou o Programa de Pesquisasem Cidades-Laboratório. Segundo o coor-denador da Deps, o principal objetivo des-te programa era "tomar municípios-tipo quese defrontassem com problemas educaci-onais comuns a cada uma das regiões maisdiferenciadas do Brasil, para constituí-losem laboratórios de estudos e, posterior-mente, de experimentação educacional"(Ribeiro, 1958). Articulado a este progra-ma de pesquisas, o Plano de Estudos emComunidades Urbanas seguia a mesmaorientação metodológica enfatizando, noentanto, o estudo das condições de socia-lização e das relações entre ensino formale as formas culturais em curso nas comu-nidades urbanas representativas das regi-ões culturais brasileiras.

A pesquisa empírica, consubstanciadanos estudos de comunidade, associada auma visão pragmática da educação, consti-tuiu a linha teórico-metodológica maisdiretamente sintonizada com a tradiçãointelectual que, em certa medida, sepretendia instaurar no CBPE. A opçãopelos estudos de comunidade enfatizavao caráter regional da pesquisa, e sua origi-nalidade estava no fato de que, pela pri-meira vez, se propunha que o Estado as-sumisse o apoio e o incentivo a iniciativasregionais de estudo e investigação. O queestava por trás dessa formulação era a con-cepção de desenvolvimento nacional arti-culado aos processos de transição verifi-cados em cada região do País. Tal formu-lação recomendava o estudo e o conheci-mento das características regionais e, apartir destes, a intervenção no sentido depromover ajustes necessários para orien-tar os processos de transição regional nosentido do desenvolvimento nacional.

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Conclusão

Ao reconstituir a dinâmica de funcio-namento do CBPE, percebe-se o cruza-mento entre vários projetos que se fizeramconvergentes naquele momento. Em pri-meiro lugar, identificamos o projeto de Aní-sio Teixeira, principal articulador do CBPE,como continuidade das estratégias de umgrupo de intelectuais voltados prioritaria-mente para a profissionalização e a espe-cialização do campo educacional. Nessesentido, o projeto de constituição de umaidentidade específica do campo educacio-nal, como área de aplicação científica,mobilizou um amplo programa de profissi-onalização de seus agentes, associado auma estratégia de aproximação do campocientífico.

Do ponto de vista de uma interpreta-ção retrospectiva, dois projetos se interca-laram naquela experiência e, de certa for-ma, se auto-alimentaram: de um lado, oprojeto nacional, com ênfase na reformaeducacional, defendido por Anísio Teixeira

e pelo grupo de educadores a ele ligados,e de outro, o projeto de institucionaliza-ção das ciências sociais e de reafirmaçãoda atividade científica.

Situado no contexto do pós-guerra, oCBPE foi fruto de intensas negociaçõescom representantes da Unesco, benefici-ando-se dos recursos financeiros e da as-sessoria de cunho técnico e organizacio-nal, formulados pela entidade com vistasa fornecer subsídios para a implementa-ção de políticas de desenvolvimento eco-nômico e de equalização social nos paí-ses do terceiro mundo.

Tal como foi pensado por AnísioTeixeira, o projeto do CBPE correspondeuaos ideais desenvolvimentistas alimenta-dos nos anos 50, consubstanciando acrença no planejamento racional das po-líticas públicas e incorporando a esperan-ça no papel da educação como fator deprogresso cultural e de estabilização so-cial. Nessa linha, a orientação propostapara o desenvolvimento de pesquisas noCentro ressaltava o sentido imediato e prá-tico, propondo uma metodologia de tra-balho capaz de mobilizar o pessoal dasescolas, os cientistas sociais e os especia-listas em educação, destacando-se a im-portância de promover o envolvimento dacomunidade no ambiente escolar.

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XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como laboratório : educação e ciências sociais no Projetodo Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE / 1950-1960). Rio de Janeiro,1999. Tese (Doutorado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Recebido em 17 de dezembro de 1999.

Libânia Nacif Xavier, doutora em Educação Brasileira pela Pontifícia UniversidadeCatólica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), é professora da Faculdade de Educação daUniversidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Abstract

The main focus is on examining the institutional structure of the Brazilian EducationalResearch Center (CBPE/Inep/MEC), attempting to note significant aspects of the activities,emphasizing the perspective of pedagogical innovation and the strategies for researchregionalization that accompanied the studies and actions developed in the institutionalnetwork that started with the creation of CBPE.

Key-words: educational research; pedagogical experimentation; history of education;1950-1960.

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Palavra do Editor

No Centenário de Nascimento deAnísio Teixeira (1900-2000), a RevistaBrasileira de Estudos Pedagógicos(RBEP) junta-se às comemorações epresta sua homenagem ao grandeeducador.

A partir deste número, e nos seguintes195 e 196, a revista republicará, naseção Segunda Edição, artigos de Anísioaparecidos originalmente em sua páginas.Sem dúvida, a RBEP é o lugar adequadopara homenageá-lo, uma vez que partesignificativa de sua trajetória comoeducador, pensador e homem público foiconstruída no Inep e esteve ligada,particularmente, à RBEP, que serviu deveículo e tribuna para suas idéias.

Anísio, como se sabe, foi diretor doInep durante doze anos (1952-1964),

e seu nome está associado ao da insti-tuição de tal forma, que muitos o consi-deram o seu fundador, quando, de fato,o primeiro diretor do Inep foi LourençoFilho. Nesse período, foi também um dosmais atuantes diretores ("editores") darevista, da qual lançou 47 números, e umdos seus articulistas mais prolíficos, tendonela publicado 45 artigos, dos quais 33,quando diretor do Inep. Se somados osedi tor ia is e d iscursos, as notas eresenhas, sua produção textual na RBEPse aproxima da marca notável de 80 textos.

Sob sua direção, a revista tomounova orientação, tendo se tornado o prin-cipal canal dos debates em defesa daescola pública e da democratização doensino, que haveriam de conduzir àaprovação da Lei nº 4.024/1961, de Dire-

trizes e Bases da EducaçãoNacional.

Os artigos seleciona-dos para republicaçãosão trabalhos produzidosna década de 50, nosanos em que Anísioesteve à frente do Inepe da RBEP, e que paraalém das motivaçõescontextuais que lhes

deram or igem,resistem ao

t e m p o ,

SEGUNDAEDIÇÃO

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 93-94, jan./abr. 1999.

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94 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 93-94, jan./abr. 1999.

mantendo-se atuais, tanto pelos temasabordados quanto pelas sugestõespropostas para a solução dos problemaseducacionais brasileiros. Isto pode serobservado no artigo constante destenúmero, no qual, mediante uma exposiçãoobjetiva, mas não isenta de paixão, sãodelineadas as condições para a discus-são e o planejamento do financiamentodos sistemas públicos de educação.

A atualidade de Anísio está bemdestacada no ensaio que abre a seçãoSegunda Edição, de autoria da Profª ZaiaBrandão, no qual são sintetizadas aslinhas mestras do seu pensamento e do

seu projeto de escola pública e cotejadosalguns problemas apontados por ele nosanos 50 com os enfrentados meio séculodepois.

Esperamos, assim, que esse pequeno,mas representativo, conjunto de textospossa oferecer aos leitores um renovadoe proveitoso contato com as idéias do"mestre". É bem verdade que há um certodescompasso temporal entre o ano come-morativo do centenário de nascimento deAnísio e o da nossa homenagem... mashaverá data para celebrar uma figura tãopresente como a de Anísio?

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SEGUNDAEDIÇÃO

Zaia Brandão

Palavras-chave: AnísioTeixeira; escola pública;política educacional.

Diálogo com Anísio Teixeirasobre a escola brasileira

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 95-101, jan./abr. 1999.

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Imagina um diálogo comAnísio Teixeira, no ano em quecomemoramos e seu centenário.Inicialmente, sintetiza algumaslinhas mestras do seu projeto deescola pública para, em seguida,cotejar alguns dos problemas daescola pública brasileiraassinalados no início dos anos 50pelo grande educador com os queela enfrenta quase meio séculodepois. Finaliza o diálogoinventariando alguns avançosconseguidos pelas atuaisgerações de educadores.

A proposta, deste ensaio, é retomaralgumas linhas do pensamento de AnísioTeixeira sobre a escola pública e confrontá-las com as questões emergentes desde adécada de 70, numa tentativa de diálogocom o grande educador sobre os avanços,impasses e desafios que enfrentamos noprojeto de construção de um sistema deensino público adequado às demandas dasociedade brasileira neste final de século.

O projeto de escola públicade Anísio Teixeira

A história da educação brasileira re-gistra a partir da década de 20 um intensomovimento de reformas de ensino por todoo País. Por que e em que direção se da-vam estas reformas?

Anísio Teixeira foi um dos educado-res que esteve envolvido na verdadeiracruzada pela construção de sistemas es-colares públicos, expressa no movimentodas reformas estaduais das décadas de20 e 30. Ele foi um dos signatários doManifesto da Escola Nova (1932) que diri-gido ao povo e ao governo delineava todoum programa de renovação da educaçãoescolar, que deveria responder – ajustan-do-se e direcionando – às transformaçõessociais decorrentes do processo de in-dustrialização e modernização do País. Aescola "tradicional" que servira para a edu-cação das elites seria incapaz de atenderàs necessidades da maioria da populaçãobrasileira, nesta nova conjuntura.

Roberto Moreira, educador que traba-lhou diretamente com Anísio Teixeira, aoanalisar as características do desenvolvi-mento da sociedade brasileira, assinalaque o Brasil "era ainda um país extrema-mente inculto e subdesenvolvido" quandodo advento da República. No que se refe-re à Primeira República, enfatiza que nes-ta ocasião experimentava-se um sentimen-to da necessidade inadiável da criação deum sistema educacional e de outras insti-tuições culturais, que articuladas com odesenvolvimento urbano social respondiamao processo de amadurecimento políticoe social do povo brasileiro (Moreira, 1960).

Fundamentados na experiência dasreformas da década de 20 – que mais doque reformas foram tentativas de organizaros primeiros sistemas de ensino públicodo País – os pioneiros em 1932 afirmavam:"Em lugar dessas reformas parciais, quese sucederam, na quase sua totalidade,na estreiteza crônica de tentativas empí-ricas,1 o nosso programa concretiza umanova política educacional..."

Anísio Teixeira e os demais pioneirosdesenvolveram uma crítica sistemática aosistema escolar pela sua inadequação àtarefa de oferecer a toda a população con-dições de aprendizagem escolar. Só umaescola comum (única), laica, gratuita, obri-gatória e co-educativa seria uma institui-ção verdadeiramente democrática e, por-tanto, ajustada aos desafios de construiruma sociedade moderna, inclusiva e au-tônoma. Estas características, que hojepodem nos parecer socialmente óbvias,representavam à época um enorme avan-ço político e social e provocaram enormesreações, sobretudo por parte dos setores

1 No sentido de não planeja-das, imediatas.

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mais conservadores da sociedade. Elasexpressavam as condições visualizadaspelos educadores progressistas para asuperação de diferentes tipos de limites àampliação das oportunidades escolares:

l a defesa de uma escola comum ouúnica indicava o projeto de construção deum sistema público que oferecesse o mes-mo padrão de educação escolar a todasas classes, garantindo assim uma basecomum de formação do cidadão;

l o caráter laico da escola pública sig-nificava a reafirmação da separação entreo Estado e a Igreja, neutralizando a tradi-cional hegemonia religiosa sobre o ensi-no, e prevenindo qualquer discriminaçãode credo no sistema público de educação;

l a escola gratuita e obrigatória eracondição e estratégia para garantir o aces-so de todos os brasileiros ao ensino e àeducação comum;

l a co-educação, por sua vez, era umabandeira bastante avançada para a épo-ca, pois acenava para a igualdade entreos sexos, e para a convivência social queconsolidaria uma sociedade em que ho-mens e mulheres eram reconhecidos ci-dadãos de plenos direitos e deveres naconstrução da democracia.

Um dos maiores obstáculos à criaçãode uma escola comum, para aquela gera-ção de educadores, estava na evidênciade que,

a escola era para a chamada elite. O seuprograma, o seu currículo, mesmo naescola pública, era um programa e currí-culo para privilegiados. Toda a democra-cia da escola pública consistiu em per-mitir ao "pobre" uma educação pela qualele pudesse participar da elite. Ora, aidéia de "educação comum", da escolapública americana ou da "école unique"francesa, não era nada disso. Não secogitava de dar ao pobre a educaçãoconveniente ao rico, mas antes, de darao rico a educação conveniente ao po-bre... (Teixeira, 1967, p. 29).2

Anísio Teixeira queria assinalar nestetexto a inversão de prioridades na educa-ção. O padrão das necessidades do sis-tema público de ensino não seria maisdefinido pelas elites, e sim pelos interes-ses da maioria da população brasileira. Eledesenvolve no mesmo texto – Educaçãonão é privilégio – uma enfática crítica aocaráter tradicional da escola brasileira, queabrigara as elites, até bem recentemente,

na própria escola primária pública, confe-rindo-lhe assim um caráter de classe queteria sido reforçado, segundo ele, pelorecrutamento do magistério nas classesmédias.3

É interessante notar como, no início dadécada de 50, Anísio Teixeira tinha clarezadas conseqüências desastrosas do etno-centrismo da escola brasileira em torno depadrões culturais estranhos e distantes daexperiência da maioria dos brasileiros. Essaescola selecionava e classificava os estu-dantes, tomando como referência a experi-ência e os valores culturais das elites; noBrasil ser educado escolarmente significanão ser operário, não ser membro das clas-ses trabalhadoras, diria ele.

Dialogando com o mestreAnísio Teixeira

No início da década de 50, mestreAnísio, o senhor nos falava:

As escolas brasileiras estão, com efeito,a ser buscadas pelo povo com ansieda-de crescente, havendo filas para a matrí-cula, da mesma natureza das filas para acarne. Os turnos se multiplicam, os pré-dios se congestionam, os candidatos aoscursos de admissão são em número mui-to superior aos das vagas e as limitaçõesde matrícula constituem grave problemasocial, às vezes até de ordem pública...Por outro lado, o professor, integrado emum quadro único (...) desligou-se da es-cola para pertencer às Secretarias da Edu-cação, onde vive numa competição dolo-rosa por promoções, remoções e comis-sões que se fazem os objetivos da profis-são (Teixeira, 1967, p. 33).

Hoje...l Quase cinqüenta anos depois, o povo

continua procurando a escola e ainda en-frenta filas para conseguir uma vaga. A es-cola se tornou tão necessária como o ali-mento (a carne); talvez paire hoje sobre elamenos ilusões a respeito do seu impulso àmobilidade social, mas a maioria da popu-lação sabe que, se a escola não garanteuma melhor posição no espaço social, ficacada vez mais difícil a vida sem ela. Dife-rentemente do que dizem os que desqua-lificam as camadas populares, elas aindalutam por uma vaga no sistema público,pois, para elas a progressão escolar fazmuita diferença; só que agora as filas es-tão naquelas escolas onde ouviram dizer

3 A teoria social tem assinala-do amplamente a adesão dascamadas médias aos pa-drões culturais e valores daselites (burguesia) decorren-tes do projeto de ascensãosocial inerente a esses seto-res sempre premidos entre apossibilidade de mobilidadesocial descendente e o dese-jo de mobilidade ascendente.

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2 Conferência proferida em1953 na Escola Brasileira deAdministração Pública daFundação Getúlio Vargas.

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las; um grande avanço, sem dúvida... masdesde que não signifique, como vem ocor-rendo, a diminuição da jornada escolardos alunos de 7 aos 14 anos (idade obri-gatória).

l Há prédios congestionados? Perti-nho de minha casa, no Rio das Pedras-RJ,havia uma escola onde cada vaga era dis-putadíssima pela população, lá não falta-va professor e o ensino era muito forte,segundo a fala e a experiência dos usuá-rios; de um período letivo ao outro, esteano, foram encaminhadas a esta escola

cerca de 400 novas matrículas, paraque a prefeitura pudesse cumprir a suameta de educação infantil... ela é uma

dessas escolas onde o terceiro tur-no retornou... os políticos em ano deeleição precisam se "distinguir" e, uma"nova política" no campo da educaçãoé sempre um bom chamariz de votos(assim eles pensam).

l Quanto à limitação de vagas,apesar de toda a expansão da redefísica, o problema continua; hoje,não mais no admissão que termi-nou com a reforma de 1971. Ago-ra, o problema está sobretudo ao

final do 1o grau: os jovens e os paisficam desesperados, pois não há vagas

para eles depois de tanta luta para che-gar ao final do 1o grau. Com o conceito s/p(sim, é o "novo conceito" que as se-cretarias da educação inventaram pararesolver o problema da falta de profes-sores no sistema; s/p quer dizer semprofessor – o aluno é aprovado, pois nãoseria justo que fosse penalizado por umafalha da estrutura escolar); com talconceito fica muito difícil se candidatar auma vaga nas poucas escolas de 2o grau.O pior, mestre Anísio, são as dificuldadesde os professores garantirem o direito aesses alunos de acesso ao currículo regulare a um ensino de qualidade quandopassaram um ano inteiro, ou quase, semprofessor/es.

l O senhor falava dos graves problemassociais, às vezes até de ordem pública emvirtude da falta de vagas... Muitas dasnossas escolas, aqui no Rio de Janeiro, têmque se submeter à ordem oficiosa dostraficantes de droga de suspender asaulas... Sim, ninguém supunha à sua épocaque um dia as escolas públicas fosseminvadidas por traficantes, que as diretorasdessas escolas recebessem recados decomo fazer para garantir a "segurança" de

que há professores para todas as matériase, os professores faltam menos... Sim, pro-fessor Anísio, apesar de os sistemas públi-cos, segundo as estatísticas oficiais, já ofe-recem quase 100% de vagas para a faixaetária da educação obrigatória nas zonasurbanas, o problema hoje é muito mais afalta de professores em nossas escolas.O magistério está se tornando uma profis-são sem grandes atrativos, pois depois demuito esforço para conquistar condiçõesde uma carreira, vemo-nos na condiçãonovamente de apelos ao sacerdó-cio ou de nos confundir comas tias e tios. Todo aqueleenorme esforço lidera-do pela sua geraçãode educadores desair do mundodoméstico dasescolas iso-ladas, para

os grupos escolares como lugar público deformação dos cidadãos, sofreu um recuosimbólico com a descaracterização profis-sional de professores. O resultado do des-prestígio profissional tem sido visível: nasúltimas décadas, os professores têm recor-rido às greves para ver se obrigam os polí-ticos a cumprirem as promessas de salá-rios mais dignos, escolas mais cuidadas,planos de carreira, melhores condições detrabalho e programas de aperfeiçoamentoprofissional.

l Depois de uma grande e vitoriosa lutapela extinção do terceiro turno, ele estávoltando à cidade do Rio de Janeiro. Sim,a meta da atual prefeitura é colocar todasas crianças a partir dos 3 anos nas esco-

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alunos e professores... A violência naescola não é mais exclusivamente simbólica(com a discriminação dos valores, lingua-gem e experiências das crianças pobres,com a imposição dos padrões culturais daselites), ela deixou de ser simbólica e vemse tornando insuportavelmente concreta.Greves, depredação, violência da e na es-cola são o resultado de anos de descasocom as políticas sociais por parte dosgovernos em todos os níveis.

l Ah! Nós tentamos a escola de tempointegral. Aliás, foi o professor Darcy Ribeiroque, inspirado na Escola Parque criadapelo senhor na Bahia como escola expe-rimental de tempo integral, criou osCentros Integrados de Educação Pública(Cieps). A idéia era promissora e muitosdeles estavam indo na direção correta...Mas, o senhor conheceu bem o mestreDarcy, ele tinha pressa, gostava das gran-des obras e, ao desacreditar em qual-quer possibilidade de recuperação dosistema regular, acabou criandouma rede paralela ao ensino regu-lar, pois não teve a paciência nem aprudência de experimentar, antes degeneralizar a "grande inovação". Aoinvés de alguns, logo 500 e outrostantos, para logo a seguir seremdescaracterizados, estigmatizados,discriminados pelo governo que suce-deu a gestão estadual e, até mesmo pe-las próprias camadas populares.

Mas, acredite professor Anísio, aindahá luz no final do túnel. Durante essasdécadas, também tivemos as nossas con-quistas mais duradouras:

l Procuramos entender por que asnossas escolas estavam fracassando emconseguir bons resultados com a maioriada população. Apesar do gosto amargodos diagnósticos sobre o fracasso, cami-nhamos, ainda que predominantementepela negativa, na compreensão dascondições necessárias para produzir osucesso.

l Identificamos os problemas decor-rentes do etnocentrismo da "cultura escolar",ou seja, aprendemos que o trabalhoescolar estava fundamentado numa expe-riência social restrita: somente um tipo desocialização familiar – o das camadas mé-dias/elites – encontrava na escola condi-ções de dar continuidade às experiênciase aprendizagens desenvolvidas na primeirainfância (linguagem, comportamentos,hábitos, disposições, valores...); custamos,

portanto, a entender a ênfase na experiênciatão permanentemente assinalada em suaobra; a partir da consciência da arbitrariedadecultural, que significava uma pedagogia,que virava as costas para a bagagem deexperiências que cotidianamente osestudantes traziam de suas vidas nascomunidades, modificamos os nossoscurrículos de formação de professores,fazendo-os entender a importância de partirda linguagem, dos conhecimentos, experi-ências e situações cotidianas da vida de

nossas crianças, articulando-os com asexigências do processo de escolarização.

l Aprendemos que para a criançapobre o trabalho escolar de qualidade fazmuita diferença; se uma criança da camadamédia apresenta dificuldades de aprendi-zagem na escola, ela normalmente encontrano contexto familiar várias alternativas desuperá-las (da reexplicação na família aorecurso às aulas particulares); entretanto,para as crianças pobres é a própria escolaque deverá prover alternativas didático-pedagógicas que facilitem a aprendizagemem situações mais específicas de dificuldadesdos alunos; na tentativa de elaboraçãodessas alternativas, muito aprendemos

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sobre o processo de construção deconhecimento das crianças das camadaspopulares: como elas calculam, comoelas representam, em diferentes momentos,os símbolos gráficos e a escrita; tambémaprendemos das articulações e diferençasentre a oralidade e a escrita, dos diferentescódigos lingüísticos e seu impacto naescolaridade, da relatividade do certo eerrado na realidade multicultural que aden-trou nossas escolas. Aprendemos, comtudo isso, que a escola pública é um localde encontro de experiências e culturasdiversas e, por isso mesmo, precisamos deuma perspectiva multicultural que acolha evalorize as experiências diversificadas dosnossos estudantes para construir as pon-tes necessárias entre essa diversidade eos conhecimentos valorizados socialmenteque integram os currículos escolares.

l Aprendemos que só há ensino sehouver aprendizagem e que, portanto, aboa didática é aquela capaz de construir atal ponte, entre o que a criança conhece eo que é desafiada a conhecer no mundoescolar, entre as suas formas de classificare organizar as experiências e as formas declassificar e organizar os conteúdos esco-lares, iniciando-a assim na aprendizageme produção de um conhecimento mais sis-tematizado e central tanto no mundo dasciências como na qualificação e no aper-feiçoamento profissional.

l No processo de entender o papel daescola na vida social e da vida social navida da escola, da aprendizagem escolarna auto-estima do alunos, das necessida-des e conseqüências da divisão do traba-lho nas escolas, etc... percorremos muitasteorias, acreditamos algumas vezes ter, porfim, encontrado a boa teoria e, acabamospor aprender uma coisa fundamental: queas teorias nos fornecem apenas explica-ções parciais dos complexos fenômenosque cruzam a tarefa de educar/ensinar, quenão existem verdades definitivas, pois cadanovo conhecimento afeta o conjunto do queconhecemos reafirmando ou desestabili-zando o que supúnhamos conhecer nomomento anterior (Ah! Mestre Anísio, comocustamos a entender o sentido da escolaprogressiva apregoada em seus textos...)Com tudo isso, estamos aprendendo a cul-tivar uma perspectiva pluralista e sempreprovisória, a respeito das questões que afe-tam a visão da educação e das escolas,acautelando-nos em relação aos sectaris-mos e dogmatismos teóricos.

l Aprendemos, ainda, que a qualida-de é relativa. Que a qualidade está sempre

referida a alguma coisa ou a alguém; estásempre relacionada com um objeto, umaprática, uma instituição ou sujeito espe-cífico, o que significa que não pode serdefinida genericamente; quando se refere,então, a um sistema tão amplo e diversifi-cado como o nosso sistema escolar, eladeve ser cultivada em cada situaçãoespecífica, pois vai depender dos alunosa que atendemos, das características dosprofessores disponíveis, das condiçõesdas escolas e do meio social por ondecirculam os alunos e suas famílias; ou seja,a qualidade só pode ser alcançada atravésda construção de um projeto pedagógicorealista, porque partilhado com responsá-veis diretos pelo dia-a-dia da criança oujovem e da escola.

l Aprendemos que as expectativasdos professores têm efeitos marcantessobre os resultados de seu trabalho;portanto, é importante conhecer as possi-bilidades e os limites atuais dos alunos,professores e escolas para adaptar osobjetivos e projetos pedagógicos àscondições de sucesso numa determinadaconjuntura; os melhores planos, acredita-mos hoje, são os que começam a se rea-lizar desde o presente, e não aqueles queprecisam aguardar condições que sóvirão, se vierem, num hipotético futuro.

l Aprendemos – com as frustraçõesdecorrentes dos projetos de políticas edu-cacionais, que nos fazem deglutir a cadamudança de governo (municipal, estaduale federal) – que mais valem projetos menosambiciosos que já demonstraram que fun-cionam, administrações aparentementemais modestas que garantam continuidadeao que está funcionando (mesmo que seja"obra" do partido da oposição) do que os"grandes" e "inovadores" projetos quecustam milhões aos cofres públicosàs custas do dia-a-dia da vida das escolas,professores e alunos; que mais valecaminhar passo a passo, tentando superaros problemas crônicos do cotidianoescolar, garantindo equipamentos básicos,manutenção física das escolas e condi-ções de trabalho adequadas ao aperfei-çoamento permanente das equipespedagógico-administrativas, do que estarsempre tentando o grande "salto para ofuturo" que não alcançamos jamais...

l Aprendemos, entretanto, que nãopodemos ignorar as mudanças que inva-dem o cotidiano da vida de nossas cida-des, de nossos alunos, de nossas casas edas instituições em geral; não podemos

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virar as costas à mídia, à tecnologia, àmundialização... pois correríamos o riscode nos tornar alienígenas em nossas salasde aula; mas aprendemos também queatualizar a escola, os professores e oscurrículos não significa a submissão acríticaaos modismos, sejam eles pedagógicos oumidiáticos. Talvez aí, Mestre Anísio, estejamos

enfrentando um dos nossos maiores desa-fios: o de reencontrar na reflexão filosófico-pragmática tão densamente desenvolvidaem sua obra a âncora teórico-empírica, paraenfrentar as tensões entre o que nos torna-mos e o que precisaríamos ser para fazerfrutificar o legado que herdamos com a suaobra pedagógico-política.

Referências bibliográficas

TEIXEIRA, Anísio. Educação não é privilégio. São Paulo : Comp. Ed. Nacional, 1967.

MOREIRA, J. R. Educação e desenvolvimento no Brasil. Rio de Janeiro : Centro Latino-Americano de Ciências Sociais, 1960.

Zaia Brandão, doutora em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Riode Janeiro (PUC-Rio), é professora de Sociologia da Educação no Programa de Pós-Graduação em Educação dessa universidade e bolsista da Fundação de Apoio à Pes-quisa do Rio de Janeiro (Faperj) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científicoe Tecnológico (CNPq).

Abstract

This year, we commemorate the centenary of Anisio Teixeira. This article simulates adialogue with the great Brazilian educator comparing the problems of Brazilian SchoolSystem in the fifties and sixties with the current problems of education. Meanwhile, itreviews some goals of the subsequent generations of educators.

Key-words: Anísio Teixeira; school system; educational policy.

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SEGUNDAEDIÇÃO

Anísio Teixeira

Sobre o problema de como financiar a educaçãodo povo brasileiro: bases para a discussão dofinanciamento dos sistemas públicos de educação*

Palavras-chave: financiamentoda educação; fundoseducacionais.

* Publicado originalmente naRevista Brasileira de EstudosPedagógicos, v. 20, n. 52,out./dez. 1953. Esta reimpres-são do artigo preserva as ca-racterísticas da publicaçãooriginal.

Em 1950, a despesa comeducação, incluindo o sistemaparticular de ensino, representou2% da renda nacional brasileira,proporção significativa, poréminsuficiente, uma vez que 51% dapopulação estavam na faixa etáriade 0 a 19 anos. A Constituição de1946 determinava que 10% datributação federal, 20% daestadual e 20% da municipalseriam aplicados na educação;mas, a despeito do dispositivoconstitucional, a utilização dosrecursos assim auferidos nãoalcançou os meios de estender aeducação a todos. Para se chegara um plano crescente dedesenvolvimento escolar, caberiatransformar tais recursos emfundos de educação, comadministração especial eautônoma. Um fundo federalconstituiria a verba global mínimaou irredutível do Ministério daEducação e Cultura, que deveriatransformar sua estrutura parapoder atingir os seus objetivos

com a flexibilidade e a autonomianecessárias. Os Estados e osmunicípios passariam aadministrar os seus recursos etransformariam os respectivosórgãos de educação em órgãosautônomos, com orçamentospróprios, mínima organizaçãotécnica adequada e autonomiaadministrativa. Duas idéiasestariam contidas nessa sugestão

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de fundos de educação ou fundosescolares: a da integração dosrecursos de origem federal,estadual e municipal em uma sóobra conjunta de educação e ado ajustamento das escolas àscondições econômicas locais,separando-se as verbas deinvestimentos das verbas decusteio.

Introdução

Aqui estou para mais uma vez exami-nar, de público, o problema em que muitotenho pensado, sobre o qual muito já te-nho falado e que reputo crucial, cada vezmais instante: de como financiar a educa-ção pública no Brasil e para todo o povobrasileiro.

Ainda há pouco, convidado peloRotary Club do Rio de Janeiro a versar aliassunto da minha especial e prolongadaresponsabilidade na vida pública, não he-sitei no tema a expor aos rotarianos, deimproviso, mas à base de constantes esedimentadas investigações e reflexões,como dirigente da Educação, por váriasvezes, no meu Estado de nascimento e noDistrito Federal, e ora à frente do InstitutoNacional de Estudos Pedagógicos (Inep),no Ministério da Educação e Cultura.

Transpondo-me agora com o mesmotema essencial para esta audiência, espe-cialmente credenciado para debatê-lo,entregando-lhe ao estudo o levantamentoprocedido pela Campanha Nacional deAperfeiçoamento de Pessoal de Nível

Superior (Capes) relativo às despesas ecusteio da educação, ao qual servem es-tas minhas palavras de breve apresenta-ção preliminar. De educadores para edu-cadores, de responsáveis para responsá-veis por serviços de educação em todo oBrasil, aqui reunidos, debatê-lo-emos, naesperança de que todos poderemos colherde todos novas luzes e contribuições úteis.

De muito tempo, repito, o fundamen-tal problema me absorve atenção e diligên-cia indagadoras, à procura da solução debase, indispensável. Convindo, entretanto,em que a sua premência nunca me feriutanto e tão amplamente como no exercíciodo cargo de diretor do Inep, que, na admi-nistração federal, é sobretudo uma espé-cie de catalisador de soluções emergen-tes, mediante apelos, instâncias, solicita-ções diuturnas e até súplicas dos própriospoderes públicos locais (estados e muni-cípios), dos mandatários políticos ou desimples particulares, que ali vão bater, detodos os quadrantes, em busca de auxíli-os para instituições e empreendimentosparciais, enquanto a obra educacionalgeral, integrativa – que é preciso empre-ender, que urge empreender a todo custo– fica à espera da solução básica, em quese deverá apoiar. E como as soluções deemergência não bastam, as injunções deexpediente, no Inep, não me impediram,antes me desafiaram ao máximo, aquelasminhas amadurecidas reflexões sobre oproblema dos problemas quanto ao sistemaeducacional brasileiro, seus fundamentosconstrutivos, sua organicidade e suaefetividade.

* * *

Antes de tudo, devemos convir em queo fenômeno mais significativo, talvez dodesenvolvimento do Brasil, nos últimos vin-te anos, é a tendência crescente para o quejá podemos chamar a unificação ou inte-gração do povo brasileiro, em que pesemfatores de diversificação, velhos e novos,divisões e estratificações, às vezes artifici-al ou artificiosamente exacerbadas, quan-do menores poderiam ser ainda os seusacentos, que, entretanto, dir-se-ia, maisestimulam e aguçam as aspirações e afir-mações reivindicativas daquela unificaçãoou integração em marcha. É certa já a im-possibilidade de reviver as épocas em quepodíamos dizer – "Nós e o povo"... Estamossendo instados a declarar sempre – "Nós,o povo"... E, mais ainda: somos agora

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obrigados a agir em conformidade com oque declaramos, sem possíveis enganos,engodos ou ilusionismos diversionistas,cuja eficácia, seja dito, vai diminuindo aolhos vistos.

As tendências unificadoras, integrati-vas, nos dias em que vivemos, represen-tam já um estado de consciência comumdos direitos e legítimas aspirações do povobrasileiro. E é no campo da educação, so-bretudo, que essas reivindicações, legíti-mas como as que mais o possam ser, serevelam em maior extensão e com intensi-dade maior de clamor público – o povotodo, por todas as suas camadas, a dese-jar e a exigir que lhe sejam proporciona-dos meios de educar-se: educar-se paraviver.

Até o século passado e, quanto a nós,muito especialmente, até as primeiras dé-cadas deste, cuja metade já transpusemos,a educação (e não me refiro só à educa-ção pública ou dita popular) era um pro-blema que, impregnado de idealismo, tudoou muito tinha de paternalista e assistenci-alista. Era, precipuamente, uma dádiva,uma concessão dos que achavam que po-diam fazê-la e, podendo, deviam outorgá-la, aureolando o estrito fervor com as ga-las de filantropia ou a glória da beneme-rência pública.

Vem a propósito lembrar o resumo aque nas práticas se reduzia o grande ideal– ideal populista – de então, em quantida-de e qualidade reais, bastando-nos paratanto recordar as palavras do Sr. Fidelinode Figueiredo, em seu recente livro Um co-lecionador de angústias (p. 85), onde dizque "entre os latinos" (generalização sua)a palavra democracia (aspeada ou grifa-da) significava "a massa esquecida comoincapaz, perpétua criança que nada recla-ma e nada merece ou só merece o que lhequeria dar um ministro português de edu-cação: ler, escrever e contar, mas sem terdepois de ler, nem escrever, nem contar..."

Resumindo, pelo melhor, essa educa-ção-concessão, educação-dádiva, educa-ção-assistência, até os primórdios desteséculo, diremos que, então, queríamoseducar o Brasil e que, hoje, – é o Brasil queexige ser educado. E é tempo de reconhe-cer que não há empreendimento maior emais indeclinável para uma democracia –mesmo uma simples democracia políticaque não seja uma burla ou uma fraude gros-seira – que educar toda uma nação, ou todoo povo para ser efetivamente a nação.

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Vejamos, portanto, desenganada-mente, o que isso, posto por obra ou trans-posto para a realização efetiva, represen-ta de encargo e custo a serem providos.

Nas atuais condições demográficasbrasileiras, a distribuição por idades dapopulação leva-nos ao cômputo de nun-ca menos de 8 milhões de crianças na ida-de da instrução primária. A este mínimode obrigação legal e ao mínimo dos 8 mi-lhões de credores dessa obrigação, mes-mo não computando seus sucessivosacréscimos, temos necessidade de adici-onar os adolescentes, os jovens na idadeda instrução secundária. Da soma resultapelo menos um total de 10 milhões de bra-sileiros a educar, por obrigação legal,constitucional, ou por necessidade social,contingente. Eis a preliminar – a primeiradas preliminares – do nosso problema.

Não fica aí, entretanto, o ônus da de-mocracia brasileira. Examinando maisanaliticamente, e comparativamente, asnossas condições demográficas, relativa-mente à distribuição da população brasi-leira por idades, verificamos: que 51%desta população se encontram na área deidade de 0 a 19 anos; que apenas 43% seencontram na idade de 20 a 59, constitu-indo este o núcleo propriamente produti-vo e ativo do Brasil; e que de 60 anos paracima temos os 6% restantes. Vê-se, assim,que a nação brasileira se encontrasobrecarregada, relativamente a outrospaíses, por não contar senão com um gru-po pequeno de população ativa, à qualcompete educar e sustentar a maior parteda população, ainda inativa, constituídados habitantes de 0 a 19 anos, além dosencargos de assistência aos de mais de60 anos.

A situação brasileira, em relação aoutras nações, é sensivelmente agravadapor uma tal conjuntura. Os próprios Esta-dos Unidos, onde o crescimento demo-gráfico também é extraordinário, têm 34%de população jovem até 19 anos, 54% depopulação ativa e 12% de população ido-sa. De maneira que é mais fácil aos EUAsuportar o ônus de educar a populaçãojovem, por ser esse grupo demográficorelativamente menor. E a situação da In-glaterra ainda é mais favorável: apenas29% da população pertencem ao grupode 0 a 19 anos, 56% ao de 20 a 59 anos e15% ao de 60 e acima.

Mas, a despeito de ser para o Brasilparticularmente pesado o encargo de

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1 A correção desses valorespara o ano de 1998 encon-tra-se demonstrada na tabelaconstante do Anexo desteartigo.

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educar, está o nosso País se desincum-bindo dele melhor, aparentemente, do quepoderíamos talvez pensar. Com efeito, des-pendemos, em 1950, com a educaçãopública e particular, mais de Cr$ 6 bilhões.Estes Cr$ 6 bilhões ou, para ser mais pre-ciso, Cr$ 6 bilhões e 400 milhões, conta-das também as despesas particulares coma educação, representam 2% da rendanacional brasileira, proporção muito sig-nificativa, porque importa em percentagemigual a das melhores e mais bem educa-das nações do mundo. Apenas, a nossa

renda nacional não é suficien-temente grande para que

estes mesmos 2% nosdêem o que seria

necessário paraeducar toda a

populaçãobrasileira,

em condi-ções adequa-das. E aqui temosoutro gravame para asolução do nosso problema, decorrentedo subdesenvolvimento da riqueza, emque nos dispensamos de insistir.

É diante de tudo isso que se tornaurgente verificar se não poderíamos ad-ministrar melhor os Cr$ 6 bilhões e tanto,que já se despendem em nosso País coma educação.

E não há somente a obrigação demanter todas as crianças na escola primá-ria. Há também, depois de dar a instruçãoque é obrigatória, a necessidade de pro-porcionar a secundária e a conveniência,também socialmente indiscutível, de mi-nistrar a superior a número considerávelde habitantes brasileiros.

Cumpre-nos, assim, insistimos, verifi-car se um melhor modo de administrar taisdespesas, se melhor inteligência na apli-cação de tais recursos não poderia levar-nos

a tirar melhor proveito da mesma soma nasolução do magno problema que defrontamos.

Presentemente, teríamos a obrigaçãode manter nas escolas primárias uns 8 mi-lhões de crianças. Já mantemos, bem oumal, 5 milhões, em escolas de dois e trêsturnos e em cursos supletivos com horári-os muito reduzidos, para só falar nas defi-ciências quantitativas e, decorrentemente,qualitativas de mais vulto.

No curso médio, já mantemos 600 milcrianças. A rigor, deveríamos manter, pelomenos, 20% da população que freqüentaa escola primária, o que daria, no mínimo,um milhão e meio de alunos.

No curso superior, temos, presente-mente, 37 mil estudantes e, segundo a pro-porção verificada em países de desenvol-vimento semelhante ao do Brasil, devería-mos dar educação superior a cerca de 60mil estudantes, ou seja, a quase o dobro.

Como, porém, poderia o Brasil conse-guir recursos para financiar este tremen-díssimo serviço social? – Eis o ingente einstante desafio, de ordem cívica, políticae social, que nos cabe enfrentar e que não

comporta mais delongas.Primeiramente, gostaria de vos

mostrar, senhores congressistas,como as nossas despesas com a

educação realmente se distribuementre a União, os Estados, osmunicípios e os particulares.Em 1950, de modo geral, e

nas órbitas oficiais, estávamosgastando:

– no Ensino Primário:os Estados ...............2.400.000.000,00os Municípios .............451.000.000,00a União .........................16.000.000,00 2.867.000.000,00

– no Ensino Médio:os Estados ..............1.110.000.000,00os Municípios ...............26.000.000,00a União .......................463.000.000,00 1.599.000.000,00

– no Ensino Superior:os Estados ..................452.000.000,00os Municípios .................4.000.000,00a União .......................489.000.000,00 945.000.000,001

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Vê-se, por tal demonstrativo, que astrês órbitas do governo cooperam nessasdespesas e como cooperam.

Quanto ao ensino particular, mantidopelas taxas de matrícula dos próprios alu-nos, vamos ver que o seu orçamento nãoé, ao lado dos gastos com o ensino públi-co, tão grande quanto poderíamos pensar.

Com o ensino primário as três órbitasdo Poder Público despenderam Cr$ 2 bi-lhões e 867 milhões, enquanto os gastosparticulares foram apenas de Cr$ 117 mi-lhões – menos de 51% do dispêndio públi-co. Veja-se como, realmente, o encargo épúblico, é do Estado, ficando certos todosnós de que a educação brasileira é dever,e não favor, que só se cumprirá com os re-cursos do poder público.

Com o ensino médio, a despesa par-ticular (a maior notem bem, de tal procedência)foi apenas de Cr$ 860 milhões, enquanto adas três órbitas do poder público subiu acerca de Cr$ 1 bilhão e 600 milhões, ouseja, quase o dobro. É preciso esclarecerque, neste ensino médio, estão compreen-didos o ensino industrial, o comercial, oagrícola e o secundário ou acadêmico, eque os gastos particulares, no nível doensino médio, são feitos predominante-mente com o secundário acadêmico. Aindaaqui o ônus maior é, indubitavelmente, dospoderes públicos, porque com eles ficaramas escolas mais dispendiosas, que são asindustriais, as agrícolas ou técnicas emgeral.

Com o ensino superior, os gastos pú-blicos montam a Cr$ 944 milhões, enquantoos particulares são apenas de Cr$ 55 mi-lhões – pouco mais de 5% daqueles.

É evidente que o empreendimento sópoderá ser levado a termo pela decisão ea providência dos poderes públicos, emcooperação. Só eles poderão arcar com oônus de financiar, de manter o imenso sis-tema de educação que a democracia bra-sileira já está a exigir. Quando declaro que"está a exigir", não o digo por eufemismo,mas porque, na realidade, está a fazê-lo evai consegui-lo, de um modo ou de outro.Notemos ainda que os brasileiros estão setransferindo, em virtude de intenso movi-mento de migração das populações rurais,para as cidades. É fenômeno fatal no de-senvolvimento de qualquer nação: a cres-cente urbanização da vida que decorre doprogresso da industrialização. No Brasil, oaumento da população urbana foi de 50%,nos últimos dez anos. Quer dizer, as cidades

brasileiras receberam um acréscimo de50% em sua população. Em 1950, possu-íamos 36% da população brasileira nascidades e apenas 64% no campo, enquan-to há trinta anos passados tínhamos ape-nas 27% nas cidades e 73% no interior.

Toda essa população que vem para acidade começa a exigir educação, comonecessidade absoluta, idêntica a da ali-mentação. Não é mais uma questão depaternalismo, como no caso das popula-ções rurais, que ainda não exigem impe-riosamente a educação escolar, que, en-tretanto, lhes é devida. Para a populaçãourbana ocupada em níveis de trabalhomais especializado, a educação escolar écondição essencial para ganhar a vida. Oshabitantes urbanos passarão, estão pas-sando a exigir a criação, cada vez maisnumerosa, de escolas, públicas ou parti-culares, em boas ou más condições, –contanto que se lhes dê alguma educa-ção, pois dela precisam para que possamencontrar trabalho. Pelo menos a educa-ção primária se faz assim indispensável.Ora, dar ensino primário a todos os habi-tantes, pelo menos da cidade, constituiencargo, ônus tremendíssimo para os or-çamentos públicos.

A democracia brasileira, pela Consti-tuição de 1946, não se revelou desatentaa esse dever. Antes oencarou, explicita-mente, estabele-cendo um regi-me de per-centagenstributári-as, peloq u a lnão

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será impossível financiar o sistema públi-co de educação nacional.

Há dois processos, em geral, nos pa-íses civilizados, para financiar a educação.Um deles é o de impostos privativos e es-pecíficos para o custeio da escola. Outroé o de percentagem da renda tributáriageral para manter as escolas.

O sistema adotado pela América doNorte é o de impostos privativos. Algunsimpostos foram escolhidos para custear osistema público de educação. Um ameri-cano, habitualmente, paga, além de seusimpostos federais, estaduais e municipais,os seus impostos escolares. Tais impos-tos foram e são lançados ali pelos conse-lhos locais de educação, e não pelo go-verno, havendo, por isso mesmo, boa von-tade extrema para seu pagamento, dadaa consciência da necessidade de utilida-de da educação, que prevalece naquelepaís. Podem, assim, crescer na proporçãodevida, para manutenção efetiva do siste-ma de escolas necessário.

Entre nós, a Constituição preferiu oregime de percentagens, determinandoque 10% da tributação federal, 20% daestadual e 20% da municipal sejam apli-cados na educação. Mas a despeito dodispositivo constitucional referente à apli-cação de 10% da receita tributária federale 20% das receitas tributárias estaduais emunicipais nos serviços educativos ofici-ais, forçoso é reconhecer que a nação,com a utilização que vem fazendo dos re-cursos assim auferidos não alcançou ain-da os meios de estender a educação atodos, segundo dispõe essa mesmaConstituição.

Impõe-se-nos (e já não é sem tempo)o exame acurado da questão e um funda-mentado plano, realístico, de aplicação,nas bases que a Constituição de 1946 es-tabeleceu, como previsão e provisão deinegável descortino. Impõe-se-nos, portan-to, verificar se a manipulação mais inteli-gente dos recursos constitucionais bási-cos não nos poderia levar a um plano cres-cente de desenvolvimento escolar, capazde estender a educação a todos e provercondições para seu gradual e constanteaperfeiçoamento.

Outro não é o objetivo do que alinheipara vos dizer, no intuito, repito, de provo-car debate, que mais ainda focalize e es-clareça o problema que a todos nós de-safia, tendo em vista que as três órbitasde governo se articulem e se coordenem

no empreendimento vital, que é o da esco-la pública brasileira, e não se tripliquem,com desperdício de dinheiro e outros la-mentáveis desperdícios.

* * *

Focalizados até aqui os delineamen-tos preliminares e mais gerais do proble-ma com sumários elementos de análisedemográfica, estatística e comparativa,subentendidos os econômicos e sociais(subentendidos porque óbvio) e referênci-as à delimitação constitucional dos recur-sos previstos em percentagens de recei-tas da União, dos Estados e dos municípi-os, cremos que poderemos recapitular epassar a outros delineamentos, mais es-pecíficos, que formulamos como postula-dos numerados, embora ainda esclarece-dores ou iluminativos do que virá a consti-tuir um anteprojeto formal de plano con-creto ou definitivo, para convênios entre osvários poderes públicos entre si e a elescorrespondentes.

1. Declara a Constituição Brasileira quea educação é um direito de todos.

Para ser atendido esse direito, torna-se indispensável a manutenção de um sis-tema de escolas públicas e gratuitas, paratoda a população, que ofereça o mínimode educação reputado necessário para avida normal do brasileiro.

2. Esse "mínimo" está condicionadopelo desenvolvimento brasileiro e pelosrecursos disponíveis da nação para aeducação.

O desenvolvimento brasileiro impõe aescola primária de cinco anos para toda apopulação urbana e, para a população ru-ral, uma modalidade quiçá e provisoria-mente menos longa de educação funda-mental. Além disso, cumpre aos poderespúblicos promover a educação pós-primá-ria e a superior para certo número de alu-nos aptos e sem recursos para custear asua educação mais prolongada, além daobrigatória gratuita.

3. A manutenção de um sistema pú-blico e gratuito de escolas em toda a na-ção representa um considerável esforçoeconômico, não se podendo conceder,portanto, nenhum desperdício, qualquergasto supérfluo ou evitável em empreendi-mento de tal natureza e magnitude.

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A experiência dos países mais bem-sucedidos nesse empreendimento temconsistido em confiar aos poderes locais amanutenção das escolas, auxiliando-oscom subsídios oriundos de outras ordensgovernamentais.

4. Temos, presentemente, cerca de 19milhões de população urbana e 33 milhõesde população rural. Para os primeiros, seráindispensável um sistema escolar de 5anos, que atenderá a cerca de 4 milhõesde crianças, e para os segundos a educaçãomenos extensa, talvez, ou de 3 anos, nomínimo, deverá atender a outros 4 milhõesde crianças, pelo menos ou aproximadamente.

Um tal empreendimento exigirá: umexército de 130 mil professores, no míni-mo, para as escolas urbanas, outros 130mil para as escolas rurais; uma rede deprédios com 260 mil salas de aulas e comequipamento e material didático e comumpara 8 milhões de alunos. Admitido o cus-to mínimo por aluno de Cr$ 600, teríamosque a Nação precisaria despender Cr$ 4bilhões e 800 milhões para o exclusivo cus-teio das suas escolas, primárias ou elemen-tares, de 5 e de 3 anos mínimos fundamen-tais de currículo, sem levar em conta as ne-cessidades de inversão de capital e todasas demais despesas de um modesto siste-ma escolar.

5. Trata-se, assim, de empresa que nãopode ser atacada globalmente, mas pelaunidade local (na órbita do município), emtorno dela conjugando-se os demais esfor-ços, estaduais e federais, e que se ajuste aescola às condições econômicas locais –contingência a que não há de fugir na rea-lidade – e que os recursos das demais or-dens governamentais se acrescentem aesses recursos, e não os dupliquem ou nãoos desmoralizem dado o maior vulto dosseus montantes.

O empreendimento se desenvolverágradualmente à medida que as condiçõeslocais venham a tornar possível a sua ex-pansão e melhoramento, numa situaçãoreal e não artificialmente imposta. Com efei-to, aqueles números gerais acima indica-dos sofrem as alterações decorrentes dascondições diversas de desenvolvimento,exigindo aqui mais e ali menos, já na zonaurbana, devido aos diferentes níveis deprogresso das cidades, já nas zonas ru-rais, devido à dispersão da população.

Importa muito mais criar um serviço quetenha em si mesmo as possibilidades dedesenvolvimento progressivo do que, dejato, dar escolas perfeitas e acabadas,como simples amostras não estendidas,eqüitativamente, a toda a populaçãobrasileira.

6. Presentemente, despende a naçãocerca de Cr$ 2 bilhões e 400 milhões naeducação primária, o que não deixa deser substancial.

Pretendemos conseguir a aplicaçãomais adequada destes recursos pela ins-talação de um mecanismo de financiamen-to de nosso sistema escolar capaz de lhedar forças para um desenvolvimento au-tomático e progressivo.

7. As despesas da educação repre-sentam o custo da manutenção das esco-las e as inversões em prédios e respecti-vo aparelhamento permanente.

Teríamos progressos a fazer na apli-cação dos recursos existentes, tanto emum campo quanto em outro.

8. Antes do mais, caberia transformartais recursos em fundos de educação, comadministração especial e autônoma.

Esta providência permitiria tratar es-ses recursos como o patrimônio das cri-anças do País, a ser administrado para oseu máximo proveito e dentro de regrasespeciais, que tornassem difícil, senãoimpossível, qualquer desvio dos seus es-tritos objetivos educacionais.

9. O Fundo Federal de Educação,representado pelos 10%, da receitatributária federal, constituiria a verbaglobal mínima ou irredutível do Ministérioda Educação e Cultura, que se veria, destemodo, transformado em sua estrutura,para poder atingir os seus objetivos coma flexibilidade e a autonomia necessárias.

Competindo-lhe administrar esse fundo,destinado a custear o programa federal deeducação, não poderia o dito Ministérioter a organização convencional dosdemais, mas a de um órgão autônomo,com suas normas próprias e uma grandeamplitude de ação do cumprimento dosseus fins de velar pela melhor formaçãonacional possível.

10. Os Estados e os municípios, porsua vez, também passariam a administrar

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os seus recursos – 20% de suas receitastributárias – como fundos respectivamenteestaduais e municipais de educação.

Assim, em cada Estado, como emcada município, se transformariam os res-pectivos órgãos de educação em órgãosautônomos, com orçamentos próprios,mínima organização técnica adequada eautonomia administrativa, para gerir aspartes correspondentes da renda epatrimônio do educando brasileiro.

11. Estabelecida, por esse conceitode Fundo de Educação, a necessária au-tonomia de todos os recursos, como iría-mos multiplicá-los para levar avante o pla-no do desenvolvimento crescente dasescolas?

– Primeiro, separando-os em verbasde investimento e verbas de custeio, po-dendo estas representar as despesas comempréstimos escolares. Os orçamentos daeducação, elaborados pelos órgãos autô-nomos, preveriam uma parcela dos recur-sos dos respectivos fundos para emprés-timos escolares de modalidades diversas,inclusive os de capitalização e, destemodo, se multiplicariam as possibilidadesde inversão e constituição dos seus patri-mônios de prédios e equipamentos.

– Segundo, pelo ajustamento do cus-to das escolas às condições dos recursoslocais. As escolas seriam municipais e oseu custeio se fundaria nos recursos dosfundos municipais, ajudados pelos auxíli-os estaduais e federal.

12. Duas idéias estariam contidas nes-sa sugestão de fundos de educação oufundos escolares: a da integração dos re-cursos de origem federal, estadual e mu-nicipal em uma só obra conjunta de edu-cação e a do ajustamento das escolas àscondições econômicas locais. Tanto umaquanto outra concorreria para a maior pro-dutividade dos recursos existentes.

Com efeito, as escolas passariam aser locais e, desse modo, a ser mantidasem condições desiguais, segundo os re-cursos dos municípios, mas, por isso mes-mo, a serem mais numerosas, pois umascustariam menos do que outras. O Esta-do, por sua vez, não constituiria outro sis-tema escolar mais caro e paralelo ao mu-nicipal, mas ajudaria o município com umauxílio por aluno matriculado, destinado aelevar o nível do seu ensino. E o governofederal, do mesmo modo, acorreria ainda

em auxílio do município, dando-lhe algoque nem o Estado nem ele próprio pode-ria dar com os seus exclusivos recursos.

13. Já se pode ver, por aí, que ocorre-ria uma verdadeira multiplicação dos atu-ais recursos, constitucionalmente providosà educação nacional, já pelo ajustamentobásico das escolas às condições econô-micas de cada município, já pela utilizaçãoda idéia de empréstimo, que poderia seraplicada em conjunto com financiamentosgarantidos pelos três poderes, federal, es-tadual e municipal.

14. Necessário se faz, entretanto, indi-car desde logo o funcionamento básico dosistema municipal de ensino. Cada muni-cípio teria, como vimos, seu fundo escolarmunicipal. Este fundo seria dividido pelonúmero de crianças escolarizáveis do mes-mo município. As escolas deveriam sermantidas dentro dessa quota individual poraluno; isto é, o ensino deveria custar, poraluno, o que representasse a aludida quo-ta. Essa quota-aluno responderia, pois,pelos salários ou vencimentos dos profes-sores e pessoal de ensino, pelos prédios esua conservação, pelo material didático,atividades extraclasse e pelas despesas deempréstimo ou patrimoniais, na proporçãoque fosse estimada mais adequada.

Tal seria o soalho do sistema escolarmunicipal. O teto seria o que pudesse seratingido com os "auxílios por aluno" do Es-tado e da União. Estes últimos auxílios con-cedidos uniformemente a todas as crian-ças do Estado e do Brasil, conforme o caso,atuariam como forças uniformizantes ouequalizadoras do sistema, de todo o siste-ma escolar nacional.

15. Criado, em cada município, nes-sas bases, o sistema de escolas primáriasnecessário para as suas crianças, com osrecursos municipais, o Estado partiria emseu auxílio por três meios: formando-lhe oprofessor e, deste modo, assegurando asua eqüivalência com o sistema dos ou-tros municípios; dando-lhe assistência téc-nica e orientação, por meio de um corpode inspetores escolares, com a missãoantes de guiar e aconselhar que a de fis-calizar, e concedendo-lhes o "auxílio finan-ceiro" por aluno destinado a permitir me-lhorar a qualidade do ensino e dar sentidoreal e eficácia à sua ação. Por último, ogoverno federal atuaria sobre esses serviços

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estaduais, com um mecanismo de assis-tência técnica e de auxílios financeirosdestinado a melhorar e sistematizar a açãodos Estados, assim como a dos Estados jámelhora e sistematiza a ação dos municípios.

16. Pode-se ver que todo o País esta-ria se empenhando em um esforço comumpela escola fundamental brasileira, que,administrada pelo município será emverdade, simultaneamente, municipal,estadual e federal, pois todos os trêsgovernos estariam a cooperar no seudesenvolvimento.

17. O sistema pode e deve expandir-se, gradualmente, à escola secundária e àsuperior, sempre, entretanto, conjugadosos esforços comuns das três órbitas degoverno.

A escola secundária, que já vem en-trando nos hábitos da administração mu-nicipal, poderia, de logo, ficar com o muni-cípio, e as superiores, organizadas sem-pre com uma larga autonomia, ficariam acargo dos Estados e da União. A esta ca-beria, ainda, a obrigação de criar e mantercentros superiores de estudos de educa-ção e a preparação ou o aperfeiçoamentode pessoal de alto nível para os Estados.

O ensino particular, sempre que orga-nizado com o espírito de cooperar com opoder público, isto é, em empreendimen-tos sem intuito de lucro e com estatutosque não discriminem a sua clientela de alu-nos, seria considerado parte integrante dosistema público de ensino e auxiliado porum sistema de bolsas para alunos despro-vidos de recursos.

18. A máquina administrativa desseamplo, complexo e harmônico sistemacompreenderia o Conselho Escolar Muni-cipal, com o seu respectivo órgão executi-vo; o Conselho Estadual de Educação eCultura, com um Departamento Estadual deEducação e Cultura, como órgão executi-vo; e o Ministério da Educação e Culturaorganizado fundamentalmente sob a formade um Conselho, com os respectivos ór-gãos executivos.

Os conselhos seriam, precipuamente,conselhos de administração dos fundos deeducação, cabendo-lhes funções semile-gislativas, como a de aprovar os orçamen-tos e planos de trabalho e a de nomear oschefes dos respectivos órgãos executivos,com exceção do federal, em que o ministro

de Estado seria o presidente do Conse-lho, com os poderes de propor ou nome-ar diretores dos órgãos de estudo eexecução.

19. Os princípios de aplicação dosfundos de educação seriam os de suamelhor e mais eqüitativa distribuição pe-los seus beneficiários – que são as crian-ças, os adolescentes e os estudantes detodos os níveis e ramos de ensino.

Sendo o ensino primário gratuito eobrigatório, a criança de 6 a 12 anos é amais geral e a primeira beneficiária do fun-do, devendo os recursos do fundo muni-cipal serem divididos pelo seu número nomunicípio. A restrição admissível, por con-tingência, seria a de considerar somentea criança escolarizável, isto é, a criançaresidente em núcleos de povoação quepossibilitem a criação de uma escolaisolada.

20. Achada a quota municipal atribu-ída a cada aluno, o orçamento do ensinoseria feito de modo que suas despesasnão ultrapassassem aquela quota, crian-do-se, assim, um limite para os vencimen-tos de pessoal e para as despesas de con-servação e material.

A quota-auxílio do Estado, por aluno,seria um acréscimo ao orçamento muni-cipal, que iria permitir um melhoramentoproporcional de cada item do orçamentomunicipal.

Exemplificando: o município Z tem Yde recursos globais e o seu número decrianças escolarizáveis é X. Logo, dispõepor criança de Y/X. A sua escola serámantida por tantas vezes Y/X quantos alu-nos tiver de matricular. Imaginemos ummunicípio com Cr$ 1 milhão de renda tri-butária. O seu fundo de educação será deCr$ 200 mil e a sua população escolarizá-vel é, digamos, de mil crianças. A cadacriança corresponderão Cr$ 200,00 paraa sua educação. Uma escola isolada, deuma só classe, com 40 alunos de matrícu-la, deverá ser mantida com a despesa deCr$ 8 mil anuais. Estes Cr$ 8 mil deverãoresponder pelos vencimentos do profes-sor, administração do ensino, prédio esua conservação, material didático e as-sistência ao escolar, em percentagens de-vidamente estabelecidas. Admitamos quea despesa de pessoal não possa exce-der de 60%, a de manutenção materialde 30% e a de investimento de 10%.

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Teríamos: Cr$ 4.800,00 para o pessoal,Cr$ 2.400,00 para material e Cr$ 800,00para inversão, por meio de empréstimosescolares, nos prédios escolares. Dos 60%de pessoal, deduzamos que até o máxi-mo de 70% poderia caber ao professor eos restantes 30% à administração e pes-soal auxiliar. A professora, portanto, nes-se município não poderia perceber do fun-do municipal mais de Cr$ 3.360,00 anuaise a administração geral e o pessoal auxili-ar Cr$ 1.440,00 anuais. Essa escola teriamais Cr$ 2.400,00 anuais para material elhe corresponderiam Cr$ 800,00 para ofundo de investimento.

A quota-auxílio do Estado, por aluno,viria melhorar esse soalho e promover oenriquecimento de todos os fatores daescola, dando, ao mesmo tempo, ao Es-tado, perfeitas condições de controle des-se progresso.

21. A quota-auxílio do Estado seriaachada depois de abatidas do seu FundoEstadual de Educação as despesas gerais,que iriam competir ao Estado, com a pre-paração do professorado, a supervisão eassistência técnica aos sistemas munici-pais e a criação de órgãos de cultura emgeral e de escolas a seu cargo. O teto paratais despesas devia ser fixado em certapercentagem do fundo estadual de edu-cação que, ao meu ver, não deverá exce-der de 30% a 40% do Fundo.

Restariam, assim, 60% a 70% do Fun-do Estadual para ser distribuído pelosmunicípios, na proporção de suas crian-ças matriculadas em escolas primárias esecundárias sempre que também estasexistissem. Digamos que o município lem-brado se encontra em um Estado em quea quota-auxílio, assim calculada por crianças,forneça outros Cr$ 200,00 por criançamatriculada. Teremos cada classe commais outros Cr$ 8 mil para custeá-la. Osalário do professor será aumentado demais Cr$ 3.360,00, os seus recursos ma-teriais de mais Cr$ 2.400,00 e o fundo deinvestimento do município aumentado emrelação a essa escola de mais Cr$ 800,00.

* * *

Embora julguemos pouco esse lastroou fundamento geral, o importante é no-tar que se criaria um sistema de progres-so permanente e de possibilidade de pre-visões e planejamentos inteligentemente

progressivos, em que todos os itens da des-pesa escolar estariam acautelados. E issoconcluímos sem levar mais adiante as cor-relações e etapas da geral coordenação detodo o dinâmico sistema planejado.

A articulação entre os três fundos,mediante convênios e entendimentos,poderia permitir ações conjuntas para aconstrução de prédios, a compra deequipamento e o fornecimento a tempo dematerial de consumo.

A superioridade e independência dosrecursos do Estado permitiria, por outrolado, a ascendência do ponto de vista maisdesenvolvido dos Estados nesses esforçoscooperativos, uma vez que fosse estabele-cido nos planos para cada um o cumpri-mento por parte dos municípios de deter-minadas condições para a recepção doauxílio do Estado. E a ação da UniãoFederal, partindo ainda de mais alto, viriaajuntar a sua experiência a do Estado, noesforço conjunto de elevar a educação, fossea de nível primário, secundário ou superior,a cargo dos municípios ou dos Estados –mediante auxílio direto ou instituições dedemonstração, ou a preparação em altonível de pessoal especializado para asupervisão de todo o sistema nacional deeducação.

Sem querer examinar, aqui, todas asvirtualidades do plano, aqui delineado eintrodutoriamente esboçado, permiti-me,entretanto, que saliente quanto de unidadeorgânica e não imposta se poderia obtercom essa orientação, entre as três áreasde governo da República, a federal, aestadual e a municipal. A despeito da ad-ministração de ensino ficar confiada a cercade 2 mil municípios e 20 Estados, o planoseria um só. E nele os municípios, os Esta-dos e a União estariam conjunta e solidaria-mente empenhados em esforços quemutuamente se enriqueceriam. Presente-mente, tais esforços, paralelos e por vezesdispersados ou dispersivos, quando nãoantagônicos, no mínimo se duplicam este-rilmente e até se prejudicam ou se anulam.

Não estamos em condições de retar-dar este ou outro plano equivalente, peloqual possamos, não somente estender aeducação a todas as crianças que delaprecisem e que a estão exigindo, masensejar aquele mínimo de condiçõesadequadas, por meio do qual a escolapública venha a constituir a verdadeirasolução do problema de educação e nãoela própria mais um problema para a nação.

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112 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 102-113, jan./abr. 1999.

Euclides da Cunha afirmava que a nos-sa alternativa era "Progredir ou perecer".Hoje, nossa alternativa é "Progredir e pere-cer" ou "Progredir e... não perecer", o quesó conseguiremos se nos dispusermos a

preparar e planejar as etapas sucessivasdo nosso progresso espontâneo e acele-rado. Do contrário o próprio progresso,desordenado e anárquico, nos fará sub-mergir no caos.

Anísio Spínola Teixeira (Caetité-BA, 1900 – Rio de Janeiro-RJ, 1971), educador eescritor. Graduou-se em Ciências da Educação pela Universidade de Columbia (1929),onde foi discípulo de John Dewey. Foi secretário de Educação e Cultura do antigoDistrito Federal, cuja Universidade foi fundada (1935) por sua iniciativa. Exerceu, emLondres, as funções de conselheiro para o ensino superior na Unesco (1946-1947).Diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos, atual Inep, e catedrático de Ad-ministração Escolar na Faculdade Nacional de Filosofia. Autor intelectual do projeto daUniversidade de Brasília, da qual foi o primeiro reitor. Dentre suas obras, destacam-se:Vida e educação (1930), Em marcha para a democracia (1934) e A educação e a crisebrasileira (1956).

Abstract

In 1950, expenses with education, including the private educational system,represented 2% of the Brazilian national income; significant proportion, however,insufficient, since 51% of the population was aged between 0 and 19. The Constitution of1946 determined that 10% of the federal contribution, 20% of the state one and 20% ofthe municipal one would be used in education; but, in despite of the regulation, theutilization of the so obtained resources did not succeed in extending the education for all.To reach a crescent plan for the scholastic development, it would be proper to transformthose resources in educational funds, with a special autonomous administration. A federalfund would constitute the minimal or irreducible global allowance of the Ministry ofEducation and Culture, which should transform its structure so that to be able to reach itsobjectives with the necessary flexibility and autonomy. The States and municipalities wouldthen administrate its resources and would transform the respective organs of educationin autonomous organs, with their own budgets, minimum technical adequate organizationand administrative autonomy. Two ideas would be in this suggestion for educational fundsor scholastic funds: the idea of the integration of the resources of federal, state andmunicipal origin in only one complete work of education and the idea of the adjustment ofthe schools to the local economical conditions, separating the allowance for investmentsfrom the allowance for finances.

Key-words: educational funds.

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113

ANEXO

* A correção foi efetuada porRoberto Rezende Rodrigues,economista.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 102-113, jan./abr. 1999.

Despesas com educação no Brasil, em 1950(com valores corrigidos para 1998)*

Distribuiçãodos

Recursos

Preços de 1950*

Em Cr$ US$ US$ R$

Preços de 1998 (Junho)**

Total

Total ens. primário

Total ens. superior

Total ens. médio

EstadosMunicípiosUnião

EstadosMunicípiosUnião

Fonte: , v. 20, n. 52, out./dez. 1953.* Taxa média de venda do Cr$/US$ em 1950: 18,72.

** Taxa média de venda do R$/US$ em junho de 1998: 1,1546.Nota: Para correção foi utilizado o IPC-USA a preços de junho de 1998, índice de 6,78.

Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos

EstadosMunicípiosUnião

Superior particularCusto mín. p/alunoCusteio prim./elem.Renda tributáriaFundo de educaçãoEducação porcriançaDesp. anuais(40 alunos)Desp. pessoalDesp. materialInversãoRec. anuais p/professorPessoal auxiliarMaterial anualFundo de invest.Quota-auxílioCusto da classeAumento salárioprofessorRecursos materiais

6.400.000.000,00

2.867.000.000,00

1.599.000.000,00

945.000.000,00

Três orbitaspoder público 5.411.000.000,00 289.049.145,30 1.959.753.205,12 2.262.731.050,64

50.480.769,23 342.259.615,38 395.172.951,92

85.416.666,67 579.125.000,00 668.657.725,00

153.151.709,40 1.038.368.589,74 1.198.900.373,72

341.880.341,88 2.317.948.717,95 2.676.303.589,74

869.230.769,23163.342.948,72

5.794.871,79

1.003.613.846,15188.595.768,59

6.690.758,97

128.205.128,2124.091.880,34

854.700,85

2.400.000.000,00451.000.000,00

16.000.000,00

1.110.000.000,0026.000.000,00

463.000.000,00

452.000.000,004.000.000,00

489.000.000,00

55.000.000,00600,00

4.800.000.000,001.000.000,00

200.000,00

200,00

8.000,004.800,002.400,00

800,00

3.360,001.440,002.400,00

800,00200,00

8.000,00

3.360,002.400,00

2.938.034,1932,05

256.410.256,4153.418,8010.683,76

10,68

427,35256,41128,21

42,74

179,4976,92

128,2142,7410,68

427,35

179,49128,21

19.919.871,79217,31

1.738.461.538,46362.179,49

72.435,90

72,44

2.897,441.738,46

869,23289,74

1.216,92521,54869,23289,74

72,442.897,44

1.216,92869,23

22.999.483,97250,90

2.007.227.692,31418.172,44

83.634,49

83,63

3.345,382.007,231.003,61

334,54

1.405,06602,17

1.003,61334,54

83,633.345,38

1.405,061.003,61

Gastos particularesDesp. ensino médioparticular

117.000.000,00

860.000.000,00

6.250.000,00

45.940.170,94

42.375.000,00

311.474.358,97

48.926.175,00

359.628.294,87

24.145.299,15213.675,21

26.121.794,87

163.705.128,211.448.717,95

177.105.769,23

189.013.941,031.672.689,74

204.486.321,15

59.294.871,791.388.888,89

24.732.905,98

402.019.230,779.416.666,67

167.689.102,56

464.171.403,8510.872.483,33

193.613.837,82

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114

AVALIAÇÃO

Alvaro Chrispino

Resultado do Saeb 97/Química e a reforma do ensino médio:um exercício de aproximação para a política educacional,o planejamento de ensino e a gestão da prática docentevoltados para a Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS)

Palavras-chave: SistemaNacional de Avaliação daEducação Básica (Saeb);políticas públicas; ensino deQuímica; ensino médio;cenário futuro.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

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115

Busca uma conexão entreos resultados do Saeb 97, nadisciplina de Química, e oscenários futuros desejados pelaReforma do Ensino Médio navisão de Ciência, Tecnologia eSociedade (CTS). Esse caminho,entre a realidade do ensino deQuímica e o que se deseja para ofuturo, solicita um conjunto depropostas de políticas públicaspara os diversos atoreseducacionais envolvidos noprocesso, que devem estarcoerentemente ligados aopresente e ao cenário normativodesenhado pela reforma doensino médio, sob o risco detransformar-se em mais umareforma de ensino, inócua para asociedade e sem resultadospositivos para a qualidade doensino. Ao final, espera-se proporuma seqüência de decisõescapazes de permitir a efetividadeda reforma do ensino médio,tendo como exemplo a disciplinade Química.

Introdução: Buscamos aefetividade da reforma do ensino

médio

O Brasil viveu muitas reformas educa-cionais. Todos os seus níveis sofrerammudanças estruturais e conjunturais des-de algumas décadas atrás. Sem muitoesforço, podemos enumerar as Leis nos

4.024/62, 5.692/71, 7.024 e 9.394/96, sópara citar aquelas que promoveram mu-danças estruturais na educação. Não é im-provável que a grande maioria dos profes-sores em atividade nas escolas dos váriosníveis de ensino tenha vivido, pelo menos,uma destas reformas que antecederam àLei nº 9.394/96. Viveram, pelo menos, umacomo aluno e outra, agora, como profes-sores. A história da educação contada noscurrículos é impiedosa no que se refere àsorigens destas leis e de suas conseqüên-cias sociais. Enfim, professores e sistemasde educação, pelo que viveram e pelos re-sultados obtidos, não gostam de reformas.

Isto sem contar a resistência própriaque todos possuímos à mudança que nostira da rotina segura e nos lança em umcampo novo, onde podemos errar e, pior,sermos descobertos no erro. O territórioresultante das reformas é sempre deincertezas.

Logo, a primeira coisa que devemoster em mente é que o professor e o siste-ma de ensino que possuímos não são par-ceiros de mudanças. Podem até clamarpelas mudanças, mas tendem a manter amesma prática. Qualquer reforma deve le-var em conta esta dificuldade inicial que,se desconsiderada no processo estratégi-co, pode pôr tudo a perder, apesar do dis-curso de "reforma implantada".

Para melhor entendermos este item,vamos buscar analogia nas etapas queanalisam as normas legais (Barroso, 1993):existência, validade, eficácia e efetividade.

a) Sobre a existência da reforma: paraque a reforma do ensino médio realmenteexista, são necessários alguns pressupos-tos. Não basta, para a prática de um atoadministrativo, que exista o elemento agen-te público – a Secretaria de Educação Mé-dia e Tecnológica (Semtec). De tal agentepúblico exige-se algo mais, um atributo:que ele tenha competência para o que pro-põe – e ela o tem. Por tal, exteriorizado oato, estará presente a forma da reforma.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

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116

Mas, esta há de se submeter à presunçãolegal: a reforma está escrita e é pública.Está presente ainda o objeto, que é lícito epossível.

b) Sobre a validade da reforma: a vali-dade da reforma é verdadeira se estiverempresentes os requisitos de competência,forma adequada e licitude. Os três existeme estão claros no processo de construçãoda reforma do ensino médio.

c) Sobre a eficácia: eficácia consistena sua aptidão para a produção de efeitos,para a irradiação das conseqüências quelhe são próprias. Eficaz é o ato idôneo paraatingir a finalidade para a qual é gerado.Não há dúvida de que a publicação da re-forma pelos meios próprios torna-a um atoeficaz.

d) Sobre a efetividade: a efetividade dareforma é o desempenho concreto de suafunção social. É a capacidade de a refor-ma produzir os efeitos esperados por aque-les que a conceberam. Cabe-nos formularestruturas lógicas e prover mecanismostécnicos aptos a dar efetividade à reformado ensino médio, para que ela, como tan-tas outras, não fique esquecida ou seja pro-clamada nos discursos e esquecida na prá-tica docente.

Este documento pretende apresentaranálises críticas e alternativas plausíveisvisando à efetividade da reforma do ensi-no médio em Química.

É sempre importante lembrar o dile-ma daqueles que são levados a decidirsobre inovações e novas políticas. Estasinovações e políticas possuem, geralmen-te, dois grandes eixos: o eixo da qualifica-ção de processo e o eixo da mudança es-trutural do processo existente. A princípio,o decisor deve escolher um deles para darinício a sua tarefa reformadora. Ou beminicia sua mudança pela estrutura, ou bempela qualificação do processo existente.

A reforma iniciou-se pela mudançaestrutural, reservando para uma segundaetapa a qualificação do processo criadopela nova estrutura.

O processo de avaliação da educaçãobrasileira da mesma forma. Foi criada eimplantada, estando agora no processo deconquista de espaço e consolidação noseio da sociedade.

Logo, esses precedentes nos permi-tem também propor análises que principi-em pela visão estrutural e ações objetivascalcadas na abordagem Ciência, Tecnolo-gia e Sociedade (CTS), guardando o

momento posterior para análises e propos-tas de qualificação de processo.

Primeiro Movimento:Análise do Saeb 97/Química

Este foi o item que, inicialmente, mo-tivou este documento, vindo, posterior-mente, a vincular-se à idéia de o quanto oSistema Nacional de Avaliação da Educa-ção Básica (Saeb) pode contribuir para areforma do ensino médio.

Devo iniciar este item informando quea análise da construção dos descritores,sua seqüência e os seus resultados efeti-vamente demonstram o que é e como estáo ensino de Química no Brasil. Logo, éimportante frisar que o Saeb/Química cum-pre o seu papel institucional de avaliar arealidade da disciplina para ofertar opor-tunidades de formulação de políticas pú-blicas que permitam atingir metas.

Dos dados observados podemosperceber:

l Um grande número de descritores,sendo a maioria voltada para dados e in-formações diretas, como é o sistema deensino de Química. Uma inferência possí-vel é de que a escola com maior númerode aulas de Química por semanainstrumentalizará melhor seus alunos. Ocurrículo de Química é extensivo em ma-téria e pobre em competências cognitivassuperiores.

l O desempenho positivo dos Esta-dos do Nordeste, quando observadas ascompetências ordenadas pelas médias da3a série e os altos escores de proficiênciaobtidos com ganhos no ensino médio. Ali-ás, tal conjunto de resultados não é novi-dade: as olimpíadas brasileiras de Quími-ca têm mostrado a hegemonia dessesEstados.

Identificação dos descritores queatendem à organização da reforma

do ensino médio – Química

Apresentamos, a seguir, o quadro1 deaproveitamento médio do Saeb 97/Química,a fim de tentarmos relacionar cadadescritor a um dos três níveis propostospara o conteúdo próprio da disciplina deQuímica. É claro que a classificação éarbitrária, já que está baseada na inter-pretação que cada um dá ao verbo utilizado

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

1 Os quadros, tabelas e gráfi-cos foram elaborados peloautor, a partir dos resultadosdo Saeb 97.

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117R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

na descrição daquilo que se quer avaliar.Tal interpretação pode variar de grupo paragrupo de responsáveis por detalhar osdescritores e/ou que devem identificar ascompetências e habilidades na reforma.

Na primeira coluna, estão indicados ostrês níveis da reforma, por iniciais:

l Representação e Comunicação (RC)l Investigação e Compreensão (IC) el Contextualização Sociocultural (CS)

Quadro 1 – Relação possível entre os descritores e os níveis da reformado ensino médio

Níveisda

reformado

ensinomédio

Descritor Identificação Aproveitamentomédio (%)

RC

RC

(continua)

RC

RC

RC

RC

RC

RC/IC

RC/IC

RC/IC

D002

D003

D004

D006

D007

D008

D009

D010

D011

Prever massas de reagentes e produtos envolvidosnas reações, por meio da aplicação das leis deLavoisier e Proust, utilizando dados obtidos a partirde experimentos de laboratório, de operaçõesindustriais ou de eventos da natureza.

D001 28,25

33,30

51,03

31,80

22,92

18,54

30,35

80,26

31,38

26,25

Reconhecer a ocorrência de uma reação químicada descrição de um experimento.

Diferenciar misturas de substâncias a partir de suaspropriedades físicas e químicas; substânciassimples de substâncias compostas através deanálise de fórmulas moleculares e de processosde decomposição.

Inferir que a constância de algumas propriedadesfísicas e químicas pode servir como critério depureza das substâncias.

Estabelecer relações quantitativas entre asgrandezas: massa, massa molar, massa molecular,quantidade de moléculas, quantidade de átomose constante de Avogadro.

Caracterizar os modelos atômicos de Dalton,Thomson, Rutherford-Bohr e estabelecercomparações entre eles.

Reconhecer que o conceito de elemento químicodiz respeito ao número atômico, independente de aespécie considerada possuir ou não carga elétrica.

Representar, de acordo com as normas da Iupac*,um átomo qualquer a partir do seu símbolo e dasseguintes grandezas: número de massa, númeroatômico, evitando porém a utilização de exemploshipotéticos do tipo: X, Y, Z, etc.

Distribuir os elétrons dos átomos neutros e íons(somente dos elementos representativos) de acordocom o modelo de Rutherford-Bohr (camadas K, L ...)

Reconhecer que os elementos químicos estãoagrupados na tabela periódica de modo que sepode prever como algumas de suas propriedades(raio atômico, eletronegatividade, caráter metálico,temperatura de fusão, temperatura de ebulição edensidade) variam nos grupos e nos períodos.

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Níveisda

reformado

ensinomédio

Descritor Identificação Aproveitamentomédio (%)

IC

IC

IC

IC

RC/IC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

CS

D012

D013

D014

D015

D016

D017

D018

D019

D022

D023

D025

D026

D028

D029

D030

D031

45,67

49,55

40,64

40,80

41,45

22,89

16,76

14,65

19,21

23,55

28,39

32,39

35,96

22,98

30,30

31,65

Extrair dados a respeito dos elementos químicospor meio da utilização da tabela periódica.

Determinar a posição de um elemento químico natabela periódica a partir de seu número atômico oude sua configuração eletrônica.

Reconhecer que as ligações químicas seestabelecem pela união entre átomos por meio dainteração dos elétrons da camada de valência erepresentá-las através dos modelos de Lewis(fórmula eletrônica), estrutural e molecular.

Prever o tipo de ligação formada a partir dadistribuição eletrônica dos átomos ligantes e desuas posições na tabela.

Explicar as ligações iônicas e co-valentes pelateoria do octeto (Kossel-Lewis).

Explicar a condutibilidade elétrica e térmica dosmetais, mediante o modelo da ligação metálica.

Associar as ligações de hidrogênio (Ponte deHidrogênio), a interação dipolo-dipolo e as forçasde Van der Waals às forças intermoleculares.

Explicar a solubilidade por meio dos conceitos depolaridade das ligações e das moléculas(geometria molecular).

Relacionar a hipótese de Avogadro com aconstrução do conceito de molécula.

Efetuar cálculos envolvendo as grandezas: volumemolar, massa molar, número de moléculas, levandoem conta que a quantidade de moléculas contidasem 22,4 litros (volume molar do gás ideal nasCNTP ) é 6,02 .10 .

** 23

Aplicar as leis dos gases, equação geral dos gasesperfeitos e a equação de Clapeyron, na resoluçãode situações-problema (cotidiano), utilizando asunidades: atmosfera, milímetro de mercúrio, pascal,litro, metro cúbico, grau Celsius, Kelvin, mol.

Explicar o comportamento dos gases por meio dateoria cinética.

Identificar as principais fontes geradoras dosseguintes poluentes atmosféricos: NO SO CO CO,aldeídos, hidrocarbonetos e clorofluorcarbonetos(CFC), bem como descrever os principais problemasgerados pela presença dos mesmos.

2 , 2, 2,

Classificar as soluções em: diluída, concentrada, deacordo com a quantidade relativa entre soluto esolvente; solução saturada e não saturada,baseando-se no coeficiente de solubilidade.

Prever a solubilidade de uma substância a partir dainterpretação de gráficos de curva de solubilidade,em função da temperatura e pressão (para gases).

Interpretar dados sobre a concentração de soluçõesexpressas nas unidades: g/L, mol/L, porcentagemem massa (%) e ppm.

(continuação)

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119R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

Níveisda

reformado

ensinomédio

Descritor Identificação Aproveitamentomédio (%)

IC

RC

RC

RC

RC/CS

RC/CS

RC/CS

RC/CS

RC/CS

RC

RC

RC

D032

D033

D035

D036

D038

D039

D040

D041

D042

D043

D044

D046

22,20

35,75

27,03

39,02

24,48

34,79

44,88

54,77

25,93

18,58

14,34

11,97

Classificar substâncias em ácidos e bases a partir daação sobre indicadores crômicos: fenolftaleína,papel de tornassol, etc.

Conceituar ácidos e bases, segundo a Teoria deArrhenius.

Nomear e escrever as fórmulas químicas dosprincipais ácidos, bases, sais e óxidos, resultantesda combinação seguintes cátions e ânions: hidróxido,sódio, potássio, amônio, cálcio, magnésio, ferro (II) e(III), alumínio, cloreto, nitrato, hidroxila, acetato,sulfato, sulfeto, óxido, carbononato e fosfato.

Representar, pela linguagem simbólica (equaçõesquímicas), as reações de neutralização ácido-basee reações de ácidos com metais que liberam gáshidrogênio.

Representar, por meio da linguagem simbólicaprópria da Química (equações químicas), astransformações químicas associadas ao fenômenoda chuva ácida e avaliar as consequênciasambientais de tal fenômeno.

Descrever, por meio da linguagem discursiva esimbólica, os processos de obtenção de: ácidosulfúrico (processo de contato); soda cáustica(processo eletrolítico em solução aquosa de cloretode sódio); óxido de cálcio (decomposição térmicado carbonato de cálcio) e as equações químicaspertinentes.

Identificar as principais substâncias poluidoras daágua das seguintes fontes: esgoto doméstico,dejetos industriais, detergentes, agrotóxicos,fertilizantes.

Descrever, por meio da linguagem discursiva, asprincipais etapas do tratamento da água utilizadanas cidades, reconhecendo produtos químicosutilizados e suas respectivas funções, para cadaetapa do processo.

Reconhecer a dependência entre as propriedadescoligativas e a concentração do soluto em solução.

Caracterizar o estado coloidal em termos depropriedades e estados físicos.

Descrever, por meio da linguagem discursiva, dalinguagem simbólica (equações químicas) e deesquemas de produção industrial, os processos deobtenção do ferro-gusa em alto-forno a partir dominério de hematita e do alumínio pelo processoHall.

Descrever, utilizando a linguagem discursiva,esquemas ou gráficos, as seguintes propriedadescoligativas: abaixamento de pressão de vapor daágua, abaixamento de temperatura de congelamentoda água, elevação da temperatura de ebulição daágua e pressão osmótica, procurando estabelecerrelações com fenômenos da natureza e do cotidiano.

(continuação)

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120 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

Níveisda

reformado

ensinomédio

Descritor Identificação Aproveitamentomédio (%)

IC

IC

IC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

CS

D048

D049

D051

D052

D053

D054

D055

D058

D060

D061

D063

D064

D065

D066

27,94

23,83

22,08

12,83

34,51

22,67

19,34

37,70

24,96

13,86

26,71

16,34

28,67

23,61

Reconhecer os principais fatores que modificam arapidez de reações, através de descrição deexperimentos não-hipotéticos.

Explicar, pela teoria de colisões moleculares, osfatores que influem na rapidez de uma reação:temperatura, superfície de contato e concentração.

Analisar a influência das concentrações iniciais dosreagentes na rapidez de uma reação, a partir daexpressão matemática da lei da rapidez de reação.

Avaliar a influência da temperatura, pressão,catalisador, concentração de reagentes e produtos esuperfície de contato, na otimização de processosna indústria química, a partir da análise de dadospertinentes, em forma de tabelas ou figuras.

Correlacionar, como característica do estado deequilíbrio, a constância das propriedadesmacroscópias aos apectos dinâmicos das reaçõesno nível microscópico.

Identificar o estado de equilíbrio através da análisede gráficos de concentração de reagentes eprodutos, em função do tempo.

Identificar os principais fatores que podem alterar umsistema químico em equilíbrio, a partir da análise dasequações que representam sistemas em equilíbrio,da análise de gráficos e de experimento prático.

Correlacionar o significado do valor da constante deequilíbrio a determinação da posição do equilíbrioquímico (deslocado para a esquerda, deslocadopara a direita) ou o rendimento da reação.

Escrever a equação de dissociação de ácidos ebases e a correspondente expressão da constantede equilíbrio.

Correlacionar os valores das constantes de ionizaçãoKa e Kb à força de ácidos e bases, respectivamente.

Classificar um sistema aquoso em ácido, neutro oubásico, comparando o valor de seu pH com a escalade pH.

Determinar o estado de oxidação dos elementos apartir das fórmulas químicas.

Equacionar e balancear equações de oxidação eredução que tenham no máximo dois reagentes edois produtos, identificando nas mesmas osagentes oxidante e redutor.

Analisar informações sobre a acidez em situaçõescomo: chuva ácida, derramamento de substânciasna água e no solo, uso descontrolado do solo,ingestão de refrigerantes, ação de biomoléculas,vitaminas, medicamentos e produtos dehigiene pessoal.

(continuação)

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121R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

Níveisda

reformado

ensinomédio

Descritor Identificação Aproveitamentomédio (%)

IC/CS

RC

RC

RC

RC

RC

RC

RC

CS

RC/IC

IC

IC

IC

D067

D068

D069

D070

D071

D072

D073

D074

D075

D076

D078

D079

D080

13,75

19,72

19,41

21,85

26,63

20,47

27,40

12,78

23,16

19,69

21,71

20,95

27,45

Analisar um experimento sobre a reação entre oferro metálico e uma solução aquosa de sulfato decobre e/ou a reação de formação de ferrugem.

Representar as semi-reações anódicas, catódicas ea reção global de uma pilha, pela linguagemsimbólica (equações químicas) e pelas notaçõesquímicas esquemáticas conforme a convenção daIupac.

Representar por meio de equações químicas a pilhade Daniel e reconhecer os componentes dosdiferentes tipos de pilhas: pilha de Leclanché, pilhasalcalinas, bateria de automóvel, bateria níquel-cádmio.

Prever a possibilidade de ocorrência de uma reaçãoespontânea, de oxidação e redução, analisando ovalor do potencial padrão da pilha (E pilha) obtido apartir de dados de uma tabela de potenciais padrãode redução.

o

Identificar os principais produtos obtidos naeletrólise ígnea de cloreto de sódio e na eletrólisede uma solução aquosa do referido sal.

Explicar, por meio da linguagem simbólica(equações químicas) e/ou por meio de esquemas, aeletrólise de hidróxido de sódio ou ácido sulfúrico,em solução aquosa, apresentando o anôdo, cátodo,semi-equações, produtos, etc.

Descrever, por meio da linguagem discursiva e dalinguagem simbólica (equações químicas), agalvanização como um dos processos industriais deaplicação da eletrólise, destacando aspectos como:proteção à corrosão e durabilidade do produto.

Classificar as reações quanto à energia absorvidaou liberada.

Expressar em unidades as grandezas: variação deenergia de reação e variação de entalpia de reação(calor de reação) em: joule (J) ou quilojoule (kJ)(unidade recomendada) e em caloria (cal) ouquilocaloria (kcal) (unidade em desuso).

Calcular a variação de entalpia (DH) de reações, apartir de gráficos de energia, tabelas ou equaçõestermoquímicas (aplicação da lei de Hess).

Reconhecer isótopos, radioisótopos e partículas alfa,beta e raios gama.

Descrever processos de produção de energiaa partir da fissão e fusão nucleares.

Reconhecer, no cotidiano, algumas aplicaçõesimportantes e implicações sociais acerca do uso daenergia nuclear: na Medicina, na Agricultura, naArqueologia, na fabricação de armas nucleares, nasusinas nucleares Angra I e II, bem como analisar osacidentes de Chernobyl e de Goiânia.

(continuação)

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122 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

Tabela 1 – Porcentagem de coberturados níveis da reforma do ensino médio,

a partir da relação estabelecida

Níveisda

reformado

ensinomédio

Númerode

descritorescorrespon-

dentes

Porcentagemtotal

RC

IC

CS

RC/IC

IC/CS

RC/CS

46

11

4

5

2

5

63,0%

15,0%

5,5%

6,9%

2,7%

6,9%

Como está o conhecimento do alunonuma visão estrutural?

A partir da observação desta correla-ção primária entre o ensino que temos e oensino que se pretende como base de dis-cussão, pode-se perceber o seguinte re-sultado, conforme Tabela 1.

A identificação dos verbos dos descri-tores pode sugerir a divisão acima. Mes-mo se considerarmos o improvável consen-so pelas diversas linhas do ensino de Quí-mica, a proposta de compatibilização tempor objetivo, ou mesmo permite, um pri-meiro movimento de análise comparativa.

Podemos depreender que a maioriadas questões que compõem o Saeb aten-de ao primeiro nível, o que, na verdade,não é nenhuma surpresa. Pelo contrário,

Níveisda

reformado

ensinomédio

Descritor Identificação Aproveitamentomédio (%)

RC

RC

RC

RC

RC

RC

IC/CS

CS D081

D083

D084

D085

D086

D088

D090

D096

16,15

26,92

45,40

58,21

22,46

40,45

38,53

13,72

Reconhecer que o petróleo é uma mistura de váriassubstâncias que podem ser separadas através dedestilação fracionada e que tal processo deseparação está baseado na diferença detemperaturas de ebulição e número de átomos decarbono das substâncias presentes na mistura.

Representar a tetravalência do átomo de carbono,ligações simples, duplas e triplas, usando asfórmulas: estrutural plana (Kekulé) e espacial(Le Bel e Van´t Hoff).

Classificar hidrocarbonetos quanto à cadeiacarbônica (saturada, insaturada, normal, ramificada,alifática, cíclica, alicíclica e aromática).

Formular e nomear os principais hidrocarbonetos,usando a nomenclatura usual e a recomendada pelaIupac (substâncias com até 6 átomos de carbono).

Equacionar algumas reações importantes do metano,eteno e etino: combustão (completa e incompleta),hidrogenação catalítica, halogenação e a reação deobtenção do acetileno a partir de calcário e coque.

Identificar os tipos de isômeros planos: função,cadeia, posição.

Reconhecer que as substâncias isômeras podemapresentar diferentes propriedades físicas e químicas.

Reconhecer a presença das principais substânciasquímicas em: sabões e detergentes, bebidasalcoólicas, refrigerantes, alimentos, remédios,pesticidas, gás de cozinha, gás natural, vinagre.

(conclusão)

* International Union of Pure and Applied Chemistry.** Condições Normais de Temperatura e Pressão.

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Gráfico 1 – Comparação entre o aproveitamento real e o "ideal"

realGauss

0

10

20

20

30

30

40

40

50

50

aproveitamento(%)

ocor

rênc

ias

60 70 80 90 10010

se o Saeb foi concebido para avaliar a edu-cação brasileira, ele deve refletir a reali-dade. No caso da Química, o resultado re-presenta a verdadeira face do ensino dadisciplina.

É verdade, também, que o que se temnão é o que se deseja na reforma do ensi-no médio. Será necessário atentar para aelaboração de itens que contemplem es-tágios mais aprimorados de conhecimen-tos, habilidades e atitudes. Esta tentativade aprimoramento dos níveis de compe-tência deve ser levada a efeito com caute-la e estratégia. Qualquer conhecimentoquímico visto como competência pode,após algum tempo, ser absorvido e res-pondido como dado, em vez de conheci-mento crítico. A simples enumeração dedescritores com verbos que denotem do-mínio de competência não demonstra queestas competências estejam sendo efeti-vamente dominadas no nível desejado. Seindicarmos que o ácido sulfúrico é itemde avaliação em Contextualização Socio-cultural (CS), precisamos atentar para amaneira com que vamos redigir os itens,pois isto acabará sendo trabalhado emsala de aula como um conjunto de dadosa ser memorizado.

Uma boa proposta seria a discussãode grandes temas, em que as informaçõesquímicas específicas fossem dadas aosalunos e exigidas as relações mais genéri-cas do conhecimento. Isto diminuiria a pos-sibilidade de memorização e permitiria ava-liar a capacidade de aplicar os conheci-mentos em situações contextualizadas.Existem inúmeros projetos de CTS quecontemplam tal método.

De onde deve partir a reforma numavisão estrutural?

O que temos aqui é, na verdade, umexercício de construção de uma grandeponte entre o presente, ainda não bemdelineado pelas avaliações, e o futuro ain-da difuso no campo das intenções dosdecisores e dos legisladores da educação.Na verdade, fica claro que o território daspolíticas públicas é o território da incerte-za... o que o faz perigoso e desafiador!

Podemos comparar os índices de "pro-babilidade de acerto" de cada descritorcolocados em grupos divididos em 10%(horizontal) com o número de ocorrências(vertical) e contrapor com uma possívelcurva de Gauss. Eis o gráfico:

Uma maneira de conceber o está-gio atual é colocar em gráfico os resul-tados porcentuais dos descritores paraque possamos efetivamente visualizar oquanto cada nível está contemplado nasprobabilidades de acerto. Em seguida,

poderemos melhor promover políticas deintervenção no detalhamento dosdescritores e seus respectivos itens deteste, delineando uma possível e inten-cional mudança externa ao sistema deensino.

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Gráfico 2 – Densidade de descritores nas classificações da reformado ensino médio

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

RC RC/IC IC RC/CS CS IC/CS

Pelo exposto, parece-nos que a Reformadeve centrar sua atenção em instrumenta-lizar o sistema de ensino para desenvolvermaior atividade em IC e CS, diminuindo adedicação ao nível elementar.

Por sua vez, é possível imaginar que areformulação dos descritores, em função

dos objetivos da reforma, possa contemplarum maior número de descritores nos níveis2 e 3 de elaboração do conhecimento, vi-sando ao mapeamento mais sensível daqui-lo que efetivamente é dominado ou não nes-ses níveis. Um exemplo desse mapeamentoestá apontado na tabela a seguir:

Aceito o cronograma de mudanças,poderemos estabelecer, a partir de seusresultados, etapas para a criação de ins-trumentos de capacitação de professores,formação de professores, produção dematerial didático, projetos induzidos decapacitação de professores, sensibilizaçãode universidades, produção de livros didá-ticos por adesão voluntária das editoras aomodelo da reforma.

Se, por um lado, o Saeb está refletin-do exatamente aquilo que temos no ensi-no de Química: um ensino memorístico,uma disciplina fragmentada em capítulosestanques, construídos com dados e in-formações eminentemente voltados paraa memória, com exemplos de aplicabili-dade que também devem ser memoriza-dos, a reforma quer a construção de com-petências que permitam entender o mundo,

Tabela 2 – Proposta de ampliação de cobertura dos descritores do Saeb para aclassificação da reforma do ensino médio

Porcentagemdo Saeb 97

*

*

**Índices resultantes da comparação arbitrária dos descritores e dos níveis da reforma do ensino médio.

Índices resultantes da correlação intencional dos descritores com os níveis propostos pela reforma.

Porcentagemdo Saeb 99**

Porcentagemdo Saeb 2001**

RC

IC

CS

RC/IC

IC/CS

RC/CS

63,0%

15,0%

5,5%

6,9%

2,7%

6,9%

50

30

20

-

-

-

40

30

30

-

-

-

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125R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

decidir dentro do possível e fazer interven-ções no universo de cada sistema. Nãodesdenha o dado, que deve transformar-seem informação para produzir conhecimento.

O Saeb reflete a realidade com seuconjunto de descritores. A reforma exigemudanças que contemplem visão maisglobal dos conteúdos, menos informaçãoestanque, exploração de áreas chamadasde interface entre as disciplinas científicas.Pede um fio condutor que permita tecer agrande malha da ciência.

Caso utilizemos a tabela de descrito-res anteriormente apresentada, podería-mos eliminar um conjunto de descritoresque, sob nossa ótica, não contribuem paraa construção da reforma. Será mais útil,rápido e prático que se reescrevam os des-critores numa proporção – já proposta –que permita uma grande e segura viagementre o ensino de química que temos eaquele que queremos. Mas é possível al-guma análise preliminar a partir dos resul-tados apresentados.

É óbvio que este tipo de estratégiaapresenta um risco. O Saeb construídopela ótica da reforma pode apresentar re-sultados falsos. Se o Saeb transformar-semais rápido que a própria reforma, irá de-tectar conhecimentos não apreendidos en-quanto poderia registrar conhecimentosdominados, permitindo um maior baliza-mento no caminho de inovação da refor-ma. Daí não serem prudentes modifica-ções muito rápidas na maneira de descre-ver a competência a ser medida – em ou-tras palavras, os verbos que apontam aação a ser mensurada no campo do co-nhecimento. O Saeb, salvo melhor juízo,deve medir o estado verdadeiro da edu-cação brasileira.

Essa transformação rápida, se ocorri-da na formulação do Exame Nacional doEnsino Médio (Enem), ao contrário, seriabastante interessante. O Enem veio paraser diferente... "Se a reforma fosse a ma-nhã de um dia, o Enem seria sua tarde" eo Saeb, sua noite.

Etapas para análise do Saeb e suasconseqüências práticas

Quando observamos os resultadosdos descritores, podemos levantar ques-tões orientadoras de ações de intervençãoao longo do tempo. Vejamos algumas pro-postas norteadoras de políticas deintervenção:

A curtíssimo prazo: Capacitação obje-tiva para professores de Química nos te-mas cujos descritores possuem porcenta-gem de aproveitamento entre 0% e 25%;

A curto prazo: Capacitação objetivapara professores de Química nos temascujos descritores possuem porcentagemde aproveitamento entre 25% e 50%;

Com resultados a médio prazo, mascom início imediato de ações, podemos terestudos que identifiquem seus temasmotivadores das questões de 0% a 50% deaproveitamento por parte dos alunos:

1) Se estão contemplados no progra-ma proposto para a disciplina;

2) Se todas as escolas seguem o pro-grama proposto;

3) Se os temas propostos nas ques-tões possuem tempo adequado de estudoe exercício de fixação;

4) Se são tratados no livro/material di-dático usado pelos professores;

5) Se são tratados no livro/material di-dático de forma adequada;

6) Se existem alternativas didáticaspara melhorar os domínios destes temas;

7) Se são pertinentes e/ou relevantesao modelo de conhecimento que se querconstruir na reforma do ensino médio.

Além das ações anteriormente propos-tas, é possível e indicado:

8) Listar os itens que devem permane-cer, a fim de que a reforma alcance seusreais objetivos, e construir um programaadequado;

9) Listar os itens que não são pertinentes e/ou relevantes para o que se quer coma reforma do ensino médio e ter a cora-gem de retirá-los do programa.

A longo prazo, teremos a comparaçãodos resultados do Saeb 97 com o do Saeb99 – que ainda não terá percebido os pos-síveis acertos das políticas de intervenção– e com o resultado do Saeb 2001, queespelhará as conseqüências dessasintervenções.

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126 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

Segundo Movimento: Análisecrítica do texto sobre

a disciplina Química na reformado ensino médio

Preliminares

Não resta dúvida de que o texto pos-sui grande qualidade acadêmica. Apresen-tam, no seu bojo, as etapas que, de algu-ma forma, marcaram o ensino de químicano passado e que são percebidas nopresente. Por sua qualidade acadêmica, apresente proposta merece discussão sobuma ótica não contemplada, mas que semostra indispensável para que a reformasaia do campo das idéias e produza os efeitosdesejados.

Este artigo começa com uma leve dis-cussão sobre o que seja "efetividade" danorma legal, não acidentalmente. Se, porum lado, o texto tem valor acadêmico, poroutro, mostra-se completamente disjuntoda realidade educacional e da dinâmica deensino de química brasileiro. Se buscarmosuma analogia para esta disjunção, pode-mos encontrar, no futebol e no arremessode peso, dois bons exemplos. No caso doarremesso, o atleta, por mais que queira,só poderá arremessar o peso pelo espaçonão protegido pela grade. Logo, existe umângulo limitante de arremesso impedindoque o atleta exerça livremente sua vonta-de. Ele parte do limite real em busca deseu objetivo: arremessar o peso o mais lon-ge possível. Podemos dizer que isto é umcenário projetivo, que parte da realidade eprojeta sua trajetória no limite daspossibilidades.

No segundo exemplo – o futebol –, te-mos um fenômeno diferente. Reúnem-setodos os jogadores, comissão técnica e tor-cida para alcançarem um objetivo comuminquestionável e previamente definido: o gol.Os times poderão variar quanto a sua capa-cidade técnica, sua organização em cam-po, infra-estrutura e tudo mais. Mas todosquerem e perseguem o gol. Isto é o quepodemos chamar de cenário normativo.

Na verdade, o que se espera como re-sultado deste artigo é justamente "a pontede conexão" entre os dois cenários: as polí-ticas públicas para a educação média, quese desdobram naturalmente em planeja-mento de ensino, e gestão da práticadocente.

A reforma proposta para a disciplinade Química, como todo cenário normati-vo, só se torna realidade a partir de deci-sões estratégicas que se disponham a sertanto estruturais quanto conjunturais, lis-tando ameaças e oportunidades e,declaradamente, indicando o que é ounão prioritário no rol de decisões quedeverá ser integralmente cumprido (enten-da-se prioritário aquilo que vem primeiro,que vem antes de outras coisas tambémimportantes).

Como cenário desejável, a propostaé, em si, inexeqüível. Para tornar-se efeti-va, demandará trabalho contínuo e articu-lado com outros tantos setores e não po-derá dispensar um processo avaliativosevero e competente. A reforma, comoestá posta para efetivar-se, pedirá intera-ção conjunta com setores, tais como: Ins-tituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais (Inep), Semtec, Secretariade Educação Superior (SESu), ConselhoNacional de Educação (CNE), Secretariade Educação a Distância (SEEd), univer-sidades, Instituições de Ensino Superior(IES), instituições representativas de clas-se e mercado editorial, principalmente.

Em primeira análise, vislumbramos asseguintes contribuições:

l Inep – contribuindo com os dadose os devidos cruzamentos (Saeb, Enem,Censo Escolar, etc.), a partir de seu ricobanco de informações e da indispensávelanálise de seus técnicos.

l Semtec – na gerência-geral dointrincado jogo de poder, que é a implan-tação de um novo currículo. Não podedesconhecer as dificuldades próprias damudança, conforme escreve Maquiavel(os que sofrem com a mudança são con-tra, e os que irão ganhar, porque aindanão ganharam, também são contra). Estagerência é fortemente política.

l SESu – no esforço para entenderas mudanças a serem implementadas nocampo do ensino superior (promoção deprofessores para a nova realidade, buscade flexibilização dos caminhos existentes,etc.).

l CNE – na tentativa de lembrar que umdos grandes princípios embutidos porDarcy Ribeiro, na Lei que leva o seu nome, é aflexibilização responsável e a possibilidade

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127R

. bras. Est. pedag., B

rasília, v. 80, n. 194, p. 114-147, jan./abr. 1999.

Quadro 2 – Análise possível do resultado de alguns descritores

Caracterizar os modelos-atômicos de Dalton, Thomson,Rutherford-Bohr e estabelecer comparações entre eles.

Explicar a solubilidade por meio dos conceitos depolaridade das ligações e das moléculas (geometriamolecular).

Relacionar a hipótese de Avogadro com a construçãodo conceito de molécula.

Descrever, por meio da linguagem discursiva esimbólica, os processos de obtenção de: ácidosulfúrico (processo contato); soda cáustica (processoeletrolítico em solução aquosa de cloreto de sódio);óxido de cálcio (decomposição térmica do carbonatode cálcio) e as equações químicas pertinentes.

Identificar as principais substâncias poluidoras da águadas seguintes fontes: esgoto doméstico, dejetosindustriais, detergentes, agrotóxicos, fertilizantes.

Descrever, por meio da linguagem discursiva, asprincipais etapas do tratamento da água utilizada nascidades, reconhecendo produtos químicos utilizados esuas respectivas funções, para cada etapa do processo.

Reconhecer que o petróleo é uma mistura de váriassubstâncias que podem ser separadas através dedestilação fracionada, e que tal processo de separaçãoestá baseado na diferença de temperaturas de ebuliçãoe número de átomos de carbono das substânciaspresentes na mistura.

RC/IC

IC

CS

RC

RC/CS

RC/CS

RC/CS

D007

D019

D022

D039

D040

D041

D081

18,54

14,65

19,21

34,79

44,88

54,77

16,15

O estudo de modelos atômicos pode servir para comparar a evolução da idéia atômicaou simples relacionamentos entre o nome do formulador e um conjunto de princípiosmemorizados. Exige-se a diferenciação dos modelos nos pequenos detalhes ao invésdas diferenças conceituais da época.

Este é um bom exemplo de conceito efetivamente abstrato e, se contribui para aformação do químico, pouco ajuda no enriquecimento do aluno médio.

Este é um bom exemplo de como deve ser apontado o conhecimento que se queravaliar. A idéia é genérica e, nela, podemos extrair vários pontos de entendimento paraa avaliação, apesar de poder ser resultado de memorização.

O exemplo do petróleo diferencia-se da água por conta, provavelmente, do grandenúmero de produtos a serem produzidos no processo industrial. A memorização ficamais difícil e o número de “acertos” fica menor. Este deve ser o índice mais verdadeiropara este tipo de abordagem. Por isto o classificamos somente com o CS enquanto osoutros têm alta taxa de memória e também receberam a qualificação RC.

Aqui está a essência da reforma. Querem que o aluno seja capaz de identificar emacontecimentos produtivos as informações adquiridas. São os dados/informaçõestransformando-se em conhecimento. Importa ressaltar que a cultura implantada vaifazer com que o aluno decore os processos químicos mais comuns ao invés de levá-loao conhecimento. Ressaltar procedimentos industriais é convidar à memória. Deve-seressaltar grandes processos, grandes idéias, generalidades nas quais se incluamprocedimentos industriais mais comuns. Estes processos já estão nos livros-textotradicionais e o alto índice encontrado é falso quanto ao seu valor para a reforma.

Níveis daReforma Descritores Identificação do Item % Análise

Este é o mesmo caso do descritor 0039. O alto índice não se deu porque os estudantesaprenderam a relacionar o conhecimento químico com a sua aplicabilidade no caso daágua. Este tema já está bem trabalhado e é tradicionalmente citado nos livrostradicionais de Química do ensino médio.

Eis aqui algo muito importante para a vida cotidiana. Infelizmente, este tipo deabordagem é pouco valorizado na escola. Os alunos devem memorizar as arrumaçõesespaciais com seus nomes e ângulos e não têm oportunidade de aplicar estesconhecimentos.

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de ousar. Na nova Lei de Diretrizes e Ba-ses da Educação Nacional (LDB), não cabeo excesso de amarras normativas, nem elapode carecer de avaliações.

l SEEd – percebendo que a reformado ensino de Química – ensino que é desua responsabilidade – pode ser executa-da trazendo, como conseqüência, a supe-ração de problemas históricos de falta deprofessores, no baixo índice de aprendiza-gem e de desconexão com outros pontosdo currículo.

l Universidades e IES – lembrando quenão é mais o momento de discutir os itenspostos na reforma. Esse momento foi su-perado e devemos assumir o segundo es-tágio: o do planejamento para executar.Espera-se não precisar lembrar à Universi-dade que ela falhou na sua função de for-mar um professor de Química apto a supe-rar os óbices tradicionalmente conhecidosna escola real. A Universidade/IES formaprofessores para a educação básica semconhecer esta realidade, comportando-secomo ícaro de nossos dias. Importa que aUniversidade/IES assuma sua função deformador, mesmo que indique as falhas naproposta.

l Instituições de classe – que sejamchamadas à adesão ao processo, superan-do os focos de defesa corporativa de gru-pos e idéias, que contemplam esta ouaquela vertente ou instituição.

l Mercado editorial – que seja insta-do a perceber que a reforma é indispen-sável e que o segmento possui funçãocatalisadora estratégica na velocidade damudança.

Feitas as primeiras observações, va-mos à análise propriamente dita:

Da análise

O texto sobre conhecimento de quími-ca está bastante fiel à realidade do ensinode química no Brasil. Temos a distinçãoentre o conhecimento científico e o chama-do popular. Enfrentamos um adversáriorespeitável, que dá espaços/tempos dife-rentes para fatos, ditos bons e ditos ruins:a mídia constrói e fortalece uma determi-nada imagem pública da Química.

Com certeza, está perfeita a evoluçãoda atenção com o conhecimento quími-co: 1) formação de futuros cientistas; 2)formação de cidadãos mais conscientes;e 3) o desenvolvimento de conhecimen-tos aplicáveis ao sistema produtivo, indus-trial e agrícola. Acrescentaríamos, tam-bém, o mais amplo no momento, que é aatenção com a CTS.

Dentre outros temas mencionados efundamentados no texto, permito-me enu-merar alguns para tratá-los em bloco deafinidade. São eles: interdisciplinaridade,contextualização, cotidianização, proble-matização, aulas experimentais, temasgerais interdisciplinares (atmosfera, uso deconservantes, combustível, metalurgia,etc.) história da ciência e projetos inter-disciplinares. Itens já conhecidos e discu-tidos pela comunidade de ensino de quí-mica como pontos de intervenção na for-mação do professor, visando ao "binômioquímica e sociedade" (Chrispino, 1992).Por óbvia coerência, creio que estão cor-retos, mas que merecem uma priorizaçãode ordem político-estratégica ante a rela-ção custo-benefício que iremos conseguir.Detalhemos cada um deles:

1. Interdisciplinaridade –É uma ação inexistente nocampo de ensino da área ci-entífica. Espera-se que ainter venha logo após aexecução da disciplina,ampliando o campode visão do aluno.Na verdade, ainterdisciplinade hoje é a dis-ciplina de ama-nhã, o que nos levaa pensar como seaplicará e avaliará ainterdisciplinaridade, afim de que não se repi-tam os mesmos erros. Naverdade, a disciplina sur-giu com a função didáti-ca de "recortar" a na-tureza, selecionandoobjetos de estudo de-finidos e com conse-qüente corpo própriode conhecimento. Aexpectativa era que,aprendendo esses obje-tos de estudo em separado,

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o aluno fosse capaz de reconstruir a natu-reza que antes fora dividida para estudo.Sabe-se que isso é impossível. O elétronda fotossíntese da biologia, os elétrons daeletricidade da física e os elétrons das re-ações e das distribuições eletrônicas daquímica são, para os alunos, "entes" cien-tíficos distintos. Não é possível rompercom a estrutura disciplinar sem grandesprejuízos, é necessário criar esquemasalternativos efetivos para sua imple-mentação até que a idéia esteja forte epossa sobreviver por si mesma.

Dentre as possibilidades já conheci-das, podemos indicar:

l Seminários interdisciplinares, envol-vendo duas ou três disciplinas com seusrespectivos professores, por exemplo: at-mosfera (Química, Física e Geografia); elé-tron (Química, Física e Biologia); cores(Química e Física).

l Existem vídeos da coleção World ofChemistry, disponibilizados em portuguêspela Associação Brasileira de Química(ABQ), coordenados pelo Prêmio NobelRoald Hoffmann, que podem ser usadospelos professores. A coleção contemplaum grande conjunto de recursos visuais.

l Avaliações realizadas emconjunto por duas ou três

disciplinas a partir do mes-mo tema gerador. Hipoté-

tico: vaga-lume (descre-ve-se o fato com as in-formações próprias).

Biologia: 1º) Emque condições bioló-gicas encontramoso vaga-lume?

Física: 2º) Qualo comprimento deonda que encon-tramos no vaga-lume?

Química: 3º)Que reagente deveter sua quantidade

aumentada para ga-rantir maior intensidadede luz?

l Projetos de conclu-são de semestre ou ano,em que o aluno receberiaum conjunto de dados e

informações e deveria apresentar sua po-sição fundamentada:

A instalação de uma indústria com Xempregos, com Y taxa de transporte rodo-viário, com efluentes Z e gases T, etc.

l Realização de cursos temáticosinterdisciplinares um pouco mais longosque os seminários sobre "Como obter aágua de que necessitamos", "Como con-servar os recursos químicos?", "Petróleo:construir ou queimar?", "Química, ar e cli-ma", "Saúde, usos e opções". Esses temasestão prontos na publicação Chemcom, daAmerican Chemical Society (ACS), játraduzida para o espanhol.

l A influência para que os licenciandosjá sejam formados sob esta ótica nas uni-versidades e nos Institutos Superiores deEducação.

2. Contextualização – Espera-se queo aluno seja capaz de transferir seu co-nhecimento de química a coisas/fatos àsua volta. Existe um risco muito grandede se padronizar a contextualização, indi-cando quais os contextos a serem vividospelo aluno: metalurgia, fertilizantes, com-bustíveis, etc. Depois de algum tempo,este estágio cognitivo estará reduzido àmemória. É o que tentam fazer os livros-texto atuais de Química quando inseremum "box" industrial no meio do texto a ser"aprendido". Melhor seria que se lhes apre-sentássemos periodicamente contextosdistintos com suas respectivas informa-ções químicas que estivessem além deseu domínio para que o aluno pudessefazer ingerências.

Por exemplo, o fato de que aproxima-damente 25% de certas populações afri-canas estarem contaminadas com o vírusda Aids, acrescido de informes demográ-ficos, políticos e econômicos, poderá ser-vir de ponto de partida para a construçãode soluções a partir de problemas con-cretos e contextualizados.

Outra possibilidade são os capítulostemáticos publicados pela ACS, que po-deriam ser preparados para professores ealunos.

Nossos livros não estão preparadospara essa função cognitiva. Em tese, po-deríamos apresentar a situação da seguinteforma:

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Representação da evolução das abordagens do ensino de Químicaquanto à relação conhecimento químico/contexto social

Conhecimento químico(prioritário)

Contexto

O que se tinha O que se tem O que se quer

Contexto Contexto(prioritário)

Conhecimento químico(prioritário)

Conhecimento químico

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3. Cotidianização – Faz-se muito a co-tidianização do ensino de química, colo-cando-se a foto deste ou daquele produtocomercial na mesma página do tema emestudo. É algo como estímulo/resposta:carro/gasolina, energia nuclear/perigo, in-dústria/sujeira, etc. Na verdade, estabele-cer relações mecânicas e diretas é "matar"este canal, que pode servir para estágioscognitivos superiores. O que deve ser va-lorizado é a relação das densidades daágua, da gasolina e do álcool com o carroque não responde à ignição porque ficoumuito tempo sem funcionar. É explicar porque não se dilui com água o óleo de pero-ba ou por que não se reserva "aguarrás"em recipiente de plástico. Ou mesmo, pe-dir que se coloque um comprimido de "pur-goleite" (fenolftaleína) em vinagre e emamônia e pedir que se explique a diferen-ça observada. É questionar por que o gelobóia e o que aconteceria se ele não pu-desse boiar...

4. Problematização – Este é o item maisbem representado no momento pelo qualpassa o ensino de química brasileiro. Todoele é centrado no esforço de fazer com queo aluno resolva problemas... problemas devestibular e de concursos! Esse item estásendo tratado no nível cognitivo mais po-bre. Um aluno do ensino médio é capazde resolver problemas de química sem,efetivamente, "saber" química. Será neces-sário criar estratégias para que professo-res/alunos/escolas passem a resolver pro-blemas em níveis cognitivos mais elevados(IC e CS). Os professores não foram pre-parados para isso, não existem materiaisque permitam esse exercício, as escolas eas famílias não estão interessadas (uma vezque desejam o índice de aprovação no

vestibular e não há tempo reservado paratal no calendário de ensino). O trabalhopor projeto é uma alternativa indicada paraeste up-grade, necessitando de condiçõesinstitucionais para se efetivar.

5. Aulas experimentais – O texto dareforma do ensino médio faz referência aaulas experimentais, o que é algo bas-tante difícil de ser conseguido, mesmonos grandes centros urbanos. Não sequestiona a importância de tal procedi-mento, ao contrário, devemos esclareceralgumas tradições a fim de evitar a repe-tição dos erros.

Quando das reformas anteriores, osdecisores obtiveram recursos financeirospara compra de equipamentos estrangei-ros para as escolas públicas. Até bempouco tempo, os equipamentos aindapodiam ser encontrados nas escolas dedestino... fechados até hoje. Logo, nãocabe falar em comprar equipamentos eremetê-los às escolas, como não cabeprojetar a construção de laboratórios,quando não há professor/diretor/comu-nidade, sensibilizados e conscientes paratal. Da mesma forma, não se pode espe-rar que a contratação de um expertisepara ministrar um curso brilhante, numadeterminada cidade, resolva este tipo deproblema.

É necessário sensibilizar o professore ofertar-lhe material de apoio, para queele realize a atividade experimental no con-texto real em que vive e que não seja criti-cado porque "não está aproveitando otempo para cumprir o programa teórico",como ocorre comumente.

O Brasil possui muitos grupos quedesenvolvem práticas, com materiais debaixo custo, e que acumulam razoável

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experiência crítica na área. Não basta quea prática seja realizada como algo que "emse misturando dá". É necessária a preo-cupação de extrair da atividade práticatudo aquilo com que ela pode contribuir,não só para aclaramento do conhecimen-to em si, mas, também, sobre os aspec-tos da contextualização, cotidianização erelação com a sociedade.

É possível desenvolver um programade atividades práticas a partir (ou nuclea-da) de riquezas locais (calcário, minériode ferro, conchas, sal, etc.) ou materiaisrealmente comuns à realidade brasileira(ferro, chumbo, alumínio, zinco, mármo-re, etc.). O segredo está em construir como aluno a seqüência de experimento queserá realizado no laboratório.

Hoje, o aluno vê uma reação paracada conceito estudado na teoria. Na maisdas vezes, a mesma reação é repetida emoutro(s) experimento(s) para que se ob-serve um outro conceito. Na verdade, énecessário estruturar uma prática que per-mita a observação da reação como umtodo, interligando os vários conceitos pre-sentes. O aluno poderá propor a seqüên-cia teórica das reações a partir do produ-to local escolhido e executar a marchaexperimentalmente.

Essa experiência didática, que já foirealizada e comprovada, apresenta van-tagens econômicas e curriculares além deestar plenamente de acordo com o quese espera de resultado cognitivo com areforma. Em vez de realizarmos uma ex-periência para cada conceito a ser obser-vado, iremos realizar uma seqüência dereações na qual serão observados váriosconceitos e suas inter-relações.

Até o presente momento, este tipo deabordagem não foi recepcionado pelomercado editorial e pelas universidades.

6. Temas gerais interdisciplinares – Otexto da reforma propõe que se trabalhecom conhecimentos socialmente relevan-tes e aponta algumas alternativas (atmos-fera, uso de conservantes, combustível,metalurgia, etc.). Na verdade, ao se apon-tar este ou aquele tópico "socialmente re-levante", estaremos indicando o assuntopara um "box" da futura edição do livro-texto de Química, fazendo com que o alu-no seja levado a memorizar mais isso. Oslivros de CTS – que são muitos no Exterior– superam esta dificuldade trabalhando otema a partir de uma série de informações

importantes para a discussão final. É avivência de uma situação-problema comum rol de informações: a implantação ounão de uma siderúrgica, a adição ou nãode aditivo à gasolina; qual o impacto dosconservantes na produção agrícola e nomeio ambiente, etc. Para que esse impor-tantíssimo tópico se efetive, será necessá-rio material didático estratégico. Colocaresses temas como tópicos do programa écondená-los ao fracasso institucional. Pro-ponho outros temas mais próximos dosprofessores da área, a fim de ensiná-los atrabalhar interdisciplinarmente com conteú-dos próprios, tais como elétrons, sangue ecores, a serem trabalhados em Química,Física e Biologia.

Torna-se indispensável capacitar oprofessor para cada tema amplo (há litera-tura suficiente no mercado nacional) e de-pois preparar o fascículo sobre o temainterdisciplinar que o aluno trabalharácomo "projeto" em grupo e o material deapoio ao professor (não há disponível nomercado brasileiro e, sim, no exterior).

7. História da ciência – A preocupaçãocom a historia da ciência vem crescendoentre os professores de Ciências e já con-tamos, no Brasil, com grupos dedicados aeste tipo de abordagem. Com certeza, énecessária uma reflexão no momento depropor essa abordagem para os professo-res de ensino médio em geral. A grandefunção do estudo da história da ciência édemonstrar como o pensamento científicoevoluiu e que fatores existiam no seu en-torno temporal. Ocorre que, se os profes-sores de ensino médio não estiverem sen-síveis para aplicar a história da ciência coma visão de contextualização (história), aca-barão por repetir nesse item o que se cos-tuma fazer com os autores de leis e teoriascientíficas. Citam os autores (Rutherford,Bohr, Pauling, Lewis e mais algumas deze-nas), achando que estão contando a histó-ria da evolução do conceito. Conhecer osautores das leis e/ou teorias de nada adi-anta aos estudantes. É, além de inútil comoconhecimento, um fator de afastamento doestudante. A história da ciência, secontextualizada e bem trabalhada, será umbom fator ou eixo interdisciplinar, uma vezque poderá ser estudada pela ótica daQuímica, da Física, da Biologia e da Histó-ria, principalmente.

O mercado editorial brasileiro já contacom alguns volumes que permitem iniciar

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esse tipo de trabalho, se tomadas as pre-cauções de contextualizar a História. A vi-são de ciência e sociedade, mais uma vez,contempla esse item.

8. Projetos Interdisciplinares

8.1. Atividade "intercapitular": O textoda reforma propõe que se busque a preo-cupação com a sobrevivência e o meioambiente, propondo, com isto, romper asbarreiras das divisões da Química. Bas-tante importante essa proposta!

Se buscarmos analisar o ensino dequímica e sua trajetória, vamos perceberque ele não só é estruturalmente discipli-nar (aqui entendido como campo delimi-tado do conhecimento com estrutura pró-pria) como, também, sofre de completafalta de conectividade entre as unidadesque compõem a disciplina. O que se temsão capítulos trabalhados em uma deter-minada ordem sem a preocupação, oumesmo capacidade, de interligação decapítulos. Ocorre que a mesma reaçãoquímica é estudada nos capítulos"eletroquímica" e "termoquímica" mas nãoexiste uma visão unificadora, uma ponteentre os dois fenômenos energéticos.

Para que possamos falar de projetosinterdisciplinares de cunho científico envol-vendo a Química, devemos primeiro traba-lhar a atividade "intercapitular", rompendocom a rígida divisão ligada pela tradição emantida pela força: 1) da formação do pro-fessor; 2) da estrutura do vestibular; e 3)do mercado editorial, principalmente.

Para a ação "intercapitular", é possí-vel encontrar alguns livros já traduzidosque poderão permitir o início da ativida-de. Por exemplo, o tema atmosfera(Masterton et al., 1990), no citado texto dareforma.

8.2. Atividades interdisciplinares: Po-deremos, depois de iniciar o exercício"intercapitular", desenvolver atividadesinterdisciplinares da área, por meio deprojetos orientados ou aulas ministradaspor mais de um professor, de disciplinasdistintas. Ou, de forma mais realista, paraa dinâmica da escola: o mesmo tema tra-tado paralelamente em algumas discipli-nas. Por exemplo, o elétron, que é vistocomo ente distinto na química, na física ena biologia. Os alunos precisam saberque, apesar das funções distintas, o elé-tron é o mesmo.

Um segundo exemplo será a atmos-fera, agora tratada numa visão interdisci-plinar de área (física atmosférica, biologiado ciclo d'água, reações químicas na at-mosfera e ecologia) e mais outros poten-ciais exemplos: sangue, cores, gases, etc.

Poderíamos alcançar o estágio inter-disciplinar de grandes áreas quando agre-gássemos a geografia, a ética, a econo-mia, as relações de emprego, a decisãocomunitária.

Aí estaríamos fazendo educação navertente CTS.

Poderíamos, a médio prazo, prepararpequenos fascículos informativos para alu-nos e professores desenvolverem proje-tos de pesquisa bimestrais.

Existem grupos nacionais discutindoesse tema (Bazzo, 1998; Pessoa de Car-valho, Vannucchi, 1999; Trivelato, 1999) eexperiências internacionais de criação dadisciplina CTS (Cerezo et al., 1996) paraesse segmento do ensino e no ensino su-perior, com vasta bibliografia de apoio.

Das limitações

Apresentadas as preliminares, feitaa análise por grandes blocos, podemos,então, dedicar maior atenção às limita-ções da reforma do ensino médio, na dis-ciplina de Química.

A primeira que nos ocorre é a resis-tência humana natural à mudança. De-vemos considerá-la e prever estratégiasde sensibilização, a fim de que não pen-semos que a reforma está acontecendo,enquanto o professor continua a fazer oque sempre fez, da forma com que estáacostumado.

A segunda limitação é de ordem es-trutural. O programa de divulgação da re-forma tem informado que 75% do temposerão utilizados para a base curricularcomum e 25% para a livre opção da re-gião, do Estado ou da escola. Dissodepreende-se que toda a reforma – comoconteúdo – deverá estar contida em 75%da carga horária anual: 600 horas, queserão divididas anualmente por até 12disciplinas diferentes.

Na verdade, propõem-se dois movi-mentos sobre o mesmo eixo: redução dacarga e mudança de abordagem. Existe orisco de se criarem, nos 25% livres, disci-plinas que contemplem a perda de tempo

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pela diminuição dos 100% comuns às disci-plinas clássicas. Ficará tudo como antes!

Além disso, as escolas públicas nãopodem colocar livremente as disciplinasdesejadas mas, sim, as possíveis, poispossuem professores fixos que entrarampela porta estreita do concurso público,que requer o cumprimento de uma sériede exigências "cartoriais" revestidas de fi-gura jurídica. Dirão alguns que, para su-perar esse entrave burocrático, existe oinstituto do convênio... que é fácil de pen-sar... complicado de assinar... dificílimo deexecutar!

A terceira dificuldade é a inexistênciade material didático disponível ao profes-sor, que permita um fluxo de mudançacomo se deseja. Não que o material nãoexista: ele não está ao alcance do profes-sor comum, uma vez que a produção emescala de mercado em língua portuguesanão chega. Existem materiais que poderi-am ser utilizados imediatamente para aefetivação da reforma, mas estão em lín-gua estrangeira ou com dificuldade deserem veiculadas no Brasil.

Um exemplo da existência de proje-tos exeqüíveis é dado pela ABQ, que vemintroduzindo a coleção de vídeos World ofChemistry, com 26 vídeos perfeitos para aproposta de reforma. Uma grande partedesses vídeos já está traduzido para a lín-gua portuguesa e é distribuído, mediantecapacitação, para os professores de Quí-mica de todo o Brasil. A ABQ vem reali-zando cursos de conteúdo e de metodo-logia em seus congressos brasileiros deQuímica, ocorridos a cada ano em umEstado diferente. Também participou decursos para professores, por intermédiodo Programa Prociência (Convênio Capes/FAP's), tendo ministrado cursos no Rio deJaneiro para dezenas de professores darede oficial e possui projetos prontos paraaplicação em outros Estados. Tal progra-ma ainda dispõe de livro-texto contextua-lizado, manual experimental, manual deaulas práticas e demonstrativas e conjun-to de transparência para aulas.

Como esse programa, que se esfor-ça para superar as resistências e entrarno Brasil graciosamente, podemos citaroutros de origem australiana, espanhola,americana, mexicana, para ficarmos empoucos.

A quarta dificuldade é o tempo natu-ral de absorção, pelo sistema, de uma re-forma desta envergadura até a percepção

dos resultados concretos. Para se ter umaidéia, podemos fazer um cálculo conside-rando os seguintes formadores do siste-ma de ensino: Estado, escola, professor ealuno.

A quinta dificuldade está na motiva-ção da mudança. Salvo melhor juízo, nãoacredito em mudanças de ensino motiva-das por fatores endógenos ao sistema –salvaguardadas as exceções. As mudan-ças no ensino se dão por meio de fatoresexógenos, com força superior à resistên-cia natural do sistema. Isto significa que éindispensável a cumplicidade dos possí-veis agentes externos, a planificação es-tratégica e a coordenação dos agentesexógenos ao sistema. Como agentes exó-genos, podemos citar: a Reforma do Ensi-no Médio (Semtec); a reestruturação dosvestibulares (Universidade e IES); o Enem(Inep); a análise dos indicadores do Saeb(Inep); as capacitações e avaliações/mo-nitoramento de mudanças (SecretariasEstaduais de Ensino – SEEs); a produçãode material didático inovador (mercadoeditorial) e a discussão nos fóruns de clas-se – órgãos de classe: ABQ, AssociaçãoBrasileira de Polímeros (ABPol), Associa-ção Brasileira de Indústria Química (Abi-quim), Associação Brasileira de Engenha-ria Química (Abeq), Conselhos Regionaisde Química (CRQ) e muitos outros.

A Semtec precisa estabelecer crono-grama exeqüível de ações estratégicas quecontemple desde a curva de namoro (co-optação) até a avaliação de resultados pararedefinição de rumos em direção ao cená-rio desejado, que seria função do Saeb,salvo melhor juízo.

A sexta dificuldade é a obtenção derecursos e sua distribuição por sistemasde avaliação por pares distribuídos pelascomissões que acabam repetindo a mes-mice que não contribui para a reforma, ini-bindo iniciativas inovadoras, fato comu-mente observado nos macroprogramas definanciamentos de projetos educacionais.Quando existem recursos, surgem muitos"entendidos" em educação...

É necessário um programa com editalinduzido – e não de balcão – o que pededefinição institucional e força política parasuportar até mesmo a indignação de pos-síveis grupos universitários que se acredi-tam capazes de serem contemplados comas verbas públicas, sem que possamcontabilizar resultados positivos na quali-dade da prática escolar. Os resultados que

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existem são acadêmicos e engrossam oscurrículos e as publicações dos mesmosgrupos hegemônicos. O que se quer é po-lítica de intervenção no ensino com resul-tados, o que estes grupos, todos com com-petente e relevante ação teórica, já se mos-traram incapazes de realizar.

A última dificuldade é a inexistênciade modelos que possam servir de "cam-pos de debates". Seria importante a recep-ção de projetos escolares inovadores emrealidades e práticas distintas, uma vezque não podemos ter a pretensão de acre-ditar que existe apenas um caminho quenos leve aos resultados desejados pelareforma. Seria importante induzir algumas

experiências de intervenção – previamen-te analisadas e com acompanhamento sis-temático – que servissem de parâmetropara a Semtec. Não se estão propondoexperiências que venham a ser unificadaspara as escolas, mas estudos de experi-ências com resultados positivos passíveisde ser ofertados às demais escolas comoindicativos de mudança com bom êxito.Não podemos cometer o erro histórico depropor uma estrutura de modelo único.Devemos, sim, manter o modelo de avali-ação de resultados do sistema – Saeb – edeixar que o sistema crie seus próprioscaminhos com os estímulos ofertados/co-ordenados pela Semtec.

Quadro 3 – Proposta de cronograma de evolução das decisões de políticaspúblicas e ações necessárias para a implantação da reforma do ensino médio

em Química

Anosarbitrados Âmbitos Resultado esperado

Tempo de chegada dos PCNs aoEstado. A Secretaria Estadual seorganiza.

Tempo de chegada dos currículosà escola. A escola se organiza.

Tempo de chegada dos programasao professor. O professor organizasua prática com as mudançaspossíveis.

Tempo de chegada aos alunos danova prática docente. O alunoresponde ao novo PCN.

Da Sociedade.

Tempo de chegada dos primeirosalunos oriundos da reforma àcarreira de professores “diferentes”.

Professores egressos da reforma,mais aptos a realizarem mudançasmais acentuadas na prática docente.

1 anoo

2o

ano

3o

ano

6o

ano

11o

ano

7 ao10

o

oano

4o o

e 5 ano

Reforma do Currículo Estadual.

Reforma do programa de ensinoe calendário.

Reforma possível da gestão daprática docente.

Durante os três anos do ensinomédio, os alunos viverão asmudanças.

Alunos serão avaliados.

Alunos em condições deexperimentarem novas práticasmais condizentes com o espíritoda reforma.

Professores mais aptos aexecutarem mudanças naprática docente que mais seaproximem daquilo que seespera da reforma.

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Terceiro Movimento: Sugestõesde intervenções que permitam

a efetiva mudança na educaçãoescolar

Para o Inep

l Alterar a construção dos descritoresde forma a contemplar os grandes gruposapresentados nos Parâmetros CurricularesNacionais (PCN): representação e comu-nicação (RC), investigação e compreen-são (IC) e contextualização sociocultural(CS).

l Planejar para o próximo Saeb umadiminuição no número de itens para osdescritores básicos (já transformados emRC) e aumentar gradativamente o númerode descritores que atendam aos dois ou-tros grupos para mapear de forma sensívelas competências cognitivas dominadas apartir dos programas implementados.

l Divulgar mais amplamente os resul-tados do Saeb a fim de sensibilizar a soci-edade e a comunidade de professores paraa efetiva necessidade de mudança no en-sino médio partindo de dados efetivos.

l Buscar divulgar mais a política deavaliação e de tratamento de dados entreprofessores e comunidade.

l Fazer e divulgar estudos prospecti-vos sobre a evolução do ensino médio(número de alunos, demanda reprimidapotencial, taxa de repetência, taxa bruta,taxa líquida, taxa de sucesso, distorçãoidade/série, empregabilidade, etc.).

Para a Semtec

l Ter o sistema federal de ensino comoeixo de transformação e promoção doseventos inovadores da reforma do ensinomédio.

l Iniciar a reforma e as inovações pelosistema federal, de forma a aglutinar emtorno dele a responsabilidade de multipli-cação de eventos e inovações.

l Intervir nas discussões sobre licenci-aturas a fim de garantir que o seu novo perfilatenda às necessidades efetivas da refor-ma e não ao academicismo tradicional.

l Induzir programas de capacitação deprofessores para áreas desejadas, utilizan-do os recursos do Programa Prociência(Capes/FAPs).

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l Organizar seminário sobre CTS comprofessores convidados e difundir estaabordagem.

l Criar, em curto prazo, uma disciplinade CTS no ensino superior e mestrados,mesmo que eletiva, no sistema federal.

l Induzir/financiar programas decapacitação de professores cujos resulta-dos sejam palpáveis a curto prazo e per-mitam campo propício às futuras e neces-sárias inovações.

l Induzir a produção de material di-dático pertinente, quer traduzido, quernacional.

l Aproveitar as experiências recentesde outros países neste tipo de aborda-gem curricular proposta (Espanha, porexemplo).

l Criar parcerias com instituições liga-das à área da Química que possamgerenciar programas e ações com maisrapidez e que estejam dispostas a realizarações concretas de intervenção.

Para as SEEs

l Utilizar os recursos do ProgramaProciência de seu Estado para capacitarprofessores do ensino médio em conteú-dos e metodologias que venham servirpara aplicar os pressupostos da Reforma.

l Realçar a obrigação constitucionaldo Estado em atender ao ensino médio.

l o Iniciar imediatamente a prepara-ção de programa estadual para a discipli-na de Química.

l Indicar que as escolas iniciem, sub-seqüentemente, as mudanças necessári-as à implantação do programa indicado.

l Implantar programas de capacitaçãoque efetivamente auxiliem o professor afazer mudanças na qualidade de sua prá-tica docente.

l Realçar a necessidade de se inicia-rem estudos sobre o fluxo do ensino mé-dio próprio do Estado, e desenhar possí-veis cenários futuros, considerando: nú-mero de alunos, demanda reprimida po-tencial, taxa de repetência, taxa bruta, taxalíquida, distorção idade/série, etc.

l Realçar a necessidade de se iniciaremestudos sobre o custo do ensino médio.

l Ter a Semtec como parceira nos pro-gramas de capacitação e inovação curricu-lar, lembrando que a reforma é irreversível.

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l Iniciar o mapeamento dos professo-res do ensino médio a fim de melhor pla-nejar as políticas de intervenção.

l Preparar-se para a utilização de ava-liação por competência e habilidades.

Quarto Movimento: Políticas,planejamento e gestão

A seguir, são detalhadas as propos-tas de políticas educacionais, planejamen-to de ensino e gestão da prática docente,tais como:

1. Capacitação de professores.2. Formação inicial de professores.3. Elaboração de material didático:l fascículos (curto prazo);l traduções (médio prazo);l livros nacionais (longo prazo).4. Currículos:l Currículo para a escola e não sobre

a escola;l Convivência de vários modelos de

ensino a serem validados pelos resultadosalcançados;

l As aulas teóricas;l As aulas experimentais.5. Relações Institucionais:l IES;l Saeb;l Enem;l ABQ, etc.

Contendo:l Justificativa;l Objetivos;l Estratégias;l Possíveis dificuldades/resistências;l Tempo de aplicação e de resultados.

Política Pública 1: Capacitaçãode professores

Justificativa

É indispensável que os professoressejam capacitados para realizar o que seespera da reforma do ensino médio. Aspropostas estão bastante longe daquiloque se realiza na sala de aula, no mo-mento, além do fato de que há muito nãose realizam capacitações voltadas para

objetivos político-curriculares tão explícitoscomo este.

Não há futuro na reforma se o primei-ro passo não for um amplo programa decapacitação.

Objetivos

l Capacitar professores de Químicadas redes oficiais em conteúdo e meto-dologia (ótica de CTS) voltados para o quese espera da reforma utilizando-se, porexemplo, do conjunto de 10 (ou 15) víde-os da Coleção World of Chemistry comtextos de apoio em todos os Estados doBrasil.

l Capacitar 75% dos professores dasredes oficiais (25% a cada ano).

Estratégias

l Realizar o Programa de Capacitaçãopreferencialmente tendo a rede federalcomo pólo.

l Capacitar todos os professores darede federal para atrair, posteriormente, aestadual.

l Optar pelos professores com até vin-te anos de exercício.

l Utilizar capacitações intensivas e ex-tensivas de 30 horas aproximadamente.

l A ABQ poderá em curto prazo iniciareste tipo de Programa, que já está prontoe calculado, com projetos e experiênciasno Rio de Janeiro e em Minas Gerais.

l Os congressos brasileiros de Quí-mica poderão ser utilizados como catali-sadores de mudanças e de debates nasregiões em que forem realizados (2000 –Recife, 2001 – Porto Alegre e 2002 – BeloHorizonte).

Possíveis resistências ou dificuldades

l A lentidão com que as redes estadu-ais operam mudanças. Alternativa: iniciaro treinamento nas escolas federais e atrairas estaduais.

l Segmentos acadêmicos voltadospara a construção do conhecimento e osque tomam a história da ciência como eixo.Alternativa: compor o treinamento com es-tes dois temas.

l Grupos universitários que se acredi-tam hegemônicos nas regras de ensino.

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2 Fascículos (a curto prazo),traduções (a médio prazo) elivros nacionais (a longo prazo).

Tempo de aplicação e de resultados

l A ABQ poderá iniciar as capacitaçõesainda este ano permitindo sua aplicação jáno próximo ano letivo.

l É importante o desenvolvimento deestratégia de acompanhamento e avaliação.

Política Pública 2: Formaçãoinicial de professores

Justificativa

O Brasil não tem tradição em estudosde CTS. Se a reforma pretende que os alu-nos estejam aptos a fazer intervenções naprática social é indispensável que estaabordagem seja disseminada desde o pe-ríodo de formação do professor.

Objetivos

l Criar a disciplina (no ensino superi-or) de CTS nos Centros Federais de Edu-cação Tecnológica (Cefets), inicialmente.

l Criar a disciplina CTS nos cursos deformação de professores.

l Criar grupos de discussão e de dis-seminação de experiências em CTS.

Estratégias

l Realizar seminário internacional comdois ou três professores espanhóis/mexi-canos (pela facilidade da língua) respon-sáveis pela implantação/implementação dadisciplina CTS, nos ensinos médio e supe-rior, e alguns convidados brasileiros.

l Interferir nas comissões de especia-listas da Coordenação de Aperfeiçoamen-to de Pessoal de Nível Superior (Capes)que discutem as diretrizes para a licencia-tura (grupo recém-criado), a fim de queatendam às necessidades reais da refor-ma e não aos interesses corporativos dosgrupos universitários.

l Disseminar literatura sobre o tema(espanhola, mexicana e americana) e ex-periências bem-sucedidas.

l Iniciar a disciplina, mesmo queeletiva, pelos Cefets (que capitanearão areforma do ensino médio nos Estados).

l Desenhar a disciplina com visão emi-nentemente interdisciplinar.

Possíveis resistênciasou dificuldades

l Grupos universitários hegemônicosque compõem as comissões de especia-listas da Capes e das comissões de fo-mento e que, ou pouco entendem/vivemo ensino de Química, ou são construtivis-tas/historicistas.

l A Capes pode achar que não cabeà Semtec discutir a formação de profes-sores para o ensino médio.

l A comissão de especialistas podeinterpretar tal fato como uma intervençãogovernamental no processo de formula-ção pela comunidade acadêmica, etc.

Tempo de aplicação e de resultados

l Os especialistas a serem contatadosestão identificados e acessíveis, bastan-do acertar agenda para o primeiro semes-tre de 2000.

l Se realizado em 1999/2000 ou 2000/2001, será possível iniciar a disciplina em2000/2002, esperando que se forme téc-nicos e professores em três anos (no pro-cedimento normal da graduação) e em umsemestre (se aberto a candidatos exter-nos) como cursos de extensão.

Política Pública 3: Elaboraçãode material didático2

Justificativa

Não é possível manter a dinâmica dareforma se esta não influir diretamente nomaterial didático utilizado pelo professor/escola. Não é razoável esperar que o mer-cado editorial brasileiro comece a produ-zir novos materiais ou modifique os anti-gos para uma reforma que ainda não seefetivou. A produção de livros propriamen-te ditos pede um prazo maior, o que exigi-rá estratégias de produção de fascículos(química e comunidade da ACS) e tradu-ções de livros estrangeiros (de química ede CTS como um todo facilmente identifi-cável no mercado internacional).

Objetivo

l Produzir material de ensino queampare as mudanças e dê suporte ao

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3 Discussões curriculares paraa escola e não sobre a esco-la; convivência de vários mo-delos de ensino a serem vali-dados pelos resultados al-cançados; inovações para asaulas teóricas; inovaçõespara as atividades experi-mentais

professor na atividade docente de Quími-ca e de CTS.

Estratégias

l Induzir projetos de traduções deobras indicadas.

l Cooptar editoras por meio deindicativos fortes de mudança curricular,demonstrando o potencial deste merca-do para obras indicadas.

l Criar/adaptar um periódico que aten-da a este tipo de proposta de CTS. A ABQpossui a mais antiga revista de química etecnologia do Brasil (Revista de QuímicaIndustrial) e participa com encartestemáticos a serem remetidos para os pro-fessores da área de Química, sem custoadicional.

Possíveis resistênciasou dificuldades

l O mercado editorial brasileiro, pou-co preocupado com mudanças e respon-sável pela manutenção da tradição, irá semanifestar contrariamente, mas não iráarcar com o risco.

Tempo de aplicação e de resultados

l O encarte na Revista de Química In-dustrial poderá começar a curto prazo(tempo de tradução/produção dos fascí-culos temáticos e de negociar as autori-zações dos autores).

l Os fascículos devem consumir umtempo maior (um ano no mínimo) estandodisponível para o ano letivo de 2001.

l Os livros traduzidos podem estar dis-poníveis para meados de 2001.

l Os livros nacionais de qualidade es-tarão disponíveis para o ano letivo de2002.

Política Pública 4: Implantaçãode currículos inovadores

Justificativa

A reforma do ensino médio exige ainovação curricular para que possa alcan-çar suas reais finalidades. A prática docente

contemporânea não é compatível comaquilo que dispõe a reforma, logo, é indis-pensável que sejam incentivadas múltiplasexperiências inovadoras, no sentido de cri-ar modelos que iniciem as discussõescurriculares.

Objetivo

l Incentivar a implantação/implemen-tação de experiências curriculares inova-doras que atendam às exigências do novocurrículo, no campo teórico e no campoexperimental.

Estratégias

l Induzir a implantação, acompanha-mento, documentação e disseminação deexperiências inovadoras iniciadas, prefe-rencialmente nas Escolas Técnicas Fede-rais – ETFs (que capitanearão a Reformado Ensino Médio nos Estados).

l Identificar algumas práticas inova-doras e modificações para iniciar a dis-cussão nas escolas (já propomos anteri-ormente a inclusão de vídeos modernos,a exclusão de temas/assuntos irrelevantespara o aluno, metodologia de ensinoexperimental).

l Criar a mentalidade de que a diversi-dade curricular é indispensável para omulticulturalismo brasileiro, controlando oresultado final.

l Divulgar sistematicamente inovaçõesno ensino de Química em espaços de en-contro profissional (congressos, encontros,etc.).

Possíveis resistências ou dificuldades

Esse talvez seja o ponto de maior re-sistência, uma vez que a prática docentebrasileira é a da reprodução da experiên-cia vivida pelo professor. Não temos, infe-lizmente, espaço para a experiência criati-va ou criadora de alternativas de ensino.

O professor será aquele que mais re-sistirá e, por isso, deve ser encaradocomo um cúmplice na mudança. Propo-nhamos pequenas mudanças que real-mente poderão ser efetivadas. Indique-mos metodologias que possam ser absor-vidas pelas facilidades pedagógicas quedemonstrem.

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4 IES, Cefets e ETFs, Saeb,Enem, ABQ, etc.

5 Resumido a partir de artigoescrito, a convite, para a edi-ção comemorativa do 10o

aniversário da Revista Edu-cación Química, v. 11, n. 1,p. 137-145, enero 2000, daUniversidad Nacional Autó-noma de México (Unam),com o título "Cenários emeducação química: instru-mentos necessários".

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Tempo de aplicação e de resultados

O tempo de percepção de resultadosdependerá da intensidade com que nosdispusermos a subsidiar, acompanhar edivulgar estas experiências inovadoras.

Política Pública 5: RelaçõesInstitucionais4

Justificativa

Uma reforma desse porte não podedispensar a ação sinérgica dos órgãos einstrumentos existentes na comunidadeeducacional. É indispensável que existauma coordenação explícita que possaaglutinar as energias e distribuir ações, deacordo com a especificidade de cada inte-grante do sistema educacional. A Semtecdeve assumir esta coordenação estratégi-ca e programar ações conjuntas visandoao objetivo comum: a melhoria da qualida-de do ensino médio.

Objetivo

l Gerenciar ações governamentais einstitucionais que possam, direta ou indi-retamente, contribuir em qualquer uma dasetapas da Reforma do Ensino Médio deacordo com o cronograma estratégico.

Estratégias

l Interagir com os demais órgãos doMinistério da Educação (MEC) de forma aintegrar esforços no sentido de alcançar osobjetivos explicitados na reforma.

l Integrar ações de instituições pro-fissionais que possam contribuir com areforma.

Possíveis resistênciasou dificuldades

l Os demais órgãos podem interpre-tar tal ação como perda de espaço, perdade poder ou mesmo como intervençãoindevida da Semtec em áreas correlatas.

Tempo de aplicação e de resultados

l Ação imediata.

Quinto Movimento: Cenárioscomo norteadores de políticaspúblicas – um exemplo rápido5

As tendências

O primeiro passo para a análise detendências é o conhecimento do passa-do do tema em estudo. Este estudo com-porta procedimentos diferentes. Em minhadissertação de Mestrado (Chrispino,1992), por exemplo, em que buscava dis-cutir a formação do professor de Químicacapaz de desenvolver um trabalho volta-do para o binômio Química e Sociedade,utilizei a análise de tendências a partir dolevantamento histórico das linhas apresen-tadas nas conferências internacionais deEducação Química (Iupac/CTC).

Proponho, para este ensaio, umaanálise de tendências que utilize comobase a abordagem de CTS, que será en-tendida como o movimento que tenta pre-cisamente promover uma articulação des-ses três componentes. Não é intençãodeste estudo a discussão da supremaciada abordagem de CTS sobre outrascomo o construtivismo, ou o clássico pro-cesso de ensino por memória, ou mes-mo a que busca vínculos débeis entre aciência e a sociedade em exemplos deusos tecnológicos.

Para entendermos melhor esta rela-ção entre os componentes da CTS, vamosbuscar esclarecimentos em Fourez (1998)quando informa sobre as possíveis rela-ções entre ciência, técnica e sociedade,rememorando os três grandes modelos deinteração da ciência e sociedade, apresen-tados por Habermas. Diz Fourez que es-tas interações podem ser vistas de trêsformas: as tecnocráticas, as decisionistase as pragmático-políticas. Para melhorexemplificar as três formas, o autor se uti-liza, de um lado, do exemplo da interaçãodo médico com seu paciente e, de outro,de um mecânico e o dono de um carro.

De acordo com o modelo tecnocrático,supõe-se que o médico ou o mecânicosabe o que é melhor para os seus clientes.Pelos seus conhecimentos, são capazes dedecidir o que é melhor para todos. Nestemodelo, as decisões cabem aos especia-listas. Se a preocupação do ensino de quí-mica, nesta primeira visão, é ensinar exclu-sivamente para preencher às necessidadesidentificadas pelos burocratas ou pelos

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professores descompromissados com o so-cial... é aceitável o que se tem, uma vezque este processo é isolacionista e acabatransformando o espaço de aprendizagemnum grande castelo cuja existência é igno-rada pela esmagadora maioria da popula-ção que não habita o castelo. Seu resulta-do pode ser um enfraquecimento como ins-tituição e a autofagia, uma vez que passa aser importante exclusivamente para o gru-po que comunga destas idéias.

Segundo o modelo decisionista, asituação é um pouco diferente. Nele, oespecialista inquire o cliente no sentido deconhecer seus objetivos no campo de suaespecialidade: o dono do carro pode quererum automóvel veloz, ou econômico, ouseguro, ou que dê pouca despesa, ouvários desses itens. Daí, o especialistaencaminha suas ações. Este modelo, por-tanto, faz a distinção entre tomadores dedecisão e técnicos, diminuindo a depen-dência dos primeiros em relação aossegundos. Há ênfase na decisão da soci-edade (cliente) que orienta os técnicos na

busca dos meios mais adequados. Se apreocupação do ensino de química fossea sociedade que lhe paga a conta, tería-mos o estabelecimento do modelodecisionista, em que ficam patentes os fins(decisores/não-especialistas/alunos) e osmeios (técnicos/especialistas/professores).Este modelo é frontal à produção de novosconhecimentos, uma vez que a tendênciaé atrelar-se o produtor do saber a resolu-ções de problemas cotidianos. Assim, asociedade deliberaria sobre o que desco-nhece: a capacidade de produzir novossaberes e suas conseqüências a curto,médio e longo prazo. No caso concreto,teríamos toda a educação voltada para asolução de problemas, com extremadadificuldade em produzir novos caminhoselevando o patamar de conhecimentos queserão, certamente, úteis ao entendimentodo conjunto atual e de uso em tempoadequado.

De acordo com o terceiro modelo, opragmático-político, o que é privilegiado éa perpétua discussão e negociação entre

Gráfico 3 – Cronograma possível de implantação das propostas

Grandesações

Capacita-ção deprofesso-res

Formaçãoinicial deprofesso-res

Elabora-ção dematerialdidático

Inovaçãocurricular

Desdobramentos

Intensivas

Extensivas

Congresso Bras.Química

Semináriointernacional

Criação dadisciplina CTS

Encarte daRev. QuímicaIndustrial

Fascículos

Traduções

Livros nacionais

Aulas teóricas

Relações institucionais

Aulas experimen-tais

Políticas propostas 2000 2001 2002 2003

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6 Refere-se a KAHN, H., WIER-NER, A. J. The year 2000 : aframework for speculation onthe next 33 years. New York :Macmillan, 1968.

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o técnico e o cliente. O mecânico pedirá otelefone do cliente para mantê-lo informadode suas descobertas quanto ao estado docarro, ao mesmo tempo ouvirá suas inten-ções a cada instante, chegando ao finalcom um carro que satisfaça às necessida-des de seu dono no tempo ideal de traba-lho para o mecânico. Este modelo diferedo decisionista no ponto exato da partici-pação permanente de técnico e decisor/não-especialista/aluno. Se a preocupaçãofor o futuro, com certeza, pode-se esperara execução do terceiro tipo de interação,aquele que técnicos e não-especialistas,escola e sociedade, professores e alunos,solidariamente, encontram alternativas parasuas necessidades de preparar o cidadãopara que possa interferir na sociedade esuperar os obstáculos concretos e verda-deiros à melhoria da qualidade de vida doscidadãos.

É possível perceber que uma manei-ra de observar a evolução da educação edo ensino de Química é iniciar sua análi-se desde quando o ensino de Química eradefinido e decidido pelo professor. Esteprimeiro estágio privilegiava o conheci-mento por si só. O chamado conhecimen-to científico deveria imperar na sala deaula, por meio não do ensino da ciência,mas das representações possíveis que oprofessor de Química possuía e possuisobre a ciência química. Esse é o "C" doCTS...

Depois de algum tempo, surgiu a idéiade buscar relacionar os conhecimentos ci-entíficos tidos como fundamentais e impor-tantes pelos professores, com aparatostecnológicos que exemplificariam os con-ceitos estudados. Continuava-se a ensinarlinearmente e, vez por outra, introduzia-seum exemplo industrial ou um exemplo co-tidiano. Isto era tido como evolução no en-sino de Química. A primeira e a segundaabordagens coexistem hoje nas salas deaulas. Esse é o "T" do CTS...

Por fim e mais proximamente, a aten-ção dos professores voltou-se para a fun-ção social do ensino e da educação quími-ca. Afinal, a escola tem a função de perpe-tuar os valores da sociedade em que estáinserida e a de instrumentalizar o estudan-te para contribuir de forma mais veementecom a melhoria desta mesma sociedade.A partir disto, surge a preocupação de ins-trumentalizar o estudante para que, dentrodo possível, ele possa utilizar o conheci-mento químico contextualizado a fim de

melhor entender o mundo que o cerca, vin-do a decidir com mais acerto. Isto pediráuma atenção maior à interdisciplinarida-de, à contextualização do conhecimentoquímico, à cotidianização do fato científi-co e à problematização do aprendizado.Esse é o "S" do CTS...

Uma proposta de cenários para oensino de química na ótica de CTS

Segundo Ávila (1988, p. 20),

o termo cenário, introduzido no "plane-jamentês" por Hermann Kahn,6 recebeusua primeira definição como "seqüênciade eventos construídos com o propósitode focalizar processos causais e pontode decisão". Para Kahn, o objetivo doscenários é apresentar, de forma clara epersuasiva, um número de possibilida-des para o futuro.

É possível dizer que os cenários po-dem possuir os seguintes objetivos prin-cipais, de acordo com essa visão:

1. Desenhar alguns quadros futurospermitindo estimar se as políticas traçadasna atualidade e suas conseqüências po-dem consumar ou evitar o que se quercomo futuro desejado;

2. Facultar melhores condições naescolha de políticas e estratégias por-que, conhecendo a atualidade e as pos-sibilidades de futuros, antecipam-se osriscos inerentes a cada uma destas es-colhas;

3. Antecipar um quadro de futurospossíveis, trazendo luzes e visão globalpara o decisor do processo de planeja-mento estratégico.

Uma das maneiras de se formular ce-nários futuros é a utilização de dois eixoscartesianos (x e y) onde cada um delesrepresentará um tema básico de susten-tação do cenário desejado. Cada eixo teráapenas uma idéia com seus dois extremosde tensão. Essa técnica de formulação decenários oferece quatro cenários vincula-dos aos dois eixos temáticos (elementosde incerteza crítica). A técnica se finalizaquando o especialista conta a história dofuturo para cada cenário, considerando asinformações de base econômica, social,política, etc. projetadas para a época docenário.

Como técnica de antecipação ou es-tudos de futuro, os cenários são instrumentos

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muito usados em programas de governo,em empresas do sistema financeiro, indús-trias, grupos militares, etc. Em educaçãocomo um todo, o uso de cenários é muitomais reduzido, podendo ser encontradoum número pequeno de exemplos na lite-ratura.

Algumas premissas básicas devem serobservadas na formulação de cenários

futuros: deve-se trabalhar com temas espe-cíficos e formular perguntas orientadoras.

Vamos propor um tema específico:CTS (mais voltado para o "S") por enten-dermos que este tema é o "pano de fundo"que fornece o campo teórico norteador dasdecisões.

Vamos propor que os dois eixos, so-bre os quais se desenvolvem os quatro

Quadro 4 – Comparação da evolução do ensino de química – CTS

Aspecto

Linha históricapara a concomitân-cia de abordagens

Modelos deinteração ciência esociedade

Grandes marcas

Ênfase educacional

Ensino é voltado

A produção docurrículo tem ênfaseno:

O professor é:

Resultados

Tecnocrático

Viagem espacial egrandes guerras

Acadêmico

Para a disciplina

Conhecimento emsi e por si mesmo

Um especialista quesabe cada vez maissobre cada vezmenos

Resultado acurtíssimo prazo: otempo de o alunoresponder a umaprova

Resultado a médioprazo: o tempo deo aluno avaliar/construir umaparato ouidentificar oconceito científicono aparato

Resultado a longoprazo: o tempo deo aluno realizarintervençõessociais, mesmo quenos pequenosgrupos a quepertence

Um produtor/divulgador deartefatos queacredita sejam bonspara o mercadocom seu fundo deciência

Um generalista queobserva e avalia ossetores dasociedade comoquem observa umavitrine

Para o “produtivo”

Resultadopragmático doconhecimento

Para a visão social

Desenvolvimentoda capacidade dedecidir/intervir pormeio doconhecimento

“Mercado” Social

Televisão ecomputador

Internet eglobalização

Decisionista Pragmático-político

Ciência Tecnologia Sociedade

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cenários, tenham, como base, os binômioscontextualização/indivíduo e disciplina/interdisciplinaridade do conhecimento.

As forças que interferem no cenário va-riam de lugar para lugar, e também na li-nha do tempo. Por isso, faremos, nesteexercício, um cenário que não leve em con-ta situações econômicas, políticas, sociais,demográficas, etc. Vamos considerar asponderações das escolas do futuro apon-tadas no quadro a seguir, que compara o

ensino de hoje com a aprendizagem deamanhã:

O próximo passo é identificar, por meiode debate, os fatores que influenciam emcada um desses cenários e em que ordem.Depois, com as informações contextuais,construir as histórias para cada um dessescenários e, por fim, identificar as decisõesa serem tomadas e os caminhos a seremevitados para que se consiga chegar aocenário futuro desejado.

Conclusão

Esse é um exercício a ser aprendidopelos especialistas em educação. Cená-rios não são construídos isoladamente oupor apenas uma pessoa... Cenário é umatécnica de antecipação que deve orientarnossas decisões institucionais.

A proposta dessa parte do trabalho ésimplesmente chamar a atenção da comu-nidade de educação para a importância dese pensar o futuro que se deseja... e buscá-lo inteligentemente.

Para finalizar o encaminhamento sobrecenários, acredito que o cenário desejado

é aquele que apresente de forma genéri-ca os seguintes resultados/reflexões:

l A educação, como resultado de si-tuações multicausais;

l Aprender a fazer associações;l Estamos ocupados em identificar

os pontos fracos dos alunos ...devemalcançar o que chamamos de mínimo eperdemos a chance de fortalecer seuspontos fortes, onde eles podem alcan-çar o máximo de si;

l Temas a serem discutidos no ce-nário desejado:

- O que será aprendido e ensinado?- Como será aprendido e ensinado?

Quadro 5 – Comparação entre as características do ensino-aprendizagem dehoje e o esperado para amanhã

Hoje:Do ensino

Amanhã:Para a aprendizagem

linear e seqüencial

atrelado à pedagogia do professor

triste e cinzento

que leva à absorção e análise

restrito a um período da vida

massificado

por transmissão restrita

restrito à instituição escolar educacional em múltiplas instituições,inclusive a escola.

pela prática

personalizada e dirigida à pessoa

continuada e permanente

que convida à navegação e à síntese

hipermídia, interativa e não-seqüencial

experimental e guiada por descoberta

e entretenimentos criativos

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Quadro 6 – Cenário por eixos duplos: contextualização/indivíduoe disciplina/interdisciplinaridade

SOCIEDADE(CONTEXTUALIZAÇÃO)

INDIVÍDUO

DISCIPLINA INTERDISCIPLINARIDADE

Grupos de especialistas fortesGrupos de especialistas ajudam a

sociedade nas suas áreasquando chamados

O ensino é voltado eminentemente aotema de estudo

Cenário: mescla do “nós” e “eles”

Cenário: “eu serei egocêntrico”Indivíduo forte

Individualismo clássicoQuer tirar vantagem pessoal

O ensino é de competição

Sociedade fortePoder semelhante para vários grupos

distintosGoverno monitorado pela sociedadeEnsino voltado para entender, avaliar

e intervir no conjunto socialCenário: “nós”

Cenário: bumerangueInteresses individuais rivalizam com

conhecimento amploTendência a grupos genéricos fortes,

com ênfase no interesse individualO ensino é voltado para contribuir com

o todo esperando retorno pessoal

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- Quem se utilizará do ensino?- A posição da escola no contexto

da sociedade?Seria tão bom que pudéssemos es-

colher o futuro...

Sexto Movimento: Avaliar paraque tudo não fique como

sempre esteve, transformandoa reforma do ensino médio emmais um processo curricular

brasileiro

Cabe, ao final, uma observação quemerece um capítulo inteiro: a avaliação.

O Brasil tem histórias de reforma quejamais se efetivaram e de programaslindíssimos nos volumes encadernadosdas bibliotecas.

É indispensável não esquecer que omaior obstáculo à reforma do Ensino Mé-dio será a descrença adquirida pela so-ciedade e comunidade de professoresquanto à eficiência das chamadas refor-mas. Elas têm memória e serão obvia-mente descrentes.

Cabe-nos tomar as decisões acerta-das e planejar com estratégia e senso,não relegando o maior instrumento deacompanhamento e controle: a avaliação.

Equívocos foram cometidos no pas-sado porque instrumentos de avaliaçãonão foram planejados e, quando foram,seus dados foram desconsiderados e/oumal interpretados.

É na avaliação que a reforma terá oseu "termômetro"... terá seu balizamento,terá seu cúmplice e maior aliado.

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Recebido em 5 de abril de 2000.

Alvaro Chrispino, mestre e doutorando em Educação pela Universidade Federal doRio de Janeiro (UFRJ), é professor de Química do Cefet-RJ e diretor de Educação daAssociação Brasileira de Química (ABQ). Foi subsecretário de Ensino do Estado do Riode Janeiro e diretor científico do Centro de Ciências do Estado do Rio de Janeiro (Cecierj).

Abstract

The paper seeks a connection within Saeb's results of 1997 in the ChemistryDepartment. It also seeks the future scenarios expected by Secondary education Reformin the light of Science, Education and Society (CTS). This Path, between the reality of theChemistry teaching and what is expected for the future, requires a set of public politicalproposals for the various educational figures involved in the process that should becoherent connected to the present and to the normative scenario design by the SecondaryEducation Reform, and risking to become one more ineffective education reform to societyand without positive results to the quality in education. At the end, the expectation is to thepropose a sequence of decisions capable to allow the effectiveness of the SecondaryEducation Reform, taking as na example the Chemistry discipline.

Key-words: National System for Evaluation of Basic Education (Saeb); public politics;Chemistry teaching; secondary education; future scenary.

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AVALIAÇÃO

Bernardete A. Gatti

Ensino superior e avaliação institucional:um modelo em implantação

Palavras-chave: instituição deensino superior; avaliaçãoinstitucional; modelo deavaliação; Conselho Estadualde Educação de São Paulo.

Chama a atenção paraalgumas questões ligadas àcultura de avaliação no Brasil epara aspectos básicos que devemser considerados quando serealiza um processo avaliativo.Trata esses processos comoprocessos de ajuda, invertendo avisão que comumente se adotapara a avaliação. Ressalta osentido social associado aqualquer processo dessanatureza e as responsabilidadesdo avaliador. Por fim, apresenta aexperiência de avaliaçãoinstitucional que o ConselhoEstadual de Educação de SãoPaulo vem desenvolvendo com asinstituições de ensino superiorque estão sob sua jurisdição.

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Introdução

A questão da avaliação de instituiçõesde ensino superior tem sido objeto de inú-meros debates no cenário nacional nosúltimos anos. No sistema de ensino doEstado de São Paulo, esses debates tam-bém têm sido constantes, alimentando ostrabalhos do Conselho Estadual de Edu-cação (CEE), que no Estado de São Paulotêm funções deliberativas no encaminha-mento de suas decisões sobre a questão.Consolidou-se em 1999 um modelo deavaliação para as instituições não-univer-sitárias, e, no mesmo espírito e com asmesmas premissas, um modelo para asuniversidades e centros universitários. Adi-ante, procuraremos dar uma idéia dospressupostos que orientam as avaliaçõespropostas, trazendo aspectos dos proces-sos avaliativos que os membros e os téc-nicos do Conselho Estadual de Educaçãolevaram, e levam em conta no desenvolvi-mento desses processos, discutindo-oscom os avaliadores, depois, apresentare-mos o modelo para instituições não-uni-versitárias, e, em seguida, o proposto paraas universidades.

Considerações iniciais

A avaliação é vista na cultura do bra-sileiro em função de sua história vivida esofrida, especialmente nos bancos esco-lares, como punição, reprovação, não-aceitação. Tememos qualquer tipo de ava-liação, não gostamos de ser avaliados. Noentanto, usamos processos avaliativos otempo todo: na vida cotidiana, profissio-nal, familiar, e na vida afetiva. É um pro-cesso necessário para a continuidade denossas ações em todos os níveis da vida.Ao escovar os dentes, estou avaliando si-multaneamente a força que aplico na es-cova para não me machucar; antes decasar, pondero o envolvimento emocional,as condições gerais para isto, etc.; antesde comprar um imóvel, avalio os custos-benefícios, as condições de pagamento.Avaliamos o tempo todo para dar conti-nuidade a nossas ações. Avaliamos antes,durante e depois de nossas ações cotidi-anas, intuitiva ou organizadamente, maisou menos conscientemente. Os proces-sos avaliativos são, assim, parte integran-te de nosso dia-a-dia, ajudam-nos a pro-cessar mudanças, ou a reforçar caminhos

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e rotinas, a cessar ações, etc. Constituem-se processos de ajuda em nosso dia-a-dia,e, desse modo, deveriam as avaliaçõesmais sistematizadas ser concebidas e de-senvolvidas: a avaliação escolar, a institu-cional, a de sistemas de ensino, de cursos,de desenvolvimento de projetos, entre tan-tas outras. Os processos de avaliação de-vem ser concebidos e executados, nãocomo instrumentos de punição, humilha-ção, depreciação, mas, sim, como meiosde alavancar ações e pessoas, corrigir pro-blemas e solucionar impasses. Por isso, anecessidade de tratar as questões de ava-liação com seriedade e transparência, bom-senso e ponderação e, com competência,donde a importância para diferentes pro-fissionais da aquisição de conhecimentosmais aprofundados nessa área. Esta cons-titui hoje campo de estudo que acumulaconhecimentos interessantes, historica-mente produzidos, criticados, reformula-dos, refletidos, aperfeiçoados. Porém, énecessário que mudemos nossa represen-tação e concepções em relação aos pro-cedimentos de avaliação: avaliações sãoprocessos que devem gerar estímulo, ser-vir de alavanca, servir à mudança e à trans-formação, e não serem utilizados para re-baixamento de auto-estima, seletividade,punição, diminuição de valia. Isto está as-sociado aos valores de quem avalia, porque se avalia, como se avalia, para que seavalia, para quem se avalia.

Quando se trata de avaliação que atin-ge pessoas em suas vidas profissionais epessoais, há cuidados imprescindíveis atomar. Envolve questões de ética, além deenvolver conhecimento científico e técni-co. Não pode ser um processo impensa-do, feito com ligeireza. É preciso refletirsobre os impactos desse processo, quetem conseqüências pessoais, sociais,institucionais. Os processos avaliativos sãoos que implicam necessariamente julga-mento de valor e necessita de consciênciaética em relação aos objetivos, finalidades,procedimentos utilizados, ações decorren-tes e seus conseqüentes. Há necessidadede domínio dos fundamentos de diferen-tes processos e procedimentos de avalia-ção, um domínio científico e técnico, aolado de reflexões e cuidados éticos.

Avaliação é, como já foi dito, julgamen-to de valor, é mais do que simplesmentemedir; medir é meio para levantar dados,mas não é avaliação; avaliar é analisar,comparar, relacionar dados para emitir um

julgamento sobre eles segundo alguns re-ferentes. Estes referentes devem ser cla-ros tanto para quem avalia como paraquem é avaliado. Qualquer modelo deavaliação para ser efetivo deve ter comoponto de partida a realidade do fenôme-no a que se refere, inclusive quanto àscondições histórico-culturais e sociais. Asmodernas teorias de avaliação acentuameste aspecto, e os modelos são validadosem sua consistência específica, ad hoc.Não há modelos gerais, abstratos, válidospara qualquer condição. Muito menos in-dicadores. Estes têm que ser construídospor e para um dado contexto, e seu signi-ficado se constrói neste contexto. Alémdisso, para fenômenos humanos, educa-cionais, propõem-se modelos dinâmicos,com a incorporação das trajetórias deações, seus laços significativos, seu las-tro e seus conseqüentes perceptíveis. Aavaliação não pode encastelar-se em pres-supostos abstratos, descontextualizadose sem transparência de objetivos.

A avaliação deve ajudar o processode ampliação das possibilidades huma-nas, com qualidade crescente e não limi-tar ou frear potencialidades. Além disso,processos avaliativos só adquirem possi-bilidade de impacto se considerados vali-osos para a comunidade de referência. Avalorização e a sustentação de qualquerprocesso de avaliação dependem, sobre-tudo, do retorno construtivo dos seus re-sultados. A não ser que estejamos que-rendo instituir uma filosofia de competiçãoselvagem, ou criar situações de privilégioa determinados grupos. É preciso ter emmente que nenhum sistema de avaliaçãoé perfeito ou onipotente, e que, também,nenhuma parcela de qualquer comunida-de é detentora exclusiva da verdade so-bre qualidade. A pergunta, sempre e sem-pre, ao avaliarmos, é: de quais qualida-des falamos? E a questão deve ser postarealmente no plural – qualidades – pois,para diversificadas necessidades e con-dições, diversificadas qualidades a serembuscadas nos processos avaliativos.

A questão da qualificação, do preparode quem faz avaliação, é outro aspecto quenão pode ser desprezado. Avaliar não é sómedir, mensurar, como já dissemos. Semedir bem já é problemático, avaliar o é emdobro. Como processo complexo que exi-ge uma heurística e maturidade no trato dequestões pessoais e sociais, além de exer-cício interdisciplinar, sua implementação

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pede a quem o realiza que tenha exercita-do este tipo de reflexão. Não se improvisaum avaliador, como não se improvisa umpesquisador, um médico, um professor. Ospróprios professores são pouco prepara-dos para avaliar seus alunos. Em avalia-ções institucionais, esta questão tambémnão é simples. Este aspecto – o da pre-paração de quem vai avaliar – não tem sidomuito debatido entre nós. Fica-se com aimpressão de que qualquer um pode ava-liar qualquer coisa. É verdade, no nível dosenso comum. Porém, em processos comimplicações para a vida de pessoas, im-plicações sociais, para políticas em dife-rentes instâncias, é preciso que amadure-çamos na preparação para o exercício daavaliação, se a reconhecemos como ummeio importante para os processos detransformação humano-sociais.

Levando em conta estas considera-ções, deu-se andamento aos processosavaliativos institucionais.

Bases da avaliação propostapelo CEE/SP para as instituições

de ensino superior de seusistema

De início, é preciso deixar claro queo CEE/SP não tem jurisdição sobre as ins-tituições privadas de ensino superior, mastem sob sua jurisdição um conjunto relati-vamente grande de instituições estaduaise municipais que ministram ensino supe-rior. A política desse conselho, nos últi-mos anos, tem sido de incentivar o de-senvolvimento e ampliação da ação des-sas instituições, ligadas aos municípios ouao Estado, mas essa política vem tratan-do também, com muito cuidado, da ques-tão da qualidade desse ensino. Essa éuma questão que preocupa, visto que to-das as avaliações e pesquisas já realiza-das até aqui, sobre o nível superior deensino, mostram bem os problemas queestamos vivendo em relação à formaçãodesenvolvida pelas instituições nesse ní-vel. A política que a Câmara da EducaçãoSuperior do CEE/SP vem definindo, atra-vés de suas indicações e deliberações, éuma política de busca de melhor qualifi-cação dessas instituições, a partir de umaperspectiva pedagógica.

Dentro desta perspectiva, vem sendoimplementado um sistema de avaliação e

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acompanhamento dessas instituições, como objetivo de:

explicitar qual o papel social das mesmas,em seu local de atuação, na direção deuma sociedade mais justa, democráticae moderna; ampliar a qualidade do ensi-no mediante a análise, revisão e recons-trução dos projetos institucionais e edu-cacionais; impulsionar um processo cria-tivo de autocrítica e auto-avaliação; con-tribuir para a melhoria da qualidade desuas ações educacionais; contribuir parao processo de autorização, credencia-mento e reconhecimento de instituiçõese cursos (Cf. Documento CEE/Reuniãocom Especialistas Avaliadores, 1998).

É uma perspectiva proativa, com umaconcepção de orientação e ajuda às insti-tuições, no sentido de melhorarem seuperfil de desempenho, constantemente,como um todo, no ambiente onde atua eem função das metas que se coloca.

A dinâmica dessa avaliação está dire-tamente ligada à ênfase da Lei de Diretri-zes e Bases da Educação Nacional (LDB)no que se refere ao desenvolvimento, pe-los sistemas de avaliações do ensino emtodos os níveis, e, às questões do creden-ciamento e recredenciamento das institui-ções, autorização e reconhecimento decursos, e sua renovação periódica de re-conhecimento. A LDB, ao colocar o creden-ciamento e reconhecimento de cursoscomo atos que exigem renovação periódi-ca, substituindo o reconhecimento pereneda legislação anterior, colocou um novo tra-ço característico na política de ensino su-perior: as instituições precisam atualizar-se, qualificar-se em seu tempo para conti-nuar atuando. O papel dos cidadãos, dosusuários do sistema, e o do Estado é agirpara garantir a atuação das instituições deensino superior com eficácia. Sobretudo,estas instituições têm de responder à altu-ra aos desafios postos pela crescente de-manda de formação cultural das novasgerações, bem como da profissionalizaçãono contexto de sociedades mutantes. Averificação do cumprimento do papel so-cial, de modo condizente com padrõesemergentes dessas instituições, demandaprocessos avaliativos específicos, periódi-cos ou continuados, que tenham credibili-dade social ampla e não só internamenteà instituição.

O CEE/SP, em 1995, fez um exame dasituação das instituições municipais de

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ensino superior no Estado de São Paulo,das instituições estaduais isoladas e, dasquatro universidades que, até o momento,estão sob a égide deste Conselho – Uni-versidade de São Paulo (USP), Universi-dade Estadual de Campinas (Unicamp),Universidade Estadual Paulista (Unesp) eUniversidade de Taubaté (Unitau). A análisemostrou que tínhamos um sistema comgrandes desigualdades em seu desenvol-vimento qualitativo, tanto no que se referiaa pessoal, como a ensino. Deparamo-noscom aspectos de excelência, inclusive emfaculdades isoladas, onde encontramos al-gumas surpresas muito interessantes; mas,também, deparamo-nos com problemas,por exemplo, de estagnação em currícu-los e programas, na formação do corpo do-cente, com a ausência nas instituições deuma política continuada, um projeto, paraalavancá-las de um eixo de certa comodi-dade. A rotina, realmente, às vezes tomaconta das instituições, especialmente quan-do não há desafios externos, ou se não háuma cultura de mobilizar-se continuamen-te em relação às mudanças e transforma-ções que estão ocorrendo no âmbito soci-al em geral, fora dos muros institucionais.

Há um certo tipo de atenção que to-das as instituições de ensino superior de-vem ter com relação ao que está se pas-sando na sociedade. A sociedade, em suadinâmica, é o eixo fundamental em relaçãoao qual as universidades e faculdades pre-cisam estar atentas; não se trata aqui deque a universidade ou a instituição de en-sino superior deva viver em função do quese diz quanto ao mercado de trabalho,como muitos propõem. Não é isso. A soci-edade é muito mais do que os mercados(de trabalho ou financeiro), além do que,estar-se atento a eles não quer dizer sujei-ção. Mas, ater-se a esse âmbito é limitadodemais. Essa sociedade movente estámostrando que não é só o mercado quecomanda as coisas, há atividades, ações,problemas que precisam ser cogitados poressas instituições de ensino superior e queextrapolam o mercado. Mesmo porque têm,também, um papel a desempenhar na di-reção de abertura de horizontes novos, detransformações sociais que possam ser sig-nificativas para a maioria das pessoas. Oque o CEE/SP vem tentando pontuar, emdocumentos, reuniões e seminários, é queessas instituições precisam ainda se abrirpara a sua comunidade próxima, porqueelas têm um papel fundamental a exercer

ali, em seu lugar de inserção geográfica.Importante, nesta direção, é que definamsua vocação, sua identidade e objetivossocialmente relevantes. Considere-se queesta definição não pode ser feita apenasem nível de dirigentes, como proposta degabinete, mas sim, a partir de discussõescoletivas que envolvam professores, alu-nos, comunidade pertinente. Atualizar-seconstantemente é o mote. Inclusiveestamos adentrando um momento em quenovas perspectivas curriculares para oscursos estão sendo discutidas. Também,a integração das diferentes instâncias res-ponsáveis pelos cursos superiores é mui-to importante, caso se queira trabalharnesse espírito construtivo; reitorias e ou-tros órgãos deliberativos e executivos, di-reções de autarquias/mantenedorasfundacionais e instituições de ensino su-perior precisam ter metas coerentementearticuladas e interessadas no desenvolvi-mento institucional, ao lado de atenção àsrenovações normativas e às demandas dacomunidade. Os processos avaliativos,internos e externos, podem contribuir paraisto. Ao se avaliar a instituição como umtodo, também se está olhando para essaintegração participativa, que é um dosaspectos que se procura estimular.

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Avaliação das instituiçõesde ensino superiornão-universitárias

A avaliação continuada, proposta peloCEE/SP para essas instituições, pauta-sepelas premissas acima expostas, e, porisso, optou-se por uma avaliação instituci-onal, que leve em conta a instituição comoum todo, em seu contexto. Considera-senessa avaliação que a atualização e me-lhor adequação dos cursos e outras ativi-dades só podem ser desenvolvidas comum corpo docente bem qualificado, umaadministração sensível às mudanças ne-cessárias, flexível e participativa, com adisponibilização de uma infra-estruturaadequada para o atendimento de neces-sidades básicas para o bom funcionamen-to dos cursos e atendimento aos alunos,como boas bibliotecas e laboratórios, en-tre outras condições. Esta avaliação foi,também, concebida como uma avaliaçãoexterna, com visita de especialistas, comoum processo contínuo, em ciclos. Por essarazão, orientaram-se as instituições a es-tarem sempre preparadas para receber acomissão externa que irá fazer a avalia-ção da instituição. Para isto, elas devemconstituir seu portfólio com os dados soli-citados e outros que queiram agregar emantê-lo sempre atualizado. Esse portfó-lio, uma vez estruturado, apenas precisa-rá ir sendo complementado, o que torna oprocesso de apresentação documentalbem mais tranqüilo, ao longo do tempo,e, certamente, mais consistente. Manterseu portfólio em dia (a fotografia instituci-onal), tanto do ponto de vista do projetopedagógico, dos projetos e planos insti-tucionais, de cadastro de professores, decurrículos de professores, de ementas, debibliografias, etc., não só é importante anteo acompanhamento externo mas, sobre-tudo, deve ser importante para a própriainstituição, seus dirigentes, professores,alunos, funcionários, que, com estas "fo-tografias" e suas interpretações, poderãoacompanhar a dinâmica da instituiçãoonde trabalham, estudam, as boas quali-dades e os problemas, criando uma cul-tura de busca de soluções. O CEE/SP temexplicitado, como meta, que este proces-so de organização das informações insti-tucionais, sempre atualizadas, analisadase disponibilizadas, sirva para a criação esustentação de um processo de auto-

avaliação das instituições que desenvol-vam, nelas mesmas, a capacidade de re-conhecer seus eventuais problemas e demobilizar-se para a busca coletiva de solu-ções, sem esperar um alerta de fora, umademanda externa. Estes procedimentosauto-avaliativos poderão, e muito, contri-buir para a avaliação externa, que será fei-ta pelo conselho, e para seu desenvolvi-mento, e até integrar-se a esta.

O processo de avaliação institucionala que nos referimos aqui segue o seguintepercurso:

1. A instituição prepara a documenta-ção especificada pelo CEE/SP e a consoli-da num portfólio, que deve ser atualizadoconstantemente.

2. Dentre os especialistas cadastra-dos no CEE, todos doutores e com currí-culo destacado em diferentes áreas de es-pecialidade, são indicados pela Câmarade Educação Superior nomes para com-por a comissão externa de consultores, in-dicação esta que foi submetida à aprova-ção do Conselho Pleno; cada dupla deavaliadores foi composta por um especi-alista da área da educação e outro de áreadiversa, mas com experiência de partici-pação em gestão institucional. O CEE/SPdispõe de um cadastro de consultores,que é constituído basicamente a partir docadastro de pesquisadores da Fundaçãode Amparo à Pesquisa do Estado de SãoPaulo (Fapesp), acrescido de professoresindicados por conselheiros, cujos currícu-los se situam no mesmo patamar dos dalistagem inicial; são professores de vári-os mestrados e doutorados, credenciadospela Fundação Coordenação de Aperfei-çoamento de Pessoal de Nível Superior(Capes), professores titulados com vidaativa em pesquisa, institucional e comuni-tária. O cadastro de especialistas do CEE/SP não é baseado em uma única institui-ção, mas é baseado na competência e nocurrículo do professor, criteriosamenteexaminado. Continuando a descrição quefazíamos, as duplas de especialistas queparticipam da avaliação das instituiçõessão compostas sempre de uma pessoacom formação na área de educação comalguma experiência em avaliação educa-cional, e outra com diferente formaçãomas, na condição de ter exercido cargosinstitucionais ou em comissões científicasdiversas que lhe permitisse trânsito maiorentre áreas e visão institucional mais ge-ral e não só de sua especialidade. Estes

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cuidados são tomados porque esta não éuma avaliação de curso, mas sim uma ava-liação mais global da instituição, conside-rando sua estrutura, dinâmica interna erelações comunitárias. Pelos feedbacksrecebidos até aqui, de modo geral, estacomposição revelou-se positiva para o pro-cesso e deve ser mantida nos próximosciclos avaliativos: ter um consultor comformação em educação e outro comformação diversa, mas com experiênciaampliada de vida acadêmica, sobretudocom experiência em gestão.

3. Realiza-se reunião com os consul-tores para explicar o processo, sua filoso-fia, seus objetivos, e discutir o roteiro deavaliação e levantar novas sugestões.

4. Cada dupla de consultores marca asdatas de sua visita à instituição; após teranalisado o portfólio; os consultores são ins-truídos a entrevistar os dirigentes, professo-res, alunos, funcionários, a visitar instala-ções, laboratórios e biblioteca, a observaratividades didáticas ou extracurriculares,tentando formar uma idéia clara da dinâmi-ca institucional e de seu papel na cidade eregião, verificando as boas qualidades eproblemas em face do contexto do Estadoe da região.

5. Os especialistas fazem seus relató-rios para o conselho, a partir de um roteirobásico de dados, com indicadores e ob-servações qualitativas, com um parecer fi-nal e indicação de melhorias a serem bus-cadas pela instituição; esse parecer vaipara a Câmara de Educação Superior, ondese designa um conselheiro para examinare relatar a avaliação de uma instituição es-pecífica, e, esse conselheiro-relator apre-senta seu parecer com sugestões à insti-tuição, o qual é submetido à discussão e àaprovação da Câmara e, depois levado aoConselho Pleno; quando a avaliaçãoinstitucional apresenta problemas, é dadoum prazo a ela para apresentar ao Conse-lho um plano de superação das deficiênci-as apontadas, que é acompanhado na con-tinuidade do processo avaliativo e dos de-mais processos da instituição que tramitamno CEE (recredenciamento, reconhecimen-to de cursos, autorizações, etc.). Diligênci-as e visitas também podem ser efetuadas.

6. É dado retorno à instituição, comenvio do parecer aprovado em plenário,com as solicitações apontadas; estando ainstituição em condições satisfatórias, osconsultores e o relator recomendam, emgeral, que ela dê um passo a mais.

7. Na seqüência dos ciclos de avalia-ção e dos processos de autorização, cre-denciamento, reconhecimento de cursos,o desempenho institucional, contextuadolocal e regionalmente é, a cada vez, con-siderado no compasso de suas melhorias(ou não) sucessivas.

A avaliação de que falamos é, pois,um processo que, pela sua concepção eforma de execução, procura contribuirpara o aperfeiçoamento continuado dasinstituições, ou seja, para transformaçõesinstitucionais relevantes. Não é um proces-so morto, ou dados que vão para a prate-leira ou arquivo, ou para servir apenas àcrítica ligeira. É um processo vivo e ativoa serviço das próprias instituições de en-sino superior. A perspectiva desse proces-so avaliativo é essencialmente pedagógi-ca, não uma perspectiva punitiva, mas ori-entadora. Espera-se, é evidente, por umaparticipação ativa das instituições na com-preensão de seus problemas, tanto nasquestões acadêmicas, quanto estruturais,e na busca de soluções, alternativas, no-vos caminhos, renovações, aperfeiçoa-mentos. Processos auto-avaliativos e ava-liações externas podem contribuir para areconstrução e renovação institucionais,no tempo, e também para contextos di-versificados. Podem contribuir, sobretudo,para evitar a estagnação institucional epropiciar aperfeiçoamentos contínuos,mais consistentes e adequados a neces-sidades emergentes.

A idéia é ajudar a avançar, alavancare não paralisar, fazer "involuir". Mas, me-diante um acompanhamento sensato, con-tinuado e dentro de uma política real dequalificação das instituições. Estamos vi-vendo em tempos exigentes; tenta-se, comeste modelo avaliativo, dar uma contribui-ção, pois boa qualidade é o que será so-cialmente cada vez mais cobrado, aliás,direito de qualquer cidadão que adentreuma instituição de ensino superior. Estaavaliação está pensada até aqui, nestestermos.

Tem-se, pois, como objetivo, que osistema de ensino superior, sob a jurisdi-ção do CEE/SP, se qualifique cada vezmais, cuidando de seus processos deensino, processos e modelos de estágiose da vivência com a pesquisa, conformefor o caso de suas vocações institucionais.Espera-se que esse processo avaliativocontribua para a dinamização das institui-ções de ensino superior que estão sob a

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jurisdição do Conselho Estadual de Edu-cação de São Paulo, especialmente me-diante a apropriação pelas próprias insti-tuições das análises que forem empreen-didas, continuadamente.

Avaliação das universidadese centros universitários

O processo de avaliação proposto àsinstituições universitárias pertencentes aosistema de ensino do Estado de São Pau-lo é definido como de caráter institucional,contínuo e permanente, um processo deavaliação interna, com a finalidade de ana-lisar periodicamente o nível de desempe-nho e atualização institucional, especial-mente quanto à eficácia de seu ensino eda formação profissional oferecida, à im-portância de seus programas de pesqui-sa, ao significado de suas ações comuni-tárias e à qualidade da gestão administra-tiva e financeira implementadas.

A metodologia da avaliação internaserá estabelecida pela própria instituiçãoe pode referir-se ao conjunto da institui-ção, às formas de gestão, ou dedicar-sesucessivamente a áreas ou conjuntos dedepartamentos ou unidades equivalentes,incorporando no processo órgãos comple-mentares e setores equivalentes. É umprocesso a ser desenvolvido em três eta-pas: a) até um ano para o planejamentogeral dos trabalhos de avaliação interna

da instituição, para um período de cincoanos, com o respectivo cronograma; b)relatório parcial, ao término do terceiro ano,sobre os trabalhos já realizados; c) enca-minhamento de relatório-geral no fim doquinto ano, com as conclusões. As institui-ções universitárias deverão submeter à ava-liação interna a comissão ou comissões ex-ternas de pares, cujos relatórios deverãointegrar os relatórios parciais ou finais, con-forme o caso. Os relatórios finais encami-nhados ao CEE/SP deverão ser aprecia-dos por comissão de cinco especialistasindicados pela Câmara de Educação Su-perior do Conselho, alimentando o relató-rio de conselheiro-relator o qual será apre-ciado pela Câmara e pelo Pleno do Con-selho e encaminhado à instituição com asrecomendações. A avaliação internaqüinqüenal constituirá requisito fundamen-tal no processo de recredenciamento juntoao CEE, bem como para reconhecimentodos cursos, inicial e periódico.

Finalizando

Nada é perfeito e definitivo. É consen-so dos membros do CEE/SP que este pro-cesso deverá ser submetido continuamen-te, também, a uma avaliação consistente.Análises críticas, propostas, alternativas,transformações devem ser consideradas.O tempo dirá melhor de seu impacto e desuas contribuições.

Recebido em 31 de março de 2000.

Bernardete A. Gatti, doutora em Psicologia pela Université de Paris VII, com pós-doutorados na Pensilvannia University (USA) e Université de Montréal (Canadá), é coor-denadora do Departamento de Pesquisas Educacionais da Fundação Carlos Chagas(FCC) e professora do setor de pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo (PUC-SP), no Programa de Psicologia da Educação.

Abstract

This article calls the attention to some points related to the culture of evaluation in Braziland to some basic features to be considered when developing an evaluative process.These processes are treated as a process of helping choices or changes. It emphasizesthe social meaning associated to any process of this nature and the evaluator responsabilities.At last, it is presented an institutional research experiment that the State Council of Educationof São Paulo is helding at the higher education institutions under its jurisdiction.

Key-words: higher education institution; institutional evaluation; evaluation model;São Paulo State Council of Education.

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ESTATÍSTICA

Ednar Maria VieiraDiniz

O Censo EscolarPalavras-chave: estatísticaseducacionais; censo escolar;Sistema Integrado deInformações Educacionais(SIEd).

Realizado anualmente, oCenso Escolar abrange todos osníveis de ensino (EducaçãoInfantil, Ensino Fundamental eEnsino Médio) e modalidades(Ensino Regular, EducaçãoEspecial e Educação de Jovens eAdultos). Com base nasinformações captadas, éatualizado o Cadastro Nacional deEscolas e são estabelecidas aspolíticas de correção dosdesequilíbrios regionais e depromoção da eqüidade na ofertado ensino público, como osprogramas de AlimentaçãoEscolar, Livro Didático, DinheiroDireto na Escola e o deAceleração da Aprendizagem.

Introdução

O fortalecimento e o aperfeiçoamentode sistemas nacionais de indicadores eestatísticas educacionais desempenhampapel estratégico como indutor de políti-cas para a melhoria da qualidade do ensi-no e o aumento da eqüidade na oferta daeducação pública.

Trata-se de ferramenta básica para aformulação, planejamento, monitoramento

e acompanhamento das políticas públicas,subsidiando a tomada de decisões. A dis-seminação dos resultados obtidos nos le-vantamentos estatísticos e avaliações con-tribui, ainda, para maior transparência dasações dos diferentes agentes do segmen-to educacional, cumprindo, assim, um dosrequisitos básicos à democracia, qual seja,aquele relativo à prestação de contas àsociedade.

Este artigo apresenta uma descriçãoda estrutura do Censo Escolar, um dosprincipais componentes do sistema de in-formações educacionais, realizado peloInstituto Nacional de Estudos e PesquisasEducacionais (Inep).

O Sistema de InformaçõesEducacionais

A produção das estatísticas básicasda educação nacional, por meio da reali-zação de levantamentos periódicos, deforma ágil e fidedigna, é o principal instru-mento para auxiliar os atores envolvidosna definição e implementação da políticaeducacional.

É por meio dos censos educacionaisque se busca garantir a utilização da in-formação estatística nesse processo, umavez que se trata da fonte primária que ali-menta o banco de dados do Sistema Inte-grado de Informações Educacionais(SIEd), gerando os indicadores necessá-rios ao acompanhamento do setor educa-cional, auxiliando, assim, o processo detomada de decisões e contribuindo paramaior transparência das ações.

Para fornecer esses subsídios, os sis-temas de informação precisam estar as-sentados em bases de dados atualizadas

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e fidedignas, além de contar com instru-mentos confiáveis de coleta, o que requerum esforço contínuo de aprimoramentometodológico, de refinamento dos instru-mentos de pesquisas e dos mecanismosde controle de qualidade. A eficiência e acredibilidade das estatísticas e informa-ções educacionais geradas estão relaci-onadas, sobretudo, com o processo defortalecimento da área de produção e dis-seminação de informações e estatísticaseducacionais.

O processo de recuperação das es-tatísticas educacionais teve início em 1995,com a elaboração do projeto de criaçãodo SIEd, que vem sendo desenvolvido, im-plantado, atualizado e aprimorado desdeentão.

A reestruturação do Inep, em 1997,transformando-o no órgão responsávelpelos levantamentos censitários e de ava-liações da educação brasileira, foi outraação importante que estabeleceu um mar-co para o investimento realizado no forta-lecimento da área de produção e disse-minação de informações e estatísticaseducacionais.

Até 1995, o órgão do Ministério daEducação (MEC) responsável pela produ-ção de estatísticas estava desaparelhadoe desprestigiado. Não havia regularidadena coleta das informações nem uniformi-dade nos procedimentos. Não existiam ins-trumentos eficazes para garantir a precisãodos dados declarados. As informações pro-duzidas não retornavam às SecretariasEstaduais e Municipais de Educação e àsescolas. Não havia controle social sobre osrecursos empregados, e cada unidade doMEC trabalhava com sua própria base dedados, gerando duplicidade e desperdíciode recursos.

Os dados eram extremamente desa-tualizados e insuficientes para uma análiseadequada das informações. Para se teruma idéia, até janeiro de 1995, o últimoCenso da Educação Básica concluído edivulgado era o de 1989, contendo ape-nas os dados do ensino regular.

A necessidade de assegurar a quali-dade e atualidade das informações cole-tadas está também relacionada com a re-formulação dos procedimentos de atuaçãodo MEC. De fato, os programas e projetosexecutados pelo MEC passaram a apoiar-se nos diagnósticos decorrentes dos le-vantamentos estatísticos da educação bá-sica. Essa forte conexão entre o sistema

de informação e a gestão de políticas émais perceptível nos programas que en-volvem transferências intergovernamentaisde recursos.

Este artigo aborda o Censo Escolarque capta informações relativas à edu-cação básica. No entanto, os levantamen-tos nacionais abrangem todos os níveise modalidades de ensino. O sistema deinformações educacionais é compostotambém pelo Censo do Ensino Superior,pelo Levantamento sobre o Financiamen-to e Gasto da Educação, além dos cen-sos especiais, realizados de forma nãoperiódica, abrangendo temáticas especí-ficas, como o Censo do Professor, o Cen-so Escolar Indígena, o Censo Comple-mentar da Educação Especial e o Censoda Educação Profissional. Todos esses le-vantamentos permitem traçar um quadroabrangente da situação educacional efornecem subsídios indispensáveis paraa gestão educacional.

O Censo Escolar

Realizado anualmente, em parceriacom as Secretarias de Educação dos Es-tados e do Distrito Federal, o Censo Esco-lar promove o levantamento, em âmbitonacional, de dados e informações estatísti-co-educacionais relativas à educação bá-sica. Abrange todos os níveis de ensino(Educação Infantil, Ensino Fundamental eEnsino Médio) e modalidades (Ensino Re-gular, Educação Especial e Educação deJovens e Adultos).

Todas as escolas das redes pública eprivada respondem ao Censo Escolar pormeio do preenchimento de questionáriopadronizado. É com base nas informaçõescaptadas pelo Censo Escolar que o Inepatualiza anualmente o Cadastro Nacionalde Escolas e obtém dados referentes àmatrícula, movimento e rendimento dosalunos, incluindo informações sobre osexo, turnos, turmas, séries e períodos,condições físicas dos prédios escolares eequipamentos existentes, além de informa-ções sobre o pessoal técnico, administrativoe docente, por nível de atuação e grau deformação.

As informações captadas permitem,portanto, traçar o perfil dos diferentessegmentos da comunidade escolar – alunose professores, sobre a situação defuncionamento e infra-estrutura dos

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estabelecimentos de ensino – caracteriza-ção física, instalações, equipamentos einsumos pedagógicos; sobre as formas deorganização do ensino – seriado, em ci-clo ou por disciplina; e sobre o movimen-to e rendimento escolar afastamentos etransferências, aprovações e reprovações.

O Censo Escolar abrange um univer-so de cerca de 52 milhões de alunos e 266mil escolas, distribuídas em mais de 5.500municípios. A coleta dos dados e oprocessamento das informações sãooperacionalizados pelas Secretarias Esta-duais de Educação, sob a coordenaçãoda Diretoria de Informações e EstatísticasEducacionais (Seec), do Inep.

A realização do Censo tem o objetivoclaro de subsidiar as políticas educacio-nais, por meio do acompanhamento sis-temático do desenvolvimento e evoluçãodo sistema de ensino. No Brasil, isso as-sume uma importância ainda maior, emfunção do perfil descentralizado do nossosistema educacional, marcado por profun-das desigualdades regionais.

Portanto, é com base no diagnósti-co traçado a partir das informações for-necidas pelo Censo Escolar que têm sidoestabelecidas políticas de correção dosdesequilíbrios regionais e de promoçãoda eqüidade na oferta do ensino públi-co. Os principais usuários dos resultadosdo Censo Escolar são os agentes gover-namentais e não-governamentais queparticipam da elaboração, implementa-ção, monitoramento e avaliação das po-líticas educacionais, nas diversas instân-cias administrativas.

Um dos benefícios imediatos do Cen-so Escolar para a educação brasileira foia melhoria da distribuição dos recursos,com base no critério do número de alu-nos atendidos pelas redes municipais eestaduais de ensino. Em 1999, foramredistribuídos R$ 14,2 bilhões, benefician-do os 32 milhões e 800 mil alunos do en-sino fundamental das escolas públicas emtodo o País. Se forem acrescidos os re-cursos provenientes do salário-educaçãoe da parcela de impostos próprios queEstados e municípios estão obrigados ainvestir no ensino fundamental, o montan-te total destinado a esse nível de ensinoalcançou R$ 17,7 bilhões naquele ano.

Em 1999, os programas universalizan-tes – Alimentação Escolar, Livro Didáticoe Dinheiro Direto na Escola que se apói-am nos dados do Censo, representaram

93,41% do total de gastos do Fundo Naci-onal de Desenvolvimento da Educação(FNDE). As transferências voluntárias, pormeio de programas com decisão discrici-onária, totalizaram apenas 6,59% dos gas-tos efetivados pelo FNDE no último exercí-cio. Esses dados mostram que, com o usoda base de informações gerada pelo Cen-so Escolar, houve uma significativa melho-ria no perfil dos gastos federais com a edu-cação básica. Essa melhoria se deu tantoem termos de otimização dos recursos, eli-minando desperdícios, como em direçãoa um padrão mais compatível com a fun-ção supletiva e de equalização das opor-tunidades educacionais exercida pelo go-verno federal.

Para a compra do livro didático, porexemplo, o uso dos dados do Censo foiessencial para a universalização do aten-dimento. Até 1996, 54 mil escolas públicaseram atendidas. Desde 1997, quando asinformações censitárias foram agregadasao desenvolvimento do Programa, a totali-dade das escolas da rede pública de ensi-no fundamental (165 mil, em 1999) recebeos livros didáticos. Vale mencionar nova-mente a importância do Censo Escolar paraas classes de aceleração de aprendiza-gem, criadas para enfrentar o problema dadistorção idade/série no País. Essa estra-tégia de correção de fluxo escolar, por meiodas classes de aceleração de aprendiza-gem, tem sido estimulada pela atual políti-ca governamental.

O Programa de Aceleração da Apren-dizagem, lançado em 1997, tem como pro-posta corrigir o fluxo escolar dos alunosdas quatro primeiras séries do ensino fun-damental que apresentem defasagem ida-de/série de dois anos ou mais. Consistena criação de turmas especiais, nas quaisos estudantes recebem aulas de reforçoescolar com material específico, para quepossam recuperar o tempo perdido eavançar para a série correspondente à suaidade.

O MEC tem garantido a operacionali-zação do Programa de Aceleração daAprendizagem, repassando recursos finan-ceiros para a reprodução do material didá-tico e para a capacitação dos professoresselecionados para trabalhar nas classes deaceleração. Desde 1997, estão sendo re-gistradas as adesões ao Programa, sendoque no exercício anterior foram firmados831 convênios do MEC com Estados emunicípios que aderiram a esse Programa.

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A ação do Ministério envolve, ainda, o es-tabelecimento de parcerias com organiza-ções não-governamentais. O Censo Esco-lar registrou cerca de 1 milhão e 200 milalunos matriculados em classes de acele-ração, em 1999.

Esta articulação, entre os resultados doCenso Escolar e a gestão educacional, temexigido um permanente esforço no senti-do do aperfeiçoamento dos procedimen-tos de coleta e dos mecanismos de con-trole de qualidade envolvidos na realizaçãodo Censo Escolar.

Com a intenção de fortalecer a co-res-ponsabilidade dos Estados e municípios ede ampliar a participação das redes deensino, o Inep criou, em 29/4/99, o Comitêde Acompanhamento do Censo Escolar,com a participação de três representantesdo Conselho Nacional de Secretários deEducação (Consed) e três da União Nacio-nal dos Dirigentes Municipais de Educação(Undime).

Esse Comitê – que conta ainda com arepresentação do Conselho Nacional deEducação (CNE), do Conselho Federal deAcompanhamento e Controle Social doFundo de Manutenção e Desenvolvimentodo Ensino Fundamental e de Valorizaçãodo Magistério (Fundef) e do FNDE – temcomo principal atribuição acompanhar todoo processo de realização do Censo Esco-lar, inclusive o controle dos procedimen-tos de revisão. Com essa iniciativa, preten-deu-se institucionalizar o espaço de diálo-go com a representação organizada dossistemas estaduais e municipais de ensi-no, fortalecendo o processo de integraçãonecessário para a realização do CensoEscolar e garantindo a sua qualidade.

Para assegurar a fidedignidade e avalidade dos seus resultados e dada a ne-cessidade de cumprir os prazos legais, oCenso Escolar apresenta uma complexasistemática de operacionalização.

A operacionalização doCenso Escolar

O planejamento do Censo Escolar co-meça a ser feito no segundo semestre doano anterior. Em novembro, o Inep promo-ve um seminário técnico nacional, reunin-do as equipes das Secretarias Estaduaisde Educação, com o objetivo de discutir oinstrumento de coleta e os procedimentos,

a partir de um balanço do último Censo edo acompanhamento das alterações dosistema educacional.

No entanto, o acompanhamento dasalterações na legislação educacional, emespecial daquelas resultantes da Lei deDiretrizes e Bases da Educação Nacional(LDB), apresenta-se como uma atividadepermanente ao Inep, em razão dos impac-tos causados na forma de organização dossistemas de ensino. Os reflexos dessenovo dispositivo legal incluem práticas ino-vadoras que valorizam e favorecem o pro-cesso de aprendizagem, como a progres-são continuada e parcial, os conceitos declassificação e reclassificação de alunose a possibilidade de aceleração de apren-dizagem, entre outras. A introdução des-ses novos mecanismos acarreta a neces-sidade de estudos permanentes, além dadiscussão com especialistas de várias áre-as, visando à revisão dos instrumentos decoleta e de saída de dados, no sentido daincorporação de novos quesitos e/ou su-pressão de variáveis, criação de novosconceitos e metodologias na criação deindicadores, entre outros.

A partir de 1998, o Censo Escolar pas-sou a coletar informações sobre as clas-ses de aceleração de aprendizagem, cria-das em todo o País para enfrentar o pro-blema da distorção idade/série. A coleta deinformações referentes às formas de orga-nização não-seriada, como o regime emciclos, também partiu dessa necessidade.

Da mesma forma, o contato contínuorealizado junto aos técnicos das equipesdas secretarias estaduais procura assegu-rar a melhoria da qualidade da informa-ção a ser recebida e da maior aderênciaàs necessidades dos implementadores depolíticas educacionais.

O questionário do Censo Escolar éconsolidado pelo Inep, que o encaminhapara as Secretarias Estaduais de Educa-ção. Estas, por sua vez, se encarregamde enviar os questionários aos estabele-cimentos escolares da sua rede, às esco-las privadas e aos municípios, que fazema distribuição para as suas escolas.

A Portaria Ministerial nº 1.496, de 6de dezembro de 1995, fixa a última quar-ta-feira de março de cada ano, como o DiaNacional do Censo Escolar. Tendo em vistaessa data, é deflagrada uma campanhade divulgação nacional do Censo Esco-lar, com o objetivo de sensibilizar os dire-tores ou dirigentes das escolas para que

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o preenchimento do questionário ocorranesse dia e o prazo de devolução sejacumprido.

Depois de preenchidos pelo respon-sável do estabelecimento de ensino, osquestionários retornam às Secretarias Es-taduais de Educação. A digitação e a con-sistência dos dados são realizadas de for-ma descentralizada pelas secretarias.

Para promover maior agilidade nesseprocesso, foram realizados investimentostanto no fornecimento de softwares, comode equipamentos e de treinamento paraos técnicos das secretarias. Atualmente,todo o processo está informatizado, e assecretarias ligadas em rede on-line ao Inepatravés dos módulos do SIEd, permitindoao Inep o monitoramento e a supervisãode todo o processo nas secretarias dos26 Estados e do Distrito Federal, por meiodo SIEd-Censo, módulos estadual, regio-nal e municipal.

Este ano, as escolas públicas e priva-das de educação básica puderam tambémresponder ao questionário do Censo Es-colar 2000, usando a página do Inep naInternet.

Após o recebimento dos bancos detodas as unidades da Federação, o Inepconsolida o banco nacional para divulga-ção preliminar do Censo Escolar. Desde acriação do Fundef (Lei nº 9.424, de 24 dedezembro de 1996, art. 2º, § 5º), o CensoEscolar possui duas publicações no Diá-rio Oficial da União (DOU): a primeira, emsetembro, e a última, em dezembro. Apartir da publicação dos resultados preli-minares no DOU, os Estados e municípi-os têm prazo de 30 dias para apresentarrecursos, a serem analisados pela áreatécnica de apuração de levantamentos epela área jurídica do Inep, para retificaçãodos dados.

Concluído esse processo e julga-dos todos os recursos, são feitas as cor-reções necessárias no banco nacionale divulgados os resultados finais doCenso Escolar. O ciclo recomeça como calendário anual do Censo fixadopelo Inep, por meio de portaria es-pecífica publicada em fevereiro,em cumprimento do disposto nalegislação.

Durante todo o processodo Censo Escolar, o Inep rea-liza o controle de qualidadee a verificação das informa-ções prestadas, com o

objetivo de identificar erros e inconsistên-cias. A seguir, são detalhados os procedi-mentos de revisão desenvolvidos para as-segurar a qualidade e a fidedignidade dasinformações prestadas pelo Censo.

Os procedimentos parao controle da qualidade

da informação

A garantia da qualidade e fidedignida-de da informação envolve, em primeiro lu-gar, a sensibilização quanto à importânciae à responsabilidade dos agentes envolvi-dos nas várias fases do processo de cole-ta e digitação dos dados, bem como aotreinamento e ao suporte contínuo às equi-pes locais. Estas são atividades permanen-tes realizadas pela equipe do Inep; no en-tanto, além destas, foram introduzidos ou-tros procedimentos para assegurar amelhoria da qualidade e a fidedignidadeda informação.

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Os procedimentos adotados para ocontrole da qualidade da informação noCenso Escolar podem ser divididos emquatro tipos: consistência interna, análiseestatística; recursos de revisão e verifica-ção das informações prestadas.

O processo de verificação inicia-sedurante a digitação das informações pres-tadas pela escola, ainda nas SecretariasEstaduais de Educação. No SIEd-Censo,módulos estadual, regional e municipal,foram incorporados comandos para reali-zar testes de consistência interna dos da-dos escolares. Assim, são corrigidos naorigem os primeiros erros detectados. Alémdestes, durante o processamento do Cen-so Escolar, o grupo técnico do Inep desen-volve outros testes estatísticos, que sãoenviados aos Estados para serem execu-tados e, desta forma, melhorar a qualida-de da informação.

Depois de concluído o Censo Escolarnas Secretarias Estaduais de Educação eapós seu envio para o Inep, são processadosnovos testes estatísticos, agora com umaanálise temporal das informações presta-das. Ao se detectar alguma discrepância,as secretarias são informadas e solicitadasexplicações, ou mesmo, a correção das in-formações, quando for o caso.

Após a execução desses procedimen-tos, o Censo Escolar é publicado prelimi-narmente no DOU, para que os Estados,os municípios, as escolas e a sociedadetomem conhecimento das informações ofi-ciais sobre o sistema de educação básicabrasileiro. Para garantir a qualidade e a fi-dedignidade das informações, são envia-dos para as prefeituras de todos os muni-cípios brasileiros o resultado do CensoEscolar em seu município, com a relaçãode todas as escolas, públicas e privadas, esuas respectivas estatísticas.

Feita a publicação preliminar do Cen-so, há um período de 30 dias para que osinteressados entrem com recursos para re-visar as informações publicadas. A análisedesses recursos é feita pelo Inep, que temmais 30 dias para dar seu parecer. No anode 1999, foram interpostos cerca de mil re-cursos, que variavam desde a confirmaçãodos dados, passando por mudança denome de escola até a solicitação de modifi-cações das informações prestadas em to-dos os graus e modalidades de ensino.

Além de todos esses mecanismos decorreção e aprimoramento das informa-ções, têm sido realizadas, desde 1997, ve-rificações das informações declaradas.

Paralelamente a esses procedimen-tos de revisão, foi introduzido, também em1997, o Controle de Qualidade no CensoEscolar, que é uma pesquisa amostral,com visitas às escolas. Essa pesquisa temcomo objetivos principais observar o graude dificuldade das questões no questio-nário do Censo, conhecer a forma e os ins-trumentos utilizados para o seu preenchi-mento e estimar o erro estatístico das infor-mações prestadas para efeito de cálculode indicadores. Nesse processo, verificam-se ainda as dificuldades que as escolas têmem preencher o questionário.

A disseminação dos resultadosdo Censo Escolar

A importância que a divulgação dosresultados do Censo Escolar tem assumi-do recentemente relaciona-se com a dire-triz adotada pelo MEC de utilizar seus re-sultados como base única de informaçãopara todos os programas do governo fe-deral, de apoio ao desenvolvimento daEducação Básica.

Essa disseminação de resultados érealizada por meio de um conjunto depublicações, tais como a sinopse e os in-formes estatísticos, que são produzidos nodecorrer do ano seguinte à realização dolevantamento.

O Centro de Informações e Bibliote-ca em Educação (Cibec), como órgãoespecializado na disseminação de infor-mações educacionais, possibilita o aces-so aos principais resultados dos levanta-mentos produzidos pelo Inep.

Em 1999, os secretários municipaispassaram a receber os indicadores da suarede, comparados com as médias esta-dual, regional e nacional. As escolas tam-bém recebem um boletim que, neste ano,acompanha o questionário do Censo Es-colar, com os seus principais indicadores,comparados com as médias estadual, re-gional e nacional.

Além dessas publicações, são reali-zados diagnósticos especiais atendendoà crescente demanda por análise do se-tor educacional.

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Ednar Maria Vieira Diniz é coordenadora-geral de Estatísticas da Educação Básicado Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep).

Abstract

The School Census, yearly performed, consists of a nationwide collection ofeducational information and statistics of Early Childhood, Primary and Secondary Educationand different types of programs, (Regular, Special and Adult Education). Based on thedata collected, the National School Register is updated and the politics of the correctionof the regional unbalances is established, as well as the equity promotion in the offeringof public education, such as the School Meals, Didactic Books, Money in Schools andLearning Acceleration.

Key words: educational statistics; school census; Integrated System for EducationalInformation (SIEd).

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CIBEC

Patrícia Zeni Marchiori

Profissionais da sociedadede informação: o information broker

Palavras-chave: serviços eprodutos de informação;intermediação de informação;profissionais de informação.

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Descreve as atividades dointermediário da informação(information broker), como umprofissional da sociedade dainformação. Apresenta suaorigem histórica, formaçãoacadêmica e funções que essedeve desempenhar no contextodo oferecimento de serviços eprodutos de informação de valoragregado. Destaca a necessidadede critérios para a seleçãoadequada desse profissional e acomplexidade envolvida noplanejamento e estruturação deserviços de consultoria destanatureza. O desenvolvimento epopularização das redes deinformação e o potencial acessode dados por um número cadavez mais amplo de indivíduos,apresenta um desafio aoinformation broker, do qual seexigirá um alto grau decriatividade e de respostaqualitativa às demandas deinformação de indivíduos egrupos.

Introdução

O crescimento exponencial da produ-ção de informação, assim como a prolifera-ção de suportes e canais de divulgação eacesso a conteúdos informativos, são ele-mentos representativos da chamada "Soci-edade da Informação". Nesta, pelo menosduas situações se apresentam: na primei-ra, pessoas, grupos, empresas e instituiçõesse vêem envolvidas em um universo cres-cente de dados provindos das mais diferen-tes fontes, os quais devem ser identificadose obtidos no menor tempo possível, desdeque garantida sua qualidade. Na segundasituação, as atividades relacionadas com alocalização, coleta, tratamento, distribuiçãoe uso da informação passam a ser vistassob o ponto de vista mercadológico, comoparte da indústria da informação, a qual exi-ge segmentos profissionais específicos,cujas atividades venham a atender deman-das diferenciadas. Dentre os profissionaissurgidos neste contexto, pode-se destacaro information broker.

A atividade de information brokerage(intermediação/agenciamento da informa-ção) deriva de uma lógica simples: se aspessoas compram carros, geladeiras, ali-mentos e outros bens de consumo, elaspodem, potencialmente, comprar informa-ção. Sob este ponto de vista, a perguntaque segue é: quem estaria disposto a com-prar informação, uma vez que se conven-cionou que esta é um "bem" livre e dispo-nível de forma gratuita? O próprio avançoda sociedade da informação apresenta tan-to o mercado quanto os potenciais com-pradores de produtos e serviços de infor-mação oferecidos pelos informationbrokers. À medida que se adiciona à ex-plosão informativo/documentária uma cres-cente fragmentação nos diferentes camposdo conhecimento e dificuldades de obten-ção de informações necessárias (e quali-tativamente importantes) no tempo adequa-do para a tomada de decisões, e, ainda,as frustrações inevitáveis que ocorrem noprocesso de busca de informação de for-ma aleatória, como resultado se tem umapessoa/empresa que, potencialmente, con-trataria um profissional para o serviço debrokerage.

Apesar de certa dificuldade em se es-tabelecer uma definição única para tal ati-vidade, De Heer (1990, p. 56) ressalta queo serviço de brokerage implica a busca pre-cisa de informação, na escolha da fonte

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apropriada, no oferecimento de informa-ções complementares e na interpretação eavaliação de informação para pessoas, gru-pos e instituições de qualquer natureza, emque está envolvida uma relação de contra-to e pagamento por tais atividades.

Rodwell (1987) esclarece que a ativi-dade de brokerage teve início na década de10, desenvolvendo-se timidamente nas dé-cadas de 30 a 50 (limitada a serviços espe-cíficos para clientela também específica)consolidando-se a partir da segunda meta-de da década de 70. Atualmente, é objetode encontros, congressos e seminários emtodo o mundo, reunindo uma literatura con-siderável sobre o assunto, o que indica umaexpansão crescente que não pode ser des-prezada. A atividade se fortaleceu nos Esta-dos Unidos a partir de 1970, devido à criseeconômica ocorrida por ocasião da Guerrados Sete Dias, que levou muitas empresas,grandes e pequenas, a considerarem asbibliotecas internas e seus serviços comodispensáveis na redução de custos de ma-nutenção e salários dos profissionais. Con-tudo, tais empresas não tiveram diminuídassuas necessidades de informação, que fo-ram, ao contrário, realçadas pela ausênciade um serviço interno. Pugsley e Lennon(1990) corroboram a explicação deRodwell, especificando que, no final dadécada de 70, na Costa Oeste dos EUA,as bibliotecas pagavam baixos salários,oferecendo poucas oportunidades paramulheres, assim como os cortes nos orça-mentos levaram à eliminação de "serviçosnão-essenciais", os quais incluíam as bi-bliotecas internas e seus bibliotecários.Deste modo, alguns dos profissionais de-sempregados decidiram criar alternativase agir inicialmente como free-lance. Nestesentido, foram auxiliados pelas universida-des, que passaram a oferecer cursos debuscas on-line e de marketing de informa-ção, considerados como instrumentosbásicos para a atividade de brokerage.Esses pioneiros trabalharam a princípiomanualmente, realizando buscas na litera-tura e em textos legais, escrevendo rela-tórios, editando manuscritos e provendoempresas, departamentos governamentaise indivíduos com informações essenciaisàs suas atividades (Warren, 1988). No mes-mo ano e focalizando-se igualmente o Ca-nadá, Zilm (1988) apresentou um quadrodo crescimento das pequenas firmas na-quele país que, embora não tivessem ser-viços de informação internos, apresentam

necessidades de informação as mais va-riadas. Na Polônia, Sójka (1990) identifi-cou a mesma situação, ou seja, o aumen-to no número das pequenas e médiasempresas, assim como a inexistência, nes-tas, de "departamentos de informação" emesmo de vagas para especialistas deinformação. Porém, em ambos os casos,as empresas estavam dispostas a pagarpor serviços externos de informação, des-de que obtivessem a qualidade espera-da. Nestes contextos, o information brokeriniciou suas atividades, agilizando os trâ-mites de informação para tais empresas.

Responsabilidade da atividadede brokerage

Existem dois tipos de brokerage, umdeles é realizado por empresas/institui-ções constituídas para este fim, e o outrodesenvolvido com base no trabalho indi-vidual de um profissional da informação,enquanto pessoa física.

Em países desenvolvidos, em espe-cial nos Estados Unidos, os bibliotecáriosformaram o grupo inicial da atividade debrokerage, mas atualmente, uma varieda-de de profissionais se estabeleceramcomo provedores de tais serviços e pas-saram a dominar nichos de mercado, re-lacionados com suas áreas de especiali-zação (Pugsley, Lennon, 1990, p. 27-28).Quer como empresas ou como profissio-nais autônomos, as pessoas ligadas àintermediação de informação provêm deformações e experiências as mais diver-sas, tais como químicos, economistas,pesquisadores de mercado, consultoresna área de transferência de tecnologia e,em número cada vez menor, bibliotecári-os e cientistas de informação (Mackay,1992a, p. 26).

Na verdade, não existem cursos paraa formação de information brokers, embo-ra nos países da Europa e dos EstadosUnidos os profissionais já graduados emuma área do conhecimento de sua prefe-rência podem adquirir muitas das habili-dades necessárias em cursos de pós-gra-duação na área de Ciência da Informaçãoe Biblioteconomia. Esta condição facilitaa comunicação desse profissional comseus clientes para a negociação e respostaàs necessidades de informação. Esta "du-pla formação" não só favorece a melhoriados serviços e produtos de informação,

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como também permite a tomada de deci-sões mais seguras quando da opção pelotrabalho autônomo ou na constituição defirmas de consultoria e de brokerage(Johnson, 1987, p. 4).

Perfil e qualidades desejáveisdo information broker

Para Basch (1992, p. 9), o serviço debrokerage pode ser realizado por profissi-onais intitulados especialistas, empreen-dedores, consultores de informação, ouainda, trabalhadores de conhecimento,bibliotecários autônomos e assim por di-ante. Contudo, é difícil definir fronteirasentre eles. O fato é que, trabalhando auto-nomamente ou constituindo em sua mai-oria, pequenas empresas, o profissionalenvolvido com a atividade de brokeragenecessita desenvolver habilidades degerenciamento, marketing e planejamen-to financeiro. O broker deve ter um espíri-to empreendedor, combinando talento epersonalidade, enfrentando desafios, en-contrando soluções para problemas, cri-ando oportunidades ainda não existentes,trabalhando por longas horas e, claro, di-vertindo-se em cada passo do caminho.

As habilidades requeridas para seoperar como um information broker podemser obtidas de diversas maneiras:

a) como parte do treinamento paraBiblioteconomia ou Especialista em Docu-mentação, principalmente aquelas de umbibliotecário/documentalista de referência;

b) pela qualificação acadêmica pré-via em alguma área científica (o mais pró-ximo possível da especialidade dos seusclientes-alvo);

c) obtidas por cursos de desenvolvi-mento e utilização de softwares gerencia-dores de bases de dados e de estrutura ebusca em bases de dados externas;

d) por meio de cursos e de leiturasde revistas profissionais e de negócios emgeral na área de informação e comunica-ção (adaptado e reunido de: Neway, 1988,p. 92-93; Mackay, 1992a, p. 26; Bauwens,1992, p. 35-36).

As atitudes e atributos pessoais eprofissionais devem ser compatíveis como ambiente competitivo de indústrias e ne-gócios. Para este mercado, a informaçãoé um fator crítico para o sucesso e requerum gerenciamento eficiente e econômi-co para todos os recursos de informação

disponíveis dentro da organização e aque-les que devem ser coletados fora desta(Eklund, 1990). Em tais ambientes, mais doque em qualquer outro, busca-se o provi-mento de informações dentro de dimen-sões desejadas, convertendo-as em recur-so corporativo, que, quando reconhecidocomo de alta importância estratégica, pas-sa a merecer atenção especial, podendoresultar em uma disposição em encontraralgum profissional capacitado a gerenciarprocessos de identificação, coleta, trata-mento e disseminação de informações in-ternas e externas à empresa.

Produtos e serviços

O broker, que deseja investir e man-ter-se no mercado, deve assumir uma ati-tude empreendedora e de alto profissiona-lismo, uma vez que sua sobrevivência evisibilidade vão depender da qualidade deseus produtos e serviços. Estes devem seratrativos e relevantes baseados em umarede de fontes diferentes e qualificadas. Acompetência do information broker seráanalisada sob os seguintes fatores:

a) sua habilidade na escolha de fon-tes de informação;

b) sua habilidade em definir o tipo deinformação procurada;

c) do quão rápido é capaz de entre-gar a informação "nas mãos do cliente";

d) dos preços que pratica para seusserviços e produtos de informação;

e) da qualidade e atualidade da infor-mação que provê, e

f) do quão fácil e rapidamente acessaa fontes de informação.

Como fontes, pode-se considerar umacoleção interna própria da empresa, os mate-riais bibliográficos e eletrônicos disponíveis,os eventos, cursos e congressos, os contatosexternos com especialistas, instituições, pes-quisadores, autoridades, consultores e outrosbrokers (Eklund, 1990, p. 52). Provavelmente,cada broker desenvolverá seu próprio con-junto de instrumentos, ou melhor, uma confi-guração e combinação particular de equipa-mentos, técnicas e estilo próprio para realizarseu trabalho. Além disto, há uma mistura curi-osa do concreto e do intangível, isto é, umacombinação de habilidades, atitudes, conhe-cimentos e aptidões que levam o profissio-nal a otimizar o uso de fontes e instrumen-tos de recuperação, tratamento e dissemi-nação de informação (Strizich, 1988, p. 27).

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A relação do broker com o cliente éuma relação de prestação de serviço. O cli-ente busca o broker porque considera seutempo valioso para investir na busca da in-formação, e pretende que este lhe dê exa-tamente aquilo que deseja. O broker deve,então, operar o fluxo da demanda de mer-cado, focalizá-la e colocá-la de forma dis-ponível em termos de espaço, tempo epertinência (De Heer, 1990, p. 55). A espe-cialização do broker é ainda um assunto emdiscussão, embora uma parcela significati-va de autores considere que uma especia-lização no assunto é desejável. O que, noentanto, apontam como uma habilidade crí-tica, é o conhecimento exaustivo das áreasligadas ao armazenamento, acesso e recu-peração de informações, bem como habili-dades na avaliação da relevância da infor-mação a ser prestada. O fato de a clientelapoder ser tão diversa quanto os serviçosoferecidos requer uma certa dose de audá-cia por parte do broker, pois deve "ir atrás"do cliente e fazer "qualquer" e todas as coi-sas de modo a resolver os problemas deinformação demandados. Todavia, há umaressalva importante no que diz respeito aouso ético e avaliação qualitativa das fontesde informação (Rodwell, 1987, p. 94).

Normalmente, os information brokerssão contratados pelas empresas, tendo em

vista algumas (ou várias) das situaçõesapontadas abaixo:

1) quando se deseja reduzir os cus-tos na manutenção de um sistema de in-formação interno, mesmo havendo aindanecessidades de informação;

2) quando há corte de gastos e pres-são para a atração e utilização de recur-sos externos;

3) quando a informação passa a servista como uma commodity, implicando oaparecimento de uma estrutura contábildos serviços de informação;

4) quando a contratação de um pro-fissional de informação é capaz de incre-mentar a comunicação e o gerenciamen-to de informações;

5) quando há necessidade de geren-ciar a sobrecarga/explosão de informações;

6) quando há necessidade de se ori-entarem os serviços de informação parao cliente ("feitos sob medida") (adaptadode Webber, 1990, p. 43).

Crawford (1988, p. 4-5) indica, ainda,outras condições coadjuvantes à contra-tação de information brokers nas socieda-des desenvolvidas:

1) Quando há necessidade de sepesquisar sobre um assunto que está forada esfera normal de trabalho: é mais lógi-co pagar uma taxa a um especialista, casoa demanda seja extemporânea, ao invésde incluir documentos sobre o assunto nosistema de informação interno (quandoeste existir);

2) Quando se desejam habilidadesespeciais no tratamento da informação,como por exemplo, a construção de umvocabulário controlado e a preparação desistemas de classificação, que requeremalta especialidade, assim como buscas on-line em bases de dados, as quais podemser supridas por serviços de brokerageeficientes;

3) Quando pesquisas e buscas dedocumentos requerem tomadas de deci-são, às quais os information brokers jáestão normalmente acostumados;

4) Quando se deseja objetividade:pois o consultor ou intermediário está forada organização e, portanto, numa posiçãoprivilegiada para ver os problemas desta.Freqüentemente ele está numa excelenteposição para identificar os recursos e oscustos envolvidos que resultem em umaação efetiva de busca de informação;

5) Quando se deseja acesso a outrosrecursos, pois normalmente a empresa

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não está atenta à identificação de outrasfontes e recursos de informação. Oinformation broker está mais livre paraacessar estas fontes múltiplas;

6) Quando o tempo é um fator críti-co: utilizar um recurso externo pode sero único caminho possível. Brokers e con-sultores estão acostumados a trabalharem alta velocidade e com cronogramasapertados;

7) Quando se deseja confidencialida-de: os information brokers são uma boamaneira de conseguir informação semidentificar o nome do interessado;

8) No controle de custos: quando nãose têm os recursos necessários, o proje-to feito por um broker pode ajudar a defi-ni-los, auxiliando as decisões do usuáriofinal.

A etapa mais delicada, após a deci-são de se contratar um serviço de broke-rage, é selecionar a firma (ou indivíduo)para o serviço. Alguns critérios são suge-ridos para a seleção de information brokersqualificados:

1) Identificar a especialidade na recu-peração e análise de informações, inclu-indo busca de documentos;

2) Informar-se sobre os limites do pro-fissional/firma (o que podem ou não fazer);

3) Solicitar a descrição da metodolo-gia de busca que utilizam;

4) Indagar os nomes das fontes utili-zadas;

5) Verificar a acessibilidade às fonteslocais;

6) Solicitar a análise das fontes utili-zadas e os formatos disponíves de verifi-cação de conteúdos;

7) Verificar as condições de avaliaçãodos resultados e as sugestões sobre ospassos seguintes;

8) Verificar se os information brokerssão membros ativos em suas profissões:é desejável que escrevam e editem emperiódicos, realizem palestras e estejamengajados em associações e grupos deinteresse (adaptado de Mackay, 1992b, p.10-11).

Henderson (1990, p. 130-131) colocaa relação broker/contratante como estrita-mente profissional, uma vez que o clienteirá pagar pelo serviço, exigindo qualida-de e precisão por parte do broker. No pro-cesso de seleção de um broker, o clientedeve fazer algumas perguntas, tais como:

1) A especialidade do broker está deacordo com as necessidades identificadas?

2) Quem realmente irá trabalhar coma demanda de informação? Quantas pes-soas fazem parte da equipe do broker? Elecostuma delegar o serviço? Em que termose para quem?

3) Qual é o nível de qualidade da in-formação prestada? Há uma lista de clien-tes a serem contactados, a fim de se verifi-car a qualidade do serviço e o grau desatisfação?

4) Assumindo que se está satisfeitocom o grau de qualidade – qual a veloci-dade e o formato de busca?

5) Que tipo de prazos e datas-limite obroker utiliza? Ele e sua equipe estão dis-poníveis no dia seguinte a um feriado, porexemplo? Que visão o broker tem das da-tas-limite de seus clientes?

6) Quais os critérios utlizados no esta-belecimento das taxas e preços dos servi-ços/produtos oferecidos pelo profissional/empresa?

7) O broker está atento à importânciade cooptar um novo cliente?

Outra questão a ser observada no pro-cesso de negociação entre o broker e o clien-te é a verificação da demanda e o estabeleci-mento dos limites de custo. O usuário diz deque informação/documento necessita, e osbrokers absorvem toda a tarefa de busca.O cliente vê apenas o produto final, no casoo documento/informação solicitado(da), euma fatura a ser paga. Stanat (1991, p. 45)

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ressalta que o broker deve ter um alto graude adaptabilidade a mudanças (geográfi-cas e tecnológicas), que lhe permita suprirseu cliente de "inteligência" ao invés de "fa-tos e dados". Deve desenvolver produtosde natureza global (para tanto, estabele-cer parcerias), produtos/serviços de quali-dade (que permitam análise, perspectivase adição de valor), ao menor preço possí-vel para o nicho de mercado correto.

Os serviços e produtos que podem seroferecidos por um information broker sãoos mais diferenciados. A seguir, apresen-tam-se alguns exemplos apontados pela li-teratura (Rodwell,1987; Strizich, 1988;Eklund,1990):

l análises estatísticas;l boletins de alerta especializados;l busca de patentes;l busca de informação em fontes tradi-

cionais;l busca de informação em fontes ele-

trônicas e óticas (outras pautadas nastecnologias emergentes);

l circulação de periódicos;l compilação de diretórios;l cópia de microformas;l desenvolvimento de orçamentos;l desenvolvimento de sistemas de in-

formação para executivos;l desenvolvimento de sistemas de

indexação de informação;l desenvolvimento e consultoria em

bases de dados;l design de sistemas de informação;l disseminação seletiva da informação;l elaboração de questionários;l empréstimo e gerenciamento de

documentos;l entrega de documentos;l estruturação de obras de referêcia;l gerenciamento de registros;l ghost-writing;l levantamento de literatura;l organização de eventos;l pacotes de informação;l pesquisas de mercado;l programas de treinamento;l relatórios de empresas el resumos e indexação.

Planejamento e estruturação dosserviços de brokerage

As últimas décadas foram marcadaspor um crescimento significativo no número

de negócios com informação, desde asgrandes corporações da Indústria da Infor-mação, até os serviços de brokerage ofe-recidas por profissionais especializados.

Mesmo em países desenvolvidos,embora muitos brokers trabalhem seria-mente para se manterem no mercado,existem obstáculos que não podem serdesprezados, tais como a competitividade,os recursos de marketing, os preços (quesão, normalmente, considerados altos pe-los contratantes) e um certo amadorismopresente na atividade.

Warner (1988) define os aspectos re-lacionados com a estruturação de um ne-gócio de consultoria de informação quan-to ao seu planejamento, implicações le-gais e monetárias, perfil e funções do con-sultor de informação e estratégias demarketing. A consultoria não é uma aven-tura e nem se constitui uma saída para osdesempregados na área de informação.É um negócio e deve ser tratado como tal,sob o risco de um retumbante fracasso eum desgaste no oferecimento de tais servi-ços junto aos empregadores em potencial.

Para haver brokerage, devem existirconsumidores potenciais de informação.Para os consultores, o indicado é que seestabeleçam em locais próximos de clien-tes e, mais importante, de locais que pos-sam suprir informação, tais como univer-sidades e institutos de pesquisa, porexemplo, uma vez que estes têm materialde referência e especialistas. Na realida-de, isto se dá por uma combinação de ele-mentos: clientes potenciais, recursos deinformação e competição local. Nos Esta-dos Unidos, parece haver uma relaçãodireta entre os Estados e as cidades demaior população e o maior número deinformation brokers, ou mesmo em Estadospequenos, porém próximos dos grandescentros (Pugsley, Lennon, 1990, p. 23).

Todavia, a atração de clientes apre-senta certa complexidade para os brokers,exigindo estratégias diferenciadas demarketing para diversos nichos de mercado.Como um serviço de difícil tangibilidade,a propaganda "boca-a-boca" é, provavel-mente, o instrumento mais eficiente. Alémdisto, para que a atividade de brokeragese confirme como um serviço maduro eestável, a informação precisa ser vistacomo uma commodity, uma vez que ser-viços totalmente grátis perdem a qualida-de. O information broker deve estar atentoao custo real da informação operando sua

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atividade como um negócio. Deve-se pro-ver serviço (e não um pedaço de informa-ção) no tempo adequado, com pertinên-cia, flexibilidade e credibilidade. É um tra-balho de 24 horas, em que se deve valori-zar o produto de informação, buscando ainternacionalização e a cooperação queirão ajudar a enfrentar um mundo rápidoe mutante (Finningan, 1990, p. 5).

Tendências para os serviçosde brokerage

O trabalho do information broker ca-racteriza-se como uma consultoria, cujo re-sultado pode envolver a recomendação elocalização de fontes de informação apro-priadas para problemas específicos, o trei-namento de pessoas no uso dos novos ins-trumentos e tecnologias de informação, aavaliação, o uso da informação para o cli-ente, a fim de se estabelecer uma produ-ção e consumo mais ágil e inteligente dainformação recuperada.

Os fatores econômicos, o desenvol-vimento tecnológico, as mudanças de ati-tude, a continuidade no crescimento dademanda, o crescimento constante da in-formação disponível irão determinar ascaracterísticas de um mercado futuro paraesta atividade. O que existe como certezapara esta área de atuação profissional éque a informação que está sendo procu-rada deve ser agregada de valor, o queexige deste intermediário uma atitude de"construtor de conhecimento". A deman-da por informação é crescente, tanto emfunção da sua filtragem como da estrutu-ração de conhecimentos, as quais podemser oferecidas pelos brokers à medida queestes utilizem as tecnologias disponíveispara alterar radicalmente a maneira comoa informação é armazenada, recuperada,processada e disponibilizada ao seu cli-ente. As redes de informação do tipo In-ternet, que despejam diariamente umaenorme quantidade de dados puros, pas-sam a exigir do profissional voltado para aatividade de brokerage uma maior respon-sabilidade na busca de informações rele-vantes, assim como uma garantia deabrangência e de segurança da informa-ção obtida. Por outro lado, a proliferaçãode microcomputadores, desaguando emredes de informações nacionais e inter-nacionais, cujos custos estão em queda,

poderá significar que, individualmente, to-dos terão a mesma oportunidade de aces-sar dados rotineiramente, podendo atuarcomo brokers. Para este profissional, talcenário se traduz em um grande desafio.Criatividade, flexibilidade e capacidade deestar à frente das demandas serão aspalavras de ordem para profissionais dainformação que desejem sobreviver econquistar espaços em um mercado dealtíssima competitividade.

Por ora, pode-se dizer que a atuaçãode tais indivíduos, principalmente em paí-ses em desenvolvimento, se configuracomo uma área profissional relativamentenova, em que o processo de reconheci-mento e legitimação de suas atividadesdepende da identificação e consolidaçãode um mercado disposto a comercializarprodutos e serviços de informação.

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173R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 164-173, jan./abr. 1999.

Recebido em 7 de fevereiro de 2000.

Patrícia Zeni Marchiori, doutora em Ciências (Ciência da Informação) pela Universi-dade de São Paulo (USP), é professora adjunta I do Departamento de Ciência e Gestãoda Informação da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora dos cursosde Gestão da Informação e Biblioteconomia dessa universidade.

Abstract

It describes the information broker's activities as a professional in the informationsociety. It presents an historical approach as well as it's academic formation and functionsconcerning information products and services which have value-added. In order to choosecorrectly this sort of professional, employers must decide under specific criteria, foreseeingthe complexity involved on this kind of consultant job. Information brokers must be awareabout the changes in the process of seeking information, that already put them underpressure, in order to offer new, qualitative and creative information products and services,oriented to save time and money from their clients.

Key-words: information services and products; information brokerage; informationprofessionals.

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Teses e dissertaçõesrecebidas*

* Serão disponibilizadas as re-ferências bibliográficas dasteses recebidas pelo Cibec noperíodo anterior ao lançamen-to do número subseqüente daRBEP. Todo o acervo das te-ses indexadas poderá seracessado diretamente noCibec ou via Internet.

ANJOS, Iris José dos. Mulher e religião :um estudo sociohistórico sobre o mo-vimento do Graal. Belo Horizonte,1998. 243 f. Dissertação (Mestrado emEducação) – Faculdade de Educação,Universidade Federal de Minas.

Orientadora: Cyntia Greive Veiga

Investiga o tema mulher e religião atra-vés do estudo das origens do MovimentoGraal (surgido na Holanda em 1929) e dasações desenvolvidas em Minas Gerais noperíodo de 1948 a 1970, focalizando espe-cialmente as dificuldades das participan-tes do Graal em conferir ao movimento umlugar significativo junto aos diferentes mo-vimentos sociais. Sua proposta original tra-duziu-se em um projeto pedagógico volta-do para a satisfação da mulher engajadana evangelização da sociedade. Em MinasGerais, a prática do Graal, de caráter pre-dominantemente religioso-assistencial, nãoconseguia enfrentar a problemática femi-nina emergente e não conseguiu tambémconstruir uma identidade junto aos outrosmovimentos sociais.

BASTOS, Mara Lúcia Fontes de Menezes.Uma experiência em ensino de Físicana perspectiva da história da ciência.Brasília, 1998. 229 f. Dissertação(Mestrado em Educação) – Universi-dade Católica de Brasília.

Orientador: Antônios I. Terzis

De caráter fenomenológico e estrutura-lista, estuda o sentido do ensino de física re-velado pelo conhecimento dos processos daconstrução da Ciência e objetiva oferecer

uma abordagem alternativa no ensino deFísica do 2º grau. Com base nos funda-mentos teóricos de Bachelard, Piaget eKuhn, propõe um tipo de ensino de físicaem que o aluno acompanha o processode como foi construído determinado prin-cípio científico.

BRANDL NETO, Inácio. O cotidiano daeducação física nas duas primeirasséries de escolas municipais de Ma-rechal Cândido Rondon-PR. Piracica-ba, 1998. 154 f. Dissertação (Mestra-do em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universi-dade Metodista de Piracicaba.

Orientador: Wagner Wey Moreira

Investiga as estratégias pedagógicasque as docentes utilizam em suas práti-cas cotidianas nas aulas de Educação Fí-sica de 1ª a 4ª série de escolas munici-pais de Marechal Cândido Rondon-PR.Mostra que, embora naquele contextoexistam propostas alternativas de comoensinar, prevalece ainda a forma tradicio-nal de ensino da educação física.

BUSCARIN, Maria Terezinha. Níveis deexpectativa e aprendizagem. Piracica-ba, 1998. 141 f. Dissertação (Mestra-do em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universi-dade Metodista de Piracicaba.

Orientador: Hugo Assmann

Trata da relação professor/aluno nodecorrer do processo de ensino/aprendi-zagem. Mostra como a auto-estima esti-mula as expectativas de aprendizagem

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 174-184, jan./abr. 1999.

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que, se não correspondidas pela escola epela família, podem levar o aluno aoinsucesso.

CARVALHO, Nazaré Cristina. O brincar, acultura da criança e a escola : possi-bilidades do conhecimento na edu-cação física escolar. Piracicaba, 1998.134 f. Dissertação (Mestrado em Edu-cação) – Programa de Pós-Gradua-ção em Educação, Universidade Me-todista de Piracicaba.

Orientador: Wagner Wey Moreira

Aborda as questões da criança, dabrincadeira, da escola e da ludicidade,enfatizando o brincar infantil antes da en-trada da criança na escola e o brincar nointerior desta. Por meio dos jogos e dasbrincadeiras populares, a criança vivenciaexperiências que aos poucos vão sendocaptadas e introjetadas em seu corpo. Apesquisa tem caráter bibliográfico, respal-dada no estudo de autores cujas aborda-gens envolvem concepções diversificadasde cultura, infância, brincadeira, ludicida-de, motricidade, corporeidade, escola eeducação.

COELHO, Edna Ferreira. Relações, apren-dizagem e prazer : alinhando novaspossibilidades pedagógicas. Piraci-caba, 1998. 140 p. Dissertação (Mes-trado em Educação) – Programa dePós-Graduação em Educação, Uni-versidade Metodista de Piracicaba.

Orientador: Hugo Assmann

Estudo investigativo que analisa o pra-zer, o aprender e o relacionar-se como ele-mentos essenciais para uma autêntica vidaescolar, em que o educando amadurecena sua aprendizagem e na sua vida pes-soal e relacional, embora às vezes a hie-rarquia (o poder) e a racionalidade da es-trutura escolar se choquem com o prazer.

COELHO, Maria do Socorro da Costa.Interiorização do ensino superior noPará e o Banco Mundial : um olharsobre as aproximações destas pro-postas. São Paulo, 1998. 141 p. Dis-sertação (Mestrado em Educação) –Programa de Pós-Graduação em

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 174-184, jan./abr. 1999.

Educação, Universidade Metodista dePiracicaba.

Orientador: João dos Reis da SilvaJúnior

Procura identificar, por intermédio dalinguagem do projeto MEC/Bird, as influ-ências das políticas do Banco Mundial noprocesso de interiorização da Universida-de Federal do Pará, tendo como objetivo o"Projeto de consolidação e expansão daslicenciaturas plenas no interior do Estado",no período de 1992 e 1998.

COSTA, Wanderleya Nara Gonçalves. Osceramistas do Vale do Jequitinhonha :uma investigação etnomatemática.Campinas, 1998. 104 f. il. Dissertação(Mestrado em Educação) – Faculda-de de Educação, Universidade Esta-dual de Campinas.

Orientadora: Maria do Carmo DomiteMendonça

Desenvolve um estudo crítico, reflexi-vo e analítico sobre a construção de peçasde cerâmica e de outros acontecimentosda vida cotidiana dos ceramistas para, pormeio dele, detectar, compreender e anali-sar o conhecimento matemático que osenvolve, bem como a maneira que o trans-mitem. Faz uma análise comparativa entrea "escola de cerâmica" e a escola formal.Tal análise deveria apontar algumas con-tribuições para a melhoria da articulação eintegração entre o conhecimento matemá-tico popular e o conhecimento matemáti-co acadêmico. Existe uma linguagem damatemática popular que expressa o conhe-cimento matemático criado/recriado nocontexto popular. Uma maior atenção aessa linguagem revela que algumas con-cepções veiculadas na escola como úni-cas, na verdade não o são, e que ao seaplicar na escola os pressupostos daEtnomatemática é necessário se estar re-ceptivo para aceitar, compreender e res-peitar concepções diferentes daquelas quegeralmente são veiculadas como únicas.Observa que um fator que pode ser decisi-vo no reconhecimento do conhecimento ma-temático construído em culturas diferencia-das é levar em consideração, como parteda história da matemática, a história das prá-ticas e dos conhecimentos matemáticos úni-cos, particulares, existentes nas diferentes

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culturas. Finalmente, conclui que não bas-ta apenas comparar e analisar também assituações em que é permitida a utilizaçãodo conhecimento popular mas, para isto,é necessário, sobretudo, que a escola e osprofessores compreendam que ensinarmatemática não é só uma tarefa técnica,mas também política.

DELL DUCAS, Ivonete Luzia. Novas tecno-logias e reambientação pedagógica.Piracicaba, 1998. 170 f. Dissertação(Mestrado em Educação) – Programade Pós-Graduação em Educação,Universidade Metodista de Piracicaba.

Orientador: Hugo Assmann

Mostra como o novo contexto tecno-lógico da sociedade de conhecimento ousociedade da informação faz emergir aaprendizagem como elemento vital e desobrevivência, fato que provoca um redi-mensionamento na educação e, em espe-cífico, naquela realizada pela escola. Apon-ta a necessidade de reconfiguração daação escolar de maneira a propiciar a cons-trução, desconstrução e reconstrução deconhecimentos, deixando de lado os pa-drões mecanicistas.

FARIAS, Edison da Silva. Noese : um pro-cesso de percepção, apreensão e ima-ginação no ensino e na prática de gra-vura. São Paulo, 1998. 203 f. il. Disser-tação (Mestrado em Artes) – Escola deComunicações e Artes, Universidadede São Paulo.

Orientadora: Maria Heloísa de ToledoFerraz

Noese é o resultado da pesquisa reali-zada entre alunos e professores dos Cur-sos de Licenciatura em Educação Artísticada Fundação Universidade Federal doAmapá, Universidade Federal do Pará e daUniversidade Federal do Maranhão. O tra-balho averigua os desafios que envolvemo ensino de gravura nessas universidades.A abordagem é inspirada em três paradig-mas: a visualidade acadêmica (pré-moder-na), a visualidade moderna e a visualidadepós-moderna. Este trabalho tenta tornarvisível o arcabouço mais complexo – doensino da gravura nessas instituições deensino superior. As imagens refletidas nos

trabalhos dos entrevistados (resultantesdas oficinas de gravura) e as declaraçõese respostas coletadas dirigem o leitor aosuniversos formacional, cultural e estéticodos alunos e professores.

FORTES, Nadabe Cardoso de OliveirasAlves. Salas numerosas : espaço deconhecimento ou informação? For-mação ou diplomação? Marcas dis-tintas entre a universidade e as em-presas de ensino. Campinas, 1998.100 [25] p. il. Dissertação (Mestradoem Educação) – Faculdade de Edu-cação, Pontifícia Universidade Cató-lica de Campinas.

Orientadora: Mara Sordi

Pesquisa etnográfica que analisa oscontextos socioeconômico e político-edu-cacional que deram origem ao ensino su-perior de massa. Tenta compreender anatureza desse ensino de massa e seuimpacto sobre os egressos. Conclui queesse modelo prejudica o trabalho docen-te, o desenvolvimento científico, a apren-dizagem dos alunos e a inserção dosegressos no mercado de trabalho. A solu-ção do problema exige uma tomada deconsciência da comunidade universitáriae da sociedade democrática.

GÁSPARI, Paulo Eduardo. Formação su-perior em biologia e mercado de tra-balho : um estudo sobre egressos.Campinas, 1998. 114 p. il. Disserta-ção (Mestrado em Educação) – Pro-grama de Pós-Graduação em Educa-ção, Pontifícia Universidade Católicade Campinas.

Orientadora: Maria Eugênia L. M.Castanho

Analisa os currículos oferecidos para ocurso de Ciências Biológicas pela PUC/Campinas, ao longo de sua história, e a atu-ação dos egressos no mercado de trabalhoe na sociedade. Avaliando a relação entreambos, verifica que o currículo precisa deconstantes atualizações e adequações aomercado de trabalho e às exigências cientí-ficas. Portanto, o curso, além de oferecer osconhecimentos básicos, deve preocupar-seem desenvolver seu futuro profissional, com-petência técnica e formação científica equalidade.

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177R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 174-184, jan./abr. 1999.

GIANNETTI, Maria Teresa Velloso Corrêa.Narrativas do olhar. Piracicaba, 1998.328 f. il. Dissertação (Mestrado emEducação) – Programa de Pós-Gra-duação em Educação, UniversidadeMetodista de Piracicaba.

Orientador: José Lima Júnior

Busca identificar pontos de interseçãoentre a ciência e o pensamento e a artecontemporâneos, isto é, entre a linguagemde códigos e a linguagem de signos, a fimde valorizar a inclusão da linguagem visu-al na prática educativa desde o início daescolarização, ampliando dessa forma acapacidade de comunicação das criançaspara a leitura e a produção de sinais, ex-pressão do pensamento estético e reflexi-vo. A arte-educação evidencia, dentro docurrículo escolar, o valor da arte como lin-guagem e conhecimento.

GRITTI, Neusa Haruka Sezaki. Traduçãoinglês/português : variáveis do textoe do universitário. Campinas, 1998.149 f. Dissertação (Mestrado em Psi-cologia Escolar) – Pontifícia Universi-dade Católica de Campinas.

Orientadora: Geraldina Porto Witter

A habilidade de saber confrontar duaslínguas diferentes, conhecer a cultura de-las, ler e compreender, e sabê-la escreversão fatores elementares para uma boa tra-dução, como também para um bom de-sempenho profissional. É isto que a pes-quisa tentou provar verificando o nível decompreensão em inglês e a tradução detextos para o português e suas relaçõescom a vivência dessa língua.

KLINKE, Karina. Meninas em estado de sí-tio. Belo Horizonte, 1998. 125 f. Dis-sertação (Mestrado em Educação) –Faculdade de Educação, Universida-de Federal de Minas Gerais.

Orientadora: Eliane Marta TeixeiraLopes

Busca compreender as representa-ções de menina no livro Reinações deNarizinho de Monteiro Lobato, compêndiodas histórias produzidas para crianças nadécada de 1920, um dos períodos áureos

de discussão do papel social feminino nasociedade brasileira. A literatura lobatianaé contraposta aos artigos da Revista Femi-nina com intuito de compreender como asvozes de outros intelectuais dos tempos deLobato representaram as meninas para opúblico adulto. A diversidade e as ambi-güidades de ser/estar menina são marcasde Lobato, mesmo que a sociedade tentediferenciar o ser masculino do feminino.

LEMOS, Maria Beatriz Miranda. Manifesta-ções de resistência em oficinas defanfarra e percussão. Brasília, 1998. 97f. + anexos. Dissertação (Mestrado emEducação) – Faculdade de Educação,Universidade de Brasília.

Orientadora: Irene Tourinho

Estudo de caso que analisa a resistên-cia na escola. Teve como centro as práti-cas musicais das oficinas de Fanfarra ePercussão de uma escola de Brasília. Am-bigüidade, negligência e negociação sãotrês características dessa resistência; bemtrabalhadas pelos alunos e professorespodem contribuir para superar positiva-mente o conflito e tornar a relação educati-va mais produtiva.

LEMOS, Marlene Emília Pinheiro de. For-mação do pedagogo : da realidade àreconstrução. Brasília, 1998. 143 f. il.Dissertação (Mestrado em Educação)– Faculdade de Educação, Universi-dade de Brasília.

Orientadora: Ilma Passos AlencastroVeiga

Estuda a proposta de formação de pro-fissionais de educação apresentada pelocurso de Pedagogia do Complexo Educa-cional do Distrito Federal, a partir de umaanálise da estrutura organizacional ecurricular e das contribuições dos que par-ticiparam da pesquisa. Na fundamentaçãoteórica, aborda a questão, quer sobre oaspecto da doutrina neoliberal quer nasinovações da Lei de Diretrizes e Bases daEducação Nacional nº 9.394/96. A partirdessa análise, evidencia que formaçãodesses profissionais deve estar baseadanum projeto político-pedagógico crítico ecriativo, em que formandos e formadoresse engajem plenamente como agente de

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178 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 174-184, jan./abr. 1999.

uma nova educação: uma educação críti-ca e libertadora.

LIMA, Maria Auxiliadora da Cruz. Pensa-mento crítico : um enfoque na educa-ção de enfermagem. Ribeirão Preto,1998. 112 f. Dissertação (Mestrado) –Escola de Enfermagem de RibeirãoPreto, Universidade de São Paulo.

Orientadora: Silvia Helena de BortoliCassiani

Pesquisa bibliográfica que visa respon-der ao questionamento da melhoria do en-sino de enfermagem, com a finalidade deformar um profissional mais crítico e com-petente. Após delinear um estado de artesobre o tema em questão, propõe estraté-gias pedagógicas que desenvolvam nosalunos do curso de graduação o pensa-mento crítico, ponto de partida para umamudança no paradigma do processo deensino-aprendizagem da enfermagem.

MAIA, Lerson Fernando dos Santos Maia.O escrito, o dito e o planejado : a rela-ção da produção acadêmica sobre aEducação Física Escolar e a elabora-ção dos planos de ensino. Piracicaba,1998. 179 f. Dissertação (Mestrado emEducação) – Programa de Pós-Gradu-ação em Educação, UniversidadeMetodista de Piracicaba.

Orientador: Wagner Wey Moreira

Mostra que: 1) os planos de ensino ela-borados nas escolas técnicas federais dascapitais nordestinas apresentam um imen-so fosso com a produção acadêmica so-bre a Educação Física Escolar construídano Brasil a partir dos anos 80; 2) esses pla-nos são elaborados como um meio pura-mente burocrático, descontextualizado dosencaminhamentos propostos pela Didáti-ca; 3) o modelo esporte-rendimento e a ap-tidão física continuam sendo aspectos do-minantes na prática pedagógica. Sugere anecessidade de se repensar a práticaeducativa da Educação Física Escolar.

MALOZZE, Gertrudes Lydia Moretti. Produ-ção científica em dois periódicos bra-sileiros de educação (1992-1996).Campinas, 1998. 172 f. Dissertação

(Mestrado) – Departamento de Pós-Graduação em Psicologia Escolar,Pontifícia Universidade Católica deCampinas.

Orientadora: Geraldina Porto Witter

Analisa a evolução do conhecimentocientífico produzido na área de Educaçãopelos dois periódicos: Revista da Educa-ção da USP e Revista da Educação daPUC-RS, no período de 1992 a 1996. Fo-ram encontrados 173 artigos significativos.A REUSP focaliza predominantemente as-pectos qualitativos de realidade educaci-onal e a REPUCRS, aspectos teóricos daeducação. Em ambos, as referências bi-bliográficas são obsoletas (67,47%).

MIRANDA, Maria Inês Ferreira de. Progra-ma de assistência integral à saúde doescolar – leitura de uma prática : Por-to Velho-RO. Ribeirão Preto, 1998.149 f. il. Dissertação (Mestrado emSaúde Pública) – Escola de Enferma-gem de Ribeirão Preto, Universidadede São Paulo.

Orientadora: Maria das Graças Bonfimde Carvalho

Analisa a prática do Programa de As-sistência Integral à Saúde do Escolar(Praise) em Porto Velho-RO, baseando-senas percepções dos atores sociais envol-vidos e nas intenções das políticas públi-cas dos setores educação e saúde. O es-tudo qualitativo utilizou entrevistas, docu-mentos e observação participante, atravésda técnica de análise temática. Foramidentificados, dessa forma, três núcleos:Complementaridade de saúde e da edu-cação, organizações de serviços nessasduas áreas, a prática do Praise. As refle-xões levaram à conclusão que é necessá-rio pedagogizar a saúde e medicalizar ehigienizar a educação, para obter resulta-dos mais eficazes.

MIRANDA, Shirley Aparecida de. O movi-mento de constituição da rede munici-pal de ensino de Belo Horizonte (1897-1992) : progressivo avanço do direitoà educação. Belo Horizonte, 1998. 140f. Dissertação (Mestrado em Educação)– Faculdade de Educação, Universida-de Federal de Minas Gerais.

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179R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 174-184, jan./abr. 1999.

Orientador: Carlos Roberto Jamil Cury

Apresenta um estudo histórico-críticodas políticas educacionais que garantiramo direito à educação em Belo Horizonte.Para tanto, analisa os documentos (legis-lação e relatório) relativos ao sistema mu-nicipal de ensino desde sua origem (1897-1992) e a ação do poder público no cam-po da educação. Três elementos se arti-culam em sua história: o contexto políticosocial, a competência atribuída ao muni-cípio na garantia de educação, a funçãosocial conferida à educação escolar.

NASSRI, Maria Pia Giazzi. Universidade :o estágio e a formação de professo-res. Campinas, 1998. 147 f. Disserta-ção (Mestrado em Psicologia) – Pro-grama de Pós-Graduação em Psico-logia, Pontifícia Universidade Católi-ca de Campinas.

Orientadora: Geraldina Porto Witter

Focaliza a problemática do desenvol-vimento do estágio nos cursos para a for-mação de professores e objetiva identifi-car as condições em que o estágio se re-aliza. Na análise dos dados levantados,foram estudadas a estrutura organizacio-nal do estágio, a avaliação e a auto-avali-ação dos alunos e supervisores. Os resul-tados mais significativos foram: existe umagrave dissociação entre teoria e prática naformação de professores; o estágio devepermitir o conhecimento da realidade, en-sejar atividades inovadoras e incluir atéprojetos de pesquisa.

OHIRA, Maria Lourdes Blatt. Produção téc-nico-científica dos docentes da Faed/Udesc (1992/1996) : avaliação insti-tucional. Campinas, 1998. 162 f. Dis-sertação (Mestrado em Bibliotecono-mia) – Programa de Pós-Graduaçãoem Educação, Pontifícia Universida-de Católica de Campinas.

Orientadora: Geraldina Porto Witter

Analisa a produção técnico-científicados docentes do Centro de Ciências daEducação da Universidade do Estado deSanta Catarina. A análise dos dados ratifi-cou o comportamento das leis bibliométri-cas, segundo as quais poucos autores pro-duzem muito, e muitos produzem pouco.

A identificação da elite dos autores maisprodutivos se deu pela contagem dos do-cumentos (dez ou mais) cadastrados nabase de dados da referida Instituição. A fimde atribuir um caráter qualitativo à análise,foi utilizada a Resolução nº 22/94 do Con-sepe/Udesc, para pontuar os diversos ti-pos de publicações e que deu prova deeficiência e adequação institucional, per-mitindo que comparações referentes à pro-dução acadêmica possam ser feitas entreinstituições de ensino nacionais e estran-geiras de diferentes natureza.

ORTEGA, Lenise Maria Ribeiro. Modifica-bilidade cognitiva de crianças com pri-vação cultural : originalidade e signifi-cado da teoria de Reuven Feuerstein.Campinas, 1998. 85 f. il. + anexos. Dis-sertação (Mestrado em Educação) –Faculdade de Educação, Pontifícia Uni-versidade Católica de Campinas.

Orientador: Augusto João CremaNovaski

A pesquisa centra-se na teoria da mo-dificabilidade cognitivo-estrutural de Ru-ven Feurdtein e na Aplicação do seu Pro-grama de Enriquecimento Instrumental(PEI) para o desenvolvimento do potenci-al de aprendizagem nos alunos com bai-xo funcionamento cognitivo. Verifica, apósa aplicação do PEI, a ocorrência da modi-ficabilidade de articulação com as práti-cas pedagógicas atuais. Os resultadosapontaram 77% de melhoria nas funçõescognitivas e sugerem sua aplicação naprática educacional.

PEREIRA, Marcelo Ricardo. O avesso domodelo : bons professores à luz dapsicanálise. Belo Horizonte, 1998. 141f. Dissertação (Mestrado em Educa-ção) – Faculdade de Educação, Uni-versidade Federal de Minas Gerais.

Orientadora: Eliane Marta S. TeixeiraLopes

Analisa os fatores que levam um su-jeito a ser um bom professor e a ter umaboa prática pedagógica. O estudo teóricoe a análise dos depoimentos de vários do-centes levam a concluir que, enquanto odiscurso pedagógico se baseia em mo-delos racionais e científicos, a prática

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180 R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 174-184, jan./abr. 1999.

pedagógica com suas relações é influen-ciada por um referencial psicanalítico: o in-consciente e o desejo que estão no âma-go da educação.

RODRIGUES, Márcia Maria. Perspectivasociohistórica do jogo do desenvolvi-mento psicomotor na pré-escola. Vitó-ria, 1998. 2 v. Dissertação (Mestradoem Educação) – Centro Pedagógico,Universidade Federal do Espírito Santo.

Orientadora: Janete Magalhães Carvalho

Analisa a aplicabilidade dos pressu-postos teóricos de Vygotsky sobre o jogoe o brinquedo nas aulas de educação in-fantil como promotores do desenvolvimen-to psicomotor. Reafirmando a relevânciados jogos como alavanca para o desen-volvimento infantil, pretende contribuir paraa compreensão das causas do insucessoescolar e para o estabelecimento de corre-lação entre deficiências motoras e dificul-dades de aprendizagem.

RODRIGUES, Maria Cristina Soares. Licen-ciados em enfermagem na Universida-de de Brasília : um estudo relacionalentre formação e atuação na educa-ção profissional no Distrito Federal.Brasília, 1998. 126 f. Dissertação(Mestrado em Educação) – Pró-Reito-ria de Pós-Graduação e Pesquisa,Universidade Católica de Brasília.

Orientador: Candido Alberto da CostaGomes

Analisa as relações entre formação deenfermeiros no curso de Licenciatura emEnfermagem da Universidade de Brasília ea atuação em educação profissional noDistrito Federal. A abordagem teórica fun-damentou-se nas origens da formação doenfermeiro no Brasil e no nexo coesivo en-tre formação de educadores, perspectivasem currículos e o mundo de trabalho. Osresultados obtidos evidenciaram, segundoa percepção dos sujeitos pesquisados, al-guns vieses na formação recebida. A práti-ca profissional no ensino encontrava-se vin-culada ao processo formativo, não haven-do consonância entre o que foi aprendidoe o que é vivenciado. Sugere ampla dis-cussão sobre diretrizes curriculares para areestruturação do curso de licenciatura, e

reafirma a necessária valorização docen-te, nos aspectos social, econômico e pormeio da educação continuada, como con-dicionantes para uma melhor atuação esatisfação pessoal.

SALVIATI, Mauro. Relação corpo - mente :reflexões sobre o saber e o conhe-cer. Campinas, 1998. 182 f. Disserta-ção (Mestrado em Psicologia Clínica)– Departamento de Pós-Graduaçãoem Psicologia, Pontifícia Universida-de Católica de Campinas.

Orientadora: Regina M. L. L. Carvalho

Investiga a relação corpo-mente,enfocando sua importância no contexto dodesenvolvimento natural do ser humano.A partir das referências bibliográficas ini-ciais, foram delimitados quatro temasconceituais básicos da teoria psicanalíti-ca, a saber: filogênese, instinto, impulsoepistemórfico e pré-concepção, sobre osquais se realizou um levantamento dosaspectos teóricos mais relevantes, nasobras de Freud, Klein e Bion. Procurouenfatizar a relação corpo-mente, aproxi-mando "corpo" da noção de um "saber"geral e indiferenciado e mente de uma no-ção de um conhecimento" especializadopela experiência.

SANTORO, Mirtes Maria Trigueiro. Siste-ma Nacional de Avaliação da Educa-ção Básica – Projeto Saeb : articula-ções entre políticas públicas em ní-vel nacional 1988-1998. Brasília,1998. 250 p. il. Dissertação (Mestradoem Educação) – Universidade Cató-lica de Brasília.

Orientadora: Stella dos CherubinsGuimarães Trois

Analisa as articulações entre o Siste-ma de Avaliação da Educação Básica(Saeb), desenvolvido pelo Inep, e as polí-ticas públicas em educação de âmbito fe-deral entre 1988/1998. Os dados dos re-latórios do Saeb foram confrontados comas políticas públicas para o Ensino Fun-damental observadas no Plano Decenal deEducação (1993), de Diretrizes e Bases daEducação Nacional (1996) e no PlanoNacional de Educação (1998). Foram en-trevistados também representantes do

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poder executivo e do poder legislativo.Verificou-se que existe uma certa articula-ção interna no poder executivo, mas faltaarticulação entre este e o legislativo, o quedificulta a implementação dessas políticase a participação da sociedade.

SANTOS, Francisco Roberto Ferreira dos.O impacto das novas tecnologias naeducação : o caso das redes eletrô-nicas (Internet, Teleconferência eMultimídia) no ensino superior priva-do do Distrito Federal. Brasília, 1998.141 f. Dissertação (Mestrado em Edu-cação) – Universidade Católica deBrasília.

Orientadora: Eliana Lutzgarda Colla-bina Ramirez Abrahão

Estudo exploratório que analisa as re-ações dos professores de informática dasinstituições privadas de ensino superior doDistrito Federal, perante o processo deintrodução de novas tecnologias (Internet,Teleconferência e Multimídia) na educa-ção. A abordagem teórica e os estudosdos dados coletados revelaram que osmencionados professores têm boa basecognitiva e atitudes favoráveis para a in-trodução dessas novas tecnologias e paraa superação do impacto sociocultural queessas tecnologias podem provocar.

SILVA, Lázara Cristina da. Participação esucesso escolar : construções cotidi-anas. Brasília, 1998. 137 f. + anexos.Dissertação (Mestrado em Educação)– Faculdade de Educação, Universi-dade de Brasília.

Orientador: Genuíno Bordignon

Estudo de caso que visa identificar eanalisar as concepções de participação ede sucesso escolar, tanto para a escolacomo para a sua comunidade. Foram ana-lisados comportamentos e depoimentos echegou-se à seguinte conclusão: a partici-pação escolar é uma participação tutelada,simbólica, subseqüente, a serviço da or-dem, portanto, da política. O sucesso esco-lar consiste essencialmente no resultado"aprovação" escolar, necessário para entrarno mercado de trabalho. A participaçãodemocrática e criativa e o sucesso comodesenvolvimento integral do aluno aindaestão em nível de ensino e não de práxis.

SILVA, Márcio Antônio. Fui dormir "tradici-onal" e acordei "construtivista". Cam-pinas, 1998. 84 p. Dissertação (Mes-trado em Educação) – Pontifícia Uni-versidade Católica de Campinas.

Orientador: Augusto João CremaNovaski

Estudo de caso que analisa o conflitoe a resistência vivenciados pelos profes-sores de 1ª a 4ª série da rede municipal deensino de Pirapora-MG, ocasionados pelaimplantação de uma proposta pedagógi-ca de trabalho numa perspectiva constru-tivista, imposta pelos dirigentes da Secre-taria Municipal de Ensino. Os resultados daanálise dos depoimentos revelam que osprofessores não interiorizaram a inovação,tentaram obedecer às orientações constru-tivistas, mas continuaram tradicionais ouadotaram o sincretismo pedagógico.

SILVA, Maria do Pilar Cunha e. Os modosde compreensão e a leitura na escola.Campinas, 1998. 135 f. Dissertação(Mestrado em Educação) – Faculda-de de Educação, Universidade Esta-dual de Campinas.

Orientadora: Ana Luíza BustamanteSmolka

Trata dos modos de compreensão dosalunos em atividade de leitura na escola.Sob a perspectiva interacionista da lingua-gem, enfocada por Vygotsky e Bakhtin,apresenta algumas reflexões a respeito dosmodos de compreensão demonstradospelos alunos em situação de leitura de tex-tos narrativos. O trabalho empírico foi reali-zado em uma 3ª série do 1º grau de umaescola da rede pública de ensino. A análi-se mostra como a compreensão de leituraem crianças já alfabetizadas não parte sim-plesmente do reconhecimento das carac-terísticas internas do texto e das palavras,mas aponta para um movimento interno/pessoal articulado com outros contextos evivências particulares do leitor. Os relatosorais, a escrita de novos textos e os dese-nhos aparecem como recursos significati-vos utilizados pelos alunos para a compre-ensão da leitura.

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SILVA, Tania Mara Tavares da. O caminhoda formatura : sonhos e desencantosno terceiro grau noturno. Campinas,1998. 137 f. il. + anexos. Dissertação(Mestrado em Educação) – Programade Pós-Graduação em Educação,Pontifícia Universidade Católica deCampinas.

Orientadora: Olinda Maria Noronha

Analisa o estudante noturno do ensi-no superior, seu perfil e suas aspirações.Fundamenta-se na Antropologia social enos fatores que provocam transformaçõessociais. A análise das observações leva aconcluir que a perspectiva do estudantenoturno transcende a preocupação eco-nômica e trabalhista; que o estudante comdificuldades se forma numa visão críticado mundo e do conhecimento que lhesdê unidade e sentido; que sente grande adistância entre a teoria e a prática.

SILVEIRA, Maria Lúcia Bastos Reis da. Oolhar do ensino superior para a dan-ça do fazer-se e ser professor de edu-cação infantil. Campinas, 1998. 117f. + anexo. Dissertação (Mestrado emEducação) – Faculdade de Educa-ção, Pontifícia Universidade Católicade Campinas.

Orientadora: Maria Regina Lemes deSordi

Mostra o processo de transformaçãovivido por um grupo de professoras atu-antes em uma escola de educação infan-til, com base em uma proposta de inter-venção pedagógica pautada nos princípi-os da participação democrática e da re-flexão sobre a ação visando à construçãode um projeto voltado à formação da ci-dadania das crianças. Reflete ainda sobreo papel da universidade na formação deprofessores de educação infantil. Concluique o processo de transformação e o deformação do professor não dependemapenas de investimentos teóricos, mas demúltiplas relações vividas no espaço so-cial e cultural que compõe a história devida pessoal e afeta o seu saber ser e sa-ber fazer profissional.

SOUZA, Alberto Cláudio Cirino de. Meni-nos de rua ou rua de meninos? Pira-cicaba, 1998. 192 p. Dissertação(Mestrado em Educação) – Progra-ma de Pós-Graduação em Educação,Universidade Metodista de Piracicaba.

Orientador: José Maria de Paiva

Visa contribuir para o entendimentoda representação da rua na vida das cri-anças e dos adolescentes que nela seencontram, buscando desvendar algu-mas formas pelas quais os meninos e asmeninas de rua acabam se apropriandodo espaço público da rua. Analisa as cau-sas que os levam para a rua, a vida queeles têm, como e quantos conseguem so-breviver. Conclui que o mundo da rua écheio de ambigüidades e contradições,estabelecendo alguns contrapontos so-bre as formas de utilização desse espa-ço pelos meninos de rua, de um lado e,do outro, pelos demais personagens quenela circulam.

SOUZA, Ana Maria Teixeira de. SistemaSalesiano de Educação em Escola(SSEE) : uma proposta de gestão ino-vadora através da Ação Participativa.Brasília, 1998. 191 f. il. Dissertação(Mestrado em Educação) – Universi-dade Católica de Brasília.

Orientadora: Clélia de Freitas Capa-nema

Analisa a implantação do SistemaSalesiano de Educação em Escola (SSEE)em Brasília, no período de 1993 a 1996.Trata-se de uma proposta inovadora daescola, que tem como referencial unifica-dor o Sistema Preventivo de Dom Bosco.A nova visão de administração escolarenfoca o gerenciamento da ação comuni-tária, a racionalização e produtividade dosistema, centrando-se na criatividade daspessoas, na humanização das relações eem sua comunicação. A melhoria da qua-lidade da educação prova a eficiência dosistema.

TONUS, Mirna. Imagem e informação :uso e desafios da linguagem jorna-lística na TV Educativa. Piracicaba,1998. 80 f. il. Dissertação (Mestrado

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em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universi-dade Metodista de Piracicaba.

Orientador: Hugo Assmann

Procura mostrar o cruzamento de lin-guagens na TV educativa, abordando asquestões da imagem e da informação. Édado especial destaque ao jornalismocomo linguagem pedagógica. O estudo daimagem serve de subsídio para entenderos mecanismos pelos quais o conheci-mento é transmitido ao público. São apre-sentados estudos de caso de dois canaistransmitidos via cabo e/ou via satélite – TVSenac e Futura. O emprego do jornalis-mo, unindo imagem e informação, nos pro-gramas destes canais justifica tal recorte.

VERONEZ, Luiz Fernando Camargo. Olazer como uma dimensão da forma-ção/educação sindical dos trabalha-dores das indústrias e cooperativas daalimentação de Pelotas. Piracicaba,1998. 215 p. Dissertação (Mestradoem Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universi-dade Metodista de Piracicaba.

Orientador: Ademir Gebara

Estudo de caso que visa elaborar umaproposta de ação sindical no contexto davida cotidiana dos trabalhadores, especi-almente na esfera das práticas e relaçõessociais mediadas pelo lazer. Foi constata-do, de fato, que essas ações sociais e re-creativas equilibram as tensões da lutaentre as classes patronais e trabalhado-res. A análise do caso em estudo confir-mou a hipótese de que o lazer constituium veículo importante e eficiente de for-mação e educação dos trabalhadores. Defato, a implantação da política de lazer nosindicato aumentou a solidariedade entreos trabalhadores e a participação nas ati-vidades sindicais e os conscientizou so-bre o valor do lazer para melhorar as qua-lidades de vida individual e social.

VICENTIN, Luciana de Angelis. Formaçãocontinuada em educação ambiental : umestudo de caso com formadoras de pro-fessores. Piracicaba, 1998. 104 p. Dis-sertação (Mestrado em Educação) –Universidade Metodista de Piracicaba.

Orientadora: Roseli Pacheco Schnetzler

Estudo de caso sobre formação conti-nuada de professores em Educação Ambi-ental. A partir dos Parâmetros CurricularesNacionais e dentro do próprio contexto es-colar, o pesquisador e seis professoras docurso de Magistério tentaram definir o con-ceito de educação ambiental e elaborar umprograma de formação continuada paraprofessores.

VIEIRA, Carlos Henrique. Nas sendas damodernidade : educação, moderniza-ção e comunidades autóctones na his-tória do Espírito Santo. Vitória, 1998.103 f. Dissertação (Mestrado em Edu-cação) – Universidade Federal do Es-pírito Santo.

Orientador: João Eudes Rodrigues Pi-nheiro

Analisa a instauração do mundo mo-derno no Estado do Espírito Santo e suasrelações e reflexos com as comunidadesindígenas da região e sua educação. Essamodernização colocou em confronto osextremos: a aldeia e o globo. Ora, comoestabelecer um diálogo das comunidadesindígenas com o moderno sem aliená-los?Colocando o humano e não o técnico comocentro das preocupações e isto a partir daeducação indígena e do respeito ao meioambiente.

WOLF, Lilian Alford. Televisão e criança :estudos realizados no Brasil desde1980 até 1997. São Paulo, 1998. 165f. Dissertação (Mestrado em Ciênciasda Comunicação) – Escola de Comu-nicações e Artes, Universidade de SãoPaulo.

Orientadora: Elza Dias Pacheco

Realiza um levantamento documentaldos diversos estudos realizados no Brasilsobre a relação Televisão e Criança, des-de a década de 80 até 1997. Partindo deuma análise descritiva dos documentos le-vantados, pretende dar a conhecer: o quese tem estudado sobre a relação Televi-são e Criança, quem realizou tais pesqui-sas, qual a importância de cada uma, quaissão os referenciais teóricos que as susten-tam, como estas foram realizadas, quaisos resultados e conclusões obtidos e onde

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podem ser localizadas. Após a apresen-tação do levantamento dos 40 documen-tos estudados, é realizada uma análisedas principais tendências das pesquisasquanto aos tipos de documentos, áreasde estudo, abordagem do problema, re-levância dos estudos, procedimentosmetodológicos, referencial teórico e prin-cipais conclusões obtidas.

XAVIER, Maria do Carmo. O ensino de his-tória : as experiências de mudança emescolas da rede municipal de educa-ção de Belo Horizonte, nas Regiões

do Barreiro e de Venda Nova. BeloHorizonte, 1998. 180 f. Dissertação(Mestrado em Educação) – Faculda-de de Educação, Universidade Fede-ral de Minas Gerais.

Orientador: Carlos Roberto Jamil Cury

Pesquisa de cunho etnográfico queanalisa duas experiências de mudança noensino de História. Os depoimentos levan-tados permitem dar visibilidade à dimen-são cultural que envolve as experiênciasinvestigadas e que perpassando o ensinode História permeia a ação pedagógica daescola.

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Lançamentos editoriaisem educação*

Aprender Ciências : um mundo de materi-ais (v. I e II)Maria Emília Caixeta de Castro LimaOrlando Gomes de Aguiar JúniorSelma Ambrosina de Moura BragaUniversidade Federal de Minas Gerais(UFMG)v. I, 88 p., 1999v. II, 78 p., 1999

A comunicação oral e sua didáticaMaria Victoria ReyzábalTradução: Waldo MermelsteinUniversidade do Sagrado Coração(Edusc)355 p., 1999

Dos sistemas de numeração às operaçõesbásicas com números naturaisMéricles Thadeu MorettiUniversidade Federal de Santa Catarina(UFSC)90 p., 1999

Ensino do Português e interatividadeMarcos Gustavo RichterUniversidade Federal de Santa Maria(UFSM)136 p., 2000

O estudo dos vertebrados na Escola Fun-damentalMaria Lúcia Castagna WortmannNádia Geisa Silveira de SouzaEunice Aita Isaia KindelUniversidade do Vale do Rio dos Sinos(Unisinos)132 p., 1999 (1ª reimp.)

Formação continuada de professores enovas tecnologiasLuís Paulo Leopoldo Mercado

Universidade Federal de Alagoas (Edufal)176 p., 1999

Geometria de 1ª a 4ª série uma brinca-deira séria : metodologia do ensino degeometriaCarmen Cecília SchmitzElsa Alice LedurMiriam de Nadal MilaniUniversidade do Vale do Rio dos Sinos(Unisinos)78 p., 1999 (2. ed.)

Glossário de ecologia e ciências ambientaisBreno Machado GrisiUniversidade Federal da Paraíba (UFPB)200 p., 2000

Instrução pública no Brasil (1500 - 1889) :história e legislaçãoJosé Ricardo Pires de AlmeidaTradução: Antônio ChizzottiPontifícia Universidade Católica de SãoPaulo (PUC-SP)334 p., 2000 (2. ed.)

MatematicativaRogéria Gaudêncio do RêgoRômulo Marinho do RêgoUniversidade Federal da Paraíba (UFPB)196 p., 2000 (2. ed.)

Medição do autoconceitoAurélio Villa SánchezElena Auzmendi EscribanoTradução: Cristina MurachcoUniversidade do Sagrado Coração (Edusc)191 p., 1999

Metodologia da problematização : funda-mentos e aplicaçõesNeusi Aparecida Navas Berbel

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 185-186, jan./abr. 1999.

* Serão divulgados os lança-mentos editoriais seleciona-dos a partir dos catálogosrecebidos pelo Cibec. As edi-toras interessadas poderão en-viar seu material promocional.

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Universidade Estadual de Londrina (UEL)198 p., 1999

A metodologia da problematização aplica-da em curso de educação continuada e adistânciaNeusi Aparecida Navas BerbelMaria Júlia GiannasiUniversidade Estadual de Londrina (UEL)166 p., 1999

A prática pedagógica dos alfabetizadoresde jovens e adultos : contribuições deFreire, Ferreiro e VygotskyTania Maria de Melo Moura

Universidade Federal de Alagoas (Edufal)229 p., 1999

Professor e pesquisador : exemplificaçãoapoiada na MatemáticaJosé Valdir FlorianiUniversidade Regional de Blumenau(Furb)144 p., 2000 (2. ed.)

Universidade do Brasil (v. I e II)Maria de Lourdes de Albuquerque FáveroUniversidade Federal do Rio de Janeiro(UFRJ)v. I, 184 p., 2000v. II, 225 p., 2000

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 185-186, jan./abr. 1999.

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RBEPInstruções aoscolaboradores

Criada em 1944, a Revista Brasileirade Estudos Pedagógicos (RBEP) tem pe-riodicidade quadrimestral. Publica artigosde natureza técnico-científica, resultantesde estudos e pesquisas que contribuampara o desenvolvimento do conhecimen-to educacional e que possam oferecersubsídios às decisões políticas na área.Seu público leitor é formado por profes-sores, pesquisadores e alunos de gradu-ação e pós-graduação, técnicos e gestoresda área de educação.

A RBEP compõe-se das seguintesseções:

"Estudos" – publica artigos inéditos,resultantes de estudos, pesquisas, deba-tes e experiências relacionadas à educa-ção e áreas afins.

"Segunda Edição" – reedita trabalhosrelevantes, que se caracterizem como fun-damentais à compreensão da evoluçãohistórica da educação.

"Avaliação" e "Estatística" – publicamartigos de caráter técnico sobre temas li-gados às áreas de atuação do Inep, e têmcomo objetivo subsidiar a formulação e oprocesso decisório das políticas do setor.

"Cibec" – publica informes sobre asbases de dados e atividades do Centro deInformações e Biblioteca em Educação(Cibec). Publica também notas sobre lan-çamentos editoriais e resumos das tesesrecebidas pelo Centro, que tratem de te-mas educacionais.

A RBEP mantém ainda o Projeto Ilus-tração, que tem como objetivo possibilitara participação de alunos das Faculdadese Escolas de Belas-Artes e Design Gráfico(Programação Visual), através da elabo-ração de ilustrações para seus artigos.

Na RBEP, o espaço está aberto paracolaborações que incluam: indicaçõespara reedição de textos fundamentais e su-gestões de temas para serem debatidos

na revista, com abertura para réplicas e tréplicas,dependendo do interesse despertado.

NORMAS EDITORIAIS

Os artigos encaminhados à RBEP sãosubmetidos à aprovação de especialistasreconhecidos nos temas abordados. Deacordo com o pareceres emitidos, o arti-go será programado para publicação oudevolvido ao autor, para reformulação eposterior envio, quando será novamenteavaliado.

Aprovado o artigo, seu autor deveráencaminhar ao Inep uma declaração decessão dos direitos autorais e autorizaçãopara publicação.

A publicação de qualquer matériaestá subordinada à prévia aprovação doInep e ao atendimento das condições es-pecificadas nas Normas para Apresenta-ção de Originais, que se encontram napágina seguinte.

O setor de revisão reserva-se o direitode efetuar alterações nos originais, respei-tados o estilo e as opiniões dos autores,com vistas a manter a homogeneidade e aqualidade da revista.

Os autores receberão 5 exemplarespelo trabalho publicado na revista.

As colaborações deverão ser enviadaspara o seguinte endereço:

MEC/Inep – Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educacionais

Coordenação-Geral de Difusão de In-formações Educacionais

Esplanada dos Ministérios, Bloco L,Anexo I, Sala 416

CEP 70047-900 – Brasília-DF – BrasilFones: (61) 224-7092 e (61) 321-7376Fax: (61) 224-4167E-mail: [email protected] [email protected]

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 187-189, jan./abr. 1999.

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NORMAS PARA APRESENTAÇÃODE ORIGINAIS

Com vistas a facilitar o tratamento e adisseminação dos trabalhos enviados parapublicação nos periódicos do Inep, apre-sentamos algumas normas técnicas parao estabelecimento de padrões de estilo eapresentação dos textos.

Meios

Os originais deverão ser encaminhadosem papel (3 cópias) e em disquete (arquivoformato Word), digitados em espaço 2, com30 linhas por lauda e extensão máxima de20 laudas, ou mediante correio eletrônico.

Ilustrações (fotos, desenhos, gráficos,quadros, tabelas, mapas) poderão ser en-viados em papel, desde que possuam niti-dez, ou em meio magnético com, no míni-mo, 200 dpi de resolução (não serão acei-tas cópias xerox ou fax).

Título

O título do artigo deve ser breve, es-pecífico e descritivo, contendo as palavrasrepresentativas do seu conteúdo.

Resumos

Os artigos enviados para a RBEP de-verão ser acompanhados, obrigatoriamen-te, de resumos informativos em portuguêse inglês, com 10 linhas no máximo cada um,nos quais sejam apresentados, de formaconcisa, os pontos relevantes do texto:objetivo, método, resultados e conclusões,e também de um resumo analítico, emportuguês, cujas instruções se encontramnesta Revista, para fins de disseminação naBibliografia Brasileira de Educação (BBE) ena Rede Latino-Americana de Informação eDocumentação em Educação (Reduc).

Palavras-chave

Os artigos enviados à RBEP devemconter palavras-chave, referentes ao seuconteúdo, escolhidas em vocabulário livreou controlado.

Citações

As citações devem ser acompanha-das por uma chamada para o autor, como ano e o número da página. A referênciabibliográfica da fonte da citação virá emlista única ao final do artigo. A exatidão ea adequação das citações e referências atrabalhos consultados e mencionados notexto são de responsabilidade do autor.

Notas

As notas de rodapé devem ser evita-das. Quando necessárias, que tenham afinalidade de: indicações bibliográficas;observações complementares; realizar re-missões internas e externas; introduziruma citação de reforço e fornecer a tradu-ção de um texto. As indicações das fon-tes deverão ser feitas nos textos.

Referências bibliográficas

As referências bibliográficas devemconstituir uma lista única no final do arti-go, em ordem alfabética por sobrenomede autor; devem ser completas e elabora-das de acordo com as normas da Associ-ação Brasileira de Normas Técnicas(ABNT) – NBR 6.023.

l Monografias: autor; título em itálico;edição; imprenta (local, editor e ano depublicação); descrição física (número depáginas ou volumes); série ou coleção.Exemplo:

FLORIANI, José Valdir. Professor e pesqui-sador : exemplificação apoiada naMatemática. 2. ed. Blumenau : FURB,2000. 142 p. (Programa Publicaçõesde Apoio à Formação Inicial e Conti-nuada de Professores).

l Artigos em periódicos: autor; título;nome do periódico em itálico; local ondefoi publicado; nº do volume; nº do fascí-culo; páginas inicial e final do artigo; mês;ano. Exemplo:

GOROVITZ, Matheus. Da educação dojuízo de gosto. Revista Brasileira deEstudos Pedagógicos, Brasília, v. 79,n. 193, p. 86-94, set./dez. 1998.

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Ilustrações

As ilustrações devem vir acompanha-das das fontes e de título que permita com-preender o significado dos dados reuni-dos. Quadros, tabelas e gráficos devemobedecer às normas de apresentação ta-bular do IBGE.

Siglas

As siglas devem vir acompanhadas donome por extenso.

Destaques

O uso de negrito deve ficar restrito aostítulos e intertítulos; o de itálico, apenaspara destacar conceitos ou grifar palavrasem língua estrangeira.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 187-189, jan./abr. 1999.

Reedição

Textos para reedição deverão ser apre-sentados na forma originalmente publica-da, de modo a assegurar a indicação dafonte primitiva. No caso de tradução, ane-xar cópia da folha de rosto da publicaçãooriginal.

Currículo

Devem constar do trabalho informa-ções quanto à titulação acadêmica do au-tor e respectiva instituição; atividades quedesempenha; instituição a que está vincu-lado; endereços residencial, profissional eeletrônico completos.

Somente serão aceitos os trabalhosque preencherem as condições acima.

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reducInstruções paraa elaboração deresumos

O Centro de Investigação e Desenvol-vimento da Educação (Cide) iniciou, em1972, a edição dos Resumos Analíticos emEducação (RAE), que é, atualmente, um dosprodutos da Red Latinoamericana deInformación y Documentación en Educación(Reduc). Os resumos têm por finalidade tor-nar acessível aos usuários da rede os do-cumentos que se referem à educação lati-no-americana. Para atingir essa finalidade,os RAEs são cuidadosamente preparadosde acordo com regras e técnicas que per-mitem apresentar ao usuário um nível deleitura do documento, que, em alguns ca-sos, atende a suas necessidades de infor-mação, sem recorrer ao documento comoum todo.

Estas orientações têm como objeti-vo servir de guia para o preenchimentoda planilha de resumos Reduc/Brasil, queresultará na publicação de RAEs ou ou-tra, de acordo com a política editorialadotada.

Resumo

Descrição – Consta de duas partes: aprimeira indica o tipo de documento que

está sendo analisado (monografia, disser-tação, tese, livro, coletânea, capítulo delivro, artigo de periódico, relatório, traba-lho apresentado em conferência, númerode periódico, etc.); a segunda define osobjetivos e/ou as principais característicasdo documento. A descrição deve ter, nomáximo, 6 linhas (resumo informativo).

Metodologia – (somente quandohouver fato concreto) – Indicar as fontesde dados, descrever a abordagem teóri-ca e/ou metodológica empregada no tra-balho, colocando todas as informaçõespossíveis.

Conteúdo – Descrever as principaisidéias do trabalho e os resultados, quan-do houver. Deverá conter, no máximo, 400palavras.

Conclusão – Deverá aparecer quan-do constar do documento, ou, se for pos-sível, selecionar a(s) mais significativa(s)a partir do texto. Incluir aqui as recomen-dações, quando houver.

Referências Bibliográficas ou Fon-tes – Indicar a quantidade de referênci-as nacionais e internacionais. Caso a bi-bliografia apareça dispersa pelo texto,coloque: Inclui bibliografia.

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 190, jan./abr. 1999.

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Instruções aosilustradoresRBEP

A RBEP – Criada em 1944, tem perio-dicidade quadrimestral. Publica artigos re-sultantes de estudos, pesquisas, experi-ências e debates relacionados com a edu-cação e com áreas afins. Também reeditatrabalhos relevantes que se caracterizemcomo fundamentais à compreensão his-tórica da educação.

Conta, ainda, com duas seçõestemáticas que abrangem a área de atu-ação do Inep – estatística e avaliação,e com outra que trata dos produtosinformacionais da autarquia.

1. Objetivo – Possibilitar a participa-ção do corpo discente das Faculdadese Escolas de Belas-Artes e Design Gráfi-co (Programação Visual), no processode edição da RBEP, através da elabora-ção de ilustrações para seus artigos, deacordo com as normas estabelecidas aseguir.

2. Processo de Elaboração – Os arti-gos são encaminhados a uma única facul-dade ou escola, que se incumbe de orga-nizar, internamente, o processo de seleçãodos trabalhos que ilustrarão cada abertu-ra de artigo.

O processo é aberto a todas as Fa-culdades e Escolas de Belas-Artes eDesign Gráfico (Programação Visual) doPaís, públicas e privadas, que se compro-meterem a promover a elaboração dos tra-balhos, de acordo com as normas e osprazos estabelecidos.

3. Coordenação – Os trabalhos sãocoordenados pelo Inep em parceira coma Faculdade de Belas-Artes de São Paulo,que se responsabilizará pela sistemáticade contato, seleção e articulação das es-colas que participarão do projeto.

4. Especificações Técnicas – A revis-ta, no formato 20,5x28 cm, tem a capa im-pressa em cores e o miolo, em preto e bran-co. A capa será elaborada pela equipe de

R. bras. Est. pedag., Brasília, v. 80, n. 194, p. 191, jan./abr. 1999.

programação visual do Inep, responsávelpelo projeto gráfico da publicação.

As ilustrações serão utilizadas na aber-tura dos artigos e deverão ser elaboradasem preto e branco, sendo livre a técnica aser utilizada, admitindo-se também a apre-sentação de fotos inéditas. A disposiçãoda ilustração no espaço da página será de-cidida pela equipe do Inep, garantindo-se,contudo, a sua integridade. Poderá serenviada em papel ou em meio magnético.Neste caso, utilizar os programas CorelDraw, Corel Photo Paint, Adobe Photo Shopou Paint Brush.

5. Créditos – A revista fará menção àescola ou faculdade que elaborou as ilus-trações, e cada trabalho trará a identifica-ção do(s) seu(s) autor(es).

6. Premiação – Cada trabalho selecio-nado receberá a premiação de R$ 200,00(duzentos reais), que serão pagos pelo Inep.O autor receberá 2 exemplares da revista ea escola, 5 exemplares para sua biblioteca.

7. Prazos – A partir da entrega dos arti-gos, a escola ou faculdade terá 30 dias paraentregar os trabalhos selecionados. O não-cumprimento desse prazo comprometerá ostrabalhos de edição final da revista.

8. Esclarecimentos adicionais poderãoser obtidos com:

Prof. Antonio Danilo Morais BarbosaTelefax: (61)224-4167E-mail: [email protected]

Jair Santana MoraesFone: (61)224-7092E-mail: [email protected]

MEC/Inep – Instituto Nacional de Es-tudos e Pesquisas Educacionais

Endereço: Esplanada dos Ministérios,Bloco L, Anexo I, 4º andar, Sala 416,CEP 70047-900, Brasília-DF.

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