Revista Akoni 2008...• 62 • Centro de Formação para a Cidadania - AKONI NETO, Manoel Santos. O...

32
APOIO: REALIZAÇÃO:

Transcript of Revista Akoni 2008...• 62 • Centro de Formação para a Cidadania - AKONI NETO, Manoel Santos. O...

  • APOIO:REALIZAÇÃO:

  • • 2 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    Publicação:Centro de Formação para a Cidadania AKONIRua Armando Vieira da Silva – 110 – ApeadouroSão Luis – MA – CEP: 65.030-130Fone (98) 3275-8604 / Fax (98) 3249-1338e-mail: [email protected] / [email protected]

    Coordenação Geral:Carmen Lúcia Silva Belfort Lúcia Regina de Azevedo PachêcoMarta Maria Andrade

    Secretária Executiva:Maria José Pereira Silva

    Projeto EKO ILERÁ: (RE) CONSTRUINDO O MUNDO ERÊCoordenação Geral: Walgonélia Costa Reis OliveiraCoordenação Administrativa-Financeira: Conceição de Maria CantanhedeArticuladora: Eliane Cristina Cantanhede Vera CruzArticulador: André Lúcio Coelho

    Facilitadora EDUCAÇÃO: Ana Amélia Campos MafraFacilitador(a) SAÚDE: Luiz Alves Ferreira e Gisele Padilha Costa

    Organizador(a):Magno José CruzGisele Padilha Costa

    Comissão Editorial: Ana Amélia Campos Máfra – Pedagoga, militante do Centro de Cultura Negra (CCN)Aniceto Cantanhede Filho – Antropólogo, militante do CCNClaudicéa Alves Durans – Mestra em Educação, militante do ConlutasGisele Padilha Costa – Terapeuta Ocupacional, militante do CCNIlma Fátima de Jesus – Mestra em Educação, coordenadora da MNULúcia Regina de Azevedo Pachêco – Educadora Popular, coordenadora da AKONIMágno José Cruz – Engenheiro Civil, militante do CCNMaria Raymunda Araújo (Mundinha) – Pesquisadora e Historiadora, fundadora do CCNOton Carvalho Salazar Sobrinho – Educador Popular, militante do Favelafro

    Equipe de Digitação e Revisão:Lauro Mandela Silva CruzMagno José CruzMagno Cruz FilhoSoraia de Jesus Silva Trindade

    Diagramação e Ilustração:Rom Freire. (98) 8804-5487

    Fotos:Arquivo do Centro AKONIJota SantosDébora Martins (foto da capa)

    UM OLHAR PARA UMA EDUCAÇÃO E SAÚDE QUE VALORIZE A

    ANCESTRALIDADE AFRO-BRASILEIRA

    “África Mãe que nos concedaToda essa força prá lutarA mão de ferro dos MalêsO enigma do EgitoE a magia dos Mandingas.”

    (Paulinho Akomabu, cantor e compositor)

    • 63 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    DICAS E SUGESTÕESBibliotecas para consultas e pesquisas:

    • Biblioteca Maria Firmina do CCN, Rua dos Guaranys, s/n Barés – João Paulo Fone: (098) 3249-4938

    • Biblioteca Eugênio Araújo, Rua da Misericórdia, 288 – Centro Fone: (098) 3222-8398

    Consultorias Técnicas:• Ilma Fátima de Jesus Orientações, palestras, assessorias

    sobre a implementação da Lei 10.639/03. Fone: (098) 3244-5271 • E-mail: [email protected]

    • Mundinha Araújo Informações, palestras, seminários

    sobre a História do Negro no Maranhão. Fone: (098) 3238-1399 • E-mail: [email protected]

    • Ivan Costa Rodrigues Informações e dados sobre as comunidades negras

    rurais quilombolas do Maranhão. Fone: (098) 3249-4938 • E-mail: [email protected]

    • Luiz Alves Ferreira (médico, coordenador geral do CCN) Informações e dados sobre a saúde da população negra. Fone: (098) 3231-2981

    • Gisele Padilha Costa Informações e palestras sobre saúde da população negra. Fone: (098) 3258-4585 • E-mail: [email protected]

    • Magno Cruz Orientações e palestras sobre formação política

    para o movimento negro. Fone: (098) 3246-5241 • E-mail: [email protected]

  • • 62 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    NETO, Manoel Santos. O negro no Maranhão: a trajetória da escravidão, a luta por justi-ça e por liberdade e a construção da cidadania. São Luís, Clara Comunicação e Editora Ltda., 2004.

    OLIVEIRA, Fátima. Uma reflexão Sobre a Saúde da População Negra no Brasil. In: Reli-giões afro-brasileiras e saúde, São Luís, Projeto Ató-Irê: Centro de Cultura Negra do Maranhão, 2003.

    ______. Saúde da população negra: Brasil Ano 2001. Brasília, Organização Pan-America-na da Saúde, 2003.

    PERDIGÃO, Malheiro. A escravidão no Brasil: Ensaio Histórico, Jurídico, Social. V. 2 e 3. Ed. Petrópolis, Vozes/INL, 1976 (I Ed. 1886).

    PROJETO VIDA DE NEGRO. Terras de Preto no Maranhão: Quebrando o Mito do Isola-mento. Col. Negro Cosme, Vol.III, São Luís: SMDH/CCN/PVN, 2002.

    RIBAS, José Tadeu de Paula. Exu da Libertação. Conferência realizada no Conselho de De-senvolvimento da Comunidade Negra do Estado de São Paulo, em 5 de abril de 1997. In: Thoth: escriba dos deuses. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n° 1. – Brasília, Gabinete do Senador Abdias Nascimento, 1997.

    ROCHA, Rosa Margarida de Carvalho. Almanaque Pedagógico Afrobrasileiro: uma pro-posta de intervenção pedagógica na superação do racismo no cotidiano escolar. Belo Horizonte: Nzinga, Coletivo de Mulheres Negras.

    SANTOS, Joel Rufino dos. História do Negro no Brasil. Aulas proferidas por ocasião da IV Semana do Negro no Maranhão realizada em São Luís no período de 9 a 13 de maio de 1983, São Luís: Centro de Cultura Negra do Maranhão, 1985.

    SENADO FEDERAL. Gabinete do Senador Abdias do Nascimento. Thoth: pensamento dos povos africanos e afrodescendentes. Informe de dsitribuição restrita do Gabinete do Senador Abdias do Nascimento, Brasília, nº 1 e 2, 1997.

    SILVA, Dimas Salustiano da. Considerações jurídicas. In: Projeto Vida de Negro. Frechal Terra de Preto: Quilombo Reconhecido Como Reserva Extrativista. Col. Negro Cosme, V.I, São Luís: SMDH/CCN, 1996.

    THOTH – PENSAMENTO DOS POVOS AFRICANOS E AFRODESCENDENTES. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n° 1 e 2 – Brasília, Gabinete do Senador Abdias do Nascimento, 1997.

    VARGENS, João Baptista M. Candeia Luz da Inspiração. Rio de Janeiro, FUNARTE, Insti-tuto Nacional de Música, Divisão de Música Popular, 1987.

    • 3 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    Apresentação

    OCentro de Formação Para a Cidadania Akoni (“mulheres guerreiras” na lín-gua africana Iorubá) tem como missão denunciar e combater todas as formas de discriminação e preconceito étnico-racial, religioso, social e sexual de populações excluídas, implementando ações que vi-sem à conquista da cidadania ampliada e a construção/consolidação de uma cultu-ra igualitária.

    E, por falar em mulheres guerreiras, os relatos dos diários de viagem dos pri-meiros navegadores europeus que che-garam à África mostram a surpresa deles em relação à postura da mulher africana: participativa, insubmissa, orgulhosa, ca-beça erguida, pés plantado no presente, olhar lançado na linha de dois horizontes – do desafio ao futuro e do respeito ao passado, às tradições, à história, à cultura, à religiosidade.

    “Ninguém nasce odiando uma pessoa por cor da sua pele,Ou por sua origem, ou sua religião.Para odiar as pessoas precisam aprender;E, se elas podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar,Pois o amor chega mais naturalmenteAo coração humano do que seu oposto.”

    Nelson Mandela, ex-presidente sul-africano, líder do movimento anti-apartheid na África do Sul.

  • • 4 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    Sem essa postura altaneira e guerreira das mulheres negras (africanas e afro-bra-sileiras) diante da vida, diante do mundo, hoje não estaríamos aqui reivindicando, bri-gando na tentativa de conquistar efetivos espaços de nossa cidadania – nessa busca in-cessante para sermos felizes.

    O Centro AKONI com esta cartilha contribui para lembrarmos nossa história e que a chama da resistência do desejo de transformação e da busca incessante de justiça nun-ca se apague.

    Agradecemos especialmente a Magno Cruz e a Gisele Padilha, e a todas as pessoas que contribuíram com este documento, por escreverem a nossa história e de nossos an-cestrais, trazendo de volta os sons, as falas e as emoções que a escravidão e a injustiça nunca conseguirão sufocar.

    Coordenação Geral do Centro AKONI

    • 61 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    REFERÊNCIASARAÚJO, Mundinha. Insurreição de escravos em Viana – 1867. 2ª edição, São Luís: Edi-

    ções AVL, 2006.

    ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO. O negro e o índio na legislação do Maranhão Provincial. Pesq. Manoel de Jesus Martins. São Luís. SIOGE, 1992.

    BRASIL. Leis, Decretos, etc. Lei n° 2.040 de 28 de setembro de 1871. In: Livro do estado servil e respectiva libertação, p. 25-31.

    BRASIL. Leis, Decretos, etc. Lei n° 3.260 de 28 de setembro de 1885. Apud. FIGUEIREDO, Ariosvaldo. O Negro e a Violência do Branco. Rio de Janeiro, J. Álvaro, 1977. p. 59.

    BRASIL. Leis, Decretos, etc. Lei Áurea de 13 de maio de 1888. Apud. CHIAVENATO, Julio José. O Negro no Brasil: da senzala à guerra do Paraguai, São Paulo, Brasiliense, 1980. p. 20.

    CONCEIÇÃO, Jônatas e BARBOSA, Lindinalva (organizadores). Quilombo de palavras: a literatura dos afro-descendentes. 2ª Ed. Salvador, CEAO/UFBA, 2000.

    COSTA, Emília Viotti. Da senzala à colônia. São Paulo, Difusão Européia do Livro, 1966. p. 441.

    FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classe. São Paulo, Áti-ca, 1978. V.1 p. 15.

    FERRETI, Sergio Figueiredo (organizador). Tambor de crioula: ritual e espetáculo. 3ª Ed., São Luís, Comissão Maranhense de Folclore, 2002.

    IANNI, Octávio. Raças e classes sociais no Brasil. São Paulo, Civilização Brasileira, 1966, p.95.

    NASCIMENTO, Abdias. Pela dignidade do afrodescendente (discurso proferido no Se-nado Federal em 7 de agosto de 1997) In: Thoth: escriba dos deuses. Informe de dis-tribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n° 2, Brasília, Gabinete do Senador Abdias Nascimento, 1997.

    NASCIMENTO, Elisa Larkin. As civilizações africanas no mundo antigo. In: Thoth: es-criba dos deuses. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias do Nascimento, n° 3, Brasília, Gabinete do Senador Abdias do Nascimento, 1997.

    ______. Sankofa: resgatando a cultura afro-brasileira. (Um dos textos básicos do Curso de Extensão Universitária Conscientização da Cultura Afro-Brasileira, realizado pelo Ipe-afro, de 1984 a 1995, na PUC-SP e na UERJ). In: Thoth: escriba dos deuses. Informe de distribuição restrita do Senador Abdias Nascimento, n°2, Brasília, Gabinete do Sena-dor Abdias do Nascimento, 1997.

  • • 60 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    RAÍZESLucilene CLIFTON

    Tradução: Maisa Mendonça

    Pode até dizer que é loucuradiga o que quiser

    É essa vida dentro de nósque não nos deixa morrer.

    Mesmo nos braços da mortelevantamos as mãos.

    Essas mãos que são verdes enos fazem crescer,

    que sussurram e cantam.

    Pode então dizer que somos selvagens,as perdidas do campo

    de flores, nos tornamosum campo de flores.

    Pode dizer que é loucura.Somos selvagens

    que são essas nossas raízes,é essa luz dentro de nós,

    é essa nossa luz,é a luz, pode dizertudo que quiser,

    diga o que quiser.

    O RACISMO FERE, DESEQUILIBRA, ADOECE E MATA

    • 5 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    SUMÁRIOProjeto EKÓ ILERÁ: (Re)Construindo o mundo ERÊ ..................................................................7

    Introdução (As Diásporas Africanas) ..............................................................................................10

    CAPÍTULO I. A História Afro-Brasileira ..........................................................................................11

    1. A Contribuição da África Para o Mundo ....................................................................................12• Como é construída a ideologia racista da inferioridade do negro africano? ...............12

    - O conceito de racismo anti-africano ...........................................................................................12- O papel da Igreja .................................................................................................................................13

    • Qual a contribuição da África para o mundo? ...........................................................................14- Como contestar o racismo anti-africano ..................................................................................14- Uma visão panorâmica da África antes da invasão européia ..........................................14

    • Como apagaram as conquistas dos povos africanos? ............................................................18• Como se deu o tráfico negreiro? ......................................................................................................19

    2. Retrospectiva Pré-Abolição ..............................................................................................................22• De onde vieram (para o Brasil) @s negr@s escrav@s? ........................................................22• Por que a substituição da mão-de-obra escravizada indígena

    pela mão-de-obra escravizada do africano? ..............................................................................22• Como aconteceu a luta e resistência dos africanos e afro-descendentes no Brasil? ....23

    - O que era comum entre os africanos trazidos para o Brasil ............................................23- Perseguição às culturas e religiões de origem africana .....................................................24- A rebeldia negra: assassinatos, fugas, insurreições e quilombos ..................................25- Último olhar sobre Palmares .........................................................................................................27- Sobre a insurreição de escravos durante a Balaiada no Maranhão ..............................28- Sobre a insurreição de escravos em Viana no Maranhão ..................................................31

    • O que foi a “abolição”? .........................................................................................................................32- Os movimentos: quilombismo e abolicionismo ....................................................................32- As leis abolicionistas .........................................................................................................................33

    3. Retrospectiva Pós-Abolição ..............................................................................................................39• O projeto de genocídio contra @ afro-brasileir@ ...................................................................39• As perseguições continuam de forma violenta como no período escravista ..............40• As leis de combate à discriminação racial ..................................................................................42• Comentários sobre a implemantação da lei 10.639/03 .......................................................45• A saga d@s afro-brasileir@s contra o racismo .........................................................................47• Craque e a cota........................................................................................................................................47

    4. Apêndice I ................................................................................................................................................49• Como conhecer e/ou escrever a história de sua afro-comunidade ................................49

  • • 6 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    • Como proceder diante de uma discriminação racial ..............................................................49• Conceitos elementares sobre racismo, discriminação e preconceito raciais ..............50

    CAPÍTULO II. A Saúde da População Negra ...................................................................................51

    1. O racismo contribuindo para a morte precoce .....................................................................52

    2. O que são doenças étnicas? ..............................................................................................................53• Eis algumas doenças étnicas ............................................................................................................53

    - Anemia falciforme ..............................................................................................................................53- Hipertensão arterial ..........................................................................................................................53- Diabetes mellitus tipo II ..................................................................................................................54- Miomas uterinos .................................................................................................................................54

    3. A Política Nacional de Saúde Integral da População Negra ...........................................55

    4. É LEGAL! Diretrizes Gerais da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra ......................................................................................57

    5. Racismo Institucional ..........................................................................................................................58

    6. Apêndice II .................................................................................................................................................58• Agentes de saúde! ..................................................................................................................................58• De olho na sua saúde! ..........................................................................................................................58• Religiosidade e saúde ..........................................................................................................................59

    Referências .....................................................................................................................................................61

    Dicas e Sugestões .........................................................................................................................................63

    • 59 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    • Conversar sobre os medicamentos que está tomando ou já tomou;• Submetendo-se ao hemograma, exigir o teste de glicemia;• Verificar se o hospital faz entrega de medicamentos, exigindo o seu;

    Religiosidade e Saúde

    A sala de aula é o espaço onde pode-mos também reforçar a importância do sa-ber popular em vários aspectos, como em relação aos remédios caseiros – herança de culturas e religiões indígenas e africa-nas, além de incentivar o respeito às Reli-giões de Matriz Africana.

    “Precisamos, dentre outras coisas, resgatar a medicina popular dos negros e negras. Os saberes esquecidos... reencon-trar a essência científica dos nossos chás... tinturas... garrafadas... benzimentos e re-zas. Agora que a ciência moderna acaba de divulgar que descobriu o poder curativo da fé, precisamos, mais do que nunca, realizar investigações objetivando resgatar os sa-bres de nossa ancestralidade africana na arte de curar. [...]

    Nos Terreiros, é praticada uma medicina popular constituída de ações preventivas e curativas cuja base é uma visão de ser humano e de cosmo antropologicamente situada no campo da fé. Há um exército invisível de curandeiras, curandeiros, rezadeiras, rezado-res, raizeiras, raizeiros, e comadres parteiras em qualquer lugar de concentração de po-pulação negra, tanto nas zonas urbanas quanto rurais. Esse exército é formado por pes-soas que gozam de grande reputação na comunidade onde vivem, além das irmandades que se autodenominam católicas e devotas de santas e santos pretos (Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, São Benedito etc.) com um nível de organização em geral centenário, locais aptos a desenvolver ações de prevenção em saúde”.

    (Fátima Oliveira, no livro Religiões Afro-Brasileiras e Saúde, 2003)

    Ossaim: considerado o orixá da medicina que cura através das ervas. É o protetor dos médicos.

    “Sem folha não tem sonhoSem folha não tem vidaSem folha não tem nadaEu guardo a luz das estrelasA alma de cada folha Sou ARONI.”

    (Gerônimo e Ildásio Tavares)

  • • 58 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    5RACISMO INSTITUCIONALÉ o fracasso das instituições e organizações em prover um serviço profissional e

    adequado às pessoas por causa da sua cor, cultura, origem racial ou étnica. Manifesta-se por meio de normas, práticas e comportamentos discriminatórios adotados no cotidiano do trabalho, resultantes da ignorância, da falta de atenção, do preconceito ou da incorpo-ração e da naturalização dos estereótipos racistas. Em qualquer caso, o racismo institu-cional sempre impõe as pessoas ou grupos raciais ou étnicos discriminados situação de desvantagem no acesso a benefícios gerados pelo Estado, por instituições e organizações públicas e privadas.

    6 APÊNDICE IIAgentes de Saúde!

    • Trocar informações com as donas-de-casa;• Fazer visitas regularmente nas residências;• Atender a família, e não somente 01 pessoa da casa;• Respeitar a medicina alternativa usada pela família ( chás caseiros);• Conversar e esclarecer sobre as doenças étnicas;• Verificar se a carteira de vacinação das crianças da família está em dia;• Informar imediatamente ao responsável pela equipe de saúde, em caso de sintomas,

    como: 1. Mãos e pés inchados;2. Dores nas articulações (juntas);3. Febres;4. Infecções;5. Icterícia (esclera dos olhos amarelados ao invés de branco);

    • Em caso de tonturas, dores de cabeça próxima à nuca, é importante verificar a pressão arterial, seguido da alimentação, já orientando a diminuição de sal, gorduras e bebi-das alcoólicas.

    De Olho na Sua Saúde!Ao procurar um posto de saúde/hospital/consultório médico, é importante:• Conversar com @ médic@ sobre os sintomas que o (a) levaram ali;• Postura no que tange o olhar nos olhos d@ médic@, fazendo seus questionamentos;• Pedir que @ médic@ mande verificar sua Pressão Arterial;

    • 7 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    PROJETO EKÓ1 ILERÁ2:(RE)Construindo o mundo ERÊ 3

    Visa contribuir com a mudança de indicadores sociais de Crianças e Adolescentes, es-pecialmente, quilombolas, de municípios do Semi-Árido Maranhense, através da Sen-sibilização de Prefeitos(as), Gestores(as) Públicos(as), Conselheiros(as) e Sociedade Civil para implementação da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra e da Lei 10.639/2003 (que torna obrigatório o ensino de História e Cultura Afro-Brasileiras e Africanas no currículo da Educação Básica). Além da realização de Capacitações para Profissionais de Educação (construção de práticas pedagógicas inclusivas e anti-racistas) e Saúde (saúde da população negra, dando ênfase às doenças étnicas).

    O Projeto EKÓ ILERÁ busca enfrentar o problema do descaso dos poderes públi-cos na efetivação das políticas públicas de Educação e Saúde direcionada para as comu-nidades quilombolas, ainda mais vulnerabilizadas por se encontrarem localizadas em áreas desfavorecidas geograficamente, como é o caso da região do Semi-Árido Brasileiro, da qual fazem parte 45 municípios maranhenses. As comunidades quilombolas têm um alto índice de defasagem escolar e um acesso restrito aos serviços de atenção básica de saúde, gerando situações como, a exploração do trabalho infanto-juvenil, desnutrição in-fantil (segundo a PNAD a proporção é de 76,1% maior do que na população brasileira), entre outras.

    O projeto visa gerar impactos na vida de Crianças e Adolescentes quilombolas e suas famílias. Para que essas Crianças e Adolescentes tenham acesso a uma educação que valorize suas raízes étnicas e culturais e com atenção básica de saúde que considere aspectos da saúde da população negra, através da sensibilização de gestores(as) e da capacitação dos profissionais de educação e saúde.

    1 EKÓ – signifi ca EDUCAÇÃO em língua africana iorubá.2 ILERÁ – signifi ca SAÚDE em língua africana iorubá.3 ERÊ - signifi ca CRIANÇA em língua africana iorubá.

    “Todas as meninas e todos os meninosNascem livres e tem a mesma dignidadeE os mesmos direitos;Portanto, é necessário eliminar todas as formas de discriminação contra as crianças.”

    (Um mundo para as crianças: Relatório da Sessão Especial da Assembléia das Nações Unidas sobre a Crianças, 2002)

  • • 8 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    4 UNICEF – Fundo das Nações Unidas para a Infância.5 CCN – Centro de Cultura Negra do Maranhão

    Seminário de Sensibilização de Gestores (as) Públicos UM MUNICÍPIO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUILOMBOLAS DO SEMI-ÁRIDO, setembro/2007, São Luís: Lúcia Regina de Azevedo Pachêco (Coordenadora do Centro AKONI); Ana Amélia Campos Mafra (Educadora Popular Étnica e militante do CCN ); Luis Alves Ferreira (Coordenador do CCN5); Ana Costa

    (Comitê Técnico de Saúde da População Negra/Ministério da Saúde); Eliana Almeida (Representante do Escritório UNICEF/MARANHÃO).

    Seminário de Sensibilização de Gestores(as) Públicos UM MUNICÍPIO PARA CRIANÇAS E ADOLESCENTES QUILOMBOLAS DO SEMI-ÁRIDO, setembro/2007, São Luís: Lúcia Regina

    de Azevedo Pachêco (Coordenadora do Centro AKONI); Edmundo Costa Gomes (Secretário de Estado da Saúde); Sandra Torres (Vice-Prefeita de São Luís); João Francisco dos Santos (Secretário de Estado da Igualdade Racial), Rosiene Cutrim (Coordenação de Promoção da

    Igualdade e Diversidades Educacionais, representando o Secretário de Estado da Educação, José Lourenço Vieira); Eliana Almeida (Representante do Escritório UNICEF4 /MARANHÃO).

    • 57 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    4É LEGAL! Diretrizes Gerais da Política Nacional de Saúde Integral da População Negra• Inclusão dos temas Racismo e Saúde da Po-

    pulação Negra nos processos de formação e educação permanente dos trabalhadores da saúde e no exercício do controle social na saúde.

    • Ampliação e fortalecimento da participação do Movimento Social Negro nas instâncias de controle social das políticas de saúde, em consonância com os princípios da ges-tão participativa dos SUS, adotados no Pacto pela Saúde.

    • Incentivo à produção do conhecimento cien-tífico e tecnológico em saúde da população negra.

    • Promoção do reconhecimento dos saberes e práticas populares de saúde, incluindo aque-les preservados pelas religiões de matrizes africanas.

    • Implementação do processo de monitora-mento e avaliação das ações pertinentes ao combate ao racismo e à redução das desi-gualdades étnico-raciais no campo da saúde nas distintas esferas do governo.

    • Desenvolvimento de processos de informa-ção, comunicação e educação, que desconstruam estigmas e preconceitos, fortaleçam uma identidade negra positiva e contri buam para a redução das vulnerabilidades.

    XANGÔ: é o orixá da justiça.

  • • 56 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    Daí têm-se um longo caminhar rumo à implantação da Política Nacional de Aten-ção a Saúde da População Negra (criada em 2005), visando a universalidade, a integra-lidade e a equidade, princípios básicos do Sistema Único de Saúde (SUS), nas rotinas dos

    serviços de saúde, observadas as particularidades da população negra e a sua diversidade interna. Para tanto, foi proposto quatro componentes in-terdependentes, interligados e complementares, a saber: Produção de Conhecimento Científico (organizar o saber disponível e produzir novos conhecimentos em saúde da população negra), Capacitação dos Profissionais de Saúde (para promover a mudança de comportamento), In-formação da População (oferecer informação e conhecimento aos afrodescendentes sobre riscos de adoecer e morrer, além da adoção de hábitos saudáveis e a prevenção de doenças) e Atenção à Saúde (inclusão de práticas de promoção e edu-cação em saúde da população negra nas rotinas assistenciais de modo a facilitar o acesso em todos os níveis do sistema de saúde).

    Assumir que o Brasil é um páis racista, re-conhecer a existência de práticas racistas na rede SUS, desigualdades sócio-raciais e o racismo insti-tucional, foram determinantes para a formulação da Política Nacional de Saúde Integral da Popula-ção Negra, apresentada no 2º Seminário Nacio-nal de Saúde da População Negra, em outubro de 2006, pelo Ministro da Saúde em exercício, Sr. Agenor Álvares da Silva, e aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde, em novembro do mesmo ano.

    OMULU/OBALUAÊ: É o médico dos pobres, com poder de curar as chagas e endemias.

    • 9 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    Construção pedagógica em subgrupos - 2º módulo (29 - 30/out - 2007) - Chapadinha

    Capacitação para profissionais de educação no município de Chapadinha

  • • 10 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    Introdução (As diásporas africanas)As diásporas africanas não são resultante de uma ação voluntária, da dispersão ou fuga provocada por algum prenúncio de tragédias da natureza, ou por guerras no próprio território africano. Nós, das diásporas africanas, somos resultantes de uma tragédia bem pior, fomos seqüestrad@s6, arrancad@s abruptamente da nossa terra-mãe, e aviltados em nossa essência humana da forma mais brutal possível. Assim, entendemos que contar a história da África é falar das histórias dessas diásporas espalhadas pelo mundo afora.

    A aplicação da Lei 10.639/2003 (que estabelece a obrigatoriedade de ensino da História e Cultura Afro-Brasileira e Africana no currículo escolar da Educação Básica), para início de conversa, depende fundamentalmente da desconstrução de séculos de uma história da diáspora africana do Brasil, contada parcialmente com o olhar e as inten-cionalidades do opressor escravista e seus descendentes biológico-ideológicos.

    A partir do seqüestro e desterro de milhões de africanos e africanas, é praticamen-te impossível fazer um corte entre as histórias de África e de sua diáspora no Brasil, elas se cruzam e se complementam à medida que queremos trazer entendimentos – esse é o objetivo central desta Cartilha – que possibilitem o resgate da nossa essência e dignidade de seres humanos.

    Nessa perspectiva dividimos (sem separar) nossa Cartilha em dois capítulos: um que trata da História Afro-Brasileira, outro, da Saúde da População Negra.

    No primeiro capítulo iniciamos com a contribuição da África para o mundo, e, em seguida, fazemos retrospectivas pré e pós-abolição. Convém frisar que recorremos basi-camente às contribuições de duas cartilhas publicadas pelo CCN: Abolição – 96 Anos De-pois, 1984 (organizada por Mundinha Araújo); e A Verdadeira História do Brasil São Outros Quinhentos, 1999 (organizada por Aniceto Cantanhede Filho e Magno Cruz). No capítulo seguinte trabalhamos com uma das mais perversas conseqüências do racismo (durante e após o período escravista), que são as doenças que incidem predominante-mente sobre as populações negras afrodescendentes.

    Concluindo, queremos dizer aos professores, professoras e estudantes que essa Cartilha é nada mais que uma modesta ferramenta para outros estudos e aprofundamen-tos.

    Portanto, que Olorum (Deus) nos lance muita luz diante de cada dúvida, interro-gação, curiosidade, discordância, e com isso nos faça crescer – esse é o significado maior da Educação.

    Muito Axé!

    6 Utilizamos o símbolo @ (arrôba) emprestado da informática para expressarmos a eqüidade de gênero (masculino e femini-no, mulheres e homens) na produção textual deste documento.

    • 55 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    3A POLÍTICA NACIONAL DE SAÚDE INTEGRAL DA POPULAÇÃO NEGRAA Organização Mundial de Saúde - OMS define saú-de em termos positivos, como “um estado de completo bem-estar físico, mental e so-cial e não meramente a ausên-cia de doença ou enfermidade”. Trata-se de uma concepção ampla do termo saúde, pois considera além da saúde física e mental (individual), a saúde social. E ainda, uma concep-ção que deve nortear todas as ações de saúde pública dos paí-ses membros da OMS, ou seja, a saúde de indivíduos e grupos na sociedade deve ser vista em ralação às condições gerais e específicas de cada indivíduo ou grupo e ainda do ambiente social em que vivem.

    Conversar sobre Saú-de da População Negra re-quer lembrar os anos 80, quando ativistas do movimento negro, sociedade civil e pesquisadores(as), na luta por direitos, reuniram-se com os governos estaduais e muni-cipais, em busca da inserção desse tema nas ações de governo. Para isso, destacamos o Grupo de Trabalho Interministerial para Valorização da População Negra, em 1995, que foi de grande relevância para a Mesa Redonda sobre Saúde da População Negra realizada em 1996, que dentre tantas reivindicações, definiu a implantação de uma política nacio-nal de controle à anemia falciforme.

    Constituem pauta na agenda de luta do Movimento Negro e do Movimento de Mu-lheres Negras a defesa dos direitos reprodutivos, a não esterilização de mulheres, a crian-ção de um Programa Nacional de Anemia Falciforme e a defesa de ações de saúde para os agravos e as doenças prevalentes na população negra.7

    Em 2004 o Ministério da Saúde instalou o Comitê Técnico de Saúde da População Negra e realizou o 1º Seminário Nacional de Saúde da População Negra.

    7 Boletim Toques, Criola, nº 3, 2006

    PISS

    IALI

    “Acender as velasJá é profissãoQuando não tem sambaTem desilusãoÉ mais um coraçãoQue deixa de baterUm anjo vai pro céuDeus me perdoeMas vou dizer:O doutor chegou tarde demaisPorque no morroNão tem automóvel pra subirNão tem telefone pra chamarE não tem beleza pra se verE a gente morre sem querer morrer”

    (Música: Acender as Velas, Zé Kéti)

  • • 54 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    Outro fator relevante é a condição orgânica da população negra de absorver maior quantidade de sal.

    No século XX a doença ampliou-se entre as gerações dos sintomas de Hipertensão Arterial, como a cefaléia occipital, tonturas, dentre outros sintomas.

    Para o indivíduo com Hipertensão Arterial, é importante verificação da Pressão Arterial pelo menos 4 vezes por semana, cuidando da alimentação no que diz respeito a diminuição do sal, gorduras e frituras.

    É uma doença que não tem cura, e o tratamento é realizado a nível farmacológico (medicamentos/receitas orientadas pelo médico). E não farmacológico: lazer, o não uso de bebidas alcoólicas, controle diário da Pressão Arterial e os chazinhos da medicina al-ternativa, levando o indivíduo a conviver bem com a Hipertensão Arterial.

    Diabetes Mellitus Tipo IIDistúrbio metabólico decorrente de uma deficiência de insulina. Apesar de ser

    uma doença de saúde pública com estimativas de 6 milhões de diabétic@s no Brasil, muit@s não sabem que são portadores(as) da doença.

    Estudos realizados sobre as Diabetes Mellitus Tipo II constataram que a popula-ção negra está mais vulnerável a essa doença, com 56% de chance das mulheres negras desenvolverem, podendo ser controlada a partir dos hábitos alimentares e atividades físicas.

    Miomas UterinosSegundo a literatura médica norte-americana, as mulheres negras estão suscep-

    tíveis a desenvolverem essa doença com maior freqüência em relação às mulheres não negras.

    É um tumor no músculo uterino que aparece no percurso da vida com sérios pro-blemas que vão da infertilidade/abortamentos espontâneos à morte, por razão das mu-lheres negras apresentarem maior vulnerabilidade a infecções pélvicas.

    O Mioma Uterino é adquirido, aparecendo entre a idade de 30 e 39 anos. É benigno, pois não invade outros órgãos, porém há pré-disponibilidade em pessoas que adquirem Diabetes Mellintus e a Hipertensão Arterial.

    É importante e necessário atentar para os sinais do Mioma Uterino:• Abdômen crescido;• Aumento do peso corporal;• Anemia;• Dores no umbigo;• Aumento do fluxo da menstruação.

    Para o Mioma ser diagnosticado é necessário que @ médic@ realize exame físico que consiste em tocar a paciente e em seguida exames de ultra sonografia.

    O tratamento varia de clínico ou cirúrgico, dependendo do estado que se encontra a moléstia. Dados avaliam que quanto mais cedo for detectado o Mioma, melhor será o tratamento clínico. Falando-se do tratamento cirúrgico muitas mulheres preferem fazer uso da histerectomia (retirada do útero), outras da tirada do tumor (mielectomia), onde nesse caso não prejudica a vida reprodutiva, porém não impede o aparecimento de ou-tros Miomas.

    • 11 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    Capítulo IA HISTÓRIA AFRO-BRASILEIRA

    De acordo com o IBGE, a população brasileira é constituida de 45% de afrodescendentes (negros e pardos).

  • • 12 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    1A contribuição da África para o mundo

    COMO É CONSTRUÍDA A IDEOLOGIA RACISTA DA INFERIORIDADE DO NEGRO AFRICANO?

    O Conceito de Racismo Anti-Africano

    Anoção vulgar do racismo anti-africano o identifica como fenômeno apenas de cor de pele. Esse conceito escamoteia sua natureza mais profunda, que reside na tentativa de desarticulação de um grupo humano por meio da negação de sua personalida-de coletiva. Reduzir @ african@ e seus descendentes à condição de “negros” retira-lhes o referencial histórico-cultural e sua identificação com a coletividade a que pertence. Em certo momento, o colonialismo europeu fez questão de identificar os africanos como “negros”, “kaffirs”, e assim por diante, no intuito de desvinculá-los simbolicamente da própria terra.

    Essa ideologia racista da inferioridade d@ negr@ african@, e, consequentemente, dos afro-descendentes, não é uma obra apenas do branco português, mas, sim, de toda Europa, e, também, não é uma construção feita e acabada no período inicial da escravi-dão, pois tal ideologia se recicla e se “moderniza” à medida que, com o passar do tempo, mudam as conjunturas nacional e internacional.

    “O reconhecimento e ressignificação da nossa matriz cultural podem conduzir a vivências que estão em nossa memória coletiva.Num jeito de ensinar e aprender capaz de incluir a uma outra epistemologia, vivenciada a partir de princípios e valores recriados para contemplar as singularidades no processo de ensino e aprendizagem.”

    Vanda Machado, educadora e doutora em educação. Pertencente ao Terreiro Ilê Axé Opô Afonjá, Salvador-BA)

    • 53 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    2O QUE SÃO DOENÇAS ÉTNICAS?Estão entre aquelas que de-sencadeiam de modo dife-rente, sendo exclusivas de um determinado grupo étnico, que incluem brancos, negros, amarelos, índios e outros.

    A população negra brasi-leira apresenta especificidades genéticas e características culturais próprias que diferencia-se de outras. A miscigenação de povos oriundos das diversas regiões africanas, com seus costumes e rituais próprios, dentre eles destacamos os Bantos e os da baía de Benin com maior porcentagem, trazidos para o Brasil para o trabalho escravo, deixou marcas profundas que se perpetuam até os dias atuais. Daí dizermos que o fator genético não é o único responsável pelas doenças étnicas, mas a união de fatores sociais, econômicos, religiosos e ambientais, fazerem par-te dessa corrente saúde-doença.

    Vale dizer que, segundo a Organização Mundial de Saúde - OMS, é no Brasil que concentra-se a maior população negra fora da África. As estimativas do Instituto Bra-sileiro de Geografia e Estatística - IBGE 2000 apontam que a população negra, no que tange ao econômico e o social, é a população com menor poder aquisitivo, onde, conse-qüentemente, é a menos favorecida, a mais esquecida e a que mais sofre com as diversas doenças étnicas.

    Eis algumas Doenças Étnicas: Anemia Falciforme

    É uma doença genética e hereditária mais comum no mundo. Originou-se na África e foi trazida para o Brasil com a imigração dos negros para a trabalho escravo. A doença atinge os glóbulos vermelhos (células do sangue) dificultando o transporte do oxigênio, causando dores e infecções, que vão prejudicar a qualidade de vida das pessoas acome-tidas pela doença.

    Apesar de ser uma doença comum, as informações sobre essa doença ainda são escassas, algumas pessoas desconhecem a sua existência, mesmo que a cada ano a inci-dência da doença cresça.

    A doença é para toda vida, não tem cura, porém, um tratamento correto, desenvol-vido desde a descoberta da doença (teste do pezinho) dará condições à criança de ter uma vida sem muito sofrimento, isto é, uma melhor qualidade de vida.

    Hipertensão ArterialÉ uma doença que está relacionada a obesidade, baixa escolaridade, diabetes, his-

    tórico familiar e com desenvolvimento maior na população negra.

    “É preciso estar atento e forte,Não temos tempo de temer a morte.”

    (Caetano Veloso)

  • • 52 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    1O RACISMO CONTRIBUINDOPARA A MORTE PRECOCENo século XVI, os portugueses, dando seqüên cia à política de colonização do Brasil, expandiram o comércio de escravos trazidos das regiões Central e do Sudoeste da África com o fito de trabalharem nas planta-ções das lavouras de cana-de-açúcar, algodão e tabaco e na mineração de ouro e diamante. Estima-se que em 1580, os portugueses im-portavam mais de 2 mil escravos africanos por ano para trabalharem nas plantações de açúcar no Nordeste brasileiro. Por tudo isso é

    que no Brasil se concentra a maior população negra (englobando pretos e pardos) fora da África, e é o segundo país do mundo, perdendo apenas para a Nigéria.

    O Brasil é, sabidamente, um país com grandes desigualdades sociais, onde grande par-te da população vive abaixo da linha de pobreza, o que torna o acesso à saúde ainda mais difícil. Estudos revelam que @s negr@s correspondem a 65% da população pobre e 70% da população extremamente pobre. Dessa forma são @s negr@s que têm maior exposição à do-enças e agravos à saúde, recebem menor atendimento e o índice de adoecimento é maior. Em geral, o acesso ao serviço de saúde é difícil, todavia, quando adoecem o tempo de resistência é menor, afetando a capacidade de se inserirem nos diversos espaços sociais, e assim, se afir-marem numa democracia projetada para garantir oportunidades iguais para todos e todas.

    A análise de dados relacionada às condições sociais e de saúde da população negra, perpassa pela questão racial, apesar da discussão sobre saúde da população negra ser uma conquista do movimento negro. Entretanto, o racismo que ainda perpetua no Brasil, revela que direitos no que diz respeito à moradia, saúde, escola, trabalho, são desrespeita-dos, frutos do racismo que dia-a-dia se entrelaçam nas demais camadas da sociedade que nos cercam influenciando cada pessoa/grupo em quaisquer circunstâncias que estiver.

    “Por paradoxal que possa parecer, a abordagem da saúde da população negra no Brasil só consegue se impor enquanto discurso, isto é: só nos ouvem quando nos reportamos ao fato inegável que o marco das nossas reflexões e ações políticas em saúde nada tem a ver com a vida, mas com a morte, pois há fortes evidências de que encabeçamos as estatísticas de praticamente todas as ‘mortes à-toa e antes do tempo’, em todas as faixas etárias. Há maior crueldade e prova de racismo do que a desigualdade da população negra perante a morte, já que a mortalidade precoce de afrodescendentes no Brasil revela omissão dos governos, discriminação de classe e indiferença racial/étnica?”

    (Fátima Oliveira, Recorte Racial/Étnico e a Saúde da Mulher Negra, 2000).

    “Qualquer amor já é um pouquinho de saúde, um descanso na loucura.”

    (Guimarães Rosa, Grande Sertão Veredas)

    • 13 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    O Papel da Igreja

    Quando @s primeir@s african@s foram trazid@s para o Brasil, a Coroa de Portugal criou uma lei que determinava, no seu primeiro artigo, que todos deveriam ser bati-zados na religião católica. Caso o batismo não fosse realizado em um prazo de pelo menos cinco anos, as “peças” (como eram tratados @s escravizad@s) deveriam ser ven-didas e a importância relativa a essa transação comercial reverteria para a Coroa. Outros artigos importantes dessa lei foram sendo pouco a pouco alterados, de modo que, na ver-dade, a lei jamais foi cumprida, salvo no que diz respeito ao batismo cristão. Essa legisla-ção atendia, mais do que nada, às relações entre o governo português e a Igreja Católica, e à teologização da Igreja Católica a respeito da África, d@s african@s e da escravidão.

    A tese de que a África era a terra da maldição é defendida, então, por vários teólo-gos cristãos. O Padre Antonio Vieira, em seus Sermões (XI e XXVII) afirma que “a África é o inferno donde Deus se digna a retirar os condenados para, pelo purgatório da escra-vidão nas Américas, finalmente alcançar o paraíso”. O mesmo Padre Antonio Vieira no sermão XIV do Rosário à irmandade dos pretos de um engenho, elaborado em 1634, ao comentar o texto de São Paulo I Cor 12, 13, o entende no sentido de que @s african@s, sendo batizad@s antes do embarque da África à América, deviam agradecer a Deus por terem escapados da terra natal, onde viviam como pagãos entregues ao poder do diabo. E diz: “Todos os de lá, como vós credes e confessais, vão para o inferno onde queimam e queimarão durante toda a eternidade”. Em outro Sermão ainda, Vieira diz que, para ele, o cativeiro do africano na América não é senão um meio cativeiro, pois atinge só o corpo. “A alma não está mais cativa, ele se libertou do poder do diabo que governa a África, e o escravo no Brasil deve tentar preservar essa liberdade da alma, para não cair de novo sob o domínio dos poderes que reinam na África”.

    Ora, estão aí, como podemos ver as raízes da ideologia escravista e racista que legi-timou a escravidão e a transformou no maior acontecimento, em extensão e tamanho da história de toda humanidade.

    “Quando os missionários chegaram, os africanos tinham a terra e os missionários a bíblia.Eles nos ensinaram a orar com os olhos fechados.Quando abrimos os olhos, eles possuíam a terra e nós tínhamos a bíblia”

    (Jomo Kennyata – Kênia, In: Agenda Cultural Afro-Brasileira, 1987)

  • • 14 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    QUAL A CONTRIBUIÇÃO DA ÁFRICA PARA O MUNDO?

    Como Contestar o Racismo Anti-Africano

    Hoje, as comunidades de origem africana nas Américas, e, sobretudo na América Lati-na, sofrem a falta de referência histórica que lhes permitam construir uma auto-ima-gem digna de respeito e auto-estima. Tentando fundamentar essa imagem própria na identidade “negra”, definida de modo geral pelas desgastadas categorias de ritmo, esporte, vestuário e culinária, verificam que o papel da “cultura negra” limita-se à esfera de lúdico, afastando-se a atividade intelectual, científica, política, econômica, técnica e tecnológica como atribuições próprias à sua personalidade. A criança, o adolescente e @ jovem negr@ tende a não identificar nessas áreas possibilidades de profissionalização ou aspiração, re-produzindo a imagem excludente implícita na versão da história que lhe é passada.

    Sem dúvida, a distorção da história africana está entre os maiores responsáveis pela perpetuação da imagem dos “negros” como tribais, primitivos e atrasados. O dis-curso eurocentrista condena @s african@s e seus filhos e filhas à condição de objetos e não sujeitos de sua história. Recuperando-se o referencial do protagonismo dos povos africanos, faz-se possível a contestação desse quadro.

    Uma Visão Panorâmica da África Antes da Invasão Européia

    Os Sistemas de Escrita

    O academicismo convencional nega à África a sua historicidade, classificando-a como pré-histórica, com base na alegação de que seus povos nunca desenvolveram sis-temas de escritas. Entretanto os africanos estão entre os primeiros povos a desenvolver a escrita. Além dos hieróglifos egípcios, existem inúmeros sistemas de escrita desenvol-vidos por povos africanos antes da invasão muçulmana que introduziu a escrita árabe. Dentre esses vários tipos de sistemas de escrita temos: pictográficos, fonológicos (alfabé-tico ou silábico) e a escrita por meio de objetos.

    A Organização Política

    Os Estados políticos africanos, em pleno desenvolvimento durante séculos antes da invasão européia, chegaram a se constituir em impérios com extensão territorial maior que o romano – era o caso, por exemplo, do Império Mali nos séculos XII a XIV, além de outros centros urbanos caracterizados pela erudição e pela sofisticada organização política de Estados e impérios soberanos como Songai, Gana, Quiloa, Zimbábue, etc. En-

    “...O impossível demora mais um pouco, o possível estamos fazendo agora.”

    Alzira Rufino

    • 51 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    Capítulo IIA SAÚDE DA POPULAÇÃO NEGRA

  • • 50 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    06. É opcional denunciar na imprensa. Mas reflita: se não começarmos mostrar nossa cara e nossa coragem outro fatos continuarão a acontecer impunemente.

    07. Se o fato não for com você, seja solidário, oriente a pessoa discriminada.08. Atenção: mesmo se não conseguir testemunhas, denuncie e garanta seus direitos.09. Acredite: RACISMO É CRIME.10. DENUNCIE, MESMO!

    Conceitos Elementares Sobre Racismo, Discriminação e Preconceito Raciais

    AConvenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discrimina-ção Racial considera que a discriminação racial é “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tem por objetivo ou efeito anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício num mesmo plano (em igualdade de condição) de direitos humanos eliberdades fundamentais, no domínio político, econômico, social, cultural ou em qual-quer outro domínio da vida pública”. O preconceito racial é uma idéia preconcebida sobre uma pessoa ou grupo de pessoas, sendo assentado em generalizações estigma-tizantes sobre a raça à qual um grupo é identificado. Tanto a discriminação quanto o preconceito racial advém do racismo que é uma ideologia que pressupõe a existência de hierarquia entre grupos humanos baseada na etnicidade. A Convenção ressalta que “não serão consideradas discriminação racial medidas especiais tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos... para proporcionar a tais grupos ou indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais...”. (Manifesto do MNU, 2007)

    RACISMO

    É CRIME!

    (

    50 • 15 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    tretanto, não convém aplicar a esses fenômenos os conceitos extraídos da experiência do império europeu. A descentralização como característica e prática política contrasta nitidamente com o centralismo do Império Romano. Categorias supostamente univer-sais, como “feudal”, também não satisfazem: como falar de um sistema feudal sem feudo? O princípio da propriedade individual da terra não existe na África, onde ela consiste no bem coletivo.

    O Desenvolvimento Tecnológico

    O desenvolvimento político africano acompanhava-se por um processo de desen-volvimento tecnológico, menos reconhecido ainda pela história convencional. As tecno-lógicas de mineração e metalurgia, a agricultura e a criação de gado, as ciências, a medi-cina, a matemática, a engenharia, a astronomia, enfim, todo um cabedal de conhecimento tecnológico e reflexão filosófica caracterizava tanto esses Estados africanos como outras coletividades menores.

    A Medicina

    O Dr. R. W. Felkin, um cirurgião inglês que visitou em 1879 a região africana que hoje compreende Uganda, testemunhou e registrou uma cesariana feita por médicos do povo banyoro, demonstrando profundo conhecimento dos conceitos e técnicas de assep-sia, anestesia, hemostasia, cauterização e outros. Médicos africanos do antigo Egito e de Mali praticaram a remoção de cataratas oculares por meio de cirurgias, e tumores cere-brais eram operados no Egito 4.600 anos atrás.

    E falando no Egito, não podemos esquecer das múmias egípcias, tratando-se de um grande conhecimento das técnicas de embalsamar pessoas mortas, os egípcios acredita-vam que preservando seus corpos um dia a alma voltaria para aquele corpo. Um grupo de cientistas das universidades A&M do Texas e de Alexandria descobriu que o uso de piche, substância originada em infiltrações naturais de petróleo, era utilizada pelos mumifica-dores egípcios. Os cientistas dizem que os egípcios já pareciam conhecer as propriedades de vedação do piche e o usavam para impedir que a umidade passasse pelos envoltórios, danificando o corpo da pessoas mumificada. As descobertas foram feitas durante esca-vações na área do Canal de Suez. “Os egípcios provavelmente sabiam mais sobre mumifi-cação do que qualquer outro povo no muundo na época, e o uso do piche parece ser um processo importante em seus esforços de preservação”, afirma Mahlon Knnicut II, um dos cientistas que participaram da pesquisa.

    Historicamente, verifica-se como falsa a idéia que situa o grego Hipócrates como “Pai da Medicina”, responsável até hoje pela convenção do chamado juramento de Hipó-crates, enquanto declaração do compromisso profissional do médico. O verdadeiro pai da medicina foi o cientista e clínico egípcio Imhotep, que quase 3 mil anos antes de Cristo praticava grande parte das técnicas básicas da medicina, conhecendo profundamente, além dos conceitos mencionados em relação aos banyoro, a vacinação e a farmacologia.

    A Astronomia

    Além da medicina, outra área de destaque no elenco do antigo saber africano é a astronomia. No Quênia, em 1978, a equipe de Lynch e Robbins, da Michigan State Uni-versity, encontrou ao lado do lago Turkana os restos de um observatório astronômico semelhante a Stonehenge, na Inglaterra. Sua conclusão foi de que a evidência “atesta a complexidade do desenvolvimento cultural pré-histórico na África subsaariana. Sugere fortemente que um sistema de calendário complexo e preciso, baseado nos cálculos as-

  • • 16 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    tronômicos, foi desenvolvido até o primeiro milênio a.C. na África Oriental”.Mais impressionante ainda é o conhecimento astronômico dos africanos da nação

    dogon, na região do antigo Mali, perto da capital universitária de Timbuku. Os dogon têm uma concepção moderna do universo e um saber extremamente complexo da astrono-mia. Os sacerdotes-astrônomos dogon conheciam, desde há cinco a sete séculos atrás, o sistema solar, a Via Láctea com sua estrutura espiral, as luas de Júpiter e os anéis de Saturno. Sabiam que “um bilhão de mundos espiralavam no espaço como a circulação do sangue no corpo de Deus”. Sabiam da natureza deserta e infecunda da lua, que diziam ser “seca e morta como sangue seco”.

    Muito antes que o Ocidente conseguisse observá-lo com a ajuda de sofisticados aparelhos, os dogon desenvolveram um conhecimento extremamente complexo do pe-quenino satélite da estrela Sírio, o Sírio B, invisível a olho nu. Denominavam-no Potolo, e desenhavam, com exata precisão, a sua órbita elíptica em torno de Sírio. Projetaram corretamente a sua trajetória até o ano 1990 em desenhos que conferem precisamente com o curso projetado pela astronomia moderna.

    Além de todo esse conhecimento, os dogon revelam saber que Sírio B gira uma vez em torno de seu próprio eixo no período de um ano, evento celebrado com o festival chamado Bado. Até a década de 1970, essa rotação não fora observada pelos astrôno-mos modernos, que, no entanto já haviam confirmado a órbita de 50 anos que os dogon constataram para a sua trajetória em volta de Sírio. Enfim, o conhecimento dos dogon efetivamente ultrapassa em muito aquilo que o mundo seria capaz de creditar a uma “tribo primitiva”.

    A Metalurgia

    No campo da metalurgia, há vários exemplos do domínio que os africanos desen-volviam e exerciam, como no exemplo dos haya, povo de fala banto habitante de uma região de Tanzânia perto do lago Vitória. Há mais de 2 mil anos, os haya produziram aço em fornos que atingiam temperaturas que superavam 200 a 400 graus centígrados a ca-pacidade dos fornos europeus até o século XIX. O antropólogo historiador Peter Schmit, da Brown University, estudou durante nove anos o fenômeno. Junto com os haya, chegou a reproduzir fisicamente a antiga tecnologia de fundição, a partir da tradição oral guarda-da pelos anciãos, capaz de resgatar e reconstruir as técnicas de engenharia dos antigos.

    A Engenharia e a Matemática

    Outro exemplo da tecnologia aplicada na África antiga encontra-se nas ruínas de Monomatapa, cidade-estado e fortaleza do antigo reino e hoje país Zimbábue. Capital de um império que durou 300 anos, a construção de Monomatapa significa uma verdadeira façanha de engenharia, encerrando uma cidade murada de 10 mil habitantes. O muro, de 250 metros de extensão e de 15 mil toneladas de granito, tem dois metros de espessura, sendo que cada metro de sua extensão contém 4.500 blocos de granito. Coerentes com a atitude clássica do eurocentrismo, “historiadores” e estudiosos atribuíram sua cons-trução a povos exógenos à África, e até a extraterrestres, no vão esforços de negar que o grande Zimbábue tivesse sido construído por africanos negros.

    Na matemática, há um volume enorme de conhecimentos africanos. Sem mencio-nar as pirâmides egípcias, cuja construção exigiu o desenvolvimento de um conhecimen-to avançadíssimo de matemática, geometria e engenharia (capaz de projetar 2.700 anos antes de Cristo, ângulos com 0,07° de precisão), podemos citar o sistema ioruba de mate-mática, baseado, como outros da África, em múltiplos de 20.

    • 49 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    4APÊNDICE IComo Conhecer e/ou Escrever a História de Sua Afro-Comunidade

    01. É opcional fazer um trabalho individual ou em grupo. A sabedoria diz que várias ca-beças pensam melhor que uma só. Porém, cuidado: grupo grande é improdutivo. Qua-tro a cinco pessoas é o ideal. Se for em grupo defina e divida as tarefas.

    02. Lembre-se que a história de sua afro-comunidade não está isolada, desconectada, descontextualizada da história do negro do Maranhão, do Brasil, da África, do mundo. Portanto, leia, estude, pesquise sobre essa história mais geral.

    03. Faça um levantamento das manifestações artísticas, culturais e religiosas organizadas e efetivadas pelos/as negro/as na sua comunidade. Acompanhe, participe, envolva-se.

    04. Converse com os mais velhos, anote ou grave seus depoimentos, suas histórias: par-teiras, benzedeiras, pais e mães de santo, professores, pescadores, cantadores, toca-dores, músicos, artesãos, etc.

    05. Trace um diagnóstico sócio-econômico atual, e tente relacionar com a situação no passado – melhorou, piorou ou estagnou?

    06. Consulte arquivos, jornais, revistas, cartórios, e igreja que em geral detêm importan-tes documentos que podem ser úteis

    07. Caso necessite, peça ajuda a militantes do Movimento Negro para sistematizar, orga-nizar as informações coletadas.

    08. Depois de ter um esboço da história, mostre na comunidade, leia para os que não do-minam a leitura. Pergunte se as pessoas concordam, se querem acrescentar ou retirar algo, se aceitam seus nomes serem citados, etc.

    09. Na montagem final que tal pensar em fotos ou desenhos – na comunidade tem sem-pre pessoas que sabem e gostam de desenhar.

    10. Bom trabalho!

    Como Proceder Diante de uma Discriminação Racial01. Erga a cabeça e fale forte diante do/a agressor(a), mas evite como resposta a agres-

    são física.02. Consiga imediatamente, no local e no momento, duas testemunhas do fato. (Anote

    nomes completos, endereços, telefones, etc.).03. Faça na Delegacia de Polícia mais próxima o BO (Boletim de Ocorrência). É simples:

    você vai contar o fato, que será registrado na Delegacia. Peça uma via do BO.04. Se você tiver lesões, dirija-se ao Instituto Médico Legal - IML para fazer exame de

    corpo delito.05. Em seguida, procure o Ministério Público para formalizar a denúncia e solicitar as

    providências cabíveis. Entre em contato também com entidades do Movimento Negro, de Direitos Humanos ou correlatas, que lhes orientarão quanto às ações políticas.

  • • 48 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    incorrigível, morador do Sacavém, trabalhador da Companhia de Águas e Esgotos do Ma-ranhão – CAEMA. Foi naquela época então que a Associação dos Servidores da empresa resolveu realizar uma corrida rústica. Quase 20 quilômetros o percurso. Craque, um dos primeiros inscritos, alardeava que seria o campeão. Os demais competidores estavam na faixa etária média de 23, 24 anos; por isso, os risos dos que ouviam as bravatas de Craque.

    Finalmente chegou o grande dia em que Craque ficaria com o nome na história da CAEMA. Foi dada a alargada, e ele por alguns minutos garantiu bravamente a dianteira, mas, pouco a pouco foi ficando para trás. À frente: os jovens sarados, os esportistas, os malhadores de academia, etc.

    Na chegada, para surpresa dos “garotões geração saúde”, Craque já se encontrava na Associação: suado, esbaforido, saltitante, pronto para outra corrida, dando cambalho-ta, revirando carambela, se abraçando com as namoradas, e, riso largo, cumprimentando os que chegavam depois dele. No ar uma grande interrogação de todos: como!? A comis-são organizadora, sem delongas chamou os vencedores ao podium e Craque (agora Cra-cão) recebeu o troféu e o prêmio de 1º lugar. Radiante, o campeão distribuiu autógrafos à criançada, beijos e abraços às “negas”, e, aos amigos, atendeu a todos bebericando em suas respectivas mesas.

    Craque virou lenda na história da CAEMA, mesmo depois de ter explicado de forma sincera a façanha. Durante a corrida, quando estava no Anel Viário, um amigo/vizinho, motorista de ônibus, passou dirigindo o “bus” e perguntou:

    - Ei Craque! Aonde tu vai assim com essa pressa toda, cara?- Rapaz, tô indo pra Associação!- Então pega uma carona. Te deixo na Rodoviária, fica lá perto. Sobe!Moral da história: Craque espertamente aplicou a política da igualdade pela cota

    (nesse caso traduzida pela “carona”) para superar uma falsa democracia em que todos atletas seriam iguais perante a corrida rústica – vencendo o melhor.

    Lembrando o mestre Abdias do Nascimento, quando afirma que no Brasil a demo-cracia foi estabelecida como uma corrida em que os brancos já saíram com vários quilô-metros à frente dos negros. E depois ainda dizem que o negro é incompetente.

    (*) A história narrada não é, obviamente, um exemplo a ser seguido; mas, nos oferece pistas para discussões e reflexões em sala de aula. Uma boa idéia é o(a) professor(a) sugerir aos alunos e alunas que organizem uma corrida considerando as diferenças: gênero, geração, massa corpórea, necessidades especiais, etc.

    “Os negros apresentam suas armas:as costas marcadas,as mãos calejadas

    e a esperteza que só temquem está cansado de apanhar”

    (Música: Selvagem, Herbert Viana e João Barone)

    • 17 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    ANDRÉ REBOUÇASEngenheiro, físico, biólogo,

    astrônomo, matemático MARIA ARAGÃOMédica, militante comunista

    ALEIJADINHOEscultor

    LÉLIA GONZÁLESDoutora em Antropologia

    ABDIAS DO NASCIMENTOEx-Senador, escritor,

    historiador, dramaturgo

    MARIA FIRMINAProfessora, escritora

    MILTON SANTOSDoutor Geógrafo

    Prêmio Internacional de Geografia

    MUNDINHA ARAÚJOJornalista, pesquisadora,

    historiadora

    TEODORO SAMPAIOEngenheiro, geógrafo,

    historiador

    BENEDITA DA SILVAEx-Deputada Federal,

    ex-Governadora do Rio de Janeiro

    JOAQUIM BARBOSAJuiz, Ministro do Supremo

    Tribunal Federal - STF

    CHIQUINHA GONZAGAMusicóloga, regente,

    compositora

    GLÓRIA MARIAJornalista, repórter

    ÁRVORE DA SAPIÊNCIA AFRO-BRASILEIRA: herança da ancestralidade africana

    SILVIA CANTANHEDEEsteticista, militante do movimento negro e de mulheres negras

  • • 18 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    COMO APAGARAM AS CONQUISTAS DOS POVOS AFRICANOS?

    Por que tantas conquistas ficaram sem registro, prevalecendo a imagem do africano selvagem, atrasado e ignorante? Vários fatores, além da pura falsificação eurocêntrica, contribuem para esse fato.O primeiro fator está no holocausto, que prosseguiu durante séculos a devastação

    dos centros civilizatórios africanos onde esse desenvolvimento acontecia, e o seqüestro para o cativeiro de enormes contingentes de sua juventude criadora, elemento respon-sável pela sua continuidade. Destruídos os centros de desenvolvimento, pouco restou para ser observado. O roubo puro e simples dos bens culturais e intelectuais da África aconteceu durante mais séculos ainda. Os sucessivos saques e incêndios da biblioteca de Alexandria por gregos e macedônios, para não falar dos romanos, abrangem séculos de devastação. Não ficam atrás os constantes seqüestros de bens artísticos, símbolos do poder político, da ciência e da religião na África, levados para museus europeus.

    Um agravante desse fator se encontra no material de que eram feitos esses bens, quase sempre perecível. Os hieróglifos, por exemplo, eram grafados em papiro, em nítido contraste com a escrita cuneiforme da antiga Suméria ou Babilônia, registrada em pedra ou barro, materiais duráveis.

    O segundo fator na perpetuação dessa imagem é a fascinação dos estudiosos eu-ropeus, sobretudo os antropólogos, pelo exótico. O enfoque antropológico, embora em suas mais nobres expressões tente respeitar o meio cultural estudado, detém-se em geral numa visão estática, localizando um grupo numa conjuntura e fixando-o como se esti-vesse preso para sempre à condição em que foi estudado. Esse enfoque, além de realçar o primitivo, obscurece os processos dinâmicos de fluxo e mudança que sempre caracte-rizaram a história africana. Palco de uma movimentação constante em busca de novos espaços, rotas comerciais, intercâmbio e comunicação internacional, a África nunca se reduziu ao viveiro de povos isolados, perdidos na selva e ocupados com pesca e caça que o enfoque antropológico acabou retratando. No século XII, por exemplo, estados da Áfri-ca Oriental mandavam ouro e elefantes à China em embarcações muito mais sofisticadas

    “Desconfiai do mais trivial na aparência singela.E examinai, sobretudo, o que parece habitual.Suplicamos expressamente:Não aceitei o que é de hábito com coisa natural,pois em tempo de desordem sangrenta,de confusão organizada,de arbitrariedade consciente, de humanidade desumana,nada deve parecer natural,nada deve ser impossível de mudar.”

    (Bertholdo Brecht, dramaturgo)

    • 47 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    A Saga d@s Afro-Brasileir@s Contra o Racismo

    Ahistórica luta d@ negr@ brasileir@ contra o racismo nasce com a própria institui-ção da escravidão negra neste país e continua após a abolição com o surgimento da impresa negra (1910), da Frente Negra Brasileira (1930), do Teatro Experimental do Negro (1946) e do Movimento Negro atual (década de 70) estando aí incluídos O Movimento Negro Unificado (1978) e o Centro de Cultura Negra do Maranhão (1979); isso sem falar da resistência das diversas manifestações culturais e religiosas de origem africana, bem como das comunidades negras rurais com base em quase todo o território brasileiro.

    Transcrevemos a seguir trecho do discurso no Senado Federal, em agosto de 1997, do então Senador Abdias do Nascimento:

    “Desenvolvida desde a chegada a estas terras dos primeiros africanos escravi-zados, a luta dos afro-brasileiros pela igualdade e justiça é uma saga de crueldade e revolta, sofrimento e redenção, que se estende pela História do país e se confunde com a luta pela liberdade do povo brasileiro. Maioria absoluta da população nos templos da Colônia e do Império, e ainda maioria neste final de milênio – apesar das tentativas de embranquecer o Brasil estimulando-se a imigração européia – os africanos e seus descendentes têm sido desde sempre os verdadeiros responsáveis pela construção deste país. Em troca, o que sempre recebemos foi a discriminação, a humilhação e o desprezo, edulcadorados por uma ideologia terrível na sua capaci-dade de amortecer a consciência dos oprimidos e subjugados: o mito da “democracia racial”, instrumento que se revelou extraordinariamente eficaz em manter os negros no lugar de subalternidade absoluta em uma sociedade que, apesar da multirracio-nal e pluriétnica, apresenta níveis de desigualdade mais elevados do que nações até recentemente caracterizadas pela prática do racismo oficial”.

    Craque e a Cota (*)

    Ofato aconteceu por volta de 1980. Craque é um afro-descendente com traços indíge-nas, pequeno, magro, ainda ágil para seus cinqüenta e tantos anos, na época do acon-tecido. Bom de bola – daí o apelido – bom de samba, favelense doente, conquistador

    “Se me perguntarem o que é a minha Pátria, direi:Como, porque e quando a minha Pátria,Mas sei que a minha Pátria é a luz, o sal e a águaque elaboramos e liqüefazem a minha mágoa em longas lágrimas amargas.Vontade de beijar os olhos de minha Pátria, de mimá-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...”

    (Vinícius de Moraes)

  • • 46 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    11/2/1990Libertação do líder negro africano Nelson Mandela21/3Dia Internacional para Eliminação da Discriminação Racial

    03/5Dia Nacional de Combate ao Racismo na Educação13/5Abolida “juridicamente” a escravidão no Brasil (Lei Áurea)Dia Nacional de Denúncia contra o Racismo

    20/11/1695Martírio do líder negro brasileiro Zumbi dos Palmares20/11Dia Nacional da Consciência Negra

    Valorizar o negro e a negra, chamando a atenção para essa importante contribuição na construção do país, pode trazer uma valorização positiva para as nossas raízes cultu-rais africanas, podendo esta atitude levar afrodescendentes a valorização e identificação com nossas raízes, o que poderia contribuir para elevar ou resgatar a identidade étnico-racial e conseqüentemente a auto-estima negra. A sugestão de introdução de estudos africanos a partir da inserção da história africana no currículo escolar a fim de que sejam resgatados pontos positivos de referência às alunas negras e aos alunos negros remonta décadas e vem de encontro ao fato de que as instituições escolares não oferecem ao alu-nado negro condições de socialização que promovam o pleno desenvolvimento de suas potencialidades.

    Um plano de formação de professores(as) que inclua a necessidade de se refletir sobre a diversidade que há numa sala de aula, numa sociedade multiétnica e pluricultural como a nossa é necessário. Sabemos que a tentativa de a escola tornar homogêneo o que é heterogêneo cria um descompasso entre crianças e adolescentes, o que é incompatível com a educação de hoje e contribui para excluir aquelas ou aqueles que não correspon-dem às suas exigências homogeneizantes.

    Para que as relações étnico-raciais se constituam em temática educacional é preci-so proporcionar a formação continuada para sensibilizar e capacitar professoras e pro-fessores e demais profissionais da educação a conduzir a reeducação das relações entre diferentes grupos étnico-raciais que compõem a população brasileira, ou seja, os descen-dentes de africanos, de europeus, de asiáticos e povos indígenas.

    O conhecimento da história e cultura afro-brasileira e africana poderá contribuir para que o mito da democracia racial existente na sociedade brasileira seja de vez des-construído, uma vez que o mesmo vem perpetuando a crença de que as pessoas negras, sejam elas mulheres ou homens, não ocupam o lugar que lhes cabe por outras razões que não sejam as seculares desigualdades.

    Propomos uma educação que forme professoras e professores, alunas e alunos para que o repasse de valores culturais e sentimentos positivos pautados na ancestrali-dade africana possam colaborar para a construção de uma identidade étnica e uma auto-estima positiva aos descentes de africanos, maioria da população no nosso país.

    DATAS QUE A HISTÓRIA OFICIAL TEIMA EM ESQUECER...

    • 19 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    que a caravela utilizada pelos portugueses, três séculos mais tarde, na sua acidental che-gada às Américas.

    O terceiro fator é que a história africana convencional foi escrita com base em do-cumentos exógenos. Desde o tempo de Ibn Khaldun, quando se inicia essa história, se-gundo o critério do registro escrito, o documento estudado pelo historiador tem sido o documento do invasor colonizador. A tradição oral africana foi excluída até muito re-centemente como fonte histórica. As próprias línguas africanas são reduzidas até hoje, e muito comumente no Brasil, à condição de “dialetos”.

    Esses fatores resultam naquilo que se aceita como história da África, em distor-ções tão constantemente reproduzidas que acumulam a força de verdades absolutas. Os registros de Ibn Khaldun e seus colegas islâmicos ignoram, por exemplo, a resistência protagonizada por povos africanos como berberes, tuaregues, shilluk, azande, e nuer, que defenderam com unhas e dentes seus territórios e suas culturas contra a dominação mu-çulmana. Da mesma forma, a história da África do século XV até o presente tem sido es-crita a partir dos documentos deixados por invasores e colonizadores europeus. Apenas recentemente, com trabalho de Cheikh Anta Diop, Théophile Obenza, Ivan Van Sertima, Basil Davidson e outros, inicia-se um processo de revisão dessa história convencional distorcida e ainda dominante no imaginário e na concepção populares sobre a África.

    Podemos citar a figura de Tarzan, filme que por muitos anos foi veiculado na te-levisão, retratando a imagem da África como um continente de pessoas selvagens e pri-mitivas, cercada de animais igualmente selvagens, como zebras, elefantes, macacos e le-ões. Um personagem branco endeusado pelos “negros primitivos” como o “rei da selva”. Tal imagem permaneceu por muito tempo no imaginário das pessoas, especialmente de crianças e adolescentes sobre a África.

    “A escravidão nas Américas matou a África.Foram arrancados da África Negra em tornode 100 milhões de negros, desestabilizandosociedades inteiras, fazendo desaparecer váriospovos, corrompendo outros e condenando osafricanos a estagnarem-se no tempo”

    (Júlio José Chiavenato)

    COMO SE DEU O TRÁFICO NEGREIRO?

    OBrasil recebeu da África algo em torno de 18 milhões de africanos, segundo Artur Ramos. Historiadores afirmam que nas caravelas de Martin Afonso de Souza (1530-1532) vieram os primeiros, e, com certeza, o carregamento inicial que inaugura o tráfico negreiro é realizado em 1538, sob o comando de Jorge Lopes Bixorda.

    Para se entender (e não justificar) como se deu essa transação comercial em que o africano passa a ser considerado como “peça”, precisamos nos reportar, em primeiro lugar, ao continente africano no século XV, com suas centenas de povos em seus devidos

  • • 20 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    territórios, com línguas, culturas, religiões e organizações políticas diferentes, e, por isso mesmo, em constantes conflitos e guerras donde resultava o aprisionamento, pelas na-ções vencedoras, dos guerreiros ou simples habitantes das nações derrotadas naquelas contendas.

    São esses prisioneiros de guerra, que serão transformados em “peças”, e, que al-guns historiadores insistem em denominá-los de escravos, levando-nos a imaginar equi-vocadamente que na África havia escravidão tal qual o modelo implantado pelos euro-peus aqui nas Américas.

    Em segundo lugar, precisamos ver a Europa, que nesse mesmo período vive a fase de expansão marítima e de invasões de “novas” terras, e onde se dava, também, o embrio-nário início de uma nova ordem econômica – a denominada era do capitalismo industrial, liderada pela Inglaterra.

    Por outro lado, na América, recentemente invadida, os grandes latifundiários exi-giam a cada dia mais braços para o trabalho na lavoura, sem falar nos garimpos de minas de ouro e pedras preciosas. Diga-se de passagem, que toda essa riqueza gerada no Brasil (colônia) era destinada a Portugal (metrópole).

    Esse, portanto, é o cenário ideal e o estímulo para o desenvolvimento vertiginoso do tráfico negreiro que surge como a principal estratégia para geração de grandes lucros e acumulação de capital, o que não era possível com a escravidão indígena – que no Bra-sil ainda assim sobreviveu por quase 200 anos.

    As mercadorias européias (geral-mente bugigangas) levadas por navios europeus fabricados na Inglaterra eram trocadas na costa da África por prisionei-ros de guerra africanos. Isso se dava com a conivência de diversos chefes africanos que, ainda admitindo-se não saberem con-cretamente a que fim miserável e cruel se destinavam àqueles irmãos e irmãs, foram co-participantes ativos desse hediondo cri-me de lesa-humanidade.

    Assim, lugarejos inexpressivos como Londres e Liverpool, com o advento do trá-fico, alçaram-se em poucas décadas à cate-goria de grandes cidades. E toda Europa, graças a esse capital gerado pela venda e desterro de milhões de african@s, tornou-se até os dias atuais um continente rico e poderoso. Enquanto isso, o continente afri-cano foi literalmente dizimado, constituin-do-se ainda hoje numa das regiões com a existência dos maiores bolsões de fome e miséria do mundo atual.

    “Negros que escravizame vendem negros na Áfricanão são meus irmãos

    negros senhores na Américaa serviço do capitalnão são meus irmãos

    negros opressoresem qualquer parte do mundonão são meus irmãos

    Só os negros oprimidosescravizados em luta por liberdadesão meus irmãos

    Para estes tenho um poemagrande como o Nilo”

    (Solano Trindade, In: “Cantares ao meu povo”)

    • 45 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    Comentários Sobre a Implementação da Lei 10.639/03

    Aobrigatoriedade de inclusão da História e Cultura Afro-Brasi-leira e Africana nos currículos da Educação Básica, principalmen-te no ensino fundamental, requer uma sólida formação continuada de professores(as), enquanto não se inclui na formação inicial a pre-paração para o trato da questão. A inclusão no currículo escolar de temas específicos da história, da cultura, dos conheci-mentos, das manifestações artísticas e religiosas afro-brasileiras, propiciam a ampliação do conhecimento a partir dos conteúdos de aprendizagem que são os conceituais, que se referem ao que precisamos saber dos fatos, conceitos e princípios; os procedimentais, que se relacionam ao saber fazer, ou seja, regras, técnicas, métodos, destrezas e estraté-gias que tornem o fazer pedagógico adequado, e os atitudinais que se referem ao ser, ou seja,as normas, atitudes e valores existenciais, estéticos, intelectuais,morais e religiosos, com valorização no ser negro(a) e sua contribuição para a formação da nossa identidade, viabilizando o reconhecimento do direito dos(as) negros(as) serem sujeitos de sua pró-pria história e conseqüentemente da história de sua comunidade.

    A legislação prevê a inclusão da história da África e d@s african@s, a luta d@s negr@ s no Brasil, a cultura afro-brasileira e o negro na formação da sociedade brasileira, resgatando a contribuição do povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do Brasil e a inclusão, no calendário escolar, do dia 20 de Novembro, aniversário de morte de Zumbi dos Palmares (1695), como “Dia Nacional da Consciência Negra”.

    Trata-se de inserir no currículo e vivenciar nas instituições escolares, mais espe-cificamente na sala de aula, as dimensões do currículo oculto e explícito, fazendo com que os(as) educadores(as) possam despir-se de preconceitos que predominam em sua prática pedagógica.

    A implementação da lei contribui para que se discuta atitudes advindas do racis-mo e suas manifestações: o preconceito e a discriminação raciais, a dominação cultu-ral imposta através de valores “etnoeurocêntricos”, no sistema de educação, para que crianças e adolescentes afrodescendentes sejam educados de maneira a construir uma auto-imagem e um auto-conceito positivo de si mesm@ para que assumam sua verdadei-ra identidade étnico-racial e tenham uma auto-estima positiva para o bom desenvolvi-mento de sua personalidade, fundada nos valores étnicos e culturais negros, combatendo assim o racismo, o preconceito e a discriminação racial existentes em nossa sociedade.A implementação de políticas de ação afirmativa na educação são uma necessidade, a fim de mudar a educação que afrodescendentes recebem no sistema educacional público e privado, que é repleta de valores sexistas, racistas e elitistas, que são absorvidos pelos estudantes, sendo a escola um espaço de atitudes permeadas por tais valores.

    A escola pode favorecer a circulação de conhecimentos e valores culturais afro-brasileiros no processo de escolarização, expressando a pluralidade característica do nosso povo. Tais conhecimentos e valores ensinados e aprendidos como intrínse-cos à multiculturalidade brasileira reconhecem a cultura negra como importante no patrimônio comum, relativizando a cultura eurocêntrica que possui uma hegemoniasecular.

    “A mente, isso sim! Ninguém pode escravizar”.

    (Maria Firmina dos Reis, educadora negrae primeira romancista negra brasileira)

  • • 44 •

    Centro de Formação para a Cidadania - AKONI

    tema e não à escola. A escola enquanto instituição social responsável por assegurar o direito da educação a todo e qualquer cidadão, deverá se posicionar politica-mente, como já vimos, contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta pela superação do racismo e da discriminação racial é, pois, tarefa de todo e qualquer educador, independentemente do seu pertencimento étnico-racial, crença religio-sa ou posição política.

    O racismo segundo o Artigo 5 da Constituição Brasileira, é crime inafiançável e isso se aplica a todos os cidadãos e instituições, inclusive, à escola.

    Leis que beneficiam diretamente os quilombolas

    Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição Federal de 1988Art.68 Aos remanescente das comunidades dos quilombos que estejam ocu-

    pando suas terras é reconhecida propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.

    (Observe-se que o artigo 68 do ADCT foi regulamentado em 20 de dezembro de 2003 pelo Decreto nº. 4.887)

    Constituição Estadual MaranhenseArt.229 O Estado reconhecerá e legalizará, na forma da Lei, as terras ocupa-

    das por remanescentes das comunidades dos quilombos.

    “Pode ser verdade que é impossível decretar a integração por meio da lei, mas pode-se decretar a não-segregação. Pode ser verdade que é impossível legislar sobre

    moral, mas o comportamento pode ser regulamentado.

    Pode ser verdade que a lei não é capaz de fazer com que uma pessoa me ame, mas pode impedi-la de me linchar.”

    (Martin Luther King, líder e ativista do Movimento pelos Direitos Civis

    dos Afro-Americanos, Estados Unidos)

    “PPPPoddddeee ssseerr vvveeeaaa iiiinttteeeggggrraaaçççãããsssee ddddeccrreeettaaarrvveeerrrddddaaaaaddee qqqu

    mmoorraalll,, mmmreggguuuulla

    • 21 •

    EKÓ ILERÁ: um olhar para uma educação e saúde que valorize a ancestralidade afro-brasileira

    RO

    TA D

    O T

    FICO

    NEG

    REI

    RO

    ÁFR

    ICA

    ► A

    MÉR

    ICA

    S

    RO

    TA D

    O L

    UCR

    O C

    OM

    O T

    FICO

    AM

    ÉRIC

    AS

    ► E

    UR

    OPA

    • O

    Bra

    sil f

    oi a

    seg

    un

    da

    mai

    or n

    a-çã

    o es

    crav

    ista

    da

    era

    mod

    ern

    a;•

    Foi

    o ú

    ltim

    o P

    aís

    do

    mu

    nd

    o a

    abol

    ir a

    esc

    ravi

    dão

    (1

    85

    0);

    • Fo

    i o p

    enú

    ltim

    o p

    aís

    da

    Am

    éric

    a a

    acab

    ar c

    om o

    tráfi

    co d

    e es

    cra-

    vos

    (18

    50

    );•

    E o

    Bra

    sil

    foi

    ain

    da,

    o m

    aior

    im

    -p

    orta

    dor

    de

    neg

    r@s,

    na

    con

    diç

    ão

    de

    escr

    avos

    , de

    tod

    a a

    his

    tóri

    a d

    o tr

    áfic

    o d

    e es

    crav

    @s.

  • • 22 •

    Centro de Formação par