Resumo_Bobbio

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Teoria da Norma Jurídica – Norberto Bobbio Capítulo 1 – O direito como regra de conduta

1. Um mundo de normasIntroduz a perspectiva normativa que consiste em considerar o direito como umconjunto de normas ou regras de conduta. Fala da abrangência do fenômenonormativo nas nossas vidas e indica que o direito é uma parte muito importante,talvez a mais visível, da nossa experiência normativa.

2. Variedade e multiplicidade das normas Introduz alguns temas que serão abordados ao longo dos próximos capítulos. Ressalta que a norma jurídica é apenas um dos diversos tipos de normas: sociais, morais, religiosas, etc. Identifica que os diferentes tipos de normas – apesar das diferenças: nos fins a que tendem, no conteúdo, no tipo de obrigação a que dão lugar, no âmbito da sua validade e nos sujeitos a que se destinam – têm em comum a característica de serem proposições com a finalidade de influenciar o comportamento dos indivíduos e dos grupos. 3. O direito é instituição? Aqui é analisada a teoria do direito como instituição de Santi Romano. Para Romano o conceito de direito deve conter os seguintes elementos essenciais:

1. Sociedade 2. Ordem Social 3. Organização

Esse é o elemento mais importante, os dois primeiros são necessários, mas não suficientes.

Para Romano pode-se dizer que se tem direito quando existe uma sociedade ordenada por meio de uma organização ou uma ordem social organizada. Essa sociedade organizada é o que Romano chama de instituição. 4. O pluralismo jurídico Aponta os méritos da teoria da instituição, principalmente no que diz respeito à ampliação dos horizontes da experiência jurídica para além do Estado. A identificação do direito com o direito estatal é caracterizada como decorrente da centralização do poder normativo e coativo característica dos Estados modernos. A doutrina da instituição representa uma reação ao estatismo.

5. Observações críticas Analisa a teoria da instituição cientificamente. Defende que a teoria normativa não equivale à teoria estatista e que essa última é uma teoria normativa restrita. Posteriormente, defende que as normas sempre precedem a organização. É apontado que pode haver normatização sem organização, mas não o contrário. Por fim, reconhece o mérito da teoria da instituição de sinalizar que o direito não é a norma, mas um conjunto coordenado de normas, que uma norma nunca está sozinha, mas

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está ligada a outras normas com as quais forma um sistema normativo.

6. O direito é relação intersubjetiva? Apresenta a teoria da relação intersubjetiva. Apresenta a crítica feita pela perspectiva da instituição a essa teoria. Apresenta a definição de Kant do direito como: “o conjunto das condições, por meio das quais o arbítrio de um pode conciliar-se com o arbítrio de um outro, segundo uma lei universal da liberdade.” Na linha de Kant, deriva-se a subjetividade da ação moral e a intersubjetividade da relação jurídica.

7. Exame de uma teoria Analisa a teoria de Alessandro Levi e defende que mesmo para Levi o que parece definir a relação jurídica como tal são elementos externos a própria relação e que esses elementos são as próprias normas jurídicas, em suma, a relação só é jurídica porque é regulada por uma norma jurídica. 8. Observações críticas A relação jurídica é uma relação direito-dever, mas tanto o direito como o dever são reflexos de uma norma autorizadora e de uma norma imperativa (positiva ou negativa), respectivamente. A relação jurídica refere-se sempre a essas normas jurídicas. A assunção por parte do ordenamento jurídico – assunção que se dá atribuindo a um dos dois sujeitos um direito ao outro um deve – transforma a relação de fato numa relação jurídica. Bobbio argumenta que as três teorias não se excluem reciprocamente. Cada uma delas evidencia um aspecto da multiforme experiência jurídica:

1. Teoria da Relação: a intersubjetividade. 2. Teoria da Instituição: a organização social. 3. Teoria Normativa: a regularidade.

Finalmente, conclui que dos três aspectos complementares, o fundamental continua a ser o aspecto normativo. A intersubjetividade e a organização são condições necessárias para a formação de uma ordem jurídica; o aspecto normativo é a condição necessária e suficiente.

Capítulo 2 – Justiça, validade e eficácia

9. Três critérios de valoração Toda norma jurídica pode ser submetida a três valorações distintas e essas valorações são independentes umas das outras:

1) Se ela é justa ou injusta. O problema da justiça é o problema da correspondência ou não da norma aos valores últimos ou finais que inspiram determinado ordenamento jurídico. Esse problema é resolvido com um juízo de valor. Colocar-se o problema da justiça ou não de uma norma equivale a se colocar o

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problema da correspondência entre o que é real e o que é ideal, entre o que é e o que deve ser. Por isso costuma-se chamar o problema da justiça de problema deontológico do direito.

2) Se ela é válida ou inválida. O problema da validade é o problema da existência da regra enquanto tal, independentemente do juízo de valor sobre ela ser justa ou não. Esse problema é resolvido com um juízo de fato e pressupõe que se tenha respondido à pergunta: o que se entende por direito? Trata-se do problema ontológico do direito.

3) Se ela é eficaz ou ineficaz. O problema da eficácia de uma norma é o problema de saber se essa norma é ou não seguida pelas pessoas a quem se destina (os chamados destinatários da norma jurídica) e, caso seja violada, seja feita valer com os meios coercitivos pela autoridade que a estabeleceu. Pode-se dizer que o problema da eficácia das regras jurídicas é o problema fenomenológico do direito.

10. Os três critérios são independentes Esses três critérios de valoração de uma norma dão origem a três ordens distintas de problemas, e são independentes um do outro:

1. uma norma pode ser justa sem ser válida; 2. válida sem ser justa; 3. válida sem ser eficaz; 4. eficaz sem ser válida; 5. justa sem ser eficaz; 6. eficaz sem ser justa.

11. Possíveis confusões dos três critérios Bobbio afirma que os três problemas fundamentais com os quais se ocupa a

filosofia do direito coincidem com o três critérios e faz uma breve descrição dos campos de pesquisa que se ocupam desses problemas. Ele apresenta o testemunho de três teóricos do direito contemporâneo para sustentar que há consenso sobre essa concepção tripartida da experiência jurídica.

Contudo, Bobbio ressalta que essa distinção não deve ser concebida como uma separação em compartimentos estanques e afirma que para entender a experiência jurídica deve-se entender que os três problemas são três aspectos de um único problema central, que é o problema da melhor organização da vida dos homens associados. Ele enfatiza que se insiste na distinção e na independência das três valorações, é porque considera prejudicial a confusão entre elas, e sobretudo considera não ser possível aceitar outras teorias que não realizam essa distinção tão nitidamente. Dessa forma, Bobbio aponta três teorias reducionistas que serão criticadas nas próximas seções:

1) O direito natural: reduz a validade à justiça; 2) O positivismo jurídico: reduz a justiça à validade;

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3) O realismo jurídico: reduz a validade à eficácia.

12. O direito natural Poderíamos definir a corrente do direito natural como aquela corrente de

pensamento jurídico segundo a qual uma lei, para ser lei, deve ser conforme à justiça. A seguir, Bobbio apresenta citações para corroborar essa definição. Que o direito corresponda à justiça é inegavelmente um ideal a ser alcançado, mas não é a realidade de fato.

Além disso, Bobbio defende que apenas com a condição de que a justiça fosse uma verdade evidente ou no mínimo demonstrável como uma verdade matemática e, portanto, nenhum homem pudesse ter dúvidas sobre o que é justo ou injusto – condição essa que ele não considera satisfeita – é que poderíamos concordar em reconhecer como direito unicamente aquilo que é justo. São citadas as divergentes opiniões em relação à justiça de diversos pensadores como evidencia.

Analisa a questão de quem deveria determinar o que é justo ou injusto depois de defender que a natureza por si só não oferece apoio suficiente. No caso em que caberia a todos os cidadãos essa tarefa, é apontado que se alguém resolvesse desobedecer à lei por considerá-la injusta, e por ser injusta é inválida, nada poderia ser feito em relação a ele.

Por fim, Bobbio defende que essa redução da validade à justiça é mais afirmada que aplicada. O segundo argumento que ele utiliza para tal é baseado na doutrina comum dos jusnaturalistas de que o direito positivo não conforme com o direito natural deve ser considerado injusto, mas não obstante isso deve ser obedecido (é a chamada teoria da obediência). Mas o que significa propriamente “obedecer”? Significa aceitar uma certa norma de conduta como vinculativa, ou seja, como existente num dado ordenamento jurídico e, portanto, válida. E o que é a validade para uma norma senão a pretensão, talvez garantida pela coação, de ser obedecida até pelos que recalcitram por considerá-la, segundo seu critério pessoal de valoração, injusta? Bobbio afirma que a conclusão final é a mesma: a justiça e a validade de uma norma são duas coisas diferentes. 13. O positivismo jurídico Essa é a teoria oposta ao jusnaturalismo e sua doutrina é a de que só é justo o que é comandado, e pelo fato de ser comandado; uma norma só é justa enquanto é válida. A teoria de Hobbes é apresentada como o exemplo completo do positivismo jurídico. Seu argumento é apresentado com um pouco mais de detalhes, mas é basicamente o seguinte: no estado de natureza não existe o justo e o injusto, pois não existem convenções válidas. No estado civil o justo e o injusto repousam no comum acordo dos indivíduos de atribuir ao soberano o poder de decidir o que é justo o que é injusto. Para Hobbes, portanto, a validade de uma norma jurídica e a justiça dessa norma não se distinguem, pois a justiça e a injustiça nascem juntamente com o direito positivo, ou seja, juntamente com a validade. Bobbio aponta que a conseqüência de aceitar o ponto de vista hobbesiano é a redução da justiça à força. A distinção entre validade e justiça serve precisamente para

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distinguir a justiça da força. Por fim, são apresentados os argumentos de Rousseau refutando a doutrina de que a justiça é a vontade do mais forte, resumidamente: “Admitindo-se que seja possível desobedecer impunemente, pode-se fazê-lo legitimamente [...] Se é preciso obedecer pela força, não é necessário obedecer por dever; e se não mais se é forçado a obedecer, não se está obrigado a fazê-lo.”

14. O realismo jurídico Em antítese ao jusnaturalismo (concepção ideal do direito), essas correntes podem ser chamadas de realistas; em antítese ao positivismo (concepção formal do direito), conteudistas, no sentido de que não vêem o direito como deve ser, mas como efetivamente é, e tampouco vêem o direito como conjunto de normas válidas, mas como normas que são efetivamente aplicadas numa determinada sociedade. Bobbio aponta três momentos em que tal modo de conceber o direito surgiu:

1) Escola histórica Para a escola histórica, o direito não se deduz de princípios racionais, mas é um fenômeno histórico e social que nasce espontaneamente do povo: o fundamento do direito, para usar uma expressão que se tornou famosa, não é a natureza universal, mas o espírito do povo (Volksgeist).

2) Concepção sociológica do direito O efeito mais relevante dessa nova concepção evidencia-se no apelo mais insistente dirigido não tanto ao direito consuetudinário, quanto ao direito judiciário, ou seja, ao direito elaborado pelos juízes naquela obra de contínua adaptação da lei às necessidade concretas emergentes da sociedade, que deveria ter constituído, segundo os adeptos dessa orientação, a solução mais eficaz para acolher as instâncias do direito, que se elabora espontaneamente no variado entrelaçamento das relações sociais e no variado embate dos interesses contrapostos.

3) Concepção realista do direito Holmes e Pound são defensores de uma posição mais moderada. O primeiro defende uma visão evolutiva do direito, mais sensível às mudanças da consciência social e o segundo uma concepção do jurista sociólogo, que leva em conta os fatos sociais dos quais o direito deriva e deve regular, na aplicação e interpretação do direito.Frank defende a posição mais radical de que o direito é criação contínua do juiz, o direito é obra exclusivamente do juiz no ato em que decide uma controvérsia.

Bobbio indica que a crítica às corretes sociológicas resumiu-se em geral numa revisão das fontes do direito e analisará como se apresenta a relação entre validade e eficácia em duas dessas fontes:

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1) Direito consuetudinário Dizer que um costume se torna válido em razão da sua eficácia

equivaleria a sustentar que um comportamento se torna jurídico apenas pelo fato de ser constantemente repetido. Para que um costume receba uma forma jurídica – e, portanto passe a ser válido – o costume deve ser acolhido num determinadosistema jurídico como comportamento obrigatório, ou seja, como comportamento cuja violação implica uma sanção.

2) Direito judiciário (o juiz legislador) O direito vivo – que Bobbio define como sendo simplesmente um fato ou uma série de fatos dos quais o juiz extrai o conhecimento das aspirações jurídicas que se vão formando na sociedade – ainda não é direito, ou seja, norma ou conjunto de normas daquele sistema, enquanto é apenas eficaz. Torna-se direito no momento em que o juiz, reconhecido como criador de direito, lhe atribui também a validade. Se o direito vivo pode ser considerado fonte de cognição jurídica, somente o juiz (e com maior razão o legislador) pode ser considerado como fonte de qualificação.

Capítulo 3 – As proposições prescritivas

15. Um ponto de vista formal O ponto de vista formal adotado consiste em considerar a norma jurídica

independentemente do seu conteúdo, ou seja, na sua estrutura, especificamente, a estrutura lógico-lingüística.

Bobbio ressalta que o ponto de vista formal que será adotado para estudar o direito não exclui as outras maneiras de fazê-lo. Isso é ressaltado para que a perspectiva formal adotada não seja confundida com um dos formalismos, dos quais ele distingue três tipos que não devem ser confundidos, pois dizem respeito a problemas diversos:

1) Formalismo ético É a doutrina de que é justo o que é conforme à lei. A justiça consiste na lei pelo simples fato de ser lei.

Responde à pergunta: “O que é a justiça?”2) Formalismo jurídico O direito não deve prescrever o que cada um deve fazer, mas simplesmente o modo como cada um deverá agir se quiser alcançar os próprios objetivos, e, portanto, não cabe ao direito estabelecer o conteúdo da relação intersubjetiva, e sim a forma que esta deve assumir para ter certas conseqüências.

Responde à pergunta: “O que é o direito?” 3) Formalismo científico Diz respeito ao modo de conceber a ciência jurídica e o trabalho do

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jurista, ao qual é atribuída a tarefa de construir o sistema dos conceitos jurídicos tais como são extraídos das leis positivas, que é tarefa puramente declarativa ou recognitiva, e não criativa, e de extrair dedutivamente do sistema assim construído a solução de todos os possíveis casos controversos.

Responde à pergunta: “Como deve comportar-se a ciência

16. A norma como proposição Do ponto de vista formal, que aqui elegemos uma norma é uma proposição.

Por “proposição” entendemos um conjunto de palavras que possuem um significado no seu todo. É preciso distinguir uma proposição do seu enunciado. Por “enunciado” entendo a forma gramatical e lingüística com que um determinado significado éexpresso, motivo pelo qual a mesma proposição pode ter enunciados diversos. De maneira inversa, com o mesmo enunciado é possível exprimir, em contextos e em circunstâncias diferentes, proposições diversas. É importante notar que um conjunto de palavras sem significado não é uma proposição falsa.

Por fim, assim como uma proposição em geral pode ter um significado, mas ser falsa, da mesma forma uma proposição normativa pode ter um significado e ser – não diríamos falsa – mas, inválida ou injusta.

17. Formas e funções Podemos distinguir os vários tipos de proposições com base em dois critérios:

1) Forma Gramatical a. declarativas b. interrogativas c. imperativas d. exclamativas

2) Função a. asserções b. perguntas c. comandos d. exclamações

Os dois critérios de distinguem porque o primeiro diz respeito ao modo como a proposição é expressa, o segundo, ao fim que aquele que pronuncia a proposição se propõe alcançar. E pode-se demonstrar que os dois critérios são diversos pelo fato de que a mesma função pode ser expressa com formas diversas, e, vice-versa, com a mesma forma gramatical podem-se exprimir funções diversas.

De todos os tipos de proposições interessam-nos particularmente os comandos, ou seja, aquelas proposições cuja função é, como veremos melhor a seguir, influir no comportamento alheio para modificá-lo. Apresenta uma série de exemplos para mostrar que um comando pode ser expresso em todas as formas gramaticais. Depois dá exemplos de como uma mesma forma gramatical pode exprimir diferentes funções.

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18. As três funções Distingue três funções fundamentais da linguagem:

1) descritiva linguagem científica: levar a conhecer.

2) expressiva linguagem poética: levar a participar [de um estado de espírito]

3) prescritiva (função que mais nos interessa) linguagem normativa: levar a fazer

Bobbio ressalta que é difícil encontrar esse tipo de linguagem em estado puro,

mas que em alguns casos elas tentam eliminar a influência dos outros tipos: o ideal docientista, da poesia e dos códigos legais modernos. Também são apontados casos cujacaracterística é justamente a de combinar dois ou mais tipos de linguagem:

Bobbio defende que a simples elocução do comando muitas vezes não é suficiente para levar a fazer: às vezes é necessário que conheça certos fatos e deseje certas conseqüências, o que pode ser alcançado utilizando-se as outras funções da linguagem.

19. Características das proposições prescritivas Esta seção trata das características que diferenciam as proposições prescritivas

das descritivas que podem ser resumidas em três pontos: 1) Quanto à função

Com a descrição visamos informar os outros; com a prescrição, modificar seu comportamento. Isso não significa também que uma informação não influa no comportamento alheio, mas a influência da informação no meu comportamento é indireta, enquanto a influência da prescrição é direta. Toda modificação voluntária do comportamento pressupõe o momento prescritivo.

2) Quanto ao destinatário Diante de uma proposição descritiva, pode-se falar do assentimento do destinatário quando este crê que a proposição seja verdadeira. Numa proposição prescritiva o assentimento do destinatário manifestado pelo fato de que a executa.

3) Quanto ao critério de valoração (critério decisivo) Das proposições descritivas pode-se dizer que são verdadeiras ou falsas (segundo critérios de verificação empírica: correspondência aos fatos, ou critérios de verificação racional: correspondência a postulados auto-evidentes). Das proposições prescritivas não faz sentido dizer o mesmo, faz sentido dizer que são justas ou injustas

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(critério de justificação material: correspondência aos valores últimos); válidas ou inválidas (critério de justificação formal: derivação das fontes primárias de produção normativa).

20. As proposições prescritivas podem ser reduzidas a proposições descritivas? A tese reducionista que Bobbio tentará refutar é a seguinte:

Uma prescrição, por exemplo, “Faça X” pode ser sempre reduzida a uma proposição alternativa deste tipo: “Ou você faz X, ou lhe acontece Y”, em que Y indica uma conseqüência desagradável.

Afirma-se que a proposição alternativa não é mais uma prescrição, é uma

proposição que descreve o que irá acontecer. Bobbio afirma que essa redução pressupõe que o comando implica sempre a ameaça de uma sanção, ou seja, que a força do comando está nas conseqüências desagradáveis que o destinatário deve esperar da inexecução.

Bobbio não crê que seja possível aceitá-la, principalmente por três considerações:

1) Nem todo comando é caracterizado pela sanção. Bobbio defende isso baseado em fatos. 2) Bobbio reconhece que o primeiro argumento não é decisivo. Ele admite que existe um verdadeiro comando somente onde a ausência da execução comporta conseqüências (“... ou acontece Y”) desagradáveis, e que, portanto, é possível admitir que uma prescrição sempre se resolva numa alternativa. Contudo, é evidente que “desagradável” não é um termo descritivo, mas de valor. Quando digo que determinada coisa é desagradável, não digo nada sobre as qualidades da coisa; digo simplesmente que aquela coisa deve ser evitada, ou seja, formulo um convite ou uma recomendação para que seja evitada; em outras palavras, viso influenciar o comportamento alheio num certo sentido (aí se encontra novamente a função prescritiva que se buscava eliminar). 3) O terceiro argumento é o que parece decisivo. A conseqüência atribuída à inexecução de um comando (“... ou acontece Y”) não é o efeito naturalisticamente entendido da ação contrária à lei, mas é uma conseqüência atribuída a essa ação pela mesma pessoa que estabeleceu o comando. Portanto, essa conseqüência está em relação de imputação com o ilícito e não em relação de causalidade. Isso implica que, em caso de violação, intervém um novo comando (para quem deve executar a punição) e, correlativamente, uma nova obrigação (daquele que recebe esse comando de executá-la [a punição]). Desse modo, outro imperativo é colocado em ação. Logo, se ele está excluído da primeira parte, localiza-se implicitamente na segunda.

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21. As proposições prescritivas podem ser reduzidas a proposições expressivas? A tese reducionista que se buscará refutar agora é a seguinte:

Dizer “Você deve fazer X” ou “Faça X” equivale a dizer: “Eu quero (ou eu gostaria, eu desejo, etc.) que você faça X”.

O comando seria redutível, em última análise, à expressão de um estado de espírito e consistiria na comunicação de um estado de espírito a outros.

Bobbio não crê que seja possível aceitá-la, principalmente por três considerações: 1) No que diz respeito à funcionalidade, mantém-se definitivamente insuperável a diferença entre o fazer com que outros participem de um estado de espírito e o fazer com que se realize uma determinada ação. 2) Consideração mais decisiva. Um comando caracteriza-se como tal em função do resultado que ele obtém, independentemente do sentimento que provoca na pessoa do destinatário. A lei é caracterizada como tal pelo fato de cumprir com a sua função de exercer uma influência no comportamento dos cidadãos, sejam quais forem as valorações que determinem o seu cumprimento. 3) As valorações que lhe dera origem [à lei] podem ter se extinguido; todavia a lei continua a ser uma lei e a determinar o comportamento dos cidadãos.

Introdução às seções 22, 23, 24 e 25. Nas próximas seções, serão analisados três critérios fundamentais de distinção

na categoria das prescrições na tentativa de localizar as prescrições estritamente jurídicas:

1) Quanto à relação entre sujeito ativo e passivo da prescrição Seção 22. Imperativos autônomos e heterônomos.

2) Quanto à forma Seção 23. Imperativos categóricos e hipotéticos.

3) Quanto à força obrigatória (imperatividade) – Critério Decisivo. Seção 24. Comandos e conselhos. Seção 25. Os conselhos no direito

22. Imperativos autônomos e heterônomos

No que diz respeito à relação entre sujeito ativo e passivo, os imperativos autônomos distinguem-se dos heterônomos. Chamam-se autônomos aqueles imperativos em que quem estabelece a norma e quem a executa são a mesma pessoa. Chamam-se heterônomos aqueles em que quem estabelece a norma e quem a executa são duas pessoas diferentes.

Essa classificação foi usada para tentar distinguir a moral do direito, identificando a primeira com os imperativos autônomos e o segundo com os heterônomos. Bobbio critica essa tentativa devido ao seguinte:

1) Existem sistemas morais fundados na heteronomia. Moral religiosa.

2) Existe autonomia no direito. Contratos;

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O Estado democrático (apenas até certo ponto no caso da democracia indireta).

23. Imperativos categóricos e hipotéticos 1. Imperativos categóricos - Incondicional

a) Normas éticas “Você deve X”.

2. Imperativos hipotéticos - Condicional

b) Normas técnicas / habilidade Refere-se a um fim possível (que pode ser perseguido ou não)

“Se você quer Y, deve X”. c) Normas pragmáticas / prudência Refere-se a um fim real (que não pode deixar de ser perseguido)

“Uma vez que você deve X, também deve Y”.

Bobbio defende que os imperativos hipotéticos muitas vezes não são imperativos de fato e tem apenas um valor descritivo. Neles observa-se necessidade apenas num sentido naturalístico – e não jurídico nem moral – decorrente de uma relação natural de causa/efeito que é convertida numa relação meio/fim.

Bobbio afirma os imperativos jurídicos muitas vezes assumem a forma de imperativos hipotéticos cuja característica é que a conseqüência ou o fim não é o efeito de uma causa em sentido naturalístico, mas uma conseqüência que é imputada a uma ação, considerada como meio, pelo ordenamento jurídico, ou seja, por uma norma. Nesse caso, trata-se de uma verdadeira prescrição e pode-se falar propriamente de ação obrigatória.

Contudo, esse critério não é considerado suficiente devido ao fato dos imperativos hipotéticos não apresentarem sempre função prescritiva.

24. Comandos e conselhos Os imperativos (ou comandos) são aquelas prescrições que possuem maior força vinculante. Essa maior força vinculante se exprime dizendo que o comportamento previsto pelo imperativo é obrigatório. Mas nem todas as prescrições, ou melhor dizendo, nem todas as proposições com que procuramos determinar o comportamento alheio dão lugar às obrigações. Existem modos mais brandos ou menos vinculantes de influir no comportamento alheio. Vamos examinar dois tipos de prescrições que têm particular relevo no mundo do direito: os conselhos e os pedidos. Essa seção ocupa-se da distinção entre comandos e conselhos, que pode ser resumida no quadro seguinte, retirado da aula de IED I do prof. Alexandre Veronese, que apresenta os argumentos de Hobbes e a aceitação deles por Bobbio:

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25. Os conselhos no direito Que a função consultiva seja o caráter de órgãos com menor prestígio em relação aos dotados de função imperativa, é claramente demonstrado por aquilo que acontece no ordenamento internacional, em que os organismos internacionais não têm, em relação aos Estados (que conservam a sua soberania), o poder de determiná-los obrigatoriamente, ou seja, de dar-lhes comandos, mas simplesmente o de endereçar-lhes as sua recomendações. O que na terminologia do direito internacional é a recomendação, na terminologia jurídica tradicional e na linguagem comum é o conselho, vale dizer, uma proposição cuja força de influir no comportamento alheio não alcança a eficácia máxima que é a da obrigatoriedade.

Bobbio distingue ainda as exortações dos conselhos, baseado nos meios que usam para modificar o comportamento alheio:

1) Conselho - Expõe fatos ou razões - Combinação de elementos prescritivos e descritivos

2) Exortação - Tenta suscitar sentimentos - Combinação de elementos prescritivos e emotivos

Ao contrário dos conselhos, as exortações não parecem ter importância direta num ordenamento jurídico.

*Na tabela original da aula está de outra forma: “Razoável com uma ressalva”, mas no texto Bobbio fala apenas em cautela.

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26. Comandos e pedidos Expõe a diferença do pedido em relação ao comando e ao conselho. No que diz respeito ao comando, a diferença fundamental é – como no caso do conselho também em relação ao comando – a ausência de uma obrigação na pessoa a quem o pedido se destina. No que diz respeito ao conselho, a diferença fundamental está no fato de que o conselho é dado no interesse da pessoa a quem se dá o conselho; o pedido, por sua vez, é expresso no interessa da pessoa que faz a solicitação.

Os pedidos estão presentes num ordenamento jurídico, trata-se de atos com os quais tenta-se provocar uma deliberação em nosso favor. Se se entende o comando como instituidor de uma relação jurídica entre um poder e um dever (um direito e uma obrigação), no conselho o que está ausente é sobretudo o dever; no pedido o que está ausente é o poder. No conselho o que chama a atenção, em relação ao comando, é a ausência da obrigação de segui-lo; no pedido o que chama a atenção, sempre em relação ao comando, é ausência do direito de obter o que se pede.

Bobbio distingue ainda as invocações ou suplicas dos pedidos, baseado nos meios que usam para modificar o comportamento alheio:

3) Pedidos - Expõe fatos ou razões - Combinação de elementos prescritivos e descritivos

4) Invocações ou súplicas - Tenta suscitar sentimentos

- Combinação de elementos prescritivos e emotivos * Tabela resumindo as principais diferenças entre: comandos, conselhos e pedidos. Extraída da aula de IED.

* Tabela retirada da aula de IED I do prof. Alexandre Veronese e digitalizada por Queli Andrade para o Caderno Digital.