Resumo João Batista Freire

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RESENHA EDUCAÇÃO DE CORPO INTEIRO-TEORIA E PRÁTICA DA EDUCAÇÃO FÍSICA [FREIRE, João Batista. São Paulo : Scipione, 1989] Autores: Ranah Manezenco Rodrigues, Fernando Gonzalez, Marcelo Guina Ferreira, Rosicler Goedert e Valter Bracht O livro em questão se apresenta como uma proposta de "Teoria e Prática da Educação Física" (conforme subtítulo), para crianças da pré-escola à 4* série do l º grau. Resenhando, trataremos, primeiramente, de destacar os pontos que consideramos relevantes e como o autor os fundamenta. João Batista Freire inicia seu trabalho, expondo a sua maneira de compreender o que seja uma criança e evidencia sua insatisfação com relação ao sistema escolar, educação institucionalizada, traduzindo-a em duas críticas: 1) a escola submete a criança à uma imobilidade excessiva, que desrespeita sua "marca característica", qual seja, a intensidade da atividade motora; 2) a escola não deve apenas mobilizar a mente, mas também o corpo, pois "corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola"(p. 13). A partir dessas críticas, o autor coloca sua proposta como Educação de Corpo Inteiro, buscando a superação do dualismo corpo e mente presente na escola. J. B. Freire, em sua argumentação, destaca que a criança nessa idade, a partir do surgimento da linguagem, já faz uso do símbolo, representações mentais, sendo função da escola promover o fazer juntamente com o compreender. Fundamentendo-se em Piaget, o autor afirma que "a atividade corporal é o elemento de ligação entre as representações mentais e o mundo concreto, real, com o qual se relaciona o sujeito " (p. 81). Nessa perspectiva, o autor coloca que a criança precisa, primeiramente, encontrar na escola um espaço para agir com liberdade, podendo viver concreta-mente e corporalmente todas as relações e interações de seu corpo

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RESENHA

RESENHA

EDUCAO DE CORPO INTEIRO-TEORIA E PRTICA DA EDUCAO FSICA [FREIRE, Joo Batista. So Paulo : Scipione,

1989]

Autores:Ranah Manezenco Rodrigues, Fernando Gonzalez, Marcelo Guina Ferreira, Rosicler Goedert e Valter Bracht

O livro em questo se apresenta como uma proposta de "Teoria e Prtica da Educao Fsica" (conforme subttulo), para crianas da pr-escola 4* srie do lgrau. Resenhando, trataremos, primeiramente, de destacar os pontos que consideramos relevantes e como o autor os fundamenta.

Joo Batista Freire inicia seu trabalho, expondo a sua maneira de compreender o que seja uma criana e evidencia sua insatisfao com relao ao sistema escolar, educao institucionalizada, traduzindo-a em duas crticas: 1) a escola submete a criana uma imobilidade excessiva, que desrespeita sua "marca caracterstica", qual seja, a intensidade da atividade motora; 2) a escola no deve apenas mobilizar a mente, mas tambm o corpo, pois"corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um nico organismo. Ambos devem ter assento na escola"(p. 13).A partir dessas crticas, o autor coloca sua proposta como Educao de Corpo Inteiro, buscando a superao do dualismo corpo e mente presente na escola.

J. B. Freire, em sua argumentao, destaca que a criana nessa idade, a partir do surgimento da linguagem, j faz uso do smbolo, representaes mentais, sendo funo da escola promover ofazerjuntamente com ocompreender.Fundamentendo-se em Piaget, o autor afirma que"a atividade corporal o elemento de ligao entre as representaes mentais e o mundo concreto, real, com o qual se relaciona o sujeito "(p. 81). Nessa perspectiva, o autor coloca que a criana precisa, primeiramente, encontrar na escola um espao para agir com liberdade, podendo viver concreta-mente e corporalmente todas as relaes e interaes de seu corpo com outros corpos e objetos no espao e no tempo. Dessa maneira, J. B. Freire entende que as experincias corporais que a criana necessita vivenciar para compreender o mundo, precisam estar presentes na escola e serem significativas para ela, ou seja, devem ser experincias

que faam parte da sua realidade. Para o autor, possvel transformar o mundo da escola de lgrau em"um mundo concreto de coisas que tm significado para a criana"(p. 8l),resgatando a "cultura infantil", brincadeiras e jogos das crianas, e introduzindo esses na escola como contedo, com o devido tratamento pedaggico.

Para J. B. Freire, uma vez que o significado das coisas, nessa primeira fase da vida da criana, depende, acima de tudo, da ao corporal, o jogo e a atividade fsica tornam-se um importante recurso pedaggico para ser utilizado pela escola. a partir da que J. B. Freire elege a Educao Fsica como a disciplina do currculo escolar que tem a responsabilidade de trabalhar pedagogicamente a cultura infantil, aproximando a realidade da escola com a realidade da criana. Segundo o autor, esse fazer pedaggico, que leve em considerao o conhecimento que a criana j possui, garante o seu interesse e a sua motivao para aprender.

Em sua proposta, J. B. Freire deixa explcito que discorda da existncia de padres de movimento, pois essa ideia trabalha com uma concepo isolada do ato motor, enfatizando o desenvolvinmento de habilidades motoras, a partir daquilo que se supe existir internamente em cada indivduo. Assim, ele adota , tambm de Piaget, a concepo de esquema motor, que parte da construo de movimentos, nica ao sujeito, sendo determinada tanto por aspectos internos como externos a ele, em cada situao especfica a ser experimentada. Para ele, criana deve ser permitido descobrir sua prpria forma de se movimentar, de estar no mundo.

Encontramos ainda, no trabalho de J. B. Freire, outros temas que tambm so discutidos, inclusive a sugesto de diversas atividades para serem trabalhadas com as crianas, seguidas de uma discusso sobre como elas podem contribuir para o desenvolvimento infantil. Porm, no tivemos a pretenso de abrang-los todos, dando destaque apenas aos pontos que consideramos fundamentais na elaborao de sua proposta, os quais se encontram principalmente nos dois primeiros captulos.

Tendo em vista os pontos acima destacados da proposta em questo, inicialmente situamos a crtica que J. B. Freire faz ao sistema educacional. Na perspectiva do autor, o que tem faltado escola viso e competncia para aproveitar as caractersticas das crianas, dando-lhes melhores condies de aprendizagem. Tal crtica nos parece, no mnimo ingnua, uma vez que at mesmo o autor reconhece "aspssimas condies em que uivem nossos irmos brasileiros...misria o que no falta"(p. 18). Sem as condies essenciais de sobrevivncia no temos as pr-condies para a aprendizagem de qualquer contedo. Ainda que ciente dessa situao, no identificamos, ao longo do trabalho do autor, a preocupao em abordar a relao escola/sociedade.

A "escola", a qual o autor se refere, aparece isolada do seu contexto social e de seus componentes polticos, sendo que as crticas dirigidas ao sistema educacional no contemplam esses aspectos. Quanto sociedade, o autor se iimita a cit-la como "sociedade burocrtica". Ao design-la dessa forma "...osexistentes defeitos da vida poltica e social so separados de qualquer conexo com o presente modo de organizao econmica (o capitalismo) e vinculados to somente uma suposta tendncia estatizante e burocratizante em seu modo de organizao poltica" (Silva,prelo). Considerando que o autor se prope a elaborar uma proposta pedaggica, esta no poderia aparecer desvinculada de um projeto de sociedade, concebido o ato pedaggico enquanto ato poltico.

J. B. Freire, da mesma forma que no discute os fatores bistrico-polticos na relao escola/sociedade, ao tratar do desenvolvimento infantil, tendo como referencial Piaget, limita-se a considerar a importncia desses aspectos, que condicionam esse processo, sem contudo abord-los de forma consistente. Novamente, em se tratando de uma proposta pedaggica,"no suficiente afirmar, a ttulo de defesa - de forma simplista - que...leva em conta os fatores sociais. De qualquer forma, est-se falando, neste caso, dos determinantes sociais do comportamento individual. O que importa, ao contrrio, destacar a existncia de um aparato social e poltico como a educao institucionalizada e as implicaes disso" (Silva,1993). Dentro dessa perspectiva, no s a escola, mas tambm a criana, esto sujeitas aos aspectos econmicos, polticos e de ordem histrica, os quais lhe so determinantes.

No obstante, consideramos pertinente a preocupao de J. B. Freire com a educao nas sries iniciais do lGrau e as perspectivas de um trabalho com a educao fsica. Como tambm relevante a sua observao quanto distncia que existe entre a realidade da criana e a realidade da escola, a qual, em sua maioria, no tem considerado o conhecimento que a criana j possui quando da elaborao do seu projeto educacional. Com esse diagnstico, o autor afirma que possvel aproximar esses dois contextos, fazendo com que a aprendizagem da criana seja significativa. A soluo apresentada por ele, em sntese, a introduo da "cultura infantil", de jogos e brincadeiras, que"...tm exercido ao longo da histria importante papel no desenvolvimento da criana"(p. 24).

Compartilhamos com J. B. Freire a ideia de que o conhecimento que a criana dispe, em termos de experincias corporais, no pode ser desprezado pela escola. Entretanto, quando o autor remete educao fsica, enquanto disciplina, a responsabilidade de trabalhar pedagogicamente esse contedo, a fim de realizar a aproximao do mundo da escola com o mundo da criana, entendemos que preciso considerar alguns pontos.

Em princpio, no que diz respeito ao perodo escolar em questo, no cabe apenas educao tsica promover essa necessria aproximao, sendo que essa tarefa diz respeito a todas as reas do conhecimento que sero trabalhadas na escola. Com relao a se considerar como contedo da disciplina educao fsica a cultura infantil, trata-se de uma afirmao muito genrica, faltando o autor explicitar o qu da cultura infantil especfico da educao fsica. Alm disso, nosso entendimento que educao institucionalizada, escola, cabe transmitir um saber elaborado, um contedo sistematizado, o qual a criana no poder ter acesso fora dela. Isso se d no mbito de todas as disciplinas, logo, ser que a educao fsica, enquanto componente do currculo, no detm um saber especfico, alm daquele que a criana j possui, para transmitir na escola? Se educao fsica compete trabalhar exclusivamente um conhecimento j assimilado pela criana, sua presena na instituio escola no se justifica.

Efetivamente, no dispomos de uma discusso acumulada sobre propostas curriculares elaboradas para esse perodo da escolarizao que estabeleam uma relao especfica com a educao fsica. Assim sendo, de nossa parte no h clareza

quanto necessidade e s possibilidades de se incluir a educao fsica enquanto disciplina componente desses currculos. Como tambm entendemos que, nesse trabalho, mesmo considerando o empenho de J. B. Freire, essa lacuna permanece.

J. B. Freire busca o suporte terico necessrio para sua proposta em Piaget, que, sem dvida, apresenta muitas contribuies no que diz respeito ao desenvolvimento infantil, principalmente do ponto de vista da cognio. Mas, vale destacar que, ao introduzir os conhecimentos dessa teoria e procurar estabelecer relaes com uma proposta para a educao fsica, o autor deveria ter claro que seria preciso enfrentar uma questo fundamental: o fato de que Piaget ao considerar a relevncia das aes corporais, o faz enquanto estas influenciam no desenvolvimento cognitivo. Nesse sentido, perguntamos: em atrelando-se essa teoria como fundamento, no se estabelecem restries para a elaborao de uma proposta pedaggica para a educao fsica?

Sobre essa questo, temos clareza que teorias do desenvolvimento, alm de se aplicarem a todas as reas do conhecimento, no contm todos os elementos necessrios que compem uma proposta pedaggica e, por si s, no servem para justificar a presena dessa ou daquela disciplina, desse ou daquele contedo na escola. A mesma lgica se aplica educao fsica, pois permitir que a criana tenha um bom desenvolvimento cognitivo, no suficiente para determinar que ela necessria na escola. Ou ser essa ento a funo da educao fsica escolar? No existem outras possibilidades para o movimento?

Torna-se importante, tambm, explicitar a ambiguidade que se observa no trabalho de J. B. Freire quanto ao termo Educao Fsica, que ora se apresenta como uma pedagogia do movimento e ora como uma disciplina. Do que decorre outra indefinio, esta de maneira mais ampla, no que se refere "proposta". Isso porque, no decorrer do livro, no possvel identificar, claramente, se o que o autor apresenta uma pedagogia do movimento para a escola como um todo, ou se o que ele reivindica um espao pedaggico especfico para a educao fsica.

J, B. Freire, sugere uma pedagogia do movimento para a primeira infncia e outra para a segunda infncia, a partir das diferenas que a criana apresenta nesses dois momentos. Na primeira infncia, a criana se ocupa em formar estruturas motoras, afetivas, sociais e cognitivas que lhe permitem ofazere ocompreender.J na segunda infncia, a criana deixa de ser o centro de tudo e pode se ajustar melhor realidade exterior, passando da fantasia para uma interao com o mundo, atravs de representaes simblicas, mais prximas da realidade. Embora destacada essa diferena fundamental a ser considerada no trabalho com a criana, o autor no se manifesta acerca de como o movimento deve ser trabalhado no decorrer das outras sries do lGrau, e se isso deve se dar no mbito da disciplina educao fsica. Em consequncia disso, no se pode vislumbrar a perspectiva de uma continuidade no currculo, a partir do que ele prope como contedo a ser desenvolvido.

Atentamos ainda para o fato de que J. B. Freire rompe com a ideia de padres de movimento, optando pela concepo de esquemas motores. Percebemos possibilidades de se avanar, a partir dessa postura, contudo o autor no se aprofunda nessa discusso.

Finalizando, gostaramos de salientar que na proposta de J. B. Freire algumas decorrncias do trabalho a ser realizado com as crianas, no que se refere sua insero e interveno na sociedade, entendida a educao fsica enquanto prtica social, fica a cargo do espontanesmo, como por exemplo, quando o autor afirma que, desde que a educao motora da criana seja eficiente, ela ter"a capacidade de agir na prtica, transformando a realidade"(p. 40). Estando em questo a elaborao de uma proposta pedaggica para a educao fsica escolar, no podemos conceb-la sem uma perspectiva poltica claramente definida, esperando que tal definio se dar espontaneamente. Uma postura assim revela-se ingnua, desprovida de um conhecimento mais aprofundado da dimenso poltica do fazer pedaggico ou, o que mais frequente, define-se politicamente conservadora.

BIBLIOGRAFIA

SILVA, T. T. da.A "Nova" Direita e as Transformaes na Pedagogia da Poltica e na Poltica da Pedagogia.In: GENTILLI, P. A. A. e SILVA, T. T. da (Orgs.).Neoliberalismo, Qualidade Total e Educao: vises crticas.So Paulo, Vozes (Prelo).

____________.Desconstruindo o Construtivismo Pedaggico.Revista Educao e Realidade, Porto Alegre, 18 (2 ):3-10. jul/dez. 1993.