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Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 51, p. 25-45 - 2006 RESUMO Este artigo versa sobre a reinvenção de uma das atividades de trabalho mais co- muns ao mundo rural do interior de Mi- nas Gerais. Nesse cenário, o carro de bois era parte integrante de uma economia de subsistência, cujas relações sociais eram mediadas pela interação do ho- mem com a natureza. Na década de 1970, com as transformações econômicas, quando o cerrado torna-se terras pro- dutivas em grãos para exportação, o car- ro de bois é celebrado em festa popular e as práticas sociais em seu entorno são (re)figuradas, (re)significando sociabi- lidades e memórias de um tempo que não mais existe. Palavras-chave: Cultura e mundo rural; Trabalho e sociabilidade;Tradição e mo- dernidade. ABSTRACT This article argues about the reinvention of a common work activity from the agricultural world in Minas Gerais countryside. In this work activity, the ox- cart was integrant part of a subsistence economy, whose social relations were mediated by the interaction of the man with the nature. In the 1970’s, with the economic transformations, when the open pasture becomes productive lands in grains for exportation, the ox-cart is celebrated in a popular party and the social practical related to it is trans- formed, earning a new social meanning and memories of a time that does not exist anymore. Keywords: Culture and agricultural world; Work and sociability; Tradition and modernity. (Re)significações culturais no mundo rural mineiro: o carro de boi — do trabalho ao festar (1950-2000) 1 Maria Clara Tomaz Machado UFU

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Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 51, p. 25-45 - 2006

RESUMO

Este artigo versa sobre a reinvenção de

uma das atividades de trabalho mais co-

muns ao mundo rural do interior de Mi-

nas Gerais. Nesse cenário, o carro de bois

era parte integrante de uma economia

de subsistência, cujas relações sociais

eram mediadas pela interação do ho-

mem com a natureza.Na década de 1970,

com as transformações econômicas,

quando o cerrado torna-se terras pro-

dutivas em grãos para exportação, o car-

ro de bois é celebrado em festa popular

e as práticas sociais em seu entorno são

(re)figuradas, (re)significando sociabi-

lidades e memórias de um tempo que

não mais existe.

Palavras-chave: Cultura e mundo rural;

Trabalho e sociabilidade; Tradição e mo-

dernidade.

ABSTRACT

This article argues about the reinvention

of a common work activity from the

agricultural world in Minas Gerais

countryside. In this work activity, the ox-

cart was integrant part of a subsistence

economy, whose social relations were

mediated by the interaction of the man

with the nature. In the 1970’s, with the

economic transformations, when the

open pasture becomes productive lands

in grains for exportation, the ox-cart is

celebrated in a popular party and the

social practical related to it is trans-

formed, earning a new social meanning

and memories of a time that does not

exist anymore.

Keywords: Culture and agricultural

world; Work and sociability; Tradition

and modernity.

(Re)significações culturais no mundorural mineiro: o carro de boi —

do trabalho ao festar (1950-2000)1

Maria Clara Tomaz MachadoUFU

NA ECONOMIA DE SUBSISTÊNCIA:AS MÚLTIPLAS E COMPLEXAS RELAÇÕES SOCIAIS

A palavra homem deriva de

húmus, chão fértil, cultivável.2

Ecléa Bosi

Como preâmbulo a este texto fazemos nossas as palavras de Brandão, asquais, mesmo que pareçam por demais sentimentais à academia, traduzem asensibilidade do homem rural no seu afeto pela terra:

Há um prazer fecundante que torna parceiros de uma relação amorosa o la-

vrador e a terra. Eu reconheço que neste enlace de afeto está o desejo de tornar

“culturalmente” culto o inculto, civilizado o selvagem, socializado e útil aquilo

que, dado pela natureza ao homem, somente parece completar o ciclo de seu va-

lor quando transformado de floresta em campo, de campo em terra de lavoura,

de terra de lavoura em lavoura plantada e colhida.3

O interesse na questão da cultura popular4 se explica por esse tema seconstituir em um campo com novos enfoques na pesquisa histórica, acresci-do do fato de, sobre a região estudada, haver poucos trabalhos de cunho aca-dêmico, abrindo, portanto, muitas perspectivas. Daí o alvo de pesquisa estarvoltado para o interior das Minas Gerais, buscando conhecer, por meio desuas formas de expressão popular, a riqueza cultural da região.

De Minas Gerais muito já se disse. Minas são muitas, as Gerais são mui-to mais. Ventre da terra mãe Brasil, de onde gestos de revolta e sopros de li-berdade se espraiaram.

A mineiridade não se esgota com os políticos matreiros, com os poetasde belas falas ou com sua decantada hospitalidade. O rubro sangue de índiosexterminados e o suor do trabalho escravo entremeados à terra tingiram oseu solo de ferrugem e nódoa.

Dos espaços guarda confrontos de paisagens: das minas, as montanhas,o ouro encravado em fendas seculares, desvendado pelos colonos portugue-ses. Das Gerais, o horizonte infinito, vales e rios escorregadios — sertão —por onde pastagens e fazendas se foram fazendo, obra de bandeirantes e pio-neiros em busca de riquezas e com raízes por fincar.

O fio capaz de soldar as Minas às Gerais se constitui nas práticas cultu-rais, experimentadas cotidianamente no viver dos mineiros. Cultura, festa e

Maria Clara Tomaz Machado

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religiosidade são representações impressas e tramadas no tecido social dosque contracenam enquanto atores de seu tempo, construindo a sua história.

Essa cultura, parte constitutiva do social, dinâmica e plural — ora resis-tência ao imposto ou à modernidade, se reinventa, se recria, desiste, persiste— deixa rastros, traços de memória por indícios e sinais, não nos deixandoórfãos de história. Assim é em Minas Gerais.

Goiá expressou em seus versos esses tempos idos:

... Eu tinha um mundo na fonte do açudena mansa quietude dos velhos quintaisDe um mundo de cores eu fui companheiro.5

... Quem é que esquece o campo, a cascata,o lago, a mata,a pesca de anzol,o gado pastando, o capim do atalho,molhado de orvalho,brilhando ao sol.6

... Quem é que esqueceas festas de reis de Minas Gerais,congadas, catira, trucadas e dançasna brisa cheirosa dos buritizais.7

... nos bailes da roça eu sempre cantava

... Depois eu dançava no grande terreirosentindo o cheiro da flor de jasmim.8

... A vida de hoje vai se transformandoAs coisas tão lindas que estou recordando.9

As mudanças ocorridas na cultura popular do interior das Gerais podemser observadas de modo mais efetivo a partir da execução de projetos e planosgovernamentais das ditaduras militares que, na década de 1970, transforma-ram o cerrado em terras produtivas e lucrativas. Café, soja e milho devasta-ram paisagens e pequenas propriedades, concentrando riquezas e fartura nasmãos de alguns, alinhando o mercado regional ao nacional agroexportador.10

O mundo rural, construído com trabalho e incertezas, só foi possível por-

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27Junho de 2006

que se sustentou em uma economia de subsistência, na qual se sobressaía asolidariedade vicinal. A fé e a religiosidade sustentavam a crença em um mun-do melhor, regulando e reproduzindo a moral e os costumes. As traições e osmutirões, as promessas ao pé da cruz, os terços cantados, as festas de Reis, osdesafios, os pagodes, a encomendação das almas, as parteiras, os tecidos tra-mados no tear, as brolhas, os pontos cruz, os potes d’água, os monjolos, a fei-tura dos sabões em tachadas, as farinhas, as quitandas nos fornos de barrodispostos no quintal, as figuras do carreiro de boi e do boiadeiro e tantas ou-tras imagens presentes no cotidiano rural de então, perduram, na maior dasvezes, apenas na memória daqueles que as vivenciaram como experiênciasconcretas de vida.11

Hoje, as mudanças são visualizadas não só no espaço geográfico, redese-nhado pelas plantações de café, soja e milho, rodeadas pela braquiária (umapraga criada artificialmente para sustentar a pecuária), como também pelasofisticada tecnologia, que avança substituindo homens e braços. Terras fo-ram concentradas e outras “despossuídas”. Estradas foram construídas e as-faltadas para escoar a produção e por elas migraram pequenos proprietários,roceiros, boiadeiros e carreiros em busca de outras formas de trabalho. Insta-lou-se no campo o conflito pela terra.

Uma questão paira no ar: perderam-se as raízes fundantes da cultura mi-neira frente à modernização e ao desenvolvimentismo, impulsionados pelosplanos econômicos das ditaduras militares? Difícil responder.

Entretanto, mesmo diante desse quadro de transformações profundas éimpossível não perceber que o povo mineiro do interior aprendeu a cultivara sua memória em pequenos sinais da vida cotidiana, que podem estar tra-duzidos nos objetos materiais e santos de devoção guardados e cultuados, nosditos, provérbios e “causos” populares, com os quais procura expressar a sa-bedoria e as experiências de vida, nas suas relações de compadrio ainda assu-midas, nas comemorações de alguns festejos religiosos e populares rurais nosquais se renovam a fé e o reencontro, nos sabores, quitutes e comidas típicasda região, na preferência pelas antigas modas sertanejas ainda entoadas, nascrenças, nas benzeções, nos curadores, nos chás e remédios caseiros aos quais,freqüentemente, recorrem.

Persistência e desagregações de práticas e representações culturais, não hácomo negar. Transformações solapam as raízes fundantes, o progresso se trans-muta em realidade, contudo, a força da memória é capaz de iluminar temposidos. É a esse tempo, guardado na memória, que Adauto Santos se refere:

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Mas sempre foi assim, sempre seráO novo vem e o velho tem que pararO progresso cobriu a poeira da estradaE esse tudo que é o meu nadaHoje tenho que acatar e chorarE mesmo vendo gente e carro passandoMeus olhos estão enxergandoUma boiada passar.12

Quem era esse caipira que até meados dos anos 60 labutava de sol a solno interior de Minas Gerais, quando projetos e planos governamentais dosmilitares modificaram o cenário sócio-econômico da região, especialmentedo Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba?

São tantas as representações que se fizeram do trabalhador rural, na lite-ratura, na música, no cinema, quase todas convergindo para o preguiçoso, ovalentão, o Jeca do Sertão. Exceção à regra configura-se na produção regio-nalista do século XIX, escorada no romantismo.13 A compreensão pelo viéshistórico-social nos é dada pelas obras de Sérgio Buarque de Holanda e An-tonio Candido, quando buscam nas raízes da colonização sua historicidade.14

Em Caminhos e fronteiras, Holanda descreve o caipira:

uma raça, em muitos pontos mais próximo do bugre do que do europeu ... Es-

ses homens denunciam sempre aquela capacidade de observação da natureza

agreste, a imaginação inquieta, a visão precisa e segura, que nascem de um con-

vívio forçado e constante com a vida do sertão. A ousadia, aqui, há de ser caute-

losa, previdente e acomodada a quaisquer surpresas ... Sua ordem é a da nature-

za, sem artifícios aparentes e sem plano prévio.15

No texto O caipira e os outros Yatsuda, rejeitando o caipira como símbo-lo do atraso, conforme a ideologia da modernização, recupera sua imagem:

Enfim, o caipira, encarnando anseios e receios dos outros, teve seu significa-

do mudado de acordo com pontos de vista que nele enxergaram apenas a proje-

ção de valores ideológicos. Ora preguiçoso e violento como o índio, ora símbolo

do verdadeiro Brasil formado por destemidos bandeirantes, só na atualidade,

com o capitalismo plenamente implantado, é que aparece como personagem tí-

pico de uma formação social em gradativa decomposição ... Modernamente, no

esforço de conhecer o Brasil, as pesquisas sociológicas e antropológicas conferi-

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ram ao caipira o direito de estar entre seres humanos ... Um homem como os

outros, apenas pobre ... dotado de consciência, cultura própria e, apesar de ex-

plorado, participante do processo social.16

É com esse caipira, e por meio de suas relações sociais de produção, suastécnicas rústicas e o seu comércio de trocas locais, quase sempre distante domercado regional e nacional, que resgatamos um tempo em extinção. Até adécada de 1950, diferentemente da rotina do trabalho urbano, a grande e de-cisiva unidade de tempo na zona rural é o ano agrícola, o tempo do cio dosanimais, de cruzar o gado, de parir, de amamentar, de apartar a bezerrada. Osinstrumentos de trabalho refletem a rusticidade da época e do lugar. Só as fa-mílias mais abastadas possuíam o arado, pois junto com ele se presume a pre-sença do boi, o que para muitos era custo adicional. Considerando a existên-cia de terras novas e a prática da agricultura de subsistência extensiva, a adoçãodo arado foi sendo implementada aos poucos, concomitante ao emprego dasnovas técnicas agrícolas. De resto, o que era comum a todos era a enxada, oenxadão, a picareta, o facão, o machado, a foice, a pá, o cutelo (rabo de galo)e uma carrocinha para os apetrechos, sementes, entre outros.

Dentre esses instrumentos de trabalho o carro de boi merece destaque.À parte a sua utilidade, no que se refere ao translado de mercadorias e gêne-ros de primeira necessidade, existe à sua volta toda uma construção do ima-ginário popular que vai desde o seu cantar, até os “causos” dos bois de esti-mação e da fama que envolve o carreiro “bom de serviço”. Os bois recebemcodinomes, que por si só explicitam sua função: Desengano, Desafio, Mesti-ço, Lobisomem, Soberano, Malhado, Chibante, Brioso. A sincronia entre boie carreiro é cantada em verso e prosa por sua atuação:

Sou filho do interiorDo grande estado mineiroFui herói sem medalhaNa profissão de carreiro

Puxando tora do matoCom doze boi pantaneiroEu ajudei a desbravarNosso sertão brasileiroSem vaidade eu confessoDo nosso imenso progressoEu fui um dos pioneiro.17

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É possível, por meio das lembranças de um tempo já distante, reaver osignificado do carro de boi e do trabalho de seu condutor como elo de liga-ção entre o campo e a cidade, entre vizinhos, na realização de tarefas mais pe-sadas:

O carro de boi, nossa senhora! Era importante dimais da conta pra nóis na

roça. Ó, cum ele nóis transportava tudo que era pra vendê na cidade, de lá nóis

trazia sal, querozene, pano. Carreava tudo que era pesado, tora de madera, saca

de arroz, fejão, milho, mandioca. Vichi! Até quando nóis ia pras festa da romaria

da Senhora d’Abadia tinha que sê com ele. Pruque tinha que fazê quasi que uma

mudança, nóis passava lá três dia. Nossa! Maisi tinha carro que cantava bunito

dimais da conta. Pra ele canta bunito dependia da qualidade da madera do exo,

é! Tinha de sê balsamo. Até doente carregava nele tamém. Só os mió de vida é

que tinha carro de boi, era sinar de prestijo. Maisi aqueles que tinha imprestava

pros que num tinha, depois as pessoa tirava serviço prele. Era uma troca, sabe

cumo é? Nóis tinha carro de boi, maisi o nosso era de 2 junta só. Tinha té de 6,

é! Doze boi. Os boi era tudo posto na canga de madeira e travado com o canzil.

A mesa do carro era de madera e tinha pro volta os fuero, que é uns paus pra

sustentá a esteira que ficava em volta dele, suspensa com uma arça em cada um

dos fuero. A tampa do fundo dele era de taba de madera. O pau que o carrero

conduzia a boiada chamava guiada. A junta da frente era a de guia e a detrás a

de coice. Quando era pra desce com carro pesado, cheio, os boi tinha que i pra

trás pra segurá o peso, na frente ficava só os de guia. Os bois tem de acustumá

com o carrero indesde pequeno, eles era tudo castrado pra ficá manso. Tudo di-

pendi da dresteza do carrero. Era uma belezura mesmo, que sodade meu deus!

Hoje? Carro de boi é só prá enfeitá, senhora já viu? Virô banco de assentá, lugá

de botá pranta, até aquelas coisa de acende luz, como? É, lustre ele virô, as roda,

né? Se acabô mesmo, né?18

As relações de trabalho eram mais complexas do que à primeira vista sepode perceber: o clientelismo e o paternalismo circulavam, mediando as re-lações de parentesco, de compadrio. De definido havia apenas o trabalho fa-miliar, de subsistência. A figura do agregado e do parceiro delineava-se pelaexistência do grande proprietário de terra. Além desses casos referidos po-diam-se retribuir outras atividades prestadas em serviço ou com parte da pro-dução, tais como: o empréstimo, ou carregamento de mercadorias em umcarro de boi, o beneficiamento de um produto no moinho, o fabrico do açú-car, da rapadura ou da pinga de engenho.19

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Faz-se interessante assinalar que nas relações de “prestância de serviços”ou mesmo de “jornadas de dias contratados” a paga normalmente se realiza-va em produtos. Nesse sentido, até 1960, na região do Alto Paranaíba, as pes-soas contratadas recebiam pelo seu trabalho o equivalente em gêneros ali-mentícios. Não havia salário ou diária estipulada e o dinheiro era umamercadoria rara. Dessa forma, aqueles que possuíam excedente de produçãopodiam negociar com certa vantagem com aqueles que apenas possuíam aforça de trabalho. Além disso, o mercado para colocação da produção exce-dente era muito limitado e incipiente, e a falta de estradas e de meios de co-municação permitiu essas relações de trocas, muitas vezes desiguais. Não ra-ro trocava-se um litro de banha por um dia de serviço, 5 litros de arroz oudois de feijão, e assim por diante.

É possível avaliar que sem essas relações de trabalho de “cooperação”, acultura caipira de subsistência teria se extinguido muito antes de as relaçõessociais de produção capitalista serem consideradas majoritárias e definitivasna zona rural. Antonio Candido aponta as relações de trabalho tais como aparceria (meeiro), a solidariedade vicinal, a migração ou a rotatividade den-tro do próprio espaço rural, a concentração de famílias por região e o carátercomplementar da produção, das trocas e dos favores como fatores de persis-tência ou de sobrevivência da cultura caipira.20 É o que observamos no relatode dona Maria Monteiro:

A vida na roça é difícil dimais, né sá? Eu, pió ainda. Fiquei viúva cum 34 ano

de idade, cum cinco fios pra criá, tudo piquirrucho, o mais veio táva com 11 pra

12 ano. Nossa Senhora! Quando lembro, maisi tá tudo aí criado. Ingraçado, eu

fiquei viúva cum 34 ano e esse ano faisi 34 ano tamém que eu tô viúva ... É, eu

mantive a terra, eu tenho aqui pra mode uns 30 alquer. Como? Sá, eu dô graça a

Deus e aos vizinho, sinão eu tinha perdido tudo e hoje táva na cidade de empre-

gada dos otro, né? Os vizinho era bão dimais da conta, ajudava tudo, fazia muti-

rão, treição. O cumpade Antônio imprestáva o carro de boi. Eles falava assim, ó:

‘gente, nóis tem que ajudá a Maria, da Chica; coitada.’ Cá quela meninada, né?

Sá, eu trabaiei dimais, maisi eu tenho de agardece a todos, é! Nossa! Fazia aque-

les mutirão de cumpanheiro, os home na capina da roça, as muié ajudano na ca-

sa, aquele tanto de comida, de noite a janta, o pagode. Maisi valia a pena, né? Um

dia eles fazia o serviço que nóis num ia dá conta no meis, pruque juntava muita

gente, né? Teve uma veis que as muié me dero uma traição, chamava ‘mutirão de

roda’. Elas viero tudo com o argodão já cardado, cas rodinha de fiá na mão e fia-

ro o dia intirinho. Aí eu dei preles o meu argodão em troca e fiquei cum tudo já

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fiado, né? Vichi, era uma beleza? Hoje, num tem mais isso não! Se ocê quisé ocê

tem que pagá, é! Aqui ó! No tutu, no cacau mesmo, né? Assim mesmo é difícil,

pruque cê num acha ninguém que qué trabaiá muito. Esses trabiadô aí que cê

viu, ninguém conhece, vem de fora, a gente desconfia, é até perigoso e eles ta-

mém gosta de trabaiá é nas lavora de soja, café. Coisa grande, né?21

Para além dessas relações sociais merecem destaque toda uma rede deoutras tarefas e saberes que permeavam o cotidiano rural, como uma formade complementar a renda no mercado das trocas e do comércio informal. Nes-sa perspectiva, quem tinha excedente de algodão já fiado podia trocá-lo comas tecedeiras por panos tecidos; o dono do moinho aceitava o milho em trocada moagem do fubá; a produção do melado, da cachaça ou mesmo da rapa-dura podia ser repartida numa porcentagem estabelecida com o dono do en-genho. A fabricação de balaios, esteiras, chapéus, peneiras, vassouras, selas,arreios, cordas, estribos, telhas, mourão para porteiras, currais e casas depen-dia da competência de ofícios tais como os de seleiro, ferreiro, carapina e olei-ro. Todos esses fazeres podiam render na troca litros de farinha de mandioca,ovos, queijos ou o que faltasse em casa.

Ao analisarmos as alterações ocorridas nas relações sociais de produçãonão poderíamos deixar de mencionar o peão de boiadeiro, tão presente noimaginário popular:

Seu destino é como o ventoque percorre a colinaquando a noite escura passae o sol abre a cortinaboiadeiro se levantapõe o gado na rotinacom saudade ele cantaa canção de sua sina.22

A figura do peão de boiadeiro construída em antítese à do camponês —calmo e tranqüilo — evidencia a ousadia do macho, vaqueiro traquejado, quenas suas andanças tem o sertão na palma das mãos. Sem morada fixa tem oitinerário da estrada como o lugar do seu ofício, a boiada como mercadoria azelar até o seu destino final. Homem de muitos amores e aventuras, não temamarras ou laços empregatícios duradouros. Geralmente trabalhava por em-preitada, cada boiada um valor a receber. Carmo Bernardes faz a descrição:

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O peão de boiadeiro nas suas diversas categorias se julga um indivíduo inde-

pendente nas suas ações. Ele possui, de seu, o animal de andar montado, o ar-

reamento completo, capa de chuva, a rede e os abafos de dormir. Tanto ele se

ajusta entrando o animal de sela fornecido pelo patrão, indo o seu destro na co-

mitiva, quanto combina adredemente de ir inteiramente por sua conta própria,

com tudo de seu. Usa-se um chapéu de aba larga que ele arrebita de lado, por

gauchada, calça botas de cano alto e não dispensa o rebenque de dar taladas na

bota, quando não uma açoiteira, que é um chicotão com três seções emendadas

em argolas, com um segmento terminado numa talisca de couro cru de dar es-

talos no ar. Veste calça de bombacha, não de balão tão grande como os dos gaú-

chos, e gosta demais da conta de rapariga.23

Estamos reavendo aqui um perfil do trabalhador da zona rural do AltoParanaíba e Triângulo Mineiro, extinto pelas transformações econômicas so-fridas na região. A construção da malha rodoviária, conectada à ferrovia, aprodução em larga escala de frotas de caminhões, tornou inviável a profissão,resquício da era colonial.24 Os anos 60 viram desaparecer os últimos peões deboiadeiro que se transmutaram em bóias-frias, garimpeiros ou serventes depedreiro. O comércio de bois continua sendo um negócio altamente rentável,visto a pecuária ser considerada ainda, nesta região, a mais importante den-tre todas as atividades econômicas.

Dos tempos áureos dos boiadeiros é possível reviver reminiscências, mo-mentos de orgulho e emoção de uma profissão antes tão prestigiada e hojeextinta:

Trabalhei de muitos serviço na roça. Fui vaqueiro, leiteiro, roceiro, hoje sou

garimpeiro, mas até hoje tenho saudade mesmo é de sê boiadeiro. Fui peão de

boiadeiro, capataz do fazendeiro que eu já te contei que trabalhei pra ele uns 15

ano. Eu acompanhava comitiva, viajava com as tropa 2, 3 meis. Entregava o ga-

do no lugar estabelecido. Ah! Era Uberaba, Barretos, Patrocínio, Araguari. É, de-

pois eu dispensava por lá mesmo a comitiva e voltava de trem até Monte Car-

melo e de lá vinha de jardineira até aqui em Coró. No começo eu trazia o dinheiro

vivo, depois com esses negócios de banco era cheque, né? O capataz, assim de fa-

zendeiro, é muita responsabilidade: controlá a peonada tudo, tirava boiada de

até 500, 800 boi, dividi os boi em talhões, que é lote de até 100 bois, controlá o

ponteiro que é o peão que vai na ponta da boiada puxando a viage, vê se o cula-

treiro tá deixando alguma rés pra trás. É poeira, é chuva, é lama. Mas é bom de-

mais, a gente é respeitado, porque pra sê peão tem que sê macho, bom de sela,

bom de laço. Que saudade que eu tenho do berrante, senhora D’Abadia! De dia

Maria Clara Tomaz Machado

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é só trabalho e canseira, mas de noite era causo e mais causo, uma pinguinha,

moda de viola. Mas peão num tem controle nenhum de dinheiro: o que ganha

gasta. Gasta cum muié, cum farra, cum presente. Melhor que sê boiadeiro é so

garimpeiro, pela liberdade e também porque um dia se bamburrá pode sê que

chegue a ficá independente, né?25

Os vestígios dessa profissão podem ser hoje encontrados nas festas de ro-deio, que animam as feiras agropecuárias realizadas por todo o interior dopaís e mais especificamente nas festas de carros de bois que reinventam umatradição.

A FESTA DO CARRO DE BOIS: UMA TRADIÇÃO REINVENTADA

I – ... fui vaqueiro, fui patrãoO laço foi meu diplomaNo trabalho do sertãoUê boiada.

II – ... meu velho carro de boisO seu tempo se foiE não volta maisFicou gravado a lembrançaDa primeira guia Até os cabeçais.

III – ... perdi a minha boiadaDeixei estrada lá no sertãoVendi a tropa fiquei sem nadaa não ser mágoas no coração

IV – ... Lá na baixada as batidas da porteiraNa estrada boiadeira ecoava o chapadãoE aquele moço começava uma viagemLevando fé e coragem Em cima de um caminhão.26

O primeiro contato com a Festa do Carro de Bois se deu através de umprograma rural na televisão em 2000. A sensação provocada ao ver na tela ocortejo de carros de bois enquadrado no cerrado mineiro, as comidas fume-

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35Junho de 2006

gantes, os caipiras enrolando seus cigarros de palha, as rodas de música serta-neja em torno da fogueira, foi de ter sido sugada pelo túnel do tempo, cujotransporte físico da matéria teria proporcionado voltar no início do séculoXX. Minutos depois, a cada dificuldade vencida pelos maratonistas, era pos-sível imaginar que o presenciado não era senão um inusitado rally de carrosde bois em busca de um disputado troféu.

Um ano mais tarde, em um encontro com amantes da música sertaneja,recebi o convite entusiasmado de amigos envolvidos com essa festa para delaparticipar. Como pesquisadora de práticas culturais do interior das Geraisnão pude deixar de ser contaminada pelos arrebatados relatos dos participan-tes. Foi dessa forma que em julho de 2002 tive oportunidade de vivenciar a16ª Festa do Carro de Bois, em Vazante, noroeste de Minas Gerais.

Parodiando Hobsbawm27 e, ao mesmo tempo, contradizendo-o, a Festado Carro de Bois de Vazante, pequena cidade encravada na região do Triân-gulo Mineiro, Alto Paranaíba, permite pensar que sujeitos sociais, atropela-dos, em nome do desenvolvimento e do progresso, pelas práticas desintegra-doras de experiências de vida do capitalismo liberal, são capazes de, em umato de resistência, reinventar uma tradição.28 Nesse sentido, em busca de umaidentidade perdida, festeja-se há 26 anos o encontro com as raízes do passa-do, e a “carreata de bois”, que ocorre durante quatro dias do mês de julho, foia forma possível, mesmo que travestida do simbólico, do lúdico, do religioso,de reescrever a história do passado mineiro. Hoje, essa festa organizada insti-tucionalmente por uma Associação Cultural — a Ascava, com regras e nor-mas convencionadas e subsidiada pelo poder público local — a Emater (Em-presa Agrícola de Assistência Técnica e Extensão Rural) — e pelo comércio eempresas da região, é um mix de múltiplas vivências, trabalhos, artes de fazere práticas culturais já esquecidas.

Inferindo de Certeau a capacidade de resistência das classes populares,por meio de táticas e trampolinagens, à sociedade do espetáculo, da supera-bundância dos significados, contudo, sem a possibilidade de expressão pró-pria,29 permitimos pensar essa festa no campo da cultura popular, como aqui-lo que permanece das experiências vividas no cotidiano dos sujeitos sociais.Experiências essas que, sedimentadas em suas raízes culturais, possibilitamdesvencilhar-se de um destino traçado pelas forças do capital, resguardandouma identidade social. Reforçando essa idéia, Certeau reitera que:

a cultura comum lança caminhos plurais para fugir de seus amos, sonhar com a

felicidade, enfrentar a violência, provar as formas sociais do saber, dar nova for-

Maria Clara Tomaz Machado

Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 5136

ma ao presente e realizar essas viagens do espírito sem as quais não há exercício

da liberdade.30

Assim, em torno do inusitado rally envolvendo mais de cem carros debois, mil bois, duzentos carreiros e candeeiros, em um percurso de quarentaquilômetros, com dificuldades estratégicas a serem vencidas por peões e boia-deiros, diversas outras atividades programadas ocorrem nos quatro pousos.Pelo vulto desse evento, envolvendo a cada ano mais de dez mil pessoas de to-da a região na qual se insere, é possível entrever que seu objetivo, ao recriarpráticas sociais em desuso, seja o de buscar o elo perdido entre passado e pre-sente. O caminho vislumbrado, entre tantos outros, talvez tenha sido o dereinventar tradições forjadas na cultura popular.

Num esforço por compreender essa festa como uma forma de resistên-cia à modernidade por meio de tradições reinventadas, fazemos nossa a ava-liação de Diehl:

a situação de estetização simbólica ou, em outras palavras, a ornamentação

de signos e significados de determinados grupos sociais étnicos privilegia a re-

colonização das experiências do cotidiano, especialmente levando-se em conta a

profunda crise atual de valores modernos e seus respectivos projetos de futuro.31

Aqui, a (re)memorização se traduz na (re)subjetivação e (re)poetizaçãodo passado (re)simbolizado, com a intenção mesma da revalorização dos sen-tidos das funções culturais, produzindo uma nova estética do passado.

Nesse sentido, a festa do carro de bois é entendida como uma represen-tação produzida por sujeitos sociais que ainda têm o mundo rural como re-ferência de vida, cujas experiências estão fundadas na sociabilidade comuni-tária de uma economia rural de subsistência.O conceito de experiência referidoé benjaminiano,32 pois permite pensar a tradição como o momento em que ocoletivo e o individual se unem, originando uma prática cultural comum aossujeitos sociais nela envolvidos, capaz, por isso mesmo, de ser transmissívelàs futuras gerações.33 Tradição, desse ponto de vista, não são apenas rastrosou restos que, como lembranças, se diluem e se perdem no tempo. Mais queisso, tendo como suporte uma memória transgressora da ordem de progressoimposta, retoma o passado consciente dos seus sofrimentos e perdas, paraprojetar um futuro cuja identidade cultural34 seja porta-voz de sua luta con-tra a alienação.

Ainda uma vez, Certeau nos ampara nesta análise quando confirma que

(Re)significações culturais no mundo rural mineiro:

37Junho de 2006

a memória é o antimuseu: não é localizável. Dela saem clarões nas lendas. Aí dor-

me um passado, como nos gestos cotidianos de caminhar, comer, deitar-se onde

dormitam revoluções antigas ... Os lugares vividos são como presenças de au-

sências. O que se mostra designa aquilo que não é mais ... Os demonstrativos di-

zem do visível suas indivisíveis identidades.35

Nessa perspectiva, a festa de carro de bois, ao representar esteticamenteum passado por meio de relíquias culturais, compõe um relato tecido de his-tórias perdidas, de gestos opacos, recriando não mais o real vivido, mas umconjunto simbólico que, articulado às experiências do cotidiano agrário, pro-duz a comemoração como um anti-texto à racionalidade do mercado e dasrelações sociais do capitalismo moderno. Como ausência da presença o ritualde quatro dias de festa permite na poeira das estradas e trilhos de terra, tem-perada pelo suor dos corpos em movimento, das toadas e aboio dos vaquei-ros, do triste lamento e gemido do carro de bois, recriar e reviver uma tradi-ção, cuja prática concreta no mundo rural atual já se extinguiu.

Vazante, palco da carreata de bois, é uma cidade cujas origens remontama 1850,36 marcada pela aparição de Nossa Senhora na gruta da Lapa. Para láacorriam devotos em romarias, que pelos anos se multiplicavam em virtude dafama dos milagres atribuídos à santa. De distrito de Paracatu se transforma emmunicípio em 1953, marcando a sua estrutura sócio-econômica as atividadesagropecuárias e a exploração industrial do zinco retirado das entranhas de suasserras desde 1955. De uma população de aproximadamente 19 mil habitantes,37

4 mil estão direta e indiretamente empregados na Companhia Mineira de Me-tais, do grupo Votoratim, que beneficia em sua usina mais de 15 mil toneladasmensais desse minério, processado industrialmente em Três Marias — daí a suacaracterização como cidade metalúrgica. A Cia. Mineradora Areinse S.A. —Masa, do grupo Ingá, do Rio de Janeiro, foi desativada em 2000, estando sub ju-dice. Apesar de ser a maior fonte geradora de ICMS para Vazante, a extração dozinco tem ocasionado sérios problemas ecológicos ao município, poluindo seusrios e secando seus mananciais de água.38

Não poderia deixar de mencionar a inserção da cidade a partir de 1975no II Plano Nacional de Desenvolvimento — PND,39 como área prioritáriado Pólo Centro em Minas Gerais. Como já afirmamos, esse projeto concebi-do pelas ditaduras militares objetivava a ocupação dos cerrados como áreaprodutiva de grãos para exportação. Tal projeto, mesmo que não tenha mu-dado a perversa desigualdade social no campo, propiciou o desenvolvimentoda pecuária de leite e corte e das culturas de soja e milho, carreando para o

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Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 5138

lugar benefícios tais como armazéns e silagem, telefonia e eletricidade rural,construção de estradas vicinais e pavimentação de outras, ligando Vazante aorestante da região na qual se insere. E, como conseqüência dos investimentosfederais, 40 por cento do valor dos projetos aprovados foram repassados àPrefeitura para construção de equipamentos sociais na área rural: escolas epostos de saúde, entre outros. Foi nessa maré que a Nestlé se instalou no mu-nicípio em 1977 com um posto de recolhimento e resfriamento de leite, em-bora suas atividades tenham sofrido uma diminuição em toda a região após2000, e em 2004 tenham sido interrompidas.40

É nesse cenário de modernização das atividades agropecuárias — cujasrelações sociais antes permeadas pela sociabilidade do trabalho coletivo fo-ram, aos poucos, se esgarçando — que a Festa do Carro de Bois encontrou oseu ninho. Os personagens dessa festa, bem como seus organizadores, reve-lam em seus depoimentos uma recusa em perder sua identidade cultural, cam-biando para vivências impessoais relativas à dinâmica das sociedades moder-nas. Assim, experiências fragmentadas pelo desenvolvimento capitalista nocampo, perdidas no tempo, foram reatualizadas na estética da festa. Muitobem descreve essa intenção, um de seus organizadores, ex-prefeito, Hélio Pe-reira Guimarães:

nós começamos esta festa em 1979 quando eu, o Manoel Rodrigues de Paula e o

Jamiro Borges de Melo organizamos um mutirão prá colhê e carria um milho

plantado e sentimos de novo a vida, como era bom aquele tempo de nossos pais,

avós, da gente menino, dos encontros, da festa depois do trabalho. Ai resolve-

mos fazer esse encontro de 2 em 2 anos. A coisa pegou, muita gente foi se ache-

gano e aí em 1985 criamos a Associação dos Carreteiros do município de Vazan-

te — Ascava — e virô essa festa, que a cada ano cresce em número de participantes

de muitos outros lugares. Hoje, vem gente de Unai, João Pinheiro, Formiga Co-

romandel, Lagamar, Patrocínio, Bonfinópolis, São Brás, Patos de Minas, Presi-

dente Olegário, Brasília, Paracatu, até de Goiás e São Paulo. Isso estimulou a cria-

ção de boiadas nova, o trabalho dos carapina de carro, o aprendizado de candieiro,

carreiro. Nossa! É uma bola de neve. Os menino novo, jovens, tão tomando gos-

to e acho que isso já pegou mesmo, a tradição não vai morrer.41

A Festa do Carro de Bois se concentra em quatro dias do mês de julho,cujos antecedentes preconizam uma plantação e colheita do milho sob res-ponsabilidade da Associação dos Carreiros e apoio técnico da Emater, em ter-reno dos participantes. A festa se inicia numa quarta-feira de lua cheia, quan-

(Re)significações culturais no mundo rural mineiro:

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do os cem carreiros pela manhã carregam os seus carros, organizam suas tra-lhas e se preparam para uma jornada de dez quilômetros. No entremeio daarrumação, almoço e jantar são regados com muita cachaça, colocando emdia a prosa acumulada por um ano de trabalho em outras atividades rentá-veis. A noite é animada na Fazenda Tamboril por um pagode com sanfona.

Quinta-feira, 8 horas, mais de duzentos carreiros e candeeiros, muitoscom filhos e esposas, vão deixando suas redes, barracas ou mesmo o pousodebaixo dos carros, para assistirem à Missa do Carreiro. O almoço ocorre às10 horas, e às 11 já estão enfrentando a estrada poeirenta, cujas trilhas sãomarcadas por riachos, córregos e valas que, pelas dificuldades impostas, au-mentam a adrenalina, provocam emoções. Chegando às 14 horas na FazendaMuzambinho, é hora de desatrelar as juntas de bois, levá-los ao pasto e voltarpara curtir o mutirão de fiandeiras, as oficinas que ensinam a fabricar cor-das, rédeas, chicotes e toda uma série de habilidades com o couro. Às 18 ho-ras o jantar, o pagode e as rodas de música sertaneja.

Sexta-feira, depois do almoço às 8 horas, as comitivas se preparam parao percurso mais extasiante — a subida da serra, que impõe sérias dificulda-des e permite aos carreiros demonstrarem toda sua perícia. No topo da serra,em torno de um grande rancho de buritis se instalam os banheiros, as tendasde refrigerantes, cerveja e espetinhos de carne. A Emater vende em uma bar-raca artesanato local, camisetas e fitas de vídeo. O povo da cidade, dos distri-tos e da zona rural vai aos poucos lotando o lugar, apagando a deslumbrantevista descortinada da serra. Barracas improvisadas vão se instalando nos maisdiversos lugares, colorindo a paisagem dos mais bizarros tipos. Gente trajadaa passeio, vaqueiros a caráter, cavaleiros se exibindo em lustrosas montarias,bois caracus que se exibem e se deixam montar por pessoas que querem serfotografadas; no rancho, o pagode corre solto.

Uma profusão de sons se mistura junto àqueles que torcem e se diver-tem ao ver os carros de bois sendo retorcidos, virando diante da peleja doscandeeiros que estocam os bois com o canzil, penetrando sua carne para queobedeçam às suas ordens. Às 18 horas na Fazenda da Estiva ocorrem o jantare o pagode.

Sábado, dia máximo da festa, às 6 horas da manhã toca a alvorada, e vio-leiros e seresteiros se apresentam até a hora do almoço. Às 10 horas os carrosna estrada se preparam para sua exibição no encerramento, na Fazenda Ca-choeira. Nesse ponto máximo da festa a organização e a estrutura são muitomais vigorosas, com mais barracas, tendas e a própria cozinha, pois que até anoite dez mil pessoas para lá se dirigem. No palco improvisado, com potente

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Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 5140

aparelhagem de som, o radialista vai identificando cada carreiro e suas habi-lidades, e estes se exibem como podem: uns trazem a família, outros a sanfo-na, outros ainda, a viola. Param em frente ao palanque, recebem um troféucomemorativo da festa, tiram fotografias. Um senhor ao meu lado, simplescidadão, diz assim:

A senhora não acha que essa festa tinha que tê um santo padroeiro? Podia sê

São Cristovão, pruquê muito acidente e até morte já conteceu. Maisi em festa

que os capeta é rei (referência à família Guimarães) santo num entra, né? 42

Quando o sol se põe e começam as apresentações de catira e de músicasertaneja, e o pagode corre solto, eu me lembrei de um carreiro de 83 anos,que com seu traje simples, sua vara de condutor, pegou o microfone da mãodo locutor e disse:

O boi faiz parte da vida do peão que vive na cultura do cerrado, na roça, lidano

com a natureza ... Eu indesde menino mecho com carro de boi, sem butina, com

frio atolava no barro, ferrava o carro e viajava pelas estrada carreteras. Outa hora

moía cana de madrugada até anoitinha. Depois veio os caminhão e nosso ofício

desapareceu. Hoje tó aqui feliz dimais da conta, porque tô vivo, fazeno o que mais

gosto. Num sei se no ano que vem tô na companhia do Horácio Martins [falecido

em 2002]. Mais de tão sastifeito deixo aqui procês as minhas emoções.43

Nestes dias de festa, por incrível que pareça, apesar de a cachaça alimen-tar a euforia, não se verificou nenhuma briga ou ato de violência. Não haviaa presença da polícia, apenas dos organizadores do evento trajados com umcolete vistoso. Estes eram respeitados como autoridades pelos participantes,indicavam lugares, prestavam esclarecimentos entre tantas outras atividades.Várias faixas e bandeiras enfeitavam o lugar, dentre as quais uma continha osseguintes dizeres: “A festa de carro de bois é a resistência da cultura e da tra-dição de um povo”.

Como considerações finais vale ainda a pena mencionar que, tal comoafirma Schwarz, as relações históricas tecidas no Brasil entre tradição e mo-dernidade são paradoxais. O desenvolvimentismo nacional, característicasdas décadas de 1960 e 1970, “não se completou e provou ser ilusório mesmoque os resultados da ilusão sejam fatos sociais efetivos”. Daí

que a distância ao velho enquadramento rural não se completou. Assim, afasta-

da de suas condições antigas, posta em situações novas e mais ou menos urba-

(Re)significações culturais no mundo rural mineiro:

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nas, a cultura tradicional não desapareceria ... A sua presença sistemática no am-

biente moderno configurava um desajuste extravagante, cheio de dimensões

enigmáticas ... Esta mescla do tradicional e do moderno se prestava bem a fazer

de emblema pitoresco da identidade nacional.44

Talvez por esse contexto histórico tão peculiar a cultura popular brasi-leira seja capaz de (re)significar, de forma criativa e única, antigas relaçõessociais e atividades cotidianas em festas, cujo espaço permite fluir novas so-ciabilidades e a memória de tempos idos.

NOTAS

1 Este texto faz parte da pesquisa que desenvolvemos sobre “Cultura Popular no interior

de Minas Gerais”, privilegiando temáticas da religiosidade popular, festas, práticas cultu-

rais, do cotidiano mineiro, entre tantos. Tais temáticas têm sido orientadas também no

Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Uberlândia, na li-

nha História e Cultura, abrigadas no Núcleo de Pesquisa em Cultura Popular Imagem e

Som — Populis. Muitos destes trabalhos tiveram a aprovação e o aval financeiro institu-

cional da Fapemig e a concessão de bolsas do CNPq (Pibic) e da Capes (Mestrado).

2 BOSI, Ecléa. Cultura e desenraizamento. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura Brasileira. São

Paulo: Ática, 1992.

3 BRANDÃO, Carlos Rodrigues. O afeto da terra. Campinas: Ed. Unicamp, 1999.

4 Sobre Cultura Popular vale ressaltar algumas obras que nos serviram de referencia: ARAN-

TES, Antônio Augusto. O que é cultura popular? São Paulo: Brasiliense, 1990; BAKHTIN,

Mikhail. A cultura popular na Idade Média e no Renascimento. São Paulo: Hucitec, 1993;

BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A cultura na rua. Campinas: Papirus, 1989; BURKE, Peter.

Cultura popular na Idade Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1989; CANDIDO,

Antonio. Parceiros do Rio Bonito. São Paulo: Duas Cidades, 1982; CERTEAU, Michel de. A

invenção do cotidiano: artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994; CERTEAU, Michel de. A cul-

tura no plural. Campinas: Papirus, 1995; CHARTIER, Roger. Leituras populares. In: For-

mas e sentidos: entre distinção e apropriação. Campinas: Mercado das Letras, 2003; CAN-

CLINI, Néstor Garcia. A encenação do popular. In: Culturas híbridas. São Paulo: Edusp,

2000; EAGLITON, Terry. Rumo a uma cultura comum. In: A idéia de cultura. São Paulo:

Ed. Unesp, 2005; GINSBURG, Carlo. O queijo e os vermes. São Paulo: Companhia das Le-

tras, 1987; HALL, Stuart. Notas sobre a desconstrução do popular. In: Da diáspora. Belo

Horizonte: Ed. UFMG, 2003; THOMPSON, E. P. Folclore, antropologia e história social.

In: As peculiaridades dos ingleses e outros artigos. Campinas: Ed. Unicamp, 2001; THOMP-

SON, E. P. Costumes em comum. São Paulo: Companhia das Letras, 1998; WILLIAMS, Ray-

mond. Campo e cidade: na história e na literatura. São Paulo: Companhia das Letras, 1989.

Maria Clara Tomaz Machado

Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 5142

5 GOIÁ & ZALO. Saudade de Coromandel. Goiá em duas vozes. São Paulo: Vilson Compa-

nhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.1). Goiá, compositor e

músico sertanejo reconhecido nacionalmente pela crítica, cuja música mais celebrada na

voz de diversos intérpretes é Saudade de minha terra, compôs mais de quatrocentas peças,

grande parte delas referência ao interior de Minas Gerais, cantando do exílio o seu torrão

natal. Cf. FLORES, Lúcio (Org.) O Poeta Goiá. Patos de Minas: Arcos, 2004.

6 GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI. Gente de minha terra. São

Paulo: Phonodisc Mid, 1990.

7 GOIÁ & ZALO. Campos Amados de Coromandel. Goiá em duas vozes. São Paulo: Vilson

Companhia de Equipamentos Sonoros Ltda, 1997. (Matando saudade, v.2).

8 GOIÁ. Gente de minha terra. In: BELMONTE & AMARAI. Gente de minha terra. São

Paulo: Phonodisc Mid, 1990.

9 GOIÁ & ZALO. Campos Amados de Coromandel... (Matando Saudade, v.2), op. cit.

10 MACHADO, Maria Clara Tomaz. A ocupação do cerrado: da economia de subsistência

ao ouro verde. In: Cultura popular e desenvolvimentismo em Minas Gerais: caminhos cru-

zados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998. (Tese de Doutorado). Conferir

da mesma autora outros artigos e capítulos de livros: “Cultura popular em Minas Gerais:

transformações, persistências ou desagregação”. Revista Tempos Históricos, Marechal Cân-

dido Rondon, v.1, n.1, 1999; “Sociabilidades e identidades no cotidiano rural mineiro”. In:

MACHADO, M. C. T.; PATRÓTA, Rosângela (Org.) Política, cultura e movimentos sociais:

contemporaneidades historiográficas. Uberlândia: Edufu, 2001; “Raízes fundantes da cul-

tura popular no Sertão das Gerais”. ArtCultura, Uberlândia, n.4, 2002; “Religiosidade no

cotidiano popular mineiro: crenças e festas como linguagens subversivas”. História e pers-

pectivas, Uberlândia, n.22, 2000; “Pela fé: a representação de tantas histórias”. Estudos da

história, Franca, v.7, n.1, 2000; “A urdidura do cotidiano no mundo rural mineiro: rela-

ções de trabalho e práticas culturais em transformação”. Várias histórias, Belo Horizonte,

n.22, 2000; “Folia de reis: recriando o mistério da vida”. In: MACHADO, M. C. T.; PATRÓ-

TA, Rosângela (Org.) Histórias e historiografias. Uberlândia: Edufu, 2003; “Na rota da

(des)fortuna: a mineração tardia no sertão das Minas Gerais”. In: MACHADO, M. C. T.;

CARDOSO, Heloisa Helena Pacheco (Org.) História: narrativas plurais, múltiplas lingua-

gens. Uberlândia: Edufu, 2005.

11 Para definição de alguns termos regionais específicos, esclarecemos que: Traição é uma

modalidade de auxílio vicinal, semelhante ao mutirão, cuja diferença reside no elemento

surpresa. Caracteriza-se por um dia de trabalho coletivo e não remunerado no qual ami-

gos e vizinhos se reúnem para realizar tarefas imprescindíveis à sobrevivência, garantindo

a subsistência da família. Brolhas é um artesanato típico do estado de Minas Gerais, em

cujas peças rústicas os fios são tramados a mão, resultando em formas ou desenhos origi-

nais. Quitandas são comidas típicas da região, tais como biscoitos, bolos, roscas, pães, bo-

lachas, servidos no café da manhã e da tarde.

(Re)significações culturais no mundo rural mineiro:

43Junho de 2006

12 SANTOS, Adauto. Triste Berrante. In: PENA BRANCA & XAVANTINHO. Violas e can-

ções. São Paulo: Velas, 1993.

13 Ver: BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Os caipiras de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1983;

YATSUDA, Enid. O caipira e os outros. In: BOSI, Alfredo (Org.) Cultura brasileira. São

Paulo: Ática, 1992, p.103-13; HONÓRIO FILHO, Wolney. Algumas tonalidades sobre o

homem do sertão: Cornélio Pires e Monteiro Lobato. Boletim Goiano de Geografia, v.13,

n.1, p.11-27, jan./dez. 1993.

14 CANDIDO, 1982, p.35-46; HOLANDA, Sérgio Buarque de. Herança Rural. In: Raízes do

Brasil. Rio de Janeiro: J. Olympio, 1975, p.41-60.

15 HOLANDA, Sérgio Buarque de. Caminhos e fronteiras. São Paulo: Companhia das Le-

tras, 1994. p.122-4.

16 YATSUDA, 1992, p.106-13.

17 SULINO. Herói sem medalha. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA ESTRADA. Som da terra.

São Paulo: Chantecler, 1995.

18 FARIA, Maria Augusta. Depoimento. Uberlândia, 07.07.1995. História de vida. natural

de Santa Clara, município de Coromandel, onde residiu por 50 anos.

19 CANDIDO, 1982. p.126-9.

20 Ibidem, p.199-211.

21 MONTEIRO, Maria. Depoimento. Coromandel, 07.04.1995. Hoje com 78 anos, viúva, na-

tural da região da Boa Vista, município de Coromandel, onde reside até hoje, sendo uma das

únicas representantes de uma economia de subsistência que se nega a residir na cidade.

22 PEDRO BENTO & JOSÉ LEONEL. Canção do boiadeiro. In: PEDRO BENTO & ZÉ DA

ESTRADA. Som da terra. São Paulo: Chantecler, 1995.

23 BERNARDES, Carmo. O gado e a largueza das Gerais. Estudos avançados, IEA/USP, v.9,

n.23, jan./abr. 1995, p.44-5. Ver também: RAMOS, Hugo de Carvalho. Tropas e boiadas.

Goiânia: UFG, 2001.

24 HOLANDA, 1994, p.125-35. No capítulo “Do peão ao tropeiro”, o autor busca as origens

da atividade, que pela necessidade do comércio, embrenha pelo sertão, tornando-se peça

fundamental para sua ocupação. O boiadeiro é, nesse sentido, uma derivação do tropeiro,

resultado da largueza e fecundidade dos campos das Gerais e da sedentarização do serta-

nejo.

25 OLIVEIRA, José Araújo. Depoimento. Coromandel, 31.03.1995. Zé Garipeiro tem hoje

72 anos, dos quais, mais de 50 foram dedicados à vida na zona rural a ao garimpo. Hoje,

está aposentado.

26 Pena Branca. Pena Branca canta Xavantinho. Rio de Janeiro: Kuarup Discos, 2001. Se-

guem por ordem numérica o título das canções: O aboiador, Estrada, Primeira Cantiga:

Velho Carro de Bois, Casa de Barro.

Maria Clara Tomaz Machado

Revista Brasileira de História, vol. 26, nº 5144

27 HOBSBAWM, Eric; RANGER, Terence. A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e

Terra, 1984.

28 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular: um contínuo refazer de práticas e

representações. In: PATRIOTA, Rosangela; RAMOS, Alcides Freire (Org.) História e cultu-

ra: espaços plurais. Uberlândia: Asppectus, 2002.

29 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1. Artes de fazer. Petrópolis (RJ): Vozes,

1994.

30 CERTEAU, 1994, p.342.

31 DIEHL, Astor Antônio. Cultura historiográfica: memória, identidade e representação.

Bauru (SP): Edusc, 2002, p.342.

32 BENJAMIN, Walter. Experiência e pobreza. In: Obras escolhidas: magia técnica / arte e

política. São Paulo: Brasiliense, 1985.

33 DIEHL, 2002, p.189.

34 MACHADO, Maria Clara Tomaz. Cultura popular e desenvolvimentismo no interior das

Gerais: caminhos cruzados de um mesmo tempo. São Paulo, FFLCH, USP, 1998 (Doutora-

do em História Social).

35 CERTEAU, 1994, p.189.

36 OLIVEIRA FILHO, Antônio de. Da visão da lapa ao minério. Vazante: Prefeitura Muni-

cipal, 1977.

37 INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Censo demográfico, MG,

2000.

38 Informações Prefeitura Municipal de Vazante. Folder informativo.

39 Ministério do Planejamento. II Plano Nacional de Desenvolvimento — PND. Brasília:

1975-1985.

40 OLIVEIRA, 1977, p.95.

41 GUIMARÃES, Hélio Pereira. Depoimento. Vazante, jul. 2002.

42 SILVA, Benedito. Depoimento. Vazante, jul. 2002.

43 MANOELZÃO. Depoimento. Vazante, jul. 2002.

44 SCHWARZ, Roberto. Fim de século. Folha de S. Paulo, 04.12.1994. (Caderno Mais!)

(Re)significações culturais no mundo rural mineiro:

45Junho de 2006

Artigo recebido em 04/2006. Aprovado em 05/2006