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1 MINEIRIDADE, TRADIÇÃO ORAL E TRADIÇÃO ESCRITA Rogério Lobo Sáber 1 RESUMO Em pleno século XXI, deparamo-nos ainda com discursos de essência predominantemente gráfica que rejeitam o fato de que muito do imaginário dos diversos grupos étnicos existentes ampara-se na tradição oral. A oralidade abriga um vasto repertório de narrativas que recebem versões diferentes em contextos sociais e históricos também distintos. Nossa pesquisa intenta discutir em que medida ser mineiro é compreender que nossa cultura foi influenciada por raízes alóctones, estrangeiras. Aprofundamo-nos na reflexão quando chamamos, por fim, ao centro da arena, o texto A garça que integra o livro Histórias que Cecília contava, publicado em 2008, pela Editora UFMG , que acaba por nos mostrar o quanto de imaginário europeu existiu nos lábios de uma descendente de escravos que jamais travara contato com a esfinge-alfabeto. Palavras-chave: tradição oral; tradição escrita; mineiridade; contos de fadas. CONSIDERAÇÕES PREFACIAIS Um amigo sempre nos conduz a paragens desconhecidas. E um texto também. Desde que a quarta edição da Revista Reuni veio à luz, já estávamos cientes de nossa tarefa próxima. Um pouco de desafio, um pouco de amor-próprio, outro tanto de curiosidade, e aqui estamos nós, debruçados sobre o papel, ansiosos até a alma por encontrar um caminho que, de fato, nos auxilie a pôr em discussão a temática que ora tem voz para se expressar. Afinal, não é todo dia que nos dispomos a compreender o que vem a compor o imaginário de Minas Gerais: não é sempre que se traz, para o centro da arena, a ideia de mineiridade. Afirmamos que um amigo sempre nos convida a percorrer caminhos desconhecidos porque, se por um lado, entendemos que nossa incumbência presente é uma lancinante provocação, por outro, temos de reconhecer nosso atrevimento em 1 Graduado em Letras (Português/Inglês) pela Universidade do Vale do Sapucaí (2009). Aperfeiçoou-se em História da Filosofia Antiga pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (2010). Atualmente é professor de literatura do Colégio Tecnológico Delfim Moreira, de Santa Rita do Sapucaí.

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MINEIRIDADE, TRADIÇÃO ORAL E TRADIÇÃO ESCRITA

Rogério Lobo Sáber1

RESUMO

Em pleno século XXI, deparamo-nos ainda com discursos de essência predominantemente gráfica que rejeitam o fato de que muito do imaginário dos diversos grupos étnicos existentes ampara-se na tradição oral. A oralidade abriga um vasto repertório de narrativas que recebem versões diferentes em contextos sociais e históricos também distintos. Nossa pesquisa intenta discutir em que medida ser mineiro é compreender que nossa cultura foi influenciada por raízes alóctones, estrangeiras. Aprofundamo-nos na reflexão quando chamamos, por fim, ao centro da arena, o texto A garça — que integra o livro Histórias que Cecília contava, publicado em 2008, pela Editora UFMG —, que acaba por nos mostrar o quanto de imaginário europeu existiu nos lábios de uma descendente de escravos que jamais travara contato com a esfinge-alfabeto. Palavras-chave: tradição oral; tradição escrita; mineiridade; contos de fadas.

CONSIDERAÇÕES PREFACIAIS

Um amigo sempre nos conduz a paragens desconhecidas. E um texto também.

Desde que a quarta edição da Revista Reuni veio à luz, já estávamos cientes de

nossa tarefa próxima. Um pouco de desafio, um pouco de amor-próprio, outro tanto de

curiosidade, e aqui estamos nós, debruçados sobre o papel, ansiosos até a alma por

encontrar um caminho que, de fato, nos auxilie a pôr em discussão a temática que ora

tem voz para se expressar. Afinal, não é todo dia que nos dispomos a compreender o que

vem a compor o imaginário de Minas Gerais: não é sempre que se traz, para o centro da

arena, a ideia de mineiridade.

Afirmamos que um amigo sempre nos convida a percorrer caminhos

desconhecidos porque, se por um lado, entendemos que nossa incumbência presente é

uma lancinante provocação, por outro, temos de reconhecer nosso atrevimento em

1 Graduado em Letras (Português/Inglês) pela Universidade do Vale do Sapucaí (2009). Aperfeiçoou-se em

História da Filosofia Antiga pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (2010). Atualmente é professor de literatura do Colégio Tecnológico Delfim Moreira, de Santa Rita do Sapucaí.

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debater uma temática que talvez, para muitos, nem se aproxime daqueles conteúdos que

acabam se tornando as antífonas de um licenciado em Letras.

Dispor-se a compreender, mesmo que infimamente, o imaginário de nossas terras,

de seu povo, é empurrar-se para o centro do picadeiro — justamente àquele lugar onde

os holofotes brilham com toda a sua intensidade — e deixar-se indagar por perguntas que

não se calam: o que, de fato, me integra? que sombras ou luminosidades atuam em

parceria e acabam por compor o que entendo por mim? que veneno ou que antídoto foi

destilado, por Minas Gerais, em minhas veias?

Lançamos, acima, que também um texto — tal qual nossos amigos — nos impele

em direção a novos horizontes. E o leitor atento perceberá, de imediato, que este nosso

ensaio, integrante da quinta edição da revista Reuni, talvez seja uma falácia. Ter-se-á,

quem sabe, a ideia de que este texto muito diz e pouco faz. Talvez o leitor note que há

espaços sombrios em nossa discussão que impedem, de vir à claridade, informações

substanciosas, nodais. Todavia, se é justamente em tais pontos obscuros que residem

pontos mudos, silenciados, abstemo-nos da perfeição: porque também o silêncio diz

muito.

Nosso convite de hoje é para que recortemos, o mais profundamente possível,

nossa essência. Afinal, ser mineiro é compreender-se. É lançar-se à compreensão do

outro. Ser mineiro é mais do que um simples adjetivo gentílico. Boa leitura!

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS: RECORTES

A discussão lançada à luz por este artigo reveste-se, em nosso ver, de uma

amplitude tal que, aos olhos de muitos, poderá parecer exagero. Contudo, temos dito que

um texto é sempre um convite para se explorar novos territórios e, durante a trajetória,

palmilhá-los, extraindo-lhes o que de mais notável e significativo possam possuir.

Quem dera se, a todos os pesquisadores, fosse dada a prerrogativa de conhecer,

em ricos detalhes, o percurso por que se conduzirão seus próprios escritos. Afinal, se

precisávamos nos empenhar na discussão do que vem a ser mineiridade, ingenuamente

saberíamos que os textos encontrados nos empurrariam em direção a outros campos.

Estas indagações, em nosso ver, esquadrinham, em sua boa intenção, um átomo

da alma mineira; entretanto, a compreensão do que aqui se dirá também permitirá ao

leitor que promova comparações e aviste novas possibilidades. Nosso empenho é propor

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uma discussão que aponte a importância de que se revestem a cultura oral e a cultura

escrita e, dentro desta, que caminhos percorrem as narrativas populares para se diluírem

no imaginário de outros grupos étnicos.

Se, por ventura, nos forem lançadas questões análogas a “que tem isto a ver com a

ideia de mineiridade?”, possuiremos apenas dois argumentos que talvez nem sejam

eficientes para convencer o leitor: (1) apesar da tendência amplamente analítica de nossa

proposta — passamos pela África de trem, navegamos pela Europa e cavalgamos pelos

pastos mineiros —, partimos do princípio de que analisar a amplitude é paradoxalmente

compreender o particular e; (2) nossa homenagem ao Estado de Minas Gerais sustenta-

se no fato de que, tal como fizeram os pesquisadores Maria Selma de Carvalho, José

Murilo de Carvalho e Ana Emília de Carvalho, nosso texto dá voz à Maria Cecília de

Jesus, escrava mineira, contadora de histórias, porta-voz de nosso imaginário.

Nosso artigo, em um primeiro instante, dispõe-se a trazer, à superfície, discussões

referentes à memória oral: é momento de compreendermos como as narrativas populares

deslizam por entre as frestas que encontram em cada grupo étnico, em cada cultura, bem

como conhecermos ideias capitais, no que tangem à estrutura, à temática e à tendência

de aclimatação de tais contos.

Em uma segunda oportunidade, debruçar-nos-emos sobre a memória escrita e,

principalmente, sobre a recorrência do que podemos nomear de “pasteurização narrativa”.

É a ocasião propícia para que conheçamos os artifícios de que a escrita lança mão a fim

de se afirmar como soberana perante a cultura oral, ágrafa.

Por fim — e somente se nossa discussão nos dois instantes anteriores tiverem se

encarregado, com êxito, de sua tarefa —, dirigiremos breves considerações a respeito da

condição opressiva a que muitos grupos sociais foram submetidos por culturas ditas

dominantes. É sabido — e veremos bem — que determinados discursos, empolados e

arrogantes, tomam para si o mundo e se creem absolutos, senhores de tudo. Passam, por

conseguinte, a ditar regras e a sufocar toda espécie de discurso (aí inclusos crenças,

valores, princípios) que não se enquadre no molde que se impõe como referência.

A participação de Minas Gerais nisso tudo? Ser-nos-á dada a possibilidade de

compreendermos, pelo menos em parte, que caminhos foram percorridos pelo imaginário

mineiro — assim como outros tantos — para que tomasse a forma que dele hoje

conhecemos e que essência subjacente caracteriza a composição de nossas memórias.

Maria Cecília de Jesus, protagonista de nosso texto, convida-nos à contação de

histórias: narrativas aclimatadas, contaminadas por germes mineiros, que nos convidam,

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por sua vez, à interpretação de nossas próprias raízes. Iniciemos nosso percurso e,

ofertando-nos a oportunidade de acompanhar o trajeto mágico de Cecília, debrucemo-nos

sobre os inúmeros horizontes que ora se nos desvelam. Guiemo-nos por um mundo

encantado, povoado de símbolos e mistérios, e, quem sabe, com um pouco de sorte,

consigamos desvendar nossa identidade — antes que ela própria, astuta, vulpina, nos

desvende.

2. E O VERBO SE FEZ CONTOS DE FADAS

“De vez em quando penso nessa conversa. E lamento que as cantigas infantis vão desaparecendo, não tanto por imposições da vida, pela invasão dos brinquedos mecânicos, mas por falta de amor a essa poesia que vem de tão longe, que tem sido o doce deleite de tantas gerações, e merecia ser preservada como herança infinita e maravilhosa, que torna, enfim, o mundo mais belo”. (Cecília Meireles, 1941).

Se conseguimos interagir e sobreviver em sociedade, é porque somos capazes —

em níveis e experiências distintas — de assimilar o conteúdo sígnico do sem-número de

textos que nos rodeia e em que somos submersos dia após dia, minuto após minuto.

Entende-se por texto toda composição semântica que, inserida em um contexto

específico, é capaz de integrar uma unidade compreensível e de atingir o interlocutor,

esperando deste uma manifestação. A todo texto, em adição, é dada a oportunidade de

se concretizar oralmente ou na forma gráfica — sendo esta visível preferência da

chamada civilização ocidental.

Os textos — e aqui chamamos a atenção principalmente aos escritos — constituem

verdadeiras ferramentas de permanência: é por meio deles que registramos nossa história

e nossas ações. As narrativas, os documentos e as pinturas, por exemplo, são nossos

fantasmas, a partir do instante em que rondam nosso imaginário e definem, culturalmente,

nossa identidade, conduzindo nosso comportamento e valores. Daí a pesquisadora

Geneviève Calame-Griaule (1990) ter aprofundado a discussão do assunto, defendendo

que o contexto (sociocultural) afeta o texto — posto que o autor transfere, à sua

manifestação discursiva, sua visão de mundo —, mas que também o contexto influencia o

discurso do sujeito. Parece-nos pertinente tal discussão: em se tratando de texto e

contexto, deparamo-nos com uma faca de gume duplo.

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Ao analisar as manifestações folclóricas em nosso país, Câmara Cascudo (1997)

nos deixa bem claro que há, realmente, os dois tipos de memória que temos afirmado: a

memória escrita — sistemática, “premeditada” — e a memória oral — diluída, sub-reptícia:

[e]ssa unidade que Frobenius elogiava no africano será sempre discutida porque haverá obstinadamente, em qualquer agrupamento humano sob a mais rudimentar organização, a memória coletiva de duas origens de conhecimentos: o oficial, regular, ensinado pelo colégio dos sacerdotes ou direção do rei, e o não oficial, tradicional, oral, anônimo, independente de ensino sistemático porque é trazido nas vozes das mães, nos contos de caça e pesca, na fabricação de pequeninas armas, brinquedos, assombros (p. 186).

Cumpre mencionar, portanto, que, por mais que vivamos em uma sociedade

gráfica, a oralidade, as manifestações orais das narrativas populares apresentam

resistência. É certo que as narrativas, passíveis de contaminação ao primeiro contato

entre grupos sociais, não se mantêm intactas, intocáveis; não obstante, é o teórico Robert

Darnton (2001) quem também sustentará a hipótese de que cada cultura assimila as

narrativas construtoras de um imaginário de uma forma diferente.

Complementarmente, precisamos trazer à discussão a ideia de que esse diálogo

que, não raro, se instala entre culturas distintas, conferindo-lhes heterogeneidade, é o que

assegura, a cada grupo social, uma memória. Afinal de contas, nenhuma cultura é —

como queria que fosse John Locke — uma tabula rasa, amnésica, folha de papel em

branco à espera de manchas de tinta.

No que tange às manifestações orais, podemos asseverar que as formas de

expressão ágrafas, que não depositam sua sugestão/indicação semântica em signos

linguísticos, correspondem à origem de todas as narrativas. A discussão adensa-se

quando consideramos os dizeres de Câmara Cascudo (1997), que nos ensinam que

nossa bagagem folclórica — quer se torne arraigada consciente ou inconscientemente —

é absoluta e, sobretudo, inegável:

A preferência pela literatura oral, primeiro leite da cultura humana, existe em todas as bibliografias. É o elemento vivo e harmonioso que ambienta a criança e acompanha, obstinadamente, o homem, numa ressonância de memória e saudade. O folclore é a única disciplina que dispensa inicialmente o auxílio alheio para sua comprovação. Todos somos portadores do material rico e complexo, recolhido inconscientemente na infância e guardado nos escaninhos da lembrança. A erudição se destina aos trabalhos de confronto e à pesquisa misteriosa das origens (p. 185).

Ao contemplar teoricamente questionamentos que dizem respeito à maneira pela

qual cada cultura se estrutura, se organiza, Geneviève Calame-Griaule oferta-nos uma

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dica de inquestionável valor: se cada civilização, em prol de defender, cultivar seus

valores, dispõe-se a criar textos que contribuam justamente com a permanência daqueles

princípios tomados como primordiais, é-nos, pois, necessário, termos sempre em mente

que todo texto possui frestas por que deslizam influências do inconsciente.

Logo, toda interpretação deve aprofundar-se: é preciso ir-se au dessous e buscar o

semanticamente profundo, latente, posto que, no caso das narrativas de caráter popular,

nem sempre os textos foram examinados em seu potencial simbólico/ideológico

(DARNTON, 2001).

Como havíamos mencionado na introdução deste texto, sempre que nos for

possível tentaremos, com afinco, relacionar os subsídios teóricos apresentados ao

contexto e aos textos da contadora de histórias Cecília. Portanto, eis uma primeira ideia

que corrobora a importância da tradição oral: no prefácio da obra Histórias que Cecília

contava, José Murilo de Carvalho — um dos organizadores — comenta acerca de sua

infância e nos mostra que, nas Minas Gerais dos anos 40, contavam-se diversas histórias,

que acabavam por se tornar a diversão dos infantes:

Sem luz elétrica, a jornada de trabalho na fazenda, até o final da década de 1940, começava às 6 da manhã e terminava ao escurecer, quando se acendiam velas, lamparinas e lampiões. Mas Cecília não descansava. Findo o jantar, ela se tornava o centro das atenções. As crianças lhe exigiam que contasse histórias. (In: CARVALHO; CARVALHO; CARVALHO, 2008, p. 9).

A obra em tela, compilada pelos três irmãos, acompanha o áudio das histórias,

narradas pela própria Cecília. Indubitavelmente, o conteúdo das narrativas é de um

encantamento tal que cremos ser capaz de prender a atenção de sua plateia; todavia — e

conforme nos expõe Robert Darnton (2001) —, parece-nos que o néctar destilado a fim de

se inebriar os ouvintes provém dos recursos expressivos que, à oralidade, são oferecidos

de bom grado.

Ao defender que os contos de fada — espécie de manifestação narrativa popular,

cultural, folclórica — hoje conhecidos são como alofones — fonemas que se concretizam

de forma particular em determinado contexto social —, o pesquisador considera o

potencial da expressividade oral e afirma que

[o] maior obstáculo é a impossibilidade de escutar as narrativas, como eram feitas pelos contadores de histórias. Por mais exatas que sejam, as versões escritas dos contos não podem transmitir os efeitos que devem ter dado vida às histórias do século XVIII: as pausas dramáticas, as miradas maliciosas, o uso dos gestos para criar cenas — uma Branca de Neve com uma roda de fiar, uma Cinderela catando

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piolhos de uma irmã postiça — e o emprego de sons para pontuar as ações — uma batida à porta (muitas vezes obtida com pancadas na testa de um ouvinte) ou uma cacetada […]. Todos esses dispositivos configuravam o significado dos contos e todos eles escapam ao historiador (pp. 32-33).

Arriscamo-nos a afirmar que as variações das narrativas populares — que se

incumbem, por fim, da construção do imaginário de cada cultura — têm chamado a

atenção de diversos interessados pelo assunto. Darnton (2001), por exemplo, registra

considerações que nos mostram — em se tratando dos contos de fadas provenientes do

imaginário europeu do século XVIII — como uma narrativa era conduzida nos campos

franceses e como o desfecho ou outro detalhe conveniente da história sofria alterações

em terras estrangeiras. Por meio de sua pesquisa, é-nos dado entender que

[o]s narradores camponeses abordavam os mesmos temas e lhes faziam modificações características, os franceses de uma maneira, os alemães de outra. Enquanto os contos franceses tendem a ser realistas, grosseiros, libidinosos e cômicos, os alemães partem para o sobrenatural, o poético, o exótico e o violento (pp. 74-75).

Em termos de ser humano, ser-nos-ia extremamente equivocado pensar-se a

respeito de uma possível arbitrariedade: as alterações propostas às histórias não se

revestem de importância alguma e tampouco possuem qualquer significado. Errado.

Cabe-nos estender nossa atenção ao fato de que o objetivo primeiro do contador

de histórias é prender seu interlocutor; contudo, exercer influência em determinado

ouvinte é questão que se encontra irremediavelmente atrelada ao contexto de que se

origina ou em que se encontra o interlocutor a que nos dedicamos.

Logo, apesar de haver céticos que costumam remeter, às variações narrativas —

recorrentes e necessárias —, sua mais fria insensibilidade, acusando-as negativamente

de dispersão, é preciso que fique clara a ideia de que as narrativas orais, de forma ampla,

compõem um conjunto coeso, ou seja, formam “[…] un système dont toutes les parties

s‟articulent entre elles” (CALAME-GRIAULE, 1990, p. 2).2

Dentre as inúmeras possibilidades de materialização das narrativas orais, daremos

destaque aos chamados contos de fadas, certos estamos de que são complexos o

suficiente e, portanto, servir-nos-ão de base para tecermos nossas considerações.

Segundo Adélia Bezerra de Meneses (2010), os contos de fadas também são

frutos da oralidade e se prestam, com efeito, a veicular verdades que acabam por dar

possibilidade de florescimento a uma sabedoria dita popular.

2 “[…] um sistema no qual todas as partes se articulam entre si”. (tradução nossa).

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A relevância de tais espécimes narrativos reside, na opinião da pesquisadora, no

fato de que o ser humano — mormente em idade pueril — aprende por meio do

simbolismo que subjaz às estruturas textuais, uma vez que toda a simbologia presente é

um convite para que a criança supere suas próprias dificuldades. Daí podermos defender

que as narrativas em questão encerram uma sabedoria que, dita de outra forma, talvez

fosse perturbadoramente ineficaz.

Detenhamo-nos, por ora, a um ponto crucial: se as variações são inevitáveis e

incoercíveis, a narrativa, então, é lançada ao espaço de qualquer jeito, de acordo com a

vontade de cada um? Certamente que não e, portanto, a partir deste ponto,

consideraremos pontos essenciais que nos explicam que as narrativas de difusão

assistemática — notadamente os contos de fadas — também possuem o que podemos

chamar de estrutura. Há uma raiz pivotante que recebe respeito.

O primeiro ponto que se apresenta como comum à maioria dos estudiosos dos

contos de fadas diz respeito ao fato de que tais histórias fogem à condição mimética

presente em tantas outras, como naquelas que vêm à tona por meio do gênero romance.

É Jean-Paul Sermain (2006) quem nos guia em direção à compreensão de tal condição

estruturante: “[p]lus fondamentalement, ses spécificités poétiques interdisaient tout

décalque des pratiques romanesques: il se définit d‟abord par son refus de la logique

mimétique et par l‟articulation entre sa matière merveilleuse et une énonciation complexe

[…]”3.

Em segundo lugar, é interessante percebermos que tem existido, em meio

acadêmico, uma briga neuronal, no que se refere à relação existente entre sonho e conto

de fadas. De um lado, deparamo-nos com aqueles teóricos que defendem uma

semelhança — e, para tal, afirmam que a simbologia, no conto de fadas, é, no mínimo,

onírica; na outra extremidade, cumpre-nos dar voz àqueles que concebem o conto como

coletivo — e, portanto, totalmente oposto à condição de sonhos, individualizada

(XANTHAKOU, 2001).

Proveniente de um mundo de sonhos ou não, fato é que a estrutura do conto de

fadas, amimética, constrói uma verdade sobre mentiras e, daí, todo mergulho que, de

fato, exceda a superfície, conduzir-nos-á a uma verdade dita oculta. As considerações de

Margarita Xanthakou (2001) dialogam com as nossas, quando dito que

3 “[…] mais fundamentalmente, suas especificidades poéticas proibiam todo o decalque das práticas

romanescas: [o conto de fadas] define-se, primeiramente, por sua recusa da lógica mimética e pela articulação entre sua matéria maravilhosa e uma enunciação complexa […]”. (tradução nossa).

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« Il était une fois », cette formule introduit à un non-lieu, à un non-temps, utopie et uchronie, « autre scène » où l‟auditeur est ainsi averti qu‟il va entendre des mensonges. «Mais annoncer qu‟on va dire un mensonge, c‟est annoncer d‟une certaine façon qu‟on va dire de la vérité, sinon la vérité. Le mensonge annoncé fait appel à une vérité cachée […] (p. 366).

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A contação de histórias, feita diante dos espectadores, apresenta um desafio tanto

ao contador — que precisa buscar e averiguar a eficácia dos caminhos percorridos —

quanto ao ouvinte — cujo esforço deve tornar compreensível a narrativa recebida. Para

Geneviève Calame-Griaule (1990), por mais que se tente transcrever graficamente uma

história de tal tipo, remanescem recursos expressivos — espontâneos e alteráveis — que

dificilmente conseguem ser indicados em forma escrita. Em seu ver, a única arte capaz de

restituir conteúdo e expressão simultaneamente seria a arte cinematográfica.

Referindo-nos ainda às questões estruturais das narrativas populares, precisamos

nos atentar à ideia de que a narrativa oral, comumente, embasa-se em condições de

oposição “(jour/nuit, dedans/dehors, sec/humide, mariage/non-mariage etc.)” (CALAME-

GRIAULE, 1990, p. 4).5 A manifestação de tais oposições confere, ao mundo dos contos

de fadas, uma visão essencialmente maniqueísta e tais contrastes, segundo Margarita

Xanthakou (2001), têm valor cultural, variável de povo para povo.

Robert Darnton (2001), em seu estudo acerca das narrativas populares do século

XVIII, relaciona o contexto histórico em que/do qual surgiram os contos ao que lhe

parecer ser uma espécie de cânone narrativo: o mundo é sempre arbitrário, imoral.

Lembremo-nos de que, falar em século XVIII é remeter-se a um período da história

marcado por fome, miséria e doença. É lembrar-se de que os camponeses viviam em

péssimas condições e sob a opressão de um senhor, que detinha o que podemos chamar

de meios de sobrevivência. Portanto, o camponês, ao se projetar no personagem da

narrativa, desconfia de tudo e de todos, posto que “[o]s contos não advogam a

imoralidade, mas desmentem a noção de que a virtude será recompensada ou de que a

vida pode ser conduzida por qualquer outro princípio que não uma desconfiança básica”

(p. 80).

A lei que impera — e que precisa, inquestionavelmente, imperar — é a do ludíbrio:

quanto mais se é ingênuo, mais depressa se torna presa fácil para os enormes dentes

afiados da concorrência. Insta que todos se dediquem à própria salvação: tanto o céu

4 “„Era uma vez‟, essa fórmula apresenta um não lugar, um não tempo, utopia e ucronia, „outra cena‟ em que

o ouvinte é assim advertido de que ouvirá mentiras. „Mas anunciar que se dirá uma mentira, é anunciar que, de certa maneira, dir-se-á da verdade, senão a verdade. A mentira anunciada apela a uma verdade escondida […]”. (tradução nossa). 5 “(dia/noite, dentro/fora, seco/úmido, casamento/não casamento etc.)” (tradução nossa).

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quanto o inferno são pequenos para a permanência de tantas pessoas, tendo em vista,

principalmente, a escassez de comida e a abundância de doenças.

Em nosso ver, o que também os contos, estruturalmente, apresentam como convite

à descoberta, diz respeito às divisões religiosas que, frequentemente, perpassam a

superfície textual. Robert Darnton (2001) nos explica que, ao projetar-se na história, o

camponês (leia-se: o homem humilde, desprovido) encontra — mesmo que ficticiamente

— um dispositivo de autossatisfação, uma fresta pela qual se dá o direito de gozar dos

benefícios, dos privilégios dos altos estratos da população:

Não é preciso dizer que o céu é sempre tão estratificado quanto a corte de Luís XIV, e se pode entrar nele usando engodos. O engodo serve muito bem como estratégia para viver. Na verdade, é o único recurso ao alcance dos “pequenos”, que precisam encarar as coisas como são e tirar delas o maior proveito possível (p. 87).

Se, grosso modo, o arcabouço estrutural das narrativas populares pôde ser

esquadrinhado nos parágrafos acima, é este o momento de dedicarmos nossa atenção às

condições temáticas/semânticas dessas mesmas histórias que, por longa data, têm

povoado o imaginário de todas as civilizações.

Margarita Xanthakou (2001), adiante em sua dissertação, reitera a ideia de que o

conto oculta verdades, principalmente quando considerado o fato de que o discurso

religioso — predominantemente católico —, por bons anos, fincou estacas que se

prestaram à demarcação “territorial” dos temas explorados justamente por aquelas

narrativas orais que acabaram sendo transpostas à linguagem escrita.

Ora, se, à oralidade, confere-se, na medida do possível, a liberdade expressiva —

que se manifesta, por exemplo, na entonação, no emprego de recursos que objetivam

dinamizar a história entoada —, o oposto ocorre com os discursos escritos, que,

tradicionais, casmurros, fecham-se em seus próprios mundos e reagem veementemente

contra o primeiro sinal de ameaça (lembremo-nos de que o alvo primeiro da escrita é a

permanência).

Contudo, temos de frisar, por mais que haja (como vimos) variações que acabam

por lapidar cada história de uma determinada maneira, as versões dos contos embasam-

se em e veiculam o imaginário da sociedade em que avistam ambiente propício para

crescer. A ideologia de cada civilização é absorvida, tal qual esponja sedenta, pelas

narrativas populares e, dessa maneira, pedra sobre pedra, vai-se construindo o que

comporá, em momento ulterior, o imaginário povoado de arquétipos de uma comunidade.

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Um exemplo pertinente corresponde àquele que encontramos no texto de Jean-

Paul Sermain (2006), que analisa os contos de fadas sob uma perspectiva comparativa.

Em seu ver, as fadas que se desfiam pelas inúmeras narrativas fantásticas europeias são

projeções do próprio imaginário das massas — essencialmente camponesas — que, por

meio do pacto textual, vislumbram possibilidade de fruição dos privilégios dos monarcas

absolutistas. Daí o autor trazer à tona o fato de que as fadas, assim como os governantes

que abusavam do poder, deliberavam arbitrariamente, pautando-se por seus próprios

caprichos. Nas palavras de Crébillon (apud SERMAIN, 2006),

[e]n ce temps-là les Fées gouvernaient l‟univers. On n‟ignore pas que ces intelligences consultant plus le caprice que la raison […]. Il est rare qu‟on n‟abuse pas d‟un pouvoir sans bornes; et quiconque peut faire tout ce qui lui plaît, ne détermine pas toujours ses volontés su la justice.

6

Também o herói do conto, por sua vez, comumente é beneficiado com os amparos

ofertados pelas fadas que povoam a narrativa e, portanto, tais privilégios correspondem a

uma projeção do rei absolutista, a partir do instante em que o herói se reveste de poderes

e habilidades tais que beiram a supernaturalidade. Notemos, como temos dito, que a

relação que se estabelece entre o que é vivido por um povo e o que é contado por esse

mesmo povo é estreitíssima; dificilmente ser-nos-ia dada a oportunidade de conhecermos

a resolução desse enigma.

Sermain (2006) pontua, em momento posterior, que os contos passaram por um

redirecionamento ideológico. Isso significa dizer que, se em um primeiro instante,

dedicavam-se a criar um ambiente — mesmo que projetado — que permitisse, ao leitor,

fruir dos privilégios do monarca regente da sociedade, é em um segundo momento que

perceberemos que os contos se muniram de essência política e, portanto, passaram a

mostrar que o poder absolutista pode se enfraquecer, a partir do instante em que o

personagem, na história, também é vulnerável a uma derrocada.

A inclusão de finais negativos nas histórias populares representa a ideia de que o

mundo dá voltas e que, portanto, qualquer iniciativa arrogante é condenável e pode

conduzir o sujeito à falência. As questões sociais que se insinuam pelos interstícios do

texto podem, por sua vez, se deixar conduzir pelo grotesco, já que um dos principais

artifícios do contador de histórias (leia-se: perpetuador de uma tradição oral revestida de

6 “naquele tempo, as Fadas governavam o universo. Ninguém ignora que suas inteligências consultavam

mais o capricho do que a razão […]. Era raro não se abusar de um poder sem limites e qualquer uma [delas] podia fazer tudo o que lhe aprouvesse, nem sempre determinando suas vontades [pelo conhecimento] da justiça”. (tradução nossa).

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arquétipos) é “[…] utiliser les traits négatifs du conte de fées pour figurer les défauts de la

société et de l‟état absolutiste” (SERMAIN, 2006).7

Ao direcionar seu potencial analítico ao folclore brasileiro, Câmara Cascudo (1997)

reitera a ideia de que os contos populares baseiam-se em situações e personagens

arquetípicos, ou seja, situações e atores modelares, que permitem a reprodução em

simulacros ou objetos semelhantes.

Em seu ver, há uma certa recorrência em se escrever histórias que figurem, como

protagonistas, animais, que acabam por nos ensinar por meio de alegorias e metáforas.

Tal tendência zoofórica seria o ponto de partida para diversas outras variações narrativas

e seria comum não apenas ao substrato europeu, mas também a culturas africanas e

ameríndias:

[n]a literatura oral, a parte mais prestigiosa, universalmente querida, é o conto, a estória de fadas, heróis, gênios, aventuras onde sempre o Bem é vitorioso e os mais fracos, a órfã, o terceiro filho, o amarelo, o animal humilde, jabuti, coelho, pinto, sapo, acabam vencendo (CASCUDO, 1997, p. 186).

Perguntar-se-á, por certo, o leitor: se cada cultura parece imprimir, às narrativas

que disseminam, uma tendência, uma perspectiva, uma forma de se abordar o assunto

que se quer trazer à luz, como é que os textos — ainda mais sendo orais — sobrevivem?

Tantas modificações não seriam, no fim de contas, negativas? Uma possível resposta a

tal questionamento remete-nos ao fato de que as narrativas resistem diacronicamente

porque lidam com temas nodulares, que oferecem interpretações concernentes a

questões universais e atemporais, por mais distante que se encontre uma determinada

civilização.

Para Geneviève Calame-Griaule (1990), “[…] ce sont précisément ces „noyaux‟ qui

expliquent la grande permanence des contes à travers toutes les métamorphoses qu‟ils

subissent” (p. 5).8 Os nós, arquetípicos, subjazem a todas os agrupamentos humanos e

buscam se relacionar justamente ao que cada um abriga no inconsciente.

Os contos não são senão filhos das narrativas míticas e acabam sendo “ajustados”

às necessidades do contador, que tem a responsabilidade capital de algemar, por meio da

palavra e de sua expressividade oral, a plateia afoita, sedenta de aventuras. Segundo

Vernant (1999, pp. 11-12), é outorgado, ao relator, o engenho imprescindível para que

7 “[…] utilizar os traços negativos do conto de fadas para representar os vícios da sociedade e do estado

absolutista”. (tradução nossa). 8 “[…] são precisamente esses „nós‟ que explicam a grande permanência dos contos ao longo de todas as

metamorfoses a que se sujeitam”. (tradução nossa).

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faça suas escolhas “[…] en fonction des circonstances, de son public ou de ses

préférences, et où il peut retrancher, ajouter, modifier si cela lui paraît bon” (apud

XANTHAKOU, 2001, p. 373).9

Robert Darnton (2001), ao investigar o conteúdo explorado nas narrativas

populares camponesas do século XVIII, registra que os contos traziam à superfície, com a

máxima intimidade possível, a crueldade cotidiana a que estavam sujeitos os miseráveis

trabalhadores dos campos franceses. Deparamo-nos, pois, com histórias que se difundem

em versões sem eufemismos, sem o processo de “pasteurização”, que se tornará artifício

recorrente nas mãos de compiladores de histórias, como Perrault. Daí Darnton nos

apresentar, estranhamente, a uma Chapeuzinho Vermelho que é devorada pelo lobo mau,

que sai vitorioso. Daí ser-nos dado conhecimento de enredos que contemplam, em seu

bojo, sangue, violência e situações constrangedoras (leia-se: situações cotidianas). Nos

dizeres do autor,

A maioria dos contos do repertório francês foi recolhida por escrito entre 1870 e 1914, durante “a Idade de Ouro da pesquisa dos contos populares na França” e quem narrou as histórias foram camponeses que as haviam aprendido na infância, muito antes de a alfabetização se disseminar no campo. Assim, em 1874, Nannette Levesque, uma camponesa analfabeta, nascida em 1794, ditou uma versão do “Chapeuzinho Vermelho” que remonta ao século XVIII; e, em 1865, ditou uma versão de “Le Pou” (conto tipo 621) que ouvira pela primeira vez nos tempos do Império (DARNTON, 2001, p. 30). Uma mãe bate na filha, porque esta não trabalha. Quando um rei ou um seigneur local, que passava por ali, pergunta o que aconteceu, a mãe imagina um artifício para se livrar do membro improdutivo da família. Alega que a moça trabalha em excesso, tão obsessivamente, na verdade, que seria capaz de fiar até a palha de seus colchões. Achando isso uma boa coisa, o rei leva consigo a moça e lhe ordena fazer trabalhos sobre-humanos: ela tem de fiar montes inteiros de feno, transformando-os em quartos cheios de linho; de carregar e descarregar cinquenta carroças de adubo por dia; de separar montanhas de trigo da palha. Embora as tarefas acabem sempre sendo cumpridas, graças a uma intervenção sobrenatural, expressam um fato básico da vida dos camponeses, de forma hiperbólica. Todos enfrentavam um trabalho interminável, sem limites, da mais tenra infância até o dia da morte (ibidem, p. 55).

É também o historiador americano quem nos fará entender, por meio de seu livro,

que, apesar de as culturas contemporâneas serem saturadamente gráficas —

amparando-se e impondo-se por meio da escrita e de todo signo linguístico, signo verbal

9 “[…] em função de circunstâncias, de seu público ou de suas preferências, e donde ele pode suprimir

[trechos], acrescentar [outros], modificar, se isso lhe parece bom”. (tradução nossa).

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e signo zodíaco possível… —, a liberdade inerente à contação de histórias permite, ao

contador, que interprete a trama à sua maneira.

Aqueles contadores que não foram iniciados na arte pintada pela esfinge-alfabeto

não terão noção da disposição gráfica do texto em uma folha de papel; entretanto, a

ausência de conhecimento alfabético não impede — e em nada desvaloriza — o indivíduo

de conduzir a narrativa por meandros singularmente inquisitivos e belos. A criatividade de

uma pessoa não culmina com o aprendizado de um código de registro escrito: a oralidade

é um arsenal carregado de possibilidades para se adornar contos e lendas; é um convite

para que a plateia, ansiosa, seja levada ao que Manuel Bandeira nomeou de

“alumbramento”; é uma ferramenta essencial para a manutenção do valor das narrativas,

que muito valem por passar de geração em geração:

A fábula, velha invenção de todos os povos, em todos os lugares da terra, foi sempre a forma predileta de transmissão do ensinamento moral, e não é de estranhar que se encontrem coincidências surpreendentes a imensas distâncias no espaço e no tempo, — lei que regula o espontâneo aparecimento ou a aclimatação de formações análogas onde quer que se desenvolva a vida humana, com suas observações e experiências (MEIRELES, 2001, p. 332).

As palavras de Cecília Meireles (1901-1964), em nosso ver, encerram esta primeira

seção e nos impelem a refletir acerca de nossa própria cultura. Em que medida o

imaginário brasileiro foi e é influenciado por imaginários de outras partes do mundo? Em

que medida nossos valores e narrativas populares tornam-se exemplares de referência a

outros grupos étnicos? A discussão, em nosso ver, é ampla e, provavelmente,

inesgotável. Contudo, nossa intenção é que este texto lance alguma luz para que outros

interessados, lanterna em mão, disponham-se a percorrer, mais a fundo, este percurso.

Passemos à próxima seção.

3. REGISTRE-SE, PUBLIQUE-SE E CUMPRA-SE!

“Plus ça change, plus c’est la même chose” (provérbio francês).10

Na seção anterior, debruçamo-nos, com grande interesse, sobre a questão da

oralidade. Tentamos compreender de que recursos as diversas culturas lançam mão a fim

de alcançarem os dois objetivos que se lhes apresentam como fundamentais:

10

“Quanto mais se muda, mais se é a mesma coisa”. (tradução nossa).

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manutenção e disseminação. Ora, pensar-se em cultura é pensar em disseminação

ideológica. Afinal, cada grupo étnico — fruto e semente de um contexto social e histórico

específico —, por menor que seja a intenção, precisa e busca — de alguma forma, quer

seja de forma opressiva, quer seja às escuras — se manter. Cada monólito cultural

empenha-se, a seu modo, em manter a postura frente aos demais.

Em nossa discussão, temos sugerido que toda cultura, em essência, possui

tradições orais e também tradições que se resguardam por meio da escrita. Contudo,

cumpre-nos lembrar que, por mais que as manifestações escritas pareçam soberanas, é

na oralidade que parece residir os valores de um determinado grupo. Como defendido por

Câmara Cascudo (1997), a fonte de água oral é a primeira da humanidade; antes da

escrita, surgiram a música, a poesia, as rapsódias; enfim, manifestações “analfabéticas”.

Rendamos, pois, o devido respeito à oralidade: voz primeira dos agrupamentos humanos.

Contudo — e tal análise se faz necessária, se quisermos, efetivamente,

alcançarmos a maior profundidade possível em nossa enunciação —, cabe-nos dirigir

considerações que dizem respeito à escrita — que pode nos conduzir à luz, convidando-

nos à permanência, ou que pode, de outra feita, nos conduzir às trevas, empurrando-nos

à dominação.

Comecemos nossa discussão pelo fato de que a escrita é, em suma, ferramenta de

dominação — e não nos faltarão exemplos pertinentes, como o latim e o inglês — e

compreenderemos, portanto, que o uso de recursos linguísticos baseados em alfabetos

ou ideogramas é essencial à sobrevivência das culturas a que pertencem. Certo? Em

partes, se considerarmos que a necessidade gráfica é profundamente arraigada na

cultura ocidental, que sempre se empenhou na conquista de outras comunidades.

Conforme nos ensina Kasereka Kavwahirehi (2004), “[d]e fait, la possession ou non de

l‟écriture (entendue au sens occidental) a joué un rôle capital dans la manière dont

l‟Occident est entré en contact avec les autres peuples” (p. 795).11 Lança-se, pois, outra

faca de duplo gume: a civilização apenas busca sua sobrevivência — como qualquer

outra — ou age como vilã, oprimindo culturas que lhe são teoricamente alheias?

A discussão adensa-se quando consideramos o fato de que, no século XVI, a

escrita constituía referência para se aferir a superioridade e o grau de desenvolvimento de

uma comunidade. Nossa pergunta é a seguinte: como pode algo arbitrário como a escrita

11

“[…] de fato, a possessão ou não da escrita (entendida no sentido ocidental) desempenhou um papel capital na maneira pela qual o Ocidente entrou em contato com outros povos”. (tradução nossa).

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(um conjunto sígnico e nada mais!) ser usado como ponto de partida para se valorar

grupos humanos?

Longe de querermos renegar a escrita a um continente remoto — se assim o

fizéssemos, estaríamos sendo incoerentes com nossa própria tese, que se ampara nos

pilares da modalidade escrita da língua portuguesa. Não obstante, temos de ressaltar

que, tal como a energia nuclear — ora usada para o mal, ora aplicada para o bem —, a

escrita possui face ambígua. De um lado, inúmeras possibilidades e convites para se

descobrir o mundo; em outro viés, ferramenta de dominação.

Dentre todos os cabrestos de que se serve a escrita em sua jornada desbravadora,

precisamos deslocar, para o centro do picadeiro, a tradução — ferramenta muito usada

para a transposição dos contos de fadas de que temos tratado.

Para Kavwahirehi (2004), a tradução é um dos engodos usados para que o

colonizador resguarde o domínio mantido sobre o colonizado. Nesse sentido, a

transposição de textos a línguas alóctones nada mais corresponderia senão a um

estratagema de arquitetura complexa e reticulada. Daí podermos afirmar que:

[l]e travail de transcription et de traduction va de pair avec une dépossession et un isolement du peuple (la masse de ceux qui ne savent pas… écrire) par rapport à la nouvelle élite. Il culmine dans l‟institutionnalisation d‟un nouveau lieu d‟acquisition du pouvoir, de l‟autorité et du savoir; lieu où l‟on apprend à maîtriser le langage du savoir et l‟écriture qui produit l‟histoire […] (p. 801).

12

Assim posto, confirma-se o potencial adestrador da escrita, que se empenha, não

raro, ao controle cultural e à imposição ideológica. Não precisamos ir muito longe para

comprovarmos tal afirmação; se tomarmos como válida o argumento de Kavwahirehi

(2004), veremos que, aos contos, às lendas e aos mitos africanos, pouco se tem dado voz

nos currículos educacionais antes das devidas traduções e adaptações.13

Os textos precisam passar por uma limpeza que dificilmente se mostra como

positiva, a partir do instante em que, “ajustados”, assemelham-se a novos cristãos, a

pagãos convertidos, que têm sua perspectiva maculada e sua carga discursiva limitada e

redirecionada.

12

“[…] o trabalho de transcrição e de tradução é igual a um desapossamento e a um isolamento do povo (a massa daqueles que não sabem… escrever) em relação à nova elite. Culmina em uma institucionalização de um novo local de aquisição de poder, de autoridade e de saber; local onde se aprende a dominar a linguagem do saber e a escrita que produz a história […]”. (tradução nossa). 13

A importância de se trabalhar narrativas originárias das culturas africana e afro-brasileira é corroborada pela instauração, na educação brasileira, da lei n.º 10639/03, que altera a Lei n.º 9394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências.

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Um dos interessados no assunto que se dispôs a compilar lendas e contos de fada

e a, de fato, convertê-los para uma cultura burguesa foi o francês Perrault (1628-1703),

que recolheu suas obras das narrativas orais com que travou contato (MENESES, 2010) e

empenhou-se em torná-las acessíveis:

Rejetant toute révérence à l‟égard des textes et des modèles de l‟Antiquité, il puise à la source d‟une tradition orale labile, indigne et jusque là inaudible, et il exige de l‟écrivain qu‟il repère les qualités de ces récits originaires et les intègre à une littérature conforme aux exigences de la sociabilité lettrée et accessible aux honnêtes gens : il les rend au peuple en les traduisant dans une langue commune (SERMAIN, 2006).

14

Perrault representa algo único na história da literatura francesa: o supremo ponto de contato entre os universos, aparentemente distantes, da cultura popular e da cultura de elite. Como o contato foi feito, não se pode determinar, mas talvez tenha ocorrido num cenário como aquele que aparece no frontispício da edição original de seus contos, a primeira versão publicada de Mamãe Ganso, que mostra três crianças bem vestidas ouvindo, enlevadas, uma velhinha trabalhando num local que se assemelha a alojamentos de criados (DARNTON, 2001, p. 90).

Talvez nem o próprio Perrault tenha se dado conta de seu atrevimento e da

importância de seu trabalho para as gerações futuras e além-mar; afinal, devemos partir

das considerações acima para que, na terceira e última seção do desenvolvimento deste

artigo, retornemos à questão posta inicialmente (que é mineiridade?) e aderecemo-nos,

por conseguinte, à compreensão de nossa própria condição cultural híbrida — temática

discutida, em nível de Brasil, em artigo anterior a este (cf. SÁBER, 2010).

Se o leitor, até a esta altura, interessou-se em acompanhar nossa discussão,

certamente tem clarificada, em sua mente, a ideia de que as culturas se valem das

tradições orais e das tradições escritas para se organizarem e se estabelecerem em um

determinado espaço histórico-geográfico. Esperamos que tenha ficado evidente também o

fato de que nem sempre a escrita é tomada para a iluminação de seus usuários — posto

que, ao revés, dedica-se à escravização ideológica — e que os contos de fadas,

narrativas recolhidas do chafariz da oralidade, sempre sofrem alterações e, tal qual planta

ferida, se regenera, recompondo-se, estruturando-se sobre novos canteiros. Transpõem-

se, dessas mesmas plantas, férteis mudas e, a partir daí, os frutos que venham a surgir

14

“Ao repelir toda reverência com relação aos textos e aos modelos da Antiguidade, ele [Perrault] bebe da fonte de uma tradição oral lábil, indigna e até aí inaudível, e exige do escritor que ele descubra as qualidades dessas narrações originais e as integre a uma literatura conforme as exigências da sociabilidade letrada e acessível às pessoas honestas: ele as restitui ao povo ao traduzir [as narrativas] em uma língua comum”. (tradução nossa).

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com o passar dos tempos começam a povoar um pomar que, ulteriormente, transformar-

se-á em imaginários culturais abrangentes e extremamente ricos.

Uma vez compreendidas tais relações que se estabelecem entre a tradição oral e a

escrita, bem como as opções que são postas nas mãos dos sujeitos dominantes — que

são aptos a manusear tanto uma quanto outra espécie discursiva —, é hora de

passarmos à última seção deste texto e, efetivamente, de nos guiarmos em direção à

mineiridade. Tentaremos — na medida do possível e respeitando-se o espaço que nos é

ofertado — relacionar toda a teoria até aqui traçada ao contexto especificamente mineiro

de que provimos e em que, inevitavelmente, nos inserimos. Será que nosso Estado, com

todas suas idiossincrasias e nuanças, tornou-se, com o escoar do tempo, um significativo

repositório de lendas e de outras narrativas orais? Será que a análise de uma tal amostra

contribui com a compreensão de nossa própria condição mineira? Lança-se, por ora, o

convite.

4. ERA UMA VEZ… MINAS!

“Porque um lobo, tirado o medo / É um arremedo de lobo”. (Chico Buarque de Holanda).

Questionar Minas Gerais em sua essência é dispor-se a recortar, merecidamente,

os inúmeros quinhões que contribuíram com nossa formação cultural, identitária.

Relacionando-se o objetivo desta derradeira seção com todos os traçados teóricos

antecedentes, podemos, efetivamente, discutir em que sentido o resgate da literatura oral

— repudiada pela autoridade gráfica — pode ser um meio para darmos voz às minorias

culturais que, infelizmente, têm sofrido preconceito e servido de motivo de descabida

chacota.

Portanto, um olhar mais acolhedor e condescendente para com a cultura do outro

apenas se fará possível quando, pisando o chão da realidade, nos dispusermos, com

altruísmo, a compreender o imaginário de outros grupos étnicos. Kavwahirehi (2004)

explica que o resgate da literatura oral — foco desta pesquisa — é um ideal que beira e

fomenta a democracia, a valorização de povos rejeitados e que, em última hipótese, põe

fim à exclusão.

Dentre os inúmeros grupos étnicos que padeceram nas mãos do discurso

dominante ocidental, estenderemos nossa atenção aos africanos, haja vista a inumerável

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influência que a cultura áfrica tem exercido sobre a nossa — e, especialmente, sobre a

mineira.

Minas Gerais, estado brasileiro estupidamente visado na época das grandes

minerações (séculos XVII e XVIII), reflete a mesma hibridação do país, sendo composto

de raízes indígenas, africanas e brancas — para citarmos, de maneira paradigmática, os

grupos basilares de nossa constituição. É relevante e inquestionável a participação dos

negros africanos, trazidos para cá para trabalharem como escravos, em nossa cultura

mineira: comida, artesanato, canto, dança, vestuário, enfim, todas nossas instâncias

culturais locupletam-se de traços culturais alóctones.

Uma breve reflexão acerca dos grupos africanos, no entanto, faz-se necessária.

Kavwahirehi (2004), conduzindo sua reflexão ao encontro da nossa, expõe-nos a

opressão a que foram submetidos, por exemplo, os africanos do Congo belga. Qualquer

que seja o ponto de partida para análise — e, na mesma condição, qualquer que seja o

ponto de chegada —, fato é que a coerção cultural feita visava, sobretudo, à eliminação

do que se tomava, preconceituosamente, por ignorância.

Civilizações como as africanas eram vistas como atrasadas e, portanto, cultural e

humanamente inferiores aos olhos do Ocidente, que desejava implantar, aonde quer que

fosse, impérios de silêncio, ou seja, uma dominação bárbara e arrasadora, concentrada e

empenhada em caiar a cultura alheia:

Civiliser un empire du silence, c‟est cultiver, coloniser au sens de quadriller un espace sauvage pour lui imposer un ordre (langagier, culturel) qui le dépouille de son altérité en lui assignant un rôle dans le système bourgeois en expansion. […] Civiliser ou coloniser, c‟est alors tirer des ténèbres de la barbarie et de l‟ignorance — voilà un autre registre métaphorique rendu célèbre par Stanley et Conrad —, et apprendre à articuler, à parler une langue de civilisation (KAVWAHIREHI, 2004, p. 794).

15

Somos testemunhas de que a arrogância dos ocidentais não poupou, de suas

garras, aquelas comunidades graficamente indefesas — aliás, cumpre-nos saber se nós

mesmos estamos a salvo em meio a tanto grafismo… —, que acabaram por se tornar

províncias para a disseminação de valores europeus. Uma vez proliferados, valores e

essências ocidentais deram marcha ao discurso histórico e, a partir daí, tornamo-nos

cientes da dominação da escrita sobre a oralidade, da civilização sobre o bárbaro, do

15

“Civilizar um império do silêncio é cultivar, colonizar, no sentido de quadricular um espaço selvagem para lhe impor uma ordem (linguageira, cultural) que o despoja de sua alteridade ao lhe determinar um papel no sistema burguês em expansão. […] Civilizar ou colonizar é então tirar as trevas da barbárie e da ignorância — eis um outro registro metafórico que se tornou célebre por Stanley e Conrad —, e aprender a articular, a falar uma língua de civilização”. (tradução nossa).

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graficamente ordenado sobre o caos. Enfim, “[l]es productions culturelles des peuples

colonisés, leur patrimoine, sont assimilés par un système sur lequel ces derniers n‟ont pas

de pouvoir et qui rejette leur altérité dans ses marges” (KAVWAHIREHI, 2004, p. 804).16

Não se sabe de qual constituição ou tratado legal se extraíram os dispositivos

normativos que conferiram liberdade de opressão à sociedade ocidental; contudo,

entendemos que já está mais do que na hora de repensarmos nosso centro por meio da

revisão das margens — justamente dessas margens que tanto têm parte em nossa

própria história. É literalmente lenda todo discurso que se autopromove, insensatamente,

como sendo único, absoluto, senhor de todas as coisas.

Uma vez assegurado nosso ponto de vista — o de que todos os grupos culturais,

no fim das contas, descendem de uma mesma ancestralidade —, cabe-nos pensar em

nossa condição mineira. Será que o imaginário mineiro, efetivamente, deixou-se

influenciar pela cultura africana?

A fim de estabelecermos um diálogo pertinente, amparar-nos-emos na análise de

uma breve narrativa popular constante na obra Histórias que a Cecília contava, dos

autores Maria Selma de Carvalho, José Murilo de Carvalho e Ana Emília de Carvalho, que

dão oportunidade de manifestação à Cecília, descendente de escravos. O estudo do

conto A garça (pp. 57-65) nos permite validar os argumentos expostos e também nos

convida a ver que somos, em essência, herdeiros da civilização africana.

Quando da leitura do texto, podemos afirmar, resumidamente, que os escravos têm

capital importância na formação cultural de nosso Estado. Isso porque, mesmo ao

chegarem, a contragosto, a nosso país, os escravos se aferraram a suas próprias

tradições. Como apontado pelos autores do livro, a contação de histórias é — como já o

dissemos — tradição dos povos áfricos, sobretudo bantos.

Maria Cecília de Jesus, a Cecília, era mineira e igualmente mestre na arte de

contação de histórias e, embora seus antepassados tivessem origem africana, suas

narrativas remontavam à tradição europeia, conforme declarado, no prefácio da obra, por

José Murilo de Carvalho:

O grande problema é saber como se formou o repertório dessas contadoras. Se se tratasse de contos africanos, seria mais simples. A dificuldade vem do fato de que apenas dois dos 22 contos ouvidos de Cecília e Maria das Dores e transcritos neste livro parecem ser de origem africana. A maioria provém da Europa, sobretudo de Portugal […]. Alguns constam da compilação dos irmãos Grimm. Um ou outro é de origem indígena.

16

“[…] as produções culturais dos povos colonizados, seu patrimônio, foram assimilados por um sistema sobre o qual estes últimos não têm poder e que repele sua alteridade a suas margens”. (tradução nossa).

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Então, necessariamente, em algum momento, em algum lugar, em alguma fazenda, alguém familiarizado com a tradição folclórica europeia transmitiu os contos para uma antepassada ou um antepassado de Cecília, talvez a avó, que os decorou e passou adiante. Como esses antepassados já podiam estar em Minas desde o final do século XVIII, tiveram tempo suficiente para aprender o português, mesmo de maneira rudimentar, e absorver o repertório (CARVALHO; CARVALHO; CARVALHO, 2008, p. 16).

No mínimo, a transposição narrativa feita por Cecília é instigante; contudo, não se

nos apresenta como original, posto que, nas seções anteriores, demo-nos conta de que

os contos populares — notadamente os de fadas — sustentam-se em temáticas e

estruturas arquetípicas e, portanto, encontram frestas pelas quais se propagar.

Ao lermos — e ouvirmos — a obra apresentada pela editora da Universidade

Federal de Minas Gerais (UFMG), ofertamo-nos o convite para fruir um dos mais belos

capítulos da história de nossas Minas Gerais: às narrativas, Cecília dedica toda sua

habilidade de contadora, aplicando-lhes uma expressividade de essência leve e inimitável.

À tradição oral, como estudamos, é dada a prerrogativa de utilizar recursos expressivos

que não seriam tão bem postos em concretude de forma distinta. A sobrinha de Cecília,

por exemplo, Maria das Dores, era alfabetizada e suas histórias, pelo contrário, não se

igualavam às da tia. Parece-nos que a alfabetização paradoxalmente tolheu sua

espontaneidade oral. Conforme afirma José Murilo de Carvalho, “seu estilo de contar

revela um empobrecimento”, já que seus “contos são mais curtos, secos e diretos”

(ibidem, p. 18).

Regressemos, contudo, à análise do conto A garça. Há alguns trechos separados

que nos auxiliam na compreensão de toda a teoria que temos tecido neste ensaio.

Vejamos os cinco pontos que se nos apresentam como interessantes.17

O conto trata da história de um trabalhador que, miraculosamente, se encontra, à

beira do rio, com uma garça encantada que lhe oferece emprego. Antônio (ou Antoim,

como dito por Cecília) se muda para a casa da ave e tem seu sustento garantido;

paralelamente, as mudanças também povoam a vida da mãe de Antônio, que passa a

viver com fartura e regalos. Entretanto, um trato há de ser feito: não é dado ao moço o

direito de falar sobre os encantamentos existentes na casa da garça, sob pena de perder

todos os seus benefícios. Mas Antônio, humano e curioso que é, certa feita, dispõe-se a

entender em que consiste o grave ruído que lhe faz companhia todas as noites, à beira da

cama. Com vela e fósforo, o rapaz, em flagrante, descobre que a garça, à noite,

17

O livro Histórias que a Cecília contava traz as narrativas sob duas formas: transcritas fielmente da fala de Cecília e transcritas com as adaptações necessárias à norma culta. Optamos por manter a versão original.

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transforma-se em mulher e que se deita ao seu lado. A desobediência custa-lhe caro e

Antônio e sua mãe perdem todas as vantagens que haviam conquistado.

(1) Em primeiro lugar, somos aferroados pelas relações que o conto de Cecília

trava com as tendências medievais, expostas por Robert Darnton (2001). Lembremo-nos

de que, para Darnton, o imaginário dos contos de fadas era povoado de figuras

miseráveis — figuras comuns a uma época de grandes secas, pestes e fome. Justifica-se,

pois, a relação que tais sujeitos repugnantes estabelecem com Antônio, que foi

encontrado “tudo largado!… chujo!… cabelo grande!… barba!” (CARVALHO;

CARVALHO; CARVALHO, 2008, p. 57) pela garça.

(2) Temos, pois, um segundo ponto a analisar. O fantástico também está presente

no texto narrado por Cecília e tem lugar quando Antônio chega à casa da garça — local

em que o invisível se movimenta:

Com poco, veio a bacia d‟água andano suzinha, Antoim lavá corpo. Com poco, veio o sabão, suzinho, pu Antoim. Com poco, veio a iscova, suzinha, veio andanu tudo pa sala suzinho, pu Antoim iscová os dente. Aí einveim tudo. Aí, com poco, einveim a tuaia (ibidem, p. 58).

(3) Outra hipótese comprovada pela narrativa do livro lido corresponde ao fato de

que os textos, mormente os que se amparam na tradição oral, passam, sempre que

necessário, por um processo de aclimatação, o que justifica a existência de inúmeras

versões de um eixo semântico central. Em A garça, percebemos que Cecília confere uma

mineiridade à narrativa, ao nos contar que “[…] Ele intrô pra dentro pra bebê café. Aí intrô

pra dentro. Intrô doze xicra na mesa. Todas doze xicra de café, tá veno, tá subino pa

boca, mai num tá veno ninguém” (ibidem, p. 58) (grifo nosso).

(4) Quando Jean-Paul Sermain (2006) analisa a influência do absolutismo no

imaginário recriado pelos contos de fadas, percebemos que o herói das histórias, por

querer paticipar da condição absoluta de monarca, experimenta privilégios que outrora

não lhe haviam sido reservados. De uma ou outra forma, entendemos que tal recorrência

nos contos de fadas europeus também tem lugar na história de Cecília, que cuida para

que Antônio desfrute de apanágios:

— Ah! Antoim, agora cê discansa. Hein, Antoim, coitado, cê tava naquele mato, hein? […] Dês do dia qu‟u Antoim foi, a riqueza chegô na casa da mãe dele. — Dês do dia que cê veio Antoim, lá na casa num farta nada! Cada saca de arroiz, saca de feijão, lata de gurdura, saca de café, fazenda, ropa, cama pu Antoim, pa famia dele! Logo, lá já pudia pô impregada. Na casa da mãe dele, tinha impregada, tinha docera, lavadera, cuzinhera, passadera de ropa! Tudo munto bem arrumado! Tinha anté quem pintiava o cabelo das moças! As moça

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num pintiava mais cabelo. Já tinha rapaiz pa pintiá. Aí, aquela riqueza! (CARVALHO; CARVALHO; CARVALHO, 2008, pp. 58-59).

(5) Defrontamo-nos, finalmente, com a questão da desobediência, tão explorada

em contos de fadas de origem europeia. Antônio conquista a prerrogativa de boa

alimentação, repouso e segurança e todo o percurso narrativo transcorre sem percalços;

entretanto, é quando — ao desobedecer à ordem da garça — acende um archote, que

Antônio consuma o pecado da insubordinação, tornando-se fadado ao fracasso:

Quando o Antoim deitô, o ressonado na bera da cama dele! Pra ele qui já tava c‟a caxa de fosfo e a vela, né, foi, passô a mão na vela… feiz tric, cendeu a vela. Quando cendeu a vela, qu‟a vela lumiô… Ih!… Ô princesa bunita! (Puquê ela era incantada. Lá no rio, ela era passo, né, dentro da casa el‟era gente. Ela disincantava!) Ah! qui moça bunita! Ah! moça! Quando o Antoim foi incarano bem, o burrão da vela bate na cara dela. Ela foi, diss‟assim: — Ora pois, Antoim, ocê mi manchô o rosto, Antoim! Ah! Antoim, ocê mi quemô o rosto, Antoim! Oia meu rosto cumé qui tá tudo quemado! Nóis num falô c‟ocê qu‟ocê num contasse o qui passô aqui? Ocê contô! Ocê mi manchô o rosto, Antoim! Tô quemada! Agora, Antoim, cê num vê eu mai! Tava perto d‟ocê disincantá nóis. Nóis somo doze pessoa qui mora aqui, mai nóis agora, Antoim, vamo s‟imbora, nóis vamo s‟imbora, Antoim, pu Renado dos Pombo. Agora cê fica aí. A riqueza da sua casa vai acabá, vai acabá tudo, Antoim! É Antoim, nóis vamo imbora! (ibidem, p. 60).

Em suma, dirigir a atenção — dentre todos os textos — à história A garça é

convidar-se a conhecer um mundo de fantasia que se situa em posição média: de um

lado, o imaginário universal goteja sua essência; por outro viés, a estalactite que, aos

poucos, poreja, é a do imaginário mineiro — com suas fazendas, suas criações e seus

escravos.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Chamar-se à compreensão do que compõe o imaginário mineiro é tarefa árdua.

Porque, como temos defendido, nenhum grupo social nasce isolado no meio do asfalto: é

preciso notarmos que todas as civilizações, de uma ou outra forma, exercem influência

entre si — o que justifica, portanto, a inviabilidade de se pensar na supremacia de uma ou

de outra.

A proposta que apresentamos intentou, em sua insipiência, trazer à discussão

questões referentes à tradição oral da nossa cultura mineira. Lançamos uma breve

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análise a respeito do conto A garça — que compõe a obra Histórias que Cecília contava

— e nos foi dado perceber que, por mais que uma narrativa se metamorfoseie, sempre

seu arcabouço de imagens, conceitos e temas é arquetípico (leia-se: universal).

Talvez não tenhamos dado ao tópico em questão um eventual esgotamento. Mas é

que nossa intenção era provocar, arremessar o assunto ao centro da arena. O livro se

encontra à disposição e, desejamos, servirá de início para futuros estudos.

O que não nos pode passar furtivamente são as ideias centrais em torno das quais

gira este texto: questionar-se acerca de uma tradição oral é dispor-se a recuperar tanto

características do imaginário de Minas Gerais quanto do de outras civilizações — como o

africana — que acabaram por ser rejeitadas pelos valores ocidentais.

Nossa alegria é saber que a proposta que ora vem à luz é um convite. Convite para

repensarmos nossa cultura, nossa posição em nosso espaço e nossa posição no espaço

do outro. Porque o mundo é extenso e há muito mais outros, muitas outras alteridades

que não gritam a toda força, que não figuram em livros didáticos ou em outros veículos do

discurso dominante.

REFERÊNCIAS

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MENESES, Adélia Bezerra de. Vermelho, verde e amarelo: tudo era uma vez. Estudos avançados, São Paulo: vol. 24, n. 69, pp. 265-283, 2010. Disponível em: <http://www.scielo.br>. Acesso em: novembro 2010. SÁBER, Rogério Lobo. Literatura: bússola para a descoberta da brasilidade. Reuni (Revista do Curso de Publicidade e Propaganda), Universidade do Vale do Sapucaí, Pouso Alegre, n. 4, 2010. Disponível em: <http://www.univas.edu.br>. SERMAIN, Jean-Paul. Le fantasme de l‟absolutisme dans le conte de fées au XVIIIe siècle. Féeries, Études sur le conte merveilleux, 3, pp. 75-85, 2006. Disponível em: <http://feeries.revues.org/index144.html>. Acesso em: novembro 2010. XANTHAKOU, Margarita. “Les contes, il faut avoir le temps de les rêver”. L’homme, 158-159, pp. 365-376, abr-set 2001. Disponível em: <http://lhomme.revues.org/index118.html>. Acesso em: novembro 2010.

Rogério Sáber possui graduação em Letras (Português/Inglês) pela Universidade do Vale do Sapucaí (2009) e aperfeiçoamento em História da Filosofia Antiga pela Faculdade Católica de Pouso Alegre (2010). Atualmente é assistente administrativo da Universidade do Vale do Sapucaí e atua como professor de literatura no Colégio Tecnológico Delfim Moreira de Santa Rita do Sapucaí (ensino médio).