Resenha livro Zanelli

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UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓ – UNOCHAPECÓ CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE PSICOLOGIA 7º PERÍODO DISCIPLINA: PSICOLOGIA E TRABALHO II PROFESSORA: MÁRCIA GISELA DE LIMA ACADÊMICA: ADRIANA MAY ROSSI RESENHA DO LIVRO: O PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO 1 José Carlos Zanelli é doutor em Educação pela Universidade de Campinas e realizou estágio pós-doutoral no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, na Universidade de São Paulo. Tem atuado como psicólogo na Universidade de Brasília e como professor dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Administração na Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalha também como editor da Revista Psicologia: Organizações e Trabalho. Em seu livro “O psicólogo nas organizações de trabalho”, Zanelli (2002) aponta a situação atual dos psicólogos nas organizações, quais as reflexões que tem embasado sua atuação, bem como as perspectivas de futuro. Para analisar esta realidade busca auxílio na fala dos próprios psicólogos que têm atuado e desenvolvido seu trabalho neste campo. O autor denuncia a realidade da formação do psicólogo brasileiro, fundamentando-se para tal, em pesquisas realizadas por diversos autores, pelo Conselho Federal de Psicologia e em suas próprias constatações. Estas pesquisas 1 ZANELLI, José Carlos. O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2002. 1

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UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA REGIONAL DE CHAPECÓ – UNOCHAPECÓCENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAISCURSO DE PSICOLOGIA 7º PERÍODODISCIPLINA: PSICOLOGIA E TRABALHO IIPROFESSORA: MÁRCIA GISELA DE LIMAACADÊMICA: ADRIANA MAY ROSSI

RESENHA DO LIVRO: O PSICÓLOGO NAS ORGANIZAÇÕES DE TRABALHO1

José Carlos Zanelli é doutor em Educação pela Universidade de Campinas e

realizou estágio pós-doutoral no Departamento de Psicologia Social e do Trabalho, na

Universidade de São Paulo. Tem atuado como psicólogo na Universidade de Brasília e

como professor dos Programas de Pós-Graduação em Psicologia e em Administração na

Universidade Federal de Santa Catarina. Trabalha também como editor da Revista

Psicologia: Organizações e Trabalho.

Em seu livro “O psicólogo nas organizações de trabalho”, Zanelli (2002) aponta a

situação atual dos psicólogos nas organizações, quais as reflexões que tem embasado sua

atuação, bem como as perspectivas de futuro. Para analisar esta realidade busca auxílio na

fala dos próprios psicólogos que têm atuado e desenvolvido seu trabalho neste campo.

O autor denuncia a realidade da formação do psicólogo brasileiro, fundamentando-

se para tal, em pesquisas realizadas por diversos autores, pelo Conselho Federal de

Psicologia e em suas próprias constatações. Estas pesquisas demonstram a insatisfação dos

profissionais com seus cursos de graduação que tem se caracterizado pela baixa qualidade e

investimento em novas tecnologias. No que se refere à psicologia em organizações a

situação ainda é mais grave, há um descontentamento geral com relação à formação.

Neste sentido, enfatiza a necessidade de aprofundamento do olhar analítico para a

formação, a fim de que se compreenda de forma mais integral a situação em que se

encontra a categoria profissional, no intuito de diagnosticar quais os principais processos

que perpassam esta formação e em que medida deve-se pensar o contexto educacional

brasileiro, ampliando, desta forma a crítica à realidade em que se encontram os cursos de

nível superior de uma forma geral.

1 ZANELLI, José Carlos. O psicólogo nas organizações de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 2002.

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Aponta como um dos aspectos fundamentais para a compreensão da situação atual

da formação brasileira, o próprio processo de constituição da realidade educacional,

enfatizando alguns momentos históricos importantes neste processo. Durante o período

colonial houve a predominância do ideal da Igreja Católica. A partir da década de 20 e,

principalmente 30 do século XX, com as mudanças socioeconômicas a educação estabelece

uma forte relação com o mercado. Em 1950, o movimento estudantil exige reforma

universitária. No final da década de 60, os acordos entre Brasil e Estados Unidos, no

famoso acordo MEC/USAID, deram uma característica especial para o Ensino Superior

Brasileiro, qual seja: ensino tecnicista e extremamente preocupado com o lucro. São abertas

diversas Universidades Particulares que se concentraram principalmente em cursos das

Áreas Humanas e de Letras, devido à baixa exigência de investimento tecnológico. As

Universidades Federais, por sua vez, concentraram-se nos cursos de Exatas, Biológicas e

Ciências Agrárias. Ocorre um processo crescente de desqualificação do ensino superior em

prol de uma lógica expansionista. Deixa-se, assim, de investir num ensino de qualidade.

Retomando a questão da Psicologia aponta que não houveram grandes

transformações na estrutura dos cursos e da formação, desde a sua regulamentação em

1964. Constata que o psicólogo em organizações, apresenta uma limitada atuação que se

caracteriza essencialmente pelo recrutamento, seleção e orientação profissional e, para

agravar ainda mais a situação há pouco investimento em pesquisas na área para possibilitar

a ampliação e renovação desta prática.

Tentando compreender o porquê deste descaso com relação à Psicologia em

Organizações o autor novamente busca subsídios na história, lembrando-nos que a

Psicologia no Brasil, tem grande ênfase no modelo médico, ou seja, há um grande anseio

por parte dos acadêmicos e dos profissionais da área, em ser um profissional liberal, aos

moldes da medicina. Neste sentido, embora a psicologia clínica tenha sido posterior à

sistematização do conhecimento na área organizacional e escolar, difundiu-se como a

categoria mais importante e como “o sonho de consumo” de todo aquele que almejasse

seguir esta carreira.

A partir da constatação da realidade brasileira, no que tange a atuação do

profissional de Psicologia no contexto organizacional, o autor faz uma série de ponderações

sobre a necessidade de se repensar a formação e a atuação do profissional nestes espaços e

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propõe que o psicólogo atualize-se para acompanhar as rápidas transformações que vêm

ocorrendo nas organizações, compreendendo que o psicólogo pode ser importante no

sentido da integração crítica e pautada na ética entre os diversos interesses, valores, crenças

que estão em jogo no sistema organizacional.

É importante a crítica que o autor traz sobre o fato de que a Psicologia em

Organizações não tem ultrapassado os modelos tradicionais de atuação. A prática do

psicólogo tem se caracterizado muito mais pelo seu modus operandi do que por reflexiva e

contextualizada com a realidade da população brasileira. Concordando com Zanelli (2002),

penso que a profissão – e especificamente em organizações – deve passar do nível puro e

simples da aplicação de técnicas para uma compreensão ampla e complexa do nosso

contexto social, econômico, histórico, político e, para isso é essencial o investimento em

pesquisa se almejamos um profissional crítico e criativo – entendo criatividade não como

sinônimo de inovador para as idéias que o mercado impõe, mas como a prática sine qua

non não há possibilidade de transformação da realidade de nossa sociedade faminta por

novas condições de vida e de trabalho.

A pesquisa de Zanelli (2002) demonstra o quão conscientes estão os profissionais

que atuam em organizações da situação de descaso do ensino superior em que muitos

professores pouco conhecem da realidade, impossibilitando o “despertar” da crítica do

acadêmico sobre o contexto nacional, continuando um círculo vicioso que sustenta esta

realidade bizarra da profissão. Bizarra porque não condizente, porque cópia das teorizações

propostas – principalmente – pelos norte-americanos sem ao menos questionar se há

semelhanças entre os padrões culturais daquele e do nosso país, porque acrítica e

mantenedora do status quo.

Neste sentido o autor evidencia a urgência de produções científicas e tecnológicas

nacionais. Há um distanciamento entre a produção de conhecimento dos profissionais que

atuam em universidades das que são realizadas pelos psicólogos que trabalham em

empresas. Neste último caso as pesquisas mantêm-se vinculadas ao próprio local no qual

foram “gestadas” e dificilmente ultrapassam o desejo de otimização de resultados e das

necessidades da empresa. Torna-se, desta forma, essencial vincular o saber acadêmico ao

saber produzido nas empresas para que se pensem em formas mais amplas e complexas de

atendimento às demandas que agreguem tanto as necessidades da empresa para sua

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manutenção no mercado quanto a necessidade de um saber que inclua tantas pessoas que

estão à margem do contexto do trabalho formal.

Discordo do autor quando afirma que se pode optar por uma terminologia resumida

para esta área de atuação, denominando-a Psicologia Organizacional, pois acaba por

restringir a abrangência e o significado complexo que a denominação Psicologia,

Organização e Trabalho propõe, além de criar um certo corporativismo, um especialismo.

O trabalho e a organização devem ser entendidos como dimensões que perpassam a atuação

do profissional e, não determinantes de uma categoria específica, como quando se propõe

Psicologia Organizacional. Penso que se devem formar profissionais generalistas, ou seja,

que tenham a dimensão global desta área de atuação e sua intersecção com os diversos

saberes, mas esta visão global – e aí é que complica – não deve ser sinônimo de

conhecimento básico e superficial. Questiono, neste sentido, a concessão de título de

especialista pelo Conselho Federal de Psicologia. Critica-se tanto a segmentação, a divisão

do conhecimento como se fossem gavetas, mas no entanto, concede-se uma especialidade

ao profissional de psicologia, assim como ocorre na medicina, por exemplo, em que a

impressão que se tem é que daqui a pouco existirão especialistas do dedo minguinho do pé!

Parece exagero, mas creio ser muito difícil a percepção total e humanizante do ser humano

quando há tantos especialismos.

É lógico que não pretendo ser extremista a ponto de indiferenciar o trabalho do

profissional que atua em organizações daquele que está nas escolas, na clínica, na

comunidade, enfim, nos diversos espaços aos quais a Psicologia tem se vinculado. A

preocupação é no sentido de que não se atue nestes espaços como se fosse propriedade

exclusiva daquele profissional que tem o título de especialista. Novamente defendo que

devemos compreender a Psicologia em toda a sua amplitude e complexidade não lhe

atribuindo sobrenomes ou o que quer que seja, mas como campos de atuação que se

compõe por elementos que lhes são transversais e inerentes, assim, quem atua na escola

deve compreender sobre os moldes em que se estrutura e se concebe o trabalho no século

XXI e sua implicação na escola, tanto quanto sobre os aspectos da aprendizagem e do

sistema escolar.

Neste momento penso ser essencial fazer referência a outro aspecto enfatizado pelo

autor: a importância do olhar interdisciplinar. Questiono-me muito sobre este aspecto: Será

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que se pode ter uma dimensão interdisciplinar quando não conseguimos superar os

especialismos? Penso que é essencial o diálogo com outras disciplinas para superar este

ideal de especialização imposto pelo mercado. Quanto mais tenho presente esta realidade,

mais percebo o quanto a psicologia tem se caracterizado pelo seu isolamento e

individualismo, marcos de uma atuação segmentada.

Pensando novamente no aspecto da formação, talvez a maior ferida que sustenta

uma prática desvinculada da realidade social brasileira e que pode ser considerado como

outro aspecto que mantém o olhar segmentado, refira-se à própria estruturação do curso, em

que as disciplinas são separadas de forma que os conteúdos pareçam estanques e não

correlacionados uns aos outros, ajudando na manutenção de um olhar segmentado e

desconectado entre o sujeito visto como indivíduo isolado e a realidade social.

Outro aspecto que tem caracterizado a profissão e foi bem pontuado por Zanelli

(2002) refere-se às disputas teóricas e ideológicas. Há uma guerra constante entre os

profissionais no intuito de encontrar “a verdadeira verdade”. É uma disputa que não supera

a lógica do individualismo e da segregação do saber psicológico. Pode-se dizer que existem

verdadeiras facções que disputam e guerreiam entre si esquecendo do seu real objeto de

saber e investigação: o ser humano. É necessário que a Psicologia supere este olhar para

que possa pensar com mais carinho sobre a sua prática e para a construção de novos

saberes.

Lembrando o que o autor coloca sobre as transformações que vêm ocorrendo nas

organizações através de redefinições estratégicas e de reconceitualizações, o profissional de

Psicologia deve estar pronto para repensar seu modo de atuação, sua práxis, enfim, redefinir

sua forma de ver/agir, no intuito de acompanhar, ou até mesmo ser protagonista deste

processo de grandes mudanças. Penso que neste processo encontra-se uma nova

preocupação do profissional: seu dever de agir para a prevenção e promoção da saúde

mental, ampliando sua visão de trabalho nas organizações.

Penso ser interessante concluir, retomando algumas palavras de Zanelli (2002,

p.15):

O profissional que se pretende não é aquele que vai ajustar-se mecanicamente às necessidades do mercado, mas um profissional capaz de restabelecer as condições que o mercado oferece, utilizando de modo competente os espaços que lhe são oferecidos.

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Ou seja, o psicólogo deve ter a real dimensão de sua atuação, compreendendo que

sua prática não deve se restringir aos dissabores e às ondas do mercados. Mas e de que

forma pode estar concretizando esta perspectiva? Aí é que vem a dimensão ética e política.

Somente engajado nesta perspectiva de transformação é que o psicólogo não aderirá

mecanicamente às leis do mercado, pois se tornou consciente de sua responsabilidade e de

sua importância como agente transformador.

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