Resenha Critica Analítica Do Livro o Que e Isso

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Resenha Critica Analítica do Livro – O que é isto – decido conforme minha consciência? Autor Lênio Luiz Streck O livro do professor Lênio Luiz Streck, cujo título é: “o que é isto? – decido conforme a minha consciência?” O autor pretende ir contra o “juiz solipsista”, o dicionário o denomina como “solipso (latim solus, -a, -um, sozinho + latim ipse, -a, -um, o próprio) adj. s. m.1. Que ou quem vive só para si. = EGOÍSTA. 2. Que ou quem gosta de viver sozinho. = CELIBATÁRIO, SOLTEIRÃO”, já no livro de filosofia de Marilena Chauí solipsismo é “a crença de que, além de nós, só existem as nossas Streaming. O solipsismo é a conseqüência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiências interiores e pessoais, e de não se conseguir encontrar uma ponte pela qual esses estados nos dêem a conhecer alguma coisa que esteja além deles. O solipsismo do momento presente estende este ceticismo aos nossos próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o eu presente. Russel conta-nos que conheceu uma mulher que se dizia solipsista e que estava espantada por não existirem mais pessoas como ela.”. O autor quis descrever de forma clara sobre uma espécie de Juiz solitário, que decidiria, não segundo a Constituição, que a, mas segundo a sua consciência (ou vontade) apenas. A principio o autor discorre sobre a importância da filosofia para odireito, para isto discorre sobre a obra de Platão Crátilo, onde a principal discussão, tendo em vista que a obra e escrita na forma de diálogos sobre a constatação de que os nomes não seriam capazes de dizer a essência das coisas, o que parece pôr em xeque a tarefa da filosofia pensada como atividade de busca do conhecimento presidida pelo lógos. Discorrendo como cada época trouxe os fundamentos de sua decisão, termina o primeiro capitulo deixando claro que “não se pode reduzir a um exercício da vontade do interprete (julgar conforme sua consciência), como se a realidade fosse reduzida à sua representação subjetiva” (p.19). Uma citação de um voto do STJ, poderia nesta única frase encontrarmos todo o assunto discutido no livro “Não me

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Resenha Critica Analítica do Livro – O que é isto – decido conforme minha consciência? Autor Lênio Luiz Streck

O livro do professor Lênio Luiz Streck, cujo título é: “o que é isto? – decido conforme a minha consciência?” O autor pretende ir contra o “juiz solipsista”, o dicionário o denomina como “solipso (latim solus, -a, -um, sozinho + latim ipse, -a, -um, o próprio) adj. s. m.1. Que ou quem vive só para si. = EGOÍSTA. 2. Que ou quem gosta de viver sozinho. = CELIBATÁRIO, SOLTEIRÃO”, já no livro de filosofia de Marilena Chauí solipsismo é “a crença de que, além de nós, só existem as nossas Streaming. O solipsismo é a conseqüência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiências interiores e pessoais, e de não se conseguir encontrar uma ponte pela qual esses estados nos dêem a conhecer alguma coisa que esteja além deles. O solipsismo do momento presente estende este ceticismo aos nossos próprios estados passados, de tal modo que tudo o que resta é o eu presente. Russel conta-nos que conheceu uma mulher que se dizia solipsista e que estava espantada por não existirem mais pessoas como ela.”. O autor quis descrever de forma clara sobre uma espécie de Juiz solitário, que decidiria, não segundo a Constituição, que a, mas segundo a sua consciência (ou vontade) apenas.A principio o autor discorre sobre a importância da filosofia para odireito, para isto discorre sobre a obra de Platão Crátilo, onde a principal discussão, tendo em vista que a obra e escrita na forma de diálogos sobre a constatação de que os nomes não seriam capazes de dizer a essência das coisas, o que parece pôr em xeque a tarefa da filosofia pensada como atividade de busca do conhecimento presidida pelo lógos. Discorrendo como cada época trouxe os fundamentos de sua decisão, termina o primeiro capitulo deixando claro que “não se pode reduzir a um exercício da vontade do interprete (julgar conforme sua consciência), como se a realidade fosse reduzida à sua representação subjetiva” (p.19).Uma citação de um voto do STJ, poderia nesta única frase encontrarmos todo o assunto discutido no livro “Não me importa o que pensam os doutrinadores. Enquanto for Ministro do Superior Tribunal de Justiça, assumo a autoridade de minha jurisdição. (...) decido, porem, conforme minha consciência (p.24)”. Deixando a duvida se o direito é tão pratico a ponto de se tornar o que o julgador quer que seja? Não, o direito não possui uma maleabilidade para se tornar qualquer desejo, é necessário não esta tão compromissado com sua consciência para chegar próximo a um direito fundamental do cidadão.O autor busca uma resposta hermenêutica a esta questão, tão discutida nos dias atuais, que é a fundamentação das decisões jurídicas, o que motiva as criticas ao solipsismo e suas variações, neste sentido o autor e enfático:” em regimes e sistemas jurídicossuas variações, neste sentido o autor e enfático:” em regimes e sistemas jurídicos democráticos, não há (mais) espaço para que a “a convicção pessoal do juiz” seja o “critério” para resolver as determinações da lei, enfim, “os casos difíceis (p.56)”.Procurando esclarecer da melhor maneira possível Lênio Streck, continua demonstrando o que busca em toda obra: “Desse modo, quando falo aqui – e em tantos outros textos – de um sujeito solipsista, refiro-me a essa consciência

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encapsulada que não sai de si no momento de decidir. É contra esse tipo de pensamento que volto minhas armas. Penso que seja necessário realizar uma desconstrução (abbau) crítica de uma ideia que se mostra sedimentada (ou entulhada, no sentido da fenomenologia heideggeriana) no imaginário dos juristas e que tem se mostrado de maneira emblemática no vetusto jargão: ‘sentença vem desentire…’(para citar apenas um entre tantos chavões, que, como já demonstrei, transformaram-se em enunciados performáticos).(p.59)”Com a descrição do voto de um ministro do STJ fica demonstrado a real pratica do solipsimo. Afinal, de acordo com o autor, “…não é mais possível pensar que a realidade passa a ser uma construção de representações de um sujeito isolado (solipsista). O giro ontológico-linguístico já nos mostrou que somos, desde sempre, seres-no-mundo, o que implica dizer que, originariamente, já estamos ‘fora” de nós mesmos nos relacionando com as coisas e com o mundo. Esse mundo é um ambiente de significância; um

apenas possível, nunca a um resultado que seja o único correto. (…). Na aplicação do Direito por um órgão jurídico, a interpretação cognoscitiva (obtida por uma operação de conhecimento) do Direito a aplicar combina-se com um ato de vontade em que o órgão aplicador do Direito efetua uma escolha entre as possibilidades reveladas através daquela mesma interpretação cognoscitiva.”Aliás, é o próprio autor quem conclui que “é exatamente por isso que podemos dizer, sem medo de errar, que o sujeito solipsista foi destruído (embora sobreviva em grande parte do ambiente jusfilosófico). Afinal, como diz Gadamer, ‘quem pensa a linguagem já se movimenta para além da subjetividade.” E não seriam o espírito de transgressão e a tendência ao isolamento/solipsismo inerentes aos pensadores que se pretendem originais?Mas não é só, para Lênio Streck, que cita voto proferido por um certo ministro que afirma não importar o que os doutrinadores pensam, “já como preliminar é necessário lembrar – antes mesmo de iniciar nossas reflexões no sentido mais crítico – que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete quer que ele seja. Portanto,o direito não é aquilo que o Tribunal, no seu conjunto ou na individualidade de seus componentes, dizem que é”. Uma das conclusões a que chega é exatamente nesse sentido: “o direito não é aquilo que o judiciário diz que é. E tampouco é/será aquilo que, em segundo momento, a doutrina, compilando a jurisprudência, diz que ele é a partir do repertóriosegundo momento, a doutrina, compilando a jurisprudência, diz que ele é a partir do repertório de ementários ou enunciados com pretensões objetivadoras.” A pergunta que sempre fica é: se o que os tribunais (e juízes) dizem que é o direito, direito não é, o que seria isso então? O não-direito, o torto, o arbítrio? E o que seria o direito?Segundo Lênio Streck, a decisão judicial não é um ato de vontade. O que seria, então? Um ato de verdade, entendida como a resposta constitucionalmente adequada ou similar? Mas a verdade, escreveu Nietzsche, “não é algo que existisse e que se houvesse de encontrar, de descobrir – mas algo que se há de criar e que dá o nome a um processo; mais ainda: uma vontade de dominação que não tem nenhum fim em si: estabelecer a verdade como um processus in infinitum, um determinar ativo, não um tornar-se consciente de algo que fosse em si firme e

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determinado. Trata-se de uma palavra para a ‘vontade de poder’”. Para tanto de acordo o autor:”numa palavra: interpretar é compreender. E compreender é aplicar. A hermenêutica não é mais metodológica. Não mais interpretamos para compreender, mas, sim, compreendemos para interpretar. A hermenêutica não é mais reprodutiva (Aulesgung); é, agora, produtiva (Singngebung). A relação sujeito-objeto dá lugar ao circulo hermenêutico”.Precisamente por isso é que Günter Abel diz que não é mais a interpretação que depende da verdade, mas justamente o contrário, que é a verdade que depende da interpretação, pois nos

verdade, mas justamente o contrário, que é a verdade que depende da interpretação, pois nos processos de interpretação não se trata, primariamente, de descobrir uma verdade preexistente e pronta, uma vez que não é possível pensar que haja um mundo pré-fabricado e um sentido prévio que simplesmente estejam à nossa disposição aguardando por sua representação e espelhamento em nossa consciência.E se existem apenas perspectivas sobre a verdade, não existe, por conseguinte, a verdade; consequentemente, não existe aresposta constitucionalmente adequada (ou correta etc.), mas apenas perspectivas sobre a resposta constitucionalmente adequada. A resposta constitucionalmente adequada/correta é uma ficção inútil.E o que é (e quem diz qual é) essa resposta constitucionalmente adequada? E o que a torna a resposta adequada, relativamente às demais (não adequadas)? É certo que Lênio Streck entende existir a resposta correta (não a única), isto é, “adequada à Constituição e não à consciência do intérprete”, chegando a defender, inclusive, um direito fundamental a isso. Mas o que seria de fato a resposta constitucionalmente adequada senão aquela que o próprio intérprete (juiz, tribunal etc.) considera, segundo a sua perspectiva (consciência etc.), como tal?Parece-nos, pois, que podemos criticar um certo tipo de vontade, mas não a vontade mesma, que está na raiz de toda decisão (judicial ou não), inevitavelmente. E por mais que consideremos uma determinada decisão (interpretação)não), inevitavelmente. E por mais que consideremos uma determinada decisão (interpretação) arbitrária, incorreta ou injusta, uma coisa é certa: os limites de uma interpretação são dados por uma outra interpretação.Finalmente, a possibilidade de decisões absurdas outeratológicas (contra legem) é, em princípio, necessária à democracia. Que diria, com efeito, a doutrina da época sobre a primeira decisão (solipsista?) que, no auge do regime, declarava a nulidade do contrato de compra e venda de escravos, que admitia a adoção por casais homossexuais, que recusava a distinção legal entre filhos legítimos e ilegítimos, que permitia a mudança de sexo etc.?E mais: a questão fundamental não reside (mais) em saber se a sentença encerra ou não um ato de vontade, se há ou não uma resposta constitucionalmente adequada, mas na legalidade e legitimidade do controle dos atos do poder público, aí incluídas as decisões judiciais.Finalmente, o livro é um libelo contra as diversas formas de decisionismo. Ou seja, as decisões judiciais não devem ser tomadas a partir de critérios pessoais, isto é, da “consciência psicologista” do intérprete. Na democracia – diz Lenio – não cabe mais dizer “entre a lei e a minha consciência”, opto pelo meu “sentimento do justo” que está na “minha consciência”. É por tais razões que o título é uma indagação, que procura ser respondida no decorrer desta obra.

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Lenio Luiz Streck Nascido em Agudo - RS, município localizado próximo a Ibirama e Restinga Seca, com de aproximadamente 17 mil habitantes, tem como principais atividades a agricultura e pecuária, mas não foi esse o caminho que buscou Streck, nascido em 21 de novembro de 1955, formou-se Bacharel em Direito pela Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC) em 1980, e Mestrado em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 1988 e Doutorado pela mesma universidade em 1995. Em 2001 Pós-Doutorado pela Faculdade de Lisboa, Portugal.Ingressou no Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul em 1986, e aposentou-se em 2014 como Procurador de Justiça. Desde 2003 é membro da Academia de Direito Constitucional, sendo Presidente do Instituto de Hermenêutica Jurídica. Tem um total de 50 obras publicadas, dentre as mais conhecidas estão: "Oque é Isso? Decido Conforme Minha Consciência ?", "Jurisdição Constitucional Hermenêutica", "Teoria Geral do Estado", "Tribunal do Júri, Símbolos e Rituais" e "Comentários a Constituição Brasileira", que lhe rendeu em 2014 o Prêmio Jabuti, o mais importante prêmio literário brasileiro, além de 260 palestras e mais de 100 artigos publicados.Sua grande causa é a força da Doutrina, Lenio defende que os pensadores do direito arregacem as mangas e ponham-se a discutir o que acontece na Justiça Brasileira, para constranger quem julga errado e incentivar quem acerta, criando uma jurisprudência sólida. Traz a necessidade de (re)discutir as práticas discursivas e argumentativas dos juristas, a partir do questionamento das suas condições de produção, circulação e consumo. Segundo ele, há um enorme fosso existente entre o Direito e a sociedade, que é instituinte dessa crise de paradigma que retrata a incapacidade histórica da dogmática jurídica em lidar com a realidade social, e se questiona: O establishment (ordem ideológica, econômica, política e legal que constitui uma sociedade ou um Estado.) jurídico-dogmático Brasileiro produz doutrina e jurisprudência para que tipo de país ? Para que e para quem o Direito tem servido ? As presentes reflexões pretendem discutir a crise do Direito, do Estado e da dogmática jurídica, e seus reflexos na sociedade.Referências: Site Oficial: http://leniostreck.com.br / STRECK, Lenio Luiz; "Hermenêutica Jurídica e(m) Crise." 8.ed.rev.atual. Porto Alegre: Ed, Livraria do Advogado, 2009.IMAGEM: (Caricatura de Lenio Luiz Streck) conjur.com.br; entrevista 10 de agosto de 2014.

São Leopoldo2014SUMÁRIO

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1 objeto, sujeito e o giro ontológico-linguístico“Desde o início, houve um compromisso da filosofia com a verdade; a filosofia sempre procurou esse olhar que desvendasse o que as coisas são.”Pag. 11“Platão, pela boca de Sócrates, contrapõe dialeticamente duas teses: o naturalismo, pela qual cada coisa tem nome por natureza (o logos está na physis), tese defendida no diálogo por Crátilo1, e o convencionalismo, posição sofística defendida por Hermógenes, pela qual a ligação do nome com as coisas é absolutamente arbitrária e convencional, é dizer, não há qualquer ligação das palavras com as coisas.”Pag. 11“(...) Os sofistas – que podem ser considerados os primeiros positivistas – defendiam o convencionalismo, isto é, que entre palavras e coisas não há nenhuma ligação/relação. Claro que, com isso, a verdade deixava de ser prioritária. O discurso passava a depender de argumentos persuasivos.”Pag. 11 e 12“(...) é possível dizer que, para a metafísica clássica, os sentidos estavam nas coisas (as coisas têm sentido porque há nelas uma essência) A metafísica foi entendida e projetada como ciência por Aristóteles e é a ciência primeira no sentido que fornece a todas as outras o fundamento comum, isto é, objeto ao qual todas se referem e os princípios dos quaistodas dependem. Para aquilo que aqui interessa, a metafísica é entendida como ontologia, doutrina que estuda os caracteres fundamentais do ser: aquilo sem o qual algo não é; se refere as determinações necessárias do ser.”Pag. 13“De fatos, até Kant, o ser era um predicado real. Pensava-se que havia uma relação real entre ser e essência. Portanto, o sentido era dependente dos objetos, que tinham uma essência e, por isso, era possível revela-lo.”Pag. 13“A superação do objetivismo (realismo filosófico) dá-se na modernidade (ou com a modernidade). Naquela ruptura histórico-filosófica, ocorre uma busca da explicação sobre os fundamentos do homem. Trata-se do iluminismo (Aufklärung). O fundamento não é mais o essencialismo com uma certa presença da illuminatio divina. O homem não é mais sujeito às estruturas. Anuncia-se o nascimento da subjetividade. A palavra ‘sujeito’ muda de posição. Ele passa a ‘assujeitar’ as coisas. É o que pode denominar de esquema sujeito-objeto, em que o mundo passa a ser explicado (e fundamentado) pela razão, circunstância que – embora tal questão não seja objeto desta reflexões – proporcionou o surgimento do Estado Moderno (aliás, não é por acaso que a obra de ruptura que fundamenta o Estado Moderno tenha sido escrita por Thomas Hobbes, um nominalista, o que faz dele o primeiro positivista da modernidade).”Pag. 13 e 14Destarte, correndo sempre o risco de simplificar essa complexa questão, pode-se afirmar que, no linguistic turn, a invasão que a linguagem promove no campo da filosofia transfere o próprio conhecimento parao âmbito da linguagem, onde o mundo se descortina; é na linguagem que se dá a ação; é na linguagem que se dá o sentido (e não na consciência de si do

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pensamento pensante). O sujeito surge na linguagem e pela linguagem, a partir do que se pode dizer que o que morre é a subjetividade “assujeitadora”, e não o sujeito da relação de objetos (refira-se que, por vezes, há uma leitura equivocada do giro linguístico, quando se confunde a subjetividade com o sujeito ou, se assim se quiser, confunde-se o sujeito da filosofia da consciência [s-o] com o sujeito presente em todo ser humano e em qualquer relação de objetos). Pag. 14 e 15“(...) Trata-se, na verdade – e busco socorro em Stein -, de uma compreensão de caráter ontológico, no sentido de que nós somos, enquanto seres humanos, entes que já sempre se compreendem a si mesmo e, assim o compreender é um existencial da própria condição humana, portanto, faz também parte da dimensão ontológica: é a questão do círculo hermenêutico-ontológico.”Pag. 15“É a partir dai que a fenomenologia (hermenêutica) faz uma distinção entre ser (Sein) e ente (Seiende). Ela trata do ser enquanto compreensão do ser e do ente enquanto compreensão do ser de um outro (ou cada) modo de ser.”Pag. 15“Assim, pode-se falar de uma transformação do conceito de ontologia, para então ligar esse novo conceito ao problema da linguagem do ponto de vista hermenêutico. A explicação dessa dimensão ontológico-linguística irá tratar da linguagem não simplesmente como elemento lógico-argumentativo, mas como um modo de explicitação que já ésempre pressuposto ai onde ligamos com enunciados lógicos.”Pag. 16“Está ai a chave do problema: mesmo que o elemento lógico-explicitativo se apresente do modo como se apresenta nas teorias analíticas, isto é, de modo único determinante e autônomo, portanto, dispensando o mundo vivido, ele já sempre está operando com uma estrutura de sentido que se antecipa ao discurso e representa a sua própria condição de possibilidade. Por essa razão, é preciso reconhecer que o elemento lógico-analítico já pressupõe sempre o elemento ontológico-linguístico. É isso que quero dizer quando me refiro ao giro ontológico-linguístico.”Pag. 16“Nesse novo paradigma, a linguagem passa a ser entendida não mais como terceira coisa que se coloca entre o (ou um) sujeito e o (ou um) objeto e, sim, como condição de possibilidade. A linguagem é o que está dando e, por tanto, não pode ser produto de um sujeito solipsista (Selbstsüchtiger), que constrói o seu próprio objeto de conhecimento.”Pag. 17 “Dai que, com Ernildo Stein, podemos afirmar que, superando-se os paradigmas aristotélicos-tomista e da filosofia da consciência, o acesso a algo não será mais de forma direta e objetivante; o acesso a algo é pela mediação do significado e do sentido. Não existe acesso as coisas sem a mediação do significado. Então, se não existe acesso as coisas sem a mediação do significado, não podemos compreender as coisas sem que tenhamos um modo de compreender que acompanha qualquer tipo de proposição; e este modo de compreender é exatamente este “como” que sustenta a estrutura fundamental doenunciado assertórico algo enquanto algo, algo como algo (etwas als etwas). Esta expressão revela que não temos acesso aos objetos assim como eles são, mas sempre de um ponto de vista, a partir de uma clivagem,

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a cadeira enquanto cadeira, a arvore enquanto arvore. Isto é mediação do significado.”Pag. 17“Isso quer dizer: a critica kantiana cola o transcendental no sujeito e, nesse momento, ele passa a ser o lugar ultimo e fundamento da verdade. Na filosofia hermenêutica, no modo como Heidegger efetua a analítica do Dasein em Ser e Tempo, o elemento transcendental é deslocado do sujeito para um contexto de significâncias e significados que será chamado de mundo. Não o mundo da cosmologia ou mundo natural (este foi excluído do espaço da filosofia através do ‘encurtamento hermenêutico’ [Stein] realizado pelo filósofo), mas o mundo enquanto instancia e espaço onde o significado é encontrado e produzido no contexto de um a priori compartilhado. Trata-se, portanto, de algo que podemos mencionar, como Stein, como um transcendental histórico. O que é importante ressaltar aqui é que o problema da verdade – e, portanto, da manifestação da verdade no próprio ato judicante – não pode se reduzir a um exercício da vontade do interprete (julgar conforme sua consciência), como se a realidade fosse reduzida a sua representação subjetiva.”Pag. 18 e 192. AS PRÁTICAS JUDICIÁRIAS EM TERRAE BRASILIS OU “DE COMO FLUEM OS SENTIDOS QUE DESNUDAM UM PARADIGMA”“Como já se viu, deslocar o problema de atribuição de sentido para a consciência é apostar, em plena era dopredomínio da linguagem, no individualismo do sujeito que ‘constrói’ o seu próprio objeto de conhecimento. Pensar assim é acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles (Blackburn).”Pag. 20“Uma coisa que não tem sido dita é que o equívoco das teorias constitucionais e interpretativas que estabelecem uma repristinação das teses da Jurisprudência dos Valores – mormente em terrae brasilis – está na busca de incorporar o modus tensionante do tribunal alemão em realidades (tão) distintas, que não possuíam (e não possuem) os mesmo contornos históricos acima retratados. No caso específico do Brasil, onde, historicamente até mesmo a legalidade burguesa tem sido difícil de “emplacar”, a grande luta tem sido a de estabelecer as condições para o fortalecimento de um espaço democrático de edificações da legalidade, plasmado no texto constitucional.”Pag. 21“No elenco dos princípios informadores desse novo Código, encontramos a instrumentalidade das formas, a flexibilização da técnica processual, a proporcionalidade e a razoabilidade. Porém, o principio (sic) que mais chama a atenção é o do “ativismo judicial”, circunstancia que desnuda não somente a indevida compreensão da noção de “principio”, como também o problema do – agora sim – principio democrático. Ou seja, o código já nasce com um déficit de democracia ao deslocar o problema da concretização dos direitos dos demais Poderes da Sociedadeem direção ao Judiciário. Trata-se, evidentemente, de um grande paradoxo: como é possível que um Código, cuja pretensão maior é o incremento de mecanismos de acesso à justiça, aposte no ativismo judicial como um dos seus corolários? É nesses momentos que os processualistas brasileiros – adeptos do instrumentalismo processual – acabam, implicitamente, dando plena razão a Habermas, quando este denuncia a colonização do mundo da vida pelo direito.”

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Pag. 22“Ainda outro lembrete necessário: pode-se dizer que, tanto na operacionalidade stricto sensu, como na doutrina, são perceptíveis, no mínimo, dois tipos de manifestação do paradigma da subjetividade (filosofia da consciência), que envolve exatamente as questões relativas ao ativismo, decisionismo e a admissão do poder discricionário. O primeiro trata do problema de forma mais explicita, ‘assumindo’ que o ato de julgar é um ato de vontade (para não esquecer o oitavo capítulo da Teoria Pura do Direito de Kelsen); ainda nesse primeiro grupo devem ser incluídas as decisões que, no seu resultado, implicitamente trata(ra)m da intepretação ao modo solipsista. São decisões que se baseiam em um conjunto de métodos por vezes incompatíveis ou incoerentes entre si ou, ainda, baseadas em leituras equivocadas de autores como Ronald Dworkin ou até mesmo Gadamer, confundindo a “superação” dos métodos com relativismos e/ou irracionalismos.”Pag. 23 e 24“No segundo grupo, encontramos as decisões que buscam justificações no plano de uma racionalidade argumentativa, em especial, os juristas adeptos das teorias daargumentação jurídicas, mormente a matriz alexyana. Também nestas estará presente o problema paradigmático, uma vez que as teorias da argumentação são dependentes da discricionariedade.”Pag. 24“Alguns exemplos podem auxiliar na compreensão do problema. Em discurso de posse de novos juízes estaduais em determinada Unidade Federada, a saudação não deixa dúvida acerca do papel do juiz e do processo em terrae brasilis, não sendo difícil perceber, de igual modo, a confusão entre o positivismo normativo: ‘o ‘processo’ não é senão o instrumento que o Estado entrega ao juiz para, ao aplicar a lei ao caso concreto, solucionar o litígio com justiça. Justiça que emana exclusivamente de nossa consciência, sem nenhum apego obsessivo à letra fria da lei’.”Pag. 24“Já como preliminar é necessário lembrar – antes mesmo de iniciar estas reflexões no sentido mais crítico – que o direito não é (e não pode ser) aquilo que o intérprete quer que ele seja. Portanto, o direito não é aquilo que o Tribunal, no seu conjunto ou na individualidade de seus componentes, dizem que é. A doutrina deve doutrinar, sim. Esse é o seu papel. Alias, não fosse assim, o que faríamos com as mais de mil faculdades de direito, os milhares de professores e os milhares de livros produzidos anualmente? E mais: não fosse assim, o que faríamos com o parlamento, que aprova as leis? E, afinal, o que fazer com a Constituição, ‘lei das leis’?”Pag. 25“Consciência, subjetividade, sistemas inquisitórios e pode discricionário passam a ser variações de um mesma tema. Observe-se a importância dessaquestão nos casos de delimitação da pena no seguinte julgamento, em que o Tribunal justifica o solipsismo judicial, ao sustentar que compete ao juiz, ‘examinadas as circunstancias judiciais, estabelecer, conforme necessário e suficiente, ‘a quantidade da pena aplicável, dentro dos limites previstos’. A avaliação é subjetiva e o juiz lança o quanto entenda necessário sua consciência’.”Pag. 27“De ressaltar, ademais, a opção explicita de Cambi pelo solipsismo: ‘a decisão judicial reflete características pessoais do juiz (a sua personalidade, o seu temperamento, as suas experiências passadas, as sua frustrações, as suas expectativas etc.) ou dos jurados (...)’. por

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fim, sustenta a necessidade de que o juiz faça ponderações, o que, também neste caso, coloca-o em campo distante da hermenêutica filosófica, da teoria integrativa dworkiniana e do antirrelativismo habermasiano.”Pag. 29“Exatamente nessa linha é que não se pode (e não se deve) subestimar as mixagens teóricas e a confusão acerca de posições assumidas por determinados jusfilósofos, que acabam sendo citados fora de contexto, como se reforçassem o paradigma subjetivista.”Pag. 29“Em determinados julgamentos, torna-se impossível ao ‘sujeito da modernidade’ esconder o solipsismo que o sustenta, dando-se, assim, razão a Werneck Vianna, quando afirma que a situação do juiz brasileiro é ambígua:‘ele é criatura de uma carreira burocrático-estatal, porém se concebe como um ser singular, auto-orientado, como se a sua investidura na função fizesse dele um personagem social dotado de carisma. Daíque, embora recrutado fora da política, isto é, pelo instituto do concurso público, ele não é se enquadre inteiramente no ethos burocrático preconizado por Max Weber.’”Pag. 303. NAS NESGAS DA LINGUAGEM, AS MANIFESTAÇÕES DOUTRINÁRIAS QUE DES-COBREM O DNA DO SOLIPSISMO JUDICIAL“Para além da operacionalidade stricto sensu, a doutrina indica o caminho para a intepretação, colocando a consciência ou a convicção pessoal como norteadores do juiz, perfectibilizando essa ‘metodologia’ de vários modos. E isso ‘aparecerá’ de varias maneiras, como na direta aposta na:a) Interpretação como ato de vontade do juiz ou no adágio ‘sentença como sentire’;b) Interpretação como fruto da subjetividade judicial;c) Interpretação como produto da consciência do julgador;d) Crença de que o juiz deve fazer a ‘ponderação de valores’ a partir de seus ‘valores’;e) Razoabilidade e/ou proporcionalidade como ato voluntarista do julgador;f) Crença de que ‘os casos difíceis se resolvem discricionariamente’;g) Cisão estrutural entre regras e princípios, em que estes proporciona(ria)m uma ‘abertura se sentido’ que deverá se preenchida e/ou produzida pelo intérprete.”Pag. 33“Há ainda outras hipóteses – e cito tão somente algumas que representam, simbolicamente, uma forte parcela do imaginário jurídico – de manifestação de filiação ao paradigma da subjetividade (esquema sujeito-objeto). Uma observação: o que se tem visto no plano das práticas jurídicas nem de longe chega a poder ser caracterizada como ‘filosofia da consciência’; trata-se de uma vulgata disso. Em meustextos, tenho falado que o solipsismo judicial, o protagonismo e a prática de discricionariedade se enquadram paradigmaticamente no ‘paradigma epistemológico da filosofia da consciência’(...).”Pag. 33 e 34“Refira-se, que, não raras vezes, deparamo-nos com uma mixagem (ou sincretismo) de paradigmas inconciliáveis, como é o caso da ‘junção’ do paradigma metafísico-clássico (adequatio intellectus et rei) e a filosofia da consciência (adequatio rei et intellectus), embora, ao fim e ao cabo, sempre prevaleça a ‘livre convicção’ ou ‘a vinculação à consciência do julgador’ (sempre com a ressalva de que o que vemos no campo jurídico é uma vulgata, tanto

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da ontologia clássica como da filosofia da consciência).”Pag. 34“Mixagem desse jaez é feita por Marco Antonio de Barros, quando, ao mesmo tempo em que afirma ser a verdade ‘a adequação ou conformidade entre o intelecto e a realidade’, sustenta que esta é fruto da inteligência humana, porque “moldada pelo juízo racional e não pela prova ou evidência que pode ser verídica ou falta”. Entretanto, no plano da avaliação das provas, diz que a ‘convicção do juiz é livre, submete-se a sua própria consciência; porém, a sua decisão deve ser fundamentada nas provas colhidas no curso do processo’. Veja-se que a ressalva no sentido de que a decisão, embora ‘de livre convicção’, deve ser fundamentada nas provas colhidas no curso do processo, seria relevante, não fosse exatamente a contradição entre ‘a livre convicção’ (solipsismo judicial) e a ‘fundamentação nas provas processuais’.”Pag. 35“O fator talvez maisinusitado que se projeta a partir de todo esse quadro é que, em nenhum aspecto, os argumentos da dogmática jurídica se aproximam das discussões contemporâneas sobre o conceito de verdade. Continuamos a discutir as questões a partir do modo como eram levadas a cabo no final do século XIX e início do século XX. Esse relativismo démodée, bem como essa profissão de fé em um caráter unitário da verdade, não atinge o ponto de estofo da questão que, no contexto atual, se situa no campo da linguagem. Como afirma Lorenz Puntel: ‘verdade significa a revelação da coisa mesma que se articula na dimensão de uma pretensão de validade justificável discursivamente’.”Pag. 35 e 36“Interessante notar como essa problemática atravessa os diversos campos ideológicos, isto é, a tese o ‘protagonismo’ e do ‘poder discricionário’ do juiz é professada por vezes por campos teóricos distantes entre si. É o caso de Ernane Fidélis dos Santos e Rui Portanova. Assim, o primeiro vai dizer que, ‘para assegurar a imparcialidade do Juiz, é ele dotado de completa independência, a ponto de não ficar sujeito, no julgamento, a nenhuma autoridade superior. No exercício da jurisdição, o juiz é soberano. Não há nada que a ele se sobreponha. Nem a própria lei...’.”Pag. 36“(...) Em outra obra não menos relevante, Portanova assevera que ‘é difícil acreditar em algo que possa restringir a liberdade do juiz de decidir como quiser. É preciso reconhecer realisticamente: nem a lei, nem os princípios podem, prévia e plenamente, controlar o julgador’. E complementa: ‘depois de tantos anos, os juízesaprendem como moldar seu sentimento aos fatos trazidos nos autos e ao ordenamento jurídico em vigor. Primeiro se tem a solução, depois se busca a lei para fundamentá-la’.”Pag. 36 e 37“Não há duvidas, pois, de que essa questão da interpretação ou da sentença como “ato de vontade” atravessa os diversos campos ideológicos do direito. Veja-se o modo como Paulo Queiroz, um dos penalistas mais críticos do país, não consegue se livrar d(ess)a herança kelseniana do decisionismo. Com efeito, em artigo recente, Queiroz sustenta que “sempre que condenamos ou absolvemos, fazêmo-lo porque queremos fazê-lo, de sorte que, nesse sentido, a condenação ou a absolvição não são atos de verdade, mas atos de vontade”. Segundo o penalista baiano, “parece evidente que, ordinariamente, por mais que tenhamos motivos, legais ou não, para condenar, condenamos porque queremos condenar e porque julgamos importante fazê-lo; inversamente: por mais que tenhamos motivos, legais ou não, para

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absolve, absolvemos porque queremos absolver e julgamos importante fazê-lo. Veja-se: embora substancialmente a contribuição crítica de Queiroz seja inegável, neste ponto corre o risco de provocar retrocessos democráticos nas manifestações processuais de Promotores e Juízes.”Pag. 37e 38“Há também outra afirmação que causa perplexidade. Diz Queiroz: ‘que a interpretação do direito constitui um ato de vontade, nem mesmo Kelsen hesitou em reconhecê-lo, apesar da pretensão de pureza e de estrita obediência do juiz à lei’. Ora, se Kelsen reconheceu, é porque ele sabia que não existe ‘estrita obediênciaà lei’ no plano do que ele chegou a chamar ‘politica judiciária’. Por isso, é preciso ficar (bem) alerta para um ponto essencial para a compreensão de Kelsen. Ele era um neopositivista, circunstância ignorada pela maioria de seus intérpretes – pelo menos em terrae brasilis. A ‘pureza’ kelseniana, insisto, não se dava no plano do ‘direito’, mas sim no nível meta-linguistico, da ‘ciência do direito’ (de uma vez por todas, entenda-se – e, nesse ponto, ecoam comigo as vozes de Warat e Leonel Rocha: para Kelsen, a ciência do direito é uma meta-linguagem sobre a linguagem objeto).”Pag. 39“(...) José Roberto dos Santos Bedaque, importante e prestigiado processualista, procura resolver o problema da efetividade do processo a partir de uma espécie de ‘delegações’ em favor do julgador, com poderes para reduzir as formalidades que impedem a realização do direito material em conflito. E isso é feito a partir de um novo princípio processual – decorrente do ‘principio da instrumentalidade das formas’ - denominado princípio da adequação ou adaptação do procedimento à correta aplicação da técnica processual. Por este ‘principio’ se reconhece ‘ao julgador a capacidade para, com sensibilidade e bom senso, adequar o mecanismo às especificidades da situação, que não é sempre a mesma’. Mais ainda, deve ‘ser reconhecido ao juiz o poder de adotar soluções não previstas pelo legislador, adaptando o processo as necessidades verificadas na situação concreta’. Em sua – refira-se – sofisticada tese, embora demonstre preocupação em afastá-la da discricionariedade, Bedaquetermina por sufragar as teses hartianas e kelsenianas, quando admite que as fórmulas legislativas abertas favorecem essa atuação judicial.”Pag. 42 e 43“Em outras palavras, segundo Sadek, o problema da crise da justiça estaria no fato de que os juízes (lato sensu) não estariam preparados para a gestão administrativa-econômica do judiciário. E que, se os juízes forem melhor preparados – inclusive ou mormente em relação a saber gestionar -, o Judiciário pode(ria) superar a crise.”Pag. 45 e 46“Registre-se, por justiça, que o papel (ou ‘esse’ papel) das cláusulas gerais não são unanimidades no seio da doutrina civil e processual civil. Nesse sentido, a importância crítica de Humberto Theodoro Jr. contra o emprego legislativo desse tipo de estratégia, muito embora admita a introdução, pelo juiz, de valores éticos na lei. Em linha similar, Marcus de Carvalho Dantas, para quem ‘entender que recurso às cláusulas gerais é um expediente idôneo garantir um tratamento mais responsável das normas por parte do juiz é altamente discutível, já que não há pré-determinação das normas, o que remete à dicotomia subjetivismo-objetivismo’.”Pag. 48“Por isso não se pode confundir ou tentar buscar similitudes entre os princípios constitucionais

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e as referidas clausulas gerais (abertas). São coisas absolutamente distintas. Alias, seria incompatível com a democracia que uma Constituição estabelecesse, por exemplo, ‘princípios’ (sic) que autorizassem o juiz a buscar, em outro ‘espaço’ ou fora dele, as fontes para complementar a lei.”Pag. 48“Daí que expressões como‘ponderação de valores’, ‘mandados de otimização’, ‘proporcionalidade’, ‘razoabilidade’, ‘justa medida’, ‘decido conforme minha consciência’, no momento em que são utilizadas ou pronunciadas, tem um forte poder de violência simbólica (Bourdieu) que produz o ‘sentido próprio’ e o ‘próprio sentido’. Produzem-se, assim, sentidos coagulados, que atravessam a gramática do direito rumo a uma espécie de univocidade ‘extraída a fórceps’ no plano das relações simbólicas de poder.”Pag. 51“É por isso que venho sustentando – inclusive alterando posição professada há alguns anos atrás – que a proporcionalidade somente tem sentido se entendida como ‘garantia de equanimidade’. Ou seja, proporcionalidade – admitindo-se-a ad argumentandum tantum – não é (e não pode ser) sinônimo de equidade. Fora disse, o ‘principio’ da proporcionalidade se torna um irmão siamês do livre convencimento, ambos frutos do casamento do positivismo jurídico com a filosofia da consciência, com o que voltamos ao âmago do tema tratado nesta obra: pode o sujeito solipsista se manter em pleno giro ontológico-linguístico?”Pag. 54“Numa palavra – e penso que nisso há uma grande concordância no seio das diversas posturas antes delineadas -, em regimes e sistemas jurídicos democráticos, não há (mais) espaço para que ‘a convicção pessoal do juiz’ seja o ‘critério’ para resolver as indeterminações da lei, enfim, ‘os casos difíceis’. Assim, uma crítica do direito stricto sensu, isto é uma crítica que se mantenha nos aspectos semânticos da lei, pode vir a ser um retrocesso.”Pag. 584. A identificação dofenômeno na especificidade: o germe da filosofia da consciência“(...) esse problema estrutural decorre do atrelamento da concepção de direito (ainda dominante) aos paradigmas aristotélicos-tomistas e da filosofia da consciência. Registro, no entanto, que aqui tratarei desse segundo paradigma, embora, como tenho referido à saciedade, não seja difícil constatar a existência de fortes resquícios do paradigma essencialista, perceptível, v.g., nas sumulas vinculantes e no modo como são utilizados os verbetes ‘jurisprudenciais’, como se um conceito pudesse ‘carregar’ a substância dos fenômenos.”Pag. 59“É preciso entender que o sujeito solipsista – que está na base de afirmações do tipo ‘decido conforme minha consciência’ – é uma construção filosófica que deita suas raízes no que antes delineei. Essa concepção tem como ponto de partida o cogito ergo sum de Descartes, passando pelas mônadas de Leibniz, pelo eu transcendental de Kant, até chegar a seu extremo em Schopenhauer, com a ideia de mundo como vontade e representação. Com efeito, como afirma Blackburn, o solipsismo ‘é a consequência extrema de se acreditar que o conhecimento deve estar fundado em estados de experiência interiores e pessoais, não se conseguindo estabelecer uma relação direta entre esses estados e o conhecimento objetivo de algo para além deles’. Trata-se, portanto, de uma corrente filosófica que determina que exista apenas um Eu que comanda o Mundo, ou seja, o mundo é controlado consciente ou

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inconscientemente pelo Sujeito. Devido a isso, a única certeza de existência é opensamento, instancia psíquica que controla a vontade. O mundo ao redor é apenas um esboço virtual do que o Sujeito imagina, quer e decide o que é.”Pag. 60 e 614.1. O esquema sujeito-objeto e suas consequências no e para o direito“(...) Está-se a tratar de uma ruptura paradigmática que supera séculos de predomínio do esquema sujeito-objeto. E, consequentemente, está-se a tratar da superação daquilo que, no direito, representou o lócus privilegiado da relação sujeito-objeto: o positivismo.”Pag. 62“Essas questões (são as que mais) têm gerado crítica (e perplexidades) em determinados setores da comunidade jurídica, a partir de uma série de subtemas: por que é necessário romper com a discricionariedade na interpretação do direito? Qual é a relação da filosofia da consciência, por exemplo, com o instrumentalismo processual e o sistema inquisitivo? Qual é a relação (ou dependência) da metodologia jurídica com esse paradigma que instaurou a modernidade (há consideráveis setores da comunidade jurídica que desconhecem o ‘sujeito’ – sim, ‘esse sujeito’ do ‘esquema sujeito-objeto’ – é uma invenção da modernidade)?”Pag. 62“Nesse contexto, as teorias positivistas do direito recusaram-se a fundar suas epistemologias numa racionalidade que desse conta do agir propriamente dito (escolhas, justificações etc.). Como alternativa, estabeleceram um principio fundado em uma razão teórica pura: o direito, a partir de então, deveria ser visto como um objeto que seria analisado segundo critérios emanados de uma lógica formal rígida. E esse ‘objeto’ seria produto do própriosujeito do conhecimento. Dai o papel do sujeito solipsista.”Pag. 65“Por tais razões, permaneço fiel à tese assumida de há muito, de maneira a enfatizar e a reprimir com veemência tanto a arbitrariedade como a discricionariedade, uma vez que, entre elas, não há uma fronteira clara. Arbitrariedade e/ou discricionariedade de sentidos (ou nos sentidos) são “práticas” típicas de um racionalismo que teima em sobreviver em outro paradigma. Tanto uma como outra são frutos de “consensos artificias”, de “conceitos sem coisas”, somente possíveis a partir do descolamento entre lei e realidade. É por essa razão que na hermenêutica aqui defendida não há respostas/interpretações (portanto, aplicações) antes da diferença ontológica ou, dizendo de outro modo, antes da manifestação do caso a ser decidido.”Pag. 68“Entretanto, não posso perder de vista que a discricionariedade pregada e defendida pela maior parte da teoria do direito – em especial as teorias procedurais-argumentativas – é exatamente a que se confunde com a arbitrariedade. Nelas, o afastamento da arbitrariedade é argumento e álibi teórico para a justificação da discricionariedade (retome-se, sempre, admissão da ‘necessidade da discricionariedade’ para que o intérprete possa ponderar, conforme defendem Robert Alexy e Prieto Sanchís, para falar apenas destes).”Pag. 68 e 694.2. A razão prática e o “domínio da moral”: onde fica a “consciência”?“É preciso ter claro que, no paradigma do Estado Democrático, o direito passa a se preocupar – em razão das contingências históricas – com a democracia e,portanto, com a legitimidade do direito (o problema da validade, pois), problemática que até então era ‘cindida’ pela ‘ciência

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do direito’: de um lado, o direito, sem preocupações com a ‘razão prática’, e, de outro, o território no qual a penetração do direito não tinha “conotação valorativa”.”Pag. 69“Na verdade, por justiça, é preciso reconhecer que Kelsen foi um autêntico positivista – talvez ‘o’ autentico positivista -, porque percebeu que o único modo de ‘desindexar’ definitivamente a moral do direito seria de um modo artificial, ficcional, circunstancia que o identifica inexoravelmente com o neopositivismo e toda tradição epistemológica que se seguiu. Explica-se o seu ‘pé’ no neopositivismo lógico, que lhe permitiu tratar a ciência do direito como uma metalinguagem elaborada sobre uma linguagem objeto. De efetivo, esse é o corte epistemológico que provocou tantos mal-entendidos no decorrer do século XX e início deste século. Não é por nada que, na segunda ‘versão’ da sua Grundnorm, ele passou a denomina-la de ‘ficção’, inspirada na filosofia do als ob (como se), do filósofo Hans Vahinger. Assim, a norma fundamental passou a ser uma ‘ficção necessariamente útil’...”Pag. 70“O que importa referir é que, uma vez que passamos da epistemologia (teoria geral, na sua primeira ‘fase’ e teoria do conhecimento, segunda ‘fase’) para a hermenêutica (fundada na virada linguística), é razoável pensar (e esperar) que essa ruptura paradigmática deveria obter uma ampla recepção nessa complexa área do conhecimento que é o direito, mormente se parti(r)mos daconcepção de que há uma indissociável ligação entre o positivismo jurídico – que tanto queremos combater – e o esquema sujeito-objeto (afinal, ninguém admite, principalmente no Brasil, ser epitetado de ‘positivista’).”Pag. 72

5. a impossibilidade de cindir interpretação e aplicação: de como o direito não é uma (mera) racionalidade instrumental“A temática da interpretação, embora tenha assumido um lugar cimeiro, continua atrelada à cisão ou às cisões próprias da hermenêutica clássica e, portanto, ao paradigma representacional. Isso gera uma porção de mal-entendidos, mormente quando se confunde as noções de pré-compreensão com ‘visões de mundos’, ‘subjetividades’, etc., ou se pensa a applicatio gadameriana como uma fase posterior do ‘processo’ interpretativo.”Pag. 73“Nesse contexto há uma pergunta que se torna condição de possibilidade: por que o direito estaria “blindado” às influências dessa revolução paradigmática? Aliás, talvez por assim se pensar – e parece não haver dúvida de que a dogmática jurídica e até mesmo algumas posturas que se pretendem críticas apostam na presença da filosofia no campo jurídico tão somente como ‘capa de sentido’ – é que o direito continua até hoje refém do solipsismo próprio da filosofia da consciência. Ou seria possível conceber o direito isolado das transformações ocorridas na filosofia (da linguagem)?”Pag. 74“Numa palavra: interpretar é compreender. E compreender é aplicar. A hermenêutica não é mais metodológica. Não mais interpretamos para compreender, mas, sim, compreendemos pra interpretar. Ahermenêutica não é mais reprodutiva (Auslegung); é, agora, produtiva (Sinngebung). A relação sujeito-objeto dá lugar ao círculo hermenêutico.”Pag. 77“Importante notar o modo pelo qual as diversas teorias discursivas-procedurais (veja-se, por

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todos, a preocupação da Klaus Günther com a matéria) não ‘abrem mão’ do círculo hermenêutico, que assim se transforma em álibi teórico para superar as inexoráveis armadilhas da metafísica clássica. Com efeito, não é difícil perceber a maneira pela qual as teorias que colocam na ponderação (nos seus diversos modelos) o modus de resolver as incertezas linguísticas (enfim, os casos difíceis) têm, ao longo do tempo, sustentado que o resultado do processo interpretativo aparece em uma ‘circularidade hermenêutica’, utilizando-se desse teorema hermenêutico para superar o dualismo ‘interpretar-aplicar’ ou entre ‘questão fática-questão normativa’.”Pag. 77 e 78“De fato, ‘assumir’ o círculo hermenêutico implica uma caminho que vai da filosofia hermenêutica à hermenêutica filosófica, portanto, para além de qualquer postura epistemo-analítica. Isto porque Heidegger, corifeu da tese hermenêutico-filosófica de Gadamer, deve ter sua teoria analisada no contexto de uma ruptura paradigmática, e não apenas como um adorno para justificar posturas que, com ele, são completamente incompatíveis. Observe-se: Heidegger constrói uma teoria fundada na ontologia fundamental, que não se compatibiliza com teses/posturas epistemo-dualísticas (aliás, no mais das vezes, quando é feita referencia a Heidegger, é olvidada a – devida – referencia àontologia fundamental). Quando Heidegger entrou em contato com a fenomenologia de Husserl, rapidamente percebeu que ali se apresentava o início de uma possibilidade de um recomeço da filosofia, desde que fossem feitos alguns corretivos na fenomenologia vigorante, ainda prisioneira do esquema sujeito-objeto.”Pag. 785.1. Para além da cultura standard ou “compreendendo melhor o positivismo”“(...) o que nos deve preocupar são os setores ‘pragmáticos’ que produziram uma doutrina empobrecida e/ou estandartizada, provocando um distanciamento abissal com o que se produz nas academias. Dito de outro modo, o direito vem sendo cada vez banalizado e tratado de forma simplificada por setores da dogmática jurídica, que, nestes tempos de tecnologias pós-modernas, aparece revigorada, tecnificada.”Pag. 81“Essa cultura standard vem acompanhada da indústria que mais cresce: a dos compêndios, resumos e manuais, muito deles já vendidos em supermercados e outras casa do ramo. Aparecem obras de todo o tipo, com ‘verdadeiros’ ‘pronto-socorros jurídicos’ (SOS do direito), ao lado de livros que buscam simplificar os mais importantes ramos do direito. Tenho receio que, em seguida, surjam livros denominados, por exemplo, de ‘direito penal (já) mastigado’, inclusive com o charme de parênteses...! De todo modo, para um país em que o Programa Fantástico da Rede Globo tentou ‘ensinar’ a filosofia heraclítica (do filósofo grego Heráclito!) a bordo de um caminhão em movimento no Triângulo Mineiro, e o mundo das ideias de Platão no interior de uma caverna em Tubarão/SC, nada maispode causar surpresa (lembro como se fosse hoje a repórter-filosofia no interior da caverna, ensinando o ‘mito da caverna’ e na boleia do caminhão pretendendo mostrar o ‘movimento’ heraclítico). Afinal, como se diz na ‘pós-modernidade’, a imagem não é tudo?”Pag. 82 e 83“(...) aparecem propostas de aperfeiçoamento desse ‘rigor’ lógico do trabalho científico proposto pelo positivismo . é esse segundo momento que podemos chamar de positivismo normativista. Aqui há uma modificação significativa com relação ao modo de trabalhar e aos

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pontos de partida do ‘positivo’, do ‘fato’. Primeiramente, as primeiras décadas do século CC viram crescer, de um modo avassalador, o poder regulatório do Estado – que se intensificará nas décadas de 30 e 40 – e a falência dos modelos sintáticos-semânticos de interpretação da codificação, que se apresentaram completamente frouxos e desgastados. O problema da indeterminação do sentido do Direito aparece, então, em primeiro plano.”Pag. 87 e 88“Uma coisa todos esses positivismos têm até hoje em comum: a discricionariedade. E isso se deve a um motivo muito simples: a tradição continental, pelo menos até o segundo pós-guerra, não havia conhecido uma Constituição normativa, invasora da legalidade e fundadora do espaço público democrático. Isso tem consequências drásticas para a concepção do direito como um todo!”Pag. 895.2. A hermenêutica antirrelativista e a aposta na antidiscricionariedade“Em definitivo: o direito não é uma mera racionalidade instrumental. Isso implica reconhecer que fazer filosofia no direito não éapenas pensar em levar para esse campo a analítica da linguagem ou que os grandes problemas do direito estejam na mera interpretação dos textos jurídicos. Mais importante é perceber que, quando se interpretam textos jurídicos, há um acontecimento que se mantém encoberto, mas que determina o pensamento de direito de uma maneira profunda.”Pag. 90“Dito de outro modo, fazer filosofia no direito não expressa uma simples ‘terapia conceitual’, mas sim um exercício constante de pensamento dos conceitos jurídicos fundamentais de modo a problematizar seus limites, demarcando seu campo correte de atuação. Enfim, filosofia no direito implica construção de possibilidades para correta colocação do fenômeno jurídico que, na atual quadra da história não pode mais ser descolado de um contexto de legitimação democrática.”Pag. 90 e 91“É evidente – e compreensível – que qualquer teoria que esteja refém do esquema sujeito-objeto acreditará em metodologias que introduzam discursos adjudicadores no direito (Alexy é um típico caso). Isso explica também por que a ponderação repristina a velha discricionariedade positivista. E fica claro também por que Alexy e seus seguidores não abrem mão da discricionariedade. Com efeito, a teoria da argumentação não conseguiu fugir do velho problema engendrado pelo subjetivismo: a discricionariedade, circunstancia, alias, que é reconhecida pelo próprio Alexy: ‘Os direitos fundamentais não são um objeto passível de ser dividido de uma forma tão refinada que inclua impasses estruturais – ou seja, impasses reais no sopesamento -, de forma atorna-los praticamente sem importância. Neste caso, então, existe uma discricionariedade para sopesar, uma discricionariedade tanto do legislativo quanto do judiciário’.”Pag. 94

6. uma advertência: controlar as decisões judiciais é uma questão de democracia, o que não implica “proibição de interpretar”...!“O que deve ser entendido é que a realização/concretização desses textos (isto é, a sua transformação em normas) não depende – e não pode depender – de uma subjetividade assujeitadora (esquema S-O), como se os sentidos a serem atribuídos fossem fruto da vontade

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do intérprete. Ora, fosse isso verdadeiro, teríamos que dar razão a Kelsen, para quem a interpretação a ser feita pelos juízes é um ato de vontade. Isso para dizer o mínimo!”Pag. 95“É espantoso vermos colocados lado a lado os princípios constitucionais e os velhos princípios gerais do direito. É como se não tivéssemos aprendido nada nesses duzentos anos de teoria do direito. Ora, há um sério equívoco neste tipo de incorporação legislativa, visto que, como demonstrei em meu Verdade e Consenso – não há como afirmar, simultaneamente, a existência de princípios constitucionais (cujo conteúdo deôntico é fortíssimo) com os princípios gerais do direito, que nada mais são do que instrumentos matematizantes de composição das falhas do sistema. Vale dizer, os princípios gerais do direito não possuem força deôntica, mas são acionados apenas em casos de “lacunas” ou de obscuridade da previsão legislativa (esses dois fatores – lacunas e obscuridades – decorrem muito mais da situação hermenêuticado intérprete do que exatamente da legislação propriamente dita). São axiomas criados para resolver os problemas decorrentes das insuficiências ônticas dos textos jurídicos. Os autores do projeto, dessa forma, não compreende(ra)m que os princípios constitucionais – na senda da revolução copernicana do direito público efetuada pelo constitucionalismo do segundo pós-guerra – representam uma ruptura com relação aos velhos princípios gerais do direito. Essa ruptura implica superar a velha metodologia privativista e introduzir um novo modelo de pensamento da ideia de princípios.”Pag. 96 e 976.1. A discricionariedade (e suas derivações) como uma “fatalidade” positivista“Fica claro que a história aposta na discricionariedade, com origem bem defina em Kelsen e Hart, tinham o objetivo, ao mesmo tempo, de ‘resolver’ um problema considerado insolúvel, representado pela razão prática ‘eivada de solipsismo’ (afinal, o sujeito da modernidade sempre se apresentou consciente-de-si-e-de-sua-certeza-pensante), e de reafirmar o modelo de regras do positivismo, no interior do qual os princípios (gerais do direito) – equiparados a ‘valores’ – mostravam-se como instrumentos para a confirmação desse ‘fechamento’.”Pag. 99“A própria formação da cultura é algo muito mais propriamente ligado à linguagem e à constituição de contextos significativos, do que propriamente ao problema da formação e transformação deste enigma chamado ‘valores’. Isso fica bem representado na formulação daquilo que Stein denomina ‘paradoxo de Humbolt’: nós possuímos linguagem porque temoscultura ou temos cultura porque possuímos linguagem? Portanto, o discurso axiológico no interior do direito deveria ter sucumbido junto com o paradigma filosófico que o sustentava. A despeito disso, continua-se a falar – acriticamente, por certo – em ‘valores’, sem levar em conta a sua conhecida e problemática origem filosófica. Aqui também é possível dizer que a palavra ‘valores’ assumiu uma dimensão ‘performativa’, bastando que se invoque para que as portas da ‘crítica’ do direito se abram...!”Pag. 100“A hermenêutica de cunho fenomenológico procura superar esse(s) equívoco(s), demonstrando que a ideia de razão prática se dissolve com a morte daquele que a sustenta: o sujeito solipsista. A fenomenologia hermenêutica supera, no que tange ao problema do conhecimento, o solipsismo monadológico do sujeito moderno a parte de demonstração das estruturas existenciais do ser-no-mundo e dos existenciais do ser-em e do ser-com. E da hermenêutica filosófica complementa essa ‘operação’, mormente no plano da hermenêutica

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jurídica, superando o esquema sujeito-objeto e qualquer possibilidade de subsunção.”Pag. 1027. aportes finais ou de como “para uma teoria ser pós-positivista, é necessário superar o ‘decido conforme minha consciência’”“De tudo o que foi dito, para se realizar uma efetiva teoria pós-positivista dois elementos são, inexoravelmente, necessários:a) Ter a compreensão do nível teórico sob o qual estão assentadas as projeções teóricas efetuadas, ou seja, uma teoria pós-positivista não pode fazer uso de mixagens teóricas;b) Enfrentar o problema dosolipsismo epistemológico que unifica todas as formas de positivismo (aqui, como já se viu, o campo jurídico brasileiro é fértil nessa perspectiva, por seu excessivo arraigamento à epistemologia e à filosofia da consciência).”Pag. 105“Em síntese – e quero deixar isso bem claro -, para superar o positivismo, é preciso superar também aquilo que o sustenta: o primado epistemológico do sujeito (da subjetividade assujeitadora) e o solipsismo teórico da filosofia da consciência (sem desconsiderar a importância das pretensões objetivistas do modo-de-fazer-direito contemporâneo, que recupera, dia a dia, a partir de enunciados assertóricos, o ‘mito do dado’). Não há como escapar disso. Apenas com a superação dessas teorias que ainda apostam no esquema sujeito-objeto é que poderemos escapar das armadilhas positivistas.”Pag. 105“Importa dizer sobremodo – para uma melhor compreensão do que até aqui foi dito – que as teorias do direito e da Constituição, preocupadas com a democracia e a concretização dos direito fundamentais-sociais previstos constitucionalmente, necessitam de um conjunto de princípios que tenham nitidamente a função de estabelecer padrões hermenêuticos com o fito de:a) Preservar a autonomia do direito;b) Estabelecer condições hermenêuticas para a realização de um controle de interpretação constitucional (ratio final, a imposição de milites as decisões judiciais – o problema da discricionariedade);c) Garantir o respeito à integridade e à coerência do direito;d) Estabelecer que a fundamentação das decisões é um dever fundamental dosjuízes e tribunais;e) Garantir que cada cidadão tenha sua causa julgada a partir da Constituição e que haja condições para aferir se essa resposta está ou não constitucionalmente adequada.”Pag. 106 e 107“Fundamentalmente – e nesse sentido não importa qual o sistema jurídico em discussão -, trata-se de superar as teses convencionalistas e pragmatistas a partir da obrigação de os juízes respeitarem a integridade do direito e a aplica-lo coerentemente.”Pag. 111“Na especificidade do direito brasileiro, a grande conquista foi a Constituição – sem dúvida a mais democrática do mundo. Esse é o vetor que deve conformar a atividade do jurista. Seu conjunto principiológico é tão denso que, mesmo com alterações substancias em seu texto, ainda continuaremos com amplas possibilidades de impedir atos jurídicos antidemocráticos provenientes do Executivo e do Legislativo.”Pag. 114

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“O que ocorreu é que voltamos a um lugar de onde nunca saímos: o velho positivismo. Isso porque apostamos em uma ‘autônoma razão teórica’ e quando ela não é ‘suficiente’ delegamos tudo para a razão prática...! E o que é a ‘razão prática’? na verdade, nem precisamos buscar auxílio na hermenêutica para falar sobre ela. Basta ver o que diz Hebermas, na abertura de seu Fakticität und Geltung: substituo a razão prática (eivada de solipsismo) pela razão comunicativa...! Claro que não concordo com a solução dada por Habermas, por razões já explicadas em Verdade e Consenso. Mas é inegável que ele tem razão quando ataca de forma contundente o solipsismo!”Pag. 116 e 117

TIVIDADE DISCENTESentença: motivação das decisões judiciais segundo Lenio Streck

Disciplina: Direito Processual Penal

Maio, 2013

O que é isto – decido conforme minha consciência. (Lênio Streck)

O autor desenvolve no livro em análise um tema por ele denominado “filosofia da consciência”, com a finalidade de debater a mudança de paradigma do mundo jurídico quanto ao mito do “decido conforme minha consciência”. Segundo ele isso poderá ser superado somente por teoria que possa ser sopesada como pós-positivista.Streck adota uma linguagem identificada com a filosofia hermenêutica de GADAMER, um filósofo alemão considerado como um dos maiores expoentes da hermenêutica filosófica.Ao mesmo tempo faz uso de locuções que expressam conceitos fundamentais para o entendimento da sua obra. Citam-se “virada linguística”; “protagonismo judicial”; “solipsismo jurídico”; “pret-à-porters”; “principiologia”; “realismo judicial”.Lenio inicia sua obra, portanto, enfatizando o combate ao que chamou de sujeito solipsista, uma espécie de juiz que decide os casos segundo a sua própria consciência e vontade, deixando a Constituição em segundo plano.Na realidade o autor busca desconstruir criticamente essa ideia que se mostra

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sedimentada no mundo jurídico brasileiro, muito bem representada por jargões do tipo: “sentença vem de sentire.”.Dessa forma, criticam-se as disposições judiciais estabelecidas a partir da consciência dos juízes,sem que sejam consideradas as normas em vigor, a doutrina e a jurisprudência, classificando-as definitivamente como arbitrárias e solipsistas.A sentença proferida pelo magistrado não vem de sentire, vem da busca das respostas conformadas na Constituição que satisfaçam os querelantes.Dessa constatação Lenio Streck questiona a capacidade de tal sujeito (juiz) de construir a realidade a partir de representações de sua consciência solitária (solipsista).Nesse sentido o autor expõe a noção de que esse sujeito é limitado pela linguagem aprendida desde a infância, a qual controla sua inteligência e imaginação, e que, por isso, não consegue conceber claramente outras coisas que estão fora da esfera dessa mesma linguagem. Porquanto para se libertar desta condição, Streck expõe a noção do denominado giro ontológico-linguístico entre conceitos e sujeitos, verbis:

“a viragem ontológico-linguística é o raiar da nova possibilidade de constituição de sentido. Trata-se da superação do elemento apofânico, com a introdução desse elemento prático que são as estruturas prévias que condicionam e precedem o conhecimento” (STRECK, 2010, p. 16).

Em outras palavras, Streck ver oportunidade na construção de sentido das coisas porque os conceitos da linguagem não se apresentam para a sociedade como algo estável, natural ou permanente, pelo contrário, carregam incertezas e tendem a relatividade dos objetos e dos sujeitos. Ou seja, num determinado momento o bem pode vir a ser o mal evice-versa.Na parte seguinte o autor nos apresenta varias decisões pelos quais busca revelar o paradigma da consciência que entende o direito como aquilo emanado destas decisões tem por base uma atitude subjetiva e discricionária do sujeito (juiz, tribunal, etc.), ou seja, entende que o direito é aquilo que o intérprete quer que ele seja. Em contrapartida Streck apresenta o ativismo/protagonismo do juiz com uma forma de acobertar essa atitude do sujeito..Streck identifica no meio dos juristas uma disposição em estabelecer que o juiz deve julgar, em determinado caso concreto, conforme a sua consciência, ou seja, do jeito que melhor lhe agradar. Aqui reside a crítica mais contundente do autor, justamente quando aponta aquilo que ele denomina de solipsismo judicial, ou seja, a fonte da decisão judicial são as suas crenças.Ainda neste diapasão e à luz da filosofia da linguagem, o autor tece críticas a ambos anteprojetos do Novo CPC e Novo CPP por considerá-los reféns de uma concepção de mundo que entende o modo de decidir como vontade do intérprete, possibilitando discricionariedades e arbitrariedades (STRECK, 2010, p.47).De modo semelhante carrega críticas sobre o abuso na utilização exagerada e sem controle dos princípios constitucionais, o que denominou-se “pan-principiologismo”. Ou seja, quando não concordamos com a lei ou com a Constituição, construímos um princípio. Nas palavras do autor:“a maior parte das sentenças e acórdãos acaba utilizando tais argumentos comoum instrumento para o exercício da mais ampla discricionariedade (para dizer o menos) e o livre cometimento de ativismo” (STRECK, 2010, p. 48).

Ainda sobre esta questão, trata o autor sobre a colisão de princípios constitucionais

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explicando, com base na teoria de Robert Alexy, a maneira capaz para resolver a lide originária da colisão de princípios, criando-se uma regra fundamental.Destarte, Streck destaca que a resolução da colisão de princípios seria feita por uma regra e a aplicação dessa regra seria perpetrada por subsunção, i.e., pela aplicação direta da norma jurídica a um determinado tipo.É diante disso que Lenio Streck centra suas críticas à forma de ponderação utilizada no Brasil, que se descarta a criação de uma regra fundamental para ser utilizada na resolução da lide originária do conflito, aplicando-se, sim, a proporcionalidade diretamente, como se fosse uma regra.A propósito disso, o Streck in verbis: 

“É por isso que venho sustentando – inclusive alterando posição professada há alguns anos atrás – que a proporcionalidade somente tem sentido se entendida como ‘garantia de equanimidade’. Ou seja, proporcionalidade – admitindo-se-a ad argumentandum tantum – não é (e não pode ser) sinônimo de equidade. Fora disso, o ‘princípio’ da proporcionalidade se torna um irmão siamês do livre convencimento, ambos frutos do casamento do positivismo jurídico com a filosofia da consciência, com o que voltamos ao âmago do tema tratado nesta obra: pode o sujeitosolipsista se manter em pleno giro ontológico-linguístico?” (STRECK, 2010, p. 50-51).

Serve a situação acima, juntamente com outras apresentadas pelo autor para demonstrar o que se denominou de filosofia da consciência e como isso está impregnada nos tribunais e doutrinadores.Ao que parece, o autor tenta demonstrar que apesar da constatação do rompimento da filosofia da linguagem por parte do sujeito solipcista, verifica-se que várias correntes de pensamento são utilizadas para defender uma ou outra posição.Streck constata que não há por parte dos jusfilósofos, doutrinadores preocupação em desenvolver estudos que verdadeiramente rompam com o positivismo, fato que proporciona sua sustentação.O autor assevera que: O que importa referir é que, uma vez que passamos da epistemologia (teoria geral, na sua primeira “fase” e teoria do conhecimento em sua segunda “fase”) para a hermenêutica (fundada na virada linguística), é razoável pensar (e esperar) que essa ruptura paradigmática deveria obter uma ampla recepção nessa complexa área do conhecimento que é o direito, mormente se parti(r)mos da concepção de que há uma indissociável ligação entre o positivismo jurídico – que tanto queremos combater – e o esquema sujeito-objeto (afinal, ninguém admite, principalmente no Brasil, ser epitetado de “positivista”). (STRECK, 2010, p. 68)

Vale ressaltar que o autor não pretende enveredar pelo questionamento radical face à discricionariedade judicial, pois entende não tratar-se deimpedir a interpretação e sim permitir a discussão democrática das decisões judiciais.Afinal trata-se da defesa que se faz da fusão dessas correntes com base na Constituição Federal que comanda as regras e os princípios que constituem o direito.Portanto, assevera que não é novidade a constatação de que os textos jurídicos podem ser ambíguos e vagos e que, via de regra, os princípios permitem grande abertura relativamente às possibilidades de significados, in verbis:

“O que deve ser entendido é que a realização/concretização desses textos (isto é, a sua transformação em normas) não depende – e não pode depender – de uma subjetividade

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assujeitadora (esquema S-O), como se os sentidos a serem atribuídos fossem fruto da vontade do intérprete” (STRECK, 2010, p. 87).

Por esta afirmação, entende-se que Streck afasta a dependência dos princípios em relação à consciência do magistrado, querendo dizer assim, que a interpretação judicial tem limite. Inclusive questiona o posicionamento da doutrina que se enfraquece por limitar-se a reproduzir as decisões proferidas nos tribunais.Diz o autor: “É o império dos enunciados assertóricos que se sobrepõe à reflexão doutrinária” (STRECK, 2010, p. 88).Na busca de uma doutrina pós-positivista efetiva que venha romper com o modelo atual que sobressalta o sujeito arbitrário, solicipsista, Streck tenta insistentemente estabelecer a necessidade de se criar uma teoria da decisão judicial, que seja ajustada aos dias de hoje quanto aospadrões normativos e filosóficos. Ou seja, tratando sobre o enfrentamento do problema “do senso comum teórico do direito”, diz o autor:

“não superação do positivismo jurídico naquilo que é seu principal elemento – a discricionariedade, sustentada, por sua vez, no solipsismo do sujeito da modernidade” (STRECK, 2010, p. 104).

Para finalizar, Streck delineia as particularidades que seriam supridas por uma teoria verdadeiramente pós-positiva, in verbis:

“a) ter a compreensão do nível teórico sob o qual estão assentadas as projeções teóricas efetuadas, ou seja, uma teoria pós-positivista não pode fazer o uso de mixagens teóricas;” e “b) enfrentar o problema do solipsismo epistemológico que unifica todas as formas de positivismo (aqui, como já se viu, o campo jurídico brasileiro é fértil nessa perspectiva, por se excessivo arraigamento à epistemologia e à filosofia da consciência)” (STRECK, 2010, p. 95).

Em resumo, Streck explana sobre o paradigma da filosofia da consciência adotada amplamente na prestação jurisdicional brasileira, que vincula as decisões dos magistrados a um modelo positivista jurídico.É contundente ao apontar o enfraquecimento das instituições de ensino jurídico e dos doutrinadores por aceitarem naturalmente o rompimento da filosofia da linguagem por parte do sujeito solipcista (juiz) deixando-se impregnar pela filosofia da consciência, ou seja, ao modo de decidir como vontade do intérprete, possibilitando discricionariedades e arbitrariedades.