Resenha Fundamentos Do Direito

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    Universidade Federal de Santa Catarina

    Centro de Cincias Jurdicas

    Curso de Graduao em Direito

    Disciplina: Teoria Poltica DIR5116

    Professor: Arno Dal Ri Jnior.

    Resenha de Fundamentos do Direito(Lon Duguit)

    Como deixa claro o autor, a palavra direito pode referir-se a dois tipos de

    direito; os quais, embora se interliguem, constituem diferentes concepes. O primeiro

    seria o direito objetivo, o qual designa os valores ticos que se exige dos indivduos em

    sociedade (Duguit, p.7). Ele vem como uma forma de garantir a preservao do

    interesse comum. O segundo seria o direito subjetivo, que, ao contrrio do direito

    objetivo, faz meno ao direito do indivduo como tal, do poder que o integrante da

    sociedade possui, e no somente dos valores ticos que ele deve seguir. Esse poder

    capacita o indivduo a obter o reconhecimento social na esfera do objeto pretendido

    (Duguit, p.7). Para tal, no entanto, necessrio que esse poder no fira o direito

    objetivo.

    O autor ainda ressalta, que esse direito, tanto objetivo como subjetivo, no

    se caracteriza por pertencer somente a sociedades dotadas de autoridade poltica e com

    leis escritas. Como ele diz: no se pode conceber a inexistncia de um direito (Duguit,

    p.9). Embora antes do Estado no haja uma fundamentao, propriamente dita, do

    direito, inegvel a existncia de um direito superior e anterior ao Estado (Duguit,

    p.9). Existem formas de regimento dessas sociedades que se manifestam no na forma

    de um direito como concebemos hoje, mas na forma de determinados postulados.

    no Estado, entretanto, que o direito ganha fora em sua manifestao. A

    partir desse ponto, entra em discusso a origem do direito. Para a resoluo de tal

    problema, surgem algumas doutrinas, entra as quais se destacam: a tendncia da

    doutrina do direito individual e a do direito social.

    A primeira vem destacar os direitos individuais naturais. O homem nasce

    livre, isto , desfruta o direito de desenvolver plenamente a sua atividade fsica,

    intelectual e moral, e, nesse sentido, pertence-lhe o direito de desfrutar o produto dessas

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    atividades. (Duguit, p.11). H, porm, uma limitao a esse direito individual: a

    preservao dos direitos individuais de todos (Duguit, p.11). Ou seja, para se chegar ao

    direito objetivo, necessria a compreenso do direito subjetivo. Para que a doutrina

    seja aceita, preciso subentender uma igualdade entre os homens, os quais nasceriam

    com os mesmo direitos, e ignorar o fato de ter sua base em hipteses a respeito da

    personalidade humana. Uma crtica bastante forte a respeito dessa tendncia a da

    igualdade. Os homens so diferentes entre si por natureza; isso um fato concreto e

    inegvel. Alm disso, essas diferenas podem ser acentuadas conforme a sociedade em

    questo.

    A segunda doutrina possui a concepo de que o direito parte primeiro da

    coletividade para depois chegar ao mbito individual. O homem sempre viveu em

    sociedade; , portanto, um ser social. Ele possui necessidades prprias, mas no pode

    satisfaz-las seno em sociedade. A solidariedade social que constitui os liames que

    mantm os homens unidos (Duguit, p.22). Esse o lao que liga os seres humanos em

    sociedade, sem que se perca a noo da individualidade. Essa solidariedade abrange

    toda a humanidade, mas fortifica-se em determinados grupos. uma tendncia humana

    dirigir sua afeio e solidariedade a determinados grupos mais do que a outros.

    E por que os homens de um grupo so solidrios entre si? Primeiramente,

    porque tm necessidades comuns, cuja satisfao reside na vida em comum; e, em

    segundo lugar, porque tm anseios e aptides diferentes, cuja satisfao efetiva-se pela

    troca de servios recprocos, relacionados exatamente ao emprego de suas aptides

    (Duguit, p.23). Constitui-se assim a solidariedade por semelhana e por diviso de

    trabalho, respectivamente. Por fim, ressalta-se que a solidariedade o principal fator de

    unio numa sociedade, e que quanto mais estreita ela for, mais forte torna-se a

    sociedade.

    Se a sociedade mantm-se unida pela solidariedade, necessrio que exista

    uma regra a ser seguida pelo homem social, a qual pode ser formulada da seguinte

    forma, segundo o autor: no praticar nada que possa atentar contra a solidariedade

    social sob qualquer das suas formas e, a par com isso, realizar toda atividade propcia a

    desenvolv-la organicamente (Duguit, p.25). Os deveres so, no entanto, diferentes

    para cada um, j que os seres humanos so diferentes por natureza. um direito que

    oscila em variaes como as prprias formas da solidariedade social (Duguit, p.27).

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    Os direitos que os homens possuem no so prerrogativas pela sua

    qualidade de homem; so poderes que lhe pertencem porque, sendo homem social, tem

    obrigaes a cumprir e precisa ter o poder de cumpri-las (Duguit, p.27). De fato, o

    homem, para que possa realizar suas obrigaes, precisa de ferramentas que garantam

    essa possibilidade.

    Em quase todas as sociedades da histria possvel encontrar pessoas que

    detenham o comando da mesmaos governantese pessoas que estejam subjugadas

    fora desteos governados. Nessas sociedades sobressai uma autoridade poltica cuja

    natureza sempre, em todos os lugares, irredutvel (Duguit, p.32). essa

    diferenciao, entre governantes e governados, a existncia de uma autoridade poltica,

    que vai caracterizar um Estado.

    Onde h essa diferenciao j comentada, h indivduos que parecem

    preponderar sobre outros mediante o constrangimento material (Duguit, p.33). Mas

    quando esse poder sobre os demais se tornou legtimo, originando o Estado? O autor

    responde que este poder no se legitima pela qualidade dos que o exercem, pela sua

    origem, mas pelo carter das coisas que ordena (Duguit, p.34). E, novamente, para

    tentar responder questes como essa, surgiram algumas doutrinas com propostas de

    resoluo, entre as quais se destacam: as doutrinas teocrticas e as doutrinas

    democrticas.

    As doutrinas teocrticas so aquelas que pretendem legitimar o poder

    poltico de um indivduo pela assuno de um poder divino (Duguit, p.35). fato que,

    por no terem um carter cientfico, torna-se difcil crer nessa legitimao. No h fatos

    concretos que a comprovem, somente intervenes sobrenaturais, o que acaba por

    conden-la. Ela ainda pode ser subdividida em duas outras doutrinas: a do direito divino

    sobrenaturalonde Deus o poder superior e responsvel por designar pessoas para

    assumirem o poder poltico e a do direito divino providencial onde o sujeito do

    poder determinado pela direo providencial dos acontecimentos e das vontades

    humanas. Continua sendo uma vontade divina, embora no seja manifestado de maneira

    sobrenatural. O poder emana s de Deus, mas os homens que o possuem encarnam

    esse poder por meios humanos (Duguit, p.37). nessa doutrina tambm que ns

    encontramos leis de moral religiosa suscetveis de limitar o poder absoluto do soberano

    escolhido por Deus (Duguit, p.37).

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    J as doutrinas democrticas que nem sempre so liberais, deixa claro o

    autorso aquelas que determinam a origem do poder poltico na vontade coletiva da

    sociedade submetida a esse poder, e que atribuem a legitimidade do mesmo

    circunstncia de haver sido institudo pela coletividade que rege (Duguit, p.39). Deve-

    se tomar cuidado ao se falar da coletividade que o rege, pois muitos tendem a pensar na

    onipotncia do poder poltico e na subordinao completa e sem limites do

    indivduo. Isso leva a certa contradio, j que so os prprios indivduos que

    constituem a coletividade e, portanto, no deveriam ser completamente subordinados a

    um poder por eles criado e definido.

    No se deve entender por essa doutrina, tambm, um sistema republicano. A

    melhor forma de governo ser aquela que se adapte perfeitamente ao contexto social a

    que se refere (Duguit, p.39). preciso para tanto um estudo do contexto, mas no

    existem garantias de que a forma aplicada ser a melhor.

    Lon Duguit critica o governo do povo, afirmando que dele emana uma

    tendncia a julgar-se onipotente. certo que pode essa doutrina ser ilusria. Qualquer

    outra, sem um esclarecimento do povo tambm pode. Nenhuma doutrina far melhor ao

    povo, enquanto no houver uma vontade deste em lutar pelo melhor e deixar de se

    subordinar a tudo o que lhes parece deter o poder. No se pode afirmar que um governo

    que no o do povo seria melhor, pois no haveria uma deciso coletiva daqueles que

    pertencero ao governo.

    Como argumento o autor ressalta: a soberania da coletividade implica que

    a coletividade possui uma personalidade, uma vontade distinta da pessoa, da vontade

    dos indivduos que a compem. Definitivamente, isso indemonstrvel (Duguit, p.42).

    Por esse lado, possvel concordar com o autor. Quando se admite um poder como

    pessoa distinta e fora da coletividade, o povo torna-se suscetvel a uma subordinao

    ilimitada, j que como se no mais fizesse parte dessa coletividade.

    O poder poltico um fato que no admite em sua natureza cunho de

    legitimidade ou ilegitimidade. algo que surge naturalmente conforme a sociedade

    evolui, independe de ser legtimo ou no, no importando o grau de evoluo da

    sociedade. Em qualquer sociedade existiro indivduos mais fortes que querem e

    podem impor a sua vontade aos restantes (Duguit, p.47). E todas as doutrinas que

    surgiram para explicar a legitimidade dessa dominao dos mais fortes nada mais so

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    que sofismas, os quais iludem as demais pessoas dando explicaes para o monoplio

    que certo grupo faz desse poder coercitivo(Duguit, p.49).

    As ordens desse poder so tambm legtimas quando se conformam com o

    direito (Duguit, p.51). E esse direito tambm o fim do poder poltico. O Estado

    fundamenta-se na fora, e esta fora legitima-se quando exercida em conformidade com

    o direito(Duguit, p.51-52). Para que haja a garantia do direito e o Estado atinja seu fim

    por meio da fora, ele adquire algumas funes. So elas: a legislativatrabalha com o

    direito objetivo, elaborando a lei que se impe a uma sociedade (Duguit, p.52) , a

    jurisdicionalquando o Estado intervm nas ocasies de violao do direito objetivo

    ou nas contestaes relativas existncia ou extenso de uma situao jurdica

    subjetiva (Duguit, p.52) e administrativa quando o Estado consuma atos

    jurdicos.

    Um Estado chamado de Estado de direito, quando est submetido ao

    direito. Quando essa concepo foi compreendida, tornou-se preciso edificar a

    construo jurdica desse Estado, e assim ele se tornou um sujeito de direito. Os

    elementos constituintes dessa natureza so a coletividade, o territrio que ocupa e o

    governo que a representa(Duguit, p.53). A respeito da viso do Estado cabe destacar

    que alguns o veem como personalidade jurdica sujeito de direito , outros como

    constituinte de uma pessoa dotada de conscincia e vontade, e outros ainda como

    simplesmente um fato, desprovido do ideal de fico ou coletividade. Para todos, ele

    seria o soberano.

    Admitindo o Estado como pessoa, sujeito de direito, confirma-se, desse

    modo, sua sujeio alada do direito, e nesse sentido, alm de titular dos direitos

    subjetivos, sujeito ao direito objetivo(Duguit, p.59). E como j foi dito, o fim dele

    preservar os direitos do homem. O Estado jamais pode elaborar uma lei que atente

    contra os direitos particulares naturais (Duguit, p.59). Pertencendo a maior fora do

    Estado ao governo, sua obrigao us-la para a solidariedade social. Caso contrrio, de

    que serviria que a sociedade permitisse tal fora? Alm disso, a lei no pode ser

    elaborada conforme a vontade do governo, mas segundo o princpio da solidariedade

    social.

    O direito pblico conjunto das regras aplicadas ao Estado e, em nossa

    doutrina, aos governantes e seus agentes, em suas relaes recprocas e com

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    particulares (Duguit, p.63). Deixando claro que o direito de um Estado tambm se

    aplica ao mesmo. O direito pblico traduz-se, primeiramente, pelos costumes. Esse

    costume, ressalta o autor, no forma de criao do direito, mas sim uma verificao

    desse direito pr-existente. O direito se forma e se desenvolve em um meio social,

    regulando as interaes dos indivduos entre si, por meio dos costumes, que nada mais

    so que uma manifestao de direito pblico, e que aparece nas decises, nas

    declaraes formuladas, nas prticas estabelecidas durante certo tempo, por governantes

    ou seus representantes(Duguit, p.64). No se deve, portanto, subentender que as leis

    escritas sejam todo o direito pblico, ou mesmo o privado; pois deles tambm

    participam os costumes. Muitas regras consuetudinrias sobrepem-se s regras

    legislativas. Emerge entre a lei escrita e a regra consuetudinria uma srie de aes ereaes. (Duguit, p.65).

    O direito pblico do qual falado pode ser reconhecido em duas categorias

    de leis: as constitucionais que designam todas as leis de organizao poltica e

    as ordinrias que geralmente contm disposies referentes s obrigaes gerais do

    Estado em organizaopoltica(Duguit, p.66). H a uma distino meramente formal,

    j que a principal diferena encontra-se nos rgos elaboradores dessas leis.

    Alm de reconhecido nessas duas categorias, o direito pblico pode ser

    divido em interno e externo. O externo, tambm conhecido como direito internacional

    ou das gentes, abrange um conjunto de regras de direito aplicveis aos Estados, nas

    relaes entre si (Duguit, p.67). J o interno abrange todas as regras aplicveis a

    determinado Estado. [...] Aplica as regras de direito referentes ao Estado, considerado

    em si mesmo (Duguit, p.68). A primeira instncia desse direito pblico interno

    conhecida como direito constitucional. Tambm uma subdiviso do direito pblico a

    funo jurisdicional, a qual compreende todas as regras de direito aplicveis ao

    exerccio desta funo(Duguit, p.70).

    Do lado oposto, existe um direito privado, que constitui o conjunto das

    regras consuetudinrias ou escritas, aplicveis s relaes dos particulares. [...]

    Conjunto de regras aplicveis a pessoas semelhantes(Duguit, p.73-74). Sendo assim,

    sua aplicabilidade torna-se nula ao envolver o poder poltico, pois os responsveis por

    este seriam desiguais. Portanto, a aplicabilidade do direito privado no abrange todos os

    cidados de maneira homognea. O Estado ou a pessoa poltica exercem pode sobre as

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    demais pessoas, inviabilizando o direito privado nesse caso. Na nossa concepo, no

    entanto, os governantes so semelhantes aos demais, no devendo haver,

    consequentemente, essa distino, na hora da aplicao do direito privado. Entre

    governantes e governados s pode haver uma nica regra de direito, que sempre a

    mesma: cooperar na solidariedade social (Duguit, p. 74).

    Concluso

    A partir da leitura do livro possvel se ter uma noo das bases do direito.

    No me refiro a bases histricas, mas a bases de conceitos importantes e compreenses

    de doutrinas essenciais no mbito jurdico.

    O direito abrange tanto o lado individual, quando o social. Rege vidas e

    organizaes, por meio de regulamentaes no mbito do indivduo como tal e como ser

    necessariamente social. Ningum vive isolado para que possa ignorar essas regras (no

    obrigatoriamente escritas). No importa o grau de evoluo da sociedade em que

    vivemos; importa, somente, o fato de nos relacionarmos com os demais numa

    necessidade mtua.

    E depois de reconhecida essa necessidade, deve-se buscar entender os lados

    do direito j constitudo (privado, pblico, interno, externo), para que se possa construir

    uma crtica e assim enfrentar os problemas e dvidas que nos envolvem. Pois, embora a

    teoria nos fale da solidariedade social, ser que ela considerada realmente to

    importante na prtica? Ser que realmente compreendemos as doutrinas que pregamos e

    as seguimos? Ou ser que tudo, na verdade, no passa de uma mera iluso humana?

    Devemos lutar contra as foras que nos tornam subordinados sem

    compreenso e tentar nos desvencilhar das iluses e sofismas que nos cercam. Somente

    assim, talvez um dia cheguemos ao ideal de governo, ao ideal de direito.