Resenha cinematográfica - UM GÊNERO TEXTUAL

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1 RESENHA CINEMATOGRÁFICA: UM GÊNERO TEXTUAL PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA ABORDAGEM DO INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO BARROS, Eliana Merlin Deganutti (UEL – G) NASCIMENTO, Elvira Lopes (UEL) Introdução Este trabalho é fruto da participação no projeto de pesquisa “Gêneros Textuais no Ensino Médio: uma Abordagem para o Ensino de Língua Portuguesa” da Universidade Estadual de Londrina sob a coordenação da Dra. Elvira Lopes Nascimento. Tal projeto tem como objetivo contribuir para a formação do professor de Língua Portuguesa, possibilitando a instrumentalização dos Parâmetros Curriculares no que diz respeito aos gêneros textuais como objeto de ensino-aprendizagem. O construto teórico desta pesquisa advém de estudos de Bronckart (1997/2003), Schneuwly e Dolz (1998) e de outros estudiosos, numa perspectiva do interacionismo sócio-discursivo (ISD). A resenha cinematográfica, um gênero da esfera jornalística, foi o objeto de estudo escolhido para a construção de um modelo didático ] que visa instrumentalizar o professor do Ensino Médio no ensino de Língua Portuguesa. A intenção de se estudar este gênero partiu de observações em salas de aulas e de entrevistas informais com professores do Ensino Médio da rede pública. Primeiramente, foi detectado o interesse destes educadores em se trabalhar com textos da esfera do argumentar – o que se justifica, em parte, pela ênfase de pedidos deste “tipo de texto” nas provas de redação dos vestibulares. Em segundo lugar, observou-se o grande fascínio dos estudantes pela linguagem cinematográfica, ou seja, como os filmes exercem um poder de

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RESENHA CINEMATOGRÁFICA: UM GÊNERO TEXTUAL PARA O ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA ABORDAGEM DO

INTERACIONISMO SÓCIO-DISCURSIVO

BARROS, Eliana Merlin Deganutti (UEL – G)NASCIMENTO, Elvira Lopes (UEL)

Introdução

Este trabalho é fruto da participação no projeto de pesquisa “Gêneros Textuais no

Ensino Médio: uma Abordagem para o Ensino de Língua Portuguesa” da Universidade

Estadual de Londrina sob a coordenação da Dra. Elvira Lopes Nascimento. Tal projeto tem

como objetivo contribuir para a formação do professor de Língua Portuguesa, possibilitando a

instrumentalização dos Parâmetros Curriculares no que diz respeito aos gêneros textuais como

objeto de ensino-aprendizagem. O construto teórico desta pesquisa advém de estudos de

Bronckart (1997/2003), Schneuwly e Dolz (1998) e de outros estudiosos, numa perspectiva do

interacionismo sócio-discursivo (ISD).

A resenha cinematográfica, um gênero da esfera jornalística, foi o objeto de estudo

escolhido para a construção de um modelo didático] que visa instrumentalizar o professor do

Ensino Médio no ensino de Língua Portuguesa. A intenção de se estudar este gênero partiu de

observações em salas de aulas e de entrevistas informais com professores do Ensino Médio da

rede pública. Primeiramente, foi detectado o interesse destes educadores em se trabalhar com

textos da esfera do argumentar – o que se justifica, em parte, pela ênfase de pedidos deste

“tipo de texto” nas provas de redação dos vestibulares. Em segundo lugar, observou-se o

grande fascínio dos estudantes pela linguagem cinematográfica, ou seja, como os filmes

exercem um poder de sedução nos jovens, e de como esta linguagem é bem recebida na

escola. Um outro ponto que foi levado em consideração para a seleção, foi a

interdisciplinaridade] que o trabalho com a resenha cinematográfica pode proporcionar numa

instituição de ensino, já que o filme a ser resenhado pode ser trabalhado por outras disciplinas

(Artes, História , Filosofia, Geografia, etc.) em conjunto com a disciplina de Língua Portuguesa.

Para esta apresentação parcial do estudo do gênero “resenha cinematográfica”,

organizamos nosso trabalho da seguinte forma: a) a opinião de alguns experts sobre o gênero

“resenha” e “resenha cinematográfica”; b) os pressupostos teóricos do ISD; c) o contexto de

produção do corpus da pesquisa; d) a organização seqüencial argumentativa da resenha

cinematográfica.

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1. O que Dizem os Especialistas sobre o Gênero “Resenha”

O termo “resenha” é motivo de divergências entre os especialistas e estudiosos da

linguagem, muitas vezes, entrando em conflito com o termo “resumo”. Para chegar aos

possíveis esclarecimentos sobre a questão da conceitualização deste gênero textual, é

necessário o confronto de diferentes abordagens. Iniciaremos pelas definições que trazem

alguns dicionários:

re.se.nha s.f.1 lista ou descrição minuciosa (r. dos principais fatos do dia) 2 resumo

crítico do conteúdo de livros, notícias etc. ~ resenhar v.t.d. (MíNI HOUAISS: 2004)

resenha. S.f. 1. Ato ou efeito de resenhar. 2. descrição pormenorizada. 3.

Contagem, conferência. 4. Notícia que abarca certo número de nomes ou fatos

similares. (NOVO DICIONÁRIO BÁSICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

FOLHA/AURÉLIO: 1004/1995)

Como podemos verificar, as acepções do vocábulo “resenha” são divergentes já no

mesmo suporte (dicionário). No caso do HOUAISS parece que a entrada “1” já confronta com a

“2”, pois ou resenha é uma “descrição minuciosa” (neste caso ela não é crítica) ou ela é um

“resumo crítico”, ou seja, traz uma síntese de um conteúdo juntamente com uma avaliação

pessoal (crítica). Já no caso do dicionário AURÉLIO, o mesmo não faz referência ao teor

crítico da resenha, e a sua entrada “2” aparece como sinônima da entrada “1” do dicionário

HOUAISS – “descrição pormenorizada”; também classifica “resenha” como “notícia que abarca

certo número de nomes ou fatos similares”, o que parece uma grande confusão, pois resenha

e notícia parecem não caminhar no mesmo patamar. Como percebemos já no primeiro

momento deste estudo, o conceito para este gênero não parece ser muito simples.

Como segundo passo para se chegar a um esclarecimento quanto a definição de

“resenha”, veremos o que alguns de nossos lingüistas falam sobre o assunto. Segundo Fiorin

(1993): “Resenhar significa fazer uma relação das propriedades de um objeto, enumerar

cuidadosamente seus aspectos relevantes, descrever as circunstâncias que o envolvem”. Este

acrescenta que o objeto resenhado pode ser qualquer acontecimento da realidade, como por

exemplo, uma comemoração solene, uma feira de livros; ou textos e obras culturais, como um

romance, um filme, uma peça teatral. Para este lingüista o gênero “resenha” pode ser

classificado em “resenha descritiva” (aquela que não apresenta nenhuma apreciação ou

julgamento de quem a produziu) e “resenha crítica” (aquela que apresenta um juízo crítico do

resenhador).

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Diferentemente de Fiorin, Monteiro (1998, p. 22), equipara a resenha a um resumo

crítico: “O ponto alto da resenha é a visão crítica de quem a escreve. Além de trazer o assunto

devidamente resumido, este é acompanhado de uma análise, de uma visão crítica.”. Desta

forma, a classificação de “resenha descritiva” feita por Fiorin não cabe nos moldes desta

definição. Esta estudiosa considera o “resumo” como parte da resenha, e não admite que esta

não contenha uma crítica, que pode estar inserida no desenvolvimento – articulada juntamente

com o resumo –, ou colocada logo após a síntese da obra.

Segundo Machado (2002), o processo de sumarização é condição básica para a

mobilização de conteúdos pertinentes à elaboração de textos pertencentes ao gênero

“resenha”, porém este traz “mais que uma simples apresentação concisa dos conteúdos”, traz

também interpretações e avaliações sobre este. Acrescenta também, que no caso do gênero

“resenha” o resumo] (considerado neste contexto apenas como sumarização, não como um

gênero textual) é apresentado de forma parcial, já que o objetivo do mesmo é incitar o

destinatário a ler uma obra, a assistir um filme, etc.

Motta-Roth (2002) postula que o gênero “resenha” pode ser considerado como

envolvendo um contínuo entre descrição e avaliação, com diferentes exemplares de resenhas

tendendo ou para um ou para outro extremo. Por exemplo, resenhas mais objetivas podem ser

representadas por textos mais descritivos dos conteúdos, com uma avaliação menos explícita

e subjetiva do resenhador. Nota-se que a autora não cita a terminologia “resenha descritiva”, e

sim aponta casos em que a ênfase do texto reside na descrição pormenorizada, mas sem

deixar de lado seu teor avaliativo (a crítica não está tão explícita quanto em outras resenhas

em que a ênfase se concentra mais na análise e avaliação do conteúdo). Para ela, as

resenhas podem tender para um extremo avaliativo, quando o resenhador é um “especialista”

da área, e parte de seu conhecimento e sua experiência profissional para estabelecer a

relevância do “objeto” resenhado.

1.1 A Resenha Cinematográfica: a adaptação de um gênero textual

Neste trabalho, tomamos a resenha cinematografia como uma adaptação do gênero

“resenha” (que se encontra indexado no intertexto). Para tanto, nos apropriamos deste último,

da mesma forma que Motta-Roth, ou seja, um texto crítico por excelência, tendendo, ora para

um lado mais avaliativo, ora para um ângulo mais descritivo, dependendo das circunstâncias

que o envolvem. Até o momento em que se encontra esta pesquisa não foi encontrado nenhum

documento de especialista da área da linguagem ou da área jornalística que se utilize da

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terminologia “resenha cinematográfica”. Encontramos uma escassa bibliografia que se apropria

deste gênero, mas com a denominação de “crítica” ou “coluna”. Optamos por não abandonar

nossa nomeação inicial, pois não consideramos a questão da nomenclatura um fator relevante

para o estudo de um gênero.

Segundo Baltar (2004), “crítica” é um gênero jornalístico e opinativo, escrito

normalmente em primeira pessoa e assinado, no qual o autor emite sua opinião sobre uma

manifestação artística qualquer: livro, CD, espetáculo de dança, teatro, exposição de um artista

plástico, etc. Este autor diferencia crítica de resenha, por entender que esta última não traz um

aprofundamento do conteúdo exposto e sim apenas “algumas sugestões de leitura”. O que este

autor entende por “resenha” parece se assemelhar com a classificação de “resenha descritiva”

proposta por Fiorin (já citado no tópico anterior) e sua “crítica” com o que Fiorin chama de

“resenha crítica”.

Barros (2002) ao tratar de dois textos jornalísticos que entram em confronto num mesmo

jornal, classifica o que nós chamamos de “resenha cinematográfica” de “coluna” (um texto feito

por uma colunista que emite opiniões sobre um determinado filme). Comparando os dois

gêneros – objeto de análise em seu estudo –, a autora afirma:

Quanto aos gêneros tratados neste trabalho, a coluna e artigo de opinião,

apresentam regras de jogo comuns: é de sua natureza trazer interpretação ou

opinião do autor. O papel do autor é de maior aproximação com o seu texto:

avaliações e modalizações marcam sua visão de mundo e recursos retóricos são

ativados para atingir com maior eficiência o outro parceiro da comunicação, seu

interlocutor. (id. p. 204)

Para Berbare (2004, p. 44), “Criticar um filme é observar detalhes, identificar as

características típicas da obra, compará-las a outras do gênero, criticar e elogiar o filme.”. Para

esta autora, a “crítica de cinema” (como ela nomeou o gênero), presta um serviço de

informação ao leitor do jornal ou revista pela visão de um expectador experiente (o crítico, ou

resenhador – como nós o chamamos), mas o destinatário da mensagem deve sempre

“considerar as informações da crítica a partir de seus próprios critérios de apreciação de

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filmes”. Ou seja, a crítica deve servir apenas como um parâmetro de avaliação e nunca como

um fator decisivo de apreciação de um filme.

2. O Interacionismo Sócio-Discursivo

O quadro teórico que se inscreve o Interacionismo sócio-discursivo “leva a analisar as

condutas humanas como ações significantes, ou como ‘ações situadas’, cujas propriedades

estruturais e funcionais são, antes de mais nada, um produto da socialização” (BRONCKART:

2003, p. 13). É neste quadro teórico que Bronckart faz a abordagem de gênero textual como

instrumento de ensino que permite a materialização de uma atividade de ação.

O modelo de análise proposto por Bronckart apresenta várias etapas, como

descrevemos abaixo, muito resumidamente (devido ao caráter restrito deste documento):

O contexto de produção que pode ser definido “como o conjunto dos parâmetros que

podem exercer uma influência sobre a forma como um texto é organizado.” (id. p. 93). Estes

parâmetros estão inseridos em dois planos: o mundo físico e o mundo social e subjetivo. O

mundo físico é definido por quatro parâmetros: o lugar físico de produção; o momento de

produção; o emissor (produtor ou locutor) que produz fisicamente o texto; o receptor que

recebe o texto concretamente. Da mesma forma, o mundo social pode também ser

decomposto em quatro parâmetros: o lugar social em que o texto é produzido (escola, família,

etc.); o enunciador (posição social do emissor: professor, pai, etc.); o destinatário (posição

social do receptor: aluno, filho, etc.); o objetivo da interação (efeito que se pretende com o

texto).

O folheado textual, isto é, três camadas superpostas que tramam a organização dos

textos: a infra-estrutura geral do texto (plano geral global, tipos de discursos que se organizam

em seqüências e/ou outros tipos de planificação) e os mecanismos de textualização e

mecanismos de enunciação.

3. Análise do Corpus

Como corpus desta pesquisa foram selecionadas cinco resenhas cinematográficas

escritas pela colunista Isabela Boscov, e publicada na revista VEJA entre fevereiro de 2001 a

junho de 2003. A escolha do suporte se fez a partir do pressuposto de que tal revista circula

nacionalmente, sendo uma das mais lidas dentro do seu formato. O presente corpus é formado

pelas resenhas abaixo:

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1. “Até tu, Denzel” (filme: Duelo de Titãs – Remenber the Titans, Estados Unidos, 2000);

2. “Humor de fachada” (filme: O Amor é Cego – Shallow Hal, Estados Unidos, 2001);

3. “Melhor que o livro” (filme: Abril Despedaçado, Brasil, Suíça, França, 2001);

4. “Inimigo do peito” (filme: A Soma de Todos os Medos – The Sum of All Fears, Estados

Unidos, 2002);

5. “Divino egoísmo” (filme: Todo Poderoso – Bruce Almighty, 2003).

3.1 O Contexto de Produção

O único elemento do contexto físico identificável em todos os textos analisados foi

o emissor, ou seja, a “pessoa” Isabela Boscov, embora essa identificação tenha ocorrido

externamente, ou seja, a assinatura não faz parte do corpo textual. A partir de hipóteses

podemos pensar no lugar físico de produção como sendo, ou uma sala da edição da revista, ou

a própria casa da autora, porém, em ambos os casos, parece-nos evidente que ela escreva

seus textos diretamente em um computador (portátil ou não). O receptor de seus textos são os

leitores da revista VEJA. Já no que diz respeito ao momento de produção, podemos inferir que,

devido ao caráter semanal de sua coluna, a autora não disponha de muito tempo para

escrever, pois está subentendido que ela precisa assistir aos filmes que comenta, buscar

informações externas (pesquisa), e muitas vezes esta mesma colunista escreve mais que uma

resenha por semana, por essas razões, imaginamos que estas são escritas poucos dias antes

do fechamento da edição da revista.

As representações do mundo social, com suas normas e regras que normatizam as

interações, no modo como são percebidas pela produtora (autora das resenhas), permitem-nos

levantar algumas hipóteses. Desta forma, mesmo externamente às condições de produção, é

possível falar no papel social do emissor (que passa agora ao estatuto de enunciador): uma

colunista que escreve, semanalmente, resenhas cinematográficas editadas na revista VEJA,

na coluna “Cinema”; neste caso supõe-se que seja uma “especialista” no assunto. Quanto à

posição social do receptor (agora destinatário), devido ao status da revista VEJA, ou seja, uma

veículo de comunicação mais elitista, destinado à classe média-alta, podemos falar no

destinatário como sendo um leitor mais instruído e de faixa etária muito abrangente, já que o

assunto “filmes” desperta o interesse de leitores muito diversificados. Já o lugar social da

produção, independente do lugar físico em que o texto possa ter sido produzido, reflete uma

interação profissional entre a colunista e seu empregador (a revista VEJA). Sendo este gênero

tanto informativo (traz informações sobre o filme, assim como um resumo parcial do enredo)

como opinativo (avaliação pessoal), podemos dizer que os objetivos são levar ao conhecimento

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do leitor informações pertinentes ao filme resenhado (incluindo um panorama parcial do

enredo) e convencê-lo de uma “premissa” defendida pela autora com argumentos e contra-

argumentos.

3.2 A Seqüência Argumentativa na Resenha Cinematográfica

Em todos os textos analisados referente ao nosso corpus o conteúdo está organizado

com base em um raciocínio argumentativo. Para tanto, a autora faz um “recorte” temático, com

o qual ela defenderá uma tese, apresentará argumentos e/ou contra-argumentos e concluirá

seu texto. O resumo do enredo do filme é feito parcialmente, servindo sempre como

ancoragem para o desenvolvimento dos seus argumentos. A conclusão, geralmente, é feita de

forma contundente, reafirmando a premissa inicial.

Como podemos observar acima, este gênero é estruturado a partir dos pressupostos da

seqüência argumentativa esquematizada em Bronckart (2003, p.226), organizada pelas

seguintes fases:

- a fase de premissas (ou dados), em que se propõe uma constatação de partida;

- a fase de apresentação de argumentos, isto é, de elementos que orientam para

uma conclusão provável, podendo ser esses elementos apoiados por lugares comuns

(topoi), regras gerais, exemplos, etc.;

- a fase de apresentação de contra-argumentos, que operam uma restrição em

relação à orientação argumentativa e que podem ser apoiados ou refutados por

lugares comuns, exemplos, etc.;

- a fase de conclusão (ou nova tese), que integra os efeitos dos argumentos e contra-

argumentos.

O caráter dialógico da seqüência argumentativa consiste em “isolar um elemento do

tema tratado (um objeto do discurso) e em apresentá-lo de um modo que seja adaptado às

características presumidas do destinatário (conhecimentos, atitudes, sentimentos, etc.)”

(BRONCKART: 2003, p. 234). Desta forma, a seqüência argumentativa opera uma ação de

convencimento, a partir de um objeto contestável (na visão do enunciador e/ou do destinatário).

Como corroborar com a questão acima, apresentamos, a seguir, uma resenha cinematográfica

(que integra nosso corpus) em que destacamos as fases da grande seqüência argumentativa

que a constitui:

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Até tu, Denzel

Outro filme tenta adoçar o amargo racismo americano

Premissa

Seria recomendável que o cinema de Hollywood parasse de prefaciar seus filmes

com os dizeres “baseado numa história verdadeira”. Geralmente, é sinal de que as

situações mais improváveis vão se suceder. É o que acontece em Duelo de Titãs

(Remember the Titans, Estados Unidos, 2000), que estréia nesta sexta-feira em

circuito nacional.

Argumentos

1. O problema não está nos fatos, que são reais, mas no tom ufanista que o filme

empresta a eles. [Esse drama trata da hostilidade que tomou conta de Alexandria,

uma pequena cidade do estado da Virgínia, em 1971, quando as autoridades locais

decidiram que brancos e negros passariam a freqüentar a mesma escola. Episódios

como esse ocorreram em todo o país, quase sempre de forma dramática – como em

Little Rock, no Arkanansas, onde o Exército teve de garantir que as crianças negras

cruzassem os portões da escola.]

2. Duelo de Titãs prefere uma visão edulcorada da história: no seu entender, não há

barreira que não possa ruir quando um punhado de homens de boa vontade resolve

fazer a coisa certa.

[O conflito concentra-se em torno da paixão local – o time de futebol americano da

escola. Bill, o técnico branco (interpretado por Will Patton), é substituído por

Herman, um negro (Denzel Washington, juntando aqui sua credibilidade à chancela

do “fato verídico”). Seguem-se as escaramuças de praxe nesse gênero de produção,

mas o branco engole o orgulho e decide trabalhar ao lado do recém-chegado. Logo

o colega e os jogadores, não importa a sua etnia, percebem que Herman não vai dar

moleza a ninguém. Pelo contrário: sua tática é se mostrar democraticamente

implacável. O jeitão linha-dura funciona. O time vence todas, brancos e negros

descobrem o valor da amizade e até os racistas mais renitentes cedem diante de

resultados tão positivos.]

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Contra-Argumento

Seria lindo, exceto pelo fato de que, nos Estados Unidos, o antagonismo racial ainda

não teve um final feliz.

Argumento

3. É desanimador, portanto, que uma produção que pretende ensinar princípios

morais básicos recorra a tais simplificações. Ao mesmo tempo que aplaude o senso

de justiça de seus protagonistas, a fita comete o ultraje de mostrar personagens

negros com ar de gratidão canina diante do respeito conquistado.

Conclusão

Num certo sentido, o filme até diverte – mérito da química entre Washington, que

domina de ponta a ponta o ofício de interpretar santos guerreiros, e Will Patton, um

ator bem melhor do que seu papel. Por causa de seu paternalismo, contudo, Duelo

de Titãs revela involuntariamente a grande contradição por trás desse tema: seja

qual for o sabão, o racismo é uma daquelas manchas insistentes que Hollywood

nenhuma lava mais branco.

Fonte: BOSCOV, Isabela. Até Tu, Denzel. Revista Veja. Rio de Janeiro: Ed. Abril, 7

fev. 2001, ed. 1686. Cinema, p.117.

Obs: Os fragmentos do texto entre colchetes estão ancorando o argumento (grifado)

que o antecede.

Considerações Finais

Neste trabalho apresentamos resultados parciais de nossa descrição do gênero

“resenha cinematográfica” que constituirá em modelo didático deste gênero. Pode-se antecipar,

contudo, que são grandes as dificuldades para esta pesquisa, uma vez que tal gênero se

apresenta estruturado por um discurso do expor argumentativo, o que representa uma

dificuldade maior, já que se trata de descrever uma ação de linguagem baseada no raciocínio

argumentativo.

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A análise demonstrou que a resenha cinematográfica é um gênero que apresenta as

quatro fases da seqüência argumentativa, cabendo ao analista estudar como se dá a “costura”,

a tessitura dessas diferentes fases. Mas isto é assunto para uma próxima etapa do nosso

trabalho.

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