Resenha - Antropologia da Cidade

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Resenha de Antropologia da Cidade: lugares, situações, movimentos (Michel Agier)

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  • Revista Convergncia Crtica Ncleo de Estudos e Pesquisas em Teoria Social - NEPETS

    Movimentos Sociais, Direitos e Sociedade V. 1 , N 1, 2012 1

    Recenso crtica do livro:

    Agier, Michel (2011), Antropologia da Cidade. Lugares, situaes, movimentos, So

    Paulo, Editora Terceiro Nome, 213 pp.

    A Antropologia Urbana tem sofrido um mal de nome. O termo evoca a disciplina

    me, a Antropologia, mas antes de mais um mtodo para os cientistas sociais que se

    ocupam da cidade contempornea. Se o termo geral Estudos Urbanos condensa o vector

    multidisciplinar na abordagem das cidades, ele esquece a necessria Antropologia, no

    sentido do estudo do homem, neste caso do citadino, entenda-se. Michel Agier est bem

    ciente desta evidncia, por isso ao longo do livro transcorre um teor que parece procurar

    defender o mtodo da Antropologia Urbana. No Brasil, a Antropologia Urbana no

    carece de defesa ela est bem enraizada em vrias escolas com centros de investigao

    dinmicos como so bons exemplos o Centro de Antropologia Urbana, da UFRJ e o

    Ncleo de Antropologia Urbana, da USP; e a nvel de divulgao conta com muitas

    publicaes de investigadores nacionais e internacionais em lngua portuguesa. No

    entanto, o autor, que estudou vrios anos no Brasil mas cujo pas de origem, Frana,

    preconiza sobretudo o termo geral Estudos Urbanos, vem fazer a apologia do uso da

    Antropologia Urbana no estudo das cidades, evidenciada atravs de propostas terico-

    metodolgicas concretas.

    Os prefaciantes deste livro, Graa Cordeiro e Heitor Frgoli, tambm eles antroplogos

    urbanos, resumem assim o objetivo central da ltima obra de Michel Agier: Para

    compreender antropologicamente a cidade preciso esquecer a cidade. Esse um dos

    pontos de partida deste livro, que se prope a conhecer as cidades a partir dos citadinos

    e de sua experincia cotidiana, de seus lugares de vida e situaes concretas (.)

    (p.19). So duas ideias centrais que nunca desaparecem ao longo do livro, de facto: so

    os citadinos que nos informam melhor sobre a cidade e as situao por eles vivenciadas

    configuram os melhores nichos de observao e anlise. De resto, todo o prefcio

    apresenta no s a obra nas suas diferentes dimenses como o percurso de investigao

    do autor, com vasto trabalho de campo em cidades brasileiras, europeias e africanas e

    reconhecido mrito na literatura da Antropologia Urbana. A melhor recenso crtica a

    esta obra est feita logo no Prefcio, que no deve ser negligenciado no todo da obra.

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    No entanto, cabe aqui tambm apresentar e tecer argumentos sobre o livro que desde j

    recomendo no s a antroplogos como a outros cientistas sociais.

    A ltima obra de Michel Agier ao mesmo tempo uma novidade editorial e uma

    colectnea intemporal. Antropologia da Cidade. Lugares, situaes, movimentos rene

    textos do autor publicados noutros formatos e duas entrevistas. Mas entre todos

    destacaria em primeiro lugar os captulos 2 e 3, nomeadamente Os Saberes Urbanos da

    Antropologia, publicado originalmente em 1997 na Revista Enqute, e As situaes

    Elementares da Vida Urbana, um artigo aqui revisto, publicado inicialmente noutro

    livro de Agier, LInvention de la Ville (1999). Sobre estes dois textos, diria que se

    encaixam naquela categoria de artigos na histria das cincias sociais que devem ser

    lidos e relidos. E para quem se dedica aos estudos urbanos, estes so sem dvida textos

    fulcrais para melhor analisar as cidades contemporneas. No primeiro, Agier explica

    como a sua proposta terico-conceptual passa pelos conceitos de regio, situao, e

    redes. Talvez no nos enganemos muito se dissermos que Michel Agier um

    embaixador contemporneo dos ensinamentos da Escola de Chicago e do Instituto

    Rhodes-Livingstone que deram corpo inicial Antropologia Urbana, sobretudo no

    sentido em que ele sustenta que a anlise de situao condio primria, quase

    necessria, para compreender os fenmenos urbanos. No captulo 3 Michel Agier

    defende a existncia dos fenmenos urbanos em si mesmos, ou seja, que a cidade e os

    citadinos produzem situaes urbanas e no apenas, por exemplo, releituras das origens

    rurais dos grupos, ou fenmenos analisveis a partir de pontos de vista disciplinares

    isolados.

    Face a esta evidncia, da cidade produzindo cenas urbanas a cada momento e a partir

    dos grupos mais inesperados, muitos autores se detm no conceito de criatividade como

    soluo rpida para a anlise das dinmicas urbanas aceleradas. Michel Agier ir, neste

    livro, analisar essa criatividade, mas falando duma alternativa mais credvel, a

    emergncia, para melhor ler os processos, a urbanidade a acontecer. Foi particularmente

    atravs do seu trabalho de campo prolongado em campos de refugiados (ver Captulo 6)

    que Agier formula este olhar sobre a cidade. Os refugiados, diz ele, esto separados dos

    citadinos por um fio (p.138). Nos campos, as pessoas constroem um esboo de cidade

    o autor fala mesmo em rascunho , por isso so espaos essenciais para perceber como

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    se forma uma cidade. E face situao de excepo dos seus residentes, as formas de

    sociabilidade so iniciais, elementares, e permitem ao observador registos em primeira

    mo sobre os processos urbanos.

    Alm dos terrenos emergentes que mais vm destacando o autor na literatura

    antropolgica, nesta obra Agier retoma os estudos do Carnaval, com apontamentos

    etnogrficos em Notting Hill, Londres, Tumaco, no Pacfico Colombiano, e Bahia no

    Brasil, que vo contribuir para uma apologia das identidades urbanas mais do que

    nacionais. Desde pelo menos Benedict Anderson e as suas Comunidades Imaginadas

    (1983) que as identidades nacionais ganharam importncia nas interpretaes sobre os

    grupos humanos. Mas a acelerao das ltimas dcadas mormente no domnio das

    tecnologias vem enfatizando a importncia dos lugares mais do que dos pases onde os

    actores sociais residem. E esses locais so, cada vez mais, as cidades. Nas cincias

    sociais, para a anlise de um conjunto de temas que vai desde as migraes, passando

    pelo patrimnio, pelo trabalho, entre outros, existe a tendncia quase natural para tomar

    a nacionalidade como unidade de anlise. O estudo dos fenmenos urbanos tem

    observado cada vez mais e melhor a ligao mais prxima dos citadinos s suas cidades,

    no que Agier designa cidade familiar.

    Assim, a cidade, em vez de lugar de anonimato como muitas vezes se caracterizam

    ainda as grandes cidades, pode ser lugar de conforto. Conforto pelas redes que se

    estabelecem, pela inscrio dos espaos vividos, pela possibilidade que a familiaridade

    fornece de reivindicao. Sem conforto, no h cidadania, parece dizer-nos Agier de

    vrias formas. No por acaso que dedica o captulo 8 ao princpio da poltica. So as

    ruas que promovem os actos polticos novos: Nesses momentos iniciais a rua torna-se

    o espao da poltica e tambm da inveno cultural () a manifestao de rua j uma

    dimenso da cultura das cidades. () No a memria propriamente urbanstica que

    faz gostar-se desses lugares simblicos, mas sim a memria ritual da qual foram e so

    apoio. Ler estas ideias em 2011 faz ainda mais eco se pensarmos na Primavera rabe,

    nas manifestaes nos pases europeus em crise econmica, ou nas recentes lutas

    Estadunidenses.

    Alm dos captulos de autoria exclusiva, o livro apresenta ainda duas entrevistas que

    iniciam e encerram o livro (Captulos 1 e 9). A primeira um extracto de uma entrevista

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    ao autor feita por Dominique Vidal (2003) e a segunda por Constantine Petcou e Anne

    Queiren (2008). Michel Agier optou por fornecer algumas pistas importantes da sua

    Antropologia Urbana atravs deste formato colaborativo com outros investigadores da

    cidade. Nestas entrevistas, temos o proveito de ver algumas ideias centrais do autor

    discorridas com informalidade como a questo da criatividade, a anlise de situao e

    a abordagem simplificada, mas nem por isso menos interessante, de identidade, se no

    vejamos: que a identidade no deve ser analisada () num sentido substancial,

    abstracto, mas sim em seu sentido situacional: com que tipo de lugar, de situao, de

    configurao, em dado momento, eu me identifico. (p.52) A segunda entrevista, ainda

    que com perguntas por vezes algo etno- e eurocntricas (situao notada pela tradutora,

    p. 188), resume bem a perspectiva da cidade poltica e da cidade em processo do autor.

    A ltima pergunta da entrevista Voc um antroplogo muito otimista, mas

    sendo o autor algo evasivo na resposta, deixemos aos leitores decidir.

    Rita vila Cachado, Instituto Universitrio de Lisboa, Centro de Investigao e Estudos

    de Sociologia, CIES-IUL