RESENHA ELEITORAL

392
RESENHA RESENHA RESENHA RESENHA RESENHA ELEIT ELEIT ELEIT ELEIT ELEITORAL ORAL ORAL ORAL ORAL Nova Série TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA 2008 VOLUME 15 EDIÇÃO ESPECIAL Florianópolis – Santa Catarina

Transcript of RESENHA ELEITORAL

Page 1: RESENHA ELEITORAL

RESENHARESENHARESENHARESENHARESENHA

ELEITELEITELEITELEITELEITORALORALORALORALORALNova Série

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA

2008

VOLUME 15

EDIÇÃO ESPECIAL

Florianópolis – Santa Catarina

Page 2: RESENHA ELEITORAL

RESENHA ELEITORAL - Nova Série

Este periódico é especializado em Direito Eleitoral, contendo doutrina, jurispru-dência, pareceres, comentários e notícias, podendo incluir, igualmente, matériasconstitucionais e administrativas.Os conceitos aqui emitidos são de inteira responsabilidade de seus autores, quegozam de ampla liberdade de opinião, crítica e estilo.

Tribunal Regional Eleitoral de Sant a CatarinaRua Esteves Júnior, 68 - CentroFlorianópolis (SC) - CEP 88015-130Fone (48) 3251-3714 / Fax (48) [email protected]://www.tre-sc.gov.br

Comissão EditorialPresidente: Juiz Volnei Celso Tomazini

Coordenação: Clycie Damo BertoliIlenia Schaeffer SellRodrigo Camargo Piva

Editoração eletrônica: Edmar Sá

Revisão: Daniella Mara Z. CamposEllen Carina Araújo de CarvalhoMaria Cecy Ferreira ArrospideRogério Camargo PivaSilvana Helena V. Garcia Deitos

Suplentes: Adriano Ferreira RamosHugo Frederico Vieira NevesJean da Silva Oliveira

Resenha eleitoral : nova série. -v. 1, n. 1 (1994) - . Florianópolis: TribunalRegional Eleitoral de Santa Catarina, 1994- .

Anual

Continuação de: Resenha eleitoral (1949-1951)

ISSN: 0104-6152

1. Direito Eleitoral - Periódicos. I. Santa Catarina.Tribunal Regional Eleitoral.

CDU 342.8(816.4)(05)

Imagem da cap aHASSIS (CORRÊA, Hiedy de Assis), Folclore Ilhéu, 1972. 1 original de arte, têm-pera sobre eucatex, 280 cm x 365 cm (3 painéis de 280 cm x 121,5 cm). Coleção:Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.

Design gráfico (cap a)

Rodrigo Camargo Piva

Page 3: RESENHA ELEITORAL

TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DE SANTA CATARINA

PresidenteJoão Eduardo Souza Varella

Vice-PresidenteCorregedor Regional Eleitoral

Cláudio Barreto Dutra

Juízes EfetivosJorge Antonio MauriqueVolnei Celso Tomazini

Márcio Luiz Fogaça VicariOscar Juvêncio Borges Neto

Odson Cardoso Filho

Juízes SubstitutosSérgio Torres Paladino

Newton TrisottoJulio Guilherme Berezoski Schattschneider

Cláudia Lambert de FariaJoão Carlos Castilho

Saul SteilHeitor Wensing Júnior

Procurador Regional EleitoralClaudio Dutra Fontella

Procurador Regional Eleitoral SubstitutoAndré Stefani Bertuol

Diretor-GeralSamir Claudino Beber

Page 4: RESENHA ELEITORAL
Page 5: RESENHA ELEITORAL

SUMÁRIO

COMPOSIÇÃO DO TRESC, 3

APRESENTAÇÃO, 7

ABREVIATURAS E SIGLAS, 9

DISCURSO, 13

Bicentenário da instalação do Poder Judiciário no Brasil - ODSONCARDOSO FILHO, 15

DOUTRINA, 21

A necessidade de demonstração da responsabilidade ou do prévioconhecimento do candidato ao pleito majoritário, beneficiário dapropaganda eleitoral veiculada em desacordo com o art. 43 daLei n. 9.504/1997, no âmbito Estadual e Federal para a aplica-ção da sanção prevista no parágrafo único do mesmo dispositivo– JORGE ANTONIO MAURIQUE, 23

A constitucionalidade das resoluções do Tribunal Superior Eleitoral e oseu controle – FELÍCITA SOUSA VALVERDE e IRAÊ REGINAVIEIRA, 33

Ação de impugnação de mandato eletivo: efeitos da decisão de proce-dência – MARCUS CLÉO GARCIA e SHEILA BRITO DE LOS SAN-TOS, 55

Da legitimidade ativa do eleitor para a ação de impugnação de man-dato eletivo: aspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários –ALEXANDRE ROBERTO BERENHAUSER e EDMAR SÁ, 83

Eficácia da propaganda eleitoral: propaganda antecipada e propagan-da institucional – IMAR ROCHA, 97

Estado de Partidos: a solução para a crise de representação políticano Brasil – DANIEL SCHAEFFER SELL e ILENIA SCHAEFFERSELL, 107

Page 6: RESENHA ELEITORAL

Financiamento de campanhas eleitorais: avaliação das proposiçõesapresentadas pelo Tribunal Superior Eleitoral ao Congresso Naci-onal – DENISE GOULART SCHLICKMANN e HELOÍSA HELENABASTOS SILVA LÜBKE, 129

Legislação eleitoral e vedações aos agentes públicos contidas no art.73 da Lei n. 9.504/1997 – JULIANO LUIS CAVALCANTI, 151

Lei do Juizado Especial Criminal: aplicação dos institutos e procedi-mentos no âmbito da Justiça Eleitoral – GUARACI PINTOMARTINS e GILVAN DE SOUZA LOBATO, 185

Número de vagas nas Câmaras Municipais: definição e competência –EDUARDO CARDOSO e GONSALO AGOSTINI RIBEIRO, 211

O direito de resposta na esfera eleitoral sob a ótica da doutrina e dajurisprudência – ALESSANDRO BALBI ABREU, 227

Propaganda eleitoral e a Lei n. 11.300/2006: breves considerações –JEFFERSON CUSTÓDIO PRÓSPERO e JOSÉ ADILSONBITTENCOURT JUNIOR, 245

Tutela do trabalho no período eleitoral: o mesário como núcleo da con-trovérsia – CÉSAR CRISTIANO PEREIRA JÚNIOR, 269

ACÓRDÃOS SELECIONADOS – PERDA DO MANDATO PORDESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA, 291

Acórdão n. 22.007 – JORGE ANTONIO MAURIQUE, 293

Acórdão n. 22.083 – OSCAR JUVÊNCIO BORGES NETO, 305

Acórdão n. 22.100 – CLÁUDIO BARRETO DUTRA, 317

Acórdão n. 22.112 – ELIANA PAGGIARIN MARINHO, 329

Acórdão n. 22.171 – VOLNEI CELSO TAMAZINI, 347

Acórdão n. 22.189 – MÁRCIO LUIZ FOGAÇA VICARI, 355

Acórdão n. 22.213 – ODSON CARDOSO FILHO, 375

ÍNDICE, 387

Page 7: RESENHA ELEITORAL

APRESENTAÇÃO

No exercício da presidência da Escola Judiciária Eleitoral – EJESCe na presidência da Comissão Editorial da RESENHA ELEITORAL –Nova Série, apresento à comunidade jurídica a edição deste periódicorelativa ao ano de 2008, volume 15.

Esta obra é resultado do zeloso trabalho da comissão editorial, com-posta por servidores do quadro do TRESC, que não mediu esforçospara proporcionar a difusão do conhecimento especializado em maté-ria de cunho eleitoral.

Destaca-se a conhecida definição de Fávila Ribeiro sobre DireitoEleitoral ao aduzir que este ramo do direito “dedica-se ao estudo dasnormas e procedimentos que organizam e disciplinam o funcionamen-to do poder de sufrágio popular, de modo que se estabeleça a precisaequação entre a vontade do povo e a atividade governamental”.

Portanto, cabe ao Direito Eleitoral a relevante função de estabele-cer o liame entre a manifestação da vontade popular e a atividaderepresentativa governamental. Para isso, dispõe de mecanismos viá-veis como a Carta Magna de 1988, que dispõe em seu art. 1o, parágra-fo único: “Todo poder emana do povo, que o exerce por meio de repre-sentantes eleitos e diretamente, nos termos desta Constituição”.

Esta edição visa a prestar uma homenagem à nossa ConstituiçãoFederal pelos vinte anos de existência e pelo aval ao Direito Eleitoral.

Com mais esta publicação, almeja-se contribuir para a sistematiza-ção e ampliação do estudo deste tema, a exemplo das edições anteri-ores, que tiveram excelente acolhida pelo público alvo, demonstradapor meio de manifestações favoráveis à iniciativa da Comissão.

Agradecimento especial a todos que de qualquer modo contribuí-ram para a realização desta obra.

Juiz Volnei Celso TomaziniPresidente da Comissão Editorial

Page 8: RESENHA ELEITORAL
Page 9: RESENHA ELEITORAL

ABREVIATURAS E SIGLAS

ABNT Associação Brasileira de Normas Técnicas

Ac. Acórdão

ADI Ação direta de inconstitucionalidade

ADI-MC Ação direta de inconstitucionalidade - medida cautelar

Ag. Agravo

AgR Agravo regimental

AgRegMc Agravo regimental em medida cautelar

AIJE Ação de investigação judicial eleitoral

AIME Ação de impugnação de mandato eletivo

AIRC Ação de impugnação de registro de candidato

art. artigo

atual. atualizada

Bacen Banco Central do Brasil

CF Constituição Federal

Cf. conforme

c/c combinado com

CE Código Eleitoral

Cesusc Centro de Ensino Superior de Santa Catarina

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

coord. coordenador

CP Código Penal

CPC Código de Processo Civil

Cta Consulta

CTN Código Tributário Nacional

DEM Democratas

DJ Diário da Justiça

DJERS Diário da Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

DJSC Diário da Justiça de Santa Catarina

Page 10: RESENHA ELEITORAL

DJU Diário da Justiça da União

doc. documento

DOU Diário Oficial da União

Dr. doutor

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

EC Emenda Constitucional

ed. edição

et al. et alli

ex. exemplo

fl. folha

HC Habeas corpus

ib. ibidem

IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

inc. inciso

Incijur Instituto de Ciências Jurídicas

jurisprud. jurisprudência

LC Lei Complementar

LCP Lei das Contravenções Penais

LOMPU Lei Orgânica do Ministério Público da União

LOPP Lei Orgânica dos Partidos Políticos

MC Medida cautelar

Min. Ministro

MM. Meritíssimo(a)

MP Ministério Público

MPE Ministério Público Eleitoral

MPT Ministério Público do Trabalho

MS Mandado de segurança

MTE Ministério do Trabalho e Emprego

n. número

NBR Normas Brasileiras de Regulamentação

Page 11: RESENHA ELEITORAL

OAB/SC Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de Santa Catarina

ob. cit. opus citatum

OIT Organização Internacional do Trabalho

p. página

PDT Partido Democrático Trabalhista

PEC Proposta de Emenda à Constituição

PFL Partido da Frente Liberal

PL Partido Liberal

PL Projeto de lei

PMDB Partido do Movimento Democrático Brasileiro

PP Partido Progressista

PR Partido da República

PRONA Partido da Reedificação da Ordem Nacional

PSC Partido Social Cristão

PSDB Partido da Social Democracia Brasileira

PSESS Publicado em sessão

PT Partido dos Trabalhadores

RE Recurso extraordinário

Rel. Relator(a)

Res. Resolução

REspe Recurso especial eleitoral

rev. revista

RHC Recurso em habeas corpus

RIT Regulamento de Inspeção do Trabalho

RJTSE Regimento Interno do Tribunal Superior Eleitoral

SDI Secretaria de Documentação e Informação (TSE)

sr. senhor

STF Supremo Tribunal Federal

STJ Superior Tribunal de Justiça

tir. tiragem

Page 12: RESENHA ELEITORAL

TJSC Tribunal de Justiça de Santa Catarina

TRE Tribunal Regional Eleitoral

TRESC Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina

TRE/CE Tribunal Regional Eleitoral do Ceará

TRE/DF Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal

TRE/MG Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais

TRE/MT Tribunal Regional Eleitoral do Mato Grosso

TRE/PR Tribunal Regional Eleitoral do Paraná

TRE/RO Tribunal Regional Eleitoral de Rondônia

TRE/RR Tribunal Regional Eleitoral de Roraima

TRE/SP Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo

TRE/TO Tribunal Regional Eleitoral de Tocantins

TSE Tribunal Superior Eleitoral

Ufir Unidade fiscal de referência

UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

Unisul Universidade do Sul de Santa Catarina

Univali Universidade do Vale do Itajaí

v.g. verbi gratia

vol. volume

Page 13: RESENHA ELEITORAL

DISCURSO

Page 14: RESENHA ELEITORAL
Page 15: RESENHA ELEITORAL

DISCURSO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 13-20, 2008

15

BICENTENÁRIO DA INSTALAÇÃO DOPODER JUDICIÁRIO NO BRASIL

Odson Cardoso Filho *

O Senhor Juiz Odson Cardoso Filho – Senhor Presidente desteTribunal, Desembargador João Eduardo Souza Varella, Dignos Juízesdesta Corte, Senhor Procurador Regional Eleitoral, Senhores Advoga-dos e Servidores desta Casa, Senhoras e Senhores.

No último sábado, 10 de maio, verificou-se o transcurso da datacomemorativa do bicentenário de instalação do Poder Judiciário noBrasil – representativa da desvinculação da então colônia das instân-cias judiciárias superiores concentradas no continente europeu, emPortugal, o que se deu com a elevação da Relação do Rio de Janeiro àcondição de Casa da Suplicação, além da criação, em dias próximos,do Desembargo do Paço e do Conselho Supremo Militar de Justiça.

A partir desse momento, desenhou-se uma independência territorialda Justiça em funcionamento no Brasil, pois nunca mais os recursosdas decisões tomadas no Novo Mundo voltariam a seguir para Lisboa.

Tal evolução é derivada, principalmente, da vinda da Corte Portu-guesa que aqui aportou com D. João VI, fugida dos franceses em ra-zão do não-cumprimento do Bloqueio Continental, decretado porNapoleão Bonaparte. Na ocasião, a Justiça era parcela importante daadministração lusitana, não guardando autonomia em face do poderreal.

Da primeira fase do período colonial, em que preponderavam asregras e os julgamentos sob a vontade dos donatários no cível e nocrime; com passagem pela segunda, das governadorias-gerais, quan-do a nossa organização judiciária se regulava pelas Ordenações Filipi-nas e presença de ouvidores-gerais, corregedores, ouvidores deComarcas, provedores, juízes de fora, entre outros, além da criaçãodos Tribunais de Relação da Bahia (1609) e do Rio de Janeiro (1752);chegou-se à esse terceiro momento, quando o Brasil recepcionou afamília real e foi alçado, pouco depois, em 1815, à categoria de ReinoUnido ao de Portugal e Algarves.

Em 1812 é criada a Relação do Maranhão e, em 1821, a dePernambuco.

* Juiz de Direito, membro do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.

Page 16: RESENHA ELEITORAL

DISCURSO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 13-20, 2008

16

Após turbulências e retorno de D. João VI para Portugal, é procla-mada a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822.

Sob o Império, o Poder Judiciário era um dos quatro poderes doEstado, delegado, como os demais, pela nação; contava com inde-pendência relativa, pois limitado a dirimir controvérsias de naturezaprivada, não detendo competência para solucionar litígios de ordemadministrativa e efetivar o controle de constitucionalidade das leis, esseafeto aos Poderes Legislativo e Moderador. Embora os juízes fossemperpétuos, podiam ser removidos e suspensos pelo Imperador. UmSupremo Tribunal de Justiça, com sede na Corte, e Tribunais de Rela-ção, nas capitais das províncias, com juízes de comarca e de municí-pios, assessorados pelos júris, e, ainda, os juízes de paz nos distritos,integravam o organismo judiciário do país. A magistratura togada erade nomeação do Imperador, que o fazia livremente entre pessoas ha-bilitadas; e a de fato, eletiva, como a justiça de paz, e por sorteio, comono caso do júri. A Justiça, todavia, era una, como a lei e o processo,por ser unitária a forma de Estado.

Com a República, instituída em 15 de novembro de 1889, sobre-veio a Constituição Federal de 1891, em que expressamente destaca-do o Poder Judiciário, tendo como órgão máximo o Supremo TribunalFederal, com sede na Capital; institui-se, ainda, a dualidade de Justiçae de processos, a da União e a dos Estados-Membros, ficando cadaEstado-Membro autorizado a elaborar a sua Justiça e legislar acercade matéria processual. Os magistrados continuaram a ser nomeados,independentemente de concurso, pelos Chefes do Poder Executivo(Presidente da República ou Governador do Estado), escolhidos, po-rém, entre juristas e advogados idôneos.

A Constituição de 1934, por sua vez, introduziu a “unidade de pro-cesso”, mantendo, contudo, a dualidade de Justiça – Federal e dosEstados.

Entretanto, de 1937 a 1967, foram suprimidos da estrutura judiciá-ria os Juízes Federais de primeiro grau – restabelecidos a contar des-se último marco; contudo, com a Carta de 1946, foi criado novo órgãojudiciário de segunda instância, o Tribunal Federal de Recursos, o qualrestou extinto pela Constituição de 1988, dando margem, assim, à ins-tituição do Superior Tribunal de Justiça e, no âmbito da Justiça Fede-ral, dos Tribunais Regionais Federais.

As Justiças Especializadas – Militar, Eleitoral e Trabalhista – sãomantidas pela Carta Constitucional de 1946, tidas como federais e, pois,unas. Previstas na Carta Maior de 1967, hoje mantêm importantes

Page 17: RESENHA ELEITORAL

DISCURSO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 13-20, 2008

17

funções na organização judiciária nacional, diante das competênciastraçadas na Constituição da República vigente (1988).

A primeira – Militar –, destinada a processar e julgar os crimes mili-tares, tem sua razão de ser na natureza das instituições militares,alicerçada nos princípios da hierarquia, da subordinação e da discipli-na. Entre nós, vem ela da época do Império, merecendo tratamentoconstitucional a partir da Carta Política de 1891.

Em 19 de junho de 1822 foi publicada a primeira lei eleitoral brasi-leira, que regulamentava a escolha de uma Assembléia Geral Consti-tuinte e Legislativa, com vistas à escolha daqueles que seriam respon-sáveis pela elaboração da Constituição do Império, em 1824; regula-mentos posteriores, ainda, disciplinaram o sistema eleitoral no país.No entanto, a Justiça Eleitoral, como órgão autônomo, é criação típicado movimento de 1930; resultado disso, a edição do Código Eleitoralde 1932, com unificação da legislação e fundação de três órgãos es-senciais dessa Justiça: o Tribunal Superior Eleitoral, os Tribunais Re-gionais Eleitorais e os Juízes Eleitorais.

No Estado Novo e com o advento da Constituição de 1937, outor-gada por Getúlio Vargas, a Justiça Eleitoral viu-se excluída da ordemjudiciária; pela Carta de 1946, entretanto, foi restabelecida e, hoje,desempenha valoroso papel, fortalecida que foi pelo processo deredemocratização política do Brasil.

As primeiras manifestações da jurisdição trabalhista, por seu turno,decorrem da criação das Juntas de Conciliação e Julgamento, parasolucionar lides individuais, e das Comissões Mistas de Conciliação,para resolver dissídios coletivos, em 1932. A Constituição de 1934consubstanciou os princípios da jurisdição trabalhista, reunindo o exis-tente na legislação ordinária, sob a designação genérica de Justiça doTrabalho; apesar de mantido o preceito pela Carta de 1937, somenteem 1940 é que se deu efetivo cumprimento às regras constitucionais,com a organização da Justiça do Trabalho em: Junta de Conciliação eJulgamento ou Juízes de Direito, Conselhos Regionais do Trabalho eConselho Nacional do Trabalho – todos nomeados sob o sistemaparitário-estatal. Mas é com a Constituição de 1946 que a Justiça Tra-balhista passa a figurar como um dos órgãos do Poder Judiciário, alte-rando-se, com propriedade, a denominação “Conselho” para “Tribu-nal”. Nos presentes dias, tem a Justiça Trabalhista forte atuaçãonormativa e jurisdicional na solução das pendências de natureza laboral,fruto da marcante atuação do Tribunal Superior do Trabalho, dos Tri-bunais Regionais do Trabalho e dos Juízes do Trabalho.

Page 18: RESENHA ELEITORAL

DISCURSO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 13-20, 2008

18

A Constituição de 1988, – e sua linha e vocação democráticas –tem propiciado uma crescente institucionalização do Direito na vidasocial, reclamando do Poder Judiciário postura e solução em face deconflitos antes incogitáveis, ou mesmo em prol de novos e/ou antesexcluídos detentores de direitos.

Ademais, a partir desse instante, passou o Judiciário a figurar comodecisivo personagem no avanço da democracia no país, em especialpor confrontar decisões dos demais Poderes do Estado quando emcolisão com os princípios basilares traçados na Lei Maior.

O Poder Judiciário, de hoje, é integrado por uma Corte Suprema,pelo Superior Tribunal de Justiça e a Justiça Comum, Federal e Esta-dual, e pelas Justiças Especializadas – Militar, Eleitoral e do Trabalho– como também pelo Conselho Nacional de Justiça, incorporado re-centemente pela Emenda Constitucional n. 45.

Por certo, não estamos mais em 1808 ou nos primórdios daedificação da Justiça brasileira, mas tal qual nossos antepassados aindaprocuramos meios e condições de prestar a jurisdição, distribuir justi-ça, ditar o Direito no caso concreto, dar a cada um o que é seu.

O aumento populacional; as carências e necessidades individuais;as aspirações coletivas; as oportunidades e restrições do mercado detrabalho; a desigualdade na distribuição de riquezas; a larga difusãodo conhecimento, seja ele resultante da evolução cultural ou da ex-pansão dos meios de comunicação; o eletrizante avanço tecnológico;a formação da opinião pública mediante a utilização de sistemas dedivulgação de massa; a globalização e a regência da vida contempo-rânea por indicativos da economia mundial são fatores que desafiam asociedade e, em particular, a administração pública brasileira.

Não só nas ações típicas do Executivo ou no disciplinamento eimposição de novas regras de conduta pelo Legislativo, mas, sobretu-do, pelo efetivo e eficaz controle político e social a ser exercitado peloPoder Judiciário.

Como atender a demanda, com a esperada agilidade e observân-cia dos indispensáveis requisitos da qualidade e da segurança?

Como suplantar as deficiências de seu funcionamento, originadas porfaltas materiais e pelo arcaísmo, excessos e formalismo da legislação?

Como acompanhar os novos direitos, como interpretar as regras– em fase de acentuada transformação – da sociedade e de seusvalores?

Page 19: RESENHA ELEITORAL

DISCURSO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 13-20, 2008

19

Como atuar – e cada vez mais – com independência e austeridadeperante as questões políticas, exercitando o controle e impondo corre-ção quanto aos atos perpetrados por aqueles que detêm a representa-ção popular e, temporariamente, o mando, agindo na indeclinável ma-nutenção do estado democrático de direito?

Como ajustar seus organismos, ainda tão distantes entre si, paraque, de forma integrada ou mesmo coordenada, possam observar umaúnica diretriz – planejada, sistematizada e otimizada para cumprir suamissão constitucional?

Enfim, como bem servir?

Certo é que o Poder Judiciário nacional, em momentos marcantescomo este, deve buscar reflexão, para que a veneração aos precurso-res e a lembrança e os ensinamentos deixados pela nossa históriasirvam de inspiração e de aprendizado visando ao aperfeiçoamentode todas as suas Instituições.

Essa a nossa responsabilidade, duzentos anos depois.

Obrigado, Senhor Presidente.

Referências bibliográficas

JACQUES, Paulino. Curso de direito constitucional. 8. ed. Rio de Ja-neiro: Forense, 1977.

WALD, Arnold; MARTINS, Ives Gandra. O bicentenário do Poder Judi-ciário. Supremo Tribunal Federal, 2008. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/bicentenario/publicacao/verPublicacao.asp?numero=232370>.

Page 20: RESENHA ELEITORAL
Page 21: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Page 22: RESENHA ELEITORAL
Page 23: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

23

A NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA RESPONSABILIDADEOU DO PRÉVIO CONHECIMENTO DO CANDIDATO AO PLEITO MA-JORITÁRIO, BENEFICIÁRIO DA PROPAGANDA ELEITORAL VEICU-LADA EM DESACORDO COM O ART. 43 DA LEI N. 9.504/1997, NOÂMBITO ESTADUAL E FEDERAL PARA A APLICAÇÃO DA SANÇÃOPREVISTA NO PARÁGRAFO ÚNICO DO MESMO DISPOSITIVO

Jorge Antonio Maurique *

O caput do art. 43 da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, coma redação que lhe foi dada pela Lei n. 11.300, de 10 de maio de 2006,permite a divulgação paga de propaganda eleitoral na imprensa escri-ta até a antevéspera das eleições, limitando, porém, o espaço utilizadocom o anúncio, por edição, a um oitavo de página de jornal padrão e aum quarto de página de revista ou tablóide por candidato, partido oucoligação.

Quando desrespeitada essa regra, o parágrafo único do mesmoartigo – também alterado pela Lei n. 11.300/2006 – determina a aplica-ção de multa no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) a R$ 10.000,00 (dezmil reais) ou equivalente ao da divulgação da propaganda paga, seeste for maior, aos responsáveis pelos veículos de divulgação e aospartidos, coligações ou candidatos beneficiados.

Adriano Soares da Costa (1998, p. 453), comentando a aplicaçãoda multa prevista no art. 43 da Lei n. 9.504/1997, assevera que deveresponder pela multa o beneficiário que realizou a despesa com a pu-blicação irregular:

Para sua aplicação, deverá se seguir o rito do art. 96 da Lei, com odevido processo legal, sendo responsabilizados individualmente osresponsáveis pelos veículos de divulgação, e os partidos, coligaçõesou candidatos beneficiados. Dizendo de outra maneira: a responsabi-lidade aqui é independente e cumulativa, alcançando o empresárioque admitiu a veiculação, em seu órgão, da propaganda ilegal, bemcomo o partido, candidato ou coligação que p agou a despesa . Valedizer, ou o candidato ou partido, e não os dois conjuntamente. Quemfez o gasto é que deve responder [grifei].

Questão interessante se apresenta com relação à aplicação dasanção prevista no dispositivo antes mencionado aos beneficiários

* Juiz Federal, membro do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina e doConselho Nacional de Justiça.

Page 24: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

24

quando inexiste prova ou mesmo indício da responsabilidade ou, aomenos, do conhecimento prévio dos candidatos a respeito da veiculaçãoilegal.

Não desconheço que tal norma determina a aplicação da penapecuniária aos beneficiários, sendo senso comum que isso ocorra in-dependentemente da comprovação de sua responsabilidade ou doprévio conhecimento da divulgação da propaganda irregular, presu-mindo que os candidatos teriam total domínio da propaganda de suascandidaturas.

Essa presunção se confirma quando a circunscrição do pleito é omunicípio, notadamente o de pequeno porte, em que os candidatospossuem um controle mais efetivo de suas campanhas, pelo contatomais estreito tanto com os seus apoiadores quanto com os periódicosque circulam na região.

Todavia, quando se está diante de uma candidatura à Presidênciada República, na qual a propaganda irregular pode ser feita em qual-quer município do território nacional, por qualquer simpatizante da can-didatura e em um periódico de circulação restrita ao Município-Sededa empresa jornalística, não se poderia falar em controle absoluto docandidato sobre a propaganda eleitoral.

Isso se observa também nas candidaturas majoritárias estaduais.O nosso Estado, por exemplo, possui 293 municípios e um incontávelnúmero de periódicos que não têm abrangência em todo o seu territó-rio, dificultando o controle prévio do candidato sobre o material publi-citário que será divulgado.

Nesses municípios, apoiadores da candidatura majoritária estadu-al ou nacional poderão, visando a favorecer o seu candidato, desres-peitar as regras de propaganda inseridas no art. 43 da Lei das Elei-ções fazendo publicar mensagens de apoio ou mesmo reproduzir ma-terial de propaganda do candidato sem que este ou o seu comitê decampanha nem sequer possuam conhecimento.

Existem casos em que a iniciativa pela propaganda é dos própriosperiódicos, que pretendem demonstrar o apoio a determinada candi-datura. Não raro, nessas hipóteses, os representantes dos veículosde comunicação informam que a propaganda foi publicada gratuita-mente e por iniciativa da própria empresa, sem qualquer participaçãoou contraprestação pecuniária dos candidatos ou das agremiações queos apóiam.

Page 25: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

25

A iniciativa acima mencionada mostra uma situação que pode cor-riqueiramente ocorrer nas campanhas eleitorais, sem qualquer deter-minação, participação, incentivo ou prévio conhecimento dos candida-tos: um dirigente de jornal, para tentar agradar a um candidato ou mes-mo a uma liderança política da sua região, faz publicar a propagandapolítica fora dos padrões legais, por desconhecimento da ilegalidadeou até mesmo pensando estar beneficiando aquela candidatura.

Nesse contexto é que entendo que a participação do candidato napublicação da propaganda – ou pelo menos seu conhecimento prévioa respeito da divulgação – deve ser demonstrada para que seja possí-vel aplicar a respectiva penalidade.

Isso porque os princípios que regem a propaganda eleitoral, entreos quais o da responsabilidade e o da legalidade, em momento algumafastam os demais princípios gerais de direito aplicáveis aos fatos jurí-dicos.

Em interessante artigo publicado no site da Academia Brasileira deDireito Constitucional a respeito da vedação de propaganda institucionalem período eleitoral, Clèmerson Merlin Clève, Paulo Ricardo Schier eMelina Breckenfeld Reck, ao sustentar a inconstitucionalidade do art.73 da Lei das Eleições por estar em confronto com o princípio do devi-do processo legal em sentido formal, discorrem sobre a interpretaçãoconferida pelos Tribunais Eleitorais ao mencionado dispositivo, os quais,em matéria de responsabilização pela publicação de propagandainstitucional, entendem não ser necessária a comprovação do prévioconhecimento do beneficiário.

Considerando que a sanção contida no parágrafo único do art. 43da Lei n. 9.504/1997 possui a mesma natureza das penalidades apli-cadas aos que incidem nas vedações do art. 73 da mesma lei, tenhocomo pertinentes a esta discussão as considerações lançadas no ad-mirável artigo, do qual transcrevo o seguinte excerto:

Na seara do direito sancionatório, isto é, da imposição de restrições àliberdade, a par de considerar a própria norma sancionadora no queconcerne à sua aplicabilidade, ao seu alcance e, mormente, aos prin-cípios que permeiam o seu surgimento (válido/constitucional ou não),insta tecer considerações em relação à responsabilidade daquele queviola a norma repressiva.

No presente estudo, pode-se dizer ser imprescindível análise dessejaez na medida em que a interpretação conferida pelo posicionamentopredominante na Justiça Eleitoral ensejou a adoção de uma espéciede responsabilidade objetiva, uma vez que a configuração da infra-

Page 26: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

26

ção, segundo esse entendimento, não dependeria da demonstraçãode potencialidade de o ato influir no resultado do pleito, e tampouco dacomprovação do prévio conhecimento do beneficiário ou daintimação p ara a retirada da publicidade . Isto é, ainda que, por exem-plo, o candidato desconhecesse a existência de publicidade institucionale, por conseguinte, não tivesse atuado no sentido de obter tal publici-dade, estaria caracterizada a ilicitude.

Mencione-se, desde logo, que as condutas vedadas previstas no art.73 da Lei n. 9.504/97 constituem infrações administrativas.

Pois bem, princípio elementar, com esteio constitucional, em matériade responsabilidade do agente em razão de infrações administrativas,é a culpabilidade, o qual substancia verdadeiro pressuposto de res-ponsabilidade das pessoas físicas, condicionando a aplicação da san-ção à necessidade do agente revelar-se culpável.

Na medida em que, não bastasse o fato de arrimar-se na dignidade dapessoa humana (art. 1o, III, da Lei Fundamental de 1988), o EstadoDemocrático de Direito brasileiro assegura os princípios dapessoalidade (art. 5c, XLV, CF/88) e da individualização da pena (art.5o, XLVI, CF/88), bem como o devido processo legal (art. 5o, LIll, CF/88) e outros direitos e liberdades fundamentais, ex vi do § 2o do art. 5o,decorrentes do direito internacional e do sistema constitucional propri-amente dito, ainda que não expressamente previstos, de modo que éinegável a existência de um princípio da culpabilidade, o qual, por terorigem constitucional, não resta adstrito à seara penal, aplicando-sede forma genérica e visando, mormente, a limitar a atividade punitivado Estado (na qualidade de garantia dos direitos fundamentais ineren-tes à pessoa humana).

Deveras, cumpre, portanto, no direito brasileiro, exigir o princípio daculpabilidade na aplicação das infrações administrativas, visto que oexercício da atividade punitiva estatal há de estar devidamente adstritoao devido processo legal formal e substancial, revestido das garantiasde plenitude de defesa e contraditório, além das inafastáveispessoalização e individualização da pena. Garantias essas que seri-am meramente ilusórias caso não houvesse a exigência de culpabili-dade como fundamento para imposição de sanções administrativas.

Como se vê, então, a culpabilidade é uma exigência inafastável para aresponsabilização das pessoas físicas, decorrente da fórmula substan-cial do devido processo legal e da necessária proporcionalidade dasinfrações e das sanções, resultando imprescindível a análise da subje-tividade do autor do fato ilícito quando se trate de pessoa humana.

Nesse aspecto, preconiza Alejandro Nieto ser pacífica a exigência deculpabilidade para a imposição de sanções. Ao menos tem sido assim

Page 27: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

27

na Espanha, Itália e Alemanha, em legislações recentes e em jurispru-dência e manifestações doutrinárias.

Nesse sentido salienta, ainda, que a Corte Constitucional espanholaassentou a necessidade de constatação da culpabilidade para imposi-ção de uma sanção administrativa, extraindo a exigência de culpabili-dade não do Direito Penal, e sim diretamente da Constituição espa-nhola de 1978.

A propósito Franck Moderne destaca, outrossim, ao analisar a aceita-ção do princípio da culpabilidade em textos de várias legislações euro-péias, especialmente o direito francês, que o Conselho Constitucional,sem embargo seja, em um primeiro momento, discreto na transposi-ção da culpabilidade penal ao direito administrativo repressivo, a re-gra é que a repressão administrativa atenda ao princípio da culpabili-dade, vale dizer, as sanções administrativas não podem ser impostassem que haja um comportamento pessoal do autor da infração, umafalta, que pode ser fruto da intenção do agente ou de sua negligência.

A fim de não restar dúvida quanto à exigência da culpabilidade no queatine às infrações administrativas, indague-se, por oportuno, qual se-ria a efetividade da previsão de ampla defesa, segurança jurídica, le-galidade, devido processo legal, sem falar, mediatamente, na dignida-de da pessoa humana, se não houvesse exigência da culpabilidadepara as pessoas físicas, no direito brasileiro?

Com efeito, o conjunto dessas cláusulas garantistas impõe a exigên-cia da culpabilidade, eis que se trata de evitar e impedir atuações arbi-trárias do Estado. A perspectiva de uma responsabilidade objetiva oude uma falta de culpabilidade traduziria intolerável arbitrariedade dosPoderes Públicos em relação à pessoa humana, em total afronta aomencionado conjunto de normas constitucionais, principalmente nocaso em tela, em que a supressão da responsabilidade subjetiva e anão exigência da culpa prestam-se, como se demonstrou, a restringira importante liberdade fundamental consistente no exercício da cida-dania ativa, qual seja, o direito de concorrer ao pleito eleitoral.

[...]

Vale dizer, constata-se, na Constituição da República de 1988, ao seconsagrar não só o princípio da culpabilidade no que concerne às in-frações administrativas, mas também os princípios de pessoalidade(Art. 5c, XLV) e da individualização da pena (Art. 5c, XLVI), ambos ins-critos como direitos fundamentais da pessoa humana, a existência devedação absoluta a qualquer pretensão estatal de responsabilidadepenal objetiva e também responsabilidade política ou administrativaque venha a atingir direitos fundamentais da pessoa humana, ou seja,outras modalidades de atividades sancionadoras.

Page 28: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

28

Como se vê, é certo que a exigência de culpabilidade, como princípioamplamente limitador da atividade sancionatória estatal, impede quepessoas sejam responsabilizadas com imputações que vulnerem seusdireitos políticos, suas liberdades públicas, de forma meramente obje-tiva, erigindo, de tal sorte, exigência de responsabilidade subjetiva.

Destarte, neste contexto, o entendimento predominante na Justiça Elei-toral, quanto à interpretação do art. 73, VI, b, da Lei n. 9.504/97, deuma só vez, afronta aos princípios do devido processo legal, eis queinobserva a exigência da verificação da culpabilidade, da pessoalidadeda sanção, da individualização da pena, da proporcionalidade, darazoabilidade [grifei].

No caso do art. 43 da Lei das Eleições, o que temos em análise é aaplicação de uma sanção pecuniária de natureza administrativa, ouseja, de uma multa, razão pela qual a responsabilidade do beneficiário,a meu sentir, não pode ser objetiva.

Em se tratando de direito sancionatório, entendo aplicáveis os prin-cípios gerais de direito penal, pois na realidade cuida-se da aplicaçãode pena em decorrência do descumprimento de uma conduta.

E, nesse caso, há que se ter os pressupostos gerais para apunibilidade, que são a imputabilidade, como conjunto de condiçõespessoais mínimas que capacitam o sujeito a fazer o que fez, a consci-ência de antijuridicidade e, por fim, a exigibilidade de conduta diversa,que é uma indicação de que o autor tinha o poder de não fazer o quefez ou, de acordo com a moderna teoria do domínio do fato, no sentidode que poderia evitar que o resultado que a norma pretende impedir seproduzisse.

Portanto, se é possível a responsabilização daquele que tenha sidobeneficiário, é de se esperar que, no mínimo, tivesse ele condições deevitar a propaganda que teoricamente o beneficiou, pois, do contrário,ter-se-ia a responsabilização por simples presunção, o que não é acei-to em nosso ordenamento jurídico.

A aplicação de multa ao candidato beneficiado pela propagandaeleitoral irregular quando não comprovada a sua responsabilidade peladivulgação requer algumas considerações.

É notório que órgãos de imprensa ou mesmo pessoas físicas oujurídicas tentam, de certa forma, agradar aos detentores do poder po-lítico. Isso no caso de uma campanha majoritária de âmbito estadualou nacional, em que é impossível, pela extensão territorial, o candida-to estar presente e controlar pessoalmente toda a propaganda que

Page 29: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

29

será divulgada, o que pode levar a situações em que irregularidadessão cometidas em seu nome sem o seu conhecimento.

Há, ainda, a possibilidade de que um candidato mande publicarpropaganda irregular do opositor não somente para que este, comobeneficiário, seja multado, mas principalmente para criar nos eleitoresa impressão de que aquele candidato não obedece à legislação eleito-ral e, portanto, não merece ser eleito.

Não desconheço que a comprovação da participação do candidatoa Presidente da República ou a Governador, ou de seus prepostos, éuma prova impossível ou pelo menos difícil de ser feita, a não ser quefosse apresentado comprovante de pagamento em que figurariam comoresponsáveis o candidato ou pessoa ligada à sua campanha.

No entanto, entendo que, para a aplicação da multa, dever-se-ia aomenos provar que o suposto beneficiário poderia impedir a publicação.Sem essa prova, entendo não ser possível concluir pela responsabili-dade direta ou indireta de candidatos.

Aliás, a jurisprudência do egrégio Tribunal Superior Eleitoral, emmatéria de responsabilização por conta do art. 43 da Lei 9.504/1997, érelativamente pequena, e os casos de condenação direta dobeneficiário, independente de comprovação de responsabilidade, sãomuito restritos, não havendo nenhuma hipótese de condenação decandidatos a cargos majoritários nos âmbitos estadual e federal.

Nesse sentido, trago à colação a decisão exarada no Agravo deIntrumento n. 2.071/SP, rel. Min. Edson Vidigal, na qual ficou assenta-do que “A propaganda irregular a que se refere a Lei 9.504/1997, art.43, diz respeito exclusivamente à divulgação de matéria paga”, conclu-indo aquela Corte pela não-aplicação de multa ao candidato MárioCovas, que disputava o Governo de São Paulo e tinha sido penalizadopelo Tribunal de origem. No mesmo sentido e com relação ao mesmocandidato, o acórdão proferido no Recurso Especial n. 16.214.

Na análise da possibilidade de aplicação de sanção aos beneficia-dos por propaganda irregular, a questão a ser respondida é se os can-didatos teriam condições de serem responsabilizados pela publicida-de, seja porque agiram buscando a sua publicação, seja porque pode-riam impedir sua divulgação, mas não o fizeram.

Somente no caso de resposta positiva a uma dessas questões é quepoderia a sanção ser a eles imposta.

Não havendo qualquer prova mínima de que solicitaram a publica-ção ao periódico ou de que tiveram conhecimento prévio da divulga-

Page 30: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

30

ção da propaganda irregular, o que lhes permitiria impedir a sua publi-cação, não se lhes pode aplicar nenhuma penalidade.

Desta forma, aplicar uma sanção por responsabilidade objetiva,direta, pelo simples fato de ser o sancionado o beneficiário da propa-ganda ilegal, é muito mais do que condenar por presunção, o que nãoé admitido pela doutrina e jurisprudência pátrias.

Nesse sentido, colho do Tribunal Superior Eleitoral (Respe n.18.979):

– Cobertura jornalística – Divulgação de eventos ligados à coligação –Multa – Matéria jornalística – Atividade inerente à imprensa - Não-inci-dência do art. 43 da Lei n. 9.504/1997.

Publicação de propaganda eleitoral – Iniciativa do jornal – Caracteri-zação de doação – Responsabilidade dos candidatos – Presunção –Impossibilidade.

Recurso conhecido e provido.

Do corpo do venerando acórdão extraio:

Entretanto, verifico que o Tribunal Regional, além de aplicar multa àempresa editora do jornal, também multou os beneficiários, por presu-mir o prévio conhecimento e responsabilidade deles (fl. 93):

“[...]

“De qualquer forma, como a publicação da página 12 utiliza materialde campanha, com os slogans dos candidatos e da Coligação, não hácomo afastar a conclusão alcançada na sentença no sentido de quetinham pleno conhecimento dos fatos e de que se beneficiaram dapublicação.

[...]”.

Mas, ao assim decidir, a Corte Regional entrou em confronto com ajurisprudência desta Corte, consolidada na Súmula n. 17, na medidaem que, para imposição da multa prevista em lei, a responsabilidadepela propaganda irregular não pode ser inferida com base em presun-ções, necessitando ser efetivamente comprovada.

A revogação da Súmula n. 17 do TSE, ocorrida em 16 de abril de2002, em nada altera esse entendimento.

Não tenho dúvidas de que eventualmente se possa presumir a res-ponsabilidade e nessas condições aplicar a penalidade diretamenteao beneficiário, pois poderia ele impedir a propaganda ilícita. Isso ocorreno caso de eleições municipais, notadamente em pequenos e médios

Page 31: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

31

municípios e mesmo em eleições proporcionais. No entanto, não vejocomo, por presunção, condenar os candidatos de uma eleição majori-tária, de nível federal ou estadual, de modo a responsabilizá-los porquaisquer ilícitos ocorridos em qualquer local.

Penso que, nessas condições (eleições majoritárias estaduais efederais), o certo é efetuar uma ponderação sobre a situação para,somente então, na presença de indícios de que o candidato solicitoudireta ou indiretamente a propaganda ou tinha conhecimento de queseria publicada, aplicar a sanção. No caso de um jornal de ampla cir-culação em âmbito estadual ou mesmo local, com projeção estadual,por exemplo, havendo benefício direto ao(s) candidato(s), é possível aresponsabilização, por estarem as publicações de propaganda sujei-tas às inferências dos comitês estaduais.

Agora, não há como se inferir a responsabilidade por uma publici-dade isolada de um pequeno município, quando as provas não indi-cam o conhecimento prévio dos candidatos majoritários.

Em conclusão, aplicar a sanção prevista no parágrafo único do art.43 da Lei n. 9.504/1997 nessa última hipótese, quando a circunscriçãoda eleição for o Estado ou o País, penso, é alargar em muito a possibi-lidade de apenação, muito além do que seria razoável, por se tratar deresponsabilização objetiva dos candidatos beneficiários.

Referências bibliográficas

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Agravo de Instrumento n. 2.071,Brasília, 9 de março de 2000. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em 11 de set. 2007.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral n.16.214, Brasília, 6 de abril de 2000. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em 11 de set. 2007.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso Especial Eleitoral n.18.979, Brasília, 10 de maio de 2001. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em 13 de set. 2007.

CLÈVE, Clèmerson Merlin et al. Vedação de propaganda institucionalem período eleitoral. Disponível em <http://www.abdconst.com.br/colunistas_clemerson_merlin.asp>. Acesso em 17 de set. 2007.

COSTA. Adriano Soares da. Teoria da inelegibilidade e o Direito Pro-cessual Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 453.

Page 32: RESENHA ELEITORAL
Page 33: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

33

A CONSTITUCIONALIDADE DAS RESOLUÇÕES DO TRIBUNALSUPERIOR ELEITORAL E O SEU CONTROLE

Felícit a Sousa Valverde *

Iraê Regina V ieira **

1 INTRODUÇÃO. 2 O PODER REGULAMENTADOR DO TRIBUNALSUPERIOR ELEITORAL. 2.1 HIERARQUIA DAS LEIS. 2.2 ATOS EDI-TADOS PELO TSE. 2.3 LIMITES AO PODER REGULAMENTADORDO TSE. 3 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3.1 ATRIBUI-ÇÕES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 3.2 FORMAS DE CON-TROLE DE CONSTITUCIONALIDADE. 3.3 ESPÉCIES DE CONTRO-LE. 4 COMPOSIÇÃO DO STF X COMPOSIÇÃO DO TSE. 4.1 CON-DUTA DO JUIZ. 4.2 IMPEDIMENTO E SUSPEIÇÃO DO MAGISTRA-DO. 4.3 ENTENDIMENTO DO STF. 4.4 IMPARCIALIDADE DAS DECI-SÕES. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁ-FICAS.

1 Introdução

O Poder Judiciário brasileiro é composto, dentre outros órgãos, peloTribunal Superior Eleitoral (TSE), cuja função específica é exercer ocontrole do processo eleitoral, a fim de possibilitar o exercício dos di-reitos políticos (art. 14 da Constituição da República Federativa do Brasilde 1988).

De acordo com os ensinamentos de Afrânio Filho (1998, p. 36-37),entre as competências da Justiça Eleitoral (as quais não estãodelineadas num dispositivo específico da Constituição – o art. 121 dotexto constitucional remete o assunto à lei complementar –, mas, sim,na legislação infraconstitucional, especialmente no Código Eleitoral)encontramos a competência normativa, que pode ser:

a) funcional, como ocorre quando o TSE e os TREs elaboram os seusregimentos internos; e

b) eleitoral, na hipótese de fixação da data das eleições, quando nãotiver sido fixada por lei.

* Servidora do TRESC, especialista em Direito Público e em Direito Eleitoral.

** Servidora do TRESC, especialista em Direito Eleitoral.

Page 34: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

34

No entanto, a competência normativa desdobra-se, ainda, em duasoutras significativas: a consultiva e a de expedir instruções.

[...]

Por sua vez, a competência normativa de expedir instruções é cometi-da, de modo específico, ao TSE, para a edição de atos normativos decaráter genérico em assunto eleitoral.

Em nosso sistema, há inquestionável superioridade da Constitui-ção – oriunda do poder constituinte – sobre as leis ordinárias e osatos, instruções ou quaisquer regulamentos expedidos, ou seja, exis-te uma hierarquia jurídica que se estende da norma constitucional àsnormas inferiores.

Para garantir a supremacia da Carta Magna, é necessário que hajaum controle sobre as normas expedidas, o qual pode ser formal oumaterial.

Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 268-269):

O controle formal é, por excelência, um controle estritamente jurídico.Confere ao órgão que o exerce a competência de examinar se as leisforam elaboradas de conformidade com a Constituição, se houve cor-reta observância das formas estatuídas, se a regra normativa não fereuma competência deferida constitucionalmente a um dos poderes,enfim, se a obra do legislador ordinário não contravém preceitos cons-titucionais pertinentes à organização técnica dos poderes ou às rela-ções horizontais e verticais desses poderes, bem como dosordenamentos estatais respectivos, como sói acontecer nos sistemasde organização federativa do Estado.

[...]

O controle material de constitucionalidade é delicadíssimo em razãodo elevado teor de politicidade de que se reveste, pois incide sobre oconteúdo da norma. [...]

É controle criativo, substancialmente político.

Sobre o tema ainda preleciona Gilmar Mendes (1990, p. 36):

A inconstitucionalidade material envolve o próprio conteúdo do atoimpugnado, abrangendo não apenas eventual contradição entre a nor-ma constitucional e o ato legislativo ordinário, mas também o chama-do desvio ou excesso de poder legislativo.

O Supremo Tribunal Federal (STF) é o guardião da ConstituiçãoFederal, o que, aos olhos de alguns, o torna um local em que muitos

Page 35: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

35

ambicionam atuar. Conseqüentemente, conforme Paulo Bonavides(2000, p. 268):

[...] o controle acarreta dificuldades consideráveis, em razão de confe-rir ao órgão incumbido de seu desempenho um lugar que muitos têmpor privilegiado, um lugar de verdadeira preeminência ou supremacia,capaz de afetar o equilíbrio e a igualdade constitucional dos poderes.

No tema proposto, esse controle pode ficar comprometido pela com-posição do órgão controlador e do órgão controlado, já que o STF écomposto, em parte, por juízes que integram o TSE.

Daí ser importante que se observe a necessária imparcialidade nasdecisões emanadas por aquele órgão, característica que poderia serabalada pela semelhança de composição das Cortes Superiores.

Deve-se verificar se há limites ao poder de regulamentação do TSEe, caso existam, qual a maneira de controlar o cumprimento de taislimites.

2 O poder regulament ador do T ribunal Superior Eleitoral

Entre os órgãos do Poder Judiciário brasileiro, encontramos o TSE,cuja função específica é controlar o processo eleitoral.

Para Montesquieu (1990, p. 133):

Existem em cada estado três espécies de poder; o poder legislativo, opoder executivo das coisas que dependem do direito das gentes, e opoder executivo daquelas que dependem do direito civil. Pela primei-ra, o príncipe ou o magistrado cria as leis para um tempo determinado,ou para sempre, e corrige ou revoga aquelas que já se acham feitas.Pela segunda, determina a paz ou a guerra, envia ou recebe embaixa-das, estabelece a segurança, evita invasões. Pela terceira, pune oscrimes ou julga as questões dos particulares. Chamar-se-á esta últi-ma, o poder de julgar e a outra, simplesmente, o poder executivo doEstado. [...] Quando numa só pessoa, ou num mesmo corpo de magis-tratura, o poder legislativo se acha reunido ao poder executivo, nãopoderá existir a liberdade, porque se poderá temer que o mesmo mo-narca ou o mesmo senado criem leis tirânicas para executá-las tirani-camente. Não existirá também liberdade quando o poder de julgar nãose achar separado do poder legislativo e do executivo. Se o poderexecutivo estiver unido ao poder legislativo, o poder sobre a vida e aliberdade dos cidadãos seria arbitrário, porque o juiz seria o legislador.E, se estiver unido ao poder executivo, o juiz poderá ter a força de umopressor.

Page 36: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

36

Percebe-se, então, que a separação de poderes, conformeMontesquieu, é meio de controle do efetivo cumprimento da lei. Cadaórgão desempenha uma função predominante – função executiva,legiferante ou jurisdicional –, mas não exclusiva.

Depreende-se dos ensinamentos de Adriano Costa (2002, p. 318)que:

À Justiça Eleitoral, portanto, foi confiada não apenas a resolução dosconflitos de interesses surgidos no prélio eleitoral, mas também a com-petência para organizar e administrar o processo eleitoral, além dafunção de editar regulamentos normativos para as eleições. Assim, aJustiça Eleitoral exerce uma atividade administrativo-fiscalizadora daseleições, compositiva de conflitos e legislativa.

Assim, uma das atribuições do TSE é a função normativa, previstanos arts. 1o, parágrafo único, e 23, IX, da Lei n. 4.737, de 15 de julho de1965, Código Eleitoral, e no art. 105 da Lei n. 9.504, de 30 de setembrode 1997, Lei das Eleições, de suma importância para o andamento doprocesso eleitoral.

De acordo com Edson Castro (2004, p. 48), essa função normativafoi objeto de exame pelo próprio TSE, o qual decidiu que suas resolu-ções têm força de lei ordinária (Recurso Eleitoral n. 1.943, do Rio Grandedo Sul).

Antes de emitir as resoluções, o TSE deve realizar audiência públi-ca para ouvir previamente os delegados dos partidos participantes dopleito, conforme preleciona Olivar Coneglian (2004, p. 370).

Suzana Gomes (1998, p. 174) ensina que as resoluções emana-das do TSE têm caráter cogente e integram a legislação eleitoral.

O tema em pauta, qual seja o poder normativo do TSE, tornou-sebastante atual com a entrada em nosso ordenamento jurídico da Lei n.11.300, de 1o de maio de 2006, e com a edição da Resolução TSE n.22.205, de 23 de maio de 2006.

No desenvolvimento dessa função, alguns pontos devem ser ana-lisados.

2.1 Hierarquia das leis

Acima de todas as leis encontra-se a Constituição Federal, arca-bouço dos direitos e garantias individuais. As leis infraconstitucionaistrazem normas; contudo não podem estas ser interpretadas isolada-

Page 37: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

37

mente sem que se tenha em mente os princípios trazidos na CartaMagna.

Nosso ordenamento jurídico é caracterizado por uma peculiar econstante inserção de novos dispositivos, o que muitas vezes podeimplicar a ocorrência de colisões normativas reais ou aparentes.

Ao deparar-se com um suposto conflito normativo, deve-se verifi-car se há, ou não, uma antinomia aparente, ou seja, se o conflito podeser sanado utilizando-se o critério hierárquico, cronológico ou da espe-cialidade.

De acordo com Norberto Bobbio (1995, p. 203):

O princípio, sustentado pelo positivismo jurídico, da coerência doordenamento jurídico, consiste em negar que nele possa haverantinomias, isto é, normas incompatíveis entre si. Tal princípio é garan-tido por uma norma, implícita em todo ordenamento, segundo a qualduas normas incompatíveis (ou antinômicas) não podem ser ambasválidas, mas somente uma delas pode (mas não necessariamente deve)fazer parte do referido ordenamento; ou, dito de outra forma, a compati-bilidade de uma norma com seu ordenamento (isto é, com todas asoutras normas) é condição necessária para a sua validade.

O critério hierárquico é baseado na superioridade de uma normasobre a outra. A de nível mais alto, qualquer que seja a ordem crono-lógica, terá preferência em relação às de nível mais baixo. Por exem-plo, um conflito entre uma lei e uma resolução ou entre a ConstituiçãoFederal e uma lei implica a aplicação da norma de nível hierárquicomais alto, não havendo que se falar em antinomia, já que esta seráapenas aparente.

Conforme Hans Kelsen (2001, p. 109 e 112):

A unidade do ordenamento jurídico, construído de modo escalonado,parece estar em questão, uma vez que uma norma de grau inferiornão corresponde a uma norma de grau superior determinante, sejaem sua produção seja em seu conteúdo, ou seja, quando é contrária àdeterminação que constitui a supra e a infra-relação do ordenamento.É o problema da norma contrária à norma, que se apresenta aqui: a leiinconstitucional, o regulamento, a sentença ou o ato administrativocontrários à lei ou ao decreto.

[...]

A “norma antinorma” ou é apenas anulável, ou seja, uma norma válidaaté sua anulação e, portanto, norma regular; ou é nula e, então, não énorma. O conhecimento normativo não tolera nenhuma contradição

Page 38: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

38

entre suas normas do mesmo sistema. O possível conflito entre duasnormas válidas de graus diversos é solucionado pelo próprio direito. Aunidade no escalonamento do ordenamento jurídico não é comprome-tida por nenhuma contradição lógica.

Já pelo critério cronológico, deve-se verificar qual a norma, perten-cente ao mesmo escalão, editada em último lugar, pois terá suprema-cia sobre as anteriores.

Uma lei vige de sua publicação à sua revogação, ou até o prazoestabelecido para sua validade – leis temporárias –, subordinando aseus preceitos todos aqueles que por ela são alcançados.

Da Lei de Introdução ao Código Civil – Decreto-Lei n. 4.657, de 4de setembro de 1942 – (NEGRÃO, 2001, p. 27-28), extrai-se:

Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor atéque outra a modifique ou revogue.

§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare,quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente amatéria de que tratava a lei anterior.

§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a pardas já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.

Assim, a norma mais recente, como regra geral, revoga a anteriornaquilo em que disponha de modo diverso.

Pelo critério da especialidade, deve-se verificar se a norma temcaráter geral ou especial.

Uma norma é especial se possuir em sua definição legal todos oselementos típicos da norma geral e mais alguns de natureza objetivaou subjetiva, denominados especializantes (DINIZ, 2002, p. 74).

As resoluções do TSE compõem o ordenamento jurídico brasileiro,apesar de não serem leis no sentido formal, uma vez que não estãosujeitas ao processo legislativo. Ao editá-las, o TSE está apenas exer-cendo sua função normativa delegada pelo próprio Poder Legislativo.

No presente estudo, o critério a que se deve dar ênfase é o hierárquico.

2.2 Atos edit ados pelo TSE

No Código Eleitoral e na Lei das Eleições há previsão de funçãoregulamentar da Justiça Eleitoral, por meio do TSE, haja vista a não-auto-aplicabilidade de algumas normas.

Page 39: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

39

Assim, o TSE age para aclarar o ordenamento jurídico-eleitoral, oque permite que a norma passe a ter eficácia.

Com essa finalidade, aquela Corte edita instruções, as quais neces-sariamente devem ser obedecidas – poder vinculante e com força deregra geral.

De acordo com Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004,p. 49):

São normas relativas ao processo eleitoral propriamente dito as Reso-luções que tratam: do calendário eleitoral; de pesquisas eleitorais; daarrecadação, aplicação e prestação de contas de recursos financeirosnas campanhas eleitorais; das convenções partidárias e registro decandidatura; da propaganda eleitoral e condutas vedadas ao agentespúblicos; dos atos preparatórios; da recepção e fiscalização dos votose garantias eleitorais; da proclamação dos resultados e diplomaçãodos eleitos; das reclamações e representações relativas aodescumprimento da Lei Eleitoral, dentre outras.

Cabe destacar que as instruções oriundas do TSE possuem cará-ter abstrato, tendo por finalidade interpretar, além do Código Eleitoral,as leis esparsas que integram o ordenamento jurídico sobre a matéria.

Extrai-se da doutrina de Thales Cerqueira (2004, p. 142):

As resoluções dos Tribunais Eleitorais servirão para dirimir eventuaisdúvidas em aplicação das leis citadas, estabelecer critérios para osprocedimentos adotados em cada região, autorizado expressamenteo Tribunal Superior Eleitoral pelo art. 105, caput, da Lei 9.504/97.

Mas há limitação a esse poder regulamentador do TSE, conformeveremos a seguir.

2.3 Limites ao poder regulament ador do TSE

Quando o TSE expede suas resoluções, apenas cumpre o que estádisposto no Código Eleitoral – art. 23 – IX, e no art. 105 da Lei dasEleições, onde está previsto que compete àquele órgão expedir as ins-truções normativas que julgar convenientes à execução destas leis.

Esse poder regulamentar está sujeito a limites e não poderia ser deoutra forma. São eles:

a) Limite temporal

O art. 105 da Lei n. 9.504/1997 determina que o TSE expeça instru-ções necessárias à sua execução. Contudo, isso deve se dar até o dia

Page 40: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

40

5 de março do ano em que se realizar o pleito eleitoral, esse o limitetemporal.

Joel Cândido (2003, p. 555) comenta que:

A data de 5 de março do ano da eleição é o termo ad quem para aprovidência determinada neste artigo, nada impedindo – e sendo atérecomendável – que o TSE baixe as resoluções que tiver que editar omais breve possível, sem prejuízo da boa edição dos textos e da cor-reção do processo eleitoral.

Vê-se, assim, que o marco final para a edição de instruções para opleito é o dia 5 de março do ano em que este se realizar, mas pode oTSE antecipar esta providência. Nesse sentido, os ensinamentos tam-bém de Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 78).

b) Limite formal

No entendimento de Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva(2004, p. 81), as normas emitidas pelo TSE devem assumir a forma deinstrução, conforme compreensão do art. 23, XI, do Código Eleitoral.

Desta forma, o TSE expede suas instruções por meio de resoluções.

c) Limite material

Esse limite está relacionado com o conteúdo das instruções, asquais devem esclarecer, tornar aplicável o que já está estabelecido nalei. Ou seja, não pode inovar, criar ou extrapolar a lei.

Já decidiu o STF que, dentro do limite material, deve-se observar oprincípio da razoabilidade (ADI n. 1.407-2).

Contudo, o TSE, em diversas oportunidades, extrapola os limitesantes delineados, criando novas regras “que apresentam em geral ní-tido conteúdo legislativo, às vezes mesmo até alterando textos de leis”,de acordo com Tito Costa (2000, p. 37).

Parece, então, que a expressão “expedir instruções que julgar con-venientes” não é adequada, uma vez que o TSE não pode extrapolaro que já está dito em lei, mas apenas aclarar, dar instruções que vi-sem à fiel execução da lei eleitoral.

Sempre que ocorre excesso na edição de suas resoluções, há umaviolação da Constituição Federal. Baseado nisso é que se verifica a

Page 41: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

41

necessidade de haver um controle sobre as normas editadas pelacolenda Corte Eleitoral.

Importante observar que nem todo ato normativo advindo do TSEpode ser objeto de controle direto de constitucionalidade. O STF temrejeitado a possibilidade do exercício desse controle mediante ação, emface de decreto regulamentador – regulamento propriamente dito –, cujoteor deve ter por finalidade a fiel execução da lei, e não a sua inovação,considerando que aí a questão é de legalidade e não deconstitucionalidade.

Nesse sentido a ADI n. 2.243/DF:

O controle concentrado de constitucionalidade pressupõe descompassode certa norma com o Texto Fundamental, mostrando-se inadequadopara impugnar-se ato regulamentador [...]. [http://www.stf.gov.br, em13.02.2007.]

Noutra vertente, o STF tem aceito o controle de constitucionalidademediante ação no caso de decreto dito autônomo, qual seja, aqueleque ultrapassa os limites da lei que pretende regular .

3 Controle de constitucionalidade

Ao exercer sua função normativa, o TSE, por diversas ocasiões,acaba extrapolando os limites desse poder regulamentador.

Nesse sentido os comentários de Paulo Lacerda, Renato Carneiroe Valter Silva (2004, p. 78):

O Tribunal Superior Eleitoral tem sido constantemente censurado. Ascríticas, em sua maioria, apontam para a exorbitância dos limites de suaatuação normativa e invasão de reserva legal, e até constitucional.

Para exercer um controle que verifique se ao editar uma norma oTSE observou os limites antes referidos, é necessário que exista umórgão fiscalizador. Esse órgão é o STF – no caso do controle concen-trado –, conforme veremos a seguir, que é a forma de controle que nosinteressa neste estudo.

Segundo Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p.71) “as Resoluções dos Tribunais Eleitorais podem ser alvo do contro-le de constitucionalidade, pois se enquadram no conceito de atonormativo descrito no art. 102, I, ‘a’, da Constituição Federal”.

Cabe relembrar a não-aceitação pelo STF do exercício do controlede constitucionalidade mediante ação no caso de decreto regulamen-

Page 42: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

42

tador, considerando que aí a questão é de legalidade e não de consti-tucionalidade.

Recentemente, na ADI n. 3.685-8, que tratou da verticalização, esseentendimento ficou evidenciado na transcrição de trechos das ADIs n.2.626 e 2.628, ambas de relatoria originária do eminente Ministro Syd-ney Sanches, as quais não foram conhecidas tendo em vista a nature-za secundária, interpretativa e regulamentar da Instrução atacada.Extrai-se:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PARÁGRAFO 1o DOARTIGO 4o DA INSTRUÇÃO N. 55, APROVADA PELA RESOLUÇÃON. 20.993, DE 26.02.2002, DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL.ART. 6o DA LEI N. 9.504/97. ELEIÇÕES DE 2002. COLIGAÇÃO PAR-TIDÁRIA. ALEGAÇÃO DE OFENSA AOS ARTIGOS 5o, II E LIV, 16, 17,§ 1o, 22, I E 48, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ATONORMATIVO SECUNDÁRIO. VIOLAÇÃO INDIRETA. IMPOSSIBILIDA-DE DO CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE.

Tendo sido o dispositivo impugnado fruto de resposta à consulta regu-larmente formulada por parlamentares no objetivo de esclarecer odisciplinamento das coligações tal como previsto pela Lei 9.504/97 emseu art. 6o, o objeto da ação consiste, inegavelmente, em ato de inter-pretação. Saber se esta interpretação excedeu ou não os limites danorma que visava integrar, exigiria, necessariamente, o seu confrontocom esta regra, e a Casa tem rechaçado as tentativas de submeter aocontrole concentrado o de legalidade do poder regulamentar. Prece-dentes: ADI n. 2.243, Rel. Min. Marco Aurélio, ADI n. 1.900, Rel. Min.Moreira Alves, ADI n. 147, Rel. Min. Carlos Madeira. (http://www.stf.gov.br, em 13.02.2007.)

3.1 Atribuições do Supremo T ribunal Federal

A Constituição Federal, em seu art. 102, estabelece que, entre ou-tras atribuições, “compete ao Supremo Tribunal Federal,precipuamente, a guarda da Constituição”, exercida sob tríplice as-pecto: originária, em grau de recurso ordinário e em grau de recursoextraordinário.

Compete, então, ao STF garantir que toda norma esteja de acordocom a Constituição Federal, pois, caso contrário, deve ser banida, aindaque em parte, de nosso ordenamento jurídico.

Para tanto, prevê a Constituição formas e espécies de controle,conforme veremos a seguir.

Page 43: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

43

3.2 Formas de controle de constitucionalidade

A idéia de controle de constitucionalidade está ligada à supremaciada Constituição sobre todo o ordenamento jurídico e, também, à derigidez constitucional e proteção dos direitos fundamentais.

Controlar a constitucionalidade significa verificar a compatibilidadede uma lei ou de um ato normativo (decreto, resolução, etc.) com aConstituição, verificando seus requisitos formais, materiais e tempo-rais.

3.3 Espécies de Controle

a) Preventivo: quando a pretensão é impedir que alguma normamaculada pela inconstitucionalidade ingresse no ordenamento jurídi-co; e

b) Repressivo: quando a pretensão é expurgar a norma editadaem desrespeito à Constituição.

Tradicionalmente e em regra, no direito constitucional pátrio, o Ju-diciário realiza o controle repressivo de constitucionalidade, ou seja,retira do ordenamento jurídico uma lei ou ato normativo contrários àConstituição.

Depreende-se da doutrina de Paulo Lacerda, Renato Carneiro eValter Silva (2004, p. 71) que, uma vez que as Resoluções do TSE nãosão editadas segundo o rito legislativo próprio das leis em sentido es-trito, submetem-se apenas ao controle repressivo.

Há dois sistemas ou métodos de controle judiciário deconstitucionalidade repressivo. O primeiro denomina-se concentrado(via de ação), e o segundo, difuso (via de exceção ou defesa).

O controle difuso, também conhecido como controle por via de ex-ceção ou defesa, caracteriza-se pela permissão a todo e qualquer juizou tribunal de realizar, no caso concreto, a análise sobre a compatibi-lidade de uma norma jurídica considerada com a Constituição. É pró-prio da atividade jurisdicional interpretar e aplicar a lei. E, ao fazê-lo,em caso de contradição, deve ser respeitada a Constituição, negan-do-se o uso de norma que a contradiga.

Caracteriza-se, o controle difuso, principalmente pelo fato de serexercitável somente perante um caso concreto a ser decidido pelo

Page 44: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

44

Poder Judiciário. Assim, posto um litígio em juízo, o Poder Judiciáriodeverá solucioná-lo e, para tanto, incidentalmente, deverá analisar aconstitucionalidade ou não da lei ou do ato normativo. A declaraçãode inconstitucionalidade é necessária para o deslinde do caso concre-to, não sendo, pois, objeto principal da ação.

O efeito da declaração, portanto, vale somente entre as partes –inter partes.

Já por meio do controle concentrado, ou por via de ação direta,procura-se obter a declaração de inconstitucionalidade ou de constitu-cionalidade, independentemente do caso concreto. São várias as es-pécies de controle concentrado contemplados pela Constituição:

a) Ação direta de inconstitucionalidade genérica (art. 102, I, “a”);

b) Ação direta de inconstitucionalidade interventiva (art. 36, III);

c) Ação direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2o);

d) Ação declaratória de constitucionalidade (art. 102, I, “a”, parte fi-nal; EC n. 03/1993);

e) Argüição de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, §1o; EC n. 3/1993).

Sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstituciona-lidade e da ação declaratória de constitucionalidade, dispõe a Lei n.9.868, de 10 de novembro de 1999. Segundo seu art. 28, parágrafoúnico, a declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidadetem eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos demaisórgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estaduale municipal.

A Constituição de 1988 ampliou a legitimação para a propositurade ação direta de inconstitucionalidade por ação ou omissão (art.103),que antes só pertencia ao Procurador-Geral da República. Agora, alémdele, cabe também ao Presidente da República, às Mesas do SenadoFederal, da Câmara dos Deputados e das Assembléias Legislativasdos Estados, aos Governadores de Estado e do Distrito Federal (Emen-da Constitucional n. 45/2004), ao Conselho Federal da Ordem dosAdvogados do Brasil, a partido político com representação no Con-gresso Nacional e à confederação sindical ou entidade de classe deâmbito nacional.

Então, como já visto, quando o TSE edita uma resolução, ela ficasujeita ao controle de constitucionalidade, sendo que o controle que

Page 45: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

45

ora nos interessa é aquele efetuado pelo STF – o órgão máximo doJudiciário brasileiro.

Ainda nessa esteira, cabe lembrar que o STF, além do tradicionalcontrole direto exercido, pode também realizar controles difusos, quan-do aprecia recursos ordinários ou extraordinários.

4 Composição do STF x composição do TSE

O STF, com sua sede na capital federal e jurisdição em todo o ter-ritório nacional, compõe-se de onze ministros, escolhidos dentre cida-dãos brasileiros natos com mais de 35 anos e menos de 65 anos, denotável saber jurídico e reputação ilibada, nomeados pelo presidenteda República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta doSenado Federal.

Já a Justiça Eleitoral não possui quadro próprio de magistrados,compondo-se, então, de juízes advindos de diversas carreiras da ma-gistratura, bem como de diversos graus hierárquicos.

Acerca da composição da Justiça Eleitoral, comenta Suzana Gomes(1998, p. 86) que:

Há, assim, uma composição heterogênea, apesar de centrada no pró-prio Judiciário, a quem compete, inclusive, indicar os que irão funcio-nar como Juízes e que são oriundos da advocacia, para que, então,com base nessas listas, o Presidente da República venha a procedera nomeação.

O TSE, que é o órgão maior da Justiça Eleitoral – um dos ramosespecializados da Justiça Federal –, é composto por sete ministros,sendo dois oriundos do Superior Tribunal de Justiça (STJ), dois advo-gados indicados pelo STF e nomeados pelo presidente da República emais três dentre os ministros que integram o STF, sendo esta últimacomposição a de nosso interesse neste estudo.

Observa-se que há alguma coincidência na composição dos doisTribunais, já que três membros integram ambas as Cortes, o que podeparecer um obstáculo ao desempenho fiel da função de guardião daConstituição quando se tratar de análise acerca da constitucionalidadedas resoluções do TSE.

Sobre o tema, os ensinamentos de Paulo Lacerda, Renato Carnei-ro e Valter Silva (2004, p. 72):

A declaração de inconstitucionalidade das instruções normativas doTribunal Superior Eleitoral encontra um óbice de ordem fática. Isso

Page 46: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

46

porque, no momento em que são elaboradas, passam pelo crivo detrês ministros do Supremo Tribunal Federal, que, por força de disposi-tivo constitucional, também compõem o Tribunal Superior Eleitoral.

Entretanto, é notório que o magistrado deve assumir determinadascondutas pessoais, profissionais e éticas, dando-se por impedido oususpeito, se for o caso, conforme veremos a seguir.

4.1 Condut a do juiz

Como bem escreveu Sidnei Beneti (1997, p. 23), “o juiz deve zelarpela dignidade do Judiciário”. Também nos ensina o mesmo autor (1997,p. 44) que “o bom serviço eleitoral se arrima na serenidade e naeqüidistância do juiz”.

Os deveres do juiz decorrem da lei. As prescrições estão contidasna Constituição Federal, na Lei Orgânica da Magistratura, nas normasprocessuais federais, nas constituições dos Estados, nas leis de orga-nização judiciária e nas normas administrativas dos Tribunais.

Conforme Sidnei Beneti (1997, p. 168), são deveres jurisdicionaisgerais:

1o Motivação das decisões (CF, art. 93, IX). 2o Publicidade da atuação(CF, art. 93, IX). 3o Vedação de recebimento por processo (CF, art. 95,parágrafo único), II; LOMAN, art. 26, II, b). 4o Correcionalidade de su-bordinados (LOMAN, art. 35, VII).

Dos deveres jurisdicionais gerais tem-se que o magistrado não devesubmissão a nenhuma hierarquia, ainda que seja diretriz de tribunal,ou à jurisprudência, sendo inadmissível que dê satisfações acerca desuas decisões, a não ser a motivação da sentença.

O juiz possui deveres éticos, os quais são inerentes a um profissio-nal bem formado. Daí surgem alguns deveres que primam pela impar-cialidade, quais sejam: sentimento de justiça, firmeza no decidir, inde-pendência, prudência, senso crítico, obediência à lei, reta intenção,desvinculação, imagem pública de ser comprometido com a justiça,distância político-partidária, motivação das decisões e necessidade dever cumprida a justiça.

O juiz jamais pode se permitir influenciar por meio de comprometi-mentos e envolvimentos com partes interessadas na decisão, deven-do desvincular-se completamente do poder dos ocupantes de cargospolíticos, imprensa, grupos econômicos, religiosos ou sociais. Ou seja,o juiz deve ser independente.

Page 47: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

47

4.2 Impedimento e suspeição do magistrado

Como já dito, a imparcialidade do juiz é pressuposto da atividadejurisdicional.

Segundo Vicente Greco (2006, p. 234-235), a imparcialidade podeser de dois aspectos:

A imparcialidade pode ser examinada sob um aspecto objetivo e umaspecto subjetivo. No aspecto objetivo, a imparcialidade se traduz naeqüidistância prática do juiz no desenvolvimento do processo, dandoàs partes igualdade de tratamento.

[...]

O juiz, que de qualquer modo esteja vinculado à causa, por razões deordem subjetiva, tem comprometida a sua imparcialidade e, portanto,não deve atuar no processo. As razões que comprometem, ou, pelomenos, colocam em risco a imparcialidade do juiz são as razões deimpedimento e de suspeição, conforme relacionadas no Código.

As hipóteses de impedimento do magistrado estão relacionadasno art. 134 do Código de Processo Civil e, as de suspeição, no art.135 do mesmo diploma legal.

O juiz que se achar impedido ou suspeito deve assim declarar-se,sob pena de ser recusado por qualquer das partes.

Dessa forma, questiona-se se o magistrado que compõe o STF eque perante o TSE tenha atuado quando da aprovação em plenáriode resolução acerca de matéria eleitoral deveria declarar-se impedidoou suspeito quando esta for objeto de controle de constitucionalidadeem abstrato pela mais alta Corte do Judiciário brasileiro, sob pena deferir o princípio da imparcialidade, já que esta pode ser colocada sobsuspeita em virtude da atuação do ministro do STF na elaboração doato impugnado – resolução do TSE.

4.3 Entendimento do STF

A edição da Lei n. 11.300/2006 provocou a interposição de açõesdiretas de inconstitucionalidade – ADIs n. 3.741, n. 3.742 e n. 3.743 –,ao argumento de ter sido desrespeitado o art. 16 da Constituição Fede-ral. Segundo esse dispositivo, “a lei que alterar o processo eleitoral en-trará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleiçãoque ocorra até um ano da data de sua vigência”.

Page 48: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

48

Os ministros do STF entenderam que as alterações realizadas pelaminirreforma eleitoral não modificam o processo eleitoral, mas têmapenas caráter procedimental, a fim de tornar mais igualitária a dispu-ta eleitoral, nos termos do voto do relator, Ricardo Lewandowski, oqual também integra o TSE. (ADI n. 3.741, de 6 de setembro de 2006.)

A Resolução TSE n. 22.205/2006, que conferiu aplicação imediataa algumas das regras contidas na Lei n. 11.300/2006, foi implicitamen-te atacada pela ADI n. 3.741. Na oportunidade, pronunciou-se o TSEacerca da hipótese de impedimento ou suspeição de alguns de seusministros. Do voto extrai-se:

Assim, convém assentar, desde logo, que inexiste qualquer óbice aque os Ministros desta Corte, que subscreveram a Resolução em telano Superior Tribunal Eleitoral, participem deste julgamento. Isso por-que, segundo a jurisprudência do Supremo, não se aplicam ao contro-le normativo abstrato os institutos do impedimento e da suspeição con-templados no Código de Processo Civil, pois estes, em nossoordenamento jurídico, restringem-se exclusivamente aos processossubjetivos, ou seja, àqueles que envolvam interesses individuais e si-tuações concretas. Tal entendimento encontra-se consolidado naSúmula 72 do STF. [http://www.stf.gov.br, em 13.02.2007.]

O voto do relator baseou-se na decisão proferida na ADI n. 3.345,onde o tema já havia sido abordado. Vejamos:

Cabe verificar, desse modo, se os eminentes Ministros desta SupremaCorte que, na condição de membros integrantes do TSE, subscreve-ram a Resolução ora impugnada dispõem, ou não, de condições jurí-dico-legais para participar do julgamento da presente ação direta deinconstitucionalidade.

Tenho para mim que inexiste, em relação aos eminentes MinistrosSEPÚLVEDA PERTENCE, ELLEN GRACIE e CARLOS VELOSO qual-quer situação de incompatibilidade que os impeça de exercer as suasfunções jurisdicionais no exame da presente ação direta, eis que éprevalecente, no Supremo Tribunal Federal, o entendimentojurisprudencial quanto à inaplicabilidade, ao processo de controlenormativo abstrato, dos institutos do impedimento e da suspeição.

Com efeito, o Plenário do Supremo Tribunal Federal firmou orientaçãono sentido de que o Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, emboraprestando informações no processo, e os membros desta Corte, inte-grantes do Tribunal Superior Eleitoral, que subscrevem o ato impug-nado não estão impedidos de participar de julgamento de ações dire-tas nas quais seja questionada a constitucionalidade, “in abstracto”,de resoluções emanadas daquela Egrégia Corte Eleitoral. [http://www.stf.gov.br, em 13.02.2007.]

Page 49: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

49

Registra, ainda, o relator, em seu voto, que o mesmo entendimentojá havia sido adotado nas ADIs n. 2.243/DF, n. 2.626/DF, n. 2.628/DF en. 2.321/DF.

Parece, então, consolidado no STF o entendimento de que asimilitude em parte da composição do STF e do TSE não acarreta im-pedimento ou suspeição na participação dos Ministros deste último,integrantes também do STF, no julgamento das ações diretas deinconstitucionalidade propostas em razão da edição de resoluções porparte da Corte Eleitoral, uma vez que não há, nesse caso, uma rela-ção jurídica concreta, mas apenas estará sendo julgada a validade doato normativo em tese.

Mas essa semelhança pode trazer dúvidas quanto a um eventualprejuízo no julgamento, já que poderia ser preterido o princípio da im-parcialidade do magistrado nas decisões.

4.4 Imparcialidade das decisões

O Poder Judiciário, por meio do Supremo Tribunal Federal, julgadiariamente temas polêmicos.

Um ponto importante a ser abordado é o fato de o Poder Judiciáriojulgar a si próprio, principalmente nas ações diretas de inconstitucio-nalidade contra decisões e resoluções emanadas do TSE. Ações des-se tipo levadas a julgamento pelo STF poderiam ser inócuas, por setratar de órgão do mesmo Poder diretamente interessado no resulta-do da demanda, ainda mais se considerarmos que três dos membroscompõem ambos os Tribunais.

Cabe destacar que as decisões do STF são finais, já que não háoutro órgão que as possa rever.

Não podemos esquecer, também, que os ministros do STF sãonomeados pelo presidente da República, o que poderia torná-los sus-cetíveis a decisões parciais, influenciadas pela “gratidão” do cargo aochefe do Poder Executivo.

No entender de Alexandre de Moraes (2005, p. 484) “alteraçõesna forma de investidura dos membros do Supremo Tribunal Federalseriam importantes para a preservação de sua legitimidade e a ampli-ação de sua independência e imparcialidade, tornando-o, efetivamen-te, um dos órgãos de direção do Estado”.

Page 50: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

50

Contudo, jamais podemos esquecer a premissa de que a imparci-alidade é inerente à condição da magistratura, conforme visto anteri-ormente.

A função do juiz é dizer o que é verdadeiro ou falso, o que é certoou errado, o que deve e o que não deve ser juridicamente valorado, oque está ou não conforme a lei e o Direito, o que é justo ou injusto. Eessa função somente será plena se estiver sujeita à lei, e somente aela. Para tanto, o magistrado deve estar alheio aos sujeitos da causae ao poder político.

O juiz tem o dever de ser isento e imparcial. Ele responde perantesua consciência por suas decisões.

5 Considerações Finais

O legislador conferiu à Justiça Eleitoral a função atípica de regula-mentar a legislação eleitoral, tendo as instruções do TSE, por finalida-de, dar eficácia às normas eleitorais, sejam elas constitucionais oulegais, disciplinando-lhes os detalhes.

O poder de regulamentar as leis, em regra, pertence ao presidenteda República; todavia este tem interesse político nas eleições, o quepoderia importar na dificuldade de isenção para o exercício de tal atri-buição.

Dessa forma, parece que, em matéria eleitoral, o único a legislardeveria ser o Judiciário, que não está inserido entre os interessados,ou seja, não é titular de mandato eletivo. Por outro lado, o julgadornão hauriu sua legitimidade a partir do voto popular, devendo o Judici-ário simplesmente aplicar a norma.

Mas, no caso das normas em branco, ao Judiciário cabe definir aesfera de aplicação dos mandamentos ali contidos; deve estabelecerlimites, sem que isso implique interferência na esfera de competênciado Poder Executivo, buscando apenas a lisura do processo eleitoral.

Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Silva (2004, p. 94-95) en-sinam que:

[...] quando o legislador concedeu a função regulamentar à JustiçaEleitoral, criou uma forma de limitação de poder, sem que isso impli-casse numa interferência indevida do Judiciário na esfera de compe-tência de outro Poder, porquanto o fim a ser alcançado é assegurar aliberdade política dos eleitores e a lisura do processo eleitoral. Para

Page 51: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

51

atingir essa finalidade, a Justiça Eleitoral precisa exercer as ativida-des administrativa e normativa.

Há limites ao poder normativo do TSE. Limites constitucionais, le-gais e principiológicos – princípio da igualdade, da separação de po-deres e da razoabilidade (Paulo Lacerda, Renato Carneiro e Valter Sil-va, 2004, p. 98).

Assim, há controle sobre as normas emanadas do Judiciário, a fimde que não ocorra violação à Constituição Federal.

Ocorre que, quando o STF efetua esse controle, a norma passapelo exame de três ministros do Supremo Tribunal Federal, que tam-bém compõem o TSE, o que leva ao questionamento acerca da im-parcialidade das decisões.

Entende o STF que não estão sujeitos a impedimento ou suspeiçãoos ministros que também compõem a Corte Eleitoral. Ora, não haven-do partes propriamente ditas, nem interesses subjetivos, considera-seacertado tal entendimento.

Um bom juiz, nos dizeres de Sidnei Beneti (1997, p. 226), “nãoserá um ser perfeito, mas basta que seja perfeito modelo de ser hu-mano, com o feixe de virtudes a largamente ultrapassar o elenco dedefeitos e que, na atividade jurisdicional, dedique-se com afinco à buscada Justiça”.

O magistrado deve ter plena consciência do importante papel quedesempenha na sociedade, não permitindo deixar-se influenciar aoproferir suas decisões. Jamais pode esquecer que o objetivo maior doDireito é promover a justiça. Contudo, estabelecer o que é justo de-pende de inúmeros fatores, não somente da norma legal. Os princípi-os nunca poderão ser esquecidos, uma vez que são o cerne da normajurídica.

A norma jurídica, por comportar diversas interpretações, mostra queo juiz não pode resumir sua função a aplicar a lei ao caso concreto.Para isso, deverá valer-se de paradigmas que lhe permitam tirar dotexto o verdadeiro alcance da justiça.

O juiz, ao interpretar o Direito, deve recordar-se de que não serveao Estado, mas sim à justiça. Assim procedendo, será a salvaguardada democracia.

O juiz deve ser: imparcial, o que não significa ser neutro ou passi-vo (verdade real); comprometido com o ideal de justiça, e não com o

Page 52: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

52

Estado; independente; sensível, pois é ser humano; acessível; pacifi-cador de conflitos; atento, sempre, às questões éticas.

Inquestionável o fato de que o Brasil merece ter sua Lei Maior res-peitada, e, acima de tudo, julgada com a imparcialidade de ministrosque tenham real mérito para ocupar tal cargo e estejam acima de quais-quer interesses políticos.

6 Referências bibliográficas

BENETI, Sydney Agostinho. Da conduta do juiz. São Paulo: Saraiva,1997.

BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de Filosofia do Direi-to. São Paulo: Ícone, 1995.

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 9. ed. rev. atual.ampl. São Paulo: Malheiros, 2000.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa doBrasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Brasília, DF: Senado,1999.

BRASIL. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Brasília, DF: Sena-do, 1997.

BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de1999. Brasília, DF: Sena-do, 1999.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspe n. 1.943, rel. Min. PedroPaulo Pena e Costa. Brasília, DF, 10 de julho de 1952. Disponível em:<http://www.tse.gov.br>. Acesso em: 14 fev. 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI-MC n. 1.407, rel. Min. Celsode Mello. Brasília, DF, 7 de março de 1996. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.243/DF, rel. Min. MarcoAurélio. Brasília, DF, 16 de agosto de 2000. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.626, rel. Min. SydneySanches. Brasília, DF, 18 de abril de 2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2007.

Page 53: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

53

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 2.628, rel. Min. SydneySanches. Brasília, DF, 18 de abril de 2002. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3.345, rel. Min. Celso deMello. Brasília, DF, 25 de agosto de 2005. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3.685-8, rel. Min. EllenGracie. Brasília, DF, 22 de março de 2006. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: 13 fev. 2007.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADI n. 3.741, rel. Min. RicardoLewandowski. Brasília, DF, 6 de setembro de 2006. Disponível em:<http://www.stf.gov.br/noticias/imprensa/ultimas/ler.asp?CODIGO=207406&tip=LUN&param=3741>. Acesso em: 13 de fev. 2007

CÂNDIDO, Joel José. Inelegibilidades no Direito Eleitoral brasileiro. 2.ed. São Paulo: Edipro, 2003.

CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do Direito Eleitoral. BeloHorizonte: Malheiros, 2004.

CERQUEIRA, Thales Tácito Pontes Luz de Pádua. Direito Eleitoral bra-sileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.

CONEGLIAN, Olivar. Lei das Eleições comentada – Lei 9.504/97 comas alterações das Leis 9.840/99, 10.408/2002 e 10.470/2003. 2. ed.Curitiba: Juruá, 2004.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. Belo Hori-zonte: Del Rey, 2002.

COSTA, Tito. Recursos em Matéria Eleitoral. 7. ed. São Paulo: Revistados Tribunais, 2000.

DINIZ, Maria Helena. Lei de Introdução ao Código Civil Brasileiro inter-pretada. 9. ed., adaptada à Lei n. 10.406/2002. São Paulo: Saraiva,2002.

GOMES, Suzana de Camargo. A Justiça Eleitoral e sua Competência.São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998.

GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil brasileiro. 19. ed. Deacordo com a EC n. 45/2004 e a Nova Reforma do CPC (até a Lei n.11.280/2006). São Paulo: Saraiva, 2006.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito: introdução à problemática ci-entífica do direito. Tradução J. Cretella Jr. e Agnes Cretella São Paulo:Revista dos Tribunais, 2001.

Page 54: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

54

MENDES, Gilmar Ferreira. Controle de constitucionalidade: aspectosjurídicos e políticos. São Paulo: Saraiva, 1990.

MONTESQUIEU, Charles de Secondat. Do Espírito das Leis. Trad. deGabriela de Andrada Dias Barbosa. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1990.(Coleção Universidade de Bolso.)

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 17. ed. atual. com.: aReforma do Judiciário (EC n. 45/04).São Paulo: Atlas, 2005.

NEGRÃO, Theotonio. Código Civil e legislação civil em vigor. 20. ed.atual. até 9 de janeiro de 2001. São Paulo: Saraiva, 2001.

PAULA FILHO, Afranio Faustino de. Sistemas de controle do processoeleitoral. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 1998.

SILVA, Valter Félix da; LACERDA, Paulo José Martins; CARNEIRO,Renato César. O poder normativo da Justiça EleItoral. João Pessoa:Sal da Terra, 2004.

Page 55: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

55

AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDA TO ELETIVOEfeitos da decisão de procedência

Marcus Cléo Garcia

Sheila Brito de Los Santos

1 INTRODUÇÃO. 2 ASPECTOS GERAIS DA AÇÃO DE IMPUGNAÇÃODE MANDATO ELETIVO (AIME). 2.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA. 2.2NATUREZA JURÍDICA. 2.3 LEGITIMIDADE DAS PARTES. 2.4 HIPÓ-TESES DE CABIMENTO. 2.5 RITO PROCESSUAL. 2.6 MOMENTODA PROPOSITURA. 3 EFEITOS DA SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA.3.1 EXECUÇÃO DA DECISÃO. 3.2 PENALIDADES APLICÁVEIS AOCANDIDATO. 3.3 REFLEXOS NO RESULTADO DA ELEIÇÃO. 4 CON-SIDERAÇÕES FINAIS. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

Numa democracia representativa como a nossa, em que os man-datários são eleitos pelo voto direto dos cidadãos, a confiabilidade noprocesso de escolha dos candidatos exsurge como fator determinantena manutenção da paz social, tornando de extrema relevância o estu-do dos mecanismos legais capazes de evitar a contaminação da von-tade popular por práticas abusivas.

Entre esses mecanismos, a ação de impugnação de mandato eletivoocupa lugar de destaque, não só por sua natureza constitucional, mas,também, pelo fato de ter surgido como instrumento destinado a coibircondutas que, ao longo de nossa história política, mancharam o exer-cício do sufrágio.

Todavia, mesmo diante de sua relevância, essa ação permanecesem regulamentação infraconstitucional desde a promulgação da Cons-tituição Federal de 1988, remanescendo carente de um disciplinamentolegal próprio capaz de orientar os julgadores na análise dos casos con-cretos que são submetidos ao crivo da Justiça Eleitoral.

Não há a menor dúvida de que esse vácuo legislativo tem causadoinfortúnios que colocam em risco a efetividade desse relevante instru-mento, já que alimenta dúvidas e questionamentos sobre o alcance dasnormas e, por via reflexa, das decisões judiciais referentes à matéria.

Por essa razão, o estudo dos efeitos decorrentes da procedênciada ação impugnatória, objeto deste artigo, mostra-se de extrema im-

Page 56: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

56

portância, sobretudo se considerados os inevitáveis reflexos que teráno resultado das eleições.

Para tanto, porém, mostra-se imprescindível apontar, ainda que deforma superficial, as principais características dessa ação constitucio-nal, iniciando por sua evolução histórica, passando por sua naturezajurídica e pelos aspectos processuais mais relevantes, para, depois,buscar determinar qual o real alcance das decisões que a julgam pro-cedente por meio da análise crítica dos ensinamentos da doutrina pá-tria e dos julgados do Tribunal Superior Eleitoral.

2 Aspectos gerais da ação de impugnação de mandato eletivo

2.1 Evolução histórica

Como já foi dito, para estudar a atual previsão legal e determinar osefeitos decorrentes da decisão de procedência da ação de impugnaçãode mandato eletivo, necessário, de início, estabelecer suas origens noordenamento jurídico brasileiro.

O primeiro Código Eleitoral, Decreto n. 21.076, de 24.2.1932 – queinstituiu a Justiça Eleitoral no Brasil e adotou o voto feminino e o sufrá-gio universal, direto e secreto –, determinava, em seu art. 97: “Seránula a votação: [...] 3) feita mediante listas de eleitores falsas ou frau-dulentas e [...] 7) quando se provar a coação, ou fraude, que altere oresultado final do pleito”.

O art. 160 da Lei n. 48, de 4.5.1935, que pode ser considerada osegundo Código Eleitoral do país, também previa a nulidade da vota-ção quando “feita em folhas de votação falsas ou fraudulentas, ou nãoestando devidamente assignada a acta de encerramento” e “quandose provar coacção ou fraude”.

Regra do mesmo teor estava prevista no art. 104 do Decreto-Lei n.7.586, de 28.5.1945, que restabeleceu a Justiça Eleitoral após suaextinção pela Constituição de 1937, e na Lei n. 1.164, de 24.7.1950,em seus arts. 124 e 153.

O art. 222 da Lei n. 4.737, de 15.7.1965, atual Código Eleitoral,teve parte de sua redação suprimida. O texto original trazia dois pará-grafos, o primeiro deles com quatro incisos, nos quais se estabeleciaos princípios a serem seguidos em processo cujo objetivo era produzira prova necessária à anulação da votação por falsidade, fraude, coa-ção, etc.

Page 57: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

57

Tal processo apartado, incidente e de rito bastante sumário, deve-ria estar julgado antes da diplomação e, de acordo com a previsão do§ 2o, a sentença anulatória de votação, conforme a intensidade do doloou grau da culpa, poderia denegar o diploma ao candidato responsá-vel, independentemente dos resultados escoimados de nulidades.

Com a revogação de seus parágrafos por meio da Lei n. 4.961, de4.5.1966, o mencionado art. 222 ficou com a seguinte redação: “Art.222. É também anulável a votação, quando viciada de falsidade, frau-de, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego de pro-cesso de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei”.

Em 1986, com a edição da Lei n. 7.493, que regulamentava aseleições gerais daquele ano, o art. 23 estabeleceu: “Art. 23. Adiplomação não impede a perda do mandato, pela Justiça Eleitoral,em caso de sentença julgada, quando se comprovar que foi obtido pormeio de abuso do poder político ou econômico”.

Mas foi a Lei n. 7.664, de 29.6.1988, que disciplinou o pleito muni-cipal daquele ano, que tratou de uma ação de impugnação de manda-to eletivo propriamente dita, ao determinar:

Art. 24. O mandato eletivo poderá ser impugnado ante à Justiça Elei-toral após a diplomação, instruída a ação com provas conclusivas deabuso do poder econômico, corrupção ou fraude e transgressões elei-torais.

Parágrafo único. A ação de impugnação de mandato tramitará em se-gredo de justiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária oude manifesta má-fé.

Norma com semelhante conteúdo ganhou status constitucionalcom a Constituição Federal de 1988, cuja redação dos §§ 10 e 11 doart. 14, além de definir o prazo para a propositura da ação – 15 diasa contar da diplomação –, abandonou as expressões “provas conclu-sivas” e “transgressões eleitorais”, conforme analisaremos no presentetrabalho.

Registre-se, desde já, que a Constituição não estabeleceu rito pró-prio para essa ação, daí advindo a necessidade de construção, doutri-nária e jurisprudencial, de contornos mais definidos para sua aplicação.

De qualquer forma, assim como as demais normas eleitorais, seuobjetivo é garantir que a vontade do eleitor, sufragada nas urnas, sejalivre, consciente e independente, ou seja, que o eleito tenha sido efeti-vamente escolhido pelo povo por ser a pessoa detentora das qualida-des necessárias à missão que lhe foi confiada.

Page 58: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

58

2.2 Natureza jurídica

Outro aspecto imprescindível para a compreensão do tema refere-se à natureza jurídica da ação.

Conforme ensinamento de José Antônio Fichtner (1998), quando aConstituição Federal utiliza o nomen juris ação de impugnação demandato eletivo, “está empregando o termo ação em seu sentido subs-tancial, ou seja, como sinônimo de pretensão, cuja existência precedea própria do direito de ação em sentido processual”.

Com efeito, sendo a ação um direito de índole processual, é autô-nomo, ou seja, independente do direito material que visa reconhecer.Ação é direito subjetivo público, o direito de requerer a tutela jurisdicionaldo Estado-juiz.

Para se perceber mais claramente tal distinção, basta verificar queas condições da ação são a legitimidade ad causam, o interesse deagir e a possibilidade jurídica do pedido; já a pretensão, que no casoespecífico da AIME é afastar do poder o candidato diplomado em de-corrência de irregularidades no pleito, tem como condições a préviadiplomação e a existência de abuso do poder econômico, corrupçãoou fraude nas eleições.

A ação de impugnação de mandato eletivo é de cunho eleitoral,pois visa garantir a legitimidade das eleições; é ação pública, comode resto todas as ações eleitorais, visto que destinada à defesa deinteresse público, qual seja, o respeito à vontade política da nação, aqual deve ser preservada de qualquer vício, abuso ou fraude e é açãoconstitucional, prevista na Constituição.

Evidente sua natureza cível. A impugnação do mandato não é pena,não está condicionada à apuração de crime eleitoral, à prática de fatotípico penal com dolo ou culpa pelo candidato. Registre-se existir pre-visão de tipo penal no art. 299 do Código Eleitoral com esse objetivo.

Se adotarmos a clássica tripartição das ações – de conhecimento,de execução e de cautela –, a AIME deve ser classificada como açãode conhecimento. Isso porque tal classificação leva em conta o provi-mento jurisdicional pleiteado, sendo ação de conhecimento aquela quevise à constituição, modificação ou extinção de relação ou situaçãojurídica.

Após a diplomação o candidato eleito, tornou-se titular de um man-dato político, e é essa situação jurídica que se objetiva desconstituir

Page 59: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

59

com a ação de impugnação ora em estudo, embora seja possível, comose verá, a imposição de outras reprimendas. Portanto, preponderante-mente, é ação de conhecimento e desconstitutiva, ou, como preferemalguns, constitutiva negativa.

Assim, pode-se afirmar que a AIME é ação pública, constitucional,de natureza desconstitutiva, caráter cível e eleitoral.

2.3 Legitimidade

As questões relacionadas às partes da ação impugnatória tambémmerecem destaque.

Do texto constitucional retira-se apenas a legitimidade passiva paraa ação ora em estudo, assim inúmeras são as discussões, doutrináriase jurisprudenciais, acerca da legitimidade para sua propositura.

Partindo-se do pressuposto de que não há nenhuma limitação espe-cífica, seja de ordem legal ou constitucional, e de que todo cidadão é titularda relação jurídica de direito material discutida na AIME – impugnar omandato adquirido por meio de fraude à lisura das eleições –, pode-seconcluir que a legitimidade ativa é conferida a toda pessoa no pleno gozode seus direitos políticos.

Com efeito, todo cidadão detém o direito subjetivo público de umpleito eleitoral escorreito, sem a utilização de métodos ilegais como acorrupção, a fraude ou o abuso de poder econômico: portanto o eleitordetém legitimidade para propor a AIME.

Além disso, conforme leciona Pedro Henrique Távora Niess (2000,p. 287): “As normas restritivas de direito não aceitam aplicação analógicacom a ampliação de seu alcance: a legitimidade particularmente pre-vista para outras ações eleitorais não se impõe sobre a ação deimpugnação de mandato eletivo”.

Ocorre que parte da doutrina discorda desse entendimento.

Joel José Cândido (2004, p. 258), por exemplo, defende que:

Essa amplitude não condiz com a dinâmica célere e específica do Di-reito Eleitoral; enfraquece os partidos políticos; dificulta a manutençãodo segredo de justiça do processado, exigido pela Lei Maior, e propi-cia o ajuizamento de ações temerárias, políticas, e sem fundamentomais consistente, também não tolerado.

Com fulcro nessas razões, inclusive, os tribunais optaram por apli-car, por analogia, o rol previsto no caput do art. 22 da Lei Complemen-

Page 60: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

60

tar n. 64/1990, que define os legitimados para propor investigação ju-dicial, firmando o entendimento de que apenas os partidos políticos, ascoligações e o Ministério Público detêm legitimidade ativa para a AIME,não admitindo ações propostas por eleitor, nesta qualidade (TSE.REspe. n. 21.218).

De qualquer forma, incumbe salientar que o eleitor pode noticiar aoMinistério Público os fatos que ensejam essa ação, para que este tomeas providências cabíveis.

Outra questão que se coloca se refere ao litisconsórcio. Quanto aopólo ativo não resta dúvida: candidatos, partidos, coligações e até oMinistério Público podem atuar isolada ou conjuntamente, como prefe-rirem.

Ocorre que, como não há nenhuma restrição no texto legal, pode-se impugnar tanto o mandato eletivo obtido em pleito majoritário quan-to em pleito proporcional.

Na primeira hipótese, o candidato ao cargo majoritário (presidente,governador, prefeito e senador) e seu vice – ou os suplentes no casodo cargo de senador –, são escolhidos em chapa única, ou seja, os votosque os elegem são os mesmos, razão pela qual, existente algum vícionessa votação, serão igualmente atingidos os mandatos do titular e deseu vice ou suplentes.

Existe, portanto, uma relação de subordinação entre seus manda-tos, o que levou o Tribunal Superior Eleitoral, desde o julgamento doREspe. n. 15.817-ES/2000, a consolidar o entendimento de que nãoexiste litisconsórcio passivo necessário, pois há relação de dependên-cia entre o mandato do vice e o do titular, escolhidos que foram em chapaúnica, tornando-se dispensável, inclusive, a citação do vice1.

Quanto à eleição proporcional, de igual modo, não haverá a forma-ção de litisconsórcio passivo necessário entre o candidato cujo man-dato está sendo impugnado e o partido político pelo qual se elegeu. Issoporque, em sendo julgada procedente a ação, os votos dados a estecandidato serão considerados válidos para a legenda partidária, o queem nada afetará o quociente eleitoral (art. 175, § 4o, CE) e, por conse-guinte, a distribuição das cadeiras legislativas.

1Este entendimento poderá vir a ser revisto pela Corte Superior Eleitoral emrazão do julgamento do RED 703, no qual foi determinada a inclusão do Vice-Governador de Santa Catarina no pólo passivo da demanda, com adeterminação de sua intimação para manifestar-se nos autos, por serlitisconsorte passivo necessário.

Page 61: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

61

2.4 Hipóteses de cabimento

Questões relevantes para a análise do tema também exsurgem doestudo das situações fáticas a autorizar o ajuizamento da açãoimpugnatória.

A Constituição define as três hipóteses que autorizam a impugnaçãode um mandato eletivo: o abuso do poder econômico, a fraude e acorrupção.

Egas Dirceu Moniz de Aragão (apud PUGLIESE, 2001) ensina queas situações concretas que preenchem o significado desses três con-ceitos são as mais diversas:

[...] as três figuras básicas que a Constituição menciona constituemconceitos abertos; não há noções fechadas de abuso de poder econô-mico, de fraude e de coação no processo eleitoral. O exame das dis-posições constantes nos Códigos Eleitorais nada acrescenta. Todospreocupam-se com a falsidade, a fraude e a coação, tendo o atualacrescentado hipóteses aparentemente novas, que no entanto nãoparecem alargar o âmbito de sua incidência e sim melhor explicitá-las,como acontece com o “emprego de propaganda” ou a “captação desufrágios vedados por lei”. Ora, infringir a vedação da lei é fraudá-la;tal violação cabe, pois, no conceito de fraude. Mesmo a “interferênciado poder econômico” ou o “desvio ou abuso de poder de autoridade”cabem na noção de fraude, sendo que o abuso do poder, provindo deautoridade, pode eventualmente constituir coação. Em suma, a dicçãoda norma constitucional parece abarcar tudo quanto se relaciona coma lisura dos pleitos.

Em primeiro lugar, deve-se registrar que em nenhuma das três situ-ações (abuso de poder econômico, corrupção ou fraude) se exige acomprovação da efetiva interferência no resultado das eleições, bas-tando a potencialidade para desequilibrar a disputa, isto é, o benefícioirregular usufruído por um candidato em detrimento dos demais parti-cipantes do certame.

Por outro lado, a perda do mandato não está subordinada à res-ponsabilidade pessoal do candidato; a comprovação dos fatos e a pro-va de sua influência no pleito autorizam, por si sós, o decretocondenatório.

Em um país com tamanha desigualdade social e baixos índices deeducação da população, não é de se estranhar que o abuso de podereconômico ainda seja conduta costumeira no processo eleitoral, em-bora cada vez ocorra com menos freqüência.

Page 62: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

62

Os mecanismos de controle dessa prática tão nefasta à democra-cia sempre estiveram à disposição da Justiça Eleitoral, mas nos últimostempos tem-se visto maior empenho em coibi-la, com a severapenalização dos candidatos que se utilizam desse expediente e o efei-to pedagógico que se espera dela decorra.

É certo que esse abuso será mais facilmente identificado se for pordistribuição de dinheiro, cestas básicas, tratamentos médicos, materi-ais de construção, divulgação excessiva de propaganda paga e hipó-teses do gênero, mas também pode estar revestido de formas bem maissutis e, inclusive, se confundir com outros tipos de abuso.

Pegue-se o exemplo de um candidato, talvez dono de uma frota deautomóveis ou mesmo ônibus, que tenha promovido maciço transpor-te de eleitores, ou ainda, do agente público que se utilize da máquinaadministrativa para oferecer consultas médicas em beneficio de suacandidatura. Trata-se do crime de transporte de eleitores e da figura deabuso do poder de autoridade ou do poder político, mas referem-se,também, ao abuso do poder econômico que possui potencialidade paradesequilibrar a disputa e, portanto, podem ser fundamento da ação deimpugnação.

A respeito desse ponto, convém ressaltar restar consolidada a tesede que o abuso do poder político e o uso indevido dos meios de comu-nicação social não podem ser apurados em sede de AIME quando nãoimportem em abuso do poder econômico.

No que se refere à corrupção , impõe-se observar, desde já, queos requisitos para sua configuração são distintos dos que caracterizama conduta tipificada no art. 299 do Código Eleitoral.

Essa infração penal, além de poder ser praticada por qualquer pes-soa, é de ação múltipla, contendo várias modalidades de conduta, poisproíbe doação, oferta, promessa, solicitação e recebimento. Além dis-so, é crime de mera conduta, não exige nenhum resultado, já que o tipotraz a expressão “ainda que a oferta não seja aceita”. O art. 41-A da Lein. 9.504/1997 igualmente traz dispositivo que visa coibir a captaçãoilícita de sufrágio.

Para fins de ação impugnatória, porém, a conduta tem que ter sidopraticada pelo candidato ou por terceiro que, com seu prévio conheci-mento, tenha agido em benefício de sua candidatura. Sem a compro-vação do vínculo existente entre o agente corruptor e o candidato be-neficiado não há como impugnar seu mandato eletivo, pois um decretocondenatório, ainda mais dessa envergadura, não pode se fundamen-tar em mera presunção.

Page 63: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

63

Há quem defenda que não basta a oferta, promessa ou solicitaçãoe exija a efetiva compra do voto, mas só a análise do caso concretopermitirá tal constatação. Por certo será muito difícil comprovar apotencialidade de mera promessa de bem ou vantagem para compro-meter a normalidade das eleições, mas, e se forem ofertas de grandevalor e reiteradas? Por outro lado, a efetiva compra de apenas umvoto, apesar de ser crime, dificilmente terá potencialidade para influirno resultado das urnas.

O conceito de fraude , por sua vez, não é amplo para fins de AIME.

Nesse sentido, embora seja possível se entender por fraude elei-toral toda conduta tendente a alterar a normalidade e a legitimidadedo processo eleitoral, é firme o entendimento da Corte Superior que ocomportamento fraudulento a ser apurado em ação impugnatória dizrespeito tão-somente ao processo de votação.

Por essa razão, hipóteses outras não são consideradas fraudeseleitorais, como a adulteração de documentos para fins eleitorais –seja para viabilizar inscrições fraudulentas ou para transferência irre-gular de eleitores – ou, ainda, a promoção de concentração de eleito-res com o fim de impedir, embaraçar ou fraudar o exercício do voto.

Há quem defenda que mesmo a prática das condutas ilegais pre-vistas nos arts. 72 e 73 da Lei n. 9.504/1997 poderiam ser fundamen-to da ação de impugnação, mas, como dito, o TSE já se manifestoucontrário a esse entendimento.

O certo é que, após a adoção do sistema eletrônico de votação, asfraudes, bastante difundidas em eleições passadas, relacionadas aoprocesso de votação ou de apuração dos votos, como a adulteraçãode boletins de urna e mapas de apuração ou o chamado voto “formi-guinha”, restaram dificultadas. Talvez por isso sejam raros, atualmen-te, os casos de proposição de AIME com esse fundamento.

Não se pode olvidar, porém, a possibilidade de restarem configu-radas outras situações não tipificadas na legislação eleitoral, mas queobjetivam alcançar resultado proibido ou dificultar o exercício do su-frágio de forma a interferir na legitimidade do pleito, as quais, à vistado caso concreto, poderão autorizar o ajuizamento de AIME com ful-cro na fraude eleitoral.

Independentemente dos fatos que fundamentam a ação, o julgadorsempre deverá analisar a conduta irregular em confronto com os pa-

Page 64: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

64

drões morais e éticos do meio social em que ela foi praticada, pois,tratando-se de conceitos abertos, a apreciação desse elemento sub-jetivo é indispensável na busca da decisão mais justa.

2.5 Rito processual

Outro assunto imprescindível é o rito processual das ações deimpugnação de mandato eletivo, já que, em não existindo dispositivolegal sobre a matéria, muitos debates foram travados a respeito entreos operadores do direito.

Inicialmente, o entendimento jurisprudencial dominante era de que,sendo omissa a legislação, deveria se utilizar o rito ordinário do Códi-go de Processo Civil, conforme determina seu art. 271: “Aplica-se atodas as causas o procedimento comum, salvo disposição em contrá-rio deste código ou de lei especial”.

Como o Código Eleitoral prevê em seu art. 258 o prazo de três diaspara a interposição de recurso eleitoral, entendia-se que, no que se re-fere ao prazo recursal, deveria ser respeitada essa regra especial.

Ou seja, como muito bem denominou Tito Costa (1996), havia um“rito anfibiológico”, que ora aplicava o Código Eleitoral e ora as regrasdo CPC.

Muitos doutrinadores da seara eleitoral, entre eles Joel José Cân-dido (2004, p. 263-266), Pedro Henrique Távora Niess (2000, p. 300-302) e Lauro Barreto, não tardaram a apontar as desvantagens da ado-ção do rito ordinário, o qual, sendo o mais longo dos procedimentos, éincompatível com a celeridade necessária às ações eleitorais.

Alguns autores defenderam a necessidade da promulgação de leiespecífica para tratar da matéria, mas Joel José Cândido sempre ad-vogou que tal legislação era dispensável, haja vista já existir a previ-são, tanto na Lei Complementar n. 5, de 1970, quanto na Lei Comple-mentar n. 64, de 1990, que a revogou, procedimento especialconsentâneo com a natureza das causas eleitorais, qual seja, o ritoprevisto para as ações de impugnação de registro de candidatura.

Com fundamento nessa posição doutrinária, alguns juízes e tri-bunais chegaram a aplicar o rito da Lei Complementar até que o Tri-bunal Superior Eleitoral, em acórdão da lavra do Ministro TorquatoJardim (TSE Ac. n. 11.520), firmou o entendimento de que o rito a

Page 65: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

65

ser obedecido nas ações de impugnação de mandato eletivo era oordinário do CPC.

Casos existiram em que, tendo sido tempestivamente proposta aação, seu desfecho tornou-se inócuo, visto que a demora de suatramitação permitia que o impugnado cumprisse grande parte, se nãotodo o seu mandato conquistado espuriamente.

Esta posição jurisprudencial, em confronto com o entendimento dadoutrina, se perpetuou até 2004, quando a Corte Superior mudou seuentendimento, respondendo à questão de ordem em instrução da relatoriado Ministro Fernando Neves2, cuja ementa abaixo se transcreve:

Questão de Ordem. Ação de impugnação de mandato eletivo. Art. 14,§ 10, da Constituição Federal. Procedimento. Rito ordinário. Códigode Processo Civil. Não-observância. Processo eleitoral. Celeridade.Rito ordinário da Lei Complementar n. 64/90. Registro de candidato.Adoção. Eleições 2004.

1. O rito ordinário que deve ser observado na tramitação da ação deimpugnação de mandado eletivo, até a sentença, é o da Lei Comple-mentar n. 64/90, não o do Código de Processo Civil, cujas disposiçõessão aplicáveis apenas subsidiariamente.

2. As peculiaridades do processo eleitoral - em especial o prazo certodo mandato - exigem a adoção dos procedimentos céleres próprios doDireito Eleitoral, respeitadas, sempre, as garantias do contraditório eda ampla defesa.

O chamado “rito ordinário da Lei Complementar n. 64/90” trata-sedo procedimento previsto no art. 3o desta lei, que define como tramita-rá a ação para impugnação de registro de candidatura.

2.6 Momento da propositura

Por fim, impende dar ênfase ao prazo no qual a ação impugnatóriadeverá ser manejada.

O texto constitucional define que o mandato eletivo poderá ser im-pugnado ante a Justiça Eleitoral no prazo de 15 dias contados dadiplomação.

Ou seja, o constituinte instituiu um prazo dentro do qual o direito àimpugnação do mandato deve ser exercido, o que leva à conclusão dese tratar de prazo decadencial.

2 TSE Res. n. 21.634/2004, de 19.2.2004 – Instrução n. 81 – DJU de 9.3.2004.

Page 66: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

66

Conforme ensinamento de José Antônio Fichtner (1998, p. 81):

Em relação à ação de impugnação de mandato eletivo, temos que odireito à desconstituição da diplomação, por se tratar de direitopotestativo, deve ser impreterivelmente exercido dentro do prazodecadencial constitucionalmente fixado, de 15 dias, contados da datada diplomação (dies a quo).

Como a propositura da demanda impugnatória, de naturezadesconstitutiva, constitui ônus processual do autor, o prazo extintivoopera a decadência do direito objetivamente.

Por força do disposto no art. 184 do Código de Processo Civil, nacontagem desse prazo exclui-se o dia do começo – data em que ocor-reu a diplomação do candidato irregularmente eleito – e inclui-se o dovencimento. Além disso, só começará a fluir em dia útil e é improrro-gável e não se suspende nem se interrompe.

Como faz a cada ano eleitoral, o Tribunal Superior Eleitoral expe-de resolução que institui o Calendário Eleitoral, estabelecendo a data-limite para a realização da diplomação dos candidatos eleitos.

Assim, dependendo do grau de jurisdição eleitoral, caberá ao Tri-bunal Superior, aos tribunais regionais ou aos juízes eleitorais, marcara data da cerimônia de diplomação, a partir da qual fluirá o prazo dequinze dias para a propositura dessa ação, independentemente de ocandidato ter comparecido à cerimônia de diplomação.

Em sua obra, Joel José Cândido (2004, p. 224) ensina que adiplomação, além de ser ato único, que não pode ser fracionado, nãose confunde com a entrega dos diplomas; portanto, se um candidatonão comparecer a cerimônia de diplomação, para a qual, insta salien-tar, ele é apenas convidado, nenhuma conseqüência advirá de suaausência, fluindo normalmente, a partir desta data, os prazos proces-suais para as ações impugnatórias.

3 Efeitos decorrentes da decisão de procedência da AIME

Encerrada a análise introdutória do tema, é possível incursionar nadiscussão a que se propõe este trabalho, qual seja, delinear, à luz dadoutrina e da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral, os aspec-tos referentes à execução da sentença de procedência da ação deimpugnação de mandato eletivo, bem como os seus principais refle-xos na esfera jurídica do candidato e no resultado da eleição.

Page 67: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

67

3.1 Execução da decisão

O primeiro grande questionamento diz respeito à execução da de-cisão que julga procedente a ação impugnatória.

Como já foi dito, a jurisprudência firmou o entendimento de que orito a ser seguido na AIME é o da impugnação ao registro de candida-tura, disciplinado pela Lei Complementar n. 64/1990, cuja decisão so-mente poderá ser efetivada após seu trânsito em julgado, em razãodo que dispõe o art. 15 deste mesmo diploma legal.

Por outro lado, o art. 216 do Código Eleitoral protege o exercíciodo mandato eletivo até o julgamento pela Corte Superior do recursointerposto contra a expedição do diploma.

Diante do teor dessas normas, exsurge a idéia de que somenteapós a formação da coisa julgada seria possível levar a efeito o co-mando inserto no pronunciamento judicial sub examine.

Ocorre que a hodierna jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral– a partir do julgamento da Medida Cautelar n. 1.049/PB, de 21.5.2002,relator designado Min. Fernando Neves –, afastou a incidência dasindigitadas regras, consolidando o entendimento de serem imediatosos efeitos da decisão proferida em sede de ação de impugnação demandato eletivo, a qual poderá ser executada tão-logo seja publicada.

De acordo com a Corte Superior, os dispositivos em questão regu-lam hipóteses fáticas específicas e, por isso, devem ser a elas aplica-dos com exclusividade, observando-se com relação à AIME a regrageral dos recursos eleitorais prevista pelo art. 257 do Código Eleitoral.Nesse sentido: TSE AgRgMC n. 1.833/MA, de 28.6.2006, DJU22.8.2006.

Essa posição, todavia, não é respaldada pela maioria da doutrina,que, de forma contrária, defende o exercício pleno do mandato eletivoenquanto não se operar a coisa julgada, sob a alegação de que “apresunção, conquanto relativa, é da normalidade e legitimidade daseleições”, nas palavras do professor Pedro Henrique Távora Niess(2000, p. 317).

Ademais, conforme aduz esse autor: “O afastamento precoce dodemandado do mandato político no qual foi investido causará prejuízoirrecuperável não só a ele, se a decisão final vier a favorecê-lo, comotambém aos eleitores que o elegeram, ao processo eleitoral de queparticiparam, à democracia”.

Page 68: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

68

No mesmo sentido, Joel José Cândido (2004, p. 266) e Tito Costa(2004, p. 185-186).

Não há como negar que a questão é tormentosa, pois envolve ochoque de dois interesses sociais de idêntica importância no âmbitodo processo eleitoral. De um lado a exigência de se dar efetividade àsdecisões da Justiça Eleitoral, de molde a evitar que o mandato eletivoconquistado de forma espúria venha a ser tardiamente cassado, e deoutro, a necessidade de se preservar, ao máximo, o resultado das elei-ções, a manifestação da vontade popular.

Acerca desse tema, inclusive, convém ressaltar que a Corte Supe-rior, muito embora tenha se posicionado pela execução imediata dadecisão de procedência da AIME, em diversas oportunidades tem con-cedido efeito suspensivo a recursos contra ela interpostos em sedecautelar, ao fundamento de evitar sucessivas alterações no comandoda administração. Nesse sentido: TSE MC n. 1.702, Rel. Min. CaputoBastos.

Pois bem, diante dessa tensão, mostra-se prudente adotar umasolução que não represente a escolha de determinado valor jurídicocom a supressão de outro, mas, sim, que preserve ao máximo cadaum dos interesses que se busca proteger.

Tendo como norte essa premissa e considerando o vácuo legislativoexistente, dever-se-ia construir entendimento jurisprudencial que to-masse emprestado a idéia defendida no projeto de lei de alteração daLei Complementar n. 64/1990, apresentado ao Senado da Repúblicapelo Tribunal Superior Eleitoral, com base em estudos realizados porcomissão de notáveis do direito eleitoral e sob a presidência do ex-Ministro do TSE Walter Costa Porto, o qual, acerca dos efeitos da de-cisão proferida em sede de investigação judicial eleitoral, assim pre-coniza:

Art. 22. [...] XIV – julgada procedente, a qualquer tempo, a representa-ção, o Tribunal declarará, em segunda ou única instância, ainelegibilidade do representado e de quantos hajam contribuído paraa prática do ato, cominando-lhes sanção de inelegibilidade para aseleições a se realizarem nos seis anos seguintes à eleição em que severificou, além de imediata cassação do registro ou do diploma docandidato diretamente beneficiado pelo uso indevido, desvio ou abusodo poder econômico ou de autoridade ou utilização indevida de veícu-los ou meios de comunicação social, determinando a remessa de có-pia dos autos ao Ministério Público Eleitoral, para instauração de pro-cesso disciplinar, se for o caso, e processo-crime, como também à

Page 69: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

69

autoridade fiscal ou ao Tribunal de Contas competente para instaura-ção dos processos cabíveis sem prejuízo de quaisquer outras provi-dências que a espécie comportar. [Brasil. Tribunal Superior Eleitoral.Reforma Eleitoral: delitos eleitorais, prestação de contas (partidos ecandidatos), propostas do TSE. Brasília : SDI, 2005, p. 94.]

Transportando a proposta para o âmbito da ação de impugnaçãode mandato eletivo, a imediata cassação do mandato conferido ao can-didato eleito somente seria possível na hipótese de decisão de proce-dência proferida em segunda ou única instância, ou seja, pelos tribu-nais regionais eleitorais nas eleições municipais ou pelo Tribunal Su-perior Eleitoral nas eleições estadual, federal e presidencial.

Trata-se de exegese que possibilita a convivência harmônica dosvalores já referidos, permitindo que a Justiça Eleitoral possa, em tem-po razoável, punir com eficácia condutas abusivas que macularam oprocesso de escolha dos candidatos, sem que isso represente a su-pressão da vontade popular de forma precária e temerária.

3.2 Penalidades aplicáveis ao impugnado

Outra questão relevante diz respeito aos reflexos da decisão naesfera jurídica do impugnado, no que diz respeito às reprimendas pas-síveis de serem a ele impostas.

A leitura do art. 14, § 10, da Carta Magna leva a entender, numprimeiro momento, que somente seria viável retirar o mandato eletivoconferido ao candidato condenado pela prática de abuso do poder eco-nômico, de corrupção ou de fraude.

Ocorre que essa interpretação restritiva não é aceita pela doutrinamajoritária, a qual defende ser perfeitamente admissível aplicar,concomitantemente à pena de cassação do mandato, a pena deinelegibilidade usualmente utilizada para reprimir as condutas abusivascom potencialidade para influenciar o resultado da eleição, descritaspela Lei Complementar n. 64/1990.

Porém, em que pese a unanimidade quanto à viabilidade de seaplicar ao mesmo tempo as referidas sanções, identifica-se certa di-vergência no que tange às hipóteses em que isso pode ocorrer.

Para Joel José Cândido (2004, p. 262) a aplicação conjunta dapena de inelegibilidade é irrestrita, podendo ser imposta seja qual for

Page 70: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

70

o fundamento invocado para propositura da AIME – abuso do podereconômico, corrupção ou fraude –, já que esses comportamentos pos-suem igual lesividade social.

Já Pedro Henrique Távora Niess (2000, p. 319), como resultadoda conjugação do art. 14, § 10, da Constituição Federal de 1988 e oart. 1o, l, “d”, da LC n. 64/1990, argumenta que a pena de inelegibilidadesomente será imposta no caso de reconhecimento definitivo do abusodo poder econômico ou da fraude e da corrupção, quando indicativosdaquele abuso. Entendimento defendido, igualmente, por Adriano So-ares da Costa (2002, p. 579-586).

De forma ainda mais restrita, Tito Costa (2004, p. 193-194) sufragaa tese de que o decreto de procedência da AIME somente geraria ainelegibilidade do mandatário estivesse fundamentado numa ação deinvestigação judicial eleitoral anteriormente ajuizada. Logo, para esseautor, a propositura direta dessa ação constitucional não teria o con-dão de provocar a aplicação conjunta das reprimendas.

Recentemente, o Tribunal Superior Eleitoral teve de enfrentar aquestão e, ampliando o alcance de decisões pretéritas, acabou porfixar o entendimento de que o candidato condenado, além de perder omandato, encontra-se sujeito à pena de inelegibilidade (em decorrên-cia da prática de abuso do poder econômico), assim como à sançãopecuniária (por captação ilícita de sufrágio), ao fundamento de queessas reprimendas estariam amparadas pelo art. 22 da LC n. 64/1990e pelo art. 41-A da Lei n. 9.504/1997 (TSE, REspe. n. 25.986).

Poder-se-ia argumentar que se está diante de norma punitiva aexigir interpretação restritiva, razão pela qual, diante da ausência deprevisão expressa, a imposição de sanção diversa da contida no dis-positivo constitucional em questão não seria juridicamente aceitável.

Acerca desse ponto, é inegável que o alargamento do âmbito pu-nitivo proposto não poderia estar dissociado das regras que compõemo ordenamento legal de proteção da vontade popular, de molde a im-por restrição à liberdade individual sem amparo na legislação vigente,sob pena de ofensa ao princípio constitucional da legalidade (art. 5o,XXXIX, da Constituição Federal de 1988).

Todavia, muito embora a fraude não encontre punição diversa emnormas infraconstitucionais, tanto o abuso do poder econômico comoa corrupção eleitoral possuem penalidades específicas previstas emlei, como demonstram os dispositivos abaixo transcritos:

Page 71: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

71

Lei Complementar n. 64/1990

Art. 1o São inelegíveis:

I – para qualquer cargo: [...]

d) os que tenham contra sua pessoa representação julgada proceden-te pela Justiça Eleitoral, transitada em julgado, em processo de apura-ção de abuso do poder econômico ou político, para a eleição na qualconcorrem ou tenham sido diplomados, bem como para as que serealizarem nos 3 (três) anos seguintes;

Lei n. 9.504/1997

Art. 41-A. Ressalvado o disposto no art. 26 e seus incisos, constituicaptação de sufrágio, vedada por esta Lei, o candidato doar, oferecer,prometer, ou entregar, ao eleitor, com o fim de obter-lhe o voto, bem ouvantagem pessoal de qualquer natureza, inclusive emprego ou funçãopública, desde o registro da candidatura até o dia da eleição, inclusi-ve, sob pena de multa de mil a cinqüenta mil Ufir, e cassação do regis-tro ou do diploma, observado o procedimento previsto no art. 22 da LeiComplementar n. 64, de 18 de maio de 1990.

Logo, não se está diante de lacuna da lei, já que se extraem doordenamento jurídico dispositivos legais a autorizar a aplicação dereprimenda, como bem ponderou Pedro Henrique Távora Niess (2002,p. 318-319), especificamente com referência à sanção de inelegibili-dade. Afirma o citado autor:

É o abuso do poder, não a via pela qual é argüido, que dá azo àinelegibilidade.

É certo que as normas restritivas de direito não comportam interpreta-ção extensiva.

Mas o texto retro transcrito não menciona que a representação a quese refere é, exclusivamente, aquela de que trata o art. 22 da mesmalei; nem lhe dá conotação meramente administrativa, mas jurisdicional,apesar da denominação que lhe deu. E a ação de impugnação demandato, julgada pela Justiça Eleitoral em processo de apuração deabuso de poder, identifica-se, aí, com a representação mencionada,porque gera o processo legalmente reclamado com decisão trânsitaem julgado. Além disso, a referência a candidato diplomado expandeo campo de incidência do art. 1o, l, “d”, da Lei Complementar n. 64/1990, para além da investigação judicial, limitado pelos incisos XIV eXV, da mesma lei, abrangendo a ação impugnatória.

Ademais, ainda que esse comando constitucional somente façamenção à cassação do mandato, ele não pode ser analisado de for-

Page 72: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

72

ma isolada e estanque, devendo ser compreendido como parte de umplexo normativo, formado por princípios emanados da Constituição ecomandos legais que se destinam a proteger a regularidade e a nor-malidade do pleito e, por conseguinte, a cidadania, pilar do nosso atu-al regime democrático de direito.

Sobre a questão, valiosa a lição trazida por Adriano Soares da Costa(2002, p. 584-585) ao citar nota de rodapé da obra Introdução à Teoriadas Inelegibilidades, escrita por Antônio Carlos Mendes, a saber:

O Min. José Paulo Sepúlveda Pertence, então Procurador-Geral daRepública, acentuou essa característica da interpretação pretorianadas inelegibilidades. Disse: “Na hermenêutica das normas deinelegibilidade, essa colenda Corte, prestigiada pelo egrégio SupremoTribunal Federal, tem dado particular realce à interpretação teleológica,no sentido de dimensionar-lhes o alcance, menos à base de sua estri-ta literalidade do que de modo a ajustá-los aos fins da restrição, nelasimpostas, à capacidade passiva” (Pareceres da Procuradoria-Geral daRepública, Ob. cit., p. 242). O Tribunal Superior Eleitoral fixou diretrizsegundo a qual a “casuística” das inelegibilidades não impede a apli-cação dos métodos de interpretação visando a adaptação da “letra” dopreceito às finalidades do ordenamento jurídico: “Matéria de direitopúblico, à qual não se pode aplicar, à risca, o preceito da interpretaçãoestrita dos dispositivos que instituem exceções às regras gerais firma-das pela Constituição Federal, pois o fim para que foi inserto o artigoda lei sobreleva a tudo. Inadmissibilidade de interpretação estrita, queentrava a realização plena do escopo visado pelo texto” (TSE, Res. N.11.174, BE 368/200 ou a Res. n. 10.019, BE 299, Cadernos de direitoconstitucional e eleitoral 1/127).

Como visto, a interpretação restritiva das normas penalizadoras éde necessária observância, sobretudo quanto ao seu sentido gramati-cal porém não pode ser realizada sem atenção aos princípios e àsdemais normas que compõem todo o sistema jurídico vigente, conso-ante muito bem argumenta o constitucionalista Juarez Freitas (2004,p. 74-75), ao discorrer sobre a interpretação sistemática do Direito,“interpretar uma norma é interpretar o sistema inteiro, pois qualquerexegese comete, direta ou indiretamente, uma aplicação da totalidadedo Direito, para além de sua dimensão textual”.

Assim, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica,consentânea com a hodierna teoria hermenêutica do Direito, tem-seque a amplitude punitiva do art. 14, § 10, da Constituição Federal de1988, defendida por Pedro Henrique Távora Niess e corroborada pela

Page 73: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

73

Corte Superior, é a mais razoável, sobretudo quando considerados opassado político da nação e a vontade da sociedade expressa no tex-to constitucional, que, ao longo dos anos, anseia por um processo elei-toral livre de condutas que possam interferir indevidamente no exercí-cio do sufrágio.

Importante notar, por outro lado, que a ampliação incondicionadadefendida por Joel José Cândido, salvo melhor juízo, não se mostraadequada diante da ausência de normas no sistema jurídico a corro-borar a imposição da sanção de inelegibilidade nos casos de ocorrên-cia, isolada, de corrupção eleitoral ou de fraude.

3.3 Reflexos da decisão no result ado da eleição

Além das questões já analisadas, exsurge outra de extrema im-portância, que, muito embora tenha passado ao largo pela maioria dosdoutrinadores, tem sido objeto de intenso debate nos tribunais pátrios.

Trata-se de identificar quais seriam as conseqüências advindas dadecisão de procedência da AIME sobre o resultado da eleição.

Com efeito, julgada procedente a ação impugnatória, tem-se comoefeito natural – com relação ao qual não há nenhuma discussão – acassação do mandato conferido ao impugnado.

Todavia, a partir dessa conseqüência, indaga-se: os votos conferi-dos ao candidato cassado devem ser considerados nulos e, se for ocaso, realizam-se novas eleições? Ou simplesmente se dá posse aosuplente ou ao candidato mais bem votado depois do impugnado?

Aqui, faz-se necessário um parêntese, para explicitar, de formasucinta, as linhas mestras do sistema de normas que disciplina os efei-tos decorrentes da nulidade das eleições (art. 219 a art. 224, CE), afim de permitir uma melhor compreensão da matéria e, por conseguinte,antever a solução mais adequada para o embate.

A legislação vigente elenca expressamente as hipóteses em que avotação é nula – conhecimento de ofício e sem possibilidade deconvalidação – ou, por outro lado, anulável – prescinde de contesta-ção oportuna, sob pena de ser convalidada –, sendo que entre essasúltimas encontram-se os comportamentos descritos pelos arts. 222 eart. 237 do Código Eleitoral, a saber:

Page 74: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

74

Art. 222. É também anulável a votação quando viciada de falsidade,fraude, coação, uso de meios de que trata o art. 237, ou emprego deprocesso de propaganda ou captação de sufrágios vedado por lei.

Art. 237. A interferência do poder econômico e o desvio ou abuso dopoder de autoridade, em desfavor da liberdade do voto, serão coibidose punidos.

Assim, devidamente comprovada a ocorrência de quaisquer dasindigitadas condutas, a votação deverá ser anulada.

No caso de eleição majoritária, se a nulidade da votação atingirmais de 50% dos votos da circunscrição eleitoral, cujo cargo esteja emdisputa (presidencial, federal, estadual ou municipal), deverá serconvocada a realização de novo pleito no prazo de vinte a quarentadias (art. 224, CE).

Não deverão ser incluídos nesse cálculo os votos nulos decorren-tes de manifestação apolítica do eleitor, conforme recente decisão daCorte Superior (TSE, MS n. 3.438).

Já na hipótese de eleição proporcional, a nulidade dos votos so-mente se operará com relação ao impugnado, remanescendo inalteradaa sua validade para fins de contagem de sufrágios para a legenda,circunstância que não alteraria, por conseguinte, os cálculos dos quo-cientes eleitoral e partidário que definem o número de vagas a serempreenchidas por cada partido ou coligação. Assim, não caberia a reali-zação de nova eleição proporcional, mas a convocação do suplente doimpugnado (art. 175, § 4o, CE).

Entre os doutrinadores eleitorais mais renomados, Pedro HenriqueTávora Niess (2000), um dos poucos a tratar do assunto, se não oúnico, defende a aplicabilidade de referidas regras às decisões profe-ridas no âmbito da ação impugnatória.

De início, porém, não era essa a posição consolidada na jurispru-dência do Tribunal Superior Eleitoral (MC n. 1.851, REsp. n. 21.432,MC n. 1.320) que, em sentido oposto, havia fixado o entendimento deque o disciplinamento da nulidade de votos do Código Eleitoral nãoalcançaria os pronunciamentos judiciais proferidos em açõesimpugnatórias, razão pela qual os sufrágios conferidos aos candidatoscassados deveriam ser considerados válidos.

Esse posicionamento se fundamentava, substancialmente, no ar-gumento de que a AIME tem por objeto a desconstituição do mandatooutorgado e não a anulação de votos, razão pela qual a sua procedên-

Page 75: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

75

cia não acarretaria a renovação do pleito, e sim a diplomação do can-didato remanescente mais bem colocado3.

Isso porque, de acordo com essa posição, a hipótese do art. 224do Código Eleitoral incidiria somente nas hipóteses de nulidade devotos declarada em face das situações previstas nos arts. 220 e 221desse mesmo diploma ou, ainda, em virtude do cancelamento de re-gistro de candidato ou do diploma a ele concedido, mas não no casode cassação do seu mandato.

Posteriormente, todavia, a jurisprudência da Corte Superior evo-luiu (TSE. MS n. 3644), a fim de firmar o entendimento de que as hipó-teses fáticas a fundamentar a ação de impugnação de mandato eletivo– abuso do poder econômico, corrupção e fraude – constituem práti-cas que viciam a manifestação da vontade popular e, por isso, tornaminválidos os votos conferidos aos candidatos cassados, pelo que ha-veria a necessidade de renovação do pleito se a nulidade atingissemais da metade dos votos, nos termos do citado dispositivo.

Nessa oportunidade, foi exaustivamente discutida a necessidadede se observar ou não, no caso de dupla vacância dos cargos do Po-der Executivo municipal, a regra constitucional insculpida no art. 81 dotexto constitucional, in verbis:

Art. 81. Vagando os cargos de Presidente e Vice-Presidente da Repú-blica, far-se-á eleição noventa dias depois de aberta a última vaga.

§ 1o – Ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presi-dencial, a eleição para ambos os cargos será feita trinta dias depois daúltima vaga, pelo Congresso Nacional, na forma da lei.

§ 2o – Em qualquer dos casos, os eleitos deverão completar o períodode seus antecessores.

3De grande valia para a compreensão da matéria, a leitura da decisão proferidano REspe n. 21.327, da Relatoria da Ministra Ellen Gracie, DJU de 31.8.2006,p. 126, que registra o embate travado pelos membros da Corte Superior nasessão de julgamento realizada no dia 4.3.2004, período em que oentendimento sobre a questão ainda estava sendo sedimentado. Naoportunidade, a referida relatora, com fundamentos em decisões até entãoexistentes, defendeu a inaplicabilidade do art. 224 do CE à ação de impugnaçãode mandato eletivo. Em sentido oposto, os Ministros Marco Aurélio, FranciscoPeçanha Martins e Sepúlveda Pertence defenderam a aplicabilidade dodispositivo em comento, ao argumento de que essa ação constitucionalabrangeu o que contém no art. 222 do Código Eleitoral.

Page 76: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

76

Após acirrados debates, conclui-se que a hipótese comporta solu-ção distinta, conforme a cassação do mandato decorra de causa elei-toral ou não eleitoral.

Destarte, o Tribunal Superior Eleitoral posicionou-se no sentido deque a renovação das eleições em razão de dupla vacância dos cargosda chefia do Poder Executivo deverá ser realizada de forma direta quan-do a causa for eleitoral, ou seja, decorra da procedência de ação deimpugnação de mandato eletivo.

Já na hipótese da causa não ser eleitoral, o dispositivo constitucio-nal em comento somente deve ser observado em caso de eleiçõespresidenciais, não sendo de aplicação obrigatória nos pleitos estadu-ais e municipais.

Essa tese, brilhantemente defendida pelo Ministro Cezar Peluzo,alicerçou-se em pronunciamentos do Supremo Tribunal Federal que, àluz do princípio federativo, expressam o entendimento de que as uni-dades federadas possuem autonomia legislativa para definir a formacomo deverão ser escolhidos os sucessores dos chefes do Poder Exe-cutivo que tenham dado azo à dupla vacância dos cargos. Logo, nãocompetiria à Justiça Eleitoral decidir como deveriam ser providos oscargos, e, sim, aos Estados e Municípios.

Em reforço a esse fundamento, o citado julgador fez a seguinteponderação:

[...] o que me parece é que o disposto no art. 81, § 1o, da Constituiçãoda República, é norma excepcional, justificada pelos óbvios custos etranstornos que a eleição presidencial direta implicaria no último biênio,e que, como tal, não se aplica a nenhuma outra hipótese de eleição.Escusaria insistir em que as exceções são de interpretação estritíssima.A regra geral da Constituição – e, pois, a que incide no caso – é quetodas as demais eleições devam ser sempre diretas [TSE. MS n. 3.649].

Pois bem, em que pesem os respeitáveis fundamentos apresenta-dos, esse posicionamento, salvo melhor juízo, encontra-se emdescompasso com a legislação eleitoral de regência e o sistema cons-titucional vigente.

Primeiramente, exsurgem válidos e consentâneos com a naturezaintrínseca dos dispositivos constitucionais e legais atinentes à matériaos argumentos a sustentar a inaplicabilidade do art. 224 do CE às de-cisões de procedência da AIME.

Com efeito, ainda que de difícil distinção, não há que se confundira ação constitucional impugnatória com a ação eleitoral destinada a re-

Page 77: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

77

primir as condutas previstas pelo art. 222 do Código Eleitoral – inves-tigação judicial eleitoral, representação eleitoral e recurso contra expe-dição de diploma –, cujo provimento se encontra sujeito ao comandonormativo supramencionado.

São ações que, embora possam vir a possuir as mesmas partes eidênticas causas de pedir, sempre pugnarão por pedidos distintos, porpronunciamentos judiciais diferentes. Enquanto a primeira buscará adesconstituição do mandato concedido ao candidato eleito, a segundaterá por objetivo a anulação da votação.

Ademais, a votação constitui fase inerente ao processo eleitoral, oqual se encerra com a diplomação dos eleitos, pelo que justificável aincidência das normas legais que o regulam. Já o mandato eletivo éinstituto constitucional que surge no mundo jurídico após encerrado oprocesso eleitoral, razão pela qual reclama disciplinamento diverso.

Nesse diapasão, tem-se que a ausência de legislação específica aregrar a ação de impugnação de mandato eletivo e, por conseguinte,seus efeitos, não constituem motivo suficiente para justificar a aplica-ção analógica do Código Eleitoral, tendo em vista que é possível bus-car nos preceitos fundamentais que regem o preenchimento dos car-gos de chefia do Poder Executivo a solução constitucional e legalmen-te adequada para a hipótese fática sob análise. Se não, vejamos.

Em decorrência da procedência da ação impugnatória, como já dito,o mandato eletivo é desconstituído, sendo o mandatário, necessaria-mente, alijado do cargo que exercia.

Por conseguinte, pode-se afirmar que o cargo restará vago, consi-derando o sentido literal da palavra vacância:

Vacância. substantivo feminino 1 condição ou estado do que não seencontra ocupado ou preenchido; vacatura, vagatura. Ex.: a v. de umcargo não significa que tenha sido posto em perigo todo o cronogramadesta operação; 2 período durante o qual isso ocorre; vacatura,vagatura. Ex.: a v. desse cargo já se estende por cinco meses; 3 Rubri-ca: termo jurídico. Estado dos bens da herança jacente que não foireclamada pelos herdeiros dentro do prazo legal, depois de realizadasas diligências legais; 4 Rubrica: física da matéria condensada. m.q.buraco

Estando vago o cargo, imperioso observar a regra constitucional que,expressa e especificamente, disciplina essa situação no que se refereà Presidência e Vice-Presidência da República, que, por simetria, étambém aplicável às chefias dos Poderes Executivos estaduais e mu-nicipais.

Page 78: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

78

A respeito desse ponto específico, não se pode aceitar a limitaçãonormativa imposta pela Corte Superior às regras estabelecidas pelaConstituição para o processo de escolha em face da vacância dos car-gos do Executivo.

É dizer, diante desse preceito fundamental, que a vacância doscargos do Executivo, em face da decisão que julga procedente deter-minada AIME, deve sempre acarretar a realização de nova eleição di-reta, quando executável nos dois primeiros anos do mandato, ou elei-ção indireta, na hipótese de ser aplicável nos últimos dois anos domandato, independentemente da unidade federativa a que se refira.

Não se pode olvidar que a solução proposta encontra arrimo nãosomente na já destacada e necessária visão sistemática do Direito,mas, sobretudo, nos princípios e regras interpretativas da Constitui-ção, entre os quais destacam-se, na lição de Alexandre de Moraes(2004, p. 46-47), citando Canotilho, o princípio da máxima efetividadeou da eficiência, pelo qual o sentido a ser atribuído a norma constitu-cional deve ser o que maior eficácia lhe conceda, e o da força normativada constituição, segundo o qual deverá ser adotada, entre as interpre-tações possíveis, aquela que garanta maior eficácia, aplicabilidade epermanência dos preceitos fundamentais.

Inafastável, ainda, o princípio basilar da supremacia da Constitui-ção, que a coloca no vértice do sistema jurídico pátrio e impede sejasuplantada pelas demais normas jurídicas que o integram, as quaissempre deverão ser interpretadas em observância e em consonânciacom o texto fundamental, sob pena de incorrerem em flagranteinconstitucionalidade.

Por derradeiro, importa notar que a leitura sugerida já foi fervoro-samente debatida pela Corte Superior, ao longo de quatro sessõesentre os dias 30.9.2003 e 6.11.2003, em razão do julgamento do Agra-vo de Instrumento n. 4.396, da relatoria do Ministro Luiz Carlos Madei-ra (publicado no DJU de 6.8.2004, p. 159), cuja ementa está abaixotranscrita:

Agravo de instrumento. Provimento.

Recurso especial. Eleições municipais 2000. Constituição Federal, art.81, § 1o. Incidência.

Não viola o § 1o do art. 81 da Constituição a convocação de eleiçõesindiretas, após o decurso dos dois primeiros anos de mandato, inde-pendentemente da causa da dupla vacância.

Page 79: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

79

Dissídio jurisprudencial. Não configurado. Decisão monocrática nãose presta para caracterizar dissídio jurisprudencial.

Recurso conhecido, mas desprovido.

Embora a situação fática envolvesse a declaração de inelegibilidadeno bojo do julgamento de pedido de registro de candidatura, foi feitareferência expressa aos efeitos decorrentes da decisão de procedên-cia da AIME.

Na oportunidade formaram-se duas posições antagônicas sobre a in-cidência do comando inserto no § 1o do art. 81 da Constituição Federal.

A primeira capitaneada pelo relator, Ministro Luiz Carlos Madeira,defendendo a aplicação dessa regra constitucional a todos os casos dedupla vacância, sem se fazer qualquer análise acerca das razões quea motivaram, já que não haveria distinção entre as vacâncias segundoas suas causas.

A segunda, apresentada pelo Ministro Carlos Velloso, pugnando pelaobservância desse dispositivo somente no caso de a vacância se dar pormotivos não afetos à jurisdição eleitoral – sem “índole eleitoral”4 –, ocor-ridos, portanto, no decorrer do mandato, como o falecimento, a renún-cia, a desincompatibilização e a cassação de mandato pelo PoderLegislativo.

Ao final, a tese sufragada pelo ministro-relator acabou preponde-rando, corroborada pelos votos dos Ministros Barros Monteiro, PeçanhaMartins e Sepúlveda Pertence, vencidos os Ministros Carlos Velloso,Fernando Neves e Ellen Gracie.

Não há a menor dúvida de que essa decisão é paradigmática e deveservir de suporte para a revisão que se faz necessária na jurisprudên-cia atualmente consolidada do Tribunal Superior Eleitoral a respeito dosefeitos decorrentes da procedência da AIME, na medida em que oentendimento vigente, salvo melhor juízo, passa ao largo dos princípi-os e regras interpretativas das normas constitucionais.

4 Considerações finais

De tudo o que foi exposto, saltam aos olhos os graves problemasenfrentados pelos que batem à porta da Justiça Eleitoral e pelos pró-prios operadores do Direito, em face da ausência de disciplinamento

4Expressão utilizada pelo Min. Nelson Jobim na decisão monocrática proferidana Medida Cautelar n. 1.024, DJU de 5.4.2002, p. 176.

Page 80: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

80

infraconstitucional específico da ação de impugnação de mandatoeletivo, prevista pelo art. 14, § 10, da Constituição Federal.

A omissão legislativa é grave, não somente porque priva o dispo-sitivo constitucional de regulamentação imprescindível à suaefetividade, mas, também, porque sujeita sua aplicação a um comple-xo exercício exegético que, por mais bem intencionado que possa ser,tem por traço distintivo a volatibilidade e a imprecisão das decisõesjudiciais ocasionadas pela inafastável subjetividade dos julgadores,circunstâncias essas que colocam em risco a desejada segurança ju-rídica das relações.

Prova disso são as manifestações pretorianas e doutrinárias aci-ma apontadas a respeito do sentido e alcance da indigitada normaconstitucional, as quais, a par de sua plausibilidade jurídica, apontamas mais diversas respostas que, na maioria das vezes, são diametral-mente opostas, dificultando, em muito, a consolidação de entendimentosobre a matéria.

É certo, porém, que a Justiça Eleitoral não pode deixar de se ma-nifestar sobre a questão em razão da ausência de norma jurídica.

Cabe aos aplicadores do Direito, nesse período de carêncialegislativa, emprestar ao preceito fundamental uma interpretação con-dizente com o sistema jurídico no qual se encontra inserido, buscan-do, primordialmente, no próprio texto constitucional, regras que pos-sam preencher esse vácuo legal para, somente após, valer-se de so-luções fundamentadas na legislação ordinária ou nos métodos deintegração da norma.

Partindo dessa premissa e focando as questões aqui levantadasatinentes aos efeitos decorrentes da decisão de procedência da açãoimpugnatória, conclui-se que:

a) faz-se necessário consolidar o entendimento jurisprudencial deque a execução imediata da decisão que cassar o mandato eletivosomente será possível na hipótese de decisão de procedência profe-rida em segunda ou única instância, ou seja pelos tribunais regionaiseleitorais nas eleições municipais ou pelo Tribunal Superior Eleitoralnas eleições estadual, federal e presidencial;

b) é possível, a partir de uma interpretação sistemática e teleológica,a conjugação do art. 14, § 10, da Constituição Federal de 1988 comos art. 1o, l, “d”, da LC n. 64/1990 e 41-A da Lei n. 9.504/1997, a fim deimpor ao impugnado, concomitantemente à cassação do mandato, a

Page 81: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

81

pena de inelegibilidade, no caso de reconhecimento definitivo do abu-so do poder econômico ou da fraude e da corrupção, quando indicativosdaquele abuso, bem como a sanção pecuniária no caso de restar com-provada a captação ilícita de sufrágio. Posição respaldada pela juris-prudência da Corte Superior;

c) mostra-se juridicamente razoável afastar a aplicabilidade do art.224 do Código Eleitoral com a necessária observância da regra conti-da no art. 81 da Constituição Federal, cuja aplicação, em razão dosprincípios que regem a hermenêutica constitucional, não deve se limi-tar aos cargos de Presidente e Vice-Presidente da República, deven-do ser determinada, de igual modo, a realização de nova eleição nocaso de vacância dos cargos do Executivo estadual e municipal, a qualdeverá ser direta se ocorrer nos dois primeiros anos do mandato eindireta na hipótese de a vaga se perfazer nos últimos dois anos domandato5.

5 Referências bibliográficas

Brasil. Tribunal Superior Eleitoral. Reforma Eleitoral: delitos eleitorais,prestação de contas (partidos e candidatos), propostas do TSE. Brasília:SDI, 2005.

BARRETO, Lauro. Investigação judicial eleitoral e ação de impugnaçãode mandato eletivo. Bauru, SP: Edipro,

CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral brasileiro. 10. ed. Bauru, SP:Edipro, 2004.

COSTA, Tito. Recursos em matéria eleitoral. 8. ed. São Paulo: RT, 2004.

______. Algumas considerações sobre a ação de impugnação de man-dato eletivo. Revista Paraná Eleitoral, Curitiba, v. 22, abr./jun. 1996, p. 33.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 5. ed. BeloHorizonte: Del Rey, 2002.

5Impende ressaltar que, recentemente – após a elaboração deste artigo noinício de 2007 –, o Tribunal Superior Eleitoral veio a reconhecer a aplicabilidade,por simetria, do art. 81, § 1

o, aos Estados e Municípios, independentemente

da causa da vacância ser ou não eleitoral, determinando, por isso, a realizaçãode eleição indireta em face de decisão de procedência de AIME proferida nosegundo biênio de mandato de prefeito. (TSE. AgRegMC n. 2.3003.)

Page 82: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

82

DECOMAIN, Pedro Roberto; PRADE, Péricles. Comentários ao Códi-go Eleitoral. São Paulo: Dialética, 2004.

FERREIRA, Pinto. Código Eleitoral comentado. 5. ed. São Paulo: Sa-raiva, 1998.

FICHTNER, José Antonio. Impugnação de mandato eletivo. Rio deJaneiro: Renovar, 1998.

FREITAS, Juarez. Interpretação sistemática do Direito. 4. ed. São Pau-lo: Malheiros, 2004.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas,2004.

NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos: elegibilidade,inelegibilidade e ações eleitorais. 2. ed. Bauru, SP: Edipro, 2000.

PINTO, Djalma. Direito Eleitoral: anotações e temas polêmicos. Rio deJaneiro: Forense, 2000.

PUGLIESE, Wallace Soares. Aspectos polêmicos da ação deimpugnação de mandato eletivo. Revista Paraná Eleitoral, Curitiba, v.40, abr./jun. 2001.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional positivo. 22.ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

BRASIL. TSE. Ac. n. 11.520, de 26.8.1993. Rel. Min. Torquato Jardim.

Page 83: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

83

DA LEGITIMIDADE ATIVA DO ELEITOR PARA A AÇÃO DEIMPUGNAÇÃO DE MANDA TO ELETIVO

Aspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários

Alexandre Roberto Berenhauser *

Edmar Sá **

Resumo

Este artigo tem por objetivo discutir a questão da legitimidade ativado eleitor para a Ação de Impugnação de Mandato Eletivo (AIME). Nema Constituição Federal de 1988 nem a legislação infraconstitucionalestabeleceram, expressamente, quem teria legitimidade para oajuizamento dessa ação. A jurisprudência, principalmente do TribunalSuperior Eleitoral, ao enfrentar o tema, decidiu que, por ausência deprevisão constitucional e legal, o simples eleitor – aquele que, por exem-plo, não é candidato – não possui legitimidade ativa para a propositurada AIME. Na doutrina, não há ainda um entendimento pacífico. Algunsautores concordam com a possibilidade de o eleitor figurar no seu póloativo e outros discordam. O eleitor deve possuir a legitimidade paraatuar no pólo ativo da AIME, pois esta consiste em um importante ins-trumento para o controle do processo eleitoral e a preservação da de-mocracia, da cidadania e da soberania.

Palavras-chave: Legitimidade. Eleitor. Ação de impugnação de man-dato eletivo.

Abstract

The objective of this article is discussing the elector’s activelegitimacy to propose the “Ação de Impugnação de Mandato Eletivo”(AIME). Neither the Brazilian Constitution nor the infraconstitucionallaw determined who would have the legitimacy to propose it. Thejurisprudence, mainly that originated by the Brazilian Electoral SupremeCourt, decided that the ordinary elector – who that, for example, is not

* Servidor do TRESC, bacharel em Direito/UFSC, especialista em DireitoEleitoral.

** Servidor do TRESC, bacharel em Direito/Univali, especialista em DireitoEleitoral.

Page 84: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

84

candidate – does not have the active legitimacy to propose the AIME,as there is not a legal prevision for that. Nevertheless, authors do notagree entirely. Some defend the elector is an active agent to proposethe AIME while some defend the opposite. The elector must be an activesubject to propose the AIME, as an important instrument of the electoralprocess control aiming the maintenance of democracy, citizenship andnational dominion.

Keywords: Legitimacy. Elector. “Ação de Impugnação de MandatoEletivo”.

Sumário

1 INTRODUÇÃO. 2 AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO.2.1 EMBASAMENTO NORMATIVO. 2.2 CONCEITO. 3 DA LEGITIMI-DADE ATIVA DO ELEITOR PARA A AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DEMANDATO ELETIVO. 3.1 ASPECTOS LEGAIS. 3.2 ASPECTOSJURISPRUDENCIAIS. 3.3 ASPECTOS DOUTRINÁRIOS. 4 CONSIDE-RAÇÕES FINAIS. 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

A Constituição Federal de 1988, ao dispor sobre a ação deimpugnação de mandato eletivo (AIME), não estabeleceu, expressa-mente, diversos aspectos a ela relacionados, entre os quais a legitimi-dade para propô-la, o rito adequado a ser seguido em sua tramitação,seus prazos e os recursos cabíveis. Também ainda não foi editada, atéo momento, nenhuma norma infraconstitucional que regulamente talinstituto previsto na Constituição Federal.

Diversos problemas decorrem da falta de definição desses aspec-tos por parte da Constituição Federal e da legislação infraconstitucional,como, por exemplo, se o eleitor teria a legitimidade ativa para intentartal ação.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em algumas oportunidades, jáse pronunciou em relação a esse tema, estabelecendo que o simpleseleitor não possui legitimidade ativa para a AIME. Estaria a decisão doTSE correta ao restringir a legitimidade do eleitor onde o texto constitu-cional não o fez?

Este artigo tem o intuito de tratar da definição da legitimidade ativa,especificamente em relação ao eleitor, para a propositura da AIME,

Page 85: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

85

considerando a controvérsia a respeito e com o objetivo de contribuirpara a fixação de um entendimento o mais justo possível, seja aceitan-do-o como parte ativa, seja excluindo-o do rol dos legitimados. Partiu-se da premissa de que ninguém pode ter seus direitos restringidos,senão em virtude de lei, pois é fundamental que todos possam exercera cidadania em sua plenitude.

A primeira parte do trabalho aborda os aspectos conceituais daAIME, bem como o seu embasamento normativo. Já a segunda parteentra especificamente na legitimidade ativa do eleitor considerando osaspectos legais, jurisprudenciais e doutrinários que envolvem o tema.

2 Ação de impugnação de mandato eletivo

A AIME constitui um importante instrumento colocado à disposiçãodos legitimados para coibir os abusos praticados durante as campanhaseleitorais, para que os governantes ou os parlamentares eleitos respei-tem a vontade popular, o interesse público, enfim, para que o candida-to chegue ao poder sem incorrer em nenhum tipo de abuso de podereconômico, corrupção ou fraude.

2.1 Embasamento normativo

A AIME não foi uma inovação trazida pela Constituição Federal de1988. Inicialmente, ela foi prevista nas Leis n. 7.493, de 17.6.1986, e n.7.664, de 29.6.1988. Por fim, foi prevista constitucionalmente em 1988.

Na atual Constituição, a AIME está prevista no art. 14, §§ 10 e 11,os quais dispõem:

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal epelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos dalei, mediante:

[...]

§ 10 - O mandato eletivo poderá ser impugnado ante a Justiça Eleito-ral no prazo de quinze dias contados da diplomação, instruída a açãocom provas de abuso do poder econômico, corrupção ou fraude.

§ 11 - A ação de impugnação de mandato tramitará em segredo dejustiça, respondendo o autor, na forma da lei, se temerária ou de mani-festa má-fé.

Ressalta-se que o legislador federal ainda não regulamentou essaação. Então, o TSE estabeleceu, pela Resolução n. 21.634/2004, em

Page 86: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

86

questão de ordem, que o rito ordinário a ser seguido é o previsto na LeiComplementar n. 64/1990 – referente à impugnação a registro de can-didato –, e não aquele estabelecido no Código de Processo Civil.

2.2 Conceito

A AIME visa a impugnar o mandato eletivo conseguido por meiodas condutas previstas na Constituição Federal, em seu art. 14, § 10.Deve ser proposta em até quinze dias, contados da data da diplomação.A Constituição silenciou quanto à legitimidade para a sua propositura.

Ela pode ser definida como uma ação constitucional, colocada àdisposição dos legitimados, que tem por desiderato decisão de perdade mandato eletivo obtido por meio de comprovada prática de abusodo poder econômico, corrupção ou fraude (SOBREIRO NETO, 2000,p. 199).

O objetivo da ação é livrar o mandato eletivo de suspeitas, levanta-das no meio social, de que a sua origem está eivada por práticas abusivasespecíficas, durante a campanha eleitoral (MOTA, 2002, p. 289).

Então, a AIME visa à garantia e à defesa dos interesses difusos doeleitor:

[...] que foram manipulados no exercício do voto, votando num proces-so eleitoral impregnado pela fraude, corrupção e abusos, onde o man-damento nuclear do voto como princípio fundamental da soberaniapopular e político constitucional, é nulo de pleno direito, conforme dis-põe o art. 175, § 3o, do Código Eleitoral, porque, o responsável pelaspráticas ilícitas, é considerado inelegível e, os votos atribuídos aoscandidatos inelegíveis, são votos essencialmente nulos de pleno direi-to [RAMAYANA, 2004, p. 339-340].

Tal ação busca a tutela do interesse público no que diz respeito àgarantia da moralidade para o exercício de mandato, ou seja, protegera probidade administrativa e resguardar o direito público subjetivo aum governo honesto (MENDES, 1996, p. 332)

Constitui essa ação a última oportunidade para impedir que o can-didato que cometeu abuso do poder econômico, corrupção ou fraudeconsiga exercer o mandato alcançado de forma irregular. Anteriormen-te ao seu prazo de propositura, podem ser ajuizados, ainda, a ação deinvestigação judicial eleitoral (prevista no art. 22 da Lei Complementarn. 64/1990) e o recurso contra diplomação (previsto no art. 262 doCódigo Eleitoral).

Page 87: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

87

Joel José Cândido (2004, p. 256) exemplifica os atos que podemser coibidos pela ação de impugnação de mandato eletivo:

[...] abuso do poder econômico em qualquer fase do processo eleito-ral, pouco importando se na propaganda ou no dia da eleição; corrupçãocausada por influência econômica ou corrupção moral; fraude comosinônimo de engodo, ardil, abuso de confiança, logro prejudicial, etc.Não se pode admitir que o legislador maior tenha querido punirum sentido e não tenha querido o outro . [Grifo nosso.]

Assim, o autor dá a interpretação mais abrangente possível aosatos que podem ser combatidos por meio dessa ação.

A AIME tem o objetivo de atacar o mandato eletivo e não adiplomação. Esta, com efeito, constitui-se somente numa solenidadeem cuja data tem início o prazo para o ajuizamento da ação. Ressalta-se que, para atacar a diplomação, existe o recurso contra a diplomação,que deve ser interposto no prazo de três dias.

Em relação à competência para o seu julgamento, o juízo eleitoralque registrar e diplomar o réu será o competente para conhecer e jul-gar a AIME1.

3 Da legitimidade ativa do eleitor p ara a ação de impugnação demandato eletivo

É pacífico, tanto na doutrina como na jurisprudência, o entendi-mento de que o Ministério Público Eleitoral, os partidos políticos, ascoligações e os candidatos são legitimados ativos para propor a AIME.

Contudo, faz-se necessário o esclarecimento em relação ao elei-tor. Teria ele o direito ou o interesse em ajuizar essa ação para garan-tir a lisura do processo eleitoral?

3.1 Aspectos legais

A Constituição Federal não traz expressamente o rol dos legitima-dos para a propositura da AIME, mas também não faz nenhuma res-salva ou proibição de pessoas ou órgãos para nela atuar como parteativa. E também não existe lei infraconstitucional que regulamente a

1 Entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência.

Page 88: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

88

ação, definindo-lhe, pelo menos, o rito a ser seguido, nem quem podeser seu autor, entre outros aspectos.

Considerando essa falta de previsão legal tanto na ConstituiçãoFederal como na legislação infraconstitucional, pode-se concluir queo eleitor não poderia ter cerceado o seu direito de impugnar o manda-to eletivo por meio da AIME.

E, ainda, mesmo que existisse legislação infraconstitucional quetrouxesse restrição à legitimidade ativa do eleitor, essa poderia serconsiderada inconstitucional, pois, em vez de simplesmente regula-mentar, estaria restringindo onde o constituinte não o fez.

Considerada somente a legislação, pode-se concluir que não exis-te vedação legal para que o eleitor atue como parte ativa na AIME.

Por esses motivos, não se deve concordar com o entendimento deque, por analogia, os legitimados ativamente para a AIME seriam osmesmos da ação de impugnação a pedido de registro de candidatura(AIRC).

3.2 Aspectos jurisprudenciais

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e o Tribunal Regional Eleitoralde Santa Catarina (TRESC), todavia, ao enfrentarem o tema, decidi-ram que, por ausência de previsão legal, o simples eleitor não possuilegitimidade ativa para a propositura da AIME, conforme se pode ob-servar nestes julgados:

“[...] AÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DE MANDATO ELETIVO PROPOSTAPOR ELEITOR – ILEGITIMIDADE ATIVA AD CAUSAM – ART. 22 DALEI COMPLEMENTAR N. 64/1990 – EXTINÇÃO DO PROCESSO SEMJULGAMENTO DO MÉRITO.

Na ausência de regramento próprio, são legitimadas para a interposiçãode ação de impugnação de mandato eletivo as figuras relacionadasno art. 22 da Lei de Inelegibilidade [...]”. [Ac. TRESC n. 20.432, de8.3.2006, rel. Juiz Henry Petry Junior.]

“[...] Ação de impugnação de mandato. Legitimidade ativa. [...] – Naausência de regramento próprio, esta Corte assentou que, tratando-sede ação de impugnação de mandato eletivo, são “legitimadas para acausa as figuras elencadas no art. 22 da Lei de Inelegibilidade” (Ag n.

Page 89: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

89

1.863-SE, rel. Min. Nelson Jobim, DJ 7.4.2000). [Ac. TSE n. 21.218, de26.8.2003, Rel. Min. Peçanha Martins.]

[...] Ação de impugnação de mandado eletivo por simples eleitor. Im-possibilidade. Precedentes do TSE. Recurso improvido.” [Ac. TSE n.498, de 25.10.2001, Rel. Min. Sepúlveda Pertence.]

[...] 1. Ação de impugnação de mandato eletivo (CF, art. 14, § 11).Legitimidade ad causam (LC n. 64/1990, art. 22). Não têm legitimida-de ad causam os apenas eleitores. Recurso conhecido e provido nes-ta parte. [...] [Ac. TSE n. 11.835, de 9.6.1994, Rel. Min. Torquato Jar-dim.]

Demonstra-se claramente, pelas decisões colacionadas, que tan-to o TRESC como o TSE estão preenchendo a lacuna existente naConstituição de forma mais prejudicial ao eleitor, ou seja, retirando-lhe o direito de propor a ação.

Ademais, acredita-se que nenhum Tribunal – TSE ou tribunais re-gionais eleitorais –, a exemplo do legislador federal, detém competên-cia para restringir o rol de legitimados para a propositura da ação porausência de previsão constitucional.

Contudo, ao eleitor ainda existe a possibilidade de comunicar ourepresentar a qualquer dos legitimados, preferencialmente ao Ministé-rio Público, notícia fundamentada de irregularidade para a Justiça Elei-toral, da mesma maneira que ocorre com a notícia de inelegibilidade.Para esse caso, o TSE estabeleceu, no art. 35 da Resolução n. 22.156/2006, que dispõe sobre a escolha e o registro dos candidatos paraaquelas eleições, que “qualquer cidadão no gozo de seus direitos po-líticos poderá [...] dar notícia de inelegibilidade “.

Dessa forma, no mesmo prazo para a impugnação, qual seja, cin-co dias a partir da publicação do edital de registro dos candidatos,poderá qualquer eleitor apresentar notícia fundamentada, que, embo-ra possa ser dirigida diretamente ao órgão da Justiça Eleitoral, devepor ele ser encaminhada ao Ministério Público para que este decidase é ou não caso de impugnação.

Assim, ao se fazer a interpretação analógica, defendida por algunsautores, com a legitimidade para impugnação do registro de candida-tura por meio da notícia de inelegibilidade, ver-se-ia a extensão tam-bém da legitimidade dos simples eleitores para propor a ação deimpugnação de mandato eletivo.

Page 90: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

90

3.3 Aspectos doutrinários

Na doutrina também existe divergência quanto à possibilidade de oeleitor ajuizar a AIME. Há diversos posicionamentos, dentre eles, comfundamento no interesse de agir, o de Tito Costa (2004, p. 178-179):

Partindo-se da regra geral do processo segundo a qual para proporou contest ar a ação é necessário ter interesse e legitimidade , for-çoso será concluir que, no caso da ação de impugnação de mandatoeletivo, serão partes legítimas para propô-la, em princípio, o MinistérioPúblico, os candidatos (eleitos ou não), os partidos políticos, ou qual-quer eleitor , sem prejuízo de outras pessoas físicas, ou entidadescomo associações de classe, sindicatos, cujo interesse seja devida-mente manifestado e comprovado e, assim, aceito pelo juiz da ação.[Grifos nossos.]

Em sentido oposto, em relação à legitimidade, Joel José Cândido(2004, p. 258), ao afirmar que o entendimento de Tito Costa é muitoamplo, preleciona:

Para a propositura da ação ora em exame, não se deve dar a elastici-dade sugerida pelo eminente Tito Costa que aceita o eleitor, associa-ção de classe e sindicatos como partes legítimas para aforá-la. Essaamplitude não condiz com a dinâmica célere e específica do DireitoEleitoral; enfraquece os p artidos políticos ; dificult a a manutençãodo segredo de justiça do processado, exigido pela Lei Maior, e pro-picia o ajuizamento de ações temerárias, políticas, e sem funda-mento mais consistente , também não tolerado. [Grifos nossos.]

Contudo, Adriano Soares da Costa (2002, p. 567) acredita que atese da legitimidade ativa restrita adotada por Joel José Cândido:

[...] tem o inconveniente de mondar a legitimidade dos eleitores, semqualquer fundamento outro que não a legitimação para agir da AIRC eda AIJE. Ora, ao assim proceder, findou por limitar onde a Constituiçãofoi liberal, subtraindo dos eleitores o interesse difuso de impugnar osmandatos eletivos obtidos fraudulentamente. A argumentação no sen-tido de que essa amplitude não condiz com a dinâmica célere e espe-cífica do Direito Eleitoral, enfraquecendo os partidos políticos e possi-bilitando ações temerárias, políticas e sem fundamento consistente, éalgo que deve ser exprobrado, pois assent a em dois pressupos-tos de natureza bem pouco democrática : (a) o eleitor, ao exercersua soberania popular, participando da vida política do país, estariaenfraquecendo os partidos políticos; e (b) os partidos políticos, comoprincipais envolvidos no processo eleitoral, não ingressariam com açõespolíticas ou temerárias, sendo esse um mal apenas do eleitor, queteria razões pessoais e passionais para tanto. [Grifo nosso.]

Page 91: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

91

Para justificar a sua teoria da legitimidade ativa restrita, Joel JoséCândido (2004, p. 258) faz uma analogia à ação de impugnação apedido de registro de candidatura:

[...] por que essa legitimidade processual ativa mais abrangente, nestafase de obtenção do mandato, se ela é restrita na fase de obtenção dacandidatura, com o processo de registro? Como na Ação deImpugnação a Pedido de Registro de Candidatura de mesma nature-za jurídica, só que uma com carga mandamental impeditiva e, a outra,com carga mandamental desconstitutiva, são partes legítimas parapropô-la o Ministério Público, os partidos políticos, as coligações e oscandidatos, somente, eleitos ou não. Eventual interesse legítimo deterceiros estranhos a essas partes, materializado a ponto de ensejaruma demanda, pode ser canalizado a qualquer uma delas, por sim-ples comunicação ou representação, acompanhada dos elementos deconvicção da matéria de fato.

Corrobora esse entendimento Antônio Carlos Mendes (1996, p. 337):

Razões de ordem prática implicaram, talvez, a exclusão, pelo legisla-dor, do eleitor como legitimado para impugnar o registro de candidatoe argüir a inelegibilidade. Conseqüentemente e por analogia, a exem-plo da construção pretoriana, é razoável o entendimento segundo oqual os critérios contidos no art. 3o e §§ 1o e 2o da Lei Complementar64/90, são suficientes à identificação da legitimidade ad causam paraefeitos da propositura da ação de impugnação de mandato eletivo,ficando restrita essa legitimidade: a) ao candidato; b) aos partidos po-líticos e coligações; e c) ao Ministério Público Eleitoral.

Armando Sobreiro Neto (2000), em comentário acerca da analogiaefetuada por Joel José Cândido em relação à legitimidade da ação deimpugnação de registro de candidato, destaca:

[...] a Justiça Eleitoral culminou por admitir o rito processual estabele-cido na Lei Complementar 64/90, mais precisamente o mesmo rito daAção de Impugnação de Registro de Candidato – AIRC, ação estaque, consoante art. 3o, admite apenas legitimação ativa a candidato,partido, coligação ou Ministério Público. Não obstante a restrição rela-tiva à AIRC, não há falar em limitação ao exercício da AIME, uma vezque,

- em se tratando de ação constitucional, somente se a própria CartaMagna houvesse limitado a legitimação ativa, poder-se-ia cogitar derestrição ou definição, como sucede, por exemplo, nos incs. LXX eLXXIII, ambos do art. 5o, da CF/88;

- mesmo que se pretenda, por analogia, aplicar a restrição delegitimação contida no art. 3o, da Lei Complementar 64/90, não pode-

Page 92: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

92

ria a norma infraconstitucional criar óbice ao exercício do direito deAIME, o que não é o caso.

Não obstante a opinião de Joel José Cândido, o entendimento deArmando Sobreiro Neto – que conseguiu resumir, de maneira brilhante,os motivos determinantes da não-equiparação dos legitimados da AIMEaos da AIRC – coaduna-se melhor ao ordenamento jurídico atual.

Têm-se ainda, nessa mesma direção, os ensinamentos de PedroHenrique Távora Niess (2000, p. 287):

[...] pensamos que, se não há nenhuma limitação específica de origemconstitucional ou legal, deve prevalecer a possibilidade genérica queemerge da lei processual civil. As normas restritivas de direito não acei-tam aplicação analógica com a ampliação do seu alcance : a legitimi-dade particularmente prevista para outras ações eleitorais não se impõesobre a ação de impugnação de mandato eletivo. [Grifo nosso].

Faz-se necessária, também, a análise da questão da legitimidadeativa sob o ponto de vista de quem possui o interesse de agir. Paraisso, basta simplesmente questionar quem deve possuir interesse numprocesso eleitoral justo, livre de vícios, tais como o abuso de podereconômico, a corrupção ou a fraude, enfim, interesse em ter um go-verno eleito de forma honesta.

Acredita-se que, em última análise, qualquer eleitor possui interes-se, e, para corroborar esse entendimento argumenta o ex-Ministro doTSE Torquato Jardim (1998, p. 176):

Nesta ação o bem jurídico tutelado é de natureza coletiva, indivisível,do interesse de todos, para o qual irrelevante a vontade ou o interesseindividual, qual seja, o sufrágio universal mediante voto direto e secre-to, imune às manipulações e à influência do poder econômico sem oque, na preservação da Constituição, não se protegerá a normalidadee a legitimidade das eleições, nem se preservará o interesse públicode lisura eleitoral”.

Comunga-se, também, da opinião de Pedro Henrique Távora Niess(2000, p. 287), para quem há extensão da legitimidade ativa para oeleitor:

[...] parece ter a vantagem de tornar mais vigilantes os partidos políti-cos, estimulando-os a uma fiscalização rigorosa da moralidade do pleito,para que não propiciem, com a inércia, a atuação que se lhe impõe,por tantos outros legitimados que aguardavam e provavelmente prefe-riam sua iniciativa.

Page 93: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

93

Desse modo, retirar dos eleitores o direito de propor uma ação quevisa a fiscalizar o processo eleitoral é ir contra o texto constitucional,que assim não o fez, e esvaziar a norma do art. 1o, parágrafo único,da Constituição Federal, segundo a qual “todo poder emana do povo”,que o exerce, entre outros meios, pela ação popular e pela ação deimpugnação de mandato eletivo.2

Alguns autores, como Adriano Soares da Costa (2002, p. 566), con-sideram que a Constituição Federal silenciou quanto à legitimidadeativa por reputar que todos os eleitores são partes legítimas para aimpetração da AIME, criando, dessa forma, uma espécie de ação po-pular eleitoral.

Porém, em sentido contrário, temos os ensinamentos de PedroRoberto Decomain (2004, p. 370), que defende que a ação popular,por estar prevista no art. 5o, LXXIII, e por destinar-se a “anular ato le-sivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, àmoralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio históricoe cultural”, tem objeto diferente da AIME. Enquanto que a ação popu-lar “tem o objetivo de anular o próprio ato lesivo ao patrimônio públicoou ofensivo à moralidade administrativa”, a AIME, embora possa terpor fundamento ato de corrupção com base no qual o mandato foiobtido, não visa anular o ato em si, mas sim, a cassar o mandato da-quele que o obteve com auxílio de tal prática abusiva.

Por esses motivos, conclui o autor, que:

[...] a AIME não é ação popular, não estando legitimado, portanto, àrespectiva propositura, qualquer cidadão. Legitimados serão apenasaqueles cuja situação eleitoral possa ser alterada pela cassação domandato impugnado, assim como o Ministério Público.

Essa conclusão acerca dos limites para a legitimação ativa à propositurada ação de impugnação de mandato parece decorrer da regra do art.22, inciso XV, da LC n. 64/1990, que a ela faz referência, em associa-ção com o julgamento de procedência da representação para investi-gação de abuso de poder nas eleições, julgamento esse ocorrido de-pois do pleito. Como a legitimidade para a aludida representação res-tou circunscrita aos candidatos, partidos, coligações e Ministério Pú-blico, a legitimidade para a ação em referência também vem sendocircunscrita a eles.

2No mesmo sentido, NIESS, Pedro Henrique. Ação de impugnação de mandatoeletivo, Edipro, p. 54-58.

Page 94: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

94

Assim, observa-se a existência de posicionamentos divergentesna doutrina em relação à legitimidade ativa do eleitor para a propositurada AIME, sendo que alguns autores a defendem e outros não.

4 Considerações finais

A ação de impugnação de mandato eletivo ainda carece de lei quea regulamente, pois o texto constitucional não o fez. Então, não existeprevisão expressa no ordenamento jurídico moderno sobre de quempode atuar no pólo ativo dessa ação.

Em relação às decisões do TSE e do TRESC, verifica-se que aoeleitor não é dada oportunidade de ingressar com essa ação, ao argu-mento de que não existe previsão expressa para isso, e, por analogia,os julgadores têm aplicado o processamento previsto no art. 22 da LeiComplementar n. 64/1990 para a definição dos legitimados ativamen-te para a propositura dessa ação, ou seja, os candidatos, as coliga-ções, os partidos políticos e o Ministério Público Eleitoral.

Ressalta-se que o eleitor que tiver conhecimento de irregularidadepode comunicar ou representar aos legitimados para a propositura daAIME – essa comunicação ou representação eqüivale à notícia deinelegibilidade no pedido de registro de candidato –, para que, se en-tenderem cabível, ajuízem a AIME. Percebe-se que, mesmo assim,ao eleitor é negado o direito de ingressar diretamente com a ação.

Contudo, tal “permissão” muito tem beneficiado na composição dascasas legislativas, haja vista que diversos representantes eleitos fo-ram declarados inelegíveis por provocação de eleitores independen-tes e preocupados com a lisura do Poder Legislativo, pura e simples-mente por lhes ter a jurisprudência permitido utilizar-se dessa comuni-cação ou representação. Deve-se salientar ainda que, muitas vezes,a independência e o distanciamento em relação às greis partidáriasdão oportunidade ao eleitor de fiscalizar com maior zelo e destemida-mente aqueles que oferecem seus nomes para as disputas dos em-bates políticos.

Pela ótica da doutrina, a legitimação do eleitor para a AIME encon-tra diversas correntes de pensamento, por exemplo, Joel José Cândi-do defende a sua ilegitimidade ativa, argumentando que ela prejudi-caria a celeridade do processo eleitoral, dificultaria o segredo de justi-ça do processado e ainda facilitaria o ajuizamento de ações temerári-as, políticas, e sem fundamento mais consistente.

Page 95: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

95

Por outro lado, outras autoridades deste campo do Direito, tais comoAntônio Tito Costa e Adriano Soares da Costa, entendem que o eleitorpossui legitimidade para a propositura da AIME, e argumentam que aConstituição Federal não enumerou os legitimados, não cabendo, por-tanto, uma interpretação restritiva infraconstitucional.

Por derradeiro, e considerando as conclusões advindas deste arti-go, a legitimidade do eleitor para atuar no pólo ativo da AIME configu-ra um importante instrumento para o controle do processo eleitoral e,em última análise, dos Poderes do Estado, tendo como função pri-mordial a preservação da democracia, da cidadania e da soberania.

5 Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>. Acesso em: 16 dez. 2006.

BRASIL. Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. DiárioOficial [da] República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 21 mai. 1986.Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>. Acesso em:16 dez. 2006.

BRASIL. Lei n. 7.493, de 17 de junho de 1986. Diário Oficial [da]República Federativa do Brasil. Brasília, DF, 18 jun. 1986. Disponívelem: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>. Acesso em: 16 dez.2006.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão TRESCn. 20.432. Relator: Juiz Henry Petry Junior. Florianópolis, SC, 8 de mar-ço de 2006. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Aces-so em: 16 dez. 2006.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão TSE n. 11.835. Relator:Ministro Torquato Jardim. Brasília, DF, 9 de junho de 1994. Disponívelem: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em: 16 dez. 2006.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão TSE n. 21.218. Relator:Ministro Peçanha Martins. Brasília, DF, 26 de agosto de 2002. Dispo-nível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em: 16 dez. 2006.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão TSE n. 498. Relator:Ministro Sepúlveda Pertence. Brasília, DF, 25 de outubro de 2001.Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em: 16 dez.2006.

Page 96: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

96

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução TSE n. 21.634. Relator:Ministro Fernando Neves da Silva. Brasília, DF, 19 de fevereiro de2004. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em:16 dez. 2006.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução TSE n. 22.156. Relator:Ministro Carlos Eduardo Caputo Bastos. Brasília, DF, 3 de março de2006. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/sadJudSjur/>. Acesso em:16 dez. 2006.

BRASIL. Lei n. 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Código de ProcessoCivil. Disponível em: <http://www.presidencia.gov.br/legislacao/>. Aces-so em: 16 dez. 2006.

CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral brasileiro. 11. ed. rev., atual. eampl. Bauru, SP: Edipro, 2004.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral: teoria dainelegibilidade; direito processual eleitoral. comentários à lei eleitoral.5. ed. rev., ampl. e atual. Belo Horizonte: Del Rey, 2002.

COSTA, Tito. Recursos em matéria eleitoral. 8. ed. rev., atual. e ampl.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Elegibilidade e inelegibilidades. 2 ed. SãoPaulo: Dialética, 2004.

JARDIM, Torquato. Direito Eleitoral positivo, conforme a nova lei eleito-ral. 2. ed. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 1998.

MENDES, Antônio Carlos Mendes. Aspectos da ação de impugnaçãode mandato eletivo. In: ROCHA, C.L.A.; VELOSO, C.M.S. (coord.). Di-reito Eleitoral. Belo Horizonte: Del Rey, 1996.

MOTA, Aroldo. Direito Eleitoral. Fortaleza: ABC, 2002.

NIESS, Pedro Henrique Távora. Direitos políticos: elegibilidade,inelegibilidade e ações eleitorais. 2. ed. rev. atual. Bauru, SP: Edipro,2000.

RAMAYANA, Marcos. Direito eleitoral. 2. ed. Rio de Janeiro: Impetus,2004.

SOBREIRO NETO, Armando Antonio. Direito Eleitoral: teoria e prática.3. ed. Curitiba: Juruá, 2000.

Page 97: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

97

EFICÁCIA DA PROPAGANDA ELEITORALPropaganda antecip ada e prop aganda institucional

Imar Rocha *

1 INTRODUÇÃO. 2 PROPAGANDA ELEITORAL. 3 INFLUÊNCIA DAPROPAGANDA ELEITORAL NO MUNICÍPIO DE CAÇADOR/SC EANÁLISE DOS RESULTADOS DA PESQUISA. 4 PROPAGANDA AN-TECIPADA E PROPAGANDA INSTITUCIONAL. 5 CONCLUSÃO.6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

A proposta deste artigo é avaliar o grau de influência da propagan-da no processo eleitoral, uma vez que esta se mostra do maior relevopara a construção da cidadania, na medida em que o eleitor somentepoderá se manifestar de modo consciente se tiver conhecimento dasidéias, projetos e doutrinas que inspirem os diversos candidatos.

Pretende-se discorrer de forma breve, porém precisa, com exposi-ção clara e despretensiosa (sem discutir questões doutrinárias nemexibir erudição) a respeito da propaganda eleitoral.

2 Propaganda eleitoral

Antes de tudo, é providência que se faz necessária, trazer a lumeo significado do instituto, para melhor compreendê-lo no contexto emque está inserido.

O vocábulo propaganda, do latim propagare, diz respeito à publi-cidade, propagação ou divulgação de determinada informação, idéia,nome, etc. Na feliz síntese de Fávila Ribeiro (1988), pode ser definidocomo “um conjunto de técnicas empregadas para sugestionar pessoasna tomada de decisão”.

Nesse sentido, Pinto Ferreira (1990) está de acordo: “A propagan-da é um poderoso instrumento de conquistar a adesão de outras pes-

* Advogado.

Page 98: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

98

soas, sugerindo-lhes idéias que são semelhantes àquelas expostaspelos propagandistas”.

Quando tais práticas se voltam à obtenção de sufrágios em emba-tes destinados à eleição para determinados cargos públicos, no âmbi-to dos Poderes Executivo e Legislativo, tem-se o que cabe denominarde propaganda eleitoral.

Distingue-se da propaganda partidária, consistente na divulgaçãodas metas programáticas dos partidos políticos, cuja regência está naLei n. 9.096/1995, realizada fora da época das eleições e com vistas aatrair àqueles seguidores.

A propaganda eleitoral pode ser classificada, genericamente, emdois grandes tipos: aquela diretamente eleitoral, pela qual alguém secoloca como candidato, apresenta seu programa e pede votos, ou achamada propaganda indireta ou implícita, em que, embora não secoloque como candidato, a pessoa faz promoção de sua imagem e desuas realizações anteriores, tudo de modo a ganhar simpatia para umafutura candidatura. É claro que ambos os tipos, um direto e outro dis-simulado, possuem eficácia no sentido de granjear ao seu beneficiáriodividendos eleitorais.

Na classificação alvitrada por Joel José Cândido (1996), a propa-ganda eleitoral pode ser lícita, irregular ou criminosa. A primeira é todaaquela, qualquer que seja a sua forma de execução, não-vedada porlei comum ou criminal. A irregular incide em conduta não-proibida, masque enfrenta uma restrição ao princípio da liberdade de expressão dapropaganda política. Por último, a propaganda criminosa recai sobrecondutas que o legislador reputa como infringentes da ordem jurídico-criminal, ensejando as naturais sanções.

Por outro lado, sabe-se que, no Brasil, a propaganda eleitoral gra-tuita na TV é um dos principais veículos midiáticos utilizados pelospartidos políticos em épocas de eleição. Divulgada nos meses queantecedem as eleições, por meio dela os partidos políticos organizama participação de seus candidatos com conseqüências significativassobre a imagem pública e o desempenho destes nas eleições. As cam-panhas políticas veiculadas por meio desses programas são capazesde influir na opinião do eleitorado e no resultado das urnas. As prefe-rências por candidatos podem, por conta disso, sofrer mudanças, es-pecialmente durante o período de campanha, de modo que o resulta-

Page 99: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

99

do de uma eleição pode ser alterado, como efeito da propaganda elei-toral, até o final da disputa. Tais programas são vistos, no todo ou emparte, pelos eleitores, durante as semanas de campanha, fazendo dapropaganda eleitoral gratuita uma das três fontes de informação polí-tica mais importantes, sendo fundamentais para a decisão do voto(SCHMIDT et al., 1999).

Alcançando todo o público sem discriminação, uma vez que é vei-culada em toda a rede televisiva nacional, ela cria, entretanto, a im-pressão de ser dirigida a cada telespectador individualmente. Repro-duzindo uma conversa face a face, a imagem do candidato procuraprovocar no telespectador um sentimento de intimidade. A propagan-da eleitoral também utiliza o tom emocional no discurso, buscandoatingir os sujeitos em suas esperanças, ambições, desilusões, precon-ceitos e medos. É desse modo que o discurso político é utilizado porgovernos e partidos políticos, criando correntes de opinião, suscitan-do desejos coletivos, distraindo, captando e dirigindo a atenção da po-pulação (AZAMBUJA, 1987). Através de técnicas comerciais, a propa-ganda eleitoral política “vende” uma imagem do candidato e, atreladaà questão da sugestionabilidade, indica um modo de percepção dospolíticos pelos telespectadores.

Entretanto, o senso comum nos diz que ninguém acompanha ohorário eleitoral, pois ele é tedioso, cansativo e, portanto, com influên-cia praticamente nula no processo de decisão do voto.

A fim de saber se a propaganda eleitoral tem ou não influência nadecisão do voto, desenvolveu-se uma pesquisa no município de Ca-çador, a respeito da qual se discorre a seguir.

3 Influência da prop aganda eleitoral no município de Caçador/SCe análise dos result ados da pesquisa

As indagações relacionadas abaixo fazem parte do processo elei-toral e refletem o grau de influência da propaganda na decisão do voto.A pesquisa teve uma amostra de 225 eleitores, sendo que, destes,duzentos afirmaram ter votado para a escolha do Governador e doPresidente da República na última eleição. Portanto, duzentos eleito-res é o quantitativo considerado.

Para o questionário aplicado obteve-se o seguinte resultado:

Page 100: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

100

Tabela 1: Grau de influência da propaganda eleitoral

Tabela 2: Grau de influência da propaganda eleitoral

Analisando os dados contidos nessa pesquisa de campo, obser-vou-se que, a despeito das grandes somas de dinheiro gastas na pro-dução de programas eleitorais e da intensa batalha jurídica em tornodo horário eleitoral, a propaganda eleitoral no horário gratuito – bemcomo a propaganda impressa, volantes (populares “santinhos”) e ou-tros materiais – teve pouca influência sobre os eleitores de Caçadorquanto à decisão do voto na corrida presidencial, assim como para oGoverno do Estado.

Acredita-se que os principais motivos para essa relativa indiferençado eleitor se deve à presença de candidatos à reeleição (Lula e Luiz

otnemanoitseuQ otiuM ocuoP adaN latoT

alepodaicneulfniiofotovuesOuo,oidár,vtanlarotieleadnagaporp

?sianroj%5,1 %0,9 %5,98 %001

ortuoe"sohnitnas"edagertneAsod"siarotielesobac"solep,lairetamodahlocseanuoicneulfni,sotadidnac

?otadidnac

%0,2 %5,71 %5,08 %001

ocitílopoditrapmuaecnetrepêcoveSossi,seledmuglamocazitapmisuo?otadidnacodahlocseanuoicneulfni

%9,09 %1,9 %0,0 %001

otnemanoitseuQ miS oãN latoT

obac"mueuqropotadidnacouehlocseêcoVuotserpehl,otadidnacodemonme,"larotiele

adujaamuglauedehluorovafmugla?ariecnanif

%0,2 %0,89 %001

uoocitílopoditrapmuaecnetrepêcoV?seledmuglamocazitapmis

%5,5 %5,49 %001

ájeleeuqropotadidnacouehlocseêcoVeuquohcaêcoveocitílopogracmuglauopuco

rartsinimdaarapaicnêtepmocsiamuortsnomed?odatsEouosíaPo

%5,09 %5,9 %001

Page 101: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

101

Henrique da Silveira, respectivamente Presidente e Governador) e àinadequação a esse cenário da propaganda eleitoral no horário gratuito.

Nessas condições, a propaganda eleitoral serve apenas para cris-talizar um voto que já está decidido na cabeça do eleitor.

As campanhas não souberam se adaptar à presença de um candi-dato à reeleição, o que transformou o pleito em um referendo pelacontinuidade do governo. Cria-se uma mesmice de caretas e gestosprogramados para os candidatos e não se sai desse modelo. O eleitornão se comove mais com isso, sobretudo quando tem diante de si umcandidato à reeleição.

Quando indagados se a escolha se deu em razão de ele já ter ocu-pado cargo político e demonstrado competência para administrar oPaís, 90,5% dos entrevistados responderam que sim. Isso significaque os eleitores de Caçador são conservadores e tendem a manter oque consideram estar dando certo.

Contudo, a figura da reeleição é o fator que mais se aponta comomotivo para o eleitorado se mostrar tão refratário ao horário gratuito. Atítulo de ilustração, aconteceu o mesmo na reeleição de FernandoHenrique Cardoso, em 1998. Essas campanhas falham em não trazerum tema que norteie o debate, ou não conseguem gerar uma contro-vérsia grande o suficiente para fazer com que a sociedade se posicioneem uma discussão.

Feita essa breve análise, passa-se a discorrer, de forma bastantesimplista, acerca da propaganda antecipada e da propagandainstitucional.

4 Propaganda antecip ada e prop aganda institucional

O art. 36 da Lei n. 9.504/1997, a Lei das Eleições, estabeleceu que“a propaganda eleitoral somente é permitida após 5 de julho do ano daeleição”. Desse modo, propaganda eleitoral antecipada ou propagan-da fora de época, como também é denominada, “é, pois, aquela reali-zada antes do dia 6 de julho do ano de eleição” (CONEGLIAN, 2005. p.163).

O Tribunal Regional Eleitoral de Roraima, visando coibir a propa-ganda eleitoral antecipada nas eleições de 2006 naquele Estado, pu-blicou a Resolução n. 2/2006 e tratou de especificar, no seu artigo 3o, o

Page 102: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

102

que se entende por propaganda eleitoral antecipada. Aproveitando,transcreve-se:

[...]

§ 3o Considera-se propaganda eleitoral antecipada todo e qualquerato tendente à conquista de votos, ainda que realizado dissimulada ousubliminarmente, inclusive a título de promoção pessoal, especialmentea divulgação dessa pretensão:

I – em bens particulares, por meio da fixação de faixas, adesivos, pla-cas, pinturas e assemelhados;

II – em viadutos, passarelas, pontes e postes públicos, mediante afixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados;

III – ao longo de vias públicas, a colocação de cartazes móveis e bo-necos;

IV – em tapumes de obras e construções;

V – em auto-falantes;

VI – em carros de som;

VII – em comícios e apresentações musicais;

VIII – em notas, avisos, comentários, reportagens, entrevistas, deba-tes e atos congêneres na imprensa escrita, qualquer que seja sua pe-riodicidade, tiragem e âmbito, ou na programação normal das emisso-ras de rádio e televisão;

IX – em outdoors e similares;

X – em bonés, camisetas, canetas, broches, chaveiros e demais brin-des;

XI – em volantes, panfletos e outros impressos, e

XII – em homepages pessoais de pré-candidatos. (Acórdão TSE n.21.650)

Observa-se que se inserem no conceito de propaganda eleitoralantecipada, entrevistas à imprensa que levem ao conhecimento geralcandidaturas postuladas ou que façam referências à ação política quese pretende desenvolver, ou, ainda, que se induza à conclusão de queo pré-candidato é o mais apto ao exercício da função pública.1

Veja-se que, nesse contexto, propaganda eleitoral antecipada é todoe qualquer ato tendente à conquista de votos, ainda que realizado

1 BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão n. 15.732.

Page 103: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

103

dissimuladamente ou subliminarmente, inclusive a título de promoçãopessoal. A vedação inclui a divulgação de propaganda em faixas, ade-sivos, placas, cartazes, pinturas e inscrições em bens públicos ou par-ticulares, por alto-falantes, comícios e apresentações musicais.

Para a caracterização de propaganda eleitoral antecipada é indis-pensável que ocorra a clara intenção de se revelar aos eleitores o car-go político pretendido pelo candidato, a ação política a ser desenvolvi-da por ele e os méritos de natureza pessoal que demonstrem sua ap-tidão para o exercício do mandato eletivo.

A propaganda institucional tem por objetivo elucidar ao público opapel da organização, afirmando sua identidade e imagem, prestandocontas do conjunto de suas atividades e, de modo geral, permitindo oacompanhamento da política da instituição.

José Benedito Pinho (1990) refere-se à propaganda institucionalcomo uma função da propaganda em relações públicas.

Francisco Gracioso (1995) expõe que:

Como todas as formas de propaganda, a institucional tem por funçãoinfluir sobre o comportamento das pessoas, através da criação, mu-dança ou reforço de imagens e atitudes mentais [...] a propagandainstitucional em particular procura informar, persuadir e predispor fa-voravelmente as pessoas em relação ao produto, serviço, marca ouinstituição patrocinadora [...] Ela predispõe à compra, ou à aceitaçãode uma idéia.

De logo, impende ressaltar que a ordem jurídica não proscreve arealização de publicidade por parte da Administração. Antes a confir-ma. Prova disso, o art. 37, caput, da CF, impôs à gestão estatal estreitavinculação ao cânon da publicidade, a ganhar maior ênfase com ademocracia representativa, pois, segundo afirma Carmen Lúcia AntunesRocha (1994):

[...] o exercício ético do poder exige que todas as informações sobre ocomportamento político dos agentes sejam oferecidas ao povo. Antesmesmo que alguém possa ocupar a condição de agente público, es-pecialmente nos casos de agentes públicos conduzidos aos cargospor eleições, as informações a serem oferecidas ao povo são impres-cindíveis e devem ser honestas. Por este princípio da publicidade éque se assegura o direito ao governo ético, à administração honesta.

Em excelente estudo sobre o assunto, Adilson de Abreu Dallari(1998, p. 245-247) frisou que tal se impõe ante a circunstância de quea Constituição de 1988, ao consagrar os modelos republicano e demo-

Page 104: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

104

crático, implementou, como decorrência, os princípios da transparên-cia e da participação, os quais interagem. Desse modo, o cidadão,para bem participar dos atos do governo, precisa ser informado do queeste está fazendo ou pretende realizar. Por isso, a atividade da admi-nistração pública não pode ser algo secreto, oculto, do conhecimentode poucos, fazendo-se necessária a publicidade da atuação governa-mental.

Aderindo ao pensamento, Geraldo Brindeiro (1991, p. 175-180) nãoenxerga propaganda eleitoral ilícita na simples realização de propa-ganda institucional, concebendo como salutar para o aperfeiçoamentoda democracia a divulgação de obras e realizações administrativas,da mesma maneira que a séria crítica política a candidatos.

A legislação pátria reconhece a permissibilidade da propagandainstitucional, traçando-lhe limites. Há restrição de ordem temporal, di-tada pela possível influência que a publicidade institucional teria nasproximidades das eleições, de maneira que se encontra vedada nostrês meses antecedentes ao pleito, admitidas apenas duas exceções:a) a propaganda de produtos ou serviços que possuam concorrênciano mercado; e b) com a autorização da Justiça Eleitoral, em caso degrave e urgente necessidade pública. Permite-se, ainda, a realizaçãode pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horárioeleitoral gratuito, quando, a critério da Justiça Eleitoral, cuidar-se dematéria urgente, relevante e característica das funções de governo.Noutro passo, tem-se limitação quantitativa, proibida, em ano eleitoral,mas antes de três meses da disputa, a realização de gastos com publi-cidade dos órgãos públicos federais, estaduais ou municipais, inclusi-ve das entidades da Administração Indireta, excedentes à média dosgastos nos três anos anteriores. A não-observância dessas interdiçõesacarreta a inflição de multa ao responsável.

No entanto, a abusividade no exercício da publicidade institucional,resultante da infringência do art. 37, §1o, da CF, configura abuso deautoridade, podendo importar, se for o caso, no cancelamento da can-didatura do responsável.

Enfim, a propaganda institucional é uma forma de publicidade quevisa à disseminação de idéias no intuito de moldar e influenciar a opi-nião pública, motivando comportamentos desejados por uma institui-ção ou provocando mudanças na imagem pública dessa instituição.Nesse sentido, em muito tem servido para criar no público um estadode confiança nas instituições, o que se refletirá, no futuro, como supor-te e apoio da população.

Page 105: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

105

5 Conclusão

Pelo exposto, considerando a pesquisa realizada no município deCaçador, constatou-se que a propaganda eleitoral, apresentada na úl-tima eleição e assimilada como o mecanismo disponibilizado aos par-tidos políticos, coligações e candidatos, para a divulgação pública doseu pensamento político e ideológico, teve influência praticamente nulano processo de decisão do voto.

Concluiu-se também pela licitude da propaganda institucional, vol-tada para satisfazer a obrigação de os governantes tornarem suas atu-ações transparentes para os cidadãos, propiciando a estes, após oconhecimento dos programas e ações dos Poderes Públicos, a opor-tunidade de participação na condução dos negócios públicos. A publi-cidade institucional visa a tornar possível o controle e a fiscalizaçãopopulares sobre as atividades da administração pública na consecu-ção do bem comum, isto é, do interesse público. Excluída, é certo, adivulgação que, ultrapassando os parâmetros normais, tendaprimacialmente à promoção pessoal de determinado agente público.

À derradeira conclui-se que descabe confundir propaganda elei-toral antecipada com a propaganda institucional prevista no artigo37, § 1o, da CF. Entretanto, ficou evidente que o eleitor leva em consi-deração, para decisão de seu voto, a administração de quem ocupaou ocupou cargo público, daí não poder a legislação eleitoral respal-dar propaganda institucional, que de forma sutil, aliás, especialidadedos "marqueteiros", transforme-se em poderosa propaganda eleitoral,tornando inócuo o dispositivo contido no artigo 36 da Lei 9.504/1997.

Por outro lado, há necessidade do legislador diferenciar com mai-or clareza, o que seja propaganda institucional, para que não se prati-que injustiça classificando esta propaganda como propaganda eleito-ral antecipada.

6 Referências bibliográficas

AZAMBUJA, Darcy. Introdução à ciência política. 6. ed. Rio de Janei-ro: Globo, 1987.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Roraima. Resolução TRE/RRn. 02/2006. Disponível em: <http://www.tre-rr.gov.br/eleicoes2006/resolucoes/res_00206.pdf>. Acesso em: 26 mar. 2007.

Page 106: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

106

BRINDEIRO, Geraldo. A liberdade de expressão e a propaganda elei-toral ilícita. Revista de informação legislativa. Brasília, abr/jun. 1991.

CANDIDO, Joel José. Direito eleitoral brasileiro. 6. ed. Bauru: Edipro,1996.

CONEGLIAN, Olivar. Propaganda eleitoral. De acordo com o códigoeleitoral e com a Lei 9.504/97. 6. ed. Curitiba: Juruá, 2005.

DALLARI, Adilson de Abreu. Divulgação das atividades da administra-ção pública: publicidade administrativa e propaganda pessoal. Revis-ta de Direito Público, São Paulo, 1998.

FERREIRA, Pinto. Código Eleitoral comentado. 2. ed. São Paulo: Sa-raiva, 1990.

GRACIOSO, Francisco. Propaganda institucional: nova arma estraté-gica da empresa. São Paulo: Atlas, 1995.

PINHO, José Benedito. Propaganda institucional: uso e funções dapropaganda em relações públicas. 2. ed. São Paulo: Summus, 1990.

SCHIMIDTT, Rogério; CARNEIRO, Leandro P.; KUSCHNIR, Karina.Estratégias de campanha no horário gratuito de propaganda eleitoralem eleições proporcionais. Dados on line, v. 42, n. 2, 1999. Disponívelem: <http://www.scielo.br>. Acesso em: 26 mar. 2007.

RIBEIRO, Fávila. Direito Eleitoral. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1988.

ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da admi-nistração pública. Belo Horizonte: Del Rey, 1994.

Page 107: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

107

ESTADO DE PARTIDOS: A SOLUÇÃO PARA A CRISE DEREPRESENTAÇÃO POLÍTICA NO BRASIL

Daniel Schaeffer Sell*

Ilenia Schaeffer Sell*

Resumo

O monopólio da representação política pelos partidos políticos noBrasil tem sofrido graves e constantes críticas. A partir de uma análisemais aprofundada, entretanto, percebe-se que a principal mazela en-contrada no sistema político brasileiro não são os partidos – seu prin-cipal instrumento –, mas o sistema em si. Considerando o processohistórico de formação dos partidos e a sua relação com a representa-ção política, este estudo pretende apresentar o modelo de Estado dePartidos, que, apesar de aparentemente mencionado na Constituiçãode 1998, não foi atingido em sua plenitude no Brasil. Será somentepor meio do estabelecimento de um verdadeiro Estado de Partidos –legal e efetivamente – que a crise da representação política encontra-rá seu fim, e a formação da vontade estatal passará a ser legítima,porque gestada pelo próprio povo dentro das estruturas partidárias.

Palavras-chave : representação política; representação político-parti-dária; partidos políticos; Estado de Partidos.

Abstract

The monopoly of political representation by political parties in Brazilhas been constantly and severely criticized. In a deeper analysis,however, it becomes clear that the main problem in the Brazilian politicalsystem does not relate to the parties – its principal instrument –, but tothe system itself. Considering the historical process of formation of theParties and its relation with political representation, this study intendsto demonstrate what is the State of Parties which, though clearly

* Os autores são servidores do Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina.O trabalho foi apresentado para cumprir requisito de conclusão daEspecialização em Direito Eleitoral da Escola Judiciária Eleitoral de SantaCatarina e Universidade do Vale do Itajaí.

Page 108: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

108

mentioned in the Brazilian Constitution of 1988, has not been fullyaccomplished in Brazil. Only through establishing a true State of Parties,legal and effective, that political representation crisis will end. This waythe formation of the “will of the state” will be legitimate, because it willhave been generated by the people itself inside the parties structure.

Keywords : political representation; political parties; State of Parties.

Sumário

1 INTRODUÇÃO. 2 PARTIDOS POLÍTICOS: UM CONCEITO. 3 A RE-PRESENTAÇÃO POLÍTICA. 4 O ESTADO DE PARTIDOS. 5 CONSI-DERAÇÕES FINAIS. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

Como objeto principal deste estudo, a representação político-parti-dária será analisada a partir de sua construção histórica, de modo adeterminar em qual contexto foi concebida e para que finalidade. Coma formação desse arcabouço, será avaliada a situação dos fundamen-tos desse instituto no Brasil, com suas mazelas e virtudes.

O objetivo principal, então, é dissecar a atuação dos partidos políti-cos, com vistas a verificar sua real contribuição para a representaçãopolítica, permitindo questionar a sua forma de participação – como únicomediador na formação da vontade estatal –, decorrência de previsãoconstitucional: o monopólio da representação política.

Algumas teses foram estudadas e citadas no texto, demonstrandoas várias possibilidades que vêm sendo apresentadas para solucionaro problema da participação do povo na formação da vontade estatal.Por essa razão, no começo do estudo, verificou-se como hipótese pri-mária a necessidade de oferecer alternativas ao monopólio da repre-sentação política. A conclusão atingida, entretanto, constante da partefinal do trabalho, demonstra a necessidade de tão-somente aperfeiço-ar-se o modelo existente, que, não obstante outras possibilidades, pa-rece ser o melhor para o contexto político vivido pelo Brasil.

O método da pesquisa é o dedutivo. Tendo em vista a profundidadedo tema, muitas questões não essenciais à consecução dos objetivosprevistos – embora muito interessantes para estabelecer uma maiorvisão da problemática apresentada – foram relegadas a segundo pla-no, sendo somente citadas.

Page 109: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

109

No primeiro capítulo do trabalho, será necessária uma avaliaçãodo fenômeno em que se constituíram os partidos políticos, de modo adeterminar qual a função para que foram criados e o motivo pelo qualtiveram tão rápido desenvolvimento.

Na seqüência, à análise da representação política impõe-se a ne-cessidade de delimitação de seu contexto histórico, considerando asgrandes revoluções democráticas e suas implicações na direção dosEstados em que ocorreram.

O terceiro capítulo faz uma análise do Estado de Partidos, amaterialização da representação político-partidária, e uma evoluçãoindireta do pensamento liberal, imediatamente anterior, a partir da fa-lência do modelo de Estado Liberal.

Na conclusão, a avaliação dos institutos anteriormente discutidosforma a base para a afirmação da necessidade, não de novos forma-tos para a atuação política do povo no Estado, mas do aperfeiçoamen-to e confirmação do sistema existente.

2 Partidos políticos: um conceito

O fenômeno dos partidos políticos pode ser considerado recente.Para Duverger, os grupos aos quais se refere hoje a expressão parti-dos políticos datam de apenas um século e meio.1 Como se pode ex-plicar, portanto, tão rápida evolução de um instrumento que acaboupor se integrar à estrutura estatal de tal forma a ponto de hoje umEstado democrático somente ser dado como tal desde que permita alivre atuação de partidos?

Um conceito amplo de partidos pode remontar às civilizações an-tigas e a todas as subseqüentes formações sociais ou estatais. Con-tudo, por não ser escopo do presente trabalho realizar um estudohistórico aprofundado, analisar-se-ão tão-somente a significação es-trita do vocábulo e suas implicações no ambiente político-democráti-co moderno.

1“Em 1850, nenhum país do mundo (a não ser os Estados Unidos) conheciapartidos políticos no sentido atual do termo: encontravam-se tendências deopiniões, clubes populares, associações de pensamento, gruposparlamentares, mas nenhum partido propriamente dito. Em 1950, estesfuncionavam na maior parte das nações civilizadas; os outros se esforçavampor imitá-las” (DUVERGER, 1987, p. 19).

Page 110: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

110

Inicialmente, o vocábulo partido “tem sua origem no latim, do ver-bo partire, no sentido de dividir, de parte, de fração, de pedaço, nosentido de que um todo seria composto de partes” (MEZZAROBA, 2004,p. 91). Seu significado político, entretanto, não provém do latim.

O vocábulo utilizado anteriormente por sociólogos e cientistas polí-ticos para se referirem aos agrupamentos que procuravam influenciaro governo do Estado era facção, que designava todos os grupos polí-ticos existentes. Nesse período, o próprio fato de existirem facções,por força de definição, era visto como um prejuízo ao “bom” exercíciodo poder, já que elas se contrapunham ao governo.2

A partir do momento em que a palavra parte – depois de perder seusentido original – adquiriu o significado de participação, partilha, asso-ciação, sua derivação partido começou a ser utilizada com a conotaçãopolítica que temos hoje. E isso aconteceu somente em meados doséculo XVIII (SARTORI, 1982, p. 48). Uma das justificativas, portanto,à incipiência do estudo relacionado aos partidos políticos.

A primeira definição política consistente do termo partido pode serencontrada em Edmund Burke: “o Partido é um grupo de homens uni-dos para a promoção, pelo seu esforço conjunto, do interesse nacionalcom base em algum princípio com o qual todos concordam” (BURKE.In: CHARLOT, 1982, p. 29). No mesmo sentido, para Kelsen,3 os parti-dos políticos surgiram da necessidade de os indivíduos se associaremcom vistas a influenciar, com sua vontade política, a direção tomadapelo Estado.

É Duverger quem relaciona o desenvolvimento dos partidos à re-cente ampliação da democracia, com a extensão do sufrágio populare das prerrogativas parlamentares.4 Segundo o autor, são três as ori-gens dos partidos políticos: 1) a partir da constituição dos parlamen-

2Eram as responsáveis por “perturbar” os detentores do poder (MEZZAROBA,2004, p. 93-99).

3“Em uma democracia parlamentar, o partido político é um veículo essencialpara a formação da vontade pública” (KELSEN, 1992, p. 287-288).

4“Quanto mais as assembléias políticas vêem desenvolver-se suas funções esua independência, tanto mais os seus membros se ressentem da necessidadede se agruparem por afinidades a fim de agirem de comum acordo; quantomais o direito de voto se estende e se multiplica, tanto mais se torna necessárioenquadrar os eleitores por comitês capazes de tornar conhecidos os candidatose de canalizar os sufrágios em sua direção.” (DUVERGER, 1987, p. 20.)

Page 111: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

111

tos, os parlamentares passaram a se reunir em grupos que represen-tavam a mesma localidade geográfica ou, ainda, que comungavamde idéias ou interesses semelhantes; esses foram os partidos de ori-gem parlamentar; 2) com a rápida extensão do sufrágio popular, sur-giu a necessidade de cooptação dos novos eleitores que não tinhamidéia alguma de que candidatos escolher; aliou-se a essa idéia o de-senvolvimento do princípio de igualdade; o resultado foi visto quandoo povo percebeu a falta de representatividade na direção do Estado e,por conseqüência, decidiu retirar o poder das mãos das elites; foramcriados, então, comitês eleitorais para cada candidato, com o objetivode orientar a população a respeito das propostas destes; assim surgi-ram os partidos de origem eleitoral; 3) alguns partidos foram concebi-dos a partir de instituições preexistentes, interessadas em atuar juntoao governo por seus próprios interesses; esses foram os partidos deorigem externa.5

Esse foi o modelo clássico estabelecido para o estudo dosurgimento de partidos. Todos são, como se pode constatar, decor-rência da ampliação da participação de pessoas na direção do Esta-do, estendida a toda a população. Pode-se dizer que aí reside a natu-reza mais objetiva da experiência partidária. Não há como observarevolução democrática apartada da organização da sociedade em par-tidos que verdadeiramente possam influenciar as decisões do Estado.Do contrário, o governo não é legitimado pela vontade popular, maspela de poucos que têm acesso ao “príncipe”, como Maquiavel de-monstraria.

Charlot, contudo, considera ultrapassado o modelo acima apresen-tado, tendo em vista estudos que identificam, na maioria dos atuaispartidos políticos de vários lugares do mundo, uma gênese diferentedas encontradas nas fórmulas de Duverger (CHARLOT, 1982, p. 8).

Pelo modelo de Lapalombara, o partido político é, a um tempo, efeitoe condição do impulso rumo à modernização. Seu estudo demonstraoutro paradigma para a constituição dos partidos, observado em Esta-

5Vários partidos socialistas foram criados diretamente pelos sindicatos, como oPartido Trabalhista britânico, criado em 1899 a partir de uma decisão doCongresso Trade-Unions; a maçonaria, em 1841, fundou uma associação políticana Bélgica, denominada L’Alliance; da mesma forma, a influência das Igrejaspossibilitou a criação pelos calvinistas, nos Países Baixos, do Partido “anti-revolucionário”, para formar oposição ao Partido conservador católico; e, assim,muitos outros exemplos podem ser citados (DUVERGER, 1987, p. 26-33).

Page 112: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

112

dos em que a democratização e o desenvolvimento social são maisrecentes, diferentemente dos exemplos encontrados em países comhistória democrática consolidada há mais tempo, como Estados Uni-dos, Inglaterra e França (LAPALOMBARA; WEINER. In: CHARLOT,1982, p. 9).

A definição de Lapalombara apresenta o balizamento da definiçãode partido a partir de quatro postulações:

1. uma organização durável, ou seja, uma organização cuja esperan-ça de vida política seja superior à de seus dirigentes no poder;

2. uma organização local bem estabelecida e aparentemente durável,mantendo relações regulares e variadas com o escalão nacional;

3. a vontade deliberada dos dirigentes nacionais e locais da organiza-ção de chegar ao poder e exercê-lo, sozinhos ou com outros, e nãosimplesmente influenciar o poder;

4. a preocupação, enfim, de procurar suporte popular através das elei-ções ou de qualquer outra maneira (LAPALOMBARA; WEINER. In:CHARLOT, 1982, p. 19.)

Como se pode observar, portanto, a definição do termo partido po-lítico gradativamente deixa de considerar o resultado da luta entre clas-ses sociais ou entre interesses de coletividades – observada na épo-ca das facções – e passa a comportar a idéia de um grupo com vonta-de deliberada de exercer o poder estatal perante a sociedade que oconstituiu.

Para Sartori (1982, p. 46), em seu processo de racionalização, trêsfundamentos são considerados para a existência efetiva de um parti-do: “1. os partidos não são facções; 2. um partido é parte-de-um-todo;3. os partidos são canais de expressão”. O autor, explicando o tercei-ro item, esclarece: “isto é, pertencem, em primeiro lugar e principal-mente aos meios de representação: são um instrumento, ou uma agên-cia, de represent ação do povo, expressando suas reivindicações”. Issonão quer dizer que os partidos somente expressem as reivindicaçõesdo povo, visto que isso poderia ser realizado por outros instrumentosexistentes. O próprio autor conclui: “os partidos não expressam ape-nas, eles também canalizam” (p. 48-50).

Mezzaroba (2004, p. 90), por fim, sistematiza esses pensamentose, ao explicar a expressão partidos políticos no ambiente contempo-râneo em que é utilizada, demonstra que comporta o conceito de “ins-trumentos mediadores entre a sociedade e o Estado, com a função de

Page 113: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

113

aglutinar vontades individuais e harmonizá-las em vontades coletivas”.Diante dessa conceituação, observa-se que os partidos passaram aser a própria essência da democracia, não havendo mais como ex-cluí-los da formação do Estado que se tenha por democrático.

A partir desse conceito, passa-se ao estudo dos partidos políticoscomo efetivos objetos de conhecimento.

A desmarginalização e recente ascensão dos partidos políticos aostatus de instrumentos democráticos teve como conseqüência a suaconstitucionalização e, concomitantemente, a necessidade de estudosque pudessem inseri-los nos novos ordenamentos que se estabelece-ram. Mezzaroba privilegia, entre as várias abordagens desse fenôme-no, o estudo de três principais: a funcional,6 a estrutural7 e a orgânica,dentre as quais nos deteremos somente na última.

Para a abordagem orgânica, o partido é um organizador eaglutinador de forças, que tem por finalidade atingir objetivos de or-dem ideológica, ou seja, “o partido se apresenta como canalizador deaspirações, de necessidades e de esperanças de universalização davida de todos os homens, e não apenas de seus adeptos ou de umpequeno segmento social” (MEZZAROBA, 2004, p. 119). Destaca-senessa corrente o pensamento de Gramsci, pelo qual o partido passa aser o moderno Príncipe , que representa a inteligência e a vontadecoletiva. Assim, “mais que mera instância de represent ação política ,ao partido cumpriria a missão de possibilitar o desenvolvimento daconsciência política dos seus integrantes e, a partir deles, da Socieda-de como um todo” (MEZZAROBA, 2004, p. 123).

6A abordagem funcional busca encontrar a finalidade para a qual existe o partidoe, com fundamento nas atividades partidárias e em suas conseqüênciasobjetivas, conclui que é um mero descongestionante da vida social e política,legitimador de todo o sistema político vigente (MEZZAROBA, 2004, p. 107-110).

7A abordagem estrutural, que tem como principal característica o tratamentodescritivo dos partidos, acaba por identificá-lo como uma organização que,após cooptar diversos adeptos, passa a manipular suas vontades a partir dasvontades dos chefes partidários, tornando-se uma espécie de oligarquia. Nãose preocupa, entretanto, em analisar o fenômeno partidário a partir de seucontexto político e social, não atingindo uma definição de partido, maspreocupando-se tão somente com a análise da estrutura observada naquelesque existem (MEZZAROBA, 2004, p. 111-115).

Page 114: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

114

3 A represent ação política

O termo represent ação possui vários significados possíveis, decor-rentes da origem etimológica da palavra. Segundo Mezzaroba (2004,p. 10), “representação tem como origem o substantivo latinorepraesentare, cujo sentido seria o de tornar presente algo que, naverdade, encontra-se mediatizado, comportando também o sentido dereprodução de um objeto dado”.

A representação em sua face política não pode ser entendida comoaquela encontrada no Direito Privado,8 visto que não tem as mesmasvertentes e é diretamente relacionada ao exercício do poder público.

Conforme demonstram os historiadores, a representação políticaaparece somente depois das revoluções havidas em sistemas que nãocontemplavam alguma forma de participação política, ou seja, onde opoder se encontrava nas mãos de um ou de poucos e a maioria do povonão tinha direito à participação nas decisões de governo. Assim, somen-te quando o povo (ou instâncias deste) se insurgiu para se fazer ouvirpor seus governantes e, por conseguinte, quando o poder se deslocoudas mãos de um ou de poucos para a nação,9 a representação apare-ce como instrumento político das massas.

8 No Direito Romano, durante muito tempo, não foi admitida a “representaçãojurídica per extranem personam, isto é, por mandatários ou gestores denegócios que não estivessem debaixo do poder do representado”. Exceçãoeram as pessoas submetidas ao paterfamilias (meninos, escravos, mulheres,etc). Com o aumento de complexidade das relações comerciais e políticasem territórios de dimensões também aumentadas, viu-se a necessidade depermitir que um ato jurídico pudesse ser praticado por outros que não o titulardo direito, de modo que a representação no Direito Privado tornou-seinstrumento comumente utilizado em todas as nações (BARACHO. Revistade Informação Legislativa, 1983, p. 104).

9 Segundo Mezzaroba: “A Nação seria um elemento que precede qualquer reiou Legislativo, ato normativo ou político; ela se compõe de indivíduos livres ediferentes, que se unem para realizar suas necessidades humanas e pelavontade individual de viver em conjunto. Assim, à medida que os indivíduosse unem por sua própria vontade, passam a constituir um poder maior,denominado de Soberania Nacional. A Nação, portanto, seria soberana, unae indivisível. O exercício da Soberania Nacional se daria através de umaConstituição que estabelecesse a organização e a estrutura do Estado, oqual passaria a garantir a liberdade e a igualdade dos cidadãos. Por sua vez,o Poder Constituinte, para ser eficaz, deveria estar assentado sobre o princípioda representação” (MEZZAROBA, 2004, p. 38).

Page 115: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

115

Na formação do parlamento inglês, as primeiras reuniões, com-postas por lordes, cavalheiros e burgueses, tinham como objetivo dis-cutir assuntos somente por convocação do rei. Com a crescente insta-bilidade encontrada pela monarquia absolutista, esses “parlamenta-res” passaram a ser vistos, mesmo que ainda no regime absolutista,como representantes de suas comunidades e, por conseqüência, dopovo, investidos da responsabilidade de resguardar os interesses da-queles que os comissionaram (MEZZAROBA, 2004, p. 16-19).

Conseqüência desse período no recém-constituído Estado Liberal– originado na luta contra as monarquias absolutistas –, a formaçãoestatal acabou por dar corpo ao instituto da representação e torná-louma das principais características da democracia, com a marca dofim dos regimes absolutistas e da chegada dos governos das mas-sas . Nesse modelo, os representantes são aqueles eleitos para atuarjunto ao governo em nome dos interesses de seus representados, emquem reside todo o poder.10

Com a crescente luta por liberdade e igualdade, o Estado Liberalapresentou linhas mais bem definidas e, com a Declaração dos Direitosdo Homem, na França de 1789, essa evolução do pensamento restoubrilhantemente demonstrada. Fruto desse contexto filosófico e político,Sieyès desenvolve uma doutrina baseada fundamentalmente no con-ceito de nação, que acabou por tornar-se um dos principais impulsospara a Revolução Francesa. Para Sieyès (apud MEZZAROBA, 2004, p.38-39), tendo-se por parâmetro a igualdade entre os indivíduos, o po-der constituinte somente pode ser eficaz se determinado pelo princípioda representação.

Faz-se importante observar, contudo, que a Constituição Francesade 1791 declara que os parlamentares eleitos já não são considera-dos representantes de seus representados em particular – como seobservou no desenvolvimento inicial do parlamento inglês –, mas detoda a nação (MEZZAROBA, 2004, p. 43). A atuação do representan-te, portanto, é condicionada não mais aos interesses de uma coletivi-dade, mas ao seu próprio plano de políticas públicas para a direçãoda vontade estatal, apresentado para a nação durante a campanha

10Conforme Mezzaroba (2004, p. 36), discorrendo sobre a experiênciaamericana, com uma citação de Madison em O Federalista: “Madison, porexemplo, conceitua a República como um governo que deriva todos os seuspoderes, direta e indiretamente, da grande massa do povo”.

Page 116: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

116

eleitoral. Teoricamente, são eleitos aqueles que apresentam planosque atendam à maior parcela da nação.

A democracia como governo do povo, então, somente poderia serealizar por meio de representantes que atuassem segundo o manda-to determinado pelo próprio povo. Surge, assim, o termo democraciarepresentativa que, segundo Kelsen (1992, p. 283), é aquela em que“a função legislativa é exercida por um parlamento eleito pelo povo, eas funções administrativa e judiciária, por funcionários igualmente es-colhidos por um eleitorado”.

Pode-se inferir que a representação política não se confunde como conceito de democracia,11 mas é, para a realização efetiva dessa,instrumento essencial, visto que a nação é agora a titular da sobera-nia e, pela impossibilidade material de exercê-la de forma direta, trans-fere-a para seus representantes. Assim, toda a teoria da democraciatem no instituto da representação política um de seus principais fun-damentos.

Importante lembrar que a representação política sempre vai se darentre eleitos e eleitores, haja vista não se poder falar em representa-ção sem uma eleição que permita ao detentor do poder – o povo – aescolha daqueles que melhor demonstrem representá-lo.

O sistema representativo, para Baracho (1983, p. 111), está direta-mente relacionado à “dinâmica do processo político eleitoral, que porsua vez constitui a base do equilíbrio social e a estabilidade política”.O autor define a figura jurídica da representação a partir da “relaçãorepresentativa” que dela decorre, considerando quatro quesitos:

a) os eleitos não representam seus eleitores, mas uma entidade abs-trata, a Nação ou a coletividade popular inteira;

b) não existe qualquer relação jurídica entre “representantes” e “repre-sentados”;

c) não existe a possibilidade, na maioria dos Estados, de os eleitoresrevogarem o mandato concedido aos eleitos;

d) a relação é exclusivamente bilateral, entre representante e repre-sentado, não trilateral, com a representação da vontade [BARACHO,1983, p. 107.]

11Em outras palavras, não se pode dizer que a existência da representaçãopolítica baste para um Estado ser considerado democrático.

Page 117: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

117

Observa-se, dessa forma, a clara necessidade de haver, em umsistema que consagre a representação política, legitimidade dos re-presentantes eleitos, a qual não será encontrada no sistema jurídicopropriamente dito, mas subjacente ou superior a ele. Isso porque so-mente a representação legítima como fonte do poder de autoridadegera a obediência legítima, essencial para a manutenção do equilíbriopolítico-social (BARACHO, 1983, p. 111).

À ligação entre o representante e o representado, que diz respeitoao conteúdo próprio da relação de representação política, é dadocomumente o nome de mandato. Ainda segundo Baracho (1983, p.110),“a instrumentalização do processo político ocorre através de mecanis-mos jurídicos, entre os quais destaca-se o ‘mandato representativo’”.Historicamente, entretanto, o mandato representativo não foi o primei-ro formato que se apresentou como solução para o problema da re-presentação.

Anteriormente às grandes revoluções, pode-se observar a instau-ração de procedimentos que acabaram por instituir o mandato impe-rativo como regra da representação das comunidades que se queriamfazer ouvir diante dos seus senhores nos feudos. Como demonstraMezzaroba (2004, p. 71-74), o mandato político nessa época estavaintimamente ligado à noção de mandato oriunda do Direito Privado,em que o representante estava adstrito a atuar nos limites das instru-ções da comunidade que o elegia, sob pena de ter seu mandato ime-diatamente revogado.

A noção de soberania popular, como se observa desse formato,aproximava-se da teoria de Rousseau, em que cada indivíduo detémuma parcela da soberania. Dessa forma, o representante atuava emnome do representado, respondendo no limite da parcela da sobera-nia que cada grupo possuía.

Esse modelo, contudo, acabava sempre por privilegiar políticas lo-cais em detrimento da vontade de toda a nação, transformando o em-bate político entre os representantes em conflitos entre regiões. Nomomento histórico seguinte, o mandato imperativo foi sendogradativamente substituído pelo mandato representativo, onde o re-presentante deixa de estar vinculado à vontade dos representados queo escolheram e passa a responder pela vontade de toda a nação, con-siderados os interesses gerais. O representante eleito, conseqüente-mente, é responsável, não mais pela intermediação em favor de umapolítica local, mas, como já visto, pela preservação ou perseguição do

Page 118: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

118

bem-estar social; é eleito por ter maior capacidade de ponderar e de-cidir sobre qual a melhor política para a melhoria de condições de todoo povo.

A soberania, nesse caso, é deslocada para o órgão representa-tivo (MEZZAROBA, 2004, p. 75), que passa a ser o detentor imedi-ato do poder – proibido o mandato imperativo e, por resultado, proi-bida a revogação dos mandatos. O detentor mediato da soberania –o povo – atuaria de forma efetiva durante os processos de escolhade seus representantes, encerrando-se a sua função quandovencidas as eleições.

Apesar da clara evolução do pensamento sócio-político, que per-mitiu a construção do modelo de Estado Liberal e da representaçãopolítica apoiada em indivíduos – porque vinculado a uma idéia maisampla de poder –, o mandato representativo tem sofrido graves críti-cas dos autores modernos. Especialmente porque, por meio dele, seperde a capacidade de controlar as decisões que dizem respeito àsoberania, visto que tomadas independentemente pelos representan-tes que, muitas vezes – se não todas –, podem tomá-las com vistas afavorecer interesses próprios ou de terceiros, em detrimento dos reaisinteresses sociais. O caráter oligárquico que têm assumido suas deci-sões acaba por aumentar ainda mais a insatisfação dos representadoscom o exercício das funções pelos representantes.

Isso fez com que o sistema de representação do Estado Liberalentrasse em falência e, por força da correnteza, os institutos que oformam também fossem condenados ao sofrimento. Quanto mais seespera que homens resolvam a situação, mais as esperanças se es-gotam, e mais o povo desacredita seus representantes legalmente elei-tos. Usando o termo “legalmente”, tem-se a real idéia do acontecido,visto que os sistemas eleitorais, por vezes, permitem que muitas ma-zelas direcionem o processo eleitoral, tornando a eleição uma soluçãolegal, mas ilegítima. Para Krystian Complak (2006, p. 51), na visão dosautores que comentam a democracia representativa na América Lati-na, “a razão principal deste distanciamento entre cidadania e deputa-dos está na intermediação dos partidos políticos”. Os partidos, assim,seriam o elo defeituoso do sistema de representação, desestruturando,dessa forma, o conjunto de medidas democráticas estabelecidas cons-titucionalmente.

Por essa razão, em grande parte, os partidos têm sido considera-dos os mal-amados da democracia (SEILER, 2000, p. 5). As críticas aomodelo de democracia intermediado por eles têm levado vários auto-

Page 119: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

119

res a questionar a real necessidade da participação dos partidos nasdemocracias contemporâneas. Não parece, contudo, que a raiz dessesentimento de aversão seja de responsabilidade deles. A crise é, certae limpidamente, neles observada, mas não por eles criada.

A situação crítica – no mundo e no Brasil – diz respeito não somen-te aos partidos, mas à representação política, dada a instabilidade dasinstituições que determinam nosso contexto político. Alguns índices,como o crescente absenteísmo eleitoral e a drástica redução da filiaçãopartidária em vários países do mundo (ARAÚJO, acessado em30.11.2006, item 3), demonstram claramente essa teoria. O descréditoé relacionado mais proximamente à forma e ao modelo de representa-ção do que propriamente aos instrumentos que a realizam.

Para Comparato (In: ROCHA, 1996, p. 63-65), um dos principaisvícios do sistema eleitoral brasileiro não resulta da existência de parti-dos como intermediários, mas do “personalismo dos candidatos a pos-tos parlamentares”, que é decorrência direta da cultura nacional, for-mada por institutos antigos e retrógrados que desvirtuam por completoa realização da representação política pelos partidos. Os resultadosmonstram-se catastróficos: “por ocasião das eleições, [os Partidos] lan-çam-se todos à caça dos ‘puxadores de votos’, de modo a atingir umelevado quociente partidário. […] os ídolos populares, uma vez eleitos,consideram-se desvinculados do partido que os procurou tão-só parao desempenho eleitoral”. A fidelidade aos princípios partidários, por-tanto, nunca é atingida, visto que o ritual eleitoral desempenhado peloeleitorado considera somente a personalidade que parece melhorrepresentá-lo, não o partido a que ela é vinculada. As distorções gera-das por essa escolha são percebidas já no curto prazo, com o enfra-quecimento dos partidos e o fortalecimento de um novo tipo de“coronelismo”, próprio dos bancos parlamentares.

Pode-se extrair desse pensamento de Comparato que o sistemaque deveria ser apoiado nos partidos, e não o é efetivamente, perdeseus fundamentos e permite a manipulação dos resultados por forçasque somente buscam perpetuar sua influência no poder. A soberaniadeixa, novamente, as mãos da nação e se desloca para a de poucos,como na demagogia aristotélica.

Apesar da impressão causada pela Constituição Federal de 1988em alguns de seus artigos – como o inc. V do § 3o do art. 14, que prevêa filiação partidária como condição de elegibilidade –, a democraciaencontrada no Brasil está longe do modelo a que se propõe: um Esta-do de Partidos. Facilmente se observa a crise partidária havida no meio

Page 120: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

120

político, mas pouco se tem visto de busca por mudanças, já que, paraa alteração do status quo, muitas oligarquias encontradas em nossocenário político seriam arrancadas do poder.

A democracia partidária, ou o Estado de Partidos – nas palavras deKelsen12 –, seria composta por um sistema em que o partido detém omandato político e os representantes eleitos ocupam uma função par-tidária comissionada. Somente dessa forma o partido político poderiacompletar integralmente a finalidade para a qual é constituído na so-ciedade atual: ser responsável por aglutinar as vontades individuais,fixando as metas e diretrizes para a realização da vontade estatal,por meio dos representantes eleitos.

4 O Estado de Partidos

Para Baracho (1983, p. 111), os partidos políticos são o principalmeio instrumental para que a sociedade possa atuar como povo. Porintermédio dos partidos, segundo essa afirmação, realiza-se o objetivomaior do regime democrático, o que demanda construir, em torno de-les, todo o sistema político, de modo a permitir sua correta utilizaçãopela sociedade.

Ainda que os partidos sejam canalizadores de opinião, deve-seconsiderar que sua composição interna corresponde a apenas partede uma sociedade. Sua função, contudo, excede a mera representa-ção de seus membros. Seu papel no jogo político passa a ser maisamplo, de modo que é ele o responsável por traduzir e converter “asreivindicações setoriais em projetos políticos globais”. E Seiler (2000,p. 36, grifou-se) conclui: “a democracia é o regime exclusivo dos p ar-tidos ”.

De acordo com Sartori (apud SANTANO, 2006, p. 27):

Os partidos políticos têm-se, em realidade, transformado num elementode tal modo essencial ao processo político que em muitos casos pode-ríamos com legitimidade chamar a democracia não simplesmente deum sistema de partido, mas uma “partidocracia” (partidocrazia), signi-ficando isso que a sede do poder é realmente deslocada do governo edo parlamento para os diretórios partidários. Isso não é tudo. O estudoda fenomenologia dos partidos é também sintomático de um ponto

12De acordo com Mezzaroba, foi Kelsen quem apresentou o modelo com onome de Estado de Partidos (MEZZAROBA, 2004, p. 78).

Page 121: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

121

de vista. Isso porque, se o modo de vida democrático se origina dacriação voluntária de pequenas e livres comunidades “inter pares”,os partidos também são formados como associações voluntárias econstituem, de fato, a sua expressão política num sistema democrá-tico de organismo político que mais de perto se assemelha, ou deviaassemelhar-se, ao protótipo de toda a forma democrática autêntica.

Essa função de intermediários entre a sociedade e o governo foiconcebida somente após a evidente crise observada no sistema derepresentação do Estado Liberal. Não são mais os representantes osresponsáveis pela intermediação, mas os partidos. Por isso se podeapontar esse modelo como um aperfeiçoamento do sistema de repre-sentação política (MEZZAROBA, 2004, p. 84). Sua constante atuaçãoe a necessidade de se garantirem meios de controle mais próximos eacessíveis à sociedade exigiram a construção do Estado de Partidos.

Para Kelsen (acessado em 30.11.2006, p. 1), um de seus criadorese defensores, a democracia requer, necessária e inevitavelmente, umEstado de Partidos. O autor afirma que toda atitude avessa à sua im-plantação é, no fundo, contrária à democracia. Assim sendo, não sepode falar em democracia sem que haja a constitucionalização dospartidos, ou seja, seu reconhecimento formal no sistema jurídico pos-to, especificamente no plano constitucional. Qualquer esforço no sen-tido contrário seria uma tentativa de prejudicar a própria democracia.

A finalidade dos partidos políticos, pelo modelo do Estado de Parti-dos, é ainda de, além de funcionarem como instrumentos mediadoresentre a Sociedade e o Estado, serem o elemento de ligação entre asociedade e seus representantes eleitos. As vontades individuais sãoinicialmente aglutinadas nas estruturas internas dos partidos para se-rem canalizadas e harmonizadas em seu interior e, somente então,transformadas em metas programáticas que serão levadas ao debatepolítico pelos representantes eleitos (MEZZAROBA, 2004, p. 155).

Observa-se, assim, que a formação da vontade popular ocorre noseio dos partidos políticos; não mais no parlamento ou em outros gru-pos políticos ou de pressão. Segundo Mezaroba (2004, p. 85), nessemodelo, os partidos são o único instrumento que permite “canalizar avontade de cada um dos representados, buscando expressá-la de for-ma unificada e organizada”. A identificação dos representados comseu representante deixa a esfera da personalidade individual e única –observada nos sistemas de representação liberal, em que os eleitosnão têm vínculo algum de responsabilidade com os eleitores – e passaa se constituir numa relação com os princípios e programa partidários.

Page 122: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

122

O mandato dos eleitos, portanto, passa a ser exercido por novos me-diadores entre sociedade e Estado, os partidos políticos, motivo peloqual recebe a denominação mandato p artidário .

Radbruch vai além e conclui da seguinte forma, nas palavras deMezzaroba (2004, p. 173):

a) a organização dos indivíduos em torno de Partidos Políticos é im-prescindível para a formação da vontade coletiva; […] c) no Estado dePartidos, os eleitores devem selecionar não os candidatos individual-mente considerados, mas, fundamentalmente, o programa de um dosPartidos que lhes são apresentados no processo eleitoral; d) o repre-sentante (Deputado) só representará efetivamente a totalidade do Povose vier a atuar de acordo com os princípios estabelecidos por seu Parti-do, pois, de acordo com a lógica do Estado de partidos, a formação davontade estatal somente poderá ser construída com a participação pro-porcional de todos os Partidos Políticos; e e) o representante deve sereleito não pelos seus méritos ou deméritos pessoais, mas por ser mem-bro de um Partido. Assim, as ações e convicções políticas do represen-tante (Deputado) deve dar lugar às deliberações estabelecidas demo-craticamente pelo Partido, sob pena de o representante sofrer as san-ções partidárias; em seu caso extremo, com a perda do mandato.

Os representantes passam a ser meros executores das metasprogramáticas estabelecidas nas reuniões partidárias, e não mais ato-res do processo político, diminuindo a possibilidade de atuarem se-gundo interesses pessoais ou de terceiros.

Leibholz (apud MEZZAROBA, 2004, p. 176-177) foi quem estabe-leceu o modelo mais completo de Estado de Partidos, considerando adiscussão em torno do debate constitucional na Alemanha sobre a fun-ção que os partidos políticos deveriam desempenhar em uma demo-cracia. Segundo o seu modelo, dois são os requisitos necessários àimplementação do Estado de Partidos: sua constitucionalização ante-rior e o reconhecimento jurídico-constitucional positivado da relevân-cia fundamental deles para o sistema político democrático. Para o au-tor, essa seria a formalização de um processo já consolidado nas de-mocracias atuais, mas que, somente desse modo, possibilitaria o de-senvolvimento do modelo de Estado de Partidos (ou Democracia dePartidos) no ordenamento posto, tornando-se parte integrante da es-trutura constitucional.

No Estado de Partidos, “a vontade dos indivíduos seria previamen-te determinada e harmonizada na estrutura interna dos partidos. Asorganizações partidárias seriam transformadas, assim, em catalisadorasdas políticas públicas” (MEZZAROBA, 2004, p. 157). Portanto, a reali-

Page 123: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

123

zação da vontade estatal seria determinada diretamente pelas vonta-des que compõem as bases partidárias. Somente assim se pode apro-ximar as decisões de governo à soberania do povo, atingindo o mode-lo mais próximo ao ideal apresentado pela democracia direta.

Com a vontade política sendo gestada no interior das organizaçõespartidárias, o mandato desloca-se do eleito para o partido político aque é filiado, deixando de ser representativo (representante de todo opovo) e passando a ser partidário (representante das vontades parti-dárias). Não deve, todavia, ser confundido com o mandato imperativo,vinculado a um setor da sociedade. O mandato é do partido – conside-rado na função de buscar aplicar a sua vontade às políticas públicas –,que comissiona o representante para atuar dentro do escopo das diretri-zes partidárias estabelecidas nos estatutos, metas e assembléias dosmembros do partido, e que é titular do direito de revogar o mandatocomissionado, na medida em que o representante desrespeite suas ins-truções (MEZZAROBA, 2004, p. 180).

O instituto da fidelidade partidária, portanto, passa a ter caráter fun-damental para a realização do Estado de Partidos, visto que o papel dorepresentante deixa o de centro das decisões políticas e passa a eloda organização da vontade estatal. Suas decisões são determinadaspelo embate político das vontades intrapartidárias. A vontade estatal,por fim, será o resultado de todas as vontades partidárias contrapostasno parlamento.

Decorrência da fidelidade, a democracia intrapartidária é condiçãopara a realização da democracia no Estado de Partidos, visto que odebate que ocorre no seio do partido é o responsável por determinarqual a vontade do povo para as políticas públicas. Assim, deve havermecanismos para que todas as correntes que formam os partidos pos-sam ser ouvidas, respeitando a verticalidade ascendente da formaçãoda vontade partidária – e nunca o seu inverso –, tais como:

[…] participação dos membros de forma direta ou por seus represen-tantes nas convenções e nos órgãos da organização; garantia do votoaos militantes em qualquer decisão e em qualquer nível do Partido;garantia de alternações periódicas dos cargos de direção do Partido;direito da revogabilidade dos cargos; garantia de que os órgãos sem-pre decidam de forma colegiada; prevalência do princípio majoritárionas votações em todos os órgãos do Partido; liberdade de expressãono interior da organização; direito de abandonar o Partido a qualquermomento; direito da ampla defesa em caso de eventual aplicação desanções internas; direito de informação sobre qualquer assunto deinteresse de organização; liberdade para que o filiado possa debater

Page 124: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

124

suas idéias; o direito de formar correntes de opinião; transparêncianas finanças e na contabilidade da organização; inclusão de uma “clá-usula de consciência” para os representantes para efeitos do mandatopartidário [MEZZAROBA, 2004, p. 182-183].

Observa-se, assim, que as decisões que afetam a vida dos cida-dãos são tomadas por eles mesmos – harmonizadas dentro do parti-do e canalizadas para o debate da vontade estatal -– e não mais pelavontade única do representante, como acontece no modelo de demo-cracia representativa do Estado Liberal. Como conseqüência lógica, orepresentante será eleito não por sua personalidade ou histórico polí-tico, mas por pertencer a determinado partido – mesmo que essa pos-sibilidade ainda seja presente.

Por fim, não se pode deixar de comentar a necessidade de que osistema partidário, nesse modelo, seja de mais de um partido, de modoque cada parcela da sociedade esteja representada em alguma orga-nização partidária, fortalecendo o conteúdo democrático do embatepolítico entre as diversas “partes”. Nesse sentido, para Kelsen, todasas concepções políticas precisam estar representadas no parlamento(apud MEZZAROBA, 2004, p. 171). Portanto, caso algum partido re-clame para si o posto de portador único da vontade popular, estará eleatacando diretamente o seio da democracia, que somente pode serealizar a partir do embate político entre os partidos, de modo que avontade coletiva tenha neles os parâmetros determinantes das políti-cas do Estado (KELSEN, acessado em 30.11.2006, p. 2).

5 Considerações finais

Conforme cita Maciel, Maurice Duverger comentou o problema bra-sileiro na mesma direção, mas em sentido oposto ao das críticas aospartidos: “o Brasil só será uma grande potência no dia em que for umagrande democracia. E só será uma grande democracia no dia em quetiver partidos e um sistema partidário forte e estruturado” (MACIEL. In:ROCHA, 1996. p. 85-89). Nota-se nessa afirmação uma grave preo-cupação com o fortalecimento dos partidos, para que a Nação possanovamente voltar a ser a real detentora da soberania. Isso demonstraque o problema do modelo utilizado pelo sistema brasileiro é não seapoiar nos pontos corretos, o que resulta em – como uma coluna ver-tebral deslocada que fragiliza todo o corpo – dores em órgãos quecompõem esse mesmo sistema. Esses órgãos necessitam de trata-mento adequado e revigoração, não amputação.

Page 125: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

125

No caso brasileiro, particularmente, projetos de emenda constitucio-nal e estudos relacionados à quebra do monopólio dos partidos sobre arepresentação política sugerem novas formas de se alcançar o ideal derepresentação para obtenção efetiva dos interesses sociais.13 Outrassoluções, como tornar o comparecimento às urnas facultativo, apare-cem defendidas por muitos cientistas políticos e juristas. Ainda comosaída para o cenário brasileiro, pode-se citar a possibilidade deimplementação do parlamentarismo ou, de maneira mais amena, acomposição de um sistema de votação distrital, com a utilização delistas fechadas pelos partidos, com vistas a diminuir o abismo existen-te entre eleitos e eleitores. Merece ser citada, também, a proposta dereforma política da OAB, que busca a efetivação de instrumentos dedemocracia direta por meio da regulamentação do art. 14 da Constitui-ção Federal, em matéria de plebiscito, referendo e iniciativa popular.Objetiva, com isso, aumentar a participação popular no trato da vonta-de do Estado, estreitando e guiando a atuação dos representantes jun-to aos círculos do poder.14

A luz apresentada para a situação brasileira proposta pelo presen-te trabalho, contudo, toma como base, para além da utilização de ques-tões pontuais dentro do sistema que vigora, uma via já discutida pordiversos autores, que aponta para a mudança de toda a cultura políti-co-partidária: a realização efetiva da democracia partidária ou do Esta-do de Partidos.

Somente com a existência dos partidos como verdadeiros interme-diários – com o mandato a eles vinculado, conforme vem sendo atual-mente entendido, e não aos representantes –, o povo se aproximarianovamente da formação da vontade do Estado, visto que a realizaçãodo bem comum não dependeria mais da atuação de um representantedesvinculado politicamente, mas de um partido com estatutos e pro-gramas bem delineados, aos quais o eleito seria obrigado a obedecer,sob pena de ter seu mandato revogado.

13Um estudo interessante foi feito sobre a possibilidade de utilização de listacívica (modelo italiano) ou candidatura avulsa (modelo alemão) pelaconsultoria do Senado Federal brasileiro (ARAÚJO, acessado em 30.11.2006).Há também um proposta de emenda constitucional de autoria do DeputadoRonaldo Dimas que retira do texto constitucional a exigência de filiaçãopartidária como condição de elegibilidade (inc. V do § 3

o do art. 14).

14PL 4.718/2004 apensado ao PL 6.928/2002 em tramitação na Câmara dosDeputados.

Page 126: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

126

O sistema representativo de partidos necessita, como se pôde ob-servar, de diversos mecanismos de controle desses partidos, para quenão haja deturpação do sistema: estruturação interna democrática,bases que escolham seus dirigentes, financiamentos públicos e trans-parentes, entre outros. Ainda, regras como a fidelidade partidária te-riam que ser contempladas no ordenamento, de modo que o partidoseja o efetivo detentor do mandato.

A proposta é, portanto, baseada numa mudança de cultura políti-ca, com a adoção de um novo modelo em que os partidos sejam osrealizadores da representação política, e não os legitimadores de umprocesso espúrio de influência no poder, constantemente fomentadoe ocultado por aqueles que hoje a detém.

6 Referências bibliográficas

ARAÚJO, Caetano Ernesto P. Partidos Políticos: há futuro para mono-pólio da representação? Disponível em: <http://www.senado.gov.br/conleg/textos_ discussao/texto1%20-%20monop%F3lio.pdf>.Acessado em 30.11.2006.

BARACHO, José Alfredo de Oliveira. Teoria e prática do voto distrital.Revista de Informação Legislativa, Brasília, ano 20, n. 78, abr/jun 1983.

BURKE, Edmund. Thoughts in the cause of the present discontents(1770) em The Works of Edmund Burke. In: CHARLOT, Jean. Os par-tidos políticos. Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

COMPARATO, Fábio Konder. A necessária reformulação do sistemaeleitoral brasileiro. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes; VELLOSO,Carlos Mário da Silva (Coord.). Direito Eleitoral. Belo Horizonte: DelRey, 1996.

COMPLAK, Krystian. Instrumentos de participação popular no DireitoConstitucional – A experiência do Direito Constitucional comparado –Visão européia e latino-americana – Propostas e alternativas. ParanáEleitoral, Curitiba, n. 62, out/dez 2006.

DUVERGER, Maurice. Os partidos políticos. 3. ed. Rio de Janeiro:Guanabara, 1987.

KELSEN, Hans. Esencia y valor de la democracia. Disponível em:<http://www.der.uva.es/constitucional/materiales/libros/Hans_Kelsen.pdf>. Acessado em 30.11.2006.

Page 127: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

127

_______. Teoria geral do Direito e do Estado. 2. ed. São Paulo: MartinsFontes, 1992.

LAPALOMBARA, Joseph; WEINER, Myron. Political parties and politicaldevelopment. In: CHARLOT, Jean. Os partidos políticos. Brasília: Uni-versidade de Brasília, 1982.

MACIEL, Marco Antônio de Oliveira. Reforma político-partidária: o es-sencial e o acessório. In: ROCHA, Cármen Lúcia Antunes; VELLOSO,Carlos Mário da Silva (Coord.). Direito Eleitoral. Belo Horizonte: DelRey, 1996.

MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário Brasileiro. 2.ed. rev. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004.

SANTANO, Ana Cláudia. Os partidos políticos. Paraná Eleitoral, Curitiba,n. 62, out/dez 2006.

SARTORI, Giovanni. Partidos e sistemas partidários. Ed. brasileira rev.e ampl. Rio de Janeiro: Zahar; Brasília: Universidade de Brasília, 1982.

SEILER, Daniel-Louis. Os partidos políticos. Brasília: Universidade deBrasília, 2000.

Page 128: RESENHA ELEITORAL
Page 129: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

129

FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEIT ORAIS: AVALIAÇÃODAS PROPOSIÇÕES APRESENTADAS PELO TRIBUNAL

SUPERIOR ELEITORAL AO CONGRESSO NACIONAL

Denise Goulart Schlickmann*Heloísa Helena Bastos Silva Lübke**

1 INTRODUÇÃO. 2 O FINANCIAMENTO DE CAMPANHAS ELEITO-RAIS NO BRASIL. 3 AS PROPOSIÇÕES DE ALTERAÇÃO NORMATIVAAPRESENTADAS PELO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL E A EFI-CÁCIA DAS SOLUÇÕES PROPOSTAS. 3.1 LIMITES DE DOAÇÃO.3.2 MOVIMENTAÇÃO PARALELA DE RECURSOS. 3.3 OMISSÃO DEDADOS NA PRESTAÇÃO DE CONTAS. 3.4 RECURSOS DE FONTESVEDADAS. 3.5 JULGAMENTO DAS CONTAS DOS CANDIDATOSELEITOS. 3.6. POSSIBILIDADE DE REABERTURA DOS PROCES-SOS DE PRESTAÇÃO DE CONTAS E CONSEQÜÊNCIAS DE EVEN-TUAL RETIFICAÇÃO DAS CONTAS PRESTADAS. 3.7 CONSEQÜÊN-CIAS DA REJEIÇÃO DAS CONTAS. 3.8 TRÂNSITO EM JULGADO DADECISÃO DE JULGAMENTO DAS CONTAS E CONSERVAÇÃO DEDOCUMENTOS COMPROBATÓRIOS. 4 CONCLUSÃO. 5 REFERÊN-CIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

Este artigo visa à avaliação das proposições apresentadas peloTribunal Superior Eleitoral ao Congresso Nacional sobre o financia-mento de campanhas eleitorais.

Num primeiro momento, o artigo discorre sobre o ordenamentojurídico que disciplina o financiamento das campanhas eleitorais noBrasil.

Em segundo lugar, o estudo volta-se a uma breve análise dos te-mas e soluções propostos pelo Tribunal Superior Eleitoral, cotejando-os com as soluções normativas existentes e com os problemas que a

* Bacharel em Direito, Ciências Contábeis e Economia pela UFSC, especialistaem Auditoria Governamental pela UFSC, autora da obra Financiamento deCampanhas Eleitorais editada por Juruá Editora.

** Bacharel em Direito pela UFSC, analista judiciária do TRESC.

Page 130: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

130

nova regulamentação pretende resolver, buscando identificar se aimplementação das novas normas alcançará o resultado pretendido.

Objetiva-se avaliar, com a profundidade que o artigo permite, se aeficácia das soluções apresentadas pelo Tribunal Superior Eleitoraldepende de alterações legislativas profundas, de impacto constitucio-nal e efetivamente reformuladoras do sistema político-eleitoral; se essadepende da instituição de penalidades efetivas para as infrações, in-clusive no que concerne à criminalização de determinadas condutasou, ainda, da adoção de um conjunto de ações coordenadas e exercidaspor diversas instituições, tais como a Secretaria da Receita Federal e oSistema Financeiro Nacional, notadamente o Banco Central do Brasil(Bacen).

2 O financiamento de camp anhas eleitorais no Brasil

O financiamento de campanhas eleitorais no Brasil foi disciplinado,inicialmente, pela Lei n. 4.740, de 15.7.1965. Em 1971, o tema passoua ser disciplinado pela Lei n. 5.682, de 21.7.1971.

Contudo, é de 1993 o marco a partir do qual, a par da preocupaçãomundial com a realidade do financiamento das campanhas eleitorais,a legislação eleitoral voltou-se de forma mais efetiva ao trato da maté-ria. Nesse ano, a Lei n. 8.713, de 30.9.1993, inovou no tocante àsnormas para a administração financeira das campanhas eleitorais, es-tabelecendo regras para a constituição dos comitês financeiros dasagremiações partidárias; estabelecendo a responsabilidade de parti-dos e candidatos; estipulando formas de obtenção e movimentação derecursos e de realização de despesas; limitando doações de pessoasfísicas e jurídicas; e, finalmente, instruindo a elaboração da prestaçãode contas à Justiça Eleitoral.

A referida lei – que mereceu regulamentação específica do Tribu-nal Superior Eleitoral, consubstanciada na Resolução n. 14.426, de4.8.1994 – constitui o conjunto de normas específicas para odisciplinamento das eleições gerais de 1994.

Para o pleito municipal de 1996 nova lei foi editada, regulamentan-do a matéria. A Lei n. 9.100, de 29.9.1995, foi então regulamentadapela Resolução TSE n. 19.510, de 18.4.1996.

A partir de 1997, os pleitos eleitorais passaram a ser disciplinadospela Lei n. 9.504 (Lei das Eleições), de 30 de setembro daquele ano,que trouxe consigo o diferencial de regulamentar o processo eleitoral

Page 131: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

131

para todos os pleitos futuros. Deixou de existir, note-se, lei eleitoralespecífica para cada pleito. Assim é que, para adaptá-la à realidade dopleito estadual de 1998, o Tribunal Superior Eleitoral editou resoluçõesespecíficas, próprias a cada eleição. Para o pleito de 2006, foi editadaa Lei n. 11.300, de 10.5.2006, que alterou a Lei n. 9.504/1997. O Tribu-nal Superior Eleitoral editou, de igual sorte, resoluções específicas adiscipliná-la.

É de se registrar que a edição de normas regulamentadoras peloTribunal Superior Eleitoral para o pleito de 2006 sofreu o impacto daaprovação da Lei n. 11.300 já em pleno curso do processo eleitoral.Assim, a matéria restou definitivamente regulamentada apenas ao fi-nal do mês de junho do mesmo ano, refletindo o entendimento da Cor-te Superior Eleitoral a respeito de quais das normas recém-aprovadaseram aplicáveis ao pleito de 2006.

3 As proposições de alteração normativa apresent adas pelo T ri-bunal Superior Eleitoral e a eficácia das soluções propost as

Preocupado com os graves acontecimentos que recentemente vie-ram a público, os quais envolviam as fontes de financiamento dos par-tidos políticos brasileiros e a descoberta de práticas por eles utilizadasofensivas ao ordenamento jurídico em vigor e ao senso comum, o Tri-bunal Superior Eleitoral, por iniciativa do Ministro Carlos Velloso, entãopresidente daquela Corte, apresentou ao Congresso Nacional propos-tas de modificações da legislação eleitoral consistentes na atualizaçãodos delitos eleitorais e no aperfeiçoamento do sistema de prestaçãode contas pelos partidos políticos e pelos candidatos a cargos eletivos.

Para tanto, constituiu, em 10.8.2005, comissão formada por juris-tas e técnicos em administração pública, a qual tinha por incumbênciaos seguintes misteres: a) rever e atualizar as disposições legais refe-rentes aos crimes previstos no Código Eleitoral e em leis especiais; eb) examinar e propor medidas para o aprimoramento do sistema deprestação de contas pelos partidos políticos. A partir dos estudos de-senvolvidos pela comissão instituída pelo Tribunal Superior Eleitoral,foram encaminhadas ao Congresso Nacional, em novembro daqueleano, as proposições de alteração da legislação eleitoral, desdobradasem anteprojetos, de acordo com cada tema abordado.

No que toca ao escopo do presente trabalho, as propostas exami-nadas são aquelas que diretamente dizem respeito ao financiamentode campanhas eleitorais.

Page 132: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

132

3.1 Limites de doação

Entre as condutas tipificadas pelo anteprojeto de revisão dos deli-tos eleitorais e respectivo processo (DOTTI, 2006. p. 75-106), apre-senta-se, inicialmente, aquela contida em seu art. 305, a saber:

Art. 305. Doar, direta ou indiretamente, a partido, coligação ou candi-dato, recursos destinados à campanha eleitoral, em valor superior aoestabelecido em lei:

Pena – detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

§ 1o Na mesma pena incorre quem receber ou gastar os recursos emdesacordo com a determinação da lei.

§ 2o Consideram-se recursos:

a) quantia em dinheiro, em moeda nacional ou estrangeira;

b) título representativo de valor mobiliário;

c) qualquer mercadoria de valor econômico;

d) a prestação, gratuita ou por preço significativamente inferior ao demercado, de qualquer serviço, ressalvada a oferta de mão-de-obrapor pessoa física;

e) a utilização de qualquer equipamento ou material;

f) a difusão de propaganda, por qualquer meio de comunicação social,ou o pagamento das despesas necessárias à sua produção eveiculação;

g) a cessão, temporária ou definitiva, de bem imóvel;

h) o pagamento de salário ou qualquer outra forma de remuneração aprestador de serviço ou empregado de partido ou de candidato;

i) o pagamento, a terceiro, de despesas relativas às hipóteses previs-tas neste artigo.

§ 3o A pena será aumentada se o agente for dirigente partidário.

§ 4o A pena será diminuída nas hipóteses das alíneas “d” e “g”, ou emqualquer outra quando o recurso aportado não ultrapassar o dobro dovalor estabelecido em lei.

O dispositivo proposto, inserido entre os crimes contra a propa-ganda e a campanha eleitoral, trata do limite das doações de recursospara as campanhas eleitorais. No ordenamento hoje em vigor, tais li-mites correspondem a 10% dos rendimentos brutos auferidos no anoanterior à eleição, no caso do doador ser pessoa física (Lei n. 9.504/

Page 133: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

133

1997, art. 23, § 1o, inciso I), e a 2% do faturamento bruto também doano anterior ao pleito, na hipótese de doação de pessoa jurídica (Lein. 9.504/1997, art. 81, § 1o). Em se tratando de recursos próprios docandidato, o limite a ser observado é aquele correspondente ao valormáximo de gastos estabelecidos pela agremiação partidária (Lei n.9.504/1997, art. 23, § 1o, inciso II). Importante observar que a Lei deEleições já estabelecia sanção àquele doador que extrapolasse os li-mites impostos pela norma, especificamente o pagamento de multano valor de cinco a dez vezes a quantia doada em excesso. Pretendeo anteprojeto, ao tipificar a conduta do doador, a aplicação de doistipos de pena, além da pecuniária, estabelecida sob a forma de multa,também a privativa de liberdade (detenção, de um a três anos), ampli-ando o grau de reprovação atribuído.

Tendo o caput do dispositivo definido como sujeito ativo do delito odoador da quantia excedente ao limite legal, o § 1o da norma propostaapresenta conduta que somente poderia ser praticada por partido, can-didato ou coligação, como beneficiários de doações que ferem os dita-mes da lei ou como maus aplicadores dos recursos captados para ascampanhas eleitorais.

Cabe, aqui, uma pequena observação acerca da inclusão das coli-gações entre aqueles que poderiam cometer o delito previsto no § 1o.É sabido que a legislação eleitoral vigente dispõe que apenas candi-datos e partidos políticos, estes por si e por meio dos seus comitêsfinanceiros, podem angariar recursos e realizar despesas de campa-nha eleitoral. Embora as coligações tenham as prerrogativas e obriga-ções de partido político relativamente ao processo eleitoral lato sensu,no que toca à arrecadação e à aplicação de recursos nas campanhas,as normas nas quais o delito em questão poderá vir a ser inserido nãoprevêem a possibilidade de coligações praticarem tal conduta, postoque a responsabilidade sempre será de um dos partidos políticos quea compõem (Lei n. 9.504/1997, art. 17).

O § 2o do dispositivo proposto relaciona quais são os recursos cujadoação em excesso ou má aplicação poderão configurar os crimes pre-vistos em seu caput e § 1o. Trata-se de rol extenso, que praticamenteesgota as espécies de recursos que podem vir a custear uma campanhaeleitoral. Dentre eles, merecem realce as hipóteses contidas nos incisos“h” e “i”, as quais constituem formas indiretas de custeio das despesasde campanha e que também deverão obedecer ao limite de doações.

As hipóteses de majoração e diminuição de pena estão indicadasnos §§ 3o e 4o do dispositivo. Não tendo a norma estabelecido o quantum

Page 134: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

134

de modificação da pena inicialmente prevista, caberá ao juiz avaliar ascircunstâncias do caso concreto para aumentá-la ou diminuí-la, na pro-porção que entender conveniente.

Ainda sobre o limite de doações efetuadas às campanhas eleito-rais, há que se salientar que foi criada para as eleições de 2006 novaferramenta de controle para a aferição desses limites. As declaraçõesde ajuste anual do imposto de renda das pessoas físicas e jurídicasrelativas ao exercício de 2007, ano-calendário de 2006, passaram aexigir as informações concernentes às doações realizadas para ascampanhas eleitorais das eleições passadas, atendendo aos ditamesda Portaria Conjunta TSE/SRF 74, de 10 de janeiro de 2006, especifi-camente em seu art. 3o, § 2o. Tal mecanismo permite a identificaçãodaqueles doadores que extrapolaram os limites legais e, via de con-seqüência, possibilita a aplicação da penalidade de multa, sanção aindavigente.

3.2 Moviment ação p aralela de recursos

Trata-se de tipo penal inserido no art. 339 do anteprojeto de revi-são dos delitos eleitorais entre os crimes contra a administração daJustiça Eleitoral (DOTTI, relator, 2006, p. 94), em relação ao qualnão há similar na legislação eleitoral em vigor. Seus termos são osseguintes:

Art. 339. Manter ou movimentar recurso ou valor paralelamente à con-tabilidade exigida pela legislação para a escrituração contábil de parti-do político e relativa ao conhecimento da origem de suas receitas edestinação de suas despesas:

Pena – reclusão, de 3 (três) a 8 (oito) anos, e multa, além da perda dosrecursos ou valores.

§ 1o A pena será aumentada quando se tratar de recurso ou valor refe-rente à prestação de contas de campanha eleitoral.

§ 2o Incorrerá na mesma pena quem receber o recurso ou valor prove-niente da atividade ilícita ou não declarado pelo doador ao órgão com-petente.

O bem jurídico protegido pela norma apresentada consiste, direta-mente, na probidade das contas eleitorais e partidárias, em relação àsquais a sociedade vem exigindo transparência e moralidade ante osrecentes acontecimentos vivenciados na seara político-partidária e, in-diretamente, no próprio Estado Democrático de Direito, ao resguardar-

Page 135: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

135

se a integridade das instituições constitucionalmente necessárias à de-mocracia representativa e garantir-se a lisura do processo eleitoral.

A conduta tipificada no caput do dispositivo é conhecida como “cai-xa dois” e traduz-se na realização de manobras contábeis com vistas aobter, esconder, manipular ou utilizar recursos, financeiros ou não, deforma a ferir as normas estabelecidas para a contabilidade dasagremiações partidárias.

In casu, a Lei n. 9.096, de 19.9.1995, traz normas específicas paraa arrecadação e a aplicação de recursos pelos partidos políticos, pre-vendo vedações à captação de doações de determinadas fontes e es-tabelecendo regras para a utilização de recursos do Fundo Partidário,objetivando, por meio de suas prestações de contas anuais à JustiçaEleitoral, permitir o conhecimento de suas receitas e a destinação desuas despesas. Assim, a manutenção ou a movimentação de recursospor partido político fora da escrituração contábil fiscalizada pela Justi-ça Eleitoral configuraria a hipótese prevista no caput do dispositivo emcomento, mesmo que, em tese, tal manutenção ou movimentação derecursos pudesse vir a ser considerada lícita se integrasse a contabili-dade regular da agremiação. Isso porque a configuração da condutatípica, nesse caso, independeria da natureza dos recursos mantidosou movimentados, sendo reprovável, tão-somente, a existência dessacontabilidade paralela.

Seriam sujeitos ativos do tipo penal em exame os dirigentes parti-dários responsáveis pela gestão dos recursos do partido, inclusive seutesoureiro (Lei n. 9.096/1995, art. 34, inciso II). Poder-se-ia admitir,ainda, o profissional da área contábil, responsável pela escrituraçãodas contas partidárias, como co-autor do delito.

Pretende a norma penal proposta a aplicação de dois tipos de pena:a privativa de liberdade — reclusão, de 3 a 8 anos — e a pecuniária,sob a forma de multa e perda dos valores mantidos ou movimentadosparalelamente. Não houve a pré-fixação, no anteprojeto, dos valores,mínimo e máximo, da multa a ser aplicada.

O § 1o do dispositivo prevê o aumento de pena quando os recursosmantidos ou movimentados referirem-se à prestação de contas de cam-panha eleitoral. Entendendo-se o contido no parágrafo como outra hi-pótese de incidência da conduta tipificada, ter-se-ia que a contabilida-de paralela, ou o “caixa dois”, das campanhas eleitorais também seriaatingido. Nesse caso, os sujeitos ativos do tipo seriam o candidato e oadministrador financeiro de sua campanha, como dispõe o art. 21 da

Page 136: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

136

Lei n. 9.504/1997, com a redação conferida pela Lei n. 11.300/2006,ou os membros do comitê financeiro constituído pelo partido para aarrecadação e a aplicação de recursos nas campanhas eleitorais.

De outra parte, o § 2o do artigo em análise dispõe que aquele quereceber recursos provenientes de atividade ilícita ou não declaradospelo doador ao órgão competente, ou seja, o recebimento de “dinheirosujo”, também estaria sujeito às penas do caput do dispositivo. Contu-do, a norma proposta não é clara ao deixar de prever se tal condutaseria típica somente no decorrer da campanha eleitoral — por aquelaspessoas que poderiam cometer o delito previsto no § 1o — ou se atin-giria também os dirigentes das agremiações partidárias, quando daarrecadação de recursos para a manutenção dos partidos. Examinan-do-se o dispositivo pela ótica do bem jurídico tutelado, tem-se que, emúltima instância, tanto a integridade das instituições constitucionalmentenecessárias à democracia representativa como a lisura do processoeleitoral são situações que estariam abrangidas pela norma.

De toda forma, a inserção dos dispositivos em exame na searajurídica representaria um ganho a toda a sociedade, que anseia peloaperfeiçoamento das normas relativas ao processo eleitoral, lato sensu,principalmente ao reconhecer como delitos condutas já por ela repro-vadas e que, até então, carecem de mecanismos jurídicos para coibi-las e puni-las.

3.3 Omissão de dados na prest ação de cont as

Também inserido entre os crimes contra a administração da Jus-tiça Eleitoral, o delito em exame é uma inovação trazida pelo ante-projeto de revisão dos crimes eleitorais, cujo teor é, por oportuno, oratranscrito:

Art. 340. Omitir, na prestação de contas, recurso ou valor relativo àreceita ou despesa de partido político ou de campanha eleitoral, ououtra informação exigida pela Justiça Eleitoral:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.

[DOTTI, relator, 2006.]

Tanto em relação a este crime, quanto em relação ao anterior, cons-tata-se que as propostas constantes no anteprojeto vêm suprir carên-cia vivenciada pelos operadores do processo eleitoral, que, muitasvezes, observam a imposição de diversas obrigações pela legislaçãoatinente às contas eleitorais e partidárias sem, contudo, restarem de-

Page 137: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

137

terminadas sanções pelo descumprimento dessas obrigações, o queleva partidos, candidatos e comitês financeiros de campanha eleitorala comportar-se de forma a ignorar os ditames dessas normas, condu-zindo à sensação de impunidade generalizada.

Especificamente em relação ao delito em análise, tem-se que elebusca, também, a probidade das contas partidárias e eleitorais,notadamente no que concerne à integridade dos dados submetidos àfiscalização pela Justiça Eleitoral e, de modo mais genérico, a garantiada lisura do processo eleitoral.

A conduta típica definida pelo dispositivo consiste em omitir dadosnas prestações de contas de campanha eleitoral e nas prestações decontas anuais dos partidos políticos, ou seja, deixar de submeter àJustiça Eleitoral informações relativas a receitas e despesas ou, ainda,outras informações por ela exigidas referentes às contas em questão.Trata-se de crime omissivo próprio, não admitindo, portanto, tentativa.

Podem ser sujeitos ativos do delito contido no dispositivo propostoo candidato e o administrador financeiro de sua campanha, os quaisrespondem solidariamente pela veracidade das informações financei-ras e contábeis relativas à campanha que realizaram; os membros docomitê financeiro constituído pelo partido para a arrecadação e apli-cação de recursos nas campanhas eleitorais e, ainda, os dirigentesdos partidos políticos, que respondem pelas contas das agremiaçõespartidárias, visto que todas essas pessoas têm o dever legal de pres-tar contas à Justiça Eleitoral, seja por ocasião da campanha eleitoral,seja anualmente por obrigação imposta a todos os partidos.

É de salientar-se, ainda, que o elemento subjetivo do tipo é o dolo,ou seja, os sujeitos devem agir conscientes da omissão para a confi-guração do delito; devem, deliberadamente, deixar de apresentar asinformações exigidas. Não é punível a ação involuntária, o esqueci-mento, a imperícia na elaboração das contas, visto que não se encon-tra prevista a forma culposa do crime.

Outro ponto que merece destaque diz respeito à consumação dodelito. É consabido que candidatos e partidos deixam de apresentar,no momento indicado para a apresentação das contas, todos os dadosa elas inerentes, complementando informações à medida que a Justi-ça Eleitoral solicita esclarecimentos e documentos para aferição desua regularidade com vistas à sua aprovação. Assim, há que se ques-tionar se a omissão de dados na prestação de contas inicial já seriabastante para a consumação do crime ou se esta ia se dar tão-somen-

Page 138: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

138

te após o julgamento das contas pela Justiça Eleitoral, na hipótese decomprovar-se, posteriormente, a omissão de informações.

Prevê o anteprojeto, como penas para o delito em questão, a pri-vativa de liberdade, que consiste na reclusão de 1 a 4 anos, e apecuniária, por meio da aplicação de multa. Não foram especificados,também, os valores mínimo e máximo dessa pena pecuniária.

Ainda em relação a esse delito, a tipificação da conduta definidaapresenta-se como positiva e vem aperfeiçoar as regras concernentesàs contas eleitorais e partidárias, na medida em que pretende tratar comgravidade o modo como é visto o cumprimento da obrigação de prestarcontas. Obrigação essa claramente relegada a segundo plano, no con-texto atual do processo eleitoral, mas que, com os acontecimentos quevieram a público recentemente na sociedade política brasileira, restoudemonstrada a necessidade de alterações na legislação eleitoral capa-zes de modificar, também, a conduta dos seus agentes políticos.

3.4 Recursos de fontes vedadas

O delito em questão, também tratado no capítulo de crimes contraa administração da Justiça Eleitoral, cuida do recebimento de recursosde fontes consideradas vedadas, ou seja, de recursos que não devemcustear o processo eleitoral. A proposta foi apresentada com os se-guintes termos.

Art. 345. Receber, direta ou indiretamente, sob qualquer forma ou pre-texto, recurso, contribuição ou auxílio pecuniário ou estimável em di-nheiro, inclusive através de publicidade de qualquer espécie, proce-dente de:

I – entidade ou governo estrangeiro;

II – autoridade ou órgão público, ressalvadas as dotações legais;

III – autarquia, empresa pública ou concessionária de serviço público,sociedade de economia mista e fundação instituída em virtude de lei epara cujos recursos concorram órgãos ou entidades governamentais.

Parágrafo único. Consideram-se recurso as hipóteses previstas no art.305, § 2o, deste código.

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, e multa. [DOTTI, relator,2006. p. 96.]

A tipificação da conduta descrita no caput do dispositivo objetivapelo menos minimizar, senão impedir, a interferência, no processo

Page 139: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

139

eleitoral, de qualquer das possíveis fontes de recursos lá elencadas,especialmente por força do poder econômico e político que podemexercer.

Todavia não especificou o dispositivo quem poderia ser o sujeitoativo do crime, visto que, tanto para candidatos quanto para partidospolíticos, obter recursos de tais entidades/autoridades já configura con-duta proibida na legislação em vigor, embora sem o estabelecimentode qualquer sanção. Pelas remissões constantes do texto do antepro-jeto, as quais fazem referência ao art. 31 da Lei n. 9.096/1995, pode-se concluir que o autor do delito em questão seria o partido políticoque recebesse recursos de qualquer das fontes citadas. Acerca desseparticular, há que se registrar que o anteprojeto pecou ao não incluiros candidatos entre os possíveis sujeitos ativos do delito, uma vezque referida conduta, quando praticada por candidatos, em plena cam-panha eleitoral, também deveria configurar crime e ser punida exem-plarmente, considerada sua gravidade em relação ao bem jurídico pro-tegido, in casu, a lisura das campanhas eleitorais.

Examinando-se as hipóteses tipificadas pela norma proposta, à luzdas regras atualmente vigentes, verifica-se ter havido a exclusão da-quela referente ao recebimento de recursos provenientes de entida-des de classe ou sindicais (Lei n. 9.096/1995, art. 31, “d”), sem quetenha sido, de outra parte, apresentada qualquer justificativa para tan-to na exposição de motivos concernente ao anteprojeto analisado. Sementrar no mérito da exclusão propriamente dita, convém destacar que,permanecendo o dispositivo como proposto, mais uma conduta veda-da pela Lei dos Partidos Políticos persistirá sem o estabelecimento desanção que iniba a sua prática, ou seja, mesmo a grei partidária tendorecebido recursos de uma entidade sindical, não haverá qualquer pe-nalidade a ser aplicada pela Justiça Eleitoral, muito embora tal entida-de continue a ser considerada uma fonte de recursos vedada pela re-ferida lei.

Apenas para salientar a importância da definição das fontes lícitasde recursos para o custeio do processo eleitoral, convém mencionarque a Lei n. 11.300/2006 ampliou o leque de entidades e instituiçõesque estão proibidas de contribuir para as campanhas eleitorais. Aodeixar de incluir os candidatos e comitês financeiros partidários comopossíveis sujeitos ativos do delito previsto no art. 345, o anteprojetodeixou, também, uma brecha para que um candidato pudesse rece-ber, por meio do partido político ao qual está filiado, recursos proveni-entes de uma entidade religiosa, por exemplo, conduta esta vedada

Page 140: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

140

pelo novel diploma legal. Sob esta ótica, caberia discutir, ainda, a ra-zão pela qual o legislador não estabeleceu idênticas fontes vedadasde recursos, tanto pela Lei dos Partidos Políticos quanto pela Lei deEleições, posto que os valores recebidos pelos partidos políticos po-dem livremente ingressar nas campanhas eleitorais de seus candida-tos. Todavia, carece a matéria de exame mais profundo, não compor-tado pela singeleza do presente estudo.

3.5 Julgamento das cont as dos candidatos eleitos

A Lei Eleitoral disciplina a competência da Justiça Eleitoral para oexame das prestações de contas com vistas à verificação de sua re-gularidade, conforme se examina abaixo.

As atribuições da Justiça Eleitoral, em 1994, referiam-se à verifi-cação da regularidade das contas prestadas e da sua correta apre-sentação. A partir de 1996, a legislação é enfática ao afirmar que cum-pre à Justiça Eleitoral decidir sobre a regularidade das contas.

Propôs o colendo Tribunal Superior Eleitoral, a respeito do prazofixado para o exame de regularidade das contas:

Art. 30 [...]

§ 1o A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos será publicadaem sessão até oito dias antes da diplomação. [grifou-se.]

O prazo fixado pela legislação eleitoral para o julgamento das con-tas prestadas sempre foi exíguo. Em 1994, devia a Justiça Eleitoralapreciar as contas prestadas até oito dias antes da diplomação doseleitos. Em 1996, a regra determinava a publicação da decisão quejulgasse as contas, em sessão, até três dias antes da diplomação. Dadaa impossibilidade material de dar cumprimento à norma, uma vez queo prazo final para a diplomação dos candidatos eleitos ocorre aindaem meados do mês de dezembro de cada ano eleitoral, não raras ve-zes interpretou a Justiça Eleitoral que, como o prazo se referia àdiplomação dos eleitos, dizia respeito, exclusivamente, às contas doscandidatos eleitos, não observando o prazo legal para exame das con-tas daqueles candidatos não-eleitos.

Após a Lei n. 9.504/1997 (pleitos posteriores a 1996), referiu-seexpressamente a norma à publicação da decisão que julgasse as con-tas de todos os candidatos, eleitos ou não, em sessão, até oito dias

Page 141: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

141

antes da diplomação, impossibilitando a exegese conferida às normasanteriores. Isso porque claramente exige a lei o julgamento das con-tas de todos os candidatos – não obstante a sua eleição ou não – atéoito dias antes da diplomação.

Observe-se que o prazo final para o julgamento das contas variaem função da fixação da diplomação dos eleitos em cada circunscri-ção eleitoral, visto que o calendário eleitoral prevê, apenas, o prazomáximo para a diplomação.

Para as eleições de 2006, com o advento da Lei n. 11.300/2006,vê-se acolhida a proposição do Tribunal Superior Eleitoral.

A recente lei deu nova redação ao art. 30, § 1o, da Lei das Elei-ções, que disciplinava o tema, passando este a vigorar conformesegue:

Art. 30 [...]

§ 1o A decisão que julgar as contas dos candidatos eleitos serápublicada em sessão até 8 (oito) dias antes da diplomação.

Esse é um significativo avanço legislativo, visto que o prazo ante-riormente fixado conferia à Justiça Eleitoral tarefa verdadeiramentehercúlea, sem condições materiais e operacionais de efetivo cumpri-mento. Assim, já privilegiava a Justiça Eleitoral o exame das contasdos eleitos, por absoluta impossibilidade de dar cumprimento ao dis-positivo legal. Uma vez que o prazo antes fixado dizia respeito a perí-odo anterior à diplomação, passa a Lei das Eleições a disciplinar deforma mais consentânea a regra, impondo a obrigatoriedade de julga-mento das contas daqueles que de fato serão diplomados, permitindoque a Justiça Eleitoral dedique-se com maior profundidade ao examede suas contas.

Poder-se-ia argumentar que, sendo os suplentes tambémdiplomados, também as suas contas deveriam ser examinadas. Naverdade, se possível, as contas de todos os candidatos deveriam serexaminadas no menor prazo possível. Mas, conforme anteriormenteexposto, não dispõe a Justiça Eleitoral de condições para assim pro-ceder. Daí por que a nova redação do dispositivo é a que melhor seadequa à prestação jurisdicional.

Consentânea com a nova regulamentação do tema, mantém-se anorma de que nenhum candidato poderá ser diplomado até que suascontas tenham sido julgadas (Lei n. 9.504/1997, art. 41).

Page 142: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

142

3.6 Possibilidade de reabertura dos processos de prest ação decont as e conseqüências de eventual retificação das cont asprest adas

Propôs o Tribunal Superior Eleitoral a inserção de parágrafo ao art.30 da Lei Eleitoral, nos seguintes termos:

Art. 30 [...]

§ 5o O processo de prestação de contas poderá ser reaberto a qual-quer tempo, por provocação do Ministério Público, de partido políticoou, para fins de retificação, por solicitação do próprio candidato.

Não há na legislação de regência nenhum dispositivo legal quecontemple a proposição do Tribunal Superior Eleitoral.

Avalia-se como positiva a proposição, visto que, deparando-se comdenúncias posteriores à apreciação das contas ou, ainda, com o enca-minhamento de informações que modifiquem o conteúdo das contasjá prestadas, possam estas ser submetidas a novo crivo, como é a hi-pótese de compartilhamento de informações da base de dados daSecretaria da Receita Federal ou, ainda, do eventual monitoramento dasoperações financeiras pelo Banco Central do Brasil. A esse respeito, éimprescindível observar que a eficácia dos procedimentos de aferiçãode regularidade das contas pressupõe a atuação conjunta e integradade órgãos públicos de controle bem estruturados e fortalecidos politi-camente, sobretudo no que se refere às unidades técnicas incumbidasdo exame das contas na Justiça Eleitoral, à Secretaria da Receita Fe-deral e ao Banco Central do Brasil, que detêm as condições para darefetiva operacionalidade aos procedimentos de fiscalização do finan-ciamento das campanhas eleitorais.

A respeito da mencionada retificação de contas, de igual sorte oTribunal Superior Eleitoral propôs a inserção de parágrafo ao art. 30da Lei Eleitoral, consoante segue:

Art. 30 [...]

§ 6o A retificação na forma do § 5o:

I – não necessariamente exime o candidato das sanções aplicáveis,inclusive, se for o caso, a de perda do mandato;

II – não é cabível em relação a contas de campanha rejeitadas pelaJustiça Eleitoral.

Importante a proposição ora em exame, visto que, se viabilizada areabertura das contas por retificação, responderá o candidato pelo re-

Page 143: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

143

sultado das alterações que processar em suas contas. Vale dizer: iden-tificando-se no exame nova irregularidade passível de punição, estaseria coercitivamente imposta.

Note-se que a proposição impede a utilização do instituto da retifi-cação para contas já examinadas pela Justiça Eleitoral em que estatenha concluído pela sua rejeição. Verifica-se que partiu o TribunalSuperior Eleitoral do pressuposto de que o conjunto das irregularida-des que tenha levado à rejeição das contas foi cabalmente provado nosautos, daí porque incabível a sua eventual retificação com vistas amodificar o julgamento realizado. Este procedimento viabilizaria a efe-tiva e imediata aplicação das sanções eventualmente resultantes darejeição das contas (em procedimento específico, por exemplo, tendentea apurar a ocorrência de abuso do poder econômico). Se assim nãofosse, todas as conseqüências advindas da rejeição poderiam subme-ter-se à suspensão, uma vez que sobre as contas estaria novamentese debruçando a Justiça Eleitoral, podendo resultar do exame a suaaprovação.

Contudo, cabe registrar que a aplicação imediata das sanções – queresultaria da imutabilidade da decisão que rejeita as contas – culminapor conflitar, no mérito, com o dispositivo examinado no item 2.8, vistoque o Tribunal Superior Eleitoral propôs, igualmente, que a decisão queaprecie as contas faça coisa julgada apenas após o término do man-dato do candidato eleito.

3.7 Conseqüências da rejeição das cont as

Propôs o Tribunal Superior Eleitoral, ainda, a inserção de novo pa-rágrafo ao mesmo art. 30 da Lei Eleitoral:

Art. 30 [...]

§ 7o A rejeição de contas de campanha por conduta dolosa, em segun-da ou única instância, impede a diplomação ou implica a perda demandato do candidato eleito, sem prejuízo, se for o caso, de represen-tação à autoridade fiscal.

Sem dúvida alguma, a previsão de penalidades específicas, con-cretas e resultantes diretamente da infração às normas de campanhaeleitoral, é providência que urge para afastar a pecha de impunidadeque legitima o cometimento de novas infrações. Nesse sentido, louvá-vel a iniciativa.

Contudo, é de se perquirir se apenas a conduta dolosa deveria imporas penalidades propostas pelo Tribunal Superior Eleitoral.

Page 144: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

144

É que, de há muito, se identifica o contra-senso: a severidade dapunição de alguns delitos eleitorais e a precariedade – ou a absolutaausência – de punição em infrações tão graves como as decorrentesdo financiamento das campanhas eleitorais.

Ora, se, sujeito à observância de uma série de regras legal enormativamente impostas, todas emanadas no intuito de preservar alegitimidade dos pleitos e coibir o abuso do poder econômico, o candi-dato as infrigir ao ponto de ter suas contas rejeitadas pela própria Jus-tiça Eleitoral, é de se esperar que a conseqüência natural da rejeiçãoseja a da impossibilidade de exercer o mandato, e não apenas nashipóteses em que se logre comprovar o dolo.

3.8 Trânsito em julgado da decisão de julgamento das cont as econservação de documentos comprobatórios

A esse respeito, propôs o Tribunal Superior Eleitoral:

Art. 30 [...]

§ 8o A decisão judicial que apreciar a prestação de contas de campa-nha somente fará coisa julgada ao término do mandato do candidatoeleito.

[...]

Art. 32. Os candidatos e os partidos conservarão a documentaçãoconcernente às contas de campanha nos quatro anos seguintes à elei-ção.

[...]

A proposição encerra importante questão, desde há muito debati-da na Justiça Eleitoral: a da natureza dos processos de prestação decontas e das decisões que neles são proferidas. Dessa questão deri-va outra, de caráter secundário, concernente à guarda da documenta-ção comprobatória das prestações de contas.

Contrário senso, todo o disciplinamento do tema evoluiu da ques-tão secundária – guarda da documentação comprobatória – para aquestão principal, cujo contexto é importante resgatar para a compre-ensão adequada da proposição encaminhada pelo Tribunal SuperiorEleitoral.

Nessa esteira, cabe discutir a natureza – terminativa ou não – dadecisão que julgar as contas prestadas à Justiça Eleitoral e a aplicabi-

Page 145: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

145

lidade, ou não, à referida decisão, das disposições dos arts. 276 e 281da Lei n. 4.737, de 15.7.1965 (Código Eleitoral).

Foi nas eleições municipais de 2000 que a Resolução TSE n. 20.566/2000 passou a referir-se expressamente ao trânsito em julgado dadecisão final que julgar as contas, conforme se observa:

Art. 24. [...]

Parágrafo único. Estando pendente de julgamento qualquer processojudicial relativo às contas, a documentação a elas concernente deveráser conservada até o trânsito em julgado da decisão final (Lei n. 9.504/1997, art. 32, parágrafo único).

Vigorou, até o pleito de 2000, o entendimento de que não ocorreriao trânsito em julgado das contas, já que sempre poderia haverreconsideração da decisão que as julgasse, que possui caráter admi-nistrativo. Ocorre que a sucessão de pedidos de reconsideração cul-minava em intermináveis processos administrativos que, não rarasvezes, tinham o seu custo processual onerado em valores superioresaos das contas prestadas.

O dispositivo da Lei n. 9.504/1997 possui, no aspecto em questão,redação idêntica, ou seja: há referência expressa à natureza judicialdo processo em que as contas são julgadas. Vale dizer, confere a leieleitoral natureza judicial aos julgamentos proferidos pela Justi-ça Eleitoral quando aprecia as prestações de contas.

Assim, indubitável argüir-se, pela natureza do julgamento proferi-do, a aplicabilidade das disposições do Código Eleitoral (Lei n. 4.737de 15.7.1965), em seus arts. 276 e 281, às decisões que julgaram ascontas prestadas à Justiça Eleitoral naquele pleito, verbis:

Art. 276. As decisões dos Tribunais Regionais são terminativas, salvoos casos seguintes em que cabe recurso para o Tribunal Superior:

I – especial:

a) quando forem proferidas contra expressa disposição de lei;

b) quando ocorrer divergência na interpretação de lei entre dois oumais tribunais eleitorais;

II – ordinário:

a) quando versarem sobre expedição de diplomas nas eleições fede-rais e estaduais;

b) quando denegarem habeas corpus ou mandado de segurança.

Page 146: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

146

§ 1o É de 3 (três) dias o prazo para a interposição do recurso, contadoda publicação da decisão nos casos dos números I, letras a e b e II,letra b e da sessão da diplomação no caso do número II, letra a.

§ 2o Sempre que o Tribunal Regional determinar a realização de novaseleições, o prazo para a interposição dos recursos, no caso do núme-ro II, a, contar-se-á da sessão em que, feita a apuração das sessõesrenovadas, for proclamado o resultado das eleições suplementares.

[...]

Art. 281. São irrecorríveis as decisões do Tribunal Superior, salvo asque declararem a invalidade de lei ou ato contrário à Constituição Fe-deral e as denegatórias de habeas corpus ou mandado de segurança,das quais caberá recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal,interposto no prazo de 3 (três) dias.

§ 1o Juntada a petição nas 48 (quarenta e oito horas) seguintes, osautos serão conclusos ao presidente do Tribunal, que, no mesmo pra-zo, proferirá despacho fundamentado, admitindo ou não o recurso.

§ 2o Admitido o recurso será aberta vista dos autos ao recorrido paraque, dentro de 3 (três) dias, apresente as suas razões.

§ 3o Findo esse prazo os autos serão remetidos ao Supremo TribunalFederal.

A questão, cuja gravidade é facilmente perceptível, foi finalmenteaclarada na regulamentação do pleito de 2002, com a edição da Reso-lução TSE n. 20.987/2002, que previu, expressamente, os recursoscabíveis das decisões que julgassem as prestações de contas:

Art. 35. Das decisões dos tribunais regionais eleitorais que versaremsobre contas somente caberá recurso para o Tribunal Superior Eleito-ral quando proferidas contra disposição expressa da Constituição Fe-deral ou de lei, ou quando ocorrer divergência na interpretação de leientre dois ou mais tribunais eleitorais.

Em complemento a essa norma, também a Resolução TSE n.21.118, de 6.6.2002, dispondo novamente sobre o tema, fixou ainadmissibilidade da interposição de pedidos de reconsideração, ba-nindo o entendimento até então vigente da admissibilidade dessespedidos, de natureza administrativa, que não conferiam a necessáriasegurança jurídica às decisões proferidas pela Justiça Eleitoral nessamatéria.

O disciplinamento foi mantido nas eleições de 2004. Para as elei-ções de 2006, a Resolução TSE n. 22.250/2006 manteve aobrigatoriedade de que comitês financeiros e candidatos mantivessem

Page 147: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

147

à disposição da Justiça Eleitoral, pelo prazo de 180 dias da decisãofinal que houvesse julgado as contas, todos os documentos a elas re-ferentes e, na hipótese de estar pendente qualquer processo judicial,até sua decisão final.

No que se refere ao trânsito em julgado das contas, contudo, há quese registrar significativo retrocesso normativo sobre o tema. É que aResolução TSE n. 22.250/2006 simplesmente deixou de regulamentaro assunto, delegando à jurisprudência da Justiça Eleitoral a tarefa desedimentar a questão, orientando o não-conhecimento de eventuaispedidos de reconsideração interpostos e a aplicação às decisõesexaradas por suas Cortes apenas do que dispõe expressamente oCódigo Eleitoral, admitindo apenas o recurso especial, nos termos daregulamentação corretamente expendida para o pleito de 2004.

Vê-se que o tema possui grande importância ao financiamento dascampanhas eleitorais. Contudo, da proposição do Tribunal SuperiorEleitoral deduz-se que esta visou, apenas e tão-somente, compatibilizaras normas às propostas de possibilidade de reabertura das contas, oque não poderia ocorrer caso estas estivessem definitivamentejulgadas. Desse mesmo raciocínio decorre a guarda da documentaçãocomprobatória pelo prazo em que a decisão que examina as contas nãofizer coisa julgada.

Ocorre que, ao tempo em que viabiliza os demais procedimentossugeridos pelo Tribunal Superior Eleitoral, a norma também impede quesejam aplicadas, em definitivo, as eventuais sanções decorrentes dojulgamento, o que – caso aprovado – traria sérios problemas à JustiçaEleitoral.

Por outro lado, há que se ressaltar que a proposição tem o méritode consagrar aquilo que a jurisprudência eleitoral já havia sedimentadoao longo de uma década de exame: as contas são objeto de julgamen-to do qual emana decisão que transita em julgado, sendo incabívelalegar que os processos de prestação de contas à Justiça Eleitoral sãode natureza administrativa e, portanto, passíveis de reconsideração aqualquer tempo. Por conseguinte, enquanto não transitada em julgadoa respectiva decisão, obrigatória a guarda da documentação que lhedá lastro.

4 Conclusão

De tudo o que foi exposto, pode-se concluir que o Tribunal SuperiorEleitoral apresentou ao Congresso Nacional importantes questões adisciplinar o financiamento de campanhas eleitorais.

Page 148: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

148

Contudo, a eficácia de tais proposições depende de alteraçõeslegislativas profundas, de impacto constitucional e efetivamentereformuladoras do sistema político-eleitoral.

Dentre as soluções passíveis ao equacionamento das graves ques-tões que permeiam o processo de financiamento de campanhas elei-torais, verifica-se que a instituição de penalidades efetivas para asinfrações, inclusive no que concerne à criminalização de determina-das condutas, é essencial.

Fortalecido o ordenamento jurídico que disciplina o tema — para oqual contribuiu o Tribunal Superior Eleitoral com as proposições enca-minhadas —, a eficiência das soluções propostas depende, ainda, daadoção de um conjunto de ações coordenadas e exercidas por diver-sas instituições, tais como a Secretaria da Receita Federal e o SistemaFinanceiro Nacional, notadamente o Banco Central do Brasil (BACEN),posto que a operacionalização das regras depende não apenas daatuação do Poder Judiciário, mas da adoção de medidas concretas decontrole operacional, que refogem à Justiça Eleitoral. Esta, por suavez, precisa dispor de estrutura técnica especializada e adequada parafazer frente à importante atribuição que a sociedade lhe confere.

5 Referências bibliográficas

BONAVIDES, Paulo. Ciência política. 10. ed. rev. e atual. São Paulo:Malheiros, 2004. 498 p.

______. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965 (Código Eleitoral).

BRASIL. Lei n. 8.713, de 30 de setembro de 1993. Estabelece normaspara as eleições de 3 de outubro de 1994. Diário Oficial [da] RepúblicaFederativa do Brasil, Brasília, DF, 1 de dezembro de 1993. Seção 1, p.14685.

______. Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre parti-dos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3o, inciso V, da Constitui-ção Federal; DOU, 20.9.1995.

______. Lei n. 9.100, de 29 de setembro de 1995. Estabelece normaspara a realização das eleições municipais de 3 de outubro de 1996, edá outras providências. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,Brasília, DF, 2 de outubro de 1995. Seção 1, p. 15333.

______. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997 (Lei das Eleições).Estabelece normas para as eleições. Diário Oficial [da] República Fe-

Page 149: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

149

derativa do Brasil, Brasília, DF, 1o de outubro de 1997. Seção 1, p.21801. Lei n. 10.732, de 5.9.2003; 8.9.2003.

______. Lei n. 11.300, de 10 de maio de 2006. Dispõe sobre propagan-da, financiamento e prestação de contas das despesas com campanhaseleitorais, alterando a Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. DiárioOficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 11 de maio de2006. Seção 1.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 20.987, de 21 defevereiro de 2002. Instruções sobre arrecadação e aplicação de recur-sos nas campanhas eleitorais e prestação de contas (eleições de 2002).Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 12de março de 2002, p. 139.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.118, de 6 de ju-nho de 2002. Constituição do comitê financeiro dos partidos políticos,sobre a alteração do limite de gatos e sobre o recebimento eprocessamento da prestação de contas (eleições de 2002). Diário daJustiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 21 de junhode 2002, p. 243.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.609, de 5 de fe-vereiro de 2004. Instruções sobre arrecadação e aplicação de recur-sos nas campanhas eleitorais e prestação de contas (eleições de 2004).Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 9 demarço de 2004, p. 115.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.668, de 23 demarço de 2004. Altera o art. 21 e revoga os incisos X e XI do art. 42 daRes. n. TSE 21.609/2004. Diário da Justiça [da] República Federativado Brasil, Brasília, DF, 16 de abril de 2004, p. 185.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.833, de 22 de ju-nho de 2004. Altera a Resolução n. 21.609, de 5 de fevereiro de 2004.Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 1o.7.2004, p. 107.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.250, de 29 de ju-nho de 2006. Instruções sobre arrecadação e aplicação de recursosnas campanhas eleitorais e sobre a prestação de contas (eleições de2006). Diário da Justiça [da] República Federativa do Brasil, Brasília,DF, 10.7.2006.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Reforma eleitoral: delitos eleito-rais, prestação de contas (partidos e candidatos), propostas do TSE.Brasília: SDI, 2005. 106 p.

Page 150: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

150

COSTA, Elcias Ferreira da. Direito Eleitoral: legislação, doutrina e ju-risprudência. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994. 301 p.

DOTTI, René Ariel (relator). Anteprojeto de reforma do Código Eleito-ral: normas penais e processuais penais. Estudos Eleitorais, Brasília,v. 2, n. 2, jan - abr. 2006. p. 75-113.

GOMES, Suzana de Camargo. Crimes Eleitorais. 2. ed. rev., atual. eampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. 384 p.

JARDIM, Torquato. Introdução ao direito eleitoral positivo. 2. ed. Brasília:Brasília Jurídica, 1998. 265 p.

LEÃO, Anis José. Direito eleitoral: comentários à Lei n. 8.713/93. 1. ed.Belo Horizonte: Del Rey, 1994. 176 p.

PASOLD, Cesar Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramen-tas úteis para o pesquisador do direito. 7. ed. rev. atual. amp.Florianópolis: OAB/SC, 2002. 243 p.

RIBEIRO, Fávila. Pressupostos constitucionais do direito eleitoral. PortoAlegre: Sérgio Antônio Fabris, 1990. 143 p.

SCHLICKMANN, Denise Goulart. Financiamento de campanhas elei-torais. 3 ed. Curitiba: Juruá, 2006.

Page 151: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

151

LEGISLAÇÃO ELEIT ORAL E VEDAÇÕES AOS AGENTESPÚBLICOS CONTIDAS NO ART. 73 DA LEI 9.504/1997

Juliano Luis Cavalcanti *

1 INTRODUÇÃO. 2 LEGISLAÇÃO ELEITORAL. 2.1 CONSTITUIÇÃOFEDERAL DE 1988. 2.2 CÓDIGO ELEITORAL – LEI N. 4.737/1965.2.3 LEI DOS PARTIDOS POLÍTICOS – LEI N. 9.096/1995. 2.4 LEI DASINELEGIBILIDADES – LC 64/1990. 2.5 RESOLUÇÕES. 2.6 LEI DASELEIÇÕES – LEI N. 9.504/1997. 3 DAS CONDUTAS VEDADAS AOSAGENTES PÚBLICOS EM CAMPANHAS ELEITORAIS. 3.1 DO CAPUTDO ART. 73 DA LEI N. 9.504/1997. 3.2 INCISO I. 3.3 INCISO II. 3.4INCISO III. 3.5 INCISO IV. 3.6 INCISO V. 3.7 INCISO VI. 3.8 INCISOVII. 3.9 INCISO VIII. 3.10 PARÁGRAFO PRIMEIRO. 3.11 PARÁGRA-FO SEGUNDO. 3.12 PARÁGRAFO TERCEIRO. 3.13 PARÁGRAFOQUARTO. 3.14 PARÁGRAFO QUINTO. 3.15 PARÁGRAFO SEXTO.3.16 PARÁGRAFO SÉTIMO. 3.17 PARÁGRAFO OITAVO. 3.18 PARÁ-GRAFO NONO. 3.19 PARÁGRAFO DÉCIMO. 4 CONCLUSÃO. 5 RE-FERÊNCIAS.

1 Introdução:

A Constituição Federal de 1988, já no primeiro artigo, deixou claroque “todo poder emana do povo, que os exerce por meio de represen-tantes eleitos ou diretamente”. Dessa forma temos, no primeiro caso, achamada democracia representativa ou indireta, em que o povo se fazpresente no poder por meio de representantes.

Ocorre que, para escolhermos aqueles que receberão o direito denos representar, é necessário haver uma forma clara, igualitária e defácil compreensão que dê igualdade de oportunidades aos que dese-jam concorrer aos cargos eletivos e possibilite a um número maior depessoas opinar por meio de seus votos.

Nesse sentido, o sistema eleitoral brasileiro é formado por diversasnormas que, em conjunto, regulamentam todo o procedimento demo-crático de escolha dos representantes do povo nas mais diversas es-feras de poder.

* Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (Univali),Professor do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí (Univali) eProcurador-Geral do Município de Balneário Camboriú/SC.

Page 152: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

152

Entre as normas que compõem o sistema eleitoral brasileiro pode-mos citar a Constituição da República de 1988, dos arts. 14-16; o Có-digo Eleitoral – Lei n. 4.737/1965; a Lei dos Partidos Políticos – Lei n.9.096/1995; a Lei das Inelegibilidades – LC n. 64/1990, resoluções doTSE e dos TREs e a Lei das Eleições – Lei n. 9.504/1997, alteradapela Lei n. 11.300/2006, as quais veremos a seguir.

2 Legislação eleitoral

2.1 Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 é a principal fonte normativa dosistema eleitoral brasileiro; dá as diretrizes básicas que devem ser se-guidas por todas as outras normas que regem a matéria, garante quea soberania popular seja exercida pelo sufrágio universal e pelo votodireto e secreto com valor igual para todos. Trata do alistamento elei-toral, da elegibilidade, da reeleição e da cassação e suspensão demandatos, entre outros assuntos.

Dessa forma, toda norma infraconstitucional que vise a regular dealgum modo o sistema eleitoral terá que estar em conformidade comos preceitos constitucionais insculpidos nos arts. 14, 15 e 16 da Cons-tituição Federal de 1988.

2.2 Código Eleitoral – Lei n. 4.737/1965

O Código Eleitoral Brasileiro, datado de 15 de julho de 1965, foirecepcionado em grande parte pela Constituição Federal de 1988, es-tando portanto em vigor, mesmo tendo sido editado em período ante-rior à Constituição atual.

A finalidade precípua do Código Eleitoral é assegurar a organiza-ção e o exercício de direitos políticos, em especial o direito de votar eser votado. Possui uma parte introdutória, uma segunda parte que es-tabelece os órgãos da Justiça Eleitoral, uma terceira parte que tratado alistamento eleitoral, uma quarta parte especificamente sobre aseleições e uma quinta parte com várias disposições, incluindo os cri-mes eleitorais e as correspondentes penas.

É por certo a lei mais extensa de todo o sistema processual, con-tando com 383 artigos.

Page 153: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

153

2.3 Lei dos Partidos Políticos – Lei n. 9.096/1995

A Lei dos Partidos Políticos data de 19 de setembro de 1995, por-tanto editada já sobre a égide da Constituição Federal de 1988, e visaa regulamentar os seus arts. 17 e 14, § 3o.

Essa lei não trata diretamente de eleições, mas regulamenta o fun-cionamento dos partidos políticos, que são instituições indispensáveispara a realização do pleito, já que pelo nosso sistema todo e qualquercandidato deve estar filiado a partido político, sendo vedadas candida-turas avulsas.

2.4 Lei das Inelegibilidades – LC n. 64/1990

Outra lei muito importante no sistema eleitoral brasileiro é a LeiComplementar n. 64/1990, de 18 de maio de 1990, que, em obediên-cia ao art. 14, § 9o, da Constituição Federal de 1988, estabelece os casosde inelegibilidade e os prazos de sua cessação, entre outras providên-cias.

É por certo uma das leis mais confusas e de difícil interpretação detodo o sistema legislativo brasileiro, caracterizando-se, ainda, por pre-ver a possibilidade, em seu art. 22, de investigação eleitoral.

2.5 Resoluções

A cada eleição são editadas diversas resoluções por parte do Tri-bunal Superior Eleitoral e dos tribunais regionais eleitorais, não se tra-tando de novas leis, mas sim de uma forma de orientação por meio deinterpretação e compilação de todo o sistema eleitoral sobre assuntosespecíficos.

Para as eleições municipais de 2008 o TSE editou as Resoluçõesn. 22.579, 22.622, 22.661, 22.623, 22.624, 22.712, 22.713, 22.714,22.715, 22.716, 22.717, 22.718 e 22.719, 22.770, 22.830, 22.867 e22.868, tratando dos mais diversos temas relativos ao pleito, que vãoda propaganda eleitoral, escolha e registro de candidatos, pesquisaseleitorais às vedações aos agentes públicos durante o período eleito-ral, por meio da Resolução n. 22.718.

2.6 Lei das Eleições – Lei n. 9.504/1997

Durante muitos anos, a cada eleição era editada legislação especí-fica para regulamentar o seu procedimento, fato que causava uma con-siderável insegurança jurídica, já que as regras eram alteradas cons-tantemente.

Page 154: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

154

A Lei n. 9.504/1997 caracteriza-se por ser uma norma permanente,com aplicabilidade a todas as eleições subseqüentes à sua edição.Embora tenha sofrido algumas alterações, a mais recente delas pelaLei n. 11.300/2006 conhecida como a Minirreforma Eleitoral, tem omérito de conferir a estabilidade legal pela qual se vinha clamando.

É nessa lei que está inserido o objeto específico do presente estu-do – condutas vedadas aos agentes públicos em período eleitoral.

3 Das condut as vedadas aos agentes públicos em camp anhaseleitorais.

A Lei n. 9.504/1997 reserva um capítulo específico, dos arts. 73 a78, para tratar das condutas vedadas aos agentes públicos em campa-nhas eleitorais, visando a ressalvar a igualdade de condições entre oscandidatos a cargos eletivos.

Também é importante definir que o período eleitoral se inicia com aabertura dos prazos para os partidos realizarem suas respectivas con-venções, destacando-se que o título conferido ao capítulo em análisepode, de alguma forma, induzir os menos atentos a erro, já que seimpõem vedações não apenas no período eleitoral, mas também foradele, como é o caso do § 10 do art. 73, que já determina proibiçãodesde o primeiro dia do ano da eleição.

3.1 Do caput do art. 73 da Lei n. 9.504/1997

Diz o caput do art. 73: “São proibidas aos agentes públicos, ser-vidores ou não, as seguintes condut as tendentes a afet ar a igual-dade de oportunidades entre candidatos nos pleitos eleitorais ” [grifonosso].

Antes de analisarmos cada situação vedada, o que se fará em se-guida, é necessário deixar claro que as condutas arroladas são aque-las praticadas por “agentes públicos, servidores ou não”, ou seja, qual-quer pessoa que esteja no exercício de função pública, remuneradaou não, nomeada ou designada, que tenha qualquer vínculo com aadministração direta, indireta ou fundacional, será punida independen-temente de ter maculado a igualdade entre os candidatos, bastará acomprovação da prática vedada.

Ressalte-se ainda que as representações eleitorais relativas a prá-ticas de atos vedados nesse artigo só podem ser propostas até a data

Page 155: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

155

da eleição, como se vê da decisão do TSE cuja ementa se transcreveabaixo em parte:

[...] 2. No tocante às representações baseadas no art. 73 da Lei dasEleições, o TSE, resolvendo questão de ordem no REspe n. 25.935/SC, fixou entendimento de que tal ação pode ser proposta até a datadas eleições. Após esse dia, o representante carece de interesse pro-cessual. Conforme definido na questão de ordem, tal medida se justi-fica “para evitar o inconveniente grave de perpetuar a disputa políticados tribunais e, de certo modo, evitar comportamento que dificilmentese pode considerar inteiramente legítimo” (REspe n. 25.935/SC, destarelatoria, DJ de 25.8.2006) [REspe TSE n. 28.039].

3.2 Inciso I

Segundo o inciso I, a primeira conduta vedada é a de “ceder ouusar, em benefício de candidato, p artido político ou coligação, bensmóveis ou imóveis pertencentes à administração diret a ou indire-ta da União, dos Est ados, do Distrito Federal, dos T erritórios e dosMunicípios, ressalvada a realização de convenção p artidária ” [gri-fo nosso].

Esse dispositivo, como se pode perceber, apresenta uma exceçãoque é a realização de convenções partidárias, quando então poderáser cedido às agremiações espaço público para que promovam aqueleato. Fora isso, é expressamente proibida a utilização de bens móveisou imóveis da administração direta ou indireta em favor de candidatoou mesmo de partido político, ou seja, utilizar veículos, estádios, giná-sios, maquinários e objetos, enfim, qualquer bem móvel ou imóvel pú-blico, salvo exceções legais conforme se verifica da lei em análise.

Sobre o tema vale transcrever o seguinte julgado:

[...] - RECURSO - REPRESENTAÇÃO - PRÁTICA DE CONDUTA VE-DADA - ART. 73, I, DA LEI N. 9.504/1997 - CARACTERIZAÇÃO - MUL-TA - FIXAÇÃO EM 50.000 UFIR - CONDUTAS REITERADAS - REDU-ÇÃO - FIXAÇÃO DO VALOR ACIMA DO MÍNIMO LEGAL.

É vedada a conduta de ceder ou usar, em benefício de candidato,partido político ou coligação, bens móveis ou imóveis, pertencentes àadministração direta do município. [...] [AC. TRESC n. 17.073.]

Questão interessante é saber se as praças públicas podem ser uti-lizadas para a realização de comícios. A melhor resposta para essaquestão parece ser positiva, já que se trata de bem de uso comum dopovo, prevendo a legislação em análise, no seu art. 39, que “a realiza-

Page 156: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

156

ção de qualquer ato de propaganda partidária ou eleitoral, em recintoaberto ou fechado, não depende de licença da polícia”. Sobre o tema,tem-se:

[...] A realização de comício de campanha em bem de uso comum nãose amolda à vedação prescrita no art. 37 da Lei n. 9.504/1997, umavez que constitui instrumento de propaganda eleitoral diverso daqueleabrangido por referido dispositivo, sendo inadmissível elastecer con-ceitos nele inseridos, de modo a alcançar situações fáticas que nãoforam contempladas pelo legislador ordinário [Ac. TRESC n. 19.773.]

O agente público deve ficar atento, inclusive quanto à utilização demeio eletrônico pela rede mundial de computadores, que pode carac-terizar a utilização indevida de bem pertencente à administração emfavor de candidato ou coligação, como se vê:

Intranet de Prefeitura. Conduta vedada. Art. 73, I, da Lei n. 9.504/1997.Caracterização.

1. Hipótese em que a Corte Regional entendeu caracterizada a condu-ta vedada a que se refere o art. 73, I, da Lei das Eleições, por uso debem público em benefício de candidato, imputando a responsabilida-de ao recorrente. Reexame de matéria fática. Impossibilidade. [...][Ac. TSE n. 21.151.]

Por fim, é bom repetir que as vedações contidas neste inciso con-figuram-se como regra que comporta algumas exceções, seja apresen-tada pelo próprio inciso em comento ou por outro dispositivo, como severá no inciso seguinte.

3.3 Inciso II

A segunda conduta é “usar materiais ou serviços, custeadospelos Governos ou Casas Legislativas, que excedam as prerroga-tivas consignadas nos regimentos e normas dos órgãos que inte-gram ” [grifo nosso].

No exercício de algumas funções, em especial a parlamentar, odetentor do cargo possui a prerrogativa de receber materiais e servi-ços custeados pelo poder público. Como exemplo se pode citar a utili-zação de telefones, gráficas e postais. A medida parece-nos uma ex-ceção às vedações, porém é estipulado um teto, qual seja: o de nãoexceder os limites impostos pelos regimentos e normas internas. So-bre o assunto, vale citar decisão do TSE:

[...] – O asfaltamento de ruas e a realização de reunião com associa-ção de bairro, promovidos pelo prefeito e vice-prefeito, às vésperas da

Page 157: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

157

eleição, não configuram as condutas vedadas descritas nos incisos I eII do art. 73 da Lei n. 9.504/97.

– Se a Corte regional, soberana na análise da prova, concluiu pelaausência de finalidade eleitoreira dos atos, pela fragilidade e inconsis-tência dos depoimentos, e pela não-comprovação do uso promocionaldas condutas praticadas pelo agente público, não há como modificartal entendimento, sem a análise do conjunto probatório, o que é veda-do em sede de recurso especial.

Agravo regimental a que se nega provimento. [AC. TSE n. 7.243.]

Neste caso, o que será considerado irregular não é a utilização purae simples do bem público ou do serviço custeado pela administração,mas sim a utilização acima das cotas estabelecidas.

3.4 Inciso III

Como terceira conduta vedada, temos a de “ceder servidor públi-co ou empregado da administração diret a ou indiret a federal, est adualou municip al do Poder Executivo, ou usar de seus serviços, p ara comi-tês de camp anha eleitoral de candidato, p artido político ou coligação,durante o horário de expediente normal, salvo se o servidor ou empre-gado estiver licenciado ” [grifo nosso].

Em relação a essa vedação é interessante observar que se refereexpressamente aos servidores do Poder Executivo, não fazendo refe-rência aos servidores do Judiciário e do Legislativo.

Segundo a doutrina, embora não mencionado, os servidores doLegislativo também estão afetos ao dispositivo quando prestarem ser-viços à Casa Legislativa e não especificamente ao parlamentar. Já emrelação aos servidores do Judiciário, não há dúvidas de que a proibi-ção também os alcança.

A norma ainda estabelece, por questões lógicas e por respeito àsgarantias individuais insculpidas na norma constitucional, que asvedações dizem respeito ao horário de expediente normal, ou seja, oservidor é livre para desenvolver qualquer atividade lícita fora do horá-rio de trabalho.

Por fim, também são excetuados os servidores em caso de licença,o que parece estar especificado de forma ampla, abrangendo tambémas férias.

No que se refere à participação de funcionário em horário de expe-diente, alguns acórdãos consideram que a regra contida neste inciso

Page 158: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

158

não atinge os comissionados, já que estes exercem função de confian-ça em tempo integral e não se submetem ao horário de expedientenormal:

AGRAVO EM REPRESENTAÇÃO. CONDUTA VEDADA. ALEGAÇÃODE PRÁTICA DE CONDUTA VEDADA POR PARTE DO ATUAL GO-VERNADOR E CANDIDATO À REELEIÇÃO, QUE TERIA UTILIZADOO SEU HORÁRIO DE EXPEDIENTE PARA FAZER CAMPANHA ELEI-TORAL. AFIRMAÇÃO COM BASE EM NOTÍCIA DE JORNAL. FATO,ADEMAIS, QUE NÃO SE AMOLDA À FIGURA CONSTANTE DOINCISO III DO ART. 73 DA LEI 9.504/1997. SENTENÇA DEIMPROCEDENCIA MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO [Ac. TRE-SP n. 143.744.]

Na linha dos acórdãos anteriores, podemos afirmar, inclusive, quenão há que se alegar que candidato à reeleição não possa fazer cam-panha em horário de expediente, caso esteja no exercício do cargo, jáque a vedação é aos funcionários, e o chefe do executivo é agentepolítico, não havendo qualquer vedação legal a sua atuação em buscade votos mesmo que durante o horário de expediente normal.

3.5 Inciso IV

A quart a vedação diz respeito a “fazer ou permitir uso promocionalem favor de candidato, p artido político ou coligação, de distribui-ção gratuit a de bens e serviços de caráter social custeados ousubvencionados pelo Poder Público ” [grifo nosso].

No inciso IV, o que se pretende coibir é a vinculação entre o candi-dato e a distribuição de bens ou serviços de caráter social custeadosou subvencionados pelo poder público no momento da sua efetivação,ou seja, na entrega do bem ou da prestação de serviço, não estandovedado, portanto, durante a campanha eleitoral, que se faça menção aprogramas dessa natureza por se tratar de realização de governo, comose vê:

[...] 6. Um candidato em campanha normalmente é instado a se mani-festar sobre determinado programa que implementou ou pretendeimplementar, sendo assim permitido que se manifeste sobre ele, nãopodendo daí concluir-se o indevido uso promocional a que se refere oart. 73, IV, da Lei n. 9.504/1997.

[...]

8. Para a configuração da infração ao art. 73, IV, da Lei n. 9.504/1997faz-se necessária a efetiva distribuição de bens e serviços de carátersocial.

Page 159: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

159

Agravo de instrumento provido.

Recurso especial conhecido e provido.

Liminar deferida na medida cautelar por ora mantida [Ac. TSE n. 5.817.]

Caso interessante sobre esse tema ocorreu na cidade catarinensede Taió, onde foi inserida propaganda eleitoral em documento público,sobre o que assim se manifestou o TRESC:

RECURSO - REPRESENTAÇÃO - PROPAGANDA ELEITORAL EMDOCUMENTO PÚBLICO - VIOLAÇÃO AO ART. 73, IV, DA LEI N. 9.504/1997 - PROVIMENTO PARCIAL.

A utilização do nome da Coligação, em documento público, caracteri-za conduta vedada, incidindo tão-somente a penalidade de multa quan-do o candidato não foi eleito [Ac. TRESC n. 19.827.]

Outro fato interessante ocorreu no Distrito Federal, quando um can-didato a deputado promoveu em seu comitê de campanha a distribui-ção de passes livres para deficientes físicos, como se vê:

ELEITORAL. DISTRIBUIÇÃO DE REQUERIMENTO DE PASSE LIVREPARA DEFICIENTES FÍSICOS PARA O TRANSPORTE COLETIVO EMCOMITÊ ELEITORAL. PARA BENEFICIAR A CANDIDATURA DE DE-PUTADO DISTRITAL. SERVIÇO DE CARÁTER SOCIAL CUSTEADOPELO PODER PÚBLICO. CONDUTA VEDADA PELA LEGISLAÇÃOELEITORAL. APLICAÇÃO DE MULTA AO BENEFICIÁRIO. PEDIDODE CASSAÇÃO DO REGISTRO DA CANDIDATURA IMPROCEDEN-TE. PROPAGANDA ILEGAL SEM INFLUENCIAR SIGNIFICATIVAMEN-TE O DESEMPENHO ELEITORAL DO CANDIDATO. REPRESENTA-ÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE.[...] [Ac. TRE/DF n.2.330.]

As vedações aqui contidas tratam de aproveitamento indevido deserviços ou programas públicos em favor de candidato, coligação oupartido político. No próximo inciso serão abordadas algumas vedaçõesrelacionadas com o funcionalismo público que, de uma forma ou deoutra, podem ter relevância para o pleito.

3.6 Inciso V

Outra vedação, a quint a a ser analisada, é a de “nomear , contra-tar ou de qualquer forma admitir , demitir sem just a causa, supri-mir ou readapt ar vant agens ou por outros meios dificult ar ou im-pedir o exercício funcional e, ainda, ex officio, remover , transferirou exonerar servidor público, na circunscrição do pleito, nos três

Page 160: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

160

meses que o antecedem e até a posse dos eleitos, sob pena denulidade de pleno direito ” [grifo nosso].

Percebe-se que o inciso V, ao contrário dos anteriores, possui umperíodo de vedação diferenciado. Ao passo que aqueles se referemao período eleitoral, este se refere a de 3 (três) meses antes do pleitoaté a posse dos eleitos, que ocorre no primeiro dia do ano subseqüenteàs eleições.

Além disso, diferentemente do previsto nos incisos anteriores, estátratando apenas dos servidores públicos, o que leva a crer que se re-fere àqueles da administração direta, excluindo os da administraçãoindireta, deixando de fora, portanto, os servidores das empresas pú-blicas e das empresas de economia mista.

Também chama a atenção a expressão “circunscrição do pleito”,ou seja, na área de abrangência da eleição que para Presidente daRepública é o País todo, para Governador o Estado e para Prefeito oMunicípio.

Vale dizer ainda que, de acordo com o entendimento do TribunalEleitoral de Santa Catarina, a nomeação ou contratação é indepen-dente do vínculo ou forma pela qual se realiza, incluindo aí acontratação de estagiários, como se vê:

- CONDUTA VEDADA AOS AGENTES PÚBLICOS - ADMISSÃO DEESTAGIÁRIOS EM PERÍODO PROIBIDO PELA LEGISLAÇÃO ELEI-TORAL - POSSÍVEL INOBSERVÂNCIA DO ART. 73, V, DA LEI N. 9.504/1997 - DECISÃO LIMINAR SUSPENDENDO CONTRATOS DE ESTÁ-GIO - TÉRMINO DAS ELEIÇÕES - AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVAPARA MANTER A SUSPENSÃO DA CONDUTA - PROVIMENTO. [Ac.TRESC n. 19.925.]

Quanto à segunda metade do inciso, ou seja, a que veda a remo-ção, transferência ou exoneração de servidor público, refere-se aosatos ex officio, ou seja, sem provocação, sem requerimento, concluin-do-se que se houver a solicitação do servidor para tal ato, o agentepúblico responsável poderá praticá-lo.

Já em relação à sanção, temos que a primeira e mais urgente aosolhos da lei é a anulação do ato irregular, ou seja, o seu desfazimento,a determinação para que o funcionário volte à situação anterior ao atoimpugnado.

Ressalte-se que estão inseridas no próprio inciso V algumas exce-ções aos seus mandamentos, que são:

Page 161: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

161

“a) a nomeação ou exoneração de cargos em comissão e de-signação ou dispensa de funções de confiança ” [grifo nosso];

A letra “a” deve-se ao fato de que existem alguns cargos cujos pre-enchimento é de livre escolha do administrador público, podendo esteexonerar ou nomear seus ocupantes no momento que entender maisconveniente. Trata-se de uma disposição constitucional que a lei elei-toral respeitou ao fazer a referência, como exceção, de que ela não seaplica aos cargos de livre exoneração e nomeação.

“b) a nomeação p ara cargos do Poder Judiciário, do MinistérioPúblico, dos T ribunais ou Conselhos de Cont as e dos órgãos daPresidência da República ” [grifo nosso];

Quanto à letra “b”, é possível verificar que a maioria dos casoselencados não se submete à eletividade, como o Ministério Público, oPoder Judiciário e outros, com exceção dos órgãos da Presidência daRepública.

“c) a nomeação dos aprovados em concursos públicos homo-logados até o início daquele prazo ” [grifo nosso];

Já em relação a letra “c”, tem-se que é possível nomear funcionáriopúblico para os cargos em que tenha havido concurso público, desdeque este seja homologado nos três meses que antecedem o pleito.

Em referência ao concurso público, tem-se que o procedimento podeser realizado mesmo no período compreendido nos três meses queantecedem ao pleito; o que a legislação veda é a nomeação, como ficaclaro do acórdão a seguir transcrito:

[...] 1 – O que a lei eleitoral não permite é a contratação e nomeaçãode aprovados em concurso público cuja homologação tenha se dadonos 3 (três) meses que antecedem às eleições.

2 – O art.73, V, da Lei n. 9.504/97 não proíbe a realização de concursopúblico, mas, sim, a ocorrência de nomeações, contratações desde os3 (três) meses anteriores ao pleito, até a posse dos eleitos. Preceden-tes do TSE. [...]

4 – Representação julgada improcedente. [Ac. TRE/CE n. 11.366.]

“d) a nomeação ou contrat ação necessária à inst alação ou aofuncionamento inadiável de serviços públicos essenciais, comprévia e expressa autorização do Chefe do Poder Executivo ” [grifonosso];

Como penúltima exceção, na letra “d” está autorizada a contraçãode pessoal para serviços públicos inadiáveis em respeito aos princípi-

Page 162: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

162

os da eficiência e da continuidade do serviço público insculpidos no art.37 da Constituição Federal.

Como se vê pelo acórdão a seguir transcrito, o TSE tem dado inter-pretação rigorosa ao dispositivo em tela, considerando que é necessá-rio que os serviços sejam essenciais e realmente inadiáveis:

CONDUTA VEDADA A AGENTE PÚBLICO EM CAMPANHA ELEITO-RAL. ART. 73, INCISO V, ALÍNEA “D”, DA LEI N. 9.504/1997.

1. Contratação temporária, pela Administração Pública, de professo-res e demais profissionais da área da educação, motoristas, faxineirose merendeiras, no período vedado pela lei eleitoral.

2. No caso da alínea “d” do inciso V da Lei n. 9.504/1997, só escapa dailicitude a contratação de pessoal necessária ao funcionamentoinadiável de serviços públicos essenciais.

3. Em sentido amplo, todo serviço público é essencial ao interesse dacoletividade. Já em sentido estrito, essencial é o serviço públicoemergencial, assim entendido aquele umbilicalmente vinculado à “so-brevivência, saúde ou segurança da população”.

4. A ressalva da alínea “d” do inciso V do art. 73 da Lei n. 9.504/97 sópode ser coerentemente entendida a partir de uma visão estrita daessencialidade do serviço público. Do contrário, restaria inócua a fina-lidade da lei eleitoral ao vedar certas condutas aos agentes públicos,tendentes a afetar a igualdade de competição no pleito. Daqui resultanão ser a educação um serviço público essencial. Sua eventualdescontinuidade, em dado momento, embora acarrete evidentes pre-juízos à sociedade, é de ser oportunamente recomposta. Isso porinexistência de dano irreparável à “sobrevivência, saúde ou seguran-ça da população”.

5. Modo de ver as coisas que não faz tábula rasa dos deveres consti-tucionalmente impostos ao Estado quanto ao desempenho da ativida-de educacional como um direito de todos. Não cabe, a pretexto documprimento da obrigação constitucional de prestação “do serviço”,autorizar contratação exatamente no período crítico do processo elei-toral. A impossibilidade de efetuar contratação de pessoa em quadraeleitoral não obsta o poder público de ofertar, como constitucional-mente fixado, o serviço da educação.

“e) a transferência ou remoção ex officio de milit ares, policiaiscivis e de agentes penitenciários ” [grifo nosso].

A última exceção, prevista na letra “e”, trata de segurança pública,já que prevê a possibilidade de transferências, mesmo que ex officio,de militares, policiais civis e agentes penitenciários, levando em consi-deração a natureza das funções.

Page 163: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

163

3.7 Inciso VI

No inciso VI, ainda do art. 73, são arrolados mais alguns atos queficam vedados nos três meses antecedentes ao pleito, o que, para oano de 2008, é a partir de 5 de julho, destacando-se que passadas aseleições estarão liberados. São eles:

“a) realizar transferência voluntária de recursos da União aosEstados e Municípios, e dos Est ados aos Municípios, sob pena denulidade de pleno direito, ressalvados os recursos destinados acumprir obrigação formal preexistente p ara execução de obra ouserviço em andamento e com cronograma prefixado, e os desti-nados a atender situações de emergência e de calamidade públi-ca” [grifo nosso].

A letra “a” se refere à transferência voluntária de recursos, vedan-do somente aquela transferência graciosa, sem a característica daobrigatoriedade constitucional ou legal, excetuados os casos de trans-ferências voluntárias destinadas a honrar obrigações preexistentes como objeto já em execução e com cronograma prefixado, além, é claro,dos casos de atendimento a situações de emergência e de calamida-de pública.

Fora os casos especificados nas exceções, fica vedada a transfe-rência voluntária mesmo que tenha sido firmado convênio entre osentes públicos anteriormente ao prazo vedado, como se observa daresposta a consulta formulada ao TSE:

CONSULTA. ELEIÇÕES 2006. CONVÊNIO. VERBAS. REPASSE.PERÍODO VEDADO. IMPOSSIBILIDADE.

– É vedada à União e aos Estados, nos três meses que antecedem opleito, a transferência voluntária de verbas, ainda que decorrentes deconvênio ou outra obrigação preexistente, desde que não se destinemà execução de obras ou serviços já iniciados.

– Consulta respondida negativamente. [Ac. TSE n. 22.284.]

Sobre o tema, o Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina temadotado posição curiosa, considerando vedada a transferência volun-tária mesmo havendo convênio firmado anteriormente ao prazo limite,mas deixando de aplicar a penalidade prevista na lei. É que existeresposta a consulta formulada àquele Tribunal Regional Eleitoral queaponta no sentido da transferência voluntária se tornar obrigatória apósa formalização do convênio.

Page 164: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

164

Neste sentido:

CONSULTA1 - TRANSFERÊNCIAS VOLUNTÁRIAS DE RECURSOS(ART. 73, VI, “A”, DA LEI N. 9.504/97) - CELEBRAÇÃO DE CONVÊNI-OS ANTES DOS TRÊS MESES QUE ANTECEDEM O PLEITO -DESCARACTERIZAÇÃO DA VOLUNTARIEDADE - PERMISSÃO.

A TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS, QUANDO ADVINDOS DE CON-VÊNIOS CELEBRADOS ANTES DOS TRÊS MESES QUE ANTECE-DEM O PLEITO, TORNA-SE OBRIGATÓRIA, FICANDO FORA DAVEDAÇÃO PREVISTA NO ART. 73, INCISO VI, LETRA “A”, DA LEI N.9.504, DE 1997. [Ac. TRESC n. 1.963.]

Diante disso, a Corte Eleitoral barriga verde considerou que o re-passe pode ser caracterizado como verdadeiro erro de proibição:

- RECURSO - REPRESENTAÇÃO - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL ELEI-TORAL - LEI COMPLEMENTAR N. 64/1990 - AGENTE PÚBLICO ES-TADUAL - PREFEITO MUNICIPAL CANDIDATO À REELEIÇÃO - CON-DUTAS VEDADAS - CONVÊNIO - REPASSE DE VERBAS - TRANS-FERÊNCIA VOLUNTÁRIA - PERÍODO ELEITORAL - CARACTERIZA-ÇÃO .

[...]

A existência de orientação da Corte Julgadora de que as verbas re-passadas em decorrência de convênio têm natureza de transferênciaobrigatória, materializada em consulta, exclui a culpabilidade da con-duta ilícita dos recorrentes, aplicando-se, por analogia, a figura do errode proibição prevista no art. 21 do Código Penal.

Questão de Ordem. Revogação da Resolução TRESC n. 7.076/1998.Acolhimento. [Ac. TRESC n. 17.392.]

A vedação, embora não mencionada expressamente, refere-se àtransferência da administração direta e indireta, como se vê da respos-ta pelo TRESC à consulta formulada:

CONSULTA - TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS ENTRE ENTESPÚBLICOS DURANTE O PERÍODO DE CAMPANHA ELEITORAL -ALCANCE DO COMANDO PREVISTO NO ART. 73, VI, “A”, DA LEI N.9.504/1997 - PRESENÇA DE PRETENSO CANDIDATO EM INAUGU-RAÇÃO DE OBRA PÚBLICA - POSSIBILIDADE - RESTRIÇÃO IMPOS-TA AO CANDIDATO SOMENTE - CONHECIMENTO.

Extrai-se da leitura do art. 73, VI, “a”, da Lei n. 9.504/1997 que a restri-ção imposta à transferência voluntária de recursos da União ou dos

1 A Resolução que respondeu a consulta foi revogada pelo TRESC em 30.7.2002.

Page 165: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

165

Estados alcança tanto a Administração Pública municipal direta comoa indireta, consistindo em limitação que se impõe aos órgãos e àspessoas jurídicas vinculadas ao poder público municipal. [Res. TRESCn. 7.480.]

Vale lembrar que o que é vedado é a transferência de um ente daFederação a outro. Caso haja a transferência à instituição que nãoaquelas, o ato será válido, como se vê:

[...]

1 – A transferência de recursos do governo estadual a comunidadescarentes de diversos municípios não caracteriza violação ao art. 73,VI, “a”, da Lei n. 9.504/1997, porquanto os destinatários são associa-ções, pessoas jurídicas de direito privado.

[...]

4 – Reclamação julgada improcedente. [Ac. TSE n. 266.]

Recentemente, o Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norteconsiderou que os royalties pagos pela Petrobrás pela exploração depetróleo não se enquadram nas transferências voluntárias:

[...] A transferência obrigatória do excesso dos recursos provenientesdos royalties pagos pela Petrobrás não viola o disposto no art. 73, VI,alínea “a”, da Lei n. 9.504/97.

Recurso improvido. [Ac. n. 2.291.]

“b) com exceção da prop aganda de produtos e serviços quetenham concorrência no mercado, autorizar publicidadeinstitucional dos atos, programas, obras, serviços e camp anhasdos órgãos públicos federais, est aduais ou municip ais, ou das res-pectivas entidades da administração indiret a, salvo em caso degrave e urgente necessidade pública, assim reconhecida pela Jus-tiça Eleitoral; ” [grifo nosso].

A segunda vedação apresentada na letra “b” do inciso sob comen-to procura coibir a propaganda institucional nos três meses que ante-cedem ao pleito por considerar que esse ato pode, de alguma forma,influenciar na vontade do eleitor.

De início, vale dizer que publicidade institucional é aquela oficial,paga com recursos públicos, que visem de alguma forma dar conheci-mento dos atos, obras, programas, serviços e campanhas dos órgãospúblicos.

Como se vê do julgado a seguir:

Page 166: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

166

[...]. Não caracteriza publicidade institucional o panfleto que não foiproduzido mediante autorização ou participação do poder público, nempor ele custeado, e que não contém brasão, símbolo ou slogan muni-cipal ou da administração, ao contrário, possui cunho eminentementeeleitoral, pois relaciona as obras realizadas na gestão do subscritordivulgando mensagem de apoio a candidaturas. [Ac. TRESC n. 21.323.]

Embora possa parecer que a norma viole o princípio da publicida-de, ao qual está afeta a administração pública, na verdade o que sepretende coibir é a propaganda “disfarçada”, “sublinear”, que pode re-presentar este ato.

Vale lembrar que simples entrevista a meio de comunicação nãocaracteriza publicidade institucional, como se vê do seguinte acórdão:

RECURSO - REPRESENTAÇÃO - INVESTIGAÇÃO JUDICIAL - RÁ-DIO - ENTREVISTA CONCEDIDA PELO SECRETÁRIO MUNICIPALDE OBRAS - INFORMAÇÕES SOBRE INTERRUPÇÃO DE SERVI-ÇOS PRESTADOS PELA PREFEITURA - PUBLICIDADEINSTITUCIONAL - USO INDEVIDO DE VEÍCULO DE COMUNICAÇÃO- NÃO-CONFIGURAÇÃO. [Ac. TRESC n. 19.795.]

Para que se autorize a publicidade institucional, deve ser demonstra-da de forma clara a ocorrência de alguma das exceções e, sendo elaembasada na gravidade e urgência, esta deverá ser realmente impor-tante e assim reconhecida pela Justiça Eleitoral. Neste sentido já semanifestou o TSE no Acórdão n. 22.293, relator o Min. Marco AurélioMendes de Farias Mello, de 30.6.2006.

Outra decisão que vale mencionar diz respeito à manutenção de pági-na na internet por candidato a deputado, a qual não foi consideradapropaganda institucional:

Agravo regimental. Recurso especial. Eleições 2006. Representação.Propaganda institucional. Parlamentar. Não-caracterização. Fundamen-tos não afastados.

1. A divulgação da atividade parlamentar em sítio da Internet, nos trêsmeses anteriores ao pleito, não caracteriza, por si só, propagandainstitucional.

2. O agravo regimental, para que obtenha êxito, deve afastar toda afundamentação da decisão impugnada.

Agravo regimental a que se nega provimento.

Vale lembrar que a vedação também atinge as concessionárias deserviço público, como se vê:

Page 167: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

167

EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONTRA ACÓRDÃO - SERVIÇOPÚBLICO DE ENERGIA ELÉTRICA - CONCESSIONÁRIA - PUBLICI-DADE INSTITUCIONAL - EQUIPARAÇÃO A AGENTE PÚBLICO - APLI-CAÇÃO DA MULTA PREVISTA NO ART. 73, §§ 4o E 8o, DA LEI DASELEIÇÕES - POSSIBILIDADE - APRECIAÇÃO EM SESSÃO - OMIS-SÃO SANADA - CONHECIMENTO E ACOLHIMENTO PARCIAL. [Ac.TRE-RN 2.180.]

A publicidade institucional está vedada, mesmo que contenha ca-ráter educativo, informativo ou de orientação social, como se vê noacórdão abaixo:

Representação. Evento. Município. Convites. Menção. Apoio. Gover-no estadual. Contrapartida. Show artístico. Contratação. Publicidadeinstitucional indireta. Conduta vedada. Art. 73, VI, “b”, da Lei n. 9.504/1997. Infringência. Multa. Dissenso jurisprudencial. Não-configuração.Reexame de matéria fática. Impossibilidade. Prequestionamento. Au-sência. [...]

3. A mencionada regra proibitiva não admite publicidade institucional,ainda que realizada sem ofensa ao art. 37, § 1o, da Constituição Fede-ral, ou seja, mesmo que tenha exclusivo caráter educativo, informativoou de orientação social.

Recurso especial parcialmente conhecido, mas improvido. [Ac. TSE n.21.171.]

Vale lembrar, ainda, que a publicidade institucional não se dá ape-nas por meio dos órgãos de imprensa, pode ocorrer de outras formas,como outdoors, folders, placas, etc. Sobre o tema, colhe-se da jurispru-dência:

PUBLICIDADE INSTITUCIONAL - PROGRAMAS - OBRAS - SERVI-ÇOS E CAMPANHAS - ADMINISTRAÇÃO DIRETA E INDIRETA - PRÊ-MIO INCENTIVO AO ENSINO FUNDAMENTAL - VALORIZAÇÃO DOPROFESSOR - VEICULAÇÃO DE CARTAZES E FOLDERS - PERÍO-DO CRÍTICO DE TRÊS MESES ANTES DAS ELEIÇÕES - GRAVE EURGENTE NECESSIDADE PÚBLICA - AUSÊNCIA DE CONFIGURA-ÇÃO. [Ac. TSE n. 22.292.]

Ressalte-se que, mesmo no período em que é permitida a publici-dade institucional, é necessário muito cuidado para que ela não secaracterize em verdadeira propaganda eleitoral, como se vê:

PROPAGANDA ELEITORAL EXTEMPORÂNEA E SUBLIMINAR EMJORNAL E OUTDOORS. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO AOS ARTS. 36,§ 3o, DA LEI 9.504/97 E 333 DO CPC: IMPROCEDÊNCIA. DISSÍDIOJURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO.

[...]

Page 168: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

168

2. Considera-se propaganda eleitoral subliminar a publicidade que tra-ça paralelo entre a administração atual e a anterior, despertando alembrança dos eleitores para as qualidades do administrador candida-to à reeleição. [...] 4. Recurso não conhecido. [Ac. TSE n. 19.331.]

Vale lembrar, ainda, que simples informativo dando conta da atua-ção da administração municipal é encarado pelo TSE como propagan-da institucional, conforme se verifica do acórdão a seguir:

Propaganda eleitoral extemporânea em jornal (L. 9.504/97, art. 36, §3o) - Distribuição de informativo acerca da atuação da AdministraçãoMunicipal.

1. Hipótese de nítida propaganda institucional, veiculada antes do tri-mestre anterior à eleição (L. 9.504/97, art. 73, § 4o).

2. Recurso especial conhecido e provido para tornar insubsistente amulta aplicada. [Ac. TSE n. 2.421.]

Ademais, ressalvados os casos de propaganda de produtos e ser-viços que tenham concorrência no mercado e de grave e urgente ne-cessidade pública devidamente reconhecida pela Justiça Eleitoral, oque leva ao entendimento de que antes da sua vinculação ela deve serconsultada, a publicidade institucional está veementemente vedadano período consignado.

“c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, forado horário eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da JustiçaEleitoral, trat ar-se de matéria urgente, relevante e característicadas funções de governo; ” [grifo nosso].

A alínea “c” traz vedação ao pronunciamento em cadeia de rádio etelevisão fora do horário eleitoral gratuito, excetuando-se os casos dematéria urgente, relevante e característica das funções públicas, desdeque autorizado pela Justiça Eleitoral, que avaliará a sua necessidade.

Essa vedação busca evitar que detentor de cargo público utilizeindevidamente os meios de comunicação para “aparecer”, ser vistojustamente em período próximo ao pleito, situação que sem dúvida podeinfluenciar no ânimo do eleitor, causando desequilíbrio ao pleito.

É bom que fique claro que os agentes públicos não estão impedi-dos de conceder entrevistas durante o período eleitoral, situação quesó ocorre com os candidatos, conforme já se pronunciou o TSE:

Representação. Propaganda eleitoral. Não se caracteriza como tal aentrevista de Ministro de Estado à imprensa, manifestando-se a res-peito das repercussões de episódio eleitoral já ocorrido (1o turno daeleição presidencial). Representação improcedente. [Ac. TSE n. 1.238.]

Page 169: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

169

3.8 Inciso VII

O inciso VII do art. 73 vem em complementação à letra “b” do incisoVI, pois que veda – no ano da eleição, durante os meses anteriores aopleito, em que a publicidade institucional está liberada – a realizaçãode despesas com aqueles atos “que excedam a média dos gastosnos três últimos anos que antecedem o pleito ou do último anoimediat amente anterior à eleição ” [grifo nosso].

A medida busca evitar um aumento nas despesas e uma intensifi-cação das publicidades com o fim de divulgar realizações de governoem benefício de candidatos ou coligações.

São verificadas duas médias: a dos gastos nos últimos três anosantes do pleito e a média do último ano imediatamente anterior à elei-ção. A conta é feita somando-se os gastos mensais e dividindo-se ototal pelo número de meses.

Vale lembrar que o cálculo deve englobar todos os gastos com publi-cidade efetuados pelo ente, abrangendo a administração direta e indi-reta, bem como suas autarquias.

Sobre esse assunto já se pronunciou o TRESC, por meio do Acórdãon. 19.989, de 13.6.2005, relator Juiz Paulo Roberto Camargo Costa nosentido de que, se a média de gastos do primeiro semestre do anoeleitoral for superior à do ano imediatamente anterior, se impõe a apli-cação da multa.

3.9 Inciso VIII

O último inciso do art. 73, veda ao administrador público “fazer, nacircunscrição do pleito, revisão geral da remuneração dos servi-dores públicos que exceda a recomposição da perda de seu poderaquisitivo ao longo do ano da eleição, a p artir do início do prazoestabelecido no art. 7 o da Lei 9.504/97, até a posse dos eleitos ”[grifo nosso].

Este inciso tem recebido muitas críticas da doutrina por sua imper-feição, visto que possui uma redação complicada que deixa o exegetaem dúvida inclusive quanto à data de início da vedação.

Para Joel Cândido (2004, p. 532), o inciso em estudo tem “péssimaredação” e o período de vedação vai de abril a outubro – 180 diasantes da eleição – até a posse dos eleitos, por ser o único prazo espe-

Page 170: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

170

cificado no art. 7o da Lei n. 9.504/1997. Já para Decomain (2004, p.358), o legislador teria se equivocado ao se referir ao prazo do art. 7o

quando a intenção seria ao do art. 8o, sendo, portanto, a proibição paraa data em que fosse aberto o prazo para as convenções partidárias, ouseja, 10 de julho do ano da eleição.

O Tribunal Superior Eleitoral, no entanto, em pronunciamento pormeio de resoluções, e em especial pela Resolução n. 22.780 – quedispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas vedadas aos agen-tes públicos nas Eleições 2008 –, definiu como sendo o prazo de 180dias, estipulando a data de 8 de abril do corrente ano para início davedação.

Mas as dúvidas em relação a este inciso não se resumem ao pra-zo de vigência da vedação. Também se discute o que seria a tal “revi-são geral da remuneração”. Parece que se trata de alteração da re-muneração de todo o funcionalismo, sendo possível, ao que se vê,aumentos setoriais de categorias específicas, pois do contrário seriasupérflua a expressão “geral”.

Também se observa que não se pode proceder à revisão que exce-da à recomposição da perda de poder aquisitivo ao longo do ano daeleição, vedado, portanto, o aumento real, aquele que supera as perdasinflacionárias ao longo do ano da eleição. Mas é bom que se diga que épossível repor as perdas inclusive de anos anteriores ao da eleição.

Concluindo, vale lembrar que o inciso não aponta a forma ou oparâmetro a ser adotado para verificação da perda de poder aquisitivo,o que pode causar controvérsias, já que os números inflacionários,não raro, podem variar conforme o método de pesquisa, o instituto oua região, situação que parece dificultar a aplicação do inciso VIII.

Sobre a revisão geral já se decidiu:

Revisão geral de remuneração de servidores públicos - Circunscriçãodo pleito - Art. 73, inciso VIII, da Lei n. 9.504/97 - Perda do poderaquisitivo - Recomposição - Projeto de lei - Encaminhamento - Apro-vação.

[...]

4. A revisão geral de remuneração deve ser entendida como sendo oaumento concedido em razão do poder aquisitivo da moeda e que nãotem por objetivo corrigir situações de injustiça ou de necessidade derevalorização profissional de carreiras específicas.

[Res. TRE/DF n. 21.296.]

Page 171: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

171

Em conclusão, é bom alertar para que o agente público esteja atentoao fato de que a revisão da remuneração de categoria específica podenão infringir o inciso em análise, mas em sendo realizada nos três mesesque antecede o pleito, pode caracterizar infração ao inciso V do art. 73,que veda a “readaptação de vantagens” aos servidores.

3.10 Parágrafo primeiro

O parágrafo primeiro define expressamente o que é “agente públi-co” para os efeitos do art. 73, conceituando-o como aquele que “exer-ce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição,nomeação, designação, contrat ação ou qualquer outra forma deinvestidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nosórgãos ou entidades da administração pública diret a, indiret a, oufundacional ” [grifo nosso], apresentando uma definição ampla, nosmoldes do que é previsto no art. 327 do Código Penal Brasileiro.

Como exemplo do alcance dessas disposições transcreve-se abai-xo decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Estado de São Paulo queconsiderou agente público, para efeito do art. 73 da Lei n. 9.504/1997,funcionário de hospital no exercício de função em execução de convê-nio com o SUS:

RECURSO INOMINADO, INFRAÇÃO AO ARTIGO 73 DA LEI 9.504/97, AGENTE PÚBLICO, FUNCIONÁRIO DE HOSPITAL NO EXERCÍ-CIO DE FUNÇÃO EM EXECUÇÃO DE CONVÊNIO COM O SUS, CA-RACTERIZAÇÃO, LEGITIMIDADE DE PARTE PASSIVA PARA RES-PONDER À REPRESENTAÇÃO POR VIOLAÇÃO À LEI ELEITORAL,RECURSO IMPROVIDO. [Ac.139.720.]

As vedações alcançam, de regra, os servidores estaduais mesmo emse tratando de eleições municipais, a menos que elas estejam adstritasapenas à circunscrição do pleito, como se verifica do acórdão abaixo:

CONSULTA - ELEIÇÕES MUNICIPAIS - CONDUTAS VEDADAS (LEIN. 9.504/1997) - AGENTES PÚBLICOS VINCULADOS AO ESTADO.

As condutas vedadas aos agentes públicos, prescritas na Lei n. 9.504/1997, mesmo se tratando de eleições municipais, são aplicáveis aosagentes vinculados ao Estado, à exceção do art. 73, incisos V, VI alí-neas “b” e “c”, e VIII, que se restringem à circunscrição ou à esferaadministrativa do município. [Res. TRESC n. 7.369.]

Como se observa, a conceituação de “agente público”, para finsda Lei n. 9.504/1997, extrai-se do próprio texto legal, possibilitando,assim, a chamada interpretação contextual.

Page 172: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

172

3.11 Parágrafo segundo

Este parágrafo traz uma exceção à vedação imposta no inciso I docaput do art. 73, que proíbe “ceder ou usar , em benefício de candi-dato, p artido político ou coligação, bens móveis ou imóveis per-tencentes à administração diret a ou indiret a da União, dos Est a-dos, do Distrito Federal, dos T erritórios e dos Municípios, ressal-vada a realização de convenção p artidária ” [grifo nosso].

Referida exceção diz respeito ao transporte oficial do presidenteda República, desde que reembolsado o erário nos moldes do art. 76dessa lei, e ao uso – pelo presidente e vice-presidente da República,governador e vice-governador de Estado e do Distrito Federal, prefei-to e vice-prefeito – das residências oficiais para encontros políticos,mesmo no período de eleição, desde que não tenham caráter de atopúblico, conforme já se decidiu:

[...] Mérito.

Uso da residência oficial para encontro político. Fato atípico. Art. 73, §2o, da Lei 9.504/97. Simples presença da imprensa no local nãotransmuda o ato em público.

Uso promocional do candidato a Governador. A promessa de reajustede vencimentos aos servidores públicos configura uma promessaeleitoreira e não promoção pessoal.

Publicidade institucional consistente em circulação de matéria vedadaem portais de informação do Governo do Estado. Inexistência de pro-va contundente. Caráter meramente informativo das atividades desen-volvidas pela Administração. Improcedência da representação. [Ac.TRE/MG n. 4.577.]

Alerta-se que a autorização quanto ao uso de transporte oficial éapenas para o presidente da República e sua comitiva, não se per-mitindo o mesmo aos demais agentes, aos quais continua vedado ouso de veículos oficiais na campanha, mesmo que haja reembolsoao erário.

3.12 Parágrafo terceiro

No § 3o está especificado que as vedações do inciso VI, alíneas “b”e “c”, que proíbem – nos três meses que antecedem ao pleito – a publi-cidade institucional e o pronunciamento em cadeia de rádio ou televi-são, “aplicam-se apenas aos agentes públicos das esferas admi-

Page 173: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

173

nistrativas cujos cargos estejam em disput a na eleição ” (grifo nos-so). Portanto, se a eleição for para prefeito, o presidente da Repúbli-ca e seus ministros continuam tendo direito a fazer pronunciamentosem cadeia de rádio e televisão, bem como a ordenar publicidadeinstitucional, já que os cargos em disputa não dizem respeito ao depresidente e vice-presidente da República. Sobre o assunto, já sedecidiu:

Mandado de Segurança. Ato da MM. Juíza Eleitoral. Proibição de cam-panha publicitária noticiando inauguração de maternidade local econclamando a população a doar sangue. Pedido de liminar. Deferi-mento pelo relator. Propaganda institucional municipal em ano de elei-ções presidenciais, federais e estaduais. Possibilidade. Inteligênciado art. 73, § 3o, da Lei n. 9.504/97. Observância do disposto no art. 37,§ 1o, da Constituição da República. Publicidade de caráter meramenteinformativo e de orientação social. Concessão da ordem. [Ac. TRE-MG n. 2.143.]

3.13 Parágrafo quarto

O parágrafo quarto apresenta a punição ao infrator das disposi-ções do art. 73, impondo “a suspensão imediat a da condut a vedada,quando for o caso ” [grifo nosso] e “mult a no valor de cinco a cemmil UFIR ” [grifo nosso], correspondentes a R$ 5.320,50 (cinco mil, tre-zentos e vinte reais e cinqüenta centavos) a R$ 106.410,00 (cento eseis mil, quatrocentos e dez reais), conforme se pode verificar da Re-solução n. 22.718/2008 do TSE.

Vale lembrar que, além dessas penalidades, outras ainda podemser aplicadas, sejam de caráter constitucional, administrativo ou disci-plinar, fixadas pelas demais leis vigentes.

3.14 Parágrafo quinto

De acordo com o § 5o do art. 73, “Nos casos de descumprimentodo disposto nos incisos I, II, III, IV e VI do caput, sem prejuízo dodisposto no p arágrafo anterior , o candidato beneficiado, agentepúblico ou não, ficará sujeito à cassação do registro ou do diplo-ma” [grifo nosso].

A redação, da forma em que se encontra, foi dada pela Lei n. 9.840,de 28 de setembro de 1999, impondo a cassação do registro ou dodiploma do candidato beneficiado, seja ele agente público ou não, pou-

Page 174: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

174

co importando ter participado dos atos ou não, basta que tenha sido obeneficiário das seguintes ilegalidades:

I – ceder ou usar , em benefício de candidato, p artido político ou coliga-ção, bens móveis ou imóveis pertencentes à administração diret a ouindiret a da União, dos Est ados, do Distrito Federal, dos T erritórios edos Municípios, ressalvada a realização de convenção p artidária;

II – usar materiais ou serviços, custeados pelos Governos ou CasasLegislativas, que excedam as prerrogativas consignadas nos regimen-tos e normas dos órgãos que integram;

III – ceder servidor público ou empregado da administração diret a ouindiret a federal, est adual ou municip al do Poder Executivo, ou usar deseus serviços, p ara comitês de camp anha eleitoral de candidato, p ar-tido político ou coligação, durante o horário de expediente normal,salvo se o servidor ou empregado estiver licenciado;

IV – fazer ou permitir uso promocional em favor de candidato, p artidopolítico ou coligação, de distribuição gratuit a de bens e serviços decaráter social custeados ou subvencionados pelo Poder Público;

[...]

VI – nos três meses que antecedem o pleito:

a) realizar transferência voluntária de recursos da União aos Est adose Municípios, e dos Est ados aos Municípios, sob pena de nulidade depleno direito, ressalvados os recursos destinados a cumprir obriga-ção formal preexistente p ara execução de obra ou serviço em anda-mento e com cronograma prefixado, e os destinados a atender situa-ções de emergência e de calamidade pública;

b) com exceção da prop aganda de produtos e serviços que tenhamconcorrência no mercado, autorizar publicidade institucional dos atos,programas, obras, serviços e camp anhas dos órgãos públicos fede-rais, est aduais ou municip ais, ou das respectivas entidades da admi-nistração indiret a, salvo em caso de grave e urgente necessidade pú-blica, assim reconhecida pela Justiça Eleitoral;

c) fazer pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, fora do horá-rio eleitoral gratuito, salvo quando, a critério da Justiça Eleitoral, tra-tar-se de matéria urgente, relevante e característica das funções degoverno. [grifo nosso.]

A cassação do registro ou diploma é uma possibilidade e não umaobrigação, cabendo aos julgadores servirem-se do princípio daproporcionalidade para verificar se a medida é conveniente ou se aaplicação de multa e a cessação do ato ilegal pura e simples é sufici-ente, como, aliás, já decidiu o TSE:

Page 175: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

175

[...] – A prática de conduta vedada do art. 73 da Lei das Eleições nãoconduz, necessariamente, à cassação do registro ou do diploma. Pre-cedentes.

– “O dispositivo do art. 73, § 5o, da Lei n. 9.504/97, não determina queo infrator perca, automaticamente, o registro ou o diploma. Na aplica-ção desse dispositivo reserva-se ao magistrado o juízo deproporcionalidade. Vale dizer: se a multa cominada no § 4o é proporci-onal à gravidade do ilícito eleitoral, não se aplica a pena de cassação”(Ac. n. 5.343/RJ, rel. Min. Gomes de Barros). [...] [REspe n. 25.994.]

Registre-se, também, que para a aplicação da punição aqui anali-sada é necessária a demonstração de que o ato influenciou no resulta-do da eleição ou teve potencialidade para tal.

Quanto aos atos vedados nos incisos V, VII e VIII, conclui-se queestes não sujeitam o infrator ou beneficiário à cassação de registro oudiploma.

3.15 Parágrafo sexto

O parágrafo sexto se limita a indicar que as “mult as de que trat aeste artigo serão duplicadas a cada reincidência ”, disposição des-necessária, já que poderia ter vindo especificada no próprio parágrafoquarto, uma vez que é ali que a multa é tratada.

O que não ficou bem claro foi o que seria a tal “reincidência” – se érelativa à decisão transitada em julgado ou referente à repetição de atoidêntico sem necessidade de condenação. Neste caso, o mais indica-do é que se faça um parâmetro com o Direito Penal, considerandoreincidência somente o ato praticado após o trânsito em julgado deoutro processo pelo mesmo tipo de fato.

Este posicionamento é o adotado pelos Tribunais Pátrios, como se vê:

[...] - PROPAGANDA ELEITORAL IRREGULAR - MULTA POR REINCI-DÊNCIA - AUSÊNCIA DE SENTENÇA TRANSITADA EM JULGADO -REINCIDÊNCIA NÃO CARACTERIZADA - RECURSO PROVIDO -MULTA AFASTADA.

Não há reincidência por divulgação de propaganda irregular divulgadaapós condenação a respeito, caso a condenação anterior não tenhatransitado em julgado. [Ac. TRESC n. 16.816.]

Dessa forma, é evidente que a aplicação do preceito em estudo ficamuito prejudicada uma vez que dificilmente haverá decisão transitadaem julgado durante um mesmo período eleitoral.

Page 176: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

176

3.16 Parágrafo sétimo

Além de todas as implicações apresentadas ao longo dos incisos eparágrafos do art. 73, o § 7o ainda deixa claro que a prática das “con-dut as enumeradas no caput caracterizam, ainda, atos deimprobidade administrativa, a que se refere o art. 1 1, inciso I, daLei n. 8.429, de 2 de junho de 1992, e sujeit am-se às disposiçõesdaquele diploma legal, em especial às cominações do art. 12, incisoIII” [grifo nosso].

A esse respeito vale dizer que a punição só pode ser imposta aosautores dos atos impugnados, não podendo se estender aos candida-tos se estes não participaram da prática vedada, já que a Constituiçãodefine que a pena não pode passar da pessoa do delinqüente.

É bom lembrar que as punições impostas pela lei de improbidadeadministrativa serão efetivadas por meio de ação na Justiça Comum, oque pode vir a acarretar a suspensão dos direitos políticos do infrator.

3.17 Parágrafo oit avo

O parágrafo oitavo estende as sanções de multa impostas no pará-grafo quarto aos agentes públicos responsáveis pelas condutas veda-das e aos partidos, coligações e candidatos que delas se beneficiarem.

Nesse caso, embora a redação, num primeiro momento, dê a en-tender que basta o benefício, na verdade se faz necessário um mínimode participação, já que não é possível punição sem conduta comissivaou omissiva.

3.18 Parágrafo nono

Neste parágrafo o legislador, por meio da Lei n. 9.096, de 19 desetembro de 1995, definiu a exclusão dos partidos beneficiados pelosatos que originaram as multas da distribuição dos recursos do FundoPartidário oriundo da aplicação do disposto no § 4o.

3.19 Parágrafo dez

O parágrafo décimo do artigo 73 foi incluído pela Lei n. 11.300/2006(intitulada de Minirreforma Eleitoral) e impôs que “No ano em que serealizar eleição, fica proibida a distribuição gratuit a de bens, valo-res ou benefícios por p arte da Administração Pública, exceto noscasos de calamidade pública, de est ado de emergência ou de pro-

Page 177: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

177

gramas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentáriano exercício anterior , casos em que o Ministério Público poderápromover o acomp anhamento de sua execução financeira e admi-nistrativa ” [grifo nosso].

A primeira característica do novo comando legal é de ter impostovedações a período não eleitoral, ou seja, já no primeiro dia do ano emque ocorrer a eleição aquelas condutas estão vedadas.

Outra situação que merece atenção é a de que a distribuição debens, valores ou benefício por parte da administração pública precisaser gratuita, sem qualquer tipo de contrapartida. Além disso, não sepode esquecer que existem exceções apresentadas pelo próprio textolegal para os “casos de calamidade pública, de estado de emergênciaou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orça-mentária no exercício anterior”.

O legislador quis impedir o uso casuístico da máquina pública jus-tamente em ano de eleição, pela concessão de benefícios que pos-sam influir na vontade do eleitor.

A vedação diz respeito a ações que não são típicas da administra-ção e que venham a ser instituídas justamente no ano em que ocorrero pleito.

A aplicabilidade deste parágrafo foi relativizada pelo Tribunal Supe-rior Eleitoral quando emitiu a Resolução n. 22.323 em resposta à Con-sulta n. 1.357 – Classe 5a, que teve como relator o Ministro Carlos AyresBrito, em que se autorizou o Banco do Brasil a fazer doação ao progra-ma Criança Esperança, considerando a importância social do projeto ea inexistência de qualquer viés eleitoral, como se vê:

CONSULTA. BANCO DO BRASIL. PROJETO CRIANÇA ESPERAN-ÇA. APOIO E DOAÇÃO. NATUREZA DE PROCESSO ADMINISTRA-TIVO. PRIORIDADE CONSTITUCIONAL ABSOLUTA À CRIANÇA.DEVER DO ESTADO. INEXISTÊNCIA DE OBJETIVO ELEITORAL.POSSIBILIDADE.

Nesse mesmo sentido o TRESC (no Processo n. 2.384 – Classe XI– Representação Eleitoral), pronunciou-se pela possibilidade de doa-ção com caráter claramente assistencial e sem conotação eleitoral:

[...]

A legislação eleitoral há de ser interpretada sob o influxo axiológico dozelo pelo equilíbrio no pleito. O administrador público não pode serapenado por doação autorizada por ato do parlamento, durante o pe-ríodo eleitoral.

Page 178: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

178

Embora a Lei Eleitoral vede, desde a Lei n. 11.300, a distribuição debens, valores ou benefícios, no ano eleitoral, deve ser decotadas daproibição legal aquelas feitas com nítido propósito assistencial e semconotação eleitoral. As doações que não contenham essa característi-ca e nem base em outra exceção legal, atraem a incidência da sançãopecuniária que recomenda fixação, à mingua de motivo em sentidocontrário, do mínimo legal. [Ac. n. 21.707.]

Questão relevante é saber se os convênios se enquadram nasvedações do parágrafo em análise, situação que tem gerado muitapolêmica e certa apreensão aos administradores no ano da eleição.

Sobre o tema foi formulada consulta ao Tribunal Regional Eleitoralde Santa Catarina que, pela Resolução n. 7.560, respondeu que con-vênio não se enquadra na vedação do § 10, já que pressupõecontraprestação, mas faz um alerta em relação à doação dissimuladapor meio desse instrumento.

Como se vê:

- CONSULTA - CONVÊNIO - ART. 73, § 10, DA LEI N. 9.504/1997 -CONHECIMENTO.

Tomando por base os conceitos doutrinários acerca de convênio ad-ministrativo – o qual decorre de um ajuste em que há mútua colabora-ção entre seus participantes para atingir objetivo comum –, bem comoas regras prescritas na Lei n. 8.666/1993 para sua formalização, tem-se que não se enquadra no disposto no § 10 do art. 73, que pressupõedistribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Admi-nistração Pública, ou seja, repasse sem qualquer contraprestação ouatuação conjunta.

Não obstante, a ocorrência de doação dissimulada sob a forma jurídi-ca de convênio poderá configurar infringência ao supracitado disposi-tivo da Lei das Eleições.

- CONSULTA - INCENTIVOS À IMPLANTAÇÃO DE INDÚSTRIA - FOR-MULAÇÃO EM TERMOS AMPLOS - NÃO-CONHECIMENTO.

Não se conhece de consulta formulada em termos amplos, passívelde diversas interpretações.

O mesmo Tribunal manifestou-se contrário à realização de sorteioentre contribuintes como incentivo ao pagamento de tributos, por nãoconfigurar nenhuma das exceções legais:

CONSULTA - SORTEIO ENTRE CONTRIBUINTES - INCENTIVO AOPAGAMENTO DE TRIBUTOS - § 10 DO ART. 73 DA LEI N. 9.504/1997- CONDUTA VEDADA - SITUAÇÕES EXCEPCIONAIS - NÃO-CONFI-GURAÇÃO - RESPOSTA NEGATIVA.

Page 179: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

179

A teor do disposto no § 10 do art. 73 da Lei n. 9.504/1997, à Adminis-tração Pública é vedada a distribuição gratuita de bens, valores oubenefícios, exceto nos casos de calamidade pública, de estado deemergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em exe-cução orçamentária no exercício anterior. [Res. n. 7.665.]

Por fim, destaca-se que para caracterização da conduta vedadaneste parágrafo é necessária a efetiva distribuição, sendo que a sim-ples edição de lei não acarreta infração, como se pode ver:

CONDUTA VEDADA. EDIÇÃO DE LEI. PRÁTICA QUE NÃO SESUBSUME À DESCRIÇÃO LEGAL. RECURSO DESPROVIDO. [Ac.TRE/SP n. 15.872.]

4 Conclusão

Em conclusão, temos que as medidas apresentadas pela Lei n.9.504/1997, nos seus art. 73, 74, 75, 76, 77 e 78, visam dar um maiorequilíbrio ao pleito eleitoral, situação que se demonstra necessária,notadamente após o advento da reeleição em nosso ordenamento ju-rídico eleitoral.

Essas medidas não são garantias de que a máquina administrati-va deixará de ser utilizada como forma de eleger candidatos do agra-do daqueles que estejam no poder, mas é certo que, por suarigorosidade, às vezes até excessiva, impõem aos infratores conse-qüências sérias, que podem ir de simples suspensão dos atos ilegais,passando pela multa, chegando até na cassação do registro de candi-datura e do diploma de eleito.

Por derradeiro, entre acertos e desacertos, crê-se que as medidassão válidas e põem a salvo o princípio constitucional da igualdade.

5 Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa doBrasil: Texto constitucional promulgado em 5 de outubro de 1988, comas alterações adotadas pelas Emendas Constitucionais n. 1/1992 a 52/2006 e pelas Emendas Constitucionais de Revisão n. 1 a 6/1994.Brasília: Senado Federal, 2006.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais. Acórdão n. 1.490,de 10 de agosto de 2006, rel. Juiz Joaquim Herculano Rodrigues. Dis-ponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

Page 180: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

180

______. Acórdão n. 245, de 29 de março de 2007, rel. Juiz CarlosAugusto de Barros Levenhagen. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão n.16.816, de 13 de novembro de 2000, rel. Juiz Antonio Rego MonteiroRocha. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2000/16816_.pdf>.

______. Acórdão n. 16.823, de 16 de novembro de 2000, rel. Juiz An-tonio do Rego Monteiro Rocha. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2000/16823_.pdf>.

______. Acórdão n. 17.073, de 25 de setembro de 2001, rel. Juiz RuiFrancisco Barreiros Fortes. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2001/17073_.pdf>.

______. Acórdão n. 17.392, de 31 de julho de 2002, rel. Juiz OtávioRoberto Pamplona. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2002/17392_.pdf>.

______. Acórdão n. 19.773, de 25 de novembro de 2004, rel. Des. JoséGaspar Rubick. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2004/19773_.pdf>.

______. Acórdão n. 19.795, de 10 de dezembro de 2004, rel. Juiz Hil-ton Cunha Júnior. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2004/19795_.pdf>.

______. Acórdão n. 19.827, de 28 de dezembro de 2004, rel. JuizRodrigo Roberto da Silva. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2004/19827_.pdf>.

______. Acórdão n. 19.925, de 19 de abril de 2005, rel. Des. PedroManoel de Abreu. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2005/19925_.pdf>.

______. Acórdão n. 21.323, de 29 de setembro de 2006, rel. Juiz VolneiCelso Tomazini. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2006/21323_.pdf>.

______. Acórdão n. 21.707, de 11 de junho de 2007, rel. Juiz MárcioLuiz Fogaça Vicari. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/2002/21707_.pdf>.

_____. Resolução n. 7.076, de 18 de agosto de 1998, rel. Juiz VolneiIvo Carlin. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/acordaos/pdfs/1998/1963_.pdf>.

Page 181: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

181

______. Resolução n. 7.369, de 16 de março de 2004, rel. Juiz RodrigoRoberto da Silva. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/resolucoes/pdfs/2004/7369_.pdf>.

______. Resolução n. 7.480, de 26 de junho de 2006, rel. Des. JoséTrindade dos Santos. Disponível em: <http://www.tre-sc.gov.br/sj/resolucoes/pdfs/2006/7480_.pdf>.

______. Resolução n. 7.560, de 12 de dezembro de 2007, rel. JuizVolnei Celso Tomazini. <http://www.tre-sc.gov.br/sj/resolucoes/pdfs/2007/7560_.pdf>.

______. Resolução n. 7.665, de 7 de abril de 2008, rel. Min. OscarJuvêncio Borges Neto. <http://www.tre-sc.gov.br/sj/resolucoes/pdfs/2008/7665_.pdf>.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo. Acórdão n. 139.720,de 19 de junho de 2001, rel. Juiz José Reynaldo Peixoto de Souza.Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 143.744, de 29 de agosto de 2002, rel. Juiz RuiStoco. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 157.872, de 19 de dezembro de 2006, rel. JuizJosé Percival Nogueira Júnior. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Ceará. Acórdão n. 11.366, de12 de setembro de 2006, rel. Juíza Maria Vilauba Fausto Lopes. Dispo-nível em: <http://www.tre-ce.gov.br/index.php>.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal. Acórdão n.2.330, de 22 de agosto de 2006, rel. Juiz Roberval Casemiro Belinati.Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Norte. Acórdãon. 2.180, de 23 de outubro de 2006, rel. Juiz Artur Cortez Bonifácio.Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão n. 266, de 9 de dezembrode 2004, rel. Min. Mário da Silva Veloso. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

Page 182: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

182

______. Acórdão n. 1.238, de 10 de outubro de 2006, rel. Min. AriPargendler. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão 2.421, de 14 de fevereiro de 2002, rel. Min. JoãoPaulo Sepúlveda Pertence. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 5.817, de 16 de agosto de 2005, rel. Min. CarlosEduardo Caputo Bastos. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 7.243, de 5 de dezembro de 2006, rel. Min. JoséGerardo Grossi. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 19.331, de 13 de setembro de 2001, rel. Min. JoséPaulo Sepúlveda Pertence. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 21.151, de 27 de março de 2007, rel. Min. FernandoNeves da Silva. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 21.171, de 17 de junho de 2004, rel. Min. FernandoNeves da Silva. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 22.284, de 8 de agosto de 2006, rel. Min. CarlosEduardo Caputo Bastos. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 22.292, de 30 de junho de 2006, rel. Min. MarcoAurélio Mendes de Farias Mello. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 25.994, de 14 de agosto de 2007, rel. Min. JoséGerardo Grossi. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 26.827, de 7 de março de 2007, rel. Min. CarlosEduardo Caputo Bastos. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Acórdão n. 27.563, de 12 de dezembro de 2006, rel. Min. CarlosAugusto Ayres de Freitas Britto. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

Page 183: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

183

______. Acórdão n. 28.039, de 18 de fevereiro de 2007, rel. Min. JoséAugusto Delgado. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Resolução n. 21.296, de 12 de novembro de 2002, rel. JuizFernando Neves da Silva. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

______. Resolução n. 22.718, 28 de fevereiro de 2008, rel. Min. AriPargendler. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/index.htm>.

BRASIL. Lei Complementar n. 64, de 18 de maio de 1990. Estabelece,de acordo com o art. 14, § 9o, da Constituição Federal, casos deinelegibilidade, prazos de cessação, e determina outras providências.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp64.htm>. Acesso em: 24 mar. 2008.

BRASIL. Lei Ordinária n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Código Eleito-ral. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. Acesso em: 24 mar. 2008.

BRASIL. Lei Ordinária n. 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõesobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3o, inciso V, daConstituição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9096.htm>. Acesso em: 24 mar. 2008.

BRASIL. Lei Ordinária n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabele-ce normas para as eleições. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ Leis/L9504compilado.htm>. Acesso em: 24 mar 2008.

BRASIL. Lei Ordinária n. 11.300 de 10 de maio de 2006. Dispõe sobrepropaganda, financiamento e prestação de contas das despesas comcampanhas eleitorais, alterando a Lei no 9.504, de 30 de setembro de1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2006/Lei/ L11300.htm>. Acesso em: 24 mar. 2008.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Jurisprudência. Disponível em:<http:// www.tse.gov.br/internet/jurisprudencia/pesquisa_blank.htm>.Acesso em: 24 mar 2008 a 15 jul. 2008.

CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral brasileiro. 11. ed. Bauru, SP: Edipro,2004.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Eleições: comentários à Lei n. 9.504/1997.2. ed. São Paulo: Dialética, 2004.

Page 184: RESENHA ELEITORAL
Page 185: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

185

LEI DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINALAplicação dos institutos e procedimentos no âmbito da

Justiça Eleitoral

Guaraci Pinto Martins*Gilvan de Souza Lobato**

Resumo

Este trabalho – de conclusão de Curso de Especialização em Di-reito Eleitoral – visa a mostrar a importância da legislação criadora doJuizado Especial Criminal, com destaque para a Lei n. 9.099/1995,sua finalidade e os princípios que a norteiam (oralidade, simplicidade,informalidade, economia processual e celeridade). Trata, ainda, dapossibilidade de aplicação, no âmbito da Justiça Eleitoral, de seus ins-titutos despenalizadores (transação, composição, representação e sus-pensão condicional do processo) e dos procedimentos processuais.

Palavras-chaves: Juizado Especial Criminal. Justiça Eleitoral.

Abstract

This essay for concluding the Specialization Course in Electoral Law– aims to study the importance of the legislation which created theSpecial Criminal Court, with prominence to Law n. 9.099/1995, itspurpose and the principles that guide it (orality, simplicity, informality,processual economy and celerity). It also intends to show the possibilityof application, in the scope of Electoral Justice, of its non-custodialpunishment (transaction, composition, representation and conditionalsuspension of the process) and the processual procedures.

Keywords: Special Criminal Court. Electoral Justice.

* Analista Judiciário – Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Bacharelem Direito pela Univali. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Univali.

** Técnico Judiciário – Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Bacharelem Direito pela UFSC. Pós-graduado em Direito Eleitoral pela Univali.

Page 186: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

186

Sumário

1 INTRODUÇÃO. 2 LEI DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. 2.1 APLI-CAÇÃO DOS INSTITUTOS E PROCEDIMENTOS NO ÂMBITO DA JUS-TIÇA ELEITORAL. 2.1.1 A CRIAÇÃO DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRI-MINAIS E A LEI N. 9.099/95, 2.1.1.1 AS FINALIDADES DA LEI N. 9.099/1995. 2.1.1.2 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO PROCEDIMENTO NOSJUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS, 2.1.1.2.1 PRINCÍPIO DAORALIDADE. 2.1.1.2.2 PRINCÍPIO DA INFORMALIDADE. 2.1.1.2.3PRINCÍPIO DA ECONOMIA PROCESSUAL. 2.1.1.2.4 PRINCÍPIO DACELERIDADE. 2.1.1.3 AS MEDIDAS DESPENALIZADORAS. 2.1.1.3.1COMPOSIÇÃO DOS DANOS CIVIS. 2.1.1.3.2 REPRESENTAÇÃO DOOFENDIDO NOS CASOS DE LESÕES CORPORAIS CULPOSAS OULEVES. 2.1.1.3.3 TRANSAÇÃO PENAL. 2.1.1.3.4 SUSPENSÃO CON-DICIONAL DO PROCESSO. 2.1.2 APLICAÇÃO DA LEI N. 9.099/1995NA JUSTIÇA ELEITORAL. 2.1.2.1 TERMO CIRCUNSTANCIADO DEOCORRÊNCIA DE INFRAÇÃO PENAL. 2.1.2.2 RITO PROCESSUAL. 3CONSIDERAÇÕES FINAIS. 4 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

As divergências jurisprudenciais e doutrinárias quanto à aplicaçãodos procedimentos e institutos dos Juizados Especiais Criminais naseara da Justiça Eleitoral, em vista da especialidade de suas normasprocessuais-penais e do suposto cerceamento de defesa, motivarama pesquisa e redação do presente artigo.

Para tanto, iniciar-se-á pelo estudo do molde legislativo que insti-tuiu os Juizados Especiais Criminais (Lei n. 9.099, de 26.9.1995), aaplicação dos seus institutos e procedimentos no juízo comum e naJustiça Federal e a possibilidade de aplicação no âmbito da JustiçaEleitoral.

Analisando a criação dos Juizados Especiais Criminais e as finali-dades da Lei n. 9.099/1995, concomitantemente com os seus princípi-os norteadores, com base também nas Leis n. 10.259, de 12.9.2001, en. 11.313, de 28.6.2006, buscar-se-ão os argumentos que justifiquema aplicação do rito processual, visando à celeridade necessária nosjulgamentos dos processos criminais eleitorais, sem prejuízo à ampladefesa e ao devido processo legal.

Pela especificidade do tema, há escassez de exame da matéria peladoutrina, realçando os autores apenas a aplicação dos institutos dasreferidas normas na seara eleitoral. Por outro lado, os recursos emprocessos-crime eleitorais já estão subindo aos Tribunais Eleitorais,

Page 187: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

187

exigindo o enfrentamento da questão pertinente à aplicação do ritoprocessual da Lei n. 9.099/1995.

Assim, sem a pretensão de convencer os silentes, tampouco aque-les que já se manifestaram contrários à aplicação das referidas nor-mas na Justiça Eleitoral, objetiva este estudo expor aos interessados aviabilidade de aproveitarem-se ao máximo os benefícios da legislaçãoinstituidora do Juizado Especial Criminal.

Por se avolumarem as decisões monocráticas provenientes de pro-cessos com o rito da Lei n. 9.099/1995, verificar-se-á, no desenvolverdo texto e nas considerações finais, a imprescindibilidade da aplica-ção dos procedimentos e dos institutos da citada norma na seara elei-toral, bem como a necessidade de normatização pelo Poder Legislativoou de regulamentação pelo Tribunal Superior Eleitoral.

2 LEI DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL

2.1 Aplicação dos institutos e procedimentos no âmbito da Justi-ça Eleitoral

2.1.1 A criação dos Juizados Especiais Criminais e a Lei n. 9.099/1995

O Constituinte de 1988, ciente da necessidade de alteração da le-gislação relacionada às causas cíveis de menor complexidade e àsinfrações penais de menor potencial ofensivo, estabeleceu a criaçãode juizados especiais.

Dada a especificidade própria dessa carta política, no seu art. 98, I,ficou assentado que a criação dos juizados especiais competiria à União,no Distrito Federal e nos Territórios; nos Estados, ao respectivo Esta-do. Estabeleceu ainda o modelo do provimento (juízes togados outogados e leigos), a forma de agir e a competência (conciliação, julga-mento e execução daquelas causas cíveis e infrações penais), a exi-gência de medidas céleres quanto aos procedimentos (oral esumaríssimo), e, ainda, a possibilidade da transação e o julgamentodos recursos por turmas de juízes de primeiro grau.

Salienta-se que o inciso I do caput do art. 98 da Constituição Fede-ral tratou apenas da criação de Juizado Especial Cível e Criminal noDistrito Federal, nos Territórios e nos Estados. Com a Emenda Consti-tucional n. 22, de 18 de março de 1999, foi acrescentado parágrafo ao

Page 188: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

188

citado artigo tratando da instituição dos juizados especiais no âmbitoda Justiça Federal.

Atentando também à redação revogada, assim dispõe a Constitui-ção Federal:

Art. 98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estadoscriarão:

I – juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e lei-gos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução decausas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menorpotencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumariíssimo,permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamentode recursos por turmas de juízes de primeiro grau;

II – justiça de paz, remunerada, composta de cidadãos eleitos pelovoto direto, universal e secreto, com mandato de quatro anos e com-petência para, na forma da lei, celebrar casamentos, verificar, de ofí-cio ou em face de impugnação apresentada, o processo de habilitaçãoe exercer atribuições conciliatórias, sem caráter jurisdicional, além deoutras previstas na legislação.

Parágrafo único. Lei federal disporá sobre a criação de juizados espe-ciais no âmbito da Justiça Federal. (Incluído pela Emenda Constituci-onal n. 22, de 1999.)

§ 1o Lei federal disporá sobre a criação de juizados especiais no âmbi-to da Justiça Federal. (Renumerado pela Emenda Constitucional n.45, de 2004.)

§ 2o As custas e emolumentos serão destinados exclusivamente aocusteio dos serviços afetos às atividades específicas da Justiça. (In-cluído pela Emenda Constitucional n. 45, de 2004.)

A criação dos juizados especiais significou efetivo avanço legislativoe trouxe guarida aos contidos anseios da população de possuir umsistema judicial eficiente. Ademais, precede a edição do próprio textoconstitucional o entendimento da necessidade de participação popularna administração da Justiça, então realizada exclusivamente pelosórgãos estatais, da via conciliatória aos delitos de pequena monta, bemcomo da simplificação da investigação policial e do processo judicial.

A respeito, registram Tourinho Neto e Figueira Jr. (2007, p. 397):

A preocupação pela simplicidade, informalidade e celeridade dos pro-cessos referentes aos crimes de menor potencial ofensivo não é deagora, é de antes da Constituição de 1988. Em maio de 1981, o Minis-tro de Estado da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel, publicou o anteprojeto doCódigo de Processo Penal, em que merecem destaque as seguintes

Page 189: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

189

inovações: instituição do procedimento sumariíssimo com dispensado inquérito, lavrando-se, em substituição, boletim de ocorrência cir-cunstanciado, quando se tratar de crime punido com detenção de atéum ano, de lesão corporal culposa, de homicídio culposo e de contra-venção, “das causas de menor importância”; denúncia oral; uso degravação sonora ou meio equivalente; medidas alternativas à prisãoprovisória; redução do tempo de debate oral para cinco minutos; insti-tuição de órgão colegiado de primeiro grau para julgamento, em graude recurso, das causas processadas em rito sumariíssimo; e simplifi-cação do procedimento recursal”.

Não obstante o texto constitucional, persistiu até 1995 a aplicaçãodas medidas do vetusto ordenamento processual-penal de 1941, ten-do como consectário as mazelas dos processos excessivamente buro-cratizados e que não atingiam sua finalidade, quer pela prescrição,gerando, por conseqüência, inequívoca sensação de impunidade, querpela aplicação da pena, cujo cumprimento se dava em companhia deoutros sancionados por crimes de extrema gravidade, com graves pre-juízos ao sistema carcerário e à reeducação do apenado.

A efetiva regulamentação do texto constitucional somente veio alume com a Lei n. 9.099, de 26.9.1995.

Por óbvio, não se afirma que essa lei sanou todas as mazelas dosistema processual-penal antes citadas, todavia, irradiou reflexos po-sitivos quanto ao chamamento e à responsabilização do autor de infra-ção de menor porte, afastando o sentimento generalizado de impuni-dade aos faltosos, contribuindo com o desafogamento da Justiça Cri-minal e desonerando, por outro lado, o sistema carcerário, quiçá deindivíduos plenamente recuperáveis tão-somente com a aplicação dosinstitutos despenalizadores da novel legislação.

Ademais, distingue-se essa norma – especificamente fundada noconsenso – daquelas editadas após a Constituição de 1988, essenci-almente repressivas (Lei dos Crimes Hediondos, Lei de Combate aoCrime Organizado e outras), dado o crescimento da criminalidade,motivado principalmente pelo desajuste do modelo socioeconômicoexistente (GRINOVER et al., 1997, p. 43).

Com efeito, a intensificação na persecução penal, a majoração daspenas e a forma severa de seu cumprimento aparentam não ser amelhor solução para tais problemas. Foi indispensável a adoção de umanova corrente que obtivesse mais sucesso em provocar, na medida dopossível, a efetiva resposta judicial ao delito, a reparação de danos àvítima, a viabilidade de ressocialização do infrator e ainda a diminui-ção do volume de processos, tendo como elemento primordial o con-

Page 190: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

190

senso. Nasceu a chamada justiça consensual, concebida em oposiçãoà já desgastada justiça rigorosa.

A criação dos Juizados Especiais Criminais constitui, portanto, im-portante avanço legislativo, quer pelos princípios que a norteiam, querpela instituição de medidas despenalizadoras (composição, represen-tação, transação e suspensão condicional do processo). Trouxe con-sigo o rompimento de paradigmas ao permitir a via do consenso, coma possibilidade de reparação à sociedade (transação) ou indenizaçãoà vítima (composição), desonerando o Estado do processo e da apli-cação de sanção ao infrator.

Nesse sentido, não constitui exagero afirmar o impacto positivodessa norma no nosso sistema processual penal, conforme registra-do na doutrina:

Em sua aparente simplicidade, a Lei n. 9.099/1995 significa uma ver-dadeira revolução no sistema processual-penal brasileiro. [...] não secontentou em importar soluções de outros ordenamentos, mas – con-quanto por eles inspirado – cunhou um sistema próprio da Justiça pe-nal consensual que não encontra paralelo no direito comparado.[GRINOVER et al., 1997, p. 37.]

Diante dessa realidade, torna-se necessário expandir essa fórmu-la promissora também à Justiça Eleitoral, não obstante suas peculiari-dades.

Embora essa Justiça Especializada tenha como característica aceleridade que imprime aos seus processos, isso apenas ocorre nosfeitos administrativos eleitorais. É fato notório a morosidade dos pro-cessos penais, bem como a ausência de punição aos faltosos, mor-mente em razão da ocorrência da prescrição.

Os envolvidos nos crimes eleitorais, na sua maioria indivíduos oriun-dos da seara política, pouco se importam com a conseqüência de seusatos no que respeita à eventual sanção penal, porque sabem que difi-cilmente serão alcançados, pois se esgueiram, com bons causídicos,pelo emaranhado das normas processuais-penais.

Os dispositivos processuais do Código Eleitoral não contêm avan-ços em relação ao Código de Processo Penal que permita celeridadeaos feitos; ao contrário, o uso subsidiário ou supletivo deste torna oprocesso penal ainda mais lento. Aos que logram obter foro privilegia-do e que trazem consigo outros infratores, as benesses são aindamaiores em razão da aplicação do que dispõe a Lei n. 8.038/1993.

Page 191: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

191

Por outro lado, esses mesmos faltosos temem a perda do manda-to ou a declaração de inelegibilidade: isso ocorre em razão do aperfei-çoamento da legislação eleitoral que visa a essas punições. Premidoante a exigência da sociedade, o legislador, sem descuidar dos pre-ceitos constitucionais da ampla defesa e do contraditório, conferiu nor-mas e procedimentos que permitem maior celeridade.

Tendo que o legislador, ao elaborar e apreciar determinada normaeleitoral, a está concebendo especialmente para si, torna-se difícil queo faça sem pressão das correntes sociais. É certo também – e isso severifica em variadas normas – que, forçado a legislar e criar dispositi-vos punitivos, permite lacunas e/ou insere exceções visando escapulir-se quando enquadrado naquelas infrações.

Diante disso, mostram-se importantes as discussões quanto à apli-cação dos dispositivos da Lei n. 9.099/1995 na seara eleitoral, inclusi-ve rito, a regulamentação da matéria pelo Tribunal Superior Eleitoral etambém a necessidade de edição de legislação semelhante voltada àJustiça Eleitoral.

2.1.1.1 As finalidades da Lei n. 9.099/1995

Deixando à Constituição da República a incumbência de definir oque seriam infrações de menor potencial ofensivo a cargo de uma leiordinária, foi necessário, reitere-se, a promulgação da Lei n. 9.099/1995, que estabeleceu a intensidade da sanção como critério objeti-vo, inicialmente considerando as contravenções penais e os crimes aque a lei comine pena máxima não superior a 1 (um) ano, excetuadosos casos em que a lei preveja procedimento especial.

A seguir, as Leis n. 10.259/2001 e n. 11.313/2006 alteraram aque-le critério, determinando que as infrações de menor potencial ofensi-vo constituem as contravenções penais e os crimes cuja penacominada não supere 2 (dois) anos, ou multa.

Assim dispõe a nova redação da Lei n. 9.099/1995:

Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo,para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a quea lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ounão com multa. [Redação dada pela Lei n. 11.313, de 2006.]

Tem-se, pois, que o legislador elegeu a intensidade da sanção comocritério para determinar o conceito de infração penal de menor gravidade.

Page 192: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

192

Importante realçar que estas normas também revogaram o dispos-to no art. 61, in fine, da Lei n. 9.099/1995, que vedava a competênciado Juizado Especial Criminal para a apreciação dos casos em quehouvesse previsão de procedimento especial.

A composição dos juizados especiais, por seu turno, está definidano texto constitucional e infraconstitucional, ou seja, podem ser provi-dos somente por juízes togados ou por togados e leigos.

Dispõe a Lei n. 9.099/1995, com redação dada pela Lei n. 11.313/2006:

Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados outogados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento ea execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respei-tadas as regras de conexão e continência.

A participação do juiz leigo, como a figura do jurado, tem ensejado,contra ou favor de sua existência, magistrais discussões doutrinárias.Veja-se, contudo, que a Lei n. 9.099/1995 não conferiu ao leigo o po-der de instruir o processo, tampouco o de julgar; cumpre a ele apenaspresidir as audiências de conciliação e orientar os trabalhos dos conci-liadores, conforme dispõe o art. 73.

Portanto, embora a referida lei, seguindo orientação constitucional,contemple a possibilidade de provimento por juízes leigos, a sua atua-ção ficou bastante restrita.

Técio Lins e Silva (D’URSO, coord., 2000, p. 171), em seu discursocrítico, mesmo reconhecendo os avanços introduzidos pela Lei doJuizado Especial Criminal, afirma:

Eu creio que o juizado leigo no sentido da CF/88, um juizado mistocom juiz leigo de verdade com poder de decisão, como têm os juradosno Tribunal do Júri, eu creio que seria uma coisa extraordinária e seriaum avanço. Mas é claro que esse estelionato de chamar juiz, de cha-mar leigo e dizer: não, estamos cumprindo a CF/88, veja, a Lei tem juiztogado, a Lei tem juiz leigo, a Lei tem conciliador, a Lei tem tudo que aCF/88 previu. É mentira! Não tem. O que ela tem é uma forma ardilo-sa, mentirosa e fraudulenta a enganar-nos, como se issocorrespondesse à introdução de uma justiça mais democratizada.

Nos termos dos arts. 93 e 95 da Lei n. 9.099/1995, lei estadualdisporá sobre o Sistema dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais,sua organização, composição e competência. Portanto, nessa oca-sião, a instituição, a atuação e as funções dos juízes leigos e concilia-dores serão efetivamente definidas.

Page 193: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

193

Mesmo com as limitações e cautelas quanto à atuação de juízesleigos em matéria criminal, cuja instituição é facultativa,indubitavelmente a participação destes representa um avanço, poisauxilia os trabalhos do juiz togado, contribuindo para a agilidade dosserviços e tornando a Justiça mais transparente e próxima do povo.

Quanto às finalidades dessa Lei, pode-se dizer que a simplesnormatização infraconstitucional dos Juizados Especiais é a finalidadeimediata. Por outro lado, a reparação dos danos sofridos e a aplicaçãode uma pena que não seja privativa de liberdade constituem a finalida-de mediata do mencionado diploma legal.

Os institutos dessa legislação que visam a restringir a segregação(conciliação, transação e suspensão condicional do processo) consti-tuem importante inovação na seara processual-penal, uma vez que aprivação da liberdade de alguém é medida demasiadamente enérgica,em se tratando de alguns ilícitos sobre os quais recai uma menor re-provação da sociedade.

A respeito dos objetivos dos Juizados Especiais Criminais, realçaTourinho Neto (2007, p. 450), quanto à não-aplicação da pena privati-va de liberdade:

Acompanhando a realidade social, em que pequenos delitos não sãoapurados, existe uma imensa cifra negra de criminalidade oculta emrazão da impossibilidade de recursos humanos e materiais da Políciae da Justiça. O legislador, sem descriminalizar, ou descriminar, isto é,sem tirar o caráter ilícito da infração, procurou imprimir celeridade aosprocessos, desburocratizá-los, simplificá-los, permitindo, assim, quetodos tenham acesso à Justiça, elidindo a sensação de impunidade.Para tanto, a nova lei instituiu a composição civil com a conseqüenteextinção da punibilidade (natureza civil e penal); a composição penal(natureza penal e processual penal); a exigência de representação davítima para as lesões corporais leves e culposas (natureza penal eprocessual penal); a suspensão condicional do processo (naturezapenal e processual penal), medida de “despenalização”.

Essa norma, pois, acompanha idêntica providência manifestada emdiversos países, tendendo o Direito Penal a observar o princípio daintervenção mínima do Estado, com a redução das tipificações e dalegislação penal. As penas restritivas de liberdade somente são reser-vadas aos fatos anti-sociais graves, enquanto às infrações leves e con-travenções, consideradas as condições do agente, são permitidasmedidas despenalizadoras.

Outra medida sucedânea da pena é o ressarcimento dos danossofridos pela vítima.

Page 194: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

194

Ressalte-se que a norma permite à própria vítima manifestar-sesobre a reparação do prejuízo; uma vez aceita, constitui mais que acomposição pecuniária: a pacificação de conflito.

Com a Lei n. 9.099/1995, em suma, tentou-se abandonar, corajo-sa e auspiciosamente, a idéia de que a prevenção e a repressão aessas condutas ilícitas caberia única e exclusivamente à pena maissevera: a privativa de liberdade (GRINOVER, 1997, p. 44.)

No que se refere aos crimes eleitorais, têm-se que à maioria delescontempla pena em abstrato inferior a dois anos, pelo que se enqua-dram nos moldes da legislação dos Juizados Especiais Criminais; daía necessidade de serem implementados junto aos institutosdespenalizadores também os seus princípios e o seu rito processual.

2.1.1.2 Princípios norteadores do procedimento nos Juizados Es-peciais Criminais

Os princípios, ou critérios, como a lei denomina, que orientam orito nos Juizados Especiais Criminais, podem ser vistos explicitamen-te no art. 62 da própria Lei n. 9.099/1995:

Art. 62. O processo perante o Juizado Especial orientar-se-á peloscritérios da oralidade, informalidade, economia processual e celeridade,objetivando, sempre que possível, a reparação dos danos sofridos pelavítima e a aplicação de pena não privativa de liberdade

Aqui cabe abrir um pequeno parêntese somente para esclarecerum ponto que já causou alguns desacordos entre os autores, mas queatualmente se tornou uma mera questão de técnica legislativa mal uti-lizada. Trata-se do uso do termo “critérios”, para o que, na verdade,são princípios, juridicamente considerados como uma fonte geral dondederivam as demais regras.

De qualquer modo, mesmo que alguns não queiram tratar essasdeterminações legais como princípios, o fim basilar do procedimentonos Juizados nunca deve ser esquecido. Só assim, e com o auxílio deum exame sistemático, poderá chegar-se à conclusão de que existemmais desses princípios implícitos na Lei do Juizado Especial Criminal,tal como o da simplicidade. A doutrina também consigna que houve aífalha técnica do legislador, que o omitiu involuntariamente (ARAÚJO,1995, p. 23). Ora, caso haja complexidade na causa, a própria lei, emseu art. 77, § 2o, manda remeter os autos ao juízo comum.

Page 195: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

195

Observe-se que o procedimento estabelecido no texto constitucio-nal e na Lei n. 9.099/1995 é o sumariíssimo, ou seja, um rito extrema-mente sumário, simples, ágil e informal, onde predomina a concentra-ção dos atos e a economia processual. Não obstante, quando não re-alizada a autocomposição (conciliação ou transação), o procedimentopreconizado não malfere a Constituição Federal.

Os princípios norteadores dos procedimentos nos juizados especi-ais cíveis e criminais permitem acesso amplo e efetivo à Justiça, nãosignificando apenas acessibilidade ao mero ajuizamento da ação, masa resposta breve aos anseios de obtenção de resultados às questõesque afligem as pessoas individualmente e também a sociedade.

A seguir, consigna-se breve apreciação dos princípios que dirigemo procedimento nos Juizados Especiais Criminais.

2.1.1.2.1 Princípio da oralidade

Nos Juizados, ocorre o predomínio da palavra oral sobre a escrita.Esclareça-se que não há um rito inteiramente oral, mas com aprevalência da fala, que é reduzida a termo, a fim de que conste dosautos. A oralidade resta evidenciada principalmente em audiência, ondehá o contato direto entre as partes e entre estas e o juiz, e disso se infere,como decorrência lógica, a presença também do princípio da concen-tração. Noutros termos, a oralidade acaba por favorecer uma maiorvelocidade na prestação jurisdicional, devido justamente a um menorperíodo de tempo para a prática de atos processuais, o que é feito, namaior parte das vezes, quase simultaneamente.

A oralidade vem à tona desde a fase preliminar, insere-se na audi-ência de conciliação e permeia todo o processo judicial.

No procedimento sumariíssimo, na ação penal de iniciativa públi-ca, se não houver necessidade de diligências imprescindíveis ou com-plexidade, o Ministério Público oferecerá denúncia oral. Do mesmomodo, na ação penal de iniciativa do ofendido, a queixa poderá seroferecida oralmente (art. 77 e seus parágrafos). Aliás, a própria repre-sentação pode ser ofertada verbalmente, nos termos do art. 75, caput,da Lei n. 9.099/1995.

Conforme dispõe o art. 81, a defesa também será oral, assim comoas discussões, provas e sentença, sendo – lembre-se – reduzidas atermo, de modo a documentarem resumidamente os fatos relevantesdo processo. O art. 65, § 3o, ainda prevê outro meio para a comprova-ção do evento da audiência, qual seja: a fita magnética ou equivalente.

Page 196: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

196

A respeito, destaca-se a lição de Aramis Nassif (2000):

O que não existe é a oralidade pura, esvaecente. A documentação doprocesso continua sendo obrigatória, mas confunde-se ela em pontosimportantes com a própria celeridade, pois esta é dependente daque-la. E reflete a virtude que sempre foi exigida da Justiça.

2.1.1.2.2 Princípio da informalidade

O presente princípio visa basicamente à retirada da parcela maissupérflua da burocracia que existe no âmbito do Poder Judiciário.

Primeiramente, ressalte-se que, para os delitos regulados pela Lei n.9.099/1995, fica dispensado o inquérito policial. Segundo seu art. 63,somente será feito mero termo circunstanciado. Pelo art. 69, parágrafoúnico, também a prisão em flagrante não ocorrerá, se se conduzir oautor do fato diretamente ao Juizado ou se houver comprometimentodele em lá se apresentar. Ademais – pelo disposto no art. 81, § 2o –,prescinde-se do relatório da sentença.

Algumas outras formalidades também podem e devem ser dispen-sadas, tendo em foco o art. 65 da mesma lei, pelo qual se valoriza maiso aspecto substancial do ato do que o formal.

2.1.1.2.3 Princípio da economia processual

Esse princípio confunde-se, por vezes, com o da concentração, vistoque tem como alvo o alcance de um resultado máximo com um núme-ro reduzido de atividades jurisdicionais.

Nas palavras de Júlio Fabbrini Mirabete (2000, p. 49), o princípio daeconomia processual “preconiza a escolha entre duas alternativas, amenos onerosa às partes. Não significa isso que se suprimam atosprevistos no rito processual estabelecido na lei, mas a possibilidade dese escolher a forma que cause menos encargo”.

2.1.1.2.4 Princípio da celeridade

Pura implicação dos princípios anteriores, consiste no total empe-nho que deve haver por parte do juiz em solucionar com absoluta pres-teza os litígios submetidos ao seu exame.

O objetivo de oferecer pronta resposta às demandas está presentena construção legislativa do Juizado Especial Criminal.

Page 197: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

197

A exigência de celeridade aos feitos permeia todo o procedimento,simplificando-o desde o momento do registro policial (Termo Circuns-tanciado) à fase preliminar conciliatória e ao sumaríssimo.

O próprio art. 80 da Lei n. 9.099/1995 demonstra o rigor com aceleridade dos atos, dispondo que “nenhum ato será adiado, determi-nando o Juiz, quando imprescindível, a condução coercitiva de quemdeva comparecer”.

Segundo Aramis Nsif (2000), em sua avaliação do Juizado Especi-al Criminal:

Sempre foi o ideal, para o juízo criminal, conseguir abreviar o lapsotemporal entre o fato e a prestação jurisdicional sancionatória, queafasta a desconfortável sensação de impunidade, e que, por isto mes-mo, traz conforto psicológico para as vítimas e, ainda que mais longe,para a própria sociedade.

Para combater a morosidade da atividade judiciária, conseqüenteao emaranhado e complexo sistema formal, o legislador gerou solu-ções inéditas, como a ampliação dos horários de funcionamento dajustiça especial, a concentração de todos os atos em uma única audi-ência, e outras mais, evitando atos procrastinatórios e inúteis que sem-pre emperraram a prestação jurisdicional.

Com efeito, a pronta resposta do Estado às infrações, mesmo limi-tada àquelas de reduzido potencial ofensivo, possui conseqüênciaspositivas à redução do índice de criminalidade, inibe a reiteração daconduta delitiva e a sensação de impunidade.

Nesse sentido também realça Gianpaolo Poggio Smanio (1997, p.104):

O Processo Penal Brasileiro inovou decisivamente buscando maioreficiência de suas instituições, fazendo com que os casos considera-dos de menor importância dentro das condutas criminosas pudessemter rápida solução, atendendo à necessidade de rapidez da aplicaçãoda lei penal, para que o autor do fato perceba a reprovação imediatade sua conduta.

2.1.1.3 As medidas despenalizadoras

Para atingir as importantíssimas finalidades que o sistema tem oradesejado, fez-se imperativo a elaboração de verdadeiros remédios paraa cura dos problemas já trazidos à baila anteriormente, ou, pelo me-nos, para que eles não prosperem mais do que já o fizeram.

Page 198: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

198

Com efeito, a Lei n. 9.099/1995 não retirou o caráter ilícito dasinfração penais de menor porte, mas disciplinou medidas despenali-zadoras penais e/ou processuais objetivando evitar a instauração daação penal e, por conseqüência, eventual condenação.

São quatro as medidas adotadas, todas de natureza híbrida, ouseja, com características penais e processuais ou mesmo de naturezacivil, a seguir descritas: composição dos danos civis, representaçãodo ofendido nos casos de lesões corporais culposas ou leves, transa-ção penal e suspensão condicional do processo.

2.1.1.3.1 Composição dos danos civis

Esta é uma solução bastante conveniente e eficaz que consiste noressarcimento, pelo autor da infração, dos danos causados à vítima. Éa via do consenso que surge entre as partes: a vítima conforma-secom a indenização recebida, e a ação penal não prossegue em facedo verdadeiro ajuste financeiro que se opera entre ambas.

Com efeito, aspira-se ao retorno da vítima à situação econômicaanterior ao fato delituoso. Caso esta se acomode ao ver restituído oseu patrimônio lesado, não persiste a ação penal.

Contudo, note-se que a idéia principal do instituto em comento érestaurar os bens da vítima da maneira mais idêntica possível ao esta-do em que as coisas se encontravam antes da prática da conduta cri-minosa. Destarte, sempre que possível, o mais correto é a devoluçãodo próprio objeto furtado, roubado ou extorquido.

Ressalte-se que quem define o montante indenizatório é a vítima, enão o juiz. Vê-se, desse modo, que a vítima passa a tomar parte nasolução da lide, o que, no juízo tradicional, seria inadmissível. Muitoapropriado, pois nada melhor do que ouvir quais as suas vontades; elaque é a principal interessada no deslinde do caso.

Cabível nas ações penais privada e pública condicionada à repre-sentação e, se aceita e homologada, acarreta a renúncia ao direito dequeixa e de representação, respectivamente, conforme preceitua o art.74, parágrafo único. É pressuposto que a Lei n. 9.099/1995, em seuart. 89, considera indispensável para que se proponha a suspensãocondicional do processo.

Os crimes previstos no Código Eleitoral não prevêem a possibilida-de de aplicação deste instituto, uma vez que o bem jurídico tutelado é

Page 199: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

199

de natureza coletiva, todavia mostra-se viável a composição quandoconexa a infração eleitoral a determinado crime comum com danos aoparticular.

2.1.1.3.2 Represent ação do ofendido nos casos de lesões corpo-rais culposas ou leves

A Lei n. 9.099/1995 estabelece, em seu art. 88, que “dependerá derepresentação a ação penal relativa aos crimes de lesões corporaisleves e lesões culposas”.

Com isso, desejou o legislador condicionar a propositura da açãopenal ao arbítrio da vítima em levar ou não o autor do fato a ser proces-sado. Ela decidirá, com base somente em seu discernimento, se alesão sofrida é ou não desprezível, merecendo que o autor da condutalesiva seja levado à Justiça.

Na prática, por meio de tal instituto, tende-se a evitar situações demal-estar em que o próprio autor do fato, por violar um dever de caute-la – no caso das lesões culposas –, já resta psicologicamente punidopor ter praticado a conduta injusta.

Forçoso é reconhecer que o instituto em tela opera efeitos além daesfera de atuação dos Juizados Especiais Criminais. É plenamenteválido, outrossim, no juízo comum.

Da mesma maneira como acontece com a composição dos danoscivis, a punibilidade é extinta, fato esse condicionado, por óbvio, a quea vítima não represente – seja permanecendo inerte, seja declarandosua intenção expressamente.

Na Justiça Eleitoral esse instituto tem diminutos préstimos, umavez que as infrações penais definidas no Código Eleitoral (art. 355)são de ação pública.

Sua aplicação nessa esfera da Justiça somente poderá ocorrerquando o delito de lesões corporais leves ou lesões culposas estiverem conexão com outro crime de natureza eleitoral. Nesse caso, im-prescindível a representação do ofendido.

2.1.1.3.3 Transação penal

A transação penal, prevista no art. 76 da Lei n. 9.099/1995, consti-tui a possibilidade da imediata aplicação de uma pena restritiva de

Page 200: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

200

direitos ou multa, antes mesmo do oferecimento da denúncia, quandose tratar, pois, de ação penal pública incondicionada, bem como condi-cionada à representação, presentes os demais requisitos enumeradosno próprio dispositivo. Todavia, veja-se que a direta utilização da medi-da não implica, de nenhum modo, que o réu tenha admitido sua culpa,mantendo-se incólume sua inocência, autêntico “ato de fé no valor éti-co da pessoa” (TOURINHO FILHO, 2002, p. 24), princípio previsto noart. 5o, LVII, da Constituição, para todos os efeitos.

O Ministério Público detém legitimidade exclusiva para formular aproposta de transação. Porém, embora possuam um certo campo deatuação discricionária, devem os membros do parquet sempre se res-tringir às determinações legais. Assim, cabe a eles deliberarem sobrea substituição da espécie de sanção, sem que alterem o tipo penal. Damesma forma, não é admissível que eles sugiram a substituição deuma pena privativa de liberdade por outra também privativa de liberda-de. Como é bem dito, sua discricionariedade é regrada (GRINOVER,1997, p. 247).

Um ponto controvertido alguns anos atrás residia na supostainconstitucionalidade da medida ora em exame frente ao disposto noart. 5o, LIV, da Constituição, que traz o princípio do devido processolegal; restou, porém, pacificado que a transação penal seria uma auto-rizada exceção a ele, até porque a norma programática que previa acriação dos Juizados Especiais é hierarquicamente idêntica ao do pró-prio dispositivo constitucional que explicita o conhecido princípio dodue process of law. Aliás, se a transação penal só se aperfeiçoa se oindivíduo a aceita, clara está aí sua livre opção de livrar-se ou não doônus de suportar um processo. Ou essa pessoa, convencida de suainocência, tenta comprová-la, correndo, mesmo assim, o risco de serapenado com a perda de sua liberdade, ou abre mão desse direito,permutando-o por outras vantagens práticas.

A depender do conteúdo da transação penal acordada, o seu nãocumprimento pode ensejar providências diversas, conforme explicita oseguinte julgado do TRE paulista:

TRANSAÇÃO PENAL. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS À COMUNIDA-DE. CUMPRIMENTO PARCIAL. DESCONSTITUIÇÃO. OFERECIMEN-TO DE DENÚNCIA. VIABILIDADE.

Obrigando-se o agente, na transação, à prestação de serviços à co-munidade, medida cujo descumprimento, não podendo correspondera um nada, só poderia se resolver pela prisão, cuja aplicação, porém,sem observância do devido processo penal, é incogitável, alternativa

Page 201: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

201

outra não se põe, não cumprida a prestação, se não a da deflagraçãoda ação penal. Jurisprudência dos tribunais superiores. Distinção en-tre medida de natureza pecuniária, dizendo com interesses disponí-veis, que pode se resolver mediante execução da transação, e medidade prestação de serviços, materialmente não executável, e que atrai-ria transformação em privação de liberdade. Recurso do Ministério Pú-blico provido. [Ac. TRE/SP n. 392.005.]

2.1.1.3.4 Suspensão condicional do processo

Seu primeiro esboço partiu de Weber Martins Batista (apud GO-MES, 1997, p. 126), o qual tinha como base outros institutos já existen-tes, como o plea bargaining, o guilty plea e o probation system, dosquais, porém, a suspensão condicional do processo guarda importan-tes diferenças.

Segundo Júlio Fabbrini Mirabete (1997, p. 143-144), a suspensãocondicional do processo consiste em

sustar-se a ação penal após o recebimento da denúncia, desde que oréu preencha determinados requisitos e obedeça a certas condiçõesdurante um prazo fixado, findo o qual ficará extinta a punibilidade quan-do não der causa a revogação do benefício.

Os requisitos autorizadores da suspensão condicional do processosão objetivos (art. 89 da Lei n. 9.099/1995) ou subjetivos (art. 77 doCódigo Penal).

O primeiro requisito objetivo diz respeito à pena mínima do crimeatribuída ao acusado, que deve ser igual ou inferior a um ano.

Outro requisito objetivo consiste na ausência de condenação poroutro crime, seja doloso ou culposo, e que, ademais, não haja nemmesmo processo penal em andamento contra o acusado.

Além destes, há os requisitos subjetivos, que são: o condenadonão pode ser reincidente em crime doloso; a conduta social, os ante-cedentes, a culpabilidade, bem como os motivos e as circunstânciasdevem autorizar o benefício – para fins de evidenciar uma censurabi-lidade não exacerbada.

Homologada a suspensão pelo juiz, não é praticado mais nenhumoutro ato processual, suspendendo-se, inclusive, o curso da prescrição.

No período de prova, que consiste no lapso de tempo em que oacusado que aceitou a suspensão deve cumprir determinadas condi-

Page 202: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

202

ções, é verificado seu senso de responsabilidade. Sua duração éestabelecida pela lei em dois a quatro anos.

As condições a que o acusado fica sujeito durante o período deprova estão descritas nos incisos do art. 89, § 1o, da Lei dos JuizadosEspeciais, a saber: reparação do dano, salvo impossibilidade de fazê-lo; proibição de freqüentar determinados lugares; proibição de ausen-tar-se da comarca onde reside, sem autorização do juiz; deve compa-recer pessoalmente a juízo, mensalmente, para informar e justificarsuas atividades. O § 2o, por sua vez, confere uma faculdade ao juiz,que pode estabelecer ainda outras condições pertinentes a cada casoespecífico.

Já a revogação da suspensão condicional do processo pode serobrigatória ou facultativa.

Será obrigatória quando o acusado não reparar o dano causado àvítima, nos termos do art. 89, §1o, I, da Lei n. 9.099/1995.

O benefício será obrigatoriamente revogado, ademais, se o réu viera ser acusado por novo crime durante o período de prova (art. 89, § 4o,da Lei n. 9.099/1995). Para tanto, pois, deve ser recebida a denúnciaou a queixa com a citação.

A última causa de revogação obrigatória se dá no caso de prisãocautelar do réu (em flagrante, preventiva ou temporária), que, nessasituação, fica impossibilitado de cumprir as condições legais.

Por outro lado, será facultativa a revogação quando não houveobservância, por parte do acusado, das condições de que trata o art.89, § 1o, II a IV, assim como aquelas do art. 89, § 2o.

Não obstante os benefícios do presente instituto, sua aplicação podeproduzir reflexos negativos à busca da verdade real, mormente quantoaos crimes praticados de forma velada, encoberta, v.g. corrupção eleito-ral, isto porque o co-réu beneficiário da suspensão não poderá depor,nem mesmo na qualidade de informante. A respeito, destaca-se o se-guinte aresto:

[...]. Em obediência ao princípio da não auto-incriminação, os co-réusque aceitaram o benefício da suspensão condicional do processo de-vem continuar sendo tratados como réus no processo, com todos osdireitos e as garantias a eles conferidos, não se podendo sujeitá-losao ônus de colaborar com a apuração dos fatos. [Ac. TRESC n. 21.566.]

Na Justiça Eleitoral o presente instituto é amplamente adotado, e,sendo as infrações penais todas de ação pública, o representante do

Page 203: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

203

Ministério Público Eleitoral detém legitimidade exclusiva para a propo-sição.

2.1.2 Aplicação da Lei n. 9.099/1995 na Justiça Eleitoral

A doutrina e a jurisprudência em sua maioria concordam quanto àaplicação dos institutos penais da Lei n. 9.099/1995 na Justiça Eleitoral.

A corroborar, consigna-se orientação da Corte Superior Eleitoralemanada no seguinte julgado:

PROCESSO PENAL ELEITORAL - LEIS n. 9.099/95 e 10.259/2001 -APLICABILIDADE. As Leis n. 9.099/95 e 10.259/2001, no que versamo processo relativo a infrações penais de menor potencial ofensivo,são, de início, aplicáveis ao processo penal eleitoral. A exceção correà conta de tipos penais que extravasem, sob o ângulo da apenação, aperda da liberdade e a imposição de multa para alcançarem, relativa-mente a candidatos, a cassação do registro, conforme é exemplo ocrime do artigo 334 do Código Eleitoral. (Ac. n. 25.137.)

No mesmo sentido as lições de Suzana de Camargo Gomes (2000,p. 83-84):

No âmbito da Justiça Eleitoral inexistem juizados especiais criminais,com a estrutura definida pela Lei n. 9.099/95, ou seja providos porjuízes togados ou togados e leigos, mas isto não afasta a aplicaçãodas regras estatuídas nesse texto legal pelos juízes eleitorais, até por-que a finalidade dessa lei foi a de apresentar alternativas aoconfinamento dos infratores no cárcere, afastando, assim, da prisãoaquelas pessoas que tenham cometido infrações mais leves, de me-nor lesividade social.

Joel José Cândido (2004, p. 362), por outro lado, possui entendi-mento mais restritivo: “Dos principais institutos da Lei n. 9.099/1995,entendemos que só a suspensão condicional do processo (art. 89) seaplica em Direito Eleitoral [...].”.

Definida pela jurisprudência a aplicação na seara eleitoral da tran-sação penal (arts. 74 e 76) da representação (art. 88) e da suspensãocondicional do processo (art. 89), ainda não se tem a irrestrita adoçãodo conteúdo das leis dos juizados especiais criminais naquela JustiçaEspecializada, mormente as matérias de cunho processual.

A respeito, merecem destaque, primeiro, a possibilidade de substi-tuição do inquérito policial pelo termo circunstanciado e, segundo, aaplicação do rito processual da Lei n. 9.099/1995 em desfavor do con-tido no Código Eleitoral.

Page 204: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

204

2.1.2.1 Termo circunst anciado de ocorrência de infração penal.

O termo circunstanciado vem sendo aceito no âmbito da JustiçaEleitoral em substituição ao flagrante, e ainda, diante do que dispõe oart. 356, do Código Eleitoral: “Todo cidadão que tiver conhecimento deinfração penal deste Código deve comunicá-la ao Juiz Eleitoral da Zonaonde a mesma se verificou”. Reduzindo-se a termo no caso de comu-nicação verbal (§ 1o) e a possibilidade de diligências, esclarecimentose outros elementos de convicção ao Ministério Público Eleitoral.

Contudo, o termo circunstanciado não se confunde com a meracomunicação antes mencionada, mesmo porque a prevalência na se-ara eleitoral é a de requisição de inquérito policial para a apuração dasinfrações noticiadas, com amparo no art. 364 do Código Eleitoral, comaplicação subsidiária do Código de Processo Penal.

Ademais, as situações legalmente previstas são distintas, acentu-ando-se aquelas dos procedimentos da Lei 9.099/1995, que afasta aprisão em flagrante (art. 69, parágrafo único). Ou seja, ao adotar-seeste rito pré-processual, a prisão constituirá ato lesivo ao cidadão.

Do mesmo modo, quando a investigação policial não culmina como flagrante, por colidentes as disposições legais, poderá caracterizar-se outra ofensa a direito essencial se instaurado inquérito policial, umavez que, para a proposta dos institutos despenalizadores, a Lei n. 9.099/1995 determina o imediato encaminhamento ao Juizado do autor dofato e da vítima. Para o STJ, “o juiz pode solicitar à autoridade policialesclarecimentos quanto ao termo circunstanciado, sendo inadmissí-vel, contudo, determinar a elaboração de inquérito policial” (Ac. STJ n.6.249.)

Esse rigor, todavia, deve ser amenizado na apuração dos delitoseleitorais, tendo em vista a prevalência do interesse social de lisura eregularidade das eleições sobre o alegado direito do infrator de nãoser investigado.

Ademais, na seara eleitoral, todos os crimes são de ação pública,sendo o Estado o sujeito passivo da lesão às normais penais.

O Tribunal Superior Eleitoral, respondendo a consulta, afirmou:

[...]. II – O termo circunstanciado de ocorrência pode ser utilizado emsubstituição ao auto de prisão em flagrante, até porque a apuração deinfrações de pequeno potencial ofensivo elimina a prisão em flagran-te. [Res. TSE. n. 21.294.]

Page 205: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

205

Limitada à indagação, a resposta não abarcou outras questões quea matéria exigiria, portanto urge uma definição legislativa ou uma ori-entação precisa do TSE quanto à definição de procedimento uniformea ser adotado pela polícia judiciária e juízo eleitoral no caso dos delitosde menor porte ofensivo.

Por adequar-se à exigência de celeridade dos feitos eleitorais evisando a reduzir a ocorrência da prescrição e a conseqüente impuni-dade, a adoção dos dispositivos da Lei n. 9.099/1995 quanto ao termocircunstanciado (art. 69) com a dispensa de inquérito policial (art. 77),constitui medida a ser aceita e plenamente adotada.

2.1.2.2 Rito processual

Inicialmente, registra-se que a aplicação do rito processual na esferada Justiça Eleitoral não se confunde com a instituição de juizados espe-ciais criminais providos por juízes togados ou togados e leigos, nos ter-mos da Lei n. 9.099/1995. Isso, sem dúvida, depende de lei comple-mentar, de acordo com o que estabelece o art. 121 da Lei Maior.

Não obstante, colhe-se da jurisprudência: “Não se aplica aos cri-mes eleitorais, que têm procedimento especial e estão sujeitos à Jus-tiça Especializada, o rito dos Juizados Especiais Criminais, previsto naLei n. 9.099, de 1995.”

Conforme se vê nos julgados, a vedação imposta resulta do quecontinha a Lei n. 9.099/1995 na parte final de seu art. 61:

Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para osefeitos desta lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei cominepena máxima não superior a um ano, excetuados os casos em que alei preveja procedimento especial.

Esse, pois, o entendimento firmado pelos Tribunais Eleitorais, emcompasso com parte da doutrina.

Contudo, a Lei n. 10.259/2001, ao redefinir o critério de enqua-dramento das contravenções penais e dos crimes sujeitos aos Jui-zados Especiais Criminais, deixou de inserir a exceção antes menci-onada.

A confirmação da intenção do legislador em afastar de vez a exce-ção, ou seja, de permitir a aplicação indistinta das regras legislativasinclusive onde haja previsão do procedimento especial, veio com aLei n. 11.313, de 28 de junho de 2006.

Page 206: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

206

É certo que os procedimentos especiais contidos noutras legisla-ções diferem, inclusive no que toca aos prazos, daquele descrito na leique instituiu o Juizado Especial Criminal. É a hipótese, v.g., da Lei deTóxicos; nunca, porém, se cogitou que seu rito, quando em confrontocom o ordinário constante do Código de Processo Penal, seriainconstitucional por configurar cerceamento de defesa.

Assim sendo, também desaparece óbice à adoção do procedimen-to sumariíssimo da Lei dos Juizados Especiais Criminais na esfera doprocesso eleitoral.

Outro precedente que sugere a possibilidade de substituição dorito processual previsto nos arts. 355 a 364 do Código Eleitoral, é aimposição do rito da Lei n. 8.038, de 28.5.1990, aos processos de com-petência originária dos tribunais eleitorais.

O art. 1o da Lei n. 6.658, de 26.5.1993, definiu a aplicação dasnormas dos arts. 1o a 12, inclusive, da Lei n. 8.038/1990, às açõespenais de competência originária dos Tribunais de Justiça dos Esta-dos, do Distrito Federal e dos Tribunais Regionais Federais, tão-so-mente. Todavia, o TSE, o TRESC e também de outros Estados, estãoadotando essa norma.

Ora, o rito previsto no Código Eleitoral, consignado nos arts. 355 a364, é específico ao processo das infrações em toda a Justiça Eleito-ral, inclusive nas instâncias superiores. Assim sendo, a adoção dasnormas processuais da Lei n. 8.038/1990 – não endereçadas à JustiçaEleitoral – apresenta-se inconstitucional, se não, tem-se como prece-dente à viabilidade de se adotar nessa Justiça os procedimentos da Leidos Juizados Especiais Criminais.

Outro aspecto a considerar, diz respeito ao que dispõe a Lei n. 9.099/1995, no seu art. 90-A: “As disposições desta lei não se aplicam noâmbito da Justiça Militar”, disso se infere a intenção do legislador emafastar a incidência da lei tão-somente naquela esfera de Justiça. Seentendesse pelo não-cabimento de aplicação na Justiça Eleitoral, teriadito – não o fez.

Outro argumento utilizado para afastar-se a incidência das regrasprocessuais da Lei n. 9.099/1995 na Justiça Eleitoral, refere-se ao queemana do art. 121, da Constituição Federal: “Lei complementar dispo-rá sobre a organização e competência dos tribunais, dos juízes de di-reito e das juntas eleitorais”.

No caso, a adoção dos ritos processuais previstos no art. 62 e se-guintes da mencionada lei não ofende àquele dispositivo constitucio-

Page 207: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

207

nal, uma vez que não trata de matéria afeta à organização, tampoucocompetência dos tribunais ou juízes eleitorais.

Por óbvio, reitere-se, as normas existentes não permitem a criaçãodos juizados especiais e turmas recursais no âmbito da Justiça Eleito-ral; qualquer tentativa nesse sentido, por ato normativo do TSE oumesmo por lei ordinária, ofenderia o texto constitucional retro citado.

Abrindo parênteses, a criação de juizados especiais criminais elei-torais, com turmas recursais, na forma preconizada na Lei n. 9.099/1995, seria medida onerosa aos cofres públicos e absolutamente des-necessária, diante do diminuto volume de processos-crimes eleitorais.Assim, na hipótese, a apreciação de recurso da espécie deve cumprirao TRE.

Melhor solução – se não adotados os procedimentos da Lei n. 9.099/1995 – seria a alteração legislativa dos dispositivos processuais doCódigo Eleitoral (arts. 355 a 364), adequando-os aos critérios daoralidade, informalidade, economia processual e celeridade, visandoa melhoria da prestação jurisdicional e efetiva resposta aos anseioscoletivos de alcançar os infratores.

A nosso ver, nada obsta a aplicação plena da lei em comento naseara eleitoral. Por outro lado, também possível o hibridismo dessanorma com os dispositivos do Código Eleitoral, com o termo circuns-tanciado eleitoral na fase policial e a adoção dos institutosdespenalizadores, pois, sempre que possível, deve-se buscar a repa-ração dos danos e a não-aplicação de pena privativa de liberdade; e,somente depois, esgotadas as ensanchas, a denúncia deve seguir nostermos dos arts. 357 e seguintes do Código Eleitoral.

3 Considerações finais

A legislação pátria evoluiu muito no que diz respeito às infraçõesadministrativas eleitorais, com punições severas àqueles que buscamdeturpar o processo eleitoral, a igualdade e a lisura do pleito.

Aos excessos na propaganda, pesquisa, captação de votos e paraas demais infrações eleitorais, foram inseridas pesadas multas, sançãode inelegibilidade, cassação do registro, do diploma e do mandatoeletivo.

Todavia o processo dos crimes eleitorais e os próprios dispositivospenais permanecem, com raras exceções, os mesmos do Código Eleito-ral de 1965. Urge, pois, a adoção de medidas inovadoras.

Page 208: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

208

A instituição dos Juizados Especiais Criminais, salvo raríssimas eespecíficas críticas endereçadas ao conjunto da legislação, teve re-percussão positiva na desobstrução da Justiça Criminal Comum, semdeixar impunes os infratores.

Trata-se da concepção de um padrão processual moderno e ousa-do, caracterizado pela inovação e originalidade de formas e conteúdos.

Efetivamente, instituiu-se um microssistema processual-penal, comnatureza instrumental e obrigatória, que encontrou êxito em transmudara Justiça punitiva então existente numa Justiça conciliatória, no quediz respeito à resposta do Estado às infrações de menor potencial ofen-sivo.

A Justiça Eleitoral, marcada pela celeridade em seus procedimen-tos administrativo-eleitorais, não pode ficar à mercê de um sistemaprocessual-penal retrógrado, uma vez que ainda adota, na apuraçãodos crimes eleitorais, o inquérito policial e, na ação penal eleitoral, osdispositivos do Código Eleitoral e, subsidiariamente, o Código de Pro-cesso Penal.

Em resumo, não vemos óbices intransponíveis à aplicação do ritoda Lei n. 9.099/2005 na Justiça Eleitoral, todavia, se assim não for,temos que incumbe ao operador do Direito da esfera eleitoral apro-veitar ao máximo os procedimentos e institutos dessa legislação, aomenos conjugando-os de forma híbrida com os dispositivos do Códi-go Eleitoral.

Esta é a reflexão que se pretende com o presente estudo.

4 Referências bibliográficas

ARAÚJO, Francisco Fernandes de. Juizados especiais criminais: co-mentários à Lei Federal n. 9.099/1995. Campinas: Copola, 1995.

BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. DJU de 25.2.1998: RHC 6249-SP, rel. Min. Vicente Cernicchiarro, p. 123.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. DJSC de8.10.2003: Acórdão n. 18.552, de 01.10.2003, rel. Juiz Sebastião OgêMuniz, p. 105.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Diário da Justi-ça Eletrônico de 5.3.2007: Acórdão n. 21.566, rel. Juiz Newton VarellaJúnior.

Page 209: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

209

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral do Rio Grande do Sul. DJERS, v.3006, t. 128, de 14.7.2006: Acórdão n. 392005, de 11.7.2006, rel. Des.Marcelo Bandeira Pereira.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. DJU de 7.11.2002: Resolução n.21.294, p. 133.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Acórdão n. 25.137, de 7.06.2005.Relator Min. Marco Aurélio Mendes de Farias Mello. Revista de Juris-prudência do TSE, v. 16, t. 3, p. 415.

CÂNDIDO, Joel J. Direito Eleitoral. 11. ed. São Paulo: Edipro, 2004.

D´URSO, Luiz Flávio Borges (Coord.). Justiça Criminal e Sociedade –3o Encontro Nacional dos Advogados Criminalistas. São Paulo: Juarezde Oliveira, 2000.

GOMES, Luiz Flávio. Suspensão condicional do processo: e a repre-sentação nas lesões corporais, sob a perspectiva do novo modeloconsensual de Justiça Criminal. 2. ed. São Paulo: RT, 1997.

GOMES, Suzana de Camargo. Crimes eleitorais. São Paulo: RT, 2000.

GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Juizados especiais criminais: comen-tários à Lei n. 9.099, de 26.9.1995. 4. ed. São Paulo: RT, 1997.

MIRABETE, Júlio Fabbrini. Juizados especiais criminais: comentários,jurisprudência, legislação. 3. ed. São Paulo: Atlas, 1997.

NASSIF, Aramis. Juizados especiais criminais: breve avaliação.Teresina: Jus Navigandi, ano 4, n. 41, maio 2000. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1115>. Acesso em: 16 abr. 2007.

SMANIO, Gianpaolo Poggio Smanio. Criminologia e Juizado EspecialCriminal. São Paulo: Atlas, 1997.

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

TOURINHO NETO, Fernando da Costa; FIGUEIRA JÚNIOR, Joel Dias.Juizados Especiais Cíveis e Criminais: Comentários à Lei n. 9.099/1995. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Page 210: RESENHA ELEITORAL
Page 211: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

211

NÚMERO DE VAGAS NAS CÂMARAS MUNICIP AISDefinição e competência

Eduardo Cardoso*Gonsalo Agostini Ribeiro**

1 INTRODUÇÃO. 2 A NORMA CONSTITUCIONAL. 3 A DISCUSSÃODO TEMA EM SANTA CATARINA. 4 A NORMATIZAÇÃO PARA ASELEIÇÕES MUNICIPAIS 2004. 5 O RETORNO DA DISCUSSÃO EM2008. 6 COMPETÊNCIA REGULAMENTAR. 7 CONSIDERAÇÕES FI-NAIS. 8. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

O presente artigo pretende fazer uma análise dos critérios utiliza-dos para definição do número de vagas às câmaras municipais,balizada na norma contida no art. 29, inciso IV, da Constituição daRepública Federativa do Brasil, no sentido de que deve haverproporcionalidade entre esse número e a população do município.

Inicialmente, será feita uma crítica do texto constitucional, acom-panhada de uma abordagem histórica da discussão surgida em SantaCatarina a respeito do tema, em razão de a regulamentação vir sendorealizada, até as Eleições Municipais 2000, pelos próprios municípios,por meio de suas leis orgânicas.

Também será abordada a decisão proferida pelo Supremo Tribu-nal Federal em caso concreto, que acabou por nortear a regulamenta-ção da matéria pelo Tribunal Superior Eleitoral para as Eleições Muni-cipais 2004, por meio da Resolução n. 21.702, de 2.4.2004.

Destacar-se-á, ainda, a recente movimentação da PEC n. 333/2004,que pretende regulamentar a matéria, bem como a edição da Resolu-ção TSE n. 22.823, de 5.6.2008, editada em resposta à consulta queratificou os critérios a serem adotados nas Eleições Municipais 2008.

* Servidor do TRESC, bacharel em Direito/UFSC, especialista em Direito Eleitoral/Univali.

** Servidor do TRESC, bacharel em Direito/UFSC, especialista emDesenvolvimento Gerencial/UFSC e em Direito Eleitoral/Univali.

Page 212: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

212

Por fim, será proposta a reflexão quanto à competência para regu-lamentar a matéria, apresentando-se, ao final, uma sugestão de equa-ção para o atendimento da norma constitucional, de modo a se segui-rem critérios de proporcionalidade com a população e equilíbrio entreos municípios.

2 A norma constitucional

A Constituição Federal estabelece, no seu art. 29, inciso IV, precei-tos para a elaboração das leis orgânicas municipais, entre os quais aregra para definição do número de vereadores, nos seguintes termos:

Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois tur-nos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terçosdos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos osprincípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do res-pectivo Estado e os seguintes preceitos:

[...]

IV – número de Vereadores proporcional à população do Município,observados os seguintes limites:

a) mínimo de nove e máximo de vinte e um nos Municípios de até ummilhão de habitantes;

b) mínimo de trinta e três e máximo de quarenta e um nos Municípiosde mais de um milhão e menos de cinco milhões de habitantes;

c) mínimo de quarenta e dois e máximo de cinqüenta e cinco nos Mu-nicípios de mais de cinco milhões de habitantes; [...].

À primeira vista, verifica-se que o legislador constitucional, semmotivo aparente, não previu uma faixa populacional de municípios queseriam contemplados com número mínimo de 22 e máximo de 32 ve-readores.

Tal omissão acarreta um desequilíbrio, na medida em que determi-nado município, ao romper a barreira de 1.000.000 de habitantes –considerando que o número máximo da faixa anterior é 21 e o mínimoda nova faixa é de 33 representantes na câmara municipal –, tenha umacréscimo de no mínimo doze vereadores, com o aumento de apenasum único habitante.

Ainda evidencia-se um equívoco na segunda e terceira faixas, quan-do é excluída previsão de número de vagas nas câmaras para cida-des que tenham exatos 5.000.000 de habitantes, visto que uma con-

Page 213: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

213

templa os municípios com população inferior e outra aqueles com nú-mero superior. Tal situação, embora rara, tem exatamente a mesmaprobabilidade de ocorrer quanto qualquer outra.

Finalmente, registra-se que o estabelecimento, no texto constituci-onal, de faixas genéricas apenas com números mínimos e máximos(ex.: mínimo de 9 e máximo de 21 nos municípios de até um 1.000.000de habitantes) não fornece subsídios para a definição de quando osmunicípios devem ser contemplados com número intermediário devagas entre aqueles limites (de dez a vinte, no exemplo), pela com-pleta ausência de parâmetro expresso nesse sentido.

Trata-se, portanto, de uma regra repleta de omissões, impossívelde ser aplicada sem regulamentação que estabeleça tais parâmetros,o que acarretaria o extrapolamento de seus limites.

3 A discussão do tema em Sant a Catarina

O art. 111 da Constituição de Santa Catarina estabelecia – consi-derando a inexistência de município com mais de 1.000.000 de habi-tantes no Estado – a regra que fixava o número de vereadores emcada município de acordo com a faixa populacional, in verbis:

Art. 111. O Município rege-se por lei orgânica, votada em dois turnos,com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dosmembros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os prin-cípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição, eos seguintes preceitos:

[...]

IV - número de Vereadores proporcional à população do Município,obedecidos aos limites da Constituição Federal e os seguintes:

a) até dez mil habitantes, nove Vereadores;

b) de dez mil e um a vinte mil habitantes, até onze Vereadores;

c) de vinte mil e um a quarenta mil habitantes, até treze Vereadores;

d) de quarenta mil e um a sessenta mil habitantes, até quinze Verea-dores;

e) de sessenta mil e um a oitenta mil habitantes, até dezessete Verea-dores;

f) de oitenta mil e um a cem mil habitantes, até dezenove Vereadores;

Page 214: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

214

g) de cem mil e um a um milhão de habitantes, até vinte e um Verea-dores;

Observa-se, novamente, um desajuste matemático de proporcio-nalidade. A primeira e a segunda faixa têm intervalo de 10.000 habi-tantes; da terceira à sexta faixa 20.000 habitantes; e a sétima e última900.000 habitantes, denotando-se em uma regra casuística, adapta-da. Cabe anotar que, embora baseada em preceito constitucional (CF,art. 29), muito provavelmente outras Unidades da Federação o tenhamadequado aos seus interesses, criando uma desproporcionalidade naaplicação da norma comum originária.

Em 2002, o Ministério Público de Santa Catarina argüiu a tese dainconstitucionalidade (TJSC, ADI n. 2002, 008926-0, de Santa Cecília)do referido dispositivo, por criar – no seu entendimento – parâmetrosinadequados à fixação do número de vereadores, ou seja, em desa-cordo com o previsto no art. 29, inciso IV, da Constituição Federal.

E, na sua interpretação do contido na norma constitucional, elabo-rou uma tabela de proporcionalidade entre número de vagas nas câ-maras municipais e população1, de onde se infere a alegação de que86 municípios catarinenses estariam com número de vagas em exces-so. Verifica-se que a tabela apresentada considerou o acréscimo de

1O número de vagas nas Câmaras Municipais, em consonância com o cálculoestabelecido pelo Ministério Público de Santa Catarina, interpretando o quepreceitua o inciso IV do art. 29 da Constituição Federal, seria:

até 76.923 habitantes: 9 vereadores

de 76.924 a 153.846 habitantes: 10 vereadores

de 153.847 a 230.769 habitantes: 11 vereadores

de 230.770 a 307.692 habitantes: 12 vereadores

de 307.693 a 384.615 habitantes: 13 vereadores

de 384.616 a 461.538 habitantes: 14 vereadores

de 461.539 a 538.461 habitantes: 15 vereadores

de 538.462 a 615.384 habitantes: 16 vereadores

de 615.385 a 692.307 habitantes: 17 vereadores

de 692.308 a 769.230 habitantes: 18 vereadores

de 769.231 a 846.153 habitantes: 19 vereadores

de 846.154 a 923.076 habitantes: 20 vereadores

de 923.077 a 1.000.000 habitantes: 21 vereadores

Page 215: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

215

uma vaga de vereador por faixa populacional, do mínimo de 9 até omáximo de 21 vereadores, considerando a exata divisão da populaçãopelas 13 faixas possíveis.2

A Assembléia Legislativa do Estado, em outubro de 2002, aprovoua Emenda Constitucional n. 24, que alterou o referido dispositivo, su-primindo aqueles parâmetros para a fixação do número de vagas devereadores, o qual passou a vigorar como inciso V, com a seguinteredação:

Art. 111.

[...]

V – número de Vereadores proporcional à população do Município,obedecidos os limites da Constituição Federal;

Em dezembro de 2002, o Ministério Público Estadual e a Associa-ção Catarinense de Câmaras Municipais (UVESC) firmaram protocolode intenções – na presença do então Presidente da AssembléiaLegislativa do Estado de Santa Catarina, o qual também assinou oreferido documento – em que se comprometeram a viabilizar, dentrode suas competências e prerrogativas, todo o apoio necessário aospromotores de justiça e às câmaras municipais, para que esses (seassim entendessem) realizassem acordos judiciais ou termos de ajus-tamento de conduta para equacionar o problema de excesso de va-gas nas câmaras daqueles municípios.

Também foram impetradas, pelos membros do Ministério Públicoem algumas dessas cidades, ações judiciais visando à redução donúmero de vagas nas câmaras. Em conseqüência, atos diversos fo-ram realizados nos vários municípios, como, por exemplo, termos deajustamento de conduta, acordos judiciais, decretos legislativos, sen-tenças judiciais, entre outros.

Contudo, a matéria também era objeto de discussão em âmbitonacional, havendo o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal em2004 de caso concreto, que veio a nortear as regras para as eleiçõesdaquele ano.

2O quociente encontrado (76.923) é resultado da divisão de 1.000.000 (númeromáximo de habitantes em município catarinense, até então) pelo número defaixas de vagas possíveis para o número de habitantes (mínimo de 9 e máximode 21), que é de 13. Então: 1.000.000 / 13 = 76.923.

Page 216: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

216

4 A normatização p ara as eleições municip ais 2004

O Supremo Tribunal Federal, em 24.3.2004, julgou o Recurso Ex-traordinário n. 197.917, que contestava o número de vereadores nomunicípio de Mira Estrela/SP e elaborou parâmetros3 para a sua fixa-ção, interpretando o art. 29 da Constituição Federal, os quais foram

3Tabela que consta no voto do relator do Recurso Extraordinário n. 197.917,de 24.3.2004, Ministro Maurício Corrêa, com base na interpretação dada peloSTF ao art. 29 da Constituição Federal e recepcionada pelo Tribunal SuperiorEleitoral como segue:

Resolução TSE n. 21.702, 2.4.2004

PETIÇÃO N. 1.442 - CLASSE 18ª - DISTRITO FEDERAL (Brasília).

Instruções sobre o número de vereadores a eleger segundo a população decada município.

O Tribunal Superior Eleitoral, no uso das atribuições que lhe confere o art. 23,IX, do Código Eleitoral, resolve expedir a seguinte Instrução:

Art. 1o Nas eleições municipais deste ano, a fixação do número de vereadores

a eleger observará os critérios declarados pelo Supremo Tribunal Federal nojulgamento do RE n. 197.917, conforme as tabelas anexas.

Parágrafo único. A população de cada município, para os fins deste artigo, seráa constante da estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)divulgada em 2003.

[...]

ANEXO

N. DE HABITANTES DO MUNICÍPIO N. DE VEREADORESaté 47.619 09 (nove)

de 47.620 até 95.238 10 (dez)de 95.239 até 142.857 11 (onze)

de 142.858 até 190.476 12 (doze)de 190.477 até 238.095 13 (treze)de 238.096 até 285.714 14 (catorze)de 285.715 até 333.333 15 (quinze)de 333.334 até 380.952 16 (dezesseis)de 380.953 até 428.571 17 (dezessete)de 428.572 até 476.190 18 (dezoito)de 476.191 até 523.809 19 (dezenove)de 523.810 até 571.428 20 (vinte)

de 571.429 até 1.000.000 21 (vinte e um)

Page 217: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

217

recepcionados pelo Tribunal Superior Eleitoral, conforme a Resoluçãon. 21.702, de 2.4.2004, que estabeleceu o número de vagas de vere-adores adotado nas Eleições Municipais 2004 em cada um dos muni-cípios do país. Como fato curioso, cabe observar que a tabela estabe-lece também “número par” na composição das câmaras municipais (damesma forma que o MPSC, embora com quociente diverso), o que nãoocorria até então.

Da análise da referida tabela, verifica-se que o número de 47.619habitantes corresponde à divisão do número de 1.000.000 de habitan-tes por 21 vagas, o que também denota um equívoco matemático, vis-to que não há 21 faixas (pois a hipótese de municípios com 1, 2, 3, 4,5, 6, 7 ou 8 vagas não existe, eliminando, assim, essas faixas do cál-culo; o mínimo legal é de 9), e sim 13, correspondentes ao intervalo de9 a 21 vagas nas câmaras.4 Registra-se que tal diferença, ou seja, o

N. DE HABITANTES DO MUNICÍPIO N. DE VEREADORESde 1.000.001 até 1.121.952 33 (trinta e três)de 1.121.953 até 1.243.903 34 (trinta e quatro)de 1.243.904 até 1.365.854 35 (trinta e cinco)de 1.365.855 até 1.487.805 36 (trinta e seis)de 1.487.806 até 1.609.756 37 (trinta e sete)de 1.609.757 até 1.731.707 38 (trinta e oito)de 1.731.708 até 1.853.658 39 (trinta e nove)de 1.853.659 até 1.975.609 40 (quarenta)de 1.975.610 até 4.999.999 41 (quarenta e um)

N. DE HABITANTES DO MUNICÍPIO N. DE VEREADORESde 5.000.000 até 5.119.047 42 (quarenta e dois)de 5.119.048 até 5.238.094 43 (quarenta e três)de 5.238.095 até 5.357.141 44 (quarenta e quatro)de 5.357.142 até 5.476.188 45 (quarenta e cinco)de 5.476.189 até 5.595.235 46 (quarenta e seis)de 5.595.236 até 5.714.282 47 (quarenta e sete)de 5.714.283 até 5.833.329 48 (quarenta e oito)de 5.833.330 até 5.952.376 49 (quarenta e nove)de 5.952.377 até 6.071.423 50 (cinqüenta)de 6.071.424 até 6.190.470 51 (cinqüenta e um)de 6.190.471 até 6.309.517 52 (cinqüenta e dois)de 6.309.518 até 6.428.564 53 (cinqüenta e três)de 6.428.565 até 6.547.611 54 (cinqüenta e quatro)

Acima de 6.547.612 55 (cinqüenta e cinco)4

O quociente encontrado (47.619) é resultado da divisão de 1.000.000(habitantes) por 21 (n. de vagas possíveis para o n. de habitantes). Então:1.000.000 / 21 = 47.619.

Page 218: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

218

quociente de 47.619, somente é respeitado até a penúltima faixa, vistoque, na última (... 571.429 até 1.000.000...), para obter-se o acréscimode uma vaga de vereador é necessário o aumento de 428.571 (!), ouseja, quase o dobro da faixa anterior e quase 10 vezes mais do que ointervalo entre as demais faixas.

Da mesma forma, o número de 121.950 habitantes corresponde àdivisão de 5.000.000 (habitantes) por 41 (vagas), quando a Constitui-ção estabelece a variação de 9 vagas, compreendidas entre o númerode 33 e 41, nos municípios com mais de 1.000.000 e menos de5.000.000 de habitantes. Observa-se, também, que a última faixa des-respeita a diferença adotada nas demais, na medida em que exige aampliação de mais de 3.000.000 de habitantes para que o municípioobtenha o acréscimo de uma vaga na câmara municipal.

Finalmente, a última faixa apresenta um intervalo de 119.046 habi-tantes (o que já causa estranheza, pois é menor que o quociente da faixaanterior) para o acréscimo de cada vaga de vereador. O referido nú-mero não toma por base um limite máximo, visto que a Constituiçãoapenas prevê o termo inicial superior a 5.000.000 de habitantes, mascontempla uma lacuna, qual seja, a dos municípios com exatos6.547.612 habitantes, pois prevê que os municípios com número infe-rior a esse contam com 54 vagas e aqueles com população acimacontam com 55 vagas.

5 O retorno da discussão em 2008

A Proposta de Emenda à Constituição n. 333/2004, que pretenderegulamentar a definição do número de vagas de vereadores, retornouao cenário político nacional em 2008, com a seguinte proposição (ob-serve-se que estabelece vagas somente em números ímpares):

Faixa populacional Vagas de

vereadoresAté 5.000 habitantes 7

Mais de 5.000 e de até 15.000 habitantes 9

Mais de 15.000 e de até 30.000 habitantes 11

Mais de 30.000 e de até 50.000 habitantes 13

Mais de 50.000 e de até 80.000 habitantes 15

Mais de 80.000 e de até 120.000 habitantes 17

Mais de 120.000 e de até 160.000 habitantes 19

Mais de 160.000 e de até 300.000 habitantes 21

Page 219: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

219

Faixa populacional Vagas devereadores

Mais de 300.000 e de até 450.000 habitantes 23Mais de 450.000 e de até 600.000 habitantes 25Mais de 600.000 e de até 750.000 habitantes 27Mais de 750.000 e de até 900.000 habitantes 29

Mais de 900.000 e de até 1.050.000 habitantes 31Mais de 1.050.000 e de até 1.200.000 habitantes 33Mais de 1.200.000 e de até 1.350.000 habitantes 35Mais de 1.350.000 e de até 1.500.000 habitantes 37Mais de 1.500.000 e de até 1.800.000 habitantes 39Mais de 1.800.000 e de até 2.400.000 habitantes 41Mais de 2.400.000 e de até 3.000.000 habitantes 43Mais de 3.000.000 e de até 4.000.000 habitantes 45Mais de 4.000.000 e de até 5.000.000 habitantes 47Mais de 5.000.000 e de até 6.000.000 habitantes 49Mais de 6.000.000 e de até 7.000.000 habitantes 51Mais de 7.000.000 e de até 8.000.000 habitantes 53

Mais de 8.000.000 habitantes 55

Esse texto foi aprovado na íntegra pela Câmara dos Deputados nodia 28.5.2008 e remetido ao Senado Federal em 3.6.2008, tendo sidoencaminhado ao relator em 4.7.2008. Como novidade, trouxe a redu-ção do número mínimo de vagas, regra vigente até 1988, tanto na Lein. 6.448/77 quanto naquela que a alterou (Lei n. 6.988).5 Agora, a dis-

5 Lei n. 6.988, de 13 de abril de 1982

Art. 17 - [...]

Parágrafo único - O número de Vereadores será de 9 nos Municípios das Capitaise de 5 nos demais, acrescentando-se mais um para cada 30.000 habitantes doMunicípio, não podendo ultrapassar, respectivamente, o número de 15 e de 9Vereadores.

Lei. n. 6.448, de 11 de outubro de 1977

Art. 17 - A Câmara Municipal se compõe de Vereadores eleitos pelo voto diretoe secreto, pelo período de 4 anos.

Parágrafo único - O número de Vereadores será de 7 nos Municípios das Capitaise de 5 nos demais, acrescentando-se mais um para cada 30.000 habitantes doMunicípio, não podendo ultrapassar, respectivamente, o número de 9 e de 7Vereadores.

Page 220: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

220

cussão está focada nos índices de repasse de recursos da receita tri-butária do município às câmaras municipais (que, pelo texto submeti-do, foi reduzido dos atuais 5% a 8% para 2% até 4,75%). Pela polêmi-ca gerada, o Senado decidiu pela tramitação normal da emenda – sejapela impopularidade da proposta no cenário político atual, seja pelaimaturidade da discussão quanto ao repasse financeiro –, causando aimpossibilidade de vigorar para o pleito vindouro. De maneira sintéti-ca, o Congresso Nacional é favorável ao incremento das vagas devereadores sem, contudo, redução das verbas repassadas.

O Tribunal Superior Eleitoral novamente se manifestou a respeitodo tema, respondendo à consulta por meio da Resolução n. 22.8236,de 5.6.2008, que estabeleceu a competência da Lei Orgânica de cadamunicípio para fixar o número de vagas de vereadores em disputa nasEleições Municipais 2008, ressaltando que devem ser seguidos osparâmetros que constam na Resolução TSE n. 21.702/2004.

Além do mais, ressalvou que já havia publicado a Resolução n.22.556/2007, observando que, para a aplicação da referida emendajá no pleito de 2008, se terá necessariamente como data referência oprazo final das convenções municipais, que é o marco do processoeleitoral. Em face disso, considerando que o referido prazo se encer-rou em 30.6.2008, ainda que a PEC n. 333/2004 seja aprovada ante-riormente às eleições de 5 de outubro, não poderá vigorar para asEleições Municipais 2008.

6 Resolução TSE n. 22.823, 5.6.2008

CONSULTA N. 1.564 – CLASSE 5ª – BRASÍLIA – DISTRITO FEDERAL.

CONSULTA. REGRAS. FIXAÇÃO DO NÚMERO DE VEREADORES. ELEICÕES2008.

- A fixação de número de vereadores para o próximo pleito é da competênciada Lei Orgânica de cada Município, devendo-se atentar para o prazo de quecuida a Res. TSE n. 22.556/2007: “o início do processo eleitoral, ou seja, oprazo final de realizações de convenções partidárias”.

- As regras a serem observadas na lei que fixar o número de vereadores, paraas eleições vindouras, são as definidas pelo STF e constantes da Res. TSE n.21.702/2004, ou seja, as que tenham por parâmetro as faixas populacionais deque trata o inciso IV, art. 29, da Constituição Federal.

Resolvem os ministros do Tribunal Superior Eleitoral, por unanimidade,responder à consulta, nos termos do voto do relator.

Page 221: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

221

6 Competência regulament ar

Evidentemente, a Resolução TSE n. 21.702 trouxe o equilíbrio emâmbito nacional para que o número de vagas em disputa para as câ-maras municipais não fosse diferente em municípios compreendidosna mesma faixa populacional.

Contudo, há que se considerar que a Constituição Federal é claraao estabelecer que tal matéria é deferida aos municípios, por meio desuas leis orgânicas, para o que devem ser obedecidos os preceitosnelas estipulados. Dessa forma, salvo análise mais apurada, a referi-da resolução é inconstitucional.

7 Considerações finais

Conforme exposto, conclui-se que a norma constitucional que es-tabelece os critérios para definição do número de vagas nas câmarasmunicipais apresenta diversas imperfeições.

Também é fato que, considerando a competência dos municípiospara regulamentar a matéria por meio de suas leis orgânicas, a unifor-midade de critérios nos 5.564 municípios existentes no País é umameta inatingível.

Tal uniformidade somente seria possível em uma tabela única, quefoi o instrumento adotado pelo Tribunal Superior Eleitoral ao editar aResolução n. 21.702, com validade para as Eleições Municipais 2004.A proporcionalidade definida pela Constituição, contudo, não foialcançada, visto que existem evidentes distorções matemáticas naequação estabelecida por aquela Corte.

Nota-se que a tabela proposta pelo Ministério Público do Estadode Santa Catarina guarda coerência e proporcionalidade com os nú-meros estabelecidos pela Constituição, mas se limita ao máximo de21 vereadores, pelo simples fato de que não há municípios com nú-mero superior a 1.000.000 de habitantes nesta Unidade da Federaçãoe a análise produzida se destinava ao caso concreto local.

Para que se obtenha o intento de proporcionalidade entre a popu-lação e o número de vagas, nos termos da Constituição , admitida ahipótese de que a intenção do legislador era de que os municípios comexatos 5.000.000 de habitantes se enquadrassem na segunda faixa, a

Page 222: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

222

seguinte equação é matematicamente coerente (inserindo-se, nova-mente, os números pares):

Faixa populacional Vagas de vereadoresAté 76.923 habitantes 9

76.924 a 153.846 habitantes 10

153.847 a 230.769 habitantes 11

230.770 a 307.692 habitantes 12

307.693 a 384.615 habitantes 13

384.616 a 461.538 habitantes 14

461.539 a 538.461 habitantes 15

538.462 a 615.384 habitantes 16

615.385 a 692.307 habitantes 17

692.308 a 769.230 habitantes 18

769.231 a 846.153 habitantes 19

846.154 a 923.076 habitantes 20

923.077 a 1.000.000 habitantes 21

1.000.001 até 1.444.444 habitantes 33

1.444.445 até 1.888.888 habitantes 34

1.888.889 até 2.333.332 habitantes 35

2.333.333 até 2.777.776 habitantes 36

2.777.777 até 3.222.220 habitantes 37

3.222.221 até 3.666.664 habitantes 38

3.666.665 até 4.111.108 habitantes 39

4.111.109 até 4.555.552 habitantes 40

4.555.553 até 5.000.000 habitantes 41

5.000.001 até 5.444.444 habitantes 42

5.444.445 até 6.333.332 habitantes 43

6.333.333 até 6.777.776 habitantes 44

6.777.777 até 7.222.220 habitantes 45

7.222.221 até 7.666.664 habitantes 46

7.666.665 até 8.111.108 habitantes 47

8.111.109 até 8.555.552 habitantes 48

8.555.553 até 8.999.996 habitantes 49

8.999.997 até 9.444.440 habitantes 50

9.444.441 até 9.888.884 habitantes 51

9.888.885 até 10.333.328 habitantes 52

10.333.329 até 10.777.772 habitantes 53

Page 223: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

223

10.777.773 até 11.222.216 habitantes 54

Mais de 11.222.216 habitantes 55

Registra-se que tal tabela guarda coerência com: a) os 13 quadrospossíveis nos municípios com até 1.000.000 de habitantes; b) as 9situações configuráveis nos municípios com número superior a esseaté 5.000.000 habitantes; e c) 14 hipóteses nos municípios que possu-em mais 5.000.000 de habitantes.

Contudo, reitera-se que a Constituição não prevê a situação demunicípios com 22 a 32 vagas nas câmaras municipais, causando umaevidente distorção, de modo que, para que a proporcionalidade entre onúmero de vagas de vereadores e a população dos municípios sejaalcançada de forma plena e coerente, entende-se que a equação ide-al para a definição do número de vagas deveria contemplar 4 situa-ções, a serem implementadas por meio de emenda constitucional, nosseguintes termos:

Dessa forma, a tabela que conteria a distribuição do número de vagasem consonância com a regra propost a seria:

Faixa populacional Vagas de vereadores

Até 76.923 habitantes 9

76.924 a 153.846 habitantes 10

153.847 a 230.769 habitantes 11

230.770 a 307.692 habitantes 12

307.693 a 384.615 habitantes 13

384.616 a 461.538 habitantes 14

lanoicalupopaxiaFedsagaVserodaerev

setnatibah000.000.1étA9:ominíM12:omixáM

setnatibah000.005.2éta000.000.1edsiaM22:ominíM23:omixáM

setnatibah000.000.5éta000.005.2edsiaM33:ominíM14:omixáM

setnatibah000.000.5edsiaM24:ominíM55:omixáM

Page 224: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

224

461.539 a 538.461 habitantes 15

538.462 a 615.384 habitantes 16

615.385 a 692.307 habitantes 17

692.308 a 769.230 habitantes 18

769.231 a 846.153 habitantes 19

846.154 a 923.076 habitantes 20

923.077 a 1.000.000 habitantes 21

1.000.001 até 1.136.363 habitantes 22

1.136.364 até 1.272.726 habitantes 23

1.272.727 até 1.409.089 habitantes 24

1.409.090 até 1.545.452 habitantes 25

1.545.453 até 1.681.815 habitantes 26

1.681.816 até 1.818.178 habitantes 27

1.818.179 até 1.954.541 habitantes 28

1.954.542 até 2.090.904 habitantes 29

2.090.905 até 2.227.267 habitantes 30

2.227.268 até 2.363.630 habitantes 31

2.363.631 até 2.500.000 habitantes 32

2.500.001 até 2.777.777 habitantes 33

2.777.778 até 3.055.554 habitantes 34

3.055.555 até 3.333.331 habitantes 35

3.333.332 até 3.611.108 habitantes 36

3.611.109 até 3.888.885 habitantes 37

3.888.886 até 4.166.662 habitantes 38

4.166.662 até 4.444.439 habitantes 39

4.444.440 até 4.722.216 habitantes 40

4.722.217 até 5.000.000 habitantes 41

5.000.001 até 5.277.777 habitantes 42

5.277.778 até 5.555.554 habitantes 43

5.555.555 até 5.833.331 habitantes 44

5.833.332 até 6.111.108 habitantes 45

6.111.109 até 6.388.885 habitantes 46

6.388.886 até 6.666.662 habitantes 47

6.666.663 até 6.944.439 habitantes 48

6.944.440 até 7.222.216 habitantes 49

7.222.217 até 7.499.993 habitantes 50

7.499.994 até 7.777.770 habitantes 51

Page 225: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

225

7.777.771 até 8.055.547 habitantes 52

8.055.548 até 8.333.324 habitantes 53

8.333.325 até 8.611.101 habitantes 54

Mais de 8.611.101 habitantes 55

Finalmente, entende-se que, de forma ideal, a referida tabela de-veria constar no próprio texto constitucional, retirando-se dos municí-pios a faculdade de interpretar os preceitos estabelecidos pela Lei Maiore garantindo o necessário equilíbrio, coerência e proporcionalidadeentre população e número de vagas de vereadores, de maneira uni-forme em todos os municípios da República Federativa.

8 Referências bibliográficas

ANGELIM, Augusto N. Sampaio. Jus Navigandi. Dos homens bons aosvereadores e os primeiros juizes do Brasil. Teresina, ano 8, n. 339, 11jun. 2004. Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5323, acesso em 3 dez. 2006.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 1988.

BRASIL. Constituição do Estado de Santa Catarina. 1989.

BRASIL. Proposta de Emenda à Constituição n. 333/2004. 2004.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário n. 197.917.2004.

BRASIL. Tribunal de Justiça de Santa Catarina. Ação Direta deInconstitucionalidade n. 2002.008926-0, de Santa Cecília. 2002.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.702, 2 abr. 2004.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.556, 19 jun. 2007.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 21.823, 5 jun. 2008.

FONSATTI JUNIOR, Ruy. Redução do número de Vereadores: visãoconstitucional sobre o tema. Jus Navigandi. Teresina, a. 7, n. 73, 14set. 2003. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4260>. Acesso em 3 dez. 2006.

OLMO, Manolo del., Ações civis públicas para redução do número deVereadores. Jus Navigandi. Teresina, a. 8, n.121, 3 nov. 2003. Disponí-vel em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4321>. Acesso em3 dez. 2006.

Page 226: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

226

PAULA, Alexandre Sturion de. Redução do número de vereadores:Resolução do TSE vs. Constituições estaduais. Jus Navigandi. Teresina,ano 10, n. 908, 28 dez. 2005. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7726>. Acesso em 3 dez. 2006.

SILVA, Alcimar Lobato da. Redução do número de vereadores:aplicabilidade das normas constitucionais. Jus Navigandi. Teresina, ano8, n. 332, 4 jun. 2004. Disponível em <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=5291>. Acesso em 3 dez. 2006.

Page 227: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

227

O DIREITO DE RESPOSTA NA ESFERA ELEITORAL SOB AÓTICA DA DOUTRINA E DA JURISPRUDÊNCIA

Alessandro Balbi Abreu *

1 RESUMO. 2 INTRODUÇÃO. 3 O DIREITO DE RESPOSTA NA ES-FERA ELEITORAL. 4 AFIRMAÇÃO CALUNIOSA, DIFAMATÓRIA OUINJURIOSA. 5 AFIRMAÇÃO SABIDAMENTE INVERÍDICA. 6 PROCE-DIMENTO. 7 RESPOSTA. 8 CUMULAÇÃO DE PEDIDOS E DE PE-NAS. 9 RECURSO – EFEITOS SUSPENSIVO E DEVOLUTIVO. 10CONSIDERAÇÕES FINAIS. 11 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Resumo

Neste artigo pretende-se explorar o instituto do direito de respostana esfera eleitoral, buscando discutir todos os aspectos pertinentes àmatéria, desde o período em que pode ser concedida a resposta; alegitimidade ativa para requerer a concessão desse direito; a definiçãodo que pode ser considerada uma afirmação caluniosa, difamatória,injuriosa ou sabidamente inverídica, considerando qual deve ser o li-mite da crítica eleitoral; a possibilidade da concessão do direito de res-posta por veiculação de mensagem sabidamente inverídica; o limiteda resposta, bem como a possibilidade da cumulação do pedido dedireito de resposta com as demais penalidades discutidas em repre-sentação eleitoral.

Palavras-chave : Direito de resposta. Eleitoral. Afirmação. Pedido.Resposta.

Abstract

This article intends to explore the institute of the right to reply inelectoral law, bringing to discussion all the aspects relevant to thesubject, from the period in which a reply can be conceded; the legitimacyto petition this right; the definition of what can be considered a

* Advogado associado da Bornhausen e Zimmer Advogados; pós-graduado emDireito Processual Civil pelo Instituto de Ciências Jurídicas (Incijur), em 2002;pós-graduado em Direito Eleitoral pela Escola Judiciária do TRESC emconvênio com a Univali, em 2006; pós-graduando em Direito Público peloCesusc em 2008 e professor do Curso de Direito da Unisul.

Page 228: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

228

calumnious, defamatory, injurious or knowingly untrue affirmation,considering the limits of the electoral critique; the possibility ofacknowledging the right to reply on face of diffusion of knowingly untruemessage; the limits on reply, as well as the possibility of simultaneouslyrequesting the right to reply with the penalties discussed in the subjectof electoral representation.

Keywords : Right to reply. Electoral. Affirmation. Request. Reply.

2 Introdução

O presente artigo científico tem como escopo explorar, apontar eanalisar criticamente o instituto do direito de resposta na esfera eleito-ral, dando ênfase ao posicionamento da doutrina e da jurisprudênciaem relação ao tema.

Para se alcançar os objetivos traçados, foram pesquisadas a legis-lação pertinente ao tema, no intuito de conhecer a maneira como amatéria é tratada pelos legisladores; a doutrina, para verificar oposicionamento dos diversos cientistas do Direito; e, principalmente, ajurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral e dos tribunais regionaiseleitorais, no intento de verificar os diversos fundamentos utilizadospelos magistrados ao aplicarem a lei e as resoluções aos casos emconcreto.

O artigo está organizado da seguinte maneira: primeiramente, rea-lizou-se um estudo acerca do direito de resposta na esfera eleitoral,seguido da definição do que pode ser considerada uma afirmação ca-luniosa, difamatória ou sabidamente inverídica e considerando qualdeve ser o limite da crítica eleitoral; a partir de então foram pesquisadosa possibilidade da concessão do direito de resposta por veiculação demensagem sabidamente inverídica, o procedimento necessário parase obter esse direito e as definições do limite da resposta, bem como apossibilidade da cumulação desse pedido com as demais penalidadesdiscutidas em representação eleitoral.

No desenvolvimento da pesquisa utilizou-se o método dedutivo,tendo como conteúdo norteador a Lei n. 9.504/1997 – conhecida comoLei das Eleições –; a Constituição da República Federativa do Brasil;de 1988; as decisões judiciais – principalmente as proferidas pelo Tri-bunal Superior Eleitoral – e parte da doutrina relevante ao assunto,com as técnicas da pesquisa bibliográfica e do relatório de leitura.

Page 229: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

229

3 O direito de respost a na esfera eleitoral

Com o intuito de assegurar direitos iguais aos candidatos que dis-putam o pleito eleitoral, bem como para organizá-lo de forma correta edemocrática, foi criada a Lei n. 9.504/1997, conhecida como Lei dasEleições, que, entre outras matérias, deu atenção especial à propa-ganda eleitoral.

Nesse aspecto, não poderia a lei olvidar-se dos direitos da perso-nalidade, a fim de proporcionar um tratamento “respeitoso” entre oscandidatos e das entidades envolvidas no processo. Isso porque – di-ante das diferentes ideologias, conceitos e anseios das pessoas en-volvidas no debate político – tornaram-se comuns as discussões acir-radas, que, muitas vezes, podem ultrapassar a fronteira do aceitável.

Diante desse quadro, destaca-se a importância do instituto do di-reito de resposta.

Segundo os autores Rui Stoco e Leandro Stoco (2006, p. 106), taldireito pode ser traduzido como “uma garantia ao desagravo, assimque determinada pessoa seja ofendida por outrem e tutela, em últimaanálise, os chamados direitos da personalidade do indivíduo”.

Paralelamente, o art. 5o, inciso IX, da Constituição Federal, esta-belece a garantia da liberdade de imprensa e de expressão, o quepode gerar um aparente conflito com os direitos da personalidade.

Os constantes acontecimentos que envolvem os políticos brasilei-ros em escândalos de corrupção têm despertado ainda mais o inte-resse da imprensa em investigar minuciosamente a vida de algunspolíticos, de seus familiares, bem como dos partidos políticos.

Em face da notoriedade e da “confiabilidade” adquiridas – por mé-rito ou puro marketing – pelos intermináveis formadores de opinião,muitas vezes os postulantes a cargo eletivo ficam à mercê dessas pes-soas ou organismos, que tanto podem divulgar acontecimentos e crí-ticas acertadas, justas, como podem ultrapassar o limite da razão, daverdade ou do tolerável, prejudicando severamente os anseios daque-les e provocando conseqüências imprevisíveis.

É justamente o instituto do direito de resposta que pode proporcio-nar um equilíbrio entre o direito da personalidade e a liberdade de ex-pressão durante o processo eleitoral, mais precisamente após a reali-zação das convenções partidárias para escolha de candidatos.

Page 230: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

230

A própria Constituição Federal – art. 5o, V – assegura ao indivíduoofendido o direito de resposta: “É assegurado o direito de resposta,proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moralou à imagem”.

A legislação eleitoral busca definir com mais precisão os casos deincidência do direito de resposta. Contudo nossos legisladores não fo-ram muito felizes.

Inicialmente, esse instituto foi garantido pelo Código Eleitoral – art.243, § 3o – “a quem for injuriado, difamado ou caluniado através daimprensa, rádio, televisão, ou alto-falante, aplicando-se, no que cou-berem, os arts. 90 e 96 da Lei n. 4.117, de 27 de agosto de 1962”.

Já a Lei das Eleições (n. 9.504/1997, art. 58) apresenta a seguinteredação:

Art. 58. A partir da escolha de candidatos em convenção, é assegura-do o direito de resposta a candidato, partido ou coligação atingidos,ainda que de forma indireta, por conceito, imagem ou afirmação calu-niosa, difamatória, injuriosa ou sabidamente inverídica, difundidos porqualquer veículo de comunicação social.

É certo que os dispositivos legais acima citados são insuficientespara definir ou nortear a incidência ou não do direito de resposta, mo-tivo pelo qual a doutrina e a jurisprudência têm um papel fundamentalna análise de cada caso concreto.

Para buscar a correta aplicação do instituto do direito de respostano processo eleitoral, alguns pontos devem ser observados: a defini-ção do que pode ser considerado uma afirmação caluniosa, difamatória,injuriosa ou sabidamente inverídica, considerando qual deve ser o li-mite da crítica eleitoral; a possibilidade da concessão do direito de res-posta por veiculação de mensagem sabidamente inverídica quando nãoé considerada afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa; a possibi-lidade da cumulação do pedido de direito de resposta com as demaispenalidades discutidas em representação eleitoral, como, por exemplo,aquela prevista no art. 55 da Lei n. 9.504/1997; a forma e o limite daresposta.

É cediço que o direito de resposta pode ser pleiteado tanto na es-fera da Justiça Comum como na Eleitoral. Daí surge um importante mar-co que deve ser traçado: definir em que período o instituto da respostapode ser requerido na Justiça Eleitoral.

O art. 58 da Lei das Eleições é bastante preciso ao definir comomarco inicial para a propositura da respectiva representação na Justi-

Page 231: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

231

ça Eleitoral a convenção para escolha de candidatos: “A partir da esco-lha de candidatos em convenção, é assegurado o direito de resposta acandidato, partido ou coligação [...]”. Antes desse período, a compe-tência é da Justiça Comum.

Contudo, ao analisar o dispositivo legal supra mencionado, perce-be-se que não existe um marco final para concessão do direito de res-posta. Poder-se-ia dizer, em primeira análise, que, encerrado o perío-do eleitoral, todas as representações que tratam do assunto perderiamo objeto. Porém somente se admite essa hipótese nos casos em que atransgressão à norma ocorreu no programa eleitoral gratuito.

Quando a ofensa ou a inverdade ocorreu na programação normalde rádio ou televisão, na imprensa escrita ou até mesmo em sítios dainternet, é possível a veiculação da resposta após o período eleitoral.

O Tribunal Superior Eleitoral (2001), ao enfrentar a matéria, posici-onou-se nesse sentido em mais de uma ocasião: “Recurso Especial –Possibilidade de concessão do direito de resposta por publicação vei-culada na imprensa escrita, ainda que em data posterior ao pleito elei-toral (art. 5o, V e XXXV, da CF e art. 58 da Lei n. 9.504/1997). Recursonão conhecido”.

Colhe-se no voto:

Diferente dos horários destinados à propaganda eleitoral gratuita norádio e televisão, subsistentes apenas no período eleitoral, as publica-ções veiculadas na imprensa escrita podem, em tese, ensejar o exer-cício do direito de resposta, ainda que em data posterior ao pleito elei-toral.

Ainda:

Direito de resposta. Art. 58 da Lei n. 9.504/97. Alegação de inverdades– Entrevista – Emissora de televisão – Programação normal – Términoda propaganda eleitoral gratuita – Preliminar de prejudicialidade –Rejeição – Defesa da honra – Interesse de agir – Subsistência – Pos-sibilidade de veiculação após a realização do pleito eletivo. Divulga-ção da resposta – Custo – Responsabilidade – Autor da afirmação.Diferente do que ocorre quando se trata de programa eleitoral gratuito,na situação em que a acusação, ou a inverdade, foram veiculadaspela imprensa escrita ou no curso da programação normal do rádio ouda televisão, quando o custo da veiculação da resposta será suporta-do pelo responsável da afirmação que gerou a resposta, é possívelsua veiculação após as eleições. Ausência de violação do preceitolegal. Entrevista que não contém afirmação caluniosa, difamatória, in-juriosa ou inverídica. Recurso não conhecido. [TSE. Ac. n. 18.359, de24.4.2001. Rel. Min. Fernando Neves da Silva.]

Page 232: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

232

Por oportuno, ressalva-se que os prazos para postulação do direitode resposta previstos na Lei das Eleições – vinte e quatro horas, quan-do se tratar de horário eleitoral gratuito; quarenta e oito horas, quandose tratar da programação normal das emissoras de rádio ou televisão;setenta e duas horas, quando se tratar de órgão da imprensa escrita –são decadenciais, de forma que, se ultrapassados, esgota-se o direito.

Outro ponto a ser debatido é a possibilidade da concessão do direi-to de resposta a terceiros, que não candidatos, partidos ou coligações.

A maior parte dos doutrinadores especializados na matéria defen-de a inclusão dos terceiros ofendidos como parte legítima para propora devida representação.

Destaca-se, nesse sentido, o ensinamento de Pedro RobertoDecomain (2004, p. 308):

Pensamos que a legitimidade para o exercício do direito de respostadeva efetivamente ser ampla, sob pena de deixar-se sem possibilida-de de defesa imediata aqueles que, não sendo candidato, partido oucoligação, foram, mesmo assim, ofendidos em sua dignidade em peçade propaganda.

A preocupação do ilustre professor é mais que pertinente, tendoem vista que se tornou prática habitual dos candidatos atacar pessoaspróximas aos seus adversários, a fim de atingi-los.

Nesse caso, se o terceiro atingido fosse buscar abrigo na JustiçaComum, certamente um possível resultado positivo na sua demandaseria tardio e, por conseqüência, ineficaz, de forma que o caminhomais correto a ser traçado é possibilitar o seu ingresso na Justiça Elei-toral como parte legítima para propor a respectiva representação.

Ressalta-se, porém, que essa garantia se restringe aos casos emque a transgressão da norma ocorreu na propaganda eleitoral gratuitaou em propaganda na imprensa escrita quando paga ou patrocinadapor candidato, partido ou coligação.

Sobre o assunto, destacam-se algumas decisões do Tribunal Su-perior Eleitoral (2000):

Propaganda eleitoral – Ofensa – Terceiros – Direito de resposta – Pra-zo – Competência – Lei n. 9.504/97 – Lei n. 5.250/67.

1. Compete à Justiça Eleitoral examinar apenas os pedidos de direitode resposta formulados por terceiro em relação ao que veiculado nohorário eleitoral gratuito, sendo, nesses casos, observados os prazosdo art. 58 da Lei n. 9.504, de 1997.

Page 233: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

233

2. Quando o terceiro se considerar atingido por ofensa realizada nocurso da programação normal das emissoras de rádio e televisão ouveiculado por órgão da imprensa escrita, deverá observar os procedi-mentos previstos na Lei n. 5.250/67.

Como também:

Recurso especial eleitoral. Pedido de direito de resposta por pessoaalheia ao processo eleitoral. Possibilidade. Lei n. 9.504/97, art. 58, §3o, III, f. Representação processual de Governador. Lei local.

1. A matéria relativa à representação processual do Governador doEstado não comporta análise nesta via especial, por se referir à inter-pretação de lei local.

2. Qualquer pessoa, independentemente de ser candidato ou não, poderequerer pedido de resposta, com base na Lei n. 9.504/97, art. 58, §3o, III, f.

3. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, provido. [TSE, REspen. 15.532, 1998.]

Por último, apesar de a redação da norma eleitoral deixartransparecer que o direito de resposta estaria limitado às ofensas ouinverdades transmitidas pela televisão, rádio ou imprensa escrita, en-tendemos que aquelas veiculadas em outros locais, como em carrosde som, outdoors ou internet, também podem ser analisadas, aindamesmo que por analogia aos dispositivos legais vigentes, sendo defe-rido o pedido quando for pertinente. Nesse sentido:

Propaganda eleitoral. Ofensa. Divulgação por meio de “carro de som”.Direito de resposta. Falta de previsão legal. Analogia. Representaçãoconhecida. – Tratando-se de ofensa veiculada pelo denominado ‘carrode som’, e, não havendo previsão legal quanto ao direito de resposta,aplica-se analogicamente os dispositivos atinentes às emissoras derádio e televisão [art. 58, §§ e incisos da Lei 9.504/97], sob pena debanalizar-se a propaganda eleitoral, culminando por instituir a ‘ofensalegal’. [TSE, REspe n. 12.937, 2000.]

4 Afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa

Quando se fala na concessão do direito de resposta, o primeirodesafio a ser enfrentado é definir o que pode ser considerado afirma-ção caluniosa, difamatória ou sabidamente inverídica.

O Código Eleitoral traz os seguintes conceitos normativos:

Art. 324. Caluniar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando fins depropaganda, imputando-lhe falsamente fato definido como crime [...];

Page 234: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

234

Art. 325. Difamar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a finsde propaganda, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação [...]; Art.326. Injuriar alguém, na propaganda eleitoral, ou visando a fins depropaganda, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro [...]. [BRASIL,2007.]

Tais conceitos, à primeira vista, se equiparam àqueles definidos noCódigo Penal. Contudo, para a sua correta aplicação no direito de res-posta, deve-se diferenciar o ponto referencial para caracterização daofensa indevida, já que o exercício da vida pública exige do políticouma tolerância maior aos ataques de seus adversários.

Sendo assim, incorreto seria considerar o homem médio como refe-rência para definição da ocorrência de calúnia, difamação ou da injúria.

No mesmo sentido, Rui Stoco e Leandro Stoco (2006, p. 111):

Por oportuno, vale registrar quanto à calúnia, difamação e injúria adesnecessidade que essas figuras sejam caracterizadas como crimepara ensejar o direito de resposta, conforme já pacificado por nossascortes especializadas. Aliás, o homem público está sujeito a ver colo-cadas sob lente de aumento suas características e imperfeições, ecom esse ônus deve se conformar.

Na verdade, a maior dificuldade encontrada pelo aplicador do Di-reito Eleitoral é definir o limite da crítica política.

É cediço que não cabe direito de resposta por qualquer crítica, pormais dura ou contundente que seja, principalmente quando lançadade forma genérica.

O professor Olivar Coneglian (2004, p. 219) ensina com propriedade:

Não constitui ofensa a simples crítica eleitoral, a crítica a programa departido, à realização de ato, à atitude administrativa do ofendido. [...] Ohomem público, principalmente o que está no exercício do poder deadministração, ou aquele que se submete ao crivo de uma eleição,fica sujeito a críticas mais acerbas e mais generalizadas. Muitas ve-zes, essa crítica é injusta, mas não chega a caracterizar injúria oudifamação.

Há de se ressaltar, da jurisprudência, o voto do então juiz eleitoraldo egrégio Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina, Oswaldo JoséPedreira Horn: “Se crítica houve, não excedeu aos limites legais,tampouco denotou caráter ofensivo, até porque a Constituição Fede-ral assegura a liberdade de expressão como consectário do estadodemocrático de direito”. (TRESC. Acórdão n. 19.250, 2004.)

Page 235: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

235

No mesmo acórdão, o Juiz acrescenta decisão proferida peloTRESC, cujo relator foi o juiz Alexandre d’Ivanenko, que originou oAcórdão n. 19.380 (2004):

RECURSO – DIREITO DE RESPOSTA – COMENTÁRIOS NEGATI-VOS E CRÍTICAS À ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL – MENSAGEMVEICULADA SEM CONTEÚDO INJURIOSO, DIFAMATÓRIO OU CA-LUNIOSO – INEXISTÊNCIA DE AFIRMAÇÕES SABIDAMENTEINVERÍDICAS – EMBATE ELEITORAL – NORMALIDADE – REGULA-RIDADE DA PROPAGANDA – DEVOLUÇÃO DO TEMPO SUBTRAÍ-DO PARA RESPOSTA NO HORÁRIO DA COLIGAÇÃO REPRESEN-TANTE – RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.

Na propaganda eleitoral não é razoável exigir-se que as críticas e oscomentários contra a administração de adversários políticos sejamfeitos de forma polida e diplomática, mormente em eleições munici-pais, com a possibilidade de reeleição de prefeitos, ainda mais se notexto veiculado não houve nenhuma afirmação comprovadamenteinverídica suficiente a ensejar o direito de resposta, a teor do dispostono art. 58 da Lei n. 9.504/1997.

Sendo assim, como o instituto do direito de resposta visa a garantira integridade da honra, somente o ataque pessoal, que pretendadesqualificar o indivíduo, comporta a aplicação do art. 58 da Lei dasEleições.

Nesse sentido, já decidiu o Tribunal Superior Eleitoral (AG 1.176,2000):

Direito de resposta por ofensa irrogada em programa partidário – Pos-sibilidade em face do disposto no art. 5o, V, da CF – Competência doTribunal Superior Eleitoral – Crítica contundente de que está passívelo agente político exercente de cargo eletivo – Distinção em relação aofensa que atinge a imagem e a honra da pessoa citada nas assertivasinfamatórias – Representação julgada procedente em parte.

Voto:

No mérito, entendo que muitas das assertivas apontadas como ofensi-vas não ostentam tal caráter. Dizer que o governo arrocha a fiscaliza-ção, tomando dinheiro do pequeno empresário; que o Banco do Esta-do está quebrado; que a COPEL está sendo vendida a preço vil, quenão é possível arrochar a fiscalização para fazer doações amultinacionais, tudo isto se contém no campo da crítica, admissívelainda mais quando se trata da atuação de agente político ocupante decargo eletivo, consoante interativa jurisprudência a respeito. No en-tanto, a referência à “elite que governa o Paraná, que só pensa emmaracutaia, em negociatas”; a assertiva de que se é contra a que o

Page 236: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

236

pequeno empresário seja roubado e os recursos entregues de pre-sente às montadoras; de que há uma desonestidade que não pode serconhecida pela população; de que favorecem os picaretas da Repúbli-ca, configuram, ao meu sentir, palavras que ofenderam a honra e ima-gem do requerente. Aí, já não há apenas o intuito de crítica política,mas a evidente carga sobre a honra e a imagem da pessoa atacada.Dizer que alguém rouba pequenos empresários, que há desonestidadenos contratos, que são picaretas os que pretendem ocultar da popula-ção os termos de um acordo é atingir diretamente a honra de quem éresponsável por tais atos e, no caso, não há dúvida, são atribuídos aorequerente. [Idem.]

Ressalta-se ainda, conforme se extrai do caput do art. 58 da Lei n.9.504/1997, que, mesmo quando a ofensa à honra for veiculada deforma indireta, deve-se conceder ao ofendido o direito de resposta.

É do entendimento jurisprudencial:

RECURSO – PEDIDO DE RESPOSTA – HORÁRIO ELEITORAL GRA-TUITO – ACUSAÇÃO INDIRETA DE CORRUPÇÃO – AFIRMAÇÃOCALUNIOSA – OFENSA – CONFIGURAÇÃO.

Configura afirmação caluniosa suficiente a ensejar o direito de respos-ta, a teor do disposto no art. 58 da Lei n. 9.504/97, a acusação, nohorário eleitoral gratuito, ainda que de forma indireta, da prática decorrupção, por prefeito candidato à reeleição, vez que extrapola o con-ceito da livre manifestação do pensamento. [TRESC. Acórdão n. 16.724,2000.]

5 Afirmação sabidamente inverídica

Extrai-se do dispositivo legal ora debatido que não é somente aafirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa que pode ocasionar odireito de resposta. A afirmação sabidamente inverídica também o pode.

Diferente do que a jurisprudência de alguns tribunais regionais elei-torais tem sedimentado recentemente, a afirmação sabidamenteinverídica, desde que prejudicial ao interessado, pode ensejar direitode resposta mesmo quando desacompanhada de conteúdo calunioso,difamatório ou injurioso.

A própria redação do art. 58 da Lei n. 9.504/1997 – “[...] por concei-to, imagem ou afirmação caluniosa, difamatória, injuriosa ou sabidamen-te inverídica [...]” – é clara ao dispor da conjunção alternativa “ou”,demonstrando claramente a intenção do legislador de proporcionar aquem for prejudicado por uma afirmação inverídica a possibilidade derestabelecer a verdade.

Page 237: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

237

Sendo assim, quando caracterizada a mensagem “sabidamenteinverídica”, não se pode, de forma alguma, admitir que os aplicadoresdo direito neguem o direito de resposta àqueles que forem prejudica-dos, sob o argumento de que não foi caracterizada a ofensa à honraou ao decoro.

Já decidiu o egrégio Tribunal Superior Eleitoral: “A afirmaçãosabidamente inverídica, desde que prejudicial a um candidato, podeensejar o direito de resposta. Não se faz mister que tenha conteúdocalunioso, difamatório ou injurioso”. (TSE. REspe n. 15.602, 1998.)

Noutro vértice, em face da subjetividade da expressão “sabidamen-te inverídica”, esta talvez seja a única conclusão devidamente escla-recida pelo legislador no que corresponde à matéria.

Na verdade, o grande desafio para o jurista é definir qual o seuverdadeiro conceito.

Dizer que o termo utilizado na norma é a assertiva cuja falsidade éde conhecimento público, que faz desnecessária a produção de pro-va, parece o caminho mais evidente. Contudo, essa interpretação éinsensata quando analisado o dispositivo como um todo.

Ora, se o direito de resposta, entre os demais dispositivos legais,busca garantir aos candidatos, partidos e coligações uma eleição emcondições de igualdade, não faz sentido restringir a interpretação daidéia de afirmação “sabidamente inverídica” quando a distorção daverdade, mesmo quando for realizada de forma maquiada, prejudicara reputação de quem for atingido.

Além disso, nada mais coerente do que a conclusão de Rui Stocoe Leandro O. Stoco sobre a matéria:

A afirmação que de plano e icto oculi se apresenta como inverídicacertamente causará menor impacto no equilíbrio do pleito eleitoral,pois o homem mediano ou aquele mais instruído não será atingidopela sua falsidade intrínseca, ao contrário daquela que vem camufla-da em fatos verdadeiros ou em colocações que exigem conhecimen-tos técnicos, que a estes pode alcançar. [2006, p. 112.]

Conclui-se, portanto, que toda a afirmação inverídica, sendo elaevidente ou maquiada, desde que prejudique candidato, partido, coli-gação ou até mesmo terceiros, deve servir de motivo para concessãodo direito de resposta.

Page 238: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

238

6 Procedimento

Para requerer o direito de resposta à Justiça Eleitoral, aquele quese sentiu ofendido ou prejudicado deve propor a representação previs-ta no art. 96 da Lei das Eleições.

Segundo o art. 58 da mesma lei, o procedimento para obtenção daresposta depende de se a ofensa ou inverdade foi veiculada na im-prensa escrita, na programação normal de rádio ou televisão ou du-rante o horário eleitoral gratuito.

Na primeira hipótese – imprensa escrita – a representação deveser proposta no prazo de até setenta e duas horas após a veiculaçãoda ofensa ou inverdade.

O pedido deve que ser instruído com um exemplar da publicaçãoatacada, bem como o texto que constitui a resposta.

Caso a representação seja julgada procedente, a veiculação daresposta deverá ocorrer no mesmo veículo, na mesma página, tama-nho e forma utilizados na ofensa, em até quarenta e oito horas após adecisão, ou, caso a periodicidade de circulação do veículo utilizadoseja maior que este prazo, a resposta deve ser veiculada na sua pri-meira circulação.

Salienta-se que o ofendido tem o direito de exigir que a respostaseja veiculada no mesmo dia da semana em que ocorreu a ofensa ouinverdade.

A Justiça Eleitoral determinará a imediata veiculação da respostaquando a ofensa ou inverdade for produzida em dia e hora queinviabilizem sua reparação dentro dos prazos estabelecidos no art. 58da Lei das Eleições.

Cabe ao ofensor comprovar nos autos o correto cumprimento dadecisão, informando os dados necessários para tanto.

Quando a ofensa ou inverdade for veiculada durante a programa-ção normal de rádio ou televisão, o prazo para o ajuizamento da res-pectiva representação será de até quarenta e oito horas após aveiculação da ofensa ou inverdade.

O julgador deverá requisitar ao responsável pela emissora que vei-culou a suposta ofensa ou inverdade que remeta à Justiça Eleitoral acópia da transmissão por intermédio de uma fita ou semelhante – CDou DVD –, bem como determinar a conservação da fita original até ojulgamento final da representação.

Page 239: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

239

Deferido o pedido, a veiculação da resposta deverá ocorrer no pra-zo de quarenta e oito horas após a decisão, em tempo igual ao daofensa, respeitando o tempo mínimo de um minuto.

Por último, quando a ofensa ou inverdade for transmitida durante ohorário eleitoral gratuito, o ofendido terá o prazo de até vinte e quatrohoras após a veiculação do programa combatido para propor a repre-sentação.

Apesar de a Lei das Eleições não exigir expressamente que o ofen-dido apresente junto com a inicial a cópia em fita, CD ou DVD do pro-grama em que foi veiculada a ofensa ou inverdade, o Tribunal SuperiorEleitoral, por meio de resolução, tem feito essa exigência, acrescen-tando, também, a necessidade da apresentação da degravação do textotido por ofensivo ou inverídico.

A resposta, caso deferido o pedido, deverá ser transmitida peloofensor, em seu programa eleitoral, em tempo igual ao da ofensa ouinverdade, mas nunca inferior a um minuto, mesmo que o partido oucoligação não disponha deste tempo na sua propaganda eleitoral. Nestecaso, a resposta será levada ao ar tantas vezes quantas sejam neces-sárias para o seu complemento.

O ofendido deverá entregar à emissora geradora a resposta emmeio magnético, até trinta e seis horas após a ciência da decisão, paraque seja veiculada no início do subseqüente programa do ofensor, nomesmo horário – diurno ou noturno – em que foi veiculada a ofensa.

Salienta-se que em todas as situações expostas acima, o supostoofensor será notificado para apresentar defesa no prazo de vinte equatro horas, e a decisão deverá ser prolatada no prazo máximo desetenta e duas horas da data da formulação do pedido.

Da mesma forma, o Ministério Público Eleitoral, como fiscal da lei,deverá sempre emitir o seu parecer antes do julgamento do processo,tanto na primeira instância como no caso de eventual recurso.

7 Respost a

No caso da procedência da representação que busca a concessãodo direito de resposta, aquele que foi considerado ofendido ou prejudi-cado por afirmação inverídica terá para veiculação da resposta, comoregra básica, o mesmo tempo ou espaço indevidamente utilizado paraatingi-lo.

Page 240: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

240

Tratando-se, contudo, de propaganda eleitoral gratuita, o tempomínimo para a reposição da verdade é de sessenta segundos, utiliza-dos no programa do partido ou coligação que usou indevidamente oseu espaço, até que se cumpra o tempo determinado na respectivadecisão.

O conteúdo da resposta deve restringir-se ao fato considerado pelojulgador como ofensivo ou falso, de forma que a verdade sejarestabelecida ou a ofensa reparada.

Caso o espaço destinado à resposta seja utilizado indevidamente,o ofendido receberá como sanção a subtração de tempo idêntico doseu programa eleitoral, ou, em se tratando de terceiro, ficará sujeito àincidência da multa prevista no art. 58 da Lei n. 9.504/1997, bem comoficará sujeito à subtração de igual tempo em eventuais novos pedidosde resposta.

Também com base no mesmo dispositivo legal, quem não cumprira decisão sobre o direito de resposta sofrerá pena administrativa –multa – e responderá pelo crime de desobediência previsto no art. 347do Código Eleitoral.

8 Cumulação de pedidos e penas

Outro ponto importante que deve ser analisado é a possibilidadeda cumulação, na representação eleitoral, do pedido de direito de res-posta com as demais penalidades previstas em lei.

Além do instituto do direito de resposta, a Lei das Eleições, emseus arts. 53, § 1o, e 55, parágrafo único, também prevê a possibilida-de da perda da propaganda eleitoral subseqüente àquela que degradaou ridiculariza candidato, bem como a perda em dobro do tempo daofensa, quando a degradação ou a ridicularização atingirem candida-to, partido ou coligação. (DECOMAIN, 2004, p. 302-306.)

Diante da subjetividade inerente à interpretação da propaganda tidacomo ofensiva, a fim de conceituá-la como caluniosa, difamatória, in-juriosa ou degradante – ridicularizante –, tornou-se hábito, por parte dequem se sentiu ofendido, propor a representação eleitoral cumulandoo pedido de direito de resposta com as demais penalidades referidasacima.

Nesse ponto, a jurisprudência é divergente. Existem decisões quedefendem a impossibilidade da cumulação de pedidos, tendo em vista

Page 241: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

241

a diferença principalmente dos prazos. Cita-se como exemplo o prazoestipulado para a apresentação da defesa na representação eleitoralque postula o direito de resposta, que é de vinte e quatro horas, en-quanto na representação pautada nos arts. 53, § 1o, e 55, parágrafoúnico, da Lei das Eleições o prazo da defesa é de quarenta e oitohoras.

Contudo, essa tese não parece ser a mais acertada, pois esbarraem outro problema, qual seja, a cumulação das sanções previstas nosarts. 53 ou 55, parágrafo único, e 58 da Lei n. 9.504/97.

De forma alguma o partido ou coligação pode ser condenado cu-mulativamente nos referidos dispositivos, pois uma eventual decisãonesse sentido estaria em desacordo com os princípios daproporcionalidade e da razoabilidade.

Nessa esteira, caso se venha a orientar o candidato, partido oucoligação a propor uma só representação, baseada no mesmo fato,para cada penalidade prevista em lei, corre-se o risco da cumulaçãodas penas, já que, principalmente nas eleições estaduais, as respecti-vas ações poderão ser julgadas por mais de um juiz eleitoral, ocasio-nando a cumulação das penalidades despropositadamente.

Sendo assim, a solução mais acertada é permitir a cumulação depedidos, proporcionando ao representado o prazo mais elástico para aapresentação da defesa – no caso, quarenta e oito horas –, a fim denão causar o cerceamento de defesa ou eventual prejuízo à parte.

Ressalva-se, porém, que pode ser aplicada, quando for conveni-ente, a cumulação da concessão do direito de resposta com a multaprevista no § 2o do art. 45 da Lei das Eleições, consoante já decidiu oTribunal Superior Eleitoral:

RECURSO ESPECIAL. EMISSORA DE TELEVISÃO. DIVULGAÇÃODE PROGRAMA OFENSIVO À IMAGEM DE CANDIDATO. PEDIDODE DIREITO DE RESPOSTA. IMPOSIÇÃO DE MULTA. CUMULAÇÃO.POSSIBILIDADE.

1. O exercício do direito de resposta, destinado a conceder ao ofendi-do a oportunidade de esclarecer o eleitorado acerca de fatos que lheforam imputados, não exclui o pagamento da multa, expressamenteprevista no § 2o do art. 45 da Lei n. 9.504/1997.

2. Essa penalidade é também imponível à emissora que, infringindolegislação eleitoral durante a programação normal, incide em qual-quer das proibições estabelecidas no caput do dispositivo. Recursoespecial não conhecido. [TSE. Respe n. 15.712, 1967.]

Page 242: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

242

9 Recurso – efeitos suspensivo e devolutivo

De decisão sobre direito de resposta cabe recurso.

Normalmente, o recurso é recebido apenas no efeito devolutivo.Porém, tornou-se prática habitual o ajuizamento de mandado de segu-rança ou de medida cautelar com pedido liminar a fim de impedir aveiculação da resposta até o julgamento do recurso.

Adriano Soares da Costa considera tal procedimento “aberrante”,pois entende que

[...] o recurso interposto não tem a finalidade de impedir a resposta,mas de reformar a decisão atacada, permitindo que o recorrente, aca-so provida a sua impugnativa, possa obter a devolução do tempo cedi-do, em detrimento do tempo do programa eleitoral do recorrido. [2006,p. 838.]

Ressalta-se que, caso a resposta concedida seja apresentada noseu último programa, o recorrente pode utilizar para uma contra-respostatempo igual ao cedido, nos termos do § 4o do art. 58 da Lei n. 9.504/1997, ou seja, no horário normal de televisão ou de rádio, ainda quenas quarenta e oito horas anteriores ao pleito.

Pedro Roberto Decomain traz, contudo, uma situação interessan-te: “Mas, e se o ofendido for um terceiro, de quem se haverá de subtra-ir o tempo necessário à restituição?” (2004, p. 315).

A solução encontrada pelo nobre professor seria ampliar o horárioda propaganda eleitoral gratuita do recorrente, em igual tempo ao quefoi utilizado para a veiculação da resposta.

Talvez nessa hipótese, entendemos que, caso lhe pareça conveni-ente, pode o julgador suspender a resposta até o julgamento do recurso.

Diante das considerações expostas, somos da opinião de que orecurso que trata do direito de resposta deve ser recebido, por regra,apenas com efeito devolutivo, não impedindo, em conseqüência, oexercício imediato da resposta. Da mesma forma, as liminares emmandados de segurança e medidas cautelares devem ser concedidasapenas em casos extremos, mas nunca de maneira habitual, como vemacontecendo.

10 Considerações finais

Diante de tudo que foi exposto, acredita-se que o art. 58 da Lei n.9.504/1997 deve ser interpretado, rotineiramente, à luz da doutrina e

Page 243: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

243

da jurisprudência, tendo em vista que a sua redação é muito defici-ente.

Da mesma forma, em determinadas situações, como no caso dainterpretação do que deve se entender por afirmação “sabidamenteinverídica”, o aplicador do Direito não pode restringir-se à interpreta-ção nua a crua da norma, sem antes verificar os princípios constituci-onais, os objetivos gerais da Lei das Eleições, mesmo que venha aconfrontar-se com a jurisprudência dominante, que, por sua vez, é sis-tematicamente corrigida por decisões mais recentes e acertadas.

Entretanto, a Justiça Eleitoral deve ter prudência também ao con-ceder o direito de resposta, a fim de não interferir indevidamente napropaganda eleitoral com a aplicação de sucessivas e desnecessári-as concessões de resposta.

Enquanto o debate for pautado na crítica política, mesmo que con-tundente, e não em ataques pessoais ou na divulgação de inverdades,não deve a Justiça Eleitoral interferir no processo democrático, garan-tindo o princípio constitucional da liberdade de expressão e da liber-dade de imprensa.

11 Referências bibliográficas

BRASIL. Código Eleitoral. Disponível em: www.tre-sc.gov.br/legjurisp/cod_eleitoral. Acesso em: 25 mar. 2007.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). 39.ed. São Paulo: Saraiva, 2006.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Mato Grosso. Acórdão n. 12.937,em 12 set. 2000. Revista de Julgados do TRE/MT, 2002, p. 109.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão n.16.724. Rel. Juiz Antônio do Rego Monteiro Rocha. Publicado em ses-são a 27 set. 2000.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão n.19.380. PSESS 16 set. 2004.

BRASIL. Tribunal Regional Eleitoral de Santa Catarina. Acórdão n.19.520. PSESS 28 set. 2004.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspe n. 15712, Maurício Corrêa.DJ 28 maio 1999.

Page 244: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

244

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspe n. 15.602 – Rel. Min. Eduar-do Ribeiro. PSESS 29 set. 1998.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspe n. 15532, Edson Vidigal,PSESS 30 set. 98.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. AG n. 1176, Eduardo Alckmin. DJ29 set. 2000.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspe n. 18359, Fernando Ne-ves. DJ 10 ago. 2001.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Cta n. 651, Costa Porto, Res. n.20675. DJ 11 ago. 2000. RJTSE 12 fev. 2001.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. REspe 19208, Sepúlveda Perten-ce. DJ 14 set. 2001.

CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral – De acordo com o CódigoEleitoral e com a Lei n. 9.504/97. 6. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2004.

COSTA, Adriano Soares da. Instituições de Direito Eleitoral. 6. ed. BeloHorizonte: Del Rey, 2006.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Eleições: Comentários à Lei 9.504/97. 2.ed. São Paulo: Dialética Editora, 2004.

SILVA, Henrique Neves da. A Lei das Eleições – Interpretada pelo Tri-bunal Superior Eleitoral. Brasília: Jurídica, 2002.

STOCO, Rui; STOCO, Leandro de Oliveira. Legislação Eleitoral Inter-pretada. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

Page 245: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

245

PROPAGANDA ELEITORAL E A LEI N. 11.300/2006Breves Considerações

Jefferson Custódio Próspero *

José Adilson Bittencourt Junior **

Resumo

Este artigo tem como tema central o Direito Eleitoral e, mais especi-ficamente, a legislação reguladora da propaganda eleitoral. O estudotem início com a origem e os princípios da publicidade no Brasil, para,posteriormente, diferenciá-la do conceito de propaganda. Estabelecidasas diferenças, adentraremos nas várias espécies de propaganda políti-ca, com ênfase na espécie propaganda eleitoral. Ultrapassadas essaspremissas, proceder-se-á à análise detida dos artigos referentes a pro-paganda eleitoral que foram alterados ou acrescentados pela Lei n.11.300/2006 na atual Lei das Eleições (n. 9.504/1997).

Palavras-chave: Lei n. 11.300/2006; Direito Eleitoral; Publicidade epropaganda; Propaganda eleitoral.

Abstract

This article has as its central subject Electoral Law, specifically theregulating legislation of electoral advertising. The study begins with theorigin and principles of Advertising in Brazil, and then moves ontodistinguish it from the concept of advertising. After establishing thedifferences, we will deal with several kinds of political advertising withemphasis on the electoral ones. Besides studying these premises, a

* Professor de Direito Processual Civil da Univali/Itajaí, professor de PráticaJurídica Civil do Núcleo de Prática Jurídica da Univali, mestre em CiênciaJurídica do PMCJ/Univali, especialista em Direito Civil pela Univali,especialista em Violência contra Crianças e Adolescentes LACRI/USP,especializando em Direito Eleitoral pelo TRESC/Univali. Advogado na cidadede Itajaí/SC. E-mail: [email protected].

** Secretário Jurídico no Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina,especialista em Direito Tributário pela Unisul, especializando em DireitoEleitoral pelo TRESC/Univali. E-mail: [email protected].

Page 246: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

246

detailed analysis will be carried out on articles referring to electoraladvertising that have been modified or added by Law n. 11.300/2006 tothe current Law of Elections (n. 9.504/1997).

Keywords: Electoral law; Advertising; Electoral advertising; Law n.11.300/2006.

1 Propaganda e publicidade

1.1 Introdução: considerações iniciais sobre o tema

O presente artigo científico tem como objeto a propaganda eleitoralno Brasil como meio de convencer e/ou auxiliar o cidadão brasileiro naescolha de seu candidato.

O seu objetivo é elaborar uma breve análise da legislação pertinente,bem como de seus princípios e peculiaridades, e demonstrar suaaplicabilidade, ou não, no decorrer das eleições no Brasil.

O tema é atual e relevante, pois acabamos de realizar eleições soba égide da nova legislação e não temos ainda uma avaliação sobre osseus efeitos, benefícios ou prejuízos que possa ser trazida ao processo.

O trabalho trata das legislações atuais, com ênfase na Lei n. 11.300/2006, que foi aprovada pelo Congresso Nacional, sancionada peloPresidente da República e regulamentada pelo Tribunal Superior Elei-toral, por meio da Resolução n. 22.261/2006, exclusivamente para se-rem aplicadas nas eleições de 2006, recém concluídas.

Pretende-se, ainda, destacar a importância da propaganda eleitoral,tendo em vista que esta constitui um meio de informação, ou seja, é porintermédio dela que o cidadão toma conhecimento dos candidatos queestão concorrendo, seus partidos e suas propostas de governo.

O Direito Eleitoral, ramo do Direito Público, tem como objetivo re-gular as eleições no País, buscando conferir ao processo eleitoral alegitimidade necessária para que o resultado final seja representativoda vontade da maioria, sem que haja qualquer mácula quanto à lisuradas eleições.

A estrela desse processo é o eleitor, devendo ele ter garantido nãosó o sigilo do seu voto, mas a honestidade do processo eleitoral, a fimde que sejam eleitos e empossados os candidatos de sua escolha.

Partindo desse pressuposto, interessa saber quais fenômenos in-terferem diretamente no processo de votação, desde a escolha dos

Page 247: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

247

candidatos nas convenções partidárias até o fim do processo com adiplomação e posterior posse dos eleitos.

Entre os fenômenos que têm efetiva influência no processo, temosa propaganda eleitoral, que atinge diretamente o eleitor ao entrar emsua casa pela televisão, pelo rádio e até mesmo na forma de panfletose santinhos, brindes e comícios, que se transformaram em showmícios,tudo com o intuito de convencê-lo a votar em determinado candidato.

Além disso, no início do ano foi editada a Lei n. 11.300/2006, cujoobjetivo foi regulamentar e, além disso, colocar um freio nos abusoscometidos pelos candidatos quando da realização de suas propagan-das visando a angariar votos.

O presente artigo busca ainda trazer um escólio doutrinário a res-peito da matéria e uma visão particular sobre cada alteração legislativaintroduzida pela nova lei.

Para encetar a investigação, adotou-se o método indutivo,1

operacionalizado com as técnicas do referente,2 da categoria,3 dosconceitos operacionais4 e da pesquisa de fontes documentais. Pararelatar os resultados da pesquisa, empregou-se igualmente o métodoindutivo, em conjunto com as técnicas propostas por Colzani (2001) ea metodologia representada pela NBR (ABNT).

1.2 A publicidade e a prop aganda

O surgimento da palavra publicidade deu-se no século XVIII comoum termo jurídico que representava o início dos debates e discussõessobre assuntos gerais nas assembléias abertas ao público, que podiaparticipar e opinar sobre os de seu interesse, em oposição a portas

1Pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo ater uma percepção ou conclusão geral (PASOLD, 2002, p. 104).

2Explicitação prévia dos motivos, dos objetivos e do produto desejado,delimitando o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual,especialmente para uma pesquisa (PASOLD, 2002, p. 62).

3Palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de umaidéia (PASOLD, 2002, p. 31)

4[...] é uma definição para uma palavra e expressão, com desejo de que taldefinição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos (PASOLD, 2002,p. 45).

Page 248: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

248

fechadas, sem participação popular. Dessas audiências legais o termopassou aos debates parlamentares, ao jornalismo ilustrado e, logodepois, alcançou o significado genérico daquilo que pertence ao públi-co (GOMES, 2003, p. 101).

A princípio, segundo Gomes (p. 78), publicidade era usada comodesignação jurídica; ou seja, em sentido semântico original, o verbolatino publicare significa a “ação de tornar público”. Entretanto, passa ater uma significação moderna logo após a segunda metade do séculoXIX, com o início da relação entre o desenvolvimento e a publicidade,por meio da industrialização e do crescimento dos grandes mercadosde consumo.

É possível estabelecer um marco divisor entre a publicidade antigae a moderna; são dois grandes momentos: a) pré-Revolução Industri-al, quando a informação predomina sobre a persuasão; e b) pós-Revo-lução Industrial, em que há um nítido predomínio da persuasão sobrea informação (GOMES, p. 79).

De acordo com a autora acima citada, a fase pós-Revolução Indus-trial fez com que a publicidade assumisse um caráter comercial, quealcançou rapidamente grande desenvolvimento, usando de eficazesfórmulas e instrumentos com o intuito de angariar a simpatia de quema assiste, lê ou ouve.

Em razão da necessidade de apresentar um conceito operacionalpara o termo, Gomes (p. 42) o classifica como

[...] um processo de comunicação persuasiva, de caráter impessoal econtrolado que, através dos meios massivos e de forma que o recep-tor identifique o emissor, dá a conhecer um produto ou serviço, com oobjetivo de informar e influir em sua compra ou aceitação.

Como uma forma perfeita de comunicação persuasiva, a publicida-de apropriou-se de algumas técnicas de convencimento mais antigascomo, por exemplo, da propaganda, que era a técnica até então usadapara glorificar o homem, as coisas que produz e até mesmo as queconsome, fazendo com que sobressaia na política, na religião e, inclu-sive, na literatura (GOMES, p. 78).

O primeiro anúncio publicado no Brasil, datado de 1808, foi inseri-do na Gazeta do Rio de Janeiro da seguinte forma: “Quem quiser com-prar uma morada de casas de sobrado com frente para Santa Rita, falecom Ana Joaquina da Silva, que mora nas mesmas casas, ou com ocapitão Francisco Pereira de Mesquita, que tem ordem para as ven-der” (GOMES, p. 95).

Page 249: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

249

Durante os anos seguintes, surgiram de forma mais efetiva os anún-cios classificados, que se multiplicaram nas mais variadas formas, ven-dendo remédios, artigos de moda, bebidas e até mesmo escravos.5

Durante muito tempo, o hoje chamado anúncio publicitário teve adenominação de reclame, que significava a utilização de processos como objetivo de chamar a atenção para uma idéia, um serviço, um produ-to, um indivíduo. O uso do termo perdurou até meados do século XX.Na linguagem popular, o termo degenerou-se até designar um anúncionuma publicação, num catálogo, num cartaz, numa etiqueta ou emqualquer meio ou veículo publicitário (GOMES, p. 102).

Em 31 de março de 1964, tropas militares iniciam a Revolução, e oCongresso Nacional declara vaga a Presidência do Brasil. Com o gol-pe militar, o governo desenvolveu a prática da propaganda ideológica,pois necessitava despertar a confiança dos brasileiros, estimular opatriotismo e conquistar o apoio da população. A partir desse aconteci-mento político é possível perceber que a função da publicidade, queantes era meramente informativa, passa a assumir um carátermanipulador de convencimento (GOMES, p. 100).

Os governos de Costa e Silva e de Médici criaram a Assessoria deRelações Públicas da Presidência da República. No governo de ErnestoGeisel foi implantada a Assessoria de Imprensa e Relações Públicas,e o governo de João Figueiredo criou a Secretaria de Comunicação,depois substituída pela Secretaria de Imprensa e Divulgação.

1.3 Princípios da publicidade

Como toda atividade, a publicidade também possui um rol de prin-cípios que a norteiam para que possa ser conduzida de maneira éticae legal. Em número de seis, eles são: a) da identificação (clareza); b)da veracidade; c) da correção, ou da legalidade, ou da não-abusividade;d) da vinculação contratual; e) da inversão do ônus da prova; e f) trans-parência da fundamentação (SILVA, 2003).

A seguir, tratar-se-á de forma breve de cada um deles.

5“Em 20 de agosto do ano próximo passado fugiu um escravo preto, por nomede Mateus, com os sinais seguintes: rosto grande e redondo; com dois talhos,um por cima da sobrancelha esquerda e outro nas costas; olhos pequenos,estatura ordinária; mãos grandes, dedos grossos e curtos, pés grandes ecorpo grosso. Na loja de fazenda de Antonio José Mendes Salgado de AzevedoGuimarães, na rua da Quitanda n. 64, receberá quem o entregar, além dasdespesas que tiver feito, 132$000 de alvíssaras” (Gomes, 2003, p.95).

Page 250: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

250

1.3.1 Princípio da identificação (clareza) da publicidade

O legislador, no art. 36 do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.8.078) dispõe: “[...] a publicidade deve ser veiculada de tal forma que oconsumidor, fácil imediatamente a identifique como tal”, e com issobusca combater as técnicas psicológicas com fins publicitários. É o casoda publicidade dissimulada, a subliminar e a clandestina.

A mensagem publicitária, segundo Pasqualoto (1997, p. 86),

[...] então se torna dissimulada ou clandestina, sendo veiculada sem aidentificação do anunciante. Por vezes, é confundida propositadamentecom uma reportagem, como se fosse matéria editorial de um veículode comunicação. Outras vezes, é feita a exposição de um produto deforma casual, como se estivesse integrando naturalmente uma cena,na televisão ou no cinema. Com esses procedimentos, não apenasevitam um abalo da credibilidade, como se acreditam de um testemu-nho aparentemente desinteressado do órgão ou do programa que vei-cula a mensagem sub-reptícia.

Há uma clara vedação quanto à utilização dos meios acima citados,já que se originam em atitude ilícita, sendo defesa sua utilização por-quanto causam dificuldades para que o consumidor obtenha a informa-ção devida, em face de uma mensagem publicitária.

1.3.2 Princípio da veracidade

As mensagens publicitárias devem ser verdadeiras, corretas, res-peitando o consumidor devido à sua vulnerabilidade. Esse consumidorque diariamente está, a todo momento – seja em jornais impressos,revistas, televisões, entre outros vários meios de comunicação –, ex-posto a inúmeras peças publicitárias (SILVA, 2003, p. 7).

A lei estabelece que tudo aquilo que foi anunciado, que despertoucerto desejo no consumidor, obrigatoriamente tem que ser verdade enão induzir a erro. Devendo, acima de tudo, o que foi anunciado o serde forma completa e correta para que não seja caracterizada a publici-dade enganosa por omissão (SILVA, 2003, p. 8).

1.3.3 Princípio da correção, ou da legalidade, ou da não-abusivida-de; principio da vinculação contratual da publicidade; princí-pio da inversão do ônus da prova e principio da transp arên-cia da fundament ação da publicidade

O primeiro, na definição de Silva, busca estabelecer que a mensa-gem não agrida “[...] valores sociais do homem”; assim, há que se res-peitarem “[...] os valores sociais de cada um”. Já o segundo prima pela

Page 251: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

251

obrigação que tem a publicidade de fornecer aquilo que anuncia, dan-do ao consumidor o direito de “[...] exigir a execução daquilo que foianunciado”.

Já o ônus da prova cabe a “[...] quem veicula a peça publicitária enão aos consumidores”, nascendo ao consumidor o direito, em caso delesão por publicidade enganosa ou abusiva, de fazer com que o anun-ciante deva “[...] provar que não teve culpa por tal ato. Isto se deve aofato de o anunciante ser o responsável de forma objetiva. Toda mensa-gem publicitária deve ser devidamente fundamentada pelos dadosfáticos, técnicos e científicos”.

Segundo o mesmo autor, a liberdade de anunciar determinado pro-duto é plena, devendo, entretanto, ser observados os paradigmas daclareza, transparência, respeito e ainda “[...] manter consigo um estu-do com dados técnicos e científicos demonstrando toda a intenção dacampanha publicitária, e ainda sejam estes disponíveis para quem in-teressar possa ter acesso”.

1.4 Propaganda

Historicamente, o uso da propaganda é bem mais antigo do que oda publicidade, no sentido comercial que ela adquiriu após a Revolu-ção Industrial.

Na realidade, segundo Gomes (2003, p. 68), a propaganda podeaplicar-se aos mesmos setores da publicidade sem, no entanto, con-fundir-se com esta, pois, quando se faz propaganda comercial, isso nãoimplica, obrigatoriamente, que se esteja fazendo publicidade e quandose faz publicidade de uma figura política, não quer dizer que se estejafazendo automaticamente propaganda.

É importante destacar um conceito de propaganda firmado pelareferida autora que determina que “Propaganda é a técnica de comu-nicação que visa promover a adesão do indivíduo a um sistema ideo-lógico, de caráter político, religioso, social ou econômico”.

O que se pode subsumir da afirmação acima é que a propagandatem forte influência no consumidor, incutindo-lhe o interesse em deter-minado produto, seja ele um bem ou uma idéia. A seguir, analisar-se-ão os diversos tipos de propaganda no Direito Eleitoral.

1.5 Publicidade x prop aganda

Para melhor elucidar o assunto, faz-se necessário mostrar a dife-rença que existe entre os vocábulos propaganda e publicidade, já quequase sempre são tidos como sinônimos, o que não é real.

Page 252: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

252

Segundo Silva (2004) é possível “[...] distinguir uma diferença pe-quena entre publicidade e propaganda, visto que esta representa aidéia de implantar, de incluir uma idéia, uma crença na mente alheia,enquanto aquela significa genericamente apenas o ato de tornar públi-co”. Segundo o mesmo autor, “[...] A diferença central entre esses doisvocábulos se encontra no campo econômico, pois a intenção de obterlucros torna-se o aspecto diferenciador para a publicidade, ficandoassim determinado que a intenção primordial da propaganda é a pro-pagação de determinada filosofia”.

É importante registrar o que afirma Pasqualoto (1997, p. 25), quan-do propõe uma outra posição a respeito do assunto, que não reconhe-ce de qualquer maneira a intenção de lucro na publicidade, ao afirmarque “Toda comunicação de entidades públicas ou privadas, inclusiveas não personalizadas, feitas através de qualquer meio, destinada ainfluenciar o público em favor, direta ou indiretamente, de produtos ouserviços, com ou sem a finalidade lucrativa”.

Embora exista essa divergência a respeito da função que exercema publicidade e a propaganda, é importante lembrar que, segundo Sil-va (2004), os benefícios da publicidade não são somente econômicos.A questão da liberdade de imprensa é resultado da ação democráticada publicidade. Sem a publicidade, todo o sistema democrático estariacomprometido, visto que é graças a ela que as opiniões mais diferen-tes são emitidas, permitindo assim à sociedade escolher as melhores.

2 Propaganda política

Conforme Ferreira, propaganda política é todo tipo de publicidadeque deve conduzir consigo o sentido político-filosófico-constitucional,a fim de determinar a forma ou modalidade de organização e divulga-ção que devem revestir a propaganda partidária, a eleitoral e a gover-namental.

Ao classificar, Cândido (2004, p. 149) doutrina que propagandapolítica é gênero; propaganda eleitoral, propaganda intrapartidária epropaganda partidária são espécies desse gênero. Propaganda eleito-ral ou propaganda política eleitoral é uma forma de captação de votosusada pelos partidos políticos, coligações ou candidatos, em épocadeterminada por lei, através da divulgação de suas propostas, visandoà eleição a cargos eletivos.

Entende-se por propaganda política intrapartidária aquela realiza-da pelo filiado de partido político, no período para isso indicado pela lei,

Page 253: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

253

visando a convencer os correligionários do partido, participantes daconvenção para escolha dos candidatos, a indicar o seu nome para con-correr a um cargo eletivo, num determinado pleito. E continua, finalmen-te, propaganda política partidária é a divulgação genérica e exclusivado programa e da proposta política do partido, em época de eleição oufora dela, sem menção a nome de candidatos a cargos eletivos, excetoos partidários, visando a angariar adeptos ao partido.

Estabelecidas e conceituadas as espécies de propaganda eleito-ral, adentramos mais especificamente no tema da propaganda eleito-ral, objeto deste artigo.

2.1 Propaganda eleitoral

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE), define propaganda eleitoralcomo:

Entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao co-nhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura,mesmo que apenas postulada, a ação política que se pretende desen-volver ou razões que induzam a concluir que o beneficiário é o maisapto ao exercício de função pública. Sem tais características, poderáhaver mera promoção pessoal, apta, em determinadas circunstânci-as, a configurar abuso de poder econômico [AC. TSE n. 16.183/2000,rel. Min. Eduardo Alckmin].

É permitida somente após o dia 5 de julho do ano da eleição, consoan-te o disposto no art. 36, caput, da Lei n. 9.504/1997.

Tem, segundo Ferreira:

[...] o objetivo de procurar conquistar ou captar votos para os candida-tos a cargos eletivos escolhidos em convenção e indicados pelos par-tidos políticos ou coligações. É o momento em que o candidato a car-go eletivo escolhido pelo seu partido ou coligação pretende fazer-seconhecido, realizando propaganda de seu nome e de sua imagem,mostrando plataforma, planos e programa de atuação para realizar nocaso de ser eleito.

2.2 Propaganda eleitoral: classificação

Em relação à legislação vigente e de acordo com a doutrina domi-nante, a propaganda eleitoral classifica-se em lícita ou ilícita.

A propaganda lícita, segundo Cândido (2001, p. 160): “[...] não ca-rece de conceituação, ao contrário da propaganda irregular e crimino-

Page 254: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

254

sa. Tem ela por pressuposto o Princípio da Liberdade da PropagandaPolítica. Será lícita toda propaganda, por qualquer forma executada,que não for proibida por lei comum ou criminal”. Por sua vez, a propa-ganda eleitoral ilícita divide-se em “irregular ou criminosa”.

A propaganda ilícita, segundo Rollo (2007, p. 47), pode ser concei-tuada como:

[...] aquela em que o pré-candidato atua como se candidato fosse,visando influir diretamente na vontade dos eleitores, mediante açõesque traduzem um propósito de fixar sua imagem e suas linhas de açãopolítica, em situação apta, em tese, a provocar um desequilíbrio noprocedimento eleitoral relativamente a outros candidatos, que somen-te após as convenções poderão adotar esse tipo de propaganda.

A propaganda eleitoral irregular, segundo Ferreira, “[...] pode serconsiderada como aquela que a legislação eleitoral proíbe, restringe,limita, sem tipificá-la como crime eleitoral, ou seja, está sempre sujeitaàs sanções de natureza administrativo-eleitoral”.

A lei prevê uma série de medidas e conseqüências decorrentes doexercício da propaganda irregular. São elas de ordem eleitoral, strictosensu, administrativa e até de ordem civil. Segundo Cândido (2001, p.163), é possível citar como exemplo as seguintes: a) cassação do regi-mento do candidato (art. 334 do CE); b) cassação do direito de trans-missão da propaganda partidária gratuita pelo rádio e pela televisão(art. 45, § 2o, da LOPP); c) anulabilidade da votação (art. 222 do CE);d) solidariedade dos partidos na responsabilidade imputada aos can-didatos e adeptos pelos excessos que cometerem (arts. 241 e 243, §1o, do CE); e) inelegibilidade para as eleições a se realizarem nos trêsanos subseqüentes à eleição em que se verificou o ato, além da cas-sação do registro do candidato (LC n. 64/1990, art. 22, inciso XIV).

Nesse caso, os meios de apuração judicial, em face do Direito Pro-cessual Eleitoral, perfazem-se em sede de reclamação ou de repre-sentação eleitoral, que podem ser promovidas por qualquer partidopolítico, coligação, candidato ou pelo órgão do Ministério Público Elei-toral (FERREIRA), que atua como parte ou custos legis da lei eleitoral.

Sobre esse assunto, cabe a oportuna preleção de Vieira Filho (1989,p. 28), que aduz:

As atribuições do Ministério Público, neste setor, ao contrário do quese poderia imaginar, ante a observação do clássico desempenho doÓrgão, não se exaure na lei eleitoral, onde praticamente não aparece.Mas ao contrário do que isso possa parecer, a primeira vista, onde

Page 255: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

255

mais presto e desenvolvo age o Ministério Público, é em matéria Elei-toral. Com efeito, se alguém, em detalhado e minucioso ordenamentolegal, recebe cem ou mais atribuições funcionais, por mais que sejam,seus poderes se esgotam no ponto em que tais atribuições se comple-tam. Mas ao contrário, se alguém recebe poderes para agir, sem quetais venham a ser delimitados, em seqüencial listagem, seus poderesserão tantos quanto necessários se fizerem. É o que vem a ocorrer,com o Ministério Público Eleitoral, face à problemática da propaganda.

No entanto, a propaganda eleitoral criminosa é a que se apresentacomo resultado de uma ação mais grave e, por essa razão, o legisla-dor tipificou-a como crime eleitoral, cuja apuração, muitas vezes, pro-vém de ação penal eleitoral, que começa com a fase pré-processual,que é a investigação criminal, em suas diversas provas, e termina coma ação penal propriamente dita, resolvida por sentença ou acórdão(FERREIRA).

Na aplicação da pena, o julgador, além das sanções de fundo ad-ministrativo-eleitoral, pode valer-se das penas previstas no Código Elei-toral Brasileiro (Lei n. 4.737/1965) e da legislação que integra o uni-verso do Direito Eleitoral.

2.3 Da prop aganda nas eleições

O alvo central deste trabalho é a legislação em vigor no que tangeao instituto da propaganda eleitoral, tratando de algumas de suas pe-culiaridades que entraram em vigor nas eleições de 2006 e se farãopresentes nas eleições municipais do próximo ano.

A propaganda eleitoral no Brasil é regulada pela Lei n. 9.504, de 30de setembro de 1997, mas cabe ressaltar que, em todo ano eleitoral, éde competência do Tribunal Regional Eleitoral adequar a citada lei àsparticularidades de cada eleição.

Para as eleições de 2006 foi editada a Lei n. 11.300/2006, chama-da de Minirreforma Eleitoral, que dispõe sobre propaganda, financia-mento e prestação de contas das despesas com campanhas eleitorais,alterando a já citada Lei n. 9.504/1997.

O Tribunal Superior Eleitoral editou também a Resolução n. 22.261/2006, que dispõe sobre a propaganda eleitoral e as condutas vedadasaos agentes públicos em campanha eleitoral nas eleições.

Na seção seguinte, examinar-se-ão as alterações mais importan-tes introduzidas pelas legislações acima citadas.

Page 256: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

256

3 Considerações sobre a prop aganda eleitoral na minirreforma elei-toral – Lei n. 1 1.300/2006

O plenário do Senado, em resposta à crise política deflagrada peladenúncia do “mensalão”, escândalo derivado, direta ou indiretamente,da forma como é realizado o processo eleitoral e político no Brasil,levou o Congresso Nacional a aprovar inúmeras normas restritivas àliberdade de propaganda.

O objetivo principal dessa lei é evitar algumas aberrações que vêmsendo praticadas pelos candidatos, como por exemplo: a prática do“caixa dois” nas campanhas eleitorais, a utilização da máquina públi-ca como favorecimento dos que já estão no poder, a compra de votoscom brindes, entre outras irregularidades.

O caminho do amadurecimento natural proposto pelo atual siste-ma é longo e demorado; sendo assim, fez-se necessário que o Sena-do tomasse medidas até certo ponto drásticas para moralizar a propa-ganda eleitoral.

A seguir, comentaremos as mais importantes alterações feitas pelaLei n. 11.300/2006 no tocante à propaganda eleitoral.

3.1 A aplicabilidade da lei nova

De início, não se pode passar ao largo sem comentar a vigênciada Lei n. 11.300/2006, que modificou vários artigos da Lei n. 9.504/1997, inclusive sobre a propaganda eleitoral.

Isso porque o art. 16 da Constituição Federal é expresso ao disporque “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data dasua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até 1 (um) anode sua vigência”.

Diverge a doutrina quanto ao termo inicial do processo eleitoral.Há posições defendendo o início a partir do registro dos candidatos, eoutra, a partir dos prazos de desincompatibilização estabelecidos tan-to na Constituição Federal quanto em lei complementar. Não há diver-gência no tocante ao termo final, que seria a efetiva diplomação doscandidatos eleitos.

Não obstante, em simples interpretação literal, pode-se concluir quenenhuma das alterações introduzidas pela Lei n. 11.300/2006 poderia

Page 257: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

257

ser aplicada na eleição geral do pleito de 2006, por expressa disposi-ção constitucional que impõe a vacatio legis.

Não obstante, o Tribunal Superior Eleitoral, em decisão polêmi-ca, entendeu que alguns dispositivos dessa nova norma eleitoral te-riam aplicabilidade imediata, com incidência já no pleito de 2006,inclusive no tocante às novas regras da propaganda eleitoral a se-rem comentadas.

3.2 Da prop aganda eleitoral em geral

3.2.1 Da divulgação das pesquisas eleitorais

A Lei n. 11.300/2006 acrescentou à Lei n. 9.504/1997 o art. 35-A,assim redigido: “É vedada a divulgação de pesquisas eleitorais porqualquer meio de comunicação, a partir do décimo quinto dia anterioraté as 18 (dezoito) horas do dia do pleito”.

Esse artigo, após manifestação do Tribunal Superior Eleitoral, cor-roborada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, foi declaradoinconstitucional. O fundamento adotado no aresto tem como base aviolação dos direitos constitucionais que asseguram a liberdade deexpressão.

Em posicionamento contrário, Costa (2006) sustenta que a normapor ele veiculada é constitucional. Aduz que compete ao legisladordefinir o marco temporal além do qual não convém a divulgação depesquisas de intenção de votos, que muitas vezes têm a finalidade deinfluenciar a vontade dos eleitores ainda indecisos.

Pesquisa de intenção de votos é uma aferição condicionada pelametodologia, que varia de instituto para instituto, nem sempre repre-sentando com rigor a realidade do momento eleitoral sob sua análise.Da mesma maneira que o legislador pode fixar o prazo de quarenta eoito horas antes do pleito como último dia para a divulgação de pes-quisas eleitorais, poderia fixar outro, mais compatível com a realidadepolítica atual, evitando formas subliminares e pretensamente neutrasde formar a convicção dos votantes (COSTA, 2006).

Ao largo dessa divergência, declarada a inconstitucionalidade doartigo pelo Supremo Tribunal Federal, a divulgação das pesquisas elei-torais segue a antiga regra que admite sua divulgação até o dia daeleição.

Page 258: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

258

3.2.2 Vedação de prop aganda em bens públicos

Dando nova roupagem ao art. 37, a Lei n. 11.300/20066 ampliou asrestrições da propaganda eleitoral feita em local público. Está clara aovedar a veiculação de qualquer espécie de propaganda.

O professor Decomain (1998, p. 144), ao comentar o antigo artigo,já doutrinava:

O artigo proíbe antes de tudo o uso de bem público de modo geral,para fins de propaganda eleitoral, qualquer que seja o modo de suautilização para tal propósito. Alcança essa proibição, todavia, não ape-nas os bens públicos propriamente ditos, aí compreendidos os de usocomum (ruas, avenidas, passeios, praças, rodovias, estradas, etc.),como também outros bens cujo uso dependa da cessão, permissãoou concessão do Poder Público. Em bens dessa natureza, é proibidaa realização de qualquer pichação ou inscrição a tinta, com o propósi-to de divulgação de candidaturas.

O Tribunal Superior Eleitoral, ampliando o rol expresso de locaisvedados para a propaganda, incluiu os orelhões, cabines telefônicas,bancas de revistas, táxis, ônibus, vans e, além dos definidos pelo Có-digo Civil, também aqueles que a população em geral tem acesso, taiscomo: cinemas, clubes, lojas, shoppings, igrejas, ginásios, estádios,escolas, faculdades, hotéis etc., ainda que sejam de propriedade pri-vada (art. 9o da Resolução TSE n. 22.261/2006).

Admitida, ainda, a colocação de bonecos e de cartazes não fixosao longo das vias públicas, desde que não dificulte o bom andamentodo trânsito (art. 9o, § 3o, da Resolução TSE n. 22.261/2006).

A violação a essa regra de propaganda importa ao responsável aaplicação de multa e a determinação de restauração do bem. Estabe-lece o parágrafo único que “A veiculação de propaganda em desacor-do com o disposto no caput deste artigo sujeita o responsável, após anotificação e comprovação, à restauração do bem e, caso não cumpri-da no prazo, à multa no valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) a R$8.000,00 (oito mil reais)”.

6“Art. 37. Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público,ou que a ele pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminaçãopública e sinalização de tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas deônibus e outros equipamentos urbanos, é vedada a veiculação de propagandade qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas,estandartes, faixas e assemelhados.”

Page 259: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

259

Ao se conjugarem os dois comandos do artigo – preceito primário epreceito secundário –, conclui-se que a multa somente poderá ser apli-cada pelo juiz eleitoral após a devida intimação e o não-atendimento,pelo candidato responsável pela propaganda vedada, da determina-ção para que providencie o retorno do bem ao status quo ante. A inci-dência, portanto, em alguma conduta proibida no caput não enseja aimediata aplicação da multa de R$ 2.000,00 a R$ 8.000,00.

3.2.3 Da aparelhagem de som

Outra espécie de propaganda modificada foi o comício. O § 4o doart. 39 da Lei n. 9.504/1997, que já disciplinava o horário da realizaçãodo comício, foi acrescido, pela nova lei, da expressão “e a utilização deaparelhagem de sonorização”.

Lê-se no artigo: “A realização de comícios e a utilização de apare-lhagem de sonorização fixa são permitidas no horário compreendidoentre as 8 (oito) e as 24 (vinte e quatro) horas”.

Cândido (2004, p. 452) diz que:

O § 4o não se confunde com o art. 244, II, do Código Eleitoral. Aqui, écomício, e, no código, é propaganda por alto-falantes. O comício é emlocal certo, fixo e dele participam, sempre, diversas pessoas. Legal-mente, ele é previamente marcado. Nele, poderão ser usados alto-falantes das 8 às 24 horas. Podem ser realizados até à véspera dopleito. No dia da eleição a realização de comício é crime (inciso I).Para funcionar nas sedes, diretórios, comitês e em veículos de som, ohorário dos alto-falantes ou amplificadores é das 8 às 22 horas, so-mente; bem diferente, portanto.

Conclui-se, assim, que o artigo, além de manter o horário do comí-cio, ainda permitiu a utilização de aparelhos de sonorização no mesmohorário já fixado para o comício. Essa regra veio a uniformizar a utiliza-ção da propaganda com alto-falante prevista no inciso I do art. 244 doCódigo Eleitoral com a regra do comício estipulada na Lei n. 9.504/1997.

3.2.4 Estabelecimento de crimes eleitorais no dia da eleição

Entende-se, inicialmente, que o art. 39, § 5o, da Lei n. 9.504/1997,por vias transversas, acabou por restringir a propaganda eleitoral até odia anterior da eleição, quando descreve condutas que, se praticadasno dia da eleição, são consideradas crime eleitoral.

Page 260: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

260

Cândido (2004, p. 452) trata da objetividade jurídica desses crimesprevendo que “A lei quer proteger o ato de votar. Propiciar o direito aovoto de forma rápida e segura é serviço a cargo da Justiça Eleitoral,aqui protegido pela norma que tenta evitar que esse serviço seja per-turbado pela propaganda que proíbe”.

O inciso I desse parágrafo já constava na redação anterior, sendoconsiderado crime “o uso de alto-falantes e amplificadores de som oua promoção de comício ou carreata”.

A nova lei acrescentou mais dois incisos. O primeiro deles, o incisoII, trata da “arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna”.A arregimentação de eleitores deve ser entendida como a concentra-ção de eleitores originada por pessoas vinculadas a um candidato oupartido político. Já a boca-de-urna pode ser considerada como duasatividades: a primeira, referente aos institutos de pesquisa que objetivamantecipar o eventual resultado das urnas após os eleitores terem vota-do na seção eleitoral; e a segunda, mais conhecida, a conduta dos caboseleitorais e simpatizantes que pedem votos para o seu candidato oupartido enquanto os eleitores se dirigem para votar. Qualquer aborda-gem de eleitor por cabos eleitorais, uniformizados ou não, é crime e deveser coibida.

Acerca desta espécie, Decomain (1998, p. 151) conceitua que “É aatividade de propaganda eleitoral de última hora conhecida como ‘boca-de-urna’, através da qual, especificamente nas cidades pequenas, oscandidatos costumam abordar os eleitores, inclusive quando se enca-minham para os locais de votação, para fazer-lhes um último pedidode voto”.

Já o inciso III proíbe “a divulgação de qualquer espécie de propa-ganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publica-ções, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário”.

Aliada a essa conduta típica e potencializando-a, porquanto englo-ba todo o período da propaganda eleitoral, temos ainda a inserção do§ 6o no art. 39 pela Lei 11.300/2006, que veda “[...] na campanha elei-toral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou coma sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes,cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam pro-porcionar vantagem ao eleitor”.

Isso quer dizer que os instrumentos antes utilizados para aliciar oeleitor na boca-de-urna, como cartazes, camisas, bonés, broches oudísticos em vestuário, hoje, são expressamente proibidos, mitigando apossibilidade de influência no voto do eleitor.

Page 261: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

261

A vedação é para os comitês de campanha, candidatos ou qual-quer pessoa com a sua autorização. A proibição não é apenas de brin-des com o nome ou o número do candidato, mas de qualquer bem queo identifique, como a adoção de uma determinada cor de campanha,por exemplo.

Assim, em uma interpretação literal, toda e qualquer forma de pro-paganda eleitoral está vedada no dia da eleição, não podendo o eleitormanifestar democraticamente qual o candidato da sua opção.

Ocorrendo a violação desse artigo, incide o art. 30-A, que autorizaqualquer partido ou coligação a pedir a abertura de investigação judici-al quando se violem normas relativas a “arrecadação e gastos de re-cursos”, caracterizando gastos ilícitos de campanha, admitida a cassa-ção do diploma do candidato beneficiário.

3.2.5 Showmício

Outra vedação introduzida é a do art. 37, § 7o, o qual diz que “Éproibida a realização de showmício e de evento assemelhado para pro-moção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não,de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral”.

Por demais claro o conteúdo do artigo ao vedar a realização deshowmício.

Entende-se como salutar o término desses grandes eventos queacabaram por transformar o simples comício, destinado ao contato maispróximo do candidato com os eleitores, em megaevento no qual osartistas contratados pediam voto por vias transversas direcionando e,implicitamente, influenciando a intenção de seus fãs.

3.2.6 Outdoors

Também ficou vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors,tanto que foi revogado o art. 42 da Lei n. 9.504/1997, que disciplinavapormenorizadamente essa espécie de propaganda eleitoral.

Prescreve o § 8o do art. 39 dessa lei que “É vedada a propagandaeleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, ospartidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propagandairregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000(quinze mil) UFIRs”.

Page 262: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

262

Outdoors nada mais são do que engenhos publicitários exploradoscomercialmente, a eles equiparando-se os cartazes luminosos (front-light), cartazes (tri-show), painéis com imagens (mídia board) ou asse-melhados (art. 13 da Resolução TSE n. 22.261/2006).

Em contrapartida, poderão ser afixados pequenos cartazes compropaganda eleitoral em propriedades privadas, inclusive com a pintu-ra em muros. Tais painéis poderão ser postos, desde que não ultrapas-sem o tamanho de quatro metros quadrados, segundo entendimentodo Tribunal Superior Eleitoral (art. 37, § 2°, da Lei n. 9.504/1997, c/c oart. 10, caput, da Resolução TSE n. 22.261/2006).

No entanto, fica proibida a colocação em bens particulares de pla-cas, cartazes ou outro tipo de propaganda eleitoral, em tamanho, ca-racterísticas ou quantidade que possa configurar abuso do poder eco-nômico (art. 10, § 1o, da Resolução TSE n. 22.261/2006), a ser apura-da e punida nos termos do art. 22 da LC n. 64/1990.

Nesse caso, a própria norma já descreve as sanções em caso dedescumprimento. O candidato ou partido político é obrigado a retirar apropaganda irregular, sendo-lhe aplicada multa no valor de cinco mil aquinze mil UFIRs.

Apenas para acrescentar, têm total liberdade os partidos políticospara inscrever, na fachada de suas sedes e dependências, o nomeque os designe (art. 244, incisos I e II, do Código Eleitoral, c/c o art. 8o,inciso I, da Resolução TSE n. 22.261/2006).

3.3 Propaganda eleitoral na Imprensa

No tocante a este tema, a nova legislação trouxe uma restriçãotemporal, porquanto – se anteriormente a propaganda na Imprensaera permitida até o dia das eleições, inclusive – agora somente é per-mitida até a antevéspera das eleições, mantidas as demais caracterís-ticas.

Fixa o art. 43 que “É permitida, até a antevéspera das eleições, adivulgação paga, na imprensa escrita, de propaganda eleitoral, no es-paço máximo, por edição, para cada candidato, partido ou coligação,de um oitavo da página de jornal padrão e um quarto de pagina derevista ou tablóide”.

De pouca alteração prática nas eleições será essa mudança tem-poral, principalmente considerando-se que, na maioria dos casos, o

Page 263: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

263

eleitor mais consciente já está com seus candidatos devidamente es-colhidos e, ao revés, os indecisos de última hora em geral depositamseus votos no candidato que está à frente nas pesquisas eleitorais.

Em caso de descumprimento, o seu parágrafo único descreve aimposição de sanção aos responsáveis pelos veículos de divulgação eaos partidos, coligações ou candidatos beneficiados, em multa de mila dez mil reais ou equivalente ao valor pago na divulgação, caso sejamaior.

3.4 Programa apresent ado ou coment ado por candidato

O art. 45, § 1o, da Lei n. 11.300/2006 alterou a data em que é veda-do às emissoras de rádio e televisão transmitir programa apresentadoou comentado por candidato escolhido em convenção. Esse artigo estáassim redigido: “A partir do resultado da convenção, é vedado, ainda,às emissoras transmitir programa apresentado ou comentado por can-didato escolhido em convenção”.

Ocorreu uma ampliação necessária do afastamento do candidatoapresentador ou comentarista. A legislação anterior previa o afastamen-to a partir do dia 1o de agosto, ao passo que a atual estabelece o marcoinicial como sendo a data da convenção, que pode ser entre os dias 10e 30 de junho do ano em que se realizar a eleição (art. 8o da Lei n. 9.504/1997).

Carvalho (in ROLLO, 2002) comenta que

Proibindo-se a veiculação de tais programas vela-se pela pars conditio,ou seja, pela igualdade de condições de disputa entre todos os candi-datos, como de resto é característica de todos os dispositivos desteartigo. A restrição realmente tem razão de ser, em vista da enormepenetração dos meios de comunicação em massa.

Interessante essa inovação para estabelecer isonomia com os de-mais candidatos. É inegável que o candidato apresentador ou comen-tarista detinha maior exposição de seus argumentos e imagem sobre oeleitorado, afetando o equilíbrio da eleição. O descumprimento desseprazo pode ensejar a ação de impugnação de registro de candidatura.

Considerações finais

De todo o exposto acima, pode-se tirar algumas conclusões.

1) Existe uma nítida diferença entre os vocábulos publicidade epropaganda. A publicidade tem uma finalidade eminentemente comer-

Page 264: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

264

cial voltada para a divulgação de determinado produto ou serviço, en-quanto a propaganda tem como conteúdo um cunho ideológico, religi-oso, filosófico, social ou político, voltado para a discussão de uma idéia,como o caso da propaganda política.

2) A propaganda política é gênero do qual são espécies a propaga-da eleitoral, a propaganda intrapartidária e a propaganda partidária. Apropaganda eleitoral é aquela em que se busca a divulgação de pro-posta para captação de votos visando à eleição para cargos eletivos. Aintrapartidária é a realizada por filiado para ser indicado em convençãoa concorrer a um cargo eletivo. Já a partidária é a que se destina adivulgar amplamente a ideologia e o programa do partido político,objetivando a conquista de simpatizantes.

3) A propaganda eleitoral pode ser dividida em lícita e ilícita. A pro-paganda lícita é, por óbvio, aquela que não tem proibição na legisla-ção eleitoral ou criminal. Já a propaganda ilícita ou irregular, a contra-rio sensu, é a que sofre restrições ao princípio da liberdade de propa-ganda.

4) Apesar de o art. 16 da Constituição Federal dizer expressamen-te que a lei alteradora do processo eleitoral não será aplicada à elei-ção que ocorra até um ano da data de sua vigência, o TSE entendeuque alguns artigos seriam aplicados imediatamente por não alterar oprocesso eleitoral. Na mesma decisão, corroborada pelo STF, foi de-clarado inconstitucional o art. 35-A, que vedava a “divulgação de pes-quisas eleitorais a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoi-to) horas do dia do pleito”, por violação ao princípio constitucional dainformação.

5) A Lei n. 11.300/2006 alterou a Lei n. 9.504/1997 nos seguintespontos relacionados a propaganda eleitoral: a) vedou a propagandaeleitoral em bens públicos; b) autorizou a utilização de aparelhagemde sonorização no horário das oito às vinte e quatro horas; c) estabele-ceu novas condutas como crimes eleitorais no dia da eleição: aarregimentação de eleitor ou a propaganda de boca-de-urna e a divul-gação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou deseus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, bro-ches ou dísticos em vestuário; d) proibiu, na campanha eleitoral, a con-fecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a suaautorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, cestas básicasou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar van-tagem ao eleitor; e) proibiu a realização de showmício e a apresenta-ção de artistas em comício ou reunião eleitoral; f) vedou a utilização de

Page 265: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

265

outdoors; g) restringiu a propaganda eleitoral na imprensa até aantevéspera do dia da eleição; e, h) ampliou o afastamento do candi-dato apresentador ou comentarista de rádio ou televisão.

6) O mais preocupante é o fato de que as alterações foram elabora-das com o objetivo de conter os gastos astronômicos e o excesso derecursos públicitários utilizados pelos candidatos nas eleições. À pri-meira vista, tais alterações parecem ter surtido efeito no que se refereaos gastos com a propaganda eleitoral, principalmente pelo fato deque quase não se viu propaganda fora do rádio e da televisão. Todasas cidades estavam bem mais limpas, livres da sujeira ocasionada peloscandidatos e partidos. Porém, todos os recursos arrecadados e queseriam canalizados para a propaganda foram, com certeza,direcionados para outras áreas da campanha, como por exemplo acompra de votos no dia da eleição. Outro ponto relevante é o fato deque, com a restrição dos gastos com propaganda, os atuais mandatá-rios acabaram se fortalecendo, tornando o pleito sem isonomia, por-quanto são possuidores de uma série de vantagens inerentes aos car-gos que ocupam. Como comumente se diz, estão com a “máquina namão”, apesar de todas as restrições impostas pela lei.

7) Derradeiramente, de forma mais generalizada, é impossível pas-sar ao largo da crise institucional vivida pelo País diante dos graves esérios acontecimentos em detrimento do Estado, envolvendo autori-dades dos mais altos cargos da República. Em um primeiro momento,o Congresso Nacional, de forma atabalhoada, apressou-se em apro-var uma minirreforma política, tratando propaganda, financiamento eprestação de contas das campanhas eleitorais (Lei n. 11.300/2006).

8) Esses minguados retalhos de pouco ajudarão para a adequaçãoe o aprimoramento da democracia brasileira. Aventa-se uma profundareforma política nas bases estruturais do sistema representativo ado-tado no Brasil.

Aliás, desde a promulgação da Constituição Federal, há quase duasdécadas, a reforma política ora submerge, ora aflora, dependendo domomento político que atravessamos.

O que se pode afirmar é que a tão sonhada reforma política brasi-leira é imprescindível para que a nossa democracia seja realmenteimplementada.

A reforma política deve necessariamente enfrentar os temas do fi-nanciamento público de campanha, da fidelidade partidária, do votoobrigatório, do sistema proporcional e da proporcionalidade dos Esta-

Page 266: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

266

dos na Câmara Federal para impedir ou conter a fragmentação do sis-tema partidário e parlamentar.

Para finalizar, Mezzaroba (2004) comenta, acerca das alteraçõeslegislativas, que “[...] a impressão mais clara que se tem é de que setrata de reforma lampeduseana. Grandes mudanças se darão para queao final tudo permaneça exatamente tal como está”.

Referências bibliográficas

BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de junho de 1965. Institui o Código Eleito-ral. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em:30 set. 2006.

BRASIL. Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990. Dispõe sobre prote-ção do consumidor e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 30 set. 2006.

BRASIL. Lei n. 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre par-tidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3o, inciso V, da Consti-tuição Federal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/legislacao>.Acesso em: 30 set. 2006.

BRASIL. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normaspara as eleições. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em: 30 set. 2006.

BRASIL. Lei n. 11.300, de 10 de maio de 2006. Dispõe sobre propa-ganda, financiamento e prestação de contas das despesas com cam-panhas eleitorais, alterando a Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997.Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/legislacao>. Acesso em:30 set. 2006.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.261, de 29 dejunho de 2006, rel. Min. Gerardo Grossi. Dispõe sobre a propagandaeleitoral e as condutas vedadas aos agentes públicos em campanhaeleitoral. Disponível em: <http://www.tse.gov.br/internet/index.html>.Acesso em: 30 set. 2006.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Resolução n. 22.261, de 29 dejunho de 2006, rel. Min. Gerardo Grossi. Dispõe sobre a propagandaeleitoral e as condutas vedadas aos agentes públicos em campanhaeleitoral. (Instrução n. 107, Classe 12a, Distrito Federal, Brasília.) Diá-rio Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 10 jul. 2006.

Page 267: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

267

CÂNDIDO, Joel José. Direito Eleitoral brasileiro. 11.ed. 2. tir., rev. atu-al. Bauru: Edipro, 2004.

COLZANI, Valdir Francisco. Guia para redação do trabalho científico.Curitiba: Juruá, 2001.

COSTA, Adriano Soares da. Comentários à Lei n. 11.300/2006. JusNavigandi, Teresina, ano 10, n. 1.107, 13 jul. 2006. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8641>. Acesso em: 19 abr.2007.

DECOMAIN, Pedro Roberto. Eleições, comentários à Lei n. 9.504/97.Florianópolis: Obra Jurídica, 1998.

FERREIRA, Megbel Abdala Tanus. Aspectos fundamentais da propa-ganda eleitoral. Disponível em: http://www.tj.ma.gov.br/Artigos/artigos09.pdf. Acesso em: 14 abr. 2006.

GOMES, Neusa Demartini. Publicidade: comunicação persuasiva. PortoAlegre: Sulina, 2003.

MEZZAROBA, Orides. Introdução ao Direito Partidário brasileiro. Riode Janeiro: Lumen Juris, 2004.

PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramen-tas úteis para o pesquisador do Direito. 7.ed. rev. atual. ampl.Florianópolis: OAB/SC, 2002. p. 104.

PASQUALOTO, Adalberto. Os efeitos obrigacionais da publicidade noCódigo de Defesa do Consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais,1997. p. 86.

ROLLO, Alberto (Org). Propaganda eleitoral: teoria e prática. São Pau-lo: RT, 2002.

SILVA, Marcus Vinicius Fernandes Andrade da. Influência da publici-dade na relação de consumo. Aspectos jurídicos. Jus Navigandi,Teresina, ano 8, n. 261, 25 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4982>. Acesso em: 17 mar. 2007.

VIEIRA FILHO, Meton. Propaganda eleitoral. In Revista Brasileira deDireito Eleitoral, Fortaleza, n. 3, 1989.

Page 268: RESENHA ELEITORAL
Page 269: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

269

TUTELA DO TRABALHO NO PERÍODO ELEIT ORALO mesário como núcleo da controvérsia

César Cristiano Pereira Júnior*

1 INTRODUÇÃO. 2 TRABALHO, DIGNIDADE E CIDADANIA SÃOFUNDAMENTAIS. 3 MECANISMOS EXTRAJUDICIAIS DE TUTELA DOTRABALHO NO PERÍODO ELEITORAL 3.1 A INSPEÇÃO DO TRABA-LHO. 3.2 A PROMOÇÃO DOS INTERESSES SUBMERGIDOS. 4 ME-CANISMOS JUDICIAIS DE TUTELA DO TRABALHO NO PERÍODOELEITORAL. 4.1 A SISTEMÁTICA DE TUTELA COLETIVA AOS TRA-BALHADORES-MESÁRIOS COM EIXO DE ATUAÇÃO PELO MINISTÉ-RIO PÚBLICO DO TRABALHO. 4.2 OS REFLEXOS CRIMINAIS-ELEI-TORAIS PARA O EMPREGADOR (ELEITOR). 5 CONSIDERAÇÕESFINAIS. 6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.

1 Introdução

Em épocas de efetivação e aperfeiçoamento da estrutura democrá-tica participativa, é episódio corrente na existência dos cidadãos-tra-balhadores o fato de que, ante a convocação pela Justiça Eleitoral paraintegrarem a equipe de consolidação de todo o processo que englobauma dada eleição no país – seja como membro de mesa receptora devotos e/ou auxiliar eleitoral –, uns e outros têm sido alvo fácil dos gri-lhões impostos pelo empregador que, em casos os mais freqüentes, temse recusado a conceder-lhes as folgas que tecnicamente lograriam obterem face da prestação de serviço eleitoral de relevância.1

Importa dizer: em meio a este cenário anacrônico de exemplo ereverência à cidadania, de um lado, e ruptura com a lei ao fiel resguar-

1O art. 98 da Lei n. 9.504/1997 – ao dispor sobre as eleições – prescreve que oseleitores nomeados para compor as Mesas Receptoras [...] e os requisitados paraauxiliar seus trabalhos serão dispensados do serviço, mediante declaração expedidapela Justiça Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualquer outravantagem, pelo dobro dos dias de convocação. O art. 365 e o art. 379, ambos daLei n. 4.737/1965 – que instituiu o Código Eleitoral – dispõem, respectivamente,que “O serviço eleitoral prefere a qualquer outro, é obrigatório [...]”; e “Serãoconsiderados de relevância os serviços prestados pelos Mesários [...]”.

* Técnico Judiciário/Administrativa do TRESC (21a ZE - Lages/SC). Bacharel

em Direito. Pós-graduando em Direito e Processo do Trabalho pela Rede deensino LFG/UNIDERP- E-mail: [email protected].

Page 270: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

270

do dos direitos trabalhistas, de outro, os cidadãos-trabalhadores con-vocados a compor a tal obrigação de natureza cívica têm ficado à min-gua de amparo, ao desconhecimento dos meios legais que lhes socor-rem os interesses – e, principalmente, por temor de perderem o em-prego – deixando ao puro arbítrio do empregador, que volta os olhossomente para os dividendos de sua atividade lucrativa, sem limite al-gum a observar e à margem das leis.

Desse modo visto, pretende o presente estudo corroborar – partin-do do vértice que deflagra a controvérsia entre trabalhadores-mesáriose empregadores (eleitores) – os aspectos jurídicos que envolvem atutela em discussão, à luz de uma perspectiva multidisciplinar edificadaa partir das leis eleitorais e trabalhistas do ordenamento posto, com asmedidas judiciais e administrativas aptas a colocar em evidência a atu-ação conjunta da Justiça Eleitoral e do Ministério Público com ofícionaquele órgão, o Ministério Público do Trabalho, e o Ministério do Tra-balho e Emprego (no órgão jurisdicional equivalente), todoscompromissados com zelo pela garantia e defesa inalienáveis aos di-reitos da parte mais fragilizada dessa relação, qual seja, os cidadãos-trabalhadores.2

Para tanto, é desiderato preliminar do trabalho explanar, sem muitose estender e em breves pinceladas, a acepção para as categoriastrabalho, dignidade e cidadania , como substrato, erigido a partir daDeclaração Universal dos Direitos do Homem e readaptado à Consti-tuição da República Federativa do Brasil de 1988, para servir de matrizou fundamento de todo o ordenamento jurídico brasileiro.

Como o elemento paradigmático da empreitada proposta apontapara a análise dos meios legais de defesa do trabalho, segue-se estacom a persecução aos mecanismos judiciais e extrajudiciais que po-dem ser levados a efeito pelos atores públicos envolvidos, como a fis-calização pela inspeção do trabalho (Ministério do Trabalho e Empre-go – MTE), as recomendações e audiências públicas realizadas peloMinistério Público do Trabalho – MPT em conjugação de esforços coma própria Justiça Eleitoral, Ministério Público específico no órgão, alémde outras instituições da sociedade civil organizada que guardam

2No texto que segue, o autor refere-se ora às categorias cidadão-trabalhador(designativo de cidadão, brasileiro, trabalhador, cumpridor de seus deverescivis), ora a trabalhador-mesário (concernente ao cidadão-trabalhadorconvocado para prestar o serviço eleitoral). Em relação ao tema proposto,aquele primeiro, quando invocado, está sob a análise do Direito Eleitoral . Osegundo, por sua vez, com foco na análise do Direito do T rabalho .

Page 271: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

271

similitude com a tratativa da matéria, em órbita administrativa, e, najudicial, a ação civil pública específica (coletivamente) a cargo do MPT,dando-se, por fim, escoamento ao trabalho com a demonstração dosreflexos crime-eleitorais advindos para o empregador (eleitor) comodecorrência de seu procedimento abusivo.

O método de pesquisa utilizado é o dedutivo.

2 Trabalho, dignidade e cidadania são fundament ais

A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), reafirma-da pela fé dos povos das Nações Unidas como o manancial de as-pirações as mais alt as dos seres humanos comuns e o ideal a seratingido por todos os povos e todas as nações 3 – e em cujo conteú-do se fixam a maior parte das constituições modernas – traz em suaelementar estrutura passagens acerca do dever de reconhecimentosupremo do próprio homem sobre os direitos fundamentais que lhesforam por natureza legados: a dignidade, a cidadania e o trabalho.4

O Brasil, como legítimo signatário de acenados mandamentos glo-bais, conformou-os com seu ordenamento interno,5 a eles aderindopositiva e subjetivamente,6 como se fossem vetores essenciais a con-sagrar sua Declaração de Direitos Fundamentais, qual seja, a CartaPolítica de 1988 e suas normas subjacentes.7

Com efeito, giza o comando normativo insculpido no art. 1o da Cons-tituição Federal de 1988 que a República Federativa do Brasil, da ma-

3O trecho em destaque faz parte dos Considerandos que compõem aDeclaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH (SILVA, p. 167).

4A DUDH é um dos documentos básicos das Nações Unidas e foi assinado em1948, por intermédio da Resolução n. 217 A (III), da Assembléia Geral dasNações Unidas.

5O documento sobre direitos humanos a se conformar (ratificar e incorporar)pelo Brasil com seu ordenamento interno – e do qual cuida, conforme FláviaPiovesan (2003, p.30), o Direito Internacional dos Direitos Humanos – foi oPacto de São José da Costa Rica (SILVA, p. 169 -170).

6Biscaretti di Ruffia (apud SILVA, pp. 695 e 696) acresce que Positivação é agarantia pela Constituição dos direitos do homem brasileiro [...]; Subjetivação,o reconhecimento dos direitos do homem brasileiro.

7Os princípios fundamentais consolidados na Constituição Federal constituem onúcleo ou clausula pétrea do sistema positivado de leis, jamais podendo ser abolidopelo poder reformador derivado, a teor do que dispõe o § 4

o, do seu art. 60.

Page 272: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

272

neira como se apresenta formada e constituída, tem como fundamen-tos a cidadania, a dignidade (inerente a) da pessoa humana e os valo-res sociais do trabalho, entre outros. Veja-se:

Art. 1o A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos : I- [...]; II - a cidadania ; III - a dignidade da pessoa humana; IV - osvalores sociais do trabalho [...]; V - [...]. [grifo nosso]

Na clássica lição de José Afonso da Silva (2001, p. 96-100), osfundamentos ou princípios constitucionais fundamentais,8 como man-damentos nucleares ou síntese do sistema positivado de leis,9 na Car-ta Política de 1988 "encontram-se perfilados sob os princípiosdicotômicos político-constitucionais e jurídico-constitucionais". O con-teúdo dos primeiros – em que repousam os princípios em análise –exprime as valorações, decisões e opções políticas fundament aisou político-constitucionais com as quais o legislador origináriohouve por bem dar forma às normas da Constituição . Tais normas-princípio, além de definirem a coletividade política e o Estado comoreflexo do seu peculiar modelo de vivência, originam analiticamentenormas particulares reguladoras de relações específicas da vida soci-al, de cuja inspiração cuidam os princípios jurídico-constitucionais (SIL-VA, p. 97-99).

Sua função e relevância consistem em ordenar e agir imediatamentesobre a forma das relações político-constitucionais, servindo de crité-rio balizador de interpretação e integração, em busca da coerência geralde todo o sistema (SILVA, p. 100).

Por seu turno, o trabalho , alçado à condição de significação social10

e à existencialidade digna do ser humano, nos termos do art. 1o, incisoIV, primeira parte, da Constituição Federal, como valor fundamental daRepública Federativa revela que toda sinergia humana, física e/ou inte-lectual, despendida na produção de algo, mediante salário pago e sobdependência de empregador, em caráter permanente (NEVES, 1987) –malgrado tenha por muito tempo sido entendida como engrenagem nummecanismo de produção de riquezas – atualmente comporta percepção

8Também nominados pelo autor de normas-síntese, normas-princípio, normas-matrizes ou normas fundamentais.

9Definição de princípio jurídico dado por Celso Antônio Bandeira de Mello (2006,p. 450-451).

10Os direitos e valores sociais trabalhistas pertencem ao grupo dos direitossociais, na acepção dada por Silva (2001, p. 187).

Page 273: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

273

diversa. É que tal diretriz preceitua ser o trabalho o meio digno desubsistência p ara que o ser humano, antes mesmo de servir de moteao desenvolvimento do próprio p aís, possa usufruir de todas aque-las garantias sociais antevist as em normas-matrizes .11

Respalda-se, ao mesmo tempo, o trabalho, na Lei Maior, como umdos corolários da ordem econômica, na medida em que a propriedadeprivada dos meios de produção – sistema fundamentalmente capitalis-ta adotado pela Constituição Federal em seu art. 170, inciso VIII – de-verá subordinar-se a sua função social,12 atendendo alcançar a exis-tência digna dos trabalhadores, valorizando-o para que busque emconcretude a efetivação do pleno emprego (SILVA, p. 91-92).

A dignidade 13 da pessoa, como atributo inerente à natureza huma-na, estriba-se no ordenamento matriz com base na consciência segundoa qual o valor dos seres humanos como tais são insuperáveis(VESTCON, 1999).

É o que se extrai das palavras de Alexandre de Moraes (2002, p. 50):

[...] inerente às personalidades humanas. [...] afasta a idéia de predo-mínio das concepções transpessoalistas de Estado e Nação, em detri-mento da liberdade individual. [...] é um valor espiritual e moral ineren-te à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminaçãoconsciente e responsável da própria vida e traz consigo a pretensãoao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mí-nimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar [...].

A propósito, valem também os judiciosos ensinamentos de Silva(2001, p. 98), ao lecionar que a dignidade da pessoa, ao tempo em quefigura como princípio intrínseco ao regime político adotado pela Cons-tituição Federal de 1988, "também se traduz em valor supremo que atraitodos os outros direitos fundamentais do homem".

Fundamentalmente, a cidadania , como um dos pilares sobre o qualse apóia a Constituição Cidadã, designa uma qualidade pertencente aocidadão no que diz respeito a sua habilidade ou arbítrio p ara gozar

11Tais garantias se referem ao Capítulo II da Constituição Federal de 1988,notadamente entre seus artigos 6

o e 11 (MORAES, p. 50).

12Função social diz-se da que cabe ao Estado mediante o desenvolvimentode determinadas atividades econômicas [...], contribuindo direta ouindiretamente para o bem-estar coletivo (NEVES, 1987).

13Dignidade significa valor de respeitabilidade, nobreza, grandeza moral,honraria, seriedade e excelência, com que se deve dar trato ao gênero humano(Ibidem, 1987).

Page 274: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

274

plenamente dos direitos civis e políticos que lhe são outorgados(NEVES, 1987). Diferencia-se de povo (soma dos naturais de um ter-ritório) e população (soma de todas as pessoas de um território), masdenota parcela de povo titular de capacidade eleitoral ativa que possuipoder de voto e, dessa forma, interfere nas decisões políticas da vidado Estado, direta ou indiretamente (VESTCON, 1999). Ensina PedroLenza (2005, p. 498) que a cidadania "pressupõe a nacionalidade, dadoque só o titular de tal vínculo jurídico com o Estado pode ser conside-rado cidadão", em que pese não se confundam.

Consoante intelecção abalizadora de Silva (2001, p. 108), a cida-dania:

Está aqui num sentido mais amplo do que o titular de direitos políti-cos.14 Qualifica os participantes da vida do Estado, o reconhecimentodo indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal [...]. Signifi-ca aí, também, que o funcionamento do Estado estará submetido àvontade popular. E aí o termo conexiona-se com o conceito de sobera-nia popular [...], com os direitos políticos [...], com o conceito de digni-dade da pessoa humana [...], com os objetivos da educação [...], comobase e meta essencial do regime democrático.

Como direitos de cidadania e desdobramento do princípio democrá-tico circunscrito ao parágrafo único do art. 1o da Constituição Federal("[...] que o exerce por meio de representantes eleitos [...]"), os direitospolíticos correspondem ao que Silva (2001, p. 349) chama de "núcleofundamental do direito eleitoral de votar e ser votado", sendo certo quesua aquisição acontece no momento em que o indivíduo, na forma dalei, realiza o seu alistamento eleitoral.15

A par desse caráter fundamental dos direitos políticos, permite-searrazoar sobre as categorias dentro das quais se encontra subdividi-do, a saber: a dos direitos políticos ativos e a dos direitos políticos pas-sivos (afetos às capacidades eleitorais ativas e passivas), como formade se exercitar, respectivamente, o direito de votar e ser votado.16

14Direitos políticos , segundo o mesmo autor (2001, p. 347-348), é o conjuntode normas que regulam a atuação da soberania popular, sendo que a CF/1988 emprega a expressão para designar em sentido estrito as normasreguladoras dos problemas eleitorais.

15O alistamento eleitoral se faz mediante a qualificação e a inscrição do eleitorna Justiça Eleitoral, conforme o art. 42 do Código Eleitoral (SILVA, p. 347-349).

16Os direitos políticos ativos cuidam do eleitor e de sua atividade. Os passivosreferem-se aos elegíveis e eleitos (SILVA, p. 349).

Page 275: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

275

Outra categoria há, também, finalmente, que não se funde com aprimeira, não obstante a ela esteja intimamente ligada, que são os di-reitos políticos positivos e negativos. Os primeiros dizem respeito àsnormas que asseguram a participação no processo político eleitoral,votando ou sendo votado, envolvendo, desse modo, as modalidadesativas e passivas. O segundo grupo, por outro lado, alude às normasimpeditivas do exercício dos direitos políticos, tendo como ponto departida as inelegibilidades (SILVA, p. 349).

3 Mecanismos extrajudiciais de tutela do trabalho no período eleitoral

3.1 A inspeção do trabalho

Em homenagem à tutela dos interesses do trabalhador-mesário nolapso que compreende todo o processo eleitoral,17 o ordenamento jurí-dico pátrio elegeu a inspeção do trabalho como medida fiscalizatóriade índole preventivo-coercitiva de atuação própria por parte dos agen-tes fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego.18 Em esfera adminis-trativa, tais atores têm atribuição de verificar nas empresas se há ounão a observância ao fiel cumprimento da legislação que socorre os di-reitos dessa natureza, em especial os que dão contraste à problemáti-ca da controvérsia em exame.

Nesse diapasão, vaticina o art. 98 da Lei n. 9.504/1997 que os elei-tores (trabalhadores, em particular) nomeados para compor as mesasreceptoras ou juntas eleitorais e os requisitados para auxiliar seus tra-balhos serão dispensados do serviço, mediante declaração expedidapela Justiça Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualqueroutra vantagem, pelo dobro dos dias de convocação.

Eclode, com isso, ulterior indagação: o dispositivo em causa – comprevisão em lei eleitoral – encerra preceito que ampara os interessestrabalhistas, dando impulso e justificando a atuação por parte dos au-ditores-fiscais do Trabalho?

17Processo Eleitoral – consiste num conjunto de atos abrangendo a preparaçãoe a realização das eleições, incluindo a apuração dos votos e a diplomaçãodos eleitos (TSE/SDI, 2006, p.196).

18No Brasil, a fiscalização do trabalho é realizada pelos auditores-fiscais dotrabalho. Tais agentes pertencem ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE),que é órgão do Poder Executivo da União. Começaram a atuar no país, porforça da Convenção n. 81 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

Page 276: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

276

Em via de interpretação teleológica, quer parecer que, diante daconduta patronal consistente em ferir de qualquer modo as disposiçõesde referido diploma legal (v.g., não conceder ao empregado a dispen-sa, dispensá-lo com desconto salarial – doloso ou não? – ou outro pre-juízo qualquer), a resposta é positiva. Não há como negar que o objetoou espírito da supracitada norma19 se reveste de caráter protecionistaao interesse laboral, permitindo-se colher dedução de que os reflexosda recompensa a que fazem jus (dispensa do serviço pelo dobro dosdias da convocação)20 os trabalhadores-mesários pelos serviços derelevância prestados se projetarão espontaneamente através das re-lações de laços trabalhistas existentes entre eles e os seus respecti-vos empregadores (positiva ou negativamente)21, atraindo, por conse-qüência, a atribuição em análise.

Sem embargo do disposto em outras normas que tenham por obje-to assistência análoga, os diplomas legais que conferem realce à atu-ação do agente fiscal com vistas à defesa do trabalhador-mesário sãoa Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) – Decreto-Lei n. 5.552/1943e o Regulamento de Inspeção do Trabalho (RIT) – Decreto n. 4.552/2002, que em seus arts. 626 e 1o, respectivamente, autorizam a inspe-ção no âmbito das empresas.

Note-se o que sustentam os preceptivos – CLT e RIT – in casu:

[...] Art. 626. Incumbe às autoridades competentes do Ministério doTrabalho, Indústria e Comércio,22 ou àquelas que exerçam funçõesdelegadas, a fiscalização do fiel cumprimento das normas de pro-teção ao trabalho [grifo nosso].

Art. 1o O Sistema Federal de Inspeção do Trabalho, a cargo do Minis-tério do Trabalho e Emprego, tem por finalidade assegurar , em todo oterritório nacional, a aplicação das disposições legais , incluindo asconvenções internacionais ratificadas, os atos e decisões das autori-

19Da parte qualquer outra vant agem , vale lembrar que normas de DireitoEleitoral são de ordem pública e interpretam-se, portanto, extensivamente(RÁO, p. 329).

20Quer parecer que a dispensa a que faz jus o trabalhador-mesário, nos termosdo art. 98 da Lei n. 9.504/1997 c/c 472 e seguintes da CLT, figura forma deinterrupção do contrato de trabalho.

21Ou seja, o empregador concederá as folgas cumprindo ou não o que determinao art. 98 acima.

22Onde se lê Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, leia-se Ministério doTrabalho e Emprego.

Page 277: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

277

dades competentes e as convenções, acordos e contratos coletivosde trabalho, no que concerne à proteção dos trabalhadores no exer-cício da atividade laboral [grifo nosso].

Em reforço às normas mencionadas, de igual maneira dispõe areferida legislação de inspeção do trabalho no Brasil, em seu art. 9o,que dita fiscalização se promova, obrigatoriamente, em todas as em-presas, est abelecimentos e locais de trabalho, públicos ou priva-dos, estendendo-se a profissionais liberais e instituições sem finslucrativos, bem como às embarcações estrangeiras em águasterritoriais brasileiras .

Conquanto não bastem em si mesmas as argumentações retroaduzidas, ter-se-ia ainda outro dispositivo hábil para fazer face à prote-ção do trabalhador-mesário, que, positivado no art. 473 da CLT,23 dis-põe o que segue:

[...] Art. 473. O empregado poderá deixar de comp arecer ao serviçosem prejuízo do salário : [...] V - até 2 (dois) dias consecutivos ounão, para o fim de se alistar eleitor, nos termos da lei respectiva[grifo nosso].

Ora, se o comando normativo celetista faculta (poderá) ao empre-gado alistar-se como eleitor sem prejuízo do salário, remetendo o pro-cedimento respectivo ao que dispuserem as leis eleitorais aplicadas àespécie,24 não há dúvida de que esse mesmo empregado, à luz deexegese sistêmica das normas aplicáveis (eleitorais e trabalhistas) auma real situação da vida, se submete posteriormente aos efeitos de-correntes de tal condição (v.g. aquisição e exercício de cidadania, con-vocação para funções de mesário – trabalhador-mesário –, candida-tura a cargo eletivo, etc.), não parecendo difícil chegar-se à conclusãoacertada de que tal disposição, por si mesma, autorizaria a ação fiscaldo MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) em tempo eleitoral, tendoem vista que encerra pedra angular de contexto e compatibilidade comas regras eleitorais, além de possuir corpo próprio na estrutura celetista.Daí porque, se é literalmente dado à inspeção do trabalho – por seusagentes – verificar nas empresas se há o cumprimento da legislaçãotrabalhista, diante de expressa previsão legal, não há que se opor qual-

23Tal dispositivo está contido no capítulo IV da parte que dispõe sobre suspensãoe interrupção do contrato de trabalho na CLT.

24Como o dispositivo em questão não é bastante em si, ou é limitado paraplenamente irradiar seus efeitos, o Código Eleitoral, a Lei das Eleições e asdemais normas de natureza finalística compatíveis traçam – em grau decomplementaridade – a sua correta inteligência.

Page 278: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

278

quer óbice a que tais e tais atores desempenhem fiscalização para oacenado fim.

Dessa forma, e a depender do caso concretamente posto, o empre-gado (trabalhador-mesário) poderá levar o fato (quando ele próprio, ouem conjunto com outros, encontrar-se nessa situação) ao conhecimentodas autoridades responsáveis pela inspeção do trabalho, sendo certoque os órgãos responsáveis pela filtragem das informações nocivas sãoas Agências de Atendimento ao Trabalhador, estabelecidas nas atuaisGerências Regionais do Trabalho e Emprego – unidades descentrali-zadas do MTE.25

Enfim, em qualquer dos casos detrás sopesados – a ação fiscal deprocedimento comum e a de processamento especial –, a teor do quedispõe o parágrafo único do art. 634 da norma celetista, a aplicação damulta não eximirá o infrator da responsabilidade em que incorrer porinfração das leis penais, diga-se, neste caso, penais-eleitorais.26

3.2 A promoção dos interesses submergidos

A promoção de tais interesses, com o caráter que lhe é peculiar,revela significante medida a ser desempenhada pelo Ministério Públi-co – que oficia perante as Justiças do Trabalho e Eleitoral – em conju-gação de esforços com outros órgãos, governamentais ou não, que in-cluam em sua linhagem finalística o resguardo ou qualquer outro vín-culo de afinidade com os direitos atinentes aos trabalhadores-mesários.

Em ordem de estreitamento relacional com a tratativa da matéria,tem-se que o Ministério Público do Trabalho – em parceria com o Mi-nistério Público Eleitoral,27 a Justiça Eleitoral, o Ministério do Trabalhoe Emprego, as entidades representantes de categorias de trabalhado-

25Pensa o autor que, diante da relevância do caso, mais apropriado seria afiscalização do trabalho utilizar-se – a teor do que dispõem os arts. 627-A daCLT e 28 do RIT – do procedimento especial de ação fiscal, nada a impedindode que, se, em última análise, verificar diretamente o descumprimento delegislação eleitoral e trabalhista, lavre auto de infração (art. 24, RIT) composterior feitio dos procedimentos administrativos ordinários (processoadministrativo de multa trabalhista).

26Sobre reflexos criminais, vide item abaixo, onde se analisará o aspecto dodireito material aplicável à situação em estudo.

27Do teor das disposições da Lei Complementar n. 75, de 1993 (LOMPU), extrai-se que inexiste Ministério Público Eleitoral com estrutura orgânica própria,mas sim um órgão com ofício junto àquela Justiça Especializada da União.

Page 279: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

279

res e empregadores ou organismos que guardam similitude com atemática – poderá realizar audiências públicas, seminários, fóruns,entrevist as, palestras, debates, reuniões, além da distribuição decartilhas e cart azes informativos , com o escopo de divulgar, preve-nir e combater possíveis ameaças ou até mesmo lesões aos interes-ses dos trabalhadores-mesários, que, em essência, são direitos dematriz fundamental (VILLELLA, 2008).

No que tange ao assunto, há, inclusive, permissivo legal para que,nos termos do art. 6o, inciso XX, da Lei Complementar n. 75/1993, o enteministerial trabalhista – em atuação administrativa – expeça recomen-dação, visando [...] ao respeito, aos interesses, direitos e bens cujadefesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção dasprovidências cabíveis.

Na realidade, a atribuição conferida ao Ministério Público Eleitoralperante àquela Justiça não abrange literalmente o mecanismo admi-nistrativo de proteção do interesse laboral que está sob análise,28 ra-zão pela qual melhor incumbe ao Ministério Público do Trabalho a pos-sibilidade de levar a efeito a promoção dos direitos e interesses que lhesão afetos por natureza institucional, via de regra.

Gustavo Tepedino (apud LEITE, 2006, p. 98), no concernente àmatéria, realça que:

O Ministério Público adquire assim uma função promocional, coerentecom o papel definido para o Estado nos princípios gerais da Constitui-ção e especificado pelo art. 129 do texto maior [...] deixa de atuar sim-plesmente nos momentos patológicos, em que ocorre a lesão a inte-resse público, sendo convocado a intervir de modo permanente, pro-movendo o projeto constitucional e a efetividade dos valores consa-grados pelo ordenamento.

Em remate: o meio de se tutelar interesses a partir da conotaçãoora vislumbrada29 traduz-se, nos dias de hoje, em importante orientadorsocial de todo o universo interpessoal (trabalhista), a dar-lhes principal-mente estabilidade se se insurgirem com ares de colisão. Tal funçãopromocional de carácter pedagógico-preventivista, que dá roupagem

28Nada o impede, contudo, de que com o Ministério Público do Trabalho – emfunção da natureza e previsão constitucional de ambos – atuem em conjunto,cada qual oficiando com sua parcela de atribuição, a saber: um promovendoos interesses trabalhistas e o outro focando os reflexos criminais-eleitoraisque incidirão sobre o empregador (eleitor).

29Concepção literal do verbo promover : dar impulso a; trabalhar a favor de;favorecer o progresso de; fazer avançar; fomentar (AURÉLIO, 2004).

Page 280: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

280

às incumbências do Ministério Público como um todo junto à socieda-de – na busca do estancamento de lesões e/ou ameaças aos direitose interesses mais relevantes que lhes digam respeito –, pode vir a lumee alçar a legalidade consciente entre os cidadãos a níveis satisfatóriosde observância, sem que seja necessário fazer uso de todo o aparatoque move o sistema judiciário (VILLELA, 2008).

4 Mecanismos judiciais de tutela do trabalho no período eleitoral

4.1 A sistemática de tutela coletiva aos trabalhadores-mesárioscom eixo de atuação pelo Ministério Público do T rabalho

Redesenhado a partir da Constituição Federal de 1988 para atuarcomo o ás da atividade fiscalizatória à exigibilidade do respeito às nor-mas trabalhistas,30 o Ministério Público do Trabalho, nas relações de viéscoletivo, contempla-se pura e simplesmente como um dos legitimadosad causam para fazer a defesa dos interesses dos trabalhadores-mesários, nos casos em que a lesão ou ameaça ao exercício dos di-reitos de cidadania reflexamente trabalhist as restarem manifesta-mente evidenciados.

Da acolhida aos principais eixos de relevância para a açãoinstitucional, o ente ministerial, para bem servir ao seu mister perantea Justiça Trabalhista, elegeu o zelo ao adequado andamento das rela-ções de trabalho31 como medida de vanguarda a dar-lhes verdadeirosentido e equilíbrio legal e social, sendo certo que, em linha de proces-so, o art. 83, inciso III, da Lei Complementar n. 75/1993 (LOMPU) ,consagrou a ação civil pública como peça mandamental apta a acu-dir os interesses coletivos32 dos trabalhadores (nesse caso, mesários),quando afetados em seus direitos sociais garantidos pela Norma Cume.

30Otávio Brito Lopes (2005, p. 187), nesse sentido, aduz que não se podenegar que o Ministério Público do Trabalho, máxime após a Constituição de1988, vem atuando como verdadeiro bandeirante, desbravando e alargandoos lindes da competência da Justiça do Trabalho.

31Sobre o Ministério Público do Trabalho, sua estrutura e atribuições, ver http://www.pgt.mpt.gov.br.

32Direitos coletivos, neste caso, estão sendo utilizados, conforme Hugo NigroMazzilli (2005, p. 52) para designá-los na acepção propriamente dita daexpressão ou em sentido restrito (stricto sensu), sendo certo que direitoscoletivos lato sensu seriam, então, segundo o mesmo autor, o chamado direitodifuso.

Page 281: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

281

De uma feita e aos olhos do comando normativo esposado pelo art.98 da Lei n. 9.504/1997, analisou-se que a lei eleitoral prescreve se-jam os eleitores nomeados p ara compor as Mesas Receptoras ouJunt as Eleitorais e os requisit ados p ara auxiliar seus trabalhos dis-pensados do serviço, mediante declaração expedida pela JustiçaEleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualquer outravantagem, pelo dobro dos dias de convocação .

Colhe-se, com isso, nova indagação: como trazer aquele coman-do normativo de natureza eleitoral para irradiar efeito em linha de juris-dição trabalhista metaindividual?33 À custa de interpretação sistêmicae teleológica de ambos os ordenamentos – eleitoral e trabalhista –, po-der-se-á perquirir um ideal aparato de orientação ao Ministério Públicodo Trabalho para que logre patrocinar a proteção coletiva da controvér-sia com a natureza refletida?

Pensa-se, a propósito, que sim. Explica-se. Em tópico precedente,procurou-se explanar que, da verdadeira inteligibilidade do art. 98 daLei n. 9.504/1997, pôde-se abstrair que sua aplicação em concretosuscita interferência direta e espontânea nas relações de laços tra-balhist as constituídas entre empregados e empregadores.

Desponta que, como a atuação do MPT se dá somente em lides decontorno coletivo, obviamente que será o titular de legitimação ad cau-sam em estados situacionais nos quais, aprioristicamente, vários em-pregados de uma mesma empresa – privada ou pública34 – forem con-vocados para prestar o serviço eleitoral de relevância e, na ocasião dogozo à dispensa do dia de trabalho ex vi do art. 98 da Lei n. 9.504/1997,o empregador opuser, por qualquer meio ou forma, embaraços aos finsdo justo sentido a que a norma se propõe, de molde a que, por si só,reste caracterizada lesão a interesse coletivo (stricto sensu) do grupode trabalhadores-mesários ou a ele esteja a lesão coletiva íntima ediretamente ligada.35

33Jurisdição trabalhista metaindividual é conceito operacional utilizado por Leite(2001) para designar a competência da Justiça do Trabalho em observânciaao que dispõe o art. 83, III, da LC n. 75/93.

34Nos casos de empresas públicas com regime de trabalho celetista.

35Importante lembrar, nesse passo, denúncia que partiu do Sindicato dos Bancáriosdo Distrito Federal, deflagrando ação civil pública proposta pelo MPT no TribunalRegional do Trabalho daquele Distrito. Do teor da aludida denúncia, constatou-se que o Banco do Brasil, por portaria, baixou ato normativo interno comunicandoaos seus funcionários que, aos convocados para trabalhar nas eleições, não seconcederiam as folgas determinadas pelo art. 98 da Lei n. 9.504/1997.

Page 282: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

282

Forçoso, para tanto, que o ente ministerial, na fundamentação daação coletiva a ser proposta, se aproveite da consistência legislativa(ou sistemática de tutela coletiva ) dada pela redação dos art. 129,III, da CF/88; art s. 472 e 473, V, da CLT; c/c 98 da Lei n. 9.504/1997;c/c 83, inciso III, da LC n. 75/1993 , trazendo-os para irradiar efeitosem linha de jurisdição trabalhista metaindividual.

Veja-se, pois, o que aduzem os mencionados cânones:

Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - pro-mover o inquérito civil e a ação civil pública, p ara a proteção dopatrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interessesdifusos e coletivos [grifo nosso].

Art. 472. O afast amento do empregado em virtude das exigênciasdo serviço militar, ou de outro encargo público , não constituirá moti-vo para alteração ou rescisão36 do contrato de trabalho por parte doempregador37 [grifo nosso].

Art. 473. O empregado poderá deixar de comp arecer ao serviçosem prejuízo do salário : [...] V - até 2 (dois) dias consecutivos ounão, para o fim de se alist ar eleitor , nos termos da lei respectiva[grifo nosso].38

Art. 98. Os eleitores nomeados p ara compor as Mesas Receptoras

36Na doutrina, interrupção do contrato de trabalho é a sustação temporária,restrita e unilateral da principal obrigação do empregado no contrato detrabalho (prestação de trabalho e disponibilidade perante o empregador), emvirtude e um fato juridicamente relevante, mantidas em vigor todas as demaiscláusulas contratuais. Já a suspensão é a sustação temporária dos principaisefeitos do contrato de trabalho no tocante às partes, em virtude de um fatojuridicamente relevante, sem ruptura, contudo, do vínculo contratual formado.É a sustação ampliada e recíproca de efeitos contratuais, preservado, contudo,o vínculo entre as partes (DELGADO, p. 1052).

37Sem muito descer aos pormenores que envolvem o instituto suspensão einterrupção do contrato de trabalho, as obrigações dos trabalhadores-mesáriosperante a Justiça Eleitoral e seus respectivos efeitos (alistamento,convocações, dispensa do serviço – todos com previsão nas Leis n. 4.737/1965 e 9.504/1997, entre outras), figuram, em função de seu caráter,interrupção do contrato de trabalho na relação existente entre empregado eempregador (DELGADO, p. 1077). Disso também decorre que o trabalhador-mesário – para defesa do interesse que encerra preceito com característicade certeza e liquidez – poderá se utilizar do mandado de segurança que seprocessará perante a Justiça do Trabalho.

38Cf. tópico 3 acima.

Page 283: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

283

ou Juntas Eleitorais e os requisitados para auxiliar seus trabalhos serãodispensados do serviço, mediante declaração expedida pela Justi-ça Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimento ou qualquer outravantagem, pelo dobro dos dias de convocação [grifo nosso]. 39

Art. 83. Compete ao Ministério Público do Trabalho o exercício dasseguintes atribuições junto aos órgãos da Justiça do Trabalho: [...] III -promover a ação civil pública no âmbito da Justiça do T rabalho ,para defesa de interesses coletivos, quando desrespeitados os direi-tos sociais constitucionalmente garantidos [grifo nosso].

Do plexo normativo ultra resulta que, para se levarem a efeito pe-rante a jurisdição trabalhista ex examem, imperioso utilizar-se dos ele-mentos exegéticos – sistêmicos e teleológicos – da ciência jurídica, ver-dadeiramente no que se relaciona aos arts. 472 e 473, inciso V, ambosda CLT e ao art. 98 da Lei n. 9.504/1997 anteriormente expostos.

Nesse passo, razão assiste ao jurista Vicente Ráo (2005, p. 517),quando de sua preleção em matéria de interpretação sistêmica:

[...] Melhor se apura o pensamento de uma sentença, quando se en-quadra na ordem sistemática do conjunto de disposições de que fazparte, ou quando se confronta com disposições outras, mas ligadas,todas, entre si, por identidade ou afinidade de princípios, [...], por umasnormas se conhece o espírito das outras.

Da mesma forma, Rudolf von Ihering (apud RÁO, p. 253) suscita que"muitas vezes, é necessário o concurso de várias regras para se esta-belecer a forma jurídica de uma só relação da vida".

Carlos Maximiliano (2001, p. 124-127), fazendo suas vezes àteleologia jurídica, ensina que:

[...] Considera-se o Direito como uma ciência primeiramente normativaou finalística; por isso mesmo a sua interpretação há de ser, na essên-cia, teleológica. O hermenêuta sempre terá em vista o fim da lei, oresultado que a mesma precisa atingir em sua atuação prática. [...]Será interpretada de modo que melhor corresponda àquela finalidadee assegure plenamente a tutela de interesse para a qual foi redigida.[...] não se deve ficar aquém, nem passar além do escopo referido; oespírito da norma há de ser entendido de modo que o preceito atinjacompletamente o objetivo para o qual a mesma foi feita, porém dentroda letra dos dispositivos. [...] O fim prático (teleológico) vale mais doque a lógica jurídica. O homem não é feito com os princípios; os prin-cípios é que são feitos para o homem. [ESTATUTOS et al. – Les Cons-tantes du Droit. Enneccerus apud MAXIMILIANO, 2001, p. 124-127.]

39 Cf. tópico 3 acima.

Page 284: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

284

Da sapiência que lhe é categórica, o renomado jurista(MAXIMILIANO, p. 128), por derradeiro, conclui que, em interpretaçãoteleológica, "cumpre atribuir ao texto um sentido tal que resulte havera lei regulado a espécie a favor, e não em prejuízo de quem ela eviden-temente visa a proteger".

4.2 Os reflexos criminais-eleitorais p ara o empregador (eleitor) 40

O procedimento do empregador que discrepa da legislação elei-toral reflexamente trabalhist a (art. 98 da Lei n. 9.504/1997 c/c o art.472 da CLT) transmuda-se para o domínio da jurisdição eleitoral comcontraste de tipo penal eleitoral, a teor do que dispõe o art. 347 doCódigo Eleitoral (Lei n. 4.737/1965).

Com efeito, dispõe o preceptivo em causa:

[...] Art. 347. Recusar alguém cumprimento ou obediência a dili-gências, ordens ou instruções da Justiça Eleitoral ou opor emba-raços à sua execução : pena: detenção de três meses a um ano epagamento de dez a vinte dias-multa41 [grifo nosso].

Por seu turno, ensina o art. 98 da Lei n. 9.5047/1997:

[...] Art. 98. Os eleitores nomeados p ara compor as MesasReceptoras ou Juntas Eleitorais e os requisitados para auxiliar seustrabalhos serão dispensados do serviço, mediante declaração 42

expedida pela Justiça Eleitoral, sem prejuízo do salário, vencimen-to ou qualquer outra vant agem, pelo dobro dos dias de convoca-ção [grifo nosso].

Ora, se a Justiça Eleitoral, ao emitir declaração ao cidadão-trabalha-dor nomeado para compor mesa receptora de votos e/ou auxiliar nas

40Analisar-se-á aqui somente a tipificação material da controvérsia à luz dalegislação eleitoral, lembrando-se que são aplicáveis aos crimes destanatureza (arts. 289 e 354 do CE) as regras gerais do Código Penal (por forçado art. 287 do CE) e, em aplicação subsidiária e supletiva, as do Código deProcesso Penal (art. 364 do CE).

41O tipo penal eleitoral in abstrato analizado, diz José J. Cândido (apudRAMAYNA, p. 482), trata-se de crime contra os serviços da Justiça Eleitoral,se se considerar o bem jurídico que está sendo lesado.

42Teor da declaração expedida pela Justiça Eleitoral: Certifico, para fins de direito,que o eleitor [...] prestou serviço eleitoral referente às eleições [...], atendendoa convocação deste Juízo, fazendo jus a 2 (dois) dias de dispensa ao serviçopor turno, sem prejuízo da remuneração, além do abono da falta no dia dostrabalhos eleitorais, conforme dispõe o art. 98 da Lei n. 9.504, de 30.9.1997.

Page 285: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

285

eleições, tem o condão de dispensá-lo do serviço pelo dobro dos dias desua convocação, como prêmio e sem prejuízo algum, pela honorabilidadee relevância do serviço público prestado, então o empregador que seopuser ao comando normativo (obrigatório) a quem a norma se dirige, àluz de exegese sistemática das normas eleitorais retro aduzidas, estaráse escusando em cumprir ou obedecer as ordens e instruções detal Poder , ou, mesmo, opondo-lhe embaraço , permitindo inferir-se quehá inexoravelmente delito com caráter de desobediência à ordem judici-al-eleitoral, em cuja previsão se estriba o art. 347 do Código Eleitoral.43

Marcos Ramayana (2007, p. 585), ao tempo em que comenta so-bre o tipo objetivo em análise (art. 347), aduz que:

O delito aplica-se a todas as fases do processo eleitoral [...] a recusa éa própria rejeição, denegação ou repulsa. Recusar é negar, total ouparcialmente, a determinação das ordens legalmente emanadas daJustiça Eleitoral. O tipo não apenas refere-se à recusa propriamentedita, mas também ao embaraço à execução das ordens. O embaraçocaracteriza-se pelo incômodo, a complicação, as dificuldades coloca-das pelo sujeito ativo, ou seja, tolher de qualquer forma o exercício dajurisdição. O delito é uma modalidade de desobediência eleitoral. [...]Consuma-se o crime no momento em que o sujeito ativo deveria agirem razão da ordem recebida, ou, ainda, tolhe de alguma forma o com-pleto exercício da ordem legalmente expedida [...] a ordem deve re-vestir-se de legalidade formalística e substancial [...].

O Tribunal Superior Eleitoral, balizado pelas atribuições que lheforam confiadas pelos arts. 23, inciso IX, do Código Eleitoral e 105 daLei n. 9.540/1997,44 expediu para o pleito do ano de 2006, inclusive, aResolução n. 22.15445 (Instrução n. 103), que, em seu art. 234, prevê:

43Vale dizer que há possibilidade de processamento criminal eleitoral, desdeque o tipo penal não tenha sido fulminado pelos efeitos da prescrição penal(in abstrato e/ou in concreto), a que se aplicam as regras do art. 109 eseguintes do Código Penal.

44Art. 23. Compete, ainda, privativamente, ao Tribunal Superior: [...] IX – expediras instruções que julgar convenientes à execução deste Código. [...] Art. 105.Até o dia 5 de março do ano da eleição, o Tribunal Superior Eleitoral expedirátodas as instruções necessárias à execução desta Lei, ouvidos previamente,em audiência pública, os delegados dos partidos participantes do pleito (TSE/SGI, 2006, p.136).

45Essa Resolução dispõe sobre os atos preparatórios, a recepção de votos, asgarantias eleitorais, a totalização dos resultados, a justificativa eleitoral, afiscalização, a auditoria e a assinatura digital (Ib. 2006, p. 136).

Page 286: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

286

[...] Art. 234. Os eleitores nomeados p ara compor as mesasreceptoras de votos , de justificativas, as juntas eleitorais e os requisi-tados para auxiliar os seus trabalhos serão dispensados do serviço,mediante declaração expedida pelo juiz eleitoral, sem prejuízo dosalário, vencimento ou qualquer outra vant agem , pelo dobro dosdias de convocação [grifo nosso].

Como tese-reforço à imputabilidade penal do empregador e naguia pela multidisciplinaridade legislativa aplicável à espécie, dispõeo parágrafo único do art. 634 da norma celetista, que a aplicação damult a (por infração à legislação laboral e eleitoral, neste caso)não eximirá o infrator da responsabilidade em que incorrer porinfração das leis penais , diga-se, para o particular, penais-eleito-rais.

De se notar, conseqüentemente, que o dispositivo ultra menciona-do ser a responsabilidade criminal do empregador (crime eleitoral) in-dependente da trabalhista, resultando, como seqüela, no fato de queaquela imposição primeira não o desobriga de satisfazer eventual multaatribuída em processo administrativo trabalhista ou outra sanção-me-dida, tampouco deixa ao seu próprio alvedrio aquiescer ou não à obri-gação principal a que se sujeita.

De resto, se é obrigação do servidor fiscal (arts. 631 e 18 do RIT)levar ao conhecimento de autoridade toda e qualquer notícia de infra-ção à legislação trabalhista quando dela tiver conhecimento, com maiorrazão terá que levá-la quando se tratar de crime eleitoral propriamen-te dito.46

5 Considerações finais

Ao cabo do esboço empreendido, podemos acolher algumas con-siderações pontuais que contribuirão: a) para o aperfeiçoamento de todoo aparato legal eleitoral e trabalhista quando da atuação de seus orga-nismos, a dar alinhamento absoluto à lisura e condução de todo o pro-cesso eleitoral; b) para a ciência jurídica como um todo, a fornece-lhe

46 A bem da verdade, é obrigação recíproca de todos os envolvidos (JustiçaEleitoral, MPE, MPT, MTE, etc.) comunicar às autoridades competentes qualquerfato que se insurja com ares de ilegalidade ou abusividade, em face dosprincípios que norteiam a atuação da administração pública e seus agentes.

Page 287: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

287

mais elementos jurídicos de tutela a interesses47; c) máxime, para asociedade (trabalhadora e cidadã), que se tem encontrado atada nonúcleo dessa situação conturbada.

Diante do que, mister se apresente – em síntese – o que foi anali-sado:

I - O trabalho, a dignidade e a cidadania, como pertenças da massabrasileira de cidadãos-trabalhadores em nosso ordenamento matriz,constituem-se em uma tríade que dá suporte aos fundamentos queorientam a República Federativa, a exigir de seus destinatários maiorrigor, respeito e observância, sem qualquer ressalva, aos postuladospara os quais foram instituídos.

II - A inspeção do trabalho (MTE), como na qualidade de medidaextrajudicial de tutela de resguardo aos interesses celetistas, insurge-se para o trabalhador-mesário como alternativa eficiente para se acau-telar das ingerências do poder econômico, notadamente pelo fato deque seus agentes fiscais – com respaldo e imparcialidade funcionais –são os atores sociais que velam pela fiscalização do cumprimento dasnormas trabalhistas. Suas funções no Poder Executivo, de controle paraos administrados – à guia da legalidade objetiva no âmbito das rela-ções com acenada natureza –, visam cominar sanções de caráterpecuniário aos empregadores (eleitores) quando estiverem suas rela-ções com os trabalhadores-mesários em flagrante desacordo.

III - O fenômeno que germina afeiçoado de controvérsia jurídica dáazo também à função promocional do Ministério Público como defensordos interesses relevantes da sociedade. Com isso se poderá a ela ofertargarantia de que suas aspirações estarão sendo discutidas, estreadas emuito bem salvaguardadas pelo MP, sem que haja a necessidade de sefazer uso da máquina judiciária, que, de há muito, se ressente de vigorpara dar a cada um, em tempo hábil, o que lhe é devido.

IV - A missão para a qual o Ministério Público do Trabalho foi desig-nado a atuar, com o advento da Constituição Federal de 1988, possibi-lita-nos acreditar que o órgão é plenamente vocacionado a defender osinteresses dos trabalhadores-mesários em sede de tutela coletiva. Arestar evidente, por assim dizer que, se um grupo de trabalhadores deuma dada empresa – todos concomitantemente convocados a partici-par da edificação do pleito – tiver frustrado, por qualquer meio ou for-ma, a finalidade para a qual o art. 98 da Lei n. 9.504/1997 foi idealiza-

47 Coroando, dessa forma, o que Cesar Luiz Pasold (2002, p. 83) nomina deparadigma axiológico da Ciência Jurídica.

Page 288: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

288

do, poderá a sistemática de atuação institucional própria do MPT (açãocivil pública ou coletiva na Justiça do Trabalho) ser devidamentemanutenida.

V - A conduta do empregador (eleitor) que escamoteia os direitospolíticos e trabalhistas dos cidadãos-trabalhadores em épocas de elei-ção deverá desencadear um efeito criminal eleitoral48 (termo circuns-tanciado, proposta de transação penal, denúncia pelo MPE, sursis pro-cessual, ou mesmo processo crime-eleitoral com posterior condena-ção pelo ato praticado). Nada obstante, não se quer dizer que ele esta-rá desincumbido de satisfazer a obrigação principal (concessão dasfolgas ou dispensa), tampouco a multa em processo administrativo tra-balhista e/ou outra medida a que tiver de sujeita-se.

Sem sacrificar o quanto foi abordado até momento, a realidadeapresentada à nossa vista denota que inevitavelmente urge operaçãofiscalizatória mais incisiva por parte dos órgãos envolvidos com a con-dução do pleito eleitoral (mormente, por parte do Ministério Público, aquem foi dado defender a ordem jurídica e o regime democrático), sendoconvincente ressaltar que (e não parece difícil chegar-se a esta con-clusão racional) a lisura do pleito eleitoral deve andar intimamenteligada à legalidade, à plenitude e ao gozo dos direitos fundamen-tais (especialmente trabalho e cidadania), que foram objeto dest aanálise .

Afinal, malograr do cidadão-trabalhador (ou trabalhador-mesário)o direito de participar ativa e diretamente do processo que fortalece econsolida a democracia no país ou reprimi-lo por isso, ao arrepio dospreceitos eleitorais e trabalhistas, parece equivaler à obstrução do exer-cício da cidadania plena , indo-se de encontro, inclusive, aos funda-mentos da soberania e da represent atividade popular .

6 Referências bibliográficas

BRASIL. Constituição (1988). Brasília DF: Senado Federal, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei n. 5.452, de 1o de maio de 1943. Aprova a Con-solidação das Leis do Trabalho. Diário Oficial [da] República Federati-va do Brasil, Brasília, DF, 9 ago. 1943. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acesso em: 26abr. 2008.

48Sem prejuízo de outros reflexos criminais, como, v.g., no caso dos crimescontra a organização do trabalho (art. 203 do CP).

Page 289: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

289

BRASIL. Decreto n. 4.552, de 27 de dezembro 2002. Aprova o Regula-mento da Inspeção do trabalho. Diário Oficial [da] República Federati-va do Brasil, Brasília DF, 30 dez. 2002. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2002/D4552.htm>. Acesso em:26 abr. 2008.

BRASIL. Lei Complementar n. 75, de 20 de maio de 1993. Dispõe so-bre a organização, as atribuições e o estatuto do Ministério Público daUnião. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília DF,21 maio 1993. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp75.htm>. Acesso em: 26 abr. 2008.

BRASIL. Lei n. 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleito-ral. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Brasília DF, 19jul. 1965. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L4737.htm>. Acesso em: 26 abr. 2008.

BRASIL. Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece Normaspara as Eleições. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil,Brasília DF, 1o out. 1997. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9504.htm>. Acesso em: 26 abr. 2008.

BRASIL. Procuradoria-Geral do Trabalho. Notícias: 29 de setembro de2006. Disponível em: < http://www.pgt.mpt.gov.br/pgtgc/>. Acesso em:2 abr. 2008.

BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Estrutura organizacional.Disponível em:< http://www.mte.gov.br/institucional/estr_default.asp>Acesso em: 5 mar. 2008.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Instruções do TSE. 4. ed. p. 136.Brasília: TSE/SGI, 2006. p. 72.

BRASIL. Tribunal Superior Eleitoral. Thesaurus. 6. ed. rev. ampl. Brasília:TSE/SDI, 2006. p. 196.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 5. ed.São Paulo: LTr, 2006. 1471 p.

EDITORA POSITIVO INFORMÁTICA. Novo Dicionário Aurélio da Lín-gua Portuguesa. 3 ed. rev. atual. [S.l]: 2004 - CD-ROM.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Ação civil pública. Nova Jurisdiçãotrabalhista metaindividual: legitimação do Ministério Público. São Pau-lo: LTr, 2001. 248 p.

______. Ministério Público do Trabalho: doutrina, jurisprudência e prá-tica: ação civil pública, ação anulatória, inquérito civil. 3. ed. São Pau-lo: LTr, 2006. 572 p.

Page 290: RESENHA ELEITORAL

DOUTRINA

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 21-290, 2008

290

LENZA, Pedro. Direito Constitucional esquematizado. 10. ed. rev., atu-al. e ampl. São Paulo: Método, 2006. 654 p.

LOPES, Otávio Brito. A Emenda Constitucional n. 45 e o MinistérioPúblico do Trabalho. Revista TST, Brasília, vol. 71, n. 1, jan./abr. 2005.Disponível em: <http://www.tst.gov.br>. Acesso em: 25 abr. 2008.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do Direito. 19. ed. Riode Janeiro: Forense, 2001. 426 p.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A tutela dos direitos difusos em juízo: meioambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outrosinteresses. 18. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Saraiva, 2005. 695 p.

MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 20.ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005. 1032 p.

MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais. Teoria geral:comentários aos arts. 1o a 5o da Constituição da República Federativado Brasil: doutrina e jurisprud. 4 ed. São Paulo: Atlas, 2002. 320 p.

______. Direito Constitucional. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2001. 797 p.

NEVES, Iêdo Batista. Vocabulário prático de tecnologia jurídica e debrocardos latinos. Rio de Janeiro: APM, 1987.

ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. Disponível em:<http://www.onu-brasil.org.br/docum. php>. Acesso em: 5 mar. 2008.

PASOLD, César Luiz. Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramen-tas úteis para o pesquisador do Direito. 6. ed. Florianópolis: OAB/SC,2002. 208 p.

PIOVESAN, Flávia. Temas de direitos humanos. 2. ed. rev., ampl. e atual.São Paulo: Max Limond, 2003. 477 p.

RAMAYANA, Marcos. Direito Eleitoral. 7. ed. Rio de Janeiro: Impetus,2007. 688 p.

RÁO, Vicente. O Direito e a vida dos direitos. 6. ed. anot. e atual. SãoPaulo: Revista dos Tribunais, 2004. 1040 p.

SILVA, José Afonso da Silva. Curso de Direito Constitucional. 19. ed.São Paulo: Malheiros, 2001. 768 p.

TRF4a Região/2o grau. [BRASÍLIA]: VEST-CON. 1999. [Apostila.]

VILLELA. Fábio Goulart. ANPT. MPT-O fiscal da ordem jurídico-traba-lhista [on line]. Brasília: 2008. Disponível em: <http://www.anpt.org.br/biblio/ler_.cfm?cod_conteudo=18097&descricao=artigos>. Acesso em:20 mar. 2008.

Page 291: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Page 292: RESENHA ELEITORAL
Page 293: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

293

ACÓRDÃO N. 22.007

PROCESSO N. 529 - CLASSE XIV - AÇÃO DE DECRETAÇÃO DEPERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA -21a ZONA ELEITORAL - LAGES

Relator: Juiz Jorge Antonio Maurique

Requerente: Adilson Canonica

Requeridos: Paulo Roberto Branco e Partido da República

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO - VEREADOR - PEDIDO FEITO PORDÉCIMO SEGUNDO SUPLENTE DA COLIGAÇÃO -EXISTÊNCIA, NA COLIGAÇÃO, DE SUPLENTESQUE O PRECEDEM NA ORDEM CLASSIFICATÓRIAE QUE NÃO TROCARAM DE PARTIDO - FALTA DEINTERESSE PROCESSUAL - EXTINÇÃO DO PRO-CESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO.

Vistos, etc.,

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de SantaCatarina, à unanimidade, em extinguir o processo sem resolução demérito, por falta de interesse processual, nos termos do voto do Relator,que fica fazendo parte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 11 de fevereiro de 2008.

Juiz JOSÉ TRINDADE DOS SANTOS, Presidente.

Juiz JORGE ANTONIO MAURIQUE, Relator.

Dr. CARLOS ANTONIO FERNANDES DE OLIVEIRA, ProcuradorRegional Eleitoral.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de ação de decretação de perda de mandato eletivo pordesfiliação partidária, proposta por Adilson Canonica em face de Pau-lo Roberto Branco e do Partido da República (PR), com fundamentona Resolução TSE n. 22.610/2007 (fls. 2-5).

Page 294: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

294

O requerente é o 12o (décimo segundo) suplente da ColigaçãoPP/PDT/PL do Município de Lages, filiado ao Partido Democrático Tra-balhista (PDT), e pleiteia assumir a vaga hoje ocupada pelo vereadorPaulo Roberto Branco, eleito em 2004, que se desfiliou do PDT, parti-do pelo qual foi eleito, em 3.8.2007 e filiou-se ao PR em 1o.10.2007.

Afirma o requerente que os 4 (quatro) suplentes do PDT que seencontram à sua frente na ordem de suplência também se desfiliaram,razão pela qual ele deveria ser o próximo a assumir o cargo, em casode ser decretada a perda do mandato eletivo do vereador.

Trouxe os documentos das fls. 6-25.

Como o requerente não havia feito qualquer menção à situaçãodos demais suplentes que o antecedem na ordem classificatória dareferida coligação, integrantes de outros partidos que não o PDT, de-terminei que trouxesse aos autos informação a respeito da situaçãodeles (fl. 28).

O requerente apresentou as informações solicitadas, acompanha-das de certidões extraídas dos Cartórios Eleitorais de Lages, e argu-mentou que, segundo o entendimento do Supremo Tribunal Federal,os mandatos pertencem aos partidos e que não havendo os suplentesda coligação com prioridade para assumir o cargo formulado o pedidoem tempo hábil, demonstraram tacitamente não possuírem interesseem assumi-lo, o que o legitima juridicamente para o feito (fls. 31-35).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR JUIZ JORGE ANTONIO MAURIQUE (Relator): Sr. Pre-sidente, diante das informações trazidas pelo requerente, deixei decitar os requeridos e determinei a inclusão do feito na pauta de julga-mentos, a fim de que esta Corte apreciasse tema relativo à falta deinteresse processual do autor, que, se acolhido, ensejará a extinçãodo processo sem resolução de mérito.

Deixei, todavia, de fazê-lo monocraticamente, por entender que aquestão, que está relacionada com a solução da lide, é controversa,podendo gerar decisões na fase de recebimento da ação divergentesdas que serão proferidas ao final do processo, e por esse motivo de-veria ser enfrentada pelo Colegiado.

Page 295: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

295

Analisando a presença das condições da ação nos processos quevisam à decretação da perda de mandato eletivo de vereadores a mimdistribuídos, tenho entendido que, para se configurar o interesse jurí-dico do requerente, quando este não é o partido político ou o Ministé-rio Público, deve ser ele um suplente do partido ou da coligação pelaqual o mandatário concorreu, que, pela sua posição na lista elaboradapela Justiça Eleitoral de acordo com o resultado do pleito, esteja naiminência de assumir o cargo.

Assim, quando o suplente requer o mandato e informa a desfiliaçãodos suplentes que o antecedem na lista organizada por este Tribunalcom base no resultado da eleição, tenho recebido a ação, reconhe-cendo a existência de interesse jurídico, e determinado a citação da-queles suplentes para compor a lide, como litisconsortes passivos ne-cessários, a fim de garantir-lhes o direito à ampla defesa, conferidopela resolução aos mandatários, no que diz respeito à eventual exis-tência de justa causa para a desfiliação.

Isso porque fere o princípio da razoabilidade que aquele que nãocontinua no partido pelo qual concorreu venha a assumir o mandatoem razão da desfiliação do titular, devendo, no caso de vacância, serchamado o suplente que permaneceu na agremiação.

No entanto, quando o suplente não tiver possibilidades concretasde assumir o cargo, como, por exemplo, no caso dos suplentes queajuizaram uma “ação de decretação de perda de suplência” apenaspara ficarem melhor posicionados na classificação, a fim de, no futu-ro, em hipóteses remotas, virem a assumir o cargo, tenho que nãoexiste interesse jurídico.

O caso em questão apresenta uma situação peculiar, mas que po-derá vir a ser enfrentada por esta Corte em outras das diversas açõesdesta natureza que aqui tramitam.

O requerente concorreu ao cargo de vereador pela Coligação PP/PDT/PL em 2004, classificando-se como 12o (décimo segundo) su-plente, conforme o diploma que lhe foi conferido pela Junta Eleitoral,no qual consta: “... expede o presente diploma a Adilson Canonica,12o suplente pela Coligação PP-PDT-PL ao cargo de Vereador deLages...” (fl. 10).

As certidões obtidas junto aos Cartórios das Zonas Eleitorais deLages e os dados constantes do site deste Tribunal resultam nas se-guintes informações:

Page 296: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

296

Coligação PP/ PDT/ PL:

A lista é mais extensa, havendo ainda sete suplentes abaixo deAdilson Canonica, deixando-se de mencioná-los porque irrelevantesao deslinde da questão.

otadidnaClauqolepoditraP

otieleiofoãçautiS

)otiele(ORIEHNIP TDP -

)otiele(OHNITEB TDPmeRPoaes-uoiliF

7002.01.º1

OTNEGRAS)otiele(OCEHCAP

PP -

1 YVLEM PPmeTPoaes-uoiliF

7002.01.3

2 IELRIS PP PPonecenamreP

3 EHCERAIRAM PPBDMPoaes-uoiliF

7002.9.92me

4 ILESOJ PPMEDoaes-uoiliF

7002.01.3me

5SODITTOGSOPMARG

TDPmePPoaes-uoiliF

7002.9.41

6 SAGAHC TDPmePPoaes-uoiliF

7002.9.41

7 MIROMAUEREN LPsavonmes()seõçamrofni

8 IACOPODOCIHC PP PPonecenamreP

9NOSLIDA

OIRANILOPPATDP

meRPoaes-uoiliF7002.01.º1

01 SAIDRALEDA TDPmeRPoaes-uoiliF

7002.9.72

11 ATSUGOIT PP PPonecenamreP

21NOSLIDAACINONAC

TDP ETNEREUQER

Page 297: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

297

Pretende o requerente, com a presente ação, assumir a vaga dovereador eleito Paulo Roberto Branco (Betinho), em razão de este terse desfiliado do PDT, partido pelo qual foi eleito. Afirma que seu direitoreside no fato de que os demais suplentes do PDT, que se encontramà sua frente na lista, também se desfiliaram, e que ele seria, portanto,o próximo a assumir a vaga.

Com efeito, constata-se que todos os suplentes pertencentes aoPDT (Gotti dos Grampos, Chagas, Adilson Appolinario e Adelar Dias)realmente migraram para outros partidos.

É importante destacar que as certidões fornecidas pelos Cartóriosda 21a e da 104a Zonas Eleitorais de Lages apontam as datas dasnovas filiações dos suplentes, não as das desfiliações, informação querealmente importa para a análise preliminar da existência ou não dointeresse processual.

Todavia, essas certidões trazem um dado essencial para aperquirição do interesse processual do autor: existem três suplentesda coligação melhor colocados no pleito que o requerente AdilsonCanonica, que não se desfiliaram, ou seja, que permanecemindubitavelmente inscritos no partido pelo qual concorreram – o Pro-gressista (PP). São eles: Sirlei (Sirlei Maria Bordin Pinto – 2a suplente),Chico do Pocai (Adroaldo Tadeu Gonzatto – 8o suplente) e Tio Gusta(Gustavo Alfredo Melo – 11o suplente).

Com isso, mesmo que se presumisse que todos os suplentes doPDT que antecedem o requerente e se desfiliaram o fizeram após 27de março de 2007 e sem justa causa – o que só se comprovaria sechamados a integrar a lide –, ainda restariam três suplentes da coliga-ção com preferência ao requerente para assumir a vaga, em caso deperda de mandato de seu titular.

Esse é o ponto central que exsurge nessa análise preliminar daação para se determinar a existência de interesse jurídico em suapropositura: quem assumirá o cargo no caso de decretação de perdado mandato por desfiliação de candidato que concorreu por uma coli-gação.

Sem adentrar aqui na questão do mérito – hoje sob consulta noTribunal Superior Eleitoral –, de se determinar se, na eventual forma-ção de coligação para a disputa de uma eleição, o mandato pertence-ria ao partido ou à coligação e, em razão disso, quais as conseqüênci-as da migração do mandatário para um dos partidos que compunhama coligação, é preciso, neste caso concreto, questionar quem deveria

Page 298: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

298

assumir a vaga ocupada pelo Vereador Paulo Roberto Branco na hipó-tese de ser decretada a perda de seu mandato eletivo: o próximo su-plente da coligação na lista de classificação das eleições, qualquerque seja o partido pelo qual concorreu, ou o próximo suplente na mes-ma lista que concorreu pelo PDT.

Abro um parêntese para registrar que no meu entendimento, ape-sar da redação do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/2007, cabe àJustiça Eleitoral, nos casos em que decretar a perda de mandatoeletivo, determinar quem preencherá a vaga, com o escopo de res-guardar o interesse público, assegurar a soberania popular e o siste-ma democrático representativo, cumprindo ainda essa nova compe-tência que lhe foi outorgada, relativa à análise da existência de justacausa para a desfiliação, que, como visto, pode não estar afeta tão-somente ao mandatário, mas também aos suplentes que estão na or-dem para assumir o cargo. Fecho o parêntese.

Todavia, no caso concreto, essa análise é apenas incidental, paraque se verifique a existência de uma das condições da ação, e deveser feita principalmente por uma questão de economia processual, paraque não se movimente a Justiça Eleitoral em busca de um provimentoinútil ao final.

Passo, então, a demonstrar o meu posicionamento acerca da ques-tão fulcral.

Os Ministros do TSE, na resposta à consulta que deu origem a essadiscussão e que originou a Resolução TSE n. 22.526/2007, interpre-tando sistematicamente a Constituição Federal, deixaram claro que omandato pertence às agremiações políticas e que a sua perda, emcaso de desfiliação, não constitui uma sanção ao mandatário que dei-xa o partido pelo qual foi eleito, pois a mudança de partido não confi-gura ato ilícito, ao contrário, em nosso país vigora a liberdade defiliação.

Naquela ocasião, o Ministro Cezar Peluso, ao fazer brilhante dis-tinção entre fidelidade partidária e mudança de partido, estabeleceuque, em decorrência do sistema proporcional adotado pelo Brasil e deser a filiação partidária condição constitucional de elegibilidade, no casode mudança de partido do mandatário eleito pelo sistema proporcio-nal, a infidelidade não é à agremiação, mas ao povo que o elegeu,pois “existe um nexo indissolúvel entre eleitor-partido político-repre-sentante”.

Page 299: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

299

Disso deflui que a perda do mandato em razão da desfiliação domandatário não se dá em função de interesses particulares daagremiação ou de eventuais danos causados ao seu patrimônio, comoa redução de sua representação nas casas legislativas, prejuízo aofuncionamento parlamentar, diminuição do tempo de propaganda elei-toral gratuita e redução de verbas do fundo partidário. A perda do man-dato daquele que abandonou o partido pelo qual se elegeu, no enten-dimento de Sua Excelência, ao qual adiro, decorre do abandono, pelomandatário, das idéias, interesses e projeto político que se compro-meteu com os eleitores a defender.

Como registrou o eminente Ministro em seu voto, a perda do man-dato é, nessa hipótese, não uma sanção, mas uma conseqüência deque, “o voto proporcional é dado às idéias, ao partido, ao grupo”, ouseja, “o deputado representa o povo porque escolhido pelo critério par-tidário”.

Assim, acompanhando o entendimento esposado por Sua Exce-lência com relação aos partidos políticos, que transponho para o pla-no das coligações, considero que, por não se tratar, a perda do man-dato por mudança de partido, de uma mera sanção, mas de resguar-dar o interesse dos eleitores, que votaram num candidato porque elerepresentava um partido e uma coligação, havendo aderido a um de-terminado projeto político, deve ser mantida essa representação deidéias fixada nas urnas.

Para isso, no caso de coligações, assim como no de partidos queconcorreram isoladamente, não se pode esquecer que deve ser leva-do em conta a ordem de classificação obtida nas urnas para se definirquem assumirá o cargo, haja vista que o modelo de representaçãoproporcional adotado no Brasil guarda uma particularidade: a de per-mitir também o voto nominal, e não apenas na legenda.

Assim, muito embora os partidos e coligações possuam um papelprimordial na formação das casas legislativas, a escolha de candida-tos pelo eleitor não pode ser desconsiderada, à medida que, obtidopelo partido ou coligação o número de cadeiras por meio do somatóriodos votos sufragados, os nomes escolhidos pelo eleitorado é que vãocompor a lista classificatória para o exercício do mandato.

Essa forma de cálculo, utilizada nas eleições proporcionais dispu-tadas isoladamente pelas greis partidárias, é a mesma quando se tra-ta das coligações.

Page 300: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

300

Os arts. 106, 107, 108 do Código Eleitoral determinam a forma comose deve calcular o quociente eleitoral e o quociente partidário, fazen-do referência específica às coligações, estipulando:

Art. 106. Determina-se o quociente eleitoral dividindo-se o número devotos válidos apurados pelo de lugares a preencher em cada circuns-crição eleitoral, desprezada a fração se igual ou inferior a meio, equi-valente a um, se superior.

Art. 107. Determina-se para cada Partido ou coligação o quocientepartidário, dividindo-se pelo quociente eleitoral o número de votos vá-lidos dados sob a mesma legenda ou coligação de legendas , des-prezada a fração.

Art. 108. Estarão eleitos tantos candidatos registrados por um Partidoou coligação quantos o respectivo quociente partidário indicar, na or-dem de votação nominal que cada um tenha recebido.

Ainda, o art. 109, § 1o, do Código Eleitoral, também indica que,quando há a formação de coligação, o quociente eleitoral a ser consi-derado é o da coligação como um todo, dispondo:

Art. 109. Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientespartidários serão distribuídos mediante observância das seguintes re-gras:

I – dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada Partido oucoligação de Partidos pelo número de lugares por ele obtido, maisum, cabendo ao Partido ou coligação que apresentar a maior médiaum dos lugares a preencher;

II – repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos luga-res.

§ 1o O preenchimento dos lugares com que cada Partido ou coliga-ção for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebidapelos seus candidatos.

§ 2o Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os Partidos ecoligações que tiverem obtido quociente eleitoral.

Quando os partidos políticos se reúnem nas eleições proporcio-nais, envidando esforços comuns em torno de um projeto político, as-sumem que conquistarão coletivamente um determinado número decadeiras – e não por partido –, submetendo à vontade popular, pormeio da votação nominal, a formação da lista dos eleitos e respecti-vos suplentes. É importante que se diga que o tamanho do partidocoligado e a quantidade de recursos materiais por ele empregados nacampanha são importantes na conquista dos votos nominais, fazendo

Page 301: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

301

com que o partido eleja mais candidatos do que as agremiações alia-das, mas isso não vai influenciar a organização da classificação elei-toral dentro da coligação, que é aquela determinada exclusivamentepela votação nominal.

A referida classificação de suplência resultou da atuação da coli-gação como um todo na campanha eleitoral, como se fosse um sópartido, o que permitiu que os partidos alcançassem quociente eleito-ral para que seus candidatos restassem desta forma classificados.

Vale lembrar que alguns partidos, se tivessem concorrido isolada-mente, não teriam, apesar do bom desempenho de alguns dos seuscandidatos, atingido o quociente eleitoral necessário para conquistaruma vaga nas eleições proporcionais.

Os partidos que se coligam, apesar das diversas ideologias queos motivam individualmente, estão se unindo em torno de um projetopolítico comum – ou pelo menos, esse deveria ser o objetivo central –deixando ao povo a escolha dos nomes que irão ocupar os cargoseletivos e, por conseqüência disso, do número de cadeiras, entre asconquistadas pela coligação, que irão ocupar nas casas legislativas.

A lista formada a partir da votação popular não mais se altera –exceto em casos de decisões judiciais que cancelem o registro ou odiploma de candidatos –, sendo chamados a assumir o mandato emvirtude da vacância do cargo ou de eventuais afastamentos dos man-datários para exercer outras funções ou para tratar de interesses par-ticulares, os suplentes da coligação, na ordem de classificação apura-da pela Justiça Eleitoral.

Não se cogita, em tais casos, de alterar essa ordem para buscar osuplente do partido do mandatário que ocupava aquela vaga, pois issoimplicaria quebrar o pacto realizado pelos partidos quando admitiramcoligar-se e, principalmente, desrespeitar os princípios da democraciarepresentativa e da soberania popular.

Em sendo esse o sistema, um misto de votação proporcional e no-minal, há que se respeitar a vontade popular depositada, no caso daformação das coligações, não só no partido, mas na aliança como umtodo, e também nos nomes sufragados pelo eleitorado para o exercí-cio do mandato.

Assim, entendo que, em caso de coligação, não se pode falar emmanutenção, nas casas legislativas, do equilíbrio partidário conquista-do nas urnas. Ainda que o mandato seja do partido, e não da coliga-

Page 302: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

302

ção, quem deve assumir o cargo também nos casos de perda do man-dato por cancelamento de filiação ou por transferência para outro par-tido é um dos suplentes da coligação pela qual o mandatário concor-reu, de acordo com a ordem de classificação estabelecida pelo Tribu-nal Regional Eleitoral com base no resultado obtido nas urnas.

Os partidos que optaram por agregar seus esforços para disputaruma eleição devem reunir-se em torno de um ideário comum, que nãoseja apenas a conquista de votos, a fim de que possam, apesar dedeixarem oficialmente de existir as coligações após a realização dopleito, trabalhar em conjunto pelo povo que os elegeu. Se isso aindanão acontece no Brasil nos dias de hoje, é problema que desafia umareforma política séria. No entanto, pelas normas vigentes, apesar dosmandatos pertencerem aos partidos, há que se cumprir os acordospolíticos estabelecidos oficialmente no período eleitoral, em defesa doprincípio da segurança jurídica e em respeito à vontade do eleitor.

Em conclusão, entendo que também no caso de perda de mandatopor desfiliação partidária deve ocupar o cargo o primeiro suplente dacoligação , desde que também ele não se tenha desfiliado sem justacausa do partido pelo qual concorreu após o prazo fixado pelo STF.

Conseqüentemente, a meu sentir, o requerente carece de interes-se jurídico na propositura da demanda, pois este interesse jurídico deveestar diretamente relacionado à necessidade e à utilidade do provi-mento jurisdicional.

No presente caso, pelo menos três suplentes que disputaram umavaga na Câmara de Vereadores de Lages pela Coligação PP/PDT/PLe que antecedem o requerente na ordem classificatória, não sedesfiliaram do partido pelo qual disputaram o pleito, segundo as certi-dões dos Cartórios Eleitorais, – isso sem falar que as certidões apre-sentadas trazem apenas as datas das filiações dos demais suplentesdo PDT a outras agremiações, e não as datas das desfiliações, dadoindispensável para se cogitar da possibilidade de sucederem ou não overeador que se pretende afastar.

As informações que constam destes autos são suficientes paracomprovar a falta de interesse jurídico do requerente, que possui meraexpectativa de vir um dia a ocupar o cargo eletivo em que se encontrao requerido, já que três suplentes da coligação estariam aptos a assu-mi-lo antes dele.

A presente ação não possibilita, nem em tese, que o autor obtenhao resultado almejado, que é – além da decretação de perda de manda-

Page 303: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

303

to – ser empossado no lugar do vereador Paulo Roberto Branco(Betinho). Ora, se o mandatário perdesse o cargo, assumiria em seulugar, no mínimo, um dos suplentes da coligação que não se desfiliarame que estão melhor posicionados do que o requerente na lista organi-zada por este Tribunal com base no resultado apurado nas urnas.

A alegação de falta de interesse dos suplentes que o antecedemna ordem classificatória, que teria sido manifestada tacitamente, se-gundo o requerente, não prospera, visto que a Justiça Eleitoral nãopode alijar os classificados na lista de suplência escolhida pelo povono exercício do voto apenas porque não propuseram a ação.

A Resolução TSE n. 22.610/2007 diz que aquele que possuir inte-resse jurídico pode propor a ação de decretação de perda de manda-to, não determina a exclusão da lista de suplentes daquele que deixoude ajuizá-la.

Resta claro, assim, que o autor da ação carece de interesse pro-cessual para a propositura da presente demanda. Não há como pre-tender passar à frente de pelo menos 3 (três) suplentes da coligação,eleitos pela vontade popular, com os votos conquistados nas urnasnominalmente e em nome da coligação.

Ante o exposto, voto pela extinção do presente processo, sem re-solução de mérito, na forma do art. 267, VI, do Código de ProcessoCivil.

É como voto.

Page 304: RESENHA ELEITORAL
Page 305: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

305

ACÓRDÃO N. 22.083

PROCESSO N. 462 - CLASSE XIV - AÇÃO DE DECRETAÇÃO DEPERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA -19a ZONA ELEITORAL - JOINVILLE (ITAPOÁ)

Relator: Juiz Oscar Juvêncio Borges Neto

Requerente: Partido Progressista

Requeridos: Daniel Silvano Weber e Partido do Movimento Democráti-co Brasileiro (PMDB)

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIASEM JUSTA CAUSA - PARTIDO EXIGE PUBLICA-MENTE A DESFILIAÇÃO - GRA VE DISCRIMINAÇÃOPESSOAL COMPROVADA - IMPROCEDÊNCIA.

Tendo a grei exigido, por meio de cart a publicadaem jornal de circulação no município, que o verea-dor deixasse o p artido, sob pena de expulsão, res-ta configurada a grave discriminação pessoal so-frida pelo mandatário dentro do p artido pelo qualse elegeu, justificando a sua desfiliação.

Vistos, etc.,

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de SantaCatarina, à unanimidade, afastar as preliminares argüidas e julgar im-procedente a ação, nos termos do voto do Relator, que fica fazendoparte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 7 de abril de 2008.

Juiz JOÃO EDUARDO SOUZA VARELLA, Presidente.

Juiz OSCAR JUVÊNCIO BORGES NETO, Relator.

Dr. CLAUDIO DUTRA FONTELLA, Procurador Regional Eleitoral.

R E L A T Ó R I O

Tratam os presentes autos de ação de decretação de perda demandato eletivo por desfiliação partidária proposta pelo Partido Pro-

Page 306: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

306

gressista (PP) em face de Daniel Silvano Weber e do Partido do Movi-mento Democrático Brasileiro (PMDB).

Alega o requerente (fls. 2-12) que Daniel Silvano Weber elegeu-severeador de Itapoá pelo Partido Progressista e em 19.7.2007 desfiliou-se desta agremiação partidária, filiando-se posteriormente ao Partidodo Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Argúi que, sendo o mandato político eletivo pertencente ao partidoe não ao indivíduo eleito, deve ser julgada procedente a ação e deter-minada a posse do primeiro suplente da legenda, Valdecir de Souza.

O Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) apresen-tou defesa (fls. 18-25), na qual suscitou, preliminarmente, a não-previ-são constitucional da fidelidade partidária e que o rito processual nãoemana de lei, mas de Resolução. No mérito, aduz que o PP se desvioude suas diretrizes programáticas e ao final requer seja arquivada a açãosem julgamento do mérito ou seja julgada improcedente a ação, admi-tindo-se justificada a desfiliação.

Daniel Silvano Weber, na sua resposta das fls. 28-39, preliminar-mente, argüiu a existência de irregularidade de representação do au-tor, inépcia da inicial, inconstitucionalidade do art. 13 da Resolução TSEn. 22.610/2007 e irretroatividade da lei e conseqüente decadência dodireito do autor. Quanto ao mérito, afirma existir justa causa para adesfiliação, pois sofreu grave discriminação pessoal no partido, tendosido inclusive convidado publicamente a deixar a sigla. Apresentou osdocumentos das fls. 42-53.

Expedi carta de ordem ao Juízo da 19a Zona Eleitoral – Joinville, paraouvida das testemunhas arroladas (fl. 57). Os requeridos opuseramEmbargos de Declaração informando que haviam arrolado testemunhasno corpo da peça de defesa. Complementei o despacho, determinan-do também a oitiva destas testemunhas.

A Carta de Ordem, devidamente cumprida, foi devolvida a esta Corte(fls. 80-113).

As partes apresentaram alegações finais: Partido Progressista (fls.120-123), Partido do Movimento Democrático Brasileiro (fls. 125-126)e Daniel Silvano Weber (fls. 127-129).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR JUIZ OSCAR JUVÊNCIO BORGES NETO (Relator):Senhor Presidente, presentes os pressupostos de existência e valida-

Page 307: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

307

de do processo, bem como as condições da ação, passo à análise daspreliminares argüidas.

O partido requerido argumenta que não há previsão constitucionalda fidelidade partidária e que o rito processual não emana de lei, masde Resolução, razão pela qual deve ser extinto o processo sem julga-mento do mérito.

A Constituição Federal, no § 1o do art. 17, ao mesmo tempo em queassegura aos partidos políticos autonomia para definir sua estruturainterna, organização, funcionamento e para adotar os critérios de es-colha e o regime de suas coligações eleitorais, determina que os esta-tutos partidários devem estabelecer normas de disciplina e fidelidadepartidária.

Portanto, o instituto da fidelidade partidária não é nada inovador,consta do texto constitucional e vem sendo amplamente debatido, tan-to na doutrina quanto na jurisprudência, há muito tempo.

Aliás, conforme ensina Eliane Cruxên Barros de Almeida Maciel, afidelidade partidária tem sua origem na Emenda Constitucional n. 1, de1969 [Fidelidade partidária: um panorama institucional, na Revista deInformação Legislativa n. 161/2004, p. 41].

A inovação havida refere-se unicamente ao instrumento enfim cri-ado para assegurar sua observância, pois, como é de amplo conheci-mento, o troca-troca partidário é uma triste realidade no Brasil, a qualenfraquece os partidos políticos e desrespeita a vontade do eleitoradoexpressa nas urnas.

Instado a se manifestar sobre a questão, o Tribunal Superior Elei-toral afirmou que os mandatos eletivos pertencem aos partidos políti-cos (Consulta n. 1.398, de 27.3.2007).

O Supremo Tribunal Federal não só corroborou tal assertiva, comodefiniu que os parlamentares que troquem de partido podem se sujei-tar à perda de mandato, determinando que o TSE disciplinasse o pro-cedimento de perda de cargo eletivo (MS n. 26.602, 26.603 e 26.604/2007).

Desta forma, o Tribunal Superior Eleitoral, ao regulamentar a ma-téria por meio da Resolução TSE n. 22.610, em vigor desde 30.10.2007,não só o fez no uso das atribuições que lhe são conferidas pelo art.23, IX do Código Eleitoral, mas em atendimento ao que lhe foi deter-minado pela Suprema Corte.

Page 308: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

308

Registre-se, por oportuno, que o Supremo Tribunal Federal temreiteradamente declarado a constitucionalidade das Resoluções edita-das pelo Tribunal Superior Eleitoral. Tome-se como exemplo a discuti-da Resolução TSE n. 21.702/2004, que definiu as regras sobre o nú-mero de vereadores em cada município.

Não desconheço que o Partido Social Cristão (PSC) ajuizou AçãoDireta de Inconstitucionalidade (ADI n. 3999) no Supremo TribunalFederal, impugnando a Resolução TSE n. 22.610/2007, entretanto,ressalvando meu entendimento pessoal e até por uma questão de se-gurança jurídica, entendo que este regramento, no momento, deve serobservado.

Por estas razões, afasto as preliminares argüidas pelo partido re-querido.

Daniel Silvano Weber também suscitou três preliminares, quaissejam, existência de irregularidade de representação do autor, inépciada inicial e inconstitucionalidade do art. 13 da Resolução TSE n. 22.610/2008 com a conseqüente decadência do direito do autor.

No que se refere à primeira preliminar, argumenta que “inexisteprova da legitimidade do subscritor da procuração de fls. 5 para fazê-loem nome do Partido Requerente”.

O mencionado subscritor é Joares Ponticelli, o qual, em consultaao site deste Tribunal, confirmei ser o presidente do Diretório Regionaldo Partido Progressista, cuja composição terá vigência até 17.9.2009.

Foi ele quem outorgou procuração a advogado devidamente inscri-to na Ordem de Advogados do Brasil, com poderes específicos paraajuizar representação perante este Regional para reaver os cargos dosvereadores que deixaram o partido.

Portanto, não há qualquer irregularidade de representação do au-tor, devendo ser afastada a preliminar argüida.

Quanto à suposta inépcia da inicial, ao fundamento de que aagremiação autora apenas requereu a perda de mandato suscitando adesfiliação do vereador requerido, sem levantar questões relativas àinfidelidade partidária, também não merece acolhida.

Isto porque o Tribunal Superior Eleitoral, ao ter decidido que osmandatos eletivos pertencem aos partidos políticos (Consulta n. 1.398,de 27.3.2007); e o Supremo Tribunal Federal, ao definir que os parla-mentares que trocaram de partido poderiam se sujeitar à perda de

Page 309: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

309

mandato (MS n. 26.602, 26.603 e 26.604/2007), estabeleceram que aregra geral é a perda de mandato nos casos em que o mandatário sedesfiliar do partido pelo qual se elegeu.

Ou seja, a obrigação do autor é provar que houve a desfiliaçãopartidária. Ao desfiliado é que incumbe o ônus de comprovar a existên-cia de alguma das hipóteses de justa causa previstas no art. 1o, § 1o,da Resolução TSE n. 22.610/2007, que disciplinou o processo de per-da de mandato eletivo.

E nem poderia ser diferente, visto que a teor do disposto no art. 333do Código de Processo Civil, ao autor incumbe o ônus de provar fatoconstitutivo de seu direito e ao réu a existência de fato impeditivo,modificativo ou extintivo do direito do autor, regra esta repetida no art.8o da mencionada resolução.

Quanto à suposta inconstitucionalidade do art. 13 da ResoluçãoTSE n. 22.610/2008 – que estabelece que a resolução se aplica àsdesfiliações consumadas após 27 de março deste ano para os manda-tários eleitos pelo sistema proporcional –, sustenta que tal regra fere oprincípio da irretroatividade da lei, devendo ser declarada a decadên-cia do direito do autor.

Conforme afirmei acima, não desconheço que a matéria é objetode Ação Direta de Inconstitucionalidade proposta pelo Partido Socia-lista Cristão (PSC) no Supremo Tribunal Federal, tendo inclusivo o TREda Bahia decidido pela inconstitucionalidade, entretanto, no momento,este dispositivo é completamente válido e deve ser observado.

No que tange ao mérito, o autor comprovou que o vereador reque-reu sua desfiliação do Partido Progressista (PP) em 19.7.2007 (fl. 9) eque sua filiação ao PMDB se deu em 15.9.2007 (fl. 10).

Os requeridos sustentam que houve, por parte do Partido Progres-sista, mudança substancial ou desvio reiterado do seu programa parti-dário e grave discriminação pessoal, configurando as justas causasprevistas no art. 1o, incisos III e IV, da Resolução TSE n. 22.610/2007.

Transcrevo, abaixo, o mencionado dispositivo legal:

Art. 1o - O partido político interessado pode pedir, perante a JustiçaEleitoral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência dedesfiliação partidária sem justa causa.

§ 1o - Considera-se justa causa:

[...]

Page 310: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

310

III) mudança subst ancial ou desvio reiterado do programa p artidário;

IV) grave discriminação pessoal;

Alega o partido requerido “que o PP se desviou de suas diretrizesprogramáticas, visto que seu programa NÃO prevê o socialismo e, emSanta Catarina e em âmbito nacional, como noticiou a mídia, aproxi-mou-se do PT, cuja doutrina e história é de visceral antagonismo aoPP”, sendo coerente o vereador que se desfiliou do PP para se filiar aoPMDB, partido não socialista.

A meu ver, o fato de o partido ter se “aproximado” de outro, consi-derado de doutrina diversa, não significa que mudou seu programa.Pode-se considerar da normalidade do jogo político as agremiaçõespartidárias passarem de oponentes a aliados, o que depende de diver-sas variáveis, como a questão em discussão, o momento histórico,quem está no poder, etc.

Além disso, não foi produzida nenhuma prova de que houve mu-dança programática no PP, portanto, sendo mera alegação, destituídade qualquer fundamento, afasto esta tese de defesa.

O vereador requerido alega que a justa causa existente para a suadesfiliação é a grave discriminação pessoal que sofreu no PP, vistoque o partido no Município de Itapoá é dominado por um clã familiar,sendo que estas pessoas e os seus apadrinhados se revezam na pre-sidência da legenda local. Afirma que não era convocado para as reu-niões do partido, nem tinha apoio para disputar outros certames, ape-sar de ter sido o candidato mais votado do partido.

Argúi que a situação tornou-se insustentável quando foi convidadoa deixar a sigla partidária, em carta publicada em jornal de destaquedo Município, edição maio/junho de 2007, pois tal publicação, além deinviabilizar sua permanência na agremiação, causou-lheconstragimentos.

Do mencionado documento (fl. 45), extraio os trechos que reputoimprescindíveis para o deslinde da questão, os quais transcrevo abaixo:

O Partido Progressista (PP), Diretório de Itapoá – SC, vem através desua Presidente, e demais signatários, perante Vossa Excelência, ofici-ar que convida-o a desfiliar-se dos quadros deste Partido pelos moti-vos que passa a expor:

Vossa Excelência é filiado a esta agremiação política, porém vem agindode forma que destoa do Estatuto Partidário e seu Código de Ética, nãocompatibilizando-se assim com os princípios que regem este Partido.

Page 311: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

311

[...]

A partir do quarto trimestre de 2006, o partido empenhou-se veemen-temente na eleição do Companheiro para Presidente na Câmara Mu-nicipal de Itapoá [...]

Porém, para surpresa de todos, Vossa Excelência procurou a Presi-dente deste Partido e assinou a ficha de desfiliação, em duas vias,comunicando o plenário da Câmara, conforme ata n. 123 de 21 denovembro de 2006, tornou público que encontrava-se sem partido.

[...]

É fato que Vossa Excelência desde o momento que comunicou ao plenário da Câmara municipal a sua desfiliação do PP, tem votado contraas diretrizes do partido, o que não seria de alçada do PP, não fosse asua pública menção na Sessão Ordinária da Câmara Municipal de 17de abril de 2006 (ata n. 153) de que ainda pertence aos quadros doPartido.

Em consulta a Justiça Eleitoral a direção partidária constatou qe Vos-sa Excelência não havia protocolado sua desfiliação junto ao TribunalRegional Eleitoral, ou seja, Vossa Excelência passou todo esse temposimulando uma situação de sem sigla partidária, enganando não sóao PP, como toda a população Itapoaense.

Diante de tal notícia os demais filiados passaram a exigir uma posiçãoda comissão provisória municipal, que não poderia ficar inerte.

O partido então foi protocolar ele mesmo a desfiliação do seu ente,quando foi pega a Diretoria partidária de surpresa, a ficha de filiaçãoque deveria constar em seus arquivos não estava lá.

[...]

Vale lembrar que acusações de atitudes de desrespeito ao Estatuto eao Código de Ética do Partido, por parte de Vossa Excelência vêm delonge, porém como o PP é regido por princípios Constitucionais comoa ampla defesa, e eleva a Democracia como bem maior, sempre pro-porcionou a Vossa Excelência o melhor, nunca acreditando em boa-tos, e sempre respeitado os seus atos.

[...]

Diante do exposto, levando em consideração os momentos decompanheirismo, que pelo visto foram menos do que imaginávamos,CONVIDAMOS VOSSA EXCELÊNCIA A DESFILIAR-SE DO PP, dan-do um prazo de 5 (cinco) dias para que isto ocorra, desejando queencontre-se em outra sigla partidária para que possa dar continuidadea sua carreira política, sem ter a mancha de uma expulsão em seucurrículo, que o que acabará ocorrendo aqui diante dos inúmeros mo-tivos elencados.

Page 312: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

312

Aguardamos sua decisão.

Itapoá – SC, 22 de maio de 2007.

Muitas conclusões podem ser extraídas da leitura deste documento.

Em primeiro lugar, causou-me espécie a afirmação, não contesta-da pelo vereador, de que ele comunicou sua desfiliação do PP no Ple-nário da Câmara de Vereadores de Itapoá já em novembro de 2006,manifestação esta que teria sido inclusive registrada em ata.

Consultando a certidão de fl. 10, verifiquei que o Chefe de Cartórioda 19a Zona Eleitoral – Joinville atesta que, em 5.10.2007, o vereadorreiterou sua comunicação de desfiliação, “apresentando documentono qual consta que a presidenta do Partido Progressista de Itapoá foicientificada da desfiliação em 26/11/2006”, o que também restouincontroverso nestes autos.

O vereador também não desmente nem confirma a informação deque tenha assinado ficha de desfiliação no partido no ano de 2006.

Como é sabido, a aceitar-se a tese de que a desfiliação se deu em2006, seria o caso de extinção do feito por impossibilidade jurídica dopedido, conforme já decidiu esta Corte, em Acórdão por mim relatadode n. 22.023, de 18.2.2008, cuja ementa transcrevo:

- PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO - EXTINÇÃO DO PROCESSO PORIMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO - ART. 267, VI, DO CÓDI-GO DE PROCESSO CIVIL - DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA ANTES DOPERÍODO VEDADO - ART. 13 DA RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/2007- INCONFORMISMO - PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE DOS RECUR-SOS - RECEBIMENTO COMO AGRAVO REGIMENTAL - DECISÃOMANTIDA.

O instituto da fidelidade partidária, para os eleitos pelo sistema propor-cional, passou a vigorar a partir de 27 de março de 2007, a teor dodisposto no art. 13 da Resolução TSE n. 22.610/2007, que trata daperda de mandato eletivo por desfiliação partidária sem justa causa.

Ainda que o mesmo mandatário tenha se desfiliado novamente, destafeita em período vedado, não se pode declará-lo infiel se ele já haviase desfiliado do partido pelo qual se elegeu antes da data de 27 demarço de 2007, sendo o pedido juridicamente impossível.

Ocorre que, além de inexistir prova inequívoca nos autos de que adesfiliação efetivamente aconteceu àquela época, o vereador, que se-ria o maior beneficiado, não confirma esta informação, nem quandoprestou seu depoimento.

Page 313: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

313

Pelo contrário, em 17 de abril de 2007 (na carta consta “2006”, maspela cronologia dos fatos, presume-se que houve um equívoco dedigitação) o vereador declarou publicamente no Plenário da Câmaraque ainda era filiado ao Partido Progressista.

Ou seja, a possível desfiliação ocorrida em 2006 foi negada publi-camente pelo próprio vereador – questão também incontroversa –, oqual nunca nem tocou no assunto nestes autos, apesar de constar dodocumento que ele próprio apresentou.

Assim, impõe-se aceitar 19.7.2007 como a data da desfiliação dovereador do PP, visto ser a que consta nas certidões expedidas pelaJustiça Eleitoral.

Passo a analisar o mérito da causa.

Da leitura da carta, retira-se os inúmeros motivos pelos quais opartido entendia que o vereador deveria se desfiliar da agremiação,por ter desobedecido o estatuto partidário e o código de ética.

Ora, se o vereador foi quem deu causa a toda esta situação, istodeveria ter sido decidido interna corporis, em sede de processo disci-plinar, no qual se garantisse a ampla defesa e o contraditório, a teor dodisposto no art. 23 da Lei n. 9.096/1995, in verbis:

Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deveser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do quedisponha o estatuto de cada partido.

§ 1o Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por con-duta que não esteja tipificada no estatuto do partido político.

§ 2o Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa.

Sem dúvida alguma ser “convidado”, por meio de jornal de circula-ção no município onde atua como Vereador, a se retirar da sigla parti-dária pela qual se elegeu, pois do contrário teria “a mancha de umaexpulsão em seu currículo” é ser julgado e condenado, publicamente esem direito a defesa.

A meu ver, tal publicação comprova a grave discriminação pessoalsofrida pelo vereador e configura justa causa para a sua desfiliação,porque revela a situação insustentável existente no partido.

No jornal Folha de Itapoá de maio/junho de 2007, p. 5 (fl. 5), foipublicada nota na seção Política, com o seguinte teor:

Tá difícil!

Page 314: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

314

Pelas informações que chegam à Folha, a situação do vereador DanielWeber está complicada dentro do “seu” partido, o Progressista (PP).Que já teria pedido a expulsão de Daniel por infidelidade às orienta-ções do partido, entre outros motivos. Tem mais. A maioria dos filiadosao PP não estaria aceitando em hipótese alguma a permanência delena agremiação. E ele não pede sua desfiliação. Ou pelo menos nãopediu até agora.

Em seu depoimento pessoal (fl. 107), o vereador afirma ter sidoeste o motivo de sua desfiliação e informa que além de publicada naimprensa escrita, tal carta foi lida no Plenário da Câmara e divulgadapelas rádios.

Quanto à prova testemunhal, a única testemunha arrolada peloautor foi ouvida apenas como informante, haja vista seu evidente inte-resse na questão, pois é presidente do partido requerente (fl. 108).

Das duas testemunhas indicadas pelo requerido, uma delas foi dis-pensada, e a outra, Izaque Góes (fl. 109), após prestar compromisso,confirmou a tese da defesa:

Que a respeito da desfiliação do vereador Daniel do PP, tem a dizerque acompanhou alguma coisa e via que ele reclamava muito de nãopoder participar das decisões do partido, ele não era convidado paraas reuniões, e também reclamava que sofria muitas pressões; que odepoente é filiado ao PSDB e também exerce a vereança no municípiode Itapoá 9...0, que estava presente em uma sessão da Câmara emque foi iniciada a leitura de uma carta através da qual era solicitado adesfiliação do vereador Daniel do partido PP; que essa carta foi lidapelo filho da presidente do partido, que era diretor da câmara de vere-adores; que a divulgação dessa carta teve bastante reprecussão nomunicípio, sendo que o vereador foi surpreendido com o início da lei-tura dela em plenário e foi ele quem intecedeu para que interrompes-sem a leitura.

No meu entender, para se fazer justiça nos casos de desfiliaçãopartidária, impõe-se ponderar dois valores igualmente importantes: onecessário fortalecimento dos partidos políticos e a vontade populartraduzida na escolha de seus representantes.

Conforme muito bem dito pelo Ministro Carlos Ayres Brito, na Con-sulta TSE n. 1.407: “Esta deve ser a linha limítrofe da nova regula-mentação: Interesse do partido levado ao extremo tende ao totalitaris-mo; por outro lado, o livre arbítro do eleito leva ao desrespeito profun-do com o eleitor”.

Page 315: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

315

Na hipótese dos autos, entendo que o Partido Progressista fez usoexcessivo e imoderado de seus poderes, configurando a grave discri-minação pessoal que justifica a desfiliação de Daniel Silvano Weber.

Neste sentido foi a manifestação do Procurador Regional Eleitoral(fls. 4-5) que atua junta a este Tribunal:

A proposição central da defesa circunscreveu-se na grave discrimina-ção pessoal e as provas produzidas demonstraram, efetivamente, quea vida política do requerido encontrava-se impraticável dentro do par-tido demandante.

Como se depreende, a grave discriminação pessoal deve ser entendi-da como aqueles atos ou fatos que venham a impedir a sobrevivênciapolítica do filiado, que possam alijá-lo das decisões do partido, bemcomo impedi-lo de disputar qualquer cargo eletivo. Assim sendo, ascircunstâncias alegadas pelo Partido Progressista não transcenderamo campo da dialética, não possuindo conforto em nenhum elementoprobatório constante dos presentes autos.

[...]

Vislumbra-se das alegações do Partido Progressista tratar-se de ques-tão interna corporis, diretamente atrelada à vida democrática dos par-tidos políticos, uma vez que as disputas internas são inerentes à pró-pria existência das agremiações partidárias.

No entanto, o fato alegado e comprovado pela defesa configura-se emgrave discriminação pessoal, e não simples aspectos políticosconcernentes às relações político-partidárias.

Estando os autos conclusos para julgamento, o Partido Progressis-ta protocolizou pedido de juntada de documento, o qual, no entenderdo partido, é de extrema relevância, porque desmente as alegaçõesde discriminação pessoal do vereador requerido.

O pedido é completamente extemporâneo. O processo se encon-trava pronto para ser pautado, inúmeras foram as oportunidades con-cedidas para a parte apresentá-lo e não se trata de documento novo,pois inclusive constava da ação, já extinta, proposta pelo diretório mu-nicipal do partido.

Ainda assim, para que não se alegue cerceamento de defesa nofuturo, optei por analisá-lo, quando então constatei que o mencionadodocumento em nada altera a verdade dos fatos comprovada nestesautos, pois trata-se do pedido oficial de desfiliação do vereador reque-rido à presidente do PP, em respost a à carta pública em que o partidoexigiu sua desfiliação.

Page 316: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

316

Na carta o vereador afirma: “Neste sentido, tenho obrigação deagradecer a todos pela generosidade do tratamento recebido enquan-to integrante desta agremiação. Saio do partido buscando novos ide-ais políticos e tenho que salientar que não deixo os companheiros departido em decorrência de animosidades ou problemas de qualquerespécie, pelo contrário levarei comigo boas lembranças da estada nestaagremiação”.

A meu ver, o documento apenas confirma que o vereador se desfiliouem decorrência da exigência pública feita pelo partido e que o fez semressentimentos, inclusive agradecendo aos companheiros.

Suas afirmações não mudam os fatos, amplamente comprovadosnestes autos, de que a situação do requerido dentro da agremiaçãopolítica estava insustentável e que ele foi coagido, pelo próprio partido,a deixá-lo.

Conforme o conceito expresso no art. 151 do Código Civil, “A coa-ção, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta aopaciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pes-soa, à sua família, ou aos seus bens”.

Restou provado que o vereador foi publicamente constrangido a seretirar do partido, por conseguinte, não se poderia exigir que, após tersido ameaçado de expulsão caso não se desfiliasse, persistisse emcontinuar filiado, mesmo contra a vontade da agremiação que integra-va, aguardando ser oficialmente expulso.

O dano era iminente e considerável a sua pessoa, pois além detodo o desgaste pessoal que tal expulsão acarretaria, por certo trariamuitos prejuízos a sua carreira política.

A meu ver, se o vereador foi obrigado pelo partido a agir desta for-ma, conforme plenamente evidenciado nestes autos, não pode agoraser punido por isto com a perda de seu mandato eletivo.

O conteúdo dos autos, como já asseverado, revela a ocorrência deperseguição, tratamento desigual e injusto que importa em grave dis-criminação pessoal a justificar a migração partidária, razão pela qualjulgo improcedente a presente ação de perda de mandato eletivo pordesfiliação partidária.

É como voto.

Page 317: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

317

ACÓRDÃO N. 22.100

PROCESSO N. 473 - CLASSE XIV - AÇÃO DE DECRETAÇÃO DEPERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA -54a ZONA ELEITORAL - SOMBRIO (SÃO JOÃO DO SUL)

Relator: Juiz Cláudio Barreto Dutra

Requerente: Marcos Antonio Pereira Lummertz

Requeridos: Osmar Cechinel da Silva e Partido dos Trabalhadores

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO POR INFIDELIDADE PARTIDÁRIA -PRELIMINARES RELACIONADAS COM EVENTUALINCONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO N.22.610/2007 DO TSE - REJEIÇÃO - VEREADOR -DESFILIAÇÃO DA LEGENDA PELA QUAL FOI ELEI-TO APÓS A DATA DEFINIDA PELO TSE NA CONSUL-TA N. 1.398/2007 - SUPOSTA MUDANÇA SUBSTAN-CIAL DO PROGRAMA PARTIDÁRIO E OCORRÊN-CIA DE GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL - AU-SÊNCIA DE PROVAS A DEMONSTRAR A EXISTÊN-CIA DE JUSTA CAUSA - PROCEDÊNCIA.

Vistos, etc.,

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de SantaCatarina, à unanimidade, em rejeitar as preliminares suscitadas e, nomérito, julgar procedente o pedido, a fim de declarar a perda do man-dato do vereador Osmar Cechinel da Silva, devendo a decisão sercomunicada ao Presidente da Câmara de Vereadores de São João doSul, para que, no prazo de 10 (dez) dias – a contar do seu recebimen-to –, dê posse ao suplente, nos termos do voto do Relator, que ficafazendo parte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 14 de abril de 2008.

Juiz JOÃO EDUARDO SOUZA VARELLA, Presidente.

Juiz CLÁUDIO BARRETO DUTRA, Relator.

Dr. CLAUDIO DUTRA FONTELLA, Procurador Regional Eleitoral.

Page 318: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

318

R E L A T Ó R I O

Cuida-se de ação de decretação de perda de mandato eletivo pordesfiliação partidária ajuizada por Marcos Antonio Pereira Lummertz,primeiro suplente de vereador pelo Partido do Movimento Democráti-co Brasileiro (PMDB) de São João do Sul, contra Osmar Cechinel daSilva, eleito pelo mesmo partido ao cargo de vereador daquele municí-pio nas eleições de 2004.

Sustenta o requerente que o requerido teria, em 12.9.2007, sem justacausa, pedido sua desfiliação do PMDB, filiando-se posteriormente aoPartido dos Trabalhadores (PT), razão pela qual estaria sujeito à perdado mandato, nos termos da Resolução TSE n. 22.610/2007. Requereusua citação, bem como a do Partido dos Trabalhadores, para defende-rem-se, a com a declaração, ao final, da perda de seu mandato e con-seqüente posse do requerente.

Apresentou rol de testemunhas (fl. 10) e juntou documentos (fls. 18).

Foi determinado ao requerente que promovesse a citação dodiretório regional do partido requerido (fls. 21-24), o que foi feito (fl. 27).

Em contestação (fls. 33-37), o diretório levantou a preliminar deinconstitucionalidade da Resolução TSE n. 22.610/2007 e pediu a im-procedência do pedido, alegando ter havido grave discriminação pes-soal contra Osmar Cechinel da Silva no âmbito de sua antigaagremiação partidária.

Este alega que mudou de legenda justificadamente, por ter havidomudança substancial do programa partidário e grave discriminação pes-soal, já que o PMDB de São João do Sul não tinha atividades periódicase, portanto, não existia como instituição. Disse, ainda, que o partido nãocomprovou estar em atividade, nem que está em dia com a Justiça Elei-toral, ou mesmo que está constituído e com atividades periódicas. Aduziu,também, que o partido, ao perder as eleições para a prefeitura do muni-cípio em 2004, passou a fazer, por sua bancada na Câmara de Vereado-res, oposição sistemática ao prefeito eleito, este do Partido dos Traba-lhadores. Por fim, diz não ter mais sido convidado para as reuniões dabancada do partido ou para as reuniões da mesa diretora da Câmara,da qual fazia parte. Levantou preliminar de ilegitimidade ativa do suplen-te para ingressar com esta ação (fls. 39-44).

Foram ouvidas, por carta de ordem, seis testemunhas (fls. 82-87).

Alegações finais às fls. 151-156, 158-160 e 162-168, tendo o re-querido Osmar Cechinel da Silva pedido, preliminarmente, nova oitiva

Page 319: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

319

de suas testemunhas, pois teriam sido ouvidas sem prestar compro-misso.

A Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela rejeição dapreliminar relativa às testemunhas e, no mérito, pela procedência dopedido (fls. 170-174).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR JUIZ CLAÚDIO BARRETO DUTRA (Relator): Sr. Pre-sidente, impõe-se, inicialmente, enfrentar as preliminares suscitadaspelos requeridos.

No que se refere à eventual inconstitucionalidade da ResoluçãoTSE n. 22.610/2007, baseia-se ela, primeiramente, na criação, por atoinfralegal, de nova hipótese de competência para os Tribunais Regio-nais Eleitorais a cometer-lhes o julgamento de vereadores, o que esta-ria em desacordo com o art. 121 da Constituição Federal, que reservaà lei complementar a definição de competência dos órgãos da JustiçaEleitoral.

A respeito desse ponto, o Tribunal já se manifestou quando da aná-lise do incidente de inconstitucionalidade no Processo n. 481 – XIV(Acórdão n. 22.016, de 12.2.2008), entendendo ser constitucional aprevisão do art. 2o da Resolução TSE n. 22.610/2007, que trata dacompetência, sob o fundamento de que o Supremo Tribunal Federal,ao julgar o Mandado de Segurança n. 26.603, definindo para si a com-petência para julgamento de Deputados Federais que tivessem deixa-do suas legendas após a data de 27.3.2007, teria adotado a sistemá-tica de competência do recurso contra expedição de diploma, restan-do aos Regionais, conseqüentemente, o julgamento dos vereadores,nos moldes previstos na resolução.

Consta da ementa do voto de Sua Excelência, o Juiz Márcio LuizFogaça Vicari, verbis:

- AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO PORINFIDELIDADE PARTIDÁRIA - PEDIDO FORMULADO POR PROMO-TOR ELEITORAL PERANTE JUIZ ELEITORAL DE PRIMEIRO GRAU- RESOLUÇÃO N. 22.610 DO TRIBUNAL SUPERIOR ELEITORAL -COMPETÊNCIA PARA AS AÇÕES DE PERDA DE MANDATO PORINFIDELIDADE PARTIDÁRIA - INCIDENTE DE INCONSTITUCIONA-LIDADE SUSCITADO EX OFFICIO PELO RELATOR - EXAME DA

Page 320: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

320

MATÉRIA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL - RESPEITO À IN-TERPRETAÇÃO AUTÊNTICA - PRESERVAÇÃO DA FORÇA NORMA-TIVA DA CONSTITUIÇÃO - RESSALVA DO PONTO DE VISTA PES-SOAL.

A competência para as ações de perda de mandato eletivo por infide-lidade partidária restou estabelecida pelo artigo 2o da Resolução n.22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral, cabendo aos TribunaisRegionais Eleitorais o julgamento relativo aos mandatos “não fede-rais” .

Apesar da reserva constitucional à lei complement ar para est abe-lecer a competência dos órgãos da Justiça Eleitoral, não há esp a-ço para interpret ações constitucionais fora da exegese previamen-te realizada pelo Supremo T ribunal Federal. Decorrência dos prin-cípios da autenticidade da interpret ação constitucional pela Su-prema Corte, em qualquer dos modelos, concentrado ou difuso, eda preservação da força normativa da Constituição bem como desua integridade [grifei].

Acompanhando este mesmo entendimento, rejeita-se essa alega-ção de inconstitucionalidade.

Quanto ao alegado desrespeito ao princípio constitucional da am-pla defesa, em razão da sistemática prevista pela resolução de oitivade testemunhas, as quais devem ser trazidas a depor pela parte queas arrolou (art. 7o, caput, in fine, da resolução), tem-se que esse parti-cular não significa ferimento ao princípio constitucional em discussão,pois decorre diretamente da celeridade imprimida ao procedimento deperda de mandato por infidelidade partidária, o qual, por sua vez, apre-senta incontestável razoabilidade, ante a temporalidade dos manda-tos, argumento que, no caso sob análise, adquire especial relevância,pois cuida-se de mandato de vereador, cuja legislatura finda-se nesteano. Assim, rejeita-se também esta preliminar.

No que tange à pugnada inconstitucionalidade da sistemáticarecursal da resolução, que prevê tão-só pedido de reconsideração doacórdão, sem efeito suspensivo, impõe-se dizer que essa decisão nãoé imprescindível ao julgamento do mérito desta ação, razão pela qualnão merece conhecimento, pois aqui cuida-se de declaração incidentalde inconstitucionalidade.

Ademais, impende ressaltar que a irresignação perdeu qualquerfundamento após a alteração da redação do art. 11 da Resolução TSEn. 22.610/2007, em face da qual restou prevista a possibilidade deinterposição de recurso contra as decisões proferidas pelos TribunaisRegionais Eleitorais.

Page 321: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

321

Deve ser afastada, do mesmo modo, a preliminar de ilegitimidadeativa do suplente, levantada pelo requerido em sua contestação, namedida em que há previsão expressa na resolução de que todo aqueleque tem interesse jurídico, bem como o Ministério Público Eleitoral,pode formular o pedido de cassação por infidelidade partidária (art. 1o,§ 2o). Rejeita-se, assim, a preliminar.

Por fim, afasta-se o pedido de nova oitiva das testemunhas dosrequeridos – apresentado ao argumento de não haverem prestado ocompromisso formal – diante da existência de razão suficiente para acontradita das mesmas, qual seja a sua fiiliação a partidos políticosque concorreram coligados com o Partido dos Trabalhadores, para oqual migrou Osmar Cechinel da Silva, de forma que seus depoimentosdevem, sim, ser recebidos com reserva, assim como os das testemu-nhas do requerente.

No caso específico do depoimento de José Carlos Schinaider, ape-sar de constar do termo de interrogatório ser ele “amigo do requeren-te”, há que se observar que ele, assim como Osmar Cechinel da Silva,migrou do PMDB para o PT, razão pela qual seu depoimento tambémdeve ser valorado com reservas.

Ademais, não houve qualquer prejuízo às partes com a ausênciado compromisso. As testemunhas foram inquiridas sobre os fatos, es-clarecendo-se adequadamente. Repetir a oitiva seria mera formalida-de, inócua, diga-se.

Quanto ao mérito, pertinentes são as observações inseridas no votodo Relator, Ministro Cesar Asfor Rocha, quando do julgamento da Con-sulta n. 1.398/DF, de 27.2.2007, ocasião em que o Tribunal SuperiorEleitoral pacificou o entendimento de que o cancelamento de filiaçãopartidária sem justa causa leva à perda do mandato, o qual pertence àagremiação partidária, e não ao mandatário.

Consta do voto:

É da maior relevância assinalar que os Partidos Políticos têm no Bra-sil, status de entidade constitucional (art. 17 da CF), de forma que sepode falar, rememorando a lição de Maurice Duverger (As ModernasTecnodemocracias, tradução de Natanael Caixeiro, Rio de Janeiro, Paze Terra, 1978), que as modernas democracias de certa formasecundarizam, em benefício dos Partidos Políticos, a participação po-pular direta; na verdade, ainda segundo esse autor, os Partidos Políti-cos adquiriram a qualidade de autênticos protagonistas da democra-cia representativa, não se encontrando, no mundo ocidental, nenhumsistema político que prescinda da sua intermediação, sendo excepcio-

Page 322: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

322

nal e mesmo até exótica a candidatura individual a cargo eletivo forado abrigo de um Partido Político.

[...]

Ora, não há dúvida nenhuma, quer no plano jurídico, quer no planoprático, que o vínculo de um candidato ao Partido pelo qual se registrae disputa uma eleição é o mais forte, se não o único, elemento de suaidentidade política, podendo ser afirmado que o candidato não existefora do Partido Político e nenhuma candidatura é possível fora de umabandeira partidária.

Por conseguinte, parece-me equivocada e mesmo injurídica a suposi-ção de que o mandato político eletivo pertence ao indivíduo eleito,pois isso equivaleria a dizer que ele, o candidato eleito, se teria torna-do senhor e possuidor de uma parcela da soberania popular, não ape-nas transformando-a em propriedade sua, porém mesmo sobre elapodendo exercer, à moda do exercício de uma prerrogativa privatística,todos os poderes inerentes ao seu domínio, inclusive o de dele dispor.

Todavia, parece-me incogitável que alguém possa obter para si – eexercer como coisa sua – um mandato eletivo, que se configura es-sencialmente como uma função política e pública, de todo avessa einconciliável com pretensão de cunho privado.

O princípio da moralidade, inserido solenemente no art. 37 da CartaMagna, repudia de forma veemente o uso de qualquer prerrogativa pú-blica, no interesse particular ou privado, não tendo relevo algum afirmarque não se detecta a existência de norma proibitiva de tal prática.

É que o raciocínio jurídico segundo o qual o que não é proibido épermitido, somente tem incidência no domínio do Direito Privado, ondeas relações são regidas pela denominada licitude implícita, o contrárioocorrendo no domínio do Direito Público, como bem demonstrou oeminente Professor Geraldo Ataliba (Comentários ao CTN, Rio de Ja-neiro, Forense, 1982), assinalando que, nesse campo, o que não éprevisto é proibido.

Não há que se permitir que seja o mandato eletivo compreendido comoalgo integrante do patrimônio privado de um indivíduo, de que possaele dispor a qualquer título, seja oneroso ou seja gratuito, porque issoé a contrafação essencial da natureza do mandato, cuja justificativa éa função representativa de ser vir, ao invés da de servir-se.

[...]

Ao meu sentir, o mandato parlamentar pertence, realmente, ao PartidoPolítico, pois é à sua legenda que são atribuídos os votos dos eleito-res, devendo-se entender como indevida (e mesmo ilegítima) a afir-mação de que o mandato pertence ao eleito, inclusive porque toda acondução ideológica, estratégica, propagandística e financeira é en-

Page 323: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

323

cargo do Partido Político, sob a vigilância da Justiça Eleitoral, à qualdeve prestar contas (art. 17, III, da CF).

Ao regulamentar o processo de perda de mandato por infidelidadepartidária, após o reconhecimento pela Suprema Corte do acerto doentendimento exposto no voto acima transcrito, o Tribunal SuperiorEleitoral editou a Resolução n. 22.610, de 25.10.2007, prevendo pro-cedimento específico e simplificado de perda do mandato por infideli-dade partidária, bem como de justificação da desfiliação.

Ali, definiu o TSE as hipóteses de justa causa (art. 1o, §1o, incisos Ia IV) e estabeleceu, nos arts. 3o e 8o, regras importantes sobre o ônusda prova. Dizem os dispositivos, ipsis litteris:

Art. 3o Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente jun-tará prova documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas,até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas,inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de re-partições públicas.

Ainda:

Art. 8o Incumbe aos requeridos o ônus da prova de fato extintivo,impeditivo ou modificativo da eficácia do pedido.

No caso concreto, foi comprovada documentalmente a desfiliaçãode Osmar Cechinel da Silva do Partido do Movimento DemocráticoBrasileiro (PMDB), em data de 11.9.2007, bem como a sua filiação aoPartido dos Trabalhadores (PT), no dia 13.9.2007 (certidões do Chefede Cartório da 54a Zona Eleitoral de fls. 16 e 17).

O argumento da defesa apóia-se em que teria havido mudançasubstancial no programa partidário e grave discriminação pessoal, noâmbito do PMDB, contra Osmar Cechinel da Silva, hipóteses que con-figurariam justa causa para a mudança de partido, conforme previsãodos incisos III e IV do § 1o do art. 1o da Resolução TSE n. 22.610/2007.

Sustenta que o PMDB de São João do Sul não tinha atividadesperiódicas; não havia coordenação sobre os mandatários por ele elei-tos, não estando, enfim, instituído formalmente no município, razõespelas quais teria dele se desfiliado.

Consta de sua defesa de fls. 39-44:

Se os partidos não atuam com a devida responsabilidade sobre oscargos que conquistaram nas eleições, especialmente no parlamento,orientando seus filiados, analisando as matérias a serem apreciadas,definindo posições coletivas, fechando questão sobre as matérias, não

Page 324: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

324

podem reclamar o cargo de filiado detentor de mandato eletivo, poisnão podem ser considerados como responsa´veis pelo mesmo.

Em não havendo gerenciamento concreto do partido sobre os cargosque possui, deve se presumida a renuncia tácita sobre os respectivoscargos, perdendo a instituição partidária, o direito de reclamá-lo, quandoo filiado abandona a instituição partidária.

[...]

para o partido emitir orientações a seus filiados, precisa estar em per-manente atividade, a fim de que as orientações passadas, possamestar em convergência com a natural evolução das relações sociais.

No caso em análise o PMDB de São João do Sul, não comprovou nosautos, que está em atividade; não comprovou que está em dia com aJustiça Eleitoral; não comprovou que está devidamente constituídocomo instituição; não comprovou que tem atividades permanentes.

O arrazoado segue afirmando que a representação municipal deSão João do Sul do PMDB teria, a partir das eleições de 2004, em quenão elegeu o chefe do executivo municipal, passado a fazer oposiçãosistemática contra o prefeito então eleito, que pertence ao Partido dosTrabalhadores, atrapalhando a votação, inclusive, de matérias de inte-resse da população local, e aprovando temas inconstitucionais.

Observa-se do conteúdo dessa argumentação que o requerido, numprimeiro momento, procura inverter o ônus da prova previsto nos cita-dos artigos 3o e 8o da Resolução TSE n. 22.610/2007, quando, emverdade, não cabe ao PMDB comprovar nada além da desfiliação doacionado de seus quadros após a data de 27.3.2007, o que foi feitosatisfatoriamente, conforme já foi demonstrado.

Sua argumentação do requerido tem valor mais retórico do queprático, conforme bem disse a Procuradoria Regional Eleitoral em seuparecer de fls. 170-174, pois é natural ao ambiente político e até mes-mo exigido pela política interna das greis partidárias que haja oposi-ção à ação político-administrativa adotada pelo governo de partido doqual é concorrente.

Esse é um corolário lógico do princípio da fidelidade partidária, nãose encontrando, por óbvio, essa situação entre as hipóteses de justacausa taxativamente previstas no § 1o do art. 1o da citada resoluçãodo TSE.

No caso concreto, o requerido parece querer convencer que, pornão concordar com a postura adotada por seus colegas de partido,

Page 325: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

325

teria justa causa para dele sair, o que não procede. Sobre a questão,bem disse o Parquet:

Desavenças partidárias são salutares e fazem parte da democraciainterna dos partidos políticos, não podendo serem consideradas comojusta causa ou grave discriminação pessoal [fl. 173].

Improcedente, também, o entendimento de que os partidos, porcada um de seus diretórios municipais, deveriam alinhar-se à políticaadotada pela agremiação em nível nacional. Em que pese a previsãoconstitucional a respeito do caráter nacional dos partidos (art. 17, I), épreciso levar em conta a imensidão territorial brasileira, com a conse-qüente diversidade de pensamento e cultural, de maneira que as ali-anças nacionais não irão necessariamente ser repetidas com êxito noâmbito municipal. Talvez, por isso, essa previsão não conste da reso-lução do TSE como causa suficiente para a mudança de legenda.

Assim, o fato do PMDB fazer parte da base aliada do governo, emâmbito nacional, não obriga os órgãos de direção locais dessaagremiação a apoiar as administrações municipais chefiadas por polí-ticos filiado ao PT, até porque não foi trazido aos autos qualquer provada existência deliberação partidária nesse sentido.

Ademais, inexistem nos autos elementos aptos a demonstrar essaalegada oposição orquestrada e realizada contra o interesse públicopela bancada do PMDB de São João do Sul, não passando de alega-ções do requerido. O mesmo ocorre com relação à suposta discrimi-nação pessoal, não havendo prova de que tenha ele sido alijado dasreuniões do partido.

A propósito, consta do depoimento de Antônio Juarez Cardoso(fl. 82):

[...] Que possui boa relação com o requerido; que desconhece o moti-vo que levou o requerido a sair do PMDB; que o requerido sempre teveparticipação dentro do partido, como os demais membros. [...] que orequerido sempre foi convidado p ara as reuniões da bancada doPMDB; que o requerido p articip ava regularmente das reuniões dopartido; que nas reuniões que por ventura o requerido não tenhacomp arecido t ambém foi convidado ; que as decisões do partido eramrealizadas pela maioria; que eram respeitadas as posições do requeri-do; que no período anterior a desfiliação do requerido ele participavamais dos eventos que envolviam a bancada contrária; que nestalegislatura foram rejeitados poucos projetos do executivo; que essasrejeições foram foram em consenso [grifei].

Page 326: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

326

Por sua vez, Dionei Oliveira Eugênio (fl. 83), ressalta:

[...] Que desconhece o motivo que levou o requerido a sair do PMDB;que inclusive quando ouviu boatos sobre a saída do requerido do par-tido foi até a casa dele, mas ele não deu nenhuma explicação; que odepoente p articip ava das decisões do p artido PMDB; que o reque-rido p articip ava assiduamente das reuniões do p artido; que o re-querido nunca demonstrou insatisfação com o partido PMDB; [...] [gri-fei].

No mesmo sentido é o depoimento de Sandro Bendo de Lima, àfl. 84:

[...] que desconhece motivo que levou o requerido a sair do PMDB;que o depoente já foi vereador; que na eleição passada trabalhou como“cabo eleitoral” do requerido; que o requerido nunca demonstrou insa-tisfação com o partido PMDB. [...] que o requerido era convidadopara as reuniões do p artido; que no primeiro ano do mandato dorequerido ele p articip ava com assiduidade das reuniões do p arti-do; que a p artir do segundo ano do mandato p articip ava menosdas reuniões; que o requerido nunca comentou que se sentia discri-minado dentro da bancada do partido; que a opinião do requerido erasempre respeitada nas reuniões do partido; que o depoente ouviu bo-atos na comunidade de que o requerido havia saido do partido porquestões financeiras [...] [grifei].

Por outro lado, os depoimentos das testemunhas trazidas pelo re-querido não são suficientes a alterar esse estado de coisas e compro-var que teria havido, de fato, justa causa para a desfiliação, seja pormudança substancial do programa partidário, seja por grave discrimi-nação pessoal.

Com efeito, consta do depoimento de José Carlos Schinaider (fl.85):

[...] que acha que o requerido saiu do PMDB porque não era maisconvidado para as reuniões do partido; que este também foi o motivoque levou o depoente a sair do partido; que o requerido não possuiavoz ativa dentro do partido [...]

Edson Pereira Trajano afirmou, à fl. 86:

[...] que o requerido se queixava para o depoente que muitas vezes asecretária da câmara de vereadores estava com emendas prontas paraele apenas assinar; que às vezes estas emendas não era da vontadedo requerido; que acha que foi esse o motivo que levou o requerido asair do PMDB [...]

Moacir Cardoso Crescêncio disse (fl. 87):

Page 327: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

327

[...] que o requerido se queixava que não tinha voz ativa nas decisõesdo partido PMDB; que requerido se queixava que o partido tomavadeterminadas decisões que ele nem ficava sabendo e também que opartido nem fazia reuniões; que sabe que foram esses os motivos quelevaram o requerido a sair do PMDB [...]

Importante observar que os depoimentos, além de descreveremmeras queixas, expressam tão-somente impressões pessoais sobreos fatos, não se prestando, portanto, a seu esclarecimento.

Por outro lado, o argumento de que a secretária da Câmara de Vere-adores trazia as emendas prontas para o requerido assinar não conven-ce, pois, na condição de vereador, tinha-lhe superioridade hierárquica epoderia se negar a assinar caso entendesse que sobre ela o ato legislativonão correspondia ao que havia sido decidido em plenário.

Como mais uma vez bem observou a Procuradoria Regional Elei-toral, “o vereador requerido, diante desse fato, e na condição de edil,tem autonomia suficiente para alterar eventual posicionamento defini-do pela mencionada secretária”.

Importante mencionar, ainda, a contradição observada entre osdepoimentos das testemunhas de defesa, dos quais se colhe ora ainformação de que o requerido não era convidado a participar das reu-niões do partido, ora a informação de que tais reuniões raramente ocor-riam.

Conclui-se, pois, que o conjunto probatório não é suficiente parajustificar a mudança comprovada de legenda por parte de OsmarCechinel da Silva, o qual não logrou êxito em desincumbir-se do ônusprobatório imposto pela norma de regência para autorizar sua mudan-ça de partido.

Em face do que foi exposto, julgo procedente o pedido e, nos ter-mos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/2007, decreto a perda docargo de vereador do município de São João do Sul de Osmar Cechinelda Silva, determinando a comunicação desta decisão ao presidente doórgão legislativo competente para que emposse o suplente, no prazode 10 (dez) dias.

É o voto.

Page 328: RESENHA ELEITORAL
Page 329: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

329

ACÓRDÃO N. 22.112

PROCESSO N. 538 - AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA - 56a ZONA ELEI-TORAL - BALNEÁRIO CAMBORIÚ (CAMBORIÚ)

Relator: Juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari

Relatora designada: Juíza Eliana Paggiarin Marinho

Requerente: Ministério Público Eleitoral

Requeridos: Claudinei Loos e Partido do Movimento Democrático Bra-sileiro (PMDB)

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA -ALEGAÇÃO DE JUST A CAUSA - FUSÃO DE PARTI-DOS - ART. 1o, § 1o, I, DA RES. TSE N. 22.610/2007 -INEXISTÊNCIA DE LAPSO TEMPORAL RAZOÁVELENTRE A FUSÃO E A DESFILIAÇÃO DO MANDA TÁ-RIO - JUSTA CAUSA NÃO CONFIGURADA - PRO-CEDÊNCIA.

A fusão de p artido político configura just a cau-sa p ara a apenas quando se verifica, pelarazoabilidade do lap so temporal decorrido entre osdois eventos, o nexo de causalidade entre aefetivação da fusão e a saída do mandatário daagremiação.

Hipótese em que mais de seis meses transcor-reram entre o deferimento da fusão pelo TSE e odesligamento do mandatário do p artido. Decret a-ção de perda de mandato que se impõe.

Vistos, etc.,

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de SantaCatarina, à unanimidade, em afastar as preliminares, e, por maioriade votos, com o voto de desempate do Presidente – vencidos os JuízesMárcio Luiz Fogaça Vicari, Oscar Juvêncio Borges Neto e Odson Car-doso Filho – em julgar procedente o pedido, decretando a perda domandato eletivo de Claudinei Loos, determinando a imediata comuni-

Page 330: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

330

cação desta decisão à Câmara de Vereadores de Camboriú, a fim deque, no prazo de 10 (dez) dias contados do recebimento da comuni-cação, dê posse ao suplente, nos termos do voto da Relatora desig-nada, que fica fazendo parte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 23 de abril de 2008.

Juiz JOÃO EDUARDO SOUZA VARELLA, Presidente.

Juíza ELIANA PAGGIARIN MARINHO, Relatora designada.

Dr. ANDRÉ STEFANI BERTUOL, Procurador Regional EleitoralSubstituto.

R E L A T Ó R I O

Trata-se de pedido de declaração de perda de mandato eletivo for-mulado pelo Ministério Público Eleitoral em face de Claudinei Loos edo Diretório Estadual do Partido do Movimento Democrático Brasileiro(PMDB).

O requerente afirma que o vereador requerido foi eleito pelo Parti-do Liberal (PL), dele se desfiliando em 6 de setembro de 2007, ouseja, após a data limite estipulada pela Resolução n. 22.610/2007 doTribunal Superior Eleitoral (27 de março de 2007), sem evidenciar jus-ta causa para tanto, vindo a se alistar, posteriormente, no Partido doMovimento Democrático Brasileiro (PMDB).

Citado, o PMDB contestou o pedido (fls. 13-20). Preliminarmente,sustenta a ausência de previsão constitucional de cominação de per-da de mandato por ato de infidelidade partidária. Insurge-se, ainda,contra o fato de o presente rito processual não emanar de lei, mas demera resolução, assim como a outorga indevida de nova atribuição aoMinistério Público. Alega ainda desrespeito ao princípio da anteriori-dade da lei eleitoral inscrito no art. 16 da Constituição Federal. Nomérito, afirma que o referido vereador, por discriminação e devido àsalterações programáticas ocasionadas pela fundação do Partido daRepública (PR) – decorrente da fusão do Partido Liberal (PL) e doPartido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA) em 19 de de-zembro de 2006 –, não pôde implementar as ações políticas que atéentão buscava defender em sua hoste partidária. Pugna pela extinçãodo processo ou, sucessivamente, pela improcedência da ação.

Page 331: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

331

A seu turno, em sua contestação (fls. 33-40), Claudinei Loos aven-ta, em linha de preliminar, que a Resolução n. 22.610 padece de víciode inconstitucionalidade, uma vez que a hipótese de perda de manda-to nela versada não está positivada no texto constitucional, no rol doseu art. 55, e que a competência para legislar é privativa do CongressoNacional, havendo afronta à independência dos Poderes. Por outrolado, argumenta que houve violação ao duplo grau de jurisdição, porter o legislador processual eleitoral atribuído o caráter de irrecorribilidadeà decisão colegiada. No mérito, assenta sua justificativa no fato de quea fusão do partido a que pertencia, o PL, com o PRONA, ocasionousubstancial alteração dos estatutos partidários, o que chocou com seusideais políticos. Requer a extinção do processo sem resolução de mé-rito, ou caso sejam as preliminares superadas, a improcedência dofeito.

Expedida carta de ordem para inquirição de três testemunhas arro-ladas pela defesa, foram efetivamente ouvidas duas delas em audiên-cia (fls. 85-87).

Foi juntada a certidão da fl. 82, que dá conta da formação da coli-gação pela qual concorreu Claudinei Loos no pleito de 2004.

Oficiado ao Diretório Municipal do Partido da República (PR), esteressaltou que a desfiliação de Claudinei Loss se deu “de forma espon-tânea, sem atrito ou restrição alguma” que o impedisse de permanecerinscrito em seus quadros (fl. 89).

Intimadas, as partes apresentaram suas alegações finais.

Após manifestar-se pelo afastamento das prefaciais suscitadas, oMinistério Público Eleitoral registrou que ao requerente bastaria fazera prova da ocorrência do rompimento do vínculo do candidato com opartido pelo qual foi eleito no período vedado na Resolução n. 22.610,enquanto a este cumpriria demonstrar a existência de justa causa aamparar o seu ato de desfiliação. Aduz que, no caso, o motivo alegadopelo requerido não pode prevalecer, uma vez que o tempo que trans-correu entre o momento da fusão do partido e o ato de sua desfiliaçãoé por demais longo para servir ao propósito que ora pretende, razãopela qual requer a cassação de seu mandato (fls. 99-101).

Os requeridos PMDB e Claudinei Loos, às fls. 103-105 e 107-111,além de reiterar os termos das defesas já prestadas, afirmaram que aprova testemunhal vem em abono à tese expendida, pelo que postu-lam a extinção do feito ou, caso ultrapassadas as preliminares antesargüidas, a improcedência da ação.

Page 332: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

332

É o relatório.

V O T O

A SENHORA JUÍZA ELIANA PAGGIARIN MARINHO (Relatora de-signada): Sr. Presidente, no que se refere às prefaciais suscitadas pe-los requeridos, acompanho integralmente o voto proferido pelo Relator,deixando de transcrevê-lo para evitar repetições desnecessárias.

Quanto ao mérito, pedi vista dos autos, após o voto proferido peloRelator, Juiz Márcio Vicari, para melhor estudar a hipótese de justa cau-sa para desfiliação partidária consignada no art. 1o, § 1o, inciso I, daResolução TSE n. 22.610/2007 – incorporação ou fusão do partido.

Entende Sua Excelência que esta hipótese de justa causa, assimcomo a prevista no inciso II do mesmo dispositivo – criação de novopartido – possui caráter objetivo, ou seja, uma vez que tenha havidoincorporação ou fusão do partido pelo qual o mandatário foi eleito, es-taria ele autorizado a sair da agremiação, independentemente do tempodecorrido entre o evento autorizador e a desfiliação.

Peço vênia para divergir deste posicionamento, pois entendo queum critério temporal deve ser efetivamente estabelecido. De fato, o trans-curso de prazo razoável desautoriza que se vincule o ato de desfiliaçãoao processo de fusão sofrido pela agremiação de origem, assim comoocorre também com a hipótese de criação de novo partido.

Mesmo que a norma aplicável ao caso em exame não fixe regrasquanto ao prazo para que o mandatário descontente com a fusão dei-xe o partido, é imperativo que esse prazo não seja tão extenso a pon-to de descaracterizar o nexo de causalidade existente entre a fusão ea sua saída da nova organização partidária.

É sabido que o surgimento de uma nova agremiação por meio doprocesso de fusão, ainda que não sejam alterados o programa, a ide-ologia e os princípios adotados até então pelo partido de origem – oque não precisa ser sequer alegado neste caso –, pode não agradar atodos os filiados, em razão, por exemplo, de desavenças políticas comfiliados dos outros partidos que serão agregados no processo. Estasdecisões, geralmente adotadas pelo partido em nível nacional, nemsempre são apoiadas pelos filiados na esfera municipal. Por isso, énatural que, nos casos de fusão, se tenha um período imediatamenteposterior para acomodação dos filiados às agremiações envolvidas.

Page 333: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

333

Não desconhecendo esta realidade e partindo do entendimento deque os mandatos pertencem aos partidos, o Tribunal Superior Eleito-ral, ao editar a Resolução n. 22.610/2007, previu o possível descon-tentamento dos mandatários filiados a partidos que sofreram incorpo-ração ou que se fundiram a outros, possibilitando, nesses casos, oabandono do partido sem a perda do mandato.

É claro que um certo período de tempo se faz necessário para queos filiados dos partidos atingidos sintam os efeitos da fusão. Todavia,penso que isso não pode servir como justa causa para a desfiliaçãoindefinidamente. Necessário verificar se a fusão foi mesmo o motivoda desfiliação e, para tanto, indispensável se aferir a razoabilidade dotempo decorrido entre um e outro eventos.

Assim, o desligamento do partido originário têm, necessariamente,que ocorrer em data próxima à fusão da nova agremiação partidária,sob pena de não constituir justa causa para a desfiliação. Essa, a meuver, é a interpretação mais consentânea para a hipótese, por ser ne-cessário evidenciar que a fusão do novo partido foi o motivo do aban-dono do anterior.

No caso concreto, a fusão do PL com o PRONA, que resultou noPR, tem o seguinte histórico, de acordo com o voto do Relator:

[...] o Partido Liberal (PL) e o Partido de Reedificação da Ordem Naci-onal (PRONA) se fundiram, formando o Partido da República (PR) pormeio de requerimento conjunto de 7 de novembro de 2006, o que foideferido pela Resolução n. 22.504, publicada em 12 de fevereiro de2007. Em 14 de fevereiro de 2007 foram interpostos embargosdeclaratórios à resolução, recurso que não foi conhecido nos termosda Resolução n. 22.523, publicada em 13 de abril de 2007, havendotransitado em julgado a decisão em 18 de abril de 2007.

Pela cronologia dos fatos, verifica-se que a saída de Claudinei Loosdo Partido da República (PR) ocorreu somente em 15 de setembro de2007, não podendo, portanto, devido ao grande lapso temporal decor-rido, ser considerada justa causa para a desfiliação.

Por isso, compartilho do entendimento adotado por este Tribunal,por maioria de votos, no julgamento do Processo n. 556, Classe XIV,consubstanciado no Acórdão n. 22.075/2008, e considero não estarpresente, neste caso, a justa causa prevista no art. 1o, § 1o, I, da Reso-lução TSE n. 22.610/2007.

Inexistem também outros motivos justificadores da desfiliação, poisse extrai das alegações do requerido que somente o interesse pessoal

Page 334: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

334

de dar continuidade ao seu projeto político motivou sua saída do Parti-do da República.

Tanto é assim que o depoente Esmael Rosa declara (fl. 86) que “orequerido na ocasião ficou com medo de não poder se candidatar no-vamente no próximo pleito, ante a falta de negociação com o partido”.

Quanto à hipótese de justa causa prevista no inciso III do multicitadodispositivo – mudança substancial ou desvio reiterado do programapartidário –, deixo de analisá-la, porque alegada à guisa de retórica,sem que houvesse qualquer aprofundamento da matéria.

Ante o exposto, considerando não estar presente, neste caso, ne-nhuma justa causa para o abandono da agremiação prevista no § 1o

do art. 1o da Resolução TSE n. 22.610/2007, julgo procedente a ação,decretando a perda do mandato eletivo de Claudinei Loos. Após a pu-blicação desta decisão, comunique-se à Câmara de Vereadores deCamboriú, a fim de que, no prazo de 10 (dez) dias contados do recebi-mento do expediente, dê posse ao suplente, nos termos do dispostono art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/2007.

É como voto.

V O T O (Vencido)

O SENHOR JUIZ MÁRCIO LUIZ FOGAÇA VICARI (Relator): Sr.Presidente, cumpre, inicialmente, enfrentar as preliminares argüidaspelos requeridos.

Argumenta-se que da Constituição Federal não se extrai previsãosobre a fidelidade partidária como uma das modalidades para acominação da perda de mandato parlamentar e que o rito processualinstituído não seria proveniente de lei, mas de resolução.

A Carta Magna, no § 1o de seu art. 17, não só garante aos partidospolíticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização, fun-cionamento, para adotar os critérios de escolha e do regime de suascoligações eleitorais, como também determinar que os estatutos par-tidários devam veicular regras de disciplina e de fidelidade partidária.

O instituto da fidelidade partidária está longe de ser tratado comonovidade, o que se evidencia, pois, a par de constar do texto constitu-cional, por ser objeto de vastas e reiteradas discussões jurídicas. Ainovação havida, a bem da verdade, concerne tão-somente ao instru-mento concebido para proporcionar sua observância.

Page 335: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

335

O tema foi amplamente discutido, sobre ele pronunciando-se o Tri-bunal Superior Eleitoral por ocasião do julgamento da Consulta n. 1.398,em 27 de março de 2007, tendo-se decidido que os mandatos eletivospertencem aos partidos políticos, visto que o abandono da legendapelo infiel desfalca a sua representatividade reduzindo sua estruturano parlamento e, em perspectiva maior, frustra a própria vontade po-pular, que havia depositado no mandatário suas expectativas.

Por outro lado, a migração partidária, na forma hoje prevista, nãopoderia estar mesmo contemplada entre as hipóteses previstas no art.55 da Constituição Federal, por não constituir uma sanção por ato ilícito.

Ao contrário, é ato lícito, passível de ser exercido pelo filiado, des-de que devidamente justificado, conforme salientou o Min. Cezar Pelusono seu bem lançado voto nos autos da Consulta n. 1.398, verbis, cujoexcerto reproduzo:

Ora, a questão que a consulta suscita sobre a legitimidade do manda-to representativo proporcional tem outro fundamento, voltado ao fatoexterno do cancelamento de filiação ou da transferência de partido, àluz da relação entre o representante e o eleitor, intermediada pelo par-tido. Afere-se, aqui, não a fidelidade partidária, mas a fidelidade aoeleitor!

E, neste passo, estou convencido de que, por força de imposiçãosistêmica do mecanismo constitucional da representação proporcio-nal, as vagas obtidas por intermédio do quociente partidário perten-cem ao partido. Daí, aliás, a irrelevância absoluta das circunstânciasde já não constar, do ordenamento vigente, nenhum texto expresso arespeito.

[...]

Ora, o art. 14, § 3o, inc. V, da atual Constituição da República, regula-mentando o disposto no parágrafo único do art. 1o, no aspecto da de-mocracia representativa, sublima a filiação partidária à condição ne-cessária de elegibilidade. De modo que, como tal filiação constitui re-quisito e pressuposto constitucional do mandato, o cancelamento delaou a transferência do partido por que se elegeu o candidato, quandoseja justificado, tem por efeito, já do ângulo dessa norma, a preserva-ção da vaga na esfera do partido de origem.

Insisto no ponto de crucial importância para a resposta à consulta: avinculação candidato-partido é imanente ao próprio sistema represen-tativo proporcional adotado pelo ordenamento jurídico.

Sobre em nada entender-se com o limites da fidelidade partidáriaobjetivado na previsão do art. 17, § 1o, da Constituição Federal, a con-

Page 336: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

336

sulta propõe a questão mesma da relação indelével entre o candidatoeleito e o partido por que o foi, segundo a qual a conseqüência jurídicada atribuição da vaga ao partido tem fundamento constitucional autô-nomo, que não está apenas no art. 14, § 3o, inc., V, mas também,reafirmado, no alcance do art. 45, que estatui:

Art. 45. A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes dopovo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cadaTerritório e no Distrito Federal.

[...]

Observe-se, por fim, que não se está a propor, de forma alguma, res-trição ou embaraço à liberdade de filiação partidária, nem à liberdadeconsciência, e tampouco, cassação, perda ou suspensão de direitospolíticos, cujos valores são também tutelados pela Constituição daRepública e não se indispõem, em ponto algum, com o reconhecimen-to de que toda mudança injustificada de partido aniquila o fundamentoestrutural que dá legitimidade ao exercício do mandato pelo represen-tante.

[...]

Não se trata, sublinhe-se, de sanção pela mudança de partido, a qualnão configura ato ilícito, mas do reconhecimento da inexistência dedireito subjetivo autônomo ou de expectativa de direito autônomo àmanutenção pessoal do cargo, como efeito sistêmico-normativo darealização histórica (‘fattispecie concreta’) da hipótese de desfiliaçãoou transferência injustificada, entendida como ato culposo incompatí-vel com a função representativa do ideário político em cujo nome foieleito. Tal é a óbvia razão por que não incide, na hipótese, a norma doart. 55 da Constituição da República, em cujo âmbito a perda do man-dato é reação do ordenamento a atos ilícitos e, como tal, é sançãotípica. Mudar ou desfiliar-se de partido é ato lícito!

O Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Mandado de Seguran-ça n. 26.603, deixou assente existir vinculação entre o mandato e opartido , no sistema proporcional, não sendo o mandatário o dominusdo poder de representação recebido nas urnas. Além disso, decretouque os parlamentares estariam sujeitos à perda de seus mandatos casomigrassem das siglas partidárias pelas quais tivessem sido eleitos apósa data da resposta dada à consulta pelo Tribunal Superior Eleitoral,instruindo a Corte Eleitoral para que regulamentasse o procedimentode perda de cargo eletivo. É o que se lê nos seguintes trechos do votodo eminente relator Celso de Mello:

O direito vindicado pelos partidos políticos afetados por atos de infide-lidade partidária não nasce nem surge da resposta que o TSE deu à

Page 337: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

337

Consulta que lhe foi submetida, mas representa emanação direta dopróprio texto da Constituição, que a esse mesmo direito confere reali-dade e dá suporte legitimador, especialmente em face dos fundamen-tos e dos princípios estruturantes em que se apóia o Estado Democrá-tico de Direito, como a soberania popular, a cidadania e o pluralismopolítico (CF, art. 1o, I, II e V).

Não se trata, portanto, de impor, ao parlamentar infiel, a sanção daperda de mandato, porque de punição não se trata, como expressa-mente o reconheceu o E. Tribunal Superior Eleitoral na resposta dadaà Consulta n. 1.398/DF.

E a razão é simples. É que a Constituição protege o mandato parla-mentar. A taxatividade do rol inscrito em seu art. 55, que define em“numerus clausus” as hipóteses de perda do mandato, em caráter pu-nitivo, representa verdadeira cláusula de tutela constitucional destina-da a preservar a própria integridade jurídica do mandato legislativo.Por isso mesmo, não há mais que a aludir à cassação do mandatorepresentativo por ato de infidelidade partidária. Essa possibilidade –introduzida como sanção jurídica imponível ao parlamentar infiel pelaCarta de 1969 (e reclamada, historicamente, entre nós, já sob a égideda Constituição de 1946, por João Mangabeira ) – foi suprimida pelaEC n. 25/1985, deixando de ser renovada, em caráter de punição, pelaConstituição vigente.

Na realidade, segundo entendo, o fundamento real que justifica o re-conhecimento de que o partido político tem direito subjetivo às vagasconquistadas mediante incidência do quociente partidário deriva domecanismo – consagrado no próprio texto da Constituição da Repúbli-ca – que concerne à representação proporcional.

[...]

O ato de infidelidade, seja ao Partido Político, seja, com maior razão,ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, repre-senta um inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao exercíciolegítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nemsempre motivadas por razões justas, não só surpreendem o própriocorpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade por elas conquistada nas urnas –, mas culmi-nam por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento,vindo, até, em clara fraude à vontade popular, e em frontal transgres-são ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita re-dução numérica, o exercício pleno da oposição política.

Uma das conseqüências mas relevantes do sistema eleitoral proporci-onal, consagrado pela Constituição, consiste em viabilizar a presençade corrente minoritárias de pensamento no âmbito do Parlamento.

Page 338: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

338

Isso significa que violar o sistema proporcional representa mutilar odireito da minorias que atuam no âmbito social, privando-as darepresentatividade nos corpos legislativos e ofendendo-lhes, assim,um direito – notadamente o direito de oposição – que deriva dos fun-damentos que dão suporte legitimador próprio Estado Democrático deDireito, tais como a soberania popular, a cidadania e o pluralismo po-lítico [...].

Nesse passo, ao editar a Resolução n. 22.610, em vigor desde 30de outubro de 2007, que cuida da matéria em tela, a citada Corte Su-perior não só se valeu das atribuições que lhe são conferidas pelo art.23, IX do Código Eleitoral, mas deu cumprimento à determinação oriun-da da Suprema Corte.

Convém salientar que este Tribunal, ao examinar questão de or-dem por mim suscitada quanto à constitucionalidade da diretriznormativa fixada pela Corte Superior Eleitoral, especificamente sobreo aspecto da compatibilidade do art. 2o da mencionada Resolução n.22.610/2007 e o art. 121 da Carta Republicana, acabou por dirimi-laafirmativamente, máxime diante da lacuna legislativa existente, nostermos do acórdão n. 22.016, de 12 de fevereiro de 2008, cujos tre-chos, por entender pertinentes, destacam-se:

[...]

Não se nega que compete ao Tribunal Superior Eleitoral expedir reso-luções para “a execução da legislação eleitoral”, nos termos do art. 23,inciso XVIII, do Código Eleitoral, dispositivo recepcionado pela vigenteCarta da República. Todavia, obviamente tal competência não passade poder regulamentar, que de modo algum pode versar temas reser-vados, pela própria Constituição, à lei, mormente a complementar.

Por isso, sendo óbvio que resolução não tem força de lei complemen-tar, resta examinar se existe, em norma legal dessa natureza, disposi-tivo que dê suporte à competência dos Tribunais Regionais Eleitoraispara julgar perda de mandato de vereador por infidelidade partidária.

[...]

Não há debaixo de meu ponto de vista, data maxima venia, regra dedireito positivo com a categoria especificada na Constituição — leicomplementar — que dê suporte ao art. 2o da Resolução n. 22.610 doTribunal Superior Eleitoral o qual, exatamente em função do manda-mento constitucional, não poderia existir autonomamente.

Todavia, essa interpretação pessoal cede terreno quando sobre o temajá se tenha manifestado o órgão ao qual a Constituição mesma deu opoder de interpretá-la autenticamente . E, ao que tudo indica, efetiva-

Page 339: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

339

mente já o fez o Supremo Tribunal Federal em sentido diverso do queaqui até agora se indicou.

Com efeito, sobre o ponto, a Suprema Corte foi chamada a decidir, inconcreto, no âmbito do mandado de segurança n. 26.603, de que foirelator o eminente Ministro Celso de Mello. Ao fazê-lo, em seu lapida-do voto, asseverou Sua Excelência:

Na realidade , Senhora Presidente, e em face, precisamente , de taispremissas, torna-se necessário assegurar , ao Deputado, naquelescasos em que se justificar o ato de sua voluntária desvinculação dopartido político pelo qual se elegeu, o direito de resguardar atitularidade do mandato legislativo, exercendo – quando a iniciativanão for da própria agremiação partidária – a prerrogativa de fazerinstaurar, perante órgão competente da Justiça Eleitoral (o TSE, tra-tando-se de Deputado Federal), procedimento em cujo âmbito se lheviabilize a possibilidade de demonstrar a ocorrência das exceçõesjustificadoras da desfiliação partidária.

Isso permitirá , ao parlamentar interessado, quer seja dele ou do par-tido político de origem a iniciativa de referido procedimento (de juris-dição voluntária) perante a Justiça Eleitoral, justificar a concret a con-figuração de causas legitimadoras da desfiliação partidária, tais como“a existência de mudança significativa de orientação programática dopartido” ou de “prática odiosa de perseguição”, como a elas se refe-riu , em douto voto proferido na Consulta n. 1.398/DF, o eminente Mi-nistro CEZAR PELUSO.

Nada impedirá que o E. Tribunal Superior Eleitoral, à semelhança doque se registrou em precedente firmado no caso de Mira Estrela/SP(RE 197.917/SP), formule e edite resolução destinada a regulamen-tar o procedimento (materialmente) administrativo de justificaçãoem referência, inst aurável perante órgão competente da própria Jus-tiça Eleitoral, em ordem a estruturar , de modo formal, as fases ritu-ais desse mesmo procedimento, valendo-se , para tanto, se assim oentender pertinente, e para colmat ar a lacuna normativa existente, da“analogia legis”, mediante aplicação, no que couber , das normas ins-critas nos arts. 3o a 7o da Lei Complementar n. 64/90. Observo que afórmula da resolução ora sugerida, a ser eventualmente editada peloE. Tribunal Superior Eleitoral, representou solução idealizada no jul-gamento plenário do já mencionado RE 197.917/SP e foi considera-da inteiramente constitucional , por esta Suprema Corte, quando daapreciação da ADI 3.345/DF, de que fui Relator, em decisão que jul-gou improcedente referida ação direta. [Voto disponível em http://w w w. s t f . g o v. b r / a r q u i v o / c m s / n o t i c i a N o t i c i a St f / a n e x o /ms26603CM.pdf,acesso em 11.2.2008 – os sublinhados, apenas, nãosão do original]

Page 340: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

340

Chama a atenção no trecho transcrito a referência não acidental àcompetência do Tribunal Superior Eleitoral para decidir sobre a perdade mandato dos deputados federais – o que, no panorama até agoradesenvolvido competiria aos Tribunais Regionais – bem como a tam-bém deliberada exclusão, das normas apontadas como paradigmas aserem utilizados na construção analógica, o art. 2o da Lei Complemen-tar n. 64/1990, que é exatamente o que versa sobre a competêncianos moldes preconizados nos parágrafos anteriores.

Naturalmente que essas opções não são eventuais nem descuidadas,por parte do Supremo Tribunal que, por elas, acenou com a sua com-preensão sobre a interpretação da Constituição no ponto. Se cabe aoTribunal Superior Eleitoral decidir sobre os mandatos de deputadosfederais – e o disse expressamente o Supremo Tribunal – a única ana-logia que resta, em relação à competência, é exatamente com a dorecurso contra a expedição de diploma. E quanto a este, cabe aostribunais regionais, o exame dos recursos contra diplomações de pre-feitos e vereadores; e ao Tribunal Superior Eleitoral os demais. Exata-mente como ficou assentado no art. 2o da Resolução TSE n. 22.610/2007.

A solução, com a devida vênia, pessoalmente não me convence. Masdepois do Supremo Tribunal Federal interpretar a Constituição, nãoresta espaço para outra exegese.

Isso porque tenho a convicção de que o Supremo Tribunal Federal éintérprete autêntico da Constituição, de tal modo que esta se colmatae se integra permanentemente pelo trabalho exegético da SupremaCorte [...].

É certo, por outro lado, que se encontra em trâmite a ação diretade inconstitucionalidade [ADI] n. 3.999, visando à declaração deinconstitucionalidade da Resolução n. 22.610/2007. Contudo, enquantonão concedida a tutela cautelar que suspenda a eficácia do atonormativo inquinado, este se presume em conformidade com oordenamento constitucional e, nessa condição, merece ser prestigiado.

Ademais, tenho que os fundamentos antes expendidos são sufici-entes para que se constate que não houve qualquer ofensa ao princí-pio da separação de poderes de que trata o art. 2o da Constituição daRepública. Também nesse ponto, aliás, o Supremo Tribunal Federalfoi explícito como se vê do voto do eminente Ministro Celso de Mello:

Cabe fazer , ainda, uma outra observação : não se diga que o Supre-mo Tribunal Federal, ao reconhecer a procedência da tese acolhida ,em Consulta, pelo Tribunal Superior Eleitoral, estaria usurp ando atri-buições do Congresso Nacional.

Page 341: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

341

Decididamente , não, pois cabe , ao Supremo Tribunal Federal, emsua condição institucional de guardião da Constituição, interpretá-la e, de seu texto, extrair , nesse processo de indagação constitucio-nal, a máxima eficácia possível, em atenção e respeito aos grandesprincípios estruturantes que informam , como verdadeiros vetoresinterpretativos, o sistema de nossa Lei Fundamental.

Com efeito, a força normativa da Constituição - tratando-se de ques-tões pertinentes ao modelo de representação popular, à legitimidadedo processo eleitoral, à integridade da vontade soberana do corpoeleitoral (do cidadão-eleitor, portanto), à fidelidade partidária e, tam-bém, à observância do sistema eleitoral proporcional - traduz , em nossosistema político-institucional, um valor que não pode deixar de preva-lecer e de ser respeit ado por esta Corte Suprema.

É import ante ressalt ar que essa preocupação, realçada pela doutri-na, tem em perspectiva um dado de insuperável relevo político-jurí-dico, consistente na necessidade de preservar-se, em suaintegralidade, a força normativa da Constituição , que resulta da in-discutível supremacia, formal e material, de que se revestem os prin-cípios constitucionais, cuja integridade, eficácia e aplicabilidade, porisso mesmo, hão de ser valorizados , em face de sua precedência,autoridade e grau hierárquico, como enfatizam autores eminentes(ALEXANDRE DE MORAES, “Constituição do Brasil Interpret ada eLegislação Constitucional ”, p. 109, item n. 2.8, 2a ed., 2003, Atlas;OSWALDO LUIZ PALU, “Controle de Constitucionalidade ”, p. 50/57, 1999, RT; RITINHA ALZIRA STEVENSON, TERCIO SAMPAIOFERRAZ JR. e MARIA HELENA DINIZ, “Constituição de 1988 : Legi-timidade , Vigência e Eficácia e Supremacia ”, p. 98/104, 1989, Atlas;ANDRÉ RAMOS TAVARES, “Tribunal e Jurisdição Constitucional ”,p. 8/11, item n. 2, 1998, Celso Bastos Editor; CLÈMERSON MERLINCLÈVE, “A Fiscalização Abstrat a de Constitucionalidade no Direi-to Brasileiro ”, p. 215/218, item n. 3, 1995, RT, v.g.).

Cabe dest acar e reconhecer , neste ponto, tendo presente o contex-to em questão, que assume papel de fundament al importância a in-terpretação constitucional derivada das decisões proferidas peloSupremo Tribunal Federal, cuja função institucional , de “guarda daConstituição” (CF, art. 102, “caput”), confere-lhe o monopólio da úl-tima p alavra em tema de exegese das normas positivadas no textoda Lei Fundamental, como tem sido assinalado , com particular ênfa-se, pela jurisprudência desta Corte Suprema:

“(...) A interpretação do texto constitucional pelo STF deve ser acom-panhada pelos demais Tribunais. (...)

A não-observância da decisão desta Corte debilit a a força normativada Constituição. (...).”

(RE 203.498-AgR/DF , Rel. Min. GILMAR MENDES - grifei )

Page 342: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

342

No mesmo diapasão, não se divisa desrespeito aos direitos da ampladefesa e do contraditório. Destaca-se que, embora o procedimentoestabelecido pela mencionada Resolução n. 22.610/2007 seja relati-vamente simples, ele se revela bem razoável, assegurando a produ-ção de provas, inclusive a testemunhal (arts. 4o, 5o e 7o). Aliás, merecereferência o fato de que o rito da resolução aproxima-se daquele pre-visto nos arts. 3o e seguintes, da Lei Complementar n. 64, reconheci-damente conformes à ordem constitucional.

Por outro lado, faz-se imprescindível que o referido rito seja célere,devido à temporalidade dos mandatos, ponto que ganha ainda maisrelevância se se atentar ao fato de que o término dos mandatos dosvereadores se dará ainda ao final deste ano, com o que perderão obje-to estes feitos. Vale lembrar que a matéria já foi objeto de decisão peloTribunal Superior Eleitoral nos autos do mandado de segurança [MS]n. 3.668, relator Ministro Arnaldo Versiani, oportunidade em que houvepor bem afastar de plano a argüição de ilegalidade da regulamentaçãopor ele fixada.

Por sua vez, a análise sobre a eventual inconstitucionalidade dasistemática recursal instituída pela Resolução n. 22.610/2007 restaprejudicada, visto ter recentemente o Tribunal Superior Eleitoral intro-duzido no referido texto, por meio da Resolução n. 22.733/2008, espe-cificamente no art. 11, previsão para a interposição do recurso previstono art. 121, § 4o, da Constituição da República aos acórdãos proferi-dos nas ações de perda de mandato eletivo, conferindo efetividade aoprincípio do duplo grau de jurisdição.

Rejeito, portanto, as preliminares de inconstitucionalidade e de ile-galidade da Resolução n. 22.610/2007.

Quanto à alegada inobservância do princípio da anterioridade,consubstanciado no art. 16 da Constituição da República, tampoucopode prosperar. Segundo o entendimento do Supremo Tribunal Fede-ral, especialmente ratificado no julgamento da ação direta deinconstitucionalidade [ADI] n. 3.741, da relatoria do Ministro RicardoLewandowski, a ofensa ao citado dispositivo constitucional somenteexistirá se o conteúdo normativo do diploma ou ato normativo impug-nado vier a introduzir alterações no processo eleitoral. Concluiu-se que“só se pode cogitar de comprometimento do princípio da anterioridade,quando ocorrer: 1) o rompimento da igualdade de participação dospartidos políticos e dos respectivos candidatos no processo eleitoral;2) a criação de deformação que afete a normalidade das eleições; 3) aintrodução de fator de perturbação do pleito; ou 4) a promoção de alte-

Page 343: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

343

ração motivada por propósito casuístico”. Como se vê, a nenhumadessas hipóteses subsume-se a dos autos.

Afasto, pois, mais esta prefacial.

Frise-se, ademais, que a legitimidade do Ministério Público parapropositura desta ação decorre de previsão explícita do art. 1o, § 2o, datantas vezes citada Resolução n. 22.610/2007, cuja harmonia com orestante do ordenamento jurídico pátrio decorre da inegável presença,no presente caso, do interesse público qualificado, apreensível, comose sabe, pela existência de fatos hábeis a afetar a coletividade emgeral. Na realidade, a previsão resolutória está em clara consonânciacom as legitimidades constitucionais e legais do Ministério Público.

É como voto.

Afastadas, assim, toda as preliminares, passo a apreciar o méritoda demanda.

Não há, in casu, controvérsia acerca da data da desvinculação deClaudinei Loos do Partido Liberal (PL), partido pelo qual foi eleito vere-ador em 2004.

À fl. 6 consta certidão da 56a Zona Eleitoral de Balneário Camboriúinformando que o referido mandatário alistou-se aos quadros do Parti-do do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB) em 15 de setembrode 2007, fato que não foi impugnado pelo requerido.

E, uma vez comprovado que o requerido Claudinei Loos deixou opartido pelo qual foi eleito após a data de 27 de março de 2007, nostermos do caput do art. 13 da Resolução TSE n. 22.610/2007, possí-vel, em princípio, a declaração da perda de seu mandato, cumprindoaos requeridos demonstrar a existência de justa causa a amparar o atode desfiliação, nos termos do § 1o do art. 1o da mesma resolução, queassim estabelece:

Art. 1o - [...]

§ 1o – Considera-se justa causa:

I – incorporação ou fusão do partido;

II – criação de novo partido;

III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV – grave discriminação pessoal.

§ 2o [...]

Page 344: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

344

Os requeridos elencaram como justa causa para a desvinculaçãopartidária a fusão do PL com o PRONA, que originou o atual Partido daRepública (PR).

Argumentou ainda o requerido Claudinei Loos que a sua perma-nência no partido tornou-se insustentável, pois além do desvio de ori-entação programática ocorrido, não havia sequer organização partidá-ria no município no qual pretendia se reeleger, o que comprometia seuprojeto político.

Tem procedência a alegação de justa causa.

A Resolução n. 22.610 é explícita em relação aos motivos queensejam justa causa para a elisão da infidelidade partidária em seu art.1o, § 1o. Nele estão relacionadas quatro hipóteses.

As duas primeiras, “incorporação ou fusão do partido” e “criaçãode novo partido”, são objetivas e se configuram pela mera ocorrên-cia do suporte fático devidamente constatada.

As outras duas, “mudança substancial ou desvio reiterado do pro-grama partidário” e “grave discriminação pessoal”, compreendem con-ceitos indeterminados e cláusulas abert as que dependem, portan-to, de preenchimento exegético a ser realizado à luz do caso con-creto e das provas existentes.

Aqui verifica-se sem qualquer sombra de dúvida a ocorrência dosuporte fático que atrai a incidência da justa causa prevista no inciso I,2a parte, do § 1o, do art. 1o, da Resolução n. 22.610/2007, ou seja,fusão de partidos.

Realmente — e o fato é incontroverso — o Partido Liberal (PL) e oPartido da Reedificação da Ordem Nacional (PRONA) se fundiram,formando o Partido da República (PR) por meio de requerimento con-junto de 7 de novembro de 2006, o que foi deferido pela Resolução n.22.504, publicada em 12 de fevereiro de 2007. Em 14 de fevereiro de2007 foram interpostos embargos declaratórios à resolução, recursoque não foi conhecido nos termos da Resolução n. 22.523, publicadaem 13 de abril de 2007, havendo transitado em julgado a decisão em18 de abril de 2007.

Assim, o partido pelo qual o requerido foi eleito, PL, desapareceupela fusão. Isso porque os partidos políticos são pessoas jurídicas dedireito privado, conforme ditam o art. 17, § 2o da Constituição da Re-pública, 44 inciso V do Código Civil e 1o da Lei dos Partidos Políticos.

Page 345: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

345

Portanto, submetem-se às regras gerais aplicáveis a essas entidades,inclusive a da fusão, prevista no art. 1.119 do Código Civil:

Art. 1.119. A fusão determina a extinção das sociedades que se unem,para formar sociedade nova, que a elas sucederá nos direitos e obri-gações.

Em idêntico sentido prevê a Lei dos Partidos Políticos, em seusarts. 27 e 29 § 4o:

Art. 27. Fica cancelado, junto ao Ofício Civil e ao Tribunal SuperiorEleitoral, o registro do partido que, na forma de seu estatuto, se dissol-va, se incorpore ou venha a se fundir a outro.

Art. 29. Por decisão de seus órgãos nacionais de deliberação, dois oumais partidos poderão fundir-se num só ou incorporar-se um ao outro.

[...]

§ 4o Na hipótese de fusão, a existência legal do novo partido tem iníciocom o registro, no Ofício Civil competente da Capital Federal, do esta-tuto e do programa, cujo requerimento deve ser acompanhado dasatas da decisões dos órgãos competentes.

Portanto, com a fusão os partidos fundidos desaparecem, surgindoem seu lugar nova entidade, diversa das anteriores.

O Tribunal Superior Eleitoral, ao expedir a Resolução n. 22.610,expressamente destacou a fusão partidária como justa causa para adesfiliação do novo partido que dela se produz. Uma vez ocorrida afusão, está autorizado o filiado a se desligar da grei partidária, migran-do para outra.

Descabe a consideração suscitada pelo Ministério Público, no sen-tido de que o alegado excesso de prazo entre a fusão e a desfiliaçãodo requerido impediriam o reconhecimento da justa causa.

A uma porque o prazo mencionado pela Procuradoria Regional Elei-toral não existe, nem tampouco a pretendida contemporaneidade en-tre a fusão e a desfiliação. A regra da fidelidade partidária que aqui seaplica tem vigência, por ora, para a legislatura que está em andamen-to. Para a próxima, evidentemente, não mais valerá e a fusão feitanesta não servirá para a do ano seguinte.

A duas porque o óbice à admissão da justa causa assenta-se emum juízo subjetivo , inviável de ser feito em relação à hipótese per-missiva alegada pelo requerido. Com efeito, não há espaço para con-siderações sobre a influência ou a conexão entre a fusão e a altera-

Page 346: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

346

ção de diretriz partidária que justificasse a saída do requerido do par-tido pelo qual se elegeu.

O exame da “mudança substancial ou desvio reiterado do progra-ma partidário” vincula-se a outra causa elisiva da infidelidade, diversada fusão de partidos. Portanto, não se pode exigir, nem mesmo admi-tir , que se faça considerações sobre se a fusão efetivamente implicouem alteração da linha partidária quanto aos partidos fundidos. Essamatéria diz respeito a outra hipótese de justa causa. Basta evidenciarobjetivamente se houve, ou não, fusão do partido pelo qual o manda-tário se elegeu. Não fosse assim e a Resolução n. 22.610 não teriafeito o discrimen entre as hipóteses. E por isso que considerações deordem subjetiva e interpretativa sobre a conseqüência da fusão no pro-grama partidário são completamente dispensáveis e mesmoirrelevantes.

O Tribunal Regional Eleitoral de Goiás já decidiu no sentido da ocor-rência de justa causa pela fusão entre PL e PRONA:

REPRESENTAÇÃO. PERDA DE CARGO ELETIVO EM DECORRÊN-CIA DE DESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA. REJEIÇÃO DAS PRELIMINA-RES DE ILEGITIMIDADE ATIVA E IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DOPEDIDO. JUSTA CAUSA PARA A DESFILIAÇÃO. REPRESENTAÇÃOJULGADA IMPROCEDENTE.

1 - O Partido Político, ainda que tenha participado daS eleições comointegrante de determinada Coligação, tem legitimidade para figurar nacondição de autor da ação para perda de cargo eletivo em decorrênciade desfiliação partidária.

2 - Verificados o interesse jurídico do Partido Político, a possibilidadejurídica do pedido, a necessidade e adequação da via processual uti-lizada, deve ser afastada a preliminar de impossibilidade jurídica dopedido.

3 - Reconhecimento da justa causa para a desfiliação partidáriaconsubstanciada na fusão do Partido Liberal - PL com o Partido daReedificação da Ordem Nacional -PRONA para a formação do Partidoda República - PR, nos termos do inc. I, § 1o, do art. 1o, da ResoluçãoTSE 22.610/2007 c/c Resolução TSE 22.504/2006 e Resolução TSE22.523/2007. [Acórdão n. 1.538, julgado em 5.3.2008, relator Juiz Eulerde Almeida Silva Junior e 1.647, julgado em 25.2.2008].

Desse modo, presente a escusa regulamentar da fusão partidária,a desfiliação ocorreu sem quebra da fidelidade, pelo que não procedea pretensão à declaração de perda de mandato.

É como voto.

Page 347: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

347

ACÓRDÃO N. 22.171

PROCESSO N. 464 - CLASSE XIV - AÇÃO DE DECRETAÇÃO DEPERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA -84a ZONA ELEITORAL - SÃO JOSÉ

Relator: Juiz Volnei Celso Tomazini

Requerente: Democratas

Requeridos: Osni Meurer e Partido Progressista (PP)

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIASEM JUSTA CAUSA - CRIAÇÃO DE NOVO PARTI-DO - NÃO CONFIGURAÇÃO - AGREMIAÇÃO QUEALTEROU NOMENCLATURA - COMPROVAÇÃO DEGRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL - JUSTA CAU-SA CONFIGURADA - IMPROCEDÊNCIA.

Vistos, etc.,

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de SantaCatarina, à unanimidade, em julgar improcedente a ação, nos termosdo voto do Relator, que fica fazendo parte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 4 de junho de 2008.

Juiz JOÃO EDUARDO SOUZA VARELLA, Presidente

Juiz VOLNEI CELSO TOMAZINI, Relator

Dr. CLAUDIO DUTRA FONTELLA, Procurador Regional Eleitoral

R E L A T Ó R I O

Trata-se de ação de decretação de perda de mandato eletivo pordesfiliação partidária proposta pelo Diretório Estadual do Democratasem face de Osni Meurer e do Diretório Estadual do Partido Progressis-ta (PP).

Alega o partido requerente: a) que o requerido, eleito vereador doMunicípio de São José no pleito de 2004 pelo PFL, antiga denomina-ção do Democratas, desfiliou-se do partido, em 5.10.2007, sem apre-

Page 348: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

348

sentar justa causa; b) que, após o pronunciamento do Supremo Tribu-nal Federal e do Tribunal Superior Eleitoral – sobre a perda do manda-to por infidelidade partidária –, inseriu no seu estatuto, conforme con-venção nacional realizada em 28.3.2007, cláusula nesse mesmo sen-tido; c) que o requerido violou a norma insculpida, abandonando a le-genda após a data de 27.3.2007 – marco para aplicação das regras doTSE para os cargos proporcionais; d) que o pedido de desfiliação nãose ajusta a nenhuma das hipóteses previstas no § 1o, do art. 1o, daRes. TSE n. 22.610/2007; e) que o ato de infidelidade do requerido lhecausou grave prejuízo político, pois “se viu alijado de porção de suaforça política”.

Ao final, requer a procedência da ação com a decretação da perdado mandato do requerido e a determinação à Câmara Municipal de SãoJosé para que convoque o suplente do Democratas para tomar posseno mandato eletivo (fls. 2-13). Junta os documentos de fls. 14-26.

Devidamente citados (fls. 31 e 44), os requeridos apresentaramsuas defesas.

Osni Meurer (fls. 49-59) alega que: a) sua desfiliação está albergadanos incisos II, III, e IV do § 1o do art. 1o da Resolução TSE n. 22.610/2007; b) houve refundação de partido, significando que o DEM é umnovo partido (arts. 125, 126 e 127 do Estatuto); c) houve mudançasubstancial do programa partidário; e d) sofreu grave discriminaçãopessoal do partido, uma vez que foi “desautorizado, ultrajado e humi-lhado na sua honra, publicamente [...]”, ao ter sido vetado para presidira Comissão Provisória do PFL do Município de São José, bem como,excluído das reuniões do partido. Pede pela improcedência do pedido.Arrola testemunha e junta os documentos de fls. 61-72.

O Partido Progressista, às fls. 35-45, argüiu que a desfiliação se deupor justa causa, razão pela qual pugna pela improcedência da ação.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral manifestou-se pela produção das provas requeridas pelas partes (fls. 78-79).

Expedida carta de ordem ao Juízo da 84a Zona Eleitoral – São José(fl. 80), foi realizada audiência de instrução para ouvida das testemu-nhas arroladas (fls. 96-100).

Intimadas, as partes apresentaram as alegações finais (fls. 105-106).

Osni Meurer (fls. 107-110) argüiu que a prova testemunhal e docu-mental comprovaram ter ocorrido grave discriminação pessoal “leva-

Page 349: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

349

da a cabo por lideranças partidárias do DEM”, pelo que requereu fos-se julgado improcedente o pedido.

O DEM (fls. 112-119) sustentou que a defesa do requerido é desto-ante da realidade dos fatos, bem como contraditória; que não houveperseguição política; que restaram claros os interesses pessoais dorequerido e que não ficou comprovada nenhuma justa causa para suadesfiliação. Pugna, ao final, pela procedência da ação.

O PP não apresentou alegações finais, embora devidamente inti-mado.

A Procuradoria Regional Eleitoral (fls. 121-125) manifestou-se pelaprocedência do pleito inicial, com a conseqüente decretação da perdade mandato eletivo do requerido e a comunicação da decisão ao Pre-sidente do Órgão Legislativo local para que emposse o respectivo su-plente.

É o relatório.

V O T O

O SENHOR VOLNEI CELSO TOMAZINI (Relator): Senhor Presi-dente, a presente ação é tempestiva e preenche os demais requisitosde admissibilidade, razão pela qual dela conheço.

A Resolução TSE n. 22.610/2007 – que disciplinou o processo deperda de cargo eletivo, bem como de justificação partidária – estabe-leceu as hipóteses de justa causa (art. 1o, § 1o, incisos I a IV), bemcomo as regras relativas ao ônus da prova. Extrai-se dos arts. 3o e 8o,verbis:

Art. 3o Na inicial, expondo o fundamento do pedido, o requerente jun-tará prova documental da desfiliação, podendo arrolar testemunhas,até o máximo de 3 (três), e requerer, justificadamente, outras provas,inclusive requisição de documentos em poder de terceiros ou de re-partições públicas.

Ainda:

Art. 8o Incumbe aos requeridos o ônus da prova de fato extintivo,impeditivo ou modificativo da eficácia do pedido.

Com efeito, restou demonstrado que Osni Meurer requereu suadesfiliação do Democratas em 5.10.2007, ou seja, em data posterior à27.3.2007, definida pelo TSE na Consulta n. 1.398.

Page 350: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

350

O documento acostado aos autos, à fl. 18, comprova a data dodesligamento declarada na inicial, não havendo, por outro lado, con-trovérsia a esse respeito.

Ressalta-se que, uma vez comprovada a desfiliação de Osni Meurer,do partido pelo qual foi eleito, após 27 de março de 2007, compete aosrequeridos comprovar a existência de justa causa autorizadora dadesfiliação, a teor do disposto no § 1o do art. 1o da Res. TSE n. 22.610/2007.

Art. 1o O partido político interessado pode pedir, perante a Justiça Elei-toral, a decretação da perda de cargo eletivo em decorrência dedesfiliação partidária sem justa causa.

§ 1o Considera-se justa causa:

I) incorporação ou fusão

II) criação de novo partido

III) mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV) grave discriminação pessoal.

Quanto à alegação do requerido de que se trata de criação de umnovo partido – uma vez que o Estatuto do DEM fala em “refundação” –,tenho que descabida, pois consabido que não houve a criação de umnovo partido, mas apenas alteração da nomenclatura de agremiação jáexistente, conforme registrou a Corte Superior Eleitoral na Resoluçãodo TSE n. 22.250, de 12.6.2007 – que deferiu o pedido de alteraçãoproposta.

Essa mudança estatutária não se confunde com a criação de novopartido, cujo procedimento está estabelecido nos arts. 8o e 9o da Lei n.9.096/1995, tampouco configura mudança substancial ou desvio reite-rado do programa partidário, como quer o requerido. Ademais, o re-querido nem sequer consignou a parte do programa partidário queentende descumprida, bem como não demonstrou os atos partidáriosque evidenciariam a mudança substancial ou o desvio reiterado.

Destaca-se da jurisprudência:

INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. PERDA DE MANDATO ELETIVO. RE-QUERENTE. ÓRGÃO PARTIDÁRIO ESTADUAL. CABIMENTO.INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/2007.REJEIÇÃO. DESFILIAÇÃO. JUSTA CAUSA. NÃO CONFIGURADA.DECRETAÇÃO DA PERDA DO MANDATO ELETIVO.

[...]

Page 351: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

351

O motivo “mudança substancial ou desvio reiterado do programa par-tidário” para que seja configurado como justa causa de desfiliação, háde ser comprovado alterações nas disposições do estatuto do partido,após a filiação do interessado, que mude subst ancialmente os pro-gramas e ideologia da agremiação p artidária [TRE/TO. Processo n.6615, Publicado no DJ de 17.3.2008, p. B-5, Rel. Juiz José RobertoAmêndola – grifou-se].

Alega o requerido, ainda, como justa causa para sua desfiliação,ter sofrido grave discriminação pessoal por integrantes do partido –especialmente do Deputado Paulo Bornhausen –, quando da indica-ção para ocupar a presidência da Comissão Provisória do Municípiode São José, cargo que foi conferido à vereadora Sandra Martins.

Para comprovar o alegado o requerido trouxe recortes de jornais,datados de 12, 19, 26 e 31 de janeiro de 2007, que noticiam, em sín-tese: à fl. 68, que assumiria a presidência da referida comissão “subs-tituindo o deputado federal Gervásio Silva”; à fl. 69, que estava na pre-sidência da Comissão Provisória; à fl. 70, que não era o presidente daComissão Provisória, segundo declaração do Sr. Paulo Bornhaunsen,da Executiva Estadual; e, à fl. 71, que o PFL reconquistou a vereadoraSandra Martins para seus quadros.

A defesa argúi que a manifestação do Deputado Paulo Bornhausen,por meio da imprensa local, teria sido determinante para o vereadorbuscar abrigo em outra agremiação, pois foi “vetado, desautorizado,ultrajado e humilhado na sua honra, publicamente pelo Deputado Fe-deral Paulo Bornhausen”, que vetou seu nome, restando caracteriza-da a grave discriminação pessoal.

Da análise da prova documental e testemunhal, pode-se concluir pelacomprovação da existência da alegada justa causa, se não vejamos:

Transcrevo do depoimento do Sr. Gervásio Silva (fl. 82), verbis:

Que desde março de 2006 [...] a comissão Provisória Municipal deSão José estava acéfala, pois havia passado o prazo para renovaçãodesta e nada foi feito; que nesta época o declarante que é deputadofederal, que tem grande base eleitoral em São José, indicou o verea-dor Osni Meurer para presidir tal comissão; que tal indicação foi feitapor duas vezes formalmente e várias vezes informalmente em reuni-ões da executiva estadual; que desde essa época já notou a discri-minação do p artido p ara com o vereador Meurer; que t al discrimi-nação agravou-se com a criação do p artido democrat as quandoem todo o est ado foram criadas Comissões Municip ais Provisóri-as menos em São José, inobst ante o pedido p ara que o vereador

Page 352: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

352

fosse indicado presidente de t al comissão ; que a Comissão foisomente inst alada a 05 (cinco) dias do prazo final p ara filiações,visando o pleito de 2008, o que acarret aria “morte política” dovereador , pois um p artido não estruturado fica sem condições dedisput ar qualquer eleição; que na época como agora, havia inte-resse do deput ado Paulo Bornhausen em indicar outras pessoasnão realmente vinculadas a história do p artido de São José à Co-missão Provisória [...]; que o PFL de São José comandou o municí-pio por mais de 30 (trinta) anos e hoje possui somente uma vereadora;que tal se deu em função das práticas discriminatórias eantidemocráticas que vem adotando o partido em relação ao municí-pio de São José, sendo um dos pontos mais destacados nos últimosanos a perseguição ao vereador Meurer.

Do depoimento do Sr. Édio Osvaldo Vieira (fl. 99-100), extrai-se:

[...] que no início de 2007, quando se reuniram para tratar da possívelfiliação do declarante ao PFL, foi marcada uma reunião em que deve-riam estar presentes os deputados federais Gervásio Silva, PauloBornhausen e o deputado estadual Cesar Souza Júnior, porém o de-putado Paulo Bornhausen não compareceu; que após esse episódio,o declarante ficou decepcionado e desistiu de filiar-se ao partido; quetal aconteceu porque o declarante descobriu que a Executiva Estadualmantinha a Comissão Provisória Municipal, que já deveria ter sido re-novada, ou seja, não havia comissão, pois a mesma não foi renovadano período correto; que sentiu assim que Executiva Estadual não esta-va valorizando seus filiados e representantes no município de São José,em especial o vereador Osni Meurer; [...] que o deput ado PauloBornhausen foi enfático ao dizer que aguardava o retorno davereadora Sandra que havia saído do p artido p ara que est a fosseouvida na formação da Comissão, demonstrando tot al desrespei-to ao vereador mais vot ado neste município ; que o declarante acre-dita que foi esse desprestígio que motivou o Sr. Osni a sair do PFL;que o deputado Paulinho Bornhausen deixou claro que não tinha inte-resse na continuidade do vereador Osni se esse cerrasse fileiras comele, posto que Osni era mais vinculado ao grupo do deputado GervásioSilva; que isso se tornou claro quando a Comissão Municipal foi regu-larizada em outubro, sob a presidência da vereadora Sandra que de-monstrou claramente seu desejo de mandar no diretório municipal,demonstrando claramente seu desrespeito à vontade do vereador Osnique havia sido mais votado e tinha interesse na presidência da Comis-são; que em nenhum momento Raimundo Colombo ajudou como pre-sidente do Partido o vereador mais votado do partido no município deSão José. [...].

As matérias jornalísticas e as declarações das testemunhas aci-ma referidas demonstram que houve distinção de tratamento do par-

Page 353: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

353

tido para com o requerido, o que caracteriza a grave discriminaçãopessoal.

Percebe-se que a própria testemunha Gervásio Silva, que integra-va o PFL e hoje encontra-se em outra agremiação partidária, tinha di-vergências com integrantes do partido, o que teria contribuído paraque o requerido sofresse tratamento diferenciado por parte daquelepartido.

Além disso, verifico que a comissão provisória do PFL em São Joséficou sem vigência no período de 20.3.2006 a 1.10.2007 (consoantecertidões de fls. 66 e 72), e que, por várias vezes, fora feita a indica-ção do nome do requerido para compor tal comissão como presiden-te, mas o partido rejeitou os pedidos. Consta dos autos o documentode fl. 67, no qual comprova o encaminhamento, ao Presidente do Ór-gão Estadual do partido, Raimundo Colombo, da “alteração da Comis-são Provisória” indicando o nome de Osni Meurer à presidência.

O fato de não ter sido acolhida a indicação de seu nome para pre-sidir a Comissão Provisória do Município de São José, e ter sido apro-vado outro, demonstra que o requerido estava sofrendo grave perse-guição ou discriminação pessoal, pois, por certo, tal decisão dependiados demais integrantes do partido.

Pelo que consta dos autos, teria ocorrido um acerto entre os diri-gentes do partido no sentido de que o requerido assumiria a Presidên-cia da Comissão Provisória do PFL no Município de São José. A pers-pectiva era grande, pois até a imprensa local dava como certa a suaindicação, conforme se pode perceber através da nota publicada naimprensa local (Correio de Santa Catarina, doc.6):

Vereador Osni Meurer assume comando do PFL.

O vereador Osni Meurer vai assumir nesta sexta-feira (12/01) a presi-dência da Comissão Provisória do PFL de São José, substituindo odeputado federal Gervásio Silva.

Mas, para surpresa do requerido, o partido nomeou para a Presi-dência da Comissão Provisória a vereadora Sandra Pereira AlvesMartins, que havia se desligado no ano de 2005. Portanto, o requeri-do, dentre os eleitos, foi o único vereador que permaneceu filiado aeste partido. E, chegada a oportunidade de assumir a Presidência daComissão Provisória, foi preterido por outra pessoa que, inclusive, jáhavia se desfiliado do partido.

Page 354: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

354

Verifico que o requerido sempre agiu com coerência (conforme provacolacionada aos autos), e, enquanto seus colegas deixaram o PFL,manteve-se fiel ao partido, apoiando candidato a Deputado Federalfiliado em seu município. Porém, ao que tudo indica, esse apoio teriasido determinante para que fosse alijado da assunção no cargo depresidente da Comissão Provisória.

Assim, não se poderia exigir outra conduta do requerido, senãodeixar a agremiação partidária, uma vez que havia perspectiva de co-mandar o PFL em São José, tendo sido preterido por pessoa queretornou ao partido, talvez até por conta de acerto político, para satisfa-zer pretensões pessoais de outros integrantes da grei.

A respeito da justa causa fundada na grave discriminação pessoal,destaco do julgado já mencionado acima (TRE/PR. Processo n. 663,Publicado no DJ de 03.04.2008, p, Rel. Juiz João Pedro Gebran Neto):

Havendo demonstração da ocorrência de grave discriminação pesso-al entre a direção municipal do partido e o requerido, possível suadesfiliação da agremiação, ante a impossibilidade de conduta diversa.

Não restam dúvidas, portanto, que o requerido sofreu tratamentodesigual e injusto, de forma que sua permanência no partido se tornouinsustentável. Não se trata de simples divergências ou desentendimen-tos entre os integrantes do partido. O partido ao qual o requerido erafiliado utilizou-se de procedimento incompatível com a salutar convi-vência entre os seus filiados. Omitiu-se ao não providenciar a regulari-dade da Comissão Provisória no Município de São José em prazo ra-zoável. E, quando resolveu nomear tal comissão, preteriu o nome dorequerido em detrimento de outra vereadora que já havia se desligadodo partido.

Diante do exposto, entendo comprovada a justa causa para adesfiliação partidária, e, em conseqüência, julgo improcedente o pedi-do de decretação de perda do mandato eletivo contra Osni Meurer.

É como voto.

Page 355: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

355

ACÓRDÃO N. 22.189

PROCESSO N. 630 - AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA - 36a ZONA ELEI-TORAL - VIDEIRA (IOMERÊ)

Relator: Juiz Márcio Luiz Fogaça Vicari

Requerente: Ministério Público Eleitoral

Requeridos: Itacir Balbinot e Democratas (DEM)

AÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO - PRE-LIMINAR DE DECADÊNCIA - PRAZO QUE SE CON-TA DA PUBLICAÇÃO DA RESOLUÇÃO TSE N.22.610/2007 - RECESSO JUDICIÁRIO - PRORROGA-ÇÃO DA PRÁTICA DO ATO PARA O PRIMEIRO DIAÚTIL SEGUINTE - TEMPESTIVIDADE - MINISTÉRIOPÚBLICO - ATUAÇÃO COMO PARTE - PEDIDO DEIMPROCEDÊNCIA EM ALEGAÇÕES FINAIS - DIREI-TO INDISPONÍVEL - IMPOSSIBILIDADE DE SE IN-TERPRETAR O PEDIDO COMO DESISTÊNCIA OURENÚNCIA - MANUTENÇÃO DA QUALIDADE DEPARTE QUE AFASTA A ATUAÇÃO COMO FISCAL DALEI - ALEGAÇÃO DE GRA VE DISCRIMINAÇÃO PES-SOAL - EXIGÊNCIA DE OBEDIÊNCIA À DELIBERA-ÇÃO DE ÓRGÃO SUPERIOR - AUTONOMIA E DIS-CIPLINA PARTIDÁRIAS - LICITUDE - TRA TAMENTOBASEADO EM CRITÉRIO OBJETIVO - AUSÊNCIA DEDISCRIMINAÇÃO - INCONSISTÊNCIA DA DEFESA -PERDA DE MANDATO DECLARADA.

O prazo p ara propositura de ações declaratóriasde perda de mandato teve início com a publicaçãoda Resolução n. 22.610/2007 do T ribunal SuperiorEleitoral. Incidindo o termo final do prazo em dia noqual se encontra fechada a secret aria do T ribunal,prorroga-se p ara o primeiro dia útil seguinte.

O processo de declaração da perda do mandatoeletivo por infidelidade p artidária não admite desis-tência, nem mesmo pelo Ministério Público. A atua-

Page 356: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

356

ção do Ministério Público como p arte afast a suatransmudação em fiscal da lei no mesmo proces-so, ainda que sob outro título de represent ação,dada sua unidade e indivisibilidade.

A grave discriminação pessoal exige, cumulati-vamente, trat amento distintivo, injusto e que torneimpossível a convivência p artidária, ou seja: ( i) háde ser um trat amento discriminatório, específicocontra um ou alguns filiados ou em favor de um oualguns filiados; ( ii) deve ser fundado em razõesinjustificáveis, sem base jurídica (de vez que asquestões políticas refogem ao exame do Judiciá-rio, blindadas pela autonomia p artidária constituci-onal); ( iii) devem tornar inviável a permanência nopartido.

É lícit a a imposição p artidária, dentro de seusórgãos e estratos regulares e de acordo com asregras est atutárias, de observância e obediência àsdiretrizes p artidárias oriundas de órgãos superio-res, pelos órgãos inferiores. A disciplina p artidáriaregular é postulado constitucional e concretiza oprincípio da democracia p artidária que estrutura aRepública Federativa do Brasil.

Não há trat amento discriminatório quando opartido não distingue seus filiados, elegendo crité-rio objetivo p ara impor condut as, exigir obediênciaou aplicar sanções.

Vistos, etc.,

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de SantaCatarina, à unanimidade, em rejeitar a preliminar e, no mérito, julgarprocedente o pedido, nos termos do voto do Relator, que fica fazendoparte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 11 de junho de 2008.

Juiz JOÃO EDUARDO SOUZA VARELLA, Presidente.

Juiz MÁRCIO LUIZ FOGAÇA VICARI, Relator.

Dr. ANDRÉ STEFANI BERTUOL, Procurador Regional EleitoralSubstituto.

Page 357: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

357

R E L A T Ó R I O

Trata-se de pedido de decretação de perda de mandato eletivo for-mulado pelo Ministério Público Eleitoral em face de Itacir Balbinot e doDiretório Estadual do Democratas (DEM).

Sustenta o requerente que o vereador em questão desvinculou-sedos quadros da agremiação partidária, Partido da Social DemocraciaBrasileira (PSDB) de Iomerê, pela qual se elegeu em 19 de setembrode 2007, após a data limite estipulada pela Resolução n. 22.610/2007,do Tribunal Superior Eleitoral, qual seja, 27 de março de 2007, paraalistar-se no Democratas (DEM), “sem evidenciar a justa causa exigidapela legislação regente”.

Em sua contestação (fls. 15-22), o Democratas (DEM) afirma que overeador foi alvo de perseguição política e de discriminação pessoalda executiva estadual de seu antigo partido, inclusive com ameaça deintervenção do Diretório Municipal do Partido da Social DemocraciaBrasileira (PSDB) de Iomerê pelo Regional, em especial, após ter seposicionado contra a tríplice aliança formalizada nas eleições majori-tárias de 2006, com a qual divergia, por seus princípios ideológicos.Sem sustentação política, foi excluído ainda de participar das decisõesmais singelas do partido. Em razão da mudança substancial, do desviode programa, e da grave discriminação pessoal por que passava, overeador teria sido compelido a trocar de sigla partidária, não podendoser considerado esse ato como conduta imprópria. Requer a improce-dência da ação.

Itacir Balbinot apresenta resposta (fls. 26-41, 45-59) e aventa, emlinha de preliminar, a ocorrência da decadência do direito de ação pornão ter sido a ação ajuizada no prazo determinado na Resolução n.22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral. No mérito, afirma que devi-do às pressões exercidas por lideranças estaduais, inclusive mediantea ameaça de expulsão, viu-se obrigado a retirar-se da agremiaçãopartidária. Afirma que cinco vereadores eleitos pela legenda possuíamexpressividade local, os quais sequer eram consultados ou convida-dos a participar das reuniões da Executiva Estadual, a não ser parasofrer ameaças, caso não seguissem a “cartilha” do partido. Consignaque tendo sido alijado das decisões relevantes do partido, e após con-sultar as bases, ele e mais um grupo formado por cerca de outros cemfiliados, resolveram optar por trocar de sigla partidária em 19 de se-tembro de 2007, conforme restou firmado em documento aberto e naata de n. 18 do livro do Diretório Municipal que ora anexa aos autos.

Page 358: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

358

Conclui que a mudança substancial e o contínuo desvio do programapartidário, em dissonância com sua consciência política, fez com quecontrariasse as deliberações adotadas pela cúpula estadual partidária.Ao final, pugna pela extinção do processo ou, assim não entendendoesta Corte, pela manutenção de seu mandato. Anexa a documentaçãodas fls. 60-69.

Oficiado, a Executiva Municipal do Partido da Social DemocraciaBrasileira (PSDB) de Iomerê, por seu atual Presidente, Itacir José Bridi,declarou “que o vereador Itacir Balbinot tinha razões suficientes paradeixar a sigla partidária, face as perseguições e ameaças de expul-são que vinha sofrendo pela Executiva Estadual do PSDB” (fls. 91-92). Anexa cópia da ata de n. 18, extraída do livro de atas da referidaagremiação partidária, requisitada pelo despacho de fl. 43 (fls. 93-95).

Expedida carta de ordem para inquirição de três testemunhas ar-roladas pela defesa, foram ouvidas em audiência realizada em 7 demarço de 2008 (fls. 97-103).

Intimadas, as partes apresentaram suas alegações finais.

O Ministério Público Eleitoral manifesta-se pela rejeição da prefacialsuscitada e, quanto ao mérito, reitera o pedido de notificação doDiretório Regional do PSDB a fim de esclarecer o motivo do desliga-mento do vereador (fls. 110-112), o que foi indeferido (fl. 113). Em novavista, posiciona-se agora pela improcedência do pleito inicial, em ra-zão da demonstração da justa causa prevista no art. 1o, § 1o, IV, daResolução n. 22.610/2007 do Tribunal Superior Eleitoral (fls. 114-116).

Os requeridos reiteram os termos de defesa, respaldando-a na pro-va testemunhal produzida, argumentando, ainda, que não havia maiscondições de o vereador permanecer no partido, até porque corria orisco de não ter o aporte necessário para concorrer no pleito que seavizinha. Postulam a manutenção do mandato eletivo de Itacir Balbinot(fls. 129-136 e 139-152).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR JUIZ MÁRCIO LUIZ FOGAÇA VICARI (Relator): Sr.Presidente, fazendo-se presentes os pressupostos processuais e ascondições da ação, o pedido do autor reúne os requisitos para serexaminado.

Page 359: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

359

Alega o mandatário requerido que o prazo para o Ministério PúblicoEleitoral postular a decretação da perda do seu mandato teria findadoem 29 de dezembro de 2007, razão pela qual teria ocorrido a decadên-cia do direito de ação.

Todavia, no caso concreto, não se verifica sua incidência, em virtu-de do que estabelece o art. 13 da Resolução n. 22.610/2007, verbis:

Art. 13. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação,aplicando-se apenas às desfiliações consumadas após 27 (vinte e sete)de março deste ano, quanto a mandatários eleitos pelo sistema pro-porcional, e, após 16 (dezesseis) de outubro corrente, quanto a eleitospelo sistema majoritário.

Parágrafo único. Para os casos anteriores, o prazo previsto no art.1o, § 2o, cont a-se a partir do início de vigência dest a Resolução[grifei].

De acordo com o dispositivo transcrito, a instauração das ações deperda de cargo eletivo e de justificação de desfiliação partidária, envol-vendo os casos verificados após 27 de março de 2007, têm por termoa quo a data de sua publicação, 31 de outubro de 2007.

Depois de expirado o prazo reservado para que as agremiaçõespropusessem a ação, no dia 30 de novembro de 2007, é que teve iní-cio o destinado aos eventuais interessados e ao Ministério Público. Esseprazo expiraria no dia 29 de dezembro, não fosse o recesso previstona Lei n. 5.010, de 30 de maio de 1966 (art. 62, inciso I – de 20 dedezembro a 6 de janeiro), o qual, por impedir a prática do ato proces-sual, adiou até o dia 7 de janeiro de 2008 a possibilidade deajuizamento, nos termos do art. 184, § 1o, do Código de Processo Civil.Proposta a ação em 7 de janeiro de 2008, ela é perfeitamentetempestiva, portanto. Idêntica preliminar foi enfrentada recentementenos autos do Processo n. 629, Classe XIV, da relatoria da Juíza ElianaPaggiarin Marinho, a qual restou assim decidida, litteris:

Sustenta o requerido que o prazo para o Ministério Público propor aação de decretação de perda de mandato eletivo por desfiliação parti-dária, previsto no art. 1o, § 2o, da Resolução TSE n. 22.610/2007, ter-minou no dia 29 de dezembro de 2007 (sábado), prorrogando-se parao primeiro dia útil, dia 31 de dezembro de 2007.

Afirma que, segundo informação retirada da Internet, o Tribunal Regi-onal Eleitoral de Santa Catarina manteve funcionários, em regime deplantão, para o recebimento e protocolização de petições, razão pelaqual, em se tratando de prazo decadencial, deve ser reconhecida aconfiguração deste instituto, uma vez que a inicial foi protocolizadasomente no dia 7 de janeiro de 2008.

Page 360: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

360

Sem razão o requerido. O prazo, efetivamente decadencial, que iriaexpirar no dia 29 de dezembro de 2007, feriado para a Justiça Eleito-ral, segundo o que estabelece o art. 62, inciso I, da Lei n. 5.010/1966(recesso de 20 de dezembro a 6 de janeiro), prorroga-se até o primeirodia útil subseqüente, o dia 7 de janeiro de 2008 (art. 184, § 1o, doCódigo de Processo Civil).

O texto destacado pelo autor, que afirma ter extraído de notícia veicu-lada na página deste Tribunal na Internet, contém apenas a informa-ção de que o prazo para a propositura da ação de decretação de man-dato eletivo é decadencial e, para os interessados e o Ministério Públi-co, estaria encerrado no dia 29 de dezembro de 2007, nada afirmandoa respeito da abertura do protocolo, muito embora seja provável queestivesse realmente aberto – o que é normal nesse feriado de longaduração –, para receber documentos de natureza administrativa e pe-tições judiciais com necessidade de urgência.

Referida notícia, no entanto, além de não possuir caráter oficial, nãopode afastar as disposições legais aplicáveis à espécie, assim como ofato de o setor de protocolo ter recebido, indistintamente durante oferiado, todos os documentos que lhe foram apresentados, inclusivepetições iniciais, contestações e outros documentos referentes a açõesjudiciais em tramitação nesta Corte, não transforma aquelas datas pre-vistas em lei como feriado em dias úteis, nem afasta a incidência dodisposto no mencionado § 1o do art. 184 do CPC.

Sendo assim, na esteira do reiterado posicionamento desta Corte,entendo que a ação poderia ter sido proposta até o dia 7 de janeiro de2008, motivo pelo qual rejeito a alegação de decadência.

Assim, afasto a prefacial.

Antes do exame de mérito, há uma última questão preliminar nãosuscitada pelas partes, mas que, a meu ver, exige enfrentamento.

O autor da causa é o Ministério Público, munido da legitimidadeque a Resolução TSE n. 22.610/2007 lhe deu, e que provém da nobree grave atribuição que a Constituição da República e as leisregulamentadoras lhe dão, de defesa dos interesses difusos, em sen-tido amplo.

Portanto, o Ministério Público Eleitoral, aqui, atua como parte. Nadaobstante, em suas alegações finais postulou expressamente a impro-cedência do feito. Diante disso, duas opções se abrem à Corte: (i) re-conhecer que o pedido de julgamento pela improcedência, formuladopela própria parte, configura ato semelhante à renúncia ao direito so-bre que se funda a ação (Código de Processo Civil, art. 269, inciso V);(ii) considerar que, sendo parte, o Ministério Público não pode ter sua

Page 361: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

361

função alterada no mesmo processo para a de fiscal da lei, típicaatividade em que é possível opinar quanto ao juízo de mérito a serformulado, pelo que deve ser simplesmente desconsiderado o pedidode improcedência.

Reconheço minha dificuldade em compreender a variação das fun-ções do Ministério Público em um mesmo processo, independente-mente até dos diversos representantes que atuem ou dos ‘graus’ deatuação (exempli gratia, Promotor Eleitoral representando o MinistérioPúblico como parte e Procurador Regional Eleitoral representando oMinistério Público como fiscal da lei, ou vice-versa). A matéria chegoua ser apreciada nesta Corte, em questão de ordem, não consignada,porém, em ementário, mas na qual me manifestei, secundado pelamaioria da Corte, no sentido de que o eminente Procurador RegionalEleitoral tinha de, querendo, manifestar-se oralmente em primeiro lu-gar quando do julgamento de recurso interposto pelo Ministério Públi-co Eleitoral. Pretendia, naquela oportunidade, o Procurador RegionalEleitoral, usar da prerrogativa de falar por último quando atua comofiscal da lei e para tanto afirmou que quem havia recorrido era o Pro-motor Eleitoral e, portanto a Procuradoria Regional Eleitoral tinha suaatuação circunscrita à função de custos legis. Obtemperei que o recor-rente fala primeiro e o recorrente, ali, era o Ministério Público, institui-ção una e indivisível por disposição constitucional (art. 127, § 1o), detal sorte que não podia transmudar a função que até então exercera,de parte (parcial, portanto), para de fiscal da lei (imparcial).

O tema é novo e inçado de dúvidas e preconceitos. Mas já foi apre-ciado no âmbito do Supremo Tribunal Federal:

AÇÃO PENAL. Recurso. Apelação exclusiva do Ministério Público.Sustentações orais. Inversão na ordem. Inadmissibilidade. Sustenta-ção oral da defesa após a do representante do Ministério Público. Pro-vimento ao recurso. Condenação do réu. Ofensa às regras do contra-ditório e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Nu-lidade reconhecida. HC concedido. Precedente. Inteligência dos arts.5o, LIV e LV, da CF, 610, § único, do CPP, e 143, § 2o, do RI do TRF da3a Região. No processo criminal, a sustentação oral do representantedo Ministério Público, sobretudo quando seja recorrente único, devesempre preceder à da defesa, sob pena de nulidade do julgamento[Acórdão no Habeas Corpus [HC] n. 87.926, Relator Ministro CezarPeluso, julgado em 20.2.2008].

Do voto do eminente relator, Ministro Cezar Peluso, retira-se a se-guinte passagem, elucidativa do ponto e que, mutatis mutandis, aplica-se aos processos não-penais:

Page 362: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

362

Desse modo, entendo difícil, senão ilógico, cindir a atuação doMinistério Público no campo recursal, em processo-crime: não háexcogitar que, em primeira instância, seu representante atue apenascomo parte formal e, em grau de recurso – que, frise-se, constitui-secomo mera fase do mesmo processo –, se dispa dessa função paraentrar a agir como simples fiscal da lei.

Órgão uno e indivisível, na dicção do art. 127, § 1 o, da Constitui-ção da República, não há como admitir que o Ministério Públicoopere tão-só como custos legis no curso de processo onde, emfase diversa, já tenha funcionado, mediante outro órgão, comoencarregado da acusação , sob pena de se violentar a própria sintaxeacusatória do processo penal. O conteúdo da opinião legal, de fundo,exposto no parecer ou na sustentação oral, é de pouco relevo nestetema. Ou seja, ainda que, no mérito, o Ministério Público postule aabsolvição do acusado, continua sempre órgão incumbido da acusa-ção e não deixa de agir ou de poder agir como parte que é [Sem des-taques no original].

Por óbvio o voto versava sobre julgamento de recurso em proces-so penal. Mas a idéia é a que prevalece: não pode a função do Minis-tério Público, órgão uno e indivisível, transmudar-se no mesmo proces-so, de ente parcial para ente imparcial.

Restaria, pois, concluir-se que aqui o Ministério Público como quedesistiu da ação ou, em uma melhor comparação, renunciou ao direitosobre o qual se funda a ação. Ocorre que a perda do mandato eletivopor desfiliação (rectius, a declaração de sua titularidade) é direito in-disponível, mesmo ao Ministério Público, que não permite, portanto,desistência. O fato de depender de provocação por ação não infirmaessa conclusão. O mesmo se dá em relação à ação popular, civil públi-ca ou direta de inconstitucionalidade, que não admitem desistência, oumesmo, em âmbito eleitoral, o que ocorre em relação a alguns recur-sos que versem sobre matérias de direito indisponível ou a ações quediscutam mandato ou regularidade do diploma (a respeito, vide no Tri-bunal Superior Eleitoral acórdãos no Recurso Especial Eleitoral [REspE]n. 25.547 e 26.146, Relator Ministro José Delgado; e no Recurso Es-pecial Eleitoral [REspE] n. 25.094, Relator Ministro Caputo Bastos; eneste Tribunal os Acórdãos n. 20.373, de minha relatoria, 19.926, RelatorJuiz Pedro Manoel Abreu, 16.033, Relator Juiz Paulo Leonardo MedeirosVieira).

Portanto, uma vez proposta, não é possível a desistência da açãode perda de mandato. Da mesma maneira, não é possível admitir aalteração da qualidade processual do Ministério Público, de parte parafiscal da lei. Por conta disso é que o pedido de julgamento de improce-

Page 363: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

363

dência, formulado em alegações finais pelo Ministério Público, não vin-cula nem prejudica o exame do mérito.

Vencidas as preliminares, passo a apreciar o mérito da demanda.

Destaco, inicialmente, que a desfiliação partidária posterior ao dia27 de março de 2007, pelos eleitos por meio do sistema proporcional,faz presumir a infidelidade. Compete, por conseguinte, ao vereadorcomprovar que o fez premido por justa causa.

Segundo aponta a informação levantada pelo Cartório Eleitoral da36a Zona à fl. 5, Itacir Balbinot efetivamente se desvinculou do Partidoda Social Democracia Brasileira (PSDB) de Iomerê, agremiação pelaqual se elegeu em 2004, em 19 de setembro de 2007, para ingressarnas fileiras do Democratas.

No caso dos autos, o requerido e o partido para o qual migrou ale-gam como justa causa para a desvinculação do vereador do seu parti-do originário o fato de ter ele sofrido grave discriminação pessoal porparte das lideranças integrantes da executiva estadual e de ter havidodesvio reiterado do programa partidário.

Deve-se entender por grave discriminação pessoal, a decorrentede atos e fatos relevantes e extraordinários p ara o p anorama políti-co , que venha a impedir a convivência do agente filiado no partidopolítico, alijando-o das decisões do partido, negando-lhe o exercíciode poder decisório – quando tiver – ou a sua participação em cargosou funções que venham a ser destinadas aos quadros partidários, semfundamento ou claramente para menosprezá-lo e reduzi-lo nas esfe-ras de poder próprias do âmbito político e partidário.

As contendas e disputas internas dos partidos não cabem nesseconceito, certo que são inerentes à atividade política. Por isso que amera alegação de falta de “espaço” político ou de impedimento ao de-senvolvimento de potenciais candidaturas, por exemplo, antes de cons-tituírem discriminação, concretizam, ao contrário, conseqüências nor-mais e mesmo comuns da refrega interna corporis.

A atividade política consiste em disputa pelo poder e implica, porisso mesmo, interesses contrapostos e majoritariamente insatisfeitos.Natural que muitos sejam os concorrentes e poucos sejam os vence-dores. Isso ocorre, antes da competição interp artidária , na inevitávelcontenda intrap artidária , por vezes tão renhida quanto aquela. Mastal fato não pode ser equiparado à justificativa da grave discriminaçãopessoal.

Page 364: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

364

O adjetivo “grave”, usado pela resolução específica, não é semrazão. Só será discriminação pessoal, de modo a justificar a desfiliação,aquela considerada “grave”, ou seja, aquela que não permita ao filiadoopção razoável dentro da hoste partidária. Apenas derrotas políticasextraordinárias, incompatíveis com as normais correntes de disputainterna dos partidos, é que têm força de justificar a troca de partidos nocontexto atual, de fidelidade partidária após a decisão tomada peloTribunal Superior Eleitoral nos autos da Consulta n. 1.398/2007. Novigente sistema de vinculação partidária, a falta de perspectivas eleito-rais pessoais cede lugar para as estratégias partidárias, segundo deci-sões que seguem a lógica política e não a lógica jurídica , assoman-do, em tais circunstâncias, o postulado da autonomia p artidária (Cons-tituição da República, art. 17, § 1o). Somente o movimento injustificado,deliberado e incompatível com essa lógica política é que permite inter-venção judicial permissiva do abandono do partido que elegeu o parla-mentar.

Essa a linha adotada pelo Tribunal Superior Eleitoral ao baixar oregulamento dos processos de averiguação positiva (ação de justifi-cação da desfiliação prevista no art. 1o, § 3o, da Resolução TSE n.22.610/2007) ou negativa de infidelidade p artidária (ação de “decre-tação” de perda de cargo eletivo capitulada no art. 1o, caput, da Reso-lução TSE n. 22.610/2007), tanto que estabelecida, logicamente, a dis-tribuição dos ônus da prova de modo a que, provada a desfiliação emdata além daquela fixada como termo final do “período de graça” – naexpressiva locução cunhada pelo membro deste Tribunal, Juiz JorgeAntonio Maurique – cabe ao requerido demonstrar que não praticouinfidelidade com quem lhe assegurou o mandato, ou seja, o partido.

Diante de tais premissas é que devem ser examinadas as justifica-tivas apresentadas pelos requeridos.

A linha de argumentação de Itacir Balbinot e do Democratas é úni-ca. Ambos sustentam que a permanência do vereador no PSDB deIomerê se tornou insustentável, por ter sido alvo de perseguição polí-tica, visto que ele e os demais representantes da legenda teriam con-trariado a deliberação da cúpula partidária estadual – que teria decidi-do apoiar a tríplice aliança formalizada nas eleições majoritárias esta-duais de 2006, em prol da candidatura de Luiz Henrique da Silveira –ao expressamente prestarem apoio à campanha de Esperidião AminHelou Filho, em razão da histórica adversidade existente entre os doispartidos, PMDB e PSDB, no Município de Iomerê.

Afirmam que a Executiva Estadual não prestou o devido apoio oudeu o suporte necessário à Municipal e que, apesar de possuírem

Page 365: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

365

maioria na Câmara de Vereadores e terem administrado por duas ve-zes consecutivas o Município de Iomerê, foram isolados e impedidosde participar do órgão estadual, dizendo-se então desprestigiados.

Ao terem ciência, por intermédio do Jornal A Notícia, de que oDiretório Estadual interviria nos municipais que não seguiram a orien-tação fixada para o segundo turno das eleições de 2006 e com receiode que lhes fosse imposta coligação, no âmbito municipal, com o PMDB– com o que discordavam veementemente –, e por desconhecer oprojeto e as estratégias regionais que a sigla partidária adotaria paraas eleições que se avizinham, entenderam que a melhor opção seriamigrar para o Democratas, a fim de fazer valer os princípios ideológi-cos que defendiam. Com o aval de noventa e oito filiados, foram redu-zidos a termo os motivos que levaram o grande número de membros ase desligarem do PSDB de Iomerê, resultando na Ata de n. 18 do Livrode Atas do referido diretório (fls. 93-95).

Trazem, em apoio a sua tese, depoimentos de ex-filiados ao PSDBque registram as agruras por que teria passado o grupo político local, aalegada falta de apoio enfrentada pelos membros da agremiação que,segundo afirmam, por uma questão de coerência política e fidelidade àlinha de consciência ideológica, se opunha a respaldar a chamada“tríplice aliança” em prol do Governo Estadual firmada no segundo tur-no das eleições de 2006 – coligação entre PMDB, PSDB e PFL.

Nesse sentido, reproduzo trechos do depoimento de Juarez NicolauBorga:

[...] o PMDB sempre foi inimigo político do PSDB, e na eleição de2006 eles se aliaram e houve muit a pressão do PSDB em relaçãoaos quatro requeridos p ara que apoiassem a tríplice aliança, in-clusive com ameaça de expulsão do p artido ; o depoente soube atra-vés do executivo municipal do PSDB e dos vereadores, sobre váriostelefonemas do executivo estadual do PSDB ameaçando de expulsão;[...] mesmo depois da eleição passada eles disseram que se os vere-adores, inclusive o depoente, quisessem continuar no PSDB teriam deapoiar o PMDB na eleição para prefeito; o depoente foi vice-prefeitopelo PSDB e hoje faz parte do diretório municipal do DEM; o depoentetrocou de partido no ano passado, acha que em setembro, foi todomundo junto, que soube através dos próprios vereadores que houve apressão; [...] que tem conhecimento que além dos vereadores requeri-dos e do depoente, mais pessoas se desfiliaram do PSDB; mais oumenos 80% (oitenta por cento) dos filiados se desfiliaram do PSDB, erestaram uns trinta ou quarenta filiados no partido; que não existianenhum auxílio da executiva estadual do PSDB à executiva municipal,ultimamente nem havia mais convite para qualquer reunião; não hou-

Page 366: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

366

ve nenhuma orientação do PSDB estadual quanto à coligação para aeleição deste ano; que através dos vereadores teve conhecimentode ameaça de intervenção por p arte do diretório est adual do PSDBno diretório municip al; nenhum dos membros do diretório municipalou vereadores do PSDB foi convidado para integrar o diretório regio-nal ou a executiva estadual do PSDB [fl. 99 - sem destaques no origi-nal].

Em mesmo sentido manifestou-se a testemunha Aujocir AlbertoZago:

[...] se desfiliou quando houve a desfiliação em massa ; o depoentepertencia ao PSDB; [...] que na verdade foi uma situação em que seconstatou pressão, de certa forma perseguição da executiva estadualdo PSDB contra os vereadores requeridos; historicamente o PMDB eo PSDB sempre foram oponentes no município, e também nuncahouve bom relacionamento entre a executiva est adual e o diretóriomunicip al do PSDB de Iomerê, essa situação ficou mais evidentena última eleição p ara o governo do Est ado em razão da tríplicealiança tendo o PSDB se aliado ao PMDB em nível est adual, sen-do os vereadores do PSDB de Iomerê pressionados p ara apoia-rem a tríplice aliança; os vereadores se reuniram e decidiram nãose aliar e nem fazer oposição à tríplice aliança ; passadas as elei-ções, começaram as pressões da executiva estadual para os vereado-res do PSDB de Iomerê apoiassem o governo municipal daquela cida-de, coisa inviável ante a história de oposição entre o PSDB e o PMDB;que o depoente sabe que por meio de telefonemas a executiva esta-dual pressionava os quatro vereadores requeridos para que se alias-sem ao governo municipal, inclusive sob ameaça de intervenção nodiretório municipal; que o depoente recebeu telefonemas da executivano mesmo sentido; [...] na verdade quando a situação ficou muito ten-sa houve uma reunião entre os vereadores, o diretório municipal epraticamente 100% (cem por cento) dos filiados do PSDB, na qual sedecidiu pela desfiliação em razão de não haver mais clima para a per-manência no PSDB; [...] não havia orientação político-partidária porparte da executiva estadual ao diretório municipal, [...] o depoente nãosabe e acredita que os vereadores requeridos também não sabia dasdiretrizes do PSDB para o Estado de Santa Catarina; mesmo quandoo depoente era integrante da executiva estadual, não se recorda de tersido convidado a qualquer debate a respeito das diretrizes estaduais[...] [fls. 100-101 - sem destaques no original].

Em seu depoimento, afirmou Geraldo Chiapinotto:

[...] que sabe que a executiva est adual do PSDB ameaçou de inter-venção ; que o PMDB e o PSDB de Iomerê “não se fecham”, são ad-versários políticos; eles pressionavam para que o PSDB não tenhacandidato a prefeito na eleição municipal deste ano e que é para se

Page 367: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

367

coligar com o PDMB; teve conversa que a executiva est adual pres-sionou o diretório municip al para que apoiasse a tríplice aliançana última eleição p ara governador ; [...] [fl. 103 - sem destaques nooriginal].

Depreende-se, pois, do contexto geral dos depoimentos que hou-ve, em verdade, resistência dos membros do diretório municipal à op-ção política realizada pelo partido no âmbito estadual. Irresignados comas diretrizes firmadas pela cúpula estadual e inconformados com umapossível intervenção na administração, mas antes mesmo de adotadauma efetiva ação, deliberaram por trocar de legenda, a fim de nãoverem prejudicado o projeto político já idealizado para as candidaturasdo pleito de 2008.

Portanto, não se pode considerar que o incidente em questão ésuficiente para compor justa causa para a saída de Itacir Balbinot doPSDB de Iomerê praticamente a um ano do pleito municipal – visandoa assegurar sua elegibilidade –, ainda mais se se considerar que overeador permaneceu vinculado à agremiação partidária por idênticoperíodo desde a eleição estadual de 2006, quando ocorreram os fatos.

A grave discriminação pessoal exige, cumulativamente , tratamentodistintivo , injusto e que torne impossível a convivência p artidária ,ou seja: (i) há de ser um tratamento discriminatório, específico contraum ou alguns filiados ou em favor de um ou alguns filiados; (ii) deveser fundado em razões injustificáveis, sem base jurídica (de vez queas questões políticas refogem ao exame do Judiciário, blindadas pelaautonomia partidária constitucional); (iii) devem tornar inviável a per-manência no partido.

Aqui, a atuação da direção estadual não foi nem injusta, nem pes-soal, embora possa até ter resultado em situação de convivência seri-amente desconfortável.

Não foi injusta porque o partido estava atuando com liceidade aoexigir obediência de seus filiados à deliberação do Diretório Estadualde estratégia eleitoral e de apoio à coligação de que participava comcandidato ao cargo de Vice-Governador.

Eventual intervenção da agremiação fundar-se-ia na disciplinapartidária interna , que deve ser obrigatoriamente observada por to-dos os seus filiados, já que se presume tenham conhecimento dosestatutos e diretrizes da grei, razão pela qual a exigência de prestar oapoio à tríplice aliança nas eleições de 2006, não era justificativa legí-tima para respaldar a desfiliação do vereador em questão.

Page 368: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

368

Nesse ponto, impende salientar que as relações interpartidáriasenfeixam liames de disciplina e de fidelidade p artidárias . Ambas fo-ram reforçadas pela Resolução n. 22.610/2007 do Tribunal SuperiorEleitoral, mas provêm, como decidiu o Supremo Tribunal Federal, dire-tamente da Constituição (art. 17, § 1o) e da Lei dos Partidos Políticos(art. 15, inciso V, e arts. 23 a 26). Essas regras, que concretizam oprincípio da democracia p artidária , autorizam o partido a exigir deseus filiados respeito por suas deliberações e pelas diretrizes, contantoque sejam razoáveis, justas e não-discriminatórias. Sendo, como defato o é, um direito potestativo, o de livre filiação a partidos políticos, ofiliado descontente com a exigência partidária pode desvincular-se, massem que se configure a justa causa que apenas ocorrerá quando aexigência partidária for injurídica, porque discriminatória ou abusiva.Sustentar o contrário é exatamente ir contra a disciplina partidária, quese visa a resguardar mediante as regras da Resolução n. 22.610/2007do Tribunal Superior Eleitoral.

A questão, aqui, portanto, a ser dirimida é a de responder se podeou não o órgão partidário superior (neste caso, o Diretório Estadual),impor ao órgão inferior (aqui, o Diretório Municipal) obediência a deter-minadas decisões internas que fixem as relações entre o partido comoutras agremiações partidárias, não apenas em termos de coligaçõesformais, mas mesmo de apoio político e de participação em campanhaeleitoral. Estou convicto de que isso é possível e, mais do que isso,impositivo na ordem constitucional.

O fato de o Diretório Estadual do PSDB ter celebrado coligaçãocom o PMDB e com o PFL para concorrer às eleições estaduais de2006, inclusive com candidatura a vice-governança, e de exigir queseus diretórios municipais e filiados apoiassem essa chapa eleitoraldecorre da autonomia partidária constitucional (Constituição, art. 17, §1o, in principio) e da necessária disciplina partidária prevista na mesmaregra:

Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidospolíticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, opluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e ob-servados os seguintes preceitos:

[...]

§ 1o É assegurada aos p artidos políticos autonomia p ara definirsua estrutura interna , organização e funcionamento e para adot aros critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais ,sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito

Page 369: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

369

nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus est atutosestabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária [Sem des-taques no original].

Consabido que a redação atual do transcrito § 1o do art. 17 da Cons-tituição da República foi dada pela Emenda Constitucional n. 52, de2006, promulgada exatamente após a decisão do Tribunal SuperiorEleitoral em consulta, sobre o tema da “verticalização” das coligaçõeseleitorais (Resolução n. 21.002), para neutralizar-lhe a eficácia. Mas aalteração constitucional em nada abalou a regra da disciplina partidá-ria, limitando-se a ratificar a cláusula da autonomia dos partidos.

O que se veda, atualmente, pós Emenda Constitucional n. 52, éque se imponha aos partidos – pela lei ou por interpretação dos tribu-nais, “de fora para dentro” – regras inflexíveis concernentes às coliga-ções. Mas a norma constitucional reformada não só não a obsta, comotambém reforça a disciplina partidária, de tal sorte que os partidos,com autonomia, têm liberdade de definir estrutura interna, funciona-mento e regime de coligações, com garantia de disciplina partidária.

Assim sendo, o PSDB tinha e tem plena liberdade de organizar-see de, internamente, decidir sobre a conveniência de coligações, porseus órgãos próprios. Até intuitivamente se conclui que compete àConvenção Estadual decidir sobre coligações para as eleições esta-duais e federais, e o que for deliberado deve ser obedecido pelos ór-gãos inferiores. Admitir o contrário, como pretende o requerido, é per-mitir o esfacelamento dos partidos, certo que não há instituição que sesustente sem estratos hierárquicos. É negar a regra constitucional queexpressamente garante a disciplina partidária e, com isso, sepultar aprópria democracia partidária.

Especificamente no caso do PSDB, colhe-se de seu estatuto (queé público, disponível no sítio do Tribunal Superior Eleitoral na internet -http://www.tse.gov.br/partidos/partidos_politicos/psdb/estatuto_final.zip– sem os destaques no original):

Art. 3o. Constituem diretrizes fundamentais e princípios programáticospara a organização, funcionamento e atuação do PSDB:

I - democracia interna e disciplina, de modo a assegurar a necessá-ria unidade de atuação p artidária , máxima participação dos filiadosna definição da orientação política do Partido e na escolha de seusdirigentes, inclusive mediante eleições periódicas, livres e secretasem todos os níveis de sua estrutura;

[...]

Page 370: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

370

IX - disciplina e fidelidade aos princípios programáticos e decisõespartidárias, aplicáveis a todos os filiados , bem como aos que exer-çam funções públicas eletivas ou não.

[...]

Art. 77. À Convenção Estadual compete:

I - aprovar as diretrizes p artidárias p ara a ação do Partido no res-pectivo Est ado ;

II - escolher ou proclamar, quando houver eleições prévias, os candi-datos do Partido aos cargos eletivos majoritários e escolher oscandidatos a cargos proporcionais, na esfera do Est ado ;

III - decidir sobre alianças político-administrativas e sobre coliga-ção com outros p artidos, observadas as diretrizes fixadas pelosórgãos superiores ;

[...]

VII - decidir sobre os assuntos políticos e p artidários, no âmbitoestadual .

[...]

Art. 99. Ao Diretório Municipal compete:

[...]

IV - deliberar, respeit ados os princípios programáticos e as delibe-rações dos órgãos superiores , sobre propostas de alianças político-administrativas ou apoio a candidatos à Prefeitura Municipal;

V - traçar, consoante as diretrizes dos órgãos superiores , a linhapolítico-parlamentar a ser seguida pelos representantes do Partido naCâmara de Vereadores e os titulares de funções públicas;

[...]

Art. 131. A disciplina interna e a fidelidade p artidária são a base daação do Partido e serão asseguradas pelas seguintes medidas:

I - intervenção de órgão superior em órgão inferior, conforme previstoneste Estatuto e em lei;

II - sanções disciplinares, na forma deste Estatuto e da lei;

III - por manifestação dos órgãos do Partido, nos termos deste Esta-tuto.

Art. 132. Os filiados ao Partido, mediante a apuração em processo emque lhes seja assegurada ampla defesa, ficarão sujeitos a medidasdisciplinares, quando considerados responsáveis por:

Page 371: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

371

I - infração às diretrizes programáticas, à ética, à fidelidade, à disci-plina e aos deveres partidários ou aos dispositivos do Programa, doCódigo de Ética e do Estatuto;

II - por desrespeito à orient ação política ou qualquer deliberaçãoregularmente tomada pelos órgãos competentes do Partido ;

III - desobediência às deliberações regularmente tomadas em ques-tões consideradas fundamentais, inclusive pela Bancada a que per-tencer o ocupante de cargo legislativo e também os titulares de cargosexecutivos;

IV - atentado contra o livre exercício do direito de voto, a normalidadedas eleições, ou o direito de filiação partidária;

V - improbidade no exercício de mandato parlamentar ou executivo,bem como no de órgão partidário ou de função administrativa;

VI - atividade política contrária ao regime democrático ou aos inte-resses do Partido ;

VII - falta, sem motivo justificado por escrito, a mais de 3 (três) reuni-ões sucessivas do órgão partidário de que fizer parte;

VIII - falta de exação no cumprimento dos deveres atinentes aos car-gos e funções partidárias.

Portanto, fácil constatar que o Diretório Estadual tinha o poder e odireito de exigir dos filiados obediência ao que ficara decidido, nasesferas próprias do partido, em relação a candidaturas e coligações noplano estadual. E que, no plano municipal, a estratégia partidária en-contra limitação naquilo que ficou decidido no plano estadual, pelaevidente necessidade de unidade do partido. O requerido e seus cor-religionários não podem, por isso mesmo, alegar injustiça na ameaçade expulsão ou de intervenção no diretório – que, destaque-se, não foicabalmente provada – pois se constituem em exercício regular de di-reito do partido.

Além disso, não houve tratamento distinto do requerido em relaçãoaos demais filiados, que, aliás, agiram antecipadamente aos dirigen-tes estaduais e nas mesmas condições que os vereadores impugna-dos. Conforme noticia a ata de n. 18 do Diretório Municipal do PSDBde Iomerê (fl. 93), os próprios filiados assumem que negaram apoio àchapa que continha o candidato de seu partido (e também do PMDB edo PFL) às eleições estaduais, pelo que temiam ser repreendidos eexpurgados do processo eleitoral municipal vindouro.

Portanto, os atos tidos por discriminatórios não foram nem injus-tos, nem distintivos nem pessoais contra o requerido. A prova dá con-

Page 372: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

372

ta de que todos na mesma circunstância foram assim tratados. Aliás,este Tribunal, recentemente, teve oportunidade de concluir no mesmosentido em relação à conduta semelhante do mesmo partido, PSDB,em relação a outro diretório municipal, no Acórdão n. 22.122. O crité-rio utilizado pelo partido, pois, foi objetivo : não houve tolerância comquem descumpriu a diretriz fixada para as campanhas eleitorais. Au-sente qualquer perseguição pessoal ao requerido ou valorização pes-soal de seu concorrente.

Quanto à hipótese de justa causa prevista no inciso III do mesmo §1o do art. 1o da referida Resolução TSE n. 22.610/2007 – mudançasubstancial ou desvio reiterado do programa partidário –, não há comoanalisá-la, uma vez que foi utilizada a guisa de retórica, sem que hou-vesse qualquer aprofundamento da matéria, tanto que durante a ins-trução não vieram à tona maiores reflexões sobre ela. Como se ano-tou antes, a opção do partido pela coligação ou apoio a outro partido équestão interna corporis.

Por fim, anote-se que a participação de integrantes do órgão muni-cipal na direção estadual tampouco pode ser arrolado como argumen-to para justificar a migração dos filiados para o Democratas.

Nos termos do disposto no art. 25 do Estatuto do PSDB, a compo-sição do diretório estadual é escolhida mediante eleição, na qual osfiliados concorrem inscritos em chapas, não havendo previsão no es-tatuto de vagas no diretório ou mesmo na chapa em função do de-sempenho eleitoral do partido ou mesmo do filiado no município deorigem. Somente se comprovado que os filiados do PSDB de Iomerêou que o próprio vereador foram impedidos de se inscrever em umachapa nas condições estabelecidas no estatuto é que se demonstra-ria a discriminação, o que nem sequer chegou a ser ventilado nos autos.

Como o mandatário não participava do diretório estadual, não sepode falar em discriminação por não ser convidado para as reuniõesdaquele órgão, não havendo nenhum fato concreto a amparar o ale-gado in casu.

Anoto, por fim, que esta Corte decidiu em igual sentido matériaidêntica, relativa aos mesmos partidos e ao mesmo município, peloAcórdão de n. 22.135, de que fui relator.

Portanto, também não se verifica a ocorrência de discriminaçãocom base nesse argumento.

Page 373: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

373

Desse modo, ausente qualquer justa causa para a desfiliação par-tidária, a declaração da perda de mandato impõe-se.

Ante o exposto, reconheço a infidelidade e declaro a perda do man-dato do requerido Itacir Balbinot. Tão logo publicada, comunique-seessa decisão imediatamente à Câmara de Vereadores de Iomerê a fimde que, no prazo de 10 (dez) dias contados do recebimento do expedi-ente, dê posse ao suplente, nos termos do disposto no art. 10 da Reso-lução n. 22.610/2007, do Tribunal Superior Eleitoral.

É como voto.

Page 374: RESENHA ELEITORAL
Page 375: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

375

ACÓRDÃO N. 22.213

PROCESSO N. 429 - CLASSE XIV - AÇÃO DE DECRETAÇÃO DEPERDA DE MANDATO ELETIVO POR DESFILIAÇÃO P ARTIDÁRIA -10a ZONA ELEITORAL - CRICIÚMA

Relator: Juiz Odson Cardoso Filho

Requerente: Partido Progressista

Requeridos: Sérgio Hercílio Pacheco e Democratas (DEM)

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MAN-DATO ELETIVO - PRELIMINAR DE CERCEAMENT ODE DEFESA - INDEFERIMENTO, EM AUDIÊNCIA, DAOITIVA DO VEREADOR REQUERIDO - POSSIBILI-DADE - INOBSERVÂNCIA DO MOMENTO PARA APARTE REQUERER A PRODUÇÃO DE PROVA (ART.5o DA RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/2007) - PRELIMI-NAR REJEITADA - PARLAMENTAR QUE MUDOU DELEGENDA APÓS A DATA DEFINIDA PELO TRIBU-NAL SUPERIOR ELEITORAL NA RESPOSTA À CON-SULTA N. 1.398/DF - ALEGAÇÃO DE GRA VE DIS-CRIMINAÇÃO PESSOAL E DESVIO DO PROGRAMAPARTIDÁRIO - DESAVENÇAS ENTRE O REQUERI-DO E O PRESIDENTE DO PARTIDO - POLÍTICA DEALIANÇAS P ARTIDÁRIAS - JUST A CAUSA NÃOCONFIGURADA - PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

Vistos, etc.,

A C O R D A M os Juízes do Tribunal Regional Eleitoral de SantaCatarina, à unanimidade, em rejeitar a preliminar argüida e, no mérito,julgar procedente o pedido, nos termos do voto do Relator, que ficafazendo parte integrante da decisão.

Sala de Sessões do Tribunal Regional Eleitoral.

Florianópolis, 25 de junho de 2008.

Juiz JOÃO EDUARDO SOUZA VARELLA, Presidente.

Juiz ODSON CARDOSO FILHO, Relator.

Page 376: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

376

Dr. CLAUDIO DUTRA FONTELLA, Procurador Regional Eleitoral.

R E L A T Ó R I O

O Partido Progressista (PP), por seu Diretório Estadual, ajuizou Açãode Decretação de Perda de Mandato por Infidelidade Partidária emface do vereador Sérgio Hercílio Pacheco, de Criciúma, e do Demo-cratas (DEM), pedindo a decretação de perda de seu mandato eletivopor infidelidade partidária, por haver o parlamentar deixado seu qua-dro de filiados, em data de 16 de julho de 2007.

Aduz o requerente que o demandado não teve justa causa para adesfiliação, pelo que está sujeito à perda do mandato eletivo, o qual,segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (Consulta n. 1.398-DF) e do Supremo Tribunal Federal (MS 26.602, 26.603 e 26.604),pertence ao partido.

Requereu a concessão de liminar, para o afastamento do requeri-do e a posse imediata do primeiro suplente do partido; pediu, ainda, acitação dos requeridos e, ao final, a decretação da perda do mandatopor infidelidade partidária, com a conseqüente comunicação ao presi-dente do legislativo municipal.

Em decisão de fls. 18-19, a liminar restou indeferida, em respeito àampla defesa e ao contraditório, determinando-se a citação dos reque-ridos para, querendo, apresentar resposta.

Às fls. 23-27, o Democratas apresentou defesa, argumentando quehouve justa causa para a desfiliação, consistente em grave discrimina-ção pessoal, em razão de atitudes do filiado ao PP Vânio de Oliveira,que ocupou, à época dos fatos, o cargo de presidente da executivamunicipal do partido.

Citado o requerido por carta de ordem (fl. 42), apresentou a defesade fls. 46-56, reafirmando a tese de grave discriminação pessoal eacrescentando a de mudança substancial de programa partidário, di-ante de possível aliança do Partido Progressista (PP) com o Partidodos Trabalhadores (PT) nas próximas eleições municipais. Pediu aimprocedência do pedido.

Com vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral pugnou pelaprodução da prova testemunhal (fls. 130-131).

Foi, então, determinada, via carta de ordem à 10a Zona Eleitoral, aoitiva de testemunhas, o que foi cumprido às fls. 180-191.

Page 377: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

377

Em alegações finais de fls. 205-237, Sérgio Hercílio Pacheco le-vanta a preliminar de cerceamento de defesa, por não haver sidodeferida, pela magistrada que presidiu a audiência, sua oitiva pessoal.No mérito, segue argumentando que a mudança de legenda fundou-se em grave discriminação pessoal, na forma de divergências com ofiliado Vânio de Oliveira, o qual, segundo alega, queria gerar desarmo-nia dentro do partido para forçar sua saída. Afirma, ainda, que Vâniode Oliveira poderia frustrar suas pretensões políticas dentro do parti-do, razões que o motivaram a deixar a legenda.

O Partido Progressista (PP) apresentou suas alegações finais àsfls. 250-255, em que argumenta, em síntese, que o vereador requeridonão se desincumbira do ônus de provar a justa causa, bem como queas divergências entre filiados do partido e a nova política de aliançasnão configuram motivos suficientes para a desfiliação; ao fim, postuloua procedência do pedido.

Em suas alegações finais (fls. 256-273), o Democratas cita trechosdos depoimentos testemunhais com o fim de confirmar a desavençaentre Vânio de Oliveira e o requerido, defendendo a tese de gravediscriminação pessoal.

Com nova vista dos autos, a Procuradoria Regional Eleitoral opi-nou pela rejeição da preliminar de cerceamento de defesa e, no méri-to, pela procedência do pedido, por não haver sido comprovada justacausa para a desfiliação (fls. 275-279).

É o relatório.

V O T O

O SENHOR JUIZ ODSON CARDOSO FILHO (Relator): Sr. Presi-dente, cumpre examinar, inicialmente, a preliminar, argüida pelo re-querido, de cerceamento de defesa, em razão de não haver sido defe-rido seu depoimento pessoal durante a oitiva de testemunhas.

Com efeito, consta do termo de audiência de fl. 180:

[...] O procurador de Sérgio Hercílio Pacheco requereu a oitiva de seucliente, o que não foi concretizado por não ser objeto da Ordem [...]

A Resolução TSE n. 22.610/2007, ao estabelecer o rito a ser se-guido no processo de cassação de mandato por infidelidade partidá-ria, previu, em seu art. 5o, que a defesa, já na respost a, poderá re-querer, justificadamente, a produção de outras provas. No caso dos

Page 378: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

378

autos, não houve tal requisição, operando-se automaticamente apreclusão, de modo que a preliminar não merece acolhimento.

Ademais, sem razão de ser o inconformismo, na medida em que aorequerido foi oportunizado manifestar seus argumentos de defesa quan-do da apresentação da contestação e das alegações finais; por taismotivos, decorrente da vasta liberdade de dizer no feito, incabível, elepróprio, requerer a tomada de seu depoimento pessoal.

No mérito, destaco que a desfiliação partidária posterior ao dia 27de março de 2007, pelos eleitos mediante o sistema proporcional, fazpresumir a infidelidade, competindo ao partidário que mudou de legen-da comprovar a existência de justa causa para tanto.

Não há, no caso concreto, controvérsia acerca da data do desliga-mento de Sérgio Hercílio Pacheco dos quadros do Partido Progressis-ta (PP), partido pelo qual foi eleito vereador em 2004.

O documento de fl. 10, expedido pelo Cartório da 10a Zona Eleito-ral, informa que o requerido ter-se-ia desfiliado do PP em data de16.7.2007, fato este que não foi impugnado.

Portanto, a prova necessária do fato constitutivo do direito do autorestá presente. Impende examinar a existência de alguma justa causaque permita tal saída, alistadas no § 1o do art. 1o da Resolução TSE n.22.610/2007:

Art. 1o - [...]

§ 1o - Considera-se justa causa:

I – incorporação ou fusão de partido;

II – criação de novo partido;

III – mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário;

IV - grave discriminação pessoal.

[...]

A defesa alega como justa causa para a desfiliação a existênciade grave discriminação pessoal contra o requerido dentro de seu par-tido de origem e a mudança de programa partidário por parte daagremiação.

A primeira hipótese de justa causa está fundada nas inúmeras di-vergências existentes no seio partidário envolvendo o requerido e ofiliado Vânio de Oliveira, as quais tiveram início, supostamente, com a

Page 379: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

379

exoneração deste do cargo de Diretor Administrativo Financeiro daCâmara Municipal de Criciúma, perpetrada pelo requerido, que à épo-ca ocupava o cargo de presidente daquele órgão legislativo.

É fato que, após o evento acima narrado, o filiado Vânio de Olivei-ra passou a fazer oposição ao grupo de Sérgio Pacheco no PartidoProgressista, como se pode observar das matérias jornalísticas trazidasaos autos, bem como dos depoimentos testemunhais.

Entretanto, entendo que o comportamento de Vânio de Oliveiranão pode ser tido como grave discriminação pessoal, mesmo que te-nha ele ocupado, no período de 12.12.2005 a 30.8.2007, o cargo depresidente da executiva municipal do partido. E assim deve ser porquenão decorre dos autos que suas atitudes supostamente prejudiciais aorequerido tenham sido endossadas pelo Partido Progressista comoinstituição. Ao contrário, as executivas municipal e estadual do PP dis-cordavam claramente da atitude de Vânio de Oliveira, a ponto de, an-tes de terminar seu mandato, no ano de 2007, intervir no órgão munici-pal do partido, como consta do depoimento de Augusto Eduardo Althoff(fls. 189-191), verbis:

que os demais membros da executiva local não concordavam com apostura de Vânio de Oliveira, “mas ele era o presidente e o presidentemanda”; que o depoente falou a Espiridião, Juarez Ponticelli e HugoBiehl de que a situação em Criciúma estava insustentável, e por talrazão Juarez Ponticelli veio a Criciúma para afastar Vânio de Oliveira;que o deputado Comin queria fazer uma intervenção em Criciúma, e,embora o depoente não participasse mais do partido, foi procuradopor Comin; que o depoente anotou que uma intervenção seria muitodolorosa para o partido e, por tal razão, acharam melhor fazer a reu-nião, antes mencionada, na qual compareceu Juarez Ponticelli; quecomo Vânio, que havia assumido o compromisso de renunciar a presi-dência, não saiu, o Diretório efetivamente interviu, trazendo GenésioSpillere, que era de Nova Veneza, para a presidência do partido.

Com efeito, pode-se observar das provas constantes dos autosque, mesmo após Vânio haver alcançado o posto de presidente daórgão partidário municipal, no final do ano de 2005, o requerido conti-nuava com força e representatividade dentro da agremiação, ocupan-do o cargo de presidente do Legislativo Municipal e aparecendo comoum dos principais nomes do partido a disputar uma vaga a deputadoestadual nas Eleições de 2006.

A esse respeito, das matérias jornalísticas publicadas no ano de2006, trazidas aos autos pelo requerido, consta o seguinte:

Page 380: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

380

Jornal Diário de Criciúma, p. 2, de 9.1.2006 (fl. 95):

No páreo.

Presidente da Câmara de Vereadores, Sérgio Pacheco, não escondea expectativa em ter o seu nome confirmado para a disputa de umavaga na Assembléia Legislativa. Depois de atuar como prefeito em2005, ele não esconde o desejo de voar mais alto e surpreender nadisputa por uma vaga na Alesc em 2006.

Jornal da Manhã,p. 5, de 10.1.2006 (fl. 96):

Lista.

Uma lista com os nomes dos pré-candidatos proporcionais do PP deveser entregue até dia 30 de janeiro. Intenção é realizar um grande en-contro com os postulantes ao cargo para maiores encaminhamentos.Somente na região Carbonífera estão em pauta os nomes de ValmirComin, Sérgio Pacheco, Márcio Búrigo e Miriam Hoepers, para dispu-tar uma vaga na Assembléia Legislativa.

Jornal da Manhã, p. 5, de 4 e 5.3.2006 (fl. 98):

Presidente da Câmara de Criciúma, Sérgio Pacheco, está inscrito paraser candidato a deputado estadual pelo PP da Amrec.

Progressistas de Criciúma planejam grande mobilização do partido,no dia 11 de março.

Diário de Criciúma, p. 2, de 9.3.2006 (fl. 99):

Candidato.

PP da região Carbonífera definiu que terá dois candidatos à Assem-bléia Legislativa neste ano. Um deles será indicado pelos pequenosmunicípios. Além do deputado Comin, já estão na briga pela vaga aprimeira-dama Miriam Hoepers, o ex-prefeito de Içara Júlio Cechinel ea vice-prefeita de Urussanga, Neusa Pereira. O segundo nome seráapresentado por Criciúma. Disputam a vaga Sérgio Pacheco, VoimerLoch e Marcio Búrigo.

A par de o requerido ser titular de importante representatividadedentro partido, ocupando, inclusive, como já se disse, o cargo de presi-dente da Câmara Municipal, tem-se também que Vânio de Oliveira, aquem imputa a sua saída do partido em razão de grave discriminaçãopessoal, é que não encontrava apoio dentro da própria agremiação,seja para a sua candidatura a deputado nas Eleições 2006, seja parapermanecer no cargo de presidente da executiva municipal do partido,no ano seguinte.

A propósito, consta dos depoimentos colhidos:

Page 381: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

381

Eduardo Loch (fls. 186-188):

[...] que Vânio não tem condições próprias para sair candidato paradeputado federal ou estadual; que Vânio somente teria condição desair como candidato se fosse para o pleito federal junto com outrocandidato forte do partido a deputado estadual; que Vânio achou queo apoio financeiro viria automaticamente, por ser do PP, posto que opartido é formado por empresários; que, todavia, este apoio não veio eVânio não era um nome forte ainda no partido, para o qual tinha vindohá pouco tempo; que o lançamento da candidatura de Vânio a deputa-do estadual não foi natural, mas provocado por ele próprio; que o nor-mal dentro do partido é que o presidente da executiva municipal saiacomo candidato a prefeito; que Vânio utilizou-se da presidência paraexcluir os pré-candidatos a deputado estadual, para deixar o caminholivre para lançar sua candidatura a referido cargo [...] que em umareunião na Câmara de Vereadores, a qual foi bem pouco prestigiada,Vânio de Oliveira homologou sua candidatura; que na reunião tinhampoucas pessoas, a maioria familiares de Vânio de Oliveira; [...] queinclusive a permanência de Vânio de Oliveira na presidência estavaprejudicando o partido, sendo a orientação no sentido de que fossesubstituído; [...] que a intenção de Vânio nesta reunião era de lançar achapa dele, mas por intervenção de Juarez Ponticelli, que era na épo-ca e ainda é Presidente da Executiva Estadual, o nome de Vânio foiafastado; que não houve intervenção formal, apenas conversas nosentido de que “se fizesse assim ia acontecer daquele jeito”. [...] queaté mesmo o depoente chegou a sugerir a Vânio de Oliveira que re-nunciasse da presidência, porque o diretório municipal acreditava quecom sua renúncia as divergências com Sérgio Pacheco acabariam;que o racha prejudicou as atividades do partido, que ficava discutindoessa questão em vez de praticar ações político-partidárias;

Augusto Eduardo Althoff (fls. 189-191):

[...] que Vânio acabou sendo eleito presidente do partido, após forma-lizar um acordo com o Dr. Aristorides Stadler e Dr. Márcio Búrigo, eacabou sendo convidado a se retirar do partido em agosto de 2007,antes mesmo do término do mandato de presidente; que Vânio nãocumpriu o acordado com o Dr. Ari e Dr. Márcio e foi convidado a seretirar do partido por não ter palavra; que ouve uma reunião na Chur-rascaria Kilombo com a presença de lideranças estaduais, inclusivedo presidente Juarez Ponticelli, em que Vânio de Oliveira se compro-meteu a deixar a presidência do partido; que no dia seguinte Vânio fiona rádio e desmentiu tudo, chamando o Juarez Ponticelli de mentiroso[...] que na eleição de 2006 o candidato natural do partido era SérgioPacheco, candidato a deputado estadual, e Vânio disse que o candi-dato era ele e “deu o bote” em Sérgio Pacheco, sendo que Vânio foi aFlorianópolis, tirou o nome de Sérgio e colocou o dele; que Vânio fez

Page 382: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

382

menos votos na eleição para deputado estadual do que quando candi-dato a vereador em Criciúma, sendo a pior colocação do partido [...]que os demais membros da executiva local não concordavam com apostura de Vânio de Oliveira, “mas ele era o presidente e o presidentemanda”.

O que decorre dos autos, em conclusão, é que houve, efetivamen-te, racha no Partido Progressista de Criciúma envolvendo o requeridoe Vânio de Oliveira. Entretanto, Sérgio Pacheco estava longe de serfigura de pequena expressão no partido; ao contrário, continuava titu-lar de mandato eletivo de vereador e, como se viu, um dos principaisnomes do partido inclusive para eleições futuras. Ademais, a própriaagremiação virou-se contra Vânio, exigindo que renunciasse ao cargode presidente da executiva municipal.

Importante observar o que consta do depoimento da testemunhaGenésio Spillere (fls. 181-183):

[...] que o depoente como Coordenador Regional nunca recebeu ne-nhuma reclamação de Sérgio Pacheco a respeito da conduta do parti-do e de seus filiados [...] que Sérgio Pacheco estava em evidência nomomento da sua desfiliação [...] que sempre quando um político estáem evidência isso desperta o interesse dos demais partido em tê-locomo filiado [...] que Sérgio Pacheco foi para um partido da base dogoverno estadual e municipal; acreditando o depoente “ele queria es-tar lá no poder” [...]

A testemunha Giovanni Zappallini (fls. 184-185) consignou, corro-borando as conclusões deste relator acima expostas, verbis:

[...] que a desfiliação do sr. Sérgio “pegou a executiva de surpresa”,isto porque até então ele vinha participando ativamente da vida dopartido; que Sérgio era o único vereador eleito do partido e era umaliderança; que a executiva do partido ficou surpresa com o pedido dedesfiliação porque houve um consenso geral da executiva em anteci-par a convenção que ocorreria em dezembro de 2007 para agosto dereferido ano, inclusive com a anuência de Sérgio.

Pertinente consignar que o entendimento da jurisprudência sobreessa hipótese de justa causa (grave discriminação pessoal) tem sidorestritivo, não agasalhando hipóteses de disputas internas no partidoou alegada falta de apoio dos órgãos superiores da agremiação, con-forme se pode observar dos julgados abaixo colacionados:

INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. JUSTA CAUSA. ALEGAÇÃO DE GRA-VE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL.

[...]

Page 383: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

383

3. Simples desentendimentos e divergências ocorridas entre o verea-dor e alguns membros do partido do qual se desfiliou não caracteri-zam discriminação pessoal de molde a justificar a desfiliação partidá-ria do vereador [TRE/PR, Ac. 32.854, de 11.3.2008, Rel. Juiz MunirAbagge].

INFIDELIDADE PARTIDÁRIA. PERDA DE MANDATO ELETIVO. RE-QUERENTE. ÓRGÃO PARTIDÁRIO ESTADUAL. CABIMENTO.INCONSTITUCIONALIDADE RESOLUÇÃO TSE N. 22.610/2007. RE-JEIÇÃO. DESFILIAÇÃO. JUSTA CAUSA. NÃO CONFIGURAÇÃO.DECRETAÇÃO DA PERDA DO MANDATO ELETIVO.

[...]

Para configurar justo motivo de desfiliação por “grave discriminaçãopessoal” deve haver distinção, exclusão, diferenciações arbitrárias, oudiscriminações absurdas, por parte dos dirigentes dos partidos paracom determinado filiado. A falta de assistência dos órgãos superioresdo partido não configura grave discriminação pessoal [TRE/TO, Ac. n.6.615, de 12.3.2008, Rel. Juiz José Roberto Amêndola].

Infidelidade partidária. Perda de mandato. Vereadora Municipal.Tempestividade de pedido ajuizado pelo Ministério público Eleitoral.Inconstitucionalidade da Resolução n. 22.610/TSE, por veicular nor-mas processuais: Inexistência. Grave discriminação pessoal não con-figurada. Ausência de justa-causa à transmigração partidária. Perdade mandato.

[...]

III – “Abandono” pelo grêmio originário, sobre se ressentir de com-provação, não se equipara a discriminação. Em se tratando de únicavereadora eleita pela sigla, inexeqüível se revela prática segregacio-nista.

IV – A desestruturação da sigla e o baldado propósito de alçar-lhe apresidência também escapam ao figurino de discriminação. A já sova-da argüição de “falta de espaço” dentro do partido é inerente ao “jogopolítico”. Disputas ou querelas internas devem ser solvidas no seio daprópria agremiação.

[...]

[TRE/RO, Ac. n. 57, de 13.3.2008, Rel. Juiz Élcio Arruda]

Extraio do voto condutor do Acórdão TRESC n. 22.113, de23.4.2008, da lavra do eminente juiz Márcio Vicari, a seguinte passa-gem, muito pertinente ao caso em análise, pois descreve critérios ra-zoáveis de convivência interna nos partidos e dá um norte seguro paraa aplicação da escusa de grave discriminação pessoal.

Page 384: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

384

As contendas e disputas internas dos partidos, quando normais, nãocabem nesse conceito, certo que são inelimináveis e integrantes daatividade política. Por isso que a mera alegação de falta de “espaço”político ou de impedimento ao desenvolvimento de potenciais candi-daturas, por exemplo, antes de constituírem discriminação, concreti-zam, ao contrário, conseqüências normais e mesmo comuns da refre-ga interna corporis.

A atividade política consiste em disputa pelo Poder e implica, por issomesmo, em interesses contrapostos e majoritariamente insatisfeitos.Natural que muitos sejam os concorrentes e poucos os vencedores.Isso ocorre, antes da competição interp artidária , na inevitável con-tenda intrap artidária , por vezes tão renhida quanto aquela. Mas talfato não pode ser equiparado à justificativa da grave discriminaçãopessoal.

O adjetivo “grave”, usado pela resolução específica, não é sem razão.Só será discriminação pessoal justificadora da desfiliação aquela “gra-ve”, ou seja, aquela que não permita ao filiado opção razoável dentroda hoste partidária. Apenas derrotas políticas extraordinárias, incom-patíveis com as normais correntes de disputa interna dos partidos, éque têm força de justificar a troca de partidos no contexto atual, defidelidade partidária após a decisão tomada pelo Tribunal Superior Elei-toral na consulta [Cta] n. 1.398. No vigente sistema de vinculação par-tidária a falta de perspectivas eleitorais pessoais cede lugar para asestratégias partidárias, segundo decisões que seguem a lógica políti-ca e não a lógica jurídica , assomando, em tais circunstâncias, o pos-tulado da autonomia p artidária (Constituição da República, art. 17, §1o). Somente o movimento injustificado, deliberado e incompatível comessa lógica política é que permite intervenção judicial autorizativa doabandono do partido que elegeu o parlamentar.

Portanto, a meu ver, resta claro dos autos que não houve gravediscriminação pessoal contra Sérgio Hercílio Pacheco no âmbito doPartido Progressista de Criciúma. Houve, sim, disputas internas en-volvendo o requerido e outro filiado, que também, como o requerido,desempenhava papel importante no partido. Todavia, não se pode di-zer que o Partido Progressista tenha corroborado o comportamentode seu filiado Vânio de Oliveira; ademais, dos autos observa-se que oórgão estadual do PP exerceu pressão constante em favor de SérgioPacheco junto a Vânio de Oliveira, inclusive exigindo deste que dei-xasse a presidência do diretório municipal do partido, o que foi feito.

Quanto a eventual desvio de programa partidário a justificar adesfiliação, em razão da política de alianças a ser possivelmente ado-tada pelo Partido Progressista para as próximas eleições, mormente

Page 385: RESENHA ELEITORAL

ACÓRDÃOS SELECIONADOS

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 291-386, 2008

385

uma hipotética coligação com o Partido dos Trabalhadores, seu ad-versário histórico, entendo que este fato não está a demonstrar o des-vio mencionado na resolução do TSE, o qual, conforme bem enfocadopela Procuradoria Regional Eleitoral, requer o cotejo dos fatos com asintenções e projetos da agremiação, demonstrando, claramente, o pon-to em que ocorreu o descaminho.

Este também é o entendimento da jurisprudência deste Tribunal,que recentemente assim decidiu:

AÇÃO DE DECRETAÇÃO DE PERDA DE MANDATO ELETIVO PORDESFILIAÇÃO PARTIDÁRIA – PREFACIAL DE DECADÊNCIA – RE-JEITADA – GRAVE DISCRIMINAÇÃO PESSOAL E ALTERAÇÃOPROGRAMÁTICA – NÃO CONFIGURAÇÃO – PROCEDÊNCIA.

Não configura grave discriminação pessoal a circunstância de o diretórioestadual exigir de seus filiados apoio à coligação celebrada para dis-putar o pleito majoritário estadual.

A mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidárionecessitam ser demonstrados, mediante o cotejo do dispositivoprogramático anterior com o resultante de alteração ou com os atosreiteradamente praticados pela agremiação que o contrarie, não seconsiderando como desvio a celebração de coligação, ainda que comtradicional opositor [TRESC, Ac. n. 22.161, de 28.5.2008, Rel. JuízaEliana Paggiarin Marinho].

Ante o exposto, reconheço a infidelidade e declaro a perda do man-dato de vereador do requerido Sérgio Hercílio Pacheco.

Após publicada, comunique-se a decisão imediatamente à Câma-ra de Vereadores de Criciúma, a fim de que, no prazo de 10 (dez) diascontados do recebimento do expediente, dê posse ao suplente, nostermos do art. 10 da Resolução TSE n. 22.610/2007.

É o voto.

Page 386: RESENHA ELEITORAL
Page 387: RESENHA ELEITORAL

ÍNDICE

Page 388: RESENHA ELEITORAL
Page 389: RESENHA ELEITORAL

ÍNDICE POR ASSUNTO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 387-392, 2008

389

ÍNDICE POR ASSUNTO

Aabuso do poder econômico, 61

corrupção, 62fraude, 63

ação de impugnação de mandato eletivoefeitos decorrentes da decisão de procedência

execução da decisão, 66penalidades aplicáveis ao impugnado, 69reflexos da decisão no resultado da eleição, 73

embasamento normativo, 85hipóteses de cabimento, 55 e 61legitimidade ativa do eleitor, 59, 83 e 87

aspectos doutrinários, 90aspectos jurisprudenciais, 88aspectos legais, 87

momento da propositura, 65natureza jurídica, 58rito processual, 64

agentes públicosver condutas vedas aos agentes públicos

Ccâmaras municipais

número de vagas, 211competência, 220norma constitucional, 212

proporcionalidade, 214campanhas eleitorais

financiamento, 129 e 130coligação

suplentes, 293condutas vedadas aos agentes públicos, 151

art. 73 da Lei n. 9.504/1997, 154controle de constitucionalidade, 33

Ddesfiliação partidária, 329 e 347

Page 390: RESENHA ELEITORAL

ÍNDICE POR ASSUNTO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 387-392, 2008

390

direito de resposta, 227esfera eleitoral, 229

afirmação caluniosa, difamatória ou injuriosa, 233afirmação sabidamente inverídica, 236cumulação de pedidos e penas, 240procedimento, 238resposta, 239

discriminação pessoal, 305, 317, 344, 347, 355, 356 e 375

F

fidelidade partidária, 307, 334 e 368infidelidade, 317

J

juizado especial criminalaplicação dos institutos e procedimentos na Justiça Eleitoral, 185 e 203

rito processual, 205termo circunstanciado de ocorrência de infração penal, 204

criação, 187finalidade, 191medidas despenalizadoras, 197

composição dos danos civis, 198representação nos casos de lesões corporais culposas ou leves, 199suspensão condicional do processo, 201transação penal, 199

princípios, 194

M

magistradoimpedimento e suspeição, 33 e 47

mandato eletivo, 347decretação de perda, 293, 329, 355 e 375

suplente da coligação, 300vereador, 293

mesáriotutela do trabalho no período eleitoral, 269

migração partidária, 335

Page 391: RESENHA ELEITORAL

ÍNDICE POR ASSUNTO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 387-392, 2008

391

multapropaganda eleitoral irregular na imprensa escrita, 23

necessidade de demonstração da responsabilidade, 23prévio conhecimento do candidato, 23

Ooutdoors, 261

Ppartidos políticos, 300

conceito, 109estado de partidos, 107 e 120fusão, 329mandato partidário, 122representação política, 107 e 114

pesquisas eleitoraisdivulgação, 257

poder judiciárioinstalação no Brasil, 15

poder regulamentador do TSE, 33limites, 39

prestação de contasconseqüências da rejeição das contas, 143conservação de documentos comprobatórios, 144julgamento das contas dos candidatos eleitos, 140limites de doação, 129 e 132movimentação paralela de recursos, 134omissão de dados, 136recursos de fontes vedadas, 138retificação das contas prestadas, 142trânsito em julgado da decisão, 144

programa partidário, 375propaganda

eleitoral, 245 e 253antecipada, 97 e 101bens públicos, 258na imprensa, 262

institucional, 97 e 101política, 252

publicidade institucional, 165princípios, 249

Page 392: RESENHA ELEITORAL

ÍNDICE POR ASSUNTO

Res. eleit., Florianópolis, v. 15, ed. esp., p. 387-392, 2008

392

Sshowmício, 261

Vvereador, 305, 317 e 375

número de vagas, 218ver t ambém câmaras municipais