Resenha - A Exclusão Social Por Takeuti

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REFLEXÕES SOBRE O TEXTO “A POBREZA E A EXCLUSÃO SOCIAL NO PRIMEIRO MUNDO”, DE NORMA TAKEUTI Périsson Dantas do Nascimento (Nota de trabalho 03) Original: julho / 96. O texto objetiva a melhor compreensão das situações de pobreza, do processo de desinserção, exclusão e auto-exclusão social; analisando a gênese psicossocial da vergonha associada à pobreza. Para tais finalidades, a autora utiliza referenciais de pesquisa de sua pós-graduação na França, tomando como objeto de seu estudo os E-remistas, os quais são pessoas marginalizadas na França, que são sustentadas por um salário-desemprego garantido pelo governo francês. A leitura desse texto nos trouxe bastante ajuda para a ampliação do contexto teórico de nossa pesquisa, já que precisamos analisar as questões dos estereótipos e estigmas dentro de uma perspectiva mais ampla do processo de exclusão social na contemporaneidade. Para introduzir o seu texto, Takeuti traça um breve panorama da pós-modernidade e da mundialização da economia e das relações sociais, pois para entendermos a pobreza, devemos associá-la como fenômeno contemporâneo, enquadrado no mundo moderno e globalizado, em um processo uniforme em todo o planeta. O homem do mundo pós-moderno é reflexo, nesse contexto, de uma série de sintomas decorrentes do desenvolvimento histórico do sistema capitalista. O mais evidente deles é o MAL-ESTAR, isto é, o tédio, fastio, aborrecimento e vacuidade individual; o homem perde o sentido de existir, trabalhar, fazer projetos e sonhar com um futuro promissor. O mundo está rodeado por crises, mudanças, vazio, sentimento de efêmero, de perda de sentido, individualismo exacerbado. O indivíduo, a procura de parâmetros e referências identitárias, está sempre pronto a se unir a qualquer grupo que lhe dê uma determinada sensação de segurança, de estabilidade e valor, mesmo que seja através do viés da violência e revolta contra esse mesmo mundo que o construiu enquanto ser histórico. TUDO MENOS O VAZIO. É o que Lawy denomina como DESENCANTAMENTO DO MUNDO. É aqui que estão enquadrados os nossos adolescentes delinqüentes, os quais constituem o nosso objeto de estudo. A pesquisa de Marlos Bezerra vai tentar traçar algumas diretrizes de análise de como os jovens de Natal vivem e agem sobre esse processo, construindo referenciais de identidade

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Texto sobre violencia e exclusao social

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REFLEXÕES SOBRE O TEXTO “A POBREZA E A EXCLUSÃO SOCIAL NOPRIMEIRO MUNDO”, DE NORMA TAKEUTI

Périsson Dantas do Nascimento(Nota de trabalho 03)

Original: julho / 96.

O texto objetiva a melhor compreensão das situações de pobreza, do processo de desinserção, exclusão e auto-exclusão social; analisando a gênese psicossocial da vergonha associada à pobreza. Para tais finalidades, a autora utiliza referenciais de pesquisa de sua pós-graduação na França, tomando como objeto de seu estudo os E-remistas, os quais são pessoas marginalizadas na França, que são sustentadas por um salário-desemprego garantido pelo governo francês. A leitura desse texto nos trouxe bastante ajuda para a ampliação do contexto teórico de nossa pesquisa, já que precisamos analisar as questões dos estereótipos e estigmas dentro de uma perspectiva mais ampla do processo de exclusão social na contemporaneidade.

Para introduzir o seu texto, Takeuti traça um breve panorama da pós-modernidade e da mundialização da economia e das relações sociais, pois para entendermos a pobreza, devemos associá-la como fenômeno contemporâneo, enquadrado no mundo moderno e globalizado, em um processo uniforme em todo o planeta. O homem do mundo pós-moderno é reflexo, nesse contexto, de uma série de sintomas decorrentes do desenvolvimento histórico do sistema capitalista. O mais evidente deles é o MAL-ESTAR, isto é, o tédio, fastio, aborrecimento e vacuidade individual; o homem perde o sentido de existir, trabalhar, fazer projetos e sonhar com um futuro promissor. O mundo está rodeado por crises, mudanças, vazio, sentimento de efêmero, de perda de sentido, individualismo exacerbado. O indivíduo, a procura de parâmetros e referências identitárias, está sempre pronto a se unir a qualquer grupo que lhe dê uma determinada sensação de segurança, de estabilidade e valor, mesmo que seja através do viés da violência e revolta contra esse mesmo mundo que o construiu enquanto ser histórico. TUDO MENOS O VAZIO. É o que Lawy denomina como DESENCANTAMENTO DO MUNDO. É aqui que estão enquadrados os nossos adolescentes delinqüentes, os quais constituem o nosso objeto de estudo. A pesquisa de Marlos Bezerra vai tentar traçar algumas diretrizes de análise de como os jovens de Natal vivem e agem sobre esse processo, construindo referenciais de identidade próprios, para tentar se situar no contexto da sociedade natalense contemporânea.

Em outra parte do seu artigo1, a autora vai enumerar diversos aspectos sobre a mundialização da economia no mundo pós-moderno e a derrocada do capitalismo avançado. A primazia do dinheiro nas relações sociais é a principal característica desse contexto, visto que “o dinheiro representa da abstração real social, ele é a encarnação do trabalho abstrato por excelência, totalmente desvinculado do conteúdo da produção”, (Kurtz) resultando assim uma alienação completa da humanidade frente à produção de bens para o seu próprio sustento no planeta. No capitalismo avançado2, a produção está sempre voltada para a lógica do lucro e crescimento da produção de bens, objetivando um aumento de rentabilidade e do lucro. O trabalho perde o valor de satisfazer as necessidades existenciais, se tornando mera reprodução do capital, ou seja, a abstração do trabalho retira do mesmo seus valores e significados concretos, não mais permitindo a troca simbólica, mas as trocas indiferenciadas (escambo e mais-valia). Habernas (citado pela autora) vai ressaltar as conseqüências patológicas do ponto de vista da integração social, socialização e reprodução cultural, pois todos esses aspectos atualmente são

1 O texto analisado consiste em um artigo escrito por Norma Takeuti para a revista Vivência, do CCHLA/UFRN, v. 07, n. 01, dez/1993, intitulado A Pobreza e a Exclusão Social no Primeiro Mundo.2 Algumas características de base da sociedade capitalista industrial são elencadas pela autora, como: economia de mercado, valor de troca, propriedade privada, reificação, racionalidade instrumental, quantificação, legitimidade burocrática e espírito de cálculo racional. Gostaríamos que essas conceituações fossem esmiuçadas conceitualmente na próxima orientação.

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mediados pelo poder e dinheiro, trazendo ao homem um vazio psicológico, e perdas de referenciais de identidade, visto que o ter é mais importante que o ser.3

A concorrência, a competição torna-se um fato corriqueiro na rotina do homem moderno, que busca se inserir no mercado de trabalho. Criou-se uma lógica da excelência, na qual somente os melhores, os mais capacitados conseguem encontrar o seu lugar na produção. Os trabalhadores, nesse processo, lutam pela obtenção e manutenção de suas capacitações, mais do que a luta por melhores condições de vida e trabalho. Ou seja, se exige, para a adequação no mercado de trabalho, um constante acompanhamento das inovações tecnológicas, uma reatualização constante. Isso garante, quantita e qualitativamente, a melhoria da produção, trazendo maiores lucros e resultados cada vez melhores ao consumidor. Porém existe outro lado nessa moeda, se tomarmos uma análise dialética: para existirem vencedores, provavelmente existirão perdedores. E em grande massa, cresce o número de excluídos da obtenção da riqueza abstrata da sociedade. A lógica do complexo sistema capitalista retira possibilidades de inserção no mercado, visto que a adesão a novas tecnologias, através de cursos e educação que permitam a capacitação e atualização, é muito cara, de acesso a uma determinada elite. Dessa forma, os desprivilegiados não têm chance de capacitarem-se para o mercado, sendo largados ao sub-emprego e ao desemprego. E o ciclo de riqueza/pobreza se reproduz e cresce a olhos vistos. A pobreza, enquanto sintoma social, estaria encravada no próprio sistema e lógica do mundo capitalista, o qual evidencia as suas contradições. A pobreza convive ao lado dos poderosos, não somente se resumindo a periferias e guetos. Podemos concluir, assim, que “o modelo de desenvolvimento da sociedade capitalista no estado presente está mais baseado na exclusão que na exploração da força de trabalho”. As questões, na sociedade atual estão mais ligadas a luta de lugares (identidade adquirida) nas lógicas organizacionais internas do que na luta de classes de pertencimento (identidade herdada).

A partir desse momento, podemos inferir algumas análises. Os adolescentes de Mãe Luísa estão certamente inseridos nesse complexo sistema, onde o lugar social é determinado pelo trabalho. O desemprego, decorrente do ciclo vicioso que vimos pela falta de oportunidade na inserção do mercado de trabalho, gera conseqüências como desestruturação familiar, alcoolismo, crime, drogas, entre outros mecanismos de fuga e revolta contra essa situação de sentir-se incapaz, da perda dos mecanismos psíquicos de defesa. E aí estão os nossos jovens, filhos de uma história de famílias que sofrem esse processo de desinserção, de figuras do pai desiludidas, entregues a violência doméstica e social. Essa última no sentido de incômodo que a sociedade sente ao ver a pobreza ao seu lado, a vontade de vê-la aniquilada, de culpá-la pelos males sociais inerentes ao sistema, como bodes expiatórios. A sociedade os despreza, os nega enquanto membros normais e saudáveis, atacando-os simbolicamente a nível de estigmas e símbolos de exclusão. Porém vemos que os jovens não agem passivamente ante essa situação. De acordo com o lugar de “dejeto”, que lhes é imposto, eles reagem pela busca de grupos nos quais se sentem fortes, poderosos, donos da situação através da violência a agressividade contra àqueles que o desprezam. E assim surgem os marginais, as gangues, que constituem o nosso objeto de estudo. Pretendemos analisar a questão do estigma do delinqüente juvenil por parte do educando e de instituições que lidem com esses jovens, tendo como objetivo traçar uma panorâmica do olhar social natalense, nas suas diversas categorias inseridas, sobre os jovens.

Na parte mais interessante de seu texto, Takeuti vai nos trazer toda uma descrição e análise da situação dos E-remistas franceses, e seu relacionamento com a sociedade e a lógica capitalista. Pretendemos abordar, no nosso texto, somente os pontos que se referem ao olhar social e suas atitudes sobre os excluídos, de forma a trazer algumas reflexões para a nossa pesquisa individual. De acordo com a autora, pode-se elencar, no discurso social diversos adjetivos que caracterizam os excluídos, como: “detrito, incapaz, perdedor, perdido, deserdado, analfabeto, mendigo, miserável”. Os estereótipos e a questão de suas palavras indutoras na

3 Gostaríamos de ter acesso a esse texto, pois nos é de interesse bastante pessoal.

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opinião pública4 estão aí comprovados, visto que muitos dos excluídos não condiziam a essas características, sendo pessoas de boa cultura e educação, mas que perderam, com a lógica da excelência, seu lugar no mercado.

A sociedade possui dois posicionamentos frente aos excluídos: um caracteriza-se pela vergonha, culpa, e indignação; e outro por desprezo e humilhação. De acordo com a autora, “um olhar do senso comum capta uma certa perplexidade e um mal-estar por parte dos últimos, que reagem ora com pena e indulgência (por estarem em melhores condições), ora com desprezo e rejeição por aqueles que não sabem batalhar na vida”. Existiria uma tendência a se responsabilizar, individualmente, as pessoas que caem na situação social de pobreza. Assim, a visão social da pobreza pode estar associada aos seguintes aspectos: (1) compaixão e complacência; (2) Sujeira, feiúra, fedor, grosseria, negligência, incultura e (3) morte, através de um medo generalizado daquilo que mata, degrada e faz o ser humano sofrer.

Dessa forma, pode-se hipotetizar que o desprezo ou rejeição à pobreza, seriam mecanismos de defesa contra a angústia da morte, já que o outro é o espelho de sua futura decadência. Evitar o outro significa evitar a desestruturação da identidade.

E como seria o processo de inserção social? Para os entrevistados da autora, tal processo implicaria ao acesso a um nível cultural, econômico e social estável, ou seja, ter trabalho regular, remuneração, habitação decente, rede relacional equilibrada e uma família estável. Do outro lado, o processo de inserção constitui um caminho árduo para os excluídos, visto que, na prática, a reinserção de jovens pobres (no caso de nossos meninos, por exemplo), se dá através do trabalho duro, maus salários e maus tratos, tendo o sentido de domesticação de marginais desajustados. Nossos jovens reagem e negam tal situação, pois são conscientes do que o futuro lhes reserva. Preferem assim o conformismo e a segurança das “galeras”, nas quais consegue segurança, dinheiro (através de “bicos” ou roubos) e diversão (seja pelo esporte, vandalismo, ou drogas).

As instituições de ajuda reforçam ainda mais o processo de exclusão, considerando a pobreza como uma tara pessoal, prblema individual e falha psicológica, negando a realidade de que a pobreza nada mais é do que a consequência de uma situação econômica e social.

4 Ver nota de trabalho 04, que trata de opiniões e estereótipos na Psicossociologia de Maisonneuve