REPRESENTAÇÃO SOCIAL E MIMESIS - Luiz Costa Lima

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Dubito Ergo Sum: sítio cético de literatura e espanto http://paginas.terra.com.br/arte/ dubitoergosum/arquivo22.htm REPRESENTAÇÃO SOCIAL E MIMESIS Luiz Costa Lima Publicada em Dispersa Demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. 1. A tal ponto mimesis e representação têm estado associados que admira algum texto ainda seja dedicado a seu enlace. Esta ligação, com efeito, tem sido mantida desde a reflexão antiga, fosse com o propósito de desvalorizar a arte -por não representar senão o mundo das aparências e da opiniões (Platão) (1) -fosse com o de exaltá-la -por ser caminho onde se representa a "luz interna" do artista, corretora da própria natureza (Plotino) (2). Ora, sabendo-se que, malgrado suas opostas posições, tanto a colocação platônica quanto a plotininana, terminavam por condenar a arte (3), não se poderia aventar assim suceder mesmo por sua articulação com a idéia de representação? Ou seja, a arte seria desvalorizável toda vez que sua expressão fosse subordinada a algo anterior, a que se liga como representação. Mas a formulação é improcedente. Nos casos referidos, a inferioridade do produto mimético não resultava de seu enlace com a representação, mas de ele realizar-se no interior de uma concepção metafísica do mundo, em que a Idéia ou o Arquétipo aparece como ponto nodal e inalcançável pelo objeto mimético. Podemos então corrigir a afirmação anterior e dizer que a concepção metafísica não faz justiça ao objeto mimético enquanto se faz portadora de uma interpretação essencialista do mundo. Faremos deste enunciado uma balisa com que analisaremos as relações entre nossos dois termos. Com isso implicitamente estamos dizendo que o problema básico não consiste em, sob a pretensão de buscar-se uma idéia de mimesis não amesquinhadora de suas produções, procurar-se desvinculá-la de seu par, mas em compreender a concepção de mundo sob a qual a vinculação se estabelece. Mesmo sem nos determos em algum pensador e sem sequer nos preocuparmos em se é detentor de uma metafísica, podemos partir da afirmação de que o pensamento ocidental apresenta uma curiosa convergência no trato da articulação entre arte e representação, o de realizá-la pela noção de figura: "Considera-se a literatura ser representacional quando produz uma figura de uma realidade, seja psicológica ou social, particular e historicamente reconhecida, seja, de maneira mais abstrata, uma figura de uma 'realidade' ideal, mítica, metafísica -quando apresenta ou torna visível os traços 'essenciais' ou 'característicos' de algo 'externo', de um espaço ou contexto diverso do 'estritamente literário'. Supõe-se que a 'exterioridade' existe antes de sua representação e é assim a origem da literatura representacional, que está presente em si mesma, antes de ser representada na literatura (...)" (Carroll, David: 1980, 201). As posições compreendidas são tão díspares quanto nosso exemplo de Platão e Plotino: seja figura do real existente (social ou psicológico), seja de uma realidade ideal, a arte seria representacional enquanto manifesta a "verdade" ou a "essência" da exterioridade eleita como núcleo do mundo. E a tal ponto automatizamos essa forma de pensar que chegamos a supor não

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Dubito Ergo Sum: sítio cético de literatura e espanto http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/arquivo22.htm

REPRESENTAÇÃO SOCIAL E MIMESISLuiz Costa Lima

Publicada em Dispersa Demanda. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1981. 1. A tal ponto mimesis e representação têm estado associados que admira algum texto ainda seja dedicado a seu enlace. Esta ligação, com efeito, tem sido mantida desde a reflexão antiga, fosse com o propósito de desvalorizar a arte -por não representar senão o mundo das aparências e da opiniões (Platão) (1) -fosse com o de exaltá-la -por ser caminho onde se representa a "luz interna" do artista, corretora da própria natureza (Plotino) (2). Ora, sabendo-se que, malgrado suas opostas posições, tanto a colocação platônica quanto a plotininana, terminavam por condenar a arte (3), não se poderia aventar assim suceder mesmo por sua articulação com a idéia de representação? Ou seja, a arte seria desvalorizável toda vez que sua expressão fosse subordinada a algo anterior, a que se liga como representação. Mas a formulação é improcedente. Nos casos referidos, a inferioridade do produto mimético não resultava de seu enlace com a representação, mas de ele realizar-se no interior de uma concepção metafísica do mundo, em que a Idéia ou o Arquétipo aparece como ponto nodal e inalcançável pelo objeto mimético. Podemos então corrigir a afirmação anterior e dizer que a concepção metafísica não faz justiça ao objeto mimético enquanto se faz portadora de uma interpretação essencialista do mundo. Faremos deste enunciado uma balisa com que analisaremos as relações entre nossos dois termos. Com isso implicitamente estamos dizendo que o problema básico não consiste em, sob a pretensão de buscar-se uma idéia de mimesis não amesquinhadora de suas produções,procurar-se desvinculá-la de seu par, mas em compreender a concepção de mundo sob a qual a vinculação se estabelece. Mesmo sem nos determos em algum pensador e sem sequer nos preocuparmos em se é detentor de uma metafísica, podemos partir da afirmação de que o pensamento ocidental apresenta uma curiosa convergência no trato da articulação entre arte e representação, o de realizá-la pela noção de figura: "Considera-se a literatura ser representacional quando produz uma figura de uma realidade, seja psicológica ou social, particular e historicamente reconhecida, seja, de maneira mais abstrata, uma figura de uma 'realidade' ideal, mítica, metafísica -quando apresenta ou torna visível os traços 'essenciais' ou 'característicos' de algo 'externo', de um espaço ou contexto diverso do 'estritamente literário'. Supõe-se que a 'exterioridade' existe antes de sua representação e é assim a origem da literatura representacional, que está presente em si mesma, antes de ser representada na literatura (...)" (Carroll, David: 1980, 201). As posições compreendidas são tão díspares quanto nosso exemplo de Platão e Plotino: seja figura do real existente (social ou psicológico), seja de uma realidade ideal, a arte seria representacional enquanto manifesta a "verdade" ou a "essência" da exterioridade eleita como núcleo do mundo. E a tal ponto automatizamos essa forma de pensar que chegamos a supor não

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haver outra possível. Sensação aumentada pela extensão das correntes de pensamento que, malgrado suas divergências, comungam neste ponto de partida: "Todos os idealismos e materialismos parecem partilhar desta definição da relação da literatura (de todas as artes) com sua 'exterioridade' e pelo modo como esta verdade se faz presente na 'literatura' (Carroll, D.: idem, 201-2). Para que o produto mimético assuma valor é preciso que represente certo Weltbild. O que vale dizer: é valorizável se servir como ilustração de certo modo de ver o mundo. Em decorrência, na medida que as diversas teorizações sobre o produto mimético derivam ou estão contidas nestes sistemas de pensamento, o único modo correto de reagir à sua "ilustratividade" pareceria exigir a recusa de toda e qualquer teorização. Ou que, aceitando apenas aquela que, negando todo pressuposto representacional, postulasse, a exemplo da teoria expressionista, o esforço do artista consistir em "expressar e ordenar seus sentimentos em forma poética"(cf. Altieri, Charles: 1975, 108) -reformulação do ideal romântico que, na prática, levaria a endossar a posição de Fenollosa: "Nos termos de Fenollosa, o que um poema significa é o que ele significa" (Altieri, Ch.: idem, 109). Assim o antiteoricismo de muito artista e escritor contemporâneo, bem como da crítica influenciada pelo último Barthes não se explicaria apenas por reação às complicações professorais e universitárias, pois seria uma resposta ao ilustrativismo das teorias miméticas (ou representacionais) -(Balzac, ilustrador das lutas de classe, Joyce e Kafka da decadência do capitalismo, Sófocles do complexo de Édipo). De fato, o próprio do enlace tradicional entre representação e mimesis consiste em converter a segunda em exemplo ilustrador de um sistema de pensamento que lhe assegura um lugar enquanto ela "testemunha" a sua "verdade". Para indicá-lo, ainda que de forma rudimentar, recordemos que, embora não possa haver correntes mais antagônicas que a teoria do reflexo e a estilística, elas coincidem no modo como focam as relações entre obra e realidade. Chamemos de F as propriedades da fonte (a realidade social condicionante) e de PG as propriedades dos produtos gerados (as características de estilo). A prática da teoria do reflexo consiste em reencontrar F em PG, através de uma causalidade mecânica ou refinada, pela qual se "esquece" PG, considerado mero epifenômeno de F. A estilística, de sua parte, toma os mesmos ingredientes, sujeitando-os a duas diferenças de tratamento: a) a realidade condicionante (F) passa a ser ou o quadro psicológico do autor (posição do primeiro Spitzer) ou um quadro social idealisticamente interpretado como a nação (posição do primeiro Vossler); b) concentrando-se em PG, entendidos como figuras de estilo, "esquece" F ou se limita a tomá-la como ambiência. Distintas pelos pólos que privilegiam, a teoria do reflexo e a estilística pertencem a uma mesma visão da literatura: a postulante de uma transparência entre a ordem condicionante e o efeito condicionado. Em ambos os casos, o produto mimético é a ilustração seja da sociedade condicionante, seja da individualidade criadora. (É o que similarmente sucede quanto aos paradigmas clássicos da crítica brasileira: se em Sílvio Romero a nacionalidade é o padrão orientador do ulgamento, em Veríssimo, este se torna o "brilho", a 'força', o 'casticismo' da linguagem). Os casos da teoria do reflexo e da estilística nos pareceram exemplares da junção tradicional entre representação e obra mimética porquanto sempre derivam as propriedades desta de algo anterior -mesmo que não se lhe ressalte, como sucede em uma estilística puramente descritiva -tomado como seu centro ou essência. Identificar então o modo de atuar desta conduta teórica exige o afastamento de sua prática. Mas, se não simpatizarmos tampouco com o neoimpressionismo contemporâneo, consistente em afirmar a crítica literária como outro gênero literário, seremos obrigados a repensar mais drasticamente a mimesis. É o que iremos fazer, tomando-as a princípio em separado.

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2. Que será o fenômeno da representação se não o entendermos como ponte que conduz o real até o texto da mimesis? Para início de reflexão servimo-nos de um texto que nada tem de recente. Os autores de "De Quelques formes primitives de classification" iniciam seu ensaio com uma crítica da idéia de dado, utilizada como fundamento das faculdades psicológicas de definir, deduzir, induzir, pois "geralmente consideradas como imediatamente dadas na constituição do entendimento individual" (Durkheim, Émile e Mauss, Marcel: 1903, 13). Ao invés de universal e naturalmente plantadas, as formas de entendimento derivam e supõem classificações, cuja abrangência é tão só sócio-cultural: "Toda classificação implica uma ordem hierárquica, cujo modelo não é oferecido nem pelo mundo sensível nem por nossa consciência" (Durkheim, É. e Mauss, M: idem, 18). A ordem hierárquica, constitutiva da classificação, é, portanto, um princípio naturalmente imotivado, pelo qual uma cultura, uma sociedade, uma classe ou um grupo estabelece e diferencia valores, concebe critérios de identificação social, de identidade individual e de distinção sócio-individual. A representação é o produto de classificações. Ou seja, cada membro de uma sociedade se representa a partir dos critérios classificatórios a seu dispor. As representações são, por conseguinte, os meios pelos quais alocamos significados ao mundo das coisas e dos seres. Por elas, o mundo se faz significativo. E o choque de significações de imediato resulta do choque de representações. Para alguém, por exemplo, que internalizou a representação que acompanha o título "Herr Professor", na Alemanha, será incompreensível que, entre nós, uma forma simpática de dirigir-se a um garçom de bar consista em, voltando-se para ele, chamá-lo "ô professor". O choque, entretanto, não se restringe às representações entre estrangeiros, pois se processam no interior de um mesmo país. Entre nós, é conhecida a reserva e a desconfiança dos mineiros. Lembro a respeito o embaraço de um amigo, psicanalista estrangeiro, que, clinicando uma vez por semana em Belo Horizonte, levou algum tempo para descobrir que não deveria tomar ao pé da letra as queixas de seus clientes mineiros quanto à sua falta de dinheiro... Mesmo em um consultório psicanalítico, a regra da sinceridade deveria ser...mineiramente entendida. Talvez não seja assim exagero dizer que, entre os mineiros, a antífrase deixa de ser uma figura retórica para tornar-se a própria mola que move o discurso. A tal ponto o parceiro deve ser tratado com cautela e suspeita que o falante corre o risco de se convencer com sua própria artimanha. Recentemente, nosso colunista político mais famoso recordava cena digna de nota: "Empurrando-me para um vão de janela, o ex-Deputado desabafou: -Castello, como nós (os mineiros) nos odiamos! Nem isso é verdade. É jogo" (Castello Branco, Carlos: 11.1980,2). A retificação -"nem isso é verdade" -tanto visa ao esclarecimento do interlocutor, quanto a si próprio, enunciante, como se este corresse o risco de se autoconvencer de um ódio na verdade apenas fingido. Os exemplos acima pretendem insinuar que não há um real previamente demarcado e anterior ao ato da representação. Entre este e aquele, erige-se uma rede de classificações que torna o real discreto e enunciável a partir do princípio hierárquico orientador da classificação. Não olhamos a realidade e a traduzimos numa forma classificatória. Ao contrário, é a forma classificatória que nos informa sobre a realidade, tornando certas parcelas suas significativas. Por efeito desta conversão, as coisas perdem sua neutra opacidade, deixam de estar meramente aí e se investem de significação. Assim sucede, em primeiro lugar, com o próprio corpo, transformado em eixo dos investimentos semânticos: "(...) Longe de meu corpo ser para mim um fragmento do espaço, não haveria espaço para mim se eu não tivesse corpo"(Merleau-Ponty, Maurice: 1945, 119).

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Se, entretanto, as classificações assim funcionam como uma espécie de grille que nos orienta no mundo e em relação a nós mesmos, qual a necessidade que as origina? E por que se atualizam através das representações? Se não há nenhuma razão natural -biológica ou qual seja -que as determine, seu motivo não pode se encontrar senão no mundo social. Mas esta resposta cria um círculo vicioso: o mundo social é "visto" a partir das classificações, estas, de sua parte, se motivam pelo mundo social. Para sairmos do círculo precisamos dar um novo passo, que consistirá em precisarmos o que no mundo social exige as classificações e seu precipitado, as representações. As classificações e os modos como elas se atualizam resultam da forma como se processam as interações humanas. Diante do tu com que dialoga, o eu não encontra um espaço aberto, transitivo e canalizado, ao longo do qual conseguisse captar como o tu se comporta e efetivamente reage ao que se lhe diz. Tal bloqueio permanece mesmo se os interlocutores, como é a situação usual, dominam igualmente bem o código verbal empregado. Pois, a fim de a palavra funcionar, é preciso que, além de sua emissão (de seu aspecto locutório), ainda deflagre nos interlocutores a mesma camada elocutória.(4) Dito doutro modo, para que a comunicação se realize é preciso que a emissão seja acompanhada de um certo "cerimonial social", que faz o destinatário entender qual o valor particular de que a emissão se reveste. No Brasil, por exemplo, a partir dos mais jovens difunde-se o emprego do palavrão, com finalidade carinhosa. Para que então se saiba quando uma expressão grosseira, tipo "filho da puta", é usada agressivamente ou afetivamente, é necessário que se apreenda corretamente o "cerimonial social", i.e., o elocutório adequado ao momento. Mas, continuemos a indagar, por que o significado vaza da palavra e só se decifra neste seu inframundo? Pelo fato de que, mesmo na relação mais estreita, aquele que fala não pode saber o que se passa na mente que o escuta -escuta-o? -e vice-versa: Se não me disseres urgente repetidoEu te amo amoamoamoamo,verdade fulminante que acabas dedesentranhar, eu me precipito no caos,essa coleção de objetos de não-amor("Quero", C.Drummond: 1973) Pois a qualquer relação humana é básica a experiência de vulnerabilidade de cada parceiro frente à sua recepção pelo outro: "É fácil reconhecer que a expressão dos sentimentos de alguém quanto a outrem é vulnerável a todas as dúvidas e suspeitas e despropósitos a que estão sujeitos os acontecimentos isolados e separados"(Goffman, Erving: 1974, 457). Por isso até a mais anódina conversa realiza uma pequena cena teatral: "(...) O que com freqüência os falantes levam a cabo não é oferecer informações a um receptor, mas apresentar dramas a um auditório. Parece, na verdade, que a maior parte de nosso tempo é gasto não em dar informações, mas em realizar espetáculos" (Goffman, E.: idem, 508). O que fazer, portanto, diante da invisibilidade da mentação do outro, causa da vulnerabilidade das relações interumanas? Por causa e contra elas criamos frames (Goffman), que têm a finalidade de apresentar aos parceiros de cada ato de comunicação como que um espaço adequado, um corpo de convenções como que existente por si mesmo, aparentemente objetivo e inelutável -na verdade, automaticamente interpretável que permite aos interlocutores regular suas idas e vindas verbais. As representações são estas múltiplas molduras em que nos encaixamos sem nos determos, a maioria das quais aprendemos

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pelo simples comércio com os outros membros de nosso grupo. O teatro do mundo, pois, quase deixa de ser uma metáfora; realiza-se mesmo onde não haja idéia de teatro, pois seu espaço se inicia antes de haver um lugar reservado para as encenações. A diferença, por conseguinte, entre o teatro anônimo cujo palco é o mundo e a sala de espetáculos, está em que no primeiro representamos sem saber e no segundo não sabemos o que representamos. Raramente pois poderíamos dizer como Donne, em "The Extasie", we see we saw not what we move (vemos que não víamos o que nos comovia). É só por desconhecimento que as representações cometidas no teatro do mundo podem-nos dar, a nós atores anônimos, a ilusão de serem tão unas quanto a individualidade que as teria suscitado. A ilusão a seu respeito já deriva da ilusão de que sejamos esta una individualidade: "Todos nós somos retalhos (Nous sommes tous de lopins) e de uma contextura tão informe e diversa que cada peça, cada momento cumpre seu jogo. E encontra-se tanta diferença entre nós e nós mesmos, quanto entre nós e outrem" (Montaigne, Michel de: 1580, II, 1, 324). Somos tanto mais unos e tanto mais íntegro quanto menos conhecemos os papéis que representamos. Pelo amor da inautenticidade dos papéis, passamos a desempenhar o papel tragicômico da "alma sincera". Cultuadores da individualidade, entendemos que desempenhar um papel é fingir o que não somos, presos outra vez à prenoção da essência. E assim ignoramos que o um se forja pela imagem internalizada do outro, não importa qual a natureza valorativa do outro internalizado: "O hipócrita, que sempre desempenha o mesmo papel, termina por ser hipócrita; (...) Quando, por muito tempo e obstinadamente, se quer aparentar (scheinen) algo, torna-se por fim difícil ser outra coisa" (Nietzsche, Friedrich: 1878, I, 57, 487). E, porque não o sabemos, não é só o outro que se nos escapa, escapamo-nos sem cessar de nósmesmos. Não representamos porque queremos e quando queremos, mas o fazemos como maneira de nos tornarmos visíveis e ter o outro como visível. Por isso já há décadas Schütz dizia que as relações humanas são presididas por tipos, espécies de médias onde emolduramos os outros, i.e., os demarcamos e, assim, orientamos nossas relações. Primariamente, temos deste modo, as três modalidades de orientação (Einstellung) descritas por Schütz: a orientação-eles, a orientação-tu e a orientação-nós (5). Por estes três tipos, passa-se da relação mais anônima, a orientação-eles -a que tenho, por exemplo, com um funcionário que prepara meu passaporte -para a unilateralmente personalizada, a orientação-tu, até à mutuamente personalizada, a orientação-nós. À medida que um relacionamento progride nesta escala, passando da anonimidade para a personalização, correlatamente diminui a dominância da reação típica. A afirmação é indiretamente apreendida a partir do próprio Schütz: "O ponto de referência da orientação-eles é inferida por meu conhecimento e pelo mundo social em geral e está necessariamente em um contexto de significado objetivo. Só post hoc posso acrescentar interpretações referentes aos contextos de significado subjetivos de um indivíduo (...)"(Schütz, Alfred e Luckmann, Thomas: 1974, 75). Seria por certo um engano romântico supor que a máxima personalização abole as relações típicas, ou seja uma forma de representação, porque já se houvesse penetrado na intimidade do outro. É o que nos indica a reflexão de um autor não preocupado com tais postulações teóricas; interessado apenas em se perguntar como uma relação amorosa é capaz de perdurar:"A única possibilidade prática de salvação é o amor votado a uma criatura bastante pessoal para que, malgrado a incessante aproximação, não se atinja jamais o limite do conhecimento que, de fato, se possa ter dela, ou dotada de uma suficiente coqueteria instintiva para que, por mais profundamente que ela te ame, pareça a cada instante estar prestes a escapar"(Leiris, Michel:

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1939, 177). Para que o estreitamento amoroso se mantenha é preciso que a personalidade da pessoa amada seja tão extrema que sua multiplicidade (de representações) nunca se esgote ante as reações típicas que dela espero ou que, doutée d' une suffisante cocqueterie instinctive, a representação que escolha a permita nunca exaurir-se no que eu já possa prever. Antes mesmo pois que a poesia da modernidade tenha aprendido a explorar o abismo da linguagem, a linguagem en abime, a linguagem já era abismo, estabilizado apenas pela regularidade dos frames onde a alocamos. O que vale dizer, a linguagem verbal não seria o meio por excelência da comunicação caso sua dispersão não fosse interrompida pelas grades das representações. Pois, muito embora nem Schütz nem Goffman falem de representações, é bem delas que tratam suas orientações típicas e seus frames, antídotos contra a invisibilidade do outro; melhor, telas contra as quais se choca nossa mútua invisibilidade, ensejando a presunção de nos entendermos. Dito doutro modo, se é próprio da palavra sua capacidade de nomear, esta nomeação ou seria demasiado pobre -quando se limita a apontar para o que já naturalmente se diferencia -ou demasiado ambígua e complexa para o processo regular da comunicação se, paralelamente, sua massa semântica não fosse congelada pelas molduras que a prendem. Mas nossa descrição seria incompleta se aí terminasse. Pelo que foi dito até agora, conclui-se que o real não se confunde com a realidade. Se esta, entendida como natureza, é prévia e independente do homem, sua conversão em real se faz através de um processo duplo, paralelo mas distinto: por sua nomeação -que não se restringe a dar nome a partes da realidade -e pela formulação de molduras determinadoras da situação decodificante da palavra. O fenômeno dos precursores menosprezados em seu tempo apresenta o caso típico de uma nomeação desacompanhada dos necessários frames. O fenômeno dos big stars esquecidos pelos pósteros, o inverso: sua nomeação era tão esperável ante os frames vigentes que a mudança, mesmo relativa, destes leva a nomeação para o lixo. Contudo, como dissemos, essa formulação é imperfeita, pois leva a supor que os frames são entre si autônomos, estão atomisticamente dispostos, o que teria como conseqüência a idéia de o indivíduo apresentar-se inevitavelmente preso a uma multiplicidade de grades. Devemos então acrescentar que tais molduras apresentam ainda a característica de uma constante flexibilidade. Para Goffman, a flexibilização dos frames se dá por dois meios: a fabricação (fabrication) e a transposição (keyning). O primeiro descreve o processo de fraude -o indivíduo dá a entender que faz ou é tal coisa, quando faz ou é tal outra. Aqui não nos importa a pluralidade das fabricações, benignas ou espoliadoras (exploitive), hetero-induzidas (other-induced) ou auto-impostas (self-imposed). Contentamo-nos em atentar para a variedade de suas ocasiões: "Assim um motivo pode visar ao engano, o que também pode-se dar por um intento, um gesto, o indício de resolução ou seu contrário, uma afirmação, um artefato, uma identidade pessoal, uma encenação, uma conversa, uma larga instalação material (an extensive physical plant), uma lufada de vento, um acidente, um fato ocasional, um grupo de comandos israelenses trajados de prisioneiros árabes e de mecânicos de avião para surpreender seqüestradores, um cavalo de Tróia"(Goffman, E.: 1974, 86). Nosso interesse, na verdade, se volta para a segunda transformação. Na impossibilidade de transcrever o próprio Goffman (cf. p. 45), contentamo-nos em afirmar que o keying consiste no procedimento pelo qual um agente realiza um conjunto de ações que, do ponto de vista da moldura (primary frame) teria um significado que, entretanto, aí não se aplica. A modalidade mais comum de transposição é dada pela informação 'isso é brincadeira' (this is play). Diante da

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observação, nem sempre verbalmente enunciada. O destinatário reage de maneira diversa ao que dele seria de esperar. Recurso básico de flexibilização positiva de um primary frame, o jogo contudo preexiste à feitura humana dos frames. Assim, em ensaio de 1954, Bateson apresentava o jogo como um dos meios empregados pela evolução da comunicação para o domínio da denotatividade. Dando precisão a uma tese que remonta pelo menos a Vico -a linguagem primeira como poética -e ao Essai sur l'origine des langues de Rousseau -o sentido figurado como anterior ao sentido próprio -Bateson, por um lado, despoetiza a afirmação e, por outro, nos oferece condições de melhor penetrarmos no fenômeno poético: "A comunicação denotativa, como ocorre no nível humano, é possível apenas após a evolução de um conjunto complexo de regras metalingüísticas (mas não verbalizadas), que governam a maneira como palavras e sentenças serão relacionadas a objetos e eventos. É, por isso, apropriado buscar a evolução de tais regras metalingüísticas e/ou metacomunicativas em um nível pré-humano e pré-verbal" (Bateson, Gregory: 1954, 180). Ora, já neste nível aponta a presença do jogo, sem que fosse lícito confundi-lo com uma gratuidade destinada ao mero dispêndio de energia. Já entre os animais, o jogo não se limita a negar a seriedade do comportamento habitual; ao contrário, por negação deste o jogo nos põe em presença doutra cena: "Os animais ao jogar não apenas não afirmam exatamente o que estão dizendo (not quite mean what they are saying), mas, também, estão com freqüência comunicando sobre algo que não existe" (Bateson, G.: idem, 182). Por outro lado, do fato de o jogo pertencer a uma aprendizagem pré-verbal não se infere que, ao penetrar na escala humana, pertença ao processo primário, que pareceria o mais "primitivo": "Segue-se daí que a moldura do jogo (the play frame), usado, como aqui o fazemos, como princípio explicativo, implica uma combinação especial de processos primário e secundário. (...) No processo primário [por exemplo], mapa e território são igualados; no secundário, podem ser discriminados. No jogo, eles são tanto igualados, quanto discriminados" (Bateson, G.: ibidem, 185). A partir destes resultados, torna-se nítida a semelhança e a diferença entre o discurso onírico e aquele que venha a se montar sobre o princípio do jogo: o primeiro liga-se diretamente ao processo primário humano, o segundo, conquanto também seja uma das modalidades do discurso do inconsciente, difere da modalidade onírica pela combinação dos dois processos. Talvez o leitor já tenha percebido que, ao falarmos em modalidade discursiva gerada sobre o princípio do jogo, estamos mentalmente nos remetendo ao discurso da mimesis. Há, contudo, um salto no raciocínio que só será aceitável se a sua razão vier a ser demonstrada. Antes mesmo de tentá-lo, convém entretanto acentuar a funcionalidade do salto declarado. As idéias desenvolvidas por Schütz, Bateson e Goffman nos interessam para uma meta que não era originalmente a deles: a de, desmontando a idéia tradicional de representação, reforçar o abandono de uma visão essencialista do mundo e, assim, encontramos o curso abolidor da idéia tradicional de mimesis. Percurso talvez fatigante, cujo prêmio prometido é o de, permitindo uma nova defense of poetry, radicar sua defesa na verificação do interesse a que ela responde. (Rumo portanto contrário àquele que levara a ressaltar sua "finalidade sem fim"). O que nos prometemos, em suma, é o esforço de canalizar o produto da mimesis como um dos casos de transposição de molduras primárias e habituais. (Embora por caminho diverso, esta via já foi enunciada por Altieri: 1975, 114). Para fazê-lo, sigamos um desenvolvimento paralelo ao cumprido até aqui: mostraremos, na primeira parte, de modo sumário, a visão padronizada da

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mimesis; passaremos a seguir à sua desmontagem, etapa preparatória à de seu encontro com a idéia já reelaborada de representação. 3. A visão padronizada da mimesis é correlata à concepção tradicional de representação. Tome-se por exemplo o uso "neutro", i.e., descritivo e sem pretensões de originalidade de um conhecido especialista em estética, Harold Osborne. Para o ensaísta inglês, "no reino da teoria, o conceito que parece mais intimamente expressar a idéia de naturalismo é o de mimesis" (Osborne, Harold: 1968, 44). E, embora logo acrescente que o conceito de mimesis, na antigüidade, não era idêntico ao nosso de naturalismo, observa: "Não obstante, mimesis e naturalismo têm elos estreitos e de um certo ponto de vista não seria errado considerar a mimesis como o primeiro e ainda vagamente articulado precursor do conceito emergente de naturalismo" (Osborne, H.: idem, ibidem). O dilema com que Osborne se defronta é o dilema-padrão nos escritos usuais sobre a matéria: mimesis não é imitação no sentido de cópia fotográfica, seu valor grego não tem exata correspondência em nossas línguas, mas, apesar de tudo, ela se assemelha a uma imitação. Em suma, mimesis remete à idéia de verossimilhança. Falando mais livremente, supõe-se haver uma homogeneidade entre o representado (o referente) e o representante (o objeto da mimesis), cabendo ao artista corrigir, ajustar, modificar relativamente a fonte representada, sem, no entanto, mudá-la de tal maneira que se tornasse naturalisticamente irreconhecível. Facilmente percebemos como essa concepção padronizada é congruente com a aplicação à arte de uma visão essencialista: através de sua correção, o artista afastaria o impuro e contingente, para que, sobre ele, brilhassem as formas da verdade. Não cabe aqui mostrar como essa concepção distorce o que da mimesis apresentava tanto seu acusador (Platão), quanto seu resgatador (Aristóteles), mas apenas assinalar que conhecida passagem da Poética - "seres cujo original repugnam à vista, amamos contemplar sua imagem executada com a maior exatidão; por exemplo as formas dos animais mais vis e dos cadáveres"(Poet., 1448b, 9ss) -não estatui qualquer idéia de correspondência, mas, ao invés, a absoluta diversidade entre a horripilância do natural e o prazer despertado pela imagem mimética (cf. Martineau, Emmanuel: 1976, 444ss). Contudo a razão dos equívocos na interpretação da mimesis aristotélica se encontra no próprio filósofo, que, ao menos no que conhecemos de sua obra, nunca explicou de onde então derivaria o interesse prazeiroso despertado pela mimesis. Daí a alternativa que mostra o tratamento padronizado da questão: ou passa por cima da explicação aristotélica ou apenas a glosa, dando-a assim por resolvida: "Quando o objeto representado na poesia ou na pintura é tal que não poderíamos ter o desejo de ver na realidade, então posso estar certo que seu poder na poesia ou na pintura deve-se ao poder da imitação e não a alguma causa operante na própria coisa" (Burke, Edmund: 1751, 49). Em virtude da aludida dificuldade da fonte aristotélica, torna-se iminente a tentação naturalista. Para dela escapar, a antigüidade corrigira o conceito de mimesis pelo de potencialidade da visão interna do artista, como se nota na passagem de Cícero: "(...) Aquele artista, ao executar a figura de Zeus ou Atena, a ninguém contemplava de quem pudesse formar a semelhança, mas em sua própria mente encontrava-se um admirável ideal de beleza (...)" (Cícero: II, 7ss). Tarefa que empreende explicitamente Flavius Filostrato, no fim do século II d.C.: "É a imaginação que produz estas obras, ela que é demiurgo mais sábio que a mimesis; pois a mimesis não fabricará senão o que viu, mas a imaginação também o que não viu, pois o suporá, referindo-se à realidade; e com freqüência o temor afasta a mimesis, enquanto que nada pode parar a imaginação, pois ela se dirige, sem se deixar perturbar, rumo ao que ela dela mesma concebeu"(Vida de Apolônio de Tiana, apud Vernant, J. -P.: 1979, 137).

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A passagem é bastante clara em declarar como a antigüidade entendia o conceito de mimesis e o ultrapasse de seu empecilho pelo recurso à phantasia. E, como este entendimento não se anula com a redescoberta pelos renascentistas italianos da Poética, ele se apresenta como o antepassado do combate contra a mimesis, encetado pelos românticos. Repensar a mimesis parece então retomar uma disputa há muito encerrada. Por que então não abandoná-la? Porque o princípio contraposto, que ressalta a imaginação corretora do artista, nos remete a outra versão do mesmo essencialismo a que recorrera a interpretação padronizada da mimesis. Esta, no esforço de distinguir a mimesis da falsa idéia de duplicação do referente, terminara por entendê-la como expressão captadora do essencial (daí a fortuna que a categoria hegeliana da particularidade terá na estética de Lukács). Em contraposição, o papel substancial concedido à imaginação (phantasia) do artista, fonte das teorias expressionistas, termina por favorecer a capacidade individual de atingir uma essência, que seria desocultada pelo criador e reconhecida pelo intérprete, em favor da comunidade. Embora as duas versões pareçam se distinguir pelo realce que a primeira daria ao sociável -pois o referente seria visível por todos -enquanto a segunda privilegiaria o indivíduo eleito, na verdade ambas eliminam a mediação do social. Através desta eliminação, ambas levam a um resultado idêntico: o objeto da mimesis, mimema, importa enquanto ilustra uma determinada visão de mundo; a arte causa o regozijo do filósofo e do intérprete ao confirmar a justeza de suas idéias. Assim o não entendimento da mimesis correspondia a uma hierarquia implícita: em primeiro plano, apontava o discurso conceitual, o que diz o que é e separa a verdade das opiniões, seja ele identificado com o discurso filosófico ou com o científico. É ele então que disciplina os discursos inferiores, que carecem de sua incidência para que se digam valorizáveis ou desprezíveis. À medida que se toma hoje em dia consciência da debilidade desta hierarquia, deixa de ser inexplicável a incidência nas últimas décadas de reflexões que, autônomas, intentam repensar a mimesis (H. Koller, G. Sorbom, E. Martineau, R. Ohmann, Ch. Altieri). Assim como tampouco é ocasional que a estética da recepção e do efeito tomem como princípio o abandono da caracterização imanentista do poético. Ou seja, enquanto tanto Jauss, quanto Iser consideram previamente fadadas ao fracasso as poéticas que buscam definir a literalidade pela especificação de sua configuração discursiva e vêem a literatura como produto de dupla ação -a do poeta e a do receptor ou do efeito nele causado -automaticamente jogam uma pá de cal nas interpretações essencialistas e enfatizam a necessidade primária de o estudo do poético trabalhar com o confronto de duas variáveis: as expectativas sociais -i.e., o que elas julgam/não mimético, poético, ficcional -e o esquema (6) contido pela própria obra. Apesar das contribuições referidas, não podemos dizer que já nos encontremos em um estágio capaz de oferecer uma nova homogenização do conceito de mimesis, que pudesse oferecer os fundamentos para uma nova historiografia da literatura. Desde logo deconheço algum texto vindo das estéticas da recepção e do efeito que se proponha repensar a mimesis dentro de seu circuito (7). Por outro lado, os autores que, acima citados, têm repensado a questão, o têm feito a partir de pressupostos teóricos diferenciados e independentes daquela corrente alemã. O que dizemos, tem apenas o propósito de assinalar que nos encontramos no início da retomada da questão. Vejamos então, por fim, em que a teoria da representação extraída das contribuições de Schütz, Bateson e Goffman pode-nos servir de prisma orientador neste trabalho exploratório. 4. A busca de redefinir a mimesis, evitando uma teoria essencialista do mundo e do mimema, conduziu-nos diretamente

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a Schütz e Goffman e, indiretamente, a Bateson e Austin, com sua distinção entre o locutório e o elocutório. O leitorpoderia então pensar que a estratégia deste ensaio consista em, depois de "destruir"a visão tradicional que enlaçarepresentação e mimesis, estabelecer uma confluência entre a consideração lingüística de Austin e assócio-antropológicas de Schütz, Bateson e Goffman. Assim poderia ser de fato caso o emprego dos conceitos eleitos 6 de 10 20/10/2007 19:10 Dubito Ergo Sum: sítio cético de literatura e espanto http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/arquivo22.htm não levasse seus autores a posições antes discrepantes que obrigatoriamente convergentes. O próprio Austin afastariaa tentativa de aproximar sua teoria de uma forma de discurso que, abrangendo peças teatrais e poemas, lhe pareciauma forma "oca ou vazia": "Uma emissão performativa será, por exemplo, de um modo peculiar oca ou vazia se ditapor um ator no palco ou se introduzida em um poema ou falada em um solilóquio. (...) Em tais circunstâncias, alinguagem é (...) usada não seriamente, mas de modo parasitário quanto a seu uso normal (...)" (Austin, J.L.: 1962,22). A mesma idéia reaparece em seu companheiro de escola, John R. Searle. Em importante ensaio de 1975, Searlepretende mostrar a) que não se pode teorizar sobre a literatura, porque ela não possui traços inerentes que adefinam; b) que a teorização plausível concerne ao discurso ficcional, no qual se incluem tanto obras literárias, quantonão literárias; c) que o discurso ficcional se caracteriza por um fingimento intencional; "(...) Um autor de ficçãopretexta realizar atos elocutórios que de fato não está realizando" (Searle, John R.: 1975, 325) e assim rompe com as"regras verticais" que, na emissão séria, conectam o enunciado com o real. Em lugar destas regras, o ficcionista põe"um conjunto de convenções extralingüísticas, não semânticas que quebram a conexão entre as palavras e o mundo(...)" (Searle, J.R.: idem, 326). Para o lingüista, então, o discurso ficcional se define por sua não seriedade, i.e., porseu fingir realizar enunciados que, na verdade, não implicando um comércio com o mundo, são parasitários. Em

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conseqüência, se tais discursos continuam a desempenhar uma função comunicativa é por efeito de convençõesextralingüísticas e extra-semânticas. Confirma-se, em suma, seu caráter de discursos vazios. Ora, em ensaioanteriormente publicado, Richard Ohmann tentara repensar a mimesis a partir precisamente do elocutório.Sumarizando seu raciocínio: o acerto das emissões elocutórias (illocutionary utterances) depende de convençõessociais. A literatura "imita" o elocutório e, por essa decisão, suspende a força normativa do mesmo, assim permitindoao receptor ver à distância a relação entre o enunciado e seu contexto social (cf. Ohmann, Richard: 1971, 1-19).Searle, em seu artigo posterior, sem se referir nominalmente a Ohmann, professa uma atitude de quase desdém:"(...) Quem deseje asseverar que a ficção contém atos elocutórios diferentes da não ficção se compromete com oponto de vista de que as palavras não têm seus significados normais nas obras de ficção" (Searle, J.R.: idem, 324).Contudo a réplica de Searle não parece convincente, pois raciocina como se as propriedades semânticas só sepudessem cumprir no interior dos discursos "sérios". Fora destes, não haveria o elocutório que, para se instalar,necessitaria doutra língua. Seu treinamento antimetafísico de praticante de uma ciência positiva o inclina para umaestreiteza neopositivista (=não há senão proposições falsas ou verdadeiras). Se, assim, a hipótese de Ohmann passapor um primeiro teste, atinge-lhe, contudo, outra crítica. Paradoxalmente, sua eficácia é maior pela simpatia com queeste terceiro autor lhe encara.Para Altieri, com efeito, a objeção à idéia da mimesis como "imitação" de atoselocutórios resulta de ela não dar conta de uma parte importante do campo literário. Indicando apenas a sua primeiraobjeção: "Ao menos os poemas, com freqüência, não imitam qualquer espécie de ato elocutório e não chamam aatenção para estruturas sociais invocadas pelas formas de expressão" (Altieri, Ch.: idem, 112). Não se trata, para oautor, de retornar às afirmações sobre o caráter vazio ou parasitário da literatura ou do ficcional, nem muito menos deretomar a tese, presente por exemplo em Käte Hamburger, de que a lírica não participa do campo da mimesis, mas,ao contrário, de dar um passo adiante: "(...) O conceito de atos elocutórios pode ser incluído como uma subcategoriade uma estrutura (framework) mais ampla de descrição das ações humanas, que Erving Goffman apresenta como oprocesso de keying" (Altieri, Ch.: op.cit., 114). De fato, podemos dizer que, do ponto de vista do produtor, o próprio

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da mimesis consiste em, através de um uso especial da linguagem, fingir-se outro, experimentar-se como outro ouainda usar a linguagem, não como meio de informação, mas como espaço de transformação, cumpridas não emfunção de um referente a que descreveria, mas possibilitadas pela própria ideação verbalmente formulada: Vem, sacra carapaça de tartaruga, lira minha, e torna-te um poema (Safo,"O Poema lírico") Este abrir-se para alteridade, pelo eu fingido do personagem e/ou pela transformação da linguagem, exige, por partedo receptor, uma transposição de molduras a que está habituado. (A ficção não se realiza se o receptor desconheceessa flexibilidade). A transposição imposta pela mimesis tem como condição prévia que eu saiba que isso é um jogoparticular, onde o prazer não se esgota no próprio objeto do jogo. Jogo particularizado, a mimesis distingue-se dosdemais porque sua ludicidade é apenas um ponto de partida, que logo se transforma numa seriedade que lhe éreservada: a de exigir pensar-se sobre o que se joga (8). Ao dizê-lo, retomamos um fio lançado por Ohmann, poispensar-se sobre o jogo que se joga implica localizarem-se as convenções sociais presentes no "jogo". Tudo o que dissemos, embora não explicitado por Altieri, é permitido por sua aplicação pioneira do conceito detransposição. Este ensaio, então, não teria motivo de prosseguir se a pista já não pudesse ser desdobrada. Pela prática da mimesis, a linguagem perde sua identidade habitual -não se diz algo de implicações imediatas sobre omundo assim como o produtor dela se despoja -fala ou escreve para animar fantasmas, que não são redutíveis ameras projeções de seu eu empírico. Mas qual a necessidade que preside essa linguagem aparentemente só lúdica?Aristóteles já afirmava que o homem se diferencia por sua especial capacidade de imitar e por meio dela adquirir seus 7 de 10 20/10/2007 19:10 Dubito Ergo Sum: sítio cético de literatura e espanto http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/arquivo22.htm

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primeiros conhecimentos (Poét. 1448b, 6-8). E, recentemente, Leiris retoma a mesma afirmação: "Não contentar-seem ser o que se é, parece que seja um privilégio de nossa espécie e que, desde os tempos mais recuados, osrepresentantes desta têm procedido como se fossem movidos pela necessidade de modificar ao menos seu aspectoexterior e, assim, de algum modo maquilar o que receberam de nascença" (Leiris, Michel: 1980,7). Referindo-se poisao que se passa tanto na prosa quanto na poesia, podemos dizer: a mimesis supõe em ação o distanciamentopragmático de si e a identificação com a alteridade captada nesta distância. Identificação e distância, identificação apartir da própria distância constituem pois os termos básicos e contraditórios do fenômenos da mimesis. Pensando-apois em relação às representações sociais, diremos que ela é um caso particular seu, distinto das outras modalidadesporque a mimesis opera a representação de representações. Na fórmula, reencontramos sua propriedade paradoxal.Representação de representações, a mimesis supõe entre estas e sua cena própria uma distância que torna aquelaspassíveis de serem apreciadas, conhecidas e/ou questionadas. Essa distância, pois, ao mesmo tempo queimpossibilita a atuação prática sobre o mundo, admite pensar-se sobre ele, experimentar-se a si próprio nele. Mas, sesó a distância quanto às representações caracterizasse a mimesis, ela se confundiria com o esforço de interpretá-loanaliticamente. A distância em que o mimema se põe o mantém contudo sempre próximo daquilo de que sedistancia. Nele tanto importa a distância que guarda em relação ao que o alimenta, quanto a proximidade do mundosensível que está em seu horizonte. E essa proximidade tanto importa para o interesse de quem o produz, quantopara o de quem o recebe. Noutras palavras, a garantia de seu interesse está nesta proximidade. Assim, corrigindoKant, devemos dizer com Giesz que a mimesis implica o interesse por meu próprio desinteresse (Giesz, Ludwig: 1960;a propósito, cf. Jauss, Hans Robert: 1977, 57ss). É certo que parecemos fazer aqui uma indébita troca de sujeitos,pois as informações de Kant e Giesz têm por sujeito a experiência estética. Mas, se o produto mimético também exigeidentificação e distância, torna-se justificada a troca de sujeitos que efetuamos, sob a ressalva de que a experiênciaestética tem uma amplitude que não damos à mimesis, limitada neste ensaio à sua realização nas ficções verbais.

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Interessar-se por meu próprio desinteresse significa que o mimema não é, mas se torna pragmático. Ou seja, a prioriele não atende uma meta pragmática -não me torno mais destro ou mais conhecedor de algo por praticá-lo -mas ointeresse que desperta está ligado a motivações plurais de que eu mesmo não me dou conta. Ora, para que algodesperte interesse sem que se possa nomear o alvo pragmático visado, é preciso que tenha sido criada umaidentificação tão forte que sobre ela nada se possa dizer senão que causa prazer. Este prazer não é passível de surgirse não apresenta um mundo sensível, reconhecido por este receptor. Noutras palavras, a identificação necessária doreceptor com o mimema se cumpre pelo reconhecimento pelo receptor das representações sociais alimentadoras damimesis: "A significação da obra, então, não se encontra no significado selado dentro do texto, mas no fato de queeste significado revela o que estivera selado dentro de nós" (Iser, Wolfgang: 1978, 157).(9) É a semelhança,portanto, entre a representação mimética e as representações do leitor que presidem a sua identificação. Se no parágrafo anterior encadeamos prazer, identidade e semelhança entre a representação mimética e asvivenciadas pelo leitor, podemos encadear os termos origináveis a partir do outro vetor indispensável à experiência damimesis, ou seja o distanciamento. Assim temos: distância, possibilidade de questionamento, diferença (entre arepresentação mimética e as vivenciadas). Através destas duas cadeias parece possível entender-se a variabilidadedas recepções da experiência mimética. O receptor nela "descobre" uma semelhança (com suas representações), quenão pertence imanentemente à obra. A obra mimética, portanto, é necessariamente um discurso com vazios (Iser), odiscurso de um significante errante, em busca dos significados que o leitor lhe trará. Os significados então alocadosserão sempre transitórios, cuja mutabilidade está em correspondência com o tempo histórico do receptor. Por estaintervenção necessária do outro, o receptor, o produto mimético é sempre um esquema, algo inacabado, quesobrevive enquanto admite a alocação de um interesse diverso do que o produziu. Voltemos uma última vez à fórmula representação de representações. Vimos como ela punha em funcionamento ascaracterísticas paradoxais de identidade e distanciamento, com suas cadeias contra-postas e sincronicamente

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indispensáveis. Cumpre então perguntar: que sucede quando se rompe essa sincronicidade? Quando isso se passaou vigora apenas a identidade ou apenas a criticidade. Ao subsistir apenas a primeira, o receptor converte o objetoem kitsch. Para quem defenda a imanência da arte e sua separação radical do kitsch, nossa frase será irritante.Contudo Hermann Broch já dizia que não há arte "sem um gota de kitsch" (Broch, H.: 1955, 223). Converter aexperiência mimética em experiência do kitsch significa abafar o paradoxo daquela -paradoxo de toda experiênciaestética e não só da mimética -em favor da vivência própria desta: "O engenho do olho-kitsch consiste em descobriraspectos emotivos e em camuflar ao mesmo tempo todos os trâmites opostos" (Giesz, L.: 1960, 53). Se, ao invés, domina o puro distanciamento crítico, a experiência mimética se converte em experiência teórica. Nocaso anterior, a mimesis se transformara em fenômeno compensatório (enterneço-me com minhas própriaslágrimas). No caso presente, transforma-se a cena mimética em alimento para a conceitualidade. A dificuldade poisde teorizar sobre a mimesis resulta da antítese fundamental que sua experiência impõe. É o que se nota já no próprioAristóteles que, se de um lado, não nos legou um tratamento explícito deste seu conceito-chave, por outro, formulou 8 de 10 20/10/2007 19:10 Dubito Ergo Sum: sítio cético de literatura e espanto http://paginas.terra.com.br/arte/dubitoergosum/arquivo22.htm com nitidez a razão do interesse provocado pela mimesis trágica: o sentimento de alívio catártico. A poética damodernidade como que inverteu os fatores: a catarse é desprezível, o distanciamento o desejável. Talvez não caibaàs estéticas senão legalizar o privilégio concedido a um destes dois pólos -a identificação catártica, o distanciamentocrítico. Mas o grave aparece quando esta legalização se apresenta sob as vestes de universalidade. Se nãoestivermos sendo pois precipitados, a única universalidade de que se pode falar a propósito dos produtos da mimesis éde que eles não o são por alguma propriedade essencial, mas assim se tornam para as comunidades e, dentro destas,para os receptores capazes de operar uma transposição peculiar, aquela que lhes manifesta um jogo entretanto não

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apenas lúcido, um jogo que implica prazer e distanciamento e este obriga o retorno àquele. Se esta conclusão parecerplausível, sua primeira conseqüência prática será o não privilégio pelo analista de alguma propriedade estética,substituído pelo estudo de como, em um período histórico demarcado, se atualiza a idéia de mimesis em relação comas formas vigentes de representação social(10). Assim seria menor o risco das normatividades estéticas, sempreabusivas, bem como menor a vigência do purismo absenteísta, i.e., a inclinação de abordar a arte por si mesma, forada adequação com o seu contexto, quer o original, quer aquele a que ela se propagou. NOTAS BIBLIOGRÁFICAS (1) "Da doxa dizemos que é, contrariamente à ciência, uma simples 'opinião', incerta e flutuante como os objetos sobre os quais se apóia. Mas a ligação da doxa com o universo da imagem é diversamente íntima e direta. Doxa provém de dokein que significa, "aparecer, mostrar-se". O campo da doxa é o do mostrar-se, o campo destas semelhanças de que a imagem é a expressão privilegiada", J.P. Vernant: 1979, 128.(2) "Fídias produziu seu Zeus de acordo com nada visível, mas o fez tal como o próprio Zeus pareceria se desejasse revelar-se a si próprio a nossos olhos", Plotino, Enéadas V, 8,1.(3) "(...) A visão essencialmente 'poiética' ou 'heurética' de Plotino sobre as artes pictóricas, (...) era tanto uma ameaça à posição da arte quanto a visão essencialmente "mimética" enfatizada por Platão. Apenas o modo do ataque partia de direções opostas: de acordo com a visão mimética, a arte é meramente a imitação de objetos sensíveis e seu direito de existência é negado porque seus fins não são dignos de esforço; de acordo com a visão heurética, a arte tem a função sublime de "injetar" um eidos na matéria resistente e a possibilidade de seu êxito é questionável porque o fim é inalcançável", E. Panofsky: 1924, 29-30.(4) Para efeito de exposição, prescindimos do terceiro aspecto componente do ato verbal, o perlocutório (cf. Austin, J.L.: 1962).(5) Na obra de 1932, Der sinhafte Aufbau der sozialen Welt, Schütz falava em Ihr-, Du-, Wir-Beziehung. Só na obra póstuma de 1973, o termo Beziehung (relação) é substituído por Einstellung. Note-se, ademais, que, obviamente, o pronome ihr equivale a vós e não a eles. Se escrevemos então 'orientação-eles' é apenas para mantermos a uniformidade com a tradução em língua inglesa. O cuidado se tornará dispensável quando Schütz estiver conhecido no ambiente de língua portuguesa.(6) O esquema é "um filtro que tem a função de nos habilitar a reunir dados da percepção", Iser, W.: 1976, 51.(7) Provavelmente, os seguidores das estéticas da recepção e do efeito julgam que o papel concedido ao leitor, à análise de seu horizonte de expectativas e a contrariedade suscitada pela experiência estética quanto a tal horizonte tornam ocioso repropor a questão da mimesis. Neste sentido, deverão concordar com a posição de Jonathan Culler, que, embora independente da Escola de Konstanz, com ela concordaria: "Em lugar do romance como mimesis, temos o romance como uma estrutura que trabalha com diferentes modos de ordenação e que capacita o leitor a compreender como dar sentido ao mundo", Culler, J.: 1975, 238.

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(8) Essa colocação suscita um grave problema: o da metahistoricidade emprestada à idéia de ficção. É, de fato, inerente à reflexão pós-medieval sobre a arte "colocar a consciência da ficção como pressuposto de todas as situações de comunicação em que -como no romance cortês -podemos contar, do lado dos receptores, com um ultrapasse (Aufhebung) de uma orientação natural" (Gumbrecht, H.U.: 1980, 4). Como então observa o autor: "(...) com o que se coloca naturalmente a pergunta se se deve empregar o conceito de literatura quanto aos textos medievais situados antes deste limite" (idem, 3). A questão, por certo, só poderá ser respondida pelos medievalistas. De todo modo, uma resposta provisória pode ser intentada a partir da passagem seguinte: "Os primeiros textos do gênero 'romance cortês', podemos agora sintetizar, realizam uma nova situação comunicacional, não por referência ao caráter ficcional da fábula, mas por um repertório de sinais que insinuam ao receptor uma tomada de distância quanto aos procedimentos com que contavam as artes aplicadas, escritas em língua vulgar. Estes sinais, em seus múltiplos matizes, são hoje difíceis de compreender sem recorrermos ao horizonte de expectativa das Chansons de geste e da literatura religiosa. No que respeita ao status de ficcionalidade das narrações, aí não se insinua, para falarmos com J.-P. Sartre, a ação como 'irreal', mas ao invés seu alvo parece ter sido uma 'neutralização da pergunta pelo caráter de realidade' (ibidem, 6). (Para uma colocação oposta quanto ao roman courtois, cf. R. Warning: 1979, 321-337, espec. 329-30).(9) A passagem citada não se encontra na edição original de 1976, mas apenas em sua tradução para o inglês, The Act of reading, The Johns Hopkins University Press, Baltimore and London 1978.(10) Este ensaio já estava escrito quando tomamos conhecimento da coletânea organizada por Konrad Ehrlich, Erzählen im Alltag, que por esta razão não pôde ser utilizada. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Aristóteles: Poética, texto estabelec. e traduz. por J. Hardy, "Les Belles Lettres", Paris 1977.Altieri, Ch. 1975: "The Poema as act: a way to reconcile presentational and mimetic theories", in Iowa review, vol. 6.Austin, J.L. 1962: How to do things with words. Ed. cit., Oxford U. Press, London -Oxford -New York 1976.Bateson, G. 1954: "A Theory of play and phantasy", republ. in Steps to an ecology of mind (1972). Ed. cit.: Ballantine books edition, New York 1976.Broch, H. 1955: Dichten und Erkennen. Trad. cit.: Création littéraire et connaissance, Gallimard, Paris 1966.Burke, E. 1757: A Philosophical enquiry into the origin of our ideas of the sublime and beauty, edit. com introd. e notas de J.T. Boulton, U. of Notre Dame Press, Notre Dame -London 1968.Carroll, D. 1980: "Representation of the end(s) of history: dialectics and fiction", in Yale french studies, nº 59.Castello Branco, C. 1980: "Do Estilo Mineiro", in Jornal do Brasil, 9.11.Cícero, M.T.: Orator. Ed. bilingue, revisão e trad. de Antonio Tovar, Ediciones Alma Mater, Barcelona 1967.Culler, J. 1975: Structuralist poetics. Structuralism linguistics and the study of literature, Routledge & Kegan Paul, London.

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