Reportagem da fr 2

1

Click here to load reader

Transcript of Reportagem da fr 2

Page 1: Reportagem da fr 2

Araçatuba

Talita Rustichelli

[email protected]

Pelo palco do "Castro Al-ves" passaram importantes no-mes da música e do teatro bra-sileiro. Elis Regina, Toquinho,Vinícius de Morais, JorgeMautner, o grupo de Gianfran-cesco Guarnieri, e os atoresRaul Cortez, Paulo Betti, EvaWilma e Tony Ramos são al-guns deles.

Mauro Rico, arquiteto emúsico, tinha cerca de 20anos na época do auge das ati-vidades do teatro. Ele lembra-se especialmente de uma noi-te em que foram reunidosdois grandes shows: Jards Ma-calé e Milton Nascimento. Eleconta ter tocado em uma apre-sentação com o músico cea-rense Calé Alencar.

CENÁRIOSMassato Ito, artista plásti-

co, foi o responsável pela ela-boração e produção de cená-

rios e figurinos para algunsgrupos da cidade.

Ele recorda que o melhorespetáculo teatral que assistiuno teatro era de um grupo dosul. "A peça era 'Mockinpott',texto de Peter Weiss. O espe-

táculo era todo feito em sím-bolos, difícil de ser compreen-dido, numa linguagem queaguçava a reflexão em épocade ditadura. Achei impressio-nante", diz.

Margareth Martins e Alci-

des Mazzini recordam do es-petáculo "Apareceu a Margari-da", monólogo com MaríliaPera. A peça esteve em cartazno início da década de 70 e otexto é considerado o mais re-presentativo do dramaturgoRoberto Athayde.

INÍCIOMauro Rico, como outros

artistas araçatubenses, come-çou sua vida musical ali. É ocaso também do violonista ecantor César Menezes, quecomeçou tocando pífano nabanda "Música Livre", em1977, que se transformou nogrupo "Trilhos Urbanos" .

"A primeira vez que subiem um palco foi no CastroAlves, com 17 anos", contaMenezes. Hoje, ambos inte-gram o grupo Companhia eMúsica, junto com Querô,Pepa e Makô.TR

Um projeto ousado parauma época em que oBrasil era consumido

pela ditadura militar, o Intec(Instituto Noroestino de Traba-lho, Educação e Cultura) foiidealizado e construído peloitaliano Franco Baruselli. Hojecom 81 anos, apesar de peque-nas falhas de memória (queele atribui a uma cirurgia nacabeça, decorrente de um trau-ma ocasionado por uma quedahá cerca de três anos), ele lem-bra com frescor dos primeirosanos em Araçatuba e de seusfeitos políticos, educacionais eculturais.

O teatro Castro Alves foiinaugurado, assim como o es-paço do Intec central, em1968. "O teatro foi o últimogrande presente do Intec paraa cidade. Ali era fecundado oespírito de cultura e democra-cia", diz. E explica o nome:"Castro Alves foi o primeiropoeta a denunciar o que acon-tecia com os escravos, em 'Onavio negreiro'. Ele deu o pri-meiro grito. Está entre os poe-tas que muito li".

O prédio do Intec onde ho-je funciona a Casa de CulturaAdelino Brandão, além do tea-tro, abrigava salas onde aconte-ciam cursos de artes plásticas,artesanato, teatro, música, cine-clubes, palestras, além de umespaço para exposição de artesvisuais, entre outros.

A primeira semente do ins-tituto surgiu em 1966, com aconstrução do CTA (Centro deTreinamento Agrícola), ondeatualmente se encontra a facul-dade de medicina veterináriada Unesp e, depois, do CTI(Centro de Treinamento Indus-trial). Os espaços foram cons-truídos e mantidos graças a co-laborações de instituições daHolanda, Itália e Alemanha.

Para Baruselli, o fato deter vindo de uma Europa emreconstrução política e cultu-ral, com o fim do nazismo edo fascismo, o fizeram ter umpensamento amplo. Foi a par-tir disso que ele afirma ter re-conhecido o valor da arte e dacultura, o que o levou a inves-tir nelas. "A cultura é a capaci-dade de enxergar o mundo,distinguir a verdade do erro.Os trabalhadores - rurais e ur-banos - precisavam saber que

não se pode engolir tudo eque é preciso ter espírito críti-co", diz.

MEMÓRIAInfelizmente, muito das

lembranças relacionadas ao In-tec e ao teatro se perderam.Em 1973, como conta Baru-selli, agentes do DOI-CODI(Destacamento de Operaçõesde Informações - Centro deOperações de Defesa Interna),órgão da ditadura militar brasi-leira, estiveram no local, vascu-lhando e levando documentose fotografias.

No mesmo ano, o italia-no, que era frequentementeacusado de comunista (na épo-ca, o mar não estava para pei-xe e era proibido pensar), foi"convidado" a se retirar do Bra-sil, retornando à Itália. Em1976, quando o regime militarcomeçava a se abrandar, elepode, finalmente, voltar aoBrasil e retomar suas ativida-des no Intec que, segundo ele,já não tinha mais a mesma vi-talidade de antes.

A partir de 1979, o espaçoque abriga o teatro passou a serresponsabilidade da prefeitura.Para construir o Intec, Baruselliconta ter feito um acordo coma administração municipal, noqual a área foi cedida por deter-minado período.

COMEMORAÇÕESA artista plástica Margare-

th Martins, 58, responsável pe-la confecção dos troféus do Fes-tara (esculpidos em madeira),foi uma das pessoas que esteveempenhada na revitalização doteatro. "Estou vibrante com areabertura do teatro; o que erauma frustração se transformouem realização", afirma. Ela foiainda uma das defensoras daideia de continuar a destinarum espaço permanente paraexposições artísticas no localonde hoje se encontra o Maap(Museu Araçatubense de ArtesPlásticas).

Rosa Pavan, 51, arquitetaque desenvolveu o projeto derevitalização, acredita que ofuncionamento do teatro, alémde proporcionar lazer à popula-ção, é uma forma de resgatar ahistória da cultura da cidade.

Franco Baruselli sente-sesatisfeito com a revitalização dolocal que construiu e comple-menta: "se eu não tivesse 81anos e com essas falhas na me-mória, recomeçaria".

"O teatro simboliza ummarco divisor na cultura deAraçatuba", afirma o músico ejornalista Alcides Mazzini,que ministrou aulas de violãono Intec e se apresentou noteatro com a banda Stylo A nadécada de 70, na qual tocavaguitarra. O grupo era um pro-jeto direcionado à execuçãode músicas da Jovem Guardacom vocalizações "ousadas",conforme explica.

Ele lembra que o respon-sável pela programação doteatro (e, consequentemente,por grande parte da guinadacultural da cidade) era PauloGrobe.

REUNIÕESPara o secretário de Cul-

tura Hélio Consolaro, o teatroera uma espécie de "redutoda esquerda" do município.

Antes ou depois dos espetácu-los, as pessoas mais intelectua-lizadas se reuniam ali paraconversar sobre diversos as-suntos", lembra.

A artista plástica Margare-th Martins conta que realiza-va também trabalhos comoatriz e se apresentava com umgrupo (do qual não se lembrao nome), dirigido pelo ator emúsico Magno Martins, quehoje vive em São Paulo.

"Fazíamos teatro amador

e cada grupo se sustentava fi-nanceiramente; não havia ne-nhum tipo de verba da prefei-tura. Ninguém fazia por di-nheiro, fazia por amor à ar-te", conta.

INTERCÂMBIOO local, segundo ela, pro-

porcionava um importante in-tercâmbio artístico, em todosos sentidos. "O Intec incenti-vava vários segmentos da ar-te. Havia oficinas, inclusivefui aluna de artes plásticas daD. Mildred Paccitti Rocha.Lembro-me de ficar sentadanos corredores, esculpindo econversando com o pessoalde outras áreas; um falandosobre a arte do outro, erauma grande troca de expe-riências. Aliás, conheci pes-soas de quem sou amiga atéhoje", conta.TR

>>Vida

TEATRO Espaço de efervescência cultural entre os anos 1970 e 1980, o teatro Castro Alves foi palco de grandes espetáculos cênicos e musicais

Espaçofoi o

berçode alguns

artistasaraçatubenses

Castro Alves foi inaugurado em 1968

Teatro erauma espécie de

“reduto daesquerda” do

município

Agentes do

DOI-CODIlevaram

documentos efotografias do local

Arquiteta afirma querevitalização é umaforma de resgatar a

históriada cultura da cidade

Arquivo/Museu Histórico e Pedagógico Marechal Cândido Rondon

ARTE Marília Pera seapresenta no palco do

Teatro Castro Alves noinício da década de 1970;

abaixo, grupo juvenil deteatro se apresenta para

uma lotada plateia, tambémna década de 70; abaixo,

a fachada do prédio doantigo Intec, ainda com o

painel de Franco daSermide intacto (parede

foi coberta de tinta e otrabalho artístico se perdeu)

Elis Regina, Toquinho e Vinicius deMorais estiveram no palco do CA

Local é visto como ‘divisor de águas’na cultura e arte araçatubenses

Araçatuba, domingo, 2 de outubro de 2011

C3