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CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS RENAN PAGNO SILVA COUSCOUS MARROQUINO E CAVIAR FRANCÊS: HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO MARROQUINA NA FRANÇA E AS BARREIRAS PARA SUA INTEGRAÇÃO CURITIBA 2018

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  • CENTRO UNIVERSITÁRIO CURITIBA

    CURSO DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS

    RENAN PAGNO SILVA

    COUSCOUS MARROQUINO E CAVIAR FRANCÊS: HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO MARROQUINA NA FRANÇA E AS BARREIRAS PARA SUA INTEGRAÇÃO

    CURITIBA

    2018

  • RENAN PAGNO SILVA

    COUSCOUS MARROQUINO E CAVIAR FRANCÊS: HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO MARROQUINA NA FRANÇA E AS BARREIRAS PARA SUA INTEGRAÇÃO

    Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais, do Centro Universitário Curitiba.

    Orientador: Prof. Dr. Andrew Patrick Traumann.

    CURITIBA

    2018

  • RENAN PAGNO SILVA

    COUSCOUS MARROQUINO E CAVIAR FRANCÊS: HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO MARROQUINA NA FRANÇA E AS BARREIRAS PARA SUA INTEGRAÇÃO

    Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Relações Internacionais do Centro Universitário Curitiba, pela Banca Examinadora formada pelos professores:

    Orientador: ___________________________________

    Prof. Dr. Andrew Patrick Traumann

    ___________________________________

    Prof. Membro da Banca

    Curitiba, de de 2018.

  • AGRADECIMENTOS

    Mais uma etapa se finaliza, chego então ao término do curso de Relações

    Internacionais. Foi um árduo caminho, que por vezes acreditei que não chegaria ao

    fim. Porém aqui estamos, no desfecho de mais um ciclo.

    Agradeço primeiramente a Deus pela dádiva da vida, pela sabedoria e

    discernimento a mim concedidos, fatores primordiais para que trilhe meu caminho.

    Aos meus pais e ao meu irmão, por todo suporte prestado e todos os esforços

    realizados para que eu chegasse até aqui, bem como pelo amor, carinho e incentivo.

    A todos os meus amigos, aqueles que eu verdadeiramente confio, que

    sempre acreditaram no meu potencial, me ajudaram nos momentos de necessidade

    e estiveram comigo em todas as ocasiões importantes.

    Aos professores que passaram pela minha trajetória universitária, por estarem

    sempre dispostos a ensinar da melhor maneira possível, em especial ao meu

    orientador Andrew Traumann, o qual me forneceu as ferramentas necessárias para

    que esta monografia pudesse ser concluída de maneira satisfatória.

    Enfim, agradeço a todas as pessoas que fizeram parte dessa etapa decisiva

    em minha vida.

  • “ O pessimista vê dificuldade em cada oportunidade; o otimista vê oportunidade em cada dificuldade. ”

    (WINSTON CHURCHILL)

  • RESUMO

    O presente trabalho tem por objetivo explicar a relevância da imigração marroquina para a França no decorrer do tempo, se pautando do início do século XX até os dias atuais. A presença destes imigrantes em território francês gera diversos debates em meio a população, o que dificulta sua integração de forma efetiva. O tema apresentado causa divergências dentro do país, visto que a imigração dos marroquinos para a França e sua estabilização fez com que o Governo implementasse uma série de políticas públicas para atender esta eminente demanda, causando na sociedade uma enorme dificuldade de assimilação social e cultural. Trata-se de uma análise histórica, que se baseia em autores especialistas em imigração, documentos oficiais, tais quais declarações e leis, e na apresentação de elementos atuais provenientes de jornais renomados. Desta forma, demonstraremos as peculiaridades da imigração marroquina, destacando tanto o processo de adaptação como as dificuldades enfrentadas para sua inserção.

    Palavras-chave: Marrocos, França, imigração, discriminação, multiculturalismo.

  • RÉSUMÉ

    Le présent travail a pour but d’expliquer la pertinence de l’immigration marocaine pour la France au fil du temps, à partir du début du XXème siècle à nos jours. La présence de ces immigrés sur le territoire français suscite plusieurs débats au milieu de la population, ce qui rend difficile une integration efficace. Le sujet présenté provoque des divergences au sein du pays, vu que l’immigration des marocains en France et leur stabilisation ont amené le gouvrnement à mettre en oeuvre une série de politiques publiques pour répondre à cette demande, provoquant dans la société une énorme difficulté d’assimilation sociale et culturelle. Il s’agit d’une analyse historique, fondée sur les auteurs spécialistes en immigration, documents officiels, tels que declarations et lois, et la présentation d’éléments actuels de jornaux de renom. Ainsi, nous allons démontrer les particularités de l’immigration marocaine, soulignant le processus d’adaptation et les difficultés rencontrées pour son insertion.

    Mots-clés: Maroc, France, immigration, discrimination, multiculturalisme.

  • LISTA DE SIGLAS

    CDD – Contrat à Durée Déterminée

    CFCM – Conseil Français du Culte Musulman

    CFDT – Confédération Française Démocratique du Travail

    CGT – Confédération Général du Travail

    CNCDH – Commission Nationale Consultative des Droits de l’Homme

    CRCM – Conseils Régionaux du Culte Musulman

    DPM – Diretório de População e Migrações

    FN – Front National

    GISTI – Groupe d’Information et de Soutien des Immigrés

    HLM – Habitation à loyer modère

    INED – Instituto Nacional de Estudos Demográficos

    ONI – Office National de l’immigration

    ONU – Organização das Nações Unidas

    OSCE – Organization for Security and Cooperation in Europe

    OUA – Organização da Unidade Africana

    RN – Rassemblement National

    SGI – Sociedade Geral de Imigração

  • SUMÁRIO

    RESUMO..................................................................................................................... 6

    RÉSUMÉ ..................................................................................................................... 7

    LISTA DE SIGLAS ...................................................................................................... 8

    1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 10

    2 GUERRAS MUNDIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS ............................................ 12

    2.1 A INDISPENSÁVEL MÃO DE OBRA MARROQUINA ....................................... 17

    2.2 INDEPENDÊNCIA DO MARROCOS DE 1956 ................................................... 18

    2.3 CONVENÇÃO FRANCO-MARROQUINA ........................................................... 22

    3 DECURSO IMIGRATÓRIO MARROQUINO PARA A FRANÇA ........................... 24

    3.1 IMIGRAÇÃO COLONIAL E REPATRIAÇÃO ..................................................... 27

    3.2 IMIGRAÇÃO DE TRABALHO NO PERÍODO PÓS-COLONIAL ........................ 32

    3.3 REAGRUPAMENTO FAMILIAR ......................................................................... 37

    4 MARROQUINOS NA FRANÇA: CIDADÃOS OU ESTRANGEIROS? .................. 43

    4.1 EDUCAÇÃO E MERCADO DE TRABALHO ...................................................... 46

    4.2 ISLAMOFOBIA ................................................................................................... 51

    4.3 A EXTREMA DIREITA FRANCESA ................................................................... 57

    5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................... 62

    REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65

  • 10

    1 INTRODUÇÃO

    O presente trabalho tem por objetivo compreender o contexto histórico da

    imigração marroquina em território francês, e os motivos pelos quais o processo de

    integração destes imigrantes e de seus descendentes se dá de maneira tão

    conturbada em meio à sociedade francesa. Dada a importância dos marroquinos

    para a França no período colonial e pós-colonial, verificaremos o processo de

    crescimento desta imigração com o passar do tempo.

    Para tanto, o estudo está dividido em três capítulos, constituindo uma

    consciência linear dividida por etapas de acontecimentos. Em um primeiro momento

    observaremos os moldes das duas Guerras Mundiais e seus impactos sobre as

    colônias francesas, destacando a importância que estas possuíram para o início do

    processo imigratório, assim como seu decurso. Analisaremos o processo de

    Independência do Marrocos e a forma como se deu seu desvencilhamento da

    Metrópole Francesa, gerando transformações contundentes no modelo de imigração

    existente. Observaremos as medidas de controle da imigração marroquina tomadas

    pelo Governo francês através da Convenção franco-marroquina e a atuação dos

    recrutadores estabelecidos no Marrocos.

    No segundo capítulo, objetivamos demonstrar de maneira apurada os

    primórdios da imigração marroquina, os motivos pelos quais a França recorreu à

    mão de obra estrangeira e as políticas adotadas pelo Governo para suprir suas

    necessidades. Daremos ênfase aos métodos de recrutamento empregados aos

    marroquinos e às características específicas desta imigração. Este capítulo estará

    dividido em três subcapítulos que englobam as fases da imigração marroquina como

    um todo, visando explicar de forma concreta as particularidades de cada estágio.

    Elucidaremos o despreparo da França para a recepção destes estrangeiros, não

    garantindo seus direitos básicos e fundamentais, bem como a ineficiência ao tentar

    barrá-la em determinados períodos.

    Tendo isso em vista, a primeira seção abordará a fase inicial da imigração

    masculina com fins militar e de trabalho. Nos aprofundaremos na realidade vivida

    pelos primeiros imigrantes e as dificuldades enfrentadas por eles em meio à

  • 11

    sociedade francesa, evidenciando também o retorno ao país de origem após a

    expiração de sua utilidade. A segunda seção é pautada no ingresso dos

    marroquinos em território francês no período pós-colonial, destacando a atuação do

    Governo francês no controle das entradas e na divisão de atividades a serem

    exercidas por eles. Já a terceira seção é voltada para a constatação do fenômeno do

    reagrupamento familiar, o qual mudou drasticamente os aspectos da imigração no

    formato que era previamente concebido. A vinda das famílias marroquinas para a

    França culminou em mudanças estruturais que surtirão efeitos que serão arcados

    pela atual e futura geração de imigrantes.

    Por fim, na última parte desta pesquisa, observaremos a maneira que os

    marroquinos são vistos perante a sociedade francesa. Abordaremos questões atuais

    que influem diretamente na vida destes, como o acesso à educação e ao mercado

    de trabalho. Além disso, estenderemos a pesquisa aos campos ideológico e cultural,

    influenciadores do tratamento desta parcela da população. Serão discutidas as

    questões pertinentes à religião islâmica, sua forma de aceitação e medidas

    governamentais tomadas para auxiliar ou dificultar sua livre prática. Verificaremos a

    conjuntura de criação e desenvolvimento do partido de extrema direita francesa,

    suas ideias e projetos que têm propulsionado o mesmo nos debates internacionais e

    permitido seu crescimento expressivo.

    Sendo assim, o presente trabalho pretende trazer de maneira clara, os fatores

    históricos que influenciaram no crescimento da imigração marroquina na França e

    seus distintos atributos ao longo das décadas. Sua importante representação na

    sociedade será elucidada com o intuito de compreender os empecilhos para sua

    integração efetiva. Veremos as contradições do Governo francês e os meios usados

    para mitigar os efeitos de suas ações.

  • 12

    2 GUERRAS MUNDIAIS E SUAS CONSEQUÊNCIAS

    As duas Guerras Mundiais provocaram efeitos profundos e duradouros que

    determinaram o futuro dos países da Europa e também de suas colônias e

    protetorados. O fluxo migratório ocorrido no continente europeu foi gradativo desde o

    início do primeiro conflito e ressoa ecos que são ouvidos até os dias de hoje. Um

    dos países com maior envolvimento nos confrontos foi, sem dúvidas, a França, que

    comportou conflitos em seu próprio território durante os períodos de hostilidade. O

    Marrocos foi diretamente afetado por decisões francesas, o que explica em grande

    escala a migração marroquina para a potência europeia.

    Para melhor compreender o processo de migração marroquina para o

    território francês e suas atuais consequências é necessário remeter-se ao início do

    século XX, onde acontecimentos específicos conduziram o desenrolar da história.

    Em um período de domínio europeu sobre o continente africano, era notável o

    interesse de alguns países em determinadas regiões estratégicas do continente

    africano. Observando o interesse francês em relação ao Marrocos, o imperador

    alemão Guilherme II pronuncia em 1905, em uma visita a Tanger, que a Alemanha

    não permitiria que o Marrocos fosse dominado pela França. Tal coação é desfeita

    em 1906, com a Conferência de Algeciras, onde é estabelecido o mantimento da

    independência marroquina, porém com os portos do país controlados por França e

    Espanha. Essa Conferência perdura até 1911, quando ocorre a Crise de Agadir que

    por um fio não culminou em um combate armado entre França e Alemanha, que

    provavelmente teria ocasionado a Primeira Guerra Mundial três anos antes de seu

    início (ALLAIN, 1976, p.34-37).

    Em maio de 1911 a França encaminha tropas ao Marrocos para abafar

    revoltas populares contra o sultão Mulei Abdal Hafiz. Ao sentir a ameaça de

    anexação do Marrocos por parte da França, a Alemanha envia um navio de guerra

    para Agadir, uma região estratégica localizada entre o Estreito de Gibraltar e as Ilhas

    Canárias. Este fato é considerado como uma provocação, e o impasse é resolvido

    pelo Tratado de Fez elaborado pela eficiente diplomacia europeia. Nele, a Alemanha

  • 13

    abre mão do Marrocos em troca de uma importante parcela do Congo Francês. Por

    intermédio deste Tratado, a França declara formalmente em 1912 o Marrocos como

    seu protetorado. Houve, no mesmo ano, tentativas de soldados da infantaria

    marroquina de retomar sua soberania, porém sem êxito (ALLAIN, 1976, p.28).

    Neste período se sucederam diversas mudanças estruturais no Marrocos

    como protetorado francês, as quais possibilitaram o início do processo imigratório

    nos anos seguintes. O Governo da República Francesa e a sua Majestade

    marroquina, representada pelo Sultão, acordaram o estabelecimento de um regime

    contendo reformas administrativas, judiciárias, escolares, econômicas, financeiras e

    militares, que o Governo Francês julgava necessário introduzir no território

    marroquino. Este novo regime garantiria a atual situação religiosa estabelecida no

    Marrocos assim como o respeito ao prestígio tradicional da figura do Sultão. Foram

    discutidas junto ao Governo Espanhol as questões relacionadas ao interesse

    geográfico na região, e estipuladas às áreas de possessão de cada país no território

    (ALLAIN, 1976, p. 29).

    A França ficou responsável por manter a ordem militar dentro do Marrocos e

    inibir ameaças externas terrestres ou marítimas. Assim como também proteger e

    incentivar as transações comerciais e prestar constante apoio a sua Majestade

    contra qualquer tipo de perigo que ameaçasse sua pessoa, seu trono ou sua

    sucessão pelos seus herdeiros. Edições nas condições do protetorado deveriam ser

    ditadas pelo Governo Francês, pelo Sultão ou por autoridades competentes as quais

    seria delegado tal poder. O Governo francês passou a ser representado por um

    General Comissário Residente, que intermediaria qualquer tipo de relação entre o

    Sultão e a França, sendo encarregado de expressar todos os interesses franceses

    no Marrocos. Para realizar qualquer decisão de cunho internacional, o Sultão

    deveria impreterivelmente consultar o Governo francês, e seria a França que

    representaria os interesses marroquinos no exterior. Com o Protetorado, o Marrocos

    estava totalmente ligado à França e aos interesses franceses, havendo uma estreita

    margem de consonância e tendo sua soberania praticamente extinta (ALLAIN, 1976,

    p.29).

    O General Louis Hubert Gonzalve Lyautey foi o primeiro Comissário

    Residente francês no Marrocos, o qual foi encarregado das primeiras mudanças

  • 14

    estruturais no território, assim como o responsável por conter as primeiras revoltas

    marroquinas contra o protetorado francês. O General Lyautey deveria, juntamente

    com as tropas francesas estabelecidas no Marrocos, gerir os conflitos rebeldes que

    ocorreram logo nos primeiros anos de protetorado. Já em 1912 houve uma grande

    revolta que ocasionou a morte de cerca de 50 rebeldes e a prisão de muitos outros.

    O desafio no momento era de preparar tropas fiéis ao sultão e à França, o que era

    um trabalho árduo, visto que o Marrocos estava longe de estar pacificado (ALLAIN,

    1976, p.40).

    No dia 3 de agosto de 1914, a Alemanha declara guerra à França e os

    sistemas de aliança começam a se formar. De um lado encontrava-se França,

    Inglaterra e o Império Russo e do outro Alemanha, Austro-Hungria e Itália.

    Juntamente com as potências beligerantes, suas colônias e protetorados também

    entraram na guerra enviando reforços solicitados pelas Metrópoles. Após a

    declaração de guerra, a França passa a precisar de um grande número de soldados

    para fazer frente à Alemanha, e para tanto, forma tropas com combatentes da

    Argélia, Marrocos, Tunísia, dentre outros países que tiveram menor participação.1

    Nas primícias do primeiro conflito, o General Lyautey enfrentava sérios

    problemas no Marrocos, uma vez que a reorganização das tropas após revoltas e

    conflitos internos se dava de maneira lenta e gradual. Entretanto, considerando a

    extrema necessidade francesa de combatentes em seu território, o general faz um

    esforço de guerra e convoca 85.000 homens para combater pelo seu país. Mesmo

    sabendo que os soldados foram enviados parcialmente, era um número

    considerável, observando que o Marrocos era protetorado francês por apenas dois

    anos. Os soldados marroquinos embarcaram nos portos de Oran (Argélia), Rabat,

    Kenitra e Casablanca em situações precárias. Eles desembarcaram nos portos de

    Bordeaux e Sète e foram posicionados nas frontes de batalha. Houve uma extrema

    dificuldade de engajamento dos marroquinos que resistiram a alistar-se. Devido à

    urgência foram recrutados jovens, soldados sem nenhuma experiência de guerra e

    até mesmo os rebeldes presos durante as revoltas, que trocaram sua liberdade pelo

    1 ACADÉMIE D’ORLÉANS-TOURS. La première Guerre Mondiale (1914-1918). Disponível em: . Acesso em: 8 mai 2018.

  • 15

    combate ao lado francês no período que os confrontos estavam cada vez mais

    intensos (ATOUF, 2005, p.63).

    As perdas das tropas marroquinas somam-se a 11.000 homens mortos,

    feridos ou desaparecidos, sendo 26% de seu total, pouco mais que os combatentes

    franceses (24%).2 Durante os tempos de combate, os soldados sofriam de

    preconceito por parte das tropas francesas e da população. Após o conflito a grande

    maioria de combatentes marroquinos foram repatriados e uma pequena parte

    decidiu estabelecer residência na França. No ano de 1921 o montante de

    marroquinos em solo francês era de 15.000 pessoas. Há de se destacar que não

    eram somente soldados, mas também trabalhadores que foram ao país no início da

    guerra, dos quais se falará mais adiante (BELBAH, 2005, p.38).

    Em virtude do número exacerbado de estrangeiros exercendo atividade

    remunerada em solo francês, o Governo decidiu promulgar uma lei que protegesse a

    mão de obra nacional. No dia 10 de agosto de 1932, tal lei foi decretada pelo

    Presidente da República Albert Lebrun, aprovado pelo Senado e pela Câmara de

    deputados. Esta lei visava controlar a proporção de estrangeiros trabalhando na

    França, não podendo ultrapassar cinco estrangeiros para cada 100 franceses em

    trabalhos manuais mais simples. No caso das indústrias, a quantidade deveria ser

    fixada pelo dono da empresa e relatada com detalhes para o Governo francês. Para

    trabalhos técnicos ou específicos, o estrangeiro deveria estar munido de uma

    autorização ministerial emitida pelo Governo de seu país e passível de análise

    criteriosa da República Francesa.3 A lei de proteção da mão de obra nacional

    diminuiu drasticamente a migração marroquina, assim como a de outras colônias

    francesas, sujeitando-as a enviar nacionais somente mediante demanda e

    necessidade da Metrópole.

    Poucos anos após o término da Primeira Guerra Mundial, os países

    beligerantes estavam se recompondo, passando por diversas transformações

    estruturais, políticas e econômicas. Neste período a Alemanha se sentia injustiçada

    pelo Tratado de Versalhes, e através do comando de Hitler se vingaria de tamanha

    2 FLANDRIN, Antoine. Le Maroc dans la Grande Guerre. Le Monde. Paris, 24 oct. 2014. Disponível em: . Acesso em: 9 mai 2018. 3 FRANCE. Loi du 10 août 1932 protégeant la main d’oeuvre nationale. Journal Officiel, Paris, 12 août 1932.

  • 16

    injustiça. Para tanto, o ditador alemão com a cúpula nazista invadiu a Polônia em 1°

    de setembro de 1939, dizimando lugares, matando a população e ocupando

    territórios considerados de direito alemão, sem intenções de negociar ou de rendição

    (HOBSBAWN, 1995, p.43).

    Dois dias após a invasão da Polônia, França e Grã-Bretanha declararam

    guerra contra a Alemanha. O desdobramento da história se deu por uma série de

    combates armados e invasões nazistas em diversos territórios europeus. O exército

    francês não estava plenamente organizado e necessitava de ajuda de suas colônias

    e protetorados para combater Hitler e seus aliados. As ocupações foram se

    alastrando, chegando a Dinamarca e Noruega, o que preocupava muito os

    franceses, tendo em vista que haviam várias brechas não protegidas em seu

    território. O que era previsto aconteceu, e a Alemanha invade a França em 4 de

    junho de 1940 “quando as tropas nazistas marcharam pelos bulevares parisienses e

    a bandeira alemã com a cruz suástica foi afixada na Torre Eiffel” (MAGNOLI, 2006,

    p. 367).

    Houve uma enorme mobilização das tropas marroquinas pelos Comissários

    Residentes Charles Noguès e Gabriel Puaux com apoio do sultão Mohammed V.

    Não se sabe o número exato de marroquinos que participaram da Segunda Guerra

    Mundial, mas estima-se que no começo dos conflitos haviam 90.000 combatentes

    (ATOUF, 2005, p.63). Deve-se destacar o desempenho das tropas marroquinas na

    batalha de Monte Cassino na Itália, onde após cinco meses de combate eles

    derrotaram as tropas alemãs com extrema dificuldade e pouco apoio dos aliados. 4

    No decurso da Segunda Guerra mundial, cerca de 7.000 soldados marroquinos

    foram mortos, 30.000 feridos e mais de 18.000 feitos prisioneiros de guerra. Já no

    fim da guerra em 1945 há um grande número de repatriamentos dos marroquinos,

    porém em menor escala que a Primeira Guerra Mundial.5

    Os dois conflitos mundiais devastaram as cidades e populações por onde

    passaram, houve perdas difíceis de recuperar e outras irremediáveis. Pode-se

    afirmar que o início da imigração marroquina, objetivando o território francês, se deu

    4 ISKANDAR, Kara. La bataille de Monte-Cassino (17 mai 1944). Histoire pour tous. Disponível em: . Acesso em: 25 mai 2018. 5 FUNES, Nathalie. Hammou Moussik, marocain, 96 ans: ses guerres pour la France. L’OBS. Disponível em: . Acesso em: 25 mai 2018.

  • 17

    por diversos fatores ligados aos conflitos, tendo em vista que o Marrocos era

    protetorado francês na época e que a Metrópole necessitava urgentemente de

    forças combatentes para seu auxílio. A parte das perdas de soldados, o segundo

    conflito incitou no sultão Mohammed V e na população o desejo de independência,

    mesmo em condições precárias de subsistência.

    2.1 A INDISPENSÁVEL MÃO DE OBRA MARROQUINA

    Quando eclodiu a Primeira Guerra Mundial, a França, assim como os demais

    países beligerantes, reuniu um grande contingente de militares para combater o

    conflito. Foram difusas diversas propagandas no território francês, e em suas

    colônias, com o objetivo de engajar os jovens e adultos dispostos a representar a

    República Francesa durante a guerra. Cartazes foram espalhados por todo o país

    para que a mobilização se desse de forma efetiva. Os esforços de guerra criam um

    vácuo nos setores industrial e agrícola no país, tendo em vista que grande parte da

    mão de obra ativa estava sendo empregue no conflito. Para suprir tal necessidade

    essencial, para que o país continuasse produzindo mesmo durante a guerra, a

    França convoca trabalhadores de suas colônias e protetorados não somente para

    servir nas tropas de guerra, mas também trabalhar nos postos deixados pelos seus

    cidadãos (BELBAH, 2005, p.38).

    A estadia dos trabalhadores e soldados marroquinos na França foi muito

    benéfica para o país, especialmente pela emergência de criação de uma consciência

    social e política por parte da população. Incontestavelmente, os marroquinos que

    participaram da guerra de 1914 a 1918 foram amplamente desenraizados, episódio

    que de forma alguma faz com que seja fruto do acaso os milhares dentre eles que

    voltaram para a França durante o período entre guerras, para exercer trabalhos

    simples e manuais. Em suma, a experiência da colonização assim como as

    consequências da Primeira Guerra Mundial, transformaram de maneira significativa

    as estruturas sociais arcaicas da sociedade da época. A evolução do processo

    social em direção à modernidade, a liberdade e aos ideais progressistas capazes de

  • 18

    garantir uma vida melhor emergiram através da penetração colonial (ATOUF, 2005,

    p.62-63).

    Mesmo com a lei de proteção de mão de obra nacional, às vésperas da

    Segunda Guerra Mundial a França exige uma nova contribuição de suas colônias

    como esforço de guerra. Companhias de trabalhadores marroquinos são enviadas

    para as fronteiras do Leste, notadamente nas divisas com Alemanha e Itália, para

    construir uma linha de fortificações e de defesa chamada Linha Maginot. Até o

    começo dos anos cinquenta o Departamento Nacional de Imigração (ONI – Office

    National de l’immigration) controlava e favorizava a introdução de marroquinos na

    França. O ONI fazia este trabalho de recrutamento somente para a introdução de

    trabalhadores temporários, se limitando a regularizar a situação destes em solo

    francês. Esta relação se deu até 1956, quando é declarada a independência do

    Marrocos (BELBAH, 2005, p.38-39).

    Os empregadores franceses tinham uma preferência indiscutível pelos

    marroquinos em detrimento aos argelinos, afirmando que a produtividade dos

    marroquinos era extremamente superior. Uma documentação oficial e privada

    confirma essa contestação intrigante. Essa representação remete-se principalmente

    à política colonial que consiste em dividir para governar, a fim de facilitar a

    dominação, alienação e a relegação, visto que nenhuma ciência exata pode

    demonstrar que a produtividade de determinada nacionalidade é superior a outra. O

    que é constatado é que os trabalhadores marroquinos estavam ausentes das lutas

    sociais e políticas encabeçadas durante este período de imigração colonial (ATOUF,

    2005, p.66).

    2.2 INDEPENDÊNCIA DO MARROCOS DE 1956

    A fase do protetorado foi caracterizada por desestruturações, pelo dualismo

    (setores modernos contra tradicionais), pelo marasmo (principalmente no

    artesanato), pela regressão e pelo anacronismo. Seus efeitos cumulativos alteraram

    fortemente os setores econômico e social tradicional, tanto na cidade como no

    campo, e a população indígena foi a que suportou os altos custos. Durante este

  • 19

    período foram feitas diversas reformas de base, que fizeram com que o Marrocos

    desse um salto qualitativo importante rumo ao início do desenvolvimento. Foi

    instaurada uma infraestrutura de base (rodovias, linhas ferroviárias, equipamentos

    portuários, barragens, centrais elétricas) explorando os recursos minerais já

    existentes no território (fosfato, carvão, minérios de ferro). Devido à natureza do

    regime, estas realizações beneficiavam apenas uma minoria da população, sendo

    em sua maioria colonos e uma pequena parcela da população marroquina. Em

    1955, os europeus estabelecidos no Marrocos representavam 7% da população

    total, e estes consumiam 30% do rendimento total do país. Estas insuficiências

    apresentadas desde o começo do protetorado irão representar uma enorme

    deficiência para o Marrocos independente nas áreas de educação, saúde, habitação

    e emprego (KENBIB, 2005, p.9-10).

    A subnutrição e a fome afetavam a maioria da população, estimada em cerca

    de nove milhões de habitantes (estimativa antes de 1956), com aproximadamente

    70% provenientes da zona rural. As condições de moradia nas zonas urbanas eram

    insalubres. As campanhas de vacinação pontuais não impediam a propagação de

    doenças infecciosas, e a taxa de mortalidade era bem alta. A expectativa de vida era

    inferior aos 47 anos e se contava um médico para cada 15.000 marroquinos. Em

    1955, o analfabetismo atingia cerca de 90% da população. O sultanato ficou por

    vários anos como título representativo, não possuindo uma autoridade

    consideravelmente importante para mudar a situação do país. No entanto, nos

    últimos anos de protetorado, o sultão Sidi Mohammed Ben Youssef, popularmente

    conhecido como Mohammed V após 1955, começa a exercer influência em seu país,

    com o intuito de transformar a situação estabelecida (KENBIB, 2005, p.10-11).

    Em 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, o presidente norte-americano

    Franklin Roosevelt encoraja Sidi Mohammed Ben Youssef com seus desejos

    independentistas. O sultão, em 1947, começa a se distanciar da tutela do

    protetorado, faz elogios à liga árabe e apoia o partido de independência Istiqlal. No

    mesmo ano, o general Juin é nomeado como chefe da defesa nacional. E em 1951

    foi realizada a nomeação do general Guillaume, demonstrando que a França não

    estava pronta para abrir mão do Marrocos. O general Juin, apoiado pelos colonos

    franceses, ameaça a destituição de Sidi Mohammed Ben Youssef se ele não

  • 20

    deixasse de apoiar o partido de independência. O sultão cede e se afasta dos

    nacionalistas por medo da coerção.

    No entanto, os nacionalistas dão sequência a sua luta e criam a Frente

    Nacional marroquina e as tensões com a Metrópole não param de aumentar. Entre

    1952 e 1953 diversas manifestações anti-francesas são reprimidas, e por conta das

    mesmas os Estados árabes se reúnem e levam a questão marroquina à

    Organização das Nações Unidas. Em 1953 por conta de intrigas com os colonos,

    Sidi Mohammed Ben Youssef é afastado do palácio, exilado em Madagascar e é

    substituído no dia seguinte por Ben Arafa, candidato do partido Glaoui, apoiado pela

    França. A partir deste momento os nacionalistas intensificam suas ações e os

    atentados se multiplicam. O Governo francês fica mal posicionado diante da pressão

    internacional, e em 6 de novembro de 1955, o Primeiro Ministro Antoine Pinay e Sidi

    Mohammed Ben Youssef assinam os acordos de La Celle-Saint-Cloud,

    restabelecendo o agora Mohammed V ao trono do Marrocos. Mediante as clausulas

    dos acordos, Mohammed V ao regressar inicia uma série de reformas institucionais

    que fariam do Marrocos um Estado democrático com uma monarquia constitucional.

    Com as grandes mudanças ocorridas no Marrocos, a França se vê obrigada a

    aceitar a independência. No dia 2 de março de 1956 é assinada em Paris a

    declaração comum franco-marroquina e declarada a independência do Marrocos. O

    Governo francês a reconhece, afirmando permanecer distante do exército, da

    diplomacia e assuntos internos marroquinos, respeitando os tratados internacionais

    (KENBIB, 2005, p.12).

    Este novo Estado que se formatava estaria prestes a enfrentar as

    perturbações deixadas pelo protetorado. Como uma boa parcela da população vivia

    em área rural, o setor agrícola foi diretamente afetado pelos desequilíbrios gerados

    pelo regime colonial. As melhores terras estavam concentradas nas mãos dos

    colonos (perto de um milhão de hectares) e todo o lucro gerado por elas remetia-se

    aos mesmos. Os marroquinos que se beneficiavam era uma minoria de feudais

    indígenas ligados ao regime colonial. O governo do Marrocos estabeleceu três

    principais objetivos, sendo eles a “arabização”, “marrocanização” e a generalização

    do ensino, com objetivo de se desvincular a escolaridade dos princípios coloniais,

    retomar as terras ligadas aos colonos e desenvolver a economia de acordo com os

    interesses nacionais. No entanto em 1955, apenas 15% das crianças escolarizadas

  • 21

    frequentavam a escola, e havia apenas 5.832 colégios no país todo, com baixa

    proporção de meninas (KENBIB, 2005, p.12-13).

    Devido às condições gerais prevalecentes após a independência e aos

    antagonismos deixamos pelo protetorado, as contradições internas, atenuadas pela

    necessidade da luta contra o regime colonial, iriam eclodir a qualquer momento. Elas

    ameaçavam por vezes a integridade territorial e a unidade nacional, visto que o

    modelo de partido único foi única opção deixada aos concidadãos pelos antigos

    dirigentes do país. A memória coletiva dos marroquinos foi marcada pela divisão de

    seu país, através de acordos assinados entre as potências coloniais. O grande

    objetivo do Marrocos independente era a reunificação, considerada como prioridade

    nacional e uma “causa sagrada” (KENBIB, 2005, p.14-15).

    No contexto de relações exteriores, o Marrocos se torna membro ativo do

    grupo dos não alinhados e apoia fervorosamente os movimentos de liberação na

    África. Recebe de 3 a 6 de janeiro de 1961, em Casablanca, a conferência africana

    que discute os princípios gerais que servirão de base da Carta da Organização da

    Unidade Africana (OUA). O país se envolve em questões da ONU e adota princípios

    liberais para sua economia, no intuito de se aproximar economicamente de países

    desenvolvidos. Apesar dos esforços do governo marroquino, a situação interna seria

    deveras complexa de se inverter a favor deles, e a imigração rumo à França

    continua de maneira acentuada (KENBIB, 2005, p.17).

    Após a independência do Marrocos a imigração passa a ser efetuada em um

    âmbito de relação de Estado para Estado e suas modalidades são, a princípio,

    definidas pelos acordos e tratados bilaterais. O texto da declaração comum franco-

    marroquina, de 2 de março de 1956, garante os direitos e liberdades dos franceses

    estabelecidos no Marrocos e dos marroquinos estabelecidos na França, respeitando

    a soberania dos dois Estados. Ambos os governos se reservam do direito de pedir o

    repatriamento de imigrantes, que estão em seu território a menos de dois anos e que

    não provem de meios de subsistência, sob a condição que os imigrantes se

    encontrem em um estado de saúde que permita seu transporte e que não tenham

    ligações familiares em linha direta no território. Mesmo com todas as mudanças, os

    marroquinos continuavam a ingressar em território francês, e há a necessidade de

    uma convenção para regular tal imigração (BELBAH, 2005, p.39).

  • 22

    2.3 CONVENÇÃO FRANCO-MARROQUINA

    Para controlar a imigração de trabalhadores marroquinos, assim como

    regularizar a situação dos mesmos e tornar o Marrocos um dos principais

    fornecedores de mão de obra para a França, o Governo francês celebra em 27 de

    julho de 1963 a Convenção franco-marroquina sobre mão de obra. Nesta convenção

    os Governos da França e do Marrocos fixariam as condições de trabalho dos

    imigrantes marroquinos em solo francês, com o objetivo de facilitar os recrutamentos

    e lhes dar condições que assegurem um bom nível de vida e condições de

    existência elevadas.

    Portanto, o Governo francês passa a comunicar periodicamente, ao menos

    uma vez por ano, o Governo marroquino sobre os pormenores de maneira detalhada

    sobre suas necessidades relacionadas à mão de obra marroquina, assim como

    informações concernentes as condições de trabalho e de existência na França. As

    autoridades marroquinas ficam responsáveis por informar o Governo francês sobre a

    disponibilidade dos trabalhadores marroquinos candidatos à imigração. Com o intuito

    de promover a implementação dessas informações, qualquer tipo de documentação

    poderia ser demandado aos empregadores e trabalhadores pelas autoridades

    competentes marroquinas e francesas.

    O Ministério do Trabalho marroquino juntamente ao serviço francês

    especializado, presente na embaixada francesa, ficariam encarregados do

    recrutamento e seleção dos interessados em trabalhar ou adquirir formação

    profissional em solo francês. Os próprios trabalhadores seriam responsáveis pelo

    seu transporte até o ponto de desembarque na França, e o departamento de

    imigração francês pelo transporte dos mesmos até o local de trabalho. O Governo

    francês se dispõe a facilitar as formalidades administrativas do procedimento de

    entrada na França, assim como entregar os títulos de residência e de trabalho. Os

    trabalhadores marroquinos ingressos no território francês passam a ter o mesmo

    tratamento dos trabalhadores franceses no tocante as condições de higiene,

    trabalho, segurança, alojamento, salário, férias remuneradas e seguro desemprego.

  • 23

    As famílias dos trabalhadores marroquinos passam a poder se unir a eles, e todas

    as facilidades para tal ato seria de responsabilidade do Governo francês no âmbito

    de sua legislação e regulamentação em vigor. Se fez possível também a

    transferência de economias para o Marrocos assegurado pela França.6

    A Convenção de 1963 inaugura uma nova era na qual o Marrocos se tornará

    oficialmente um país fornecedor de mão de obra, de forma que, o contexto interno

    se faz propicio ao êxodo. O país enfrentava dificuldades de todas os gêneros,

    relativas à passagem de uma realidade pós-colonial, atravessando um período de

    crises agudas. Cada década é compassada por uma série de contestações,

    consequências de políticas aplicadas anteriormente e seu lote de repressões e

    violência introduzem as novas formas de imigração. A incapacidade dos Governos

    subsequentes de instaurar as bases de um desenvolvimento durável e coerente,

    principalmente no campo, desencadeia os movimentos de êxodo. Tais movimentos

    contribuem para o desenvolvimento do desemprego, tanto nas cidades quanto na

    zona rural. A imigração marroquina rumo à França conhece um crescimento na área

    agrícola, sob os efeitos da convenção franco-marroquina de 1963, do

    desenvolvimento da imigração “voluntária” e das redes de trabalhadores temporários

    repatriados da África do Norte, que se tornaram proprietários agrícolas na Metrópole

    e se deslocaram em direção dos departamentos do litoral mediterrâneo (BELBAH,

    2005, p.40).

    6 FRANCE. Décret n° 63/779 du 27 juillet 1963 portant publication de la convention de main-d'œuvre entre la France et le Maroc du 1er juin 1963. Journal Officiel, Paris, 27 juillet 1963.

  • 24

    3 DECURSO IMIGRATÓRIO MARROQUINO PARA A FRANÇA

    O movimento imigratório marroquino se forjou com o passar do tempo com

    especificidades e características peculiares que lhe são próprias, distintamente do

    restante da imigração magrebina, a qual lhe é geralmente empregada. Devido à sua

    espessura histórica, sua importância numérica, seu dinamismo permanente, sua

    difusão geográfica, o peso do vínculo com o país e sua evolução profissional, a

    imigração marroquina se distingue em diversos pontos característicos da dos outros

    países do Magrebe. De acordo com estudos, os imigrantes marroquinos parecem ter

    uma concepção de espaço um pouco fragmentada, estando divididos entre seu

    espaço de origem e o de instalação. Enquanto se dizem orgulhosos de seu território

    de origem, reivindicam ao mesmo tempo seu local no país de acolhimento. Desta

    maneira, a circulação incessante entre o Marrocos e o país de recebimento permite

    a suposição do nascimento de uma dupla idealização, a qual toma dimensões

    crescentes com a evolução cronológica de sua imigração. Paradoxalmente é

    constatado que os marroquinos se adaptam com uma rapidez surpreendente às

    mutações sociológicas, econômicas, jurídicas e políticas, sempre impondo suas

    próprias estratégias de pertencimento (CHAREF, 2005, p.16).

    O início considerável da imigração marroquina rumo à França é anterior ao

    período do protetorado francês no Marrocos (1912-56). Os primeiros recrutamentos

    de operários para refinarias de açúcar, na região de Nantes, datam o ano de 1909.

    Quatro anos após a instauração do protetorado, os contingentes marroquinos são

    levantados para apoiar o exército dos Aliados na Primeira Guerra Mundial e fornecer

    mão de obra necessária à indústria de armamento (KARKKAINEN, 2013, p. 14).

    Para melhor compreender os rumos tomados pela imigração marroquina na

    França por conta da política de imigração francesa, é necessário observar o histórico

    do Pós Primeira Guerra Mundial. Neste período a economia francesa estava

    desgastada por conta do conflito e o contingente de homens havia diminuído, pois

    uma grande parcela dos soldados franceses que serviram na Guerra acabaram

    perdendo suas vidas. Foi imprescindível a elaboração de um projeto que visasse

  • 25

    ampliar a escassa mão de obra em setores vitais para a economia francesa. O

    presidente do Partido Republicano Radical e Radical-Socialista dentro da Câmara de

    Deputados, Adolphe Landry, propõe em 1915 a facilitação de uma política de

    imigração mais atrativa, tendo como objetivo preencher esta lacuna deficitária de

    extrema importância para o país. Além de uma política facilitadora, era imperativa a

    criação de uma organização que fizesse a seleção e recrutamento de trabalhadores

    estrangeiros de modo que não criasse uma concorrência com os nacionais no

    mercado de trabalho (NOIRIEL, 2006. p. 117).

    Desta forma diversos organismos patronais se fundem em 1924 para fundar a

    Sociedade Geral de Imigração7. Essa organização privada, independente do Estado,

    introduz mais de 400.000 trabalhadores estrangeiros de 1924 a 1930. A SGI utilizava

    de recrutadores instalados nas colônias e protetorados franceses, que mostravam a

    França como um local favorável para o estabelecimento de residência. Os

    candidatos ao embarque eram submetidos a um rápido exame médico que tinha por

    objetivo detectar eventuais inaptidões para o trabalho. Como grande parte dos

    estrangeiros não falava o francês, lhes era colocado uma etiqueta em torno do

    pescoço indicando o endereço da empresa onde iriam trabalhar. Este comércio

    humano era muito lucrativo, uma vez que o capital da SGI passa de 3,6 milhões de

    francos em 1924 para 20 milhões em 1930. Contratados a um salário reduzido e

    facilmente reenviados ao seu país de origem, os imigrantes constituem um bom

    negócio para as empresas francesas, as quais é permitido evitar uma modernização

    onerosa. As difíceis condições de trabalho dos operários especializados se mantêm

    as mesmas durante anos, tendo em vista que eles desempenhavam funções que os

    próprios franceses não queriam exercer. A grande vantagem de ter imigrantes

    trabalhando em território francês era de que eles podiam ser reenviados aos seus

    países em tempos de crise. O patronato se beneficiava desta mão de obra

    disponível e móvel, pois o não enraizamento facilitava tal condição (MUZARD, 2004,

    p. 8-9).

    O primeiro fluxo de imigrantes é seguido de outros durante este período entre

    guerras. Novos contingentes de marroquinos são levantados na Segunda Guerra

    Mundial para intervir em diferentes frontes de hostilidade na Europa, e quando a

    7 Société General de L’immigration. Tradução nossa.

  • 26

    guerra acaba, nas colônias francesas. No período de reconstrução da Europa

    ocidental após as guerras, é feito novamente um apelo à imigração marroquina para

    trabalhar na indústria, na agricultura e nas minas. Durante nos anos de 1960,

    acordos são assinados entre o Marrocos e a França para regular os fluxos de

    imigrantes marroquinos do pós-guerra, marcando o início de uma relação duradoura

    (KARKKAINEN, 2013, p. 14).

    A partida de marroquinos rumo à França foi limitada durante a maior parte do

    período colonial na região sul do Marrocos, nomeadamente a região qualificada

    administrativamente de território de Agadir. Tal região concentra o foco das

    imigrações, vindo dela 90% dos marroquinos na França antes de 1942, em torno de

    80% do período entre 1942-1956, e um pouco mais de 70% no início dos anos da

    década de 60. Essa situação foi ditada por razões militares, políticas e ideológicas,

    pois foi nesta área considerada bárbara que a colonização militar encontrou maior

    resistência, ao ponto que a pacificação foi concluída somente em 1936. A imigração

    deste local é de certa forma um meio de deslocar as conexões sociais e esvaziar de

    lá a população masculina ativa e resistente. Essa questão das partidas de origem

    geográfica marcou fortemente a imigração marroquina até o presente, na medida em

    que os primeiros imigrantes condicionaram a partida imigratória de seus sucessores,

    desempenhando papel primordial na estrutura social e familiar dos imigrantes

    estabelecidos em território francês (ATOUF, 2005, p.64-65).

    Além de partirem de uma região especifica, a imigração marroquina na

    França foi marcada pela clandestinidade, a qual a proporção chega perto dos 90%

    do efetivo total no período colonial. A imprensa, os documentos e, sobretudo as

    fontes da época são unanimes sobre esse fato inegavelmente estabelecido. A

    principal causa deste fenômeno reside no poder considerável que o patronato

    europeu possui sobre a economia do Marrocos colonial, e sobre o protetorado no

    período subsequente. Foi a Residência Geral estabelecida no território marroquino

    que instaurou uma regulamentação rigorosa que agravava a taxa de candidatos à

    imigração. Este esquema permitia que os colonos se beneficiassem de um exército

    de reserva, e também de uma mão de obra abundante, possibilitando que o

    patronato praticasse os baixos salários. Fato agravador foi a proibição da imigração

    marroquina em 1928, o que fez com que os marroquinos não tivessem outra opção

    que não fosse deixar o Marrocos clandestinamente por todos os meios possíveis,

  • 27

    seja falsificando papéis e documentos, organizando embarques clandestinos, entre

    outros (ATOUF, 2005, p.65).

    Uma análise cronológica da história da imigração e da presença dos

    marroquinos na França deve levar em conta as grandes datas da história destes

    dois países, assim como necessariamente considerar a história conturbada de suas

    relações. A imigração marroquina na França é atribuída em parte majoritária aos

    dois conflitos mundiais, aos Trente Glorieuses8, ao enfraquecimento do poder central

    marroquino devido ao advento do protetorado francês e a proclamação de

    independência em 1956 pelo Marrocos. Estes eventos, em parte ligados, revelaram

    relatórios históricos complexos feitos de cumplicidade, alianças, desconfiança e de

    conflitos. Neste contexto compreendem-se dois tipos de imigração, a primeira sendo

    notadamente colonial e de trabalho entre os anos 1912-1956 e a segunda

    começando após a independência do Marrocos e criando corpo depois da

    convenção franco-marroquina de 1963 (BELBAH, 2005, p.37).

    3.1 IMIGRAÇÃO COLONIAL E REPATRIAÇÃO

    A imigração representa em muitos casos o isolamento, a solidão, a falta de

    calor humano, o contraste destes elementos com os valores em geral idealizados no

    Marrocos. Neste sentido é utilizada a noção geográfica do país como sendo um local

    de pleno conhecimento de suas condições. O país de origem é geralmente visto, no

    caso do Marrocos, como um lugar onde a luz do sol brilha, as pessoas são bem

    acolhidas, onde existe solidariedade e é um ambiente agradável de se viver,

    condições não encontradas na França como país receptor. Deste fato provém a

    vontade inconsciente de mistificação, tendo o sentimento de terra original. Desta

    forma a imigração tem por consequência, a necessidade de continuar as relações

    sociais com o território de origem mesmo estando fora dele, com a eclosão de uma

    8 Trente Glorieuses foi a expressão utilizada para definir o período de grande crescimento econômico na Europa após as duas grandes guerras mundiais. Sua tradução literal seria os “Gloriosos Trinta”.

  • 28

    consciência comum de um espaço de pertencimento. Este espaço traz memórias da

    infância, das tradições, das raízes e do passado vivido. Por condições adversas

    muitas vezes se faz necessário a fuga angustiante deste local para um país

    eminentemente desejável, sem antes pensar nos sintomas que causam a febre do

    retorno. Além do mais, a saudade da família e dos amigos é algo incontestável, e

    talvez seja o combustível que os mantém em movimento, buscando melhores

    condições de vida para assim que possível regressar ao seu território de origem. É

    nessas condições que se deu a imigração marroquina tendo a França como destino,

    um processo de desconstrução social e uma brusca mudança no padrão de vida

    previamente estabelecido (CHAREF, 2005, p.18-19)

    Conforme citado anteriormente, o período em que a França apoderou-se do

    Marrocos como seu protetorado se deu entre os anos de 1912 a 1956, quando a

    independência se sucedeu de forma efetiva. Antes desta etapa houve pequenas

    ondas de imigração marroquina rumo a França, porém sendo um montante

    insignificante. Este período colonial foi marcado pelo maciço ingresso de

    marroquinos em solo francês em períodos específicos. Devido às condições

    impostas pelo governo francês, a entrada de marroquinos no país se dava de

    maneira notável, porém era seguida por repatriações logo após o período de

    necessidade. Foi a primeira Guerra Mundial que desencadeou, incontestavelmente,

    o princípio do amplo fenômeno migratório marroquino, onde um vasto contingente de

    imigrantes foi empregado para auxiliar a França durante a guerra. Este fato

    provocou uma imigração militarizada que teve consequências diretas e irremediáveis

    sobre a população marroquina, na medida em que influenciou diretamente em todas

    as imigrações do pós-guerra (ATOUF, 2005, p.62).

    A política migratória constituída pela França foi desenvolvida com um caráter

    temporário, e isto prejudicou de forma significativa a inserção dos marroquinos na

    sociedade, suas condições habitacionais se davam de forma extremamente

    precária. Como os imigrantes eram contratados como mão de obra barata e sua

    condição não era efetivamente regulada, estes não gozavam dos direitos

    trabalhistas dados aos cidadãos franceses. Eles possuíam somente o domingo de

    folga, e neste dia se encontravam em cafés para jogar jogos, ouvir músicas de seu

    país e falar seu idioma de origem, tentando de alguma forma fazer prevalecer os

    traços de sua cultura local (NOIRIEL, 2006, p. 171-177).

  • 29

    Pelo fato da necessidade francesa de soldados para as frontes de batalha na

    Primeira Guerra Mundial e de mão de obra para suas indústrias de base, a primeira

    leva de imigrantes marroquinos destinados à França era essencialmente masculina

    provenientes do Sul, onde o Comissário General Lyautey encontrava maiores

    dissidências em relação ao protetorado. Os recrutamentos muitas vezes forçados

    contribuíram essencialmente para suprir tal necessidade, o número de marroquinos

    na França conhece uma progressão sem precedentes, passando de 700 para

    20.000 pessoas durante os primeiros anos do conflito. Entre 1915 e 1916, o Governo

    francês através dos ministérios da Agricultura, da Guerra e do trabalho cria

    gabinetes e departamentos dedicados ao recrutamento de mão de obra proveniente

    de suas colônias e protetorados. São fundados então o Gabinete da mão de obra

    agrícola (pelo Ministério da Agricultura), o Departamento dos Trabalhadores

    Coloniais (pelo Ministério da Guerra) e o Departamento da mão de obra estrangeira

    (pelo Ministério do Trabalho) (BELBAH, 2005, p.38).

    Entretanto, os contratos estabelecidos com os trabalhadores coloniais que

    auxiliaram o país nos tempos de dificuldade eram de caráter temporário, e a maioria

    deles foram repatriados logo após o término da Guerra. O efetivo de marroquinos na

    França já em 1919 passa em torno de 3.000 pessoas, as quais optaram por

    melhores condições de vida e trabalho comparando com seu país de origem. Muitos

    dos soldados marroquinos que participaram da Guerra voltam ao Marrocos a mando

    do patronato francês para recrutar mão de obra qualificada para a reconstrução da

    França. Outras não chegam a voltar ao seu país por conta das boas oportunidades

    de trabalho oferecidas nas cidades e no campo (BELBAH, 2005, p.38).

    Neste contexto histórico marcado pelo imperialismo e dominação é observada

    uma política colonial muçulmana norte-africana de imigração por parte da França

    desde o período entre guerras. Essa política é simbolizada pela fundação da

    Mesquita de Paris e pela Brigada Norte Africana, conhecida também por rua

    Lecomte ou Escritório Árabe. Este serviço de “assistência”, que se dizia protetor dos

    imigrantes, foi verdadeiramente uma estrutura de policiamento que controlava e

    monitorava os nacionalistas e intelectuais norte-africanos que de certa forma

    ameaçavam os interesses da política francesa. Uma terceira instituição foi criada

    especialmente para os imigrantes norte-africanos, o Hospital franco-muçulmano de

    Bobigny, local que marcou o cenário sócio sanitário da região parisiense e que gerou

  • 30

    grandes embates sobre os motivos oficiais que justificaram a sua criação. Na

    verdade, se tratava de uma instituição que tinha por objetivo não declarado separar

    a população parisiense da norte-africana, pois eles poderiam portar doenças

    contagiosas, hereditárias e coloniais. Além deste preconceito pré-estabelecido, o

    hospital servia em primeiro lugar para canalizar as informações úteis para identificar

    os imigrantes norte-africanos envolvidos em grupos considerados nacionalistas

    (ATOUF, 2005, p.67).

    O Governo francês fez vários investimentos nas indústrias siderúrgica e

    ferroviária no período entre guerras, fato que gerou milhares de empregos. A

    imigração marroquina em solo francês por sua vez experimenta um novo progresso,

    chegando ao quadrante de 21.000 pessoas entre os anos de 1921 e 1929. Estes

    trabalhadores que chegavam eram alocados nos setores industriais de maior

    urgência, especialmente nas minas, nas metalúrgicas e nas empresas de

    terraplanagem e reconstrução. No entanto tal imigração foi interrompida pela lei de

    proteção de mão de obra nacional promulgada em 1932, os repatriamentos se

    tornam regulares e o controle dos embarques no Marrocos como a chegada na

    França se reforçam. Esta imigração só tem um novo crescimento nas vésperas da

    Segunda Guerra Mundial, quando ela se torna imprescindível devido ao iminente

    início do conflito (BELBAH, 2005, p.38).

    Quando a Segunda Guerra Mundial foi se aproximando, a França convoca

    novamente o auxílio de suas colônias com o intuito de reforçar seu contingente

    beligerante e substituir seus trabalhadores industriais que estariam partindo ao

    combate. No início do conflito três contingentes de trabalhadores são recrutados no

    Marrocos para ocupar os serviços na agricultura, indústria bélica e minas, estando

    principalmente concentrados na Loire, no Norte e no Leste da França. As derrotas

    sofridas na guerra marcam uma interrupção nos recrutamentos e a redistribuição de

    marroquinos no território francês. O Marrocos forneceu 28.000 trabalhadores e

    12.000 militares nos primeiros anos do conflito, alguns feitos prisioneiros pelos

    alemães, outros recrutados tardiamente pelas autoridades de ocupação e pelo

    serviço de trabalho obrigatório. Durante toda a guerra cerca de 70.000 marroquinos

    passaram pelo território francês (BELBAH, 2005, p.38).

    No pós-guerra, assim como no primeiro conflito, houve o repatriamento dos

    trabalhadores marroquinos, passando de 44.000 em 1945 para 16.458 no ano

  • 31

    seguinte. Entre os anos de 1946 e 1948 aproximadamente 4.000 marroquinos foram

    introduzidos no território francês para trabalharem nas indústrias de exploração de

    carvão. As empresas desenvolvem ou reativam paralelamente suas próprias redes

    de recrutamento, enviando seus próprios recrutadores ao Marrocos. A ONI por sua

    vez, desempenha a função de recrutador somente para os trabalhos sazonais,

    limitando seu escopo de atividades a regularizar a situação dos trabalhadores

    ingressos num quadrante de uma imigração dita voluntária (BELBAH, 2005, p.39).

    De acordo com estudos, os imigrantes repatriados são mais qualificados que

    os cidadãos marroquinos que ficaram no território, principalmente porque eles já

    eram proporcionalmente mais instruídos antes de imigrar. Os indivíduos mais

    instruídos são os que se beneficiam das vantagens do período de imigração em

    termos de aquisição de novas competências e experiências profissionais, que

    contribuem para o êxito de sua reintegração no mercado de trabalho nacional. Visto

    que a maioria da população marroquina tem um nível de estudos muito fraco, o perfil

    do imigrante marroquino não se distancia do resto da população, sendo geralmente

    de homens solteiros com baixo nível de estudos, que migra para a França uma vez

    por um período de em média dez anos a fim de melhorar suas condições de vida.

    Sua experiência no estrangeiro aprimora suas perspectivas profissionais, e ele volta

    a trabalhar como assalariado ou até mesmo empreendedor. Por tais motivos,

    geralmente este imigrante de retorno não visa migrar novamente, e estabelece

    residência fixa em seu país de origem (KARKKAINEN, 2013, p. 9).

    No total, cerca de 350 a 400.000 marroquinos foram recrutados como

    soldados ou trabalhadores coloniais no período entre 1914 a 1956, dos quais os

    documentos oficiais reconhecem apenas 37.150 soldados e 35.500 trabalhadores

    que participaram dos esforços de guerra. Porém o trabalho analítico e a comparação

    de documentos disponíveis autorizam o entendimento que tal número foi

    extremamente subestimado. É importante destacar que uma grande parcela dos

    imigrantes marroquinos penetrou o território francês de maneira clandestina. No

    primeiro conflito mundial é estimado que 85.000 marroquinos auxiliaram a França, e

    durante o período de pacificação o efetivo de 70 a 80.000 soldados era o mínimo

    necessário. Já durante o segundo conflito é imperativo contar um efetivo mínimo

    situado entre 70 a 90.000 militares marroquinos, de acordo com os documentos

    disponíveis. Além desses, houve diversos recrutamentos para as guerras de

  • 32

    descolonização na África e na Ásia. Estes números demonstram o exacerbado

    montante de marroquinos que foram ocupados, militarizados e desenraizados neste

    período colonial (ATOUF, 2005, p.63).

    É possível afirmar que os recrutamentos militares intensivos, assim como o de

    trabalhadores, constituem um modelo de desenraizamento irreversível, tendo em

    vista a condição sociológica pré-estabelecida na sociedade marroquina. Às vésperas

    da descolonização, a urbanização, o trabalho assalariado e a monetarização ainda

    não tinham sido completamente alcançados no Marrocos. Ademais o fortalecido

    lobby de colonos europeus no território não hesitava em exercer forte pressão sobre

    o Residente Geral para que este proibisse a imigração marroquina, podendo assim

    manter os baixos salários e se dispor de uma mão de obra abundante. Estes fatores

    agravantes levaram uma imigração massiva no período pós-colonial (ATOUF, 2005,

    p.64).

    3.2 IMIGRAÇÃO DE TRABALHO NO PERÍODO PÓS-COLONIAL

    O crescimento da nova onda de imigração foi articulado em torno da

    reconstrução da França, porém é apenas no final da década de 50 que é possível

    observar uma renovação do fluxo de imigrantes inseridos em território francês. A

    problematização, em termos de custos e vantagens, das consequências da

    imigração estrangeira na França prevalece nas órbitas de discussão do governo.

    Michel Massenet, Diretor do Diretório de População e Migrações (DPM) do Ministério

    do Trabalho em 1962, considerou na declaração da Sedeis (organismo de

    orientação ao patronato):

    [...] A experiência demonstra que nós não suportaremos a concorrência no Mercado comum se nosso país não se dispuser de uma mão de obra que permita frear uma inflação salarial [...]. Uma contribuição de jovens que não

  • 33

    estejam presos a um posto de trabalho específico por muito tempo ou a um apelo emocional de uma residência tradicional aumenta a mobilidade de uma economia que sofre de “viscosidades” às quais ela se colide em todas as áreas, mas principalmente em matéria de recrutamento de mão de obra.9

    Neste período a imigração é feita de objeto de apreciação que não se limitava

    apenas a dimensão econômica. O interesse de sua presença foi minuciosamente

    calculado e acompanhado de considerações sobre sua origem, levando em conta

    que neste período de reconstrução era necessário desenhar o mapa desejável sobre

    a nova demografia francesa que se daria nos anos subsequentes (RICHARD, 1999,

    p.12).

    Entre os anos de 1954 e 1975, o número absoluto da população imigrante na

    França dobra, sendo em sua grande maioria empregada como mão de obra não

    qualificada e mal paga, o que de certa forma é inerente a toda sociedade capitalista.

    Os imigrantes entram na França como resposta a uma demanda emanada da

    economia nacional, participando como operários da manutenção do crescimento

    econômico. Neste espaço de tempo se observa uma nova concentração de capital,

    um aumento contínuo da produtividade do trabalho e uma extensão de empregos

    produtivos. Outras vantagens comparativas impulsionaram os empresários a recorrer

    a uma força de trabalho estrangeira pouco qualificada, sendo estas as grandes

    diferenças salariais, a fácil mobilidade dos imigrantes, a aceitação de péssimas

    condições de trabalho e a menor resistência frente a eventuais demissões. As

    empresas passam a adotar estas particularidades nas suas estratégias de

    recrutamento e a mão de obra imigrante passa a integrar a conjuntura estrutural da

    economia francesa (RICHARD, 1999, p.13-14).

    Com a independência do Marrocos obtida em 1956, a imigração marroquina

    passa por uma nova fase, sua conjuntura se dá teoricamente de maneira distinta,

    porém na prática a lógica conhecida anteriormente continua se aplicando na maioria 9 "L’expérience montre que la concurrence dans le Marché commun ne sera supportable que si notre pays dispose d’une réserve de main-d’oeuvre lui permettant de freiner une inflation salariale [...]. Un apport de jeunes non cristallisés par l’attachement à un métier depuis longtemps expérimenté ou par l’attrait sentimental d’une résidence traditionelle augmente la mobilité d’une économie qui souffre des " viscosités " auxquelles elle se heurte dans touts les domaines, mais sourtout en matiére de recrutement de main-d’oeuvre. " RICHARD, Jean-Luc. Trente glorieuses: quand les immigrés devaient "rapporter". Paris: Hommes et Migrations, n°1221, p. 12, 1999, tradução nossa.

  • 34

    dos casos. As migrações entre Marrocos e França passam a ocorrer através de

    Tratados e Acordos bilaterais que têm por base, no que tange a imigração, o

    respeito aos direitos e liberdades de franceses estabelecidos no Marrocos e dos

    marroquinos na França, considerando fundamentalmente a soberania dos dois

    Estados. Em 1957, o regime de circulação de pessoas entre os dois países estipula

    que os marroquinos que ingressam na República Francesa deveriam portar um

    passaporte válido, assim como os franceses que desejassem ingressar no Marrocos,

    estando livre a circulação de cidadãos de ambos os países. Os repatriamentos que

    eram conhecidos nos períodos pós-guerra são feitos agora para imigrantes que não

    apresentem meios de subsistência, estando em situação precária e impossibilitados

    de exercer os trabalhos cedidos pelo país hóspede (BELBAH, 2005, p.39).

    A convenção judiciária assinada em 1957 descreve detalhadamente as

    modalidades de concessões entre os dois Estados, o regime de assistência

    judiciária e as condições de extradição. No entanto, é essencialmente a convenção

    de mão de obra assinada em 1° de junho de 1963, que regulamenta o quadro legal

    de imigração entre França e Marrocos. Este acordo assinado e ratificado apresenta

    métodos para um controle mais eficaz dos fluxos migratórios, visando erradicar a

    imigração clandestina que vinha acontecendo por décadas. Neste período o

    Marrocos passava pelas mudanças estruturais do sistema pós-colonial, o Estado era

    incapacitado em diversas áreas, pois estas eram controladas pela França durante o

    protetorado. As insuficiências do Estado marroquino provocaram altos níveis de

    desemprego nas cidades e no campo, o que tornava a imigração para a antiga

    metrópole algo cada vez mais atrativo (BELBAH, 2005, p.39).

    No início dos anos 60, ocorre um embate manifesto entre os projetos da

    Liberação (que visava o controle do fluxo de entradas e a instalação social da

    população estrangeira) e a realidade do laisser-faire10. A entrada de imigrantes se

    encontrava fora dos procedimentos controlados pela ONI, não sendo ela

    clandestina, mas encorajada, pois a maioria dos trabalhadores entrava no país sem

    contrato de trabalho munidos apenas de seu passaporte. Mesmo as entradas sem

    passaporte acabavam sendo regularizadas com taxas que possuíam valor de multa

    e serviam para financiar a ONI, a qual vivia através de isenções governamentais e

    10 Laisser-faire é uma expressão francesa que consiste na não intervenção na atual realidade. Neste caso especifico seria o não controle da imigração que permeava o território francês.

  • 35

    fortalecia ainda mais seu monopólio. Na realidade este sistema fazia perdurar o

    período de regularização, ampliando a condição de trabalho ilegal de estrangeiros

    sem a contestação do patronato, se tornando o ator maior da política de imigração

    (RICHARD, 1999, p.14).

    A imigração marroquina que era proveniente somente do Sul nos períodos

    anteriores passou a se diversificar, e outras regiões do Marrocos, como a região do

    Rif localizada ao Norte, conheceram o êxodo de sua população que buscava

    melhores condições de vida e eram amparadas pela lei de mão de obra, a qual

    facilitava o ingresso desta no território francês. Até 1954 os habitantes da região do

    Rif eram praticamente inexistentes na França, pois eles estavam empregados nos

    locais de construção da Argélia colonial. Porém, após o início da guerra da Argélia

    (que teve por consequência o fechamento das fronteiras entre Argélia e Marrocos), a

    população do Rif foi obrigada a procurar novos locais substitutos de trabalho na

    Europa, mais precisamente entre os anos de 1958 e 1959. Neste contexto grande

    parte desta população vai em direção da República Francesa, visto que a inserção

    dos marroquinos na França se dava de maneira facilitada. A região do Rif sofre

    desequilíbrios nas suas estruturas sócio demográficas e ecológicas, uma vez que

    essa região foi condicionada pela falta de homens válidos e ativos na sociedade,

    que se ocupassem da terra e da pecuária. Grande parte destes homens imigraram

    para a França deixando para trás suas esposas, crianças e idosos, que se

    encontram totalmente dependentes da renda proveniente da imigração (ATOUF,

    2005, p.65).

    O clima sócio político do Marrocos logo após sua independência teve

    repercussões irremediáveis sobre as escolhas políticas e sociais oficiais adotadas a

    partir de 1956. Estas foram baseadas no clientelismo e no favoritismo do lucro em

    uma economia de baixa renda, sob um fundo de empobrecimento acelerado das

    classes populares, provocando por consequência uma onda sem precedentes de

    êxodo rural, fugindo das condições miseráveis do campo por conta do mito do

    dinheiro fácil e do atrativo de consumo nas grandes cidades. Este primeiro passo de

    migração interna foi o prelúdio para os fluxos externos para a população que

    buscava meios melhores de existência, escapando do desemprego e da falta de

    assistência social. A conjuntura favorável na França e o desejo do governo de

    diversificar as nacionalidades de imigrantes dentro de seu território, dando fim a

  • 36

    primazia da imigração argelina, foram fatores essenciais para o rápido

    desenvolvimento da imigração marroquina entre os anos de 1956 a 1963. Desta

    forma, os efetivos de imigrantes marroquinos que ingressaram na França passam de

    um pouco mais de 14.100 pessoas em 1956 para cerca de 31.200 em 1958,

    dobrando este número após a convenção franco-marroquina de 1963, chegando ao

    montante de 60.700 imigrantes que entraram neste mesmo ano (ATOUF, 2009,

    p.412).

    Durante o período que a procura por trabalho na França foi consagrada, a

    imigração marroquina se contentou em desempenhar um papel marginal no âmbito

    social. Na realidade, se tratava de uma mão de obra que sempre ocupou os pontos

    mais baixos da escala social sem nenhuma promoção notável. Não obstante, este

    papel desempenhado pela imigração marroquina ajudou a formar a estrutura de

    milhares de empresas francesas, as quais precisavam de mão de obra pouco

    qualificada profissionalmente, sendo estas menos custosas ao patronato. A

    Sociedade Geral de Imigração foi essencial para que os imigrantes marroquinos

    fossem introduzidos em território francês em condições deploráveis. Ao mando dos

    donos de empresas francesas, a SGI servia de recrutadora mesmo após o período

    colonial, fazendo com que os marroquinos que ainda não tinham optado pela

    imigração vislumbrassem uma terra de oportunidades e inclusão social. O sonho da

    mudança de vida permeava a mente dos marroquinos, pois após a queda do

    protetorado o Marrocos havia perdido o âmago de sua existência, levando longos

    anos para a reconstrução de seu país, física e ideologicamente (ATOUF, 2005,

    p.64).

    A compreensão dos efetivos das grandes usinas, por intermédio dos planos

    de reestruturação e pelas conclusões das grandes construções nos setores

    industriais, pressupunha importantes variações da quantidade de imigrantes e da

    localização geográfica profissional da população estrangeira ativa. O custo

    econômico de um imigrante que vivia na França era relativamente baixo, e era

    descartada a possibilidade de constituição de família ou reagrupamento familiar em

    território francês. Era justamente a fácil mobilidade deste estrangeiro que o fazia

    objeto de desejo das grandes empresas, podendo estas empregar baixos salários e

    condições precárias de trabalho. No entanto, a partir de dado momento estes

    imigrantes começam a enviar divisas ao seu país de origem, o que permite a

  • 37

    melhora no nível de vida de sua família que ainda se encontrava no local. Há a partir

    deste momento, uma ruptura no modelo tradicional de imigração antes conhecido,

    que por conta de diversos fatores sociais e econômicos faz com que as famílias

    antes fixadas no país de origem passem a vislumbrar a possibilidade de se juntar ao

    seu ente estabelecido na França. É chegado o momento de uma nova fase da

    imigração marroquina, o reagrupamento familiar (RICHARD, 1999, p.14-16).

    3.3 REAGRUPAMENTO FAMILIAR

    O reagrupamento familiar pode ser definido pela vinda legal de membros da

    família (geralmente cônjuge e filhos) de um imigrante residido no país hóspede

    (muitas vezes o pai), o qual faz um pedido formal e tenha ingressado no país

    legalmente, ou seja, que possua um título de trabalho, a aquisição do status de

    refugiado ou nacionalidade francesa. Diversas vezes os poderes públicos tentaram

    proibir ou restringir este tipo de imigração. No entanto, o direito de viver em família é

    um princípio constitucional descrito igualmente no direito europeu. Apesar disso a

    legislação francesa limitou por diversas vezes os critérios para tal imigração, e levou

    longas décadas para chegar em um consenso sobre o tema (RÉGNARD, 2006,

    p.102-106).

    A tomada de consciência da importância da imigração permanente, se dava

    de forma progressiva, e simultaneamente ao seu desenvolvimento, na medida onde

    os imperativos demográficos e econômicos da imigração apareciam ligados ao

    desencadeamento de seu processo. O Ministério da Saúde Pública e da População

    anuncia no decreto n° 45-0134 de 24 de dezembro de 1945 a sua obrigação de

    estabelecer:

  • 38

    [...] ao que diz respeito à imigração, o mapa demográfico notadamente em coordenação, atendendo as necessidades de mão de obra [...], a ação dos departamentos ministeriais que controlam a admissão e a estadia dos imigrantes, fixando o número máximo de estrangeiros admitidos para cada departamento e por nacionalidade, de forma a facilitar o estabelecimento familiar. 11

    A preferência da sociedade francesa até 1975 era por famílias de imigrantes

    que já vinham constituídas na imigração inicial, e a visão de casamentos mistos

    (entre imigrantes e franceses) tinha boa aceitação. Portanto a vinda posterior da

    família de imigrantes já estabelecidos não era bem vista, e como justificativa dava-se

    a dificuldade de adaptação. Fato que foi alterado somente a partir do ano seguinte

    (RICHARD, 1999, p.17).

    Após décadas de imigração em território francês, é promulgado em 29 de abril

    de 1976, por intermédio da ONI, o decreto n° 76-383 relativo às condições de

    entrada e estadia de membros das famílias de estrangeiros autorizados a residir na

    França. Tal decreto permite que as famílias antes fixadas no país de origem possam

    ter a possibilidade de estabelecer residência junto aos seus entes que já residem no

    território. Para que o reagrupamento familiar fosse possível, o imigrante inicial

    deveria estar residindo na França por mais de um ano em situação regular, deveria

    também dispor de recursos financeiros estáveis suficientes para suprir as eventuais

    necessidades de sua família e possuir habitação em boas condições para acolhê-la.

    Além disso, os membros da família deveriam passar por uma bateria de exames

    médicos para provar boas condições de saúde a modo de evitar possíveis doenças

    que poderiam colocar em risco a saúde, ordem ou segurança pública. O

    Departamento Nacional de Imigração (ONI) ficaria encarregado da introdução e

    recepção destas famílias de trabalhadores assalariados em solo francês. 12

    11 " En ce qui concerne l’immigration, le plan démographique, notamment en coordonnant, compte tenu des besoins de main-d’oeuvre [...], l’action des départements ministériels qui contrôlent l’admission et le séjour des étrangers, et en fixant le nombre maximum d’étrangers à admettre par département et par nationalité, de faciliter leur établissement familial. " RICHARD, Jean-Luc. Trente glorieuses: quand les immigrés devaient "rapporter". Paris: Hommes et Migrations, n°1221, p. 17, 1999, tradução nossa. 12 FRANCE. Décret n°76-383 du 29 avril 1976 Relatif aux conditions d'entrée et de séjour en Fance des membres des familles des étrangers autorisés a résider en France. Journal Officiel, Paris, 29 avril 1976.

  • 39

    O decreto de 29 de abril de 1976 institui em favor dos membros da família dos

    estrangeiros estabelecidos na França, um verdadeiro direito de estadia. De fato, o

    acesso ao território francês e a concessão de autorização de residência aos

    membros da família do chamante estrangeiro residente no país, caso respeitasse

    todas as exigências prévias, não poderia ser negada. No entanto, por conta de

    crises nos níveis de emprego desta época, muitos imigrantes acabaram ficando

    desempregados, e por este motivo não poderiam trazer sua família para residir com

    eles. Essa situação foi atacada pelo Grupo de Informação e Apoio dos Imigrantes

    (Groupe d’Information et de Soutien des Immigrés – GISTI), pela Confederação

    Francesa Democrática do Trabalho (Confédération Française Démocratique du

    Travail – CFDT) e pela Confederação Geral do Trabalho (Confédération Général du

    Travail - CGT) frente ao Conselho do Estado, afirmando uma violação de um dos

    princípios proclamados pelo preâmbulo da Constituição de 1946, segundo a qual a

    Nação deveria assegurar ao indivíduo e a sua família as condições necessárias ao

    seu desenvolvimento. Os direitos dados aos cidadãos franceses deveriam ser os

    mesmos concedidos aos estrangeiros residentes na França. Porém os ataques não

    surtiram grandes efeitos e o reagrupamento familiar foi regulado pelo decreto de

    1976 de maneira estrita, possibilitando o Governo de controlar a situação das

    famílias que ingressavam no território (MUZARD, 2004, p. 15).

    A vinda das famílias dos imigrantes para a França deu destaque a um

    problema que se alastrava pelas grandes cidades de maneira acentuada, as

    condições de habitação. Os imigrantes operários, quando não encontravam locais

    adequados para se estabelecer, viviam nos arredores das fábricas em condições

    insalubres. Com o advento da chegada de suas famílias, essa opção não se fazia

    mais possível, visto que era inviável alocar mais pessoas nestes locais. Uma opção

    considerada pelo Governo francês foi de instalar os imigrantes em áreas próximas

    das grandes cidades. Tal alternativa fez com que os subúrbios ao redor de grandes

    cidades, como Paris, se desenvolvessem, dando origem aos chamados bidonvilles.

    Esta nomenclatura é proveniente do Marrocos, originalmente aplicada aos subúrbios

    de Casablanca nos anos de 1930. No caso francês, estes locais eram aglomerados

    de casebres em condições precárias de moradia, que se apresentavam como

    solução imediata aos problemas de habitação ao redor das fábricas (BENGUIGUI,

    1997, p. 74).

  • 40

    Os bidonvilles, tidos como solução imediata, não eram aptos para abrigar uma

    grande quantidade de pessoas devido a suas condições insuficientes, e para

    resolver este impasse o Governo começa a pensar maneiras mais efetivas de

    solucionar essa variável da habitação. Era imprescindível a criação de habitações

    que suprissem as necessidades das famílias recém-chegadas, e dado os baixos

    salários dos imigrantes, o valor das mesmas não poderia ser elevado. Deste modo,

    foi implementado o programa Moradia a Baixo Custo (HLM)13, que atendia a

    necessidade dos imigrantes, mas também das famílias francesas de baixa renda. No

    que concerne aos estrangeiros, o projeto inicial era de incluir as famílias que viviam

    nos subúrbios nestas novas moradias em um prazo de dois anos após sua chegada.

    No entanto, essa era uma visão deveras otimista, tendo em vista que várias famílias

    ficaram nos bidonvilles por mais de 20 anos antes de se mudarem, e outras lá se

    encontram até os dias atuais, demonstrando a insuficiência do plano e o abandono

    dos imigrantes mais necessitados (BENGUIGUI, 1997, p. 75-76).

    Outro fator agravante do reagrupamento familiar era a quantidade de filhos

    que cada família poderia ter. Isto implicava em efeitos demográficos, mas também

    em questões de ordem de saúde e segurança pública assim como na educação. Os

    fatores determinantes da imigração eram de ordem econômica, e todas as

    consequências posteriores eram ditadas pela mesma. O desemprego, que poderia

    ser gerado logo nos primeiros anos de imigração, acentuava mais esta afirmação.

    Sem condições financeiras suficientes o imigrante não poderia arcar com as

    despesas necessárias para a educação de seus filhos na primeira idade, muito

    menos oferecer as condições indispensáveis para seu desenvolvimento. Por este

    motivo uma das exigências trazidas pelo decreto de 1976 dizia respeito à renda do

    imigrante, podendo este oferecer condições satisfatórias para sua família, e não

    imputando ao Governo o ônus do desenvolvimento pessoal de seus filhos

    (RICHARD, 1999, p.17).

    O fenômeno do reagrupamento familiar gerou diversas discussões e disputas

    entre representantes do Governo e o patronato francês. A vinda de trabalhadores

    respondia às necessidades econômicas imediatas, e se traduzia necessariamente

    em contratos com os organismos sociais e a administração pública. Em

    13 Habitation à loyer modère, tradução nossa.

  • 41

    contrapartida, a imigração familiar foi apresentada como anárquica e pouco

    consciente de regras pelo motivo de estar ligada às preocupações afetivas, ela é

    produto dos desejos individuais mais difíceis de apreciar que as ofertas de emprego.

    Nesta época as esposas de imigrantes poderiam ser consideradas como um ativo

    potencial progressivo para a economia francesa. Porém, se tal afirmativa fosse

    admitida, a imigração familiar seria considerada como uma porta de entrada para o

    mercado de trabalho, e as possíveis medidas tomadas para impedir tal imigração

    arriscariam eliminar o que essa mão de obra potencial