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RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE Saúde mental: nova concepção, nova esperança

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RELATÓRIOMUNDIAL

DA SAÚDE

Saúde mental: nova concepção, nova esperança

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Ministério da SaúdeDirecção-Geral da Saúde

RELATÓRIOMUNDIAL

DA SAÚDE

Saúde mental: nova concepção, nova esperança

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Título original The World Health Report 2001.Mental Health: New Understanding, New Hope

Copyright © Direcção-Geral da Saúde, 2002 / OMSTodos os direitos reservados.

ISBN 972-675-082-2Depósito Legal n.º ???????????????

1.ª edição, Lisboa, Abril de 2002

A Organização Mundial da Saúde receberá com satisfação pedidos de autorização parareproduzir as suas publicações, no todo ou em parte. Os pedidos para esse fim e as solicitaçõesde informação devem ser endereçados a: Office of Publication, World Health Organization,1211 Genebra 27, Suíça. Aquele escritório terá prazer em fornecer as informações mais recentessobre quaisquer modificações no texto, planos para novas edições e reimpressões, bem como astraduções já disponíveis.

As designações empregues nesta publicação e a apresentação de dados, figuras e mapas nelaincluídos não implicam a tomada de posição por parte da Secretaria da Organização Mundialda Saúde relativamente à situação jurídica dos países, territórios, cidades e zonas, ou às suasautoridades, nem em relação ao traçado dos seus limites ou fronteiras. As linhas pontilhadas nosmapas representam fronteiras aproximadas cujo traçado não foi ainda objecto de pleno acordo.A menção específica de empresas e produtos comerciais não implica o endosso ou recomendaçãodos mesmos pela Organização Mundial da Saúde de preferência a similares que não tenham sidomencionados. Salvo erro ou omissão, os nomes com iniciais maiúsculas designam a marcacomercial registrada dos fármacos.

Informações sobre o relatório podem ser pedidas a:World Health ReportWorld Health Organization1211 Genebra 27, SuíçaFax : (41 22) 791 4870Endereço electrónico: [email protected]

A ilustração da capa incorpora o logótipo do Dia Mundial da Saúde 2001, desenhado por Mark Bizet.A infografia original é da autoria de Marilyn Langfeld.

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APRESENTAÇÃO DA EDIÇÃO PORTUGUESA

No âmbito das actividades desenvolvidas no transcurso do ano de 2001, quefoi dedicado à discussão do tema Saúde Mental pela Organização Mundial daSaúde, temos a satisfação de apresentar esta edição em língua portuguesa doRelatório Mundial de Saúde 2001, que traz uma importante contribuição parao aprofundamento do nosso conhecimento neste campo relevante da SaúdePública.

Nesta edição, optou-se por publicar apenas o conteúdo específico referente àSaúde Mental, podendo o anexo estatístico geral ser consultado na páginaWEB da OMS, em http://www.who.int/whr/.

Os redactores principais do presente relatórioforam Rangaswamy Srinivasa Murthy (redac-tor-chefe), José Manoel Bertolote, JoAnneEpping-Jordan, Michelle Funk, ThomsonPrentice, Benedetto Saraceno e Shekhar Saxena.O relatório foi preparado sob a direcção de umacomissão coordenadora formada por SusanHolck, Christopher Murray (Presidente),Rangaswamy Srinivasa Murthy, ThomsonPrentice, Benedetto Saraceno e Derek Yach.

Toda a equipa do relatório tem a agradecer ascontribuições recebidas de Gavin Andrews, SarahAssamagan, Myron Belfer, Tom Bornemann,Meena Cabral de Mello, Somnath Chatterji, DanielChisholm, Alex Cohen, Leon Eisenberg, DavidGoldberg, Steve Hyman, Arthur Kleinmann, Alan

Lopez, Doris Ma Fat, Colin Mathers, MaristelaMonteiro, Philip Musgrove, Norman Sartorius,Chitra Subramanian, Naren Wig e Derek Yach.

Foi recebida a valiosa contribuição de um grupoconsultivo interno e de um grupo de referênciaregional cujos nomes estão listados no Apêndi-ce. A equipa do relatório expressa a sua gratidãoaos Directores Regionais, aos Directores Execu-tivos da Sede da OMS e aos assessores especi-ais da Directora-Geral pela sua assistência econselhos suplementares.

A organização editorial do relatório esteve acargo de Angela Haden e Barbara Campanini. Apreparação das tabelas e figuras foi coordenadapor Michel Beusenberg.

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Produzido por Climepsi Editores sob encomenda da Direcção-Geral da Saúde

Tradução Gabinete de Tradução Climepsi EditoresCapa Paulo NovoRevisão Fernanda FonsecaPaginação Miguel VelezImpressão e acabamento Moinho Velho – Loja de Edição, Lda.

CLIMEPSI EDITORESCLIMEPSI – Sociedade Médico-Psicológica, Lda.Rua Pinheiro Chagas, 38, 1.º D.to

1050-179 LISBOA – PORTUGALTelefone: +351 213174711Fax: +351 213528574E-mail: [email protected]

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ÍNDICE

Mensagem da directora-geral .................................................................... XI

Panorama geral ........................................................................................ XV

Três cenários para a acção ....................................................................... XIX

1. A saúde mental pelo prisma da saúde pública ...................................... 27Introdução ........................................................................................... 29Para compreender a saúde mental ........................................................ 31Compreensão das perturbações mentais e comportamentais ................ 39Uma abordagem integrada de saúde pública ........................................ 47

2. O peso das perturbações mentais e comportamentais .......................... 51Identificação das perturbações ............................................................. 53Diagnóstico das perturbações .............................................................. 54Prevalência das perturbações ............................................................... 55Impacte das perturbações ..................................................................... 58Algumas perturbações comuns............................................................. 68Co-morbilidade ................................................................................... 79Suicídio ................................................................................................ 80Determinantes das perturbações mentais e comportamentais ............... 83

3. A resolução de problemas de saúde mental .......................................... 91Um paradigma em mudança ................................................................ 95Princípios dos cuidados ..................................................................... 103

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Ingredientes dos cuidados ..................................................................111Exemplos de eficácia..........................................................................118

4. Política e prestação de serviços de saúde mental ................................135Formulação de políticas.....................................................................137Formulação da política de saúde mental ............................................142Promoção da saúde mental ................................................................168A participação de outros sectores.......................................................174Promoção da pesquisa .......................................................................178

5. O caminho a seguir............................................................................183Fornecer soluções eficazes..................................................................185Recomendações gerais .......................................................................186Medidas a tomar em função dos recursos disponíveis ........................190

Referências .............................................................................................195Agradecimentos ......................................................................................205

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A doença mental não é sinal de malogro pes-soal. Não acontece só aos os outros. Todos noslembramos de uma época, ainda não há muitotempo, em que não se podia falar abertamentesobre cancro. Era segredo de família. Ainda hojemuitos de nós preferiríamos não falar sobre SIDA.Estas barreiras estão a ser, pouco a pouco, derru-badas.

O Dia Mundial da Saúde 2001 teve porlema «Cuidar, sim. Excluir, não». A suamensagem era a de que não se justifica ex-cluir das nossas comunidades as pessoas quetêm doenças mentais ou perturbações cere-brais – há lugar para todos. No entanto,muitos de nós ainda nos afastamos assusta-dos de tais pessoas ou fingimos ignorá-las –como se não nos atrevêssemos a compreender e a aceitar. O tema deste relató-rio é «Nova Concepção, Nova Esperança». Ele mostra como a ciência e asensibilidade se combinam para derrubar as barreiras reais à prestação de cui-dados e à cura em saúde mental. Isso porque existe uma nova compreensãoque oferece uma esperança real aos doentes mentais: a compreensão de comofactores genéticos, biológicos, sociais e ambientais se juntam para causar doençasda mente e do cérebro; a compreensão de como são realmente inseparáveis asaúde mental e a física, e de como é complexa e profunda a influência de umasobre a outra. E isso é apenas o começo. Para mim, falar sobre saúde sem falarem saúde mental é como afinar um instrumento e deixar algumas notasdissonantes.

A OMS está a fazer uma declaração muito simples: a saúde mental – negli-genciada durante demasiado tempo – é essencial para o bem-estar geral daspessoas, das sociedades e dos países, e deve ser universalmente encarada sobuma nova luz.

MENSAGEMDA DIRECTORA-GERAL

D.ra Gro Harlem Brundtland

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XII RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

O nosso apelo terá a adesão da Assembleia Geral das Nações Unidas, quecelebra este ano o décimo aniversário dos direitos dos doentes mentais à pro-tecção e assistência. Acredito que o Relatório sobre a Saúde no Mundo 2001vem renovar a ênfase dada aos princípios proclamados, pela ONU, há umadécada. O primeiro desses princípios é o de que não deverá existir discrimina-ção por doenças mentais. Outro é o de que, na medida do possível, deve con-ceder-se, a todo o doente, o direito de ter os cuidados necessários na sua pró-pria comunidade. E o terceiro é o de que todo o doente deverá ter o direito deser tratado de forma menos restritiva e intrusiva, num ambiente o menos limi-tativo possível.

Durante 2001, os nossos Estados-Membros fizeram avançar a nossa luta,concentrando a atenção em vários aspectos – médicos, sociais ou políticos – dasaúde mental. Neste ano, a OMS apoiou também a organização e o lançamentode campanhas globais sobre o controlo da depressão e a prevenção do suicí-dio, da esquizofrenia e da epilepsia. A Assembleia Mundial da Saúde de 2001discutiu a saúde mental em todas as suas dimensões. Para nós, na OrganizaçãoMundial da Saúde e na comunidade geral das profissões de saúde, esse enfoque,aperfeiçoado e sustentado, oferece uma oportunidade e um desafio.

Ainda há muito por fazer. Não sabemos quantas pessoas não estão a receberos cuidados de que necessitam – que estão disponíveis e podem ser obtidos semum custo elevado. As estimativas iniciais indicam que cerca de 450 milhões depessoas actualmente vivas sofrem de perturbações mentais ou neurobiológicasou, então, de problemas psicossociais, como os relacionados com o abuso deálcool e de drogas. Muitas sofrem em silêncio. Além do sofrimento e da falta decuidados, encontram-se as fronteiras do estigma, da vergonha, da exclusão e,mais frequentemente do que desejaríamos reconhecer, da morte.

A depressão grave é actualmente a principal causa de incapacitação emtodo o mundo e ocupa o quarto lugar entre as dez principais causas de patolo-gia, a nível mundial. Se estiverem correctas as projecções, caberá à depressão,nos próximos 20 anos, a dúbia distinção de ser a segunda das principais cau-sas de doenças no mundo. Em todo o globo, 70 milhões de pessoas sofrem dedependência do álcool. Cerca de 50 milhões têm epilepsia; outros 24 milhões,esquizofrenia. Um milhão de pessoas cometem anualmente suicídio. Entre 10e 20 milhões tentam suicidar-se.

Rara é a família poupada de um encontro com perturbações mentais.Uma em cada quatro pessoas será afectada por uma perturbação mental

em dada fase da vida. O risco de certas perturbações, inclusive a doença deAlzheimer, aumenta com a idade. As conclusões são óbvias para a populaçãoque está a envelhecer no mundo. A carga social e económica da doença mentalé tremenda.

Sabemos hoje que a maioria das doenças, mentais e físicas, é influenciadapor uma combinação de factores biológicos, psicológicos e sociais. A nossa

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MENSAGEM DA DIRECTORA-GERAL XIII

compreensão da relação entre saúde mental e física vem aumentando rapida-mente. Sabemos que as perturbações mentais resultam de muitos factores eque têm a sua base física no cérebro. Sabemos que elas podem afectar a todos,em toda a parte. E sabemos que, mais frequentemente do que se pensa, podemser tratadas eficazmente.

Este relatório aborda as perturbações depressivas, a esquizofrenia, o atrasomental, as perturbações da infância e da adolescência, a dependência das dro-gas e do álcool, a doença de Alzheimer e a epilepsia. Todas estas perturbaçõessão comuns, e todas causam grave incapacidade. A epilepsia, embora não sejauma doença mental, foi incluída porque enfrenta muitas vezes os mesmos estig-mas, a mesma ignorância e o mesmo medo associado às doenças mentais.

O nosso relatório é uma revisão geral daquilo que sabemos sobre o pesoactual e futuro de todas essas perturbações e dos principais factores que paraelas contribuem. Ele aborda a eficácia da prevenção e a disponibilidade, bemcomo os obstáculos, do tratamento. Examinamos detidamente a prestação e oplaneamento de serviços. E o relatório termina enunciando resumidamente aspolíticas necessárias para assegurar o fim do estigma e da discriminação, bemcomo a implantação da prevenção e do tratamento eficaz, com financiamentoadequado.

Em diferentes contextos, fazemos esta simples afirmação: dispomos dosmeios e do conhecimento científico para ajudar os portadores de perturbaçõesmentais e cerebrais. Os Governos têm-se mostrado descuidados, tanto como acomunidade da saúde pública. Por acidente ou por desígnio, todos somos res-ponsáveis por esta situação. Como principal instituição mundial de saúde públi-ca, a OMS tem uma e apenas uma opção: assegurar que a nossa geração seja aúltima a permitir que a vergonha e o estigma tomem a dianteira sobre a ciênciae a razão.

Gro Harlem BrundtlandGenebraOutubro de 2001

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Esta marcante publicação da Organização Mundial da Saúde procura des-pertar a consciência do público e dos profissionais para o real ónus dos pertur-bações mentais e os seus custos em termos humanos, sociais e económicos. Aomesmo tempo, empenha-se em ajudar a derrubar muitas das barreiras – espe-cialmente o estigma, a discriminação e a insuficiência dos serviços – que impe-dem milhões de pessoas em todo o mundo de receber o tratamento de quenecessitam e que merecem.

Em muitos aspectos, o Relatório sobre a Saúde no Mundo 2001 propor-ciona uma nova maneira de compreender as perturbações mentais, oferecendouma nova esperança aos doentes mentais e às suas famílias em todos os paísese todas as sociedades. Apanhado geral do que se sabe sobre o peso actual efuturo destes problemas, bem como dos seus principais factores, o relatórioanalisa o âmbito da prevenção, a disponibilidade e os obstáculos do tratamento.Examina minuciosamente a prestação e o planeamento de serviços e terminacom um conjunto de recomendações de longo alcance que cada país podeadaptar de acordo com as suas necessidades e os seus recursos.

As dez recomendações para a acção são as seguintes:

1. Proporcionar tratamento em cuidados primários

O controlo e tratamento de perturbações mentais, no contexto dos cuida-dos primários, é um passo fundamental que possibilita ao maior número pos-sível de pessoas ter acesso mais fácil e mais rápido aos serviços – é precisoreconhecer que muitos já estão a procurar ter assistência a esse nível. Isso nãosó proporciona melhores cuidados, como também reduz o desperdício, resul-tante de exames supérfluos e de tratamentos impróprios ou não específicos.

PANORAMA GERAL

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XVI RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Para que isso aconteça, porém, é preciso que o pessoal de saúde em geralreceba formação quanto às aptidões essenciais dos cuidados em saúde mental.Essa formação garante o melhor uso dos conhecimentos disponíveis para omaior número de pessoas e possibilita a imediata aplicação das intervenções.Assim, a saúde mental deve ser incluída nos programas de formação, comcursos de actualização destinados a melhorar a eficácia no tratamento de per-turbações mentais nos serviços gerais de saúde.

2. Disponibilizar medicamentos psicotrópicos

Devem ser fornecidos, e estar constantemente disponíveis, medicamentospsicotrópicos essenciais em todos os níveis de cuidados de saúde. Estes medi-camentos devem ser incluídos nas listas de medicamentos essenciais de todosos países, e os melhores, para tratamento das afecções, devem estar disponí-veis sempre que possível. Em alguns países, isso pode exigir modificações nalegislação reguladora. Esses medicamentos podem atenuar os sintomas, redu-zir a incapacidade, abreviar o curso de muitas perturbações e prevenir asrecorrências. Muitas vezes, eles proporcionam o tratamento de primeira linha,especialmente em situações em que não estão disponíveis intervenções psicos-sociais nem profissionais altamente qualificados.

3. Proporcionar cuidados na comunidade

A prestação de cuidados, com base na comunidade, tem melhor efeito so-bre o resultado e a qualidade de vida das pessoas com perturbações mentaiscrónicas do que o tratamento institucional. A transferência de doentes doshospitais psiquiátricos para a comunidade é também eficaz em relação ao cus-to e respeita os direitos humanos. Assim, os serviços de saúde mental devemser prestados na comunidade, fazendo uso de todos os recursos disponíveis.Os serviços de base comunitária podem levar a intervenções precoces e limitaro estigma associado com o tratamento. Os grandes hospitais psiquiátricos, detipo carcerário, devem ser substituídos por serviços de cuidados na comunida-de, apoiados por camas psiquiátricas em hospitais gerais e cuidados domici-liários, que respondam a todas as necessidades dos doentes que eram da res-ponsabilidade daqueles hospitais. Essa mudança para os cuidados comunitáriosrequer a disponibilidade de trabalhadores em saúde e serviços de reabilitaçãoa nível da comunidade, juntamente com a prestação de apoio, em face de cri-ses, e protecção na habitação e no emprego.

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PANORAMA GERAL XVII

4. Educar o público

Devem ser lançadas, em todos os países, campanhas de educação esensibilização do público sobre a saúde mental. A meta principal é reduzir osobstáculos ao tratamento e aos cuidados, aumentando a consciência sobre afrequência das perturbações mentais, a sua susceptibilidade ao tratamento, oprocesso de recuperação e o respeito pelos direitos humanos das pessoas comtais perturbações. As opções de cuidados disponíveis e os seus benefícios de-vem ser amplamente divulgados, de tal forma que as respostas da populaçãoem geral, dos profissionais, dos media, dos formuladores de políticas e dospolíticos reflictam os melhores conhecimentos disponíveis. Isso já é uma prio-ridade em diversos países e em várias organizações nacionais e internacionais.Uma campanha de sensibilização e educação do público bem planeada podereduzir o estigma e a discriminação, fomentar a utilização dos serviços desaúde mental e conseguir uma aproximação maior entre a saúde mental e asaúde física.

5. Envolver as comunidades, as famílias e os utentes

As comunidades, as famílias e os utentes devem ser incluídos na formula-ção e na tomada de decisões sobre políticas, programas e serviços. Isso deveresultar num melhor dimensionamento dos serviços face às necessidades dapopulação e na sua melhor utilização. Além disso, as intervenções devem levarem conta a idade, o sexo, a cultura e as condições sociais, a fim de atender àsnecessidades das pessoas com perturbações mentais e das suas famílias.

6. Estabelecer políticas, programas e legislação nacionais

A política, os programas e a legislação sobre saúde mental constituem fasesnecessárias de uma acção significativa e sustentada, devendo basear-se nosconhecimentos actuais e na consideração pelos direitos humanos. A maioriados países terá de aumentar as suas verbas para programas de saúde mental.Alguns, que recentemente elaboraram ou reformularam as suas políticas e leis,registaram progressos na implementação dos seus programas de cuidados emsaúde mental. As reformas da saúde mental devem fazer parte das reformasmaiores do sistema de saúde. Os planos de seguros de saúde não devem discri-minar as pessoas com perturbações mentais, proporcionando um maior aces-so ao tratamento e reduzindo os encargos da prestação de cuidados.

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XVIII RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

7. Preparar recursos humanos

A maioria dos países em desenvolvimento precisa de aumentar e aperfei-çoar a formação de profissionais para a saúde mental, que prestarão cuidadosespecializados e apoiarão programas de cuidados primários de saúde. Falta,na maioria dos países em desenvolvimento, um número adequado de especia-listas, para preencher os quadros dos serviços de saúde mental. Uma vez for-mados, esses profissionais devem ser estimulados a permanecer nos seus paí-ses, em cargos que façam melhor uso das suas aptidões. Essa formação derecursos humanos é especialmente necessária em países que dispõem actual-mente de poucos recursos. Embora os cuidados primários ofereçam o contex-to mais vantajoso para o tratamento inicial, há necessidade de especialistaspara prover toda uma série de serviços. Em condições ideais, as equipasespecializadas em cuidados de saúde mental deveriam incluir profissionaismédicos e não médicos, tais como psiquiatras, psicólogos clínicos, enfermeirospsiquiátricos, assistentes sociais psiquiátricos e terapeutas ocupacionais, quepodem trabalhar em conjunto, tendo em vista os cuidados e a integração totaldos doentes na comunidade.

8. Estabelecer vínculos com outros sectores

Outros sectores, para além do da saúde, como educação, trabalho, previ-dência social e direito, bem como certas organizações não-governamentais,devem participar na melhoria da saúde mental das comunidades. As organiza-ções não-governamentais devem mostrar-se muito mais actuantes, com papéismais bem definidos, assim como devem ser estimuladas a dar maior apoio ainiciativas locais.

9. Monitorizar a saúde mental na comunidade

A saúde mental das comunidades deve ser monitorizada, mediante a inclu-são de indicadores de saúde mental nos sistemas de informação e de notifica-ção de saúde. Os indicadores devem incluir tanto o número de indivíduos comestes problemas e a qualidade dos cuidados que recebem, como algumas medi-das mais gerais da saúde mental das comunidades. Essa monitorização ajuda adeterminar tendências e a detectar mudanças na saúde mental, em resultadode eventos externos, tais como catástrofes. A monitorização é necessária paraverificar a eficácia dos programas de prevenção e tratamento de saúde mentale, além disso, fortalecer os argumentos a favor da dotação adequada de recur-sos. São necessários novos indicadores para a saúde mental das comunidades.

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PANORAMA GERAL XIX

10. Apoiar mais a pesquisa

Há necessidade de mais pesquisas sobre os aspectos biológicos e psicosso-ciais da saúde mental, a fim de melhorar a compreensão das perturbaçõesmentais e de desenvolver intervenções mais eficazes. Tais pesquisas devem serlevadas a cabo numa ampla base internacional, visando a compreensão dasvariações de uma para outra comunidade e um maior conhecimento dos facto-res que influenciam a origem, evolução e resultado das perturbações mentais.É urgente o fortalecimento da capacidade de investigação nos países em desen-volvimento.

Três cenários para a acção

Para que estas recomendações sejam efectivamente postas em prática, écrítica a acção internacional, porque muitos países carecem dos recursos ne-cessários. Os organismos técnicos e de desenvolvimento das Nações Unidas,assim como outros, podem ajudar os países no incremento das infra-estrutu-ras de saúde mental, na formação de recursos humanos e no fortalecimento dacapacidade de pesquisa.

Para ajudar a orientar os países, o relatório sugere, na parte final, «trêscenários para a acção», de acordo com os diferentes níveis de recursos nacio-nais para a saúde mental no mundo. O Cenário A, por exemplo, aplica-se aospaíses economicamente mais pobres, onde tais recursos estão completamenteausentes ou são muito limitados. Mesmo nesses casos, podem aplicar-se ac-ções específicas, tais como preparar todo o pessoal, disponibilizar medicamen-tos essenciais em todos os serviços de saúde e tirar da prisão os doentes men-tais. Para os países com níveis moderados de recursos, o Cenário B sugere,entre outras acções, o encerramento dos hospitais custodiais para doentesmentais e outras medidas, no sentido de integrar os cuidados de saúde mentalnos cuidados de saúde geral. O Cenário C, para os países que têm mais recur-sos, propõe aperfeiçoamentos do tratamento em cuidados primários de saúde,acesso mais fácil a novos medicamentos e serviços de cuidados comunitáriosque proporcionem 100% de cobertura.

Todas estas acções e recomendações são reflexo do próprio relatório.

Configuração do relatório

O Capítulo 1 apresenta ao leitor uma nova concepção de saúde mental eexplica porque esta é tão importante a saúde física quanto para o bem-estargeral dos indivíduos, das famílias, das sociedades e das comunidades.

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XX RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

A saúde mental e a saúde física são dois elementos da vida estreitamenteentrelaçados e profundamente interdependentes. Avanços na neurociência ena medicina do comportamento já mostraram que, como muitas doenças físi-cas, as perturbações mentais e comportamentais resultam de uma complexainteracção de factores biológicos, psicológicos e sociais.

Com o avanço da revolução molecular, os investigadores estão a adquirir acapacidade de observar o trabalho do cérebro humano vivo e pensante e de vere compreender porque, às vezes, funciona pior do que poderia funcionar. Avan-ços futuros trarão uma compreensão mais completa de como o cérebro estárelacionado com formas complexas de funcionamento mental e comportamen-tal. Inovações no levantamento de imagens cerebrais e outras técnicas deinvestigação permitirão um «filme em tempo real» do sistema nervoso emacção.

Entretanto, a evidência científica trazida do campo da medicina do com-portamento demonstrou a existência de uma relação fundamental entre saúdemental e física – por exemplo, que a depressão pressagia a ocorrência de per-turbação cardíaca. As pesquisas mostram que existem duas vias principaispelas quais a saúde física e a mental influenciam-se mutuamente.

Uma dessas vias são os sistemas fisiológicos, como o funcionamento neu-roendócrino e imunitário. Os estados afectivos angustiados e deprimidos, porexemplo, desencadeiam uma cascata de mudanças adversas no funcionamentoendócrino e imunitário e criam uma maior susceptibilidade a toda uma sériede doenças físicas.

Outra via é o comportamento saudável, que diz respeito a, por exemplo,regime alimentar, exercício, práticas sexuais, uso de tabaco e observância detratamentos médicos. O comportamento de uma pessoa em matéria de saúdedepende muito da sua saúde mental. Por exemplo, indícios recentes vierammostrar que os jovens com problemas psiquiátricos, como a depressão e oabuso de substâncias, têm mais probabilidades de se tornarem fumadores e terum comportamento sexual de alto risco.

Os factores psicológicos do indivíduo estão também relacionados com odesenvolvimento de perturbações mentais. A relação da criança com os seuspais, ou outros prestadores de cuidados, durante a infância tem um caráctercrítico. Seja qual for a causa específica, a criança privada de um envolvimentoafectivo tem mais probabilidades de sofrer perturbações de comportamento,seja na infância seja mais tarde. Factores sociais, como a urbanização des-controlada, a pobreza e a rápida transformação tecnológica são tambémrelevantes. É particularmente importante a relação entre saúde mental epobreza: os pobres e os carentes apresentam uma maior prevalência de per-turbações, inclusive o abuso de substâncias. São grandes as lacunas no trata-mento da maioria destes problemas. Para os pobres, porém, essas lacunassão enormes.

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PANORAMA GERAL XXI

O Capítulo 2 começa por encarar a falta de tratamento como um dos maisimportantes problemas de saúde mental de hoje. Fá-lo, descrevendo inicial-mente a magnitude e o ónus das perturbações mentais e comportamentais. Ocapítulo mostra que são comuns, afectando 20%-25% de todas as pessoas,em dado momento, durante a sua vida. São também universais, afectandotodos os países e sociedades, bem como indivíduos de todas as idades. Estasperturbações têm um pronunciado impacte económico, directo e indirecto,nas sociedades, incluindo o custo dos serviços. É tremendo o impacte negativosobre a qualidade de vida dos indivíduos e famílias. Há estimativas de que, em2000, as perturbações mentais e neurológicas foram responsáveis por 12% dototal de anos de vida ajustados por incapacitação (AVAI) perdidos, por todasas doenças e lesões. Prevê-se que, até 2020, o peso dessas doenças terá crescidopara 15%. E, no entanto, apenas uma pequena minoria das pessoas actual-mente afectadas recebe qualquer tratamento.

O capítulo apresenta um grupo de perturbações comuns que, geralmente,causam incapacidade grave, descreve como são identificadas e diagnosticadas,bem como o seu impacte sobre a qualidade de vida. Fazem parte do grupo asmanifestações depressivas, a esquizofrenia, as resultantes do abuso de subs-tâncias, a epilepsia, o atraso mental, as perturbações da infância e da adoles-cência e a doença de Alzheimer. A epilepsia, embora seja uma perturbaçãoclaramente neurológica, é também incluída por ter sido historicamente enca-rada como doença mental e ser ainda considerada como tal em muitas socie-dades. Assim como os portadores de perturbação mental, os epilépticos sãoestigmatizados e sofrem também de incapacidade grave, quando não são tra-tados.

Os factores que determinam a prevalência, a manifestação e o decurso des-ses problemas são a pobreza, o sexo, a idade, os conflitos e catástrofes, asdoenças físicas graves e o ambiente familiar e social. Muitas vezes, ocorremjuntas, no mesmo indivíduo, duas ou mais afecções mentais e é comum a ocor-rência de ansiedade combinada com perturbações depressivas.

O capítulo examina a possibilidade de suicídio associado com tais proble-mas. Três aspectos do suicídio têm importância em saúde pública. Primeiro,esta é a principal causa de morte entre os jovens, na maioria dos países desen-volvidos e em muitos dos países em desenvolvimento. Segundo, há considerá-veis variações nas taxas de suicídio de um país para outro, entre os sexos eentre os diferentes grupos etários, o que indica uma complexa interacção defactores biológicos, psicológicos e socioculturais. Em terceiro lugar, os suicídi-os dos mais jovens e de mulheres passaram recentemente a constituir um cres-cente problema em muitos países. A prevenção do suicídio é um dos temasabordados no capítulo seguinte.

O Capítulo 3 aborda a solução dos problemas de saúde mental. Põe emevidência um tema-chave de todo o relatório, um tema que figura destacadamente

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XXII RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

nas recomendações gerais. Trata-se da transferência positiva, recomendadapara todos os países e já em curso em alguns, dos hospitais ou instituições detipo clausura para a prestação de cuidados na comunidade, com apoio nadisponibilidade de camas para casos agudos nos hospitais gerais.

Na Europa, no século XIX, a doença mental era vista, por um lado, comoassunto legítimo para a pesquisa científica: a psiquiatria germinou como disci-plina médica e os portadores de perturbação mental passaram a ser considera-dos pacientes da medicina. Por outro lado, os portadores dessas perturbações,tais como os que tinham muitas outras doenças e formas indesejáveis de com-portamento social, eram isolados da sociedade em grandes instituições carce-rárias, os manicómios públicos, que vieram depois a ser chamados hospitaispsiquiátricos. Essas tendências foram depois exportadas para a África, asAméricas e a Ásia.

Durante a segunda metade do século XX, ocorreu uma mudança no para-digma dos cuidados de saúde mental, devida, em grande parte, a três factoresindependentes. Primeiro, registou-se um progresso significativo na psicofarma-cologia, com a descoberta de novas classes de medicamentos, especialmenteagentes neurolépticos e antidepressivos, bem como o desenvolvimento de no-vas formas de intervenção psicossocial. Segundo, o movimento dos direitoshumanos transformou-se num fenómeno verdadeiramente internacional, soba égide da recém-criada Organização das Nações Unidas, e a democracia fezavanços em todo o mundo. Em terceiro lugar, foi firmemente incorporado umelemento mental no conceito de saúde definido pela recém-criada OMS. Jun-tas, essas ocorrências estimularam o abandono dos cuidados em grandes insti-tuições carcerárias a favor de um tratamento, mais aberto e flexível, na comu-nidade.

O malogro dos manicómios é evidenciado por repetidos casos de maus--tratos aos doentes, isolamento geográfico e profissional tanto das instituiçõesquanto do seu pessoal, insuficiência dos procedimentos para notificação e pres-tação de contas, má administração e gestão ineficiente, má aplicação dos recur-sos financeiros, falta de formação do pessoal e procedimentos inadequados deinspecção e controlo da qualidade.

Por outro lado, na perspectiva comunitária, o que se procura é proporcio-nar bons cuidados e a emancipação das pessoas com perturbação mental e decomportamento. Na prática, a perspectiva comunitária implica o desenvolvi-mento de uma ampla gama de serviços, em contextos locais. Esse processo,que ainda não começou em muitas regiões e países, tem em vista assegurar quesejam proporcionadas integralmente algumas das funções do asilo e que nãosejam perpetuados os aspectos negativos das instituições.

As características da prestação de cuidados, no âmbito comunitário, são asseguintes:

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PANORAMA GERAL XXIII

• serviços situados perto do domicílio, inclusive os cuidados proporcio-nados por hospitais gerais na admissão de casos agudos, e instalaçõesresidenciais de longo prazo na comunidade;

• intervenções relacionadas tanto com as deficiências quanto com os sin-tomas;

• tratamento e outros cuidados específicos para o diagnóstico e respostaàs necessidades de cada indivíduo;

• uma ampla gama de serviços que tem em conta as necessidades daspessoas com perturbações mentais e comportamentais;

• serviços que são combinados e coordenados entre profissionais de saúdemental e organismos da comunidade;

• serviços ambulatórios e não estáticos, inclusive aqueles que podem ofe-recer tratamento no domicílio;

• parceria com os prestadores de cuidados e atendimento das suas neces-sidades;

• legislação de suporte a todos estes aspectos.

Este capítulo, porém, não recomenda o encerramento de hospitais paradoentes mentais sem que existam alternativas comunitárias, nem, por outrolado, a criação de alternativas comunitárias sem fechar os hospitais psiquiátri-cos. As duas coisas terão de ocorrer ao mesmo tempo, de forma paulatina ebem coordenada. Um processo de desinstitucionalização bem fundamentadotem três componentes essenciais:

• prevenção das admissões impróprias em hospitais psiquiátricos, me-diante o fornecimento de serviços comunitários;

• regresso à comunidade dos doentes institucionais de longo prazo, quetenham passado por uma preparação adequada;

• estabelecimento e manutenção de sistemas de apoio comunitário paradoentes não institucionalizados.

Em muitos países em desenvolvimento, os programas de cuidados em saúdemental têm baixa prioridade. A dotação de recursos é limitada a um pequenonúmero de instituições que geralmente estão com excesso de lotação e pessoalinsuficiente e ineficiente. Os serviços denotam pouca compreensão das neces-sidades dos doentes ou da variedade de abordagens disponíveis para trata-mento. Não há cuidados psiquiátricos para a maioria da população. Os úni-cos serviços existentes estão situados em grandes hospitais psiquiátricos, quefuncionam numa perspectiva mais penal do que terapêutica. Não são facil-mente acessíveis e convertem-se em comunidades fechadas, isoladas da socie-dade em geral.

Não obstante as grandes diferenças nos cuidados de saúde mental, entrepaíses em desenvolvimento e desenvolvidos, todos têm um problema comum:

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XXIV RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

muitas pessoas que poderiam ser beneficiadas não tiram partido dos serviçospsiquiátricos disponíveis. Mesmo em países com serviços bem estabelecidos,menos de metade das pessoas que necessitam de cuidados os utiliza. Isto tem aver tanto com o estigma ligado a portadores de perturbações mentais e com-portamentais, quanto com a inadequação dos serviços prestados.

O capítulo identifica importantes princípios dos cuidados em saúde men-tal. Incluem-se entre eles o diagnóstico, a intervenção precoce, o uso racionalde técnicas de tratamento, a continuidade dos cuidados e uma ampla variedadede serviços. Constituem princípios adicionais a participação dos utentes, asassociações com as famílias, o envolvimento da comunidade local e a integra-ção nos cuidados primários de saúde. O capítulo descreve também três ingre-dientes fundamentais dos cuidados – medicação, psicoterapia e reabilitaçãopsicossocial – de que é sempre necessária uma combinação equilibrada. Anali-sa, ainda, a prevenção, o tratamento e a reabilitação no contexto das pertur-bações destacadas no relatório.

O Capítulo 4 trata da política de saúde mental e do fornecimento de servi-ços. Proteger e melhorar a saúde mental da população constituem uma tarefacomplexa que envolve múltiplas decisões. Requer a fixação de prioridadesentre necessidades de saúde mental, condições, serviços, tratamentos e estraté-gias de prevenção e promoção, bem como escolhas a serem feitas em relaçãoao seu financiamento. É preciso que os serviços e as estratégias de saúde men-tal sejam bem coordenados tanto entre si como com outros serviços, tais comoa segurança social, educação, emprego e habitação. Os resultados em saúdemental devem ser monitorizados e analisados, para que as decisões possam sercontinuamente ajustadas, no sentido de fazer face a novos desafios.

É preciso que os Governos, como gestores finais da saúde mental, assu-mam a responsabilidade de assegurar que essas complexas actividades sejamlevadas a cabo. Uma função crítica dessa gestão é a formulação e implementaçãode políticas. Para isso, é preciso identificar os principais problemas e objecti-vos, definir os respectivos papéis dos sectores público e privado no financia-mento e na provisão, e identificar os instrumentos de política e dispositivosorganizacionais necessários no sector público, e possivelmente no privado,para atingir objectivos de saúde mental. São também necessários incentivos,para o reforço de capacidades e de desenvolvimento organizacional, e orienta-ções, para a definição de prioridades nos gastos, ligando, assim, a análise deproblemas com as decisões sobre a atribuição de recursos.

O capítulo analisa minuciosamente esses aspectos, começando pelas opçõesde esquemas de financiamento para a prestação de serviços de saúde mental,assinalando, ao mesmo tempo, que as suas características não devem ser dife-rentes das dos serviços de saúde em geral. É necessário proteger as pessoascontra riscos financeiros catastróficos, o que implica minimizar os pagamen-tos a cargo dos utentes em favor de métodos de pagamento antecipado, seja

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PANORAMA GERAL XXV

pela via da tributação geral seja pelo seguro social obrigatório ou pelo seguroprivado voluntário. Os sãos devem subsidiar os doentes mediante mecanismosde pré-pagamento, e um bom sistema de financiamento significará também,pelo menos em certo grau, o subsidiar dos pobres pelos abastados.

O capítulo prossegue com um esboço da formulação da política de saúdemental, que muitas vezes, conforme se observa, é separada das políticas sobreo álcool e as drogas. Assinala também que as políticas sobre saúde mental,álcool e drogas devem ser formuladas no contexto de um conjunto complexode políticas governamentais de saúde e bem-estar e políticas sociais gerais. Háque identificar as realidades sociais, políticas e económicas a nível local, regio-nal e nacional.

A formulação de políticas deve respaldar-se em informações, actualizadase idóneas, relativas à comunidade, aos indicadores de saúde mental, aos trata-mentos eficazes, às estratégias de prevenção e de promoção e aos recursos paraa saúde mental. Será preciso rever periodicamente essas políticas.

As políticas devem dar destaque aos grupos vulneráveis com necessidadesespeciais de saúde mental, tais como as crianças, os idosos e as mulheres víti-mas de abusos, bem como os refugiados e as pessoas deslocadas em paísesonde há guerras civis ou conflitos internos.

As políticas devem incluir também a prevenção do suicídio. Isso significa,por exemplo, reduzir o acesso a venenos e armas de fogo, bem como a desin-toxicação do gás de uso doméstico e do escape dos automóveis. Tais políticasdevem garantir a prestação de cuidados não só a indivíduos particularmenteem risco, tais como os que têm depressão, esquizofrenia ou dependência doálcool, mas também para o controlo do álcool e das drogas ilícitas.

Em muitos países, as verbas para a saúde mental são aplicadas principalmentena manutenção de cuidados institucionais, com pouca ou nenhuma disponibilizaçãode recursos para serviços mais eficazes na comunidade. Na maioria dos países, osserviços de saúde mental precisam de ser avaliados, reavaliados e reformulados,para proporcionarem o melhor tratamento disponível. O capítulo aborda trêsformas de melhorar a forma como os serviços são organizados, mesmo com recur-sos limitados, no sentido de que possa plenamente utilizá-los quem deles necessita.São elas: retirada dos cuidados do âmbito dos hospitais psiquiátricos, desenvolvi-mento de serviços de saúde mental comunitários e integração dos serviços de saú-de mental nos cuidados gerais de saúde.

O capítulo examina também aspectos, tais como a garantia da disponibili-dade de psicotrópicos, a articulação intersectorial, a escolha de opções de saúdemental, os papéis público e privado na prestação de serviços, a formação derecursos humanos, a definição de papéis e funções dos trabalhadores de saúdee a promoção da saúde mental e dos direitos humanos das pessoas com pertur-bações mentais. Neste último caso, é indispensável uma legislação capaz degarantir a protecção dos seus direitos humanos fundamentais.

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XXVI RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Impõe-se uma colaboração intersectorial entre órgãos do Governo, paraque as políticas de saúde mental beneficiem de uma estratégia concertada nosprogramas governamentais. Além disso, são necessários os contributos do sec-tor da saúde mental, para assegurar que todas as actividades e políticas gover-namentais contribuam para a saúde mental, e não a prejudiquem. Isto requermão-de-obra e emprego, comércio e economia, educação, habitação e outrosserviços de bem-estar social, bem como o sistema de justiça criminal.

O capítulo observa que as mais importantes barreiras a superar na comuni-dade são o estigma e a discriminação, e que torna-se necessária uma aborda-gem a diversos níveis, incluindo a utilização da comunicação social e dosrecursos comunitários, para estimular a mudança.

O Capítulo 5 contém as recomendações e os três cenários para a acçãoenunciados no início deste panorama geral. Dá ao relatório uma conclusãooptimista, acentuando que existem e estão disponíveis soluções para as pertur-bações mentais. Os avanços científicos realizados no seu tratamento signifi-cam que a maioria dos indivíduos e famílias podem receber ajuda. Para alémde tratamento e reabilitação efectivos, há estratégias disponíveis para a pre-venção de certas perturbações. Uma política e uma legislação apropriadas eprogressistas para a saúde mental muito podem fazer a favor da prestação decuidados aos que deles necessitam. Há uma nova concepção e uma novaesperança.

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A SAÚDE MENTALPELO PRISMA

DA SAÚDE PÚBLICA

A saúde mental é tão importante como a saúde física para o bem-estar dosindivíduos, das sociedades e dos países. Não obstante, só uma pequenaminoria dos 450 milhões de pessoas que apresentam perturbações mentaise comportamentais está a receber tratamento. Avanços na neurociência e namedicina do comportamento já mostraram que, como muitas doençasfísicas, estas perturbações resultam de uma complexa interacção de facto-res biológicos, psicológicos e sociais. Embora ainda haja muito por apren-der, já temos os conhecimentos e as capacidades necessários para reduziro peso que as perturbações mentais e comportamentais representam emtodo o mundo.

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A SAÚDE MENTALPELO PRISMADA SAÚDE PÚBLICA

1

Introdução

Para todas as pessoas, a saúde mental, a saúde física e a social são fios davida estreitamente entrelaçados e profundamente interdependentes. À medidaque cresce a compreensão desse relacionamento, torna-se cada vez mais evi-dente que a saúde mental é indispensável para o bem-estar geral dos indiví-duos, das sociedades e dos países.

Lamentavelmente, na maior parte do mundo, está-se ainda longe de atri-buir à saúde mental e às perturbações mentais a mesma importância dada àsaúde física. Em vez disso, são, em geral, ignorados ou negligenciados. Emgrande parte por isso, o mundo está a sofrer de uma crescente carga de proble-mas de saúde mental e de um crescente «desnível de tratamento». Hoje, cercade 450 milhões de pessoas sofrem de perturbações mentais ou comportamen-tais, mas apenas uma pequena minoria tem tratamento, ainda que elementar.Nos países em desenvolvimento, é deixada à maioria das pessoas, com pertur-bações mentais graves, a tarefa de resolverem, como puderem, os seus proble-mas de depressão, demência, esquizofrenia e dependência de substâncias. Emtermos globais, transformam-se em vítimas por causa da sua doença e conver-tem-se em alvos de estigma e discriminação.

Provavelmente haverá aumento do número de doentes, devido ao envelhe-cimento da população, ao agravamento dos problemas sociais e à desestabili-zação civil. As perturbações mentais já representam quatro das dez principaiscausas de incapacidade em todo o mundo. Esse crescente ónus representa umcusto enorme em termos de sofrimento humano, incapacidade e prejuízos eco-nómicos.

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Embora, segundo estimativas, os problemas de saúde mental respondam a12% da peso mundial de doenças, os orçamentos destinados à saúde mentalrepresentam, na maioria dos países, menos de 1% dos seus gastos totais com asaúde. A relação entre a dimensão do problema e as verbas que lhe são afecta-das é visivelmente desproporcional. Mais de 40% dos países têm falta de polí-ticas de saúde mental e mais de 30% não têm programas nessa esfera. Mais de90% dos países não têm políticas de saúde mental que incluam crianças eadolescentes. Além disso, os planos de saúde, frequentemente, não abordamas perturbações mentais e comportamentais ao mesmo nível das demais doen-ças, criando significativos problemas económicos para os doentes e as suasfamílias. E, assim, o sofrimento continua e os problemas aumentam.

Esta situação não pode continuar. A importância da saúde mental é reco-nhecida pela OMS, desde a sua origem, o que se reflecte na sua própria defini-ção de saúde, como «não simplesmente a ausência de doença ou enfermidade»,mas como «um estado de completo bem-estar físico, mental e social». Nosúltimos anos, esta definição ganhou um maior destaque, em resultado de mui-tos e enormes progressos nas ciências biológicas e comportamentais. Estes,por sua vez, aperfeiçoaram a nossa maneira de compreender o funcionamentomental e a profunda relação entre saúde mental, física e social. Desta novaconcepção emerge uma nova esperança.

Sabemos, hoje, que a maioria das doenças mentais e físicas é influenciadapor uma combinação de factores biológicos, psicológicos e sociais (ver figura1.1). Sabemos que as perturbações mentais têm a sua base no cérebro. Sabe-mos que elas afectam pessoas de todas as idades, em todos os países, e quecausam tanto sofrimento às famílias e comunidades, quanto aos indivíduos. Esabemos que, na maioria dos casos, podem ser diagnosticadas e tratadas deuma forma eficaz em relação ao custo. Em resultado deste conhecimento, osportadores de perturbações mentais e comportamentais têm hoje uma novaesperança de levar vidas plenas e produtivas nas respectivas comunidades.

Este relatório apresenta informações referentes ao estado actual dos conhe-cimentos sobre as perturbações mentais e comportamentais, sobre a sua mag-nitude e os seus custos, sobre as estratégias de tratamento eficazes e as estraté-gias para reforçar a saúde mental, através de políticas e desenvolvimento deserviços.

O relatório mostra claramente que os Governos têm tanta responsabilidadepela saúde mental como pela saúde física dos seus cidadãos. Uma das princi-pais mensagens aos Governos é a de que os asilos para doentes mentais, ondeainda existem, devem ser fechados e substituídos pela prestação, bem organi-zada, de cuidados na comunidade e a dotação de camas psiquiátricas em hos-pitais gerais. É preciso acabar com a ideia de enclausurar pessoas com pertur-bações mentais e comportamentais em instituições psiquiátricas. A grandemaioria dos portadores de perturbações mentais não é violenta. Só uma pe-quena proporção destas afecções está associada ao aumento do risco de vio-

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A SAÚDE MENTAL PELO PRISMA DA SAÚDE PÚBLICA 31

lência, podendo esta probabilidade ser diminuída por serviços abrangentes desaúde mental.

Como gestores finais de qualquer sistema de saúde, os Governos precisamde assumir a responsabilidade de assegurar a elaboração e implementação depolíticas de saúde mental. Este relatório recomenda estratégias em que os paí-ses devem empenhar-se, inclusive a integração do tratamento e dos serviços desaúde mental no sistema geral de saúde, e especialmente nos cuidados primári-os. Esta abordagem está a ser aplicada, com êxito, em vários países. Porém,em muitas partes do mundo, há ainda muito mais a fazer.

Para compreender a saúde mental

Estudiosos de diferentes culturas definem diversamente a saúde mental. Osconceitos de saúde mental abrangem, entre outras coisas, o bem-estar subjec-

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tivo, a auto-eficácia percebida, a autonomia, a competência, a dependênciaintergeracional e a auto-realização do potencial intelectual e emocional dapessoa. Numa perspectiva transcultural, é quase impossível definir saúde men-tal de uma forma completa. De um modo geral, porém, concorda-se quanto aofacto de que a saúde mental é algo mais do que a ausência de perturbaçõesmentais.

É importante compreender a saúde mental e, de um modo mais geral, ofuncionamento mental, porque aí reside a base sobre a qual se formará umacompreensão mais completa do desenvolvimento das perturbações mentais ecomportamentais.

Nos últimos anos, novas informações dos campos da neurociência e damedicina do comportamento trouxeram expressivos avanços à nossa maneirade ver o funcionamento mental. Está a tornar-se cada vez mais claro que ofuncionamento mental tem um substrato fisiológico e está indissociavelmenteligado ao funcionamento físico e social e aos ganhos em saúde.

Avanços nas neurociências

O Relatório sobre a Saúde no Mundo 2001 aparece num momento empol-gante da história das neurociências. Estas constituem um ramo da ciência quese dedica à anatomia, fisiologia, bioquímica e biologia molecular do sistemanervoso, especialmente no que se refere ao comportamento e à aprendizagem.Avanços espectaculares na biologia molecular estão a propor uma visão maiscompleta dos blocos de que são formadas as células nervosas (neurónios).Esses avanços continuarão a proporcionar uma plataforma crítica para a aná-lise genética das doenças humanas e contribuirão para novas abordagens detratamento.

O conhecimento da estrutura e do funcionamento do cérebro evoluiu nosúltimos 500 anos (figura 1.2). À medida que prossegue a revolução molecular,ferramentas como a neuroimagem e a neurofisiologia permitem aos investiga-dores observar o funcionamento do cérebro humano vivo, enquanto sente epensa. Usadas em combinação com a neurociência cognitiva, as técnicas deimagem permitem, cada vez mais, identificar as partes específicas do cérebrousadas para diferentes aspectos do pensamento e da emoção.

O cérebro tem a responsabilidade de combinar informações genéticas,moleculares e bioquímicas com informações procedentes do exterior. Comotal, é um órgão extremamente complexo. Dentro dele há dois tipos de células:neurónios e neuróglias. Os neurónios são responsáveis pelo envio e recepçãode impulsos ou sinais nervosos. Colectivamente, existe mais de um bilião deneurónios no cérebro, compreendendo milhares de tipos diferentes. Cada umdeles comunica com os outros por meio de estruturas especializadas denomi-

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nadas sinapses. Mais de cem diferentes produtos químicos cerebrais, denomi-nados neurotransmissores, comunicam entre si através das sinapses. No total,provavelmente existem mais de 100 triliões de sinapses no cérebro. Circuitosformados por centenas ou milhares de neurónios dão lugar a complexos pro-cessos mentais e comportamentais.

No estado fetal, os genes determinam a formação do cérebro. O resultadoé uma estrutura específica e altamente organizada. Esse desenvolvimento ini-cial pode ser também influenciado por factores ambientais como a nutrição dagestante e o uso de substâncias (álcool, tabaco e outras substâncias psicoactivas)ou a exposição a radiações. Após o parto e durante toda a vida, experiênciasde todos os tipos têm o poder não só de produzir comunicação imediata entre

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neurónios mas também de desencadear processos moleculares que remodelamas conexões sinápticas (Hyman, 2000). Este processo, descrito como plastici-dade sináptica, modifica, literalmente, a estrutura física do cérebro. Podem sercriadas sinapses novas, removidas sinapses velhas, fortalecidas ou enfraquecidassinapses existentes. O resultado é a modificação do processamento de infor-mações dentro do circuito, para acomodar a nova experiência.

Antes do nascimento, na infância e durante toda a vida adulta, os genesparticipam numa série de interacções inextricáveis. Cada acto de aprendiza-gem – processo que depende tanto de determinados circuitos como da regula-ção de determinados genes – modifica fisicamente o cérebro. O notável êxitoevolutivo do cérebro humano está no facto de, dentro de certos limites, man-ter-se plástico durante toda a vida. A recente descoberta de que a plasticidadesináptica é vitalícia representa uma reviravolta das teorias anteriores, segundoas quais a estrutura do cérebro humano seria estática (ver Caixa 1.1).

Por notáveis que tenham sido as descobertas feitas até agora, a neurociênciaainda está no início. Progressos futuros trarão uma compreensão mais com-pleta de como o cérebro está relacionado com complexos processos mentais ecomportamentais. Inovações no campo de estudo das imagens cerebrais per-

O Prémio Nobel de Fisiologia e Medicina de 2000foi atribuído aos professores Arvid Carlsson, PaulGreengard e Eric Kandel, pelas suas descobertasacerca de como as células cerebrais comunicamentre si1.Estas pesquisas sobre a transdução de sinais nosistema nervoso, que ocorre nas sinapses (pon-tos de contacto entre células cerebrais), sãocruciais no avanço da compreensão do funciona-mento normal do cérebro e de como as perturba-ções dessa transdução de sinais podem resultarem perturbações mentais e comportamentais.Essas descobertas já levaram ao aperfeiçoamentode novos medicamentos eficazes.A pesquisa de Arvid Carlsson revelou que adopamina é um transmissor cerebral que ajudaa controlar os movimentos e que a doença deParkinson está relacionada com a carência dedopamina. Em virtude dessa descoberta, existehoje um tratamento eficaz (L-DOPA) para oparkinsonismo. O trabalho de Carlsson demons-

trou também como actuam outros medica-mentos, especialmente as drogas usadas notratamento da esquizofrenia, e levou ao aperfei-çoamento de uma nova geração de antidepressi-vos eficazes.Paul Greengard descobriu como a dopamina evários outros neurotransmissores exercem a suainfluência na sinapse. A sua pesquisa veio escla-recer o mecanismo pelo qual actuam vários me-dicamentos psicoactivos.Eric Kandel mostrou como mudanças na funçãosináptica estão no centro da aprendizagem e damemória. Ele descobriu que o desenvolvimentoda memória de longo prazo exige uma mudançana síntese de proteínas que pode levar também amudanças na forma e função da sinapse. Essaspesquisas, aumentando a compreensão dos me-canismos cerebrais cruciais para a memória,aumenta a possibilidade de aperfeiçoamento denovos tipos de medicamentos para melhorar ofuncionamento da memória.

Caixa 1.1. O cérebro: uma nova compreensão ganha Prémio Nobel.

1 Butcher, J. (2000). «A Nobel pursuit». The Lancet, 356; 1331.

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A SAÚDE MENTAL PELO PRISMA DA SAÚDE PÚBLICA 35

mitirão, juntamente com estudos neuropsicológicos e electrofisiológicos,visualizar em tempo real o trabalho do sistema nervoso. Tais imagens combi-nar-se-ão com a crescente capacidade de registar o que ocorre em grande númerode neurónios ao mesmo tempo; deste modo, será possível decifrar a sua lin-guagem. Outros avanços basear-se-ão no progresso da genética. Já está dispo-nível no domínio público (em http://www.ornl.gov/hgmis/) um anteprojectode levantamento da sequência funcional do genoma humano. Uma das utiliza-ções significativas da informação sobre o genoma será o fornecimento de umanova base para o desenvolvimento de tratamentos eficazes das perturbaçõesmentais e comportamentais.

Outro instrumento importante, que fortalecerá a compreensão dos elementosmoleculares do desenvolvimento, da anatomia, da fisiologia e do comporta-mento, é a geração de ratos geneticamente modificados. Quase todos os geneshumanos têm um gene análogo no rato. Essa conservação da função dos genesnos seres humanos e nos ratos parece indicar que os modelos baseados naque-les roedores trarão vislumbres fundamentais para a fisiologia e patologia hu-manas (O’Brien e col., 1999). Muitos laboratórios, mundo fora, estão envolvi-dos na inserção ou remoção sistemática de genes identificados; outros estãoempenhados em projectos de gerar mutações aleatórias no genoma do rato.Estas abordagens ajudarão a associar os genes com a sua acção nas células,nos órgãos e nos organismos.

A integração dos resultados das pesquisas com neuroimagem e neurofisio-logia com os da biologia molecular devem levar a um maior conhecimento dagénese da função mental normal e anormal, bem como ao desenvolvimento detratamentos mais eficazes.

Avanços na medicina do comportamento

Têm-se verificado avanços não só na compreensão do funcionamento mentalmas também no conhecimento de como essas funções influenciam a saúdefísica. A ciência moderna está a descobrir que, embora seja operativamenteconveniente, para fins de discussão, separar a saúde mental da saúde física,isso constitui uma ficção criada pela linguagem. Sabe-se que a maioria dasdoenças «mentais» e «físicas» é influenciada por uma combinação de factoresbiológicos, psicológicos e sociais. Além disso, reconhece-se hoje em dia que ospensamentos, os sentimentos e o comportamento exercem um impacte signifi-cativo na saúde física. Da mesma forma, reconhece-se que a saúde física exerceuma considerável influência sobre a saúde e o bem-estar mental.

A medicina do comportamento é uma ampla área interdisciplinar, que visaa integração dos conhecimentos das ciências comportamentais, psicossociais ebiomédicas, pertinentes à compreensão da saúde e das doenças. Nos últimos

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20 anos, a evidência científica acumulada, no campo da medicina comporta-mental, demonstra a existência de uma conexão fundamental entre saúde mentale saúde física (ver Caixa 1.2). Pesquisas já demonstraram, por exemplo, quemulheres com cancro da mama avançado, que participam em terapia de grupode apoio, vivem significativamente mais do que as que não participam emterapia de grupo (Spiegel e col., 1989); que a depressão antecipa a incidênciade doença cardíaca (Ferketich e col., 2000); e que a aceitação realista da pró-pria morte está associada com uma diminuição do tempo de sobrevida naSIDA, mesmo depois de levada em conta toda uma série de indicações preditivasde mortalidade (Reed e col., 1994).

De que forma o funcionamento mental e o físico se influenciam reciproca-mente? As pesquisas indicam duas vias principais, através das quais a influên-cia mútua se exerce, no decorrer do tempo. A primeiro é a via directa, atravésdos sistemas fisiológicos, como o funcionamento neuroendócrino e imunitá-

A dor persistente é um grave problema desaúde pública, responsável por indescritíveissofrimentos e perda de produtividade em todoo mundo. Embora variem as estimativas espe-cíficas, há concordância no sentido de que ador crónica é debilitante e dispendiosa, situan-do-se entre as dez principais razões de con-sultas por motivos de saúde e de absentismono trabalho por motivo de doença.Uma recente investigação da OMS sobre 5447pessoas em 15 centros de estudo situadosna Ásia, África, Europa e nas Américas, exa-minou a relação entre dor e bem-estar1. Osresultados mostraram que as pessoas comdor persistente tinham mais de quatro vezesmaior probabilidade de sofrer de ansiedadeou de perturbações depressivas do que asque não tinham dor. Essa relação foi obser-vada em todos os centros de estudo, indepen-dentemente da localização geográfica. Ou-tros estudos indicaram que ocorre interacçãoentre a intensidade da dor, a incapacidade ea ansiedade/depressão, levando à manifes-

tação e persistência de um estado de dor cró-nica.Um recente estudo, sobre cuidados de saúdeprimários, de 255 pessoas com dor nas costasmostrou que uma intervenção de grupo, dirigi-do por leigos, diminui as preocupações, redu-zindo a incapacidade2. A intervenção baseou--se num modelo de autocuidado de doençascrónicas e consistiu em quatro sessões de duashoras, uma vez por semana, com 10-15 parti-cipantes por grupo. Os monitores informais, quetinham também dor crónica ou recorrente nascostas, tiveram dois dias de formação, dada porum clínico familiarizado com o tratamento dedor nas costas e com o programa de tratamento.Não se registou qualquer problema significativocom os monitores e a sua capacidade de de-senvolver as intervenções foi considerada dig-na de nota. Este estudo indica que pessoas, nãoprofissionais de saúde, podem produzir, comêxito, intervenções comportamentais estrutu-radas, facto que se afigura promissor para asaplicações noutras áreas patológicas.

Caixa 1.2. Dor e bem-estar.

1 George, O., e col. (1998). «Persistent pain and well-being: a World Health Organization study in primary care». Journalof the American Medical Association, 280(2): 147-151.2 Von Korff e col. (1998). «A randomized trial of a lay person-led self-management group intervention for back pain patientsin primary care». Spine, 23(23): 2608-2615.

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rio. A segunda acompanha os estilos de vida saudáveis. Entende-se por estilosde vida saudável uma ampla série de actividades, tais como comer com sensa-tez, praticar exercícios regularmente e dormir adequadamente, evitar o taba-co, adoptar práticas sexuais sadias, usar cinto de segurança e seguir à risca otratamento médico (ver Caixa 1.3). Embora sejam diferentes, as vias fisiológi-ca e comportamental não são independentes uma da outra, dado que os estilosde vida saudável podem afectar a fisiologia (por exemplo, fumar e levar umavida sedentária decrescem o funcionamento do sistema imunitário), ao passoque o funcionamento fisiológico pode afectar o comportamento saudável (porexemplo, o cansaço pode levar ao esquecimento de regimes médicos). O queresulta é um modelo abrangente de saúde mental e física, no qual os várioscomponentes se inter-relacionam e influenciam reciprocamente.

Os doentes nem sempre seguem ou aderem àsrecomendações dos seus prestadores de cuida-dos de saúde. Uma revisão da bibliografia indicaque a taxa média de adesão para tratamento far-macológico de longa duração é de pouco maisde 50%, ao passo que é muito baixa a taxa demanutenção de mudanças nos estilos de vida,como, por exemplo, alteração do regime alimen-tar. Em geral, quanto mais demorado, complexoou disruptivo for o regime médico, menores sãoas probabilidades de adesão por parte do doente.Outros factores importantes na adesão ao trata-mento são a capacidade de comunicação dosprestadores de cuidados, a convicção do doentequanto à utilidade do regime recomendado e asua capacidade de obter medicamentos ououtros tratamentos recomendados a um custorazoável.

A depressão desempenha um papel importantena não-adesão às recomendações médicas. Odoente deprimido tem três vezes mais probabili-dades de não seguir o regime médico do que onão deprimido1. Isso significa, por exemplo, queo diabético deprimido tem mais probabilidadesde seguir um regime alimentar deficiente, de termais frequentemente hiperglicemia, de ter maiorincapacidade e de suportar custos de cuidadosde saúde mais elevados do que os diabéticos nãodeprimidos2,3. O tratamento da ansiedade e dadepressão em doentes diabéticos redunda na me-lhoria dos resultados mentais e físicos4-6.O forte relacionamento entre a depressão e a faltade observância indica que estes doentes, espe-cialmente os que não seguem o tratamento, devempassar por triagens frequentes e, se necessário,serem tratados da depressão.

1 DiMatteo, M. R., e col. (2000). «Depression is a risk factor for noncompliance with medical treatment». Archives of InternalMedicine, 160: 2101-2107.2 Ciechanowski, P. S., e col. (2000). «Depression and diabetes: impact of depressive symptoms on adherence, function,and costs». Archives of Internal Medicine, 160: 3278-3285.3 Ziegelstein, R. C., e col. (2000). «Patients with depression are less likely to follow recommendations do reduce cardiacrisk during recovery from a myocardial infarction». Archive of Internal Medicine, 2000, 160: 1818-1823.4 Lustman, P. J., e col. (1995). «Effects of alprazolam on glucose regulation in diabetes: results of a double-blind, placebo-controlled trial». Diabetes Care, 18(8): 1133-1139.5 Lustman, P. J., e col. (1997). «Effects of nortriptyline on depression and glycemic control in diabetes: results of a double-blind, placebo-controlled trial». Psychosomatic Medicine, 59(3): 241-250.6 Lustman, P. J., e col. (2000). «Fluoxetine for depression in diabetics: a randomized double-blind placebo-controlled trial».Diabetes Care, 23(5): 619-623.

Caixa 1.3. Adesão às recomendações do médico.

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A via fisiológica

Num modelo de saúde integrado e baseado na evidência, a saúde mental(incluindo as emoções e os padrões de pensamento) emerge como determinan-te-chave da saúde geral. O estado afectivo angustiado e deprimido, por exem-plo, inicia uma cascata de mudanças adversas no funcionamento endócrino eimunitário e cria uma maior susceptibilidade a uma série de doenças físicas.Sabe-se, por exemplo, que existe uma relação entre o stress e o desenvolvimen-to do resfriado comum (Cohen e col., 1991) e que o stress atrasa a cicatrizaçãode feridas (Kielcot-Glaser e col., 1999).

Embora muitas perguntas sobre os mecanismos específicos dessas relaçõesainda estejam sem resposta, é evidente que a saúde mental debilitada desempe-nha um papel significativo na diminuição do funcionamento imunitário, nodesenvolvimento de certas doenças e na morte prematura.

A via do comportamento saudável

É particularmente importante a compreensão dos determinantes do com-portamento saudável, dado o papel que ele desempenha no estado geral dasaúde. As doenças não transmissíveis, como as doenças cardiovasculares e ocancro, cobram um enorme tributo em vidas e no nível de saúde em todo omundo. Muitas delas estão estreitamente ligadas a formas pouco saudáveis decomportamento, como o uso de álcool e tabaco, regime alimentar deficiente evida sedentária. Os estilos de vida saudável são também um dos principaisdeterminantes na propagação de doenças transmissíveis, inclusive a SIDA, porpráticas sexuais inseguras e partilha de agulhas hipodérmicas. Numerosas doen-ças podem ser evitadas com a adopção de estilos de vida saudável.

Esta adopção, por cada indivíduo, depende muito da sua saúde mental. Assim,por exemplo, as doenças mentais e o stress psicológico afectam os comportamen-tos saudáveis. Indícios recentes mostraram que os jovens com perturbações psi-quiátricas, como depressão e toxicomania, por exemplo, têm mais probabilidadesde ter práticas sexuais de alto risco, em comparação com os que não têm qualquerperturbação psiquiátrica. O que os coloca em alto risco de uma série de doençassexualmente transmissíveis, inclusive a SIDA (Ranrakha e col., 2000). Mas outrosfactores também influenciam o comportamento saudável. As crianças e os adoles-centes aprendem através da experiência directa, da informação e da observação,aprendizagem essa que condiciona os seus comportamentos. Já se demonstrou,por exemplo, que o uso de drogas antes dos 15 anos de idade está grandementeassociado com o desenvolvimento do abuso de drogas e de álcool na idade adulta(Jaffe, 1995). Influências ambientais como a pobreza ou as normas sociais e cultu-rais também afectam os estilos de vida saudável.

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Por ser ainda recente essa observação científica, a associação entre saúdemental e saúde física ainda não foi inteiramente reconhecida nem levou a inter-venções no sistema de saúde. Os indícios, porém, não deixam dúvida: a saúdemental está profundamente vinculada com os resultados em saúde física.

Compreensão das perturbaçõesmentais e comportamentais

Embora a promoção da saúde mental positiva para todos os membros dasociedade seja evidentemente uma meta importante, ainda há muito que apren-der sobre como atingir esse objectivo. Por outro lado, existem hoje interven-ções eficazes para toda uma série de problemas de saúde mental. Dado o gran-de número de pessoas afectadas por perturbações mentais e comportamentais,muitas das quais nunca recebem tratamento, bem como o fardo daí resultante,este relatório concentra-se nas perturbações mentais e comportamentais, maisdo que no conceito mais amplo de saúde mental.

As perturbações mentais e comportamentais são uma série de perturbaçõesdefinidas pela Classificação Internacional das Doenças (ICD-10). Embora ossintomas variem consideravelmente, tais comportamentos caracterizam-se,geralmente, por uma combinação de ideias, emoções, comportamentos e rela-cionamentos anormais com outras pessoas. São exemplos a esquizofrenia, adepressão, o atraso mental e as perturbações pelo uso de substâncias psi-coactivas. Uma consideração mais minuciosa das perturbações mentais e com-portamentais aparece nos Capítulos 2 e 3. O continuum que vai das flutuaçõesnormais de humor às perturbações mentais e comportamentais é ilustrado nafigura 1.3 para o caso dos sintomas depressivos.

A separação artificial dos factores psicológicos e sociais tem constituídoum tremendo obstáculo a uma verdadeira compreensão destes problemas. Naverdade, estas perturbações são semelhantes a muitas doenças físicas, pelofacto de resultarem de uma complexa interacção de todos aqueles factores.

Durante muitos anos, os cientistas discutiram a importância relativa dosfactores genéticos versus factores ambientais no desenvolvimento das pertur-bações mentais e comportamentais. A evidência científica moderna indica queelas resultam de factores genéticos e ambientais, ou, por outras palavras, dainteracção da biologia com factores sociais. O cérebro não reflecte simples-mente o desenrolar determinista de complexos programas genéticos, nem ocomportamento humano é o mero resultado do determinismo ambiental. Jádesde antes do nascimento e por toda a vida, os genes e o meio ambiente estãoenvolvidos numa série de complexas interacções. Estas interacções são cruciaispara o desenvolvimento e a evolução das perturbações mentais e comporta-mentais.

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A ciência moderna mostra, por exemplo, que a exposição a agentes destress durante o desenvolvimento inicial está associada com a hiper-reactividadecerebral persistente e o aumento da probabilidade de depressão numa faseposterior da vida (Heim e col., 2000). É promissor o facto de se ter mostradoque a terapia comportamental para perturbações obsessivo-compulsivas pro-voca mudanças na função cerebral, que podem ser observadas usando técnicas

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de registo de imagens e que são iguais às que se podem obter mediante o uso deterapia medicamentosa (Baxter e col., 1992). Não obstante, a descoberta degenes associados ao aumento do risco de perturbações continuará a fornecerinstrumentos criticamente importantes, os quais, juntamente com um maiorconhecimento dos circuitos neuronais, virão trazer novas e importantes ache-gas quanto ao desenvolvimento das perturbações mentais e comportamentais.Ainda há muito que aprender sobre as suas causas específicas, mas as contri-buições da neurociência, da genética, da psicologia e da sociologia, entre ou-tras, desempenharam um importante papel informativo na nossa maneira decompreender estas complexas relações. Uma apreciação cientificamente fun-damentada das interacções entre os diferentes factores contribuirá, fortementepara erradicar a ignorância e pôr cobro aos maus tratos infligidos às pessoascom estes problemas.

Factores biológicos

A idade e o sexo estão associados com perturbações mentais e comporta-mentais, que serão examinadas no Capítulo 2.

Já foi demonstrada a associação das perturbações mentais e comportamen-tais com perturbações da comunicação neuronal no interior de circuitos espe-cíficos. Na esquizofrenia, anormalidades na maturação dos circuitos neuronaispodem produzir alterações detectáveis na patologia a nível das células e dostecidos grossos as quais resultam no processamento incorrecto ou mal adapta-do de informações (Lewis e Lieberman, 2000). Na depressão, contudo, é pos-sível que não ocorram anormalidades anatómicas distintas, e o risco de doen-ça pode ser devido antes a variações na resposta dos circuitos neurais (Berke eHyman, 2000). Estas, por sua vez, podem reflectir alterações quase impercep-tíveis na estrutura, na localização ou nos níveis de expressão de proteínas crí-ticas para a função normal. Certas perturbações mentais, como a dependênciade substâncias psicoactivas, por exemplo, podem ser encaradas em parte comoresultado de plasticidade sináptica desadaptativa. Por outras palavras, altera-ções das conexões sinápticas, resultantes quer da acção de fármacos quer daexperiência, podem produzir alterações, a longo prazo, no pensamento, naemoção e no comportamento.

Paralelamente ao progresso na neurociência, registaram-se avanços na ge-nética. Quase todas as perturbações mentais e comportamentais graves co-muns estão associadas a um significativo componente de risco genético. Estu-dos do modo de transmissão de perturbações mentais entre diversas geraçõesde famílias extensas e estudos que comparam o risco de perturbações mentaisem gémeos monozigóticos (verdadeiros), em oposição a gémeos dizigóticos(falsos), levaram, porém, à conclusão de que o risco das formas comuns de

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perturbações mentais é geneticamente complexo. As perturbações mentais ecomportamentais devem-se predominantemente à interacção de múltiplos ge-nes de risco com factores ambientais. Além disso, é possível que a predisposi-ção genética para o desenvolvimento de determinada perturbação mental oucomportamental se manifeste apenas em pessoas sujeitas a certos factores destress que desencadeiam a patologia. Os exemplos de factores ambientais po-deriam abranger desde a exposição a substâncias psicoactivas no estado fetalaté a desnutrição, infecção, perturbação do ambiente familiar, abandono, iso-lamento e trauma.

Factores psicológicos

Existem também factores psicológicos individuais que se relacionam com amanifestação de perturbações mentais e comportamentais. Uma importantedescoberta, ocorrida no século XX e que deu forma aos conhecimentos actuais,é a importância decisiva do relacionamento com os pais e outros prestadoresde cuidados durante a infância. O cuidado afectuoso, atento e estável permiteao lactente e à criança pequena desenvolver normalmente funções como a lin-guagem, o intelecto e a regulação emocional. O insucesso pode ser causadopor problemas de saúde mental, doença ou morte de um prestador de cuida-dos. A criança pode ficar separada do cuidador devido à pobreza, à guerra ouao deslocamento populacional. A criança pode carecer de cuidados por nãohaver serviços sociais disponíveis na comunidade maior. Seja qual for a causaespecífica, a criança privada de afecto por parte de seus cuidadores tem maisprobabilidades de manifestar perturbações mentais e comportamentais, sejadurante a infância ou numa fase posterior da vida. A comprovação dessa des-coberta foi dada por lactentes que viviam em instituições que não lhes propor-cionavam estímulos sociais suficientes. Embora recebessem nutrição adequa-da e cuidados corporais, essas crianças tinham grandes probabilidades deapresentar graves alterações nas interacções com outras, na expressão emoci-onal e na maneira de fazer face a acontecimentos stressantes. Em certos casos,verificaram-se também défices intelectuais.

Outra descoberta-chave é que o comportamento humano é configurado,em parte, através de interacções com o meio ambiente natural ou social. Essasinteracções podem resultar em consequências quer desejáveis quer indesejá-veis para os indivíduos. Basicamente, estes têm mais probabilidades de tercomportamentos que são «recompensados» pelo ambiente e menos probabili-dades de praticar comportamentos que são ignorados ou castigados. Assim, asperturbações mentais e comportamentais podem ser consideradas como com-portamento mal-adaptativo que foi aprendido – seja directamente seja pelaobservação de outros no decorrer do tempo. Provas disso vêm de décadas de

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investigação sobre aprendizagem e comportamento, confirmadas ainda peloêxito da terapia do comportamento, que usa esses princípios para ajudar aspessoas a alterar padrões mal-adaptativos de pensamento e comportamento.

Finalmente, a ciência psicológica mostrou que certos tipos de perturbaçõesmentais e comportamentais, como a ansiedade e a depressão, podem ocorrerem consequência da incapacidade de fazer face adaptativamente a um aconte-cimento vital gerador de stress. De um modo geral, as pessoas que procuramnão pensar nos factores de stress ou que não os enfrentam têm mais probabi-lidades de manifestar ansiedade ou depressão, enquanto as que discutem osseus problemas com outras e procuram encontrar meios de controlar essesfactores funcionam melhor com o decorrer do tempo. Essa descoberta levouao desenvolvimento de intervenções que consistem em ensinar aptidões paraenfrentar a vida.

Colectivamente, essas descobertas contribuíram para a nossa compreensãodas perturbações mentais e comportamentais. Além disso, constituíram a basedo desenvolvimento de toda uma série de intervenções eficazes, que são exa-minadas mais em pormenor no Capítulo 3.

Factores sociais

Embora se tenha estabelecido uma associação de factores sociais, comourbanização, pobreza e mudança, com o desenvolvimento de perturbaçõesmentais e comportamentais, não há razão para supor que as consequências damudança social para a saúde mental sejam as mesmas para todos os sectoresde uma dada sociedade. As mudanças geralmente exercem efeitos diferenciaisbaseados no estatuto económico, no sexo, na raça e na etnia.

Entre 1950 e 2000, a proporção da população urbana na Ásia, África eAmérica Central e do Sul subiu de 16% para nada menos que a metade doshabitantes daquelas regiões (Harpham e Blue, 1995). Em 1950, as cidades doMéxico e de São Paulo tinham, respectivamente, 3,1 milhões e 2,8 milhões dehabitantes, mas em 2000 as populações estimadas de ambas eram de 10 milhõesde habitantes. A natureza da urbanização moderna pode ter consequências dele-térias para a saúde mental, devido à influência de maiores factores de stress e deacontecimentos vitais adversos mais numerosos, como o congestionamento e apoluição do meio ambiente, a pobreza e a dependência numa economia baseadano dinheiro, com altos níveis de violência ou o reduzido apoio social (Desjarlaise col., 1995). Aproximadamente metade das populações urbanas em países derendimento médio e baixo vive na pobreza e há dezenas de milhões de adultos ecrianças sem tecto. Em certas zonas, o desenvolvimento económico força umnúmero crescente de indígenas a migrar para zonas urbanas em busca de umaforma viável de ganhar a vida. Via da regra, a migração não produz melhoria do

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bem-estar social; pelo contrário, resulta frequentemente em elevados índices dedesemprego e condições de vida miseráveis, expondo milhares de migrantes aostress social e a um risco maior de perturbações mentais devido à ausência deredes sociais de apoio. Os conflitos, as guerras e a instabilidade social estãoassociados com o aumento das taxas de problemas de saúde mental, e essesaspectos são examinados no Capítulo 2.

A vida real também está cheia de problemas para muitas pessoas. São pro-blemas comuns o isolamento, a falta de transportes e comunicações, e as limi-tadas oportunidades educacionais e económicas. Além disso, os serviços men-tais e sociais tendem a concentrar os recursos e a perícia clínica nas grandesáreas metropolitanas, deixando limitadas opções para os habitantes das zonasrurais que necessitam de cuidados de saúde mental. Um estudo recente sobre osuicídio de pessoas idosas em certas zonas rurais da província de Hunan, naChina, mostrou um índice de suicídios mais elevado nas áreas rurais (88,3 por100 000) do que nas urbanas (24,4 por 100 000) (Xu e col., 2000). Noutrospaíses, foram registadas taxas de depressão entre as mulheres das zonas ruraismais de duas vezes superiores às das estimativas para o total da populaçãofeminina (Hauenstein e Boyd, 1994).

Existe uma relação complexa e multidimensional entre pobreza e saúdemental (figura 1.4). Na sua definição mais estrita, pobreza é a falta de dinheiroou de posses materiais. Em termos mais amplos, e talvez mais apropriadospara discussões relacionadas com perturbações mentais e comportamentais,pode-se entender como pobreza a situação em que se dispõe de meios insufi-cientes, nomeadamente os recursos sociais ou educacionais. A pobreza e ascondições que lhe estão associadas, como o desemprego, o baixo nível deinstrução, a falta de habitação e outras carências, não só estão muito difundi-das nos países pobres, como também afectam uma minoria considerável nospaíses ricos. Os pobres e os desfavorecidos acusam uma prevalência maior deperturbações mentais e comportamentais, inclusive as causadas pelo uso desubstâncias. Esta maior prevalência pode ser explicada tanto por uma maiorsusceptibilidade dos pobres como pelo eventual empobrecimento dos doentesmentais. Embora haja controvérsia no que toca à determinação de qual dessesdois mecanismos é responsável pela maior prevalência entre os pobres, os indí-cios disponíveis parecem indicar que ambos são relevantes (Patel, 2001). Porexemplo, o mecanismo causal pode ser válido para perturbações de ansiedadee depressão, enquanto a teoria do empobrecimento seria aplicável para umamaior prevalência das perturbações psicóticas e da toxicomania entre os po-bres. Os dois, porém, não se excluem mutuamente: um indivíduo pode serpredisposto a perturbações mentais devido à sua situação social, enquantooutro, que apresenta perturbações, pode estar a passar por graves carências,pelo facto de estar doente. Tais carências abrangem níveis mais baixos de apro-veitamento escolar, desemprego e, em casos extremos, falta de abrigo. As per-

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turbações mentais podem causar incapacidade grave continuada, inclusive aincapacidade de trabalhar. Não havendo apoio social disponível, como acon-tece frequentemente nos países em desenvolvimento, sem instituições de bem--estar social organizadas, o empobrecimento verifica-se com grande rapidez.

Há também indícios de que a progressão das perturbações mentais e com-portamentais é determinada pelo estatuto socioeconómico do indivíduo. Istopode ser devido à carência geral de serviços de saúde mental, combinada comas dificuldades, no acesso aos cuidados, enfrentadas por certos grupos socioeco-nómicos. Os países pobres dispõem de muito poucos recursos para os cuida-dos de saúde mental, e tais recursos muitas vezes não estão disponíveis para ossectores mais pobres da sociedade. Mesmo nos países ricos, a pobreza, junta-mente com factores associados, tais como a falta de cobertura de seguros,níveis de instrução mais baixos, desemprego e situação minoritária em termosde raça, etnia e idioma, pode criar barreiras insuperáveis aos cuidados. O des-nível de tratamento para a maioria das perturbações mentais, que já é grande,torna-se efectivamente enorme para a população pobre.

A todos os níveis socioeconómicos, a mulher, pelos múltiplos papéis quedesempenha na sociedade, corre maior risco de perturbações mentais e com-

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portamentais do que outras pessoas na comunidade. As mulheres continuam aarcar com o fardo das responsabilidades de serem, simultaneamente, esposas,mães, educadoras e prestadoras de cuidados e a terem, uma participação cadavez mais essencial no trabalho, sendo a principal fonte de rendimento em cercade um quarto a um terço das famílias. Além das pressões impostas às mulheresem virtude do alargamento dos seus papéis, não raras vezes em conflito, elasenfrentam uma significativa discriminação sexual e as concomitantes pobreza,fome, desnutrição, excesso de trabalho e violência doméstica e sexual. Assim,não é de surpreender que as mulheres tenham acusado maior probabilidade doque os homens de receber prescrição de psicotrópicos (ver figura 1.5). A violên-cia contra a mulher constitui um problema social e de saúde pública significativoque afecta mulheres de todas as idades e de todos os estratos socioeconómicos eculturais.

O racismo também levanta questões importantes. Embora ainda haja relu-tância, em certos sectores, no debate do preconceito racial e étnico no contex-to das preocupações sobre saúde mental, pesquisas psicológicas, sociológicas eantropológicas já demonstraram que o racismo está relacionado com a perpe-tuação dos problemas mentais. A julgar pelos indícios disponíveis, as pessoasque são alvo de racismo por muito tempo têm maior risco de apresentar pro-blemas mentais ou sofrer agravamento de problemas já existentes. E já se de-monstrou que as próprias pessoas que praticam e perpetuam o racismo têm ouvêm a ter certos tipos de perturbações mentais.

Psiquiatras que estudavam a relação entre racismo e saúde mental em socie-dades onde o racismo é prevalecente observaram, por exemplo, que o racismopode acentuar a depressão. Numa recente resenha de dez estudos sobre diferen-tes grupos sociais na América do Norte, num total de 15 000 depoimentos,verificou-se uma associação positiva firmemente estabelecida entre experiênciasde racismo e angústia psicológica (Williams e Williams-Morris, 2000).

A influência do racismo pode também ser considerada ao nível da saúdemental colectiva de grupos e sociedades. O racismo tem fomentado muitossistemas sociais opressores, através dos tempos no mundo. Na história recente,o racismo permitiu aos sul-africanos brancos definir os sul-africanos negroscomo «inimigos», e assim cometer actos que, noutras circunstâncias, teriamconsiderado moralmente repreensíveis.

As proporções e a rapidez extraordinárias da mudança tecnológica no finaldo século XX é outro factor associado à manifestação de perturbações mentaise comportamentais. Essas mudanças tecnológicas, e especialmente a revoluçãonas comunicações, oferecem excelentes oportunidades para um aumento dadisseminação de informações e da emancipação dos seus utilizadores. Atelemedicina possibilita, hoje, o tratamento à distância.

Esses avanços têm, contudo, o seu lado negativo. Há indícios de que apre-sentações nos meios de comunicação social exercem influência sobre os níveis

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de violência, o comportamento sexual e o interesse pela pornografia, e que aexposição à violência dos jogos de vídeo faz aumentar o comportamento agres-sivo e outras tendências agressivas (Dill e Dill, 1998). Hoje em dia, os gastosem publicidade, em todo o mundo, ultrapassam num terço o crescimento daeconomia mundial. A comercialização agressiva desempenha um papel subs-tancial na globalização do uso de álcool e tabaco entre os jovens, aumentandoassim o risco de perturbações relacionadas com o uso de substâncias e as con-dições físicas associadas (Klein, 1999).

Uma abordagem integradade saúde pública

Os vínculos essenciais entre factores biológicos, psicológicos e sociais nodesenvolvimento e progressão das perturbações mentais e comportamentaisconstituem a base de uma mensagem de esperança para os milhões que sofremdesses problemas incapacitantes. Embora ainda haja muito que aprender, aevidência científica é clara: temos à nossa disposição o conhecimento e a capa-

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cidade necessários para reduzir significativamente a carga das perturbaçõesmentais e comportamentais em todo o mundo.

Essa mensagem é um apelo à acção visando reduzir a carga estimada de450 milhões de pessoas com perturbações mentais e comportamentais. Consi-derando a simples magnitude do problema, a sua etiologia de muitas faces, oestigma e a discriminação generalizada e a significativa diferença de nível detratamento que existe em todo o mundo, uma abordagem de saúde públicaserá o método de resposta mais apropriado.

Pode-se definir estigma como um sinal de vergonha, infelicidade ou repro-vação, que resulta num indivíduo rejeitado, tornado objecto de discriminaçãoe excluído da participação em várias áreas diferentes da sociedade.

O Relatório do Director-Geral de Saúde dos Estados Unidos sobre SaúdeMental (DHHS, 1999) descreveu o impacte do estigma nestes termos: «O es-tigma destrói a convicção de que as perturbações mentais são condições pato-lógicas válidas e tratáveis. Ele leva as pessoas a evitar a socialização com por-tadores de perturbações mentais, ao não querer trabalhar ao seu lado nem lhesalugar moradias para eles ou morar perto deles». Além disso, «o estigma im-pede o público de querer pagar pelos cuidados e reduz, consequentemente, oacesso dos utentes aos recursos e às oportunidades de tratamento e serviçossociais. A consequente incapacidade de obter tratamento fortalece padrõesdestrutivos de baixa auto-estima, isolamento e desespero. O estigma, tragica-mente, priva as pessoas da sua dignidade e interfere na sua plena participaçãona sociedade».

Numa perspectiva de saúde pública, muita coisa pode ser feita para reduzira carga das perturbações mentais:

• formular políticas destinadas a melhorar a saúde mental das popula-ções;

• assegurar o acesso universal a serviços apropriados e económicos, inclu-sive serviços de promoção da saúde mental e de prevenção;

• garantir a atenção e a protecção adequada dos direitos humanos dosdoentes institucionalizados com perturbações mentais mais graves;

• avaliar e monitorizar a saúde mental das comunidades, inclusive aspopulações vulneráveis, tais como crianças, mulheres e pessoas idosas;

• promover estilos de vida saudáveis e reduzir os factores de risco deperturbações mentais e comportamentais, tais como ambientes fami-liares instáveis, maus tratos e instabilidade civil;

• apoiar uma vida familiar estável, a coesão social e o desenvolvimentohumano;

• fortalecer a pesquisa sobre as causas das perturbações mentais e com-portamentais, o desenvolvimento de tratamentos eficazes e a monitori-zação e avaliação dos sistemas de saúde mental.

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A SAÚDE MENTAL PELO PRISMA DA SAÚDE PÚBLICA 49

O resto deste relatório é dedicado a esses aspectos cruciais. Com a apresen-tação de informações científicas sobre perturbações mentais e comportamen-tais, a OMS espera que o estigma e a discriminação venham a ser reduzidos,que a saúde mental seja reconhecida como um problema urgente de saúdepública e que os Governos em todo o mundo tomem medidas para melhorara saúde mental.

O Capítulo 2 fornece as mais recentes informações epidemiológicas sobre amagnitude, o peso e as consequências económicas das perturbações mentaise comportamentais em todo o mundo.

O Capítulo 3 apresenta informações sobre tratamentos eficazes para pes-soas com perturbações mentais e comportamentais, enunciando princípios geraise estratégias específicas para o tratamento dessas perturbações.

O Capítulo 4 oferece aos poderes decisórios algumas estratégias paraa superação de obstáculos comuns e a melhoria da saúde nas respectivas comu-nidades.

O Capítulo 5 destaca as actividades prioritárias a serem levadas a cabo, deacordo com o nível de recursos disponíveis.

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O PESO DAS PERTURBAÇÕESMENTAIS E COMPORTAMENTAIS

As perturbações mentais e comportamentais são comuns e afectam mais de25% da população em dada altura da sua vida. São também universais,atingindo pessoas de todos os países e sociedades, de todas as idades,mulheres e homens, ricos e pobres, populações de zonas urbanas e rurais.Exercem um impacte económico sobre as sociedades e sobre o padrão devida das pessoas e das famílias. Estão presentes, em qualquer momento, emcerca de 10% da população adulta. Aproximadamente 20% de todos osdoentes atendidos por profissionais de cuidados primários de saúde têmuma ou mais perturbações mentais e comportamentais. Uma ou mais famí-lias provavelmente terão pelo menos um membro com uma perturbaçãomental ou comportamental. Essas famílias proporcionam não só apoio físicoe emocional, mas suportam também o impacte negativo do estigma e dadiscriminação. Calcula-se que, em 1990, as perturbações mentais e com-portamentais tenham sido responsáveis por 10% do total de AVAI perdidos,por todas as doenças e lesões. Essa proporção chegou a 12% em 2000. Até2020, prevê-se um crescimento do peso representado por essas perturba-ções para 15%. As perturbações comuns, que geralmente causam incapa-cidade grave, abrangem perturbações depressivas, perturbações causadaspelo uso de substâncias, esquizofrenia, epilepsia, doença de Alzheimer,atraso mental e perturbações da infância e da adolescência. Os factoresassociados com a prevalência, a manifestação e a progressão destesproblemas compreendem a pobreza, o sexo, a idade, os conflitos e catás-trofes, graves doenças físicas e o ambiente familiar e social.

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O PESO DASPERTURBAÇÕES MENTAISE COMPORTAMENTAIS

2

Identificação das perturbações

Entendem-se por perturbações mentais e comportamentais condições clini-camente significativas caracterizadas por alterações do modo de pensar e dohumor (emoções) ou por comportamentos associados com a angústia pessoale/ou deterioração do funcionamento. As perturbações mentais e comporta-mentais não são apenas variações dentro da escala do «normal», mas simfenómenos claramente anormais ou patológicos. Uma incidência de compor-tamento anormal ou um curto período de anormalidade do estado afectivonão significa em si mesmo a presença de perturbação mental ou comporta-mental. Para serem classificadas como perturbações, é preciso que essas anor-malidades sejam continuadas ou recorrentes e que resultem numa certa deterio-ração ou perturbação do funcionamento pessoal numa ou mais esferas da vida.Estes problemas caracterizam-se também por sintomas e sinais específicos e,geralmente, seguem um curso natural mais ou menos previsível, a menos queocorram intervenções. Nem todas as alterações denotam perturbação mental.As pessoas podem sofrer de angústia em virtude de circunstâncias pessoais ousociais. A menos que sejam satisfeitos todos os critérios pertinentes a determi-nada perturbação, essa angústia não constitui uma perturbação mental. Hádiferença, por exemplo, entre estado afectivo deprimido e depressãodiagnosticável (ver figura 1.3).

Diferentes modos de pensar e de se comportar, entre diferentes culturas,podem influenciar a maneira pela qual se manifestam as perturbações men-tais, embora não constituam, em si mesmos, indícios de perturbação. Assim,variações normais, determinadas pela cultura, não devem ser rotuladas comoperturbação, como é o caso das crenças sociais, religiosas ou políticas.

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54 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

A Classificação das Perturbações Mentais e Comportamentais ICD-10:Descrições Clínicas e Normas de Diagnóstico (OMS, 1992b) contém uma lis-ta completa de todas as perturbações mentais e comportamentais (ver Caixa2.1). Critérios de diagnóstico adicionais para a investigação estão também dis-poníveis, para uma definição mais precisa dessas perturbações (OMS, 1993a).

Toda a classificação de perturbações mentais diz respeito a síndromes econdições, mas não a indivíduos. Estes podem sofrer de uma ou mais pertur-bações durante um ou mais períodos da vida, mas nunca um indivíduo deveser rotulado por um qualquer diagnóstico. Ninguém deve ser equiparado auma perturbação, física ou mental.

Diagnóstico das perturbações

As perturbações mentais e comportamentais são identificadas e diagnosti-cadas por métodos clínicos semelhantes aos utilizados nas afecções físicas.Esses métodos incluem uma cuidadosa anamnese colhida junto do indivíduo ede outros, inclusive da família; um exame clínico sistemático para definir oestado mental; e os testes e exames especializados que sejam necessários.Registraram-se, nas últimas décadas, avanços na padronização da avaliaçãoclínica e aumentou a fiabilidade dos diagnósticos. Graças a esquemasestruturados de entrevistas, a definições uniformes de sinais e sintomas e acritérios padronizados de diagnóstico, é possível hoje em dia atingir um elevadograu de fiabilidade e de validade no diagnóstico das perturbações mentais. Osesquemas estruturados e as listas de verificação de sinais e sintomas permitem,aos profissionais de saúde mental, colher informações, usando perguntas padro-nizadas e respostas codificadas. Os sinais e sintomas foram definidos minucio-samente para permitir uma aplicação uniforme. Finalmente, os critérios dediagnóstico para perturbações mentais foram padronizados internacionalmente.Hoje em dia, é possível diagnosticá-las de forma tão fiável e precisa como amaioria das perturbações físicas comuns. A concordância entre dois especia-listas em diagnóstico de perturbações mentais apresenta médias de0,7 a 0,9 (Wittchen e col., 1991; Wing e col., 1974; WHO, 1992; APA, 1994;Andrews e col., 1995). Estes valores estão na mesma faixa das relativas a afec-ções físicas como diabetes mellitus, hipertensão ou doença hipertensiva dascoronárias.

Uma vez que o diagnóstico correcto é um requisito essencial para umaintervenção adequada, a nível individual, bem como para a epidemiologia e amonitorização rigorosas, a nível da comunidade, os avanços nos métodos dediagnóstico vieram facilitar consideravelmente a aplicação de princípios clíni-cos e de saúde pública no campo da saúde mental.

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 55

Prevalência das perturbações

As perturbações mentais não são exclusivas deste ou daquele grupo especial;elas são verdadeiramente universais. Observam-se em pessoas de todas asregiões, de todos os países e de todas as sociedades. Estão presentes em mulhe-res e homens em todas as fases da vida. Estão presentes entre ricos e pobres eentre pessoas que vivem em zonas urbanas e rurais. É simplesmente errada aideia de que as perturbações mentais são problemas das zonas industrializadase relativamente mais ricas. É igualmente incorrecta a crença de que as comuni-dades rurais, relativamente não afectadas pelo ritmo rápido da vida moderna,não são atingidas pelas perturbações mentais.

Análises efectuadas recentemente pela OMS mostram que as condições neu-ropsiquiátricas, que incluíam uma selecção destas perturbações, registaramuma prevalência agregada de cerca de 10% para adultos (CGD, 2000). Calcu-lou-se em 450 milhões o número de pessoas que sofriam de afecçõesneuropsiquiátricas. Essas afecções compreendiam perturbações depressivasunipolares, perturbações afectivas bipolares, esquizofrenia, epilepsia, proble-mas devidos ao abuso do álcool e de determinadas drogas, doença de Alzheimere outras demências, pós-stress traumático, perturbação obsessiva e compulsi-va, pânico e insónia primária.

As taxas de prevalência diferem, conforme se refiram a pessoas que apre-sentam uma dada afecção em certo ponto da sua vida (prevalência de ponto),a qualquer tempo durante um período (prevalência de período) ou a qual-quer tempo durante a sua vida (prevalência vitalícia). Embora sejam referi-dos valores de prevalência de ponto, frequentemente, inclusive neste relató-rio, as taxas de prevalência em períodos de um ano são mais úteis para daruma indicação do número de pessoas que podem necessitar de serviços porano. Os valores de prevalência variam também, de acordo com os conceitos

Encontra-se uma lista completa de todas as per-turbações mentais e comportamentais na Classifi-cação de Perturbações Mentais e Comportamen-tais ICD-10: Descrições Clínicas e Normas deDiagnóstico1. Estão também disponíveis outros cri-térios de diagnóstico para uma definição mais pre-cisa dessas perturbações2. Esse material, que éaplicável em diferentes culturas, foi desenvolvido apartir do Capítulo V (F) da Décima Revisão da Clas-sificação Internacional de Doenças (ICD-10)3 com

base numa revisão internacional da bibliografia cien-tífica, consultas e consenso mundiais. O Capítulo Vda ICD-10 dedica-se exclusivamente às perturba-ções mentais e comportamentais. Além de deno-minar doenças e perturbações, como os demais ca-pítulos, inclui descrições clínicas e directrizes paradiagnóstico, bem como os critérios de diagnósticopara investigação. As grandes categorias de per-turbações mentais e comportamentais contempla-das na ICD-10 são as seguintes:

Caixa 2.1. Classificação das perturbaçõesmentais e comportamentais na ICD-10.

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1 The ICD-10 classification of mental and behavioural disorders: clinical descriptions and diagnostic guidelines (1992b).Genebra, Organização Mundial da Saúde.2 The ICD-10 classification of mental and behavioural disorders: diagnostic criteria for research (1993a). Genebra,Organização Mundial da Saúde.3 International statistical classification of diseases and related health problems, Tenth revision 1992 (ICD-10). Vol. 1:Tabular list. Vol. 2: Instruction manual. Vol. 3: Alphabetical Index (1992a). Genebra, Organização Mundial da Saúde.

• Perturbações mentais orgânicas, inclusive as sintomáticas – por exemplo, demência na doençade Alzheimer, delírio.

• Perturbações mentais e comportamentais devidos ao abuso de substância psicoactiva – porexemplo, consumo prejudicial de álcool, síndrome de dependência de opiáceos.

• Esquizofrenia, perturbações esquizotípicas e perturbações delirantes – por exemplo, esquizo-frenia paranóide, perturbações delirantes, perturbações psicóticas agudas e transitórias.

• Perturbações do humor (ou afectivas) – por exemplo, perturbação afectiva bipolar, episódios de-pressivos.

• Perturbações neuróticas, perturbações relacionadas com o stress e perturbações somatofor-mes – por exemplo, ansiedade generalizada, perturbações obsessivo-compulsivas.

• Síndromes comportamentais associadas a disfunções fisiológicas e a factores físicos – porexemplo, perturbações da alimentação, perturbações não-orgânicas do sono.

• Perturbações da personalidade e do comportamento do adulto – por exemplo, perturbaçõesparanóicas da personalidade, transexualismo.

• Atraso mental – por exemplo, atraso mental ligeiro.• Perturbações do desenvolvimento psicológico – por exemplo, perturbações específicas da lei-

tura, autismo infantil.• Perturbações do comportamento e perturbações emocionais que aparecem habitualmente na

infância e na adolescência – por exemplo, perturbações hipercinéticas, perturbações do comporta-mento, tiques.

• Perturbação mental não especificada

O relatório concentra-se numa selecção de pertur-bações que geralmente causam incapacidade gravequando não tratadas adequadamente e que impõempesados encargos à comunidade. São eles as per-turbações depressivas, as perturbações por abusode substâncias, a esquizofrenia, a epilepsia, a doen-ça de Alzheimer, o atraso mental e as perturbaçõesda infância e da adolescência. A inclusão da epi-lepsia é explicada mais adiante neste capítulo.Algumas das perturbações mentais e comportamen-

tais são incluídas em «perturbações neuropsi-quiátricas» no anexo estatístico deste relatório. Essegrupo inclui a perturbação afectiva bipolar, as psi-coses, a epilepsia, a dependência do álcool, adoença de Alzheimer e outras demências, a doen-ça de Parkinson, a esclerose múltipla, a dependên-cia de drogas, a perturbação da dependência pós-traumática de drogas, as perturbaçõesobsessivo-compulsivas, as perturbações de pânicoe as perturbações do sono.

Caixa 2.1. Classificação das perturbaçõesmentais e comportamentais na ICD-10 (continuação).

e as definições das perturbações incluídas no estudo. Quando se conside-ram todas as perturbações incluídas na ICD-10 (ver Caixa 2.1), têm sidoencontradas maiores taxas de prevalência. Pesquisas realizadas tanto empaíses desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento mostraram que,

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 57

durante toda a sua vida, mais de 25% das pessoas apresentam uma ou maisperturbações mentais e comportamentais (Regier e col., 1988; Wells e col.,1989; Almeida Filho e col., 1997).

A maioria dos estudos chegou à conclusão de que a prevalência geral dasperturbações mentais é aproximadamente a mesma no sexo masculino e nofeminino. As diferenças porventura existentes são explicadas pela distribui-ção diferencial das perturbações. As perturbações mentais graves tambémsão praticamente comuns, com excepção da depressão, mais frequente nosexo feminino, e das perturbações causadas pelo abuso de substâncias, queocorrem mais frequentemente no sexo masculino.

A relação entre pobreza e perturbações mentais é examinada mais adiante,neste capítulo.

Cidades Depressãoactual

(%)

Ansiedadegeneralizada

(%)

Dependênciado álcool

(%)

Todasas perturbações

mentais(segundo a CIDIa)

(%)Ancara, Turquia 11,6 0,9 1,0 16,4

Atenas, Grécia 6,4 14,9 1,0 19,2

Bangalore, Índia 9,1 8,5 1,4 22,4

Berlim, Alemanha 6,1 9,0 5,3 19,3

Groningen, Holanda 15,9 6,4 3,4 23,9

Ibadã, Nigéria 4,2 2,9 0,4 9,5

Munique, Alemanha 11,2 7,9 7,2 23,6

Manchester, GB 16,9 7,1 2,2 24,8

Nagasaki, Japão 2,6 5,0 3,7 9,4

Paris, França 13,7 11,9 4,3 26.3

Rio de Janeiro, Brasil 15,8 22,6 4,1 35,5

Santiago, Chile 29,5 19,7 2,5 52,5

Seattle, E.U.A. 6,3 2,1 1,5 11,9

Shanghai, China 4,0 1,9 1,1 7,3

Verona, Itália 4,7 3,7 0,5 9,8

Total 10,4 7,9 2,7 24,0

Tabela 2.1 Prevalência de perturbações psiquiátricas major em cuidados primários de saúde.

a CIDI: Composite International Diagnostic Interview.Fonte: Goldberg, D. P.; Lecrubier, Y. (1995). «Form and frequency of mental disorders acrosscentres». Em Üstün, T. B., Sartorius, N., orgs. Mental illness in general care: an internationalstudy. Chichester, John Wiley & Sons para a OMS: 332-334.

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58 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Perturbações observadas no contextodos cuidados primários de saúde

As perturbações mentais e comportamentais são comuns entre os utentesdos serviços de cuidados primários de saúde. É útil uma avaliação do grau e dopadrão dessas perturbações, nesse contexto, pelas potencialidades que há naidentificação e no tratamento de perturbações, a este nível.

Os estudos epidemiológicos, em cuidados primários, têm-se baseado naidentificação de perturbações mentais, através do uso de instrumentos de tria-gem, no diagnóstico clínico por profissionais de cuidados primários ou atravésde entrevistas para o diagnóstico psiquiátrico. O estudo transcultural, realiza-do pela OMS em 14 locais (Üstün e Sartori, 1995; Goldberg e Lecrubier, 1995),usou três diferentes métodos de diagnóstico: um instrumento breve de tria-gem, uma entrevista minuciosa estruturada e um diagnóstico clínico pelo mé-dico de cuidados primários. Embora houvesse consideráveis variações nasprevalências, em diferentes locais, os resultados demonstram claramente queuma proporção substancial (cerca de 24%) de todos os doentes, naquele nível,evidenciava perturbação mental (ver tabela 2.1). No contexto dos cuidadosprimários, os diagnósticos mais comuns são a depressão, a ansiedade e pertur-bações pelo abuso de substâncias. Estes problemas estão presentes isolada-mente ou em conjunto com uma ou mais afecções físicas. Não há diferençasconstantes na prevalência entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Impacte das perturbações

As perturbações mentais e comportamentais exercem um considerável im-pacte sobre os indivíduos, as famílias e as comunidades. Os indivíduos não sóapresentam sintomas inquietantes do seu problema, como sofrem também porestarem incapacitados de participar em actividades de trabalho e lazer, muitasvezes por discriminação. Eles preocupam-se pelo facto de não poderem arcarcom as suas responsabilidades para com a família e os amigos e receiam serum fardo para os outros.

Segundo estimativas, uma em quatro famílias tem pelo menos um membroque sofre actualmente de uma perturbação mental ou comportamental. Estasfamílias vêem-se obrigadas a proporcionar não só apoio físico e emocional,mas também a suportar o impacte negativo do estigma e da discriminação,presentes em toda a parte do mundo. Embora não tenha sido adequadamenteestudado o peso dos cuidados a um familiar com perturbação mental ou com-portamentais, as indicações disponíveis parecem mostrar que essa carga é real-mente substancial (Pai e Kapur, 1982; Fadden e col., 1987; Winefield e Harvey,1994). Os encargos que recaem sobre a família vão desde os custos económi-

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 59

cos às reacções emocionais às doenças, ao stress face a um comportamentoperturbado, à disrupção da rotina doméstica e à restrição das actividades soci-ais (OMS, 1997a). Os gastos com o tratamento de doenças mentais muitasvezes recaem sobre a família, seja por não haver seguro disponível, seja porqueo seguro não cobre as perturbações mentais.

Além do peso directo, é preciso ter em conta as oportunidades perdidas. Asfamílias que têm um membro que sofre de perturbação mental fazem diversosajustes e compromissos, que impedem outros familiares de atingir o seu plenopotencial no trabalho, nas relações sociais e no lazer (Gallagher e Mechanic,1996). Esses são os aspectos humanos do custo das perturbações mentais,difíceis de avaliar e quantificar, não obstante a sua importância. As famíliasvêem-se na contingência de dedicar uma parcela considerável do seu tempopara cuidar de um parente mentalmente doente, e sofrem privações económi-cas e sociais por essa pessoa não ser inteiramente produtiva. Há também oconstante temor de que a recorrência da doença possa causar uma perturba-ção repentina e inesperada na vida dos membros da família.

É grande, e tem múltiplos aspectos, o impacte das perturbações mentaissobre as comunidades. Há o custo da prestação de cuidados, a perda de pro-dutividade e certos problemas legais (inclusive violência) associados com algu-mas perturbações, embora a violência seja causada, muito mais frequentemen-te, por pessoas «normais» do que por indivíduos com perturbações mentais.

Uma variedade específica de ónus é a que recai sobre a saúde. Esse aspectotem sido tradicionalmente medido – em estatísticas de saúde nacionais e inter-nacionais – só em termos de incidência/prevalência e de mortalidade. Emboraesses índices sejam adequados para doenças agudas que causam morte ou re-sultam em recuperação plena, o seu uso em doenças crónicas e incapacitantesenfrenta graves limitações. Isso é particularmente verdadeiro no caso das per-turbações mentais e comportamentais, que são causas mais frequentes de inca-pacidade do que de morte prematura. Uma maneira de explicar a cronicidadedas perturbações e a incapacidade por elas causada é a metodologia da CargaGlobal de Doenças (CGD). A metodologia da CGD 2000 é descrita resumida-mente na Caixa 2.2. Nas estimativas iniciais calculadas para 1990, as pertur-bações mentais e neurológicas representavam 10,5% do total de AVAI perdi-dos por todas as doenças e lesões. Esse valor demonstrou, pela primeira vez, opesado ónus devido a esses problemas. A estimativa para 2000 é de 12,3%para AVAI (ver figura 2.1). Três condições neuropsiquiáticas situam-se entreas 20 principais causas de AVAI para todas as idades, e seis para a faixa etáriade 15-44 anos (ver figura 2.2). No cálculo de AVAI, estimativas recentes daAustrália, baseadas em métodos minuciosos e diferentes fontes de dados con-firmaram as perturbações mentais como principal causa do ónus da incapaci-dade (Vos e Mathers, 2000). Uma análise das tendências indica claramenteque essa carga crescerá rapidamente no futuro. As projecções indicam que

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60 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Em 1993, a Escola de Saúde Pública de Harvard,em colaboração com o Banco Mundial e a OMS,avaliou a Carga Global de Doença (CGD)1. Além degerar o conjunto mais abrangente e consistente deestimativas de mortalidade e morbilidade por ida-de, sexo e região já produzido, a CGD introduziutambém um novo parâmetro de medida – ano devida ajustado por incapacidade (AVAI) – para quan-tificar a carga das doenças2,3. O AVAI mede o des-nível de saúde, combinando informações sobre oimpacte da morte prematura com a incapacidade eoutros resultados não fatais. Pode-se considerarcomo um AVAI um ano perdido de vida «saudável»,e a carga das doenças como uma medida do des-nível entre o status de saúde actual e uma situaçãoideal na qual todos chegam à velhice livres de do-enças e deficiências. Encontra-se uma resenha dodesenvolvimento dos AVAI e dos progressos recen-tes na aferição da carga de doenças em Murray eLopez (2000)4.A Organização Mundial da Saúde empreendeu umanova avaliação da Carga Global de Doença para oano 2000, a CGD 2000, com os seguintes objecti-vos específicos:

• quantificar o ónus da mortalidade prema-tura e da incapacidade por idade, sexo e

região, para 135 causas ou grupos decausas major;

• analisar a contribuição para esse ónusde factores de risco seleccionados, usan-do um quadro de referência comparável;

• desenvolver vários cenários de projec-ção da carga das doenças nos próximos30 anos.

Os AVAI referentes a uma doença são a soma dosanos de vida perdidos em virtude de mortalidadeprematura (AVP) na população e os anos perdidosem virtude de incapacidade (API) pela incidênciade doenças na população. O AVAI é uma medida dodesnível de saúde que amplia o conceito de anospotenciais de vida perdida em virtude de morte pre-matura (VPMP), incluindo anos equivalentes de vidasadia perdidos em estados de saúde menos do queplena, denominada, grosso modo, incapacidade.Os resultados da CGD 2000 para perturbaçõesneuropsiquiátricas referidos neste relatório ba-seiam-se numa ampla análise de dados de morta-lidade de todas as regiões do mundo, juntamentecom resenhas sistemáticas de estudos epidemio-lógicos e pesquisas sobre saúde mental baseadasna população. Os resultados finais da CGD 2000serão publicados em 2002.

1 Banco Mundial (1993). World development report 1993: investing in health. Nova Iorque, Oxford University Press parao Banco Mundial.2 Murray, C. J. L.; Lopez, A. D., orgs. (1996a). The global burden of disease: a comprehensive assessment of mortality anddisability from diseases, injuries and risk factors in 1990 an projected to 2020. Cambridge, M. A.; Harvard School of PublicHealth para a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial (Global Burden of Disease and Injury Series, Vol. I).3 Murray, C. J. L.; Lopez, A. D., orgs. (1996b). Global health statistics. . Cambridge, MA, Harvard School of Public Healthpara a Organização Mundial da Saúde e o Banco Mundial (Global Burden of Disease and Injury Series, Vol. II).4 Murray, C. J. L.; Lopez, A. D. (2000). Progress and direction in refining the global burden of disease approach: a responseto Williams. Health Economics, 9: 69-82.

Caixa 2.2. A Carga Global de Doenças 2000.

crescerá para 15% até ao ano 2020 (Murray e Lopez, 1996a). As propor-ções globais e regionais de AVAI e AVI para as condições neuropsiquiátricas,são indicadas na figura 2.1.

Considerando apenas a componente incapacidade, as estimativas da CGD2000 mostram que as afecções mentais e neurológicas respondem por 30,8%de todos os anos vividos com incapacidade (AVI). De facto, a depressãocausa a maior proporção de incapacidade, representando quase 12% do to-

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 61

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62 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

tal. Seis afecções neuropsiquiátricas situaram-se entre as 20 principais causasde incapacidade (AVI) no mundo, desdobrando-se em perturbações depressi-vas unipolares, perturbações pela utilização do álcool, esquizofrenia, pertur-bações afectivas bipolares, doença de Alzheimer e outras demências, e hemi-crania (ver figura 2.3).

A taxa de incapacidade, devida a perturbações mentais e neurológicas, éelevada em todas as regiões do mundo. Como proporção do total, porém, elaé relativamente menor nos países em desenvolvimento, em resultado, sobretu-do, do enorme peso das doenças transmissíveis, maternas, perinatais e nutri-cionais naquelas regiões. Mesmo assim, as perturbações neuropsiquiátricasrespondem por 15% de todos os AVI em África.

Há diferentes graus de incerteza nas estimativas de AVAI e AVI da CGD2000 para perturbações mentais e neurológicas, nomeadamente quanto à pre-valência de diversas condições em diferentes regiões do mundo, e ainda quantoà variação das suas distribuições segundo a gravidade. De um modo particular,há considerável incerteza quanto às estimativas de prevalência de perturbaçõesmentais em muitas regiões, reflectindo as limitações relativas aos instrumentosde autonotificação para classificar sintomas de saúde mental, de forma compa-rável, entre diferentes populações; à possibilidade de generalização de pesquisasem subpopulações para grupos populacionais maiores e à informação disponí-vel para classificar a gravidade dos sintomas de incapacidade nas condições deagravos à saúde mental.

Custos económicos para a sociedade

O impacte económico das perturbações mentais é profundo, durável e enor-me. Estes problemas impõem ao indivíduo, à família e à comunidade no seutodo uma série de custos. Parte desse tributo é evidente e mensurável, enquan-to outra parte é quase impossível de medir. Entre os componentes mensuráveisestão os serviços sociais e de saúde, a perda de emprego e a redução da produ-tividade, o impacte nas famílias e nos prestadores de cuidados, os níveis decriminalidade e a segurança pública e o impacte negativo da mortalidade pre-matura.

Alguns estudos, principalmente de países industrializados, calcularam oscustos económicos agregados das perturbações mentais. Um desses estudos(Rice e col., 1990) concluiu que o custo agregado para os Estados Unidoscorrespondeu a 2,5% do produto nacional bruto. Alguns estudos da Europaestimaram a proporção dos gastos, neste domínio, em relação aos custos detodos os serviços de saúde: na Holanda, essa relação foi de 23,2% (Meerdinge col., 1998), e no Reino Unido, para gastos com doentes internados, a pro-porção foi de 22% (Patel e Knapp, 1998). Embora não haja estimativas cien-

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 63

tíficas disponíveis para outras regiões do mundo, é provável que os custos dasperturbações mentais em relação à economia global sejam também elevados.Embora as estimativas de custos directos possam ser baixas, em países onde adisponibilidade e a cobertura de cuidados em saúde mental são pequenas, taisestimativas não são muito credíveis. Os custos indirectos, decorrentes da perdade produtividade, respondem por uma proporção maior do total do que os cus-tos directos. Além disso, os baixos custos do tratamento (devido à falta dele)podem efectivamente elevar os custos indirectos, ao fazer aumentar a duraçãodas perturbações não tratadas e da concomitante incapacidade (Chisholm e col.,2000).

Com quase toda a certeza, estas estimativas de avaliações económicas sãoinferiores aos custos reais, uma vez que não têm em conta os custos de oportu-nidade perdida pelos indivíduos e as suas famílias.

Impacte na qualidade de vida

As perturbações mentais e comportamentais causam tremendas perturba-ções na vida dos que são afectados e das suas famílias. Embora não seja possí-vel medir toda a gama de sofrimento e infelicidade, um dos métodos de aferiro seu impacte é usar instrumentos que meçam a qualidade de vida (QDV)(Lehman e col., 1998). As medidas de QDV usam as classificações subjectivasdo indivíduo em diversas áreas, procurando avaliar o impacte dos sintomas eperturbações sobre a vida (Orley e col., 1998). Há diversos estudos sobre aqualidade da vida das pessoas que sofrem de perturbações mentais, que con-cluem que o impacte negativo, embora não seja substancial, é sustentado(UK700 Group, 1999). Já se demonstrou que a qualidade da vida continua aser baixa, mesmo depois da recuperação, em virtude de factores sociais queincluem a persistência do estigma e da discriminação. Os resultados dos estu-dos de QDV indicam também que os indivíduos com perturbações mentaisgraves, com internamento prolongado em hospitais psiquiátricos, têm umaqualidade de vida mais baixa do que os que vivem na comunidade. Um estudorecente demonstrou claramente que as necessidades sociais e de funcionamen-to básicas não satisfeitas foram os mais importantes previsores de uma baixaqualidade de vida entre pessoas com perturbações mentais graves (UK700Group, 1999).

O impacte sobre a qualidade da vida não fica limitado às perturbaçõesmentais graves. As perturbações de ansiedade e de pânico também têm umefeito significativo, especialmente no que se refere ao funcionamento psicoló-gico (Mendlowicz e Stein, 2000; Orley e Kuyken, 1994).

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64 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Ambos os sexos,todas as idades

%do total

Masculino,todas as idades

%do total

Feminino,todas as idades

%do total

1 Infecções das viasaéreas inferiores

6,4 1 Condições perinatais 6,4 1 HIV/SIDA 6.5

2 Condições perinatais 6,2 2 Infecções das viasaéreas inferiores

6,4 2 Infecções das viasaéreas inferiores

6,4

3 HIV/SIDA 6,1 3 HIV/SIDA 5,8 3 Condições perinatais 6,0

4 Perturbaçõesdepressivas unipolares

4,4 4 Doenças diarreicas 4,2 4 Perturbaçõesdepressivas unipolares

5,5

5 Doenças diarreicas 4,2 5 Isquemia cardíaca 4,2 5 Doenças diarreicas 4,2

6 Isquemia cardíaca 3,8 6 Acidentes de viação 4,0 6 Isquemia cardíaca 3,3

7 Doençascerebrovasculares

3,1 7 Perturbaçõesdepressivas unipolares

3,4 7 Doençascerebrovasculares

3,2

8 Acidentes de viação 2,8 8 Doençascerebrovasculares

3,0 8 Malária 3,0

9 Malária 2,7 9 Tubercolose 2,9 9 Malformações congénitas 2,2

10 Tubercolose 2,4 10 Malária 2,5 10 Doença pulmonarobstrutiva crónica

2,1

11 Doença pulmonarobstrutiva crónica

2,3 11 Doença pulmonarobstrutiva crónica

2,4 11 Anemia ferripriva 2,1

12 Malformações congénitas 2,2 12 Malformações congénitas 2,2 12 Tubercolose 2,0

13 Sarampo 1,9 13 Perturbações porutilização de álcool

2,1 13 Sarampo 2,0

14 Anemia ferripriva 1,8 14 Sarampo 1,8 14 Perda da audiçãona idade adulta

1,7

15 Perda da audiçãona idade adulta

1,7 15 Perda da audiçãona idade adulta

1,8 15 Acidentes de viação 1,5

16 Quedas 1,3 16 Violência 1,6 16 Osteoartrite 1,4

17 Lesões autoprovocadas 1,3 17 Anemia ferripriva 1,5 17 Desnutriçãoproteico-energética

1,2

18 Perturbações porutilização de álcool

1,3 18 Quedas 1,5 18 Lesões autoprovocadas 1,1

19 Desnutriçãoproteico-energética

1,1 19 Lesões autoprovocadas 1,5 19 Diabetes mellitus 1,1

20 Osteoartrite 1,1 20 Cirrose hepática 1,4 20 Quedas 1,1

Figura 2.2 Principais causas de anos de vida ajustados para incapacidade (AVAI) em todas as idadese na faixa etária de 15-44 anos, por sexo, estimativa para 2000a

a As afecções neuropsiquiátricas e lesões autoprovocadas estão destacadas.

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 65

Ambos os sexos,15-44 anos

%do total

Masculino,15-44 anos

%do total

Feminino,15-44 anos

%do total

1 HIV/SIDA 13,0 1 HIV/SIDA 12,1 1 HIV/SIDA 13,9

2 Perturbaçõesdepressivas unipolares

8,6 2 Acidentes de viação 7,7 2 Perturbaçõesdepressivas unipolares

10,6

3 Acidentes de viação 4,9 3 Perturbaçõesdepressivas unipolares

6,7 3 Tubercolose 3,2

4 Tubercolose 3,9 4 Perturbações porutilização de álcool

5,1 4 Anemia ferripriva 3,2

5 Perturbações porutilização de álcool

3,0 5 Tubercolose 4,5 5 Esqizofrenia 2,8

6 Lesões autoprovocadas 2,7 6 Violência 3,7 6 Complicaçõesno trabalho de parto

2,7

7 Anemia ferripriva 2,6 7 Lesões autoprovocadas 3,0 7 Perturbaçõesafectivas bipolares

2,5

8 Esqizofrenia 2,6 8 Esqizofrenia 2,5 8 Aborto 2,5

9 Perturbaçõesafectivas bipolares

2,5 9 Perturbaçõesafectivas bipolares

2,4 9 Lesões autoprovocadas 2,4

10 Violência 2,3 10 Anemia ferripriva 2,1 10 Sepse materna 2,1

11 Perda da audiçãona idade adulta

2,0 11 Perda da audiçãona idade adulta

2,0 11 Acidentes de viação 2,0

12 Doença pulmonarobstrutiva crónica

1,5 12 Isquemia cardíaca 1,9 12 Perda da audiçãona idade adulta

2,0

13 Isquemia cardíaca 1,5 13 Guerra 1,7 13 Clamídia 1,9

14 Doençascerebrovasculares

1,4 14 Quedas 1,7 14 Perturbações de pânico 1,6

15 Quedas 1,3 15 Cirrose hepática 1,6 15 Doença pulmonarobstrutiva crónica

1,5

16 Complicaçõesdo treabalho de parto

1,3 16 Perturbações porutilização de drogas

1,6 16 Hemorragia materna 1,5

17 Aborto 1,2 17 Doençascerebrovasculare

1,5 17 Osteoartrite 1,4

18 Osteoartrite 1,2 18 Doença pulmonarobstrutiva crónica

1,5 18 Doençascerebrovasculares

1,3

19 Guerra 1,2 19 Asma 1,4 19 Hemicrania 1,2

20 Perturbações de pânico 1,2 20 Afogamento 1,1 20 Isquemia cardíaca 1,1

Figura 2.2 Principais causas de anos de vida ajustados para incapacidade (AVAI) em todas as idadese na faixa etária de 15-44 anos, por sexo, estimativa para 2000a (continuação)

a As afecções neuropsiquiátricas e lesões autoprovocadas estão destacadas.

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66 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Figura 2.3 Principais causas de anos de vida vividos com incapacidade (AVI) em todas as idadese na faixa de 15-44 anos, por sexo, estimativa para 2000a

a As condições neuropsiquiátricas estão destacadas.

Ambos os sexos,todas as idades

%do total

Masculino,todas as idades

%do total

Feminino,todas as idades

%do total

1 Perturbaçõesdepressivas unipolares

11,9 1 Perturbaçõesdepressivas unipolares

9,7 1 Perturbaçõesdepressivas unipolares

14,0

2 Perda da audiçãona idade adulta

4,6 2 Perturbações porutilização de álcool

5,5 2 Anemia ferripriva 4,9

3 Anemia ferripriva 4,5 3 Perda da audiçãona idade adulta

5,1 3 Perda da audiçãona idade adulta

4,2

4 Doença pulmonarobstrutiva crónica

3,3 4 Anemia ferripriva 4,1 4 Osteoartrite 3,5

5 Perturbações porutilização de álcool

3,1 5 Doença pulmonarobstrutiva crónica

3,8 5 Doença pulmonarobstrutiva crónica

2,9

6 Osteoartrite 3,0 6 Quedas 3,3 6 Esquizofrenia 2,7

7 Esquizofrenia 2,8 7 Esquizofrenia 3,0 7 Perturbaçõesafectivas bipolares

2,4

8 Quedas 2,8 8 Acidentes de viação 2,7 8 Quedas 2,3

9 Perturbaçõesafectivas bipolares

2,5 9 Perturbaçõesafectivas bipolares

2,6 9 Alzheimare outras demências

2,2

10 Asma 2,1 10 Osteoartrite 2,5 10 Complicaçõesno trabalho de parto

2,1

11 Malformações congénitas 2,1 11 Asma 2,3 11 Cataratas 2,0

12 Condições perinatais 2,0 12 Condições perinatais 2,2 12 Hemicrania 2,0

13 Alzheimare outras demências

2,0 13 Malformações congénitas 2,2 13 Malformações congénitas 1,9

14 Cataratas 1,9 14 Cataratas 1,9 14 Asma 1,8

15 Acidentes de viação 1,8 15 Anemia ferripriva 1,8 15 Condições perinatais 1,8

16 Desnutriçãoproteico-energética

1,7 16 Alzheimare outras demências

1,8 16 Clamídia 1,8

17 Doençascerebrovasculares

1,7 17 Doençascerebrovasculares

1,7 17 Doençascerebrovasculares

1,8

18 HIV/SIDA 1,5 18 HIV/SIDA 1,6 18 Desnutriçãoproteico-energética

1,6

19 Hemicrania 1,4 19 Filaríase linfática 1,6 19 Aborto 1,6

20 Diabetes mellitus 1,4 20 Perturbações porutilização de drogas

1,6 20 Perturbações de pânico 1,6

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 67

Figura 2.3 Principais causas de anos de vida vividos com incapacidade (AVI) em todas as idadese na faixa de 15-44 anos, por sexo, estimativa para 2000a (continuação)

Ambos os sexos,15-44 anos

%do total

Masculino,15-44 anos

%do total

Feminino,15-44 anos

%do total

1 Perturbaçõesdepressivas unipolares

16,4 1 Perturbaçõesdepressivas unipolares

13,9 1 Perturbaçõesdepressivas unipolares

13,9

2 Esqizofrenia 5,5 2 Perturbações porutilização de álcool

10,1 2 Anemia ferripriva 10,6

3 Anemia ferripriva 4,9 3 Esqizofrenia 5,0 3 Esqizofrenia 3,2

4 Perturbaçõesafectivas bipolares

4,9 4 Perturbaçõesafectivas bipolare

5,0 4 Perturbaçõesafectivas bipolares

3,2

5 Perturbaçõesafectivas bipolares

4,7 5 Anemia ferripriva 4,2 5 Complicaçõesno trabalho de parto

2,8

6 Perda da audiçãona idade adulta

3,8 6 Perda da audiçãona idade adulta

4,1 6 Perda da audiçãona idade adulta

2,7

7 HIV/SIDA 2,8 7 Acidentes de viação 3,8 7 Clamídia 2,5

8 Doença pulmonarobstrutiva crónica

2,4 8 HIV/SIDA 3,2 8 Aborto 2,5

9 Osteoartrite 2,3 9 Perturbações porutilização de drogas

3,0 9 Perturbações de pânico 2,4

10 Acidentes de viação 2,3 10 Doença pulmonarobstrutiva crónica

2,6 10 HIV/SIDA 2,1

11 Perturbações de pânico 2,2 11 Asma 2,5 11 Osteoartrite 2,0

12 Complicaçõesno trabalho de parto

2,1 12 Quedas 2,4 12 Sepse materna 2,0

13 Clamídia 2,0 13 Osteoartrite 2,1 13 Doença pulmonarobstrutiva crónica

1,9

14 Quedas 1,9 14 Filaríase linfática 2,1 14 Hemicrania 1,6

15 Asma 1,9 15 Perturbações de pânico 1,6 15 Perturbaçõespor utilização de álcool

1,5

16 Perturbações porutilização de drogas

1,8 16 Tuberculose 1,6 16 Arttrite reumatóide 1,5

17 Aborto 1,6 17 Gota 1,3 17 Perturbaçõesobsessivocompulsivas

1,4

18 Hemicrania 1,6 18 Perturbaçõesobsessivocompulsivas

1,3 18 Quedas 1,3

19 Perturbaçõesobsessivocompulsivas

1,4 19 Violência 1,2 19 Estado de pós-stresstraumático

1,2

20 Sepse materna 1,2 20 Gonorreia 1,1 20 Asma 1,1

a As condições neuropsiquiátricas estão destacadas.

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68 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Algumas perturbações comuns

As perturbações mentais e comportamentais apresentam um quadro varia-do e heterogéneo. Enquanto algumas são ligeiras, outras são graves. Umasduram poucas semanas, ao passo que outras podem durar a vida inteira. Algu-mas não chegam a ser sequer discerníveis, a não ser através de um exameminucioso, ao passo que outras são impossíveis de ocultar mesmo a um obser-vador casual. Este relatório concentra-se em algumas perturbações comunsque impõem pesadas cargas à comunidade e são geralmente encaradas comgrande preocupação. É o caso das perturbações depressivas, das devidas àutilização de substâncias, da esquizofrenia, da epilepsia, da doença de Alzheimer,do atraso mental e das perturbações da infância e da adolescência. A inclusãoda epilepsia requer uma explicação. Trata-se de uma perturbação neurológicae está classificada no Capítulo VI da ICD-10 com outras doenças do sistemanervoso. Antigamente, porém, a epilepsia era considerada uma perturbaçãomental e ainda é considerada como tal em muitas sociedades. Tal como osportadores de perturbações mentais, as pessoas com epilepsia são alvo de es-tigma e podem ter incapacidade grave, se a doença não for tratada. O controloda epilepsia é, muitas vezes, da responsabilidade de profissionais de saúdemental, dada a alta prevalência desta perturbação e a relativa escassez de ser-viços neurológicos especializados, especialmente nos países em desenvolvimento.Além disso, muitos países têm legislação que impede as pessoas com perturba-ções mentais e epilepsia de assumirem certas responsabilidades civis.

A secção seguinte descreve resumidamente a epidemiologia, a carga, a pro-gressão/resultado e as características especiais de algumas perturbações, comoexemplos, para dar contexto à discussão das intervenções disponíveis (no Ca-pítulo 3) e às políticas e aos programas de saúde mental (no Capítulo 4).

Perturbações depressivas

A depressão caracteriza-se por tristeza, perda de interesse nas actividades ediminuição da energia. Outros sintomas são a perda de confiança e auto-esti-ma, o sentimento injustificado de culpa, ideias de morte e suicídio, diminuiçãoda concentração e perturbações do sono e do apetite. Podem estar presentestambém diversos sintomas somáticos. Embora os sentimentos depressivos se-jam comuns, especialmente depois de passar por reveses na vida, o diagnósticoda depressão só se faz quando os sintomas atingem um certo limiar e perdu-ram por, pelo menos, duas semanas. A depressão pode variar em gravidade,desde a depressão ligeira até à muito grave (ver figura 1.3). Ocorre muitasvezes episodicamente, mas pode ser recorrente ou crónica. É mais comum nosexo feminino do que no masculino. A CGD 2000 estima que a prevalência de

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O PESO DAS PERTURBAÇÕES MENTAIS E COMPORTAMENTAIS 69

ponto dos episódios depressivos unipolares se situará em 1,9% no sexo mas-culino e em 3,2% no feminino; e que 5,8% dos homens e 9,5% das mulherespassarão por um episódio depressivo num período de 12 meses. Estes valoresde prevalência variam entre as diferentes populações, podendo ser mais eleva-dos em algumas delas.

A análise da CGD 2000 mostra também que as perturbações depressivasunipolares impõem um encargo pesado à sociedade, situando-se em quartolugar, entre todas as doenças, nas que originam mais encargos, respondendopor 4,4% do total de AVAI e sendo a principal causa de AVI, de cujo totalrepresentam 11,9%. Na faixa etária dos 15 aos 44 anos, foi a segunda maiorcausa de ónus, totalizando 8,6% de AVAI perdidos. Embora essas estimativasdemonstrem claramente o muito elevado nível actual da carga resultante dadepressão, as perspectivas para o futuro são ainda mais sombrias. Até 2020, sepersistirem as tendências da transição demográfica e epidemiológica, a cargada depressão subirá a 5,7% da carga total de doenças, tornando-se a segundamaior causa de AVAI perdidos. Em todo o mundo, só a doença isquémicacardíaca a suplantará em AVAI perdidos, em ambos os sexos. Nas regiõesdesenvolvidas, a depressão é que terá, então, mais peso na carga de doenças.

A depressão pode afectar as pessoas em qualquer fase da vida, embora aincidência seja mais alta nas idades médias. Há, porém, um crescente reconhe-cimento da depressão durante a adolescência e o princípio da vida adulta(Lewinsohn e col,. 1993). A depressão é essencialmente um episódio recorren-te durando geralmente cada um entre alguns meses e alguns anos, com umperíodo normal entre eles. Em cerca de 20% dos casos, porém, a depressãoevolui, sem remissão, para a cronicidade (Thornicroft e Sartorius, 1993), espe-cialmente quando não há tratamento adequado disponível. A taxa derecorrência para os que recuperam do primeiro episódio situa-se à volta dos35% aos 2 anos, e cerca de 60% aos 12 anos. A taxa de recorrência é maiselevada nos indivíduos com mais de 45 anos de idade. Um dos resultadosparticularmente trágicos de uma perturbação depressiva é o suicídio. Cerca de15%-20% dos doentes depressivos põem termo à vida cometendo suicídio(Goodwin e Jamison, 1990). O suicídio continua a ser um dos resultados fre-quentes e evitáveis da depressão.

A perturbação afectiva bipolar é uma perturbação depressiva acompanha-da de episódios maníacos caracterizados por humor expansivo, aumento daactividade, autoconfiança excessiva e deterioração da concentração. Segundoa CGD 2000, a prevalência de ponto das perturbações bipolares é de aproxi-madamente 0,4%.

Em suma, a depressão é uma perturbação mental comum que gera umónus de doença muito elevado e deverá mostrar uma tendência ascendente nospróximos 20 anos.

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70 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Perturbações pela utilização de substâncias

As perturbações mentais e comportamentais resultantes da utilização de subs-tâncias psicoactivas incluem as perturbações devidas à utilização de álcool, opiá-ceos, tais como ópio ou heroína, canabinóides como cannabis, sedativos e hipnó-ticos, cocaína, outros estimulantes, alucinogénios, tabaco e solventes voláteis, esão originadas por intoxicação, uso nocivo, dependência e perturbações psicóti-cas. Faz-se o diagnóstico de utilização nociva quando se verifica dano da saúdefísica ou mental. A síndrome de dependência envolve desejo pronunciado de to-mar a substância, dificuldade de controlar o uso, estados de supressão fisiológica,tolerância, diminuição ou abandono da participação noutros prazeres e interessese uso persistente não obstante os danos causados ao próprio e aos outros.

Embora o uso de substâncias (juntamente com as perturbações a elas asso-ciadas) varie de uma região para outra, o tabaco e o álcool são, em geral, assubstâncias de maior uso no mundo e as que têm mais graves consequênciaspara a saúde pública.

O uso do tabaco é extremamente comum, na maioria dos casos sob a for-ma de cigarros. O Banco Mundial estima que, nos países de elevado rendimen-to, os cuidados de saúde relacionados com o tabagismo correspondem a6%-15,1% dos custos anuais dos cuidados de saúde (Banco Mundial, 1999).

Hoje, cerca de um em quatro adultos, ou 1,2 biliões de pessoas, fuma. Até2025, o número deverá subir para mais de 1600 milhões. Segundo estimati-vas, o tabaco foi responsável por mais de 3 milhões de mortes em 1990, atin-gindo 4 milhões de mortes em 1998. Estima-se que as mortes imputáveis aotabaco subirão a 8,4 milhões em 2020 e chegarão a 10 milhões por volta de2030. Esse aumento, porém, não será igualmente dividido: nos países em de-senvolvimento, as mortes deverão subir 50%, de 1,6 para 2,4 milhões, aopasso que, na Ásia, elas subirão de 1,1 milhão, em 1990, para o nível estimadode 4,2 milhões em 2020 (Murray e Lopez, 1997).

Além dos factores sociais e comportamentais associados com o início dotabagismo, observa-se uma clara dependência da nicotina na maioria dos fu-madores crónicos. Esta dependência impede esses indivíduos de deixarem defumar e de manterem o tabaco à distância. A caixa 2.3 descreve o vínculoentre perturbações mentais e o uso do tabaco.

O álcool é também uma substância de uso comum na maioria das regiõesdo mundo. A prevalência de ponto das perturbações devidas ao uso de álcool(uso patológico e dependência) em adultos foi estimada em cerca de 1,7% emtodo o mundo, segundo análise da CGD 2000. As taxas são de 2,8% para osexo masculino e 0,5% para o feminino. A prevalência de perturbações pelautilização de álcool acusa variações consideráveis entre diferentes regiões domundo, indo de níveis muito baixos nalguns países do Médio Oriente, a maisde 5% na América do Norte e partes da Europa oriental.

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O vínculo entre a utilização do tabaco e pertur-bações mentais é complexo. Os resultados daspesquisas dão fortes indícios de que os profissi-onais de saúde mental precisam de prestar muitomais atenção ao uso do tabaco pelos seus doen-tes durante e depois do tratamento, a fim de evi-tar problemas correlacionados.As pessoas com perturbações mentais têm cercade duas vezes mais probabilidades de fumar doque as outras; as com esquizofrenia e depen-dência do álcool são particularmente propensasa fumar excessivamente, com taxas que vão até86%1-3. Um estudo recente, feito nos EUA, mos-trou que as pessoas com perturbações mentaisacusavam um índice de tabagismo de 41%, emcomparação com 22,5% na população em geral,e estimou que 44% dos cigarros fumados no paíssão consumidos por pessoas com perturbaçõesmentais4.A utilização habitual do tabaco começa mais cedonos adolescentes do sexo masculino com per-turbações de défice de atenção5 e os indivíduoscom depressão têm mais probabilidades de se-rem fumadores6. Embora o pensamento tradi-cional tenha sido o de considerar que as pessoasdeprimidas tendem a fumar mais devido aos seussintomas, novos indícios mostram que pode ocor-rer justamente o contrário. Um estudo em ado-lescentes mostrou que os que se tornavam depri-midos acusavam uma maior prevalência detabagismo anterior – o que indicaria que, efecti-

vamente, o consumo de tabaco resultou emdepressão naquela faixa etária7. Os doentes com perturbações por utilização deálcool e drogas também mostram mudanças sis-temáticas no seu comportamento tabagistadurante o tratamento. Um estudo recente cons-tatou que, embora os fumadores inveteradosfumassem menos quando hospitalizados paradesintoxicação, os moderados aumentavamsubstancialmente o consumo de tabaco8.As razões do elevado índice de tabagismo entrepessoas com perturbações mentais e comporta-mentais não são conhecidas claramente, mas jáse indicou a possibilidade de que ele seja devidoa mecanismos neuroquímicos9. A nicotina é umagente altamente psicoactivo que tem diferen-tes efeitos no cérebro: tem propriedades «refor-çadoras» e activa o sistema de recompensa docérebro; leva também a um aumento da libera-ção de dopamina em zonas do cérebro que es-tão estreitamente relacionadas com perturbaçõesmentais. É possível também que a nicotina sejaconsumida numa tentativa de reduzir a angústiae outros efeitos indesejáveis dos sintomas men-tais. O ambiente social, inclusive o isolamento eo tédio, podem também contribuir para isso, oque é particularmente evidente num contextoinstitucional. Sejam quais forem as razões, nãohá dúvida quanto ao facto de que as pessoas comperturbações mentais põem a sua saúde aindamais em perigo ao fumar excessivamente.

Caixa 2.3. Utilização do tabaco e perturbações mentais.

1 Hughes, J. R. e col. (1985). «Prevalence of smoking among psychiatric outpatients». American Journal of Psychiatry,143: 933-997.2 Golf, D. C. e col. (1992). «Cigarette smoking in schizophrenia: relationship to psychopathology and medication side-effects».. American Journal of Psychiatry, 149: 1189-1194.3 True, W. R. e col. (1999). «Common genetic vulnerability for nicotine and alcohol dependence in men». Archives ofGeneral Psychiatry, 56: 655-661.4 Lasser, K. e col. (2000). «Smoking and mental illness: a population-based prevalence study». Journal of the AmericanMedical Association, 284: 2606-2610.5 Castellanos, F. X. e col. (2000). «Quantitative morphology of the caudate nucleus in attention deficit hyperactivitydisorder». American Journal of Psychiatry, 151(12): 1791-1796.6 Pomerleau, O. F. e col.(1995). «Cigarette smoking in adult patients diagnosed with attention deficit hyperactivitydisorder». Journal of Substance Abuse, 7(3): 373-368.7 Goodman, E.; Capitman, J. (2000). «Changes in cigarette smoking among alcohol and drug misusers during inpatientdetoxification». Addiction Biologogy, 5: 443-450.8 Batra, A. (2000). «Tobacco use and smoking cessation in the psychiatric patient». Forschritte de Neurologie-Psychiatries,68: 80-92.

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O uso do álcool está a aumentar rapidamente em algumas regiões em de-senvolvimento (Jernigan e col., 2000; Riley e Marshall, 1999; WHO, 1999),com possibilidades de agravar problemas relacionados com o álcool (OMS,2000b). O uso do álcool é também um importante motivo de preocupação emrelação às populações indígenas em todo o mundo, que mostram uma preva-lência mais elevada de utilização e dos problemas correlacionados.

O álcool tem uma posição elevada entre as causas da carga de doenças. Oprojecto sobre a carga mundial de doenças (Murray e Lopez, 1996a) calculouque o álcool seria responsável por 1,5% de todas as mortes e por 2,5% dototal de AVAI. Essa carga inclui danos físicos (como cirrose) e lesões (como,por exemplo, lesões por acidentes de viação) imputáveis ao álcool.

O álcool impõe à sociedade um elevado custo económico. Segundo umaestimativa, o custo económico anual do abuso do álcool nos EUA seria deUS$148 biliões, incluindo US$19 biliões para gastos em cuidados de saúde(Harwood e col., 1998). No Canadá, os custos económicos do álcool atingemaproximadamente US$18,4 biliões, representando 2,7% do produto internobruto. Estudos feitos noutros países avaliaram o custo dos problemas relacio-nados com o álcool em cerca de 1% do PIB (Collins e Lapsely, 1996; Rice ecol., 1991). Um estudo recente demonstrou que os gastos hospitalares relacio-nados com o álcool no Novo México, EUA, em 1998, somaram US$51 mi-lhões, em comparação com US$35 milhões arrecadados em impostos sobre oálcool (New Mexico Department of Health, 2001), mostrando claramente queas comunidades gastam mais dinheiro em cuidados com problemas ligados aoálcool do que o que conseguem arrecadar com ele.

Além do tabaco, há também o abuso de grande número de substâncias –geralmente agrupadas na categoria geral de drogas. Estas compreendem dro-gas ilícitas, como heroína, cocaína e cannabis. A prevalência do período doabuso e dependência de drogas vai de 0,4% a 4%, mas o tipo de drogas usadasvaria muito de uma região para outra. A análise da CGD 2000 indica que aprevalência de ponto por perturbações por utilização de heroína e cocaína é de0,25%. As drogas injectáveis trazem em si considerável risco de infecções comoa hepatite B, a hepatite C e o HIV. Calcula-se que existem cerca de 5 milhõesde pessoas no mundo que injectam drogas ilícitas. A prevalência da infecçãopor HIV entre os que usam drogas injectáveis é de 20%-80% em muitas cida-des. O crescente papel do uso deste tipo de drogas na transmissão do HIV temdespertado uma considerável preocupação em todo o mundo, especialmentenos países da Europa central e oriental (UNAIDS, 2000).

A carga imputável às drogas ilícitas (heroína e cocaína) foi estimada em0,4% da carga total de doenças segundo a CGD 2000. O custo económico douso patológico e da dependência de drogas nos EUA foi estimado em US$98bilhões (Harwood e col., 1998). Essas estimativas da carga de doenças e doseu custo não têm em conta diversos efeitos sociais negativos causados pela

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utilização de drogas. O uso de tabaco e de álcool começa tipicamente durantea juventude e actua como facilitador da utilização de outras drogas. Assim, otabaco e o álcool contribuem indirectamente para uma grande proporção dacarga de outras drogas e para as doenças que delas derivam.

Pergunta-se muitas vezes se as perturbações pela utilização de substânciassão realmente perturbações ou se devem ser consideradas antes como compor-tamentos desviantes de pessoas que se entregam propositadamente a uma acti-vidade que lhes causa danos. Embora a decisão de experimentar substânciaspsicoactivas tenha geralmente um carácter pessoal, criar dependência após ouso repetido, torna-se não uma decisão consciente e informada, nem o resulta-do de uma fraqueza moral, mas, antes, o produto de uma complexa combina-ção de factores genéticos, fisiológicos e ambientais. É muito difícil determinarcom precisão quando uma pessoa se torna dependente de uma substância (sejaqual for o seu estatuto legal), havendo indicações de que, em vez de ser umacategoria claramente definida, a dependência instala-se de forma progressiva –do uso inicial, sem dependência significativa, à dependência grave, com conse-quências físicas, mentais e socioeconómicas.

Há também crescentes indícios de alterações neuroquímicas no cérebroassociadas com muitas das características da dependência de substâncias, ecausadoras, de facto, de muitas delas. Os próprios indícios clínicos parecemmostrar que a dependência de substâncias deve ser encarada ao mesmo tempocomo uma doença médica crónica e como um problema social (Leshner, 1997;McLellan e col., 2000). As raízes comuns da dependência de uma série desubstâncias e a elevada prevalência de dependência múltipla indicam tambémque este poblema deve ser considerado como uma perturbação mental com-plexa, possivelmente com base no funcionamento do cérebro.

Esquizofrenia

A esquizofrenia é uma perturbação grave que começa, tipicamente, pertodo fim da adolescência ou no início da idade adulta. Caracteriza-se por distor-ções fundamentais do pensamento e da percepção e por emoções impróprias.A perturbação envolve as funções mais básicas que dão à pessoa normal umsentido de individualidade, singularidade e autodirecção. O comportamentopode mostrar-se gravemente perturbado durante certas fases da perturbação,levando a consequências sociais adversas. A firme crença em ideias que sãofalsas e sem qualquer base na realidade (delírio) é outro aspecto desta pertur-bação.

A esquizofrenia segue um curso variável, com completa recuperação sinto-mática e social em cerca de um terço dos casos. Pode ter, porém, uma evoluçãocrónica ou recorrente, com sintomas residuais e recuperação social incomple-

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ta. Indivíduos com esquizofrenia crónica eram, outrora, uma grande parte dosresidentes em instituições mentais, continuando ainda a sê-lo em lugares ondeessas instituições existem. Com os modernos avanços no tratamento medica-mentoso e no tratamento psicossocial, quase metade dos indivíduos na faseinicial da esquizofrenia podem esperar uma recuperação plena e duradoura.Quanto aos restantes, só cerca de um quinto continua a enfrentar limitaçõesgraves nas suas actividades quotidianas.

Observa-se esquizofrenia em proporções iguais entre os sexos, embora, nasmulheres, a sua manifestação inicial tenda a ocorrer mais tardiamente, e tam-bém, a ter uma melhor evolução e melhores resultados.

A CGD 2000 mostra uma prevalência de ponto de 0,4% para a esquizofre-nia. Esta perturbação causa um elevado grau de incapacidade. Num estudorecente, em 14 países, sobre a incapacidade associada com condições físicas ementais, a psicose activa foi colocada em terceiro lugar entre as condiçõesmais incapacitantes (mais alta do que a paraplegia e a cegueira) pela popula-ção em geral (Üstün e col., 1999).

No estudo sobre a carga global de doenças, a esquizofrenia é responsávelpor 1,1% do total de AVAI e 2,8% dos AVI. O custo económico da esquizo-frenia para a sociedade é também elevado. Calculou-se que o seu custo, nosEUA em 1991 foi de US$19 biliões em gastos directos e US$46 bilhões emperda de produtividade.

Mesmo depois de desaparecidos os sintomas mais evidentes desta perturba-ção, alguns sintomas residuais podem permanecer. São eles a falta de interesse ede iniciativa no trabalho e nas actividades do dia-a-dia, a incompetência social ea incapacidade de manifestar interesse em actividades lúdicas. Estes sintomaspodem causar incapacidade permanente e uma baixa qualidade de vida. Podemtambém impor um fardo considerável às famílias (Pai e Kapur, 1982). Tem sidorepetidamente demonstrado que a esquizofrenia tem uma evolução menos gravenos países em desenvolvimento (Kulhara e Wig, 1978; Thara e Eaton, 1996).Por exemplo, num dos estudos internacionais em locais múltiplos, a proporçãode doentes que acusaram remissão total após dois anos foi de 63% nos paísesem desenvolvimento contra 37% nos países desenvolvidos (Jablensky e col.,1992). Embora tenham sido feitas tentativas para explicar melhor esse resultadocomo consequência de um apoio familiar mais forte e de menos exigências feitasaos doentes, não estão claras as razões dessas diferenças.

Um número considerável de indivíduos com esquizofrenia tenta o suicídio,em dado momento, durante o curso da sua doença. Um recente estudo mos-trou que 30% dos doentes diagnosticados com esta perturbação tinham tenta-do o suicídio, pelo menos uma vez, durante a vida (Radomsky e col., 1999) eque aproximadamente 10% das pessoas com esquizofrenia morrem por suicí-dio (Caldwell e Gottesman, 1990). Em todo o mundo, a doença esquizofrénicareduz o período de vida da pessoa afectada numa média de 10 anos.

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Epilepsia

A epilepsia é a perturbação cerebral mais frequente na população em geral.Caracteriza-se pela recorrência de ataques causados por descargas de activida-de eléctrica excessiva numa parte do cérebro ou no seu todo. A maioria daspessoas com epilepsia não apresenta qualquer anormalidade cerebral evidenteou demonstrável além das alterações eléctricas. Contudo, uma proporção dosindivíduos com esta perturbação pode sofrer de lesão cerebral concomitante,susceptível de causar outras disfunções físicas, tais como espasticidade ou atrasomental.

As causas de epilepsia compreendem predisposição genética, lesões cerebrais,intoxicação e tumores. Entre as causas infecciosas da epilepsia, nos países emdesenvolvimento, contam-se a cisticercose (ténia ou solitária), esquistossomíase,toxoplasmose, malária e encefalite tubercular ou por vírus (Senanayake e Román,1993). Os ataques epilépticos variam muito em frequência, de vários, num dia,a um, de poucos em poucos meses. A manifestação de epilepsia depende dasregiões do cérebro comprometidas. Em regra, o indivíduo sofre perda de consci-ência repentina e pode ter movimentos espasmódicos do corpo. Podem ocorrerferimentos devidos a quedas durante o ataque.

A CGD 2000 estima em cerca de 37 milhões o número de pessoas quesofrem de epilepsia primária, em todo o mundo. Quando se inclui a epilepsiacausada por outras doenças, o número total de pessoas afectadas sobe paracerca de 50 milhões. Há estimativas de que mais de 80% das pessoas comepilepsia vivem em países em vias de desenvolvimento.

Esta doença impõe uma carga significativa às comunidades, especialmentenos países em desenvolvimento, onde um grande número de doentes pode per-manecer sem tratamento. A CGD 2000 estima a carga agregada, devida àepilepsia, em 0,5% da carga total de doenças. Além da incapacidade física emental, a epilepsia resulta muitas vezes em graves consequências psicossociaispara o indivíduo e a família. O estigma ligado à epilepsia impede que os indi-víduos que a têm participem em actividades normais, inclusive no que respeitaa educação, casamento, trabalho e desporto.

Geralmente, a epilepsia manifesta-se na infância e pode (embora nem sem-pre) ter uma progressão crónica. A taxa de recuperação espontânea é substan-cial, com muitos dos identificados como portadores de epilepsia mostrando-selivres de ataques após três anos.

Doença de Alzheimer

A doença de Alzheimer é uma doença degenerativa primária do cérebro. Ademência na doença de Alzheimer é classificada como perturbação mental e

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comportamental na ICD-10. Caracteriza-se pelo declínio progressivo das fun-ções cognitivas, como a memória, o pensamento, a compreensão, o cálculo, alinguagem, a capacidade de aprender e o discernimento. Diagnostica-se de-mência quando esses declínios são suficientes para prejudicar as actividadespessoais da vida diária. A doença de Alzheimer tem um início insidioso, comdeterioração lenta. Esta doença precisa de ser claramente diferenciada dodeclínio normal das funções cognitivas associado ao envelhecimento. O declínionormal é muito menor, muito mais gradual e resulta em incapacidades meno-res. O início da doença de Alzheimer geralmente ocorre após os 65 anos deidade, embora não seja raro o início mais cedo. Com o avanço da idade, au-menta rapidamente a incidência (que duplica, aproximadamente, a cada cincoanos). Isto tem óbvias repercussões no número total de pessoas que vivem comesta perturbação, à medida que aumenta a esperança de vida na população.

A incidência e a prevalência da doença de Alzheimer têm sido amplamenteestudadas. As amostras de população são geralmente compostas por pessoasmaiores de 65 anos, embora alguns estudos tenham indicado populações maisjovens, especialmente em países onde o período esperado de vida é mais curto(por exemplo, a Índia). A ampla variação dos valores de prevalência (1%-5%)explica-se, em parte, pelas diferenças de idade, nas amostras, e dos critérios dediagnóstico. Na CGD 2000, a demência de Alzheimer e outras demências têmuma prevalência de ponto média de 0,6%. A prevalência entre os maiores de60 anos é de aproximadamente 5%, para o sexo masculino, e 6% para ofeminino. Não há indícios de qualquer diferença na incidência por sexo, mas onúmero de mulheres com a doença de Alzheimer é maior, por ser maior alongevidade no sexo feminino.

A causa exacta da doença de Alzheimer permanece desconhecida, emboratenham sido sugeridos diversos factores. São eles as perturbações do metabo-lismo e da regulação de proteína amilóide precursora, proteínas relacionadascom placas, proteínas tau, zinco e alumínio (Droust e col., 2000; Cuajungco eLees, 1997).

Segundo estimativa da CGD 2000, os AVAI devidos às demências chegama 0,84% e os AVI a 2,0%. Com o envelhecimento da população, especialmen-te nas regiões industrializadas, esta percentagem provavelmente terá um au-mento rápido nos próximos 20 anos.

A doença de Alzheimer já representa um custo tremendo para a sociedade(Rice e col., 1993), custo esse que continuará a crescer (Brookmeyer e Gray,2000). Os custos totais, directos e indirectos, desta perturbação, nos EUA,foram calculados em US$536 milhões e US$1,75 biliões, respectivamente, parao ano 2000.

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Atraso mental

O atraso mental é um estado definido por inibição do desenvolvimento oudesenvolvimento incompleto da mente, caracterizado pelo prejuízo das apti-dões e da inteligência geral em áreas tais como a cognição, a linguagem e asfaculdades motoras e sociais. Descrito também como insuficiência ou deficiên-cia mental, o atraso mental pode ocorrer com ou sem outras perturbaçõesfísicas ou mentais. Embora o aspecto característico desta perturbação seja aredução do nível de funcionamento intelectual, o diagnóstico só se faz se elaestiver associada à diminuição da capacidade de adaptação às exigências diá-rias do ambiente social normal. O atraso mental é também classificado comoligeiro (níveis de QI de 50-69), moderado (níveis de QI de 35-49), grave (níveisde QI de 20-34) e profundo (níveis de QI inferiores a 20).

Os dados sobre a prevalência variam consideravelmente devido à variaçãodos critérios e métodos usados nas pesquisas, bem como às diferenças na mar-gem de idades das amostras. Acredita-se que a prevalência geral de atrasomental esteja situada entre 1% e 3%, correspondendo ao atraso moderado,grave e profundo a taxa de 0,3%. A sua ocorrência é mais comum nos paísesem desenvolvimento devido a uma incidência maior de lesões e anóxia norecém-nascido e de infecções cerebrais na primeira infância. Uma causa co-mum de atraso mental é a carência de iodo, que resulta em cretinismo (Sankare col., 1998). A deficiência de iodo é a maior causa de lesão cerebral evitável ede atraso mental no mundo (Delange, 2000).

O atraso mental impõe uma pesada carga ao indivíduo e à família. Noatraso mais grave, isso envolve assistência no desempenho das nossas activida-des do dia-a-dia e no cuidado pessoal. Não há estimativas disponíveis do pesodo atraso mental na carga geral das doenças, mas tudo parece indicar que ésubstancial o ónus causado por essa condição. Na maioria dos casos, o ónusperdura por toda a vida.

Perturbações da infância e da adolescência

Ao contrário da crença popular, as perturbações mentais e comportamentaissão comuns durante a infância e a adolescência. A atenção que se presta a estaárea da saúde mental é insuficiente. Num relatório recente, o Director-Geral deSaúde dos Estados Unidos (DHHS, 2001) afirmou que o país está a passar poruma crise na saúde mental dos lactentes, crianças e adolescentes. Segundo orelatório, embora um em cada dez jovens sofra de doença mental suficientemen-te grave para causar um certo nível de prejuízo, menos de um em cinco recebe otratamento necessário. É muito provável que a situação seja ainda menos satis-fatória em grandes regiões do mundo em vias de desenvolvimento.

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A ICD-10 identifica duas grandes categorias específicas da infância e da ado-lescência: perturbações do desenvolvimento psicológico e perturbações compor-tamentais e emocionais. Os primeiros caracterizam-se pela deterioração ou atra-so do desenvolvimento de funções específicas como a fala e a linguagem (dislexias)ou por perturbações globais do desenvolvimento (autismo, por exemplo). Estasperturbações têm uma evolução constante, sem remissão ou recorrência, embo-ra a maioria tenda a melhorar com o tempo. O grupo geral das dislexias com-preende perturbações de leitura e grafia. A sua prevalência ainda é incerta, maspode situar-se em cerca de 4% para a população em idade escolar (Spagna ecol., 2000). A segunda categoria, perturbações comportamentais e emocionais,inclui perturbações hipercinéticas (na ICD-10), perturbações de hiperactividade//défice de atenção (no DSM-IV, APA, 1994), perturbações comportamentais eperturbações emocionais da infância. Além disso, muitas das perturbações maisfrequentemente observadas em adultos podem ter início durante a infância. Exem-plo disso é a depressão, que tem vindo a ser identificada com crescente frequên-cia em crianças.

A prevalência geral de perturbações mentais e comportamentais em crian-ças foi investigada em vários estudos de países desenvolvidos e em desenvolvi-mento. Os resultados de uma selecção de estudos aparecem na tabela 2.2.

País Idade (anos) Prevalência (%)

Alemanha 1 12–15 20,7

Espanha 2 8, 11, 15 21,7

Etiópia 3 1–5 17,7

E. U. A. 4 1–5 21,0

Índia 5 1–16 12,8

Japão 6 12–15 15,0

Suíça 7 1–15 22,5

Tabela 2.2 Prevalência de perturbações da infância e adolescência, estudos seleccionados

1 Weyerer S et al. (1968). Prevalence and treatment of psychiatric disorders in 3-14-year-oldchildren: results of a representative field study in the small rural town region of Traunstein, UpperBavaria. Acta Psychiatrica Scandinavica, 77: 290-296.2 Gomez-Beneyto M et al. (1994).Prevalence of mental disorders among children in Valencia,Spain. Acta Psychiatrica Scandinavica, 89: 352-357.3 Tadesse B et al. (1999). Childhood behavioural disorders in Ambo district, Western Ethiopia:I. Prevalence estimate. 100 (Suppl): 92-97.4 Shaffer D et al. (1996). The NIMH Diagnostic Interview Schedule for Children version 2.3(DISC-2.3): description acceptability, prevalence rates, and performance in the MECA study.Journal of the American Academy of Child and Adolescent Psychiatry, 35: 865-877.5 Indian Council of Medical Research (2001). Epidemiological study of child and adolescentpsychiatric disorders in urban and rural areas. New Delhi, ICMR (dados inéditos).6 Morita H et al. (1993). Psychiatric disorders in Japanese secondary school children. Journal ofChild Psychology and Psychiatry, 34: 317-332.7 Steinhousen HC et al. (1998). Prevalence of child and adolescent psychiatric disorders: theZurich Epidemiological Study. Acta Psychiatrica Scandinavica, 98: 262-271.

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Embora os valores de prevalência variem consideravelmente entre os estudos,10%-20% das crianças parecem ter um ou mais problemas mentais. Há quefazer uma ressalva a estas estimativas elevadas de morbilidade entre crianças eadolescentes. Como a infância e a adolescência são fases do desenvolvimento,é difícil traçar limites claros entre fenómenos que fazem parte do desenvolvi-mento normal e outros que são anormais. Muitos estudos fazem uso de listasde verificação do comportamento por pais e professores para detectar casos.Essa informação, embora útil na identificação de crianças que poderiam ne-cessitar de cuidados especiais, pode nem sempre corresponder a um diagnósti-co definido.

As perturbações mentais e comportamentais da infância e da adolescênciacustam muito caro à sociedade em termos tanto humanos como financeiros. Acarga agregada de doenças gerada por estas perturbações não foi estimada eseria muito complexo o seu cálculo, porque muitas das perturbações podemser precursoras de perturbações muito mais incapacitantes durante uma faseposterior da vida.

Co-morbilidade

É comum a ocorrência simultânea de duas ou mais perturbações mentaisno mesmo indivíduo. Isto não é muito diferente da situação das perturbaçõesfísicas, que tendem também a ocorrer juntas muito mais frequentemente doque poderia ser explicado pelo acaso. É particularmente comum com o avançoda idade, quando diversas perturbações físicas e mentais podem co-ocorrer.Os problemas de saúde física podem não só coexistir com distúrbios mentais,como a depressão, como podem também prognosticar o início e a persistênciada depressão (Geerling e col., 2000).

Dentre os estudos metodologicamente válidos de amostras representativasnacionais, um foi feito nos EUA (Kessler e col., 1994) e mostrou que 79% detodos os doentes apresentavam co-morbilidade. Por outras palavras, só em21% dos doentes se verificou a ocorrência de uma perturbação mental isola-da. Mais de metade das perturbações de toda a vida ocorreu em 14% da popu-lação. Resultados semelhantes foram obtidos em estudos de outros países,embora não seja copiosa a informação disponível dos países em desenvolvi-mento.

A ansiedade e as perturbações depressivas ocorrem muitas vezes em simul-tâneo. Observa-se essa co-morbilidade em aproximadamente metade das pes-soas com estas perturbações (Zimmerman e col., 2000). Outra situação co-mum é a presença de perturbações mentais associadas com a utilização edependência de substâncias. Entre pessoas atendidas por serviços relacionadoscom a utilização de álcool e drogas, entre 30% e 90% apresentam uma «per-

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turbação dupla» (Gossop e col., 1998). A taxa de perturbações por utilizaçãode álcool é também elevada entre os que procuram os serviços de saúde mental(65% segundo a comunicação de Rachliesel e col., 1999). As perturbações porutilização de álcool são também comuns (12%-50%) entre pessoas com esqui-zofrenia.

A presença de co-morbilidade substancial tem sérias repercussões na iden-tificação, tratamento e reabilitação das pessoas afectadas. A incapacidade dosindivíduos sofredores e o encargo para as famílias também crescem na mesmaproporção.

Suicídio

O suicídio resulta de um acto deliberado, iniciado e levado a cabo por umapessoa com pleno conhecimento ou expectativa de um resultado fatal. O suicí-dio constitui hoje um grande problema de saúde pública. Tomada como mé-dia para 53 países dos quais há dados completos disponíveis, a taxa agregadae padronizada de suicídio em 1996 foi de 15,1 por 100 000. A taxa de suicídioé quase universalmente mais elevada entre homens, em comparação com asmulheres, por um coeficiente agregado de 3,5:1.

Nos últimos 30 anos, as taxas de suicídio nos 39 países dos quais há dadoscompletos disponíveis para o período de 1970-96, os índices de suicídio pare-cem ter-se mantido bastante estáveis, mas as taxas agregadas actuais ocultamsignificativas diferenças quanto aos sexos, grupos etários, geografia e tendên-cias a longo prazo.

Geograficamente, verificam-se consideráveis variações dos índices de suicí-dio. As tendências observadas nos megapaíses do mundo – os que têm mais de100 milhões de habitantes – provavelmente proporcionarão informações idó-neas sobre a mortalidade por suicídio. Há informações disponíveis de 7 de 11desses países nos últimos 15 anos. As tendências variam de um aumento dequase 62% no México a um declínio de 17% na China, enquanto os EUA e aFederação Russa se encaminham em direcções opostas pelos mesmos 5,3%,como mostra a figura 2.4. São necessárias duas observações: primeiro, é muitoprovável que só o tamanho das suas populações coloque esses países na mes-ma categoria, uma vez que são diferentes em praticamente todos os outrosaspectos. Segundo, a magnitude da mudança não reflecte a verdadeira magni-tude dos índices de suicídio naqueles países. No ano mais recente para o qualhá dados disponíveis, os índices de suicídio variam de 3,4 por 100 000 noMéxico a 14,0 por 100 000 na China e 34,0 por 100 000 na Federação Russa.

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É muito difícil, senão mesmo impossível, encontrar uma explicação co-mum para essa diversidade de variações. A mudança socioeconómica (em qual-quer sentido) muitas vezes é apontada como possível factor contribuinte paraum aumento dos índices de suicídio. Contudo, embora isso tenha sido docu-mentado em várias ocasiões, têm sido também observados aumentos dos índi-ces de suicídio em períodos de estabilidade socioeconómica, assim como setêm observado taxas de suicídio estáveis em períodos de grandes transforma-ções socioeconómicas. Não obstante, estes valores agregados podem ocultardiferenças significativas entre alguns sectores da população. Por exemplo, umaevolução plana dos índices de suicídio pode ocultar um aumento das taxaspara o sexo masculino estatisticamente compensado por uma diminuição dastaxas para o sexo feminino (como ocorreu, por exemplo, na Austrália, Chile,Cuba, Espanha e Japão); aplicar-se-ia o mesmo a grupos etários extremos, taiscomo os adolescentes e os idosos (por exemplo, na Nova Zelândia). Já se mos-trou que os aumentos das taxas de desemprego são, geralmente mas nem sem-pre, acompanhados de uma baixa dos índices de suicídio na população emgeral (por exemplo, na Finlândia), mas também de uma subida dos índices desuicídio entre os idosos e reformados (por exemplo, na Suíça).

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O consumo de álcool (por exemplo, nos Estados Bálticos e na FederaçãoRussa) e a facilidade de acesso a certas substâncias tóxicas (por exemplo, naChina, Índia e Sri Lanka) e a armas de fogo (por exemplo, em El Salvador enos EUA) parecem mostrar uma correlação positiva com os índices de suicídioem todos os países – industrializados ou desenvolvidos – até agora estudados.Mais uma vez, os valores agregados podem esconder grandes discrepânciasentre, por exemplo, áreas rurais e urbanas (por exemplo, na China e na Repú-blica Islâmica do Irão).

O suicídio é uma das principais causas de morte de jovens adultos. Situa-seentre as três maiores causas de morte na população de 15-34 anos. Como seobserva nos dois exemplos da figura 2.5, o suicídio é predominante no grupoetário de 15-34 anos, no qual é a primeira ou a segunda causa de morte paraambos os sexos. Isso representa uma tremenda perda para a sociedade em pes-soas jovens nos anos produtivos da vida. Só existem dados disponíveis sobretentativas de suicídio de alguns países; eles indicam que o número de tentativasde suicídio pode ser até 20 vezes maior do que o de suicídios consumados.

As lesões autoprovocadas, inclusive o suicídio, foram a causa de cerca de814 000 mortes em 2000. Segundo a CGD 2000, foram responsáveis por 1,3%dos AVAI totais.

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Das perturbações mentais que levam ao suicídio, a mais comum é a depres-são, embora também se registem taxas elevadas de esquizofrenia. Além disso,o suicídio relaciona-se muitas vezes com a utilização de substâncias – seja napessoa que o comete, seja dentro da família. A maior proporção de suicídiosem alguns países da Europa central e oriental foi recentemente atribuída aouso de álcool (Rossow, 2000).

É bem conhecido o facto de a disponibilidade de meios para cometer suicí-dio tem um impacte significativo nos suicídios ocorridos em qualquer região.Este aspecto foi mais estudado em relação à disponibilidade de armas de fogo,tendo-se verificado que ocorre uma elevada mortalidade por suicídio entrepessoas que compraram tais armas um passado recente (Wintemute e col.,1999). De todas as pessoas que morreram devido a lesões com armas de fogonos Estados Unidos, em 1997, um total de 54% morreram por suicídio(Rosenberg e col., 1999).

A explicação precisa das variações dos índices de suicídio deve ser sempreconsiderada no contexto local. Há uma premente necessidade de vigilânciaepidemiológica e de pesquisa local apropriada para contribuir para uma me-lhor compreensão desse grave problema de saúde pública e para melhorar aspossibilidades de prevenção.

Determinantes das perturbaçõesmentais e comportamentais

Diversos factores determinam a prevalência, o início e a evolução das per-turbações mentais e comportamentais. Estes factores são sociais e económi-cos, factores demográficos como o sexo e a idade, ameaças graves tais como osconflitos e desastres, a presença de doença física grave e o ambiente familiar,que são aqui descritos resumidamente para ilustrar o seu impacte na saúdemental.

Pobreza

A pobreza e as condições a ela associadas – desemprego, baixo nível deinstrução, privação e ausência de habitação – não só são generalizadas empaíses pobres como também afectam uma minoria considerável em países ri-cos. Dados de pesquisas transculturais feitas no Brasil, Chile, Índia e Zimbabuémostram que as perturbações mentais mais comuns são cerca de duas vezesmais frequentes entre os pobres do que entre os ricos (Patel e col., 1999). NosEUA, observou-se em crianças das famílias mais pobres um risco maior destas

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perturbações, à razão de 2:1 para perturbações de comportamento e 3:1 paraestados co-mórbidos (Costello e col., 1996). Uma resenha de 15 estudos indi-cou uma razão média para a prevalência total de perturbações mentais entreas categorias socioeconómicas mais baixas e mais altas de 2,1:1 para um ano e1,4:1 para a prevalência vitalícia (Kohn e col., 1998). Foram anunciados re-sultados semelhantes em estudos recentes realizados na América do Norte,América Latina e Europa (OMS Consortium International of Psychiatric Epide-miology, 2000). A figura 2.6 mostra que a depressão ocorre mais frequente-mente entre os pobres do que entre os ricos.

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Há indícios também de que a evolução das perturbações é determinadapelo estatuto socioeconómico do indivíduo (Kessler e col., 1994; Saraceno eBarbui, 1997). Isso pode ter sido o resultado do uso de variáveis pertinentes adiferentes serviços, inclusive obstáculos ao acesso aos cuidados. Os países po-bres têm menos recursos para a saúde mental e esses recursos muitas vezes nãoestão disponíveis para os sectores mais pobres da sociedade. Mesmo em paísesricos, a pobreza e os factores a ela associados, como falta de cobertura deseguros, níveis de instrução mais baixos, desemprego e estatuto racial, étnico elinguístico minoritário criam barreiras intransponíveis aos cuidados. A dife-rença de nível de tratamento para a maioria das perturbações mentais é consi-derável, assumindo, porém, proporções maciças para a população pobre. Alémdisso, os pobres muitas vezes suscitam preocupações de saúde mental quandoprocuram tratamento para problemas físicos, como se indica na caixa 2.4.

Quando interrogados sobre a sua saúde, os po-bres mencionam uma grande variedade de lesõese doenças: membros fracturados, queimaduras,envenenamento por substâncias químicas e po-luição, diabetes, pneumonia, bronquite, tubercu-lose, HIV/SIDA, asma, diarreia, febre tifóide, ma-lária, doenças parasitárias da água contaminada,infecções cutâneas e outras doenças debilitadoras.Muitas vezes, vêm à tona problemas de saúdemental ao lado de inquietações físicas e frequen-temente são também discutidas dificuldades re-lacionadas com o abuso de drogas. O stress, aansiedade, a depressão, a falta de auto-estima eo suicídio estão entre os efeitos da pobreza e dasaúde debilitada comummente identificados pe-los grupos de discussão. Um tema que volta sem-pre é o stress resultante da incapacidade de sus-tentar a própria família. As pessoas associammuitas formas de doença com o stress, a angús-tia e o mal-estar, mas muitas vezes destacam trêscomo especiais referências: HIV/SIDA, alcoolismoe drogas.O HIV/SIDA tem um impacte marcante. Na Zâmbia,um grupo de jovens encontrou um vínculo causalentre pobreza e prostituição, a SIDA e, final-mente, a morte. Discussões de grupo na Argenti-

na, Gana, Jamaica, Tailândia, Vietname e em vá-rios outros países também mencionam o HIV/SIDAe doenças correlatas como problemas que afec-tam o seu modo de vida e sobrecarregam a ex-tensa família.Muitas pessoas consideram o uso de drogas e oalcoolismo como causas de violência, inseguran-ça e roubo, e vêem o gasto de dinheiro com álcoolou outras drogas, embriaguez entre os homens eviolência doméstica como síndromes de pobreza.Muitos grupos de discussão de todas as regiõesdão conta de problemas de maus-tratos físicos demulheres quando os maridos chegam a casa em-briagados, e vários grupos acham que beber cer-veja leva à promiscuidade e à doença. O alcoolis-mo é especialmente prevalecente entre homens.Em África, tanto urbana como rural, os pobresmencionam-no mais frequentemente do que asdrogas.Faz-se uma referência frequente a drogas nasáreas urbanas, especialmente na América Latina,Tailândia e Vietname. As drogas são também men-cionadas em algumas partes da Bulgária, da Fede-ração Russa, da Quirguízia e do Uzbequistão. Aspessoas que têm o vício das drogas são infelizes,e o mesmo ocorre com as suas famílias.

Caixa 2.4. As doenças do corpo e da mente vistas pelos pobres.

1 Narayan, D. e col. (2000). Voices of the poor, crying out for change. Nova Iorque, Oxford University Press, para o BancoMundial.

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A relação entre perturbações mentais e comportamentais, inclusive as rela-cionadas com a utilização de álcool, e o desenvolvimento económico das co-munidades e países, não foi sistematicamente explorada. Parece, contudo, queo ciclo vicioso da pobreza e das perturbações mentais ao nível da família (verfigura 1.4) pode muito bem estar a actuar aos níveis da comunidade e do país.

Sexo

Tem-se dado um destaque cada vez maior às diferenças sexuais no estudoda prevalência, causalidade e evolução das perturbações mentais e comporta-mentais. Nos séculos passados, observou-se uma maior proporção de mulhe-res entre os internados em asilos e outras instituições de tratamento, mas nãose sabe ao certo se as perturbações mentais eram de facto mais prevalecentesno sexo feminino ou se eram mais numerosas as mulheres que se apresenta-vam para tratamento.

Recentes estudos comunitários, usando uma metodologia bem fundamen-tada, revelaram algumas diferenças interessantes. A prevalência geral de per-turbações mentais e comportamentais não parece ser diferente entre homens emulheres. As perturbações da ansiedade e a depressão, contudo, são mais co-muns no sexo feminino, ao passo que as perturbações devidas ao uso de subs-tâncias são mais comuns no sexo masculino (Gold, 1998). Quase todos osestudos mostram uma prevalência maior de perturbações depressivas e de an-siedade entre mulheres, observando-se usualmente uma razão de 1,5:1 a 2:1.Esses resultados têm sido apurados não só em países desenvolvidos como tam-bém em vários países em desenvolvimento (Patel e col., 1999; Pearson, 1995).É interessante assinalar que as diferenças sexuais quanto aos índices de de-pressão mostram uma forte correlação com a idade: as maiores diferençasocorrem na vida adulta, sem diferenças assinaladas na infância e poucas navelhice.

Têm sido admitidas várias razões para a maior prevalência de perturbaçõesdepressivas e da ansiedade. Não há dúvida que os factores genéticos e biológi-cos desempenham algum papel, como o indica particularmente a relação tem-poral estreita entre uma prevalência mais elevada e a faixa de idades produti-vas com as alterações hormonais associadas. Estão bem documentadas asmudanças abruptas de humor relacionadas com alterações hormonais, comoparte do ciclo menstrual e o pós-parto. De facto, a ocorrência de depressão nopuerpério pode marcar o início de uma perturbação depressiva recorrente.Contudo, factores psicológicos e sociais também pesam significativamente nadiferença entre os sexos nas perturbações depressivas e da ansiedade. É possí-vel que haja mais factores de stress, tanto reais como percebidos, entre asmulheres. O papel tradicional por elas desempenhado na sociedade expõe as

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mulheres a um stress maior e, desta forma, torna-as também menos capazes demudar o seu ambiente gerador de stress.

Outra razão das diferenças sexuais nas perturbações mentais comuns é aelevada taxa de violência doméstica e sexual a que as mulheres estão sujeitas.Ocorre violência doméstica em todas as regiões do mundo, e as mulheres su-portam a maior parte da sua carga (OMS, 2000b). Uma resenha de estudos(OMS, 1997a) verificou que a prevalência de violência doméstica durante avida situa-se entre 16% e 50%. É comum também a violência sexual. Já seestimou que uma em cada cinco mulheres sofre estupro ou tentativa de estu-pro durante a sua vida. Essas ocorrências traumáticas têm consequências psi-cológicas, sendo as mais comuns as perturbações depressivas e as devidas àansiedade. Um estudo recente feito na Nicarágua mostrou que as mulherescom angústia emocional tinham seis vezes mais probabilidades de dar parte demaus-tratos conjugais, em comparação com as mulheres sem essa angústia(Ellsberg e col., 1999). Além disso, as mulheres que sofreram sevícias graves,durante o último ano, mostraram 10 vezes mais probabilidades de passar porangústia emocional do que as mulheres que nunca tinham sofrido maus tratos.

O Estudo Multipaíses da OMS sobre a Saúde das Mulheres e a ViolênciaDoméstica e os Estudos Mundiais sobre Abuso em Ambientes Familiares(WorldSAFE), da Rede Internacional de Epidemiologistas Clínicos (INCLEN,2001) estão a analisar a prevalência e as consequências da violência exercidapor parceiros íntimos na saúde das mulheres, com base em amostras de popu-lação colhidas em contextos diferentes. Em ambos os estudos, pergunta-se àsmulheres se elas pensaram ou tentaram o suicídio. Os resultados preliminaresindicam uma relação altamente significativa entre essa violência e a ideia desuicídio (ver tabela 2.3). Além disso, observaram os mesmos padrões significa-tivos só para a violência sexual, assim como em combinação com a violênciafísica.

Percentagem de mulheres que já pensaram em suicidar-se ( p<0,001)

Experiênciade violência físicapelo parceiro íntimo

Brasil1

(n=940)Chile2

(n=631)Egipto2

(n=631)Índia2

(n=6327)Indonésia3

(n=765)Filipinas2

(n=1001)Peru1

(n=1088)Tailândia1

(n=2073)

Nunca 21 11 7 15 1 8 17 18

Já ocorreu 48 36 61 64 11 28 40 41

Tabela 2.3 Relação entre violência doméstica e intenções suicidas.

1 WHO Multi-country Study on Women’s Health and Domestic Violence (preliminary results,2001). Genebra, Organização Mundial da Saúde (documento inédito).2 International Network of Clinical Epidemiological (INCLEN 2001). World Studies of Abuse inFamily Environment (WorldSAFE). Manila, International Network of Clinical Epidemiologists.Esta pesquisa interrogou mulheres sobre «violência física grave».3 Hakimi, M. e col. (2001). «Silence for the sake of harmony: domestic violence and women’shealth in Central Java». Yogyakarta, Indonésia. Program for Appropriate Technology in Health.

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Em contraste com as perturbações depressivas e as devidas à ansiedade, asperturbações mentais graves, como a esquizofrenia e as perturbações afectivasbipolares, não acusam diferenças claras de incidência ou de prevalência (Kesslere col., 1994). A esquizofrenia, contudo, parece começar mais cedo e ter umaevolução mais incapacitadora no sexo masculino (Sartorius e col., 1986). Quasetodos os estudos mostram que as perturbações devidas ao uso de substâncias eas perturbações da personalidade anti-social são muito mais comuns entrehomens do que entre mulheres.

A co-morbilidade é mais comum nas mulheres do que nos homens. Namaioria dos casos, toma a forma de ocorrência simultânea com perturbaçõesdepressivas, perturbações devidas à ansiedade e perturbações somatoformes,correspondendo às últimas a presença de sintomas físicos que não podem seratribuídos às doenças físicas. Há indícios de que as mulheres comunicam umnúmero maior de sintomas físicos e psicológicos do que os homens.

Há também indícios de que a prescrição de medicamentos psicotrópicos émais elevada entre as mulheres (ver figura 1.5); esses medicamentos incluemfármacos contra a ansiedade, antidepressivos, sedativos, hipnóticos e antipsicó-ticos. Esse uso excessivo de medicamentos pode ser parcialmente explicado poruma prevalência maior de perturbações mentais comuns e um elevado índice decomportamentos de procura de ajuda. Um factor significativo seria provavel-mente a atitude dos médicos que, face a um caso psicossocial complexo querequer psicoterapia, optam pela saída mais fácil, a da prescrição de medicamentos.

Observa-se em todo o mundo uma prevalência maior de perturbações porutilização de substâncias e perturbações de personalidade anti-social no sexomasculino. Em muitas regiões, porém, estas perturbações estão a aumentarrapidamente no sexo feminino.

As mulheres suportam também com o fardo mais pesado dos cuidadoscom os doentes mentais dentro da família. Este aspecto está a tornar-se cadavez mais crítico, pelo facto de um número cada vez mais elevado de pessoascom perturbações mentais crónicas estar a receber cuidados na comunidade.

Em resumo, as perturbações mentais têm factores sexuais visíveis, que pre-cisam de ser melhor compreendidos e pesquisados no contexto da avaliaçãoda carga geral das doenças.

Idade

A idade é um factor importante nas perturbações mentais. A ocorrência deperturbações mentais na infância e na adolescência já foi descrita resumidamente.Observa-se também uma elevada prevalência de perturbações na velhice. Além dadoença de Alzheimer, de que já se tratou, as pessoas idosas sofrem também dediversas outras perturbações mentais e comportamentais. De um modo geral, a

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prevalência de certas perturbações tende a crescer com a idade. Predomina entreestes a depressão. A depressão é comum entre os idosos: estudos mostram que8%-20% dos que recebem cuidados na comunidade e 37% dos que os recebem anível primário sofrem de depressão. Um estudo recente, numa amostra comunitá-ria de pessoas com mais de 65 anos, observou depressão entre 11,2% dessa popu-lação (Newman e col., 1998). Outro estudo recente, contudo, verificou que aprevalência de ponto das perturbações depressivas é de 4,4% para as mulheres e2,2% para os homens, embora os valores correspondentes para a prevalênciadurante toda a vida fossem de 20,4% e 9,6%. A depressão é mais comum entre osidosos com perturbações físicas incapacitantes (Katona e Livingston, 2000). Apresença da depressão aumenta ainda mais a incapacidade nessa população. Asperturbações depressivas entre os idosos deixam de ser detectadas ainda mais fre-quentemente do que entre os jovens adultos, por serem muitas vezes erradamenteconsideradas como fazendo parte do processo de envelhecimento.

Conflitos e desastres

Os conflitos, inclusive guerras e convulsões civis, e os desastres afectam umgrande número de pessoas e resultam em problemas mentais. Estima-se que,em todo o mundo, cerca de 50 milhões de pessoas são refugiadas ou estãodeslocadas internamente. Além disso, milhões são afectadas por catástrofesnaturais tais como terremotos, inundações, tufões, furacões e grandes calami-dades similares (IFRC, 2000). Estas situações cobram um pesado tributo àsaúde mental das pessoas afectadas, a maioria das quais vive em países em viasdesenvolvimento, onde a capacidade de fazer face a esses problemas é extre-mamente limitada. Entre um terço e metade de todas as pessoas afectadassofrem de ansiedade. O diagnóstico feito com maior frequência é o da pertur-bação pós-stress traumático, muitas vezes ao lado de perturbações depressivasou de ansiedade. Além disso, a maioria das pessoas refere sintomas psicológi-cos que não chegam a constituir perturbações. A perturbação pós-stress trau-mático manifesta-se depois de uma ocorrência de carácter excepcionalmenteameaçador ou catastrófico que gera tensão, e é caracterizado por lembrançasintrusivas, fuga às circunstâncias associadas com o factor desendadeador destress, perturbações do sono, irritabilidade e ira, falta de concentração e vigi-lância excessiva. A prevalência de ponto da perturbação pós-stress traumáticona população em geral, segundo a CGD 2000, é de 0,37%. O diagnósticoespecífico desta perturbação tem sido posto em causa, sob a alegação de que éculturalmente específico e de ser também feito com demasiada frequência. Defacto, a perturbação pós-stress traumático já foi acusada de ser uma categoriade diagnóstico que teria sido inventada com base em necessidades sociopolíticas(Summerfield, 2001). Embora a propriedade deste diagnóstico específico pos-

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sa ser considerada incerta, aceita-se geralmente que as pessoas são atingidaspor uma perturbação mental quando expostas a traumatismos graves.

Estudos sobre vítimas de catástrofes naturais indicam uma taxa elevada deperturbações mentais. Na China, um estudo verificou recentemente uma ele-vada taxa de sintomas psicológicos e uma baixa qualidade de vida entre ossobreviventes de terremotos. O estudo mostrou também que o apoio depoisda catástrofe foi positivo na melhoria do bem-estar (Wang e col., 2000).

Doenças físicas graves

A presença de doenças físicas graves afecta a saúde mental das pessoas,tanto como de toda a família. A maioria das doenças gravemente incapacitantesou ameaçadoras da vida, inclusive cancros em homens e mulheres, tem esseimpacte. O caso do HIV/SIDA é descrito aqui como exemplo desse efeito.

O HIV está a propagar-se rapidamente no mundo inteiro. No final de 2000,um total de 36,1 milhões de pessoas tinha HIV/SIDA, ao passo que 21,8 milhõesjá tinham falecido (UNAIDS, 2000). Dos 5,3 milhões de novas infecções em2000, 1 em cada 10 ocorreu em crianças e quase metade em mulheres. Em 16países da África subsariana, mais de 10% da população em idade reprodutivaestão hoje infectados pelo HIV. A epidemia de HIV/SIDA diminuiu o ritmo docrescimento económico e está a reduzir a esperança de vida, até 50%, nos paísesmais afectados. Em muitos países, o HIV/SIDA é hoje considerado uma ameaçaà segurança nacional. Não havendo cura nem vacina, a prevenção da transmis-são continua a ser a principal arma, ao passo que os cuidados e o apoio são omodo de intervenção que se segue para os que têm HIV.

As consequências desta epidemia para a saúde mental são consideráveis.Uma proporção das pessoas sofre consequências psicológicas (tanto perturba-ções como problemas) por causa dessa infecção. Os efeitos do intenso estigmae da discriminação contra pessoas com HIV/SIDA desempenham também umimportante papel no stress psicológico. As perturbações vão da ansiedade oudas perturbações depressivas às perturbações da adaptação (Maj e col., 1994a).São também detectados défices cognitivos quando procurados especificamen-te (Maj e col., 1994b; Starace e col., 1998). Além disso, os membros da famíliatambém sofrem as consequências do estigma e, posteriormente, da morte pre-matura dos seus familiares infectados. Os efeitos psicológicos sobre os mem-bros das famílias desfeitas e sobre as crianças deixadas na orfandade pela SIDAnão foram estudados em pormenor, mas provavelmente serão substanciais.

Essas situações complexas em que uma afecção física traz consequênciaspsicossociais ao nível do indivíduo, da família e da comunidade exigem umaavaliação de ordem geral a fim de determinar o seu impacte total sobre a saúdemental. Há necessidade de mais pesquisa nessa área.

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Factores familiares e ambientais

As perturbações mentais estão firmemente enraizadas no ambiente socialdo indivíduo. Diversos factores sociais influenciam o início, a progressão e oresultado dessas perturbações.

Ao longo da vida, as pessoas passam por uma série de acontecimentossignificativos, tanto menores como maiores. Eles podem ser desejáveis (comouma promoção no trabalho) ou indesejáveis (por exemplo, luto ou frustraçãonos negócios). Já se observou que há uma acumulação de acontecimentos vi-tais imediatamente antes do início das perturbações mentais (Brown e col.,1972; Leff e col., 1987). Embora predominem as ocorrências indesejáveis antesdo início ou da recaída nas perturbações depressivas, uma ocorrência maiorde todos os acontecimentos (indesejáveis e desejáveis) precede outras pertur-bações mentais. Estudos indicam que todos os acontecimentos significativosna vida actuam como factores de stress e, quando ocorrem numa sucessãorápida, predispõem o indivíduo a perturbações mentais. Este efeito não selimita a perturbações mentais e já foi demonstrada a sua associação com diversasdoenças físicas, como o enfarte do miocárdio, por exemplo.

Evidentemente, os acontecimentos vitais são apenas um dos vários factoresem interacção (como, por exemplo, a predisposição genética, a personalidadee as aptidões para enfrentar a vida) na causa das perturbações.

A relevância da pesquisa sobre acontecimentos vitais está, principalmente,na identificação de pessoas com maior risco, por terem passado por aconteci-mentos vitais maiores numa sucessão rápida (por exemplo, perda de emprego,perda de cônjuge, mudança de residência). Inicialmente, observou-se esse efei-to na depressão e na esquizofrenia, mas posteriormente veio a descobrir-seuma associação entre acontecimentos vitais e diversas outras perturbações eafecções mentais e comportamentais. Destaca-se entre elas o suicídio.

O ambiente social e emocional dentro da família também desempenha umpapel nas perturbações mentais. Embora se tenha vindo a fazer, há muitotempo, tentativas de ligar perturbações mentais graves, como esquizofrenia edepressão, com o ambiente familiar (Kuipers e Bebbington, 1990), têm-seregistrado alguns progressos definitivos nos últimos anos. O ambiente social eemocional dentro da família foi claramente correlacionado com recaídas naesquizofrenia, mas não necessariamente com a sua manifestação inicial. A ob-servação inicial era a de que os doentes com esquizofrenia, que voltavam aviver com os pais após um período de hospitalização, sofriam recaídas maisfrequentes. Isso deu azo a pesquisas sobre a causa desse fenómeno. A maioriados estudos usou o conceito de «emoções expressas» de membros da famíliapara com a pessoa com esquizofrenia. As emoções expressas nesses estudosincluíram comentários críticos, envolvimento e calor emocional excessivo.

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Um grande número de estudos de todas as regiões do mundo demonstrouque a emocionalidade expressa pode pressagiar a progressão da esquizofrenia,inclusive as recorrências (Butzlaff e Hooley, 1998). Há também indícios deque a mudança do clima emocional dentro das famílias pode ter um efeitoadicional na prevenção de recaídas com utilização de medicamentos antipsicó-ticos. Esses resultados são úteis para a melhoria dos cuidados de determinadosdoentes dentro do seu ambiente familiar e recordam também a importânciados factores sociais no decurso e no tratamento de perturbações mentais gra-ves, como a esquizofrenia.

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A RESOLUÇÃO DE PROBLEMASDE SAÚDE MENTAL

No último meio século, o modelo de cuidados em saúde mental substituiu ainstitucionalização de indivíduos portadores de perturbações mentais poruma abordagem baseada nos cuidados comunitários, apoiados na disponi-bilidade de camas para casos agudos nos hospitais gerais. Esta mudançabaseia-se tanto no respeito pelos direitos humanos das pessoas comperturbações mentais, como no uso de intervenções e técnicas actualizadas.É fundamental um diagnóstico objectivo correcto, bem como a escolha dotratamento adequado. O tratamento apropriado para as perturbações men-tais e comportamentais implica o uso racional de intervenções farmacológi-cas, psicológicas e psicossociais de uma forma clinicamente significativa eintegrada. O controlo de condições específicas consiste em intervençõesnas áreas da prevenção, tratamento e reabilitação.

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A RESOLUÇÃODE PROBLEMASDE SAÚDE MENTAL

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Um paradigma em mudança

Os cuidados a pessoas com perturbações mentais e comportamentais re-flectiram sempre os valores sociais predominantes em relação à percepção so-cial dessas doenças. Ao longo dos séculos, os portadores de perturbações men-tais e comportamentais foram tratados de diferentes maneiras (ver Caixa 3.1).Foi-lhes atribuído um estatuto elevado nas sociedades que acreditavam seremeles os intermediários junto dos deuses e dos mortos. Na Europa medieval,foram maltratados e queimados na fogueira. Eram trancados em grandes ins-tituições. Eram explorados como objectos científicos. Mas também receberamcuidados e foram integrados nas comunidades a que pertenciam.

Na Europa, o século XIX foi testemunha de tendências divergentes. Por umlado, consideravam-se as doenças mentais como tema legítimo para a investi-gação científica: a psiquiatria prosperou como um ramo da medicina e as pes-soas com perturbações mentais eram consideradas doentes da medicina. Poroutro lado, os portadores de perturbações mentais, como os de muitas outrasdoenças e formas indesejáveis de comportamento social, eram isolados da so-ciedade em grandes instituições de tipo carcerário, os hospitais estatais paradoentes mentais, outrora conhecidos como asilos de loucos. Essas tendênciasvieram a ser exportadas para a África, as Américas e a Ásia.

Durante a segunda metade do século XX, ocorreu uma mudança no para-digma dos cuidados em saúde mental, devido, em grande parte, a três factoresindependentes:

• A psicofarmacologia fez progressos significativos, com a descoberta denovas classes de drogas, particularmente neurolépticos e antidepressivos,

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bem como foram desenvolvidas novas modalidades de intervenção psi-cossocial.

• O movimento a favor dos direitos humanos converteu-se num fenóme-no verdadeiramente internacional, sob a égide da recém-criada Orga-nização das Nações Unidas, e a democracia avançou em todo o globo,embora a diferentes velocidades (Merkl, 1993).

• Componentes sociais e mentais foram incorporados com firmeza nadefinição de saúde (ver Capítulo 1) da recém-criada OMS, em 1948.

Essas ocorrências técnicas e sociopolíticas contribuíram para uma mudançade ênfase dos cuidados nas grandes instituições carcerárias, que com o tempose tinham tornado repressivas e regressivas, para cuidados mais abertos e fle-xíveis na comunidade.

«Já se vão 16 anos desde que o uso de restriçãomecânica [de doentes mentais] – camisa-de-força,mordaça, grilheta, algema, cadeira restritiva ououtros – foi abolido. Em toda a parte onde foi feitaa tentativa, esta foi decididamente bem sucedida[...] Não pode haver falácia maior do que conside-rar o uso moderado de restrições ajustado com oplano geral de tratamento completo, não discutí-vel e humano em todo os demais aspectos. [A sua]abolição deve ser absoluta; de contrário, [esse uso]não pode ser eficiente.»

1856. John Conolly (1794-1866). Médico inglês, directordo Asilo para Alienados de Hanwell. Em The treatment ofthe insane without restrain. Londres, Smith, Elder & Co.

«Quando se organizou a Comissão Nacional, a prin-cipal preocupação era humanizar os cuidados aosalienados: erradicar os abusos, brutalidades e o aban-dono tradicionalmente impostos aos doentes men-tais; concentrar os cuidados do público na neces-sidade de reforma; transformar os “asilos” emhospitais; ampliar as facilidades de tratamento e ele-var os padrões de cuidados; obter para os doentes

Caixa 3.1. Cuidados em saúde mental: então ou agora?

mentais o mesmo alto padrão de cuidados médicosgeralmente aplicado aos fisicamente doentes.»

1908. Clifford Beers (1873-1943). Fundador nos EUA domovimento internacional da higiene mental, ele próprio foiinternado muitas vezes em hospitais para doentes men-tais. Em A mind that found itself: an autobiography. NovaIorque, Longmans Green.

«Levantamo-nos contra o direito dado a certoshomens, estreitos de mente ou não, de realizar assuas investigações nos domínios da mente me-diante sentenças de prisão perpétua. E que pri-são! Sabemos – de facto não sabemos – que osasilos, longe de serem lugares de asilo, são cár-ceres atemorizantes onde os detidos formam umaforça de trabalho barata e conveniente; onde oabuso é de regra; tudo isso tolerado pelos senho-res. O hospital mental, sob a protecção da ciênciae da justiça, pode-se comparar a casernas, peni-tenciárias, colónias penais.»

1935. Antonin Artaud (1896-1948). Poeta, actor e dra-maturgo francês que passou muitos anos em hospitaispsiquiátricos. Em Open letter to medical directors ofmadhouses. Paris, La Révolution Socialiste, n.º 3

As três declarações que se seguem dão indícios claros das atitudes e políticas, com vista à mudança,pelas quais passou o tratamento dos doentes mentais nos últimos 150 anos.

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A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL 97

As falhas dos manicómios são postas em evidência por repetidos casos demaus tratos aos doentes, isolamento geográfico e profissional das instituiçõese do seu pessoal, procedimentos deficientes de notificação e prestação de con-tas, má administração, gestão ineficiente, má aplicação dos recursos financei-ros, falta de treino de pessoal e procedimentos inadequados de inspecção econtrolo de qualidade. Além disso, as condições de vida nos hospitais psiquiá-tricos em todo o mundo são deficientes, resultando em violações dos direitoshumanos e em cronicidade. No que se refere a padrões absolutos, poder-se-iaargumentar que as condições nos hospitais dos países desenvolvidos são me-lhores do que os padrões de vida em muitos países em desenvolvimento. Po-rém, em termos de padrões relativos – comparando os padrões hospitalarescom os padrões da comunidade em geral em determinado país – pode-se dizerjustificadamente que as condições em todos os hospitais psiquiátricos são de-ficientes. Já foram documentados alguns exemplos de abuso dos direitos hu-manos nos hospitais psiquiátricos (Caixa 3.2).

Os cuidados na comunidade, pelo contrário, estão empenhados na emanci-pação de pessoas com perturbações mentais e comportamentais. Na prática,os cuidados comunitários implicam o desenvolvimento de uma ampla varieda-de de serviços em contextos locais. Esse processo, que ainda não se iniciou emmuitas regiões e países, tem em vista garantir que certas funções protectorasdos asilos sejam proporcionadas integralmente na comunidade e que os aspec-tos negativos das instituições não sejam perpetuados. Os cuidados na comuni-dade, enquanto abordagem, significam:

• serviços que estão próximos do domicílio, incluindo o hospital geralpara admissão de casos agudos e dependências residenciais de longoprazo na comunidade;

• intervenções relacionadas tanto com as incapacidades como com ossintomas;

• tratamento e cuidados específicos para o diagnóstico e as necessidadesde cada pessoa;

• uma ampla gama de serviços que atendem às necessidades das pessoascom perturbações mentais e comportamentais;

• serviços que são coordenados entre profissionais de saúde mental eorganismos da comunidade;

• serviços mais ambulatórios do que fixos, inclusive os que podem ofere-cer tratamento a domicílio;

• parceria com os prestadores de cuidados e atendimento das suas neces-sidades;

• legislação em apoio dos aspectos dos cuidados mencionados.

A acumulação de indícios das deficiências do hospital psiquiátrico, combi-nada com o aparecimento do «institucionalismo» – a manifestação de incapa-

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Comissões de Direitos Humanos encontra-ram condições «estarrecedoras» e inaceitá-veis quando visitaram vários hospitais psi-quiátricos na América Central1 e na Índia2

durante os últimos cinco anos. Encontram--se condições semelhantes em muitosoutros hospitais psiquiátricos de outrasregiões, em países tanto industrializadoscomo em desenvolvimento. Elas incluemcondições de vida abjectas, vasos sanitá-rios entupidos, soalhos carcomidos e por-tas e janelas quebradas. A maioria dosdoentes visitados ficava de pijamas ou nua.Alguns eram confinados em pequenasáreas de enfermarias residenciais onde po-diam sentar-se, andar ou deitar-se directa-mente no chão o dia inteiro. Crianças eramdeixadas em esteiras no chão, algumascobertas de urina e fezes. Era comum ouso indevido de restrição física: observaram--se muitos doentes amarrados às camas.Pelo menos um terço dos indivíduos eramdoentes com epilepsia ou atraso mental,para os quais a institucionalização psiqui-átrica é desnecessária e não traz benefí-cios. Eles poderiam perfeitamente voltar

a viver na comunidade, se fosse possíveldar-lhes medicação apropriada e todauma série de serviços e sistemas de apoiode base comunitária.Muitos hospitais conservavam a estrutu-ra carcerária de origem, quando tinhamsido construídos nos tempos coloniais. Osdoentes eram chamados de detidos e fi-cavam a maior parte do dia ao cuidadode carcereiros, cujos supervisores eramchamados de capatazes, enquanto asenfermarias eram chamadas de cercas.Usavam-se quartos para isolamento namaioria dos hospitais.Em mais de 80% dos hospitais visitados,não se faziam exames rotineiros de san-gue e urina. Pelo menos um terço dos in-divíduos não tinha diagnóstico psiquiátri-co para justificar a sua presença ali. Namaioria dos hospitais, o registo em pron-tuários era extremamente inadequado.Havia enfermeiros psiquiátricos treinadosem menos de 25% dos hospitais, e me-nos da metade destes contava com psi-cólogos clínicos ou assistentes sociaispsiquiátricos.

1 Levav, I.; Gonzales, V. R. (2000). «Rights of persons with mental illness in Central America». Acta PsychiatricaScandinavica, 101: 86-86.2 National Human Rights Commission (1999). Quality assurance in mental health. Nova Deli, National Human RightsComission of India.

Caixa 3.2. Abuso dos direitos humanos nos hospitais psiquiátricos.

cidades em consequência do isolamento e dos cuidados institucionais em asi-los distantes – levou ao movimento pela desinstitucionalização. Embora sejauma parte importante da reforma da saúde mental, desinstitucionalização nãoé sinónimo de desospitalização. Desinstitucionalização é um processo comple-xo que leva à implementação de uma rede sólida de alternativas comunitárias.Fechar hospitais mentais sem alternativas comunitárias é tão perigoso comocriar alternativas comunitárias sem fechar hospitais psiquiátricos. É precisoque as duas coisas ocorram ao mesmo tempo, de uma forma bem coordenada

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e paulatina. Um processo de desinstitucionalização bem fundamentado temtrês componentes essenciais:

• prevenção de admissões erradas em hospitais psiquiátricos mediante ofornecimento de serviços comunitários;

• alta para a comunidade de doentes internados há muito tempo em ins-tituições e que tenham recebido a preparação adequada;

• estabelecimento e manutenção de sistemas de apoio na comunidadepara doentes não institucionalizados.

A desinstitucionalização não tem constituído um êxito sem reservas, e oscuidados comunitários ainda enfrentam muitos problemas operacionais. En-tre as razões da falta de melhores resultados estão o facto de os Governos nãoterem atribuído aos cuidados na comunidade os recursos poupados com oencerramento de hospitais; não houve uma adequada preparação de profissio-nais para aceitar a mudança dos seus papéis; e os estigmas imputados às per-turbações mentais continuam fortes, resultando em atitudes negativas do pú-blico para com os portadores dessas perturbações. Em alguns países, muitaspessoas com perturbações mentais graves são transferidas para prisões ou fi-cam sem abrigo.

Reflectindo a mudança de paradigma do hospital para a comunidade, fo-ram introduzidas mudanças de longo alcance nas políticas de vários países.Por exemplo, a Lei 180, promulgada na Itália em 1978, encerrando todos oshospitais para doentes mentais, formalizou e acelerou a tendência preexistentenos cuidados dos doentes mentais. As disposições principais da lei italianaprescrevem que não se admitirão novos doentes nos grandes hospitais estataise que não deverão ocorrer readmissões. Não se construirão novos hospitaispsiquiátricos. As enfermarias psiquiátricas dos hospitais gerais não deverãoter mais de 15 camas e deverão filiar-se obrigatoriamente a centros comunitá-rios de saúde mental. Serviços baseados na comunidade com pessoal de saúdemental são responsáveis por determinada área de captação. A Lei 180 teve umimpacte que vai muito além da jurisdição italiana.

Em muitos países europeus, o modelo dominante na organização dos cui-dados psiquiátricos gerais tem sido a criação de áreas geograficamente defini-das, denominadas sectores. Esse conceito foi desenvolvido em França, em me-ados do século XX, e, a partir da década de 1960, o princípio da organizaçãobaseada em sectores propagou-se por quase todos os países da Europa ociden-tal, variando o seu tamanho de 25 000 a 30 000 habitantes. O conceito dedistrito sanitário da estratégia dos cuidados primários de saúde tem muitosaspectos em comum com a abordagem dos sectores.

Em muitos países em desenvolvimento, os programas de cuidados a indiví-duos com problemas mentais e comportamentais têm pouca prioridade. A pres-

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tação de cuidados limita-se a um pequeno número de instituições – geralmentecongestionadas, com pessoal insuficiente e ineficiente – e os serviços reflectempouca compreensão em relação às necessidades dos doentes ou da variedadede abordagens disponíveis para o seu tratamento e os cuidados.

Na maioria dos países em desenvolvimento, não existem cuidados psiquiátri-cos para a maior parte da população: os únicos serviços disponíveis são os dehospitais para doentes mentais. Como esses hospitais psiquiátricos são geralmentecentralizados e de acesso difícil, as pessoas só os procuram como últimos recurso.Os hospitais, de grande tamanho, são construídos tendo em vista mais o funciona-mento económico do que o tratamento. De certa maneira, o próprio asilo conver-te-se numa comunidade, com muito pouco contacto com a sociedade em geral. Oshospitais operam à sombra de leis que são mais penais do que terapêuticas. Emmuitos países, leis que já têm mais de 40 anos erguem barreiras à admissão e alta.Além disso, a maioria dos países em desenvolvimento não conta com programasde treinos adequados a nível nacional para preparar psiquiatras, enfermeiros psi-quiátricos, psicólogos clínicos, assistentes sociais psiquiátricos e terapeutas ocupa-cionais. Como existem poucos profissionais especializados, a comunidade vai pro-curar os curandeiros tradicionais disponíveis (Saeed e col., 2000).

Um resultado desses factores é a imagem institucional negativa de pessoascom perturbações mentais, que reforça o estigma de quem sofre perturbaçõesmentais ou de comportamento. Ainda hoje, essas instituições não estão a acom-panhar o que acontece no que diz respeito aos direitos humanos das pessoascom perturbações mentais.

Alguns países em desenvolvimento, particularmente na Região do PacíficoOriental, procuraram formular planos nacionais de serviços de saúde mental,preparar recursos humanos e integrar a saúde mental nos cuidados gerais desaúde, de acordo com as recomendações de uma comissão de peritos da OMSem 1974 (OMS, 1975; Mohit ,1999).

Em 1991, a Assembleia Geral das Nações Unidas adoptou os princípiospara a protecção das pessoas com doenças mentais e a melhoria dos cuidadosde saúde, dando realce aos cuidados na comunidade e aos direitos das pessoascom perturbações mentais (Nações Unidas, 1991). Reconhece-se hoje que po-dem ser perpetradas violações dos direitos humanos tanto pela falta de aten-ção para com o doente por causa da discriminação, incúria e falta de acessoaos serviços, como por intervenções invasivas, restritivas e regressivas.

Em 1990, a OMS/OPAS lançou uma iniciativa para a reestruturação doscuidados psiquiátricos na Região das Américas, da qual resultou a Declaraçãode Caracas (Caixa 3.3). A Declaração pede o desenvolvimento dos cuidadospsiquiátricos estreitamente vinculados aos cuidados primários de saúde e nocontexto dos sistemas de saúde locais. As ocorrências, acima descritas, contri-buíram para estimular a organização dos cuidados em saúde mental nos paísesem desenvolvimento.

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A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL 101

DECLARAM:

1. Que a reestruturação dos cuidados psi-quiátricos com base nos Cuidados Pri-mários de Saúde e no contexto doModelo de Sistemas Locais de Saúdepermitirá a promoção de modelos alter-nativos de serviço que sejam baseadosna comunidade e integrados nas redessociais e de cuidados de saúde.

2. Que a reestruturação dos cuidados psi-quiátricos na Região implica uma revi-são crítica do papel predominante ecentralizador desempenhado pelos hos-pitais psiquiátricos na prestação de ser-viços de saúde mental.

3. Que os recursos, os cuidados e o trata-mento disponíveis devem:(a) salvaguardar a dignidade pessoal

e os direitos humanos e civis;(b) basear-se em critérios que sejam

racionais e tecnicamente apro-priados; e

(c) empenhar-se em assegurar que osdoentes permaneçam nas suascomunidades.

4. A legislação nacional deve ser refor-mulada para que:(a) os direitos humanos e civis dos

doentes mentais sejam prote-gidos; e

Os legisladores, associações, autoridades sanitárias, profissionais de saúde mental e juristas reunidosna Conferência Regional sobre a Reestruturação dos Cuidados Psiquiátricos na América Latina dentro doModelo de Sistemas Locais de Saúde [...]

(b) a organização de serviços de saúdemental comunitários garanta aobservância desses direitos.

5. Que a formação em saúde mental e psi-quiátrica deve usar um modelo de servi-ço que seja baseado no centro de saúdecomunitário e estimule a admissão psi-quiátrica em hospitais gerais, de acordocom os princípios que estão na base domovimento de reestruturação.

6. Que as organizações, associações e ou-tros participantes nesta Conferência secomprometem pela presente a defen-der e a desenvolver ao nível de país, pro-gramas que promovam a reestrutura-ção desejada, e ao mesmo tempo seempenham em monitorizar e defenderos direitos humanos dos doentes men-tais de acordo com a legislação nacio-nal e tratados internacionais.Para tanto, conclamam os Ministérios daSaúde e da Justiça, os Parlamentos, aPrevidência Social e outras instituiçõesprestadoras de cuidados, organizaçõesprofissionais, associações de utentes,universidades e outras instituições de for-mação, bem com os veículos dos media,a apoiar a reestruturação dos cuidadospsiquiátricos, garantindo assim o seu de-senvolvimento bem sucedido para obenefiício da população da Região.

1 Extraído do texto adoptado em 14 de Novembro de 1990 pela Conferência Regional sobre a Reestruturação dos CuidadosPsiquiátricos na América Latina, reunida em Caracas, Venezuela, por convocação da Organização Pan-Americana da Saúde//Departamento Regional da OMS para as Américas. International Digest of Health Legislation, 1991, 42(2): 336-338.

Caixa 3.3. A Declaração de Caracas1.

Nos países do mundo em desenvolvimento onde foram iniciados serviçosorganizados de saúde mental nos últimos anos, estes fazem geralmente partedos cuidados primários de saúde. Num primeiro nível, pode-se ver nisso umanecessidade, face à escassez de profissionais treinados e de recursos para pres-

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tar serviços especializados. Noutro nível, isso reflecte a oportunidade de or-ganizar os serviços de saúde mental de uma forma capaz de evitar o isola-mento, o estigma e a discriminação. A abordagem baseada na utilização detodos os recursos disponíveis na comunidade tem o atractivo de emancipar oindivíduo, a família e a comunidade para incluir a saúde mental na agendado público, e não na dos profissionais. Actualmente, porém, a saúde mentalnos países em desenvolvimento não está a receber a atenção de que necessita.Mesmo em países onde foi demonstrado em programas piloto, o valor daintegração dos cuidados em saúde mental nos cuidados primários (por exem-plo, na África do Sul, Brasil, China, Colômbia, Filipinas, Índia, Paquistão,República Islâmica do Irão, Senegal e Sudão), essa abordagem não foi amplia-da para cobrir todo o país.

Não obstante as significativas diferenças entre os cuidados em saúde mentalnos países em desenvolvimento e nos desenvolvidos, todos eles têm um pro-blema comum: a má utilização dos serviços psiquiátricos disponíveis. Mes-mo em países com serviços bem estabelecidos, menos da metade dos indiví-duos que necessitam de cuidados faz uso dos serviços disponíveis. Isso deve-setanto ao estigma ligado aos indivíduos com perturbações mentais e compor-tamentais como à insuficiência dos serviços prestados (ver Tabela 3.1).

Consultas devidasa problemas mentais

Sem distúrbio % Qualquer distúrbio % > 3 distúrbios %

Somente clínico geral a 2,2 13,2 18,1

Somente profissionalde saúde mental b 0,5 2,4 3,9

Somente outroprofissional de saúde c 1,0 4,0 5,7

Combinação de pro-fissionais de saúde 1,0 15,0 36,4

Qualquerprofissional de saúde d 4,6 34,6 64,0

Tabela 3.1 Utilização de serviços profissionais para problemas mentais, Austrália, 1997.

a Refere-se a pessoas que tiveram pelo menos uma consulta com um clínico geral nos últimos12 meses mas não consultaram qualquer outro tipo de profissional de saúde.b Refere-se a pessoas que tenham tido pelo menos uma consulta com um profissional de saúdemental (psiquiatra/psicólogo/equipa de saúde mental) nos últimos 12 meses mas não consultaramqualquer outro tipo de profissional de saúde.c Refere-se a pessoas que tenham tido pelo menos uma consulta com outro profissional de saúde(enfermeiro/médico especialista não psiquiátrico/farmacêutico/atendente de ambulância/assis-tente social ou conselheiro) nos últimos 12 meses mas não consultaram qualquer outro tipode profissional de saúde.d Refere-se a pessoas que tenham tido pelo menos uma consulta com qualquer profissionalde saúde nos últimos 12 meses.

Fonte: Andrews G et al. (2000). Prevalence, comorbidity, disability and service utilization: overviewof the Australian National Mental Health Survey. British Journal of Psychiatry, 178: 145-153.

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O problema do estigma foi destacado no Relatório do Director-Geral deSaúde dos Estados Unidos de 1999 (GHHS, 1999). O relatório observa que«não obstante a eficácia das opções de tratamento e as muitas maneiras possí-veis de obter um tratamento de eleição, quase metade de todos os americanosque têm doenças mentais graves não procura tratamento. Na maioria dos ca-sos, a relutância em procurar tratamento é o lamentável resultado de barreirasmuito reais. Destaca-se entre estas o estigma que muitos, na nossa sociedade,atribuem à doença mental e às pessoas que têm doenças mentais».

Em resumo, o último meio século foi testemunha de uma evolução noscuidados, passando a um paradigma de cuidados na comunidade. Isso baseia--se em dois esteios principais: primeiro, o respeito pelos direitos humanos dosindivíduos com perturbações mentais; e segundo, o uso de intervenções e téc-nicas actualizadas. Na melhor das hipóteses, isso traduziu-se num processoresponsável de desinstitucionalização, apoiado por trabalhadores em saúde,utentes, familiares e outros grupos progressistas da comunidade.

Princípios dos cuidados

A ideia de cuidados em saúde mental baseada na comunidade constituimais uma abordagem global do que uma solução organizacional. Os cuidadosbaseados na comunidade dão a entender que a grande maioria dos doentesque necessitam de cuidados em saúde mental deve ter a possibilidade de sertratada a nível comunitário. Os cuidados em saúde mental devem ser não sólocais e acessíveis, como também devem estar em condições de atender àsmúltiplas necessidades dos indivíduos. Em última análise, eles devem visar aemancipação e usar técnicas de tratamento eficientes, que permitam às pesso-as com perturbações mentais aumentar as suas aptidões de autocuidados, in-corporando o ambiente social informal da família bem como mecanismos deapoio formais. Os cuidados baseados na comunidade (ao contrário dos cuida-dos baseados no hospital) podem identificar recursos e criar alianças saudá-veis que, noutras circunstâncias, ficariam ocultas e inactivas.

O uso desses recursos ocultos pode evitar a ocorrência de situações em queos doentes que recebem alta são abandonados, pelos serviços de saúde, aoscuidados das suas famílias não preparadas para tal (com as conhecidas conse-quências psicossociais negativas e uma carga para ambos). Ela permite umcontrolo bastante eficaz da carga social e familiar, tradicionalmente aliviadapelos cuidados institucionais. Esse tipo de serviço está a ganhar popularidadenalguns países europeus, nalguns estados dos EUA, na Austrália, no Canadá ena China. Alguns países da América Latina, África, Mediterrâneo Oriental,Sudeste Asiático e Pacífico Oriental introduziram serviços inovadores (OMS,1997b).

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104 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Os bons cuidados, não importa como e onde sejam aplicados, fluem a par-tir de princípios orientadores básicos, alguns dos quais são particularmenterelevantes para os cuidados em saúde mental. São eles: diagnóstico, interven-ção precoce, participação do utente, parceria com a família, envolvimento dacomunidade local e integração nos cuidados primários de saúde.

Diagnóstico e intervenção

Um diagnóstico objectivo correcto é fundamental para o planeamento doscuidados individuais e para a escolha do tratamento apropriado. As perturba-ções mentais e comportamentais podem ser diagnosticadas com um elevadonível de acuidade. Como diferentes tratamentos são indicados para diferentesdoenças, o diagnóstico é um importante ponto de partida para qualquer inter-venção.

O diagnóstico pode ser feito em termos nosológicos (isto é, de acordo comuma classificação e nomenclatura internacional de doenças e perturbações),no que se refere ao tipo e ao nível de incapacidade sofrido pela pessoa, ou, depreferência, em termos de ambas as coisas.

A intervenção precoce é fundamental no bloqueio do progresso rumo auma doença plenamente instalada, no controlo dos sintomas e na melhoriados resultados. Quanto mais depressa for instituída uma sequência de trata-mento, melhor será o prognóstico. A importância da intervenção precoce éposta em evidência pelos seguintes exemplos:

• Na esquizofrenia, a duração da psicose não tratada tem vindo a ter asua importância confirmada. As demoras no tratamento têm probabi-lidade de acarretar piores resultados (McGony, 2000; Thara e col.,1994).

• Triagens e intervenções breves, para os indivíduos que correm granderisco de apresentar problemas relacionados com o álcool, são positivasna redução do consumo de álcool e dos problemas a ele associados(Wilk e col., 1997).

O tratamento apropriado das perturbações mentais implica o uso racionalde intervenções farmacológicas, psicológicas e psicossociais de uma forma cli-nicamente significativa, equilibrada e bem integrada. Devido à extrema im-portância dos ingredientes dos cuidados, estes são examinados minuciosamentemais adiante neste capítulo.

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A RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS DE SAÚDE MENTAL 105

Continuidade dos cuidados

Certas perturbações mentais e comportamentais têm uma evolução cróni-ca, embora com períodos de remissão e recorrências que podem imitar pertur-bações agudas. Não obstante, no que se refere ao controlo, elas são semelhan-tes às doenças físicas crónicas. Assim, o modelo dos cuidados crónicos é maisapropriado no seu caso do que o geralmente usado para doenças transmissíveisagudas. Isso tem particulares repercussões no que se refere ao acesso aos servi-ços, à disponibilidade de pessoal e aos custos para os doentes e as famílias.

As necessidades dos doentes e das suas famílias são complexas e mutáveis,e a continuidade dos cuidados é importante. Isso requer mudanças na formacomo os cuidados são organizados actualmente. Algumas das medidas paraassegurar a continuidade dos cuidados compreendem:

• clínicas especiais para grupos de doentes com os mesmos diagnósticosou problemas;

• conferir aptidões de cuidados aos prestadores;• prestação de cuidados aos doentes e às suas famílias pela mesma equipa

de tratamento;• educação em grupo de doentes e das suas famílias;• descentralização dos serviços;• integração dos cuidados nos cuidados primários de saúde.

Ampla gama de serviços

As necessidades das pessoas com doenças mentais e das suas famílias sãomúltiplas, variadas e diferem nas diversas fases da doença. Requer-se umaampla variedade de serviços para proporcionar cuidados abrangentes a algu-mas das pessoas que têm doenças mentais. Os que recuperam da doença neces-sitam de ajuda para readquirir as suas aptidões e retomar os seus papéis nasociedade. Os que se recuperam apenas parcialmente precisam de assistênciapara competir numa sociedade aberta. Alguns doentes que se submeteram a umtratamento menos favorável, especialmente nos países em desenvolvimento,podem mesmo assim beneficiar dos programas de reabilitação. Esses serviçospodem fornecer medicamentos ou proporcionar serviços especiais de reabilita-ção, domicílio, assistência jurídica ou outras formas de apoio socioeconómico.A presença de pessoal especializado – enfermeiros, psicólogos clínicos, assisten-tes sociais, terapeutas ocupacionais e voluntários – já demonstrou o seu valorcomo elemento intrínseco em equipas flexíveis de cuidados. As equipasmultidisciplinares são particularmente relevantes no controlo de perturbaçõesmentais, dadas as complexas necessidades dos doentes e das suas famílias nasdiferentes etapas da sua doença.

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Parcerias com doentes e famílias

A projecção dos movimentos de utentes em diversos países mudou a formacomo são consideradas as opiniões dos interessados. Essas organizações sãogeralmente compostas por pessoas com perturbações mentais e pelas suas fa-mílias. Em muitos países, os movimentos de utentes cresceram paralelamenteaos grupos de pressão tradicionais a favor da saúde mental, como os movi-mentos familiares. O movimento de utentes baseia-se na crença no exercíciode escolha individual pelo doente no que se refere ao tratamento e a outrasdecisões (ver Caixa 3.4).

As pessoas que utilizam os serviços de saúdemental são tradicionalmente encaradas dentro dosistema como receptores passivos, incapazes deexpressar as suas próprias necessidades e dese-jos, e sujeitas a formas de cuidados ou tratamentosobre as quais coube a outros a formulação e adecisão. Nos últimos 30 anos, contudo, elescomeçaram, como utentes, a expressar a sua pró-pria visão dos serviços que precisam e querem.Entre os temas mais fortes que vieram à tona en-contram-se: o direito de autodeterminação; anecessidade de informação sobre medicação eoutras formas de tratamento; a necessidade deserviços para facilitar a participação activa dacomunidade; o fim do estigma e da discrimina-ção; o aperfeiçoamento das leis e das atitudes dopúblico, removendo obstáculos à integração nacomunidade; a necessidade de serviços alternati-vos operados pelos utentes; melhores direitoslegais e protecção legal dos direitos existentes; eo fim do internamento de pessoas em grandes ins-tituições, muitas vezes para o resto da vida.Variam entre os utentes e as suas organizaçõesas opiniões sobre qual seria a melhor maneira deatingir as suas metas. Alguns grupos querem umacooperação e uma colaboração activas com os pro-

fissionais de saúde mental, enquanto outros que-rem uma completa separação deles. Há tambémgrandes diferenças sobre o quanto deve serestreita a cooperação, se houver, com organiza-ções que representam membros das famílias dosdoentes.É evidente que as organizações de utentes de todoo mundo querem que as suas vozes sejam ouvi-das e consideradas na tomada de decisões sobreas suas vidas. As pessoas diagnosticadas comdoenças mentais têm o direito de se fazerem ouvirnas discussões sobre políticas e práticas de saúdemental que envolvem profissionais, familiares,legisladores e líderes de opinião. Por trás das eti-quetas e dos diagnósticos encontram-se pessoasreais que, não importa o que possam pensaroutras pessoas, têm ideias, pensamentos, opiniõese ambições. Aqueles que foram diagnosticadoscom doenças mentais não são diferentes dasoutras pessoas e querem as mesmas coisas bási-cas da vida: rendimento adequado; lugar decentepara morar; oportunidades educacionais; estágiopara o emprego, levando a colocações reais esignificativas; participação nas vidas das suascomunidades; amizades e relações sociais; erelações pessoais amorosas.

Colaboração de Judi Chamberlin ([email protected]), National Empowerment Center, Lawrence, MA, EUA(http://www.power2u.org).

Caixa 3.4. O papel dos utentes nos cuidados em saúde mental.

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O melhor exemplo de movimento de utentes será provavelmente os Alcoó-licos Anónimos, que se popularizou em todo o mundo e conseguiu taxas derecuperação comparáveis às obtidas com os cuidados psiquiátricos formais. Adisponibilidade de tratamento com a ajuda de computadores e o apoio on linede ex-doentes abriram novas maneiras de obter cuidados. Os doentes comperturbações mentais podem ser muito bem sucedidos na auto-ajuda, e ointerapoio tem-se mostrado importante em várias condições para a recupera-ção e a reintegração na sociedade.

O movimento de utentes influenciou consideravelmente a política de saúdemental em numerosos países. De modo particular, incrementou o emprego depessoas com perturbações no sistema tradicional de cuidados em saúde men-tal, bem como noutros organismos de assistência social. Por exemplo, no Mi-nistério da Saúde da Província da Colúmbia Britânica, Canadá, uma pessoacom perturbação mental foi recentemente nomeada para o cargo de Directorde Cuidados Alternativos, colocando-se assim numa posição forte para influen-ciar a política e os serviços de saúde mental.

A pressão exercida pelos utentes apontou para o tratamento involuntário,os cuidados auto-administrados, o papel dos utentes na pesquisa, a prestaçãode serviços e o acesso aos cuidados. Os programas executados por utentesincluem centros de captação abertos, programas de controlo de casos, progra-mas de extensão e serviços durante as crises.

O papel positivo das famílias nos programas de cuidados em saúde mentalfoi reconhecido há relativamente pouco tempo. A visão anterior da famíliacomo factor causal não é válida. O papel das famílias estende-se agora paraalém dos cuidados do dia-a-dia, chegando à acção organizada a favor dosdoentes mentais. Essa acção teve um papel predominante na mudança da le-gislação sobre saúde mental nalguns países, bem como, noutros, na melhoriados serviços e no desenvolvimento de redes de apoio.

Há consideráveis indícios que demonstram os benefícios da participaçãoda família no tratamento e controlo de esquizofrenia, atraso mental, depres-são, dependência do álcool e perturbações do comportamento na infância. Opapel da família no tratamento de outras afecções ainda está por demonstrar,através de novas experiências controladas. Há indícios que o resultado paradoentes que vivem com as suas famílias é melhor do que o observado naquelesque vivem em instituições. Muitos estudos internacionais, contudo, estabele-ceram uma forte relação entre atitudes de grande «emoção expressa» entreparentes e um índice mais elevado de recorrência para doentes que vivem emcompanhia deles. Mudando-se o clima emocional no lar, é possível reduzir ataxa de recorrência (Leff e Gamble, 1995; Dixon e col., 2000).

O trabalho com as famílias para reduzir as recaídas foi sempre consideradoum complemento da medicação de manutenção, e não a sua substituta. Defacto, já se demonstrou que a terapia familiar, quando acrescentada à medica-

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Os trabalhadores de saúde mental, as famílias depessoas com doenças mentais e as organizaçõesde apoio familiar têm muito que aprender uns comos outros. Mediante contactos regulares, o pes-soal de saúde pode aprender das famílias queconhecimentos, atitudes e aptidões são necessá-rios para permitir que trabalhem juntos de umaforma positiva. Eles inteiram-se também dos pro-blemas, tais como a limitação dos recursos, ascargas enormes de trabalho e o treino insuficiente,que impede os médicos e os serviços clínicos deprestar serviços eficientes. Nesses casos, pode--se considerar que a defesa da causa por umaorganização familiar tem maior valor do que o«interesse adquirido» do trabalhador profissional.Quando ocorre uma doença mental, os trabalha-dores profissionais beneficiam, ainda no início, daformação de uma parceria com a família. Atravésdesses empreendimentos conjuntos, podem dis-cutir informações sobre uma ampla gama de ques-tões relacionadas com a doença, explorar as reac-ções familiares e formular um plano de tratamento.As famílias, por sua vez, beneficiam da aprendi-zagem de um processo de resolução de proble-mas a fim de ter um conhecimento mais positivoda doença.São descritas, a seguir, resumidamente duas as-sociações de apoio familiar que têm conseguidoum êxito considerável no atendimento das neces-sidades dos respectivos representados e no esta-belecimento de vínculos com profissionais.A Alzheimer’s Disease International (ADI) é umaorganização que agrupa 57 associações nacionaispara a doença de Alzheimer em todo o mundo. Oseu objectivo é apoiar a formação e o aumento daeficácia das associações de Alzheimer nacionaisexistentes e das novas associações, mediante ac-tividades tais como o Dia Mundial de Alzheimer,uma conferência anual e a Universidade deAlzheimer (que organiza uma série de seminários

que põem em evidência os problemas básicos daorganização). Além disso, através do seu site naInternet (http://www.alz.co.uk), a ADI proporcionainformações, dados, brochuras e boletins noticio-sos.As associações de Alzheimer nacionais dedicam-se ao apoio a pessoas em cujas famílias ocorredemência. Elas proporcionam não só informaçãocomo também ajuda prática e emocional, na for-ma, por exemplo, de linhas telefónicas deaconselhamento, grupos de apoio e cuidados nasfolgas dos prestadores de cuidados. Além disso,oferecem treino aos prestadores de cuidados,profissionais e serviços de defesa junto dosGovernos.The World Fellowship for Schizophrenia and AlliedDisorders (WSF) acentua o facto de que a partilhade conhecimentos – o conhecimento profissionaldos trabalhadores em saúde mental e o conheci-mento adquirido pelas famílias e pelos utentesmediante experiências de vida – é vital para odesenvolvimento da confiança. Sem confiança,muitas vezes não é possível uma aliança terapêu-tica efectiva, e os clínicos, familiares e utentespodem encontrar-se em conflito uns com osoutros.Uma parceria contínua tem em vista o desenvol-vimento da assertividade dos prestadores familia-res de cuidados, para que eles possam resolveros muitos e complicados desafios com que sedefrontam, em vez de ter de confiar sempre noapoio de profissionais. Denomina-se esse processo«passagem dos cuidados passivos aos cuidadosactivos». É reforçado pelo encaminhamento a orga-nizações de apoio familiar, que os profissionaisdevem recomendar enfaticamente como parteimportante do tratamento a longo prazo e do pla-no de cuidados. Pode-se obter mais informaçõessobre essa associação através de correio electró-nico para [email protected].

Caixa 3.5. Parcerias com as famílias.

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ção antipsicótica, é mais eficaz do que a medicação pura e simples na preven-ção da recorrência na esquizofrenia. Uma meta-análise da Cochrane Colla-boration (Pharaoh e col., 2000) mostrou uma redução média das taxas derecorrência para cerca de metade, tanto num como em dois anos. Resta saber,porém, se as equipas clínicas comuns podem reproduzir os excepcionais resul-tados dos grupos pioneiros de pesquisas que realizaram o seu trabalho princi-palmente em países desenvolvidos. Nos países em desenvolvimento, a famíliafica geralmente envolvida no tratamento do doente psiquiátrico individual,quer por curandeiros tradicionais quer por serviços biomédicos.

Local e nacionalmente, a formação de redes familiares criou parcerias en-tre prestadores de cuidados e profissionais (Caixa 3.5). Além de proporcionarapoio mútuo, muitas redes converteram-se em defensoras, educando o públicoem geral, aumentando o apoio da parte dos formuladores de políticas e com-batendo o estigma e a discriminação.

Envolvimento da comunidade local

As crenças, atitudes e respostas sociais definem muitos aspectos dos cuida-dos de saúde mental. Os portadores de doenças mentais são membros da socie-dade e o ambiente social é um importante determinante do resultado. Quandoé favorável, o ambiente social contribui para a recuperação e a reintegração.Quando é negativo, pode reforçar o estigma e a discriminação. Entre os esfor-ços para aumentar o envolvimento das comunidades locais contam-se a disse-minação de informações correctas sobre perturbações mentais e o uso de re-cursos da comunidade para iniciativas específicas, tais como voluntários naprevenção do suicídio e colaboração com curandeiros tradicionais. A própriapassagem dos cuidados em instituições para a comunidade pode alterar asatitudes e respostas desta e ajudar as pessoas que têm doenças mentais a viveruma vida melhor.

Estudos feitos em muitos países africanos e asiáticos mostram que cerca de40% dos clientes dos curandeiros tradicionais sofrem de doenças mentais (Saeede col., 2000). Isto não diverge muito do quadro revelado por muitos estudosrealizados no âmbito dos cuidados de saúde geral. Assim, o trabalho comcurandeiros tradicionais é uma importante iniciativa de saúde mental. Os pro-fissionais dão aos curandeiros informações correctas sobre perturbações men-tais e comportamentais, estimulando o seu funcionamento como agentes enca-minhadores e não incentivando práticas tais como a privação de alimentos ecastigo. Os profissionais, por sua vez, são levados a compreender as aptidõesdos curandeiros no tratamento de perturbações psicossociais.

Coube às organizações não-governamentais um papel importante nosmovimentos pela saúde mental ao longo da história. Foi um utente, Clifford

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Beers, que criou em 1906 a primeira organização não-governamental bem su-cedida no trato de doenças mentais, precursora da Federação Mundial para aSaúde Mental. As contribuições de organizações desse tipo são inegáveis.

Há numerosos caminhos para trazer mudanças à comunidade. O mais im-portante de entre eles é o uso dos veículos de comunicação de massas emcampanhas educativas orientadas para o público em geral. Exemplos disso sãoos dísticos «Vamos derrotar a depressão», «Mudando ideias – todas as famí-lias do país» e, no Dia Mundial da Saúde 2001, «Cuidar, sim. Excluir, não».Campanhas gigantescas de consciencialização em países como a Austrália, oCanadá, os EUA, a Malásia, o Reino Unido e a República Islâmica do Irãomodificaram as atitudes da população para com as perturbações mentais. AAssociação Mundial de Psiquiatria (AMP) lançou em diversos países um pro-grama para combater o estigma e a discriminação contra os que sofrem deesquizofrenia (Caixa 4.9). O programa usa os veículos dos media, as escolas eos membros das famílias como agentes da mudança.

Embora a discriminação contra os portadores de doenças mentais não sejapraticada pela comunidade em muitos países em desenvolvimento, as crençasna feitiçaria, nas forças sobrenaturais, no destino, no desagrado dos deuses,etc., podem interferir na procura de assistência e na adesão ao tratamento. Umdos melhores exemplos de como as comunidades podem transformar-se emprestadoras de cuidados é encontrado na pequena cidade belga de Gheel, sededo que é sem dúvida o mais antigo programa comunitário de saúde mental nomundo ocidental. Desde o século XIII, mas com origens talvez ainda no séculoVIII, as pessoas com doenças mentais graves são acolhidas de braços abertospela Igreja de Santa Dympha ou por famílias adoptivas da cidade, com asquais vivem, frequentemente por muitas décadas. Hoje, tais famílias em Gheelcuidam de cerca de 550 doentes, metade dos quais têm empregos em oficinasprotegidas.

Integração nos cuidados primários de saúde

Outro princípio importante que desempenha um papel crucial na organi-zação dos cuidados em saúde mental é a integração nos cuidados primários desaúde. O papel fundamental dos cuidados primários no sistema de saúde emgeral de qualquer país foi claramente enunciado na Declaração de Alma-Ata.Esse nível básico de cuidados funciona como filtro entre a população geral e oscuidados de saúde especializados.

As perturbações mentais são comuns e a maioria dos doentes recebe ape-nas cuidados primários, mas as suas perturbações muitas vezes não são detec-tadas (Üstün e Sartorius, 1995). Além disso, a morbilidade psicológica é umaspecto comum das doenças físicas e muitas vezes os profissionais de cuidados

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primários de saúde vêem (mas nem sempre reconhecem) angústia emocional.A preparação do pessoal de cuidados primários e cuidados de saúde geral paradetectar e tratar perturbações mentais e comportamentais comuns é uma im-portante medida de saúde pública. Esta preparação pode ser facilitada pelaligação com o pessoal de saúde mental baseado na comunidade local, quequase sempre tem grande interesse em compartilhar a sua perícia.

A qualidade e a quantidade dos serviços de saúde mental especializadosnecessários dependem dos serviços que são prestados a nível de cuidados pri-mários. Por outras palavras, é preciso equilibrar a prestação de serviços entreos cuidados na comunidade e os cuidados hospitalares.

Os doentes que recebem alta de enfermarias psiquiátricas (de hospitais ge-rais ou especializados) podem ter um acompanhamento eficaz pelos médicosdos cuidados primários de saúde. Evidentemente, os cuidados primários de-sempenham um papel importante nos países onde não existem serviços desaúde mental baseados na comunidade. Em muitos países em desenvolvimen-to, trabalhadores de cuidados primários de saúde bem treinados proporcio-nam um tratamento adequado aos doentes mentais. É interessante observarque a pobreza de um país não significa necessariamente que o tratamento dosdoentes mentais seja deficiente. Experiências em alguns países africanos, asiá-ticos e latino-americanos mostram que o treino adequado de trabalhadores decuidados primários de saúde no reconhecimento e controlo precoce de pertur-bações mentais pode reduzir a institucionalização e melhorar a saúde mentaldos utentes.

Ingredientes dos cuidados

O controlo das perturbações mentais e comportamentais – quiçá mais par-ticularmente do que o de outras afecções médicas – pede uma combinaçãoequilibrada de três ingredientes fundamentais: medicação (ou farmacoterapia),psicoterapia e reabilitação psicossocial.

O controlo racional das perturbações mentais e comportamentais requeruma dosagem habilidosa de cada um desses ingredientes. As quantidades ne-cessárias variam em função não só do diagnóstico geral como também de qual-quer co-morbilidade física e mental, da idade do doente e do grau actual dadoença. Por outras palavras, o tratamento deve ser dimensionado segundo asnecessidades do indivíduo; mas estas mudam com a evolução da doença e coma mudança das condições de vida do doente (ver figura 3.1).

Uma combinação equilibrada de intervenções implica a adesão aos seguin-tes princípios orientadores:

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• Cada intervenção tem uma indicação específica, de acordo com o diag-nóstico, isto é, deve ser usada em condições clínicas específicas.

• Cada intervenção deve ser usada numa quantidade determinada, isto é,o nível de intervenção deve ser proporcional à gravidade da afecção.

• Cada intervenção deve ter uma duração determinada, isto é, deve du-rar o tempo exigido pela natureza e pela gravidade da afecção, assimcomo deve ser suspensa logo que seja possível.

• Devem-se monitorizar periodicamente a adesão ao tratamento e os re-sultados esperados de cada intervenção, bem como os efeitos adversos,e a pessoa que recebe a intervenção deve ser sempre um parceiro activonessa monitorização.

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O controlo efectivo das perturbações mentais e comportamentais incluizelosos cuidados à observância do tratamento. Há casos em que as perturba-ções mentais são afecções crónicas, exigindo por isso regimes de tratamentoque se estendem por toda a vida adulta. A adesão a tratamentos de longaduração é mais difícil de obter do que a observância de tratamentos por umbreve período. O problema torna-se ainda mais complicado pelo facto de exis-tir uma relação comprovada entre perturbações mentais ou de comportamen-to e a falta de observância rigorosa dos regimes de tratamento.

Existem importantes pesquisas sobre os factores que melhoram a adesãoao tratamento. São eles:

• uma relação médico/doente baseada na confiança;• gasto de tempo e energia na educação do doente tendo em vista a fina-

lidade da terapia e as consequências da boa e da má adesão;• um plano de tratamento negociado;• envolvimento de familiares e amigos para apoiar o plano terapêutico e

a sua implementação;• simplificação do regime de tratamento; e• redução das consequências adversas do regime de tratamento.

Ao longo dos anos, foi-se estabelecendo consenso entre os clínicos quantoà eficácia de certas intervenções para o tratamento das perturbações mentais;essas intervenções são descritas adiante. Lamentavelmente, as informações dis-poníveis sobre custo/eficácia são limitadas. As principais limitações são: pri-meiro, o carácter crónico de certos problemas mentais, que requerem um longoacompanhamento para que a informação seja significativa; segundo, os dife-rentes critérios clínicos e metodológicos utilizados nos poucos estudos feitossobre o custo/eficácia dessas intervenções; terceiro, o facto de a maioria dosestudos disponíveis compararem abordagens avançadas no tratamento de de-terminado problema, poucas das quais são exequíveis em países em desenvol-vimento. Por isso, as intervenções descritas adiante foram seleccionadas combase na confirmação da sua eficácia – não obstante o facto de muitas pessoasnão terem acesso a elas – e não no critério de custo/eficácia. Incluem-se, porém,quando disponíveis, informações actualizadas sobre o custo/eficácia das inter-venções.

Farmacoterapia

A descoberta e o aperfeiçoamento de medicamentos úteis no tratamentodas perturbações mentais, que ocorreram na segunda metade do século XX,foram reconhecidos em muitos sectores como uma revolução na história dapsiquiatria.

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Existem, basicamente, três classes de fármacos psicotrópicos, que visamsintomas específicos de perturbações mentais: antipsicóticos para os sintomaspsicóticos, antidepressivos para a depressão, antiepilépticos para a epilepsia eansiolíticos ou tranquilizantes para a ansiedade. Usam-se diferentes tipos paraproblemas relacionados com drogas e álcool. É importante lembrar que estesfármacos visam os sintomas das doenças, e não as próprias doenças ou as suascausas. Não se destinam, portanto, a curar as doenças, mas, antes, a reduzirou controlar os sintomas ou evitar recidivas.

Perante a eficácia da maioria desses medicamentos, que já era evidenteantes do uso muito difundido de testes clínicos controlados, a maioria dosestudos económicos recentes concentrou-se não no custo/eficácia da farma-coterapia activa, em contraposição aos placebos ou à ausência total de cuida-dos, mas no custo/eficácia relativo das classes mais novas de medicamentosface aos seus similares mais antigos. Isso aplica-se particularmente aos antide-pressivos e antipsicóticos mais novos, em comparação com, respectivamente,os antidepressivos tricíclicos e os neurolépticos convencionais.

Uma síntese da evidência disponível indica que, embora tenham menosefeitos colaterais adversos, esses novos psicotrópicos não são significativamentemais eficazes e geralmente custam mais caro. Os custos consideravelmentemais elevados da aquisição dos medicamentos mais novos são, porém, com-pensados por uma redução da necessidade de outras formas de cuidados etratamento. Os fármacos da nova classe de antidepressivos, por exemplo, po-dem representar uma opção mais atraente e financeiramente acessível para aprescrição em países de baixo rendimento quando expirarem as suas patentesou onde elas já são disponíveis a um custo semelhante aos de medicamentosmais antigos.

A Lista de Medicamentos Essenciais da OMS inclui actualmente os fárma-cos necessários num nível mínimo para o controlo satisfatório das perturba-ções mentais e neurológicas de importância na saúde pública. Não obstante,os doentes dos países em desenvolvimento não devem ficar privados, por mo-tivos unicamente económicos, dos benefícios trazidos pelos avanços na psico-farmacologia. É necessário trabalhar com vista à completa disponibilizaçãodos melhores medicamentos para o tratamento de uma dada perturbação. Issoexige uma abordagem flexível da lista de medicamentos essenciais.

Psicoterapia

A psicoterapia refere-se a intervenções planeadas e estruturadas visando in-fluenciar o comportamento, o humor e os padrões emocionais de reacção face adiferentes estímulos, com uso de meios psicológicos verbais e não verbais. Nãofaz parte da psicoterapia o uso de qualquer meio bioquímico ou biológico.

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Várias técnicas e abordagens – derivadas de diferentes fundamentos teóri-cos – têm mostrado a sua eficácia em relação a diversas perturbações mentaise comportamentais. Contam-se entre elas a terapia do comportamento, a tera-pia cognitiva, a terapia interpessoal, as técnicas de relaxamento e as técnicas eterapias de apoio (aconselhamento) (OMS, 1993b).

A terapia do comportamento consiste na aplicação de princípios psicológi-cos de base científica à solução de problemas clínicos (Cottraux, 1993). Ba-seia-se nos princípios da aprendizagem.

As intervenções comportamentais cognitivas visam a alteração dos padrõesde pensamento e de comportamento mediante a prática de novas maneiras depensar e agir, ao passo que a terapia interpessoal vem de um diferente modeloconceptual, que se centra em quatro áreas problemáticas comuns: conflitos depapéis, transições de papéis, luto não resolvido e défices sociais.

O relaxamento visa a redução do estado de excitação – e consequentemen-te da ansiedade – a níveis aceitáveis, através de diversas técnicas de relaxamen-to muscular derivadas de métodos como o ioga, a meditação transcendental, otreino autogénico e o biofeedback. Pode ser um complemento de outras for-mas de tratamento, é facilmente aceitável pelos doentes e pode ser auto-apren-dido (OMS, 1988).

A terapia de apoio, que é provavelmente a forma mais simples de psicote-rapia, baseia-se no relacionamento médico/doente. Outros componentes im-portantes dessa técnica são a auto-afirmação, o esclarecimento, a ab-reacção,o aconselhamento, a sugestão e o ensino. Alguns vêem nesta modalidade detratamento o próprio alicerce da boa prestação clínica e propõem a sua inclu-são como componente intrínseco dos programas de formação para todos osque se dedicam a actividades clínicas.

Vários tipos de psicoterapia – e especialmente as intervenções comporta-mentais cognitivas e a terapia interpessoal – são eficazes no tratamento defobias, dependência de drogas e álcool e sintomas psicóticos, tais como delí-rios e alucinações. Ajudam também o doente deprimido a aprender como me-lhorar as estratégias de controlo e reduzir a angústia sintomática.

Recentemente, vieram à tona indícios animadores em relação ao custo/eficá-cia das abordagens psicoterapêuticas no tratamento de psicoses e de toda umasérie de perturbações do humor e relacionadas com o stress, em combinaçãocom a farmacoterapia ou como alternativa a ela. Uma constatação que sempreaparece nas pesquisas é a de que as intervenções psicológicas levam a um aumentoda satisfação e da concordância com o tratamento, o que pode contribuir signi-ficativamente para reduzir as taxas de recorrência, limitar as hospitalizações ediminuir o desemprego. Os custos adicionais do tratamento psicológico são neu-tralizados por uma redução da necessidade de outras formas de apoio ou con-tacto com os serviços de saúde (Schulberg e col., 1998; Rosenbaum e Hylan,1999).

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Reabilitação psicossocial

A reabilitação psicossocial é um processo que oferece aos indivíduos queestão debilitados, incapacitados ou deficientes, devido à perturbação mental,a oportunidade de atingir o seu nível potencial de funcionamento independen-te na comunidade. Envolve tanto o incremento de competências individuaiscomo a introdução de mudanças ambientais (OMS, 1995). A reabilitação psi-cossocial é um processo abrangente, e não simplesmente uma técnica.

As estratégias de reabilitação psicossocial variam segundo as necessidadesdo utente, o contexto no qual é promovida a reabilitação (hospital ou comuni-dade) e as condições culturais e socioeconómicas do país onde é levada a cabo.As redes de habitação, reabilitação profissional, emprego e apoio social cons-tituem aspectos da reabilitação psicossocial. Os principais objectivos são aemancipação do utente, a redução da discriminação e do estigma, a melhoriada competência social individual e a criação de um sistema de apoio social delonga duração. A reabilitação psicossocial é um dos componentes do trata-mento abrangente em saúde mental com base na comunidade. Por exemplo,em Xangai, China, foram aperfeiçoados modelos de reabilitação psicossocialem cuidados primários de saúde, com apoio familiar, apoio psiquiátrico deretaguarda, supervisão comunitária e intervenção de reabilitação nos locais detrabalho.

A reabilitação psicossocial permite a muitas pessoas adquirir ou recuperaras aptidões práticas necessárias para viver e conviver na comunidade e ensi-nar-lhes a maneira de fazer face às suas incapacidades. Inclui assistência nodesenvolvimento das aptidões sociais, interesses e actividades de lazer, quedão um sentido de participação e de valor pessoal. Ensina também aptidões devida, tais como regime alimentar, higiene pessoal, cozinhar, fazer compras,fazer orçamentos, manter a casa e usar diferentes meios de transporte.

Reabilitação profissional e emprego

Em países como a Alemanha, Argentina, Brasil, China, Costa do Marfim,Espanha, Holanda e Itália, doentes psiquiátricos, assistentes sociais e por ve-zes outros doentes não psiquiátricos têm organizado cooperativas de trabalha-dores. Essas oportunidades vocacionais procuram não criar um clima artificial-mente protegido, proporcionando aos doentes psiquiátricos, em vez disso,formação profissional que lhes permitirá dedicar-se a actividades economica-mente eficientes. Alguns desses exemplos são descritos na caixa 3.6.

A activação dos recursos ocultos na comunidade cria um novo modelo,com profundas repercussões na saúde pública. O modelo, denominado «em-presa social», atingiu um nível sofisticado de desenvolvimento nalguns países

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Podem-se encontrar em todo o mundo muitosmilhares de bons exemplos de pessoas com per-turbações mentais não só integradas nas respec-tivas comunidades, mas desempenhando efecti-vamente papéis produtivos e economicamenteimportantes. Só na Europa, cerca de 10 000 indi-víduos estão a trabalhar em negócios e empresasque foram criados para lhes dar emprego. Aquiestão alguns dos muitos exemplos de oportunida-des encontradas na comunidade1.Começando com um punhado de pessoas comdoenças mentais, algumas das quais estiveramacorrentadas durante anos, estabeleceu-se umaviário em Bouaké, Costa do Marfim. Encaradoinicialmente com desconfiança pela populaçãolocal, o estabelecimento veio a tornar-se umaempresa importante, da qual a comunidade localagora depende. A resistência inicialmente encon-trada foi dando lugar, pouco a pouco, a um cordialapoio, particularmente quando o aviário se viunecessitado de braços e começou a contratar gen-te da comunidade local, transformando-se emimportante empregador na região.Em Espanha, uma grande organização não-gover-namental criou 12 centros de serviço que empre-gam mais de 800 pessoas com perturbações men-tais. Um desses centros, em Cabra, Andaluzia, éuma fábrica de móveis que tem 212 empregados,a maioria dos quais com passagens prolongadaspor hospitais psiquiátricos. A fábrica é muito mo-derna e tem diferentes linhas de montagem, onde

as necessidades e habilidades de cada trabalha-dor são tidas em consideração. Ainda há poucosanos, aqueles trabalhadores viviam trancados emhospitais, como continua a acontecer com muitosoutros portadores de perturbações mentais nou-tros lugares. Hoje, os seus produtos estão a servendidos em toda a Europa e nos EUA.Uma cooperativa de emprego para portadores deperturbações mentais fundada em Itália, em 1981,com apenas nove pessoas tem agora mais de 500membros que voltaram a uma vida produtiva e es-tão integrados na sociedade. Uma de entre centenasdo mesmo tipo, em Itália, a cooperativa oferece ser-viços de limpeza, serviços sociais para os idosos epara adultos e crianças deficientes, programas deformação profissional, conservação de parques ejardins e actividades gerais de manutenção.Em Pequim, China, uma das maiores fábricasnacionais de produtos de algodão mantém cente-nas de apartamentos para seus empregados, bemcomo um hospital de 140 camas e duas escolas.Recentemente, uma jovem empregada foi dia-gnosticada com esquizofrenia e hospitalizada porum ano. Ao receber alta, voltou ao seu aparta-mento e ao seu antigo emprego, com salário inte-gral. Depois de um mês, porém, ela verificou quejá não podia acompanhar o ritmo dos seus cole-gas e foi transferida para um escritório. Esta solu-ção resulta do cumprimento, por parte do seuempregador, da obrigação legal de receber amulher de volta, após a doença.

Caixa 3.6. Oportunidades de trabalho na comunidade.

1 Harmois, G. ; Gabriel, P. (2000). Mental health and work: impact, issues and good practices. Genebra, Organização Mun-dial da Saúde e Organização Internacional do Trabalho (WHO/MSD/MPS/00.2).

do Mediterrâneo (de Leonardis e col., 1994). A cooperação entre os sectorespúblico e privado numa empresa social é promissora, do ponto de vista dasaúde pública. Além disso, compensa a carência de recursos e cria uma solu-ção alternativa à reabilitação psicossocial convencional. As pessoas com per-turbações podem ter uma participação mais activa no saudável processo detrabalho cooperativo e, consequentemente, na criação de recursos.

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Habitação

A habitação, além de ser um direito básico, é em muitos lugares um factorde limitação crucial no processo de desinstitucionalização e reforma psiquiá-trica. Todos precisam de habitação decente. Não há dúvida alguma quanto ànecessidade de camas psiquiátricas para pessoas com problemas mentais.

As perturbações mentais específicas tornam o uso de camas inevitável emduas circunstâncias: primeiro, na fase aguda; segundo, durante a convalescen-ça ou na fase crónica irreversível que alguns doentes apresentam. A experiên-cia de muitos países das Américas, da Ásia e da Europa já demonstrou que, noprimeiro caso, uma cama localizada num hospital geral é o recurso mais ade-quado. No segundo, os asilos de outrora têm sido substituídos com êxito pordependências residenciais na comunidade. Em algumas situações, haverá sem-pre a necessidade de outros contextos residenciais. Estes são componentes nãocontraditórios de cuidados globais e estão de pleno acordo com a estratégiados cuidados primários de saúde.

Além dos exemplos acima mencionados, estão a ocorrer interessantes ex-periências no campo da reabilitação psicossocial na África do Sul, Botsuana,Brasil, China, Espanha, Grécia, Índia, Malásia, Mali, México, Paquistão,Senegal, República Islâmica do Irão, Sri Lanka e Tunísia (Mohit, 1999;Mubbashar, 1999; WHO, 1997b). Nestes países, a abordagem orienta-se maispara as actividades vocacionais e o apoio social da comunidade. Não há dúvi-da de que a reabilitação psicossocial, muitas e muitas vezes, não enfrenta aquestão da habitação, por não haver habitação disponível. Assim, os doentescom perturbações que necessitam de abrigo não têm alternativa senão a institu-cionalização. As estratégias de habitação actuais custam demasiado caro paramuitos países em desenvolvimento, obrigando a procurar soluções inovado-ras.

Exemplos de eficácia

Podem-se classificar as intervenções para tratamento das perturbaçõesmentais e comportamentais em três grandes categorias: prevenção, tratamentoe reabilitação. Estas correspondem aproximadamente aos conceitos de pre-venção primária, secundária e terciária (Leavell e Clark, 1965).

• Prevenção (prevenção primária ou protecção específica) é a tomada demedidas aplicáveis a certa doença ou grupo de doenças, para intercep-tar as suas causas antes que estas envolvam o indivíduo; por outraspalavras, para evitar que ocorra a afecção.

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• Tratamento (prevenção secundária): refere-se às medidas tomadas parasuster um processo patológico já iniciado, a fim de evitar maiores com-plicações e sequelas, limitar a incapacidade e evitar a morte.

• Reabilitação (prevenção terciária): envolve medidas orientadas para in-divíduos incapacitados, restaurando a sua situação anterior ou maxi-mizando o uso das suas capacidades restantes. Compreende tanto inter-venções a nível do indivíduo como modificações no meio ambiente.

Os exemplos que se seguem apresentam uma série de intervenções eficazes,importantes em saúde pública. Para algumas dessas perturbações, a interven-ção mais eficaz é a acção preventiva, ao passo que a abordagem mais eficiente,para outros, é o tratamento ou a reabilitação.

Depressão

Não existem actualmente indícios de que as intervenções propostas para aprevenção primária da depressão sejam eficazes, salvo nalguns estudos isola-dos. Há indicações, porém, da eficácia de certas intervenções, tais como aformação de sistemas de redes de apoio para grupos vulneráveis, intervençõesconcentradas em eventos específicos e intervenções orientadas para famílias eindivíduos vulneráveis, bem como dispositivos adequados de triagem e de tra-tamento de perturbações mentais como parte dos cuidados primários para aincapacidade física (Paykel, 1994). Diversos programas de triagem, educaçãoe tratamento para mães mostraram-se eficazes na redução da depressão emmães e na prevenção de resultados de saúde adversos para seus filhos. Estesprogramas podem ser executados no contexto dos cuidados primários de saú-de, por exemplo, por visitantes sanitários ou trabalhadores de saúde da comu-nidade. Não têm sido, porém, amplamente disseminados nos cuidados primá-rios, mesmo nos países industrializados (Cooper e Murray, 1998).

As metas da terapia são a redução dos sintomas, a prevenção de recidivase, em última análise, a remissão completa. O tratamento de primeira linha,para a maioria dos doentes com depressão, consiste hoje em medicação anti-depressiva, psicoterapia ou uma combinação das duas.

Os medicamentos antidepressivos são eficazes em todos os graus de gravi-dade dos episódios depressivos major. Nos episódios depressivos ligeiros, ataxa geral de resposta é de cerca de 70%. Nos episódios graves, a taxa deresposta é mais baixa e a medicação é mais eficaz do que os placebos. Algunsestudos indicaram que os antidepressivos mais antigos (tricíclicos), denomina-dos ADT, são tão eficazes como os medicamentos mais novos e são mais bara-tos: o custo dos ADT é de aproximadamente US$2-3 por mês em muitos paí-ses em desenvolvimento. Os novos medicamentos antidepressivos são eficazes

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no tratamento de episódios depressivos graves, com menos resultados indese-jáveis e maior aceitação pelos doentes, mas a sua disponibilidade continualimitada em muitos países em desenvolvimento. Esses medicamentos podemoferecer vantagens nas faixas etárias mais velhas.

A fase aguda requer 6 a 8 semanas de medicação, durante as quais os doen-tes são visitados semanalmente ou de duas em duas semanas – e mais frequen-temente nas fases iniciais – para monitorização de sintomas e efeitos colate-rais, ajuste da dosagem e apoio.

A fase aguda bem-sucedida do tratamento com antidepressivo ou psicote-rapia deve ser quase sempre seguida de pelo menos seis meses de tratamentocontínuo. Os doentes são visitados uma ou duas vezes por mês. O objectivoprimário dessa fase de acompanhamento é evitar recorrência; de facto, podediminuir o índice de recorrências de 40%-60% para 10%-20%. A meta finalé a remissão completa, seguida de recuperação. Há certos indícios, emborafracos, de que a recorrência, após o tratamento bem-sucedido, é menos co-mum com terapia comportamental cognitiva do que com antidepressivos (vertabela 3.2).

Intervenção % de remissão após 3–5 meses

Placebo 27

Agentes tricíclicos 48-52

Psicoterapia (cognitiva e interpessoal) 48-60

Fontes:Mynors-Wallis, I. e col. (1996). «Problem-solving treatment: evidence for objectiveness andfeasibility in primary care». International Journal of Psychiatric Medicine, 26: 249-162.Schulberg, H. C. e col. (1996). «Treating major depression in primary care practice: eight-monthclinical outcomes. Archives of General Psychiatry, 58: 112-118.

Tabela 3.2 Eficácia das intervenções para depressão.

A fase da chamada farmacoterapia de manutenção tem por finalidade evi-tar a recorrência futura de perturbações do humor e é, via de regra, recomen-dada para pessoas com história de três ou mais episódios depressivos, depres-são crónica ou sintomas depressivos persistentes. Essa fase pode prolongar-sepor muitos anos e em geral requer visitas mensais ou trimestrais.

Algumas pessoas preferem a psicoterapia ou o aconselhamento aos medi-camentos para tratamento da depressão. Vinte anos de pesquisas verificaramque várias formas de psicoterapia de duração limitada são tão eficazes comoos fármacos nas depressões ligeiras a moderadas. Essas terapias específicas dadepressão incluem a psicoterapia comportamental cognitiva e a psicoterapiainterpessoal, dando ênfase à colaboração activa e à educação do doente. Nu-merosos estudos do Afeganistão, EUA, Holanda, Índia, Paquistão, Reino Uni-

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do, Sri Lanka e Suécia mostram a viabilidade da formação de clínicos geraispara proporcionar essa forma de cuidados e o seu custo/efectividade (Sriram ecol., 1990; Mubbashar, 1999; Mohit e col., 1999; Tansella e Thornicroft,1999; Ward e col., 2000; Bower e col., 2000).

Mesmo nos países industrializados, só uma minoria de pessoas que sofremde depressão procura ou recebe tratamento. Parte da explicação está nos pró-prios sintomas. A baixa auto-estima, culpa excessiva e falta de motivação im-pedem os indivíduos de procurar assistência. Além disso, muitos têm poucasprobabilidades de aquilatar os benefícios potenciais do tratamento. Outrosinibidores são as dificuldades financeiras e o temor do estigma. Além dos pró-prios indivíduos, os prestadores de cuidados de saúde podem não reconheceros sintomas nem seguir as melhores práticas recomendadas, porque podemnão ter tempo nem recursos para proporcionar um tratamento baseado naevidência, no contexto dos cuidados primários.

Dependência do álcool

É necessário encarar a prevenção da dependência do álcool no contexto dameta mais ampla da prevenção e redução dos problemas relacionados com oálcool a nível da população (acidentes relacionados com o álcool, lesões, suicí-dio, violência, etc.). Essa abordagem abrangente é analisada no Capítulo 4.Existem valores culturais e religiosos associados a baixos níveis de utilizaçãodo álcool.

As metas da terapia são a redução da morbilidade e da mortalidade relacio-nadas com o álcool e a redução de outros problemas sociais e económicosvinculados ao seu consumo crónico e excessivo.

O reconhecimento precoce de problemas de consumo de bebida, a inter-venção precoce em face de tais problemas, as intervenções psicológicas, o tra-tamento dos efeitos nocivos do álcool (inclusive sintomas de abstinência e ou-tras consequências médicas), o ensino de novas aptidões para fazer face asituações associadas com alto risco de consumir bebida e de sofrer recorrência,a educação da família e a reabilitação são as principais estratégias de eficáciacomprovada para o tratamento de problemas relacionados com a dependênciade álcool e outras substâncias.

A pesquisa epidemiológica mostrou que a maioria dos problemas manifes-ta-se entre aqueles que não são significativamente dependentes, tais como aspessoas que ficam embriagadas e conduzem um automóvel ou exibem com-portamentos de risco e aquelas que estão a beber em níveis de risco mas conti-nuam a ter emprego e a ir à escola e a manter relações e estilos de vida relati-vamente estáveis. Entre os doentes que vão aos centros de saúde e consomemálcool em níveis de risco, apenas 25% são dependentes dele.

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Para as pessoas que bebem de maneira perigosa mas que não são depen-dentes do álcool, há intervenções breves, compreendendo diversas actividadesorientadas. Essas intervenções têm baixa intensidade e curta duração, consis-tindo tipicamente em 5-60 minutos de aconselhamento e educação, geralmen-te com um máximo de três a cinco sessões. Elas têm por finalidade prevenir amanifestação inicial de problemas relacionados com o álcool. O conteúdo des-sas intervenções breves varia, mas a maioria tem carácter instrutivo ou moti-vacional, destinando-se a equacionar formas específicas de comportamentono consumo de bebida, com retroalimentação da triagem, educação, fortaleci-mento de aptidões, estímulo e conselhos práticos, mais do que a análise psico-lógica intensiva ou técnicas de tratamento prolongado (Gomel e col., 1995).

Para os problemas iniciais de consumo de bebidas, foi demonstrada emvários estudos a eficácia de intervenções breves por profissionais de cuidadosprimários (OMS, 1996; Wilk e col., 1997). Tais intervenções reduziram ematé 30% o consumo de álcool e o consumo excessivo em períodos de 6-12meses ou mais. Alguns estudos demonstraram também que essas intervençõessão eficazes em relação ao seu custo (Gomel e col., 1999).

Para os doentes com dependência mais pronunciada do álcool, estão dispo-níveis opções claramente eficazes de tratamento ambulatório e com interna-mento, embora o tratamento ambulatório seja consideravelmente mais bara-to. Vários tratamentos psicológicos mostraram-se igualmente eficazes. São eleso tratamento cognitivo comportamental, o uso de entrevistas motivacionais ea abordagem dos «Doze Passos», associada ao tratamento profissional. Asabordagens baseadas no estímulo comunitário, como a dos Alcoólicos Anóni-mos, durante e depois do tratamento profissional, são invariavelmente asso-ciados a resultados melhores do que só o tratamento. A terapia para os cônju-ges e membros da família, ou simplesmente o seu envolvimento, traz benefíciostanto para a iniciação como para a manutenção do tratamento da dependên-cia do álcool.

É preferível a desintoxicação (tratamento de supressão de álcool) dentro dacomunidade, excepto para aqueles que têm dependência grave, história dedelirium tremens ou convulsões devidas à abstinência, um ambiente domésti-co que nega apoio ou tentativas malogradas anteriores de desintoxicação(Edwards e col., 1997). O internamento para tratamento continua a ser umaopção para doentes com morbilidade grave ou perturbações psiquiátricas. Asintervenções psicossociais por auxiliares e familiares também constituem ele-mentos importantes do processo de recuperação, especialmente quando ocor-rem outros problemas a par da dependência do álcool.

Não há provas a indicar que o tratamento coercivo seja eficaz. É poucoprovável que tal tratamento (seja decisão da justiça civil, sentença do sistemade justiça criminal ou qualquer outra intervenção) traga benefícios (Heather,1995).

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A medicação não pode substituir o tratamento psicológico da pessoa comdependência do álcool, mas alguns medicamentos mostraram-se eficazes comotratamento complementar para reduzir as taxas de recorrência (NIDA, 2000).

Dependência de drogas

É preciso encarar a prevenção da dependência de drogas no contexto dameta mais ampla de prevenção e redução de problemas ligados ao uso de dro-gas no nível da população. A abordagem geral é analisada no Capítulo 4.

A terapia tem por meta reduzir a morbilidade e a mortalidade causadaspela utilização de substâncias psicoactivas ou a ela associadas, até que os doentespossam ter uma vida livre de drogas. As estratégias incluem o diagnósticoprecoce, a identificação e controlo do risco de doenças infecciosas, bem comooutros problemas médicos ou sociais, estabilização e manutenção comfarmacoterapia (para a dependência de opiáceos), aconselhamento, acesso aosserviços e oportunidades de conseguir a integração social.

As pessoas com dependência de drogas muitas vezes têm necessidades comple-xas. Correm o risco de VIH e outros agentes patogénicos veiculados pelo sangue,perturbações físicas e mentais, problemas com múltiplas substâncias psicoactivas,envolvimento em atividades criminosas e problemas nas relações pessoais, laboraise em casa. As suas necessidades exigem vínculos entre profissionais de saúde,serviços sociais, o sector voluntário e o sistema de justiça criminal.

Os cuidados partilhados e a integração de serviços são exemplos de boaprática na prestação de cuidados aos toxicómanos. Os clínicos gerais podemidentificar e tratar episódios agudos de intoxicação e privação, bem como pro-porcionar aconselhamento breve e imunização, testes de VIH, exame cervical,orientação sobre planeamento familiar e encaminhamento.

O aconselhamento e as outras terapias comportamentais são componentescruciais no tratamento eficaz da dependência, uma vez que podem abordar amotivação, a capacidade de luta, as aptidões para resolver problemas e asdificuldades nas relações interpessoais. No caso particular dos dependentes deopiáceos, as farmacoterapias de substituição são complementos eficazes doaconselhamento. Como a maioria dos toxicómanos fumam, devem ser ofere-cidas terapias de aconselhamento para supressão do tabagismo e substituiçãoda nicotina. Grupos de ajuda mútua podem também complementar e alargar aeficácia do tratamento por profissionais de saúde.

A desintoxicação médica é apenas a primeira fase do tratamento da depen-dência e não altera por si mesma o uso de drogas a longo prazo. É precisoproporcionar cuidados de longa duração, bem como tratamento das perturba-ções, a fim de reduzir as taxas de recorrência. A maioria dos doentes requerum mínimo de três meses de tratamento para obter melhoria significativa.

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A injecção de drogas ilícitas traz uma ameaça especial à saúde pública. Ouso comum de equipamento hipodérmico está associado à transmissão de agen-tes patogénicos veiculados pelo sangue (especialmente VIH e hepatites B e C),sendo responsável pela propagação do VIH em muitos países, sempre que háuso muito difundido de drogas injectáveis.

As pessoas que injectam drogas e que não iniciam o tratamento têm seisvezes mais probabilidades de contrair infecção por VIH do que as que iniciame mantêm o tratamento. Assim sendo, os serviços de tratamento deveriamproporcionar avaliação para VIH/SIDA, hepatites B e C, tuberculose e outrasdoenças infecciosas, bem como, sempre que possível, tratamento para aquelascondições e aconselhamento para ajudar os doentes a abandonar o uso depráticas inseguras na aplicação de injecções.

O tratamento da dependência de drogas é efectivo em relação ao custo na redu-ção da sua utilização (40%-60%) e das consequências associadas com a saúde esociais, tais como infecção por VIH e actividade criminosa. A eficácia do tratamentoda dependência de drogas compara-se aos índices de êxito para o tratamento deoutras doenças crónicas, tais como diabetes, hipertensão e asma (NIDA, 2000). Jáse demonstrou que o tratamento resulta mais barato do que outras alternativas, taiscomo deixar de tratar os dependentes ou simplesmente prendê-las. Por exemplo,nos EUA, o custo médio anual do tratamento de manutenção com metadona é cercade US$4700, ao passo que um ano de prisão custa cerca de US$18 400 por pessoa.

Esquizofrenia

Actualmente, não é possível a prevenção primária da esquizofrenia. Recen-temente, porém, esforços de pesquisa concentram-se no aperfeiçoamento demeios para detectar pessoas em risco de esquizofrenia o mais precocementepossível ou mesmo antes da sua manifestação inicial. A detecção precoce aumen-taria as probabilidades de intervenção precoce, diminuindo positivamente orisco de uma evolução crónica ou de sequelas residuais graves. A eficácia dosprogramas de detecção ou intervenção precoce deve ser avaliada medianteseguimento de longa duração (McGorry, 2000).

O tratamento da esquizofrenia tem três componentes principais. Primeiro,há medicamentos para aliviar os sintomas e evitar a recidiva. Segundo, a edu-cação e as intervenções psicossociais ajudam os doentes e os seus familiares afazer face à doença e às suas complicações, bem como a evitar recorrências.Terceiro, a reabilitação ajuda os doentes a reintegrarem-se na comunidade e arecuperar o funcionamento educacional e ocupacional. O verdadeiro desafiona prestação de cuidados às pessoas que sofrem de esquizofrenia está na neces-sidade de organizar serviços que garantam uma acção contínua desde a identi-ficação precoce até ao tratamento regular e à reabilitação.

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As metas dos cuidados consistem em identificar a doença o mais cedopossível, tratar os sintomas, conferir aptidões aos doentes e seus familiares,manter a melhoria durante um certo período de tempo, evitar recorrências ereintegrar as pessoas enfermas na comunidade, para que elas possam levaruma vida normal. Existem indícios concludentes a mostrar que o tratamentodiminui a duração e a cronicidade da doença, paralelamente ao controlo derecidivas.

Utilizam-se actualmente dois grupos de fármacos no tratamento da esqui-zofrenia: antipsicóticos padrão (antes denominados neurolépticos) e antipsi-cóticos novos (também denominados antipsicóticos de segunda geração ou«atípicos»). Os primeiros medicamentos antipsicóticos padrão foram introdu-zidos há 50 anos e mostraram-se úteis na redução e, por vezes, na eliminaçãode sintomas de esquizofrenia tais como perturbações do pensamento, alucina-ções e delírios. Além disso, podem também diminuir sintomas afins, tais comoagitação, impulsividade e agressividade. Pode-se chegar a isso em questão dedias ou semanas em cerca de 70% dos doentes. Tomados realmente, essesmedicamentos podem também reduzir para metade o risco de recaída. Osmedicamentos actualmente disponíveis parecem ser menos eficazes na redu-ção de sintomas como apatia, desligamento social e pobreza de ideias. Osmedicamentos de primeira geração são mais baratos, não chegando a mais deUS$5 por mês de tratamento nos países em desenvolvimento. Alguns delespodem ser dados por meio de injecções de acção prolongada, em intervalos de1-4 semanas.

Os medicamentos antipsicóticos podem ajudar os doentes a beneficiar dasformas psicossociais de tratamento. Os antipsicóticos mais novos têm menosprobabilidades de induzir certos efeitos colaterais, ao mesmo tempo que me-lhoram alguns sintomas. Não há indicações claras de que os medicamentosantipsicóticos mais novos sejam apreciavelmente diferentes dos mais antigosquanto à eficácia, embora haja diferenças nos seus efeitos colaterais mais fre-quentes.

A duração média do tratamento é de 3-6 meses. O tratamento de manuten-ção prolonga-se, pelo menos, por um ano após o primeiro episódio da doença,por 2-5 anos após o segundo episódio e por períodos mais longos em doentescom episódios múltiplos. Nos países em desenvolvimento, a resposta aotratamento é mais positiva, a dosagem de medicamentos é mais baixa e a dura-ção do tratamento é menor. Nos cuidados globais ao doente, é importante oapoio da família. Alguns estudos mostraram que a combinação de medicaçãoregular, educação e apoio da família pode reduzir as recidivas de 50% paramenos de 10% (ver tabela 3.3) (Leff e Gamble, 1995; Dixon e col., 2000;Pharaoh e col., 2000).

A reabilitação psicossocial das pessoas com esquizofrenia abrange diversasmedidas, que vão da melhoria da competência social e das redes de apoio ao

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apoio familiar. No centro disso, coloca-se a emancipação do utente e a redu-ção do estigma e da discriminação, mediante o esclarecimento da opinião pú-blica e a introdução de legislação pertinente. O respeito pelos direitos huma-nos é um dos princípios orientadores dessa estratégia.

Hoje em dia, poucos doentes com esquizofrenia necessitam de hospitaliza-ção de longa duração; quando necessitam, a duração média da hospitalizaçãoé de apenas 2-4 semanas, em comparação com um período de um ano antes daintrodução das terapias modernas. A reabilitação em centros de dia, oficinasprotegidas e casas transitórias melhora a recuperação nos casos de doenças delonga duração ou de incapacitação residual na forma de lentidão, falta demotivação ou desligamento social.

Epilepsia

As acções eficazes para a prevenção da epilepsia são os cuidados pré-nataise pós-natais adequados, boas condições para o parto, controlo de febre emcrianças, controlo de doenças parasitárias e infecciosas e prevenção de lesãocerebral (por exemplo, controlo da pressão sanguínea e uso de cintos de segu-rança e capacetes).

As metas da terapia são controlar os ataques, evitando a sua ocorrênciapor dois anos, pelo menos, e reintegrar as pessoas com epilepsia na vida edu-cacional e comunitária. O diagnóstico precoce e a provisão constante de medi-camentos de manutenção são fundamentais para chegar a um resultado positivo.

A epilepsia é quase sempre tratada com uso de medicamentos antiepilépticos(MAP). Estudos recentes em países tanto desenvolvidos como em desenvolvi-mento mostram que até 70% dos casos recém-diagnosticados de crianças e adultoscom epilepsia podem ser tratados com êxito com MAP, razão pela qual as pes-soas em questão ficarão livres de ataques, desde que tomem regularmente os

Intervenção % de remissão após 1 ano

Placebo Não disponível

Carbamazepina 52

Fenobarbital 54-73

Fenitoína 56

Fontes:Dixon, L. B.; Lehman, A. F. (1995). «Family interventions for schizophrenia». SchizophreniaBulletin, 21(4): 631-643.Dixon, L. B. e col. (1995). «Conventional antipsychotic medications for schizophrenia».Schizophrenia Bulletin, 21(4): 567-577.

Tabela 3.3 Eficácia das intervenções para esquizofrenia.

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seus medicamentos (ver tabela 3.4). Após 2-5 anos de tratamento bem-sucedido(cessação dos ataques epilépticos), o tratamento pode ser suspenso em60%-70% dos casos. Os demais têm de continuar com a medicação pelo restoda vida, mas, desde que tomem os medicamentos regularmente, muitos têmprobabilidades de se manter livres de ataques, ao passo que noutros a frequênciaou gravidade dos ataques podem ser consideravelmente reduzidas. Para algunsdoentes com epilepsia intratável, o tratamento neurocirúrgico pode ter êxito.Também é útil o apoio psicológico e social (ILAE/IBE/WHO, 2000).

O fenobarbital transformou-se no antiepiléptico de primeira linha nos paí-ses em desenvolvimento, talvez porque outros medicamentos custam 5-20 vezesmais. Um estudo na Índia rural verificou ter havido êxito no tratamento de65% dos que receberam fenobarbital, com a mesma proporção respondendobem à fenitoína; os eventos adversos foram semelhantes em ambos os grupos(Mani e col., 2001). Na Indonésia, um estudo concluiu que, não obstante cer-tas desvantagens, o fenobarbital deve continuar a ser usado como medicamen-to de primeira linha no tratamento de epilepsia em países em desenvolvimen-to. Estudos no Equador e no Quénia compararam o fenobarbital com acarbamazepina e não encontraram diferenças significativas entre os dois notocante à eficácia e à segurança (Scott e col., 2001). Na maioria dos países, ocusto, por ano, do tratamento com fenobarbital pode não ultrapassar os US$5por doente.

Intervenção % de remissão após 1 ano

Placebo Não disponível

Carbamazepina 52

Fenobarbital 54-73

Fenitoína 56

Tabela 3.4 Eficácia das intervenções para epilepsia.

Fontes:Feksi, A. T. e col.,(1999). «Comprehensive primary health care antiepileptic drug treatmentprogramme in rural and semi-urban Kenya». The Lancet, 337(8738): 406-409.Pal, D. K . e col. (1998). «Randomized controlled trial to assess acceptability of phenobarbitalfor epilepsy in rural India». The Lancet, 35(9095): 19-23.

Doença de Alzheimer

Actualmente, não é possível a prevenção primária da doença de Alzheimer.As metas dos cuidados passam por manter o funcionamento da pessoa, redu-zir a incapacidade devida à perda de funções mentais, reorganizar rotinas, afim de maximizar o uso das funções restantes, minimizar funções disruptivas,

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tais como sintomas psicóticos (por exemplo, desconfiança), agitação e depres-são, e dar apoio às famílias.

Uma meta central da pesquisa sobre o tratamento da doença de Alzheimer é aidentificação de substâncias que retardem o início, diminuam o ritmo da progressãoou melhorem os sintomas da doença. Os agonistas receptores colinérgicos (AChEs)têm-se mostrado geralmente benéficos quanto à disfunção cognitiva global e são osmais eficazes na melhoria dos cuidados. Tem-se observado com menos firmeza amelhoria da aprendizagem e redução da deterioração da memória, que constituemos mais proeminentes défices cognitivos na doença de Alzheimer. O tratamento comesses inibidores AChE parecem também beneficiar os sintomas não cognitivos dadoença de Alzheimer, como os delírios e os sintomas comportamentais.

O tratamento da depressão em doentes com Alzheimer tem possibilidades deelevar a capacidade funcional. Dos sintomas comportamentais experimentadospor pacientes com a doença de Alzheimer, a depressão e a ansiedade ocorrem maisfrequentemente nas fases iniciais, só ocorrendo mais tarde os sintomas psicóticose o comportamento agressivo. Face ao número crescente de pessoas idosas, oassegurar o seu bem-estar constitui um desafio para o futuro (caixa 3.7).

O significativo aumento da população idosa quese está a verificar em todo o mundo é resultadonão só de mudanças socioeconómicas como tam-bém de um prolongamento da duração da vidaocorrido no século XX, devido em grande parte amelhoramentos no saneamento e na saúde públi-ca. Esse progresso, porém, levanta também umdos maiores desafios para as próximas décadas:como cuidar do bem-estar dos idosos que, até aoano 2025, serão mais de 20% da população mun-dial total.O envelhecimento da população provavelmenteserá acompanhado de grandes mudanças na fre-quência e distribuição das perturbações somáti-cas e mentais e nas inter-relações entre esses doistipos de perturbações.Os problemas de saúde mental entre os idosos sãofrequentes e podem ser graves e diversos. Além dadoença de Alzheimer, observada quase exclusiva-mente nesse grupo etário, muitos outros proble-mas, tais como depressão, ansiedade e perturba-ções psicóticas, têm também elevada prevalência.Os índices de suicídio atingem os seus picos, espe-cialmente entre homens idosos. O uso indevido desubstâncias, inclusive álcool e medicamentos, tam-bém tem alta prevalência, embora seja quase sem-pre ignorado.

Esses problemas podem criar um alto nível desofrimento não só para os próprios idosos comotambém para seus familiares. Em muitos casos,membros da família vêem-se obrigados a sacrifi-car boa parte da sua vida pessoal para se dedica-rem inteiramente ao parente doente. A carga assimcriada para as famílias e comunidades é pesada,e, com maior frequência do que se desejaria, ainsuficiência dos recursos para a prestação de cui-dados de saúde deixa os doentes e as suas famí-lias sem o apoio necessário.Muitos desses problemas poderiam ser enfrenta-dos eficientemente, mas a maioria dos países nãotem políticas, programas ou serviços preparadospara responder a tais necessidades. Um estigmaduplo e generalizado – ligado às perturbaçõesmentais em geral e ao fim da vida em particular –em nada contribui para facilitar o acesso aos cui-dados necessários.O direito à vida e o direito à qualidade de vidareclamam profundas modificações quanto àforma como as sociedades encaram os seus ido-sos, impondo também a quebra dos tabus asso-ciados. A maneira como as sociedades se orga-nizam para cuidar dos idosos é uma boaindicação da importância que atribuem à digni-dade do ser humano.

Caixa 3.7. Prestação de cuidados aos avós de amanhã.

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São extremamente importantes as intervenções psicossociais na doença deAlzheimer, tanto para os doentes como para os prestadores familiares de cui-dados, que também se acham em risco de depressão, ansiedade e problemassomáticos. Incluem-se entre elas a psicoeducação, o apoio, as técnicas cogniti-vo-comportamentais, a auto-ajuda e a assistência durante as folgas dosprestadores de cuidados. Segundo um estudo, a intervenção psicossocial– aconselhamento individual e familiar acompanhado de participação numgrupo de apoio – voltada para os cônjuges que prestam cuidados pode retar-dar por quase um ano a institucionalização de doentes com demência(Mittleman e col., 1996).

Atraso mental

Dada a gravidade do atraso mental e a pesada carga que impõe aos indiví-duos afectados, às famílias e aos serviços de saúde, é extremamente importantea prevenção. Ante a variedade de diferentes etiologias do atraso mental, aacção preventiva deve ser orientada para factores causais específicos. São exem-plos a adição de iodo à água e ao sal para evitar o atraso mental por deficiên-cia de iodo (cretinismo) (Mubbashar, 1999), a abstinência do consumo deálcool pelas gestantes para evitar a síndrome de alcoolismo fetal, o controlodietético para evitar o atraso mental em pessoas com fenilcetonúria, oaconselhamento genético como medida preventiva de certas formas de atrasomental (como a síndrome de Down, por exemplo), os cuidados pré-natais epós-natais adequados e controlo do meio ambiente para evitar o atraso mentaldevido a intoxicação por metais pesados, como o chumbo.

As metas do tratamento são o reconhecimento precoce e a utilização ópti-ma das faculdades intelectuais do indivíduo através de formação, mudança decomportamento, educação e apoio à família, formação vocacional e oportuni-dades de trabalho em ambientes protegidos.

A intervenção precoce compreende esforços planeados para promover odesenvolvimento, mediante uma série de manipulações de factores ambientaisou experimentais, e é iniciada durante os primeiros anos de vida. Os objecti-vos são acelerar o ritmo de aquisição e desenvolvimento de novas formas decomportamento e aptidões, fortalecer o funcionamento independente e mini-mizar o impacte da incapacidade. A criança típica recebe treino sensorial mo-tor dentro de um programa de estímulo do lactente, juntamente com interven-ções de apoio psicossociais.

A capacidade dos pais para actuarem no desenvolvimento das aptidões doquotidiano passou a ser o ponto central da prestação de cuidados a pessoascom atraso mental, especialmente em países em desenvolvimento. Isso significaque os pais precisam de estar cientes dos princípios de aprendizagem e adquirir

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conhecimentos em técnicas de mudança de comportamento e formaçãovocacional. Além disso, os pais podem apoiar-se mutuamente através de gru-pos de ajuda mútua.

A maioria das crianças com atraso mental tem dificuldade em acompanharo programa escolar regular. Requerem ajuda adicional e precisam, em certoscasos, de frequentar escolas especiais, onde a ênfase recai em actividades diá-rias relacionadas com o comer, o vestir, as aptidões sociais e o conceito denúmeros e letras. As técnicas de mudança de comportamento desempenhamimportante papel no desenvolvimento de muitas dessas aptidões, assim comono incentivo a comportamentos desejáveis, reduzindo ao mesmo tempo oscomportamentos indesejáveis.

A formação vocacional em ambientes protegidos e com uso de aptidõescomportamentais tem permitido a um grande número de pessoas com atrasomental levar vidas activas.

Perturbações hipercinéticas

É desconhecida a etiologia precisa das perturbações hipercinéticas (hipe-ractividade na criança, muitas vezes com espasmos musculares involuntários),razão pela qual não é possível actualmente a prevenção primária. Mas é possí-vel evitar, por meio de intervenções preventivas junto das famílias e escolas, asmanifestações iniciais de sintomas, que muitas vezes são erradamentediagnosticadas como perturbações hipercinéticas.

O tratamento das perturbações hipercinéticas não pode ser consideradosem primeiro verificar se o diagnóstico é adequado ou apropriado. Com de-masiada frequência, são diagnosticadas perturbações hipercinéticas mesmo queo doente não apresente os critérios de diagnóstico objectivos. Um diagnósticoinadequado prejudica a resposta do doente às intervenções terapêuticas. Po-dem-se observar sintomas hipercinéticos em toda uma série de perturbaçõespara as quais há tratamentos específicos mais apropriados do que o tratamen-to de perturbações hipercinéticas. Por exemplo, algumas crianças e adolescen-tes com sintomas de perturbação hipercinética estão a sofrer de psicose oupodem estar a manifestar perturbação obsessivo-compulsiva. Outras podemter perturbações específicas da aprendizagem. E outras ainda podem estar dentroda margem normal de comportamento mas são observadas em ambientes ondehá reduzida tolerância aos comportamentos que são notificados. Algumas crian-ças manifestam sintomas hipercinéticos em resposta ao stress agudo na escolae no lar. Assim, é essencial um rigoroso processo de diagnóstico, para o qualmuitas vezes é necessário o apoio de um especialista.

Embora hoje seja comum o tratamento com estimulantes semelhantes àanfetamina, há quem defenda o uso de terapia do comportamento e manipu-

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lação ambiental para reduzir os sintomas hipercinéticos. As terapias devem seravaliadas quanto à sua propriedade como tratamentos de primeira linha, espe-cialmente quando há dúvida quanto ao diagnóstico de perturbação hiper-cinética. Na ausência de orientações universalmente aceites para o uso de psi-coestimulantes em crianças e adolescentes, é importante começar com umasdosagens baixas, aumentando-a gradualmente até chegar, sob observação cons-tante, a uma dose apropriada de psicoestimulantes. Existem hoje medicamentosde acção contínua, mas aqui também se aplica a mesma advertência quanto àdosagem apropriada. Há notícias do uso de antidepressivos tricíclicos e outrasmedicações, mas, actualmente, eles não são medicamentos de primeira linha.

O diagnóstico de perturbação hipercinética muitas vezes só é feito quandoa criança chega à idade escolar, quando pode beneficiar de um reforço naestrutura do ambiente escolar ou de mais instrução individualizada. No am-biente doméstico, o apoio dos pais e a atenuação de expectativas pouco rea-listas ou conflitos podem facilitar a redução dos sintomas hipercinéticos.Considerada outrora uma perturbação que desaparece com o crescimentoda criança, sabe-se hoje que, para certas pessoas, a perturbação hipercinéticapersiste na idade adulta. O reconhecimento desse facto pelo doente podeajudá-lo (a ocorrência é rara no sexo feminino) a encontrar situações de vidaque se adaptem melhor à limitação dos efeitos debilitadores do problemanão tratado.

Prevenção do suicídio

Há indícios convincentes de que a prevenção e o tratamento adequados decertas perturbações mentais e comportamentais podem reduzir os índices desuicídio, sejam essas intervenções orientadas para indivíduos, famílias, escolasou outros sectores da comunidade geral (caixa 3.8). A detecção e o tratamentoprecoces de depressão, dependência do álcool e esquizofrenia são estratégiasimportantes na prevenção primária do suicídio. São particularmente impor-tantes os programas educativos para formação de médicos e profissionais decuidados de saúde primários para o diagnóstico e tratamento de doentes de-primidos. Num estudo de um programa desse tipo na ilha de Gotland, Suécia(Rutz e col., 1995), o índice de suicídio, particularmente de mulheres, caiusignificativamente no ano seguinte ao início de um programa educacional paraclínicos gerais, mas subiu logo que o programa terminou.

A ingestão de substâncias tóxicas, tais como pesticidas, herbicidas ou me-dicamentos, é o método preferido dos que cometem suicídio em muitos luga-res, especialmente nas zonas rurais dos países em desenvolvimento. Por exem-plo, na Samoa Ocidental, em 1982, a ingestão do herbicida paraquat tornou-seo método de suicídio predominante. A redução da disponibilidade de paraquat

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FINLÂNDIA. Entre 1950 e 1980, os índices de suicí-dio na Finlândia subiram quase 50% no sexo mas-culino, até 41,6 por 100 000, tendo duplicado para10,8 por 100 000 no sexo feminino. O Governofinlandês respondeu lançando em 1986 uma cam-panha inovadora e abrangente de prevenção dosuicídio. Já em 1996, registava-se uma reduçãogeral dos índices de suicídio para 17,5% em rela-ção ao ano de pico de 1990.A avaliação interna do processo e a pesquisa decampo1 mostraram que a operação do programadesde o princípio como empreendimento colectivofoi decisivo para o seu bom andamento. Segundouma pesquisa de avaliação, cerca de 100 000 pro-fissionais haviam participado na prevenção. Issoenvolveu cerca de 2000 unidades operativas, ou43% de todas as «unidades de serviços huma-nos».Embora não haja análise definitiva disponível paraexplicar a redução, o conjunto de intervenções or-ganizado como parte do projecto nacional terádesempenhado um papel significativo. Factoresespecíficos provavelmente relacionados com aredução serão a diminuição do consumo de álcool(devido à recessão económica) e o aumento doconsumo de medicamentos antidepressivos.ÍNDIA. Mais de 95 000 indianos puseram termo àvida em 1997, com o equivalente a um suicídioem cada seis minutos. Um em cada três ocorreu

na faixa etária dos 15-19 anos. Entre 1987 e 1997,o índice de suicídios subiu de 7,5 para 10,03 por100 000 habitantes. Das quatro maiores cidadesda Índia, a de Chennal acusou o índice mais alto,com 17,23. A Índia não tem política nacional ouprograma de prevenção do suicídio, e, para umapopulação de 1 bilião de habitantes, existem ape-nas 3500 médicos psiquiatras. A enormidade doproblema, combinada com a escassez de servi-ços, levou à formação da Sneha, uma organiza-ção beneficente voluntária para prevenção do sui-cídio, fi l iada da Befrienders International,organização que proporciona «escuta terapêuti-ca», com contacto humano e apoio emocional.2

A Sneha funciona de manhã cedo até à noite,todos os dias do ano, e tem um quadro de pessoalinteiramente constituído por voluntários cuidado-samente seleccionados e preparados, que sabemouvir com simpatia e intervir efectivamente. Atéagora, a Sneha já recebeu mais de 100 000 tele-fonemas de pessoas desesperadas. Segundo seestima, 40% das chamadas são consideradas demédio a alto risco de suicídio.A Sneha ajudou a formar 10 centros semelhantesem várias partes da Índia, aos quais proporcionaformação e apoio. Juntos, esses centros funcio-nam como a organização Befrienders Índia. Hoje,a Sneha está a ajudar a formar os primeiros gru-pos de apoio aos sobreviventes na Índia.

1 Upanne, M. e col., (1999). Can suicide be prevented? The suicide project in Finland 1992-1996: goals, implementationand evaluation. Saarijävi, Stakes.2 Vijayakuma, I. (2001). Comunicação pessoal.

Caixa 3.8. Duas abordagens nacionais sobre a prevenção do suicídio.

para o público em geral resultou em significativas reduções no total de suicí-dios, sem aumento correspondente do suicídio por outros métodos (Bowles,1995). Exemplos igualmente bem-sucedidos relacionam-se com o controlo deoutras substâncias tóxicas e com a desintoxicação do gás doméstico e do esca-pe dos automóveis. Em muitos lugares, a falta de cuidados de emergência fa-cilmente acessíveis faz que a ingestão de substâncias tóxicas – que na maioriados países industrializados seria uma tentativa de suicídio – seja outro casofatal.

Na Federação Russa, assim como noutros países vizinhos, o consumo deálcool aumentou verticalmente nos últimos anos e está ligado a um aumento

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dos índices de suicídio e envenenamento pelo álcool (Vroublevsky e Harwin,1998) e a um declínio da esperança de vida no sexo masculino (Notzon e col.,1998; Leon e Schkolnikov, 1998).

Vários estudos mostraram uma associação entre a posse de pequenas ar-mas de fogo no lar e os índices de suicídio (Kellerman e col., 1992; Lester eMurrell, 1980). Leis que restrinjam o acesso a armas de fogo podem ter efeitobenéfico. Isso é indicado por estudos nos EUA, onde as restrições à compra evenda de pequenas armas de fogo foram associadas a uma diminuição dosíndices de suicídio por armas de fogo. Os estados com as leis mais rigorosas decontrolo de pequenas armas de fogo acusaram os mais baixos índices de suicí-dio por essas armas de fogo, não se tendo verificado mudança para um méto-do alternativo de suicídio (Lester, 1995).

Tal como se verifica com as intervenções que envolvem restrição do acessoaos métodos de suicídio comuns, está demonstrado que as intervenções basea-das na escola, envolvendo a gestão de crises, o fortalecimento da auto-estima,o desenvolvimento de aptidões para enfrentar a vida e um processo sadio detomada de decisões também reduzem o risco de suicídio entre os jovens (Misharae Ystgaard, 2000).

Os órgãos de comunicação social podem ajudar na prevenção, limitando aapresentação gráfica e desnecessária de suicídios e evitando a notícia sensacio-nalista de tais eventos. Em muitos países, a ocorrência de um declínio nosíndices de suicídio coincidiu com o concordância da comunicação social emminimizar a divulgação de notícias de suicídios e em seguir directrizes propos-tas. O sensacionalismo do suicídio pode levar à imitação.

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POLÍTICA E PRESTAÇÃODE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL

Os Governos, como gestores finais da saúde mental, precisam de estabe-lecer políticas – no contexto dos sistemas gerais de saúde e dos esquemasfinanceiros – que irão proteger e melhorar a saúde mental da população. Emtermos de financiamento, as pessoas devem ser protegidas contra riscosfinanceiros catastróficos; os saudáveis devem subsidiar os doentes, e osricos, os pobres. A política de saúde mental deve ser fortalecida por medidascoerentes de combate ao álcool e às drogas, bem como por serviços debem-estar social como, por exemplo, a habitação. As políticas devem serformuladas com a participação dos interessados e baseadas em informa-ções fiáveis. Devem assegurar o respeito pelos direitos humanos e ter emconta as necessidades dos grupos vulneráveis. Os cuidados devem sertransferidos dos grandes hospitais psiquiátricos para os serviços comunitá-rios que sejam integrados nos serviços gerais de saúde. É preciso disponibilizarmedicamentos psicotrópicos e dar formação aos profissionais de saúde. Osveículos de divulgação de massas e as campanhas de sensibilização dopúblico podem ser eficazes na redução do estigma e da discriminação. Asorganizações não-governamentais e as associações de utentes devemtambém receber apoio, uma vez que podem ter um papel decisivo namelhoria da qualidade dos serviços e das atitudes públicas. Há necessidadede mais pesquisas para o aperfeiçoamento das políticas e dos serviços,especialmente para ter em conta diferenças culturais.

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POLÍTICA E PRESTAÇÃODE SERVIÇOSDE SAÚDE MENTAL

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Formulação de políticas

A tarefa de proteger e melhorar a saúde mental da população é complexa eenvolve múltiplas decisões. Exige a fixação de prioridades entre necessidades,condições, serviços, tratamentos e estratégias de promoção e prevenção de saú-de mental, bem como escolhas sobre o que financiar. Os serviços e as estratégiasde saúde mental devem ser bem coordenados entre si e com outros serviços, taiscomo a segurança social, a educação, o emprego e a habitação. Os resultados desaúde mental devem ser monitorizados e analisados para que as decisões pos-sam ser constantemente ajustadas para responder aos desafios existentes.

Os Governos, como gestores finais da saúde mental, precisam de assumir aresponsabilidade de garantir que essas complexas actividades sejam levadas acabo. Um papel crítico da gestão é o desenvolvimento e implementação depolíticas. Uma política identifica as principais questões e objectivos, define ospapéis que correspondem respectivamente aos sectores público e privado nofinanciamento e na prestação, identifica instrumentos de política e esquemasorganizacionais necessários no sector público e possivelmente no sector priva-do para atingir objectivos de saúde mental, estabelece a agenda para o fortale-cimento da capacidade e desenvolvimento organizacional e proporciona a orien-tação sobre a prioridade dos gastos, vinculando assim a análise de problemasàs decisões pertinentes à distribuição de recursos.

A função de gestão na saúde mental está muito pouco desenvolvida em mui-tos países. O Projecto Atlas da OMS (ver caixa 4.1) coligiu informações básicassobre recursos para a saúde mental em 181 países. De acordo com esses dados,que são usados para ilustrar os principais pontos deste capítulo, um terço dos

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países não indica a existência de orçamentos específicos para a saúde mental,embora se possa presumir que lhe dediquem alguns recursos. Dos restantes,metade atribui menos de 1% do seu orçamento de saúde pública à saúde men-tal, muito embora os problemas neuropsiquiátricos representem 12% da cargaglobal de doenças. Um orçamento para a saúde mental inexistente ou limitadoconstitui um obstáculo significativo à prestação de cuidados.

Relaciona-se com este problema orçamental o facto de, aproximadamente,quatro em dez países não terem políticas específicas de saúde mental e cerca deum terço não terem políticas sobre drogas e álcool. A falta de uma políticaespecificamente relacionada com a criança e o adolescente é ainda mais dra-mática (Graham e Orley, 1998). Poder-se-ia argumentar que uma política nãoé necessária nem suficiente para chegar a bons resultados e que, para os paísesque não têm política de saúde mental, seria suficiente contar com um progra-ma ou plano definido nessa área. Um terço dos países, contudo, não tem pro-grama e um quarto não tem política nem programa. Essas verificações indi-cam a falta de empenho expresso em enfrentar os problemas de saúde mentale a ausência de condições para levar a cabo o planeamento, a coordenação e aavaliação, a nível nacional, das estratégias, serviços e capacidade na área dasaúde mental (ver figura 4.1).

Disposições sobre sistemasde saúde e financiamento

A política e a prestação de serviços de saúde mental ocorrem no contextogeral dos sistemas de saúde e esquemas de financiamento. Na formulação e

O projecto Atlas de Recursos de Saúde Mental daOMS é um dos mais recentes a examinar a situa-ção actual dos sistemas de saúde mental nospaíses1. O projecto envolve 181 Estados Membrosda OMS, cobrindo assim 98,7% da população mun-dial. A informação foi obtida dos Ministérios daSaúde no período de Outubro de 2000 a Março de2001, usando um breve questionário, e foi validadoparcialmente com base em relatórios de peritos eda literatura publicada. Embora essa informação dêuma indicação dos recursos de saúde mental no

mundo, é preciso ter em mente certas limitações.A primeira é que a informação baseia-se em notifi-cação espontânea e não foi possível validar inde-pendentemente todas as respostas. A segunda éque nem todos os Estados-Membros responderam,e isso, juntamente com outros dados ausentessobre alguns aspectos da pesquisa, provavelmenteterá viciado os resultados. Finalmente, os resulta-dos não dão uma análise abrangente de todas asvariáveis pertinentes à saúde mental, deixando, porisso, várias perguntas sem resposta.

Caixa 4.1. O Projecto Atlas.

1 Mental health resources in the world. Initial results of Project Atlas (2001). Genebra, Organização Mundial da Saúde (FactSheet N.º 260, Abril de 2001).

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implementação de políticas é necessário considerar as implicações desses es-quemas na prestação de serviços de saúde mental.

Nos últimos 30 anos, os sistemas de saúde dos países desenvolvidos evoluí-ram de um modelo altamente centralizado para um sistema descentralizado,em que a responsabilidade pela implementação de políticas e prestação deserviços foi transferida das estruturas centrais para as locais. Esse processoafectou também a configuração dos sistemas de muitos países em desenvolvi-mento. Em regra, observam-se dois aspectos principais da descentralização:reformas orientadas para a contenção de custos e a eficiência (abordadas nestasecção); recurso a contratos com prestadores de serviços públicos e privados(abordado mais adiante em relação à prestação de serviços de saúde mental).

As características do bom financiamento dos serviços de saúde mental nãosão diferentes do que seria o bom financiamento dos serviços de saúde emgeral (OMS, 2000c, Capítulo 5). Existem três desideratos principais. Primeiro,o público precisa de ser protegido contra riscos financeiros catastróficos, parao que é necessário minimizar os pagamentos do próprio bolso e, particular-mente, exigir tais pagamentos só para pequenas despesas com bens ou serviçosfinanceiramente acessíveis. Todas as formas de pagamento antecipado, sejacomo parte da tributação geral, seja como contribuição obrigatória para asegurança social ou seguro privado voluntário, são preferíveis neste caso par-ticular, porque combinam riscos e permitem que o uso dos serviços fique pelomenos parcialmente separado do pagamento por eles. Muitas vezes, os proble-mas mentais são crónicos e, por isso, o que está em questão é não só o custo deum tratamento ou serviço individual, mas a probabilidade da sua repetiçãopor longos períodos. O que estaria ao alcance de um indivíduo ou de umafamília uma vez, numa crise, pode tornar-se inacessível a longo prazo, tal comoacontece com outros problemas crónicos não transmissíveis, como a diabetes.

Segundo, as pessoas saudáveis devem subsidiar as doentes. Qualquer me-canismo de pagamento antecipado faz isso em termos gerais – o que não acon-tece com o pagamento do próprio bolso – mas o encaminhamento das verbasna direcção correcta da saúde mental depende de o pagamento prévio se desti-nar a cobrir necessidades específicas dos portadores de doença mental. Nessecaso em particular, poderia ser adequado um sistema de financiamento paramuitos serviços, mas ainda sem transferir recursos dos saudáveis para os doentes,no que se refere a problemas mentais ou comportamentais, simplesmente por-que tais problemas não são cobertos. O efeito de determinado esquema definanciamento sobre a saúde mental depende, portanto, da escolha das inter-venções a financiar.

Finalmente, um bom sistema de financiamento significará também o apoiomonetário dos pobres pelos ricos, pelo menos até certo ponto. Esta é a carac-terística mais difícil de assegurar, porque depende da cobertura e daprogressividade do sistema fiscal e de quem está coberto por seguro social ou

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POLÍTICA E PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE SAÚDE MENTAL 141

privado. O seguro só força os ricos a subsidiar os pobres se ambos os gruposestiverem incluídos, em vez de o seguro ser limitado aos ricos; e se as contri-buições forem, pelo menos parcialmente, relacionadas com o rendimento, enão pagamentos uniformes ou relacionados somente com o risco. Como sem-pre, a magnitude e o encaminhamento do subsídio dependem também dosserviços que sejam cobertos.

Tipicamente, o pagamento antecipado cobre uma parcela maior do gastototal em saúde nos países mais ricos, e isso tem repercussões no financiamentoda saúde mental. Quando um Governo cobre 70%-80% de tudo quanto égasto em saúde, como se observa em muitos países da OCDE, as decisõesquanto à prioridade a atribuir à saúde mental podem ser directamenteimplementadas através do orçamento, não tendo provavelmente mais do queuma pequena incidência no gasto privado. Quando um Governo entra comapenas 20%-30% do financiamento total, como na China, Chipre, Índia, Lí-bano, Mianmar, Nepal, Nigéria, Paquistão e Sudão (OMS, 2000), e há poucacobertura de seguros, a saúde mental provavelmente acaba por ser afectadaem relação a outros problemas de saúde porque a maior parte dos gastos temde ser paga do próprio bolso. Os indivíduos com perturbações mentais, espe-cialmente nos países em desenvolvimento, geralmente são mais pobres do queo resto da população e muitas vezes têm menos capacidade ou disposição paraprocurar cuidados, devido ao estigma ou a experiências anteriores negativascom os serviços. Assim, ter de pagar as despesas do seu próprio bolso ou dodas suas famílias constitui um obstáculo ainda maior do que seria no caso demuitos problemas de saúde física graves. Encontrar meios de aumentar a par-cela de pagamento antecipado, particularmente para procedimentos caros ourepetidos, conforme recomenda o Relatório sobre a Saúde no Mundo 2000,pode, portanto, beneficiar preferencialmente os gastos com a saúde mental,desde que uma porção suficiente do pagamento adicional seja dedicada a per-turbações mentais e comportamentais. O movimento na direcção oposta – dopagamento antecipado da despesa feita pelo próprio, como ocorreu com atransição económica em vários países da antiga União Soviética – provavel-mente diminuirá os recursos para a saúde mental.

Em países onde o pagamento antecipado representa uma parcela pequena ehá dificuldades no aumento de receitas fiscais ou no alargamento da seguran-ça social, pelo facto de uma grande parte da população ser rural e não teremprego formal, os esquemas de financiamento comunitário podem pareceruma forma atraente de reduzir o peso dos pagamentos do próprio bolso. Osindícios do seu êxito até agora são escassos e mal definidos, devendo-se obser-var, porém, que, se não receberem subsídios substanciais de governos, organi-zações não-governamentais ou doadores externos, tais esquemas terão poucasprobabilidades de resolver os problemas crónicos de uma parte facilmenteidentificável da população beneficiária. As pessoas que se dispõem a ajudar os

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seus vizinhos nas crises de saúde mostrar-se-ão muito menos dispostas a con-tribuir para um apoio mais permanente. Assim, não se pode contar com elascomo fonte significativa de financiamento da saúde mental: os serviços basea-dos na comunidade não devem implicar um financiamento de base comunitá-ria ou depender dele.

Aqueles países pobres muitas vezes dependem consideravelmente de doa-dores externos para custear os cuidados de saúde. Isso é uma fonte potencial-mente valiosa de fundos para a saúde mental, como para outros problemas,mas os doadores muitas vezes têm prioridades próprias que nem sempre coin-cidem com as do Governo. De modo particular, eles hoje em dia raramenteatribuem alta prioridade à saúde mental em relação às doenças transmissíveis.Nesse caso, cabe aos Governos decidir se tentarão convencer os doadores acolaborar mais estreitamente com as prioridades do país ou então a usar osseus limitados recursos próprios em áreas negligenciadas pelos doadores, espe-cialmente pela atribuição de uma proporção maior de recursos nacionais aosproblemas mentais.

Formulação da política de saúde mental

Dentro da política geral de saúde, é necessário prestar especial atenção àpolítica de saúde mental, bem como às políticas sobre álcool e drogas, devidonão só ao estigma e às violações de direitos humanos sofridas por muitas pes-soas com tais problemas mentais e comportamentais, mas também à ajuda deque uma grande parte delas necessita para encontrar habitação apropriada ouapoio monetário.

A formulação de políticas sobre saúde mental, álcool e drogas deve serlevada a cabo no contexto de um completo quadro de políticas governa-mentais de saúde, bem-estar e de ordem social. As realidades sociais, polí-ticas e económicas devem ser reconhecidas aos níveis local, regional e naci-onal. Na definição dessas políticas, devem levantar-se diversas questões(ver caixa 4.2).

As políticas sobre álcool e drogas constituem uma questão especial, porquetêm de incluir a aplicação das leis e outros controlos sobre o fornecimento desubstâncias psicoactivas e de considerar a variedade de opções para fazer faceàs consequências negativas do uso de substâncias que constituem uma ameaçaà segurança pública, além da necessidade de considerarem a educação, a pre-venção, o tratamento e a reabilitação (OMS, 1998).

Um passo importante na elaboração de uma política de saúde mental é aidentificação pelo Governo dos responsáveis pela sua formulação. O processode elaboração de políticas tem de incluir necessariamente uma ampla varieda-de de interessados: doentes (por vezes denominados utentes), familiares, pro-

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fissionais, políticos e outras partes interessadas. Alguns, como os empregado-res e os membros do sistema de justiça criminal, podem não se considerarinteressados, mas é necessário convencê-los da importância da sua participa-ção. A política deve fixar prioridades e delinear abordagens, com base nasnecessidades identificadas e tendo em conta os recursos disponíveis.

Nalguns países, a saúde mental está a ser integrada nos cuidados primáriosde saúde, mas não estão a ser executadas reformas fundamentais nos hospitaispsiquiátricos e em relação às opções de base comunitária. Importantes refor-mas nos sectores da saúde, em curso em muitos países, oferecem oportunidadespara fortalecer a posição da saúde mental e iniciar o processo de integraçãoaos níveis da política, dos serviços de saúde e da comunidade. No Uganda (vercaixa 4.3), por exemplo, ainda recentemente era dada muito pouca prioridadeà saúde mental.

A formulação de uma política de saúde mental será bem conseguida se ficar assegurado que ela res-ponde afirmativamente às seguintes perguntas:

• A política promove o desenvolvimentode cuidados de saúde baseados nacomunidade?

• Os serviços são abrangentes e integra-dos nos cuidados primários de saúde?

• A política estimula a formação de par-cerias entre indivíduos, famílias e pro-fissionais de saúde?

• A política promove a emancipação dosindivíduos, famílias e comunidades?

• A política cria um sistema que respeita,protege e fomenta os direitos humanosdas pessoas com perturbações mentais?

• Faz-se uso, sempre que possível, daspráticas baseadas na evidência?

• Existe uma adequada dotação deprestadores de serviços conveniente-

mente preparados para garantir quea política possa ser implementada?

• São reconhecidas as necessidades es-peciais de mulheres, crianças e adoles-centes?

• Os serviços de saúde mental estão equi-parados aos outros serviços de saúde?

• A política exige monitorização e avalia-ção contínuas dos serviços?

• A política cria um sistema que respon-de às necessidades das populaçõesmais desfavorecidas e vulneráveis?

• É dada atenção adequada às estratégiasde prevenção e promoção?

• A política fomenta a vinculação inter-sectorial do sector da saúde mental comoutros sectores?

Caixa 4.2. Questões-chave na formulação de políticas.

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Estabelecimento de uma base de informação

A formulação de políticas deve basear-se em informação actualizada e idó-nea, relativamente à comunidade, a indicadores de saúde mental, tratamentoseficazes, estratégias de prevenção e promoção e recursos para a saúde mental.A política terá de ser periodicamente revista para permitir a modificação ouactualização dos programas.

Uma tarefa importante é a recolha e análise de informação epidemiológicapara identificar os grandes determinantes psicossociais dos problemas mentais,bem como proporcionar informação quantitativa sobre o grau e o tipo de pro-blemas na comunidade. Outra tarefa importante é fazer um levantamento com-pleto dos recursos e das estruturas existentes nas comunidades e regiões, junta-mente com uma análise crítica sobre a sua capacidade de resposta às necessidadesdefinidas. Neste particular, é útil usar uma «matriz económica mista» para cons-truir o mapa dos diferentes sectores prestadores, dos recursos com que eles estãodotados e das formas pelas quais tais sectores e recursos se interligam. Os servi-ços de saúde mental e os que lhe são inerentes, como os de apoio social e de

Os serviços de saúde mental no Uganda foramdescentralizados na década de 1960, tendo sidoinstaladas unidades de saúde mental em hospi-tais regionais de referência. Essas unidades as-semelhavam-se a prisões e eram guarnecidas porfuncionários com formação em psiquiatria. Os ser-viços eram dificultados pelo baixo moral dos fun-cionários, por uma escassez crónica de medica-mentos e falta de fundos para quaisqueractividades comunitárias. A maioria das pessoaspouco compreendia as perturbações mentais ounão tinha conhecimento da disponibilidade de tra-tamentos e serviços eficazes. Até 80% dos doen-tes procuravam curandeiros tradicionais antes derecorrerem ao sistema de saúde1.Em 1996, encorajado pela OMS, o Ministério daSaúde começou a fortalecer os serviços de saúdemental e a integrá-los nos cuidados primários desaúde. Foram definidos padrões e normas para oscuidados em epilepsia e para a saúde mental decrianças e adultos, desde o nível comunitário atéàs instituições terciárias. Os profissionais de saúde

receberam formação para reconhecer e tratar ouencaminhar os problemas mentais e as perturba-ções neurológicas comuns. Estabeleceu-se umnovo sistema de referência juntamente com umarede de apoio de supervisão. Foram estabeleci-das ligações com outros programas, como os daSIDA, saúde dos adolescentes e reprodutiva e edu-cação para a saúde. Envidaram-se esforços parafomentar a consciência da saúde mental na po-pulação em geral. A Lei de Saúde Pública foireformulada e integrada na Lei dos Serviços deSaúde. Medicamentos para perturbações mentaise neurológicas foram incluídos na lista de medi-camentos essenciais.A saúde mental foi incluída como componente dopacote nacional de cuidados mínimos de saúde.Hoje, a saúde mental faz parte do orçamento doMinistério da Saúde. Estão para ser instaladasunidades de saúde mental em 6 dos 10 hospitaisde referência regionais, e a capacidade do hospi-tal psiquiátrico nacional de 900 camas deverá serreduzida para metade.

Caixa 4.3. Reforma da saúde mental no Uganda.

1 Baingana, F. (1990). Comunicação pessoal.

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habitação, poderiam ser proporcionados por organizações ou grupos públicos(o Estado), privados (com fins lucrativos), voluntários (sem fins lucrativos) ouinformais (família ou comunidade). Na realidade, a maioria das pessoas recebepoucos serviços formais, no conjunto dos apoios informais da família, de ami-gos e da comunidade. Esses serviços seriam financiados por uma combinação decinco modalidades de recursos: do próprio bolso, planos de seguros privados,segurança social, tributação geral e doações de instituições beneficentes (organi-zações não-governamentais). Uma vez estabelecida a matriz, pode-se levar acabo uma análise mais sistemática dos tipos e da qualidade dos serviços, seusprincipais prestadores e as questões de acesso e equidade.

Tanto a formulação como a avaliação de políticas requerem a existência deum sistema de informação que funcione bem e seja bem coordenado para aferirum número mínimo de indicadores de saúde mental. Actualmente, cerca de umterço dos países não conta com sistemas de publicação anual de dados sobresaúde mental. Os que contam com tais sistemas muitas vezes carecem de infor-mações suficientemente pormenorizadas para permitir a avaliação da eficácia depolíticas, serviços e tratamentos. Cerca de metade dos países não possui os mei-os necessários para colher dados epidemiológicos ou de serviço a nível nacional.

Os Governos necessitam investir recursos no desenvolvimento de sistemasde monitorização da informação que incorporem indicadores para os princi-pais determinantes demográficos e socioeconómicos da saúde mental, a situa-ção da saúde mental da população em geral e a dos que estão em tratamento(incluindo categorias específicas de diagnóstico por idade e sexo), bem comodos sistemas de saúde. Para estes, os indicadores poderiam incluir, por exem-plo, o número de camas psiquiátricas em hospitais gerais, o número de admis-sões e readmissões hospitalares, a duração da permanência, a duração da doençano primeiro contacto, padrões de utilização do tratamento, índices de recupe-ração, número de consultas em ambulatório, frequência de consultas nos cui-dados de saúde primários, frequência e dosagem da medicação e número deprofissionais e dispositivos de formação.

Os métodos de medição poderiam incluir pesquisas de população, recolhasistemática de dados de doentes tratados nos níveis terciário, secundário eprimário de cuidados e o uso de dados sobre mortalidade. A configuração dossistemas implantados nos países deve possibilitar o cotejo e a análise sistemá-tica, a nível nacional, de informações levantadas local e regionalmente.

Destaque dos grupos vulneráveise problemas especiais

A política deve pôr em destaque os grupos vulneráveis que apresentamnecessidades especiais de saúde mental. Na maioria dos países, tais grupos

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compreenderiam crianças, pessoas idosas e mulheres submetidas a sevícias. Éprovável que existam também grupos vulneráveis específicos do ambientesocioeconómico dentro dos países, como, por exemplo, refugiados e pessoasdeslocadas em regiões onde estão em curso guerras civis ou conflitos internos.

Para as crianças, as políticas devem visar a prevenção de incapacidade men-tal infantil mediante nutrição adequada, atenção pré-natal e perinatal, evita-mento do consumo de álcool e drogas durante a gravidez, imunização, iodaçãodo sal, medidas de segurança da criança, tratamento de perturbações comuns nainfância como a epilepsia, detecção precoce a nível dos cuidados primários, iden-tificação precoce e promoção da saúde através das escolas. Esta última é viável,como o mostra a experiência de Alexandria, Egipto, onde conselheiros para acriança receberam formação para trabalhar em escolas com vistas à detecção etratamento de perturbações mentais e comportamentais da infância (El-Din ecol., 1996). A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança reco-nhece que as crianças e adolescentes têm direito a serviços apropriados (ONU,1989). Os serviços para os jovens, que devem ser coordenados com as escolas eos cuidados primários de saúde, podem abordar a saúde mental e física de umaforma integrada e abrangente, cobrindo problemas como gravidez precoce enão desejada, consumo de tabaco, álcool e outras substâncias, comportamentoviolento, tentativa de suicídio e prevenção do VIH e de doenças sexualmentetransmissíveis.

Para os idosos, as políticas devem apoiar e melhorar os cuidados que jálhes são proporcionados pelas famílias, incorporar a avaliação e a gestão dasaúde mental nos serviços gerais de saúde e proporcionar meios que assegu-rem períodos de descanso aos membros da família, que são frequentemente osprincipais prestadores de cuidados.

Para as mulheres, as políticas precisam de superar a discriminação no aces-so a serviços de saúde mental, tratamento e serviços comunitários. Há quecriar serviços na comunidade e ao nível dos cuidados primários e secundáriospara apoiar as mulheres que sofreram violência sexual, doméstica ou de ou-tras formas, bem como as que têm problemas de consumo de álcool e drogas.

Para os refugiados e deslocados dentro do próprio país, as políticas devem fazerface a problemas de habitação, emprego, abrigo, vestuário e alimentação, bem comoaos efeitos psicológicos e emocionais resultantes de guerras, deslocamento e perdade entes queridos. A intervenção da comunidade deve ser a base da acção política.

Diante das especificidades do comportamento suicida, as políticas devemreduzir os factores ambientais, particularmente o acesso aos meios usados maisfrequentemente para cometer suicídio em dado lugar. As políticas devem asse-gurar os necessários cuidados aos indivíduos em risco, particularmente aosque têm perturbações mentais e aos sobreviventes de tentativas de suicídio.

Os problemas relacionados com o álcool não se limitam às pessoas que de-pendem do álcool. A acção de saúde pública deve ser dirigida mais a todo o

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conjunto da população que bebe do que aos que são dependentes do álcool. Aviabilidade política, a capacidade de resposta do país em questão, a aceitaçãopor parte do público e a probabilidade de impacte têm de ser consideradas nadefinição das políticas. As políticas mais eficazes de controlo do álcool envol-vem o aumento do seu preço global e dos impostos aplicáveis às bebidas alcoó-licas; a restrição do seu consumo através do controlo da sua disponibilidade,incluindo o uso de legislação sobre a idade mínima em que seria permitido bebere a limitação do número, dos tipos e das horas de serviço dos estabelecimentosque servem ou vendem álcool; leis para os que dirigem embriagados; sensibilizaçãodos próprios fornecedores (mediante políticas e formação com vista à recusa deservir álcool a pessoas embriagadas). São também importantes o controlo dapublicidade do álcool, especialmente a que é dirigida aos jovens; a promoção deeducação pública sobre as consequências negativas do consumo de álcool (porexemplo, através da comunicação social e de campanhas de marketing social);rótulos com advertências; controlo rigoroso da segurança dos produtos;implementação de medidas contra a produção e venda ilegal de bebidas alcoóli-cas. Finalmente, a disponibilidade de tratamento para pessoas com problemasrelacionados com o álcool deve fazer parte das responsabilidades da sociedadeno tocante aos cuidados de saúde e ao serviço social (Jernigan e col., 2000).

As políticas referentes a drogas ilícitas devem ter em vista o controlo dofornecimento dessas drogas, a redução da procura através da prevenção e deoutros meios, a redução das consequências negativas da dependência de dro-gas e a oferta de tratamento. Essas políticas devem ter por alvo a populaçãoem geral e os vários grupos de risco. O desenvolvimento de programas eserviços eficazes requer uma compreensão da extensão do consumo de dro-gas e dos problemas inerentes, bem como da forma como eles se alteram como tempo, de acordo com os padrões de consumo das substâncias. É precisoque a divulgação da informação seja correcta e apropriada para o grupoalvo. Essa divulgação deve evitar o sensacionalismo, promover a competên-cia psicossocial mediante aptidões para a vida e conferir aos indivíduospoderes para fazerem escolhas mais saudáveis em relação ao consumo dedrogas. Como o consumo de substâncias está estreitamente ligado a diversosproblemas sociais e à exclusão, os esforços de prevenção provavelmentelograrão maior êxito se estiverem integrados em estratégias que visem amelhoria da vida das pessoas e comunidades, como é o caso do acesso àeducação e aos cuidados de saúde.

Respeito pelos direitos humanos

As políticas e programas de saúde mental devem promover os seguintesdireitos: igualdade e não discriminação; o direito à privacidade; autonomia

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individual; integridade física; direito à informação e participação; liberdade dereligião, reunião e movimento.

Os instrumentos sobre direitos humanos exigem também que todo o planea-mento ou elaboração de políticas ou programas de saúde mental envolva osgrupos vulneráveis (como as populações indígenas e tribais, as minorias nacio-nais, étnicas, religiosas e linguísticas, os trabalhadores migrantes, os refugia-dos e os apátridas, as crianças e os adolescentes e os velhos).

Além da Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos e daConvenção Internacional sobre Direitos Económicos, Sociais e Culturais, quetêm força de lei e que se aplicam aos direitos humanos dos que sofrem pertur-bações mentais e comportamentais, o mais significativo e sério esforço inter-nacional para proteger os direitos dos mentalmente doentes é a Resolução 46//119, da Assembleia Geral das Nações Unidas, sobre a Protecção das Pessoascom Doenças Mentais e Melhoria dos Cuidados em Saúde Mental, adoptadaem 1991 (ONU, 1991). Embora não tenha validade jurídica, a resolução reú-ne um conjunto de direitos básicos que a comunidade internacional considerainvioláveis, seja na comunidade seja quando as pessoas mentalmente doentesrecebem tratamento através do sistema de saúde. Há 25 princípios que caemem duas categorias gerais: direitos e procedimentos civis e acesso a cuidadosde qualidade. Os princípios incluem declarações das liberdades fundamentaise dos direitos básicos das pessoas mentalmente doentes, critérios para a deter-minação das doenças mentais, protecção da confidencialidade, padrões de cui-dados e tratamento, inclusive admissão involuntária e consentimento para otratamento, direitos das pessoas mentalmente doentes em estabelecimentos desaúde mental, garantia de recursos para tais estabelecimentos, existência demecanismos de revisão, garantia de protecção dos direitos dos delinquentescom doença mental e salvaguarda de procedimentos para proteger os direitosdas pessoas mentalmente doentes.

A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) dáorientação para o desenvolvimento de políticas especificamente relevantes paracrianças e adolescentes. Ela cobre a protecção contra todas as formas de maustratos físicos e mentais, a não discriminação, o direito à vida, à sobrevivênciae ao desenvolvimento, os interesses superiores da criança e o respeito pelosseus pontos de vista.

Existem também vários instrumentos regionais para proteger os direitosdos doentes mentais, como a Convenção Europeia para a Protecção dos Direi-tos Humanos e Liberdades Fundamentais, que tem o apoio do Tribunal Euro-peu dos Direitos Humanos; a Recomendação 1235 (1994) sobre Psiquiatria eDireitos Humanos, adoptada pela Assembleia Parlamentar do Conselho daEuropa; a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, de 1978; a Decla-ração de Caracas, adoptada pela Conferência Regional sobre Reestruturaçãodos Cuidados Psiquiátricos na América Latina em 1990 (ver caixa 3.3).

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Os organismos que monitorizam os tratados sobre direitos humanos repre-sentam um exemplo de subutilização de meios para fortalecer a chamada dosGovernos à responsabilidade no que se refere à saúde mental e para moldar odireito internacional no sentido de serem consideradas as questões de saúdemental. As organizações não-governamentais e as profissões médicas e de saú-de pública devem ser encorajadas a fazer uso desses mecanismos existentespara obrigar os Governos a proporcionar recursos para o cumprimento dassuas obrigações relativas à prestação de cuidados de saúde às pessoas comperturbações mentais, protegendo-as contra a discriminação na sociedade esalvaguardando outros direitos humanos pertinentes.

Legislação sobre saúde mental

A legislação sobre saúde mental deve codificar e consolidar os princípiosfundamentais, valores, metas e objectivos da política de saúde mental. Essetipo de legislação é indispensável para garantir que a dignidade dos doentesseja preservada e que os seus direitos humanos fundamentais sejam prote-gidos.

Dos 160 países que forneceram informações sobre legislação (OMS, 2001),quase um quarto não tem leis sobre saúde mental (figura 4.1). Aproximada-mente metade das leis existentes foi formulada na última década, mas quaseum quinto remonta a mais de 40 anos, antes de a maioria dos métodos detratamento actuais se encontrarem disponíveis.

Os Governos precisam de formular leis nacionais actualizadas para a saúdemental, que sejam condizentes com as obrigações internacionais na área dosdireitos humanos e que apliquem os importantes princípios acima menciona-dos, inclusive a Resolução 46/119 da Assembleia Geral das Nações Unidas.

A provisão de serviços

Muitas barreiras limitam a disseminação de intervenções eficazes para per-turbações mentais e comportamentais (figura 4.2). As barreiras específicasdentro dos sistemas de saúde variam entre os países, havendo, porém, certosaspectos comuns relacionados com a falta absoluta de serviços de saúde men-tal, a má qualidade do tratamento e dos serviços e problemas de acesso eequidade.

Embora muitos países tenham realizado reformas ou tenham em curso oprocesso de reformar os seus sistemas de saúde mental, o alcance e os tipos dereforma também variam tremendamente. Nenhum país conseguiu efectivartodo o espectro de reformas necessárias para superar todas as barreiras.

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A Itália reformou com êxito os seus serviços psiquiátricos, mas não tocou nosserviços de prestação de cuidados primários de saúde (caixa 4.4). Na Austrália(caixa 4.5), as despesas com a saúde mental aumentaram e houve uma mudan-ça a favor dos cuidados primários na comunidade. Houve também tentativasde integrar a saúde mental nos cuidados primários e aumentar a participaçãodos utentes no processo de decisão. Os cuidados primários comunitários, con-tudo, têm sido extremamente débeis em certos lugares.

Embora não sejam recomendadas instituições psiquiátricas com grandenúmero de camas para os cuidados primários em saúde mental, é essencialcontar com um certo número de camas em hospitais gerais para os cuidadosem casos agudos. Há uma considerável variação no número de camas disponí-veis para os cuidados em saúde mental (figura 4.3). O número médio para apopulação mundial é de 1,5 por 10 000 habitantes, variando entre 0,33, naRegião do Sudeste Asiático da OMS, e 9,3, na Região da Europa. Para quase

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Há 20 anos, o Parlamento italiano aprovou a «Lei180», que tinha por finalidade produzir uma mu-dança radical nos cuidados psiquiátricos em todoo país. A lei compreendia legislação estrutural(legge quadro) que conferia às regiões as tare-fas de formular e implementar normas, métodose cronogramas minuciosos para conversão dosprincípios gerais da lei em acção específica. Parao tratamento de doenças psiquiátricas, foram es-tabelecidas três alternativas para os hospitaispsiquiátricos: camas psiquiátricas em hospitaisgerais, dependências residenciais não hospita-lares, com pessoal a tempo inteiro e parcial, edependências de ambulatório não residenciais,incluindo hospitais de dia, centros de dia e clíni-cas de ambulatório1.Nos primeiros dez anos após a aprovação da lei,o número de hospitais para doentes mentais caiu53%. O número total desactivado nas duas últi-mas décadas, porém, não é conhecido com pre-cisão. As admissões compulsivas, como percen-tagem das admissões psiquiátricas totais,acusaram declínio constante, de cerca de 50%em 1975 para cerca de 20% em 1984 e 11,8%em 1994. O fenómeno da «porta giratória» –readmissão de pacientes que receberam alta – éevidente somente em áreas onde faltam servi-ços de base comunitária eficientes e bem orga-nizados.Mesmo no contexto dos novos serviços, pesqui-sas recentes mostram que os doentes psiquiá-tricos poucas probabilidades têm de receber umafarmacoterapia ideal, e os modelos de tratamentopsicossocial baseados na evidência são desigual-mente distribuídos entre os serviços de saúdemental. Por exemplo, embora a intervençãopsicoeducacional seja geralmente considerada

como essencial nos cuidados a doentes com es-quizofrenia, somente 8% das famílias receberamalguma forma de tratamento desse tipo. Os pou-cos dados disponíveis parecem mostrar que asfamílias assumiram informalmente parte dos cui-dados aos familiares doentes, que antes era res-ponsabilidade do hospital psiquiátrico. Pelo me-nos algumas das vantagens para os dentesparecem ser atribuíveis mais ao apoio familiarquotidiano do que aos serviços prestados.Podem-se extrair as seguintes lições: primeiro, nãose consegue a transição de um serviço de base pre-dominantemente hospitalar para um serviço pre-dominante-mente baseado na comunidade pelosimples encerramento das instituições psiquiátri-cas: é preciso proporcionar estruturas alternativasapropriadas, como se verificou na Itália. Segundo,é necessário empenho político e administrativopara que os cuidados baseados na comunidadesejam eficazes. Será preciso fazer investimen-tos em construções, formação de pessoal e pro-visão de dependências de apoio. Terceiro, amonitorização e a avaliação são aspectos impor-tantes da mudança: o planeamento e a avalia-ção devem andar ombro a ombro e a avaliaçãodeve ter, quando possível, uma base epidemio-lógica. Finalmente, uma lei de reforma deve nãosó proporcionar directivas (como na Itália), masdeve também ser prescritiva: será preciso esta-belecer padrões mínimos em termos de presta-ção de cuidados e na implantação de um siste-ma de monitorização digno de crédito; seránecessário formular cronogramas obrigatóriospara implementação dos serviços previstos; e hánecessidade de mecanismos centrais para veri-ficação, controlo e comparação da qualidade dosserviços.

Caixa 4.4. Reforma da saúde mental na Itália.

1 de Girolamo, G.; Cozza, M (2000). «The Italian psychiatric reform: a 20-year perspective». Journal of Law and Psychiatry,23(3-4): 197-214.

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dois terços da população mundial, mais de metade de todas as camas aindaestão em instituições psiquiátricas, que muitas vezes oferecem serviços mais detipo prisional do que cuidados em saúde mental. O facto é que, em muitospaíses, grandes instituições de cuidados diferenciados, com serviços para casosagudos e de longa permanência, continuam a ser o meio predominante deprestação de cuidados e tratamento. Tais dispositivos estão associados a fra-cos resultados e violações dos direitos humanos.

O facto de o orçamento da saúde mental em muitos países estar voltadopara a manutenção dos cuidados institucionais significa que são poucos ouinexistentes os recursos disponíveis para serviços mais eficientes em hospitaisgerais e na comunidade. Os dados indicam que não há serviços baseados nacomunidade disponíveis em 38% dos países. Mesmo naqueles que promovemos cuidados comunitários, a cobertura está longe de ser completa. Dentro dospaíses, há grandes variações entre regiões e entre áreas rurais e urbanas (vercaixa 4.6).

Na maioria dos países, os serviços de saúde mental precisam de ser avalia-dos, reavaliados e reformulados para proporcionar o melhor tratamento e osmelhores cuidados disponíveis. Há maneiras de melhorar a organização dos

Na Austrália, onde a depressão se situa em quartolugar entre as causas mais comuns da carga glo-bal de doenças e a causa mais comum deincapacitação1, a primeira estratégia nacional desaúde mental do país foi adoptada em 1992 peloGoverno federal e pelos ministros da saúde detodos os estados. Estabeleceu-se uma estruturade colaboração para prosseguir as prioridadesacordadas durante um período de cinco anos(1993-98).Esse programa quinquenal demonstrou as mudan-ças que podem ser obtidas na reforma nacionalda saúde mental. A despesa nacional com a saúdemental cresceu 30% em termos reais, ao passoque os gastos em serviços de base comunitáriacresceram 87%. Em 1998, a proporção de des-pesa em saúde mental dedicada aos cuidados apessoas na comunidade subiu de 29% para 46%.Os recursos disponibilizados através do redimen-sionamento institucional cobriram 48% do cres-

cimento dos serviços baseados na comunidade enos hospitais gerais. O número de profissionaisde saúde que prestam cuidados comunitários cres-ceu 68%, acompanhando o aumento da despesa.As instituições psiquiátricas isoladas, às quaiseram antes destinados 49% dos recursos totaispara a saúde mental, viram reduzida a sua quotaa 29% daqueles recursos, enquanto o númerode camas nas instituições caía 42%. Ao mesmotempo, o número de camas para casos psiquiá-tricos agudos em hospitais gerais cresceu 34%.Foram criados mecanismos para participação dosutentes e prestadores de cuidados por 61% dasorganizações públicas de saúde mental. O sec-tor governamental aumentou a sua participaçãogeral no financiamento para a saúde mental de2% para 5%, e os fundos atribuídos a organiza-ções não-governamentais para dar apoio comu-nitário a pessoas com incapacidade psiquiátricacresceram 200%.

1 Whiteford, H., e col. (2000). «The Australian mental health system». International Journal of Law and Psychiatry,23(3-4): 403-417.

Caixa 4.5. Reforma da saúde mental na Austrália.

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serviços, mesmo com recursos limitados, de tal forma que os que deles necessi-tem possam fazer pleno uso dos mesmos. A primeira é retirar os cuidados doshospitais psiquiátricos; a segunda, desenvolver serviços comunitários de saúdemental; a terceira, integrar os serviços de saúde mental nos cuidados de saúdegeral. O grau de colaboração entre serviços de saúde mental e outros serviçosnão relacionados com a saúde, a disponibilidade de medicamentos psicotrópi-cos essenciais, os métodos de selecção de intervenções de saúde mental e ospapéis dos sectores público e privado na efectivação de intervenções tambémsão questões cruciais para a reorganização dos serviços, como se expõe abaixo.

Fim da prestação de cuidadosnos grandes hospitais psiquiátricos

A meta final é a prestação de tratamento e cuidados com base na comuni-dade. Isso implica o encerramento dos grandes hospitais psiquiátricos

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A província de Neuquén, na Argentina, propor-ciona cuidados em saúde mental tanto a comu-nidades urbanas como a comunidades ruraisremotas, mas o peso dos recursos humanosespecializados em saúde mental ainda vai maispara os centros urbanos. As cidades têm clíni-cas de cuidados primários, unidades psiquiátri-cas de nível secundário em hospitais gerais ecentros terciários de saúde mental, ao passo queas comunidades rurais são atendidas por traba-lhadores de saúde comunitários, visitas quinze-nais de clínicos gerais e postos locais de cuida-dos de saúde primária. Assim, também, existena capital um programa de reabilitação de basecomunitária para doentes com doenças mentaisgraves que não tem correspondente nas áreasrurais da província2. Na Nigéria, os hospitais ur-banos contam com mais pessoal médico e assuas unidades de apoio funcionam com mais efi-ciência em comparação com os hospitais gover-namentais do país3. Na Costa Rica, a maior par-te dos trabalhadores de cuidados de saúde mentalainda está concentrada em cidades e vilas, ha-vendo carência de pessoal nas regiões rurais4.Entre os países árabes, são geralmente encon-tradas instalações comunitárias de cuidados em

saúde mental só nas grandes cidades5. Emboraa Arábia Saudita tenha clínicas psiquiátricasdentro de alguns hospitais gerais em áreas ru-rais6. Também na Índia, apesar da ênfase dadaao desenvolvimento de serviços rurais, a maio-ria dos profissionais de saúde mental mora emáreas urbanas7. Na China, a prestação de servi-ços comunitários obedece a um modelo urbano//rural, embora a maioria da população seja pre-dominantemente rural. Os serviços de cuidadoscomunitários nas cidades são operados por co-mités de vizinhança e fabris8. Nos países da an-tiga União Soviética, os serviços de saúde men-tal ainda são organizados por burocracias deplaneamento centralizadas e estão claramentedemarcados em termos de serviços de adminis-tração local e central. A autoridade reside nocentro – isto é, nos centros urbanos – ao passoque as áreas rurais distantes são obrigadas a pro-porcionar serviços concebidos e financiados pelaburocracia central9. Na Turquia, estão disponí-veis serviços especializados de saúde mentalprivados e públicos em cidades e vilas, ao passoque os doentes nas áreas rurais e semi-ruraistêm de procurar serviços locais de saúde mentalno centro de saúde de cuidados primários10.

Caixa 4.6. Serviços de saúde mental: o desequilíbrio urbano-rural.

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(ver tabela 4.1). Fazer isso imediatamente pode não ser realista. Como medidaa curto prazo, isto é, até que todos os doentes possam ser integrados na comu-nidade, com apoio comunitário adequado, será preciso tornar pequenos oshospitais psiquiátricos, melhorar as condições de vida dos doentes, formarpessoal, estabelecer procedimentos para proteger os doentes de admissõesinvoluntárias e tratamentos supérfluos e criar entidades independentes paramonitorizar e rever as condições hospitalares. Além disso, será preciso conver-ter os hospitais em centros de tratamento activo e de reabilitação.

Desenvolvimento de serviçoscomunitários de saúde mental

Os serviços comunitários de saúde mental têm de proporcionar tratamento ecuidados de carácter geral e de base local que estejam realmente ao alcance dosdoentes e das suas famílias. Os serviços devem ser de tal modo abrangentes quepermitam responder às necessidades de saúde mental da população em geral ede grupos especiais, tais como as crianças, os adolescentes, as mulheres e osidosos. Em condições ideais, os serviços deveriam assegurar: nutrição, admissãode casos agudos em hospitais gerais, cuidados em ambulatório, centros comuni-tários, serviços periféricos, lares residenciais, substitutos para as folgas de fami-liares e cuidadores, apoio ocupacional, vocacional e de reabilitação e ainda ne-cessidades básicas, tais como habitação e vestuário (ver tabela 4.1). No caso dese pretender a desinstitucionalização, devem-se desenvolver serviços comunitá-rios paralelamente. Todas as funções positivas da instituição devem ser repro-duzidas na comunidade, sem perpetuar os aspectos negativos.

Para o financiamento, devem ser consideradas três recomendações chave.A primeira consiste em disponibilizar recursos para o desenvolvimento de ser-viços comunitários mediante o encerramento parcial de hospitais. A segunda,em usar financiamento transitório para investimento inicial em novos servi-ços, a fim de facilitar a passagem dos hospitais para a comunidade. A terceiraé manter financiamento paralelo para continuar a cobertura financeira de umcerto nível de cuidados institucionais, depois de estabelecidos os serviços basea-dos na comunidade.

Os países enfrentam alguns problemas nas suas tentativas de criar serviçosde saúde mental abrangentes, em virtude da escassez de recursos financeiros.Embora seja possível nalguns países reorientar ou reinvestir os fundos noscuidados de saúde comunitários em consequência da desinstitucionalização,raramente isso basta por si só. Noutros países, pode ser difícil a reorientaçãode fundos. Na África do Sul, por exemplo, onde os orçamentos são integradosdentro dos vários níveis de cuidados primários, secundários e terciários, muitoembora tenha sido adoptada uma política de desinstitucionalização, é difícil

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transferir para os cuidados primários ou para o nível de cuidados comunitá-rios verbas aplicadas nos cuidados hospitalares. Mesmo que o dinheiro possaser retirado do orçamento hospitalar, poucas são as garantias de que ele vá serefectivamente utilizado em programas de saúde mental ao nível comunitário.Devido a restrições orçamentais, tudo indica que os cuidados alargados basea-dos na comunidade têm poucas probabilidades de ser uma opção viável sem oapoio dos serviços de cuidados primários e diferenciados.

Tabela 4.1 Efeitos da transferência de funções do hospital psiquiátrico tradicional para os cuidadoscomunitários.

Funções do hospitalpsiquiátrico tradicional

Efeitos da transferênciasobre a atenção comunitária

Acesso físico e tratamento Talvez seja preferível transferir para os cuidadosprimários ou para serviços gerais de saúde

Tratamento ativo para permanênciasde duração curta ou intermediária

Tratamento mantido ou melhorado,mas com resultados não generalizáveis

Custódia de longa duração Geralmente melhorada em lares residenciaispara aqueles que necessitam de apoio maiore prolongado

Protecção contra a exploração Alguns pacientes continuam vulneráveisà exploração física, sexual e financeira

Serviços de atenção diurna e ambulatorial Podem ser melhorados se forem desenvolvidos serviçoslocais acessíveis, ou podem deteriorar-se se não forem;muitas vezes é necessário renegociar responsabilidadesentre organismos de saúde e sociais

Serviços ocupacionais,vocacionais e de reabilitação

Melhorados em ambientes normais

Abrigo, vestuário, nutrição e renda básica Em risco; daí a necessidade de esclareceras responsabilidades e a coordenação

Folga para familiares e cuidadores Geralmente sem alteração: lugar de tratamentono lar compensado por potencial de maior apoioprofissional à família

Pesquisa e treinamento A descentralização traz novas oportunidades

Fonte: Thornicroft. G.; Tansella, M. (2000). Balancing community-based and hospital-basedmental health care: the new agenda. Genebra, Organização Mundial da Saúde (documentoinédito).

Integração dos cuidados de saúde mentalnos serviços gerais de saúde

A integração dos cuidados de saúde mental nos serviços gerais de saúde,especialmente ao nível dos cuidados primários de saúde, oferece muitas vanta-gens, a saber: menos estigma em relação aos doentes e ao pessoal, pelo facto deas perturbações mentais e comportamentais serem observadas e controladas jun-tamente com problemas de saúde física; melhor triagem e tratamento e, especi-almente, melhores taxas de detecção de pacientes com queixas somáticas mal

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definidas e relacionadas com perturbações mentais e comportamentais; um po-tencial de melhor tratamento dos problemas físicos dos que sofrem doençasmentais e vice-versa; melhor tratamento dos aspectos mentais associados aosproblemas «físicos». Para o gestor, as vantagens compreendem uma infra-estru-tura compartilhada que resulta em economias de custo-eficácia, um potencialpara proporcionar a cobertura universal de cuidados de saúde mental e a utiliza-ção de recursos comunitários, que podem compensar parcialmente a limitadadisponibilidade do pessoal de saúde mental.

A integração exige uma cuidadosa análise do que é e do que não é possívelpara o tratamento e cuidados de problemas mentais em diferentes níveis decuidados. Por exemplo, as estratégias de intervenção precoce para o álcool sãoimplementadas mais eficazmente no nível primário de cuidados, mas as psico-ses agudas poderiam ser manejadas melhor num nível mais elevado para bene-ficiarem da disponibilidade de maior perícia, dependências para pesquisa emedicamentos especializados. Os doentes devem ser então encaminhados no-vamente ao nível primário para continuação do controlo, dado que o pessoalde saúde primária está em melhor posição para dar apoio contínuo aos doen-tes e às suas famílias.

As formas específicas pelas quais a saúde mental deve ser integrada noscuidados gerais de saúde dependerão em grande parte da actual função e doestatuto dos níveis de cuidados primários, secundários e terciários dentro dossistemas de saúde dos países. A caixa 4.7 mostra resumidamente experiênciasde integração de serviços no Camboja, Índia e República Islâmica do Irão.Para que a integração seja bem sucedida, os formuladores de políticas devemter em consideração o seguinte:

• O pessoal de saúde geral deve possuir conhecimentos, aptidões e moti-vação para tratar e controlar doentes que sofrem de perturbações men-tais.

• É preciso que haja um número suficiente de membros do pessoal comconhecimentos e autoridade para receitar psicotrópicos nos níveis pri-mário e secundário.

• Devem existir psicotrópicos básicos disponíveis nos níveis de cuidadosprimários e secundários.

• Cumpre aos especialistas em saúde mental dar apoio ao pessoal decuidados de saúde geral e monitorizá-lo.

• É necessário que existam elos de referência eficazes entre os níveis decuidados primários, secundários e terciários.

• É preciso redistribuir recursos financeiros do nível terciário de cuida-dos para o secundário e o primário ou atribuir novas verbas.

• É preciso estabelecer sistemas de registo para permitir a contínua mo-nitorização, avaliação e actualização das actividades integradas.

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Embora seja evidente que a saúde mental deve ser financiada com os mes-mos recursos e os mesmos objectivos tendo em vista a distribuição das cargasfinanceiras nos cuidados de saúde geral, ainda não está claramente definidaqual é a melhor forma de canalizar os fundos para perturbações mentais ecomportamentais. Uma vez levantados e atribuídos os fundos, surge a questãoda rigidez com que deveria ser separada a saúde mental dos demais itens aserem financiados pelas mesmas verbas ou se deve ser proporcionada umaverba global para dada constelação de instituições ou serviços e permitir que aparcela usada para a saúde mental seja determinada pela procura, pelas deci-sões locais e por outros factores (recordando que os gastos do próprio bolsonão estão consignados no orçamento e são dirigidos apenas pelo utente). Numextremo, os orçamentos lineares que especificam gastos em cada entrada paracada serviço ou programa são excessivamente rígidos e não deixam margemaos administradores, e assim quase garantem a ineficiência. Não é possívellançar mão deles imediatamente para contratar prestadores privados. Mesmo

Caixa 4.7. Integração da saúde mental nos cuidados de saúde primários.

1 World Health Organization (1975). Organization of mental health services in developing countries. Sixteenth report ofthe WHO Expert Committee on Mental Health, December 1974. Genebra, Organização Mundial da Saude (OMS TechnicalReport Series, No. 564).2 Srinivasa Murthy, R. (2000). «Reaching the unreached». The Lancet Perspective, 356: 39.3 Somasundaram, D. J. e col. «Starting mental health services in Cambodia». Social Science and Medicine, 48(8): 1029-1046.4 Mohit, A. e col. (1999). «Mental health manpower development in Afghanistan: a report on a training course for primaryhealth care physicians». Eastern Mediterranean Health Journal, 5: 231-240.5 Mubbashar MH (1999). Mental health services in rural Pakistan. M. Tansella e G. Thornicroft, orgs., Common mentaldisorders in primary care. Londres, Routledge.

A organização de serviços de cuidados de saúdeem países em desenvolvimento foi iniciada emcooperação há pouco tempo. A OMS apoiou omovimento para a prestação de cuidados emsaúde mental no âmbito dos serviços gerais desaúde nos países em desenvolvimento1 e mandourealizar um estudo de viabilidade de sete anossobre a integração com os cuidados primários desaúde no Brasil, Colômbia, Egipto, Filipinas, Índia,Senegal e Sudão.Vários países têm usado essa abordagem paraorganizar serviços de saúde essenciais. Nos paí-ses em desenvolvimento com recursos limitados,isso significou um recomeço dos cuidados parapessoas com perturbações mentais. A Índia ini-ciou a preparação de trabalhadores em saúde pri-mária em 1975, formando a base do ProgramaNacional de Saúde Mental formulado em 1982.

Actualmente, o Governo apoia 25 programas denível distrital em 22 estados2. No Camboja, oMinistério da Saúde treinou um grupo nuclear depessoal em saúde mental comunitária, e esse gru-po por sua vez preparou pessoal médico geral se-leccionado em hospitais distritais3. Na RepúblicaIslâmica do Irão, os esforços no sentido de inte-grar os cuidados em saúde mental tiveram iníciona década de 1980, e o programa, desde então,foi ampliado para todo o país, com serviços quehoje cobrem cerca de 20 milhões de pessoas4.Foram adoptadas abordagens semelhantes porpaíses como o Afeganistão, a Malásia, o Marrocos,o Nepal, o Paquistão5, a Arábia Saudita, a Áfricado Sul, a República Unida da Tanzânia e o Zim-babué. Foram realizados alguns estudos para ava-liar o impacte da integração, mas há uma neces-sidade urgente de outros.

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no âmbito dos dispositivos públicos, eles podem resultar em desequilíbrio en-tre entradas e dificultar a resposta a mudanças na procura ou necessidade.

Apesar da ausência de provas, é justificado dizer que tais problemas prova-velmente não poderiam ser minimizados atribuindo-se verbas globais quer aosorganismos compradores que podem subcontratar quer aos serviços individuais.As vantagens de orçamentos desse tipo são a simplicidade administrativa, oestímulo à participação de múltiplos organismos na tomada de decisões, oincentivo à inovação por via da flexibilidade financeira e incentivos aosprestadores de cuidados primários de saúde para que colaborem com osprestadores de cuidados em saúde mental e proporcionem cuidados ao nívelprimário.

Se, porém, o orçamento não é preparado de acordo com o uso final e nãoexiste protecção específica para determinados serviços, a parcela que toca àsaúde mental pode continuar a ser muito pouco elevada, devido à aparentebaixa prioridade e à falsa impressão de que a saúde mental não é importante.Observa-se particularmente esse risco quando a intenção é reformar e ampliaros serviços de saúde mental em relação a serviços mais estabelecidos e bemfinanciados. Para reduzir esse risco, pode-se atribuir um montante específico àsaúde mental, o qual não possa ser facilmente desviado para outros usos, masainda concedendo aos gerentes de serviços de saúde uma certa flexibilidade nadeterminação de prioridades entre problemas e tratamentos. Essa forma de«pré-distribuição» dos recursos para a saúde mental pode ser usada para ga-rantir a sua protecção e estabilidade por algum tempo. De um modo particu-lar, para países que têm actualmente um mínimo de investimentos em serviçosde saúde mental, essa pré-distribuição pode ser pertinente para a indicação daprioridade atribuída à saúde mental e no arranque dos programas de saúdemental. Isso não deve implicar necessariamente um abandono da organizaçãodos serviços, nem deve impedir que os departamentos de saúde mental rece-bam o seu quinhão dos fundos adicionais que se tornem disponíveis para asaúde.

A garantia da disponibilidadede medicamentos psicotrópicos

A OMS recomenda um conjunto limitado de fármacos essenciais para otratamento e controlo de perturbações mentais e comportamentais através dasua lista de medicamentos essenciais. É comum, porém, verificar que muitosdesses fármacos não estão disponíveis nos países em desenvolvimento. Dadosdo Projecto Atlas mostram que cerca de 25% dos países não acusam disponi-bilidade de medicamentos antipsicóticos, antidepressivos e antiepilépticos re-ceitados comummente no nível primário de cuidados.

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É preciso que os Governos assegurem a atribuição de fundos suficientespara a compra dos psicotrópicos básicos essenciais e a sua distribuição entreos diferentes níveis de cuidados, de acordo com a política adoptada. Ondeexiste política de cuidados comunitários e integração nos serviços gerais desaúde, é necessário não só que sejam disponibilizados medicamentos essen-ciais naqueles níveis como também que os trabalhadores de saúde desses ní-veis tenham autorização para administrar os medicamentos. Mesmo em paísesonde foi adoptada a abordagem dos cuidados primários para o controlo deproblemas mentais, um quarto não conta com os três fármacos essenciais parao tratamento de epilepsia, depressão e esquizofrenia disponíveis no nível pri-mário. Os medicamentos podem ser comprados sob nomes genéricos, de orga-nizações sem objectivo de lucro como a ECHO (Equipment for CharitableHospitals Overseas) e a Divisão de Abastecimento do UNICEF em Copenhaga,que fornece medicamentos de boa qualidade a preços baixos. Além disso, aOMS e a Management Sciences for Health (2001) publicam um guia anualindicador de preços de fármacos essenciais, o qual inclui os endereços e ospreços de vários fornecedores conceituados de diferentes psicotrópicos, a pre-ços por grosso no mercado mundial sem fins lucrativos.

A criação de vínculos intersectoriais

Muitas perturbações mentais exigem soluções psicossociais. Assim, é pre-ciso estabelecer vínculos entre serviços de saúde mental e vários organismoscomunitários a nível local, para que a habitação apropriada, a ajuda financei-ra, os benefícios aos incapacitados, o emprego e outras formas de apoio sejammobilizados a favor dos doentes e visando implementar de modo mais eficazas estratégias de prevenção e reabilitação. Em muitos países pobres, a coope-ração entre sectores é muitas vezes visível a nível dos cuidados primários. NoZimbabué, a coordenação entre académicos, prestadores de serviço público erepresentantes da comunidade local ao nível dos cuidados primários levaramà formação de um programa baseado na comunidade para detectar, aconse-lhar e tratar mulheres com depressão. Na República Unida da Tanzânia, umaestratégia intersectorial resultou num programa agrícola inovador para a rea-bilitação de pessoas que sofrem de perturbações mentais e comportamentais(ver caixa 4.8).

A escolha de estratégias de saúde mental

Seja qual for a situação económica de um país, haverá sempre a impressãode que são muito poucos os recursos para financiar actividades, serviços e

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tratamentos. Para a saúde mental, como para a saúde em geral, há que fazerescolhas entre um grande número de serviços e uma ampla gama de estratégiasde prevenção e promoção. Essas escolhas terão, naturalmente, diferentes efei-tos em diferentes condições de saúde mental e diferentes grupos populacionaisnecessitados. É importante, porém, reconhecer que será preciso, em últimaanálise, fazer escolhas dentro das estratégias chaves de referência a fazê-lasdentro das perturbações específicas.

É consideravelmente limitado o que se sabe sobre os custos e resultados dediferentes intervenções, particularmente em países pobres. Onde existem ele-mentos de avaliação, é preciso agir com muita cautela na aplicação de conclu-sões a contextos diferentes daqueles que os geraram: pode haver grandes dife-renças de custo e muitos e muitos resultados, dependendo da capacidade dosistema de saúde para efectivar a intervenção. Ainda que se soubesse mais, nãoexiste uma fórmula simples para determinar que intervenções devem serenfatizadas, e muito menos para determinar o montante a ser gasto em cadauma delas. O gasto privado e do próprio bolso não está sob o controlo denenhuma pessoa, excepto o do consumidor, e o reembolso privado dos gastoscom cuidados de saúde mental é muito baixo em quase todos os países.

Para os Governos, a decisão crucial está em como usar os fundos públicos.A eficácia/custo é uma consideração importante em diversas circunstâncias,mas nunca é o único critério importante. O financiamento público deve tam-bém ter em conta se uma intervenção é um bem público ou parcialmente públi-co, isto é, se impõe custos ou confere benefícios a outras pessoas além daquelasque recebem o serviço. Embora seja desejável a maximização da eficiência na

Na República Unida da Tanzânia, as vilas agrícolaspara reabilitação psiquiátrica encerram uma res-posta intersectorial das comunidades locais, do sec-tor de saúde mental e do curandeirismo tradicionalao tratamento e reabilitação de pessoas com doen-ças mentais graves em áreas rurais1. Os doentes efamiliares vivem com a população existente de umaaldeia de agricultores, pescadores e artesãos e sãotratados tanto pelo sector médico como pelos curan-deiros tradicionais. Enfermeiros de saúde mental,assistentes de enfermagem e artesãos locais super-visionam as actividades terapêuticas; um psiquia-tra e um assistente social encarregam-se da assis-

1 Kilonzo, G. P.; Simmons, N. (1998). «Development of mental health services in Tanzania: a reappraisal for the future».Social Science and Medicine, 47: 419-428.

Caixa 4.8. Vínculos intersectoriais para a saúde mental.

tência e das consultas semanais; e o envolvimentode curandeiros tradicionais depende das necessi-dades expressas de cada doente e dos seus fami-liares. Há também planos para uma colaboraçãomais formal entre os sectores tradicionais e o dasaúde mental, incluindo reuniões e seminários regu-lares. Curandeiros tradicionais têm participado emprogramas de preparação de saúde mental comu-nitária e compartilhado os seus conhecimentos eaptidões no tratamento de doentes; eles poderiamdesempenhar um papel cada vez maior no controlode perturbações relacionadas com o stress nacomunidade.

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distribuição de recursos, os Governos terão de abrir mão de alguns ganhos deeficiência para redistribuir recursos na procura da equidade.

Embora a avaliação dos serviços de saúde mental e a tomada de decisõespertinentes à despesa pública devam ser feitas, via da regra, da mesma formaque para os outros serviços de saúde, pelo menos uma parte das intervençõesde saúde mental têm características que as tornam claramente diferentes. Umaé o facto de que o controlo de certas perturbações mentais pode ter efeitosbenéficos significativos. Ao contrário dos efeitos externos do controlo dasdoenças transmissíveis, em que o tratamento de um caso pode permitir queoutros sejam evitados, e da imunização da maioria da população susceptível,que protege também os não vacinados, os benefícios dos cuidados em saúdemental manifestam-se muitas vezes noutras esferas que não a da saúde, como,por exemplo, na forma de uma redução dos acidentes e lesões no caso doconsumo de álcool, ou de uma diminuição do custo de certos serviços sociais.Uma análise de eficácia/custo não pode ter em conta esses efeitos, cuja detec-ção só é possível num estudo do benefício social global dos ganhos obtidos naesfera da saúde tanto como das não relacionadas com a saúde.

Outra diferença possivelmente significativa vem da natureza crónica decertas perturbações mentais. Isso torna-as – como certas patologias clínicas eao contrário das necessidades médicas agudas e imprevisíveis – difíceis de co-brir com seguros privados e por isso mesmo particularmente apropriadas parao seguro público, seja este explícito (na forma de previdência social) ou implí-cito (através dos impostos gerais). Finalmente, enquanto muitos problemas desaúde contribuem para a pobreza, as perturbações mentais de longa duraçãoestão particularmente associadas com a incapacidade de trabalhar e, conse-quentemente, com a pobreza, razão pela qual se torna necessário dar ênfaseaos cuidados aos pobres nos orçamentos para os serviços de saúde mental.

Por mais difícil que possa ser a dedução de prioridades da variedade de crité-rios relevantes, qualquer consideração racional dos problemas acima menciona-dos oferece a oportunidade de melhorar a distribuição arbitrária ou simplesmentehistórica de recursos. Isso é particularmente verdadeiro quando se quer dar aoscuidados de saúde mental um volume substancialmente maior de recursos públi-cos: a expansão em proporções iguais do que é actualmente financiado teria pou-cas probabilidades de ser eficiente ou equitativa. A distribuição com base nasnecessidades é um modo mais equitativo de repartir recursos, mas pressupõe umaconcordância quanto à definição de «necessidade». Além disso, as necessidadesem si mesmas não constituem prioridades, porque nem toda a necessidade corres-ponde a uma intervenção eficaz – descontado o facto de que pode não havercoincidência entre aquilo que as pessoas necessitam e aquilo que reclamam. Isso jáconstitui um problema no caso de doenças físicas, quando o consumidor temcompetência para expressar as suas exigências, e torna-se ainda mais complicadoquando aquela competência é limitada por alguma perturbação mental.

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Como já foi acentuado, o financiamento atribuído à saúde mental tem deser realmente destinado a serviços, e isso pode depender de como os fundossão organizados por meio de orçamentos ou acordos de compra. Uma técnicapara chegar a essa conexão é especificar certos serviços de saúde mental esco-lhidos com base nos critérios ainda agora descritos, como parte de um pacotegeral de intervenções básicas ou essenciais que o sector público promete finan-ciar efectivamente, seja ou não especificada no orçamento a quantia a ser apli-cada em cada um desses serviços. Em princípio, poder-se-ia usar a mesmaabordagem na regulamentação dos seguros privados, exigindo que as segura-doras incluam certos serviços de saúde mental no pacote básico coberto portodas as apólices dos clientes. Como as seguradoras têm um estímulo fortepara escolher clientes com base no risco (e os potenciais clientes têm um forteincentivo para ocultar os seus riscos conhecidos e comprar seguro contra eles),é muito mais difícil impor essa fórmula no sector privado do que no público.Ainda assim, certos países – o Brasil e o Chile são exemplos entre os países derendimento médio – exigem que as seguradoras privadas ofereçam os mesmosserviços que são garantidos pelo financiamento público. É duvidoso que essaopção seja viável em muitos países mais pobres, dada a cobertura muito maisbaixa dos seguros privados e a capacidade menor do Governo para regula-mentar. Decidir até que ponto se devem impor prioridades públicas a pagado-res e prestadores privados é sempre uma questão complexa, talvez ainda maisno caso de problemas mentais do que no de perturbações físicas. Dados doAtlas indicam que o seguro como fonte primária de financiamento de cuida-dos em saúde mental só está presente num quinto dos países.

Compra ou prestação de serviços:os papéis dos sectores público e privado

As considerações acima referidas põem em destaque o papel financeiro dosector público mesmo quando este entre com apenas uma pequena parcela dogasto total, porque é aí que se afigura mais fácil efectivar a reforma da saúdemental e porque certos aspectos dos serviços de saúde mental são particular-mente apropriados para o financiamento público. Não existe, porém, conexãonecessária entre dinheiros públicos e prestação pública, embora a maioria dosGovernos gaste tradicionalmente a maior parte ou a totalidade dos fundospara a saúde nas suas instituições prestadoras próprias. Uma vez que a vira-gem para a descentralização, como também a concessão a dependências públi-cas de um monopólio dos recursos públicos, remove qualquer incentivo com-petitivo à eficiência ou a serviços mais sensíveis às necessidades dos doentes,observa-se nos países um crescente desnivelamento entre a compra e a presta-ção de serviços (OMS, 2000c, Capítulo 3).

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Embora sejam claros os benefícios teóricos da introdução de mais concor-rência e regulamentação como meio de substituir a prestação pública directa,ainda são escassos os indícios do êxito de tais disposições. Muitas vezes, fal-tam nos países em desenvolvimento os recursos e a experiência para regula-mentar acordos contratuais entre adquirentes e prestadores de cuidados desaúde e para forçar a prestação dos serviços ajustados no contrato quando háa percepção de que o prestador está a dar uma fraca prioridade aos serviços.Sem esses controlos, há um grande potencial para o desperdício e mesmo afraude. Se é esse o caso nos contratos com prestadores de serviços cobrindoserviços gerais de saúde, pode ser ainda mais difícil contratar a prestação efi-caz de serviços de saúde mental, dada a grande dificuldade de aferir os resulta-dos. Em países onde antes não existiam serviços de saúde mental ou os quehavia eram prestados directamente pelo Ministério da Saúde, pode haver ne-cessidade de um contrato minucioso em separado para os serviços de saúdemental. Por todas essas razões, a separação entre financiamento e prestaçãodeve ser abordada com cautela quando estão em consideração serviços de saú-de mental. Não obstante, convém considerá-la sempre que existam prestadoresnão-governamentais ou de Governos locais com capacidade para assumir aprestação e haja capacidade suficiente para fiscalizá-los. Em muitos países, asdependências de saúde ambulatórias públicas não prestam serviços de saúdemental devido à ênfase dada pelo financiamento aos cuidados em regime deinternamento hospitalar. Devido a isso, é possível que a separação entre finan-ciamento e prestação seja especialmente vantajosa como meio de promover atransferência desejável dos hospitais psiquiátricos públicos para os cuidadosproporcionados na comunidade. A mudança das prioridades orçamentais pú-blicas, sem envolver prestadores não-governamentais, pode ser mesmo essen-cialmente impossível, devido à resistência interna à inovação e à falta de apti-dões e de experiência necessárias.

Onde existe prestação privada substancial, paga em carácter privado, semfinanciamento nem regulamentação pública, manifestam-se vários problemasque requerem o exercício de poderes tutelares. Provavelmente, existirá umsistema inadequado de referência entre prestadores de serviços de saúde men-tal não sujeitos a regulamentação, tais como curandeiros tradicionais e servi-ços ambulatórios de saúde mental localizados em hospitais de cuidados pri-mários e distritais. Os pobres podem consumir grande quantidade de cuidadosde saúde mental de baixa qualidade, concedidos por prestadores não sujeitos aregulamentos, tais como vendedores de medicamentos, curandeiros tradicio-nais e terapeutas não habilitados. Quando o departamento de saúde governa-mental não tem capacidade para forçar a observância do regulamento dosserviços ambulatórios privados, os utentes ficam sujeitos à exploração finan-ceira e a procedimentos ineficazes para o tratamento de perturbações mentaisque não são tidos em conta pelo sistema público de saúde. Contratos para

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prestadores primários e secundários, a adopção de directrizes relativas aositens e custos dos serviços e a creditação de diferentes prestadores de cuidadosambulatórios de saúde mental, são algumas das possíveis respostas a essesproblemas, que não requerem que o Governo gaste muito nem que assuma atotal responsabilidade pela prestação dos serviços.

Os Governos deveriam considerar também a regulamentação de gruposespecíficos de prestadores dentro do sector informal da saúde, como os curan-deiros tradicionais, por exemplo. Essa regulamentação poderia incluir a intro-dução do registo de praticantes para proteger os doentes contra intervençõesnocivas e impedir a fraude e a exploração financeira. Tem-se vindo a observarum progresso considerável na integração da medicina tradicional na políticageral de saúde na China, no Vietname e na Malásia (Bodekar, 2001).

Os cuidados administrados (Managed Care), o sistema de prestação de ser-viços de cuidados de saúde com grande popularidade nos EUA, combina afunção de aquisição e o financiamento dos cuidados de saúde para grupospopulacionais definidos. Uma grande preocupação está na possibilidade de oscuidados administrados se concentrarem mais na redução de custos do que naqualidade dos serviços, bem como a de que ela transfira os custos dos cuida-dos para aqueles que não podem pagar seguros, do sistema de saúde públicapara as famílias ou instituições beneficentes (Hoge e col., 1998; Gittelman,1998). No caso das perturbações mentais e comportamentais, os esforços atéagora empregues pelos cuidados administrados não conseguiram dar aindauma resposta adequada à necessidade de tratamento médico combinado como apoio social de longa duração e uma estratégia de reabilitação, embora te-nham ocorrido algumas excepções dignas de nota. Além disso, a perícia, asaptidões e a abrangência dos serviços de um sistema de cuidados administra-dos estão muito além da capacidade actual da maioria dos países em desenvol-vimento (Talbott, 1999).

Formação de recursos humanos

Nos países em desenvolvimento, a carência de especialistas e trabalhadoresde saúde com os conhecimentos e aptidões necessárias para o tratamento deperturbações mentais e comportamentais constitui uma significativa barreiraà prestação de tratamento e cuidados.

Para que os sistemas de saúde possam avançar, será preciso investir tempoe energia na avaliação do número e dos tipos de profissionais e trabalhadoresnecessários nestes próximos anos. A proporção de especialistas em saúde men-tal entre os trabalhadores em saúde geral varia de acordo com os recursosexistentes e as abordagens dos cuidados. Com a integração dos cuidados emsaúde mental no sistema de saúde geral, aumentará a procura de generalistas

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com preparação em saúde mental e diminuirá a de especialistas, embora devaperdurar a necessidade de uma massa crítica de especialistas em saúde mentalpara ministrar o tratamento eficaz e evitar tais perturbações.

Há uma considerável disparidade quanto ao tipo e aos números na forçatrabalhadora em saúde mental em todo o mundo. O número médio de psiquia-tras varia de 0,06 por 100 000 habitantes em países de baixos rendimentos a9 por 100 000 em países de rendimento elevado (figura 4.4). No caso dosenfermeiros psiquiátricos, a média varia de 0,1 por 100 000 em países debaixos rendimentos a 33,5 por 100 000 em países de rendimento elevado(figura 4.5). Em quase metade do mundo, há menos de um neurologista porcada milhão de habitantes. Ainda pior é a situação quanto a prestadores decuidados para crianças e adolescentes.

A mão-de-obra de saúde com probabilidades de se envolver na saúde mentalconsiste em clínicos gerais, neurologistas e psiquiatras, pessoal de cuidados pri-mários de saúde e comunitários, profissionais de saúde equiparados (tais comoenfermeiros, terapeutas ocupacionais, psicólogos e assistentes sociais) e outrosgrupos tais como o clero e os curandeiros tradicionais. Os curandeiros tradicio-nais constituem a principal fonte de assistência para pelo menos 80% das popu-lações rurais dos países em desenvolvimento. Eles podem actuar comolocalizadores de casos activos, assim como podem facilitar o encaminhamento e

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proporcionar o aconselhamento, a monitorização e os cuidados de acompanha-mento. A adopção de um sistema de cuidados integrados com base na comuni-dade imporá uma redefinição dos papéis de muitos prestadores de cuidados desaúde. Um trabalhador em cuidados gerais de saúde pode ter agora a responsa-bilidade adicional pela identificação e pelo controlo de perturbações mentais ecomportamentais na comunidade, inclusive a triagem e a intervenção precoceem perturbações por utilização de tabaco, álcool e outras drogas, e o psiquiatraque antes trabalhava numa instituição pode ter necessidade de fornecer maispreparação e supervisão ao ser transferido para um contexto comunitário.

Com a transferência das responsabilidades de gestão e administração parao nível local, a descentralização dos serviços de saúde mental também temprobabilidades de exercer impacte nas funções e responsabilidades. Aredefinição de funções tem de ser explícita, a fim de assegurar uma adopçãomais pronta das novas responsabilidades. Será também preciso preparaçãopara conferir as aptidões necessárias para o desempenho das novas funções eresponsabilidades. Sem dúvida, a mudança de papéis trará à tona questões depoder e de controlo, as quais actuarão como barreiras à mudança. Por exem-plo, os psiquiatras percebem e resistem à sua perda de poder quando é dada aoutros trabalhadores de saúde menos experimentados a autoridade para lidarcom perturbações mentais.

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Nos países tanto desenvolvidos como em desenvolvimento, é necessárioactualizar os currículos das escolas de medicina para assegurar que todos osmédicos que se formem estejam aptos para diagnosticar e tratar pessoas quesofrem de perturbações mentais. O Sri Lanka ampliou recentemente a duraçãoda formação em psiquiatria e incluiu-a como matéria sujeita a exame final naformação médica. Os profissionais de saúde equiparados, tais como enfermei-ros e assistentes sociais, necessitam de preparação para compreender as per-turbações mentais e comportamentais e a variedade de opções de tratamentodisponíveis, concentrando-se nas áreas mais relevantes para o seu trabalho nocampo. Todos os cursos devem incorporar a aplicação de estratégias psicoló-gicas assentes em bases factuais e no fortalecimento das aptidões nas áreas degestão e administração, formulação de políticas e métodos de pesquisa. Nospaíses em desenvolvimento, nem sempre estão disponíveis oportunidades edu-cacionais de nível mais elevado; em vez disso, a formação muitas vezes é pro-curada noutros países. Isso nem sempre tem dado resultados satisfatórios:muitos dos que vão estudar no exterior não regressam aos seus países, e comisso a sua perícia fica perdida para a sociedade em desenvolvimento. É precisodar uma solução durável a esse problema, mediante o estabelecimento de cen-tros de qualidade superior para formação e educação dentro dos países.

Uma abordagem promissora é o uso da Internet para levar preparação eouvir o parecer de especialistas em questões de diagnóstico e controlo. O aces-so à Internet tem vindo a crescer rapidamente nos países em desenvolvimento.Há três anos, só 12 países da África tinham acesso à Internet; actualmente,esse acesso está disponível em todas as capitais africanas. Hoje, a formaçãoprecisa de incluir o uso da tecnologia da informação (Fraser e col., 2000).

Promoção da saúde mental

Está disponível toda uma série de estratégias para melhorar a saúde mentale prevenir perturbações mentais. Essas estratégias podem também contribuirpara a redução de outros problemas, tais como a delinquência juvenil, os maustratos das crianças, a desistência escolar e as perdas de dias de trabalho devi-das a doenças.

O ponto de partida mais apropriado para a promoção da saúde mental depen-derá tanto das necessidades como do contexto social e cultural. O alcance e o níveldas actividades sociais variará dos níveis locais para os nacionais, assim comovariarão os tipos específicos de acções de saúde pública adoptadas (desenvolvi-mento de serviços, política, divulgação de informações, sensibilização etc.). En-contram-se adiante exemplos de diferentes pontos de partida para intervenções.

Intervenções orientadas para os factores que determinam ou mantêm asaúde debilitada. O desenvolvimento psicossocial e cognitivo dos lactentes e

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crianças pequenas depende da sua interacção com os seus pais. Programascapazes de fortalecer a qualidade dessas relações podem melhorar substancial-mente o desenvolvimento emocional, social, cognitivo e físico das crianças.Por exemplo, o programa Steps Toward Effective Enjoyable Parenting (STEEP),dos EUA, tinha por alvo mães primíparas e outras com problemas de criaçãode filhos, especialmente famílias com baixo nível de instrução (Erickson, 1989).Observaram-se indícios de redução da ansiedade e da depressão nas mães,vida familiar melhor organizada e a criação de ambientes mais estimulantespara as crianças.

Intervenções orientadas para grupos de população. Em 2025, haverá nomundo 1,2 biliões de pessoas com mais de 60 anos, quase três quartos delasnos países em desenvolvimento. Para ser uma experiência positiva, porém, épreciso que o envelhecimento seja acompanhado de melhoramentos na quali-dade de vida daqueles que chegaram à velhice.

Intervenções orientadas para determinados contextos. É crucial o papeldas escolas na preparação das crianças para a vida, mas elas precisam de terum envolvimento maior no fomento de um desenvolvimento social e emocio-nal saudável. Ensinar aptidões para a vida tais como a resolução de proble-mas, o raciocínio crítico, a comunicação, as relações interpessoais, a empatia eos métodos para fazer face às emoções, permitirá às crianças e aos adolescen-tes desenvolver uma saúde mental firme e positiva (Mishara e Ystgaard, 2000).

Uma política escolar amiga da criança, que incentive a tolerância e a igualda-de entre meninos e meninas e entre diferentes grupos étnicos, religiosos e sociaispromoverá um ambiente psicológico sadio (OMS, 1990). Promoverá também aparticipação activa e a cooperação, evitará o uso de castigos físicos e não tolera-rá a bravata intimidante. Além disso, ajudará a estabelecer vínculos entre a vidaescolar e familiar, estimulará a criatividade tanto como as aptidões académicase promoverá a auto-estima e a autoconfiança das crianças.

Sensibilização do público

De todas as barreiras a superar na comunidade, a mais importante é oestigma e a discriminação com ela associada para com pessoas que sofrem deperturbações mentais e comportamentais.

Para atacar o estigma e a discriminação é necessária uma abordagem emdiversos níveis, abrangendo a educação dos profissionais e trabalhadores desaúde, o encerramento de instituições psiquiátricas que servem para preservare reforçar o estigma, a prestação de serviços de saúde mental na comunidade ea implementação de leis para proteger os direitos dos doentes mentais. O com-bate ao estigma requer também campanhas de informação pública para educar

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e informar a comunidade sobre a natureza, o grau e o impacte das perturba-ções mentais, a fim de dissipar mitos comuns e incentivar atitudes e comporta-mentos mais positivos.

Papel dos veículos de comunicação de massas

Os diversos meios de comunicação de massas podem ser usados para fo-mentar atitudes e comportamentos mais positivos da comunidade para compessoas com perturbações mentais. Podem ser tomadas medidas para monito-rizar, remover ou impedir o uso de imagens, mensagens ou notícias dos meiosde comunicação que poderiam ter consequências negativas para as pessoasque sofrem de perturbações mentais e comportamentais. Os veículos dos meiosde comunicação podem também ser usados para informar o público, persua-dir ou motivar a mudança individual de atitudes e comportamentos e advogara mudança nos factores sociais, estruturais e económicos que afectam as per-turbações mentais e comportamentais. A publicidade comercial, embora custecaro, é útil para aumentar a consciência dos problemas e ocorrências, bemcomo para neutralizar concepções erradas. A propaganda é uma forma relati-vamente mais barata de criar notícias capazes de atrair a atenção do público ede configurar os problemas e acções de modo a conseguir a sensibilização. Acolocação de mensagens de saúde ou sociais nos veículos de entretenimento éútil para promover mudanças de atitudes, crenças e condutas.

Entre os exemplos de campanhas de informação pública que fizeram usodos meios de comunicação para vencer o estigma contam-se «Changing minds– every family in the land», do Royal College of Psychiatrists do Reino Unido,e a campanha «Open the doors», da Associação Mundial de Psiquiatria (vercaixa 4.9).

A Internet é um poderoso instrumento para a comunicação e o acesso ainformações sobre saúde mental. Ela tem vindo a ser usada cada vez mais comomeio de informar e educar doentes, estudantes, profissionais de saúde, gruposde utentes, organizações não-governamentais e a população em geral sobre saú-de mental; para promover encontros de ajuda mútua e grupos de discussão; epara proporcionar cuidados clínicos. Com a Internet como fonte de informação,a comunidade terá mais conhecimentos e, por isso mesmo, expectativas maioresem relação ao tratamento e cuidados que recebe dos prestadores. Do lado nega-tivo, elas terão de analisar e compreender uma enorme quantidade de publica-ções complexas, com diferentes graus de exactidão (Griffiths e Christensen, 2000).Os utilizadores da Internet contarão cada vez mais com a possibilidade de ga-nhar acesso fácil a tratamentos e consultas com profissionais de saúde, inclusiveprestadores de cuidados em saúde mental, variando das indagações simples àsconsultas em vídeo mais complexas ou à telemedicina.

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Os grandes desafios estão no uso dessa tecnologia da informação para be-neficiar a saúde mental nos países em desenvolvimento. Isso requer melhoriado acesso à Internet (de um total de 700 milhões de pessoas em África, menosde um milhão tem esse acesso) e a disponibilidade de informações sobre saúdemental em diversos idiomas.

Uso de recursos da comunidadepara estimular mudanças

Embora o estigma e a discriminação tenham origem na comunidade, nãose deve esquecer que a comunidade pode também ser um importante recurso econtexto para atacar as suas causas e efeitos e, de um modo mais geral, paramelhorar o tratamento e os cuidados proporcionados a pessoas que sofrem deperturbações mentais e comportamentais.

«Open the doors» é o primeiro programa de carác-ter global já lançado para combater o estigma e adiscriminação associados com a esquizofrenia. Lan-çado pela Associação Psiquiátrica Mundial em19991,2, o programa tem como finalidade aumentara consciência e o conhecimento da natureza da es-quizofrenia e das opções de tratamento, melhoraras atitudes do público para com as pessoas quetêm ou tiveram esquizofrenia e as suas famílias; egerar acções para eliminar o estigma, a discrimi-nação e o preconceito.A Associação produziu um guia minucioso para aformulação de um programa de combate ao estig-ma, e divulga notícias sobre a experiência de paí-ses que adoptaram o programa, além de coligirinformações de todo o mundo sobre outros esfor-ços contra o estigma. O material foi testado na Ale-manha, Áustria, Canadá, China, Egipto, Espanha,Grécia, Índia e Itália, e outros lugares estão a co-meçar também a trabalhar com o programa. Emcada um desses lugares, formou-se um grupo doprograma incluindo representantes do Governo e

de organizações não-governamentais, jornalistas,profissionais dos cuidados de saúde, membros deorganizações de doentes e familiares, assim comooutros empenhados em combater o estigma e adiscriminação. Os resultados dos programas de dife-rentes países são inseridos na base de dados glo-bal, para que esforços futuros beneficiem da expe-riência anterior. Além disso, a Associação produziuum apanhado das mais recentes informações dis-poníveis sobre diagnóstico e tratamento de esqui-zofrenia, bem como estratégias para a reintegra-ção de indivíduos afectados na comunidade.O estigma ligado à esquizofrenia cria um círculovicioso de alienação e discriminação – levando aoisolamento social, à incapacidade para o trabalho,ao abuso do álcool e das drogas, à falta de abrigoou à institucionalização excessiva – diminuindoassim as possibilidades de recuperação e vida nor-mal. «Open the doors» – abrir as portas – permitiráàs pessoas com esquizofrenia voltar para as suasfamílias, para a escola e para o local de trabalho, eenfrentar o futuro com esperança.

Caixa 4.9. Não ao estigma.

1 Sartorius, N. (1997). «Fighting schizophrenia and its stigma. A new World Psychiatric Association educationalprogramme». British Journal of Psychiatry, 170: 297.2 Sartorius, N. (1998a). «Stigma: what can psychiatrists do about it?» The Lancet, 352(9133): 1058-1059.

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O papel da comunidade pode variar da promoção do esforço individual eda ajuda mútua ao exercício de pressão em prol de mudanças nos cuidados enos recursos para a saúde mental, ao desenvolvimento de actividades educativas,à participação na monitorização e avaliação dos cuidados e à defesa de mudan-ças de atitudes e redução do estigma.

As organizações não-governamentais também são valiosas como recursocomunitário para a saúde mental. Elas mostram-se muitas vezes mais sensíveisàs realidades locais do que aos programas centralizados, além de demonstra-rem, geralmente, um decidido empenho a favor da inovação e da mudança.Organizações não-governamentais internacionais ajudam no intercâmbio deexperiências e funcionam como grupos de pressão, ao passo que organizaçõesnão-governamentais dos países são responsáveis por muitos dos programas esoluções inovadoras a nível local. Muitas vezes, na ausência de um sistema desaúde mental formal ou que funcione bem, elas desempenham um papel extre-mamente importante, cobrindo a lacuna entre as necessidades da comunidadee os serviços e estratégias comunitárias disponíveis (ver caixa 4.10).

Têm-se projectado organizações de utentes como uma força vigorosa, sonorae activa, não raras vezes insatisfeita com a prestação estabelecida de cuidadose tratamento. Essas organizações têm tido uma actuação decisiva na reformada saúde mental (OMS, 1989). Existe hoje, em muitas partes do mundo, umgrande número de associações de utentes com interesses, compromissos eenvolvimento na área da saúde mental. Vão elas dos agrupamentos informaissem compromisso às organizações maduras, formadas constitucional e legal-mente. Embora tenham alvos e objectivos diferentes, todas defendem com vigoro ponto de vista dos utentes.

As autoridades responsáveis pela prestação de serviços, tratamento e cui-dados são chamadas à responsabilidade perante os utentes do sistema. Umpasso importante para conseguir a responsabilização é envolver os utentes nacriação de serviços, na revisão de padrões hospitalares e na formulação eimplementação de políticas e leis.

Em muitos países em desenvolvimento, as famílias desempenham um papelchave nos cuidados dos doentes mentais e são, em muitos aspectos, asprestadoras de cuidados primários. Com o encerramento gradual dos hospi-tais psiquiátricos em países com sistemas de cuidados desenvolvidos, as res-ponsabilidades também estão a ser transferidas para as famílias. Estas podemter um impacte positivo ou negativo em função da sua compreensão, conheci-mento, aptidões e capacidade de prestar cuidados às pessoas afectadas porperturbações mentais. Por estas razões, uma estratégia importante, baseada nacomunidade, é a de ajudar as famílias a compreender as doenças, a estimular aadesão à medicação, a reconhecer os primeiros sinais de recorrência e a asse-gurar a pronta resolução de crises. Isso resultará numa melhor recuperação ereduzirá a incapacidade social e pessoal. Enfermeiros visitantes comunitários e

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outros trabalhadores de saúde podem desempenhar uma importante funçãode apoio, assim como o podem fazer as redes de grupos de ajuda mútua paraas famílias e o apoio financeiro directo.

Vem a propósito um par de observações cautelares. Primeiro, a erosão dafamília extensa nos países em desenvolvimento, combinada com a migraçãopara as cidades, apresenta um desafio aos planejadores da utilização desterecurso para os cuidados aos doentes. Segundo, quando o ambiente familiarnão é propício aos cuidados de boa qualidade e ao apoio, e pode ser mesmoprejudicial, a solução familiar pode não ser uma opção viável.

A Iniciativa de Genebra sobre Psiquiatria foi funda-da em 1980 para combater o abuso político da psi-quiatria como instrumento de repressão. Apesar doseu nome, a iniciativa internacional tem sede naHolanda.A Sociedade Pan-Soviética de Psiquiatras eNeuropatologistas (SPPN), da antiga URSS, desli-gou-se da Associação Mundial de Psiquiatria (AMP)em princípios de 1983, em resposta a pressõesde campanhas da Iniciativa de Genebra, e em 1989o Congresso da AMP estabeleceu condições rigo-rosas para a sua readmissão. A Federação Russareconheceu que a psiquiatria tinha sido sujeita aabusos para fins políticos e convidou a AMP a en-viar uma equipa de observadores à Rússia. Aomesmo tempo, um número crescente de psiquia-tras procurou a Iniciativa de Genebra para pedirajuda na reforma dos cuidados em saúde mental.Naquela altura, a situação estava a mudar dra-maticamente: nos dois anos anteriores, pratica-mente todos os presos políticos tinham sido liber-tados das prisões, campos, exílio e hospitaispsiquiátricos.Entre 1989 e 1993, a Iniciativa concentrou-se empoucos países da Europa oriental, particularmentena Roménia e na Ucrânia. Tornou-se evidente queera necessária uma nova maneira de abordar omovimento de reforma da saúde mental. Emborahouvessem sido empreendidas muitas reformas em

toda a região e muitas pessoas tivessem adquiridonovos conhecimentos e aptidões, não existiam vín-culos entre os reformadores e havia falta de con-fiança e unidade. Com o apoio financeiro da Fun-dação Soros, foi organizada a primeira reunião deReformadores da Psiquiatria, em Bratislava,Eslováquia, em Setembro de 1993. Desde então,houve mais de 20 reuniões semelhantes da Rede.Hoje, a Rede de Reformadores liga cerca de 500reformadores da saúde mental em 29 países daEuropa central e oriental e os novos Estados inde-pendentes, e tem ligações com mais de 100 orga-nizações não-governamentais de saúde mental. Osseus membros são psiquiatras, psicólogos, enfer-meiros psiquiátricos, assistentes sociais, sociólo-gos, advogados, familiares de portadores de per-turbações mentais e um número cada vez maior deutentes de serviços de saúde mental. Graças prin-cipalmente a essa rede, a Iniciativa de Genebra ope-ra agora em mais de 20 países, onde administracerca de 150 projectos.A Iniciativa de Genebra bate-se pela melhoria estru-tural e assim concentra-se em programas interes-sados na reforma de políticas, cuidados ins-titucionais e educação. Ela procura combater ainércia, atingir a sustentabilidade e manter o finan-ciamento. No ano passado, a Iniciativa foi laureadacom o Prémio Genebra para Direitos Humanos emPsiquiatria.

Caixa 4.10. A Iniciativa de Genebra.

Podem-se encontrar mais informações sobre a Iniciativa no site da Internet http://www. geneva-initiative.org/geneva/index.htm

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A participação de outros sectores

As guerras, os conflitos, as catástrofes, a urbanização não planeada e apobreza são não só importantes determinantes das doenças mentais como tam-bém são barreiras significativas à redução do desnível de tratamento. Por exem-plo, as guerras e os conflitos podem destruir as economias nacionais e os siste-mas de saúde e previdência social, assim como podem traumatizar populaçõesinteiras. Com a pobreza vem o aumento da necessidade de serviços de saúde ecomunitários a par de verbas limitadas para o desenvolvimento de serviços desaúde mental abrangentes a nível nacional e uma redução da capacidade depagar por esses serviços a nível do indivíduo.

A política de saúde mental pode corrigir parcialmente os efeitos dosdeterminantes ambientais mediante o atendimento das necessidades especiaisdos grupos vulneráveis e a garantia da existência de estratégias para impedir aexclusão. Pelo facto, porém, de que muitos dos macrodeterminantes da saúdemental envolvem quase todos os departamentos do Governo, o grau da me-lhoria da saúde mental de uma população é também determinado, em parte,pelas políticas dos outros departamentos governamentais. Ou seja, outros de-partamentos do Governo são responsáveis por alguns dos factores pertinentesàs perturbações mentais e comportamentais e devem assumir a responsabili-dade por algumas das soluções.

A colaboração intersectorial entre departamentos do Governo é fundamentalpara que as políticas de saúde mental beneficiem dos grandes programas esta-tais (ver tabela 4.2). Além disso, torna-se necessária uma colaboração da saú-de mental para assegurar que todas as actividades e políticas do Governo con-tribuam para a saúde mental e não se levantem contra ela. Antes de serempostas em prática, as políticas devem ser analisadas em função das suas reper-cussões na saúde mental, e todas as políticas governamentais devem ter emconta as necessidades específicas e os problemas das pessoas que sofrem deperturbações mentais. Apresentaremos a seguir alguns exemplos.

Trabalho e emprego

O ambiente de trabalho deve ser livre de todas as formas de discriminaçãoassim como de assédio sexual. É conveniente definir condições de trabalhoaceitáveis e proporcionar serviços de saúde mental, directa ou indirectamente,através de programas de assistência aos empregados. As políticas devemmaximizar as oportunidades de emprego para toda a população e reter aspessoas na força trabalhadora, particularmente por causa da associação entreperda do emprego e aumento do risco de perturbação mental e suicídio. Otrabalho deve ser usado como mecanismo de reintegração na comunidade das

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pessoas com perturbações mentais. As pessoas com perturbações mentais gra-ves acusam taxas de desemprego mais altas do que as com deficiências físicas.A política do Governo pode ter uma influência significativa na prestação deincentivos para que os empregadores contratem pessoas com perturbaçõesmentais graves e na aplicação de uma política antidiscriminatória. Nalgunspaíses, os empregadores são obrigados a contratar uma certa percentagem depessoas deficientes como parte da sua mão-de-obra, e ficam sujeitos a multaquando não o fazem.

Comércio e economia

Algumas políticas económicas podem afectar negativamente os pobres ouresultar num aumento das taxas de perturbações mentais e suicídios. Muitas dasreformas económicas em curso nos países têm por objectivo principal a reduçãoda pobreza. Dada a associação entre pobreza e saúde mental, poder-se-ia espe-

Tabela 4.2 Colaboração intersectorial para a saúde mental.

Sector governamental Oportunidades para melhorar a saúde mental

Trabalho e emprego •

••

Criar um ambiente de trabalho positivo, livre de discriminação,com condições de trabalho aceitáveis e programas de assistênciaaos empregadosIntegrar pessoas com doenças mentais graves na força trabalhadoraAdoptar políticas que incentivem altos níveis de emprego, manteras pessoas na força de trabalho e assistir os desempregados

Comércio •

Adoptar políticas de reforma económica que reduzam tanto a pobrezarelativa como a pobreza absolutaAnalisar e corrigir qualquer impacte potencialmente negativo da reformaeconómica sobre as taxas de desemprego

Educação •

••

Pôr em prática políticas para evitar a desistência antes de terminadaa educação escolar secundáriaIntroduzir políticas antidiscriminatórias nas escolasIncorporar as aptidões no currículo, assegurar a existênciade escolas amigas da criançaConsiderar os requisitos das crianças com necessidades especiais,por exemplo, as que têm dificuldades de aprendizagem

Habitação ••

••

Dar prioridade ao alojamento de pessoas com perturbações mentaisEstabelecer dependências habitacionais(como habitações transitórias, por exemplo)Evitar discriminação na localização da habitaçãoEvitar a segregação geográfica

Serviçosde bem-estar social

Considerar a presença e a gravidade das doenças mentais como fatoresprioritários para receber benefícios da previcência socialEstabelecer benefícios disponíveis para membros da família quandoestes são os principais prestadores de cuidadosFormar o pessoal dos serviços de previdência social

Sistemade justiça criminal

••

••

Evitar a prisão injustificada de pessoas com perturbações mentaisDisponibilizar o tratamento de perturbações mentaise comportamentais dentro das prisõesReduzir as conseqüências do confinamento para a saúde mentalTreinar pessoal de todo o sistema de justiça criminal

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rar que essas reformas viessem a reduzir os problemas mentais. Contudo, asperturbações mentais estão relacionadas não só com os níveis absolutos de po-breza como também com a pobreza relativa. Os imperativos da saúde mentalsão claros: as desigualdades devem ser reduzidas como parte das estratégiaspara elevar os níveis absolutos de rendimentos.

Outro desafio são as possíveis consequências adversas da reforma econó-mica sobre os índices de emprego. Em muitos países onde uma grande reestru-turação económica está em curso, como, por exemplo, a Hungria (Kopp e col.,2000) e a Tailândia (Tangchararoensathien e col., 2000), a reforma causouuma elevada perda de empregos e aumentos correlativos das taxas de pertur-bações mentais e suicídios. Qualquer política económica que envolva uma rees-truturação deve ser avaliada em termos do seu impacte potencial sobre osíndices de emprego. Se houver consequências potencialmente adversas, seránecessário reconsiderar tais políticas ou adoptar estratégias para minimizar oseu impacte.

Educação

Um determinante importante da saúde mental é a educação. Embora osesforços actuais estejam concentrados no aumento do número de crianças quefrequentam e concluem o curso primário, o principal risco de saúde mentaltem mais probabilidades de resultar da falta de ensino secundário (10-12 anosde escola) (Patel, 2000). Assim, é preciso que as estratégias para a educaçãoprocurem impedir a desistência antes do fim do curso secundário. Há queconsiderar também a relevância do tipo de educação oferecido, a ausência dediscriminação na escola e as necessidades dos grupos especiais, como, porexemplo, as crianças com dificuldade para aprender.

Habitação

A política habitacional pode apoiar a política para a saúde mental dandoprioridade aos doentes mentais nos planos habitacionais estatais, instituindoesquemas de habitação subsidiada e, quando viável, exigindo que as autorida-des locais estabeleçam toda uma gama de dispositivos residenciais, tais comocasas transitórias e lares para estada prolongada. É preciso, e isto é muitoimportante, que a legislação sobre a habitação inclua disposições para impedira segregação geográfica das pessoas mentalmente doentes, o que exige disposi-ções específicas para impedir a discriminação na localização e distribuição dehabitações tanto como serviços de saúde para pessoas com perturbações men-tais.

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Outros serviços de previdência social

O tipo, a variedade e a extensão dos outros serviços de previdência socialvariam entre os países e dentro deles, e dependem, em parte, do nível de rendi-mentos e da atitude geral da comunidade perante os grupos necessitados.

As políticas que definem benefícios e serviços de previdência social devemincorporar diversas estratégias. Primeiro, a incapacidade resultante de umadoença mental deve ser um dos factores a ter em conta na fixação de priorida-des entre os grupos que recebem benefícios e serviços de previdência social.Segundo, em certas circunstâncias, os benefícios da previdência social devemser disponibilizados também para as famílias, a fim de proporcionar cuidadose apoio aos familiares que sofrem de perturbações mentais e comportamen-tais. Terceiro, o pessoal que trabalha nos vários serviços sociais precisa deestar equipado com aptidões e conhecimentos para reconhecer e ajudar aspessoas com perturbações mentais como parte do seu trabalho quotidiano. Deuma forma particular, é preciso que estejam em condições de avaliar quando ecomo os problemas mais graves devem ser encaminhados para os serviçosespecializados. Quarto, é necessário mobilizar benefícios e serviços para gru-pos com probabilidades de sofrer os efeitos negativos da implementação dapolítica económica.

Sistema de justiça criminal

Os portadores de perturbações mentais vêem-se muitas vezes em contactocom o sistema de justiça criminal. Em geral, observa-se nas prisões um númeroexcessivo de pessoas com perturbações mentais e de grupos vulneráveis, devi-do, na maioria dos casos, à falta de serviços, pelo facto de o seu comportamen-to ser encarado como perturbação da ordem e por causa de outros factores,tais como crimes relacionados com a utilização de drogas e a condução deveículos sob a influência do álcool. Será preciso adoptar políticas para evitar aprisão indevida de doentes mentais e para facilitar o seu encaminhamento outransferência para centros de tratamento. Além disso, o tratamento e os cuida-dos das perturbações mentais e comportamentais devem estar disponíveis, ro-tineiramente, dentro das prisões, mesmo quando a prisão não se justifica. Ospadrões internacionais aplicáveis ao tratamento de prisioneiros estão especifi-cados nas Normas Padrão Mínimas para Tratamento de Prisioneiros, que esti-pulam que todas as instituições devem contar com os serviços de pelo menosum médico habilitado, «que deve ter certos conhecimentos de psiquiatria»(adoptados pelo Primeiro Congresso dos Países Unidos para a Prevenção doCrime e o Tratamento dos Prisioneiros em 1955 e aprovados pelo ConselhoEconómico e Social em 1957 e 1977).

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A política referente ao confinamento de grupos vulneráveis precisa de serexaminada com referência ao aumento do risco de suicídio, e é preciso quehaja uma estratégia de preparação para melhorar os conhecimentos e as apti-dões do pessoal no sistema de justiça criminal, para que possa manejar asperturbações mentais e comportamentais.

Promoção da pesquisa

Embora o nosso conhecimento das perturbações mentais e comportamen-tais tenha crescido ao longo dos anos, existem ainda muitas variáveis desco-nhecidas que contribuem para o desenvolvimento de perturbações mentais, asua progressão e o seu tratamento eficaz. Alianças entre entidades de saúdepública e instituições de pesquisa em diferentes países facilitarão a formaçãode conhecimentos para ajudar a compreender melhor a epidemiologia das per-turbações mentais e a eficácia, a efectividade e a rendibilidade dos tratamen-tos, serviços e políticas.

Pesquisa epidemiológica

Os dados epidemiológicos são essenciais para a determinação de priorida-des no âmbito da saúde e no da saúde mental, bem como para projectar eavaliar intervenções de saúde pública. Ainda assim, é escassa a informaçãodisponível sobre a prevalência e a carga das grandes perturbações mentais ecomportamentais em todos os países, e especialmente nos em desenvolvimen-to. Assim também, há carência de estudos longitudinais que examinem a pro-gressão das grandes perturbações mentais e comportamentais e o seu relacio-namento com os determinantes psicossociais, genéticos, económicos e de outrostipos. A epidemiologia é também importante, entre outras coisas, como ins-trumento de sensibilização, mas o facto é que um grande número de países nãodispõe de dados para apoiar a promoção da saúde mental.

Pesquisa de resultados do tratamento,prevenção e promoção

Só será possível reduzir a carga das perturbações mentais e comportamen-tais se forem formuladas e disseminadas intervenções eficazes. Há necessidadede pesquisa para aperfeiçoar fármacos mais eficazes que sejam específicos naacção e tenham menos efeitos colaterais adversos; tratamentos psicológicos e

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comportamentais mais eficazes; e programas mais eficazes de prevenção e pro-moção. Há também a necessidade de pesquisa sobre a eficácia/custo dessestratamentos. São necessários mais conhecimentos para compreender que tra-tamento, isoladamente ou combinado com outro, dá melhores resultados, epara quem. Como a adesão ao tratamento ou a um programa de prevenção oupromoção pode afectar directamente os resultados, há também a necessidadede pesquisa para ajudar a compreender os factores que afectam essa adesão.Nisso se incluiria o exame de factores ligados às crenças, atitudes e comporta-mentos dos doentes e prestadores de cuidados; à própria perturbação mental ecomportamental; à complexidade do regime de tratamento; ao sistema de pres-tação de serviços, incluindo o acesso ao tratamento e a sua acessibilidade eco-nómica; e a certos determinantes gerais da saúde e das doenças mentais, comoa pobreza, por exemplo.

Continua a existir uma lacuna de conhecimentos no que toca à eficácia e àefectividade de toda uma série de intervenções farmacológicas, psicológicas epsicossociais. Ao passo que a pesquisa de eficácia se refere ao exame dos efei-tos de dada intervenção sob condições experimentais altamente controladas, apesquisa de efectividade investiga os efeitos das intervenções em contextos oucondições nos quais a intervenção virá a ser realmente levada a cabo. Quandoexiste uma base estabelecida de conhecimentos a respeito da eficácia dos trata-mentos, como é o caso de numerosos fármacos psicotrópicos, é preciso quehaja uma mudança de ênfase da investigação para a realização de pesquisas deeficácia. Além disso, há uma necessidade urgente de levar a cabo pesquisas deimplementação ou disseminação dos factores com maiores probabilidades defomentar a adopção e a utilização de intervenções efectivas na comunidade.

Pesquisa sobre políticas e serviços

Os sistemas de saúde mental estão a passar por grandes reformas em mui-tos países, tais como a desinstitucionalização, o desenvolvimento de serviçosbaseados na comunidade e a integração no sistema geral de saúde. É interes-sante assinalar que essas reformas foram inicialmente estimuladas por factoresideológicos, pelo desenvolvimento de novos modelos de tratamento farma-cológico e psicoterapêutico e pela crença de que as formas alternativas de tra-tamento comunitário seriam mais eficazes em relação ao custo. Felizmente,existe hoje uma base indicativa, derivada de numerosos estudos controlados, ademonstrar a eficácia desses objectivos políticos. Até agora, contudo, a maio-ria das investigações desenvolveu-se em países industrializados e há dúvidasquanto à viabilidade da generalização dos resultados para os países em desen-volvimento. Há, por isso, necessidade de pesquisas para orientar as activida-des de reforma nestes últimos países.

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Dada a importância crítica dos recursos humanos para a administração detratamentos e a prestação de serviços, é preciso que a pesquisa examine osrequisitos de preparação para os prestadores de cuidados em saúde mental.Existe, em particular, a necessidade de pesquisas controladas sobre o impactea longo prazo das estratégias de preparação e sobre a eficácia diferencial des-sas estratégias para diferentes prestadores de cuidados de saúde operando emdiferentes níveis do sistema de saúde.

Assim também, há a necessidade de pesquisa para compreender melhor oimportante papel desempenhado pelo sector informal e determinar se, como ede que maneira a participação dos curandeiros tradicionais pode melhorar ouafectar negativamente os resultados do tratamento. Por exemplo, como podeo pessoal dos cuidados primários aumentar a colaboração com curandeirostradicionais para melhorar o acesso, a identificação e o tratamento bem-suce-dido de pessoas que sofrem de perturbações mentais e comportamentais? Hánecessidade de mais pesquisas para compreender melhor os efeitos de diferen-tes tipos de decisões sobre políticas em relação ao acesso, equidade e resulta-dos do tratamento, tanto de carácter geral como para os grupos menos favore-cidos. Entre os exemplos de áreas para pesquisa contam-se o tipo de disposiçõescontratuais entre adquirentes e prestadores que poderia levar a uma prestaçãomelhor de serviços de saúde mental e a melhores resultados entre os doentes; oimpacte de diferentes métodos de reembolso aos prestadores sobre o acesso e ouso de serviços de saúde mental; e o impacte da integração das verbas para asaúde mental nos sistemas de financiamento geral da saúde.

Pesquisa económica

As avaliações económicas das estratégias de tratamento, prevenção e pro-moção fornecerão informações úteis para o apoio a um planeamento racionale a escolha de intervenções. Embora já tenham sido feitas algumas avaliaçõeseconómicas de intervenções de perturbações mentais e comportamentais (porexemplo, esquizofrenia, perturbações depressivas e demência), a avaliação eco-nómica das intervenções em geral tende a ser rara. Neste caso, também, amaioria esmagadora procede de países industrializados.

Existe em todos os países uma certa necessidade de mais pesquisas sobre oscustos das doenças mentais e para avaliações económicas dos programas detratamento, prevenção e promoção.

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Pesquisas em países em desenvolvimentoe comparações transculturais

Em muitos países em desenvolvimento, há uma carência visível de pesqui-sas científicas sobre epidemiologia da saúde mental; serviços, tratamento, pre-venção e promoção; e políticas. Sem tais pesquisas, não há base racional paraguiar a sensibilização pública, o planeamento e a intervenção (Sartorius, 1998b;Okasha e Karam, 1998).

Não obstante muitas similaridades entre os problemas e serviços de saúdemental em diferentes países, o contexto cultural em que ocorrem pode apre-sentar diferenças marcadas. Assim como os programas precisam de se adaptarà cultura local, assim também ocorre com a pesquisa. Não se devem importarinstrumentos e métodos de pesquisa de um país para outro sem uma cuidado-sa análise da influência e do efeito de factores culturais sobre a sua fiabilidadee validade.

A OMS formulou diversos instrumentos e métodos transculturais de pes-quisa, tais como o Exame da Condição Actual (ECA), o Sistema de AvaliaçãoGeral em Neuropsiquiatria (SCAN), o Diagnóstico Composto Internacionalpara Entrevistas (CIDI), o Self Reporting Questionnaire (SRQ), o InternationalPersonality Disorder Examination (IPDE), os Diagnostic Criteria for Research(IDC-10 DCR), o World Health Organization Quality of Life Instrument(WHO-QOL) e o World Health Organization Disability Assessment Schedule(WHO-DAS) (Sartorius e Janca, 1996). Estes e outros instrumentos científicosterão de ser mais aperfeiçoados para permitir comparações internacionais vá-lidas que possam ajudar a compreender os aspectos comuns e as diferenças nanatureza das perturbações mentais e seu controlo em diferentes culturas.

Uma lição dos últimos 50 anos é a de que atacar as perturbações mentaisrequer uma intervenção não só da saúde pública como também da ciência e dapolítica. O que se pode conseguir com uma boa política oficial de saúde publi-ca e uma boa ciência pode ser destruído pela política. Mesmo que haja apoiodo ambiente político para a saúde mental, ainda é necessário que a ciência façaavançar a compreensão das causas complexas das perturbações mentais e aper-feiçoar o seu tratamento.

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O CAMINHO A SEGUIR

É responsabilidade dos Governos dar prioridade à saúde mental. Alémdisso, para muitos países, é indispensável o apoio internacional para iniciarprogramas de saúde mental. As acções a serem adoptadas em cada paísdependerão dos recursos disponíveis e da situação actual dos cuidados emsaúde mental. Em geral, o relatório recomenda o seguinte: proporcionar otratamento de perturbações mentais no contexto dos cuidados primários;assegurar a disponibilidade de medicamentos psicotrópicos; substituir osgrandes hospitais mentais carcerários por serviços comunitários apoiadospor camas psiquiátricas em hospitais gerais e pela assistência domiciliária;lançar campanhas de consciencialização do público para superar o estigmae a discriminação; envolver comunidades, famílias e utentes na tomada dedecisões sobre políticas e serviços; estabelecer políticas, programas elegislação nacionais; preparar profissionais de saúde mental; vincular asaúde mental a outros sectores sociais; monitorizar a saúde mental; e apoiara pesquisa.

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O CAMINHO A SEGUIR5

Fornecer soluções eficazes

Este relatório mostrou que já houve consideráveis avanços na compreen-são da saúde mental e na sua relação inevitável com a saúde física. Esta novaconcepção confere um cunho não só desejável mas exequível à abordagem dasaúde mental pelo prisma da saúde pública.

Este relatório descreve também a magnitude e a carga das perturbaçõesmentais, demonstrando que elas são comuns – afectam pelo menos um quartodas pessoas em algum momento da sua vida – e ocorrem em todas as socieda-des. Demonstra também que as perturbações mentais são ainda mais comunsentre os pobres, os idosos, as populações afectadas por conflitos e catástrofese os que estão fisicamente doentes. A carga imposta a essas pessoas e às suasfamílias em termos de sofrimento humano, incapacidade e custos económicosé tremenda.

Há soluções eficazes disponíveis para as perturbações mentais. Graças aprogressos registados no tratamento médico e psicológico, a maioria dos indi-víduos e das famílias pode receber ajuda. Certas perturbações mentais podemser evitadas, e a maioria pode ser tratada. Uma política e uma legislaçãoesclarecidas sobre saúde mental – apoiadas pela formação de profissionais epelo financiamento suficiente e sustentável – podem contribuir para uma pres-tação apropriada de serviços aos que deles necessitam em todos os níveis doscuidados de saúde.

Só alguns países contam com recursos suficientes para a saúde mental. Ou-tros quase não os possuem. As já grandes desigualdades entre os países, e dentrodeles no que se refere aos cuidados de saúde em geral, são ainda agravadas em

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relação aos cuidados de saúde mental. As populações urbanas, e particular-mente os ricos, gozam de melhores condições de acesso, ficando os serviçosessenciais fora do alcance das grandes populações. E para os doentes mentais,as violações dos direitos humanos são ocorrências corriqueiras.

Existe uma necessidade visível de iniciativas globais e nacionais para fazerface a esses problemas.

As recomendações aqui contidas para a acção baseiam-se em dois níveis deevidência. O primeiro é a experiência cumulativa do desenvolvimento dos cui-dados em saúde mental em muitos países e em diversos níveis de recursos.Parte dessa experiência, já ilustrada nos Capítulos 3 e 4, inclui a observação deiniciativas que tiveram êxito e as que falharam, muitas delas apoiadas pelaOMS, numa ampla variedade de contextos.

O segundo nível de indícios provém da pesquisa científica disponível na biblio-grafia nacional e internacional. Embora a pesquisa operacional sobre o desenvolvi-mento de serviços de saúde mental ainda esteja no começo, existem indícios iniciaisdos benefícios do desenvolvimento de programas de saúde mental. A maior parte dapesquisa disponível vem de países de rendimentos elevados, embora tenham sidofeitos alguns estudos em países de rendimentos baixos durante os últimos anos.

A acção pode trazer benefícios em muitos níveis. Estes compreendem osbenefícios directos dos serviços na atenuação dos sintomas associados comperturbações mentais, reduzindo o ónus geral dessas doenças mediante umadiminuição da mortalidade (por suicídio, por exemplo) e da incapacidade, euma melhoria do funcionamento e da qualidade de vida dos doentes e das suasfamílias. Existe também a possibilidade de benefícios económicos (pelo aumentoda produtividade) com a prestação oportuna de serviços, embora ainda sejamescassos os indícios que comprovem este aspecto.

Os países têm a responsabilidade de dar prioridade à saúde mental no seuplaneamento para a saúde, bem como de pôr em prática as recomendações dadasadiante. Além disso, é indispensável que haja apoio internacional para que muitospaíses possam iniciar programas de saúde mental. Esse apoio dos organismos dedesenvolvimento dever incluir tanto assistência técnica como financiamento.

Recomendações gerais

O relatório faz dez recomendações de carácter geral.

1. Proporcionar tratamento nos cuidados primários

O controlo e tratamento das perturbações mentais no contexto dos cuida-dos primários é um passo fundamental que permite ao maior número possível

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de pessoas ter um acesso mais fácil e mais rápido aos serviços – é precisoreconhecer que muitos já procuram assistência a esse nível. Isso não só pro-porciona melhores cuidados como também reduz o desperdício resultante deexames supérfluos e de tratamentos impróprios ou não específicos. Para queisso aconteça, porém, é preciso que o pessoal de saúde em geral receba treinonas aptidões essenciais dos cuidados de saúde mental. Esse treino garante ouso mais adequado dos conhecimentos disponíveis para o maior número depessoas e possibilita a imediata aplicação de intervenções. Assim, a saúde mentaldeve ser incluída nos programas de formação, com cursos de actualização des-tinados a melhorar a eficácia no controlo de perturbações mentais nos servi-ços gerais de saúde.

2. Disponibilizar medicamentos psicotrópicos

Devem ser fornecidos e estar constantemente disponíveis medicamentospsicotrópicos essenciais para todos os níveis dos cuidados de saúde. Esses me-dicamentos devem ser incluídos nas listas de fármacos essenciais de todos ospaíses, e os melhores fármacos para o tratamento de afecções devem estardisponíveis sempre que for possível. Em alguns países, isso pode exigir modi-ficações na legislação regulamentadora. Esses medicamentos podem atenuarsintomas, reduzir a incapacidade, abreviar o curso de muitas perturbações eprevenir recorrências. Muitas vezes, eles proporcionam o tratamento de pri-meira linha, especialmente em situações nas quais não estão disponíveis inter-venções psicossociais nem profissionais altamente capacitados.

3. Proporcionar cuidados na comunidade

Os cuidados baseados na comunidade têm um melhor efeito sobre o resulta-do e a qualidade de vida das pessoas com perturbações mentais crónicas do queo tratamento institucional. A transferência de doentes dos hospitais psiquiátri-cos para a comunidade é também positiva em relação ao custo e no que respeitaaos direitos humanos. Assim, os serviços de saúde mental devem ser prestadosna comunidade, fazendo uso de todos os recursos disponíveis. Os serviços debase comunitária podem levar a intervenções precoces e limitar o estigma asso-ciado com o tratamento. Os grandes hospitais psiquiátricos de tipo carceráriodevem ser substituídos por serviços de cuidados na comunidade, apoiados porcamas psiquiátricas em hospitais gerais e cuidados domiciliários que atendam atodas as necessidades dos doentes que eram da responsabilidade daqueles hospi-tais. Essa mudança para os cuidados comunitários requer a disponibilidade detrabalhadores de saúde e serviços de reabilitação ao nível da comunidade,

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juntamente com a prestação de apoio face a crises e protecção no domicílio eno emprego.

4. Educar o público

Devem ser lançadas em todos os países campanhas de educação esensibilização do público sobre a saúde mental. A meta principal é reduzir osempecilhos ao tratamento e aos cuidados, aumentando a consciência da fre-quência das perturbações mentais, a sua susceptibilidade ao tratamento, o pro-cesso de recuperação e os direitos humanos das pessoas com tais perturbações.As opções de cuidados disponíveis e os seus benefícios devem ser amplamentedivulgados, de tal forma que as respostas da população geral, dos profissio-nais, dos media, dos formuladores de políticas e dos políticos reflictam osmelhores conhecimentos disponíveis. Isso já é uma prioridade em diversos paísese em várias organizações nacionais e internacionais. Uma campanha bem pla-neada de sensibilização e educação do público pode reduzir o estigma e adiscriminação, fomentar o uso dos serviços de saúde mental e conseguir umamaior aproximação entre a saúde mental e a saúde física.

5. Envolver as comunidades, as famílias e os utentes

As comunidades, as famílias e os utentes devem ser incluídos na formula-ção e na tomada de decisões sobre políticas, programas e serviços. Isso deveresultar num melhor dimensionamento dos serviços às necessidades da popu-lação e na sua melhor utilização. Além disso, as intervenções devem ter emconta a idade, o sexo, a cultura e as condições sociais, a fim de atender àsnecessidades das pessoas com perturbações mentais e das suas famílias.

6. Estabelecer políticas,programas e legislação nacionais

A política, os programas e a legislação sobre saúde mental constituem fasesnecessárias de uma acção significativa e sustentada. E devem basear-se nosconhecimentos actuais e na consideração dos direitos humanos. A maioria dospaíses terá de elevar o nível actual das suas verbas para programas de saúdemental. Alguns que recentemente elaboraram ou reformularam as suas políti-cas e leis registaram progressos na implementação dos seus programas de cui-dados em saúde mental. As reformas da saúde mental devem fazer parte dasmais amplas reformas do sistema de saúde. Os planos de seguros de saúde não

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devem discriminar pessoas com perturbações mentais, a fim de proporcionarum maior acesso ao tratamento e reduzir o ónus dos cuidados.

7. Preparar recursos humanos

A maioria dos países em desenvolvimento precisa de aumentar e de aperfei-çoar a formação de profissionais para a saúde mental, que aplicarão cuidadosespecializados e apoiarão programas de cuidados primários de saúde. Falta,na maioria dos países em desenvolvimento, um número adequado daquelesespecialistas para preencher os quadros dos serviços de saúde mental. Uma vezformados, esses profissionais devem ser estimulados a permanecer nos seuspaíses, em cargos que façam melhor uso das suas aptidões. Essa formação derecursos humanos é especialmente necessária para países que dispõem actual-mente de poucos recursos. Embora os cuidados primários ofereçam o contex-to mais vantajoso para os cuidados iniciais, há uma necessidade de especialis-tas para prestar toda uma série de serviços. Em condições ideais, as equipasespecializadas em cuidados de saúde mental deveriam incluir profissionais mé-dicos e não médicos, tais como psiquiatras, psicólogos clínicos, enfermeirospsiquiátricos, assistentes sociais psiquiátricos e terapeutas ocupacionais, quepodem trabalhar juntos tendo em vista os cuidados e a integração total dosdoentes na comunidade.

8. Formar vínculos com outros sectores

Outros sectores além do da saúde, como a educação, o trabalho, a previ-dência social e o direito, bem como certas organizações não-governamentais,devem ter uma participação na melhoria da saúde mental das comunidades.As organizações não-governamentais devem mostrar-se muito mais actuantes,com papéis mais bem definidos, assim como devem ser estimuladas a dar maiorapoio a iniciativas locais.

9. Monitorizar a saúde mental na comunidade

A saúde mental das comunidades deve ser monitorizada mediante a inclusãode indicadores de saúde mental nos sistemas de informação e notificação sobresaúde. Os indicadores devem incluir tanto o número de indivíduos com perturbaçõesmentais e a qualidade dos cuidados que recebem como algumas medidas maisgerais de saúde mental das comunidades. Essa monitorização ajuda a determinartendências e a detectar mudanças na saúde mental em resultado de acontecimentos

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externos, tais como catástrofes. A monitorização é necessária para verificar a efi-cácia dos programas de prevenção e o tratamento de saúde mental, e fortalece,além disso, os argumentos a favor da prestação de mais recursos. São necessáriosnovos indicadores para a saúde mental das comunidades.

10. Dar mais apoio à pesquisa

São necessárias mais pesquisas sobre os aspectos biológicos e psicossociaisda saúde mental a fim de melhorar a compreensão das perturbações mentais edesenvolver intervenções mais eficazes. Tais pesquisas devem ser levadas acabo numa base internacional ampla, visando a compreensão das variações deuma para outra comunidade e um maior conhecimento dos factores que influen-ciam a causa, a evolução e o resultado das perturbações mentais. É precisofortalecer com urgência a capacidade de investigação nos países em desenvol-vimento.

Medidas a tomar em funçãodos recursos disponíveis

Embora sejam aplicáveis de um modo geral, pareceria que a maioria dasrecomendações acima está muito além do alcance dos recursos de muitos paí-ses. Mas há aqui de tudo para todos. Tendo isto em mente, apresentam-se trêscenários diferentes para ajudar a orientar, em especial, os países em desenvol-vimento para o que é possível fazer dentro dos limitados recursos de que dis-põem. Os cenários podem ser usados para identificar acções específicas. Alémde serem relevantes para diferentes países, eles pretendem ser também relevan-tes para diferentes grupos populacionais dentro daqueles países. Isso reconhe-ce o facto de que existem áreas ou grupos em desvantagem em todos os países,inclusive aqueles que dispõem dos melhores recursos e serviços.

Cenário A (Baixo nível de recursos)

Este cenário refere-se principalmente a países de baixos rendimentos onde háuma falta absoluta de recursos para a saúde mental ou onde tais recursos sãomuito limitados. Estes países não têm políticas, programas ou legislação apropri-ada sobre saúde mental; ou, se existem, tais programas ou leis não são realmenteimplementados. Os recursos financeiros governamentais disponíveis para a saúdemental são minúsculos, não chegando, muitas vezes, a 0,1% do orçamento total

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O CAMINHO A SEGUIR 191

da saúde. Não existem psiquiatras nem enfermeiros psiquiátricos, ou os queexistem são muito poucos para populações muito grandes. Os estabelecimentosexistentes para doentes internados actuam, quando existem, como hospitais psi-quiátricos centralizados que oferecem mais cuidados carcerários do que cuida-dos em saúde mental, e muitas vezes têm menos de um lugar por cada 10 000habitantes. Não há serviços de saúde mental em cuidados primários ou comuni-tários, e raramente há medicamentos psicotrópicos essenciais disponíveis.

Embora este cenário seja observado principalmente em países de baixosrendimentos, os serviços de saúde mental essenciais continuam fora do alcan-ce das populações rurais, grupos indígenas e outros em vários países de rendi-mentos elevados. Em suma, o cenário A caracteriza-se por uma fraca consci-ência do problema e pouca disponibilidade de serviços.

O que se pode fazer em tais circunstâncias? Mesmo com recursos muitolimitados, os países podem reconhecer imediatamente que a saúde mental éparte integrante da saúde geral e começar a organizar os serviços básicos desaúde mental como uma parte dos cuidados primários de saúde. Nem é preci-so que isso venha a ser um exercício dispendioso, que seria grandemente forta-lecido pela provisão de medicamentos neuropsiquiátricos essenciais e pelo treinoem serviço de todo o pessoal de saúde em geral.

Cenário B (nível médio de recursos)

Em países compreendidos neste cenário, existem alguns recursos disponí-veis para a saúde mental, tais como centros de tratamento em grandes cidadesou programas piloto de cuidados comunitários. Esses recursos, porém, nãoproporcionam sequer serviços essenciais de saúde mental para a populaçãototal. Provavelmente, tais países contam com políticas, programas e legislaçãosobre saúde mental, que não são, todavia, plenamente implementados. O orça-mento governamental para a saúde mental é inferior a 1% do orçamento totalpara a saúde. Há um número insuficiente de especialistas em saúde mental taiscomo psiquiatras e enfermeiros psiquiátricos para atender à população. Osprestadores de cuidados primários não têm geralmente formação em cuidadosde saúde mental. As dependências para cuidados especializados têm menos decinco lugares por cada 10 000 habitantes, e a maioria delas encontra-se emgrandes hospitais psiquiátricos centralizados. A disponibilidade de medica-mentos psicotrópicos e tratamento das principais perturbações mentais noscuidados primários é limitada e os programas comunitários de saúde mentalsão raros. As únicas informações disponíveis nos sistemas de notificação sani-tária vêm dos registros de admissão e alta de hospitais psiquiátricos. Em resu-mo, o cenário B caracteriza-se por uma consciência média e acesso médio aoscuidados em saúde mental.

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Para esses países, a acção imediata deve ser a ampliação dos serviços desaúde mental para cobrir a população total. Pode-se fazer isso aumentan-do a formação de todo o pessoal de saúde em cuidados essenciais de saúdemental, proporcionando medicamentos neuropsiquiátricos em todos osserviços e colocando todas essas actividades no âmbito da política de saú-de mental. O ponto de partida deveria ser o encerramento dos hospitais detipo carcerário e a construção de dependências de cuidados comunitários.Os cuidados em saúde mental podem ser introduzidos nos lugares de tra-balho e nas escolas.

Cenário C (elevado nível de recursos)

Este cenário relaciona-se principalmente com países industrializados comum nível relativamente elevado de recursos para a saúde mental. As políticas,programas e legislação de saúde mental são implementados de uma forma razoa-velmente eficaz. A proporção das verbas totais de saúde atribuída à saúde men-tal é de 1% ou mais do orçamento da saúde e existe um número suficiente deprofissionais especializados em saúde mental. A maioria dos prestadores de cui-dados primários tem treino em cuidados de saúde mental. Embora se façamesforços para identificar e tratar as perturbações mentais major no âmbito doscuidados primários, a eficácia e a cobertura podem ser insuficientes. As depen-dências de cuidados especializados são mais abrangentes, mas a maioria delaspode estar ainda situada em hospitais psiquiátricos. Os psicotrópicos não sãodifíceis de obter e geralmente há serviços de base comunitária disponíveis. Asaúde mental faz parte dos sistemas de informação sanitária, embora possam serincluídos uns poucos indicadores apenas.

Mesmo nestes países, há muitos obstáculos à utilização dos serviços dis-poníveis. As pessoas com perturbações mentais e os seus familiares sofremestigma e discriminação. As políticas de seguros não proporcionam cobertu-ra para cuidados das pessoas com perturbações mentais no mesmo grau emque a proporcionam para doenças físicas.

A primeira medida que se impõe é aumentar a consciência do público,visando principalmente a redução do estigma e da discriminação. Segundo,os medicamentos e as intervenções psicossociais mais recentes devem serdisponibilizados como parte dos cuidados em saúde mental de rotina. Ter-ceiro, devem-se desenvolver sistemas de informação sobre saúde mental.Quarto, devem ser iniciadas ou incentivadas pesquisas sobre eficácia/custo,assim como reunidas evidências sobre prevenção de perturbações mentais elevadas a cabo pesquisas básicas sobre as causas das perturbações mentais.

As acções mínimas recomendadas, necessárias para os cuidados de saúdemental nos três cenários, estão resumidas na tabela 5.1. A tabela supõe que

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O CAMINHO A SEGUIR 193

Dez recomendaçõesde ordem geral

Cenário A:Baixo nível de recursos

Cenário B:Nível médio de recursos

Cenário C:Alto nível de recursos

1. Proporcionar tratamentona atenção primária

Reconhecer a saúde mentalcomo componente da atençãoprimária de saúdeIncluir o reconhecimentoe tratamento de transtornosmentais comunsnos currículos de formaçãode todo o pessoal de saúdeProporcionar treinamentode atualização a médicosda atenção primária(pelo menos 50% decobertura em 5 anos)

Elaborar materialde treinamentocom relevância localProporcionar treinamentode atualização a médicosda atenção primária (100%de cobertura em 5 anos)

Melhorar a eficiênciano manejo de transtornosmentais na atençãoprimária de saúdeMelhorar os padrõesde encaminhamento

2. Disponibilizarmedicamentospsicotrópicos

• Assegurar a disponibilidadede 5 medicamentosessenciais em todos oscontextosde atenção de saúde

• Assegurar a disponibilidadede todos os psicotrópicosessenciais em todosos contextos de atençãode saúde

• Proporcionar acessomais fácil a psicotrópicosmais novos em planosde tratamento públicosou privados

3. Proporcionar atençãona comunidade

Tirar das prisões as pessoascom transtornos mentaisRedimensionar para menosos hospitais psiquiátricose melhorar a atençãodentro delesDesenvolver unidadespsiquiátricas em hospitaisgeraisProporcionar dependênciaspara atenção na comunidade(pelo menos20% de cobertura)

Fechar os hospitaispsiquiátricos carceráriosIniciar projetos pilotosobre integração da atençãoem saúde mental naatenção de saúde geralProporcionar dependênciaspara atenção na comunidade(pelo menos 50% decobertura)

Fechar os hospitaispsiquiátricos restantesDesenvolver dependênciasresidenciais alternativasProporcionar dependênciaspara atenção na comu-nidade (100% de cobertura)Proporcionar atenção indivi-dualizada na comunidadea pessoas com transtornosmentais graves

4. Educar o público • Promover campanhaspúblicas contra o estigmae a discriminação Apoiarorganizações não-gover-namentais na educaçãodo público

• Usar os veículosde comunicação de massapara promover a saúdemental, fomentar atitudespositivas e ajudar a evitartranstornos

• Lançar campanhas públicaspara reconhecimentoe tratamento de transtornosmentais comuns

5. Envolver ascomunidades, famíliase usuários

Apoiar a formação de gruposde ajuda mútuaFinanciar planos paraorganizações não-governa-mentais e iniciativasde saúde mental

• Assegurar a representaçãode comunidades, famíliase usuários nos serviçose na formulação de políticas

• Fomentar iniciativasde sensibilização

6. Estabelecer políticas,programas e legislaçãonacionais

Revisar a legislação com baseno conhecimento atuale na consideração dos direitoshumanosFormular os programase a política de saúde mentalAumentar as verbas paraatenção em saúde mental

Criar políticas sobre drogase álcool nos níveis nacionaise subnacionaisAumentar as verbas paraatenção em saúde mental

• Assegurar a eqüidadeno financiamento da saúdemental, inclusive osseguros

7. Prepararrecursos humanos

• Formar psiquiatrase enfermeiros psiquiátricos

• Criar centros nacionaisde treinamento parapsiquiatras, enfermeirospsiquiátricos, psicólogose assistentes sociaispsiquiátricos

• Formar especialistascom aptidões paratratamento avançado

as acções recomendadas para os países do cenário A já tenham sido adoptadaspelos países dos cenários B e C, e que haja uma acumulação daquelas acçõesem países com elevados níveis de recursos.

Tabela 5.1 Acção mínima necessária para cuidados de saúde mental, com base em recomendaçõesde carácter geral.

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Este relatório reconhece que, em todos os cenários, o lapso transcorridoentre o início das acções e os benefícios resultantes pode ser longo. Esta, porém,é uma razão a mais para encorajar todos os países a tomar medidas imediataspara melhorar a saúde mental das suas populações. Para os países mais po-bres, embora esse passos iniciais possam ser pequenos, vale a pena dá-los as-sim mesmo. Para os ricos tanto como para os pobres, o bem-estar mental é tãoimportante como a saúde física. Para todos os que sofrem de perturbaçõesmentais, há esperança; pertence aos Governos a responsabilidade de transfor-mar essa esperança em realidade.

Dez recomendaçõesde ordem geral

Cenário A:Baixo nível de recursos

Cenário B:Nível médio de recursos

Cenário C:Alto nível de recursos

8. Formar vínculoscom outros setores

• Iniciar programas de saúdemental nas escolas e locaisde trabalho Incentivaras atividades de organizaçõesnão-governamentais

• Fortalecer programasde saúde mental nasescolas e locais de trabalho

• Proporcionar dependênciasnas escolas e locaisde trabalho para pessoascom transtornos mentaisIniciar programasde promoção da saúdemental baseadosem evidências, emcolaboração com outrossetores

9. Monitorizar a saúdemental na comunidade

• Incluir os transtornosda saúde mental nos sistemasde informações básicasde saúde Investigar grupospopulacionais de alto risco

• Instituir a vigilânciade transtornos específicosna comunidade (porexemplo, depressão)

• Desenvolver sistemasavançados demonitorização da saúdemental Monitorizar aefetividade dos programaspreventivos

1-0.

Dar mais apoioà pesquisa

• Fazer realizar estudos emcontextos de atenção primáriasobre prevalência, evolução,resultados e impactodos transtornos mentaisna comunidade

• Instituir estudosde efetividade e efeti-vidade/custo para manejode transtornos mentaiscomuns na atenção primáriade saúde

Ampliar as pesquisas sobreas causas dos transtornosmentaisRealizar pesquisas sobreprestação de serviçosInvestigar indicadores sobreprevenção de transtornosmentais

Tabela 5.1 Acção mínima necessária para cuidados de saúde mental, com base em recomendaçõesde carácter geral (continuação).

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AGRADECIMENTOS

Grupo Consultivo CentralAnarfi Asamoa-BaahRuth BonitaJane FergusonBill KeanLorenzo SavioliMark SzczeniowskiBedirhan ÜstünEva Wallstam

Grupos Consultivos Regionais:

AFROJo Asare (Gana)Florence Baingana (Banco Mundial)Mariamo Barry (Guiné)Mohammed Belhocine (AFRO)Tecla Butau (AFRO)Fidelis Chikara (Zimbábue)Joseph Delafosse (Costa do Marfim)Fatoumata Diallo (AFRO)Melvin Freeman (África do Sul)Geeneswar Gaya (Ilhas Maurício)Eric Grunitzky (Togo)Momar Gueye (Senegal)Mohammed Hacen (AFRO)Dia Houssenou (Mauritânia)Baba Koumare (Mali)Itzhack Levav (Israel)Mapunza-ma-Mamiezi (República Democrá-

tica do Congo)Custodia Mandlhate (AFRO)Elisabeth Matare (WFMH)Ana Paula Mogne (Moçambique)Patrick Msoni (Zâmbia)Mercy Ngowenha (Zimbábue)Felicien N’Tone Enime (Camarões)Olabisi Odejide (Nigéria)David Okello (AFRO)Michel Olatuwara (Nigéria)

Brian Robertson (África do Sul)Bokar Toure (AFRO)

AMROJosé Miguel Caldas de Almeida (AMRO-PAHO)René Gonzales (Costa Rica)Matilde Maddaleno (AMRO-PAHO)Maria Elena Medina-Mora (México)Cláudio Miranda (AMRO-PAHO)Winnifred Michel-Frable (EUA)Grayson Norquist (EUA)Juan Ramos (EUA)Darrel Regier (EUA)Jorge Rodriguez (Guatemala)Heather Stuart (Canadá)Charles Thesiger (Jamaica)Benjamin Vincente (Chile)

EMROYoussef Adbdulghani (Arábia Saudita)Ahmed Abdullatif (EMRO)Fouad Antoun (Líbano)Ahmed Abou Dannoun (Jordânia)Abdullah El Eryani (Iêmen)Zohier Hallaj (EMRO)Ramez Mahaini (EMRO)Abdel Masih Khalef (Síria)Abdelhay Mechbal (EMRO)Driss Moussaoui (Marrocos)Malik Mubbashar (Paquistão)Mounira Nabli (Tunísia)Ayad Nouri (Iraque)Ahmad Okasha (Egito)Omar Shaheen (Egito)Davoud Shahmohammadi (República Islâmica

do Irão)Gihan Tawile (EMRO)

EUROFritz Henn (Alemanha)

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206 RELATÓRIO MUNDIAL DA SAÚDE

Clemens Hosman (Holanda)Maria Kopp (Hungria)Valery Krasnov (Rússia)Ulrik Malt (Noruega)Wolfgang Rutz (EURO)Danuta Wasserman (Suécia)

SEARONazmul Ahsan (Bangladesh)Somchai Chakrabhand (Tailândia)Vijay Chandra (SEARO)Chencho Dorji (Butão)Kim Farley (WR - Índia)Mohan Issac (Índia)Nyoman Kumara Rai (SEARO)Sao Sai Lon (Mianmá)Rusdi Maslim (Indonésia)Nalaka Mendis (Sri Lanka)Imam Mochny (SEARO)Davinder Mohan (Índia)Sawat Ramaboot (SEARO)Diyanath Samarasinghe (Sri Lanka)Omaj Sutisnaputra (SEARO)Than Sein (SEARO)Kapil Dev Upadhyaya (Nepal)

WPROAbdul Aziz Abdullah (Malásia)Iokapeta Enoka (Samoa)Gauden Galea (WPRO)Helen Herrman (Austrália)Lourdes Ignácio (Filipinas)Linda Milan (WPRO)Masato Nakauchi (WPRO)Masahisa Nishizono (Japão)Bou-Yong Rhi (República da Coréia)Shen Yucun (China)Nguyen Viet (Vietnã)

Colaborações Adicionais de:Sarah Assamagan (EUA)José Ayuso-Mateos (WHO)Meena Cabral de Mello (WHO)Judy Chamberlain (EUA)Carlos Climent (Colômbia)John Cooper (Reino Unido)Bhargavi Davar (Índia)Vincent Dubois (Bélgica)Alexandra Fleischmann (WHO)Alan Flisher (África do Sul)Hamid Godhse (INCB)Zora Cazi Gotovac (Croácia)Gopalakrishna Gururaj (Índia)Rosanna de Guzman (Filipinas)Nick Hether (Reino Unido)Rachel Jenkis (Reino Unido)Sylvia Kaaya (Tanzânia)Martin Knapp (Reino Unido)Robert Kohn (EUA)Julian Leff (Reino Unido)Margaret Leggot (Canadá)Itzhak Levav (Israel)

Felice Lieh Mak (Hong Kong)Ian Locjkhart (África do Sul)Jana Lojanova (Eslováquia)Crick Lund (Reino Unido)Pallav Maulik (WHO)Pat Mc Gorry (Austrália)Maria Elena Medina Mora (México)Brian Mishara (Dinamarca)Protima Murthy (Índia)Helen Nygren-Krugs (WHO)Kathryn O’Connel (WHO)Inge Peterson (África do Sul)Leonid Prilipko (WHO)Lakshmi Ratnayeke (Sri Lanka)Morton Silverman (EUA)Tirupathi Srinivasan (Índia)Avdesh Sharma (Índia)Michele Tansella (Itália)Rangaswami Thara (Índia)Graham Thornicroft (Reino Unido)Lakshmi Vijayakumar (Índia)Frank Vocci (EUA)Erica Wheeler (WHO)Harvey Whiteford (Austrália)Sik Jun Young (República da Coréia)

Escritórios da Organização Mundial da Saúde:

Escritório Central:Organização Mundial de Saúde20, Av. AppiaCH – 1211 Geneva 27E-Mail: [email protected]: http://www.who.int

Organização Panamericana de Saúde525, 23rd Street N.W.Washington, D.C. 20037, USAE-Mail: [email protected]: http://www.paho.org

Oficina Regional da ÁfricaHospital ParirenyatwaP.O. Box BE 773Harare, ZimbabweE-mail: [email protected]: http://www.whoafr.org

Oficina Regional do Oriente Médio:WHO Post OfficeAbdul Razzak Al Sanhouri StreetNasr CityCairo 11371, EgyptE-Mail: [email protected]: http://www.who.sci.org

Oficina Regional da Europa8, ScherfigsvejDK-2100 Copenhagen ØE-Mail: [email protected]: http://www.who.dk

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AGRADECIMENTOS 207

Oficina Regional do Sudeste AsiáticoWorld Health HouseIndraprastha EstateMahatma Gandhi RoadNew Delhi 110002, IndiaE-mail: [email protected]: http://www.whosea.org

Oficina Regional do Pacífico OcidentalP.O. Box 2932Manila 1099, Philipines

E-Mail: [email protected]: http://www.wpro.who.int

Agência Internacional para Pesquisa em Câncer150, cours Albert-ThomasF-69372 Lyon Cédex 08E-mail: [email protected]: http://www.iarc.fr

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www.climepsi.pt

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