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Estudos Setoriais deInovação

Estudos Setoriais deInovação

Setor AutomotivoSetor Automotivo

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AGÊNCIA BRASILEIRA DE DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL

DETERMINANTES DA ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO PARA INOVAÇÃO

TECNOLÓGICA NOS SETORES INDUSTRIAIS NO BRASIL SETOR AUTOMOTIVO

Pesquisadores:

Fernanda De Negri

Luiz Bahia Lenita Turchi

João Alberto De Negri

Brasília, Dezembro de 2008

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Sumário

1. DESCRIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA......................................................................................... 2

2. O SETOR AUTOMOTIVO NA ÚLTIMA DÉCADA ............................................................................. 10

2.1. O CRESCIMENTO DOS BRICS E DA ÁSIA NO MERCADO INTERNACIONAL ............................... 10

2.2. Possibilidades de inserção nos sistemas de inovação ................................................ 14

do setor automotivo ............................................................................................................ 14

2.3. DESEMPENHO DO SETOR NO BRASIL: 1996 – 2008 ........................................................... 17

3. EMPRESAS LÍDERES NO SETOR AUTOMOTIVO .......................................................................... 29

3.1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS............................................................................................. 30

4. INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO................................... 36

4.1.INOVAÇÃO NUM SETOR DOMINADO POR TRANSNACIONAIS.................................................... 36

4.2. O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO ............................................ 40

4.3. A PARTICIPAÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS......................................................................... 44

5. INOVAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS FIRMAS COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO ....................................... 47

5.1. INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO................................................................. 47

5.2. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ............................................................................................ 54

5.3. INTERAÇÃO COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO ....................................................................... 61

5.4. PERSPECTIVAS PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL................................................. 70

6. FINANCIAMENTO AO INVESTIMENTO........................................................................................ 73

7. INOVAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO DO SETOR AUTOMOTIVO NA ÓTICA DO EMPRESARIADO.................................................................................................... 77

7.1. PERCEPÇÃO DOS EMPRESÁRIOS SOBRE AS INOVAÇÕES NO SETOR AUTOMOTIVO ................ 77

7.2. ESTRATÉGIAS OU MECANISMOS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO PARA INOVAR ........... 80

7.3. A INOVAÇÃO NA AGENDA DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS ............................................ 85

8. OPORTUNIDADES TECNOLÓGICAS .......................................................................................... 87

9. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA ............................................................................. 91

BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 101

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1. DESCRIÇÃO DA CADEIA PRODUTIVA

O setor automotivo tem inegável importância na estrutura industrial brasileira. Ele é um

dos maiores setores da indústria, representando cerca de 10% do faturamento e 6% do

emprego na indústria de transformação. Devido aos seus encadeamentos, é um setor

cujo desempenho pode afetar significativamente a produção de vários outros setores

industriais.

A figura 1 delimita os sub-setores ou divisões que compõem o setor automotivo1. As setas

representam fluxos monetários dos setores de origem (vendedores) para os de destino

(compradores). Os elementos dentro da caixa em azul representam as divisões da cadeia

produtiva automotiva que serão o objeto de análise deste trabalho. Elementos exteriores a

essa caixa representam cadeias produtivas ou setores externos2.

A figura destaca os principais elementos de ligação dentro da cadeia e com outros setores

e cadeias produtivas, por meio dos fluxos monetários entre cada uma das divisões e

setores representados.

Nas relações dentro da própria cadeia automotiva, como era de se esperar, o setor de

autopeças (peças e acessórios) tem um papel central como o principal fornecedor dos

segmentos finais da cadeia: automóveis e caminhões. Em 2005, o setor de autopeças

forneceu mais de R$ 15 bilhões para as montadoras de automóveis e utilitários e mais de

R$ 6,5 bilhões para a fabricação de caminhões. As trocas inter-setoriais entre Cabines e

Automóveis também se destacam nessa cadeia produtiva.

Fora da cadeia automotiva propriamente dita, destacam-se o setor de aços e derivados,

máquinas e equipamentos, material eletrônico, produtos de metal e artigos de borracha e

plástico. O setor de aço e derivados representa um dos insumos mais importantes para

todos os sub-setores da cadeia automotiva, especialmente para autopeças.

A importância dos elos fora da cadeia automotiva se evidencia pelo valor dos seus

fornecimentos ao setor. As montadoras de automóveis, por exemplo, compraram, em

2005, cerca de R$16 bilhões em componentes de fornecedores de fora da cadeia, ao

1 Essa análise foi possível pela construção, especificamente para este trabalho, de uma matriz insumo-produto para os setores analisados, em 2005. 2 Algumas setas foram representadas em traços diferentes, apenas para propiciar uma melhor visualização.

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passo que compraram cerca de R$ 17 bilhões de fornecedores de autopeças e de

cabines, carrocerias e reboques. Os principais fornecedores foram os setores de artigos

de borracha e plástico e de aço e derivados. Para o sub-setor de autopeças, o valor dos

fornecimentos de fora da cadeia superou os R$ 13 bilhões.

Esses números explicam porque o setor tem impactos tão pronunciados sobre o nível de

atividade da indústria de transformação. De fato, o crescimento da produção nesse setor

pode, por meio de sua cadeia de fornecimento, impulsionar o crescimento de vários

outros setores da indústria.

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FIGURA 1. CADEIA AUTOMOTIVA, TRANSAÇÕES INTER-SETORIAIS EM 2005 (R$ MILHÕES)

 

   

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Cabines, carrocerias e

reboques

15421

6509

1528

50

Aços e Derivados

1984

7782

Peças e acessórios

1041

4081

40

Artigos de borracha e plástico

Aparelhos e materiais elétricos

Produtos de metal - exclusive máquinas

Artigos de borracha e plástico

Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção

Produtos de metal - exclusive máquinas

Material eletrônico e equipamentos

6351 3051 2704

668 1456 395 14

626

Automóveis, caminhonetas e

utilitários

Máquinas e equipamentos, inclusive manutenção

500Caminhões e ônibus

Outros equipamentos de transporte

122

Recond/ ou recuperação de motores

1087 2955

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Vale destacar, também, a relevância dos fluxos intra-setoriais de fornecimento em

cada um dos sub-setores analisados. Especialmente no setor de autopeças – onde

as autopeças de 2º e 3º nível fornecem boa parte das peças e componentes para as

do 1º nível (sistemistas) – as relações de compra e venda entre as próprias

empresas de autopeças são muito significativas.

A jusante, a principal conexão dessa cadeia produtiva com outras são as vendas

para os setores de Máquinas e equipamentos e para Outros equipamentos de

transporte.

A tabela 1 decompõe a demanda final das divisões do setor automotivo em 4

categorias: exportações, consumo das famílias, formação bruta de capital fixo

(investimento) e outras demandas (consumo do governo e variação de estoques).

A demanda intermediária, por sua vez, corresponde à demanda por produtos do

setor automotivo de todos os outros setores produtivos da economia.

TABELA 1. DISTRIBUIÇÃO DAS VENDAS SETORIAIS, POR CATEGORIA DA DEMANDA FINAL

E INTERMEDIÁRIA (% DAS VENDAS TOTAIS DO SETOR, 2005)

Demanda Final (% do total)

Divisões do setor

automotivo Exportações

(1)

Consumo

das

famílias

(2)

Formação

bruta

de capital

fixo (3)

Outras

Demandas

(4)

Total

(1+2+3+4)

Demanda

Intermediária

(% do total)

Automóveis,

caminhonetas e

utilitários

21,1 51,9 20,3 1,2 94,5 5,5

Caminhões e ônibus 31,9 3,2 51,4 2,6 89,0 11,0

Peças e acessórios para

veículos automotores 8,9 1,8 2,0 2,4 15,2 84,8

Cabines, carrocerias e

reboques 12,0 1,7 2,0 2,3 18,1 81,9

Recond. ou rec. de

motores para veículos

automotores

1,8 1,9 2,2 2,6 8,5 91,5

Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.

Os números revelam uma heterogeneidade importante na composição das vendas

dos setores. Automóveis é principalmente demandado pelo consumo interno das

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famílias (51,9% das vendas), pelas exportações (21,1%) e pelo investimento

(20,3%). O sub-setor Caminhões tem sua demanda concentrada em investimento

(51,4%) e exportações (31,9%).

Por outro lado, para as outras três divisões, a demanda intermediária (consumo dos

setores produtivos) é o principal componente das vendas.

A relevância do setor e de seus efeitos de encadeamento no restante da economia

– visualizada na figura 1 – pode ser mensurada por meio do multiplicador simples

da produção. O multiplicador nos diz qual o efeito, na produção total da economia,

derivado de um aumento na demanda final do setor analisado. Ele é dividido em

dois componentes: o direto e o indireto. O multiplicador direto mede o impacto sobre

os setores que são fornecedores diretos do setor analisado, enquanto o

multiplicador indireto nos dá o impacto nos demais setores da economia.

A tabela 2 apresenta os multiplicadores simples de produção para os 5 sub-setores

do setor automotivo. Os números revelam uma hierarquia bem definida nessa

cadeia produtiva. Automóveis e Caminhões possuem o maior efeito multiplicador na

economia: 3,76 e 3,60, respectivamente. Isso significa que cada Real de aumento

na demanda final de automóveis leva a uma ampliação de R$ 3,76 reais na

produção dos demais setores da economia. Para esses dois sub-setores,

prepondera o efeito indireto (71,4% e 70,3% do total do efeito multiplicador), o que

indica uma repercussão muito significativa em todos os demais setores econômicos,

e não apenas naqueles que, como autopeças, fornecem diretamente ao setor.

Esses resultados expressam muito bem o efeito dinamizador que o aumento da

produção do setor automotivo pode ter sobre toda a atividade econômica do país.

Peças e acessórios são um elemento de insumo significativo na cadeia produtiva do

setor, com um componente direto do multiplicador (42,1%) relativamente superior a

Automóveis e Caminhões. Isso indica um componente intra-setorial mais intenso

dos efeitos multiplicadores, destacando um componente de inter-relações

produtivas entre as próprias firmas do setor.

O setor de Cabines é um elemento importante na cadeia automotiva, tanto como

demandante como ofertante de insumos. Na sua inserção na economia brasileira, o

multiplicador indica um efeito similar ao de Peças, mas com uma composição

indireta relativamente maior. Por fim, o setor de Recondicionamento apresenta o

menor multiplicador de produção entre os setores da cadeia, indicando uma

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inserção relativamente menos importante na estrutura setorial da economia

brasileira.

TABELA 2. MULTIPLICADOR SIMPLES DE PRODUÇÃO NOS SETORES AUTOMOTIVOS

SELECIONADOS (2005)

Multiplicador Simples de Produção Participação no mult. (%)

Total (A+B) Direto (A) Indireto (B)

Direto

(A/Total)

Indireto

(B/Total)

Automóveis, caminhonetas

e utilitários 3,76 1,08 2,69 28,6 71,4

Caminhões e ônibus 3,60 1,07 2,53 29,7 70,3

Peças e acessórios para

veículos automotores 3,17 1,33 1,84 42,1 57,9

Cabines, carrocerias e

reboques 3,06 1,04 2,01 34,2 65,8

Recond. ou rec. de motores

para veículos automotores 2,35 1,00 1,35 42,7 57,3

Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.

Em termos de emprego, o setor automotivo não é um setor intensivo em mão-de-

obra, fato já evidenciado por sua participação no emprego industrial menor do que

sua participação nas vendas da indústria brasileira. Alguns sub-setores, como

recondicionamento e autopeças são mais intensivos em mão-de-obra do que os

demais (tabela 3).

Entretanto, este é um setor que emprega relativamente mais mão-de-obra

qualificada que os demais setores da economia.

A tabela 3 mostra a relação entre empregos e produção, ou seja, número de

empregos para cada R$ 1 milhão produzido por cada segmento do setor

automotivo. Os números de emprego por setor foram divididos de acordo com a

qualificação (educação) dos trabalhadores em: nível superior, nível médio e baixa

escolaridade (ensino fundamental).

Os dados revelam a predominância das ocupações de nível baixo em

Recondicionamento, e a maior participação dos níveis superior e médio em

Automóveis e Caminhões. Para Peças e Cabines predominam os níveis médio e

baixo.

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TABELA 3. COEFICIENTES SETORIAIS DE EMPREGO - 2005

Coeficiente de emprego (Ocupações/Valor Produção em milhões de reais)

Sub-setor do setor

automotivo Total Superior Médio Baixo

Automóveis, caminhonetas e

utilitários 1,39 0,31 0,59 0,50

Caminhões e ônibus 1,28 0,42 0,62 0,24

Peças e acessórios para veículos

automotores 4,90 0,47 2,13 2,30

Cabines, carrocerias e reboques 6,21 0,79 3,63 1,79

Recond. ou rec. de motores para

veículos automotores 23,58 0,69 10,25 12,64

Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.

Apesar de não ser um setor intensivo em mão-de-obra, assim como na produção,

os efeitos multiplicadores do setor em termos de emprego não são desprezíveis. Os

multiplicadores de emprego (tabela 4) representam, para cada setor, a capacidade

de geração e propagação de empregos na economia decorrente da expansão da

produção (ou demanda) dos seus produtos. Assim, eles indicam quais setores

possuem capacidade relativamente maior de geração de emprego na economia,

tanto em termos totais como por qualificação (nível educacional) da mão-de-obra.

TABELA 4. MULTIPLICADOR SIMPLES DE EMPREGO NOS SETORES AUTOMOTIVOS

SELECIONADOS (OCUPAÇÕES/R$ MILHÕES , 2005)

Multiplicador Simples de Emprego (ocupações/R$ milhões) Sub-setor do setor automotivo

Total

(A+B+C)

Superior

(A)

Médio

(B)

Baixo

(C)

Automóveis, caminhonetas e utilitários 25,21 3,49 10,18 11,52

Caminhões e ônibus 22,81 3,34 9,38 10,08

Peças e acessórios para veículos automotores 22,63 2,81 9,18 10,64

Cabines, carrocerias e reboques 22,59 2,87 10,12 9,60

Recond. ou rec. de motores para veículos

automotores 35,01 2,26 14,82 17,93

Fonte: Matriz Insumo-Produto 2005, elaboração própria.

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O sub-setor, montagem de automóveis possue um efeito multiplicador de 25,21 na

economia. Em outras palavras, para cada 1 milhão de reais de produção, o setor

gera 25 empregos diretos e indiretos na economia. Destes empregos, 3,49 são de

educação superior (14%) e 10,18 são de nível médio (40%). Números similares são

obtidos para Caminhões e Peças.

Os demais sub-setores tem um efeito multiplicador similar, concentrado, entretanto,

em postos de trabalho de menor qualificação.

Em síntese, além de apresentar detalhadamente a estrutura do setor automotivo

que será o foco desse trabalho, esta seção procurou evidenciar a relevância do

setor em termos de seus impactos sobre o conjunto da economia brasileira.

Tanto em termos de emprego, especialmente emprego qualificado, quanto em

termos de produção o setor automotivo tem um potencial dinamizador

extremamente significativo sobre a atividade econômica do país. Isso é ainda mais

significativo no caso dos segmentos finais da cadeia automotiva, fabricação de

automóveis e de caminhões e ônibus.

Esses segmentos, embora sejam menos intensivos em mão-de-obra, em virtude de

seus encadeamentos intra e inter-setoriais, possuem um potencial multiplicador de

emprego muito similar aos segmentos da cadeia que são muito mais intensivos em

mão-de-obra.

 

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2. O SETOR AUTOMOTIVO NA ÚLTIMA DÉCADA

2.1. O CRESCIMENTO DOS BRICS E DA ÁSIA NO MERCADO INTERNACIONAL

Esta seção procura mostrar algumas das principais mudanças ocorridas no setor

automotivo mundial na última década a fim de avaliar quais as perspectivas e as

possibilidades do Brasil nesse novo cenário.

Do ponto de vista da organização da produção ao redor do mundo, a década de 90

foi marcada pela saturação e pelo acirramento da concorrência (Almeida et. al,

2006) nos mercados desenvolvidos. Esses mercados já alcançaram um nível de

maturidade no qual a relação de habitantes por veículo pode ser considerada

relativamente estável. Isso reduziu significativamente, as possibilidades de

crescimento da demanda nesses países.

Como conseqüência do acirramento da concorrência, ampliou-se a capacidade

ociosa no setor automotivo ao mesmo tempo em que se observou uma redução da

rentabilidade desse setor nos países centrais.

A resposta do setor a essa conjuntura foi um intenso processo de reestruturação

produtiva, marcado pelo aumento dos investimentos nos países emergentes. De

fato, alguns autores têm chamado a atenção para uma nova onda de

internacionalização das empresas do setor (Salerno, Marx e Zilbovicius, 2003;

Carvalho, 2004). No Brasil, essa onda de internacionalização se refletiu na entrada

de várias novas empresas no setor na segunda metade da década de 90.

Carvalho (2004, 2005), por exemplo, também destaca o papel cada vez mais

relevante desempenhado pelas subsidiárias das grandes multinacionais do setor e

pelo IDE (Investimento Direto Esterno). Esse movimento estaria sendo reforçado

pela ampliação dos fluxos de comércio intra-firma e pela emergência de alianças e

joint ventures entre as empresas do setor.

A produção mundial de veículos cresceu muito pouco entre 1998 e 2002, passando

de 53 milhões de veículos para cerca de 59 milhões. Depois de 2003, a produção

mundial passou a acelerar substancialmente. Entre 2003 e 2007, a produção

mundial de automóveis cresceu em aproximadamente 13 milhões de unidades. A

China foi responsável pelo aumento de 4 milhões de unidades na produção

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mundial, seguida pelo Japão com um aumento da produção da ordem de 1,4 milhão

de unidades. Brasil e Índia também foram mercados que contribuíram de forma

significativa para esse crescimento. A produção, nos dois países, aumentou mais de

100%, em aproximadamente 1,1 milhão de unidades cada um, entre 2003 e 2007.

GRÁFICO 1. PRODUÇÃO MUNDIAL DE VEÍCULOS (MILHÕES DE UNIDADES): 1999 A 2007.

53,056,3 58,4 56,3

59,0 60,764,5 66,5

69,273,2

20

30

40

50

60

70

80

1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Milh

ões

de u

nida

des

Fonte: Organização Internacional de Montadores de Automóveis (OICA).

Entre os mercados maduros, o Japão e a Coréia do Sul foram os que apresentaram

melhor desempenho. Nos Estados Unidos, por outro lado, a produção de veículos

vem declinando consistentemente nos últimos 10 anos. Entre 1998 e 2007, a

produção norte-americana caiu de mais de 13 milhões de veículos para menos de

11 milhões.

Esses números mostram uma das principais tendências do setor automotivo

mundial nos últimos anos: o aumento da importância dos países emergentes –

especialmente China, Brasil e Índia – na produção mundial. O gráfico abaixo mostra

o aumento da participação dos BRICS no mercado mundial de veículos entre 1999

e 2007.

Os BRICs representavam cerca de 9% da produção mundial de veículos em 1999 e,

em 2007, já alcançaram uma participação de 23%. Em termos absolutos, o

crescimento da participação dos BRICs na produção mundial de automóveis se

deve, preponderantemente, ao crescimento da participação chinesa no mercado

mundial, que passou de 3,2% em 1999 para 12% em 2007. Obviamente, o tamanho

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absoluto do mercado chinês desempenha um papel decisivo nesse processo. Dos

BRICs, o único país que parece não estar acompanhando tão fortemente esse

processo de crescimento é a Rússia, cuja participação na produção mundial de

veículos ficou praticamente estabilizada em pouco mais de 2% durante todo o

período.

GRÁFICO 2. PARTICIPAÇÃO (%) DAS PRINCIPAIS REGIÕES NA PRODUÇÃO MUNDIAL DE

VEÍCULOS: 1999 A 2007.

Fonte: Organização Internacional de Montadores de Automóveis (OICA).

O Brasil aumentou de 2,4% para 4% sua participação na produção mundial e,

atualmente é o sexto maior produtor de veículos automotores, atrás de Japão, EUA,

China, Alemanha e Coréia do Sul. Na mesma posição do Brasil também está a

França.

O gráfico acima também mostra que a produção mundial está distribuída de forma

muito mais equilibrada entre as principais regiões produtoras (tomando-se o

conjunto dos BRICs como uma região). América do Norte e Europa perderam

participação significativa no mercado mundial de automóveis nos últimos anos,

especialmente a América do Norte, cuja participação na produção mundial caiu de

mais de 30% para cerca de 20%.

Essa perda de participação norte-americana no setor automotivo se reflete no

desempenho das duas maiores montadoras do país. Tanto a GM quanto a Ford

perderam market share no mercado mundial nos últimos anos. Em 1998, as

27%33%

21%9%

21%31%

23%24%

8%3%

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

Europa BRIC América do Norte Ásia (exceto China e Índia) Outros

%

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montadoras norte-americanas ainda eram as duas primeiras no ranking da

produção mundial de automóveis. Em 2007, a Toyota assumiu a primeira posição e

a Honda entrou na lista das 5 maiores.

TABELA 5. PRINCIPAIS EMPRESAS MONTADORAS E PARTICIPAÇÃO % NA

PRODUÇÃO MUNDIAL DE VEÍCULOS: 1998 E 2007.

1998 2007 Posição Empresa Part. % Empresa Part. %

1 GM 14,31% Toyota 13,01%

2 Ford 12,37% GM 12,95%

3 Toyota-Daihatsu 9,83% Volkswagen 8,68%

4 Volkswagen 9,08% Ford 8,66%

5 DaimlerChrysler 8,52% Honda 5,42%

6 Fiat 5,09% PSA Peugeot 4,79%

Fonte: Organização Internacional de Construtores de Automóveis (OICA).

As montadoras japonesas começaram a ganhar market share no mercado mundial

de forma significativa já durante os anos 80. Nesse período, introduziram uma série

de novas técnicas na produção de automóveis (produção flexível, just in time etc..) e

mostraram-se muito mais produtivas do que as montadoras norte-americanas e

européias.

Nos últimos anos, vários autores têm destacado a diminuição dos diferenciais

competitivos entre as montadoras mais importantes, especialmente a redução dos

gaps de produtividade e qualidade entre as montadoras japonesas e as ocidentais.

A despeito disso, os indicadores apresentados mostram que as montadoras

japonesas continuam ganhando mercado das ocidentais, especialmente das norte-

americanas.

Outra tendência revelada nesta tabela é que o mercado mundial vem se tornando

menos concentrado. Em 1998, as cinco maiores montadoras detinham 54% da

produção mundial de veículos e, em 2007, a fatia de mercado das cinco maiores

caiu para 48,7%.

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2.2. Possibilidades de inserção nos sistemas de inovação do setor automotivo

Além da reorganização global da produção, também vem ocorrendo mudanças

importantes do ponto de vista das estratégias competitivas e da organização interna

da produção no setor. Essas mudanças têm especial relevância do ponto de vista

do processo de desenvolvimento de produtos e de como países como o Brasil

podem se ligar ao processo de inovação do setor em nível mundial.

Durante os anos 80 e 90, o setor passou por um processo muito amplo de

reestruturação derivado, em grande medida, da necessidade de se adequar aos

padrões de eficiência estabelecidos pelas montadoras japonesas. A chamada

“produção enxuta”, conceito introduzido pelas japonesas, passou a ser o padrão

dominante na produção do setor. A reestruturação do setor, durante esse período,

implicou a adoção de técnicas relacionadas com a produção enxuta, como o just in

time, a qualidade total, certificações etc, que contribuíram para o aumento da

produtividade naquele período.

Outra tendência observada nos últimos anos é o aumento no número de modelos

de automóveis (Biesebroeck, 2006), derivada de pressões de demanda por

produtos cada vez mais diferenciados e adequados às necessidades de diferentes

consumidores3. Alguns autores argumentam que isso tem tido impactos negativos

sobre a produtividade do setor, pois o maior número de modelos reduz o volume de

produção de cada um e dificulta a obtenção de economias de escala.

Esse movimento de diversificação de produtos é exatamente o oposto do que

preconizava o conceito original de “produto global” ou de “carro mundial”. A

concepção de “carro mundial” supunha que haveria uma crescente

homogeneização de gostos e preferências dos consumidores em vários países, o

que abriria espaço para a fabricação de um único produto, destinado aos vários

mercados. Fabricar um “produto global” teria óbvias vantagens em termos de

ganhos de escala e redução de custos de produção.

3 Biesebroeck (2006) mostra que, entre 1974 e 2004, o número de modelos de carros e utilitários leves à venda na América do Norte cresceu de 185 para 320.

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15

Entretanto, diferenças culturais e especialmente, de renda, entre os países

tornaram muito difícil, ou mesmo inviável, que um produto projetado para um

mercado específico possa ser comercializado, sem adaptações, em todos os outros

mercados. Atualmente, segundo Dias (2003) o conceito de “carro mundial” está

mais relacionado com um produto fabricado e comercializado em várias partes do

mundo, mas no qual podem ser realizadas modificações e adaptações aos gostos e

condições locais.

Para aliar baixos custos de produção com uma maior diversidade de produtos

oferecidos aos consumidores, a estratégia adotada pelas empresas do setor tem

sido a de padronizar algumas partes centrais do automóvel e diferenciar outras por

meio do projeto em plataformas ou do projeto modular (Dias, 2003).

De fato, uma das estratégias adotadas pelas montadoras para lidar com a

proliferação no número de modelos é produzir vários modelos em uma mesma

plataforma. Uma plataforma pode ser definida como um conjunto de componentes

comuns presentes em vários produtos distintos. Esses componentes podem variar

segundo a empresa, mas de modo geral, a plataforma é constituída pela parte

inferior do veículo, motor, caixas de câmbio, sistemas de suspensão e de freios

(Bélis-Bergouignan e Lung, 19954).

Essa estratégia contribui para reduzir a perda de produtividade ocasionada pelo

aumento no número de modelos, devido aos ganhos de escala no processo

produtivo e também no desenvolvimento dos produtos. Por outro lado, ela amplia a

complexidade do processo de produção e de desenvolvimento.

De forma similar ao conceito de plataforma mundial, o projeto modular também tem

sido utilizado como uma das estratégias do setor para fazer frente ao aumento na

gama de produtos. Módulos são conjuntos de componentes que podem ser

separados ‘naturalmente’ sem que a integridade do produto final seja comprometida

(Baldwin e Clark, 1997). A separação entre os módulos pode ocorrer tanto para fins

de produção quanto para o desenvolvimento dos produtos.

Segundo Dias (2003) “a independência entre os módulos faz com que seja possível

projetá-los em lugares distintos, por diferentes equipes, desde que haja um

mecanismo de coordenação que garanta a integridade do produto final”.

4 Apud Dias (2003)

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Outro fenômeno relevante no setor, em nível mundial, é a crescente participação

dos fornecedores no processo de desenvolvimento de produtos e na produção do

setor automotivo, de modo geral.

Qualquer que seja a estratégia adotada pelas montadoras para reduzir custos em

face à diversificação da produção, os fornecedores, especialmente os de primeiro

nível, aparecem como peças centrais, participando cada vez mais intensamente do

desenvolvimento de novos produtos.

De fato, o surgimento da estratégia de “projeto modular”, na segunda metade dos

anos 90, transformou substancialmente a relação entre montadoras e fornecedores.

As montadoras, ao introduzir um novo nível hierárquico na cadeia, formado pelos

chamados sistemistas, lograram reduzir o número de fornecedores de 500 para algo

em torno de 150 (Salerno et. all., 2002). Os sistemistas seriam os responsáveis por

fornecer subconjuntos ou módulos completos e interdependentes para as

montadoras. Nesse sentido, os fornecedores também ampliaram sua

responsabilidade no desenvolvimento dos novos modelos e ampliaram sua

participação na geração de valor dentro do setor.

Segundo Salerno, et. all. (2002) as novas estratégias de produção e

desenvolvimento buscam “compartilhar custos de desenvolvimento de produtos, via

sua produção em diversos países, com a crescente integração de fornecedores de

primeiro nível já nas primeiras fases de detalhamento de projetos”. De fato,

Biesebroeck (2006) também identificou o crescimento da participação do setor de

autopeças no valor adicionado pelo setor automotivo.

Em síntese, se por um lado, a estratégia de produção de um “carro mundial” parecia

conduzir o processo de desenvolvimento de produtos a uma centralização nos

países centrais, a estratégia “plataforma mundial” e, principalmente, as estratégias

de projeto modular, parecem abrir novas possibilidades de inserção das subsidiárias

nos processos de inovação das matrizes. Segundo Dias (2003) “a modificação do

conceito de produto global, e sua aplicação diferente aos diferentes segmentos de

mercado podem gerar estruturas de desenvolvimento de produtos descentralizadas,

porém integradas e, portanto, mais complexas”.

Essas novas formas de organização da produção e de desenvolvimento de

produtos parecem constituir uma importante “janela de oportunidade” para as filiais

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das grandes empresas do setor em termos de participação nos processos de P&D

empreendidos por essas empresas em nível mundial.

Da mesma forma, o fracasso do conceito puro de “carro mundial” e a constante

necessidade de adaptações dos produtos a mercados específicos contribuem para

que seja necessária a descentralização de pelo menos uma parte das atividades de

P&D das montadoras em direção aos países onde os produtos serão

comercializados.

2.3. DESEMPENHO DO SETOR NO BRASIL: 1996 – 2008

Durante o período do regime automotivo5 e, em grande medida, como resultado

dele, a indústria automotiva brasileira realizou grandes investimentos na ampliação

de sua capacidade produtiva. Segundo Almeida et. all. (200X), a retomada dos

investimentos do setor na segunda metade dos anos 90 esteve relacionada, não

apenas com o Regime Automotivo, mas também com a integração com a Argentina,

que possibilitou às empresas se aproveitarem do comércio intra-firma e ganharem

escala de produção.

Estima-se que, entre 95 e 98 as empresas do setor investiram, em média, US$ 2,12

bilhões ao ano. De fato, durante o período de vigência do Regime Automotivo

estavam previstos US$ 14,8 bilhões de investimentos das montadoras amparados

pelos incentivos do regime.

Uma parte dos investimentos realizados foi feita pelos novos competidores no

mercado brasileiro, cuja entrada ocorreu tanto em resposta aos incentivos do

Regime Automotivo quanto em virtude da nova onda de internacionalização do setor

em busca dos mercados emergentes. Durante este período, montadoras como

Renault, Peugeot, Chrysler, entre outras (tabela 6), instalaram novas plantas

produtivas no país.

A tabela 6 apresenta um resumo dos principais compromissos de investimentos até

o ano 2000. Grande parte das inversões foi feita pelas 4 montadoras já instaladas

no Brasil, o que demonstra o esforço dessas firmas para manter posição

competitiva frente às novas montadoras e frente ao aumento da concorrência. A 5 Ver no anexo 1 as políticas públicas para o setor automobilístico na década de 1990

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estratégia das firmas já instaladas é garantir as vantagens competitivas sobre os

novos entrantes através das economias de escala e da expansão da produção.

Neste sentido, os investimentos que tinham sido previstos tinham o objetivo

atualizar os produtos já ofertados e ampliar a variedade de modelos, tendo como

base os carros populares e de tamanho médios, sem perder economias de escala.

TABELA 6. INVESTIMENTOS PREVISTOS NA INDÚSTRIA AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL SOB

OS INCENTIVOS DO REGIME AUTOMOTIVO – 1996/99

Montadora Investimento (Milhões)

Produção /Ano

início modelo local

Audi 500 60 mil 98/99 Vento / A3 S.J. dos Pinhais/PR

Volkswagen 250 nd 98/99 Golf nd

Volkswagen 250 40 mil 96/97 Caminhões / Ônibus Rezende/RJ

Volkswagen 3000 nd nd (Ampliação, fábricas e novos

produtos)

General Motors 3000 nd nd (Nova fábrica, novos

produtos, modernização)

General Motors 600 150 mil 98/99 Mini Corsa Gravataí/RS

Fiat 2500 750 mil nd (Ampliação, modernização,

fábricas e novos produtos)

Fiat / Iveco 120 nd 98 Caminhões Brasil

Ford 3000 nd nd (Ampliação, modernização,

fábricas e novos produtos)

Renault 1000 75 mil 98/99 Mégane S.J. dos Pinhais/PR

Toyota 500 100 mil 98/99 Corolla Indaiatuba/SP

Mercedez-Benz 400 80 mil 98 Classe A Juiz de Fora/MG

Mercedez-Benz nd nd nd Caminhões / Ônibus

(modernização, novos

produtos)

Honda 600 30 mil 97 Civic Sumaré/SP

Peugeot 400 30 mil nd nd Pouso Alegre/MG

Mitsubish 150 30 mil nd L200 nd

Chrysler 315 12 mil 98 Dakota / Neon Campo Largo/PR

Chrysler / BMW 500 nd nd 200 mil motores/ano Brasil

BMW / Rover 150 20 mil 97 Defender Minas Gerais

Hyundai 700 100 mil 99 Accent nd

Asia 400 60 mil 99 Towner / Topic Bahia

Skoda 150 10 mil 98 Caminhões Santa Catarina

Total 21.320 1.547 mil

Fonte - Banco de dados sobre indústria automobilística DIPPP/IPEA

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19

As estratégias dos novos entrantes foram caracterizadas por um volume pequeno

de investimentos. Esta estratégia é a mais adequada para as firmas que ainda não

estabeleceram suas redes de fornecedores e distribuidores e possuem pouca

experiência na produção local. Desta maneira, o processo de aprendizado ocorre

sem os riscos dos grandes investimentos.

TABELA 7. INDICADORES DE CONCENTRAÇÃO NA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA

BRASILEIRA: 1996 A 2005.

Automóveis Caminhões e

ônibus

Cabines, carrocerias e

reboques Autopeças

Ano

CR4 HHI CR4 HHI CR4 HHI CR4 HHI

1996 0,99 0,25 0,90 0,33 0,47 0,07 0,13 0,01

1997 0,98 0,25 0,90 0,31 0,47 0,07 0,16 0,02

1998 0,95 0,23 0,92 0,37 0,49 0,08 0,18 0,02

1999 0,91 0,22 0,93 0,37 0,51 0,09 0,17 0,02

2000 0,87 0,21 0,95 0,35 0,53 0,10 0,16 0,02

2001 0,87 0,21 0,83 0,26 0,53 0,09 0,17 0,02

2002 0,83 0,19 0,81 0,25 0,51 0,13 0,19 0,02

2003 0,79 0,17 0,81 0,25 0,48 0,08 0,19 0,02

2004 0,76 0,16 0,87 0,26 0,44 0,08 0,20 0,02

2005 0,75 0,16 0,91 0,28 0,48 0,08 0,18 0,02

Fonte: Pesquisa Industrial Anual (PIA – IBGE).

Qualquer que fosse sua estratégia de entrada no mercado brasileiro, ao longo dos

últimos anos, a presença de um maior número de montadoras contribuiu para

reduzir, de forma expressiva, a concentração no setor montador. A 0 apresenta dois

indicadores de concentração: o CR4, que mede a participação das 4 maiores

empresas no valor bruto da produção do setor e o HHI, que é um índice clássico de

concentração industrial que vai de 1 (concentração total) até 1/n, onde n é o número

de empresas no setor (produção igualmente distribuída entre todas as empresas).

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A análise dos indicadores acima mostra uma expressiva redução da concentração

no setor de automóveis entre 1996 e 2005. Em 1996, as 4 maiores empresas

montadoras de automóveis detinham 99% do valor bruto da produção no setor

montador. Dez anos depois, a participação das 4 maiores caiu para 75% do valor da

produção, evidenciando o ganho de participação dos novos entrantes e o aumento

da concorrência no setor. Na fabricação de caminhões e ônibus, os indicadores de

concentração oscilaram bastante no período e, em 2005, estavam muito próximos

aos níveis de 1996. O mesmo aconteceu com cabines e carrocerias.

O setor de autopeças, por sua vez, viveu um movimento oposto ao de fabricação de

automóveis. Houve, no período, um movimento de concentração de mercado

expresso pela participação das 4 maiores na produção do setor, que saltou de 13%

em 1996 para 18% em 2005. O HHI capta essa mudança de forma muito menos

pronunciada em virtude do elevado número de empresas no setor. De fato, a

produção no setor de autopeças, a despeito da concentração recente, é muito mais

pulverizada do que no setor montador.

O desempenho do setor de autopeças vem sendo influenciado pelas estratégias

das montadoras que procuram aproximar a produção doméstica dos padrões

internacionais de qualidade e custos. Os investimentos das montadoras para

construção de novas plantas, com técnicas de produção mais modernas, exigem do

setor de autopeças capacitação, eficiência e maior participação no projeto e na

montagem dos veículos. Seguindo a tendência internacional, o padrão de produção

que surge a partir dos novos investimentos nos anos 90 altera de forma significativa

o relacionamento entre montadoras e fornecedores de peças e componentes.

Uma das principais características do relacionamento atual é a criação de uma elite

de fornecedores, chamados de primeiro nível, que passam a controlar a maior parte

do valor adicionado dentro da cadeia produtiva. Os fornecedores de primeiro nível

contratam outras firmas que anteriormente vendiam diretamente para as

montadoras. Cabe a eles manter programas de P&D e participar de processo de

desenho, desenvolvimento e teste de novos produtos. A contrapartida para esse

fornecedor preferencial é o envolvimento no estágio de concepção de novos

veículos e a prioridade no fornecimento para novas plantas. Esse processo reduz

drasticamente o número de fornecedores diretos.

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Seguindo esse novo modelo de produção, a ampliação da capacidade de

montagem de veículos, ou a instalação de novas plantas em outros mercados

domésticos, é realizada com fornecedores globais que possuem grande escala de

produção, baixos custos e alta qualidade. Como a escolha desses fornecedores,

muitas vezes acontece fora do Brasil, as empresas brasileiras tiveram

desvantagens para acompanhar esse processo. As grandes empresas nacionais

que vinham trabalhando diretamente com as montadoras foram pressionadas a

realizar grandes investimentos para se adequar ao novo padrão de produção. O

acirramento da concorrência com a abertura internacional pressionou as margens

de lucro do setor para baixo e fragilizou financeiramente as empresas nacionais

dificultando a realização de novos investimentos. As firmas brasileiras passaram a

fornecer indiretamente através dos fornecedores de primeira linha ou foram

compradas por firmas multinacionais.

Essas razões explicam porque a concentração e a desnacionalização marcaram a

reestruturação na indústria de autopeças no período recente. O intenso processo de

fusões, aquisições (F&A) e joint ventures aumentou significativamente a escala de

produção e reestruturou a propriedade do capital das firmas. Grande parte dos

investimentos diretos externos (IDE) no setor de autopeças brasileiro foi realizado

através de F&A e associação entre empresas.

TABELA 8. PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA NO FATURAMENTO DO SETOR

AUTOMOTIVO (%): 2000, 2003 2005.

Ano Automóveis Caminhões Cabines Autopeças 2000 99,8 95,4 1,5 66,4 2003 99,3 97,9 3,8 65,3 2005 97,4 98,3 6,4 64,1

Fonte: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC – IBGE).

Rodrigues (1998) verificou, entre 1994 e 1997, um forte aumento do market share

de empresas estrangeiras no universo das maiores empresas na indústria de

autopeças brasileira6. Em 1994, 45,35% das vendas domésticas eram realizadas

6 Segundo o BNDES (1996), das 60 maiores empresas mundiais do setor, pelo menos 34 já estavam presentes no país no final de 1996. Essas empresas lideram os segmentos de direção, transmissão, sistemas elétricos, eletrônica embarcada, freios e são representativas nos segmentos de eixos, motores e rodas.

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por firmas com controle acionário do capital nacional e, em 1997, a participação

dessas firmas caiu para 25,87%.

Esse movimento de desnacionalização, entretanto, parece ter se esgotado na

década de 90. A tabela 8 mostra que, entre 2000 e 2005, a participação estrangeira

– tanto no segmento de automóveis quanto em autopeças – apresentou, inclusive,

uma pequena redução.

Importante destacar também que há uma grande diversidade de produtos e

processos produtivos dentro da indústria de autopeças. As empresas são muito

diferentes em termos de tamanho, propriedade do capital e segmento de atuação.

Essa heterogeneidade explica porque, a despeito do movimento de concentração e

de ganhos de escala, ainda houve um aumento muito grande no número de

empresas no setor de autopeças na última década.

TABELA 9. NÚMERO DE EMPRESAS E FATURAMENTO MÉDIO NO SETOR AUTOMOTIVO: 1996-2006

(R$ mil de 2007)

Automóveis Caminhões Cabines Autopeças Ano

N Fat. N Fat. N Fat. N Fat.

1996 16 3.284.251 12 965.373 539 7.565 906 23.187

1997 13 4.445.880 11 1.189.257 522 8.808 960 25.779

1998 12 4.308.539 10 1.250.036 595 8.176 1.052 22.564

1999 18 2.906.676 13 1.101.541 608 6.817 1.103 22.023

2000 17 3.307.011 10 1.377.233 619 8.617 1.162 24.683

2001 23 2.746.023 13 1.265.744 614 10.244 1.193 25.738

2002 26 2.768.265 15 1.191.205 693 9.003 1.443 25.587

2003 25 2.812.933 22 832.291 718 8.896 1.383 35.125

2004 40 1.743.004 14 1.326.653 727 10.009 1.413 37.412

2005 27 2.792.140 13 1.519.170 836 8.498 1.501 34.952

2006 32 2.512.085 15 1.254.209 724 9.847 1.601 31.056

Fonte: Pesquisa Industrial Anual (PIA – IBGE). Obs. Faturamento em R$ constantes de 2007,

deflacionado pelo IPA-OG de material de transporte.

A tabela 9 mostra que o faturamento médio das empresas do setor automotivo –

com exceção do segmento de automóveis, provavelmente em virtude da instalação

de novos concorrentes – aumentou entre 1996 e 2005, evidenciando os ganhos de

escala do setor. No segmento de autopeças, o aumento na escala média de

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operação se deu paralelamente com a ampliação do número de firmas, o que

evidencia que o crescimento da produção total no setor foi ainda maior do que o

crescimento do número de empresas.

Essa onda de investimentos no setor baseou-se, também, na expectativa de um

expressivo crescimento da demanda interna, que só foi se materializar muito

recentemente. De fato, entre 1996 e 2003, a produção e as vendas de veículos no

Brasil ficaram praticamente estagnadas (gráfico 3). O desempenho do setor

começou a melhorar em 2004, fruto do crescimento econômico e do aumento da

renda da população e, mais recentemente, do aumento dos prazos de

financiamento para veículos.

De fato, várias tentativas de impulsionar a venda de automóveis por meio de

reduções de IPI foram feitas, durante o período considerado, entretanto sem muito

sucesso. A principal medida que, efetivamente, alavancou a venda de automóveis

nos últimos anos foi a flexibilização nos critérios de concessão de crédito, que

permitiu financiar um veículo em prazos maiores.

GRÁFICO 3. PRODUÇÃO ANUAL DE VEÍCULOS NO BRASIL, EM MILHÕES DE UNIDADES: 1990 A 2008*

Fonte: Anfavea (IPEADATA). (*) Doze meses (agosto/07 - julho/08)

Entre 2003 e julho de 2008, a produção anual de automóveis no Brasil aumentou

em mais de 1 milhão de unidades impulsionada, em grande medida, pelo

aquecimento do mercado interno. Esse desempenho também proporcionou, como

1,461,68

1,111,36

1,50 1,52 1,51

1,862,01 2,09

2,39

2,68

1,25

0,00

0,50

1,00

1,50

2,00

2,50

3,00

1996

1997

1998

1999

2000

2001

2002

2003

2004

2005

2006

2007

2008

*

Milh

ões

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vimos anteriormente, um crescimento da participação brasileira na produção

mundial de veículos.

Obviamente, o faturamento das empresas do setor acompanhou esse bom

desempenho da produção, passando de pouco mais de R$ 100 bilhões em 2000

para cerca de R$ 156 bilhões em 2006: um crescimento de 50%, em termos reais.

Embora a última Pesquisa Industrial Anual disponível seja a de 2006, os números

da ANFAVEA (gráfico 3) permitem afirmar que o faturamento deve ter continuado a

crescer nos últimos meses.

O faturamento do segmento de automóveis também cresceu cerca de 40%,

passando de R$ 56 bilhões para cerca de R$ 80 bilhões entre 2000 e 2006 e o

faturamento do segmento de caminhões e ônibus cresceu 37%.

Entretanto, o crescimento mais expressivo e que mais chama a atenção no gráfico

abaixo é o das autopeças. O faturamento total das autopeças cresceu mais de 70%

no período, de cerca de R$ 29 bilhões para um valor próximo a R$ 50 bilhões. Esse

crescimento explica porque, mesmo com o aumento do número de empresas, ainda

houve um ganho de escala das empresas do setor nos últimos anos.

Esse comportamento evidencia o aumento da participação das autopeças na

produção total do setor. Em 1996, o segmento de autopeças respondia por 25% do

valor bruto da produção no setor automotivo e, em 2006, essa participação subiu

para 35%. O mesmo se deu em termos de faturamento, onde a participação das

autopeças era 23% e subiu para 32% do faturamento em 2006.

A contrapartida foi uma redução da participação das montadoras na produção do

setor: o segmento de montagem de automóveis representava 59% do valor da

produção em 1996 e caiu para 49% em 2006.

Em linhas gerais, o aumento da importância do setor de autopeças na cadeia

produtiva de automóveis no Brasil corrobora e está alinhado com o movimento que

vem acontecendo em termos globais. De fato, o crescimento da participação do

setor de autopeças também é verificado por Biesebroeck (2006) em nível mundial.

Provavelmente, isso está relacionado com as novas estratégias das montadoras e

com as novas formas de organização da produção do setor, onde o papel dos

fornecedores – especialmente os de primeira linha – tem se tornado cada vem mais

relevante na geração de valor dentro da cadeia.

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GRÁFICO 4. EVOLUÇÃO DO FATURAMENTO TOTAL DO SETOR AUTOMOTIVO (R$ BILHÕES): 1996 A 2006.

-

1020

3040

5060

7080

90

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006

Sub

-set

ores

R$

Bi

-

2040

6080

100120

140160

180

Tota

l R$

Bi

Automóveis Caminhões

Autopeças Total

Fonte: IBGE (Pesquisa Industrial Anual). Elaboração própria. Obs. Faturamento em R$ constantes

de 2007, deflacionado pelo IPA-OG de material de transporte.

A indústria automobilística compreende os setores de autopeças e montadoras,

ambos com elevadas economias de escala. Como conseqüência das economias de

escala a estrutura de mercado no caso das montadoras possui poucas firmas e,

apesar do setor de autopeças ter um número maior de firmas, ambos os setores

possuem uma estrutura oligopolista. Os padrões de competição dentro da indústria

são caracterizados pela oferta de produtos altamente diferenciados no mercado.

Além disso, grande parte do capital das firmas instaladas no mercado doméstico é

de origem externa o que torna o comércio internacional em grande medida

administrado dentro da firma e dentro da indústria7.

No período de 1996 a 2007, as exportações de veículos e autopeças conjuntamente

registraram taxa de expansão de cerca de 264%. No mesmo período, as

exportações brasileiras ampliaram aproximadamente 237%. Essa taxa de expansão

das exportações do setor automotivo superior à nacional se deveu ao forte aumento

7 Existe uma vasta literatura sobre o comércio intraindústria e intrafirma. Sobre esse assunto pode ser consultado: Grubel H.G. & Lloyd,P.J. (1971); Helpman, E. (1981) Krugman, P. (1981); Lancaster, K.(1980).

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26

das vendas externas de veículos, que cresceram 475% no período. As exportações

de autopeças cresceram menos: 86% no período.

GRÁFICO 5. EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES E SALDO DO COMPLEXO

AUTOMOTIVO (US$ BILHÕES): 1996-2008.

-2

0

2

4

6

8

10

12

14

1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007

US

$ bi

lhõe

s

Exportação Importação Saldo

Fonte: MDIC-SECEX.

Entre 1996 e 2007, as importações do setor automotivo, por outro lado, cresceram

58%, impulsionadas especialmente pelo aumento nas compras de veículos (74%)

ao passo que as importações de autopeças cresceram 37%.

A tabela abaixo mostra a evolução do comércio exterior do complexo automotivo,

segundo a classificação adotada por este trabalho e expressa na descrição da

cadeia. Os dados foram agrupados em duas categorias: i) veículos, que contém os

segmentos de automóveis e de caminhões e ônibus e; ii) autopeças, que agrega o

segmento de autopeças, propriamente dito, e o de carrocerias e reboques.

Verifica-se, a partir da tabela, que a balança comercial de veículos foi deficitária até

1998, apresentando, após aquele ano, superávits crescentes até 2005. O saldo

comercial da balança de autopeças também apresentou crescimento no período

ainda que bastante inferior ao de veículos.

Vale destacar também que, desde 2002, o setor automotivo vem contribuindo de

forma expressiva para o saldo da balança comercial brasileira. O setor respondeu

por mais de 47% do saldo de 2002 e, nos últimos 5 anos, em média, por cerca de

17%.

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TABELA 10. COMÉRCIO EXTERIOR DO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO (VEÍCULOS E

AUTOPEÇAS): 1996 – 2007

US$ milhões

Veículos (Automóveis e Caminhões) Autopeças (Cabines e autopeças) Ano

Exportação Importação Saldo Exportação Importação Saldo

1996 1.609 2.504 -895 1.905 1.901 4

1997 3.092 3.855 -763 2.192 2.060 132

1998 3.397 4.252 -855 2.210 1.919 291

1999 2.346 2.165 181 1.585 1.162 423

2000 3.137 2.248 889 1.689 1.225 464

2001 3.312 2.354 958 1.520 1.194 326

2002 3.448 1.393 2.055 1.558 1.151 407

2003 4.667 1.091 3.576 1.879 1.275 604

2004 6.102 1.098 5.004 2.622 1.777 845

2005 8.694 1.693 7.001 3.239 2.142 1.097

2006 9.121 2.856 6.265 3.874 2.155 1.719

2007 9.248 4.346 4.902 3.545 2.596 949

Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE.

Com relação aos mercados compradores de veículos e autopeças brasileiros, o

principal destaque é a Argentina. A exceção do período de crise econômica (de

2001 a 2003), de uma forma geral, a Argentina adquiriu no período de 1996 a 2007

mais de 25% dos produtos exportados pelo setor.

Destaque-se também, no período, a ampliação da participação de México – ainda

que venha se reduzindo nos últimos 5 anos –, Venezuela, Alemanha e África do

Sul. Estados Unidos, Itália e China destacam-se entre os mercados que reduziram a

participação nas exportações brasileiras do setor.

A tabela 11 mostra a evolução dos principais mercados compradores de produtos

do complexo automotivo brasileiro no período de 1996 a 2007. Utilizou-se o capítulo

87 da nomenclatura comum do Mercosul (NCM) para representar o setor.

Assim como é o principal mercado comprador, a Argentina também é o principal

fornecedor de produtos do complexo automotivo para o Brasil, no período estudado.

De forma geral, o Brasil adquiriu da Argentina mais de 30% do total importado do

setor. Outro importante mercado fornecedor é a Alemanha de quem o País adquire

normalmente mais de 10% das compras do setor. Cabe destacar também o

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aumento da participação da China, México, Japão e França, embora estes dois

últimos venham perdendo participação nos últimos anos.

TABELA 11. PRINCIPAIS DESTINOS DAS EXPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO SETOR

AUTOMOTIVO EM ANOS SELECIONADOS

%

País 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2007

Argentina 41,0% 40,9% 27,3% 7,4% 24,3% 27,7% 31,3%

México 2,5% 5,1% 17,7% 25,2% 20,4% 16,3% 12,0%

Venezuela 2,2% 4,2% 3,2% 4,5% 4,1% 7,1% 10,6%

Alemanha 2,0% 3,6% 1,8% 1,6% 1,7% 5,8% 6,8%

Estados Unidos 11,9% 8,5% 16,6% 25,4% 13,0% 10,2% 6,7%

Chile 8,3% 4,0% 6,5% 5,6% 6,5% 5,6% 5,6%

África do Sul 2,4% 1,3% 1,6% 2,7% 3,6% 4,2% 4,0%

Itália 3,5% 8,3% 8,6% 1,8% 1,5% 1,2% 0,9%

China 2,7% 0,3% 0,3% 2,1% 1,3% 0,5% 0,3%

Outros 23,5% 23,7% 16,3% 23,7% 23,6% 21,5% 21,7%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE.

TABELA 12. PRINCIPAIS PAÍSES FORNECEDORES DAS IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DO

SETOR AUTOMOTIVO EM ANOS SELECIONADOS

%

País 1996 1998 2000 2002 2004 2006 2007

Argentina 33,9% 46,4% 37,4% 31,2% 25,3% 34,3% 36,5%

Alemanha 14,7% 10,2% 12,7% 18,0% 15,0% 13,6% 11,9%

Japão 4,7% 7,8% 9,9% 11,0% 14,2% 10,9% 10,3%

México 5,1% 1,5% 1,4% 3,2% 1,2% 6,5% 7,3%

Estados Unidos 8,4% 8,4% 8,3% 8,0% 10,5% 8,7% 5,3%

França 2,2% 2,5% 5,7% 7,6% 7,5% 6,1% 4,9%

Coréia do Sul 4,3% 3,6% 4,2% 2,3% 0,8% 1,9% 4,5%

Itália 9,8% 6,3% 5,1% 4,7% 4,7% 3,0% 3,5%

China 0,6% 0,2% 0,3% 0,7% 1,5% 2,4% 2,9%

Outros 16,2% 13,0% 14,9% 13,3% 19,3% 12,7% 12,9%

Total 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: Secex (MDIC). Elaboração própria a partir da tradução da NCM para a CNAE.

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3. EMPRESAS LÍDERES NO SETOR AUTOMOTIVO8

O objetivo desta seção é caracterizar quem são as empresas líderes no setor e

compará-las com as demais empresas que fazem parte do complexo automotivo. A

divisão das empresas entre líderes, seguidoras, emergentes e frágeis9 parte do

pressuposto que há uma grande heterogeneidade entre as empresas na indústria

brasileira, mesmo entre as que estão em um mesmo setor de atividade.

As líderes são as empresas mais inovadoras do setor, tanto em produtos como em

processos, ou seja, são líderes no sentido tecnológico e detém parcela considerável

do mercado. Essas empresas podem exercer dois tipos diferentes de liderança: i)

em diferenciação de produtos, no caso das inovadoras em produto, ou; ii) em

custos, no caso das inovadoras em processo. As empresas seguidoras, por sua

vez, têm capacidade de acompanhar as empresas líderes nos seus processos de

inovação e estão atualizadas tecnologicamente.

Argumenta-se que, a despeito da heterogeneidade do tecido industrial brasileiro,

existe no país um conjunto de empresas – representadas pelas empresas líderes e,

num segundo momento, pelas seguidoras – capazes de acumular conhecimento e

difundir inovações para o restante da indústria. Assim, o desempenho desse núcleo

dinâmico da indústria pode contribuir para alavancar o desenvolvimento da indústria

como um todo ou de um setor em particular.

Existe, entretanto, um conjunto de empresas na indústria brasileira, caracterizadas

por baixa competitividade e produtividade menor do que esse núcleo dinâmico.

Essas empresas são numericamente expressivas mas representam muito pouco do

faturamento industrial. Elas necessitam ganhar escala e eficiência e,

provavelmente, terão que passar por processos importantes de reestruturação

patrimonial – por meio de fusões e aquisições, por exemplo – e produtiva sob pena

de não serem capazes de sobreviver em um ambiente cada vez mais competitivo.

8 Nesta seção e no restante do trabalho, a análise das empresas se concentra nas empresas com mais de 30 pessoas ocupadas representadas pela amostra da Pesquisa de Inovação Tecnológica (PINTEC). 9 Detalhes sobre o critério de classificação estão disponíveis no capítulo 1 desta obra.

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Por fim, existe um grupo pequeno de empresas que, não fazem parte desse núcleo

dinâmico tampouco são pouco eficientes. São as empresas emergentes, que

possuem importantes atividades tecnológicas e que podem, no futuro, desempenhar

um papel ainda mais relevante na acumulação de conhecimento na indústria

brasileira.

Essas são algumas das características gerais de cada um desses grupos de

empresa na indústria brasileira. Dada essa classificação, o objetivo desta seção é

apresentar as características gerais das empresas que constituem o núcleo

dinâmico do setor automotivo para, na próxima seção, avaliar suas estratégias de

inovação e quais são os mecanismos pelos quais elas acumulam conhecimento.

3.1. CARACTERÍSTICAS BÁSICAS

Existem 62 empresas que exercem papel de liderança tecnológica – seja de custos

ou de diferenciação de produtos – no setor automotivo e mais de 400 empresas

seguidoras. Todas essas empresas, líderes ou seguidoras, são altamente eficientes

e competitivas internacionalmente: todas elas são exportadoras. Entretanto, são as

empresas líderes as responsáveis pela introdução de novos produtos ou processos

produtivos no mercado brasileiro: são elas que direcionam os processos de

inovação e as trajetórias tecnológicas seguidas pelo setor.

Por outro lado, existem outras 400 empresas classificadas como frágeis – não

exportadoras, pequenas e pouco competitivas – e 28 empresas emergentes10.

As 62 empresas líderes detêm quase 60% das vendas do setor e estão,

principalmente, nos segmentos de montagem de veículos (11 empresas) e

autopeças (37 empresas). O segmento de montagem é o que tem,

proporcionalmente, o maior número de empresas líderes, o que evidencia o papel

de liderança tecnológica desempenhado pelas montadoras no complexo

automotivo.

10 Não foram identificadas empresas frágeis no segmento montador de automóveis, assim como não há empresas emergentes no segmento de caminhões e ônibus.

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TABELA 13. NÚMERO DE FIRMAS, PARTICIPAÇÃO ESTRANGEIRA E FATURAMENTO DAS

EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR SUBSETOR E CATEGORIA DE FIRMA, PARA

EMPRESA COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS: 2005.

Total - setor automotivo

Indicador Líderes Seguidoras Frágeis

Emergen-

tes Total

N° de firmas 62 416 434 28 940

% de firmas estrangeiras 62% 25% 1% 3% 16%

Faturamento (R$ milhões) 93.684 63.345 2.245 1.005 160.278

Faturamento médio (R$ milhões) 1.518 152 5 35 171

Automóveis

N° de firmas 11 6 - 3 20

% de firmas estrangeiras 89% 49% - 27% 69%

Faturamento (R$ milhões) 69.012 15.499 - 753 85.264

Faturamento médio (R$ milhões) 6.173 2.753 - 274 4.359

Caminhões e ônibus

N° de firmas 3 10 3 - 17

% de firmas estrangeiras 71% 62% - - 53%

Faturamento (R$ milhões) 6.430 17.760 14 - 24.204

Faturamento médio (R$ milhões) 1.853 1.743 5 - 1.460

Cabines, carrocerias e reboques

N° de firmas 8 24 88 19 139

% de firmas estrangeiras 27% 6% - - 2%

Faturamento (R$ milhões) 2.450 3.278 270 92 6.090

Faturamento médio (R$ milhões) 326 135 3 5 44

Autopeças N° de firmas 37 370 254 6 667

% de firmas estrangeiras 65% 25% 2% - 18%

Faturamento (R$ milhões) 15.767 26.691 1.827 159 44.445

Faturamento médio (R$ milhões) 426 72 7 25 67

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC),

do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

A escala de produção das líderes, medida pelo faturamento médio11, é praticamente

10 vezes maior do que a das empresas seguidoras: essas empresas faturam, em

11 Note-se que o faturamento médio apresentado nesta tabela não é estritamente comparável ao da tabela 9. Aqui, analisamos apenas as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, representadas

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média, R$ 1,5 bilhão ao ano no setor automotivo. No outro extremo, estão as

empresas frágeis, cujo faturamento é de cerca de R$ 5 milhões/ano, em média ao

passo que o faturamento médio no setor automotivo como um todo é de R$ 171

milhões / ano.

Em termos de tamanho médio, as empresas emergentes são, em todos os

segmentos maiores do que as empresas frágeis, porém menores do que as

seguidoras e, obviamente, do que as líderes.

É claro que essas diferenças de tamanho escondem diferenças de escala

importantes entre os diferentes sub-setores do complexo automotivo. Os dois

segmentos nos quais a escala de produção é um fator muito mais relevante são os

segmentos de montagem de automóveis e de caminhões.

TABELA 14. SALÁRIO MÉDIO ANUAL E PRODUTIVIDADE NO SETOR AUTOMOTIVO, SEGUNDO

CATEGORIA DE EMPRESA E SUB-SETOR: 2005.

(R$ / ano)

Sub-setor Variável Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total

Salário médio 39.714 28.811 12.662 15.319 31.713Total

Produtividade 205.716 122.826 34.144 59.445 150.392

Salário médio 50.079 34.439 - 15.684 46.720Automóveis

Produtividade 275.463 289.747 - 134.591 276.562

Salário médio 53.996 49.099 27.263 - 49.805Caminhões e ônibus

Produtividade 490.326 218.603 67.344 - 268.986

Salário médio 23.122 21.017 6.646 10.077 18.179Cabines, carrocerias

e reboques Produtividade 84.090 74.901 17.021 31.981 67.963

Salário médio 27.956 24.737 14.878 18.987 24.509Autopeças

Produtividade 117.775 95.738 38.616 50.117 95.326

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC),

do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC. Obs.: a produtividade é calculada como o valor da

transformação industrial / número de pessoas ocupadas.

Entretanto, as principais tendências identificadas, quais sejam, a elevada

participação das líderes no faturamento total do setor (a despeito do menor número pela amostra da PINTEC. Na tabela 9, utilizamos a amostra da PIA, representativa de todas as empresas brasileiras, em virtude de que, naquela seção, tínhamos o objetivo de analisar o setor da forma mais ampla possível. As diferenças de amostragem e de tamanho das empresas explicam porque o faturamento médio, aqui, é bastante superior ao que foi apresentado naquela tabela.

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de firmas) e o seu tamanho médio muito superior se mantém em todos os

segmentos do setor automotivo. O segmento de caminhões e ônibus é o único onde

as empresas líderes são muito similares às seguidoras em termos de tamanho

médio.

No que diz respeito à participação estrangeira, como já ressaltamos, esse é um

setor bastante internacionalizado, no qual os grandes players são, em geral,

empresas estrangeiras. De fato, em todos os segmentos do complexo automotivo –

com exceção da fabricação de cabines, carrocerias e reboques, onde a participação

estrangeira no número total de empresas do setor – a maior parte das empresas

líderes é estrangeira: 89% no segmento de montagem de automóveis, 71% no de

caminhões e 65% no setor de autopeças. Vale lembrar que, no setor como um todo,

as empresas estrangeiras são 16% do total de empresas.

Aliado às diferenças em termos de tamanho, a tabela 14 mostra que as empresas

líderes também possuem maior produtividade e remuneram melhor os seus

trabalhadores. A produtividade das empresas líderes no setor automotivo foi de R$

205 mil por trabalhador ao ano e o salário médio foi cerca de R$ 40 mil por

trabalhador ao ano, em valores correntes de 2005.

Novamente, as empresas emergentes aparecem em melhor posição do que as

empresas frágeis, com maior produtividade e maiores salários.

Em termos das diferenças de produtividade entre os sub-setores, podemos

identificar que os elos finais da cadeia, quais sejam, os segmentos de montagem de

automóveis e de caminhões e ônibus são mais produtivos do que os demais, além

de pagarem salários mais altos.

Independentemente das diferenças entre os segmentos, em todos eles as

empresas líderes são superiores em termos desses indicadores.

No que diz respeito à inserção no comércio internacional, no conjunto do setor, as

empresas líderes parecem ser mais ativas, tanto em termos de exportações quanto

de importações. As líderes, mesmo sendo apenas 62 empresas, respondem por

cerca de 60% dos fluxos comerciais de todas as empresas do complexo automotivo.

Elas exportam e também importam mais, o que faz com que, em termos de saldo

comercial, elas tenham um desempenho muito próximo às empresas seguidoras.

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TABELA 15. INDICADORES DE COMÉRCIO EXTERIOR DAS EMPRESAS DO SETOR

AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR E CATEGORIA DE FIRMAS: 2005.

Total - setor automotivo

Líderes Seguidoras Total Fluxos de comércio

US$ milhões % US$ milhões % US$ milhões %

Exportação 9.154 58% 6.725 42% 15.879 100%

Importação 5.186 62% 3.160 38% 8.398 100%

Saldo 3.968 53% 3.564 48% 7.480 100%

Automóveis

Exportação 6.550 75% 2.212 25% 8.762 100%

Importação 3.893 83% 756 16% 4.691 100%

Saldo 2.657 65% 1.456 36% 4.071 100%

Caminhões e ônibus

Exportação 1.087 28% 2.796 72% 3.883 100%

Importação 565 28% 1.484 72% 2.049 100%

Saldo 522 28% 1.312 72% 1.834 100%

Cabines, carrocerias e reboques

Exportação 209 42% 283 58% 492 100%

Importação 28 30% 67 70% 95 100%

Saldo 181 46% 217 55% 397 100%

Autopeças

Exportação 1.304 48% 1.433 52% 2.738 100%

Importação 699 45% 854 55% 1.562 100%

Saldo 606 52% 579 49% 1.175 100%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica

(PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho.

Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

Boa parte da predominância das empresas líderes no comércio internacional do

complexo automotivo é explicada pelo seu desempenho no sub-setor de

automóveis. Nesse sub-setor, cerca de 80% dos fluxos de comércio e 65% do saldo

comercial se devem às empresas líderes. Além de serem maiores, as empresas

líderes também são a maior parte das empresas neste setor, o que ajuda a explicar

a razão dessa predominância.

Nos demais segmentos da cadeia automotiva, mesmo sendo em muito menor

número, as empresas líderes representam uma parcela bastante significativa do

comércio exterior. Entretanto, quando olhamos para o coeficiente de exportação

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dessas empresas, no setor automotivo, as empresas seguidoras possuem maiores

coeficientes de exportação na montagem de automóveis e coeficientes muito

próximos às seguidoras em cabines e carrocerias.

TABELA 16. COEFICIENTES DE EXPORTAÇÃO DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR E CATEGORIA DE FIRMAS: 2005.

Setor e sub-setor Líderes Seguidoras

Total automotivo 23,8% 25,9%

Automóveis 23,1% 34,7%

Caminhões e ônibus 41,2% 38,3%

Cabines, carrocerias e reboques 20,8% 21,0%

Autopeças 20,1% 13,1%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica

(PINTEC), do IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do

Trabalho. Secretaria de Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

No sub-setor de automóveis, o menor coeficiente de exportação das lideres pode

ser explicado pelo tamanho absoluto dessas empresas, significativamente maior do

que o das empresas seguidoras. Como esse segmento é o principal responsável

pelas exportações e representa mais da metade do faturamento do setor, os

coeficientes de exportação são profundamente influenciados por ele.

No segmento de autopeças, entretanto, as empresas líderes exportam uma

proporção significativamente maior do seu faturamento do que as seguidoras.

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4. INOVAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO

4.1.INOVAÇÃO NUM SETOR DOMINADO POR TRANSNACIONAIS

Como vimos, o setor automotivo é um setor muito internacionalizado e, no Brasil,

dominado por empresas estrangeiras. Nesse sentido, as perspectivas de o país ter

um papel mais ou menos relevante em termos de produção de conhecimento

depende, além de outros fatores, de como as multinacionais do setor organizam

suas atividades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento): majoritariamente na matriz

ou distribuídas ao redor do mundo12.

Segundo Pearce (1999), até recentemente, as atividades de P&D das

multinacionais eram vistas como sendo destinadas, primordialmente, para a

adaptação de produtos e processos produtivos aos mercados locais. Assim, as

atividades “mais nobres” de pesquisa estariam centralizadas na matriz da

corporação.

Os motivos apontados para a centralização das atividades de P&D são vários. Em

primeiro lugar, a existência de economias de escala nas atividades inovadoras, que

poderia não tornar viável economicamente a existência de vários laboratórios de

P&D em outros países. Em segundo lugar, as economias de aglomeração e as

vantagens de localizar os laboratórios de P&D em locais onde eles possam se

beneficiar de sinergias derivadas da proximidade com a comunidade científica e

com outras instituições de pesquisa. Por fim, uma outra razão estaria relacionada

aos problemas de coordenação e de controle e, derivados deles, à preocupação

com a segurança dos novos projetos de pesquisa. Nesse caso, as transnacionais

prefeririam reter os investimentos em P&D nos seus próprios países quando os

custos de comunicação são elevados13 e quando o país receptor possui um regime

de propriedade intelectual fraco (UNCTAD, 2005).

12 A maior parte dos gastos em pesquisa das grandes corporações internacionais ainda é realizada no seu próprio país (Patel, 1995; Dunning, 1994; Unctad, 2005; Kumar, 2001). 13 O avanço recente nas telecomunicações tem sido um dos fatores bastante citados na literatura a impulsionar o desenvolvimento de atividades inovadoras em outros países, por reduzir os custos de coordenação e monitoramento dessas atividades.

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37

Dunning (1994) sintetiza as principais motivações para o investimento estrangeiro

em atividades inovadoras reconhecidas pela literatura e ressalta as principais

capacitações e/ou os fatores condicionantes de cada uma dessas estratégias.

O primeiro grupo de motivações estaria relacionado à necessidade de adaptar e/ou

melhorar produtos ou processos destinados aos mercados locais. Para Dunning,

esse tipo de atividade tecnológica requer os mais variados tipos de habilidades,

assim como requer contatos externos, especialmente com fornecedores e

consumidores. Uma peculiaridade desse tipo de investimento é que ele será

necessário em países receptores que sejam suficientemente diferentes do país de

origem da corporação. Além disso, a escala de operação da subsidiária, bem como

a disponibilidade de recursos humanos qualificados no país receptor também

interfere nesse investimento (UNCTAD, 2005).

Outra motivação pode ser realizar pesquisa em materiais ou produtos básicos. Esse

investimento seria feito devido à imobilidade dos insumos (como minas ou

plantações) ou devido à necessidade de testes contínuos e/ou de interação os

consumidores.

Outro objetivo pode ser o de racionalizar as atividades de P&D ao redor do mundo.

Esse tipo de investimento em pesquisa é feito com o objetivo de ganhar economias

de escala ou escopo, o que requer uma sofisticada infra-estrutura local.

Por fim, as multinacionais podem investir em P&D em outros países a fim de

monitorar as atividades inovadoras estrangeiras, a chamada busca tecnológica. A

necessidade de estar presente nos principais centros inovativos do mundo,

especialmente em setores intensivos em tecnologia, constitui a principal razão para

esse tipo de investimento, que tem o objetivo de aumentar os ativos tecnológicos da

empresa.

Adaptações de produtos versus busca tecnológica constituem os dois extremos no

conjunto possível de motivos que levariam à internacionalização das atividades

tecnológicas das ETN’s. Por um lado, a adaptação de produtos seria uma atividade

“menos nobre”, já que não está relacionada à produção de conhecimento novo e

seria capaz de gerar poucas externalidades para o país receptor. Também estaria

mais associada aos investimentos realizados em países em desenvolvimento, com

poucas capacitações tecnológicas e tradição inovadora. Por outro lado, o

monitoramento das atividades tecnológicas de outros países seria feito nos países

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mais desenvolvidos e com tradição tecnológica em algumas áreas específicas. Esse

seria o investimento mais “nobre” do ponto de vista da geração de conhecimentos e

externalidades.

Nesse sentido, a decisão de investimento em pesquisa resulta da interação entre as

motivações da corporação e fatores locacionais do país de destino, que tornem

vantajosa ou necessária a pesquisa tecnológica nesses países. Esses fatores

locacionais podem ser, por exemplo, fatores macroeconômicos e institucionais

como a existência de boa infra-estrutura de pesquisa, mão-de-obra qualificada para

essas atividades e outros relacionados ao chamado “sistema nacional de inovação”.

Podem ser também a existência, no país de destino, de capacitações tecnológicas

em áreas nas quais as ETNs poderiam investir, condições de apropriabilidade dos

resultados do progresso técnico, além de incentivos específicos para investimentos

em P&D. Especialmente quando a motivação do investimento em P&D é possuir

uma janela tecnológica para as atividades inovadoras de outros países, a existência

de expertise tecnológica em áreas específicas, no país receptor desempenha um

papel fundamental.

A existência de recursos humanos capacitados e mais baratos do que nos países

desenvolvidos, por exemplo, pode ser um fator importante a atrair investimentos em

P&D para os países em desenvolvimento. É o que aponta o relatório da UNCTAD

sobre o investimento em P&D das multinacionais (Unctad, 2005). Os elevados

custos das atividades em P&D têm impulsionado as multinacionais a localizar suas

atividades de pesquisa em países com ampla disponibilidade de pessoal qualificado

e onde os custos de contratação sejam mais baratos (Unctad, 2005).

Em linhas gerais, podemos agrupar as razões que influenciam o investimento

estrangeiro em P&D em três ordens de fatores. O primeiro deles estaria relacionado

com as estratégias globais da multinacional e com fatores organizacionais

específicos de cada uma delas ou do setor em que atua. O segundo conjunto de

fatores está relacionado com características específicas das subsidiárias –

tamanho, poder de mercado, condições de financiamento, experiência em

atividades tecnológicas etc. – e o papel da mesma na corporação. O terceiro

conjunto de fatores, por sua vez, diz respeito às “vantagens locacionais” específicas

de cada país de destino do investimento direto (De Negri, 2007).

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No que diz respeito ao setor automotivo, já observamos (na segunda seção) que

uma das tendências do setor, no período recente, é o aumento no número de

modelos disponíveis aos consumidores em vários países. Para reduzir custos e

ganhar escala de produção, mesmo com essa diversificação, as empresas têm

adotado estratégias de produção em plataformas mundiais e/ou de organização

modular da produção e do desenvolvimento de produtos.

Essas estratégias, especialmente a de produção modular, poderiam abrir novas

oportunidades para a descentralização das atividades de inovação e

desenvolvimento de produtos no setor automotivo (Dias, 2003).

Entretanto, mesmo quando a estratégia adotada é a de plataformas mundiais ou de

produto mundial, Dias (2003) identificou alguns fatores que podem contribuir para

que as atividades de desenvolvimento de produtos sejam realizadas pelas

subsidiárias. Entre eles, está a necessidade de adaptações do produto às

condições locais. Quanto maior essa necessidade, mais essas atividades tendem a

ser desenvolvidas pelas filiais a fim de reduzir custos e, sobretudo tempo de

desenvolvimento de projeto. Também são relevantes, nesse caso, o tamanho do

mercado, o volume de produção da filial e a sua importância para a corporação.

Segundo a autora, “o envolvimento da filial brasileira no desenvolvimento de

produtos globais varia conforme os diferentes nichos de mercado, sendo maior para

o segmento de entrada, que é o principal no Brasil e o segmento no qual são

necessárias mais adaptações” (Dias, 2003).

A autora também cita como relevantes a experiência da filial em atividades de

engenharia. Além disso, fatores externos à filial e à corporação, como a

disponibilidade de mão-de-obra qualificada e mais barata e a existência de políticas

e incentivos específicos podem contribuir para que as atividades de P&D sejam

realizadas fora da matriz.

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4.2. O DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR AUTOMOTIVO14

O processo de desenvolvimento de produtos no setor automotivo é um processo

que custa bilhões e dura entre 3 e 4 anos (Salerno, et.all. 2008). Clark e Fugimoto

(1991) dividiram esse processo nas seguintes etapas: i) definição do conceito do

produto; ii) planejamento do produto; iii) engenharia do produto e; iv) engenharia do

processo (Figura 2).

A primeira fase consiste em definir as principais características do produto, suas

funções, tecnologias e mercado alvo.

Na segunda fase, a do planejamento do produto, o conceito inicial é traduzido em

especificações concretas: são escolhidos os componentes e é definido o design do

veículo, suas dimensões básicas e as configurações dos componentes. Segundo

Dias (2003) nessa fase são tomadas decisões importantes relacionadas os

componentes: quais devem ser desenvolvidos especificamente para o projeto e

quais podem ser aproveitados dos projetos anteriores; se os mesmos vão ser

desenvolvidos internamente ou por empresas fornecedoras etc. Nesse processo, é

fundamental o envolvimento dos profissionais de compras da montadora – que

deverão indicar os fornecedores aptos a produzir os componentes necessários – e

dos próprios fornecedores de autopeças que, algumas vezes, participam do

desenvolvimento de algumas partes do projeto.

A terceira fase é a de engenharia do produto, onde é detalhado o projeto do produto

até a confecção do protótipo, incluindo testes e re-projetos. Freqüentemente, o

projeto é dividido em partes menores, com o desenvolvimento de alguns

componentes pela própria montadora e outros projetados pelos fornecedores. A

integração entre os responsáveis pelas diversas partes do projeto é essencial nessa

fase.

A última fase é a engenharia do processo produtivo, no chão de fábrica. É nessa

fase que é pensada a forma como o novo veículo vai ser produzido e quais serão os

equipamentos e ferramentas necessárias.

14 A discussão sobre as fases e a organização do desenvolvimento de produtos no setor automotivo é baseada, principalmente, em Dias (2003).

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O Manual de Planejamento Avançado da Qualidade do Produto e Plano de Controle

(APQP/CP), desenvolvido pela Ford, GM e Chrysler classifica as etapas de

desenvolvimento de produtos de forma muito similar a de Clark e Fugimoto (Dias,

2003).

FIGURA 2. FASES DO PROCESSO DE DESENVOLVIMENTO DE PRODUTOS NO SETOR

AUTOMOTIVO.

Fonte: Elaborado por Dias (2003) a partir de Clark e Fujimoto (1991) e PAQP (1996).

Como o processo de desenvolvimento é longo e custoso, Dias (2003) aponta que

um dos objetivos principais das empresas do setor tem sido a de reduzir o tempo de

desenvolvimento do produto.

Esse objetivo se tornou ainda mais crucial para as empresas do setor em virtude do

aumento da concorrência com os produtores asiáticos. De fato, Clark et. all. (1987)

mostraram que, na década de 80, enquanto as montadoras japonesas levavam, em

média, 42,6 meses para desenvolver um novo produto, as americanas e européias

levavam aproximadamente 62 meses.

Definição do conceito

Planejamento do produto

Engenharia do produto

Engenharia do processo

Planejamento e definição

Desenvolvimento e Projeto de Produto

Desenvolvimento e Projeto de Processo

Validação de produto e processo

APQP

Clark e Fujimoto(1991)

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Segundo a autora, a redução do tempo de resposta a novas necessidades dos

consumidores é um critério importante de competitividade e, para tanto, “um certo

grau de descentralização das atividades de projeto (...) passa a ser desejável”.

Essa descentralização depende, também, de como se organiza, dentro da

corporação, as atividades de desenvolvimento de novos produtos e pode abrir

espaço tanto para a maior participação dos fornecedores e das subsidiárias nos

novos projetos.

Em um extremo, essa organização pode ser dar por equipes dedicadas a um

produto específico (novo automóvel) e a todos os elementos que fazem parte dele

bem como aos seus derivativos (projetos derivados e adaptados de um projeto

original, que lhe serve de base).

Num outro extremo está a organização matricial para o desenvolvimento do novo

veículo, onde profissionais alocados em diferentes funções de engenharia são

solicitados a desenvolver uma parte específica de determinado projeto. Nesse caso,

o projeto é subdividido por funções específicas: uma equipe trabalha no sistema de

suspensão, que também pode ser utilizado em outros projetos, outra equipe no

sistema de freios etc. De qualquer forma, existe uma unidade ou uma equipe que é

a responsável por integrar todos os componentes e as partes do projeto

desenvolvidas pelas outras equipes. Essa é a unidade sede do projeto, responsável

pela sua gestão e pelas principais decisões relativas ao desenvolvimento do

produto.

Independentemente da forma de organização do projeto, Dias (2003) argumenta

que, a fase de definição do conceito do produto exige maior centralização pois o

novo produto deve estar adequado às estratégias da companhia. Por outro lado,

também exige algum grau de descentralização, pelo menos em termos de

informação, dado que é importante a participação de profissionais que estejam

próximos ao mercado consumidor e que consigam captar as necessidades desse

mercado.

Ainda segundo a autora, na fase de engenharia do produto, “existe uma maior

especialização dos profissionais, que se dividem de acordo com o componente ou

subsistema a ser projetado”. Nesse caso, existe uma oportunidade de

descentralização do desenvolvimento.

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Segundo Veloso e Fixson (2001), a modularização facilita a participação dos

fornecedores no desenvolvimento dos novos modelos. A relativa independência dos

módulos faz com que eles sejam intercambiáveis entre vários modelos, o que

permite que os fornecedores abatam o investimento realizado em P&D entre vários

clientes. Isso contribui para tornar os fornecedores mais competitivos do que as

próprias montadoras no desenvolvimento de alguns produtos.

O autores citam o exemplo do desenvolvimento do airbag que, a princípio não era

um módulo independente. Dessa foram, os esforços de P&D eram desenvolvidos,

preponderantemente pelas montadoras. Quando o airbag se tornou um módulo

independente do veículo, abriu um novo e grande mercado para as empresas

fornecedoras investirem mais fortemente no desenvolvimento desse módulo.

Segundo eles “now, they (fornecedores) have the incentive to invest in design

resources and manufacturing facilities to develop airbag systems, because the can

be easily interchanged between different car models and various assemblers”.

O ampliação do processo de modularização dos veículos tem, efetivamente,

permitido o crescimento da participação do setor fornecedor de autopeças tanto no

desenvolvimento de produtos quanto no valor da produção do setor automotivo

(como já verificamos na seção 2). “What the modularization creates, is, in effect, a

new market for the suppliers’ products. It enables the supplier to apply similar

solutions to different assemblers, and amortize his investment across several

clients”.

A escolha dos fornecedores para um novo veículo se dá nas fases iniciais do

processo de desenvolvimento do produto. Assim, Salerno et. all. (2002) argumenta

que a engenharia da montadora é decisiva na escolha de fornecedores pois tem, na

prática, poder de veto sobre os fornecedores apresentados pelo departamento de

compras. Segundo os autores, “por decorrência, passa a ser decisiva a localização

da engenharia, ou (...) a localização da unidade na qual se encontra a engenharia

que analisa os candidatos ao fornecimento”. Essa engenharia é, segundo os

autores, aquela da unidade que é a sede do projeto do veículo e que centraliza a

gestão e as decisões sobre o projeto. Para os autores, quando filiais brasileiras

sediam o desenvolvimento de novos modelos, atraem co-design, projetos de

fornecedores e fornecimento de empresas radicadas no país. Isso aumentaria,

inclusive, as chances de empresas locais participarem do fornecimento de

autopeças para os novos modelos.

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4.3. A PARTICIPAÇÃO DAS FILIAIS BRASILEIRAS

A estrutura de desenvolvimento de produtos das grandes empresas do setor é

diferenciada de acordo com a montadora. Entretanto, podemos dividi-las em dois

grupos: as já instaladas no Brasil no início da década de 90 e as entrantes a partir

de então.

Entre as últimas, o caso da Renault é típico do grupo, razão pela qual detalharemos

um pouco mais seu desenvolvimento de produto (DP). Essa montadora tem poucas

atividades de DP locais, sendo esse altamente centralizado na matriz. Dois de seus

principais produtos (o Scénic e o Clio) têm como principal mercado a Europa e não

o Brasil – o que reforça a tendência de centralização de seu DP no exterior. A

Renault busca, com tal centralização, vantagens do ponto de vista de projeto, como

tempo e sinergia entre atores do DP. Essa estratégia tende a ser modificada, pois

as necessidades de adaptações locais tendem a ser de resposta muito demorada,

já que as solicitações brasileiras ao centro francês raramente são consideradas

prioritárias. O fato da Renault considerar o Brasil como o centro de operações do

Mercosul reforça essa última tendência.

Quanto às demais entrantes (Peugeot Citroën, Toyota, Honda e Daimler Chrysler),

a organização do DP é semelhante à Renault, como mostra Consoni (2004): “todas

essas entrantes têm lançado no país veículos que foram e continuam a ser

concebidos, projetados e desenvolvidos no exterior, sendo legítimo afirmar que

houve uma integração e atuação bastante limitadas por parte da engenharia

automotiva brasileira nesse processo”. Enfim, utilizando a tipologia de DP

apresentada, a estrutura das entrantes é a de P&D centralizado etnocêntrico,

apesar de, como dito, provavelmente tenderem a uma maior descentralização com

o tempo. Entretanto, como assinala Consoni (2004), uma das principais razões para

tal estrutura tem sido a ainda baixa escala de operações locais.

A Peugeot Citroën, por exemplo, não tem infra-estrutura tecnológica local e sua

estratégia de DP principal é mero contato técnico com a matriz e interface com os

fornecedores. Faz apenas uma tropicalização limitada e nacionalização de

componentes.

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A Toyota, por sua vez, tem apenas uma pista de testes, seu contato com a matriz é

semelhante ao da Peugeot, o mesmo acontecendo com suas capacitações em DP.

A Honda não chega nem a ter uma infra-estrutura tecnológica local, apesar de ser

semelhante às duas anteriores em contato com a matriz e quanto à capacitação em

DP.

Finalmente, a Daimler Chrysler, tem infra-estrutura tecnológica local só para

caminhões e ônibus, limitando-se a contatos com a matriz de forma idêntica às três

antecedentes, o mesmo ocorrendo com a capacitação em DP.

Quanto aos já consolidados no mercado, a Volkswagen é a que primeiro inovou

nacionalmente: a partir dos anos 1960, realizou o desenvolvimento de vários

derivativos locais (Brasília e Gol, por exemplo), com os quais foi líder até o final dos

anos 1990. O Brasil liderou o projeto do Pólo Sedan (quanto ao Pólo hatchback, o

projeto foi conduzido pela Alemanha, apesar de a filial brasileira ter mandado

engenheiros para a Alemanha). Trata-se de uma estrutura de P&D em hub. No caso

do Fox, a autonomia da filial foi ainda maior (o conceito do produto foi inteiramente

nacional, tendo como objetivo o mercado local).

Estrutura semelhante tem o P&D da Fiat. Aqui, projetos para China, Índia e América

Latina têm seu DP liderado pelo Brasil em conjunto com a Itália, com participação

maior naqueles produtos populares, principal mercado brasileiro.

A General Motors também é semelhante em estrutura de P&D: tem DP para

mercados emergentes, com projeto de derivativos, motor de baixa cilindrada e

maior potência e sistema de combustível flexível (esse último também na Volks e na

Fiat). O DP do Meriva, derivativo, teve substancial complexidade, e foi inclusive

para o mercado europeu.

A Ford apresenta envolvimento com a matriz semelhante ao da General Motors.

Em síntese, a estrutura de P&D da indústria automobilística brasileira é atualmente

dual: os novos entrantes pouca autonomia têm, enquanto os consolidados a têm de

forma relativa. Ou seja, os entrantes apresentam uma estrutura de P&D

centralizado etnocêntrico, enquanto os já consolidados apresentam uma estrutura

de P&D em hub. Entretanto, a possibilidade de aumento de autonomia parece estar

vinculada principalmente menos às perspectivas de exportação que às de

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crescimento do mercado interno, que funcionaria como uma espécie de âncora para

maiores parcerias com os centros de P&D da matriz.

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5. INOVAÇÃO E INTEGRAÇÃO DAS FIRMAS COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO

5.1. INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO

Esta seção tem o objetivo de comparar a inovação no setor automotivo brasileiro

com o restante da indústria e com o setor automotivo de outros países do mundo.

As próximas duas tabelas procuram fazer essa comparação a partir das pesquisas

de inovação de vários países. Note-se que, para garantir a comparabilidade entre

os diferentes países, utilizamos os números globais da Pesquisa de Inovação

Tecnológica do IBGE e não apenas as empresas com mais de 30 funcionários.

O Manual de Oslo define a inovação de produto como a implementação ou

comercialização de um produto novo com características de performance

aprimoradas em relação aos anteriormente produzidos. De forma similar, uma

inovação de processo diz respeito à implementação de processos de produção ou

métodos de entrega novos ou significativamente aprimorados – o que pode envolver

mudanças nos equipamentos, recursos humanos, métodos de trabalho ou uma

combinação de todos eles (OCDE, 1997).

O setor automotivo é, em termos mundiais, um setor bastante inovador, possuindo

investimentos em P&D e em atividades inovadoras maiores do que a média da

indústria.

No Brasil, a taxa de inovação (número de empresas inovadoras em relação ao total)

do setor automotivo, que é de 37%, está levemente acima da média da indústria,

34%. Em relação à inovação de produto e de produto novo para o mercado, o setor

automotivo revela uma diferença pouco significativa em relação à indústria brasileira

como um todo.

Talvez pese, nesse indicador, o elevado número de empresas no setor automotivo

brasileiro. O Brasil que, como vimos, produz cerca de 2,5 milhões de veículos por

ano possui mais de 2 mil e duzentas empresas no complexo automotivo. A

Alemanha, por sua vez, produz três vezes mais veículos do que o Brasil a partir de

uma base industrial de pouco mais de mil empresas. Esse elevado número de

empresas, boa parte delas frágeis, pouco eficientes e, provavelmente, pouco

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inovadoras contribui para explicar a menor proporção de empresas inovadoras no

Brasil em comparação com outros países.

TABELA 17. TAXAS DE INOVAÇÃO NA INDÚSTRIA E NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO

EM COMPARAÇÃO COM PAÍSES SELECIONADOS (EMPRESAS COM MAIS DE 10 PESSOAS

OCUPADAS): 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS PAÍSES).

Setor automotivo Indicadores

Alemanha Espanha França Itália Brasil

Número de empresas 1.029 959 786 1.010 2.214

667 435 399 492 819Inovadoras

65% 45% 51% 49% 37%

581 320 297 297 430Inovadoras de produto

56% 33% 38% 29% 19%

250 162 224 211 112Inovadoras de produto novo para o

mercado 24% 17% 28% 21% 5%

Indústria total Indicadores

Alemanha Espanha França Itália Brasil

Número de empresas 101.199 80.957 86.547 121.561 95.301

56.908 26.524 27.322 42.997 32.796Inovadoras

56% 33% 32% 35% 34%

43.820 15.138 16.793 22.324 19.670Inovadoras de produto

43% 19% 19% 18% 21%

17.730 5.873 10.876 13.742 3.388Inovadoras de produto novo para o

mercado 18% 7% 13% 11% 4%

Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC / IBGE) e Community Innovation

Survey (CIS 4).

Efetivamente, se observarmos a taxa de inovação do setor automotivo em alguns

outros países, observamos valores bastante superiores às taxas de inovação

brasileiras. Ou seja, o setor automotivo Brasileiro, embora seja um pouco mais

inovador do que a média da nossa indústria, ainda é muito menos inovador do que

o setor automotivo mundial.

Talvez a análise de um outro indicador possa contribuir mais para caracterizar a

inovatividade do complexo automotivo no Brasil: os investimentos em atividades

inovadoras e em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Esse indicador deve ser

menos afetado pelo elevado número de empresas na base industrial brasileira e

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talvez sejam mais esclarecedores do real padrão de desenvolvimento tecnológico

do setor automotivo brasileiro.

Os gastos com inovação15 ou em atividades inodoras incluem todos os gastos

relacionados com aquelas etapas científicas, tecnológicas, comerciais, financeiras e

organizacionais que levam à implantação de produtos ou processos

tecnologicamente novos ou aprimorados. Assim, os investimentos em atividades

inovadoras incluem, desde a pesquisa propriamente dita, até investimentos em

máquinas e equipamentos para a inovação, treinamento, projetos industriais e

dispêndios utilizados para o lançamento do produto no mercado.

Os investimentos em P&D, por sua vez, compreendem o trabalho criativo, feito em

bases sistemáticas e destinado a ampliar o estoque de conhecimentos e o uso

desse estoque em novas aplicações, conforme definido no Manual de Oslo e de

Frascati. Nesse sentido, as atividades de P&D tem um conceito muito mais restrito

do que as atividades inovadoras, de um modo geral.

A tabela 18 mostra os investimentos em P&D realizados no setor automotivo e na

indústria do Brasil em comparação com os mesmos países da tabela 17.

TABELA 18. ESFORÇOS INOVATIVOS (% DA RECEITA LÍQUIDA DE VENDAS) NA INDÚSTRIA E

NO SETOR AUTOMOTIVO BRASILEIRO EM COMPARAÇÃO COM PAÍSES SELECIONADOS

(EMPRESAS COM MAIS DE 10 PESSOAS OCUPADAS): 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS

PAÍSES).

Setor automotivo

Alemanha Espanha França Itália Brasil

Gastos em atividades inovativas 8,5% 2,3% 5,0% 2,0% 4,4%

Gastos em P&D (interno + externo) 4,5% 1,4% 4,8% 1,4% 1,4%

Indústria total

Alemanha Espanha França Itália Brasil

Gastos em atividades inovativas 4,6% 1,4% 3,4% 2,1% 2,8%

Gastos em P&D (interno + externo) 2,6% 0,8% 3,0% 0,9% 0,7%

Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC / IBGE) e Community Innovation

Survey (CIS 4).

15 Este é o conceito do Manual de Oslo, no qual se baseia a Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica, do IBGE.

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50

Os gastos em atividades inovadoras da indústria brasileira mostram que não

estamos tão distantes de alguns países europeus quanto podíamos supor olhando

apenas para a taxa de inovação. A indústria brasileira investe 2,8% do seu

faturamento em atividades inovadoras, ao passo que Espanha e França, por

exemplo, investem 1,4% e 2,1%, respectivamente.

Entretanto, quando olhamos apenas para os investimentos em P&D, a indústria

brasileira investe menos do que todos os outros quatro países (0,7%), embora

esteja muito próxima de Espanha e Itália. Isso corrobora a percepção, já ressaltada

em outros estudos, de que as atividades inovadoras brasileiras ainda são muito

dependentes da aquisição de tecnologia, especialmente tecnologia incorporada em

máquinas e equipamentos e menos de atividades de P&D propriamente ditas.

TABELA 19. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA E

NO SETOR AUTOMOTIVO NAS EMPRESAS COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS: 2005.

Setor automotivo

Indústria

total Total AutomóveisCaminhões

e ônibus

Cabines,

carrocerias

e reboques

Autopeças Recondicio-

namento

Número de

empresas (total) 31.716 940 20 17 139 667 97

13.446 511 16 12 61 396 25Inovadoras

42% 54% 84% 75% 44% 59% 25%

7.788 293 15 11 54 202 11Inovadoras de

produto 25% 31% 76% 68% 39% 30% 12%

1.565 98 14 4 29 44 7Inovadoras de

produto novo para o

mercado 5% 10% 69% 27% 21% 7% 7%

Investimento em

P&D (R$ milhões) 7.823 1.894 1.292 314 30 257 1

P&D / Faturamento

(%) 0,66% 1,45% 2,17% 1,78% 0,52% 0,54% 0,24%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

Os indicadores de investimento em atividades inovadoras também mostram um

setor automotivo muito mais intensivo em tecnologia do que aparentavam os

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51

indicadores sobre o número de empresas inovadoras. De fato, 4,4% do faturamento

das empresas do setor são investidos em atividades inovadoras e 1,4% em P&D, o

dobro do que a média da indústria. Em P&D, o setor automotivo brasileiro investe o

mesmo percentual do faturamento que o setor automotivo espanhol e italiano e

investe muito mais do que esses dois países em outras atividades inovadoras.

Quando analisamos apenas as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, o

número de empresas se reduz para menos da metade, ao mesmo tempo em que

aumenta para 54% a proporção de empresas inovadoras (tabela 19) no setor

automotivo. Entre as empresas com mais de 30 pessoas ocupadas, a taxa de

inovação no complexo automotivo é bastante superior, portanto, à da indústria

brasileira como um todo, que é de 42% (também para empresas com mais de 30

funcionários). O setor responde, ainda, por 24% dos gastos em P&D da indústria

brasileira ou aproximadamente R$ 1,9 bilhão16.

Fica patente, por esses números, que o segmento de montagem de automóveis e

caminhões e ônibus é o setor mais dinâmico, do ponto de vista tecnológico, dentro

do setor. Entre as 20 empresas do segmento de montagem de automóveis, 16 (ou

84%) são inovadoras e 14 (69%) criaram produtos novos ainda não existentes no

mercado brasileiro. Nos outros segmentos, embora a proporção de empresas

inovadoras também seja superior à média da indústria (exceção do

recondicionamento) o número de empresas inovadoras de produtos novos para o

mercado é muito inferior ao verificado no segmento de automóveis.

De fato, esse segmento responde por quase 70% (mais de 1,2 bilhão) dos

investimentos em P&D realizados no complexo automotivo e investe cerca de 2,2%

de suas vendas em P&D. O setor de caminhões e ônibus também investe uma

parcela importante das vendas em P&D (1,8%) ao passo que cabines, carrocerias e

autopeças investem menos do que a média da indústria (0,52% e 0,54% das

vendas contra 0,7% da indústria brasileira como um todo).

Quando analisamos esses indicadores do ponto de vista das empresas líderes do

setor, mais uma vez observamos que um pequeno grupo de empresas líderes é o

principal responsável pelas atividades inovativas do setor automotivo. De fato, as 62

16 Ao fazer o recorte para empresas acima de 30 pessoas ocupadas, os investimentos em P&D da indústria ficaram praticamente inalterados já que a maior parte do P&D é feito, efetivamente, por empresas maiores.

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empresas líderes são responsáveis por mais de 60% dos investimentos em P&D do

setor automotivo brasileiro, investindo 1,6% do seu faturamento em P&D (tabela

20). A mesma concentração pode ser verificada para as atividades inovadoras, de

um modo geral.

TABELA 20. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NO SETOR AUTOMOTIVO, POR

CATEGORIA DE EMPRESA (EMPRESAS COM MAIS DE 30 PESSOAS OCUPADAS): 2005.

Número de inovadoras e taxa de inovação

Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total

62 416 434 28 940Número de empresas

100% 100% 100% 100% 100%

62 271 151 27 511Inovadoras

100% 65% 35% 94% 54%

61 135 71 27 293Inovadoras de produto

98% 32% 16% 94% 31%

59 4 12 23 98Inovadoras de produto novo para o

mercado 95% 1% 3% 82% 10%

53 244 118 22 437Inovadoras de processo

85% 59% 27% 79% 46%

33 26 7 2 68Inovadoras de processo novo para o

mercado 53% 6% 2% 7% 7%

14 0 0 16 29Inovadoras de produto novo para o

mercado mundial 22% 0% 0% 56% 3%

Esforços inovativos (R$ milhões e percentual da RLV)

Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total

RLV (R$ milhões) 73.587 54.188 2.359 808 130.9423.201 2.170 44 104 5.519Gastos em atividades inovativas (R$

milhões e % da RLV) 4,3% 4,0% 1,9% 12,9% 4,2%

1.175 641 4 74 1.894Gastos em P&D interno e externo

(R$ milhões e % da RLV) 1,60% 1,18% 0,16% 9,14% 1,45%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

Todas as empresas líderes, pela nossa definição, são inovadoras. As líderes em

diferenciação de produto obrigatoriamente devem ter criado um produto novo para o

mercado brasileiro e as líderes em custo devem ter introduzido um processo novo

no mercado. Chama a atenção o fato de que essas empresas também são

inovadoras no mercado mundial: 22% delas criaram novos produtos inexistentes no

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mercado mundial. Esse número é bastante expressivo, dado que apenas 1% das

empresas brasileiras tem capacidade de inovar para o mercado mundial e apenas

3% das empresas do setor automotivo.

As empresas líderes também inovam mais em produtos do que em processos, ao

contrário das seguidoras, cuja inovação está mais concentrada no processo

produtivo: 59% das seguidoras inovam em processo e apenas 32% delas inovam

em produto. A mesma concentração em processos acontece com as frágeis,

embora em menor proporção, pois essas empresas inovam menos do que as

demais.

GRÁFICO 6. PESSOAL DE NÍVEL SUPERIOR OCUPADO EM P&D NO SETOR AUTOMOTIVO

BRASILEIRO, POR CATEGORIA DE EMPRESAS: 2005.

-

500

1.000

1.500

2.000

2.500

3.000

líderes seguidoras frágeis emergentes

engenheiros outros

2.855

1.654

41 145

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

Pela tabela 20 também fica patente o dinamismo das 28 empresas que chamamos

de emergentes. Embora sejam empresas menores e não sejam exportadoras, 94%

delas (27 empresas) criaram produtos novos para o mercado brasileiro e, 56%

inovaram para o mercado mundial. De fato, a maior parte dos inovadores para o

mercado mundial são, no setor automotivo, empresas emergentes. Os

investimentos em P&D dessas empresas, como proporção do faturamento,

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54

ultrapassam expressivamente os investimentos das líderes: elas investiram, em

2005, mais de 9% do seu faturamento em atividades de P&D.

Outro indicador relevante dos esforços inovativos das empresas brasileiras é o

número de pessoas envolvidas em atividades de P&D dentro da empresa. No setor

automotivo, existem cerca de 4.700 pessoas com curso superior atuando em P&D

dentro das empresas, entre os quais cerca de 4.200 são engenheiros (gráfico 6).

Esse número corresponde a 17% do total de pessoas com curso superior e a 23%

dos engenheiros alocados em atividades de P&D na indústria brasileira como um

todo.

Mais uma vez fica evidente a dominância tecnológica das empresas líderes. As 62

empresas empregam mais de 60% dos profissionais de nível superior envolvidos

em atividades de P&D no setor automotivo. São mais de 2.800 profissionais, entre

os quais mais de 2.500 são engenheiros.

5.2. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO

As empresas irão inovar a fim de defender suas posições já estabelecidas ou para

adquirir vantagens competitivas derivadas do novo produto. Para Dosi (1988) os

agentes irão alocar recursos em atividades inovadoras se acreditam que: i) existem

oportunidades científicas e tecnológicas ainda não exploradas; ii) existe um

mercado para os novos produtos e processos; iii) haverá benefícios econômicos

advindos da inovação.

Segundo ele, a firma pode se engajar na busca de inovações tanto por meio de

atividades formais de pesquisa e desenvolvimento quanto por meio de atividades

informais – muitas vezes relacionadas ao processo de difusão tecnológica – tais

como a adoção de inovações desenvolvidas em outras indústrias, o learning by

doing ou by using. A despeito disso, o autor ressalta a dominância da P&D na busca

tecnológica.

Entretanto, assim como Dosi, vários estudos ressaltam que as atividades formais de

P&D não são as únicas fontes de inovação na indústria nem o único fator

responsável pelo sucesso inovador das empresas. As firmas podem inovar a partir

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de múltiplos “insumos”: adquirindo conhecimento e tecnologias produzidos por

outras empresas ou instituições; comprando tecnologia incorporada em máquinas e

equipamentos, por meio de redes de cooperação, a partir da interação com os

usuários, entre outros. Neste sentido, alguns autores argumentam que a ênfase nas

atividades formais de P&D pode subestimar a capacidade inovadora das pequenas

empresas, que teriam maior propensão a utilizar outros mecanismos para inovar

que não a P&D (Dosi, 1988; Love e Roper, 1999).

A preocupação com os diversos insumos das atividade inovadora não é novidade

na literatura. Em certa medida, a taxonomia proposta por Pavitt (1984) procura

classificar os setores segundo as fontes mais importantes de inovações em cada

um deles17. Nos “setores dominados por fornecedores”, por exemplo, as principais

inovações estariam incorporadas nas máquinas e equipamentos, ou seja, seriam

inovações desenvolvidas em outros setores. Essa classificação sugere, portanto,

que nesse grupo de setores a atividade inovadora prescindiria elevados gastos com

pesquisa e desenvolvimento.

Outro exemplo é o modelo estimado por Love e Roper (1999), para a atividade

inovadora, que considera três possíveis caminhos pelos quais uma firma pode

inovar: i) esforços internos de P&D; ii) transferência de tecnologia entre empresas

do mesmo grupo e; iii) redes ou transferências de tecnologia entre empresas de

grupos diferentes. Eles encontram que os três grupos de determinantes são

relevantes para a inovação, mas que essas diferentes estratégias parecem ser

substitutas uma à outra.

Entretanto, a maior parte dos estudos empíricos apontam para uma relação de

complementaridade, e não de substituibilidade, entre as diferentes fontes (ou

insumos) da inovação. Fremann (1994), ao fazer uma revisão crítica da literatura

sobre mudança tecnológica, ressalta a importância do aprendizado – tanto

proveniente de fontes internas quanto de fontes externas – no processo de

inovação. Ele argumenta ainda, que os resultados dos estudos empíricos apontam

uma relação de complementaridade entre essas fontes. Segundo ele, “mesmo em

indústrias onde a contratação de P&D e o licenciamento de know-how são práticas

17 Essa taxonomia será abordada mais a frente, quando discutiremos os fatores externos à firma que são relevantes na explicação das atividades tecnológicas das empresas.

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comuns, eles dificilmente são alternativas às atividades tecnológicas internas

(incluindo P&D) mas são complementares a elas”.

Outros estudos também apontam na mesma direção, ou seja, de que os insumos da

atividade inovadora são complementares (Dosi, 1997). Cassiman e Veugelers

(2002) encontraram evidências de que atividades de P&D interno bem como as

atividades de procura externa de tecnologia geram, isoladamente, menos novos

produtos do que a combinação de fontes internas e externas, evidenciando alguma

complementaridade entre ambas. Para o Brasil, Braga e Willmore (1991) também

mostraram que, para um conjunto bastante amplo de empresas brasileiras, a

importação de tecnologia do exterior é uma atividade complementar ao

desenvolvimento interno de P&D.

A escolha das estratégias preferenciais de inovação – por meio do desenvolvimento

interno de tecnologia versus sua aquisição de fontes externas – não é indiferente a

uma série de características das firmas e das estruturas de mercado. Veugelers e

Cassiman (1999) mostram que as firmas pequenas são mais propensas a restringir

suas atividades inovadoras a uma de duas formas possíveis (aquisição externa ou

desenvolvimento de P&D interno), enquanto que as grandes firmas são mais

propensas a combinar fontes internas e externas. Beneito (2003) encontrou

evidências de que essa escolha também pode ser influenciada pela concorrência e

pela capacidade financeira das firmas, entre outras.

Uma das explicações para os achados da literatura empírica em relação às

complementaridades entre esforços internos de pesquisa e aquisições de

conhecimentos externos está na “dupla face” dos gastos em P&D (Cohen e

Levinthal, 1989). Além de produzir conhecimento novo, os investimentos em P&D

também ampliariam a capacidade das firmas de assimilar e explorar os

conhecimentos desenvolvidos externamente. Em outras palavras, os gastos em

P&D aumentariam a capacidade de absorção das firmas (Cohen e Levinthal, 1990).

A questão que se coloca, então, é: de que forma as empresas do setor automotivo

brasileiro inovam, isto é, quais os principais insumos e as principais estratégias

adotadas por essas empresas para desenvolver um novo produto? A tabela 21

contribui para essa análise revelando a estrutura dos dispêndios em atividades

inovadoras das empresas do setor automotivo.

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57

Por esses números, é possível perceber a relevância das diferentes atividades na

estratégia de inovação das empresas. Existe uma percepção de que a maior parte

das inovações na indústria brasileira seria de inovações de processo, em grande

medida, possibilitada pela aquisição de tecnologia incorporada em máquinas e

equipamentos. Em outras palavras, as empresas estariam inovando a partir,

preponderantemente, da compra de máquinas e equipamentos mais avançados

tecnologicamente e não por esforços internos de Pesquisa e Desenvolvimento.

Podemos perceber que isso é verdade para as empresas que classificamos como

frágeis: 82% dos investimentos que essas empresas realizam para inovar se

destinam à aquisição de máquinas e equipamentos18.

TABELA 21. DISTRIBUIÇÃO PERCENTUAL DOS GASTOS EM ATIVIDADES INOVATIVAS DAS

EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO, POR CATEGORIA DE EMPRESA: 2005.

Investimentos em atividades inovativas

Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total

Gastos totais em atividades inovativas 100% 100% 100% 100% 100%

P&D interno 31% 29% 8% 66% 31%

P&D externo 5% 1% 0% 5% 4%

Aquisição de outros conhecimentos 6% 1% 1% 0% 4%

Aquisição de máquinas e

equipamentos 30% 59% 82% 15% 41%

Treinamentos 2% 1% 1% 2% 2%

Gasto em introdução das inovações 12% 2% 1% 7% 8%

Projeto Industrial 13% 8% 6% 5% 11%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

Entretanto, para as empresas líderes, apenas 30% dos seus dispêndios em

atividades inovadoras estão relacionados com a aquisição de tecnologia

incorporada em máquinas e equipamentos. Para essas empresas, os esforços

internos de Pesquisa e Desenvolvimento têm uma relevância muito maior:

representam 31% do total gasto em atividades inovadoras. Os seus investimentos

18 Note-se que os dispêndios em máquinas e equipamentos reportados aqui não são os investimentos totais dessas empresas mas apenas os destinados ao processo de inovação.

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em inovação também parecem ser muito mais distribuídos entre diversas atividades

do que para as outras categorias de empresas.

As empresas seguidoras, embora destinem parcela similar dos seus recursos às

atividades de P&D, investem muito pouco em aquisição de P&D e de outros

conhecimentos externos, assim como em outras despesas. O principal dispêndio

inovador dessas empresas também está relacionado à aquisição de máquinas e

equipamentos.

Para as empresas emergentes, a relevância das atividades internas de P&D é ainda

maior e, para essas atividades, elas destinam 66% de todos os recursos que

aplicam em inovação.

Utilizaremos a distribuição dos gastos em atividades de inovação para classificar as

empresas segundo as estratégias de inovação predominantemente utilizadas.

Podemos classificar as empresas inovadoras segundo várias diferentes e

exclusivas estratégias de inovação (classificação inspirada em Cassiman e

Veugelers, 2004).

A primeira estratégia está relacionada com empresas que apenas compram

tecnologia e não possuem esforços próprios de P&D. Essas empresas adquirem

tecnologia por meio da contratação de P&D externo, licenças ou serviços de

consultoria. Para efeito dessa classificação, optamos por excluir as empresas que

apenas compram máquinas e equipamentos para inovar, ou seja, a compra de

tecnologia que estamos falando refere-se a compra de ativos intangíveis.

As empresas também podem adotar uma estratégia de desenvolvimento autárquico

de tecnologia quando a única atividade inovadora desenvolvida por elas é a

atividade de P&D. Essas empresas estariam engajadas em atividades internas de

P&D e, ao mesmo tempo, não adquirem tecnologia externamente, seja por meio de

licenças ou contratação de P&D ou serviços de consultoria.

Outra possível estratégia de inovação seria caracterizada pelo desenvolvimento

conjunto de atividades internas de P&D e de aquisição de tecnologias

externamente. Empresas que fazem os dois tipos de atividades, simultaneamente,

poderiam se aproveitar melhor das complementaridades existentes entre os

esforços inovadores.

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Por fim, também é possível identificar empresas que declararam ter inovado sem

que tenham desenvolvido nenhum tipo de atividade de inovação: são as empresas

que não compraram nem desenvolveram tecnologia internamente. Optamos por

incluir, nessa categoria, empresas cujo único dispêndio em inovação foi a aquisição

de máquinas e equipamentos para inovar.

TABELA 22. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ADOTADAS PELAS EMPRESAS DO SETOR

AUTOMOTIVO, SEGUNDO CATEGORIA DE FIRMA: 2005.

Estratégia de inovação Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total

Apenas compram tecnologia 33% 20% 27% 38% 24%

Desenvolvem apenas P&D interno 12% 7% 6% 0% 7%

Desenvolvem P&D interno e compram

tecnologia 42% 10% 4% 10% 12%

Não desenvolvem nem compram

tecnologia, exceto incorporada em BK 14% 64% 62% 52% 57%

62 271 151 27 511Total (firmas inovadoras)

100% 100% 100% 100% 100%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

A primeira constatação relevante da tabela 22 é que as empresas líderes

diversificam mais suas estratégias e integram de forma mais efetiva os diferentes

insumos da inovação do que as demais. Cerca de 42% dessas empresas inovam

por meio de atividades complementares de P&D interno e de aquisição externa de

tecnologias, seja P&D ou outros conhecimentos. Outra parcela significativa (33%)

inova apenas por meio da compra de tecnologia (licenças, patentes, know how ou

mesmo P&D) de outras empresas. Apenas 12% delas possuem estratégias

autárquicas de geração de tecnologia – por meio, exclusivamente, de atividades

internas de P&D – ao passo que 14% inovam sem maiores esforços, exceto pela

compra de máquinas e equipamentos.

Vale salientar que, no setor automotivo, a complementaridade entre P&D interno e

aquisição externa de conhecimento é maior do que na indústria brasileira, de um

modo geral. Mesmo entre as empresas líderes da indústria, apenas 26% delas

desenvolvem ao mesmo tempo atividades internas de P&D e atividades de

aquisição externa de conhecimentos contra 42% das líderes do setor automotivo.

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Por outro lado, a inovar a partir, unicamente, da compra de tecnologia externa, é

uma atividade mais comum na indústria como um todo do que no setor automotivo:

cerca de 42% das empresas líderes na indústria inovam a partir, unicamente, de

conhecimentos desenvolvidos externamente contra 33% das líderes do setor

automotivo.

Dada essa diversidade de estratégias entre as líderes do setor, políticas de

incentivo à inovação voltadas a essas empresas deveriam contemplar toda a

diversidade de relacionamentos com o sistema nacional de inovação, além dos

investimentos em P&D, propriamente ditos. Nesse sentido, é importante ter em

mente que essas empresas também precisam estabelecer relações de parceria e

cooperação com outras empresas e instituições e que, muitas vezes, precisam

adquirir tecnologias de outras fontes a fim de complementar seus esforços de

pesquisa. Esse cenário torna mais complexa a tarefa de propor medidas para

impulsionar a inovação nesse grupo de empresas, que é, como já ressaltamos, o

grupo de empresas capaz de liderar o processo de desenvolvimento tecnológico do

setor.

A maior parte das empresas seguidoras e frágeis, por sua vez, inova a partir da

compra de máquinas e equipamentos. A principal diferença entre elas é que é maior

a proporção de empresas seguidoras que desenvolvem P&D e compram tecnologia

ao mesmo tempo: cerca de 10% contra 4% das frágeis.

Em relação às empresas emergentes, podemos perceber que, a despeito dos seus

investimentos em P&D como proporção do faturamento serem elevados, nenhuma

delas opta pelo P&D interno como a única maneira de implementar a inovação.

Muito provavelmente, por serem empresas menores, para fazer frente aos elevados

custos da inovação elas optam por estabelecer vínculos mais freqüentes com outras

empresas ou instituições para comprar tecnologia ou para desenvolver projetos

conjuntamente. Um indício desse fato é que 38% dessas empresas inovam por

meio, unicamente, da aquisição de conhecimentos e de P&D externo.

É possível argumentar que a escolha da estratégia de inovação seja fortemente

influenciada pelo sub-setor no qual a empresa atua. De fato, nos segmentos

montadores, especialmente de automóveis, a estratégia de inovação prioritária é a

de buscar as complementaridades entre desenvolvimento interno e aquisição de

tecnologias. Por outro lado, nos segmentos de autopeças e de carrocerias e

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61

reboques, a maior parte das empresas inova por meio da aquisição de máquinas e

equipamentos.

TABELA 23. ESTRATÉGIAS DE INOVAÇÃO ADOTADAS PELAS EMPRESAS DO SETOR

AUTOMOTIVO, POR SUB-SETOR: 2005.

Estratégia de Inovação AutomóveisCaminhões

e ônibus Carrocerias e reboques

Autopeças

Apenas compram tecnologia 10% 27% 36% 23%

Desenvolvem apenas P&D interno 0% 0% 4% 8%

Desenvolvem P&D interno e compram

tecnologia 74% 40% 8% 9%

Não desenvolvem nem compram tecnologia 16% 33% 52% 60%

Total (firmas inovadoras) 100% 100% 100% 100%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

Entretanto, embora no setor de autopeças, a estratégia predominante seja a de

inovar via aquisição de máquinas e equipamentos, as líderes desse setor se

comportam de forma diferenciada. Apenas 12% inovam via aquisição de máquinas

e equipamentos, 35% desenvolvem de forma complementar atividades de P&D

interno e compra de tecnologia. Ou seja, as líderes do setor de autopeças têm um

padrão de inovação muito mais próximo das demais líderes do complexo

automotivo do que das outras firmas do seu segmento.

5.3. INTERAÇÃO COM O SISTEMA DE INOVAÇÃO

O conceito de sistemas nacionais de inovação está baseado na premissa que a

compreensão das inter-relações entre os atores envolvidos no processo inovador é

a chave para melhorar a performance tecnológica (OCDE, 1997). Segundo

Freeman (1987) o sistema nacional de inovação pode ser definido como “... a rede

de instituições nos setores público e privados, cujas atividades e interações dão

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62

origem, importam, modificam e difundem novas tecnologias”19. Assim, esse conceito

expressa o caráter sistêmico dos processos inovador. Freeman (1995) ressalta esse

caráter, argumentando que “tem se tornado cada vez mais evidente que o sucesso

das inovações, sua taxa de difusão e os ganhos de produtividade a elas associados

dependem de uma ampla variedade de outras influências além dos esforços formais

de P&D”20. Essas outras influências estão relacionadas às interações com o

mercado e com outras firmas, às ligações com o sistema de ciência e tecnologia e

com o próprio sistema de produção.

A diversidade de estratégias de inovação mostradas anteriormente explicitam como

a inovação no setor automotivo – especialmente entre as empresas líderes e as

empresas montadoras – depende, além dos investimentos em P&D, do

relacionamento das empresas com outras instituições e empresas.

Essa seção procura identificar quem são os principais parceiros das empresas do

setor automotivo nos seus processos de inovação e qual o grau de interação que

essas empresas possuem com outras empresas ou instituições no Brasil e no

Exterior. A interação com instituições ou empresas no exterior também é relevante,

especialmente dado que o desenvolvimento de produtos no setor automotivo, na

maior parte das vezes, se dá em parceria com as matrizes das filiais brasileiras

(seção 0).

Nesse sentido, uma questão relevante diz respeito a quem é o principal responsável

pela inovação implementada pela empresa (tabela 24). De modo geral, mais de

80% das empresas do setor automotivo declararam serem as principais

responsáveis pela inovação e 10% delas fizeram a inovação em cooperação com

outras empresas ou instituições.

No setor montador, entretanto, a necessidade de parcerias e de colaboração com

outras empresas parece ser substancialmente maior. Efetivamente, 39% das

montadoras de automóveis (6 das 16 empresas inovadoras) declararam que o

principal responsável pela inovação foi outra empresa do grupo no exterior. Esse

fato demonstra que, a despeito da tradição e competência da engenharia brasileira,

boa parte das inovações realizadas pelo setor automotivo no Brasil ainda é

proveniente das suas matrizes. Em certa medida, isso corrobora a percepção (já 19 Tradução livre da autora. 20 Idem

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63

ressaltada na seção 0 e 0) de que a inovação no setor automotivo é, efetivamente,

realizada em termos globais. O mesmo fenômeno ocorre para as montadoras de

caminhões e ônibus, onde cerca de 33% das empresas declararam o principal

responsável pela inovação ser uma outra empresa no exterior.

TABELA 24. NÚMERO DE EMPRESAS INOVADORAS, SEGUNDO QUEM É E QUAL A

LOCALIZAÇÃO DO PRINCIPAL RESPONSÁVEL PELA INOVAÇÃO, POR SEGMENTO DO SETOR

AUTOMOTIVO: 2005.

Localização do responsável pela inovação Responsável pela inovação

Brasil Exterior Total %

Outras empresas do grupo 0 6 6 39%

Empresa em cooperação 5 0 5 31%

Outras 0 1 1 8%

Aut

omóv

eis

N. de inovadoras 16 100%

Outras empresas do grupo 0 4 4 33%

Empresa em cooperação 4 0 4 34%

Outras 0 0 0 0%

Cam

inhõ

es

e ôn

ibus

N. de inovadoras 12 100%

Outras empresas do grupo 0 0 0 0%

Empresa em cooperação 4 0 4 6%

Outras 0 3 3 5%

Cab

ines

e

Car

roce

rias

N. de inovadoras 61 100%

Outras empresas do grupo 0 12 12 3%

Empresa em cooperação 30 7 37 9%

Outras 17 0 17 4%

Aut

o-pe

ças

N. de inovadoras 396 100%

Outras empresas do grupo 0 22 22 5%

Empresa em cooperação 43 7 50 10%

Outras 17 5 21 4%

Tota

l

N. de inovadoras nos segmentos acima

486 100%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

A cooperação com outros agentes também é um fenômeno muito mais comum nos

segmentos montadores do que no conjunto do setor automotivo: mais de 30% das

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64

empresas montadoras declararam que o principal responsável pela inovação foi a

própria empresa em cooperação com outros agentes.

Essa proeminência das matrizes na definição das inovações do setor também se

manifesta nas remessas realizadas ao exterior referentes a serviços de tecnologia.

Segundo dados do Banco Central, o setor responde por aproximadamente 20% de

todas as remessas referentes a serviços tecnológicos feitas pela indústria brasileira,

ou cerca de US$ 250 milhões em 2006.

A grande interação das empresas líderes do setor com outras instituições – no

Brasil e no exterior – também pode ser verificada pelo número de empresas

inovadoras que possuem acordos de cooperação para a inovação (tabela 25). Mais

de metade das empresas líderes do setor automotivo possuíam, em 2005, algum

acordo de cooperação, seja com fornecedores, clientes ou institutos de pesquisa.

Importante salientar que o recurso a acordos de cooperação para realizar a

inovação é muito mais comum no setor automotivo do que no restante da indústria.

Na indústria brasileira de um modo geral, 38% das empresas líderes possuem

acordos de inovação. Da mesma forma, 11% das empresas industriais brasileiras

(de todas as categorias) possuem algum tipo de acordo de cooperação ante 20%

das empresas do setor automotivo.

Também podemos verificar que os acordos de cooperação são muito mais

freqüentes nas empresas líderes do que nas seguidoras e, especialmente do que

nas frágeis. A interação dessas empresas com o sistema nacional de inovação –

por meio da cooperação – é substancialmente maior do que entre as demais. Isso

mostra que, além de serem as empresas que tem capacidade para impulsionar o

desenvolvimento tecnológico no setor, as empresas líderes também são as que

podem gerar maiores transbordamentos para o restante da economia.

Os principais parceiros desses acordos são os clientes e os fornecedores diretos

das empresas. A tabela 25 mostra o número de empresas que declarou que os

acordos de cooperação com fornecedores, clientes, outras empresas do grupo e

universidades são altamente importantes para a inovação. Assim, 36% das

empresas líderes do setor declararam que a cooperação com os fornecedores é

altamente importante para a realização da inovação. Em certa medida, isso é

resultado da maior participação dos fornecedores no processo de desenvolvimento

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de produtos no setor, propiciada pela crescente modularização da produção e do

desenvolvimento de novos modelos de veículos.

As outras empresas do grupo também são parceiros relevantes nos acordos de

cooperação das líderes do setor, particularmente nas montadoras. Entre as 16

montadoras que declararam ter realizado inovações entre 2003 e 2005, 10 (ou

cerca de 60%) possuem acordos de cooperação com outra empresa do grupo que,

provavelmente, deve ser a sua matriz. Por outro lado, metade das montadoras

inovadoras brasileiras faz a inovação em cooperação com seus fornecedores.

TABELA 25. NÚMERO DE EMPRESAS INOVADORAS COM ACORDOS DE COOPERAÇÃO E

EMPRESAS DE DECLARAM QUE OS ACORDOS SELECIONADOS POSSUEM ALTA IMPORTÂNCIA

PARA A EMPRESA: 2005

Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total Número de empresas

N. % N. % N. % N. % N. %

Com acordos de cooperação (total)

34 55% 57 21% 6 4% 3 10% 100 20%

Com clientes e

consumidores 24 39% 20 7% 1 1% 0 0% 45 9%

Com fornecedores 22 36% 23 9% 6 4% 1 4% 52 10%

Com outra empresa do

grupo 19 30% 16 6% 0 0% 1 4% 36 7%

Com universidades/institutos

de pesquisa 4 6% 6 2% 1 1% 0 0% 11 2%

Com acordos internacionais de cooperação

12 20% 6 2% 5 3% 0 0% 23 5%

Número de inovadoras 62 100% 271 100% 151 100% 27 100% 511 100%

Fonte: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) - IBGE. Obs.: Apenas 2 empresas

declararam que concorrentes são parceiros importantes na cooperação tecnológica, 6 declararam

empresas de consultoria como altamente relevantes e 9 citaram centros de capacitação.

As Universidades e os institutos de pesquisa, por sua vez, não parecem ser

parceiros relevantes para o setor automotivo. Enquanto 19% das empresas

brasileiras declaram que a cooperação com universidades é muito importante para

a inovação, apenas 2% das empresas do setor automotivo (11 empresas) dizem o

mesmo. Fontes do setor ouvidas por essa pesquisa declararam que existe um certo

preconceito em relação à falta de objetividade dos pesquisadores. Além disso,

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essas fontes também ressaltam um problema que talvez seja o mais relevante para

que existam poucos acordos formais de cooperação com universidades: o segredo

industrial. O receio em compartilhar informações estratégicas da empresa com

pesquisadores de universidades e institutos de pesquisa parece ser uma das

principais limitações para essas parcerias. No entanto, entrevistas com engenheiros

ligados ao setor mostram que existe pelo menos a interação informal entre os

profissionais das empresas e das universidades.

Quanto aos demais parceiros de cooperação existentes no levantamento da

PINTEC (concorrentes, empresas de consultoria, e centros de capacitação) os

números são ainda menos expressivos21.

GRÁFICO 7. PERCENTUAL DAS EMPRESAS INOVADORAS NO SETOR AUTOMOTIVO COM

ACORDOS DE COOPERAÇÃO EM PAÍSES SELECIONADOS: 2005 (BRASIL) E 2004 (DEMAIS

PAÍSES).

31% 33%

41%

18% 20%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

Alemanha Espanha França Itália Brasil

Fontes: Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC) - IBGE e Community Innovation

Survey (CIS4).

Outra informação importante diz respeito a existência de acordos internacionais de

cooperação. Das 34 empresas líderes do setor que declararam ter acordos de

cooperação, 12 empresas (ou 20% das empresas inovadoras) atribuem elevada

21 Por isso, esses números não estão na tabela.

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importância para os acordos que possuem com agentes localizados no exterior.

Novamente, a cooperação com empresas e instituições estrangeiras é muito mais

comum entre as empresas líderes do setor do que nas demais categorias.

Muito embora os acordos de cooperação sejam bastante intensos entre as

empresas líderes, é possível constatar que essa ainda é uma fragilidade do setor.

Como já vimos, apenas 20% das empresas do setor automotivo possuem acordos

de cooperação para inovar. O gráfico 7 mostra que o percentual de empresas que

cooperam, nos países europeus, com exceção da Itália, é bastante superior ao

Brasil. Na Alemanha e na Espanha, mais de 30% das empresas realizam

cooperação para inovar, e na França, esse percentual supera 40%.

Assim como no Brasil, os fornecedores e clientes são os parceiros mais importantes

desses acordos de inovação: no conjunto dos países selecionados, 21% das

empresas possuem acordos de cooperação com fornecedores e 15% cooperam

com clientes e consumidores. Outras empresas do grupo também são relevantes,

elas são as parceiras de cooperação para 14% das empresas desses países.

Nos países selecionados, entretanto, as Universidades e Centros de Pesquisa

parecem ter uma importância muito superior nos acordos de cooperação do setor

automotivo. Novamente, no conjunto dos países selecionados, 13% das empresas

cooperam com Universidades. Também existe uma atividade mais intensa de

cooperação com concorrentes (11% das empresas), fato que é absolutamente

irrelevante no Brasil (apenas 0,4% das empresas declararam essa cooperação

como importante).

Investigar e corrigir as causas pelas quais a cooperação é um fenômeno menos

comum na indústria brasileira pode ser um instrumento de política pública

importante para estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico do setor.

Isso é importante, dado que observamos a relevância da cooperação para a

inovação nos países desenvolvidos. Essa baixa taxa de cooperação e de interação

com outros agentes do sistema de inovação pode estar relacionada com gargalos

na área de propriedade intelectual, por exemplo. Também pode ter relação com a

pequena importância que às empresas do setor conferem às Universidades e

Instituições Públicas de Pesquisa: o fato dos países Europeus terem um maior

número de acordos de cooperação com essas instituições pode explicar porque, lá,

a cooperação é um fenômeno mais comum.

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TABELA 26. NÚMERO DE EMPRESAS QUE CONSIDERAM ALTAMENTE IMPORTANTE AS

FONTES DE INFORMAÇÃO PARA A INOVAÇÃO NO SETOR AUTOMOTIVO, SEGUNDO CATEGORIA

DE EMPRESA: 2005

Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total Fontes de informação para a inovação N. % N. % N. % N. % N. %

Fontes internas à empresa Departamento de P&D 35 57% 44 16% 0 0% 12 44% 91 18%

Outros 35 57% 111 41% 48 32% 5 19% 199 39%

Fontes externas à empresa

Clientes e consumidores 42 67% 124 46% 88 58% 25 95% 280 55%

Fornecedores 34 54% 97 36% 66 44% 15 56% 212 42%

Concorrentes 23 37% 48 18% 34 22% 1 4% 106 21%

Outra empresa do grupo 34 56% 48 18% 5 3% 1 4% 89 17%

Instituições de teste 15 24% 29 11% 6 4% 3 12% 53 10%

Aquisição de licença 18 29% 13 5% 7 5% 3 13% 41 8%

Centro de capacitação 4 7% 18 7% 15 10% 2 7% 40 8%

Empresa de consultoria 3 5% 21 8% 11 7% 2 7% 37 7%

Universidade 6 10% 10 4% 4 3% 3 13% 24 5%

N. de inovadoras 62 100% 271 100% 151 100% 27 100% 511 100%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

Nesse sentido, também é bom lembrar que a Lei de Inovação – publicada em 2005,

no mesmo ano que esses indicadores estão sendo avaliados – procurou corrigir

algumas deficiências institucionais na relação entre universidade e empresas. É

possível que o número de acordos de cooperação no setor automotivo tenha

aumentado desde então22.

As fontes de informação para a inovação consideradas muito importantes pelas

empresas inovadoras também fornecem indícios do padrão de relacionamento das

empresas com outros agentes do sistema de inovação. Essas fontes são avaliadas,

pelas empresas inovadoras, em uma escala de quatro níveis que vai de altamente

importante até irrelevante. Selecionamos, na tabela 26, apenas as fontes que foram

consideradas altamente importante pelas empresas. A tabela mostra o número de

22 O que só será possível verificar na Pesquisa de Inovação Tecnológica de 2007, ainda não divulgada

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empresas que avaliou essas fontes como muito importantes e o percentual do total

de empresas inovadoras.

O departamento de P&D da própria empresa é considerada uma fonte muito

importante de informação para a inovação por 57% das empresas líderes

inovadoras. Nas empresas seguidoras, por sua vez, essa não é uma fonte tão

relevante de informação (só 16% delas consideram os departamentos de P&D

fontes de informação importantes). As empresas frágeis nem mesmo possuem

departamentos de P&D ao passo que 44% das emergentes os consideram muito

importantes.

FIGURA 1. SÍNTESE DO RELACIONAMENTO DAS EMPRESAS INOVADORAS DO SETOR

AUTOMOTIVO COM OUTROS AGENTES DO SISTEMA DE INOVAÇÃO.

Em relação às fontes externas, novamente essa tabela mostra a relevância da

interação das empresas com fornecedores e clientes. Essas duas fontes de

informação são as consideradas muito importantes pela maior parte das empresas

do setor automotivo. Nas empresas líderes, adicionam-se as outras empresas do

grupo como fontes de informação consideradas muito importantes pela maior parte

das empresas.

Empresa líder

Empresa do

Fornece-dores

Clientes

Concor-rentes

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70

A figura 1 sumariza o padrão de relacionamento das empresas inovadoras do setor

automotivo com os demais agentes do sistema de inovação. Claramente, os

principais parceiros ou agentes no Brasil que interagem com essas empresas para

realizar a inovação são outras empresas, especialmente clientes e fornecedores. As

empresas inovadoras fazem acordos de cooperação e buscam informação

tecnológica junto aos seus fornecedores e junto as empresas compradoras dos

seus produtos.

Por outro lado, outras empresas do grupo – especialmente a matriz localizada no

exterior – tem predominância nos processos de inovação das subsidiárias locais no

caso do segmento montador de automóveis e de caminhões e ônibus.

As empresas concorrentes, por sua vez, são fontes importantes de informação para

a inovação muito embora, por razões óbvias, não sejam parceiras em acordos de

cooperação.

Os outros agentes do sistema de inovação, tais como universidades, centros de

pesquisa, instituições tecnológicas, de testes e ensaios etc. são muito pouco

integradas ao processo de inovação no setor automotivo.

5.4. PERSPECTIVAS PARA AS EMPRESAS DE CAPITAL NACIONAL

Como já vimos na seção 0, a participação das empresas multinacionais é

preponderante (quase 100% do faturamento) nos segmentos de montagem – de

automóveis e de caminhões – do setor automotivo. As empresas estrangeiras

também representam mais de 60% do faturamento do setor de autopeças e são

quase a totalidade do segmento de carrocerias e reboques. Nesse sentido, a

participação do capital nacional no setor automotivo está bastante circunscrita ao

segmento de autopeças e profundamente ligada à sua participação na cadeia de

fornecimento das montadoras.

O aumento da participação brasileira no mercado mundial de automóveis (seção 0)

e os ganhos de escala associados a esse aumento de produção podem abrir novas

janelas de oportunidades para a parcela nacional do setor de autopeças, na medida

em que pode contribuir para ampliar as escalas de produção dos fornecedores

domésticos.

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Aliado a maior importância do Brasil no contexto mundial, também vimos que a

produção e o desenvolvimento de produtos do setor automotivo mundial tem sido

marcados pela estratégia modular e de plataformas mundiais. Essas estratégias se

caracterizam pela maior participação do setor fornecedor no desenvolvimento dos

novos modelos de automóveis (como vimos na seção 0).

Nesse sentido, Salerno et. all. (2002) defendem que o desenvolvimento local de

produtos pode contribuir para aumentar a participação dos fornecedores locais nos

novos modelos, entre eles, as empresas de capital nacional. Isso seria

especialmente relevante quando a subsidiária brasileira é a principal responsável

pelo desenvolvimento do produto, ou seja, quando ela é a sede do projeto.

Entre as 62 empresas líderes, existem 23 empresas (aproximadamente 30%) de

capital nacional e essas empresas respondem por cerca de 8% dos investimentos

em P&D das empresas líderes. A maior parte delas (13 empresas) está localizada

no segmento de autopeças e outras 6 estão no segmento de carrocerias e

reboques. Essas empresas não estão muito distantes das estrangeiras em termos

dos seus indicadores de inovação. A taxa de inovação de produto novo para o

mercado entre as empresas nacionais é de 18% (tabela 27), sendo que a do

conjunto das empresas líderes era de 20% (como vimos na tabela 20).

Por outro lado, das 434 empresas classificadas como frágeis, 430 são empresas

nacionais. Quase todas as empresas emergentes são empresas de capital nacional,

27 entre 28 empresas. Entretanto, a única empresa emergente multinacional é a

responsável pela maior parte dos investimentos em P&D desse grupo de empresas.

A tabela 27 mostra que as empresas nacionais emergentes investiram cerca de R$

10 milhões em atividades de P&D em 2005 entre os R$ 74 milhões desse grupo de

empresas. Isso explica porque, como proporção do faturamento, as empresas

domésticas desse grupo investem 3,8% em P&D ante os 9,1% do total das

emergentes. Ainda assim, esse investimento é bastante superior ao realizado pelo

conjunto das empresas domésticas.

As empresas de capital nacional no setor automotivo investem cerca de 0,72% do

seu faturamento em P&D, contra uma média de 1,44% do setor como um todo.

Entre as empresas líderes, esse diferencial não é tão elevado: as nacionais

investem 1,15% do faturamento em P&D contra 1,6% de todo o grupo de empresas

líderes.

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72

TABELA 27. TAXAS DE INOVAÇÃO E ESFORÇOS INOVATIVOS NAS EMPRESAS DE CAPITAL

NACIONAL DO SETOR AUTOMOTIVO, POR CATEGORIA DE EMPRESA (EMPRESAS COM MAIS DE

30 PESSOAS OCUPADAS): 2005.

Número de inovadoras e taxa de inovação

líderes seguidoras frágeis emergentes Total

número de empresas 23 311 430 27 791

23 201 149 26 399

Inovadoras 100% 65% 35% 95% 50%

22 102 70 26 219

Inovadoras de produto 95% 33% 16% 95% 28%

22 3 11 22 58Inovadoras de produto novo para o

mercado 95% 1% 2% 82% 7%

20 177 116 21 334

Inovadoras de processo 85% 57% 27% 78% 42%

9 11 7 2 30Inovadoras de processo novo para o

mercado 40% 4% 2% 7% 4%

4 - - 16 20Inovadoras de produto novo para o

mercado mundial 18% 0% 0% 59% 3%

Esforços inovativos (R$ milhões e percentual da RLV)

líderes seguidoras frágeis emergentes total

RLV (R$ milhões) 8.393 14.292 1.970 250 24.905

490 505 43 23 1.060Gastos em atividades inovativas (R$

milhões e % da RLV) 5,8% 3,5% 2,2% 9,3% 4,3%

97 70 4 10 180Gastos em P&D interno e externo

(R$ milhões e % da RLV) 1,15% 0,49% 0,19% 3,81% 0,72%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

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73

6. FINANCIAMENTO AO INVESTIMENTO

Começaremos a análise sobre o financiamento ao investimento em atividades

inovadora pela avaliação dos principais obstáculos encontrados, pelas empresas

inovadoras, para realizar atividades de inovação.

Entre as 522 empresas do setor automotivo que desenvolveram projetos de

inovação – mesmo inacabados – 25% declararam terem encontrado algum tipo de

dificuldade para realizar a inovação (gráfico 8). Chama a atenção o fato de que esse

percentual é maior (40%), justamente, entre as empresas líderes, que são as mais

capazes de empreender esse tipo de atividade. Talvez as dificuldades maiores

enfrentadas por essas empresas tenham relação com a maior sofisticação ou com o

maior grau de inovatividade dos seus projetos de inovação.

GRÁFICO 8. PERCENTUAL DAS EMPRESAS INOVADORAS NO SETOR AUTOMOTIVO QUE

DECLARARAM TEREM ENCONTRADO DIFICULDADES PARA INOVAR: 2005.

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

A pergunta seguinte é: quais seriam essas dificuldades? Existem três fatores que,

são, para todas as empresas, os fatores mais citados como as principais

dificuldades encontradas para inovar. Os elevados custos dos processos de

44%

20%

31%

13%

25%

0%

5%

10%

15%

20%

25%

30%

35%

40%

45%

50%

líderes seguidoras frágeis emergentes total

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inovação são citados como o principal fator a dificultar as atividades inovadoras por

mais da metade (52%) das empresas que declararam terem encontrado

dificuldades para inovar (tabela 28). O segundo fator mais citado como um

obstáculo relevante são os riscos econômicos das atividades inovadoras (47%)

seguido pela escassez de fontes de financiamento (35%).

Esse cenário não é muito diferente do que já foi verificado para o conjunto da

indústria brasileira. De fato, esses são os principais obstáculos às atividades

inovadoras na visão das empresas inovadoras. Em certa medida, todos esses

fatores estão relacionados: os altos custos e os elevados investimentos necessários

aumentam o risco de se empreender atividades inovadoras, cujo retorno

econômico, por vezes, é imprevisível. Como conseqüência, mobilizar recursos

próprios ou de terceiros para esse tipo de atividade torna-se mais arriscado do que

mobilizar esses recursos para investimentos em ampliação da capacidade ou em

modernização, cujos retornos são mais previsíveis. Nesse sentido, mecanismos de

financiamento tradicionais não são suficientes nem adequados para o financiamento

às atividades inovadoras.

TABELA 28. NÚMERO DE EMPRESAS QUE DESENVOLVEU PROJETOS DE INOVAÇÃO E

DECLAROU TER ENCONTRADO DIFICULDADES PARA INOVAR E QUAIS AS PRINCIPAIS

DIFICULDADES ENCONTRADAS: 2005.

Número de empresas e porcentagem Líderes Seguidoras Frágeis Emergentes Total

27 56 46 3 133 Que declararam terem encontrado

dificuldade para inovar 100% 100% 100% 100% 100%

14 21 26 1 63 Que citaram os riscos econômicos como

principal dificuldade 53% 38% 55% 43% 47%

16 23 27 3 69 Que citaram os elevados custos da inovação

como a principal dificuldade 59% 41% 58% 100% 52%

6 15 21 3 46 Que citaram a escassez de fontes de

financiamento adequadas como a principal

dificuldade 24% 27% 45% 100% 35%

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

No caso das empresas emergentes, a escassez de fontes de financiamento é ainda

mais relevante. Todas as três empresas que declararam ter dificuldades para inovar

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75

disseram que essa é a principal dificuldade. Nas empresas frágeis, 45% percebem

esse como o principal problema. Entretanto, para essas empresas, talvez não seja

apenas a escassez de fontes de financiamento mas a sua capacidade em acessar

os recursos disponíveis.

GRÁFICO 9. FONTE DOS RECURSOS INVESTIDOS EM P&D DAS EMPRESAS INOVADORAS

NO SETOR AUTOMOTIVO. % 2005.

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC.

O gráfico 9 mostra a razão de as fontes de financiamento serem consideradas um

dos três principais obstáculos às atividades inovadoras. 89% dos investimentos

realizados em P&D pelas empresas do setor automotivo são financiados com

recursos próprios, menos de 11% são recursos públicos e apenas 0,1% são

recursos privados de terceiros. Ou seja, tanto a participação pública quanto,

especialmente, a participação do crédito privado tem pouca relevância no

financiamento das atividades tecnológicas na indústria automobilística brasileira.

As empresas emergentes constituem o caso mais emblemático: essas empresas

nem sequer tomam recursos, públicos ou privados, para investir em inovação.

Todos os seus investimentos são financiados com recursos próprios, mesmo elas

sendo empresas promissoras, do ponto de vista tecnológico, dado que possuem

departamentos próprios de P&D e, muitas vezes, fazem inovações extremamente

89%100%97%95%

85%

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%

100%

líderes seguidoras frágeis emergentes totalpróprio público privado

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abrangentes, dado que criam novos produtos para o mercado mundial. Também

são empresas com pequena escala de produção e cuja disponibilidade de recursos

próprios para financiar essas atividades é, provavelmente, muito pequena.

As empresas líderes, por sua vez, são as que mais acessam mecanismos públicos

de financiamento à P&D. Cerca de 15% dos seus investimentos nessa atividade são

financiados com recursos públicos. Essas também são, como já vimos, as

empresas que mais investem em P&D no setor automotivo, o que ajuda a explicar

porque possuem maior acesso aos mecanismos de financiamento. Também são

elas as empresas capazes de liderar o processo de desenvolvimento tecnológico do

setor.

GRÁFICO 10. PERCENTUAL DAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO QUE RECEBERAM

FINANCIAMENTO DO BNDES: 2005.

Fontes: Pesquisa Industrial Anual (PIA) e Pesquisa Industrial de Inovação Tecnológica (PINTEC), do

IBGE. Relação Anual de informações Sociais (RAIS), do Ministério do Trabalho. Secretaria de

Comércio Exterior (SECEX) – MDIC; BNDES.

O percentual de empresas financiadas pelo BNDES – não apenas em atividades

inovadoras – também é maior entre as empresas líderes. No setor automotivo,

metade das empresas utilizou recursos do BNDES para financiar seus

investimentos. No grupo das empresas líderes, mais de 80% utilizam os recursos do

Banco.

82%

62%

38%

13%

50%

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

líderes seguidoras frágeis emergentes total

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7. INOVAÇÃO E ESTRATÉGIAS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO DO SETOR

AUTOMOTIVO NA ÓTICA DO EMPRESARIADO

A presente sessão tem como objetivo analisar a percepção dos empresários sobre

as estratégias utilizadas pelas empresas do setor automotivo para acumular

conhecimento e promover inovações. Esta análise é feita com base em entrevistas

dirigidas com empresários e organizações representativas do empresariado no

setor analisado. As entrevistas (ver roteiro em anexo) foram orientadas visando

captar a visão do empresariado sobre as principais inovações do setor, as

estratégias e as necessidades do setor para inovar. Mais especificamente a

primeira parte da entrevista busca entender o que os empresários consideravam

como as principais inovações no setor. As questões seguintes tratam das fontes de

informações utilizadas para inovar e como os empresários avaliam as parcerias

realizadas com agentes externos como fornecedores, centros de pesquisa e

universidades. O terceiro conjunto de questões busca entender como as

organizações representativas do empresariado dos setores investigados tratam do

tema da inovação.

7.1. PERCEPÇÃO DOS EMPRESÁRIOS SOBRE AS INOVAÇÕES NO SETOR

AUTOMOTIVO

No caso do setor automotivo foram entrevistados membros das principais entidades

representativas do setor: Associação Nacional de Fabricantes de Veículos

Automotores (ANFAVEA), Associação Brasileira de Engenharia Automotiva (AEA) e

Sindicato de Autopeças de SP (Sindipeças). Segundo estas entidades, as principais

inovações dos últimos 10 anos estão ligadas a questão do uso de energia

alternativa (biocombustível), segurança e meio ambiente.

Sobre o tema questão do uso de energias alternativas, os entrevistados foram

unânimes em apontar os estudos realizados pela Embrapa23 desde o período do

23 Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária

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Pró Álcool, como responsáveis pela produção de conhecimento que acabou

gerando inovações no setor de combustíveis e de autopeças como os motores flex.

No tema meio ambiente os entrevistados apontaram não apenas o desenvolvimento

de formas mais adequadas de controle de emissões poluentes, via melhoria na

tecnologia automotiva com de combustíveis, como também de fontes alternativas de

energia para produzir um chamado “transporte verde”. Segundo um dos

entrevistados, estudos sobre o uso energias alternativas, estão ganhando espaço

nas matrizes na Europa e E.U.A e o que era considerado há cerca 2 anos, uma

forma da apresentar a empresa como politicamente correta na sua preocupação

com o meio ambiente, é hoje visto como uma necessidade e meta a ser perseguida.

Nesse caso, as estratégias das matrizes tem sido atuar em duas vertentes: realizar

esforços no sentido de aumentar a eficiência dos tradicionais mecanismos e

componentes baseados no sistema de combustão interno e, ao mesmo tempo,

orientar seus estudos na busca de sistemas que funcionem com novas formas de

energia não mineral. Este tem sido o padrão de comportamento, em termos de

busca de conhecimento para inovar, tanto de empresas que produzem carros de

porte médio para um mercado de utilitários como a Toyota , VW, GM e Fiat , como

empresas que fazem carros esportes e do mercado de luxo como BMW, Porsche e

Jaguar.

No âmbito da segurança veicular foram apresentados como inovações dos últimos

10 anos o sistema de freio denominado ABS, (Anti lock Braking System) o airbag, o

Cinto de Segurança de 3 pontos e os sistemas de ignição dos faróis ou de

iluminação.

A importância do freio ABS em termos de inovação na área de segurança veicular é

ressaltada por empresários do setor pelo fato da derrapagem ser considerada uma

das principais causas de acidentes. O freio ABS consiste num sistema de travagem

que evita que a roda bloqueie (quando o pedal de freio é pisado fortemente) e entre

em derrapagem, deixando o automóvel sem aderência à pista. Assim, evita-se o

descontrole do veículo (permitindo que obstáculos sejam desviados enquanto se

freia) e aproveita-se mais o atrito estático, que é maior que o atrito cinético24. Este

24 Informações técnicas Sindipeças

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sistema foi desenvolvido pela matriz e a Bosh é um dos grandes fornecedores no

Brasil.

Os outros componentes de segurança, também considerados inovação no setor

como o airbag-25, e Sistemas de Iluminação (ex: uso de infra-vermelho), também

foram desenvolvidos pelas matrizes e produzidos nacionalmente pelas subsidiária.

Este é o padrão de desenvolvimento de produtos novos do setor automotivo, ou

seja, cabe aos departamentos de P&D localizados nas matrizes,desenvolver os

projetos de produto e processos. As adaptações e ajustes são feitos localmente nos

chamados centros de desenvolvimento avançados. Segundo um dos entrevistados

o número de empresas que tem “convencido” a matriz a instalar Centros de P&D no

Brasil tem aumentado. Uma das primeiras foi a General Motors, com o Centro de

P&D local que desenvolveu o projeto das pickups da GM e que nos últimos 2 anos

admitiu mais de mil engenheiros26. Outras empresas vêm seguindo esta estratégia

visando desenvolver projetos apropriados para situações de infra-estrutura viária,

típicas de países em desenvolvimento. Entre estas estão a Renault, com Centro de

P&D, no estado do Paraná, a Peugeot, no Rio de Janeiro, e por último a Toyota.

Segundo o entrevistado, a última empresa demorou em lançar no mercado o

modelo flex-fluel por não ter um centro de P&D local.

Em síntese, segundo os empresários do setor, as principais inovações estão

relacionadas aos seguintes aspectos:

(a). Aperfeiçoamento simultâneo da cadeia produtiva do etanol (desde a genética da

cana até a distribuição do combustível) e desenvolvimento de componentes e

autopeças que possibilitaram a plena utilização do Etanol. O motor flex-fuel é o

exemplo mais citado das inovações do setor.

(b).Desenvolvimento para atendimento 100% dos limites de emissões nas várias

fases do CONAMA27, tanto para motores Otto quanto para Diesel.

(c). Logística mais eficiente e automatizada (Fiat; GM; Ford; outras)

25 O airbag funciona acionando vários sensores dispostos em partes estratégicas do veículo (frontal, traseiro, lateral direito, lateral esquerdo, atrás dos bancos do passageiro e motorista, tipo cortina no forro interno da cabina) que emite sinais para uma unidade de controle que por sua vez checa qual sensor foi atingido e assim aciona o airbag mais adequado. 26 Informação da Associação de Engenheiros da A 27 Conselho Nacional do Meio Ambiente- Ministério do Meio Ambiente

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(d). Comunicação eletrônica entre compradores e fornecedores em vários setores

(CAD; Programação; etc.). Em geral montadoras e fornecedores 1º Tier.

(e). Novas fábricas de montagem construídas nos últimos 10 anos são líderes

mundiais em produtividade (horas por veículo montado).

(f).Prototipagem eletrônica. Simulações eletrônicas minimizando a necessidade de

testes longos e caros.

(g). Ampliação da utilização da Eletrônica Embarcada. Todos os veículos e

fabricantes. Muitos itens são desenvolvidos por multinacionais fornecedores de 1º

Tier: Bosch, Siemens, Marelli, Denso, Delphi, outros. Apesar dos avanços o Brasil

está atrás de países desenvolvidos nesse aspecto, principalmente em ITS

(Sistemas de Transporte Inteligentes).

(h). Novos equipamentos/ sistemas de segurança veicular como airbag, freios ABS,

cintos de segurança de 3 pontas e sistemas de iluminação que ampliam e

intensificam o espaço visual do condutor

Entre as motivações para inovar no setor é consenso entre os entrevistados a alta

concorrência no setor tanto no mercado internacional como no doméstico. Em

termos de mercado domestico, segundo entrevistados, poucos países têm tantas

montadoras competindo neste mercado como no Brasil. Outros fatores que teriam

motivado as empresas do setor a realizarem inovações, visando aumentar a

eficiência do processo produtivo e de distribuição, foram abertura da economia e

valorização cambial na época do Gustavo Franco (o efeito Gustavo Franco)28.

7.2. ESTRATÉGIAS OU MECANISMOS DE ACUMULAÇÃO DE CONHECIMENTO

PARA INOVAR

Os mecanismos de acumulação de conhecimento no setor automotivo no país são

fortemente condicionados pelas diretrizes das matrizes das empresas

multinacionais. O envolvimento da matriz é significativo desde as primeiras etapas 28 Os entrevistados estão aqui se referindo ao Presidente do Banco Central e ao período de consolidação do Plano Real, 1994-1999, particularmente a um dos eixos do referido Plano, ou seja, à valorização artificial do cambio.

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do desenvolvimento do produto, ou seja, definição de conceitos, planejamento de

produto, engenharia de produto e processo até etapas finais de validação do

processo e produto. Neste processo, o principal mecanismo para acumular

conhecimento para empresas subsidiárias tem sido a transferência de tecnologias e

know how pelas matrizes.

Nas subsidiárias, a transferência de conhecimento das matrizes é complementada

por centros de desenvolvimento de engenharia local para competências específicas.

Percebe-se nas entrevistas que as matrizes têm que ser convencidas a fortalecer os

centros de desenvolvimento locais para além das funções de adaptação e criação

de produtos específicos. Os argumentos mais utilizados pelos diretores das

subsidiárias têm sido a criatividade da mão- de- obra qualificada e o baixo custo da

engenharia brasileira. Como exemplos do sucesso no sentido de fortalecimento dos

centros de desenvolvimento local são citados o centro mundial de desenvolvimento

de caminhões da Mercedes no Brasil e vinda do centro de design mundial da GM.

Além da necessidade de adaptação de produtos e processos, os entrevistados

ressaltam que os centros de desenvolvimento locais se beneficiam da formação e

capacidade dos engenheiros.

“Tinha um presidente de uma montadora que eu discuti muito com ele. Era um

presidente da General Motors.. Era um cara chinês. E ele, há muitos anos falou

assim para mim: fulano, o engenheiro brasileiro é o engenheiro que tem mais

desenvoltura, mais jogo de cintura, um camarada. O engenheiro brasileiro é um dos

melhores do mundo.O que ele fez? Ele conseguiu provar na corporação mundial da

General Motors. Fez com que a General Motors do Brasil fosse o centro de pesquisa

de desenvolvimento de engenharia das pickups da General Motors, e ele admitiu

nos últimos dois anos mais de mil engenheiros”.

Ao mesmo tempo um entrevistado aponta para o risco de escassez de mão de obra

especializada dado o aumento de centros avançados de P&D. Na fala do

entrevistado:

Como todas essas empresas estão montando um centro de desenvolvimento de

pesquisa no Brasil, um problema seriíssimo é falta de mão-de-obra de engenharia.

Sério! Sério! Tanto é que eu tive uma reunião com o pessoal do Governo de São

Paulo através da Secretaria de Indústria e Comércio e eles me indicaram e nós

vamos indicar para as autopeças os cursos da Faculdade de Tecnologia. A Fatec vai

montar aí uma série de cursos, ao longo do Estado de São Paulo, de centros de

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ensino específicos para determinadas matérias. Por exemplo; para mecânica, para

ar condicionado, para eletrônica e eletro-eletrônico”.

Embora o mecanismo principal de aprendizagem do setor automotivo nacional seja

a transferência de conhecimento de ponta gerada nas matrizes, nos últimos anos os

centros de desenvolvimento locais têm sido fortalecidos pelas matrizes visando um

melhor aproveitamento dos recursos da região onde se localizam e ao mesmo

tempo racionalizar a alocação de recursos em P&D. Esse fortalecimento tem se

dado no sentido de ampliação de competências dos centros de desenvolvimentos

locais potencializando a capacidade de geração e difusão de novos conhecimentos

na cadeia produtiva do país.

Nesta cadeia, composta por uma série de produtores de autopeças, o processo de

aprendizagem se dá principalmente na relação entre empresa e fornecedores

denominadas de empresas sistemistas. Atualmente as empresas sistemistas de 1

“Tier”29 trabalham diretamente com as montadoras não apenas montando o

sistema, mas no planejamento e logística de produção do novo produto. A

cooperação entre montadoras e sistemistas de 1 nível se dá desde o início do

processo produtivo, e é apontado pelos entrevistados como o principal mecanismo

de aprendizagem e acumulação de conhecimento. Cabe observar que os

sistemistas de 1 Tier são empresas multinacionais e de porte semelhante as

montadoras, tendo inclusive vários centros de desenvolvimento localizados no país

como é o caso da Delphi.

Neste processo as empresas nacionais de autopeças estariam no nível ou tier 3 ou

4 produzindo parte da peça ou peça inteiras,como freio ou bomba injetora, que vão

compor os diversos sistemas automotivos. Neste segmento o principal mecanismo

de aprendizagem apontado tido sido a parcerias entre as empresas de 1 e 2 tier, já

que poucas empresas dos níveis menores tem porte para realizar P&D interno e

dependem nas empresas dos primeiros níveis. O processo de aprendizagem nos

tiers 3 e 4 é comprometido pelas relações mais conflituosas que cooperativas que

parece ser o padrão de relação entre autopeças de menor porte e as sistemistas de

2 e 1Tiers. Segundo representante do Sindipeças:

29 Tier, termo utilizado no setor para designar níveis de empresas que atuam como responsáveis e montadoras de sistemas completos. Como sistemas de 1 tier são citados a Bosh , Delphi, Vanete e Mareli

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83

“Relação entre fornecedores e clientes é mais conflituosa do que

cooperativa, como conseqüência das políticas de suprimentos das grandes

montadoras (exceção: Japonesas). Somente quando o fornecedor adquire

status quase monopolista em nível mundial ou porte comparável as

montadoras, as negociações ocorrem mais equitativamente, havendo

verdadeira parceria em desenvolvimentos”.

No setor automotivo nacional, a contratação de P&D externo assim como parcerias

com Centros de Pesquisa e Universidades são práticas pouco freqüentes na busca

de informações e conhecimento para inovar. Os entrevistados foram unânimes em

apontar a questão do segredo industrial como a explicação para a pouca prática de

contratação de P& D externo pelo setor de montadoras e de produtores de

autopeças. Este foi um argumento recorrente quando o tema inovação e

conhecimento apareciam nas entrevistas. Algumas organizações empresariais do

setor como Associação Nacional da Indústria de Pneumáticos (ANIP) recusaram a

conceder entrevista utilizando o argumento do clima tenso no segmento dado a

problemas de patentes e segredo industrial.

A interação entre empresas, universidades e centros de pesquisa é tema

controverso entre os empresários do setor. Segundo o sindicato de autopeças, as

parcerias ocorrem de forma pontual para resolver problemas específicos da

produção e para testes de motores e de emissões. Embora os entrevistados

reconheçam a existência no país de centros de excelência tecnológica como a

Escola de Engenharia da Mauá e o Instituto de Pesquisa Tecnológica (IPT), Escola

Politécnica, USP e Instituto Tecnológico da Aeronáutica, estes não conseguem

atender as necessidades de testes, considerada a maior demanda do setor.

Dois aspectos são recorrentes no discurso dos empresários quando tratam to tema

interação universidade-empresa. O primeiro é o reconhecimento das dificuldades

que as pequenas e médias empresas têm em buscar parcerias com as instituições

de pesquisa, pois não tem departamento de pesquisa ou equipe de engenheiros

que consigam expressar suas necessidades e demandas a estes centros de

pesquisa. O segundo aspecto é a avaliação negativa dos empresários das parcerias

ao desqualificar o comportamento do pesquisador como “despreparado para

entender as necessidades de curto prazo da industria”, “falta de objetividade”,

“excesso de teoria” e “futurologistas”.

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“O pessoal da Universidade não está preocupado em oferecer algo de

interesse mais prático para o setor. O que você vê, são projetos de muita

futurologia de muito longo prazo. Isso cria um desestímulo para buscar

parcerias com universidades”

e

“ Frustração. As universidades brasileiras têm pequena visão de cooperação

com a Indústria Mecânica em geral visando aperfeiçoamentos de curto e

médio prazo. Não há programas de apoio tecnológico para médias e

pequenas empresas. Quando há grande motivação política (exemplo:

biodiesel) ocorre alguma mobilização”.

Estas visões refletem o desconhecimento por parte dos empresários, da lógica que

rege as universidades e centros de pesquisa que é orientada para pesquisa básica

e geração de conhecimentos novos. Nessa lógica, os mecanismos de incentivo a

carreira do pesquisador são regidos pelo conceito de bem público, ou seja, de uma

produção cujos resultados deverão ser divulgados em revistas acadêmicas. Aqui a

lógica público, inerente aos centros de pesquisa das universidades públicas se

contrapõe a lógica do privado na forma de segredo industrial própria da empresa

privada. É esta incapacidade de compreender que as empresas e instituições de

pesquisas operam com lógicas diferentes e, portanto, têm objetivos e linguagens

diferentes que leva a muitos empresários a uma avaliação pessimista do processo

de interação.

É interessante observar que embora a interação universidade e empresa venham

ocorrendo de forma pontual e segundo os empresários, aquém do esperado, estes

mesmos empresários apontaram como principais inovações do setor o

desenvolvimento de motores flex-fuel e da cadeia de bio-combustíveis citando

centros e universidades públicas, Embrapa e Instituto Tecnológico da Aeronáutica,

como fundamentais na produção de conhecimento que possibilitou a inovação de

produtos no setor.

Concluímos pela necessidade de melhor qualificar estas interações de forma a

detectar a natureza destas parcerias em termos de seus objetivos, ou seja, afinal de

que os empresários falando quando o tema é interação universidade empresa? Esta

interação vem se dando para realização de testes nos laboratórios dos centros de

pesquisa, resolução de gargalos em processos, problemas com produtos, ou

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projetos conjuntos de desenvolvimento de processos ou produtos? São pontuais ou

tem um caráter mais permanente? O conhecimento das boas práticas nesta área

possibilitaria desenhar melhor estratégias de incentivo e fortalecimento das

parcerias entre universidades e empresas no setor automobilístico.

7.3. A INOVAÇÃO NA AGENDA DAS ORGANIZAÇÕES EMPRESARIAIS

Neste item tratamos da pauta das principais organizações representativas do setor

automotivo com objetivo de conhecer os temas, prioridades e interesses que

mobilizam os esforços coletivos do setor. Argumentamos aqui, que existe uma

divisão de papeis entre as organizações representativas do empresariado.

Enquanto algumas organizações como os sindicatos concentram-se em atividades

mais tradicionais de defesa dos interesses do setor, as associações de profissionais

do setor vêm ampliando sua agenda no sentido de incorporar temas relacionados à

acumulação de conhecimento e inovação.

Organizações que foram concebidos num modelo de bases corporativas como os

sindicatos patronais e de trabalhadores assim como as federações e

confederações, operam de forma mais tradicional na defesa dos interesses dos

respectivos setores fazendo pressão junto ao Executivo. A agenda é definida e tem

a sua pauta condicionada por temas de defesa e proteção dos interesses

econômicos mais imediatos como acordo de preços, redução de carga tributária e

pelas negociações coletivas do setor. Segundo representantes sindicais da indústria

automotiva questões relativas ao tema inovação são pouco debatidas e sindicato

sente muita dificuldade em mobilizar o setor sobre o tema.

Já as Associações de classe, muitas vezes denominadas livres, no sentido que

foram criadas fora do marco legal do sindicalismo, que agrupam empresas ou

profissionais de um setor específico, tem espaço na sua agenda para além das

questões econômicas mais imediatas. Muitas delas têm a sua própria origem, como

por exemplo, Associação Nacional de Engenheiros da Indústria Automotiva, ligadas

as necessidades de desenvolvimento tecnológico das empresas do setor. Temas

relacionados ao incremento da competitividade, desenvolvimento tecnológico como

o marco regulatório dos novos bio-combustíveis, a legislação das emissões, novos

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mecanismos de segurança veicular fazem parte da agenda atual deste tipo de

Associação. Essas associações têm desempenhado o papel de traduzir e

intermediar as necessidades das empresas aos centros de pesquisa e

universidades e com órgão governamentais que regulam áreas afins ao setor

Automotivo como Ministério do Meio Ambiente e Minas e Energia.

Organizações capazes mobilizar empresários na busca de estratégias e

mecanismos de promoção da produção com base no desenvolvimento tecnológico

e inovações, podem se constituir em parceiros relevantes na consolidação de

políticas públicas de apoio ao desenvolvimento produtivo nacional.

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8. OPORTUNIDADES TECNOLÓGICAS

A elevação dos preços do petróleo e as crescentes preocupações em relação ao

aquecimento global – aliadas a regulamentações governamentais em relação ao

volume de emissões – tem sido fatores determinantes das trajetórias tecnológicas

do setor automotivo, em nível mundial. Nesse sentido, boa parte dos esforços

tecnológicos dos grandes players do setor estão se voltando para a produção de

automóveis mais eficientes do ponto de vista de consumo de combustível, assim

como para a procura de combustíveis alternativos. O motor bicombustível – citado

por vários dos entrevistados ouvidos por essa pesquisa como uma das principais

inovações do setor automotivo brasileiro – é um exemplo dessa tendência.

Entretanto, o motor bicombustível continua baseado no atual paradigma tecnológico

do motor de combustão interna. De fato, o bicombustível brasileiro foi modificado

pelas filiais brasileiras a partir de motores desenvolvidos pelas matrizes.

Veículos de baixa emissão (LEV ou Low Emission Vehicles) estão sendo

desenvolvidos por todas as montadoras líderes do setor, em nível mundial. Existem

pelo menos três categorias de veículos de baixa emissão que estão recebendo

maior atenção dos grandes players do setor: os veículos elétricos; os híbridos e os

veículos movidos a célula de combustível (Frenken et. al., 2003).

Os veículos elétricos são impulsionados por um motor elétrico que, por sua vez, é

alimentado por uma bateria. Até o momento, a principal desvantagem dessa

tecnologia é que a energia precisar ser armazenada, no automóvel, na forma de

eletricidade. Isso demanda baterias muito caras, de grande volume e, até o

momento, de baixa durabilidade, além de uma infra-estrutura de recarga para esses

veículos.

O veículo híbrido, por sua vez, combina um motor de combustão interna com um

motor elétrico, que podem funcionar em paralelo ou em série. Num veículo híbrido

serial, o motor de combustão gera a energia necessária para o motor elétrico, que

impulsiona o veículo.

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O veículo movido a célula de combustível é impulsionado por um motor elétrico que

é alimentado por uma célula de combustível. A célula converte uma fonte energética

(que pode ser hidrogênio) em eletricidade. A grande dificuldade dessa tecnologia,

nesse momento, está em como armazenar o hidrogênio no veículo e em toda a

infra-estrutura de abastecimento que precisará se desenvolvida. Esses veículos

também poderiam ser abastecidos com combustíveis tradicionais ou alternativos

(etanol, por exemplo) e, nesse caso, esses combustíveis seriam transformados em

hidrogênio no próprio veículo.

Frenken et. al. (2003) argumenta que os esforços tecnológicos e as patentes das

grandes empresas do setor estão distribuídas entre essas várias tecnologias.

Portanto, ainda não é possível determinar qual será o paradigma dominante em

termos de veículos de baixa emissão.

A maior eficiência energética demanda, além da busca por novas formas de

propulsão, outros tipos de tecnologia. Mesmo dentro do paradigma de motor a

combustão interna, ampliar a eficiência no consumo de combustíveis implica, entre

outras coisas, reduzir o peso do veículo e aumentar a eficiência desses motores.

Nesse sentido, a pesquisa de novos materiais, mais leves ou resistentes, tem sido,

assim como no setor aeronáutico, uma das grandes frentes de desenvolvimento

tecnológico no setor automotivo.

Para avaliar para que áreas do conhecimento e domínios tecnológicos estão se

voltando as patentes do setor automotivo, utilizamos a base de dados do escritório

Norte-americano de patentes (USPTO) entre 1974 e 2006. Como o setor automotivo

é um setor bastante internacionalizado no qual os grandes players são conhecidos,

selecionamos os depósitos de patentes das grandes empresas do setor,

montadoras e autopeças30.

Antes de mais nada, a tabela 29 mostra quem são as líderes tecnológicas do setor,

em nível mundial, e como essa liderança tem se alterado ao longo do tempo. Na

década de 70, a General Motors e a Ford eram responsáveis, respectivamente, por

44% e por 14% de todas as patentes depositadas pelas montadoras do setor no

30 A relação de todas as montadoras do setor foi retirada do site da OICA e, para as autopeças, utilizamos a relação das empresas filiadas ao SINDIPEÇAS, dado que a maior parte das grandes multinacionais do setor estão instaladas no Brasil.

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89

USPTO. Honda e Toyota respondiam por apenas 2% e 6% dessas patentes,

respectivamente.

TABELA 29. NÚMERO DE PATENTES REGISTRADAS, POR ANO, NO USPTO PELAS

EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006.

1974 1982 1990 1998 2006 Empresa

Nº % Nº % Nº % Nº % Nº %

Todas 1284 100% 1381 100% 3208 100% 3980 100% 3665 100%

Mitsubishi 124 10% 304 22% 1284 40% 1547 39% 1029 28%

Honda 26 2% 95 7% 377 12% 382 10% 785 21%

General Motors 566 44% 251 18% 379 12% 300 8% 484 13%

Toyota 80 6% 171 12% 176 5% 402 10% 471 13%

Nissan 118 9% 316 23% 398 12% 197 5% 348 9%

Hyundai 0 0% 0 0% 2 0% 309 8% 190 5%

Volvo 6 0% 18 1% 10 0% 38 1% 61 2%

Porsche 9 1% 11 1% 49 2% 26 1% 47 1%

Ford Motor 184 14% 88 6% 154 5% 143 4% 39 1%

Mazda 0 0% 0 0% 131 4% 63 2% 39 1%

Peugeot 15 1% 12 1% 16 0% 4 0% 26 1%

Citroen 19 1% 6 0% 1 0% 1 0% 26 1%

Saab 1 0% 0 0% 2 0% 3 0% 23 1%

Smart 0 0% 0 0% 6 0% 15 0% 20 1%

Volkswagen 2 0% 0 0% 13 0% 17 0% 15 0%

Fonte: USPTO

Durante as últimas décadas, a liderança tecnológica das montadoras norte-

americanas foi extremamente corroída. Em 2006, 21% das patentes depositadas

pelas montadoras no USPTO, eram da Honda, 13% da General Motors e 13% da

Toyota. Note-se que a Mitsubishi aparece como líder absoluta entre as montadoras.

Entretanto, essa empresa produz vários outros produtos, desde eletrônicos de

consumo até automóveis e sua participação elevada pode ser explicada por essa

ampla base tecnológica.

A tabela 30 mostra o domínio tecnológico citado nas patentes registradas no

USPTO das montadoras do setor automotivo para vários anos a partir de 1974. A

tabela evidencia as mudanças tecnológicas que aconteceram neste setor no últimos

40 anos. A maior parte das patentes registradas na década de 1970 era de

“componentes elétricos”,“análise, medida e controle” seguida de semicondutores.

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90

Na década de 2000 o domínio tecnológico passa para “tecnologias da informação” e

“telecomunicações”. Há uma grande possibilidade de no futuro a maior parte das

patentes estarem relacionadas à energia. A tabela 31 mostra que as engenharias

permanecem com as áreas científica mais importantes ao longo dos últimos 40

anos.

TABELA 30. DOMÍNIOS TECNOLÓGICOS CITADOS PELAS PATENTES REGISTRADAS NO

USPTO PELAS EMPRESAS DO SETOR AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006.

1974 1982 1990 1998 2006

Tecnologias da informação 4% 1% 4% 8% 13%

Telecomunicações 8% 6% 5% 5% 12%

Química Macromolecular 6% 6% 5% 13% 9%

Componentes elétricos 14% 12% 8% 8% 8%

Análise, medidas e controle 13% 5% 5% 6% 6%

Audiovisual 6% 2% 3% 2% 5%

Química orgânica fina 4% 18% 9% 11% 5%

Tecnologias de superfície e

revestimento 5% 8% 9% 5% 4%

Semicondutores 10% 2% 12% 7% 4%

Motores, bombas e turbinas 4% 1% 3% 2% 3%

Fonte: Ribeiro, Ruiz, Bernardes e Albuquerque (2008)

TABELA 31. ÁREAS CIENTÍFICAS MAIS CITADAS NAS PATENTES DAS EMPRESAS DO SETOR

AUTOMOTIVO: 1974,1982,1990,1998,2006.

1974 1982 1990 1998 2006

Engenharia Eletrônica 37% 18% 22% 21% 27%

Engenharia Química e Química

Inorgânica 15% 38% 28% 28% 17%

Engenharia Mecânica, Civil e outras 10% 11% 14% 14% 14%

Ciência dos Materiais 2% 3% 3% 3% 13%

Física (outros) 17% 11% 13% 13% 11%

Química orgânica 7% 8% 8% 11% 6%

Fonte: Ribeiro, Ruiz, Bernardes e Albuquerque (2008)

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9. CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES DE POLÍTICA

Na primeira seção deste trabalho, mostramos que o setor automotivo é um setor

extremamente capaz de impulsionar a produção industrial, devido aos seus fortes

efeitos de encadeamento com vários outros setores da estrutura industrial brasileira.

De fato, é possível afirmar que boa parte do crescimento da indústria brasileira no

período recente se deve ao bom desempenho desse setor.

Esse crescimento recente, depois da relativa estabilidade na produção de veículos

durante os anos 90 foi fruto de vários fatores. Em primeiro lugar, o setor automotivo

brasileiro tinha, no início dos anos 2000 uma grande capacidade instalada, e um

elevado índice de ociosidade. Efetivamente, é bom lembrar que durante a primeira

metade dos anos 90 foram realizados uma série de investimentos no setor

automotivo brasileiro, tanto em resposta aos incentivos do regime automotivo

quanto devido às estratégias das multinacionais do setor. Esse é, aliás, um segundo

fator relevante.

Os mercados dos países desenvolvidos alcançaram uma relação de habitantes por

automóvel relativamente estável, o que reduziu a possibilidade de crescimento da

demanda no longo prazo e contribuiu para um acirramento da concorrência entre os

grandes players do setor. Como resposta a esse acirramento da concorrência, o

setor automobilístico se voltou para os países ditos emergentes, com perspectivas

de maior crescimento da demanda. Nesse sentido, a participação de alguns desses

países, especialmente os BRICS, na produção mundial de automóveis cresceu de

forma expressiva na última década. Devido ao tamanho do seu mercado de

consumo, principalmente do potencial desse mercado, a China se destacou entre os

BRICS, chegando, em 2007, a 12% da produção mundial de automóveis. O

crescimento recente do mercado brasileiro também contribuiu para que a posição

do país se tornasse mais significativa. Hoje, o Brasil é o sétimo maior produtor

mundial de automóveis, com 4% de toda a produção, logo atrás da França.

As perspectivas de crescimento do mercado brasileiro são, também, muito

positivas. É muito provável que, com os investimentos já anunciados pelo setor, nos

próximos anos o país venha a ganhar mais uma posição nesse ranking. Do ponto

de vista doméstico, o crescimento recente da produção e do consumo foi fortemente

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impulsionado pela ampliação da renda disponível e pelo alongamento dos prazos

de financiamento de veículos. Assim, desse ponto de vista, o Brasil ganhou e tende

a continuar ganhando importância no mercado mundial de veículos. Efetivamente,

para várias montadoras, o Brasil é um dos principais mercados, o que abre novas

perspectivas também, do ponto de vista tecnológico.

Muito se falou, no passado recente, que as inovações e os esforços inovativos do

setor automotivo brasileiro eram determinados, apenas, pela necessidade de

adaptar os modelos desenvolvidos nas matrizes ao mercado local. Isso é verdade

apenas parcialmente. A adaptação de produtos ao mercado local parece ser apenas

o primeiro passo nas atividades de engenharia das subsidiárias locais. Na medida

em que as filiais brasileiras ganhem experiência nesse tipo de atividade adaptativa,

ganham também espaço junto às matrizes para realizar atividades mais complexas

e, por vezes, assumir a responsabilidade pelo desenvolvimento de novos modelos.

Esse foi o caso do Fox, por exemplo, que foi um modelo desenvolvido

majoritariamente no país. Nesse sentido, a maior importância do mercado brasileiro

no contexto mundial, pode contribuir para que as matrizes desloquem cada vez

mais atividades de engenharia para a subsidiária local.

Outros fatores observado no cenário mundial também podem contribuir para a

ampliação das atividades tecnológicas das subsidiárias brasileiras. A estratégia

modular de produção e de desenvolvimento de produtos no setor automotivo abre

novas possibilidades para a maior participação de fornecedores e das subsidiárias

locais no processo de desenvolvimento de produtos da matriz, em nível mundial. A

maior participação dos fornecedores nesse processo pode, inclusive, abrir espaço

para as empresas de capital nacional na cadeia de fornecimento das montadoras.

De fato, as atividades tecnológicas desenvolvidas pelo setor automotivo brasileiro

não são, de forma nenhuma, desprezíveis ou menores. O setor automotivo

responde por 24% do total dos investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento

realizado pelo conjunto da indústria brasileira. Em termos de esforços tecnológicos,

a proporção das vendas destinadas aos investimentos em P&D pelas empresas

brasileiras no setor é muito próxima a países como Espanha e Itália. Apesar disso,

a taxa de inovação no setor é bastante inferior a observada nesses países, o que se

explica pelo número elevado de empresas na base industrial do setor automotivo

brasileiro. Existem mais de 2 mil empresas no setor automotivo brasileiro, número

que é o dobro do verificado na Alemanha, por exemplo, país que produz três vezes

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mais automóveis do que o Brasil. Esse fato ressalta necessidade de que o setor,

especialmente o segmento de autopeças, ganhe escala de produção para continuar

sendo competitivo internacionalmente.

Nesse trabalho, identificamos que existem 62 empresas líderes no setor automotivo

brasileiro. Essas empresas são responsáveis por quase 60% do faturamento do

setor e por mais de 60% dos seus investimentos em P&D. Pelas suas

características competitivas, essas seriam as empresas com capacidade para

impulsionar o desenvolvimento tecnológico do setor e determinar as tendências

tecnológicas do setor no longo prazo.

Analisamos também, as estratégias de inovação adotadas pelas diferentes

empresas do setor automotivo. Partimos da premissa que uma estratégia

tecnológica mais diversificada – que inclua tanto investimentos em P&D quanto

aquisição externa de tecnologia – tende a ser mais vantajosa tanto do ponto de

vista dos seus resultados para a empresa inovadora quanto do ponto de vista da

geração de externalidades para o restante da indústria.

Vários autores argumentam que boa parte da inovação na indústria brasileira é

baseada, simplesmente, na aquisição de máquinas e equipamentos mais

sofisticados. Esse tipo de inovação demandaria menos esforços tecnológicos e teria

menos capacidade de alavancar o desenvolvimento tecnológico da indústria

brasileira. Observamos que isso é verdade para as empresas frágeis e, em certa

medida para as empresas seguidoras. As empresas líderes, entretanto, possuem

estratégias tecnológicas muito mais diversificadas e intensivas na acumulação

interna de conhecimento.

As empresas líderes são mais capazes de cooperar e de estabelecer vínculos com

outros agentes do sistema de inovação. Dessa forma, também são mais capazes de

gerar externalidades positivas para o conjunto do setor automotivo e da indústria

brasileira de modo geral. Muito embora também tenhamos verificado que a

inovação no setor automotivo – especialmente nas empresas montadoras – ainda é

muito dependente das suas matrizes localizadas no exterior. Chamou a atenção o

fato de que mais de 30% das empresas montadoras brasileiras declararam que o

principal responsável pela inovação implementada por ela é uma outra empresa do

grupo no exterior.

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Apesar da cooperação ser uma atividade bastante comum entre as empresas

líderes, observamos que o setor automotivo brasileiro como um todo ainda coopera

muito pouco em comparação com outros países. As atividades de cooperação são,

como no resto do mundo, bastante intensas com fornecedores, clientes e com

outras empresas do grupo. A parceria com universidades e centros de pesquisa é,

entretanto, uma atividade praticamente inexistente no setor automotivo brasileiro.

Nesse sentido, e dado os impactos positivos – relatados pela literatura – das

atividades de cooperação sobre o desempenho inovador, o estímulo a essas

atividades pode ser um instrumento importante para impulsionar o desenvolvimento

tecnológico do setor.

A lei de inovação, cujos impactos ainda não podem ser observados pelos dados de

2005 (dado que a lei foi aprovada em 2004) pode ter efeitos importantes sobre as

parcerias entre empresas e instituições de ciência e tecnologia (C&T). Outros

mecanismos poderiam ser utilizados para impulsionar esse tipo de cooperação. A

vinculação dos mecanismos existentes de subvenção e/ou financiamento ao

desenvolvimento de projetos cooperativos31 pode ser um instrumento importante

para estimular as atividades de cooperação, não apenas entre empresas e

universidades mas também entre diferentes empresas. Esse é um aspecto

importante no setor automotivo, dada a crescente importância dos fornecedores no

desenvolvimento de produtos realizado pelas montadoras. Da mesma forma, a

crescente importância das tecnologias da informação nas inovações do setor

automotivo pode ser beneficiada de políticas de financiamento que estimulem

parcerias entre empresas automobilísticas e de tecnologias de informação.

Em relação aos mecanismos de financiamento existentes e à utilização de

mecanismos públicos de apoio à inovação, verificamos que esses mecanismos

estão mais direcionados para as empresas líderes. Dado que, como já

argumentamos, essas são as empresas mais capazes de impulsionar o

desenvolvimento tecnológico do setor, esse viés nos parece acertado.

Entretanto, também verificamos que há um grupo de empresas fortemente

inovadoras – que são as empresas emergentes – cujo acesso aos mecanismos

públicos de estímulo à inovação é praticamente nulo. Tudo indica que essas 31 É bom lembrar que a FINEP já subvenciona projetos de inovação realizados em parceria entre empresas e universidades por meio do chamado FNDCT cooperativo. Entretanto, não há, até onde os autores sabem, mecanismos similares que estimulem a parceria entre empresas.

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empresas sejam muito promissoras do ponto de tecnológico e que, portanto,

deveriam merecer maior acesso aos mecanismos públicos de financiamento. Essas

são empresas que possuem departamentos de P&D e/ou realizam inovações para o

mercado mundial. Nesse sentido, uma alternativa para direcionar mais recursos

públicos para essas empresas poderia ser a vinculação de alguns financiamentos à

existência de departamentos de P&D ou à implementação prévia de inovações para

o mercado brasileiro ou para o mercado mundial. Esse seria um critério

perfeitamente aceitável, especialmente dada a característica cumulativa do

progresso técnico, que faz com que o desenvolvimento tecnológico futuro seja

bastante dependente do que a empresa já realizou no passado, em termos

tecnológicos.

Por fim, a análise de oportunidades tecnológicas, na última seção do relatório traz

um mapa de quais as áreas tecnológicas e científicas que estão, atualmente, dando

suporte para as inovações do setor automotivo. Em termos de domínios

tecnológicos, verificamos que as tecnologias da informação e as telecomunicações

estão ganhando espaço nas patentes do setor automotivo, evidenciando que, cada

vez mais, as inovações nesse setor são dependentes dessas tecnologias.

Em relação às áreas de conhecimento, verificamos a emergência da ciência dos

materiais como fonte para as inovações no setor automotivo, juntamente com as

engenharias. A emergência desse campo científico está profundamente relacionada

com a necessidade de aumentar a eficiência energética dos automóveis, que é uma

tendência tecnológica predominante no setor.

O desenvolvimento de novos materiais é, de fato, uma tecnologia pré-competitiva

que pode ser utilizada tanto no setor automotivo quanto em outros setores, talvez o

aeronáutico seja o principal exemplo. Nesse sentido, existe aí um espaço

importante de atuação de políticas públicas. É possível pensar na criação de

centros de pesquisa em tecnologias pré-competitivas – apenas na ciência dos

materiais mas também em ou novos combustíveis – que poderiam impulsionar o

desenvolvimento tecnológico do setor.

Por outro lado, é preciso também estimular a formação profissional nas áreas do

conhecimento mais necessárias para as inovações automotivas. A relativa escassez

de engenheiros qualificados é uma questão que precisa ser resolvida para garantir

o progresso técnico no setor.

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Por fim, grande parte da literatura sobre o setor automotivo tem destacado a

redução de emissões como uma das tendências tecnológicas mais importantes do

setor no futuro próximo. Nesse sentido, além de desenvolver mecanismos que

estimulem a inovação nessas áreas, é necessário fortalecer os mecanismos de

“enforcement” destinados a controlar a emissão de poluentes.

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ANEXO 1: POLÍTICAS PÚBLICAS PARA O SETOR AUTOMOTIVO NA DÉCADA DE

1990

A indústria automobilística brasileira contou com proteção absoluta desde o início

de sua implantação no país até o começo dos anos 90. Com o processo de abertura

à concorrência externa, uma política industrial específica para o setor automotivo

adquiriu especial relevância desde os primeiros anos da década de 90 e,

principalmente, após o programa de estabilização econômica iniciado em 1994.

Após 1990, diversas medidas de política governamental foram dirigidas diretamente

para o setor automotivo conforme mostra a tabela 1.

A abertura de 1990 e 1991 marcou o fim de regimes discricionários de proteção à

concorrência externa, entre eles o BEFIEX. A política para o setor automotivo em

1992 e 1993 foi marcada pelas negociações na Câmara Setorial do Complexo

Automotivo. Neste período foram negociadas reduções de impostos (IPI e ICMS) e

das margens de lucro dentro da cadeia produtiva. Foram também fixadas metas de

salário e emprego. Em 1993, além das políticas deliberadas no âmbito da Câmara

Setorial, o governo reduziu o IPI dos carros populares para 0,1%.

O período de 1994 até o início de 1995 foi caracterizado pelo fim das negociações

na Câmara Setorial e pela redução nas alíquotas de importação de veículos e

peças. O Imposto de Importação (II) atingiu o nível mais baixo, 20%, em setembro

de 1994 com a antecipação da Tarifa Externa Comum do Mercosul (TEC). No início

de 1995, em resposta ao crescimento das importações de veículos e à preocupação

com possível desvio de investimento estrangeiro do Brasil para a Argentina, a

abertura do setor automotivo começou a ser revertida, elevando-se inicialmente o

imposto de importação para 32% em fevereiro e para 70% em março.

A retomada de uma política industrial para o setor automotivo inicia-se com a edição

da Medida Provisória (MP) 1.024, de junho de 1995.

A imposição de cotas através da MP 1.024 deu origem a dificuldades do Governo

Brasileiro com o Governo Argentino. A Argentina alegava rompimento de acordo

firmado entre o Brasil e aquele país no contexto do Mercosul, além de ser

questionada no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC). O contencioso

entre Brasil e Argentina foi solucionado em janeiro de 1996 por meio de um acordo

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firmado entre os dois países. Este previa o reconhecimento mútuo dos respectivos

regimes automotivos nacionais até dezembro de 1999.

No âmbito da OMC, as cotas poderiam, em princípio, ser justificadas sob o Artigo

XVIIIB do GATT, com base na fragilidade do balanço de pagamentos. Com mais de

US$ 45 bilhões de dólares de reservas cambiais o argumento brasileiro para

imposição de cotas não foi aceito no Comitê de Balanço de Pagamentos da OMC

em outubro de 1995.

Abriu-se assim caminho para a MP 1.235 e o Decreto 1.761, editados em dezembro

de 1995, que são as bases do regime automotivo regulamentado através da Lei

9.449 e do Decreto 2.072 de novembro de 1996 que vigorou até dezembro de 1999.

O principal instrumento de incentivo dado às montadoras instaladas no país foi a

redução do Imposto de Importação (II) até dezembro de 1999. Através dessas leis,

o II para veículos importados pelas montadoras instaladas no Brasil é reduzido em

50%. Para importações de bens de capital, a redução do II é de 90%. Para peças,

componentes e demais matérias-primas, foi estabelecido o seguinte cronograma de

redução do II: 85% em 1996, 70% em 1997, 55% em 1998 e 40% em 1999.

A contrapartida dos incentivos foi o índice de nacionalização mínimo de 60% e a

vinculação das importações às exportações. O regime vincula as importações ao

desempenho exportador das firmas. Para os bens de capital, foi estabelecido que a

proporção entre as aquisições de bens de capital produzidos no país e as

importações com redução do imposto de importação não poderia ser inferior à

proporção de 1 por 1 até dezembro de 1997 e de 1,5 por 1 a partir de janeiro de

1998. Para matérias-primas, essa proporção não poderia ser inferior a 1 por 1. Para

autopeças, o valor FOB das importações de insumos não pode exceder dois terços

do valor das exportações líquidas. O valor FOB das importações de matérias-primas

adicionado às importações de insumos e veículos de transporte, com redução do

imposto de importação, não poderia exceder o das exportações líquidas.

Além do regime automotivo geral, o governo federal publicou em dezembro de 1996

a MP 1.532 criou incentivos especiais para as firmas que se instalarem nas regiões

Norte, Nordeste e Centro-Oeste do país. A MP transformou-se na Lei 9.449 em

março de 1997. Estas medidas ficaram conhecidas como regime automotivo

regional ou especial. O regime especial permitia a importação de peças e

componentes com a redução de 90% do II até o ano de 1999. Estava previsto no

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99

regime especial que as aquisições de máquinas e equipamentos fabricados no

Brasil dariam direito a um bônus de 200% para importação e, no caso de aquisições

de ferramentas fabricadas no Brasil, de 150%. Os bônus de importação vigoraram

durante toda a vigência do regime. O regime especial isentava do Imposto sobre

Produtos Industrializados (IPI) as aquisições de máquinas e equipamentos até 1999

e reduzia em 45% o IPI nas aquisições de matérias primas e insumos. Além destes

incentivos, a medida isentava tais aquisições do Imposto de Renda calculado com

base no lucro da exploração do empreendimento, do adicional ao frete para a

renovação da Marinha Mercante e também do Imposto sobre Operações

Financeiras (IOF) nas operações de câmbio realizadas para pagamento dos bens

importados.

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TABELA 32. - MEDIDAS DE POLÍTICA QUE AFETARAM O SETOR AUTOMOTIVO - 1990 - 2000

Instrumento Medida

8 -MP 1.235 (14/12/95)

9- Decr. 1.761 (26/12/95)

10 - Decr. 1.863 (16/4/96)

11 - MP 1.483

(5/2/96)

12 - Decreto 1.987

(20/8/96)

13- MP 1.532

(18/12/96)

14 - Decreto 2.072

(24/11/96)

15- Decreto 2.307

(20/07/97)

16 - Lei 9.440 (14/03/97)

Decreto 2.179 (18/03/97)

Port. Interm. Nº3

(31/03/97)

17 - Lei 9.449 (14/03/97)

Decreto 2.072 (14/11/96)

Port. Interm. Nº 1

(05/01/97)

18 - Lei Nº 1.602

(14/11/97)

19 - Decreto 2.391

(20/11/97)

Decreto 2.386 (14/11/97)

Decreto 2.375 (11/11/97

20 - Decreto 2.638

(30/06/98)

21- Decreto 2.706 (3/8/98)

- Estabelecem as bases do chamado “regime automotivo brasileiro”. Entre os diversos

incentivos, destacam-se: as montadoras instaladas no país poderão importar

automóveis com redução de 50% do imposto de importação e bens de capital com

redução de 90% do imposto de importação. A redução do Imposto de Importação para

as importações de máquinas, equipamentos, matérias-primas e peças realizadas pelas

montadoras instaladas no Brasil seguirão o seguinte cronograma: redução de 85% em

1996; 70% em 1997; 55% em 1998 e 40% em 1999. Índice de nacionalização de 60%.

Para as chamadas “newcomers” são estabelecidas flexibilidades especiais. O

comércio brasileiro realizado com o Mercosul obedecerá regras específicas.

- Modifica a Medida Provisória 1.235.

- Estabelece cota tarifária para importação de 50.000 carros no prazo de um ano a

partir da data de publicação do Decreto procedentes da Coréia, Japão e União

Européia

- Estabelece regime especial para as montadoras que venham a se instalar nas

Regiões Norte, Nordeste e Centro Oeste. Fixou-se até 31/05/97 o prazo de habilitação

para novas montadoras.

- Altera as alíquotas “ad valorem” do Imposto de Importação de máquinas,

equipamentos, peças e componentes. Fica estabelecido o seguinte cronograma:

redução de 60% no período de 24/11/96 a 31/12/96; 55% em 1997; 40% em 1998 e

1999.

- Estabelece cota tarifária para importação de 50.000 carros no prazo de um ano a

partir da data de publicação do Decreto procedentes da Coréia, Japão e União

Européia

- “Regime Automotivo Especial” - regiões NO, NE e CO.

- “Regime Automotivo Geral”

- Altera os incentivos referente as alíquotas do Imposto de Importação da Lei 9.440 e

da Lei 9.449 para empresas não habilitadas até 14/11/97.

- Alteram as alíquotas do IPI para veículos automotores.

- Altera o Decreto 2.072 - Resultado na negociação Brasil/EUA

- Altera as alíquotas do IPI para veículos automotores.

Fonte: IPEA

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101

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