Relatos de um introvertido
-
Upload
danilo-mello -
Category
Documents
-
view
218 -
download
0
description
Transcript of Relatos de um introvertido
Cap 1
Primeiro dia de aula
Eu dormia num quarto pequeno em um bairro residencial de uma cidade de
médio porte na qual havia morado minha vida inteira. O despertador tocou e eu
levantei, tomei um banho e enquanto me olhava no espelho comecei a pensar um
pouco em como minhas férias tinham sido chatas, revezando entre a casa da minha
avó, que fica numa cidade próxima, mas muito monótona, e a casa de praia de um
amigo dos meus pais, que são velhos e não tem filhos o que foi um tédio total.
Nesse dia em particular resolvi não ficar gastando muito meu tempo nisso, pois iria
experimentar algo completamente novo e misterioso pra mim: Uma nova escola!
Desde que tenho memória da minha consciência, todo meu ensino fundamental
tinha sido no mesmo colégio, mesmos colegas e mesmas salas.
Eu estava um pouco empolgado em começar o ensino médio, o ensino
fundamental tinha me proporcionado alguns momentos marcantes e pensei que os
três últimos anos que estavam por vir no 2º grau traziam a esperança de ser mais
intenso do que aquele tempo de criança. É claro que eu já não me considerava mais
uma criança, no auge dos meus 15 anos!
A minha nova escola ficava apenas alguns minutos de distancia da minha
casa. Como eu ainda não conhecia ninguém, eu pegava o ônibus sozinho. Pura
preguiça de ir caminhando ou então era muito chato ir andando sem ter ninguém pra
conversar, não tenho certeza de qual desculpa eu usava. Nessa escola nova tinham
cerca de 1000 alunos e como eu sou introvertido fazer amigos é um processo que
leva tempo. Muita gente confunde introversão com timidez, isso é um erro comum
apesar de terem lá sua relação. Uma pessoa introvertida não necessariamente
precisa ser tímida, mas são comuns de se achar. Eu, por exemplo, não era.
Introversão é quando a pessoa pensa pra si mesmo, e reflete nas suas próprias
ideias, isso faz com que ela se retraia um pouco e tentar fazer isso em grupos é
difícil, experiência própria, as pessoas não costumam calar a boca quando estão
juntas e por isso, nós introvertidos, gostamos de planejar antes de agir e ficar
sozinhos, o que convenhamos, dificulta um pouco o inicio de uma relação. Mas
como tudo na vida tem sempre um propósito, foi nesse ponto de ônibus que eu
conheci um trio de garotas que estudavam no mesmo colégio que eu. A misteriosa
Társila, a baixinha Rafaela e a simpática Ana. Elas pareciam serem amigas de longa
data, sempre tinham sobre o que conversar, e sempre riam disso. Um sorriso é
sempre contagiante, e ouvindo suas historias, sem estar mostrando aparentemente
que estava, sempre acabava formando um sorriso meio que tímido no rosto.
O ônibus passou e dentro dele estava abarrotado de jovens com o mesmo
destino que o meu, com o uniforme facilmente reconhecível, todos indo para o
Colégio da Policia Militar. Pobres almas inocentes com cara de medo e sono sem
saber o que esperar de algo tão novo. Medo pela expectativa de disciplina que
esperavam e sono simplesmente porque era muito cedo mesmo, as 6:40 já
tínhamos que estar todos no colégio.
No embalo de uma musica que tocou por acaso no meu velho celular, não por
acaso, pensei no horizonte, aquela linha para a qual caminhamos e nunca
chegaremos. Parece meio idiota quando se coloca no papel desse jeito: “Hey, temos
sim um propósito na vida”, diz o lado idiota da minha consciência. Ok ok, talvez
tenhamos, mas quem garante que um dia esse tal propósito será alcançado? E
agora uma briga interna acontece entre os dois lados do meu cérebro, razão VS
emoção, nunca seria uma boa fazer aposta nesse tipo de confronto já que a razão
ganha a maioria. Mas quem sabe dessa vez é diferente. A emoção é insegura e a
razão concisa. A emoção fala, a razão ouve. A emoção é circunstancial e a razão
radical. Achar que pode haver um equilíbrio é a mais pura inocência que só pessoas
estúpidas podem achar que é possível. Todos tem um lado dominante, isso é bem
claro na minha cabeça. Você pode ter momentos em que seu lado dominante perde,
mas isso é normal.
Meu lado emocional tem 10 anos de idade e a minha razão é um diretor
respeitado por todos na empresa chamada Meu Cérebro Inc. Confesso que é uma
luta injusta, mas que também é muito mais fácil de lidar.
Durante esse debate interno, percebi que havia uma outra pessoa que
parecia tão imersa em pensamentos quanto eu. Olhando para o infinito (expressão
que eu usava pra descrever essa olhada para o horizonte), com fones no ouvido e
um livro aberto no colo. Deveria ser algo muito profundo pois a cada dois minutos de
leitura ela voltava o olhar para o infinito. Não tinha percebido a quanto tempo estava
observando seus hábitos quando de repente ela voltou os olhos para mim. Ficamos
nos encarando por alguns segundos até eu perceber o quão estranho eu deveria
estar parecendo fazendo aquilo. Antes de virar a cara num ato de vergonha alheia,
pude observar o sorriso que ela deu quando voltou pro seu livro de pensamentos
profundos.
A estrutura do colégio era realmente de proporções enormes, pudera, para
caber tantos alunos. No pátio, separados por turma e em colunas de três, em ordem
decrescente de tamanho, eu ficava em segundo, isso era o que eles chamavam de
“entrar em forma”, ri sozinho pensando que se entrar em forma realmente fosse
assim tão fácil, eu finalmente ia perder aqueles quilinhos extras das férias.
Dado as informações e apresentações iniciais fomos liberados para nossas
respectivas salas e enquanto via aquela horda de zumbis escravos do sono se
arrastando e tentando não tropeçarem uns nos outros, o que de fato foi hilário, pois
eles não conseguiam, fui logo repreendido por um dos policiais por estar rindo,
aparentemente eles não permitem felicidade nesse local. Andando até a sala
comecei a refletir que eu não ia conhecer nem 1/3 daqueles companheiros de farda,
e que mesmo assim eu me sentia estranhamente à vontade naquele ambiente, já
diziam que o sofrimento nos faz criar laços fortes, era a única explicação plausível.
Aquela farda deixava a mais linda das garotas aparentar comum e apesar de não ter
vivido muito eu já entendia que a beleza trazia seus benefícios, fato que eu nunca
aproveitei. E lá estava eu, numa sala com 30 completos estranhos (alguns de fato
estranhos mesmo), esperando qual próxima surpresa me esperava.