Relatorio_crise de Direitos Humanos No ES

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    Centro de Justia GlobalRio de Janeiro e So Paulo

    CRISE DE DIREITOS HUMANOSNO ESPRITOS ANTO:

    ameaas e violncia contra os defensoresde direitos humanos

    Julho a outubro de 2002

    Relatrio atualizado em outubro de 2002

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    CRISE DE DIREITOS HUMANOSNO ESPRITOS ANTO:

    ameaas e violncia contra os defensoresde direitos dumanos

    Edio:James Cavallaro

    Coordenao e Reviso:Sandra Carvalho e Andressa Caldas

    Preparao:Equipe do Centro de Justia Global

    Diagramao:Sandra Luiz Alves

    Relatrio atualizado em outubro de 2002

    Centro de Justia GlobalRio de Janeiro e Esprito Santo

    A obra pode ser reproduzida desde que citada a fonte

    l 63 l

    Em que rgo est tramitando? (delegacia, vara, tribunal):

    Qual a ltima movimentao processual?:

    Outras providncias adotadas pelo defensor (em mbito local, es-tadual, nacional ou internacional):

    Outras observaes relevantes (ex: violao resultante de vriosabusos continuado no intuito de obstar a construo, promoo eproteo dos direitos humanos; sobre a relao ou participao(direta ou indireta) de autoridades pblicas na violao; grupos,projetos ou programas que foram direta ou indiretamente afetadospela violao):

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    Sumrio

    Apresentao .......................... ............................ ........................... ........... 5

    Novas informaes: julho a outubro de 2002 ...................................... 12

    Recomendaes ........................... ................................ ........................... 151. Garantir a aplicao dos princpios na Declarao das Naes Unidas

    sobre Defensores dos Direitos Humanos ........................................... 152. Reconhecer a superviso dos rgos internacionais de direitos

    humanos ............................. ............................... ............................... .. 163. Investigar completamente abusos cometidos contra defensores dos

    direitos humanos ......................... ............................. .......................... 174. Investigar abusos policiais de forma independente ............................ 175. Federalizar a investigao e o julgamento de crimes de direitos

    humanos ............................. ............................... ............................... .. 196. Criar e reforar ouvidorias atravs do pas ......................................... 197. Proteger vtimas e testemunhas de violao de direitos humanos ..... 208. Refrear processos de difamao sem fundamento .............................. 209. Modificar a legislao penal acerca de crimes contra a honra ........... 2010. Adotar programas integrados para a proteo dos defensores de

    direitos humanos ......................... ............................. .......................... 2111. Desmontar sistemas de vigilncia da sociedade civil e dos defensores

    de direitos .......................... ............................. ............................. ....... 21

    12. Fornecer total acesso aos arquivos de espionagem ........................... 2213. Fornecer uma base legal adequada para defensores dos direitoshumanos ............................. ............................... ............................... .. 22

    Jean Claude Gomes de Oliveira .............................................................. 23

    I. Ameaas de Morte e Presses Indevidas contra representantes doMinistrio Publico ............................. .............................. ................. 23

    Marcelo Zenkner ..................................................................................... 25

    II. Ameaas contra membros do Poder Judicirio ........................... .. 27Alexandre Martins de Castro Filho, Carlos Eduardo Ribeiro Lemos,

    Rubens Jos da Cruz, juzes de direito de Vitria .......................... ... 27

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    Descrio da Violao:Data: _____ / _____________________ / ________

    Local :

    Natureza da violao sofrida (homicdio, ameaa de morte, agres-so fsica ou moral, desaparecimento, priso arbitrria, processo judicial intimidatrio, etc.):

    Descrio do(s) fato(s):

    Alguma autoridade pblica foi comunicada? ( ) sim ( ) no

    Identidade da autoridade estatal envolvida, se houver (nome dofuncionrio pblico, departamento ou rgo):

    Funo / Cargo:

    Circunstncias:

    H procedimento administrativo ou judicial? ( ) sim ( ) no :

    Nmero do processo ou inqurito:

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    III. Ameaas contra delegados de polcia ........................................... 31Francisco Vicente Badenes Jnior .......................................................... 31Andr Luiz Cunha Pereira e Danilo Bahiense Moreira ......................... 34Fabiana Maioral .............................. ............................. ........................... 38

    IV. Ameaas contra membros dos Poderes Legislativose Executivos ............................. ............................. ............................ 42

    Deputado Estadual Cludio Vereza ........................... .............................. 42Arrombamento da Secretaria de Direitos Humanos do Municpio de

    Serra ............................ ............................... .............................. .......... 44

    V. Ameaas contra membros da sociedade civil ............................ ..... 47Agesandro da Costa Pereira .......................... ............................. ............. 47Joo Miguel Feu Rosa e famlia ............................. ............................ ..... 49Maria das Graas Nascimento Nacort .................................................... 51Iriny Lopes .............................. .............................. .............................. ..... 55

    Programa de Defensores de Direitos Humanos Centro de JustiaGlobal ......................... ............................ ............................ ............... 59

    Ficha para Registro de Violaes Contra Defensores dos DireitosHumanos ............................ .............................. .............................. ... 61

    l 61 l

    Identificao do Defensor de Direitos Humanos:

    Nome:

    Idade: anos. Sexo: Profisso :

    Cargo:

    Endereo:

    Fone/Fax:

    E-mail:

    Nome da Organizao (se faz parte de alguma organizao nogovernamental, partido poltico, sindicato ou movimento social):Responsvel pela Organizao:

    Atuao da organizao:( ) municipal ( ) estadual ( ) regional( ) nacional ( ) internacional

    Natureza do trabalho (questes agrrias, raciais, sexuais, ambientais,indgenas, infncia e juventude, direitos civis e polticos, etc.):

    ( ) Assinale aqui se desejar que sua identidade seja mantida emsigilo

    Ficha para Registro de Violaes Contra Defensoresdos Direitos Humanos

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    Este relatrio consiste em uma sntese da atual situao dosdefensores de direitos humanos no Estado do Esprito Santo. Odocumento fruto da pesquisain loco, elaborada no final de junhode 2002 por uma equipe do Centro de Justia Global, compostapor James Cavallaro, Sandra Carvalho, Sven Hilbig e Jeff Zins-meister.

    O relatrio enfoca as ameaas, intimidaes e pressesinstitucionais que pessoas e grupos tanto da sociedade civil quantodos rgos do estado responsvel pela luta contra o crime organi-zado e pela defesa do estado de direito vm sofrendo atualmente.

    A elaborao de relatrios sobre a situao de defensores dedireitos humanos parte do trabalho desenvolvido peloProgramade Defensores de Direitos Humanos, desenvolvido pelo Centro deJustia Global (ver informaes sobre o Programa, ao final desterelatrio).

    Originariamente, este documento visou assessorar o trabalhoda Sub-Comisso, designada pelo Conselho de Defesa dos Direi-tos da Pessoa Humana (CDDPH) para avaliar uma possvel deter-minao de interveno federal do Estado do Esprito Santo.

    Alm disso, este documento (na sua verso em ingls) foi re-metido para a Representante Especial da ONU sobre os Defenso-res de Direitos Humanos, Sra. Hina Jilani, visando inform-la arespeito das graves violaes contra os defensores do Estado doEsprito Santo.

    O relatrio no inclui informaes sobre alguns casos ante-riores j de conhecimento do CDDPH, como o do advogado Mar-celo Denadai e de outros defensores dos direitos humanos mortosnos ltimos anos. O enfoque aqui a situao de quem estatualmente empenhado na defesa dos direitos fundamentais do ci-dado e vm enfrentando, neste momento, riscos, presses e reta-liaes.

    Apresentao

    l 60 l

    as violaes de direitos fundamentais dos indivduos e as liberda-des fundamentais dos povos e indivduos. Os defensores de direi-tos humanos podem ser membros de instituies governamentaisou no governamentais, incluindo os funcionrios pblicos, comoos encarregados de fazer cumprir a lei ou da administrao peni-tenciria e tambm aqueles que trabalham na assistncia s vtimasde violaes de direitos humanos.

    Quais so as principais violaescontra defensores de direitos humanos ?

    Podemos citar a ttulo exemplificativo como os abusos maiscomuns contra defensores de direitos humanos: ataques diretoscontra a vida, a integridade fsica e a seguridade e dignidade pesso-al como, ameaas em geral, execues extrajudiciais, desapareci-mentos, prises arbitrrias, processos criminais, civis e adminis-trativos intimidatrios e/ ou ilegais, campanhas de difamaes, atformas de violncia mais sutis como a desqualificao social porassociar seu trabalho ao mbito dos direitos humanos com atividadesdelitivas, como formao de quadrilha, terrorismo ou crimecontra a segurana nacional. A violncia tambm pode afetar osfamiliares dos defensores dos direitos humanos e outras pessoasrelacionadas com elas. Estas violaes podem ser resultantes tantoda ao como da omisso do Estado ou de grupos organizados dasociedade civil, como milcias, grupos de extermnio e esquadresda morte.

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    estarrecedora a gravidade da situao em que vivem as pes-soas que lutam pela defesa dos direitos humanos e pelo EstadoDemocrtico de Direito, no Esprito Santo. o que pode se con-cluir atravs deste levantamento que detalha as ameaas e pres-ses institucionais sofridas por atores da sociedade civil e por re-presentantes de rgos do Estado encarregados da segurana p-blica, entre eles o Ministrio Pblico, o Poder Judicirio e a Pol-cia, assim como autoridades do Poder Executivo e do PoderLegislativo.

    Com este documento, o Centro de Justia Global busca cha-mar a ateno dos rgos governamentais federais competentes,bem como da opinio pblica nacional e internacional, para as gra-ves violaes contra a ordem democrtica e contra a vida e a inte-gridade fsica e moral daqueles que lutam pelos direitos humanosno Estado do Esprito Santo.

    Breve Introduo:a atual crise de Direitos Humanos no Esprito Santo

    O Estado do Esprito Santo, situado na regio sudeste do Bra-sil, liderou as estatsticas de ocorrncia de crimes dolosos contra avida no Brasil nos ltimos trs anos. A criminalidade violenta cons-titui um problema grave e j est fora de controle. Um relatriorecente feito pelo governo estadual afirma que a taxa de mortesviolentas no Esprito Santo foi de 70,99 por 100.000 habitantes em1997, e 90,97 por 100.000 em 2001.1

    Mais preocupante ainda a presena endmica do crime or-ganizado no Estado. Segundo a Ordem dos Advogados do Brasil Seo Esprito Santo, o crime organizado o responsvel pelaaltssima incidncia de homicdios de mando e assassinos de meni-nos de rua. A OAB tambm afirma que, na maioria dos homic-

    1 Representao e pedido de interveno feder al, encaminhado pelo Presidente do Conselho Fede-ral de OAB, Rubens Approbato Machado, para o Ministro Federal da Justia e o Presidente doConselho de Defesa dos Direitos de Pess oa Humana do Ministrio da Justia, (CD DPH) 47 (20 demaio de 2002) (documento arquivado no Centro de Justia Global).

    l 59 l

    O Centro de Justia Global possui um programa especial parade pesquisa, documentao e acompanhamento de casos de viola-es contra defensores de direitos humanos, atravs da publicaoperidica do relatrio Na Linha de Frente: defensores de direitoshumanos no Brasil. Alm disso, nosso trabalho consiste em enca-minhar os casos mais emblemticos para os organismos internaci-onais de proteo dos direitos humanos, notadamente para a Co-misso Interamericana de Direitos Humanos da OEA, e para osmecanismos especiais da ONU, em especial para a sua Represen-tante Especial sobre Defensores de Direitos Humanos.

    Para que esse trabalho seja realizado com a maior abrangnciae profundidade possveis, sua colaborao muito importante. Casovoc ou sua organizao possua dados sobre algum caso de viola-o contra defensores de direitos humanos e queira registr-lo emnosso prximo relatrio, pedimos a gentileza de encaminhar as in-formaes pertinentes, de acordo com o roteiro abaixo sugerido,para o seguinte endereo:

    Centro de Justia Global Programa de Defensores

    de Direitos Humanos Av Av. Nossa Senhora de Copacabana, 540 / 402 Rio de Janeiro RJ Brasil 22020-000

    Fax: 55-21 2549-3599E-mail: [email protected]

    Quem defensor de direitos humanos ?Todos aqueles grupos ou pessoas que atuam por sua conta ou

    em organizaes no governamentais, sindicatos, ou movimentossociais em geral, para contribuir para a eliminao efetiva de todas

    Programa de Defensores de Direitos Humanos Centro de Justia Global

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    dios, as investigaes feitas pelas autoridades estaduais no evolu-ram e no indicaram os autores dos crimes, devido ameaa docrime organizado.

    O alcance dessas quadrilhas no se reduz somente a cometi-mento de crimes; ele atinge at os trs poderes do governo esta-dual. Um grupo de extermnio em particular, denominadoScudiere Detetive Le Cocq(SDLC), incorpora, em seus quadros de associ-ados, centenas de policias (civis, militares e federais), serventuriosda justia, delegados, advogados ()funcionrios da administra-o pblica, promotores de justia e at juzes de direito,desembargadores, polticos, empresrios, comerciantes2 , utilizan-do-se de meios e recursos prprios das milcias e de contribuiesempresarias.3

    Trata-se de uma organizao legalmente constituda e pro-fundamente envolvida nos assim chamados assassinatos de lim-peza social (cujo alvo so adolescentes que vivem e trabalhamnas ruas de Vitria, no Esprito Santo), extorses e outras formasde corrupo.

    Para dar uma mostra do poder deste grupo criminoso, umdocumento elaborado pela OAB-ES relata que um antigo Secret-rio de Segurana do Estado, Dr. Jos Rezense de Andrade, infor-mou ao tempo de sua renncia que era proibido, por seus superio-res do governo estadual, de processar os dirigentes do crime orga-nizado na Justia Criminal.

    Por mais incrvel que parea, o SDLC uma pessoa jurdicano Registro Civil do Esprito Santo. Em 1996, o Ministrio PblicoFederal pediu a dissoluo do SDLC perante a Justia Federal doEsprito Santo, mas o caso ainda est tramitando no Poder Judici-rio, sem previso de concluso.

    2 Id.p 16. Segundo o Ministrio Pblico Federal a Scuderie Deteteive le Cocq uma associaoque assume abertamente uma origem policial e congrega notadamente policiais civis e militares,aos quais vm somar-se alguns membros do Ministrio Pblico, do Poder Judicirio e outras autori-dades pblicas. Relatrio doCPI Federal sobre Esprito Santo, p. 25.3 Id. Tambm vejaFront Line e Centro de Justia Global, na linha de frente: defensores de direitoshumanos no Brasil, 1997-2001 91 (2002).

    Apresentao

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    A defensora Iriny Lopes continua sendo vtima de ameaas demorte. No dia 06 de maio de 2002, recebeu um telefonema annimoque a alertava para ter cuidado com o que iria dizer, pois poderiamorrer antes mesmo da conveno do partido.

    O telefonema ocorreu 48 horas antes do nome de Iriny Lopesser cogitado para eventual candidatura ao governo do Estado doEsprito Santo.

    Recentemente, Iriny Lopes estava na Assemblia Legislativado Esprito Santo e foi abordada por um funcionrio da instituioque se dirigiu a ela para comentar sobre o que chamava de delica-do momento no Estado e afirmando repetidamente por trs vezespara que Iriny tomasse muito cuidado. Iriny sabe que essa pes-soa ligada ao crime, mas no sabe se isso foi uma ameaa veladaou um aviso para realmente tomar cuidado.

    Aps a suspenso da proteo, Iriny j foi seguida e recebeutelefonemas annimos. No dia 13 de maio de 2002, logo aps aqueda do secretario da segurana, Iriny percebeu a presena dedois homens com atitudes suspeitas, prximo ao prdio onde elareside. A defensora ainda tentou anotar a placa do veculo, mas porestar nervosa e assustada, deixou de anotar um dgito, o que im-possibilitou a busca de informaes sobre o automvel.

    Em 14 de maio de 2002, Iriny Lopes relatou todos esses fatos Delegacia Regional da Polcia Federal, no Esprito Santo56, soli-citando que sua proteo por agentes da Polcia Federal fosserestabelecida.

    O Centro de Justia Global encaminhou denncia destas re-centes ameaas para a Representante Especial da ONU sobre De-fensores de Direitos Humanos, sra. Hina Jilani57.Desde o dia 15 de junho de 2002, Iriny voltou a receberproteo da Polcia Federal.

    56 Carta encaminhada para a Delegada Maria do Socorro Santos Nunes Tinoco, em 14.05.02,protocolada sob o no. 08285.003580/2002-20.57 Ofcio n JG/RJ 128/02, enviado pelo Centro de Just ia Global, em data de 04 de junho de 2002.

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    Uma comisso estadual, estabelecida para apurar o crime or-ganizado no Esprito Santo em 1992, condenou o SDLC por vrioscrimes graves, incluindo assassinatos polticos. Em vez de cumpriras suas recomendaes, o ento governador Albuno Azeredo dis-solveu a comisso em 1994. No obstante isso, o Conselho de De-fesa dos Direitos de Pessoa Humana (CDDPH), ligado ao Minist-rio da Justia reconheceu os esforos da Comisso e publicou, nomesmo ano, uma condenao ampla contra as atividades vincula-das ao crime organizado no Estado, enviando a referida condenaocom quarenta recomendaes para varias autoridades estaduais.

    Estas recomendaes no propulsaram grandes mudanas noEsprito Santo. Porm, para os que faziam parte da Comisso esta-dual, as repercusses das denncias sobre o SDLC tm sido signi-ficativas.

    O advogado Joaquim Marcelo Denadai, um dos membros damencionada Comisso, que estava acompanhando a ao judicialde dissoluo de sociedade contra aScuderie, morreu depois de

    levar um tiro a queima-roupa em Vitria, no 15 de abril de 2002. Odelegado da Polcia Civil Francisco Badenes est sob proteo doPrograma Nacional de Proteo s Vtimas e Testemunhas do Go-verno Federal, em virtude das ameaas, processos judiciais infun-dados, campanhas de difamao e outras aes intimidatrias. V-rios outros defensores de direitos humanos que pediram repetida-mente pela apurao dos abusos cometidos pelo SDLC tm sidoameaados ou assassinados.

    Em 1999, a Cmara Federal instalou uma Comisso Parla-mentar de Inqurito (CPI) sobre o Narcotrfico no Esprito Santo.4O relatrio final da CPI documenta a ocorrncia de vrios homic-dios realizados por motivao poltica, dentre os quais destacamosresumidamente5 :

    4 Anteriormente, o Estado do Esprito Santo tinha instalado uma CPI Estadual sobre Narcotrfico.Todavia, segundo membros da CPI Federal, a instalao dos tr abalhos da CPI estadual foi precedi-da de estrepitosa campanha articulada, nos meios de comunicao, atravs do Presidente da Assem-blia Legislativa (Deputado Jos Carlos Gratz) e outras autoridades estaduais, com o objetivo deconvencer a opinio pblica da inexistncia de narcotrfico e do crime organizado nessa regio dopas. Criticavam a sua ida ao Estado, para investigar essas atividades criminosas. Relatrio daCPI Federal sobre Esprito Santo, p. 1. Esse fato mostra (mais uma vez) a ligao dir eta do governo doEsprito Santo com o crime organizado.5 Relatrio daCPI Federal sobre Esprito Santo, p. 77-79.

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    grupos de extermnio. Contudo, por falta de provas a Polcia Fede-ral arquivou o inqurito.

    Em 2000, Iriny retornava, durante a madrugada, de uma via-gem na companhia de um dirigente do PT e dois agentes da polciafederal. Eles resolveram parar em um bar para tomar um caf edescansar um pouco. Logo em seguida, parou um carro com trshomens. Dois deles entraram no bar e outro se dirigiu ao banheiro.Os homens que entraram comearam a encar-la e colocaram amo na arma. O fato gerou um clima tenso e os agentes tambmpuseram a mo na arma. Iriny ficou muito nervosa e tinha certezaque conhecia um dos homens, apesar de no momento no conse-guir identific-lo. Decidiram sair dali imediatamente. Quando Irinychegou na porta, esbarrou no terceiro homem, que logo reconheceucomo sendo o Coronel Ferreira. Este ficou lvido quando a viu.Nesse momento, Iriny se lembrou que o homem do bar era o poli-cial Piedade, que estava preso por homicdio e ocultao de cad-ver. Iriny percebeu que algo de ruim poderia acontecer. Algum tem-

    po depois, Iriny ficou sabendo que os trs tinham ido fazer entregade armas roubadas em uma chcara.No ano de 2001, na secretria eletrnica da residncia de Iriny,

    foi gravada uma msica fnebre. Tal fato coincidiu com a data daviolao e arrombamento da sede estadual do Partido dos Traba-lhadores. Neste episdio, apesar de existirem, na referida sede,equipamentos muito mais novos, o nico computador que foi leva-do era o que se encontrava na sala de Iriny, juntamente com o apa-relho de fax. Tambm todos os documentos que estavam em suasala foram vasculhados.

    Apesar das ameaas contra a defensora persistirem, no dia 21de novembro de 2001, Iriny foi informada pelo Departamento daPolcia Federal do Esprito Santo que os servios de segurana asua incolumidade fsica seriam suspensos temporariamente, emvirtude da falta de recursos oramentrios por parte do GovernoFederal, indisponibilizando inclusive o abastecimento de combus-tvel55.

    55 Ofcio n 5946/2001 Circular, datado de 21 de novembro de 2001, assinado pelo Chefe daDelegacia de Ordem Poltica e Social, da Superintendncia Regional no Esprito Santo, da PolciaFederal.

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    Padre Gabriel Flix Roger Maire, um lder religioso doMunicpio de Cariacica, se opunha violncia e s atividadesdo crime organizado e do Narcotrfico no Esprito Santo. Elefoi assassinado a mando, mas as investigaes iniciais foramdirecionadas para a caracterizao de pretenso latrocnio, comoforma de eventualmente prender apenos executores, nunca osmandantes. Francisco Domingos Ramosera sindicalista e vinha sendoameaado de morte por fazendeiros do Municpio de Pancas,na Regio Norte do Estado do Esprito Santo. Foi configura-do homicdio qualificado, por motivo torpe. Neste caso, ficouconstatada a ocorrncia de crime de mando, com autoria pro-vada. Paulo Tristo(Purinha) era o tesoureiro do Partido dosTrabalhadores do Municpio de Linhares. Em 19 de junho de1989, Pruinha foi assassinato a tiros, quando chegava emsua residncia em Linhares. No inqurito policial, a polciaapontou o vice-prefeito de Linhares com um dos envolvidosneste crime. Verino Sossai, Secretrio de Servios Urbanos da Prefeiturade Montanha, ex-vereador e Presidente do PSDB, foi assassi-nato no dia 19 de julho de 1989, em frente sua residncia. Oinqurito ainda no foi concludo, mas aponta o pistoleiro JosSasso e outros, os mesmos acusados como responsveis peloassassinato da colunista Maria Nilce, sendo todos os executo-res apontados como integrantes da Scuderie Detetive LeCocq. Valdcio Barbosa dos Santos, lder Sindical do Municpiode Pedro Canrio e filiado ao PT, assassinado no dia 12 desetembro de 1989. O inqurito apontou o ex-policialRomualdo, o Japons, e o fazendeiro Galeno como os res-ponsveis. O pistoleiro Juarez Ferreira de Souza confessouter praticado no Estado do Esprito Santo vrios crimes, den-tre os quais o assassinato de Valdcio Barbosa dos Santos. Jos Maria Feu Rosa, prefeito Municipal de Serra e seumotorista Itagildo Coelho de Souzaforam assassinados a ti-ros, no dia 6 de junho de 1990. Vtimas de homicdio, por

    Apresentao

    l 56 l

    Ela alerta que a Polcia Federal no ser capaz de dar proteoa todas as pessoas ameaadas, e teme que as matanas recome-cem. Iriny tem duvidas sobre o pedido de interveno, pois, casono se concretize, o crime organizado pode sair fortalecido, comoaconteceu com a CPI que indiciou 17 pessoas mas no prendeuningum. A nica medida que foi para frente foi a ao deimprobidade pblica movida pelo Ministrio Pblico Federal con-tra o presidente da Assemblia Legislativa, mas que tambm aca-bou arquivada.

    As ameaas contra Iriny comearam em 1999, na semana decriao do Frum Reage Esprito Santo, o que deixa claro que foiem represlia a constituio do Frum.

    Tais ameaas foram levadas ao conhecimento do Ministrioda Justia em 09 de novembro de 1999, atravs de ofcio n 645/ PT, encaminhado pelo Partido dos Trabalhadores (PT). Neste of-cio, foi solicitado que a Polcia Federal fosse acionada a fim degarantir a sua vida e segurana.

    Em 18 de novembro de 1999, foi autorizada a proteo solici-tada. Tratava-se de uma dupla de policiais que se alternava a cadavinte e quatro horas. Posteriormente, o revezamento das duplas foise tornando mais escasso.

    Mesmo no perodo em que estava recebendo proteo da Po-lcia Federal, Iriny Lopes continuou recebendo telefonemas anni-mos com o mesmo teor:

    Passe o tempo que passar, mas voc, o Dr. Agesandro51 , o Dr. Ronaldo52 , o Badenes53 e o Dr. Ewerton54 vo morrer .

    Em dezembro de 1999, uma pessoa ligada a pistolagem foipresa na porta de sua casa. No incio, a pessoa disse que era detetiveparticular e que investigava um caso de adultrio, mas as investi-gaes indicaram fortes laos dessa pessoa com a pistolagem e os

    51 Presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, seo Esprito Santo.52 Procurador da Repblica, que j foi transferido do Estado.53 Delegado de Polcia, tambm atualmente transferido do Estado do Esprito Santo e sob a proteodo Programa de Proteo s Vtimas e Testemunhas.54 Advogado que contribui com o Ministrio Pblico Federal na ao de dissoluo da ScuderieDetetive Le Cocq.

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    Sugeriu, como fator imprescindvel ao prosseguimento dasapuraes, a quebra dos sigilos bancrios, telefnicos e fis-cais, de todos os indiciados e citados como envolvidos comatividades do crime organizado no Estado do Esprito Santo. Sugeriu o imediato afastamento, a bem do servio pblicoe da dignidade das instituies, dos policiais civis e militarescomprometidos com o crime organizado, narcotrfico e homi-cdio. Para combater o crime organizado no Estado do EspritoSanto, a CPI sugeriu que fossem enviadas cpias do presenterelatrio e concluses Direo Geral da Polcia Federal, aoMinistrio da Justia e Procuradoria Geral da Repblica,ponderando da necessidade de se aumentar o efetivo de Poli-ciais Federais (Delegados e Agentes) e Procuradores da Re-pblica no Estado do Esprito Santo. Sugeriu que fossem envidados esforos junto Justia Fe-deral, com vistas a acelerar o processo que visa a dissoluoda SociedadeScuderie Detetive Le Cocq, ante o seu grau denocividade para a populao do Estado.

    At a finalizao deste relatrio, as autoridades em EspritoSanto no haviam tomado nenhuma dessas providncias solicita-das.

    Por volta de maio de 2002, a subverso criminosa do governoestadual se havia tornado to grave que a Ordem dos Advogadosdo Brasil (OAB) pediu que o governo federal interviesse no Estadodo Esprito Santo para estabilizar a situao. A OAB justificou seu

    pedido por tais medidas constitucionais extraordinrias com basena falta de vontade poltica dos agentes pblicos do Estado do Es-prito Santo para erradicar a ameaa pela SDLC ordem pblica e defesa dos direitos dos cidados do Estado.7

    7 CONSTITUIOFEDERAL DOBRASIL, art. 34, 3, 7(b) (autorizando a interveno federal nas fun-es normalmente reservadas jurisdio dos Estados quando a ordem pblica estiver gravementecomprometida ou para assegurar a observncia dos direitos da pessoa humana garantidos na Consti-tuio Federal).

    Apresentao

    l 54 l

    dessa mulher, nos temos que matar ela, porque esse demnio novai se calar . Graa respondeu: no vou mesmo, vou lutar por justia. Meu filho no era ladro para vocs matarem.

    No dia 30 de abril de 2002, Graa teve seu telefone celularroubado e foi registrar um Boletim de Ocorrncia na delegacia docentro de Vitria. Quando estava saindo, um dos acusados de ma-tar seu filho, o Policial militar Erivelto (Diabo Louro) estava en-trando e a encarou por vrios minutos com a mo na arma.

    Uns quinze dias antes aps esse episdio, um menino de ruaabordou uma conhecida de Graa e disse: Se afasta da sua amiga porque eles vo meter bala nela e em quem estiver com ela. Aamiga perguntou quem tinha falado isso, quando viu a viatura daPM com o policial Erivelto do outro lado da rua.

    No dia 05 de junho, quando juntamente com outras mes daAMAFAVV-ES preparava um mural na entrada do prdio aondeaconteceria a reunio do CDDPH, Graa foi ameaada publica-mente pelo advogado Nelson Aguiar, ligado ao governador, quan-do dava entrevista imprensa. A ameaa foi registrada e transmiti-da pela rdio CBN:

    O advogado Nelson Aguiar que foi contratado pelo gover-nador Igncio Ferreira para fazer a defesa do estado na reu-nio do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humanasobre a interveno federal no Esprito Santo, se irritou namanh desta Quarta feira com representantes da Associa-o de Mes e Familiares de Vtimas da Violncia no Espri-to Santo, principalmente com a presidente da Associao,

    Maria das Graas Nascimento Nacort, que o questionouquando falava sobre a reduo na criminalidade no EspritoSanto. O advogado irritado disse assim que comea ocrime, com falta de respeito e de tolerncia.A discussoterminou com a sada do advogado Nelson Aguiar em direoa sala aonde seria realizada a reunio. Reportagem SandressaCarvalho.

    Graa relatou que, alm dela, outros integrantes da associa-o esto sendo ameaados e que no dia 26 de dezembro de 2001 o

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    A verso original deste relatrio foi elaborada inicialmente coma finalidade de assessorar o trabalho da Sub-Comisso do Conse-lho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH). Em ju-lho de 2002, a Sub-Comisso avaliou a necessidade de uma poss-vel interveno federal no Esprito Santo.

    Em reunio realizada em 04 de julho, o CDDPH props ainterveno federal no Estado do Esprito Santo e encaminhou opedido ao Supremo Tribunal Federal (STF). Entretanto, antes mes-mo que o pedido fosse apresentado ao STF, o procurador-geral daRepblica, Geraldo Brindeiro, o arquivou no dia 09 de julho, semesclarecer qual a razo (jurdica ou poltica) de sua deciso. A po-sio de Brindeiro no s indignou as pessoas e entidades atingidasno Esprito Santo, como tambm as organizaes de Direitos Hu-manos de todo o pas e ainda um segmento das autoridades fede-rais. No mesmo dia do arquivamento, integrantes do governo comoo Ministro da Justia Miguel Reale Jr., e o diretor-geral da PolciaFederal, Itanor Carneiro, pediram demisso.

    No dia 11 de julho, diversas organizaes de defesa dos direi-tos humanos, entre elas a Justia Global, participaram de uma au-dincia com o Presidente da Repblica, Fernando Henrique Car-doso, com o recm-empossado Ministro da Justia e com o Secre-

    trio de Estado de Direitos Humanos para reafirmar a importnciada interveno federal. Segundo o Presidente da Repblica, have-ria uma impossibilidade constitucional para que ele decretasse ainterveno, mas que o governo federal no descuidaria da situa-o do Esprito Santo, disponibilizando recursos e proteo paratodas as pessoas que necessitassem.

    No dia seguinte, 12 de julho, as organizaes de defesa dosdireitos humanos voltaram a se reunir como Secretrio de Estadode Direitos Humanos, com o Secretrio Executivo do Ministrioda Justia e com integrantes do Ministrio Pblico Federal. Essa

    Novas informaes: julho a outubro de 2002

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    da execuo de Pedro. Ele teria dito aos rapazes que eles iriamassumir a responsabilidade no assassinato do Pedro porque as coi-sas estavam ficando srias. Um dos detidos era sobrinho de umaamiga de Graa, que a comunicou do fato. Graa, ento, procurouo delegado Andr Luiz do DHPP e denunciou o que ouvira da amiga.O delegado determinou que os rapazes fossem trazidos at ele. Osdois indicaram uma testemunha do assassinato, que j ameaadapelos policiais, teria se mudado do bairro. A testemunha foi ouvidano inqurito e hoje se encontra no Programa de Proteo as Viti-mas e Testemunhas.

    Em 2001, Graa e um grupo de mes da AMAFAVV-ES fo-ram Braslia participar de reunies na Comisso de Direitos Hu-manos da Cmara, no Ministrio da Justia, no Supremo TribunalFederal e denunciar a situao de impunidade no Esprito Santo.Quando ainda estava em Braslia, um de seus filhos recebeu, emseu trabalho, o telefonema de um policial, que o ameaava: J quea sua me foi para Braslia, est correndo atrs, agora ns tam-

    bm queremos a tua cabea.Quando Graa retornou de Braslia e tomou conhecimento daameaa, voltou a denunciar o fato na imprensa, alertando publica-mente que o assassinato de seu filho era responsabilidade do Esta-do e que se qualquer coisa que acontecesse com ela ou com seusfamiliares, seria responsabilidade do Estado.

    Graa tambm recebeu ameaas por telefone em sua residn-cia. Uma voz masculina, nem sempre a mesma, a ameaava. Se-gundo Graa, eles falavam sempre para eu me calar, ou iam en-cher minha cara de bala.

    Por volta do dia 18 de dezembro de 2001, ao retornar de umaoutra viagem Braslia, D. Graa estava andando na rua quandofoi abordada pelas costas por um homem que disse: no olha paratrs. Ou voc para e some do Estado, ou vamos encher a sua carade tiro. E complementou Segue em frente.

    Uma outra ameaa aconteceu no dia 08 de maro de 2002,quando organizava as faixas da Associao para as manifestaesdo Dia Internacional da Mulher. Graa estava com um grupo demulheres na Praa do Papa, quando policiais de uma viatura queestava prxima do local comearam a provoc-la: Essa desgraa

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    reunio resultou na criao de uma misso especial para investi-gar o crime organizado.

    Oficializada em 14 de julho, por atuar em um perodo inicialde noventa dias, a misso especial - composta por cerca de 50 agen-tes federais, 5 delegados da Polcia Federal, um grupo de elite doMinistrio Pblico Federal, alm da Polcia Rodoviria Federal eda Receita Federal - iniciou seus trabalhos no dia 17 de julho.

    Uma das principais atribuies dessa misso foi, sobretudo,dar prioridade para a instaurao de inquritos de crimes de sone-gao fiscal e de lavagem de dinheiro, instalao de disque-denn-cia e segurana a autoridades e pessoas ameaadas.

    Foram adotadas duas linhas de investigao: a primeira rela-cionada a ao de grupos de extermnio e a segunda relacionada aocrime organizado com envolvimento de agentes pblicos dos po-deres constitudos.

    De acordo com o primeiro Relatrio da misso especial, quefoi entregue no dia 19 de agosto ao presidente da OAB Federal8 ,

    nos primeiros trinta dias de trabalho da misso, oitocentos pessoasligaram para o disque-denncia. Chama a ateno que 55% daspessoas citadas nas denncias eram autoridades e funcionrios p-blicos. Em relao ao perfil das denncias, 45% estavam relacio-nadas a crimes contra a administrao pblica, 20% ao trfico dedrogas, 25% a crimes contra a vida, 5% a foragidos da justia, 5%crimes diversos.

    Foram instaurados seis inquritos policiais9 , com a finalidadede apurar, entre outras situaes, as ameaas de morte e a atividadede grupos de extermnio como manifestao do crime organizado.

    Aps consulta ao Frum Reage Esprito Santo e reunio compessoas que integravam listas de pessoas ameaadas (entre elas,casos que constavam do relatrio da Justia Global de julho de2002) o Ministrio da Justia providenciou proteo da policia fe-deral para nove pessoas.10

    8 A OAB do Esprito Santo encaminhou essas informaes para o Centro de Justia Global por corres-pondncia eletrnica, no dia 08 de outubro de 2002.9 Relatrio da OAB sobre a Misso Especial, 21 de agosto de 2002.10 Informaes prestadas ao Centro de Justia Global pelo Dr. Hugo Mello, Diretor do Departamentode Promoo dos Direitos Humanos do Ministrio da Justia, por telefone no dia 8/10/2002.

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    Os policiais militares Sargento Judison Jackson CoutinhoRufino, Cabo Policial Militar Arildo Nascimento e Soldado Eriveltode Souza Pereira e o policial civil Wilson Pereira foram apontadosinicialmente como os executores de Pedro.

    Seis meses aps o assassinato de seu filho, Dona Graa,inconformada com o andamento das investigaes, passou a inves-tigar o crime por conta prpria. Procurou Isaas do MovimentoNacional de Direitos Humanos, que a auxiliou desde o incio. Apartir de ento, dona Graa passou a ser ameaada de morte.

    A primeira ameaa foi em forma de recado para sua irm. Umpolicial militar fardado a abordou na Galeria do Edifcio Antares,que fica prximo residncia de Graa, e disse:

    No olha para mim. Voc fala para a sua irm que paraela se calar ou sair do Estado. Se ela no se calar, ns vamosencher a cara dela de tiros.

    Desde o momento da primeira ameaa, Graa as tornou p-blicas, denunciando para a imprensa, para o delegado que investi-gava o assassinato de seu filho e tambm para o Ministrio PblicoFederal no Esprito Santo. No entanto, nenhuma investigao foifeita no sentido de identificar os responsveis, como tambm nolhe foi oferecida proteo.

    Um incndio no Frum em 2000 destruiu vrios inquritos,entre eles o de Pedro, e as investigaes tiveram que comear daestaca zero. Dona Graa suspeita que o incndio tenha sido crimi-noso.

    Cerca de dois anos aps o assassinato de Pedro, D.Graa fun-dou a Associao de Mes e Familiares de Vtimas da Violncia noEstado do Esprito Santo, AMAFAVV-ES. Atualmente, a Associa-o conta com a participao de aproximadamente 80 famlias. Ainiciativa de fundar a associao se deu em funo de querer forta-lecer sua luta, agregando outras famlias que passavam por situa-o semelhante.

    Alguns meses depois da fundao da AMAFAVV, dois rapa-zes foram presos na delegacia de Argola. Um dos policiais envolvi-dos na priso era o Erivelto (Diabo Louro), acusado de participar

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    Ainda em conseqncia dessa misso, o diretor do Departa-mento Mdico Legal (DML) de Vitria, Glcio Soares da Cruz, e osuperintendente da Polcia Rodoviria Federal no Esprito Santo,Joo Adilson Scalfoni, ambos integrantes da organizao crimino-sa Scuderie Detetive Le Cocq,foram exonerados. Joo Adilson,membro daScuderieentre 1988 e1989, chegou inclusive a integrara misso especial, sendo afastado somente depois das dennciasque o identificaram como membro da organizao criminosa.O afastamento de Glcio, que ainda integra aScuderie, ocor-reu aps o sumio de um corpo do DML no final de julho de 2002.Alm disso, o governador do Esprito Santo, Jos Igncio Ferreira,foi denunciado ao Superior Tribunal de Justia por um dos procu-radores-gerais da Repblica por crimes contra o sistema financei-ro, como irregularidades no Fundo para o Desenvolvimento dasAtividades Porturias do Esprito Santo. No foi o nico a ser de-nunciado.

    Mesmo aps o incio das atividades da misso especial, inti-

    midaes violentas continuaram a ocorrer. No dia 25 de julho umabomba explodiu no banheiro masculino do 4 andar da OAB-ES.Na hora da exploso acontecia uma solenidade no auditrio da en-tidade com a participao de 180 pessoas, entre as quais promoto-res e desembargadores. Felizmente ningum ficou ferido.

    No dia 07 de agosto de 2002, 38 horas antes da chegada dopresidente da Repblica Fernando Henrique Cardoso para a inau-gurao de uma fbrica, foram encontradas 14 bombas em sacolasplsticas nas lixeiras do aeroporto do Esprito Santo. Os explosivoseram semelhantes ao que foi detonado na sede da seo capixaba

    da OAB.Em 1 de outubro de 2002, a misso especial apresentou aoMinistro da Justia um relatrio sobre os noventa dias de sua atuaono Esprito Santo. O Centro de Justia Global solicitou uma cpiadeste relatrio, mas, at a data da finalizao desse texto, no haviarecebido o referido documento.

    Rio de Janeiro e So Paulo, 09 de outubro de 2002

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    pra no morrer e eu vou xipar do posto amanh mas eu que-ro avisar voces que eu devo muito a familia de voces e vocestem que toma cuidado que tem gente grande e ate deputadocubrindo e eu ouvi que o pessoal da marval ia cubrir tudoque eles tem dinheiro e que jornal no para bala. Eu no posso falar mais eu tenho que avisar vocs para tomaramcuidado que tem gente poderosa ate deputado nesse pessoal.Quem sabe de toda conversa de morte no posto e o Dionisioque e frentista velho. Ele mora em Barcelona na rua verea-dor batista no fundo da padaria do souza que o genro dele edono.Outro que tem pra cantar e o Zeca que era garsom do bar do posto e foi at na policia e falou la no posto que era do postoque eles mandava NO ESTADO E Zeca fez um servio procoronel Ferreira em troca de um gol. Ele mora na rua UlissesGuimares em Feu Rosa e ele falava que era peixe do coro-nel.

    Eu vou para Teixeira Segunda mas aviso voces pra pagar otratamento do meu pai que eu recebi. Jeremias Muniz de Barcelona. (sic).

    Maria das Graas Nascimento Nacort

    Maria das Graas Nascimento Nacort49 Presidente da Asso-ciao de Mes e Familiares de Vtimas da Violncia no Estado doEsprito Santo (AMAFAVV-ES).

    No dia 20 de junho de 1999, Pedro Nacort Filho, filho de Maria

    das Graas, foi assassinado por policiais militares em Vitria, Es-prito Santo. Nesse dia, Pedro saiu de casa por volta das 0h45, paracomprar cigarro em um bar prximo, aproveitando para tomar umacerveja. Por volta da 1h30, quando retornava para casa, foi aborda-do por quatro policiais militares na rua Sete de Setembro no centroda cidade (Pedro conhecia os policiais), que o executaram com 18tiros.

    49 Depoimento ao Centro de Justia Global no dia 27 de junho de 2002, em Vitria, Espr ito Santo.

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    O Centro de Justia Global, o Frum Reage Esprito Santo, oFront Line, o Memorial Robert F. Kennedy, o International Servicefor Human Rights e o Observatory for the Protection of HumanRights Defenders, programa conjunto da Federao Internacionaldos Direitos Humanos (FIDH) e a Organizao Mundial ContraTortura (OMCT), solicitam ao Governo do Brasil tomar todas asmedidas necessrias para ajudar a garantir a integridade fsica e ascondies de trabalho dos defensores de direitos humanos e o res-peito s leis no Esprito Santo.

    Ns continuamos a acreditar, que a soluo mais efetiva paracrise de direitos humanos no Esprito Santo seria uma interveno

    federal, de acordo com a determinao do CDDPH divulgada nodia 4 de julho de 2002.Alm disso, solicitamos ao Governo brasileiro a implementao

    das seguintes recomendaes, que esto no relatrio Na Linha deFrente, elaborado pelo Centro de Justia Global, em abril 2002:

    1. Garantir a aplicao dos princpios na Declarao dasNaes Unidas sobre Defensores dos Direitos Humanos

    A Declarao das Naes Unidas sobre Direitos e Responsa-bilidades dos Indivduos, Grupos e rgos da Sociedade para Pro-

    mover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades IndividuaisUniversalmente Reconhecidos, adotada pela Assemblia Geral dasNaes Unidas em 9 de dezembro de 1998 (e includa como Ane-xo I neste relatrio) contm princpios vitais concernentes proteodos defensores de direitos humanos. O governo brasileiro deve to-mar medidas para garantir que os princpios contidos nesta decla-rao sejam inteiramente incorporados s leis nacionais vigentes.Autoridades de todos os nveis de governo devem explicitamentese comprometer a promover o respeito pelos direitos humanos, epela proteo dos defensores de direitos humanos.

    Recomendaes

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    ltimos meses, Joo Miguel Rosa e dois dos seus parentes, que so juizes no Esprito Santo, vm recebendo reiteradas ameaas porcausa do seu trabalho na defesa de direitos humanos. O escritriodo deputado Rosa em Braslia tem recebido varias ameaas de mortecontra ele e contra os seus parentes atravs de telefonemas annimos,cujos nmeros rastreados apontam para cabines telefnicas pbli-cas (orelhes) no Esprito Santo. Ademais, seu escritrio tam-bm recebeu uma carta annima que no somente faz referncia spessoas suspeitas de crime organizado no Esprito Santo, mas tam-bm demonstra conhecimento profundo dos movimentos do Rosa.

    O Centro de Justia Global teve acesso a uma carta assinadapor Jeremias Muniz dirigida Famlia Feu Rosa, que vale trans-crever na ntegra:

    Famlia Feu RosaConheo voces a muito tempo. Na semana passada eu esta-va no posto e ouvi a conversa do coronel ferreira com um

    homem que eu no sei quem e mas que ele chamava de Diu eera conversa de morte. Eles ficaram muito tempo acertandoa morte do delegado Baiense de um reporter la do Rio e doFeu Rosa e eu ouvi quando o coronel Ferreira falou que Feurosa ia se fuder porque criou problema pro pessoal da marvale fudeu ele no tribunal e eles sabia do negocio do Denadai eque o pessoal da marvalia garantir o servio porque era gente poderosa e ele falou que o delegado baiaense deu sorte deno virar presunto ms passado porque um filha da putacaguetou mas que agora era coisa seria. eles sempre vem la

    no posto para acertar morte e j apareceu ate deputado la eeles tem muito dinheiro e eu ouvi o Diu dizendo que o serviovai ser feito la pelo pessoal do Rio e o coronel Ferreira falouque o reporter da globo era viado e burro que tinha deixadode comer um milho para no berrar e agora ia morrer noassalto pra fazer denuncia no inferno. Eu ouvi o Diu falar que no mato na saida do tribunal da pra raja qualquer filhoda puta. Eu fiquei com medo porque muita morte foi acerta-da la no posto e quem falou me falarem que foi escondido

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    2. Reconhecer a superviso dos rgos internacionais dedireitos humanos

    Uma maneira fundamental de garantir aos defensores de di-reitos humanos as condies necessrias para exercer sua funovital atravs do reconhecimento e participao integrais do go-verno brasileiro nos mecanismos internacionais para a proteo dosdireitos humanos. A participao engajada nestes mecanismos en-via uma clara mensagem sociedade brasileira de que a defesa dosdireitos humanos uma legtima e importante atividade social.

    a. Participar integralmente no sistema interamericano de direitos humanosInfelizmente, a participao do Brasil no sistema interame-ricano de direitos humanos tem sido limitada, particularmenteem termos de reconhecimento dos prazos e recomendaeslanados pela Comisso Interamericana. Ns solicitamos aogoverno brasileiro que respeite os prazos impostos pela Co-misso e que implemente as recomendaes j impostas pela

    Comisso, assim como aquelas a serem lanadas em casosfuturos. Em particular, ns instamos o governo a prestar par-ticular ateno s medidas cautelares da Comisso Intera-mericana (muitas das quais dizem respeito proteo dosdefensores de direitos humanos), visto que tais medidas sopor natureza urgentes e preventivas.

    b. Reconhecer a jurisdio dos Comits Convencionais das Naes UnidasEmbora o Brasil tenha ratificado os seis principais tratados de

    direitos humanos ao tempo deste relatrio no havia ainda re-conhecido a jurisdio de dois dos quatro comits com autori-dade para receber e processar queixas. Ns recomendamosao governo brasileiro que ratifique os artigos ou protocolosopcionais no sentido de reconhecer a competncia deprocessamento de denncias do Comit de Direitos Humanose do Comit contra a Tortura.

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    Almeida e costuma pescar sozinho? E os filhos dele? E oseu tesoureiro, que tem uma casa em Jacarepe e anda muitoexposto, fcil de ser assaltado e morto? E os filhos dele? E a sua secretria que anda p no centro da cidade de noite eanda de noite para casa em Vila Velha e tambm pode ser assaltada? bom pensar nisto. O Ministro e o Presidentedas OAB no fariam mais que lamentarem durante alguns

    dias seu [sic] sumio. Voc j est no lucro. Deveria prestar mais ateno nas suas aes. Falar muito j levou o Denadai.Pode levar outras pessoas de seu relacionamento. A violn-cia neste estado muito grande. Qualquer um pode ser as-saltado e resistir ao assalto. Da... Voc no est lidando comgente pequena, pode saber. Seus passos e suas conversas soconhecidos mesmo antes que voc pensar. No adianta achar que a Justia vai fazer qualquer coisa porque tem muita gen-te grande, de ponta, no negcio. melhor cuidar dos proble-mas da OAB. Ou voc acha que sua casa protegida. Bici-

    cleta tem aos montes Agesandro, ningum precisava roubar a sua. Quantas pessoas voc agentaria enterrar nesta altu-ra da vida? Ou voc acha que tem algum besta que te ma-taria? Quantos conselheiros a PF poderia proteger? Vociria colocar todos eles protegidos? Lembra da secretria daOAB que morreu no Rio? Voc sabe que tem gente dentro daOAB para vigiar os seus passos e os de seus amigos? Vocdesagrada muita gente, mas no sabe quem nem quando.Tem muita gente que gostaria de ver a OAB cuidando deseus problemas? Voc acha que vai resolver o que falando

    sempre a mesma coisa? Quando [sic] que voc acha quevale [sic] os negcios que voc denuncia? O mundo assim. Na sua idade a sabedoria deveria falar mais alto. Voc noest sendo sbio, Agesandro. Pense nisto.

    Joo Miguel Feu Rosa e famlia

    Joo Miguel Feu Rosa deputado federal e membro do Parti-do da Social Democracia Brasileira (PSDB). Desde que foi eleitoem 1999, ele tem denunciado violaes de direitos humanos. Nos

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    c. Apoiar mecanismos especficos para a proteo dos defensores de direitos humanos em nvel internacional O governo federal deve garantir total apoio aos mecanismosde proteo dos defensores de direitos humanos e s iniciati-vas das Naes Unidas e do sistema interamericano de direi-tos humanos, inclusive relatores especiais, que apoiam os de-fensores de direitos humanos e seu trabalho.

    d. Convidar a Representante Especial da ONU sobre os Defensores de Direitos Humanos para visitar o Brasil Justia Global e Front Line apoiam a disposio do governofederal de cooperar com os mecanismos especiais das NaesUnidas, inclusive o convite geral que o governo estendeu atodos os relatores, representantes e grupos de trabalho especi-ais. Neste sentido, solicitamos ao governo que marque datapara a vinda ao Brasil da Representante Especial da ONUsobre os Defensores de Direitos Humanos, Hina Jilani, to

    logo sua agenda permita.3. Investigar completamente abusos cometidos contradefensores dos direitos humanos

    As autoridades em nveis estadual e federal devem garantirque investigaes completas e imparciais sejam conduzidas emtodos os casos de violaes dos direitos humanos, particularmentenaqueles dirigidos aos defensores dos direitos humanos; que osresponsveis sejam levados justia e que as vtimas e/ou seusfamiliares providos da devida reparao. desnecessrio dizer que

    aqueles que supervisionam tais investigaes devem ser indepen-dentes e que os que esto envolvidos em violaes a defensoresdos direitos humanos no devem ter qualquer ingerncia sobre taisinvestigaes. Os resultados de tais investigaes devem ser pbli-cos.

    4. Investigar abusos policiais de forma independenteDado que uma parcela significativa dos casos de violaes e

    ameaas sofridas pelos defensores dos direitos humanos envolveao menos a suspeita de participao da polcia, qualquer programa

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    locou um identificador de chamadas (BINA) nos telefones da OABpara identificar a origem dos telefonemas. No entanto, o BINAregistrou nmeros de telefones pblicos, ou, em outros casos, n-meros de estados distantes. Por exemplo, Agesandro lembra queuma das ligaes com ameaas ficou registrada como vinda doCear.

    Em 24 de abril, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa

    Humana (CDDPH) realizou uma reunio em Braslia em que asituao no Esprito Santo entrou com destaque na pauta. O Dr.Agesandro foi convidado para essa reunio e compareceu. Doisdias depois, a casa dele na praia foi arrombada e uma bicicletafurtada. Foi deixado um bilhete de duas ou trs linhas, escrito amo, que avisava que Agesandro se cuidasse, pois, sabiam ondemoravam a mulher e neta dele.48

    Aproximadamente dez dias depois, chegou ao escritrio daOAB em Vitria uma carta impressa, que continha ameaas con-tundentes contra Agesandro. Em particular, a carta demonstrou um

    conhecimento extenso dos hbitos e movimentos de AgesandroCosta Pereira, e tambm de seus familiares, seus colegas, e seusamigos. Vale reproduzir todo o texto da carta:

    Quantos policias federais estariam disponveis para prote-ger voc, seus quatro filhos (inclusive a filha quer [sic] voctem for a do casamento), seus netos (principalmente aquelesque moram com seu filho no interior de Minas Gerais), suamulher e seus amigos? Tambm estariam estes policiais dis- ponveis para proteger qualquer um de seus amigos? Estes

    mesmos policiais estariam, por exemplo, disponveis para proteger a vice-presidente da OAB, que anda normalmenteem seu carro pelas noites de Vitria? E os filhos dela, queestudam em uma faculdade da cidade e andam tambm sozi-nhos? E o seu secretrio geral, que tem uma casa em Nova

    48 Agesandro no tinha cpia desse bilhete, e o original foi entregue para a Polcia Federal. Entre-vista com Agesandro da Costa Pereira, Vitria, Esprito Santo, 27 de junho de 2002.

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    abrangente e eficaz de proteo dos direitos dos defensores de di-reitos humanos exige meios efetivos e independentes de investigaralegaes de abuso de poder policial. A este respeito, apoiamos asmedidas a seguir:

    a. Investigaes pelos Ministrios PblicosOs Ministrios Pblicos em nvel estadual e federal deveminvestigar rotineiramente alegaes verossmeis de violncia

    policial sem depender da polcia para tomar os depoimentosdas testemunhas, visitar o local do crime ou fornecer outrosuporte tcnico. Isto particularmente urgente nos casos emque a violncia alegada envolve um defensor dos direitos queenfrenta ameaas devido a seu trabalho de denncia de abu-sos policiais.Embora a Constituio Federal (artigo 129, inciso VII) asse-gure a competncia do Ministrio Pblico para exercer o con-trole externo da atividade policial, na vasta maioria dos esta-dos esta norma constitucional raramente invocada.

    b. Criar investigadores independentes nos Ministrios PblicosAs autoridades brasileiras devem elaborar e regulamentar acriao de rgo de investigao dentro dos Ministrios P-blicos estaduais e federais. Estes rgos devem estar autori-zados a requerer documentos, intimar testemunhas e investi-gar reparties pblicas, inclusive delegacias e outros centrosde deteno, para conduzir investigaes completas e inde-pendentes.

    c. Simplificar o recebimento de denncias de violaesTodos aqueles que defendem os direitos humanos, assim comotodos os que tiveram direitos humanos violados, devem teracesso a um procedimento simples efetivo para apresentaodas queixas sem medo de represlias. Tais queixas deveriamser automaticamente levadas s divises de direitos humanosdos Ministrios Pblicos estaduais e federais (a ser criado ondeainda no exista).

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    Agesandro da Costa PereiraNo segundo semestre de 1999, entidades da sociedade civil

    no Esprito Santo, entre elas, a OAB, formaram o Frum ReageEsprito Santo para combater a violncia, o crime organizado e asgraves violaes aos direitos humanos no estado. A partir de se-tembro de 1999, Agesandro da Costa Pereira, presidente da OAB/ ES, comeou a receber ameaas, as quais atribui a sua atuao junto ao Frum Reage Esprito Santo47. Nos primeiros meses daorganizao do Frum, foi recebido um telefonema avisando que

    uma bomba tinha sido colocada na sede da OAB, onde o grupoestava reunido. Nos ltimos dois anos e meio, Agesandro recebeuvrios telefonemas com ameaas. Segundo o presidente da OAB,essas ameaas, com vozes masculinas e femininas, foram feitas emligaes para o apartamento dele em Vitria, assim como na OAB.O teor das ameaas enfocava a Scuderie Detetive Le Cocq:Agesandro era avisado da necessidade de no incomodar a organi-zao, pois a Scuderie agiria caso fosse provocada. O perodo maisintenso das ameaas foi de setembro de 1999 at maro de 2001.Depois desse ltimo ms, as ameaas pararam.

    Depois do assassinato do advogado Marcelo Denadai em abrilde 2002, as ameaas contra Agesandro voltaram a acontecer e seintensificaram. Segundo Agesandro, desde o assassinato do advo-gado Denadai, ele j recebeu quatro telefonemas, assim como duascomunicaes por escrito contendo ameaas. O Dr. Agesandro co-

    V. Ameaas contra membros da sociedade civil

    47 Muitas das informaes neste relatrio vm da entrevista do Centro de Justia Global comAgesandro da Costa Pereira, Vitria, Esprito Santo, 27 de junho de 2002.

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    5. Federalizar a investigao e o julgamento de crimes dedireitos humanos

    Em janeiro de 2002, o governo federal editou uma medidaprovisria autorizando a Polcia Federal a investigar abusos de di-reitos humanos cometidos nos estados. O contedo desta medidapermite uma interpretao que autoriza a Polcia Federal a investi-gar quase todos os tipos de violaes de direitos humanos, na me-

    dida em que o governo federal em ltima instncia responsvelpor assegurar e respeitar todos os direitos garantidos em todos ostratados de direitos humanos. muito cedo para prever como issoser interpretado na prtica.

    No entanto, mesmo se interpretada extensivamente, a medidano contempla a competncia de promotores e tribunais federaispara denunciar, apurar e julgar tais ofensas.

    Devido responsabilidade do governo federal frente comu-nidade internacional, ns solicitamos ao governo brasileiro que apro-ve legislao garantindo a competncia de autoridades federais (po-

    lcia, promotores e poder judicirio) para atuar nos casos de viola-es de direitos humanos. Esta legislao precisar tipificar crimescontra os direitos humanos sobre os quais a jurisdio automti-ca, ou fornecer uma legislao secundria ou regulamentao de-terminada por um rgo federal como o Conselho de Defesa dosDireitos da Pessoa Humana (CDDPH).

    Qualquer que seja a frmula escolhida, assassinatos, ameaase outras formas de intimidao contra os defensores dos direitoshumanos deveriam ser inclusas no mbito de crimes que devem serfederalizados.

    6. Criar e reforar ouvidorias atravs do pasTodos os estados devem criar ouvidorias inteiramente inde-

    pendentes. O mandato, os recursos e a autonomia das ouvidorias j existentes devem ser reforados para garantir a credibilidade des-tas instituies e sua superviso nas denncias de violao. Osouvidores devem ser autorizados a examinar integralmente cadaqueixa, assim como submeter propostas de representao aos pro-motores. Alm disso, os ouvidores devem ter o poder de requisitar judicialmente pessoas e documentos (ou seja, ter o poder de tomar

    l 46 l

    Alguns meses depois, para responder a uma exigncia internado Municpio da Serra, a Secretaria procurou conseguir cpias dosdocumentados registrados na polcia civil e militar. Apenas conse-guiram cpia do registro do fato junto ao Sistema de InformaesOperacionais. No entanto, ao solicitar cpia do boletim de ocorrn-cia na Polcia Militar, assim como o boletim de ocorrncia e inqu-rito policial junto a Policia Civil, a Secretaria descobriu que tal do-

    cumentao no existia mais, no sendo informada se em algummomento anterior chegara a existir. Aps algumas tentativas, aSecretaria registrou o fato em um Boletim de Ocorrncia lavradoem 22 de maio de 2002.46

    At a data da elaborao deste relatrio, nem o ex-SecretrioGivaldo ou a equipe da Secretaria haviam recebido uma explicaopela falta de informaes sobre o caso nos arquivos das polcias.

    46 Boletim de Ocorrncia No. 3263/01, Estado do Esprito Santo, Secretari a Estadual da SeguranaPublica, Polcia Civil, Serra, Esprito Santo, 22 de maio de 2002.

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    testemunhos sob pena de perjrio e requerer documentos sob penade omisso de provas). Finalmente, as autoridades devem garantira integridade fsica e a segurana dos ouvidores e suas equipes.

    7. Proteger vtimas e testemunhas de violao de direitoshumanos

    Medidas urgentes precisam ser tomadas para garantir proteo

    adequada aos defensores de direitos humanos, vtimas e testemu-nhas que no possam ser includos no formato dos programas deproteo s testemunhas j existentes em vrios estados e em nvelfederal. Em geral, nos casos em que as pessoas participaram de umprograma federal de proteo s testemunhas, sua segurana foiassegurada, permitindo assim o sucesso de processos contra gra-ves violaes de direitos humanos. Todos os estados devem terprogramas de proteo s testemunhas e aos defensores, com re-cursos para levar em frente sua vital misso institucional.

    8. Refrear processos de difamao sem fundamentoAs autoridades devem tomar aes disciplinares contra agen-tes do estado que movem processos legais desnecessrios contradefensores de direitos humanos. As autoridades brasileiras devemassegurar que os defensores de direitos humanos tenham igual aces-so lei e que as investigaes e processos judiciais contra elessejam conduzidos de acordo com os padres internacionais de jul-gamentos imparciais. Acusaes criminais politicamente motiva-das contra defensores dos direitos humanos devem ser arquivadase o defensor deve ser legalmente informado do trmino da ao.

    Investigaes e acusaes sem fundamento legal e meramenteintimidatrias devem ser arquivadas; as autoridades devem tomarmedidas para retificar publicamente a reputao dos envolvidos eos responsveis por tais processos infundados devem ser submeti-dos a processo disciplinar.

    9. Modificar a legislao penal acerca de crimes contra ahonra

    O cdigo penal brasileiro permite o processo por injria, cal-nia e difamao como ofensas criminais contra a honra. Como de-

    l 45 l

    cados, documentos foram revirados e algumas coisas furtadas.Foram contatados o ento Secretrio Municipal de Direitos Huma-nos, Givaldo Vieira da Silva e a diretora do Ncleo de Polticas deSegurana Pblica do Municpio, Patrcia Henzell. O SecretrioGivaldo orientou a equipe da Secretaria a chamar a polcia e nomexer em nada, orientao essa seguida imediatamente pela funci-onria Rosalva de Oliveira Cardoso, que telefonou para o Coronel

    Tom. O Cel. Tom, por sua vez, entrou em contato com o Sistemade Informaes Operacionais antes das 8h15min.44 O SecretrioGivaldo e Patrcia chegaram na Secretaria e observaram com cuida-do o espao fsico. Alguns detalhes estranhos lhes chamaram a aten-o. Primeiro, embora algumas coisas de valor tivessem sido leva-das, muitas outras coisas, entre elas, computadores novos ainda nacaixa que estavam sendo armazenados para um projeto que aindano havia sido iniciado no foram tocados.45 Givaldo tambm ob-servou que em sua sala, algum revirara os documentos e demaiscoisas deixados na mesa, fato no ocorrido nas demais salas.

    - A InvestigaoEm seguida ao arrombamento, equipes das polcias militar e

    civil chegaram ao local. Os policiais presentes tambm estranha-ram o fato dos responsveis pela invaso no terem levado deter-minadas coisas de valor que ainda permaneciam no local. Os PMsfizeram um levantamento e anotaram as suas observaes. O Che-fe da Polcia Civil da Serra, acionado pela Secretaria, compareceuao local com dois investigadores e, aps avaliar a situao, solici-tou a presena da polcia tcnica. Dois peritos, um fotgrafo e um

    papilocopista, foram ento ao local, que fotografaram e colheramimpresses digitais.

    44 Segundo informaes obtidas junto ao Sistema de Informaes Operacionais (Ocorrncia No.0078392002 de 25 de janeiro de 2002), uma patrulha foi despachada para o local s 8h15min.45 Segundo o Boletim de Ocorrncia registrado quatro meses depois, tinham sido levados: 2 mouses,2 teclados, 2 monitores, 1 impressora, 1 televiso, 1 fax, 1 vdeo-cassete, 1 retroprojetor, e vrioslivros jurdicos. Boletim de Ocorrncia No. 3263/01, Estado do Esprito Santo, Secretaria Estadualda Segurana Publica, Polcia Civil, Serra, Esprito Santo, 22 de maio de 2002.

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    monstraremos neste relatrio, processos nessas circunstncias tmsido usados como uma maneira adicional de silenciar defensoresdos direitos humanos quando eles denunciam elementos corruptose poderosos da sociedade brasileira. Justia Global e Front Linesolicitam Cmara dos Deputados que elimine os crimes por inj-ria, calnia e difamao, ou, como alternativa, que crie uma exceopara os defensores de direitos humanos. A difamao deveria ser

    tratada dentro da esfera cvel, ao invs de ser tratada como umcrime. Como a Anistia Internacional recomendou, os governos de-veriam assegurar que as leis criminais de difamao no sejamutilizadas para reprimir a liberdade de expresso ou para intimidardefensores dos direitos humanos com o fim de silenci-los, ou paraproteger de processos aqueles implicados em violaes dos direi-tos humanos, acabando com as leis criminais de difamao em n-vel estadual e federal e substituindo-as, quando necessrio, por leiscivis de difamao apropriadas.

    10. Adotar programas integrados para a proteo dosdefensores de direitos humanosO governo federal deve desenvolver programas integrados que

    incluam medidas preventivas, tais como: investigaes criminaiscompletas sobre ataques e ameaas contra defensores de direitoshumanos; ampla divulgao dos princpios da Declarao sobreDefensores de Direitos Humanos das Naes Unidas; educaopara os agentes pblicos estaduais sobre o direito dos defensoresde direitos humanos de levar em frente suas atividades legtimas,assim como medidas de segurana como programas de proteo

    especficos, tratados acima, para ajudar os defensores de direitoshumanos e suas famlias com providncias imediatas de seguran-a. Estes programas devem assegurar que todas as medidas paraproteger os defensores de direitos humanos sejam adotadas de acor-do com os desejos da pessoa que recebe a proteo.

    11. Desmontar sistemas de vigilncia da sociedade civil edos defensores de direitos

    Como revelado na metade do ano de 2001 e relatado nestedocumento, agncias do exrcito brasileiro continuam a manter

    l 44 l

    Arrombamento da Secretaria de Direitos Humanos doMunicpio de Serra

    - Contexto43

    O Municpio da Serra no Esprito Santo um dos mais violen-tos do Brasil. Com uma populao de aproximadamente 330.000habitantes, o municpio registrou em 2001, 332 homicdios, o que

    consiste num ndice de 100 homicdios por ano por cada 100.000habitantes (duas vezes o ndice do Municpio do Rio de Janeiro,por exemplo, e mais alto do que o ndice geral do Estado do Esp-rito Santo).

    A Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Serra foi cri-ada em janeiro de 2001 e, desde ento, implementou uma srie deprogramas em comunidades carentes, entre eles, alguns que mobi-lizavam os moradores dos bairros pobres no sentido de desarmar efortalecer a paz. Atravs dessa insero nas comunidades carentes,a equipe da Secretaria Municipal comeou a receber denncias de

    violaes, algumas cometidas por policiais corruptos e membrosdo crime organizado, assim como pelos traficantes locais (princi-palmente varejistas). Na mdia local, o trabalho que estava sendorealizado pela Secretaria nas comunidades carentes ganhou um certodestaque.

    Ao mesmo tempo, a conivncia entre a polcia militar e o cri-me organizado no Municpio de Serra continuava. Segundo o Co-mandante do Batalho da Polcia Militar da Serra, do total de apro-ximadamente 400 PMs, aproximadamente 50 teriam ligao diretacom a corrupo e a criminalidade.

    - O ArrombamentoNa sexta-feira, dia 25 de janeiro de 2002, quando a equipe da

    Secretaria Municipal de Direitos Humanos da Serra chegou sede,localizada em um prdio comercial no centro da cidade, percebeuque a porta havia sido arrombada, as mesas e outros mveis deslo-

    43 Esta narrativa est baseada na entrevista do Centro de Justia Global com Givaldo Vieira deSouza, ex-Secretrio Municipal de Direitos Humanos da Serra e Patrcia Henzell, diretora do N-cleo de Polticas de Segurana Pblica, Vitria, Esprito Santo, 28 de junho de 2002.

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    foras dedicadas espionagem de movimentos sociais e grupos dedireitos humanos. Ns requeremos ao governo brasileiro que des-monte todos os sistemas de espionagem, civis ou militares, em n-vel federal e estadual, das atividades dos defensores de direitoshumanos. Alm disso, as autoridades devem tomar medidas apro-priadas para investigar integralmente relatos passados sobre espio-nagem, com vistas a acabar com todas as suas formas, legais ou

    ilegais, de vigilncia telefnica ou eletrnica contra defensores dedireitos humanos, movimentos sociais e sindicatos.

    12. Fornecer total acesso aos arquivos de espionagemO governo brasileiro deve assegurar a abertura imediata e in-

    dependente dos arquivos de inteligncia mantidos por foras desegurana estaduais e federais, ou outras instituies oficiais, paragarantir que casos passados de espionagem sobre defensores dedireitos humanos sejam inteiramente esclarecidos, e que os res-ponsveis por tais casos sejam identificados e processados judici-

    almente. Trabalhando conjuntamente com defensores dos direitoshumanos, as autoridades devem estabelecer mecanismos apropria-dos para tornar conhecidos os resultados dessa reviso e assegurarque tais abusos no sejam repetidos no futuro.

    13. Fornecer uma base legal adequada para defensoresdos direitos humanos

    As autoridades federais competentes devem se reunir commembros das organizaes no governamentais de direitos huma-nos para debater a criao de uma estrutura apropriada para permi-

    tir o completo reconhecimento das organizaes no governamen-tais como associaes sociais sem fins lucrativos. A legislaoconcernente aos grupos de direitos humanos, se criada, deveriagarantir, entre outros direitos, destinao independente, impessoale transparente de recursos pblicos para os grupos de direitos devi-damente registrados.

    l 43 l

    fazer as denncias do crime organizado, uma vez que na Assem-blia Legislativa impossvel.

    A partir da criao do Frum, Cludio ficou sob proteo dapolcia federal entre novembro de 1999 e maro de 2001, quando adispensou por motivos particulares e porque sua situao havia setranqilizado.

    Seu mandato como deputado estadual cresceu muito com a

    criao da CPI da propina em 2001, quando Cludio teve um des-taque muito grande na mdia e perante a sociedade, se tornandocada vez mais uma pessoa pblica, o que dificulta atentados contraa sua pessoa.

    As ameaas contra o deputado tambm se revelam de formasmais sutis. Gilson Lopes, ex-policial, e atual deputado estadual, natentativa de desqualific-lo, trouxe de Minas Gerais um processoque tramitara contra Cludio, mas que j havia sido arquivado. Oprocesso era sobre vendas de cadeira de rodas de uma pequenafbrica do Esprito Santo para o governo de Minas e que transcor-

    rera de forma irregular. Cludio, que a princpio fora arrolado comotestemunha, em um determinado momento passou a ru. Conse-guiu provar que no era scio da fbrica e o processo foi arquiva-do. O deputado Gilson Lopes trouxe o caso para o Esprito Santo efez um escndalo na mdia, pedindo sua cassao. O processo decassao tramitou e tambm foi arquivado.

    Em reunio do Conselho de Defesa dos Direitos da PessoaHumana (CDDPH), realizada dia 20 de junho em Braslia, o advo-gado Nlson Aguiar, assessor poltico do governador do EspritoSanto, trouxe tona novamente o assunto do suposto superfa-

    turamento das cadeiras de rodas, como forma de intimidar o depu-tado Vereza. Esta ameaa de Nelson ocorreu aps o comentrio doDeputado Vereza de que o advogado trocara de lado, pois, tinhasido um dos entusiastas da cassao do governo e, pouco tempodepois, se tornar advogado do prprio governo. A ameaa deNlson contra o deputado foi presenciada pelo diretor executivo doCentro de Justia Global, James Cavallaro e por Iriny Lopes, quetambm participavam da reunio.

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    Jean Claude Gomes de OliveiraDe dezembro de 1999 at maro de 2002, o promotor Jean

    Claude Gomes de Oliveira vinha recebendo diversas ameaas epresses institucionais relacionadas sua atuao como membrodo Ministrio Pblico Estadual, especificamente em funo de suainvestigao e denncia em dois casos, nos quais o seu trabalhocontrariava os interesses de pessoas do Ministrio Pblico, do Po-der Judicirio e do setor privado, ligadas ao crime organizado. Almdas ameaas externas, o promotor sofria intimidaes e presses

    de dentro do Ministrio Pblico.O promotor Jean Claude acredita que as ameaas tm relaodireta com o seu trabalho em dois casos iniciados em 1999. Umdeles diz respeito investigao de grampos telefnicos colocadosdentro da empresa de viao Itapemirim. Nesse primeiro caso, opromotor Jean Claude descobriu uma denncia fraudulenta de taisgrampos, tramada por dirigentes daquela empresa com o fim dedar um golpe milionrio. No outro caso, detalhado a seguir, JeanClaude investigava uma fabrica clandestina de armas.

    - O caso do armeiro Jos Mariano Godoy11

    Em 1 de dezembro de 1999, por ordem judicial da 2a VaraCriminal de Cachoeira de Itapemirim, Jos Mariano Godoy foi presoem flagrante por manter em sua casa um arsenal blico de dezenasde fuzis, pistolas, revlveres, garruchas, espingardas, silenciadorese lunetas produzidos na oficina clandestina de armas que ficavadentro da mesma residncia. No dia seguinte, no entanto, o Juiz

    I. Ameaas de Morte e Presses Indevidas contrarepresentantes do Ministrio Publico

    11 Este resumo se baseia no Processo Administrativo CGMP No. 1843/01 contra Jean Claude Go-mes de Oliveira, Corregedoria Geral do Ministrio Pblico do Esprito Santo.

    l 42 l

    Deputado Estadual Cludio VerezaCludio Vereza42 deputado estadual pelo Partido dos Traba-

    lhadores no Esprito Santo. Na poca da fundao do Frum ReageEsprito Santo, em outubro de 1999, por ser um dos coordenadorese ter tido um papel importante na articulao do frum, passou aser ameaado.

    Antes disso, em 1999, um outro episdio pode no mnimo sercaracterizado como retaliao. Quando da criao da Comisso Par-lamentar de Inqurito sobre o Narcotrfico, de mbito Estadual, o

    Presidente da Assemblia Legislativa do Estado, Deputado Gratz,o convidou para integr-la, at mesmo como presidente. Cludiofoi consultar seus colegas de partido e, junto com eles, elaborouuma srie de exigncias condicionando a sua participao. Ao to-mar conhecimento das exigncias, o deputado Gratz retirou o con-vite. Cludio passou ento a denunciar que a CPI era de cartasmarcadas e que no resultaria em nada, o que de fato aconteceu,pois sua concluso foi de que no haveria crime organizado no Es-prito Santo.

    Um ou dois dias aps a instalao do Frum, Cludio foi abor-

    dado pelo presidente da Assemblia Legislativa que disse queestavam falando bobagem a respeito dele no Frum.O Frum acabou se constituindo em dos espaos mais

    combativos do Esprito Santo, local onde a sociedade civil organi-zada faz denncias de corrupo, sobre o crime organizado e, prin-cipalmente em um espao privilegiado de fiscalizao do poderpblico. O deputado tem ocupado tambm o espao do Frum para

    IV. Ameaas contra membros dos PoderesLegislativos e Executivos

    42 Depoimento ao Centro de Justia Global em 27 de junho de 2002, em Vitria Esprito Santo.

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    Solimar Soares do Primeiro Juizado Especial relaxou a priso, de-clarando nulo o auto de priso em flagrante, e ordenando que fossedevolvido o arsenal. O relaxamento da priso ocorreu, no obstanteo fato de Jos Mariano Godoy j ter sido condenado a vinte e umanos de priso por homicdio pelo mesmo Juiz, que de forma irre-gular, concedera liberdade condicional para Godoy.

    Em 16 de dezembro o Ministrio Pblico ofereceu denncia

    contra Godoy. Nos dias que antecederam a denncia, Jean Claudefoi pressionado atravs de ligaes telefnicas para arquivar o caso.Os promotores Gilberto Fabiano Toscano de Mattos, RobertoSilveira Silva, Marcelo Zenkner e Leonardo da Costa Barreto, daComisso contra a impunidade que nessa poca estava agindo deforma eficiente, assinaram a denncia contra o armeiro juntamentecom Jean Claude.

    O caso do armeiro cujas ligaes com o crime organizadono estado foram comprovadas na CPI do Narcotrfico da CmaraFederal levou Godoy a ser condenado a 14 anos de recluso. No

    entanto, o preo pago pelo promotor Jean Claude e a sua famliaforam bastante altos.

    - As AmeaasNo fim de 1999, na poca em que Jean Claude assumiu o caso

    do armeiro, ele comeou a receber ameaas por telefone na suacasa. Os telefonemas aconteciam de forma quase diria do final de1999 at maro de 2002 e consistiam em duas formas de intimida-o. Na primeira, uma voz masculina dizia que iria mat-lo e tam-bm sua famlia. Numa das pessoas, a pessoa chegou a ameaar

    esquartejar o pequeno filho de Jean Claude. Na outra srie de tele-fonemas, uma voz feminina informava mulher de Jean Claude deque ele eragay. Alm dessas ameaas, foram mandadas para acasa de Jean Claude, em nome dele e da esposa, encomendas, comopor exemplo, um pnis de borracha. Tambm foram mandadascartas com ameaas para o seu escritrio, e algumas delas conti-nham imagens pornogrficas.

    - A Primeira SindicnciaComo j mencionado, entre os casos em que Jean Claude tra-

    l 41 l

    o (SEDU). Fabiana chegou a pedir a priso do Sub-Secretrio daSEDU, Paulo Stefenoni e do Secretrio de Governo, Gentil Anto-nio Rui, cunhado do governador, e dos diretores da cooperativaque fazia o repasse das verbas.

    Nessa poca, um reprter veio avis-la que estava fazendouma reportagem na Secretaria de Educao, quando ouviu um po-licial dizer que a delegada estava fazendo graa com um tio dele

    e que se isso continuasse ela no ia viver. Fabiana comunicou oChefe de Polcia e o Ministrio Pblico. Uma semana depois doocorrido, Paulo Stefenoni foi preso e quando a delegada foi levar omandado de priso, encontrou o delgado que a ameaara. Este aabordou falando que estavam fazendo intriga entre eles, dizendoque ele pretendia mat-la. Fabiana lhe disse que fosse homem ecaso viesse a mat-la, que fizesse pela frente e no pelas costas.

    No final de novembro de 2001 a delegada foi perseguida porum motoqueiro quando deixava a delegacia e se dirigia para umavdeo-locadora. Quando parou em um farol, o motoqueiro parou ao

    seu lado e fez um gesto indicando que estava de olho nela. Fabianafez nova comunicao polcia sobre esse fato.A delegada ficou sabendo atravs de fontes que prefere no

    revelar, que o filho do Stefenoni, Rodrigo, se encontrou com Clu-dio Guerra (ex-delegado de polcia), Pedro Suzano e Jorge Lemosem um posto em Vila Velha, para contratar pistoleiros para execut-la e tambm matar os promotores Fbio Velo, Fbio Ribeiro,Fernando Ramos e Evaldo Martineli, que tambm investigavam acorrupo do governo.

    Fabiana acabou sendo afastada das investigaes e foi

    transferida para a Delegacia de Homicdios e Proteo Pessoa(DHPP), onde est h oito meses.

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    balhava, estava o da interveno do Ministrio Pblico na SantaCasa de Misericrdia de Cachoeira de Itapemirim, municpio doEsprito Santo. Em consonncia com esse assunto, foi publicadoum artigo no jornal Dirio Capixaba acusando indevidamenteJean Claude de irregularidades durante a sua atuao no caso daSanta Casa. Sabendo da denncia vinculada no jornal sem qual-quer valor probante, Jean Claude pediu que fosse aberta uma

    sindicncia para apurar o caso. Aps investigar as alegaes e pro-vas no caso, a Corregedoria chegou concluso de que o promotorno fizera nada de errado, e de que o jornal agira de forma irres-ponsvel ao acolher a denncia, cuja finalidade fora atingir a inte-gridade moral de Jean Claude.12

    - A Segunda SindicnciaApesar do resultado da primeira sindicncia, livrando Jean

    Claude da acusao de enriquecimento ilcito no caso da Santa Casa,uma segunda sindicncia foi instaurada contra ele em 09 de agosto

    de 2001. Durante sete meses essa sindicncia tramitou contra JeanClaude. Em 05 de maro de 2002, a Corregedoria, por absolutafalta de provas, encerrou a sindicncia absolvendo Jean Claude,mais uma vez.

    Marcelo Zenkner

    Durante a gesto do Dr. Jos Adalberto Dazzi, MarceloZenkner13 participava do Grupo de Represso ao Crime Organiza-do, conhecido como GRCO. Em maio de 2000, o Dr. Jos MariaRodrigues de Oliveira Filho assumiu a Procuradoria Geral do Es-tado do Esprito Santo, cargo mximo do Ministrio Pblico esta-dual. Em julho de 2000, dois meses aps a mudana na direo

    12 Ofcio CGMP/CG/No. 284/99 (Carta encaminhando a Deciso no Procedimento 0505/09), assi-nada por Catarina Cecin Gazele, Corregedoria Geral do Ministrio Pblico do Esprito Santo, 25de maio de 1999.13 Entrevista do Centro de Justia Global com Marcelo Zenkner, Vitria, 28 de junho de 2002.

    l 40 l

    No dia 1 de fevereiro de 2000, Clsio foi preso novamente e,ao ver Fabiana, disse que ia contar tudo. Informou que tinha sidocontratado pelo Sargento Mdulo para ameaar a delegada, e quefoi o prprio sargento quem comprou o telefone celular do qual fezas ligaes. Disse ainda que na vez em que foi seguida pelos doiscarros, eram quatro pistoleiros. O gol branco pertencia a um polici-al que fazia a segurana do Cabo Camata, que na poca era prefei-

    to de uma cidade do Esprito Santo. Clsio falou de vrios crimes eacabou sendo enquadrado no Programa de Proteo a Vtimas eTestemunhas (Provita).

    Fabiana representou contra o Sargento Mdulo, mas o inqu-rito ficou parado muito tempo. No final de 2000, um delegado pe-diu a priso do sargento e, em 4 de abril, o inqurito foi para oPoder Judicirio, mas at hoje no retornou. Atualmente o Sargen-to Mdulo presidente da Cmara de Vereadores de MarechalFloriano.

    Em 2000, quando Fabiana trabalhava na Delegacia Fazendria,

    uma mulher foi at a delegacia e procurou a Delegada, dizendo queestava cobrando uma dvida. Fabiana, que no conhecia a mulher,disse que desconhecia o assunto. A mulher disse ento que a dvidaera de um ex-funcionrio de Fabiana e que ele a estava aguardandono andar trreo da delegacia. A delegada fez meno de ir ao en-contro do homem, mas foi impedida pelos investigadores, que fo-ram em seu lugar. Ao avistar policiais acompanhando a mulher, osdois homens que aguardavam a delegada fugiram. Clsio, quandofoi preso pela segunda vez, tambm contou que um dos homensera o Sargento Mdulo e que a mulher fora usada como isca.Clsio afirmou tambm que, quando Fabiana comeasse a desceras escadas, seria executada. A delegada tambm soube que o Co-ronel Ferreira teria alertado ao sargento que parasse um pouco comas ameaas porque o fato estava tendo muita repercusso e cha-mando ateno para o esquema deles.

    Em 2001, logo aps deixar o Programa de Proteo, Clsiofoi executado com um tiro na cabea.

    Fabiana voltou a sofrer ameaa em 2001, quando estava apu-rando desvio de verbas no Departamento Nacional de Estradas eRodovias (DNER), na Fundao Ruschi e na Secretaria de Educa-

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    desse rgo pblico, o Procurador Jos Maria chamou os promoto-res Leonardo da Costa Barreto, Gustavo Senna Miranda, RobertoSilveira e Marcelo Zenkner, solicitando a eles o imediato o desliga-mento do GRCO. Os promotores, no entanto, se negaram a aceitartal proposta. Frente ao impasse, o Procurador os desligou arbitrari-amente do GRCO.

    Desde o seu desligamento, o promotor Marcelo Zenkner tem

    sido alvo de diversas sindicncias internas no Ministrio Pblico.A primeira, instaurada em 30 de junho de 2001, apurou o possvelenvolvimento do promotor Marcelo no vazamento de uma infor-mao para imprensa sobre um caso de corrupo que o GRCOinvestigava. A segunda, instaurada em 21 de dezembro de 2001,investigou a ausncia, por um dia, do promotor Marcelo, devido aofato dele ter levado a sua mulher ao mdico. O promotor Marceloainda respondeu a mais duas sindicncias nos ltimos meses: numadelas, foi investigada a sua prerrogativa por no oferecer dennciaem um processo criminal no qual ele avaliou no caber tal medida.

    Em outra sindicncia, foi investigado por desdia, em conexo como sumio de um documento em um processo que misteriosamentehavia sido transferido e includo num outro processo.

    A falta de provas contra o promotor Marcelo nesses proces-sos, junto ao nmero alto de sindicncias num perodo curto detempo, assim como a natureza leve das denncias sugere que afinalidade das mesmas, longe de buscar preservar a integridade dainstituio, seria intimidar e atacar o promotor em sua integridademoral, em razo de no ter cedido presso autoritria da atualdireo do Ministrio Pblico e por ter mantido a sua independn-cia frente aos grupos que praticam trfico de influncia no estado.

    l 39 l

    na cidade. O Sargento era ligado ao Coronel Ferreira, sabidamenteum homem ligado ao narcotrfico, pistolagem e grupos de exter-mnio.

    Para investigar esse esquema, a delegada solicitou auxlio aoservio de inteligncia da polcia militar do Esprito Santo, que en-viou uma equipe. As investigaes levaram transferncia do Sar-gento Mdulo para a cidade de Pedro Canrio. Ao invs de process-

    lo pelos crimes, as autoridades do Esprito Santo preferiram ape-nas transferi-lo de cidade.Impune, o Sargento contratou quatro pistoleiros para executar

    a delegada. No carnaval de 1999, Fabiana estava indo dar plantona cidade de Anchieta. Ao sair de sua casa, no sbado de carnaval,viu um txi vermelho estacionado em frente de sua garagem. Pou-cos metros adiante, quando parou em um cruzamento, percebeuque o txi estava ao seu lado e que tambm se aproximava um golbranco. Suspeitando de algo, telefonou para a delegacia e informouque os dois carros a estavam seguindo e pediu que ligassem de

    cinco em cinco minutos para o seu celular. Fabiana parou em umaloja de convenincia na entrada de Domingos Martins para despis-tar os carros, mas quando saiu percebeu que continuava sendo se-guida. Acionou a Polcia Rodoviria Federal, que ficou aguardan-do-a no p da serra. Durante todo o trajeto, at chegar no local ondea polcia a estava aguardando, os carros foram dando fechadas emFabiana e a cortando. Quando parou junto polcia, os dois carrosforam embora.

    Mesmo depois desse episdio, Fabiana no acreditava muitonas ameaas, mas comeou a se preocupar quando Clsio Rosa daSilva foi preso na cidade de Domingos Martins em 1999. Entre osobjetos pessoais de Clsio, foi encontrada uma conta de telefonecelular, indicando vrias ligaes para os nmeros de telefone deFabiana (do seu celular, de sua residncia e da delegacia de Do-mingos Martins). Nessa poca, Fabiana j trabalhava em Vitria evoltou cidade de Domingos Martins para falar com Clsio, poisas datas das ligaes coincidiam com as ameaas que tinha recebi-do. Clsio negou que tivesse ligado para a delegada e o escrivo dapoca o apoiou. Por essa razo, Fabiana desistiu de obter a infor-mao.

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    de outra autorizao datada de 01 de fevereiro de 2002, autorizan-do quatro presos a sarem durante o horrio comercial por cincodias, de 04 at 08 de fevereiro. Todos os presos que receberamessa autorizao tinham sido condenados por homicdios e um de-les, Alexandre (conhecido como Xandinho) envolvido com umgrupo de extermnio.17

    Mais uma vez, em abril, os juzes receberam cpia de novas

    autorizaes irregulares que permitiam que um total de onze pre-sos pudessem sair durante o horrio comercial em algumas datasem abril. Entre eles, cinco foram autorizados para sarem nos dias22, 23, 24, 25 e 26 de abril para trabalharem na peixaria.18 Em 24de abril, os juzes foram at o IRS e pediram para falar com ospresos cuja sada fora autorizada irregularme