Relatório dos Terminais

30
Transporte público A visão do usuário Julho de 2011

description

Plácido filho - Relatório dos Terminais de Fortaleza (Ceará)

Transcript of Relatório dos Terminais

Transporte público

A visão do usuário

Julho de 2011

2

Foto da Capa – Terminal da Parangaba

Agradecimentos

Nossos agradecimentos a todos os usuários que colaboraram com este relatório. Nosso agradecimento especial ao presidente da Etufor, Ademar Gondim, que em nenhum momento tolheu o nosso trabalho, como ainda mostrou disposição para tentar resolver os problemas.

3

Apresentação

Quando iniciei as minhas visitas aos terminais de ônibus, em

fevereiro de 2011, imaginava colher inúmeras críticas ao Sistema Integrado

de Transporte, diante da insatisfação do usuário com o transporte público

em Fortaleza, muitas vezes exposta na mídia e com eco em cada parada de

ônibus da Capital.

As críticas, claro, surgiram em meio às grandes filas nos terminais,

aos atrasos e à superlotação dos coletivos. O que mais me marcou, no

entanto, nesses cinco meses de visitas intensas, foram os vários pedidos de

ajuda dos usuários, muitas vezes em palavras, algumas vezes em um vazio

olhar.

Encontrei trabalhadores prejudicados, inclusive com demissão, pela

não mais garantia do cumprimento de horário das linhas. Abordei

estudantes que há muito não conseguem assistir a primeira aula. Lamentei

4

por donas de casa que perderam consultas médicas de seus filhos, em

postos de saúde. E agora me sinto triste, diante do descaso da

administração pública à humilhante situação a que todos os dias são

submetidos milhares de fortalezenses nos sete terminais de ônibus da

cidade.

Foi difícil conter a emoção ao me deparar com uma senhora, no

terminal do Siqueira, demitida do trabalho em uma confecção, horas antes,

por causa de mais um atraso no horário de entrada. Às lágrimas, a mulher

contou que chegava cada vez mais cedo ao terminal, mas mesmo assim não

tinha a sorte de embarcar no coletivo para o vizinho terminal da Parangaba,

por causa do empurra-empurra da superlotação.

Diante de um sentimento de abandono, alimentado pela inoperância

da administração municipal, a mulher se fez acreditar que a sua demissão

teria como causa a “falta de sorte”.

Naquele instante percebi o quão pequeno pode se tornar um mandato

de vereador de Fortaleza, se ele não for pelo menos capaz de um abraço

solidário no povo que a ele confiou o papel de vigilante contra desmandos

administrativos.

Percebi também o abismo entre o modelo apresentado pela Prefeitura

de Fortaleza e o sentimento do usuário do Sistema Integrado de Transporte.

Enquanto a Prefeitura tenta colocar como vantagem a Integração

Temporal, o usuário lamenta a perda do benefício, diante dos atrasos e da

5

lotação dos ônibus. Além disso, não há garantia do benefício para o

usuário, mesmo com o cumprimento de todos os critérios.

Enquanto a Prefeitura se vangloria pelo emprego da Tarifa Social, o

usuário mais necessitado de política pública amarga um aumento

acumulado de 40% no valor da passagem, em apenas dois reajustes.

O percentual é o maior entre todos os reajustes concedidos pela

administração municipal no setor de transporte. Maior até que o acumulado

da própria tarifa normal, que ficou em 25%, e dos 22,2% na tarifa de táxi,

se também levarmos em conta os dois últimos reajustes, incluindo os

11,7%, que passou a vigorar no último mês de junho.

Reajuste acumulado entre o período de 2009 a 2011 (%)

Mesmo se incluirmos todos os reajustes da tarifa do táxi, nos quase

sete anos da gestão Luizianne Lins, o acumulado ainda assim será 5,3%

menor que o percentual acumulado da Tarifa Social.

Mais uma vez, os números da Prefeitura de Fortaleza contradizem o

discurso de uma gestão que afirma cuidar dos mais necessitados. Foi a

Tarifa Social quem mais sofreu com a política de reajustes da prefeita

Luizianne Lins.

6

Na prática, a gestão Fortaleza Bela favoreceu as classes Média/alta e

Alta/baixa, usuárias do serviço de táxi, em detrimento das classes C e D,

maiores usuárias do transporte coletivo. A conta, claro, sobrou para o

trabalhador, incluindo os próprios taxistas, que amargam perdas diante dos

sistemáticos aumentos nos preços dos combustíveis, pneus, peças e

manutenção dos veículos.

Como se percebe, a política de reajustes da Prefeitura de Fortaleza

favorece sempre a elite, tanto criticada pela prefeita Luizianne Lins. Nessa

ciranda financeira, os empresários de ônibus, mesmo beneficiados com

uma redução de 2% de ISS e da não mais cobrança dos 3% da taxa de

gerenciamento, que somadas chegam aos R$ 2 milhões, também foram os

mais beneficiados com a generosa política de reajustes da gestão Luizianne

Lins. A conta, mais uma vez, sobrou para o trabalhador que depende do

transporte público, assim como seus filhos.

Sem perspectiva de uma lógica sobre o que divulga a Prefeitura de

Fortaleza e o sentimento do usuário do transporte público, o relatório

“Transporte Público - A visão do usuário” mostra para a administração

municipal e para a sociedade fortalezense o que pensam as pessoas que

dependem do Sistema Integrado de Transporte, seus anseios e a dura

realidade nos terminais de ônibus e das lotações diárias.

A humilhação agora se faz ouvir.

Plácido Filho

Vereador de Fortaleza pelo PDT

7

“Às vezes, dá vontade de chorar”

O olhar inquieto carrega mais do que desconfiança e timidez. Os

passos apressados contradizem a expectativa de uma longa espera na fila da

linha Antônio Bezerra/Papicu, no terminal do Papicu. As palavras

atropeladas buscam conformação para mais uma estressante rotina de

trabalho, que começa antes mesmo do início do expediente.

Para a vendedora Rita de Cássia Cavalcante, 26, moradora da Praia

do Futuro, o movimento nos terminais de ônibus em Fortaleza, logo nas

primeiras horas da manhã, é o principal motivo do seu desejo de largar o

emprego em uma loja de eletrodomésticos, no Centro, e passar a trabalhar

em seu próprio bairro como autônoma na venda de cosméticos.

“Às vezes, dá vontade de chorar. O estresse no terminal é maior que

o sufoco na loja. A gente já chega cansada ao trabalho, porque tem que

passar muito tempo em pé na fila e depois ainda tem que se espremer para

entrar no ônibus. A viagem quase sempre é em pé, pois não posso me dar

ao luxo de esperar por mais um ônibus, para ainda assim arriscar um

assento”, afirmou a vendedora, que definiu prazo para largar o emprego.

“Vai ser no dia em que eu chorar”, garantiu.

Quem há muito evita os terminais de ônibus são as cunhadas

Mauricélia Ribeiro de Sousa, 28, doméstica, e Leidiane da Silva Matos, 19,

dona de casa, moradoras do Jardim Castelão. Para as cunhadas, a passagem

por terminais ocorre “somente em último caso”.

“Meu marido (Francisco Welton, trabalhador da construção civil)

também reclama da falta de estrutura dos terminais e diz que todo dia

enfrenta uma batalha, antes de entrar no emprego”, comentou Mauricélia

de Sousa, que há mais de uma hora esperava pela diminuição da

8

movimentação no terminal da Parangaba, para levar as filhas Vivian, 2, e

Vitória, 4, ao posto de saúde.

Já é o quarto ônibus da linha Parangaba/Náutico que encosta (na

plataforma) e nenhum da linha Antônio Bezerra/Parangaba. Tem ônibus

demais em umas linhas e faltam veículos em outros itinerários. Deveria

haver um reforço de ônibus de umas linhas para outras, principalmente no

horário de pico. Acho que melhoria a nossa situação”, disse Leidiane

Matos.

porque passageiro não respeita os fiscais da Etufor e depois porque a

bagunça já começa pela Prefeitura, pois não há sequer faixas no chão para

marcar as filas de cada linha”, declarou.

9

Para a estudante do curso de Agronomia da Universidade Federal do

Ceará (UFC), Paula Freitas, 18, moradora do bairro Maraponga, a situação

das filas nos terminais de ônibus poderia melhorar, caso a Prefeitura

trabalhasse melhor as linhas em cada plataforma.

“Vejo pessoas à espera da linha Castelão para ir para a Uece

(Universidade Estadual do Ceará). Mas, então, correm para a fila do Jardim

União ou Conjunto Veneza Tropical, quando um dos ônibus dessas linhas

chega (à plataforma). A fila então fica incontrolável, com todo mundo

querendo entrar no ônibus”, relatou a estudante.

“Felizmente, não pego essas linhas, meu trajeto é para o outro lado

(Campus do Pici). Mesmo assim, todos os dias eu chego atrasada para a

primeira aula, também por causa das longas filas e da superlotação dos

ônibus”, completou Paula Freitas.

De acordo com a estudante, as filas seriam melhores organizadas,

caso as linhas que tivessem o mesmo percurso inicial fossem divididas em

diferentes plataformas. “Parece um pouco sem lógica, mas as pessoas que

entrassem em uma fila dificilmente conseguiram bagunçar uma outra por

causa da distância”, avaliou.

Parangaba/Papicu, correm para a vizinha fila da linha Avenida João Pessoa,

quando o ônibus chega primeiro.

“Eu mesmo já fiz isso várias vezes. A gente fica na maior fila para

garantir o acesso ao primeiro ônibus, de um jeito ou de outro. Se o

10

Parangaba/Papicu chegava primeiro, ótimo, eu já estava na fila. Mas, no

momento em que o João Pessoa dobrava na plataforma, eu e muitas outras

pessoas corríamos para a fila vizinha. O importante era chegar no horário

do trabalho”, afirmou o mecânico.

“Hoje eu não faço mais isso. Uma hora a gente cansa, sabe? É muita

tensão ficar vigiando os ônibus que dobram na plataforma. Às vezes, nem

era o João Pessoa que dobrava e já dava aquele impulso de correr. Isso me

deixava irritado e até com dor de cabeça. Então expliquei a situação no

trabalho e meus atrasos são compensados aos sábados. Então eu fico logo

aqui, na fila do João Pessoa, que não é tão longa quanto à fila do

Parangaba/Papicu. E agora eu vejo como é ruim quando as pessoas correm

para cá, como eu fazia antes”, completou Carlos Henrique.

11

“Não é bonito, mas é necessário”

O auxiliar de escritório Robson da Silva Nunes, 20, morador do

bairro Parque Dois Irmãos, admite ter furado filas em terminais de ônibus,

por algumas vezes. “Isso não é bonito, mas é necessário”, assegurou.

Segundo Robson Nunes, a população não pode ser responsabilizada

por um erro de gerenciamento da Prefeitura. “Se toda vez eu tiver que me

submeter às longas filas e aos atrasos dos ônibus, acho que eu já estaria no

quarto ou quinto emprego. A gente tem que se virar, para não pagar pelas

falhas da Prefeitura. Quem não conhece como os terminais funcionam,

pode achar que muitas pessoas furam filas por falta de educação. Mas, não,

é por necessidade mesmo”, ressaltou.

“Uma vez, um passageiro discutiu comigo porque eu estava furando

a fila. Mas ele não percebeu que eu estava há mais de 20 minutos em outra

fila e meu ônibus não aparecia. Então eu resolvi pegar aquele ônibus que

12

passava próximo ao meu local de trabalho (Aldeota). As pessoas pensam

que os passageiros que furam filas querem viajar sentados. Isso não é

verdade, a maioria é por necessidade, por causa das falhas no sistema.

Quem fura fila, viaja em pé”, comentou o auxiliar de escritório.

Por causa do empurra-empurra nas filas dos terminais, a auxiliar de

costura Tereza Martins, 20, moradora do Conjunto Esperança, diz que já

machucou o pé. Com receio de novos acidentes, afirma que passou a se

atrasar no trabalho, no bairro Varjota.

“Chego ao terminal por volta das 6h30min e entro no trabalho às 9

horas. Antes dava tempo para eu cumprir o meu horário de entrada, mas

agora espero o terminal ficar mais vago. A Prefeitura diz que passou a

organizar as filas, mas isso não é verdade. Não há como um ou dois fiscais

controlarem essa multidão, pois a entrada no ônibus para muitos

passageiros significa o cumprimento de seus horários de trabalho e a

manutenção de seus empregos”, observou a auxiliar de costura.

Para Tereza Martins, melhor seria se a Prefeitura colocasse linhas

extras nos horários de pico, que atendessem a pequenos percursos de

aliviaria bastante a situação das filas no terminal da Parangaba. O trecho é

curtinho e os ônibus poderiam realizar várias viagens”, alegou.

Apesar de entrar no terminal do Siqueira quase uma hora antes do

horário da consulta, a estudante Ana Patrícia Alves da Silva, 25, moradora

do bairro Bom Jardim, já não mais tinha esperança do atendimento no

13

bairro Pirambu. Desolada com uma fila com quase cem pessoas, a

estudante disse que o trânsito também atrapalha bastante.

“Saí de casa muito cedo, mas perdi muito tempo com o

engarrafamento. Agora sei que não chegarei mais no horário da minha

consulta, porque terei que enfrentar uma grande fila para entrar no ônibus e

depois enfrentar novos engarrafamentos. Deveriam existir avenidas

exclusivas para ônibus, mesmo que por certos períodos do dia. Acho que

isso melhoraria muito a questão do transporte público”, sugeriu a estudante.

14

Medo de enfrentar as filas resultou

em demissão

O talento herdado da avó, na zona rural de Itapipoca, sucumbiu

diante da correria da cidade grande. Como também ruiu o velho ditado da

no último mês de abril, depois de mais um atraso na pequena confecção no

bairro Parangaba. Às lágrimas, a costureira contou que passou a chegar

cada vez mais cedo ao terminal do Siqueira, como forma de cumprir o seu

horário de entrada na confecção.

Naquele dia 18, Ivani Alves assegura ter chegado ao terminal por

volta das 6h30min, uma hora e meia antes do início do expediente. Mas o

medo de enfrentar o empurra-empurra na fila do ônibus que a conduziria ao

vizinho terminal da Parangaba, além do receio de mais uma vez se tornar

vítima de furtos, levaram a costureira a esperar um pouco mais pela

redução do movimento do terminal.

“Uma vez, cheguei a falar para o motorista (do ônibus) sobre o meu

medo das filas, desde que fui desrespeitada por dois jovens que passaram à

minha frente, enquanto a fila caminhava. Também falei que já tinha sido

assaltada (furtada, pois não percebeu o delito no momento) duas vezes.

15

Mas o motorista disse que eu não tinha o direito de entrar primeiro no

ônibus, porque eu ainda não era considerada idosa”, lamentou a costureira.

“Seria bom se a Prefeitura tivesse uma equipe médica para avaliar a

situação de passageiros que não pudessem enfrentar filas. Esses passageiros

ganhariam uma carteirinha somente para evitar as filas nos terminais”,

sugeriu.

A mulher contou ainda que por algum tempo o seu filho de 16 anos

chegou a acompanhá-la até o terminal da Parangaba, mas o rapaz passou a

reclamar de cansaço (estuda à noite) e ainda havia o custo da passagem.

bairro Planalto Vitória e funcionária de um buffet no São João do Tauape.

Após quase uma hora e meia de espera em uma fila com cerca de 120

pessoas, segundo estimativa da própria confeiteira, ela somente conseguiu

subir no ônibus quinze minutos antes do início do seu expediente. Como

teria ainda que enfrentar uma nova fila no terminal da Parangaba e o

engarrafamento das avenidas João Pessoa e Treze de Maio, ligou para a

empresa para avisar sobre mais um dia de transtornos nos terminais de

Fortaleza.

“Soube que havia sido suspensa ainda dentro do ônibus, antes de

entrar no terminal da Parangaba. Só me restou pegar um ônibus de volta

para o Siqueira. Fui punida porque não há ônibus suficiente para atender à

demanda da população. Deveriam criar uma espécie de seguro, em que as

empresas de ônibus cobrissem o prejuízo que causaram aos passageiros”,

desabafou a confeiteira.

16

A atendente de consultório dentário Sandra Regina, 40, moradora do

bairro Jóquei Clube, diz que não há mais como justificar tantos atrasos no

Fortaleza, pois a propaganda da Prefeitura na televisão mostra outra coisa”,

afirmou Sandra Regina.

De acordo com a atendente de consultório dentário, ela passou a

chegar ao terminal da Parangaba quase três horas antes do início do seu

expediente, que começa às 9h15min. “Mesmo assim, os atrasos são

constantes”, lamentou.

Melhor sorte tem o auxiliar de aeroporto Antônio Márcio Ferreira da

Silva, 29, morador da Granja Portugal. Apesar de chegar ao terminal da

Parangaba com mais de uma hora antes do início do seu expediente de

trabalho, diz que os atrasos são constantes.

“Já nem sei explicar tantos atrasos, mas acho que meus supervisores

entendem”, acredita.

17

“Quem planeja essas mudanças,

não anda de ônibus”

O aposentado Marcos Vinicius de Lima, 67, morador do bairro José

Bonifácio, nunca havia se dado conta do quanto é demorado o ônibus da

linha Antônio Bezerra/Unifor. Acostumado a visitar a filha, às quintas-

feiras, moradora do bairro Quintino Cunha, o aposentado não se queixava

muito da espera por uma condução até o terminal do Antônio Bezerra.

Pelo menos até o fim de maio último, quando a Prefeitura alterou o

itinerário da linha Antônio Bezerra/Unifor, no bairro José Bonifácio. Ao

invés do percurso pela rua Antônio Pompeu, o trajeto agora ocorre pela

avenida Domingos Olímpio.

porque quando um (ônibus) não passava, o outro chegava. Quando soube

da mudança na linha do Unifor, até que fiquei feliz porque a parada é mais

próxima da minha casa. Mas a demora não compensa. Quem planeja essas

mudanças, não anda de ônibus”, ressaltou Marcos Vinicius.

Para a vendedora de produtos farmacêuticos Bia Saraiva, 26,

moradora do bairro Bela Vista, a mudança no itinerário de linhas de ônibus

18

tem prejudicado o seu deslocamento, principalmente depois da extinção da

linha Paranjana, no começo deste ano.

“Fiquei refém da linha Antônio Bezerra/Lagoa/Unifor, com a

desvantagem de uma menor oferta de veículos. A espera agora é muito

longa. Eu preferia quando havia o Paranjana. A Prefeitura deveria fazer

uma consulta à população, antes de decidir mudar o trajeto dos ônibus ou

extinguir linhas. A população é que é usuária e sabe das necessidades e

dificuldades”, sugeriu.

Segundo Necildo Nunes, o trecho que compreende a linha Antônio

Bezerra/Francisco Sá/Papicu piorou ainda mais em relação à superlotação.

“Agora quase não cabe a pessoa no ônibus e aumentou o tempo de espera

na parada”, observou.

Para as estudantes Renata Daniel dos Santos, 19, moradora do

Quintino Cunha, e Andréa Rodrigues Silva, 22, aluna do curso de Gestão

Financeira, a mudança no trecho da linha do Antônio Bezerra/Unifor e a

extinção do Paranjana não fizeram muita diferença.

“Os atrasos e a superlotação continuam os mesmos”, alegou Renata

Daniel. “A gente sai de casa para pegar um ônibus e não sabe a hora que

deverá chegar ao destino, seja na faculdade, no trabalho ou em qualquer

outro lugar”, reclamou a estudante de Gestão Financeira.

19

“Passagem barata? Não, esse

privilégio não é pra mim”

Daniele Sousa de Lima, 29, moradora do Alvoreto, e Carla Paiva da

Silva, 25, moradora da Serrinha, não se conhecem, mas costumam chegar

ao terminal da Parangaba praticamente no mesmo horário, por volta das

6h30min, e também começam a trabalhar às 9 horas. As duas são

vendedoras no corredor da avenida Monsenhor Tabosa.

As coincidências poderiam ficar somente no campo profissional, se

as duas vendedoras não fossem reféns da falta de estrutura dos terminais de

ônibus de Fortaleza, como ainda dos atrasos e da superlotação das linhas.

Daniele de Lima e Carla Paiva talvez nunca tenham percebido, mas

podem várias vezes ter seguido a pé, juntas, para a avenida João Pessoa

para pegar um outro ônibus até o trabalho. É que as duas vendedoras

caracterizam um novo perfil de usuário de ônibus de Fortaleza, que prefere

pagar duas passagens em um mesmo trajeto, como forma de fugir das

grandes filas nos terminais e da superlotação da parte dianteira dos ônibus.

“Não é uma coisa que eu gosto de fazer e, de certo modo, é até

revoltante para mim. Mas como a Prefeitura não consegue garantir o meu

direito de seguir para o meu emprego com dignidade, a gente acaba dando

um jeito”, comentou Carla Paiva.

“Algumas vezes, não dá nem vontade de entrar no terminal (da

Parangaba). Então eu acabo pegando três ônibus. O mais incrível é que

chego ao trabalho menos estressada e com mais de meia hora de

antecedência. Passagem barata? Não, esse privilégio não é para mim”,

ressaltou Daniele de Lima.

20

A atitude das duas vendedoras não é novidade nos terminais de

ônibus de Fortaleza, principalmente na Parangaba, onde vários usuários

costumam deixar o terminal para pegar a linha que deveriam ter direito, de

graça, diante do modelo de sistema integrado.

Na prática, a atitude de muitos usuários em pagar uma nova

passagem é justificada pela necessidade de viajarem no primeiro ônibus

que chegar ao terminal e que os conduza a seus destinos. Se ficassem nos

terminais, esses usuários teriam que enfrentar grandes filas e pegar o

segundo, o terceiro ou quarto ônibus.

“Então, para não chegar atrasado ao trabalho, eu saio do terminal e

pego um mototáxi”, radicalizou o atendente de telemarketing Glauco

Medeiros, 19, morador da Maraponga e que trabalha no Mucuripe. “Entro

no emprego às 9 horas e chego ao terminal duas horas e meia antes. Mesmo

assim, eu me atrasaria se fosse de ônibus”, alegou.

pois muitas vezes o ônibus que é pego fora dos terminais fica retido nos

engarrafamentos.

Foi o que constatou o vereador Plácido Filho, durante abordagem aos

mototaxistas que trabalham no entorno dos terminais da Parangaba e de

Messejana. De acordo com a categoria, é cada vez maior o número de

usuários do sistema integrado que utiliza o mototáxi como o transporte

complementar para chegar ao trabalho. De acordo ainda com a categoria,

ainda são raras as corridas com estudantes.

21

“Prefiro perder a primeira aula, como vem ocorrendo, do que me

submeter a uma prática que deveria ser da iniciativa da Prefeitura. Não é a

população que deve buscar alternativas, mas a administração municipal que

tem a obrigação de apontar a solução contra o caos no transporte público”,

observou a estudante do curso de Jornalismo, Rebecca Silveira, 21,

moradora do bairro Serrinha.

Para a estudante, a população poderia ajudar a Prefeitura, desde que

fossem criados conselhos municipais em importantes pastas da

administração. “Mas esses conselhos não poderiam figurar só de fachada.

Têm que ter condições de funcionamento”, ressaltou.

A esteticista e estudante de Fisioterapia, Nara de Medeiros, 25,

moradora da Vila Manoel Sátiro, também afirma que não pagaria duas

passagens para não perder aula. “Inclusive, tive que transferir a cadeira de

Patologia para a noite, porque não conseguia assistir a primeira aula. Eu

chegava ao terminal (da Parangaba), quase uma hora e meia antes do início

da aula, mas atrasava mesmo assim”, lembrou.

22

Quanto maior for a oferta para o usuário, menor será o número de veículos

particulares nas ruas”, afirmou.

“Precisamos de mais ônibus rodando. Não é verdade que uma maior

quantidade de ônibus agravaria o problema dos engarrafamentos. Isso é

uma visão derrotista”. (Nara de Medeiros, 25, esteticista e estudante de

Fisioterapia, moradora da Vila Manoel Sátiro)

23

“Transtornos começam nas paradas

de ônibus”

A pensionista Francilda da Silva Barbosa, 59, moradora do Montese,

somente utiliza os terminais de ônibus de Fortaleza, quando do fim do

horário de pico. Segundo a pensionista, ela tem muito medo do grande

movimento da manhã e do início da noite, pois já ouviu relatos absurdos de

desrespeitos e assaltos.

Apesar de não enfrentar filas tão grandes e de conseguir fugir da

superlotação dos ônibus, a pensionista, ainda assim, não está totalmente

imune à falta de estrutura no transporte público municipal.

chuva”, lamentou a pensionista.

O estudante Augusto César Matos de Morais, 22, morador do

Mondubim, não entende como uma cidade quente como Fortaleza pode

possuir pontos de ônibus somente demarcados por um poste.

“Isso é o que eu chamaria de uma grande falta de interesse para com

o usuário do transporte público, pois qualquer empresa gostaria de ter a sua

marca em uma parada de ônibus de qualidade. Se a Prefeitura diz que

construiu o Jardim Japonês com dinheiro privado, por que então outras

empresas não podem erguer pontos de ônibus?”, questionou o estudante.

24

Para a professora Ana Flávia Barbosa Pinto, 29, Fortaleza está na

contramão do turismo, diante da falta de abrigos nas paradas de ônibus. “A

gente que é daqui não repara muito não. Estamos acostumados com aqueles

abrigos da época do prefeito Juraci Magalhães, feitos em blocos de pedra.

Mas é o que de mais moderno que a Prefeitura pode apresentar ao turista”,

ironizou a professora.

“Eu digo isso, porque recebi um casal de amigos de São Paulo, que

achou um absurdo como uma cidade turística como Fortaleza não há

abrigos com o tema da cidade. Isso sem falar no forte sol que nos maltrata

quase o ano inteiro”, criticou.

Segundo o Sindicato dos Trabalhadores em Transportes Rodoviários

do Estado do Ceará (Sintro), usuários são constantemente assaltados em

paradas de ônibus do Centro, pela falta de proteção de um abrigo. Na rua

24 de Maio, de acordo ainda com o Sintro, ocorrem “arrastões”.

25

“A culpa é do povo”

O comerciante Antônio Carlos de Almeida Sobrinho, 51, morador do

Vicente Pinzón, ainda se lembra do acidente no terminal do Papicu, em

novembro do ano passado, quando uma mulher que residia em Brasília foi

atropelada e morta por um ônibus que adentrava na plataforma. De acordo

com o que lembra o comerciante, o motorista estava em baixa velocidade,

mas o acidente poderia ter tido outro desfecho.

“O principal problema é a sinalização e a falta de uma campanha

educativa, tanto para pedestres como para motoristas. Eu desafio qualquer

pessoa a atravessar na faixa de segurança, entre duas plataformas, quando

um ônibus adentrar no terminal. Desafio que espero que ninguém tope, pois

a pessoa será atropelada”, afirmou o Antônio Carlos.

“Estou cansado de ver pessoas correndo sobre a faixa de segurança

para não serem atropeladas. Muitas vezes, os motoristas nos largam longe

das plataformas, até entre outros ônibus, e ninguém faz nada. Mas se

26

acontecer algum acidente, a culpa é do povo. A Prefeitura vai logo alegar

que a pessoa não atravessou na faixa de segurança”, completou.

“Então é necessário uma campanha educativa para motoristas e

pedestres, sobre o respeito e a importância da faixa de segurança”, sugeriu

o comerciante.

A doméstica Francisca Franciana Bernardino, 30, moradora do

Planalto Ayrton Senna, lembra que já passou pelo difícil momento de subir

uma plataforma, após o motorista do ônibus ter parado longe da faixa de

segurança, e quase era atropelada.

estendeu a mão. Não sei o que teria ocorrido se ele não tivesse me puxado.

Acho que os motoristas precisam de um cuidado maior e a Prefeitura

precisa baixar a altura das plataformas. Também seria importante se os

terminais tivessem ambulatórios para atendimento de emergência”,

declarou a doméstica.

27

“Deveriam pensar que o usuário

também envelhece”

José Assis de Morais e Valdelice Maria de Morais caminhavam de

mãos dadas por entre as plataformas. Em vão, tentavam com usuários do

terminal da Parangaba algumas informações. Observaram o painel

eletrônico e mais uma vez demonstraram frustração, pois o equipamento

nunca funcionou, a não ser para testes, mesmo com três anos de instalação.

Foi sugerido que o casal procurasse um fiscal da Etufor, mas o

homem do uniforme verde claro, apesar de estar na mesma plataforma, se

encontrava a uma longa distância. Isso não seria problema se o senhor José

Assis não tivesse 72 anos de idade e dona Valdelice Morais, 69 anos.

Enfim, para alívio das pessoas que já demonstravam preocupação, o

casal morador da Serrinha queria somente a informação sobre a plataforma

da linha Conjunto Veneza Tropical. Apesar dos idosos já estarem

acostumados com a linha, a multidão no terminal muitas vezes confunde

até os próprios fiscais.

Para dona Valdelice Morais, incômodo mesmo só o dia em que ela

precisou usar o banheiro feminino e não conseguia subir as escadarias do

terminal, pois o único banheiro para senhoras fica no andar superior.

“Deveriam pensar que o usuário também envelhece”, reclamou dona

Valdelice, apesar do bom humor.

Os transtornos a que foram submetidos o casal de aposentados são

mais comuns nos sete terminais de Fortaleza, do que a Prefeitura de

Fortaleza possa imaginar. Os poucos meios para uma precisa informação -

quase sempre o usuário fica refém dos fiscais da Etufor - e a falta de acesso

28

por meio de rampas são as queixas mais comuns entre pessoas da melhor

idade e pessoas com necessidades especiais.

A própria escadaria do terminal da Parangaba é uma afronta para

pessoas idosas e cadeirantes. É no andar superior de um dos terminais mais

movimentados da cidade que o usuário pode ter acesso à internet, à agência

lotérica e banheiros masculino e feminino.

Outro transtorno a que os usuários são submetidos diariamente nos

terminais é com relação à falta de troco nos ônibus. “No ano passado,

presenciei uma senhora sendo escoltada por um fiscal da Etufor, até a

catraca da entrada do terminal, porque o cobrador não tinha troco para vinte

29

reais. O constrangimento não foi por causa do olhar de desconfiança das

pessoas, que imaginavam o que aquela senhora poderia ter feito. Mas por

causa do seu desespero em localizar a sobrinha que deveria estar

aguardando por ela na plataforma da linha. Como o cobrador e o fiscal

disseram que ela teria que descer junto com os passageiros que pulavam do

ônibus, em uma outra plataforma, para que ela efetuasse o pagamento da

passagem, a mulher entrou em desespero. O pior é que a senhora estava

com razão, mas isso não conta muito”, relatou o auxiliar de contabilidade

Moisés de Castro, 32, morador do bairro Rodolfo Teófilo.

30

Conclusão

O relatório “Transporte público - A visão do usuário” tem como

principal finalidade ecoar as vozes dos milhares de usuários do Sistema

Integrado de Transporte, como ainda apresentar algumas sugestões

daqueles que diariamente estão inseridos no modelo direcionado para a

maioria da população de Fortaleza.

Durante a sua elaboração, ouvimos mais de 400 pessoas nos sete

terminais da cidade e adiantamos as cobranças mais urgentes na Tribuna da

Câmara Municipal de Fortaleza.

Para a nossa satisfação, a Etufor atendeu parte do nosso apelo e parte

do apelo da população, diante do encaminhamento de algumas soluções,

como a tentativa de organizar as filas nos quatro maiores terminais da

cidade (Papicu, Parangaba, Antonio Bezerra e Siqueira), além do início da

construção do banheiro feminino, na parte de baixo do terminal da

Parangaba e o início da construção de um pequeno elevador ao lado da

escada de acesso ao segundo piso, também no terminal da Parangaba.

As obras ainda não chegaram a ser anunciadas por nenhum órgão da

administração municipal, como também por nenhum canal de comunicação

da Prefeitura. Por isso mesmo, vamos ficar de olho para que esses

benefícios sejam entregues à população no tempo mais rápido possível.

A boa receptividade que tivemos por parte dos usuários mostrou que

há muito a população esperava ser ouvida pelas autoridades responsáveis

quanto à qualidade dos serviços que gerem suas vidas.

Os avanços já alcançados, até o momento, também mostram que a

oposição tem muito a colaborar com os rumos da cidade, dentro de um

processo democrático e de respeito mútuo.