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7437 RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ADAPTAÇÃO CURRICULAR PARA ALUNO COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL PROVENIENTE DE UM CURSO DE FORMAÇÃO CONTINUADA DE PROFESSORES VALERA, Juliessa Ricce MANZOLI, Luci Pastor SIGOLO, Silvia Regina Ricco Lucato (UNESP – Faculdade de Ciências e Letras/Campus de Araraquara – Programa de Pós- Graduação em Educação Escolar) Eixo 6: A Formação de Professores na Perspectiva da Inclusão E-mail: [email protected] 1. Introdução Este relato teve como objetivo apresentar as experiências da aplicação de atividades de adaptação curricular a um aluno com deficiência intelectual 1 do 3º ano do Ensino Fundamental I de uma escola pública municipal do interior do Estado de São Paulo, a partir de um curso de formação continuada de professores sobre Adaptação do Currículo e Estratégias de Ensino para Atender a Diversidade. A participação das pesquisadoras nesse campo de conhecimento deu-se por estarem envolvidas em um projeto maior nessa área que é um dos temas de pesquisas realizadas no “Grupo de Estudos e Pesquisas na Educação Básica – Educação Especial” GEPEB - EDESP 2 que tem como linha de pesquisa a Formação do Professor, Trabalho Docente e Práticas Pedagógicas do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar da Faculdade de Ciências e Letras campus de Araraquara/SP. O foco do grupo é analisar a formação e o trabalho do professor na Educação Básica e oferecer conhecimentos formativos e acadêmicos em educação especial visando auxiliá-lo na prática docente de modo a promover a educação inclusiva. A partir dos documentos expedidos pelos órgãos governamentais, dentre eles os Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptação Curricular – Estratégias para a Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (BRASIL, 1998) e demais estudos realizados pelo grupo sobre a referida temática, o GEPEB entende que a adaptação curricular é imperiosa para que a inclusão realmente aconteça, constituindo-se como um elemento fundamental para o atendimento das especificidades de aprendizagem dos alunos com deficiência intelectual. 2. Fundamentação Teórica

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RELATO DE EXPERIÊNCIA DE ADAPTAÇÃO CURRICULAR PARA ALUNO COMDEFICIÊNCIA INTELECTUAL PROVENIENTE DE UM CURSO DE FORMAÇÃO

CONTINUADA DE PROFESSORES

VALERA, Juliessa Ricce

MANZOLI, Luci Pastor

SIGOLO, Silvia Regina Ricco Lucato

(UNESP – Faculdade de Ciências e Letras/Campus de Araraquara – Programa de Pós-

Graduação em Educação Escolar)

Eixo 6: A Formação de Professores na Perspectiva da Inclusão

E-mail: [email protected]

1. Introdução

Este relato teve como objetivo apresentar as experiências da aplicação de

atividades de adaptação curricular a um aluno com deficiência intelectual1 do 3º ano do

Ensino Fundamental I de uma escola pública municipal do interior do Estado de São

Paulo, a partir de um curso de formação continuada de professores sobre Adaptação do

Currículo e Estratégias de Ensino para Atender a Diversidade.

A participação das pesquisadoras nesse campo de conhecimento deu-se por

estarem envolvidas em um projeto maior nessa área que é um dos temas de pesquisas

realizadas no “Grupo de Estudos e Pesquisas na Educação Básica – Educação Especial”

GEPEB - EDESP2 que tem como linha de pesquisa a Formação do Professor, Trabalho

Docente e Práticas Pedagógicas do Programa de Pós-Graduação em Educação Escolar

da Faculdade de Ciências e Letras campus de Araraquara/SP. O foco do grupo é

analisar a formação e o trabalho do professor na Educação Básica e oferecer

conhecimentos formativos e acadêmicos em educação especial visando auxiliá-lo na

prática docente de modo a promover a educação inclusiva.

A partir dos documentos expedidos pelos órgãos governamentais, dentre eles os

Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptação Curricular – Estratégias para a Educação

de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (BRASIL, 1998) e demais estudos

realizados pelo grupo sobre a referida temática, o GEPEB entende que a adaptação

curricular é imperiosa para que a inclusão realmente aconteça, constituindo-se como um

elemento fundamental para o atendimento das especificidades de aprendizagem dos

alunos com deficiência intelectual.

2. Fundamentação Teórica

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A inclusão social da pessoa com deficiência tem sido uma temática utilizada com

bastante frequência na literatura, tanto na área de educação especial, quanto nas de

educação, terapia ocupacional, psicologia, dentre outras. Além disso, tem se figurado

como um dos principais objetivos “[...] na maioria dos estatutos e regulamentos das

instituições e entidades que prestam serviços a essas pessoas, bem como se encontra

prevista e amparada legalmente, através de sua explicitação como direito, na

Constituição da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988)” (ARANHA, 1995, p. 63).

Neste contexto, a história de vida dos deficientes foi marcada pela negligência e

escassas iniciativas de atendimento, até o surgimento da era cristã. Com o advento do

cristianismo, houve mudanças significativas e todos passaram a ser considerados filhos

de Deus e ser vistos como bons, generosos e, portanto, mereciam ser respeitados, pois

maltratá-los ou abandoná-los seria inaceitável à moral cristã (PESSOTTI, 1984;

MANTOAN, 1989; ARANHA, 2001).

Como sugerem relatos históricos, o atendimento educacional das pessoas com

deficiência intelectual, foi iniciado em meados do século XIX, na Franca, pelo médico

Jean Itard, que mostrou a educabilidade do menino selvagem Victor de Aveyron. O termo

“meninos selvagens” foi utilizado para designar as pessoas que desde a infância eram

privadas de qualquer educação, e viveram excluídas dos demais grupos sociais

considerados normais (MANTOAN, 1989; MAZZOTTA, 2005).

No ano de 1961, o atendimento educacional aos deficientes passa a ser

fundamentado pela primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN,

Lei nº 4.024, que no seu Art. 88 destaca que a educação de excepcionais “[...] deve, no

que for possível, enquadrar-se no sistema geral de educação, a fim de integrá-los na

comunidade” e no Art. 89, que toda iniciativa privada “[...] considerada eficiente pelos

conselhos estaduais de educação, e relativa à educação de excepcionais, receberá dos

poderes públicos tratamento especial mediante bolsas de estudo, empréstimos e

subvenções” (BRASIL, 1961, p. 15).

A partir do século XX, o Brasil passou por uma fase de estruturação da república,

bem como por transformações político-sociais que resultaram em mudanças no

panorama da educação, surgindo um novo paradigma de ordem mundial baseado na

inclusão social, onde as pessoas excluídas teriam seus direitos reconhecidos para

conviverem em uma sociedade mais igualitária (JANNUZZI, 1985).

Nessa direção, o país passou a definir políticas educacionais e criou instrumentos

legais que garantem o direito de acesso e permanência à escolaridade básica para as

pessoas com deficiência na rede regular de ensino. Dentre essas políticas, destacam-se:

a Lei nº 8.069 que dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (1990); o Plano

Decenal de Educação para Todos (1993); a Lei de Diretrizes e Bases (1996); a Lei nº

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10.098, que estabelece normas gerais e critérios básicos para a promoção da

acessibilidade das pessoas com deficiência (2000); as Diretrizes Nacionais para a

Educação Especial na Educação Básica (2001); a Lei nº 10.216, dispõe sobre a proteção

e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais (2001); a Lei nº 10.845,

institui o Programa de Complementação ao Atendimento Educacional Especializado às

Pessoas Portadoras de Deficiência (2004); a Política Nacional de Educação Especial na

perspectiva da Educação Inclusiva (2008), a Resolução nº 04, de 02 de outubro de 2009,

dispõe sobre as Diretrizes Operacionais para o Atendimento Educacional Especializado

na Educação Básica, dentre outras. Igualmente importante destacar as políticas e

documentos internacionais que impulsionaram o processo de inclusão social: a

Conferência Mundial sobre Educação para todos, realizada em Jomtien na Tailândia em

1990; a Declaração de Nova Delhi sobre a Educação para Todos em 1993; a Declaração

de Salamanca, na Espanha em 1994; a Convenção de Guatemala e a Carta para o

Terceiro Milênio em 1999 e a Convenção sobre os direitos da pessoa com deficiência,

Nova Iorque em 2007.

No bojo dessas discussões, emerge um novo pensar sobre o espaço social das

pessoas com deficiência, bem como uma mudança significativa nas políticas públicas,

nos objetivos e na qualidade dos serviços de atendimento prestados a elas.

A Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva

define a pessoa com deficiência como “[...] aquela que tem impedimentos de longo prazo,

de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, podem

ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade” (BRASIL, 2008,

p. 9).

Em relação às pessoas com deficiência intelectual, durante muito tempo,

receberam diferentes denominações, dentre elas: atrasado, excepcionais, idiota,

incapacitados, deficiente mental, dentre outros. De acordo com o Documento Educação

Inclusiva – Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência Mental (BRASIL,

2006, p. 10) “[...] a deficiência mental constitui um impasse para o ensino na escola

comum e para a definição do seu atendimento especializado, pela complexidade do seu

conceito e pela grande quantidade e variedades de abordagens do mesmo”. No que se

refere a atual conceituação sobre a Deficiência Intelectual, os estudiosos da área3, têm

adotado a terminologia proposta pela American Association on Intellectual and

Developmental Disabilities (AAIDD) (ALMEIDA, 2004).

Segundo a American Association on Intellectual and Developmental Disabilities

(AAIDD) a deficiência intelectual é “[...] uma significativa limitação tanto no funcionamento

intelectual quanto no comportamento adaptativo expressados em habilidades conceituais,

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sociais e práticas. Essa condição origina-se antes dos dezoito anos de idade”

(SCHALOCK et al., 2010, p. 4).

O documento Educação Inclusiva: Atendimento Educacional Especializado para a

Deficiência Mental destaca que o aluno com deficiência intelectual, tem uma maneira

própria de lidar com o saber, que se diferencia dos demais em termos de aprendizagem

dos conteúdos escolares, pois “[...] trata-se de barreiras referentes à maneira de lidar

com o saber em geral, o que reflete preponderantemente na construção do conhecimento

escolar” (BRASIL, 2006, p. 17-18).

Dessa forma, é imperioso o professor reconhecer que cada aluno tem uma forma

diferente de aprender, sendo necessário que sua individualidade seja respeitada. Sendo

assim, no convívio com o aluno em sala de aula, é essencial que o professor esteja

atento, observando-os e conhecendo-os para poder aferir a necessidade de definir

práticas pedagógicas e adaptação no currículo que vão ao encontro de suas

especificidades (HEREDERO, 2010).

A adaptação curricular está prevista em documentos oficiais, dentre eles na Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN, Lei nº 9.394 (BRASIL, 1996), sendo

definida como “[...] possibilidades educacionais de atuar frente às dificuldades de

aprendizagem dos alunos”. Deve-se realizar a adaptação do currículo regular, quando

necessário, tornando-o apropriado às necessidades dos alunos com deficiência (BRASIL,

1998, p. 33).

Os Parâmetros Curriculares: Adaptação curricular (BRASIL, 1998) e o Projeto

Escola Viva: garantindo o acesso e a permanência de todos os alunos na escola – alunos

com necessidade especiais (BRASIL, 2000a), destacam que as adaptações dos

elementos do currículo são classificadas como “adaptações de pequeno porte ou não

significativas” e “adaptações de grande porte ou significativas”. As adaptações tanto de

grande, quanto de pequeno porte deverão ser feitas de acordo com a necessidade do

aluno, sendo elaboradas a partir do que o mesmo deve aprende, como e quando

aprender, quais as maneiras de organizar o ensino são mais eficazes para o processo de

aprendizagem e como e quando avaliá-lo.

Estudos4 na área apontam que a Adaptação Curricular pode ser a chave para que

o processo de inclusão se concretize tanto no Atendimento Educacional Especializado

quanto na sala de aula regular, e que adaptar o currículo é relevante para auxiliar o

trabalho do professor e do seu aluno. Além disso, é relevante a participação dos

professores na construção e implementação de um currículo aberto e flexível, com

conteúdos pautados na realidade dos alunos. Igualmente importante, é a parceria entre

os professores do ensino regular e da educação especial, cabendo a eles realizar as

adaptações quando necessário, para garantir que todos sejam atendidos em suas

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especificidades. A oferta de cursos de formação de professores também é essencial para

a realização das adaptações em sala de aula, pois como coloca Bueno (1999, p. 24) “[...]

se construirmos uma trajetória de formação de professores que coloque em prática esses

princípios, com certeza estaremos contribuindo, dentro do nosso âmbito de ação, para a

ampliação efetiva das oportunidades educacionais a toda e qualquer criança”.

3. Desenvolvimento

Em relação ao curso de formação continuada de professores sobre Adaptação do

Currículo e Estratégias de Ensino para Atender a Diversidade, foi dividido em duas partes

– a teórica e a prática. A parte teórica consistiu em abordar os principais documentos5

expedidos pelos órgãos governamentais que preveem a adaptação curricular para

atender as necessidades dos alunos com deficiência. Além disso, foi discutido pelos

formadores a história da educação especial e o que se entende por estratégias e

adaptações curriculares diante de uma escola inclusiva. Na parte prática, foram

realizadas dinâmicas de grupo com os participantes e foi solicitado relatos de aula com

alunos com deficiência. As dinâmicas visavam estudar um caso, ou seja, era entregue a

cada grupo uma ficha com os dados de um aluno com deficiência (fictício) e suas

dificuldades de aprendizagem e, a partir daí, o grupo tinha que elaborar as adaptações

curriculares priorizando o que era mais relevante para o mesmo aprender. Num segundo

momento, foi solicitado aos grupos relatos de aula com alunos com deficiência. Cada

grupo ficou responsável por adaptar conteúdos e atividades das disciplinas de português,

matemática, história, geografia e ciências utilizando a proposta de documento individual

de adaptação curricular.

A referida proposta continha campos para o preenchimento com os dados do

aluno, sendo: a sua identificação; suas dificuldades de aprendizagem; seus estilos de

aprendizagem durante as atividades; áreas de conhecimento preferidas; atitude diante de

atividades consideradas difíceis e muito além das suas capacidades; tipo de materiais

que prefere; modos como prefere que o ensinem; interações didáticas preferidas em aula

e relações de interação com seus colegas de sala. Diante dessas informações, eram

feitas as adaptações curriculares.

A partir deste curso, sentimos a necessidade de aplicar a referida proposta de

documento individual de adaptação curricular a um aluno com deficiência intelectual que

estava matriculado em uma sala de Ensino Fundamental I de 3° ano de uma das autoras

desse relato. Como esse aluno frequentava essa mesma escola desde o primeiro ano,

passou-se então, a conversar com as professoras dos anos anteriores, para tomar

conhecimento de como adaptavam o currículo e realizavam o trabalho com esse aluno.

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Suas respostas eram de muita incredulidade, como: “ele não aprende nada na sala de

aula”; e outra recomendou trocar ideias com a professora do Serviço de Atendimento

Educacional Especializado – AEE6.

A partir deste momento, foi desenvolvido um trabalho em parceira com a

professora do Atendimento Educacional Especializado, iniciando por uma sondagem de

escrita de acordo com os estudos de Ferreiro e Teberosky (1999) para verificar como

estavam se dando as hipóteses de escrita desse aluno, e a partir dos resultados

desenvolver adaptações no currículo das disciplinas de português, matemática, história,

geografia e ciências. As sondagens foram aplicadas na sala de recursos em horário

inverso ao período escolar e teve uma hora de duração.

A sondagem consistiu em solicitar que a criança escrevesse palavras do mesmo

campo semântico, como por exemplo: lista de frutas, de animais, dentre outras e era

iniciado por palavras polissílabas, depois trissílabas, dissílabas, e por fim, monossílabas.

Era também solicitada a leitura das palavras e a escrita de uma frase que envolvia pelo

menos uma das palavras já mencionadas.

O resultado mostrou que o aluno encontrava-se no nível de escrita pré-silábica.

De acordo com Ferreiro e Teberosky (1999, p. 193), neste nível, “[...] escrever é produzir

traços típicos da escrita que a criança identifica como a forma básica da mesma”, ou seja,

o aluno não estabelece relações entre a escrita e a pronúncia, reproduzindo a sua escrita

através de desenhos, utilizando letras aleatoriamente e rabiscos.

Em vista disso, foram adaptadas atividades de pequeno porte do currículo7 não

somente à leitura e escrita, mas em todas as disciplinas, conforme previsto nos

Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares: Estratégias para a

Educação de Alunos com Necessidades Educacionais Especiais (1998).

Para a elaboração da adaptação curricular, foi utilizado o modelo da proposta de

documento individual de adaptação do curso de formação continuada ora citado,

conforme segue:

1- Identificação do aluno:

Nome: A1 (fictício)

Ano: 3º Período: Manhã

Idade: 10 anos

Deficiência: Intelectual

1.1– Observações do histórico do aluno:

O aluno frequenta a sala de recursos desde o primeiro ano do Ensino

Fundamental I e está matriculado na rede municipal de ensino. Foi retido e cursa o 3º ano

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pela segunda vez. Somente no 3º ano do Ciclo I passou a receber acompanhamento de

uma psicóloga. O aluno vive com a mãe e um irmão, a família é presente, envolvida com

a escola e o desenvolvimento do aluno.

2- Estilo de aprendizagem do aluno:

- O aluno realiza as atividades propostas, mas não demonstra muito interesse em fazê-

las;

-Seu nível de atenção e concentração é baixo. O aluno atende por tempo suficiente se o

ambiente não estiver muito agitado e movimentado pelos demais alunos.

Áreas do conhecimento preferidas pelo aluno:

Educação Física e Artes.

Dificuldades do aluno:

- Dificuldades na leitura e escrita;

- Dificuldades em matemática (procedimentos padrão de cálculo).

Atitude diante de atividades difíceis e muito além das suas capacidades:

- Apresenta desânimo, não tem autoestima para resolvê-las, pois se considera incapaz e

tende a abandoná-las.

Tipo de materiais que prefere:

- Jogos (qualquer tipo);

- Icônico ou gráfico (imagens, fotografias, desenhos, dentre outros).

Modos como prefere que o ensinem:

- Visual (prefere observar o professor explicando, ler imagens).

Interações didáticas preferidas em aula:

- Trabalho em dupla;

- Trabalho individual.

Relações de interação com seus colegas de sala:

- Mantêm interações positivas com os colegas;

- Raramente que se mostra agressivo.

Ante ao exposto no documento individual do aluno, a adaptação de pequeno porte

foi realizada nos conteúdos, nos procedimentos didáticos e nas atividades e priorizou-se

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o que era mais relevante para o mesmo naquele momento. Por exemplo: na escrita,

foram aplicadas atividades como: destacar no texto lido algumas palavras que achava

interessantes e discutir sobre elas; elaborar lista de compras, de colegas e de familiares;

escrever palavras com base em figuras; fazer cantinhos de leitura; trabalhar em dupla e

em pequenos grupos, dentre outras.

Segundo o material Atendimento Educacional Especializado para a Deficiência

Mental (BRASIL, 2007) expedido pelo Ministério da Educação (MEC), os alunos com

essa deficiência podem apresentar motivações para realizar as atividades de leitura e

escrita se os seus professores aplicarem atividades que estejam relacionadas com a sua

realidade, tais como: escrita do próprio nome, escrita de listas, de bilhetes e de registro

com base na contação de histórias.

Nas aulas de História, foram organizados passeios pela escola para conhecer a

sua história, trabalho com vídeos, músicas e arte (desenhos, atividades com argila,

teatro, dentre outros). Nas aulas de Geografia, para enriquecer os textos didáticos, foram

adaptados materiais de acordo com o tema da aula. Por exemplo: na aula em que foram

discutidos os tipos de moradias (urbano e rural) ao invés de trabalhar somente com os

textos do livro didático, foram planejadas atividades que colaboraram para a efetivação

da aprendizagem do conteúdo para todos os alunos e construído com a classe uma

maquete; todos participavam da elaboração e discussão do tema. Na aula de

matemática, foram utilizados muitos jogos, como o material dourado, o jogo de argolas,

bingo numérico, tangram, dentre outros. Em ciências, trabalho com experiências, cultivo

de plantas, observação do clima e tipos de solo. Em português, rodas de leitura,

dramatizações, contação de histórias, jogos com letras do alfabeto e assim por diante.

Na segunda sondagem, foi constatado que o aluno encontrava-se no nível

silábico-alfabético. Este nível, segundo Ferreiro e Teberosky (1999, p. 209), “está

caracterizado pela tentativa de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem

uma escrita. Nesta tentativa, a criança passa por um período da maior importância

evolutiva: cada letra vale por uma sílaba”.

Sendo assim,

Para poder ler coisas diferentes (isto é, atribuir significados diferentes)deve haver uma diferença objetiva nas escritas. Segue-se trabalhandocom a hipótese de que faz falta uma certa quantidade mínima degrafismos para escrever algo, e com a hipótese da variedade nosgrafismos. (FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 189).

Levando em consideração os avanços do aluno, as adaptações de pequeno porte

continuaram sendo realizadas nos conteúdos, nos procedimentos didáticos e nas

atividades em todas as disciplinas.

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No final do ano letivo, constatamos que a evolução do mesmo foi significativa e já

se encontrava no nível alfabético inicial, demonstrando a importância da adaptação

curricular a favor da sua aprendizagem. Neste nível, a criança “[...] abandona a hipótese

silábica e descobre a necessidade de fazer uma análise que vá mais além da sílaba pelo

conflito entre a hipótese silábica e a exigência de quantidade mínima de letras”

(FERREIRO; TEBEROSKY, 1999, p. 214).

5. Considerações finais

Sabe-se que o aluno com deficiência intelectual tem uma maneira e um ritmo

próprio de aprender, e diferencia-se dos demais por não possuir, muitas vezes, os

comportamentos e habilidades intelectuais apresentadas pelos considerados normais.

Dessa forma, a escola é uma instituição social e tem como compromisso garantir o

acesso e permanência de todos os alunos, independentemente das suas condições

intelectuais, físicas ou sensoriais, mas para isso é necessário preparação e formação de

todos os que estão envolvidos neste processo.

Portanto, para alcançar o objetivo educacional de ensinar todos os alunos, o

professor precisa modificar a maneira de ensinar, e isso é possível através de cursos de

formação inicial e continuada que possam conscientizá-los de sua responsabilidade e

aperfeiçoar sua prática docente.

Nesse contexto, para o ambiente tornar-se inclusivo é necessário oferecer um

ensino mais adequado, realizando as adaptações curriculares de acordo com as

necessidades apresentadas pelos alunos, oferecer recursos didáticos, práticas

avaliativas, metodologias e demais meios que possam impulsionar o processo de

aprendizagem, conforme constam nos Parâmetros Curriculares e demais documentos

oficiais expedidos pelos órgãos governamentais.

A adaptação curricular é um recurso essencial que garante as respostas

educacionais aos alunos que precisam dessa medida. O trabalho em conjunto entre o

professor da sala de aula regular e professor da sala de recursos na implementação das

adaptações se faz necessário para oferecer um suporte adequado para o aluno.

O presente trabalho mostrou a importância da formação nesta área de

conhecimento, pois através do curso de formação continuada de professores, foi possível

repensar as práticas pedagógicas voltadas para o aluno com deficiência intelectual,

permitindo executá-la de forma mais reflexiva para favorecer o processo de ensino-

aprendizagem.

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1 O termo deficiência intelectual será utilizado para designar as pessoas com deficiência mental, por referir-se mais especificamente ao funcionamento do intelecto e não só ao funcionalmente da mente como umtodo. Contudo, quando se tratar da história e dos documentos, manteremos a originalidade do termoutilizado pelos autores.2 Os trabalhos realizados pelo grupo são pautados nos documentos e publicações expedidos pelaSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI) do Ministério daEducação (MEC) que tem como premissa desenvolver programas, projetos e ações pautados na PolíticaNacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva. A partir dessa política, os alunosconsiderados público-alvo da educação especial são aqueles com deficiência, transtornos globais dodesenvolvimento e com altas habilidades/superdotação (BRASIL, 2008).3 Almeida, 2004; Antunes, 2008; Oliveira, 2010; Lopes, 2010; Boer, 2012; Mendes, 2013; Veltrone, 2013.4 Floriani; Fernandes, 2008; Malacrida; Moreira, 2009; Heredero, 2010; Leite; Martins, 2010; Marques;Duarte, 2011. 5 Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares – Estratégias para a Educação de Alunoscom Necessidades Educacionais Especiais (BRASIL, 1998), as Diretrizes Nacionais para a EducaçãoEspecial na Educação Básica (BRASIL, 2001) e a Política Educacional de Educação Especial naPerspectiva da Educação Inclusiva (BRASIL, 2008). 6 O AEE é um serviço da Educação Especial e a sua função é complementar ou suplementar a formação doaluno, disponibilizando serviços, recursos de acessibilidade e estratégias que excluem as barreiras para suaplena participação na sociedade e no desenvolvimento da sua aprendizagem. Desta forma, as atividadesdesenvolvidas no AEE devem ser diferentes daquelas realizadas na sala de aula regular, não substituindo aescolarização, e devem estar articuladas com a proposta pedagógica do ensino comum (BRASIL, 2008).7 Essas adaptações são consideradas de pequeno porte porque a responsabilidade de adaptar o currículo éexclusiva do professor, não dependendo do consentimento e da ação de qualquer outra instância superior,nas áreas política, administrativa e/ou técnica (BRASIL, 2000b).

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4. Referências Bibliográficas

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ARANHA. Maria Salete Fábio. Integração Social do Deficiente: análise conceitual e metodológica.Temas em Psicologia [online], Ribeirão preto, vol. 3, n. 2, p. 63-70, ago. 1995. Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_pdf&pid=S1413-389X1995000200008&lng=pt&nrm=iso&tlng=pt>. Acesso em: 10 Jan. 2016.

ARANHA. Maria Salete Fábio. Paradigmas da relação da sociedade com as pessoas comdeficiência. Revista do Ministério Público do Trabalho, Marília, ano XI, n. 21, p. 160-173, mar.2001. Disponível em:<http://www.centroruibianchi.sp.gov.br/usr/share/documents/08dez08_biblioAcademico_paradigmas.pdf>. Acesso em: 04 Jan. 2016.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 2006.Diário Oficial da União: Presidência da República: Casa Civil: Subchefia para Assuntos Jurídicos,Brasília, DF, 1996. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm>. Acessoem: 10 jan. 2016.

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