Relações Dialógicas no Primeiro Movimento do Concerto de Câmara de György Ligeti

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Anais do XXI Congresso da ANPPOM 2011 Comunicação - COMPOSIÇÃO RELAÇÕES DIALÓGICAS NO PRIMEIRO MOVIMENTO DO CONCERTO DE CÂMARA DE GYÖRGY LIGETI Thayane de Oliveira Ferreira (UFMG) [email protected] Oiliam José Lanna (UFMG) [email protected] Resumo: A partir do pressuposto de que o dialogismo é um fenômeno concernente à produção de toda obra musical, este artigo pretende realizar um levantamento de algumas das relações dialógicas presentes no primeiro movimento do Concerto de Câmara de György Ligeti, evidenciadas através da apropriação crítica do problema serial, da concepção formal bartokiana, do cânone mensurado de Ockeghem, do timbre de movimento experimentado no estúdio de música eletrônica e através de referências a tendências centrais da linguagem composicional ligetiana, como a micropolifonia e a música mecânica. Palavras-chave: György Ligeti, Concerto de Câmara, dialogismo, música textural. Dialogical relations in the first movement of the Chamber Concerto by György Ligeti Abstract: Starting from the assumption that dialogism is a phenomenon pertinent to the production of musical works, this article surveys some of the dialogical relationships present in the first movement of the Chamber Concerto by György Ligeti. These dialogical relationships are made evident by Ligeti‟s critical appropriation of the serial problem, his Bartók-inspired formal conception, the mensuration canon of Ockeghem, the timbre of movement experienced in the electronic music studio and the central references and tendencies of Ligeti‟s compositional language, such as micropolyphony and mechanical music. Keywords: György Ligeti, Chamber Concerto, dialogism, textural music. 1. Dialogismo na obra musical Este artigo tem como premissa a orientação dialógica inerente a todo discurso. A partir das reflexões bakhtinianas sobre o dialogismo e da amplitude desse conceito no domínio da Análise do Discurso, o que aqui se busca é uma aproximação, uma transposição para o domínio dos estudos musicológicos do conceito de dialogismo constitutivo da linguagem. Este primeiro conceito de dialogismo refere-se ao pressuposto de que “todos os enunciados no processo de comunicação são dialógicos” (FIORIN, 1996, p. 19), o que significa dizer, referindo-se ao modo de funcionamento da linguagem, que um enunciado se constitui a partir de outros enunciados. O enunciado, por sua vez, é uma unidade real de comunicação, dotado de sentido, destinatário e intenção, de tal modo que, por um lado, é uma réplica e, por outro, é uma unidade que se constrói a partir de uma expectativa de resposta. Tal como ocorre com um enunciado, uma obra musical é constituída por um concerto de multivozes, considerando o amplo diálogo que estabelece com o contexto em que se insere e cujos fios dialógicos a permeiam, sendo a maneira como cada obra estabelece esse diálogo o que lhe confere sua singularidade. Na concepção da obra musical, operam sobre a mesma o contexto de sua contemporaneidade, a tradição musical e as expectativas geradas pela atuação da obra no mundo. Assim como um enunciado, uma obra

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  • Anais do XXI Congresso da ANPPOM 2011 Comunicao - COMPOSIO

    RELAES DIALGICAS NO PRIMEIRO MOVIMENTO DO

    CONCERTO DE CMARA DE GYRGY LIGETI

    Thayane de Oliveira Ferreira (UFMG) [email protected]

    Oiliam Jos Lanna (UFMG) [email protected]

    Resumo: A partir do pressuposto de que o dialogismo um fenmeno concernente produo de toda

    obra musical, este artigo pretende realizar um levantamento de algumas das relaes dialgicas presentes

    no primeiro movimento do Concerto de Cmara de Gyrgy Ligeti, evidenciadas atravs da apropriao

    crtica do problema serial, da concepo formal bartokiana, do cnone mensurado de Ockeghem, do

    timbre de movimento experimentado no estdio de msica eletrnica e atravs de referncias a tendncias centrais da linguagem composicional ligetiana, como a micropolifonia e a msica mecnica.

    Palavras-chave: Gyrgy Ligeti, Concerto de Cmara, dialogismo, msica textural.

    Dialogical relations in the first movement of the Chamber Concerto by Gyrgy Ligeti

    Abstract: Starting from the assumption that dialogism is a phenomenon pertinent to the production of

    musical works, this article surveys some of the dialogical relationships present in the first movement of

    the Chamber Concerto by Gyrgy Ligeti. These dialogical relationships are made evident by Ligetis critical appropriation of the serial problem, his Bartk-inspired formal conception, the mensuration canon

    of Ockeghem, the timbre of movement experienced in the electronic music studio and the central

    references and tendencies of Ligetis compositional language, such as micropolyphony and mechanical music.

    Keywords: Gyrgy Ligeti, Chamber Concerto, dialogism, textural music.

    1. Dialogismo na obra musical Este artigo tem como premissa a orientao dialgica inerente a todo discurso.

    A partir das reflexes bakhtinianas sobre o dialogismo e da amplitude desse conceito no

    domnio da Anlise do Discurso, o que aqui se busca uma aproximao, uma transposio

    para o domnio dos estudos musicolgicos do conceito de dialogismo constitutivo da

    linguagem. Este primeiro conceito de dialogismo refere-se ao pressuposto de que todos os enunciados no processo de comunicao so dialgicos (FIORIN, 1996, p. 19), o que significa dizer, referindo-se ao modo de funcionamento da linguagem, que um enunciado se

    constitui a partir de outros enunciados. O enunciado, por sua vez, uma unidade real de

    comunicao, dotado de sentido, destinatrio e inteno, de tal modo que, por um lado,

    uma rplica e, por outro, uma unidade que se constri a partir de uma expectativa de

    resposta.

    Tal como ocorre com um enunciado, uma obra musical constituda por um

    concerto de multivozes, considerando o amplo dilogo que estabelece com o contexto em

    que se insere e cujos fios dialgicos a permeiam, sendo a maneira como cada obra

    estabelece esse dilogo o que lhe confere sua singularidade. Na concepo da obra musical,

    operam sobre a mesma o contexto de sua contemporaneidade, a tradio musical e as

    expectativas geradas pela atuao da obra no mundo. Assim como um enunciado, uma obra

  • espera sempre uma compreenso responsiva ativa, constri-se para uma resposta, seja ela uma concordncia ou uma refutao (Op. cit., p. 32).

    Com esse entretecido de fios dialgicos coincide a abordagem da forma musical

    do compositor Gyrgy Ligeti, segundo a qual

    o sistema da forma musical e de suas transformaes na Histria pode ser comparado a uma

    imensa rede que se estende no curso do tempo: cada compositor continua a tecer a rede

    gigante de um determinado lugar, criando emaranhados e ns novos que sero, por sua vez,

    continuados ou afrouxados e tecidos de um outro modo pelo prximo. H lugares onde o

    tecido no continua, mas , ao contrrio, rasgado: ele retomado em seguida com novos

    fios e de um novo ponto aparentemente desligado da estrutura prvia do tecido. Mas, se observado com mais afastamento, percebe-se um fio quase transparente se enrolar sem que se note os rasges: mesmo o que parece desprovido de relao e de tradio entretm uma

    ligao secreta com o passado (LIGETI, 2001, p. 152, traduo nossa).

    Tomando como referncia a imagem da rede dialgica, aqui apresentada uma

    abordagem do primeiro movimento do Concerto de Cmara para treze instrumentistas

    (1969-1970) de Gyrgy Ligeti, a fim de mapear a pluralidade de vozes presentes no texto

    musical, vozes referentes a tendncias centrais da linguagem ligetiana ou oriundas da

    tradio musical europia.

    2. Concepo da forma musical Segundo o musiclogo Clestin Delige, a crtica da poca teria feito referncia

    exaustivamente ao Concerto de Cmara, especialmente ao primeiro movimento, como

    msica aleatria, tendncia composicional qual Ligeti parece nunca ter se filiado

    (DELIGE, 2003, p. 501). Ao contrrio, numa discusso (1958) com Harald Kaufmann em

    torno da msica serial, Ligeti chega a algumas concluses que acabariam por influenciar

    sua concepo da forma musical. Partindo do pressuposto de que quanto mais integral a pr-

    formao das relaes seriais, maior a entropia da estrutura resultante, e considerando o

    nivelamento da forma na msica serial prximo ao da msica aleatria, Ligeti opta pelas

    propriedades que acreditava serem aquelas efetivamente determinantes da resultante sonora,

    em vez de investir em mtodos composicionais atravs dos quais poderia controlar essas

    propriedades no mais que parcialmente ou ao acaso (BERNARD, 1987, p. 209). Por esse

    motivo, Delige aborda a questo da apropriao crtica do problema serial por Ligeti

    enquanto um no-serialismo, o qual deve ser entendido no sentido da filosofia do no de Bachelard: uma negao por excedente de um estado de coisas cujas bases ou ao menos seu esprito so conservadas (DELIGE, 2003, p. 501).

    Se o dilogo com a msica serial pode ser estabelecido atravs da apropriao

    crtica ou negao de um pensamento sobre a concepo da forma, a presena de outras

    vozes bastante evidente na estruturao formal do primeiro movimento. Observa-se, nele, uma significativa coincidncia com a estruturao formal da fuga do primeiro

    movimento da Msica para cordas, percusso e celesta (1936) de Bla Bartk,

    coincidncia que se estabelece num nvel prximo ao da citao. Em ambos os movimentos,

    h uma lenta evoluo dos materiais constitutivos da textura em direo a um ponto

    culminante um longo Mi bemol sustentado em amplo registro de oitavas, articulando a estrutura formal a partir da proporo urea.

  • 3. Tipos texturais Considerando a relao que Clestin Delige estabelece entre a j citada

    aleatoriedade, apontada pela crtica a propsito do Concerto de Cmara e as diferentes velocidades de fluxo presentes especialmente no primeiro movimento (DELIGE, 2003, p. 510), levando em conta consideraes de Michael Searby (1989) a respeito dos tipos

    texturais presentes nessa obra como um todo e recorrendo ao exame da partitura do

    primeiro movimento, mapeamos dois tipos texturais principais, excluindo os fragmentos

    meldicos que despontam em vrios momentos do movimento e a textura coral que se

    segue ao ponto articulatrio mencionado na seo anterior. Se por um lado, a presena

    desses dois ltimos pontua uma fase da linguagem composicional ligetiana caracterizada

    pela inteno de elaborar texturas menos densas do que aquelas presentes em passagens de

    textura micropolifnica, como as de Atmosphres, possibilitando o uso de harmonias mais

    claramente perceptveis e uma maior percepo das linhas individuais, a predominncia dos

    dois tipos texturais principais coloca o Concerto de Cmara num lugar da culminncia em

    relao a caractersticas de linguagem centrais da obra ligetiana (SEARBY, 1989, p. 34): a

    micropolifonia e a msica mecnica.

    3.1. Textura Micropolifnica Na micropolifonia Ligeti faz uso do cnone saturado, elaborado basicamente a

    partir de uma densa superposio de vozes, cujas linhas meldicas so geralmente

    constitudas de intervalos de segundas maiores e menores, de durao elstica, gerando um

    cluster cromtico que capaz de anular a identidade das linhas individuais e que coopera

    para a percepo de uma massa sonora complexa de carter esttico, dotada de

    transformaes texturais bastante lentas. O termo esttico empregado muitas vezes por

    Ligeti ao se referir micropolifonia. Para o compositor,

    a caracterstica formal dessa msica [micropolifnica] parecer esttica. A

    msica parece estar imvel, mas isso meramente uma iluso: dentro dessa imobilidade, dessa qualidade esttica, h mudanas graduais: eu poderia

    pensar aqui numa superfcie de gua na qual uma imagem refletida; ento

    essa superfcie de gua gradualmente perturbada e a imagem desaparece,

    mas muito, muito gradualmente. Subsequentemente a gua se acalma

    novamente e ns vemos uma imagem diferente. Isso , claro, meramente uma

    metfora ou associao (LIGETI apud HUSLER, 1998, p. 390, traduo

    nossa).

    Interessante notar que, em depoimento gravado em documentrio (FOLLIN,

    1993), Ligeti emprega a mesma imagem referente superfcie da gua, referindo-se

    msica de Ockeghem e fazendo um cotejamento com sua prpria linguagem. Para o

    compositor, tanto na polifonia de Ockeghem quanto em sua micropolifonia encontramos

    uma aparente discrepncia entre o que ouvido e o que est anotado na partitura, posto que,

    se a resultante sonora parece esttica para a percepo ou dotada de transformaes muito lentas , um olhar mais atento para a escritura revela as construes secretas que sustentam a cpula da forma (LIGETI, 2001, p. 157). Quanto a essa aparente contradio, Michel observa que, se por um lado esses elementos no devem ser percebidos

    separadamente, exceto em casos pontuais, de acordo com a inteno do compositor, por

    outro lado cada detalhe importante para a construo de uma estrutura global determinada

    pela combinao desses microcomponentes (MICHEL, 1985, p. 219).

    Em Ockeghem, um exemplo de complexidade da escrita cannica

    representado pela Missa Prolationum, na qual o compositor trabalha as vozes superpondo

    diferentes velocidades, procedimento sugerido pelo prprio ttulo da obra. Num tratamento

  • cannico desse tipo, o cnone mensurado, as relaes entre as vozes podem ser simples de aumentao ou de diminuio , complexas ou estabelecidas atravs da combinao de vrios processos, relaes estas que podem ser indicadas mediante a anteposio de dois ou mais sinais mensurais a uma nica melodia escrita (GROUT & PALISCA, 2007, p. 196). No caso da Missa, todas as sees so construdas em cnones duplos mensurais,

    como se observa, apenas para citar um exemplo, nos compassos iniciais do Kyrie I.

    Tratamento semelhante pode ser encontrado na textura inicial do primeiro movimento do

    Concerto de Cmara, se considerarmos a submisso da mesma srie de alturas a diversas

    subdivises da unidade de tempo, cuja superposio acaba por diluir a percepo da

    pulsao e gera uma grande densidade temporal devido quantidade significativa de

    ataques por segundo, ocasionando sua fuso numa superfcie fluida e flutuante, tal como

    essa textura se revela na escuta.

    Fig. 1: Textura micropolifnica nos compassos 1 a 3 do primeiro movimento do Concerto de Cmara.

    3.2. Texturas Mecnicas Da textura micropolifnica, que se estende do compasso 1 ao 19, passa-se a

    outro tipo textural, anunciado nos compassos 7 e 18, o qual est relacionado a uma outra

    faceta importante da linguagem ligetiana, denominada msica mecnica. Ligeti relaciona

    sua obsesso por padres mecnicos, entre outros fatores, leitura, em sua infncia, de um

    conto de Gyula Krudy, cujo enredo consiste na histria de uma viva que, apesar de viver

    numa casa repleta de relgios e outros instrumentos de medio tiquetaqueando sem parar,

    assistia ao melanclico decorrer do tempo sem que nada ocorresse na histria (LIGETI

    apud CLENDINNING, 1993, p. 193). Esse tipo textural, que predomina desde o compasso

    19 at se diluir num trinado que precede o ponto articulatrio no compasso 38 e parece

    dialogar com o concerto clssico, no que se refere ao uso desse ornamento para sinalizar o

    final da cadncia, foi descrito por Clendinning (Op. cit., p. 194-195) como uma textura

    composta pela superposio de vrios padres de ataques muito curtos em diferentes

    velocidades. Aqui, uma aproximao com o conceito de mobilidade no-evolutiva de Dante

    Grela nos pareceu possvel. Esse conceito se refere ao efeito que produzido medida em

    que uma sequncia de eventos sonoros no direcionada para fora do campo inicial,

    geralmente reduzido, do qual se originou, como ocorre, por exemplo, com o ostinato

    (GRELA, 1989, p. 34-35). No entanto, se a configurao rtmica do padro permanece

    imutvel, aproximando-se da reiterao de padres rtmicos dentro de um campo restrito de

    alturas, a resultante sonora obtida pelas mudanas muito graduais de altura, seja pela adio

    ou supresso de uma ou outra nota, alm das eventuais transformaes timbrsticas,

    revelam, no caso ligetiano, uma lenta evoluo textural.

  • Quanto aos tipos mecnicos presentes no Concerto de Cmara como um todo, Michael

    Searby (1989, p. 31) distingue dois tipos texturais: o primeiro tipo, relativo articulao

    senza tempo, o mais rpido possvel, que este autor relaciona a uma possvel verso

    granulada do desenvolvimento em cluster, dialogando, portanto com a prpria textura

    micropolifnica, e a que Delige relaciona, por exemplo, a uma cadenza de Rapsdia

    Hngara, de Liszt (DELIGE, 2003, p. 510), e o segundo tipo, formado pela interao

    simultnea de vrias linhas regulares individuais com subdivises diversas de unidades de

    tempo.

    Fig. 2: Recorte da superposio de dois tipos texturais mecnicos nos compassos 32 e 33 do primeiro

    movimento do Concerto de Cmara.

  • 3.3. O timbre de movimento e a catalisao dos tipos texturais As contradies que se estabelecem entre o que se escuta e o que se l em uma

    partitura ligetiana, mencionadas nas sees anteriores, tiveram, na transposio para a

    orquestra de um fenmeno experimentado no estdio eletrnico ocasio da colaborao de

    Ligeti com Koenig na elaborao de Essay (1957), um importante elemento catalisador (CATANZARO, 2005, p. 1254). O timbre de movimento, ou Bewegungsfarbe, foi a forma

    como Koenig nomeou um fenmeno atravs do qual se obtm no somente um efeito de

    simultaneidade dos ataques que de fato so sucessivos, como tambm uma nova qualidade

    sonora, ao lidar com duraes inferiores ao limite de fuso que corresponde a um vigsimo

    de segundo. Isso significa que um fenmeno rtmico uma sequncia sonora muito rpida de valores inferiores ao limite de fuso se transforma em fenmeno timbrstico, de modo que o ritmo no mais percebido como movimento, mas como estado estacionrio

    (LIGETI, 2001, p. 187).

    A transposio do fenmeno do timbre de movimento do estdio eletrnico

    para a orquestra acabou ainda por implicar em intensificao timbrstica, posto que os

    instrumentos produzem sons complexos, diferentes dos sons sinusoidais habitualmente

    empregados nas composies eletrnicas da poca. Ligeti tinha a inteno de compor para

    orquestra utilizando esse fenmeno enquanto meio voluntrio de expresso, a fim de obter

    transformaes conscientes da textura e no flutuaes fortuitas como ele tinha observado

    em obras do sculo XIX embora no se tivesse conscincia desse fenmeno nessa poca , como no final da Walkyrie de Wagner, onde o timbre de movimento no passa de um sub-

    produto da orquestrao (LIGETI, 2001, p. 199). Uma aplicao consciente do timbre de

    movimento pode ser encontrada, apenas para citar um exemplo, no terceiro compasso da

    figura 1, em que os intervalos entre treze dos trinta e nove ataques catalogados neste

    compasso se encontram abaixo do nvel de fuso. O timbre de movimento ser ainda mais

    complexo em diversos outros trechos, que contam com a superposio de diversos tipos

    texturais, j individualmente muito densos.

    4. Consideraes Finais Se, em alguns momentos, a voz do outro se apresenta com certa evidncia no

    primeiro movimento do Concerto de Cmara, como no emprego do caracterstico Mi bemol

    enquanto elemento articulatrio da forma, em outros momentos est a tal ponto integrada,

    diluda, que, semelhana do que ocorre em um texto literrio, incorpora-se ao discurso, na

    busca de novos sentidos. No caso do primeiro movimento do Concerto de Cmara,

    conforme demonstramos, o no-serialismo, a aproximao formal com a Msica para cordas, percusso e celesta de Bartk, a assimilao de caractersticas do cnone

    mensurado de Ockeghem, a transposio do fenmeno do timbre de movimento do estdio

    eletrnico para a msica instrumental, as referncias a tendncias centrais da prpria

    linguagem do compositor a micropolifonia e a msica mecnica compem um fino tecido de relaes dialgicas, uma incorporao de vozes diversas no processo de

    concepo da linguagem musical ligetiana.

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