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CENTRO UNIVERISTÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO UNISAL- CAMPUS MARIA AUXILIADORA DANIELA CRISTINA SUNIGA QUAIATTI REFUGIADOS NO BRASIL E SUA CONTRIBUIÇÃO NA ONG ABRAÇO CULTURAL: UMA ESCUTA EM EDUCAÇÃO SÓCIOCOMUNITÁRIA AMERICANA/SP 2017

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CENTRO UNIVERISTÁRIO SALESIANO DE SÃO PAULO

UNISAL- CAMPUS MARIA AUXILIADORA

DANIELA CRISTINA SUNIGA QUAIATTI

REFUGIADOS NO BRASIL E SUA CONTRIBUIÇÃO NA ONG ABRAÇO

CULTURAL: UMA ESCUTA EM EDUCAÇÃO SÓCIOCOMUNITÁRIA

AMERICANA/SP 2017

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Daniela Cristina Suniga Quaiatti

REFUGIADOS NO BRASIL E SUA CONTRIBUIÇÃO NA ONG ABRAÇO

CULTURAL: UMA ESCUTA EM EDUCAÇÃO SÓCIOCOMUNITÁRIA

Dissertação apresentada ao Programa de

Pós-graduação em Educação do Centro

Universitário Salesiano de São Paulo –

UNISAL – como partes dos requisitos de

qualificação para a obtenção do título de

Mestre em Educação sob a orientação do

Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa.

AMERICANA/SP 2017

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DANIELA CRISTINA SUNIGA QUAIATTI

REFUGIADOS NO BRASIL E SUA CONTRIBUIÇÃO NA ONG ABRAÇO CULTURAL: UMA ESCUTA EM EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu do Centro Universitário Salesiano de São Paulo, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Mestre em Educação – área de concentração: Educação Sociocomunitária. Linha de pesquisa: A intervenção educativa sociocomunitária: linguagem, intersubjetividade e práxis. Orientador: Prof. Dr. Severino Antônio Moreira Barbosa

Dissertação defendida e aprovada em 15 de dezembro de 2017, pela comissão julgadora:

__________________________________________ Profa. Dra. Claudia Regina Alves Prado Fortuna – Membro Externo

Universidade Estadual de Londrina – UEL

__________________________________________

Prof. Dr. Francisco Evangelista – Membro Interno Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL __________________________________________ Prof. Dr. Severino Antonio Moreira Barbosa – Orientador Centro Universitário Salesiano de São Paulo – UNISAL

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Dedico este trabalho ao meu marido Marcelo pela compreensão e apoio; a todos os

refugiados residentes no Brasil e espalhados pelo mundo que tiveram sua trajetória

de vida completamente modificada em busca da sobrevivência e da esperança de

encontrar a paz.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus por permitir que mais um objetivo de vida seja concluído.

Agradeço aos meus pais por proporcionar o acesso a informação, o conhecimento e

me incentivar aos estudos e me motivar sempre ir em busca de meus objetivos de

vida tanto nos aspectos profissionais e pessoais. Ao meu marido Marcelo, pois sem

sua ajuda e cuidado com nossos filhos, a dedicação a este trabalho não seria

possível.

Aos amigos Ana Paula Bizuti, Cristiano Franco, Marcus Ignatti, Fábio Pozati, Renato

Melo, Paulo César Pontara e Maurício Cassar pelo apoio.

A todos os envolvidos e profissionais da Abraço Cultural que me ajudaram desde o

início, aos profissionais da ACNUR em São Paulo, a Márcia Leite da Editora Pulo do

Gato, todos profissionais extremamente dedicados a causa dos refugiados e com

um olhar sério e com compaixão a estes sujeitos, o meu reconhecimento.

A artista Vera Ferro pelo trabalho belíssimo e sensibilidade de criar a exposição

REFUGIADOS, onde são obras que demonstram sua inquietação com este tema tão

atual e pertinente a todo planeta.

Ao professor e amigo Pedro Carlos de Carvalho pelo seu apoio, incentivo e por ser o

meu mentor na co-autoria de livros juntamente com sua participação; uma honra.

Ao longo do programa de Mestrado tive a oportunidade de conhecer e fazer amizade

com pessoas especiais e que estarão para sempre em minhas memórias e em meu

coração, cito dentro eles; Flávio Marcos, Jéssica Freitas, Tânia Salgado Tozi, Mara

Lima, Mayara Chenedezi, João Leopoldo Padoveze, Leila Fernandes, Heloísa e

Sergio Salgado, Maria Isabel Oliveira, Mariza, Fernanda Argentin, Sarah Weiller,

Vagner Ferreira e Vaníria Felippe.

Não poderia esquecer de alguns professores muito importantes que foram grandes

mestres e incentivadores, Profª Sueli Caro, Prof. Renato Soffner, Prof. Eduardo

Chaves, Prof. Francisco Evangelista. Ao meu orientador, Prof. Severino Antônio

Moreira Barbosa, o mestre maior que me ajudou desde o começo, me guiou em

meus estudos e pesquisas para este projeto; mestre que mudou minha vida com

suas conversas e conselhos que colorem a vida, acalentam nossos corações e

transformam a vida numa poesia. Certamente levarei a contribuição de cada um

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destes professores para que eu possa aprimorar meus conhecimentos e ser uma

pessoa e profissional melhor.

Lição de coisas

nunca vamos aprender

a irmandade das coisas?

quando vamos recordar

que o existir mais miúdo

traz a saudade de Deus?

Severino Antonio

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EXPOSIÇÃO REFUGIADOS – Vera Ferro - Campinas.

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RESUMO

Esta pesquisa aborda uma experiência educativa com refugiados na Abraço

Cultural, organização não governamental situada na cidade de São Paulo, e

professores que lá estão, oriundos em sua maioria da Síria, Benim, Senegal,

Guiné, Costa do Marfim, Cuba, Congo, Haiti e Venezuela. Analisa e interpreta a

troca de experiências, valorização humana e cultural de refugiados residentes no

Brasil e reflete sobre como a relação intercultural possibilita a quebra de barreiras

culturais e permite desconstruir preconceitos, acolher e respeitar estes sujeitos.

Revela a sua prática e a inserção dessas pessoas na comunidade. Este trabalho

discorre sobre de que forma a ética e a ecologia dos saberes podem influenciar o

processo de aprendizado e a interação social e comunitária. Como referencial

teórico, dialoga com Edgar Morin e a Ética Planetária, com Boaventura de Sousa

Santos e a Ecologia dos Saberes, com Severino Antonio em relação à Ética e

Educação, com Paulo de Tarso Gomes e Manuel Isaú a respeito da Educação

Sóciocomunitária. Como instrumento de pesquisa utilizou-se a pesquisa de

campo através de narrativas, entrevistas e diálogos realizados com membros

pertencentes à organização pesquisada. Participam desta pesquisa três sujeitos:

um refugiado sírio, professor e coordenador do curso de árabe; uma

coordenadora do curso de inglês e uma aluna do curso de francês. Para a

discussão dos resultados, foi realizada uma construção, analise e interpretação

dos diálogos. O resultado da pesquisa mostrou que na Abraço Cultural, a Ética

Planetária e a Ecologia dos Saberes desenvolvem um papel fundamental na

transformação e inclusão dos refugiados no Brasil, assim como a educação

sociocomunitária é fundamental no acolhimento e na emancipação desses

professores na sociedade brasileira.

Palavras-chave: Educação Sóciocomunitária, Refugiados, Ecologia dos saberes,

Ética.

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ABSTRACT

This research deals with an educative experience with refugees in Abraço Cultural, a

non-governmental organization located in the city of São Paulo, and teachers there,

mostly from Syria, Benin, Senegal, Guinea, Cote d'Ivoire, Cuba, Congo, Haiti and

Venezuela. It analyzes and interprets the exchange of experiences, human and

cultural valuation of refugees residing in Brazil and reflects on how the intercultural

relationship allows the breakdown of cultural barriers and allows deconstructing

prejudices, welcoming and respecting these subjects. It reveals their practice and the

insertion of these people into the community. This paper discusses how ethics and

the ecology of knowledge can influence the learning process and social and

community interaction. As a theoretical reference, he dialogues with Edgar Morin and

Planetary Ethics, with Boaventura de Sousa Santos and the Ecology of Knowledge,

with Severino Antonio in relation to Ethics and Education, with Paulo de Tarso

Gomes and Manuel Isaú on Socio-Community Education. As a research tool, field

research was used through narratives, interviews and dialogues with members

belonging to the researched organization. Three subjects participated in this study: a

Syrian refugee, teacher and coordinator of the Arabic course; an English course

coordinator and a French language course student. For the discussion of the results,

a dialog was constructed, analyzed and interpreted. The research results showed

that in the Cultural Embrace, Planetary Ethics and the Ecology of Knowledge play a

fundamental role in the transformation and inclusion of refugees in Brazil, just as

socio-community education is fundamental in the reception and emancipation of

these teachers in Brazilian society.

Key-Words: , Education sócio -communitarian, Refugees, Knowledge Ecology, Ethic.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACNUR – Alto Comissariado da ONU para Refugiados.

ATADOS – Plataforma social que conecta pessoas e organizações, facilitando o

engajamento nas mais diversas possibilidades de voluntariado.

CONARE – Comitê Nacional para os Refugiados.

ONU – Organização das Nações Unidas.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e a

Cultura.

UNRWA - Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da

Palestina.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................... 12

PRIMEIRO CAPÍTULO – UMA TRAJETÓRIA EM BUSCA DO APRENDIZADO, DA

EVOLUÇÃO E DOS SABERES ( MEMORIAL) ........................................................ 16

SEGUNDO CAPÍTULO - EDUCAÇÃO SÓCIOCOMUNITÁRIA, ÉTICA

PLANETÁRIA E ECOLOGIA DE SABERES .............................................. 28

2.1 – Educação Sociocomunitária .......................................................................... 28

2.2 – Ética Planetária ............................................................................................. 34

2.3 - Amorevolezza ................................................................................................ 39

2.4 -Ecologia dos Saberes ..................................................................................... 42

2.5 -Concepção Intercultural dos Direitos Humanos .............................................. 46

2.6 -Diálogo Intercultural ........................................................................................ 48

TERCEIRO CAPÍTULO – UM OLHAR SOBRE OS REFUGIADOS ...................... 533

3.1 – Histórico ........................................................................................................ 53

3.2 - Quem são os refugiados? .............................................................................. 53

3.3 - Agência da ONU para refugiados ................................................................ 54

3.4 - Plataforma Atados..........................................................................................55

3.5 - Quais são os direitos de um refugiado? ......................................................... 55

3.6 – Refugiados no mundo ................................................................................... 56

3.7 - Refugiados no Brasil603.8 - Dados sobre o refúgio no Brasil:

............................................................................................................................... 62

3.9 - Exposição refugiados ................................................................................... 64

3.10 - Principais Conflitos: ................................................................................... 677

3.10.1 - Guerra na Síria .................................................................................... 677

3.10.2 - Guerra no Congo ................................................................................. 688

3.10.3 - Guerra na Costa do Marfim ................................................................... 69

3.10.4 - Haiti .......................................................................................................69

3.10.5 - Venezuela .............................................................................................. 70

QUARTO CAPÍTULO - DIVERSIDADE CULTURAL – SUJEITOS QUE

CONTRIBUEM PARA A ECOLOGIA DOS SABERES ............................................ 72

4.1 -Delineamento Metodológico ........................................................................... 72

4.2 - Pesquisa de Campo: ...................................................................................... 74

4.2.1 - Abraço Cultural ........................................................................................ 74

4.2.2 - Missão da Abraço Cultural: ...................................................................... 75

4.2.3 - Visão: ....................................................................................................... 75

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4.2.4 - Valores: ................................................................................................... 75

4.2.5 - Abracinho: ............................................................................................... 76

4.3 – Material Didático ........................................................................................... 76

4.4 - Capacitação de professores ......................................................................... 77

4.5 - Instrumentos de Construção de Dados ......................................................... 77

4.6- Caracterização dos Sujeitos ............................................................................79

4.7 - Diálogos com os sujeitos ................................................................................82

CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................................... 86

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ......................................................................... 89

ANEXOS: ............................................................................................................... 933

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INTRODUÇÃO

A única arma para melhorar o planeta é a Educação com ética.

Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por

sua origem ou ainda por sua religião. Para odiar as pessoas

precisam aprender, e se podem aprender a odiar, elas podem

ser ensinadas a amar. Nelson Mandela

As migrações internacionais são parte de um processo de enriquecimento

cultural, social e econômico. No entanto, nos últimos cinco anos, a persistência ou

agravamento de conflitos armados fez com que o número de refugiados

ultrapassasse o triste recorde da Segunda Guerra Mundial. Ao final do ano de 2016,

havia no mundo quase 65,3 milhões de deslocados forçados, em sua maioria em

decorrência de conflitos armados. Isso nos permite afirmar que o mundo hoje vive

umas das maiores crises humanitárias da história.

O objetivo deste trabalho foi conhecer o refugiado, professor de língua

estrangeira, na Abraço Cultural, organização não governamental situada na cidade

de São Paulo, a partir da intepretação de suas vivências, memórias, pluralidades,

buscando compreender como este sujeito pensa, sente e troca experiências

culturais junto com a comunidade. Vale destacar que fui envolvida com este tema, a

partir do momento em que ouvi uma notícia na Rádio CBN falando deste projeto com

os refugiados e o ensino de língua estrangeira para os brasileiros.

O interesse e o gosto por assuntos humanísticos e de voluntariado sempre

me motivaram e despertaram minha curiosidade para um olhar mais profundo e com

compaixão e solidariedade. Tento olhar para este tema com um sentimento de

bastante empatia, observando de que forma esses indivíduos, que tiveram sua

trajetória de vida totalmente modificada, comprometem-se a iniciar uma nova

jornada em um país com uma cultura e língua radicalmente diferentes de sua

origem. É uma tarefa desafiadora, pois para conhecê-los, entender como se dá a

troca de saberes e a interação com a comunidade, é preciso primeiro identificar

quais deles estão abertos a compartilhar sua história, falar de suas memórias e

ganhar sua confiança para desenvolver o diálogo.

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A busca por vivências transformadoras, que colaboram com a partilha de

experiências e saberes e nos fazem enxergar um mundo mais humano, sempre

despertou meu interesse. Isso sempre me estimula a ser um sujeito transformador

dos ambientes em que vivo e que vivi.

As várias realidades culturais, múltiplas histórias de vida, numa rede

complexa de saberes e experiências, que produz intersubjetividades e

conhecimentos e que contribui como agente transformador de uma comunidade,

reforça que são instrumentos importantes para a educação sociocomunitária.

A experiência de conhecer a Abraço Cultural, ter contato com os professores

refugiados, saber mais sobre a ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), Editora

Pulo do Gato, Atados (Plataforma Social que conecta pessoas e organizações,

facilitando o engajamento nas mais diversas possibilidades de voluntariado), me

permitiu uma nova perspectiva, novas possibilidades. Todo esse conhecimento

construído através desta pesquisa tem feito com que enxergasse uma nova

dinâmica de pensamento e interatividade entre os sujeitos, repensasse a ética

planetária e solidificasse uma construção da ecologia dos saberes.

A metodologia utilizada neste trabalho foi a pesquisa qualitativa. A pesquisa

de campo tem como sujeito principal o refugiado professor, dialogando com ele

sobre suas experiências e suas contribuições para a comunidade, foram ouvidas as

vozes da coordenadora pedagógica de inglês e de uma aluna do curso de francês, e

a Abraço Cultural como instituição que promove a troca de saberes e a construção

de uma nova dinâmica entre os refugiados e a comunidade.

A instituição objeto de estudo é a Abraço Cultural, situada na cidade de São

Paulo e os professores que lá estão são refugiados oriundos em sua maioria da

Síria, Benim, Senegal, Guiné, Costa do Marfim, Cuba, Congo, Haiti e Venezuela.

Foram realizadas diversas conversas informais com outros coordenadores

pedagógicos e alguns alunos da instituição. Foram realizadas várias visitas à

ACNUR (escritório São Paulo), à ONG Atados e a referida Instituição Abraço

Cultural; para conhecer a dinâmica das aulas, a coordenação pedagógica e os

professores.

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As visitas na instituição foram caracterizadas pela empatia, conhecimento dos

professores e alunos, geração de confiança por parte dos professores, uma vez que

a história de vida de cada um é pautada por momentos muito difíceis, traumáticos e

que devem ser respeitados. Muitos não querem falar a respeito de sua história de

vida, já outros falam com mais tranquilidade sobre suas trajetórias, no entanto, todos

são unânimes em falar sobre a importância da Abraço Cultural como mudança de

perspectiva de vida e inserção na sociedade, e o recomeço num novo país.

Pelo caráter inovador, pela iniciativa do projeto e por estar num ambiente

acadêmico, em que a educação sóciocomunitária é a área central do curso de

Mestrado em Educação, acredito ser um tema fecundo para o curso, além de ser um

assunto que agregará muito para mim pessoalmente. Posto isto, percebe-se a

importância da educação sócio comunitária, da solidariedade e da troca de

experiências culturais e de vida num processo de aprendizado.

Estes pontos são aprofundados ao longo de quatro capítulos que refletem um

olhar cuidadoso sobre os refugiados no Brasil, sua contribuição sociocomunitária e

cultural às comunidades e de que forma a ética, ecologia dos saberes e a

amorevolezza1 navegam nestes ambientes construindo uma visão transformadora.

No primeiro capítulo apresento uma trajetória recheada de memórias,

reflexões, encontros e desencontros em busca do aprendizado, da evolução e dos

saberes. No segundo capítulo, evidencio a ética, ecologia dos saberes e a

amorevolezza e suas bases transformadoras da educação sócio comunitária. Neste

capítulo referencio Boaventura de Sousa Santos (2010), com a ecologia dos

saberes; Edgar Morin (2011), com a ética planetária; Scaramussa (1979), o conceito

de amorevolezza; Severino Antônio (2010) a ética e educação.

No terceiro capítulo apresentaremos os refugiados, seus direitos e a sua

posição no mundo e no Brasil, com a intenção de chamar a atenção para esta que é

a maior crise humanitária da história presente. Os dados referenciados são de

origem da ACNUR (Agência da ONU para Refugiados).

No quarto capítulo, com a pesquisa de campo, por meio de entrevista e

diálogos com os sujeitos pertencentes à Abraço Cultural as conversas e a troca de

1 Os dois componentes da expressão italiana amorevolezza, apresentados como um “misto de racionalidade e

de compreensão humana”. (Santos 2000, p.173 apud Lima 2017, p.82)

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saberes e as formas de aprendizagem de um novo idioma em busca de uma

educação sensível e transformadora, daremos visibilidade a instituição e traremos a

voz do refugiado, demonstrando de que maneira a educação sociocomunitária, a

ecologia dos saberes e a ética podem contribuir para a emancipação dessa

comunidade e dos agentes envolvidos.

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PRIMEIRO CAPÍTULO – UMA TRAJETÓRIA EM BUSCA DO APRENDIZADO, DA

EVOLUÇÃO E DOS SABERES (MEMORIAL)

“Apelo a todos os que pertencem à geração do século 21 ser

determinada a criar um mundo de paz. Use sua inteligência de uma

forma positiva, para cultivar o calor humano que pode ser o

catalisador da mudança construtiva. Quando o sistema de ensino

incentiva só objetivos materialistas com pouca preocupação com os

valores humanos universais, cultivar a compaixão pode fazer toda a

diferença”

Dalai Lama

Minhas considerações aqui partem de recordações conservadas na memória

que ora estão muito latentes e ora encontram-se quase apagadas. Abrir este baú de

memórias no processo de elaboração desse memorial possibilitou um encontro

comigo mesma nas diferentes situações de uma trajetória composta por idas e

vindas, encontros e desencontros, sabores e dissabores, reflexão e conversa com

meus pensamentos. A reflexão sempre me levou a um silêncio, este sempre muito

bom e entusiasmante que me levava a palavras, expressões, argumentações,

discernimento e abertura de novas possibilidades através dos pensamentos.

Rememorar este período de minha vida é fazer emergir as memórias da

vivência, do desejo, da fantasia.

Sempre fui uma criança que recebeu muito amor de meus pais, uma

convivência deliciosa com minhas irmãs e um carinho recebido pelos meus avós

paternos de onde vem doces lembranças da infância de todos estes atores.

Gostava de brincar de faz-de-conta, criar personagens e histórias, transformar

um objeto em outro utilizando assim, o suporte da minha imaginação sempre com

minha irmã do meio. Sim, pois minha irmã mais nova chegou quando eu já tinha 14

anos, causando um rebuliço e uma nova dinâmica na casa e na vida de duas irmãs

adolescentes.

Voltemos a minha infância; imaginar, construir e brincar: quantas

possibilidades vivenciei junto com minha irmã e com meus amigos em casa e na

escola.

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Gostaria de abordar uma parte da minha vida bastante importante e que foi

determinante para minha formação e entendimento de quem me tornei hoje.

Nasci com uma malformação congênita, a fenda palatina ou conhecida

popularmente pela goela de lobo. A abertura pode atingir todo o céu da boca e a

base do nariz, estabelecendo comunicação direta entre um e outro. O fechamento

completo é realizado em etapas, a fim de assegurar a integridade do arcabouço

ósseo e a funcionalidade da musculatura de oclusão, assim como para evitar a

deficiência de respiração e a voz anasalada. Em geral, primeiro se fecha o palato

ósseo anterior para alongá-lo, para depois dar continuidade ao tratamento.

Na verdade, o tratamento é o longo onde iniciei as cirurgias com 2 anos de

idade, tendo mais uma cirurgia ao longo de minha infância e só terminou com 12

anos de idade com a cirurgia definitiva e com a consolidação total dos ossos da

face, aos dezessete, dezoito anos. Durante todo esse tempo, fui acompanhada por

especialistas em diferentes áreas, especialmente por cirurgiões plásticos,

otorrinolaringologistas, foniatras, fonoaudiólogos e ortodontistas.

Nos dias atuais, a ultrassonografia tornou possível fazer o diagnóstico das

fendas labiopalatinas a partir da 14ª semana de gestação. Existem muitas

possibilidades de tratamento após o nascimento da criança e ainda grande parte dos

diagnósticos, porém, continua sendo realizada depois do parto.

As fissuras palatinas são a causa de problemas de saúde que incluem má

nutrição, distúrbios respiratórios, de fala e audição, infecções crônicas, alterações na

dentição. Da mesma forma, elas provocam problemas emocionais, de sociabilidade

e de autoestima.

Apesar sempre ter tido o apoio, o incentivo e a motivação de meus pais e

minha irmã, sofri muito preconceito no período escolar, alguns colegas me

chamavam de “voz do pato Donald” por ter a voz fanha e eu era também uma garota

muito tímida e detestava fazer leituras em sala de aula ou apresentar trabalhos por

conta de minha voz.

Dentre algumas lembranças que tenho da infância são as idas constantes em

médicos, infecções de garganta frequentes, fonoaudiólogas, exames e no Hospital

de Reabilitação de Anomalias Crânio Faciais em Bauru (conhecido como Centrinho

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de Bauru USP) onde conheci o Dr. Diógenes Rocha, cirurgião plástico responsável

pela minha última cirurgia, homem pelo qual tenho uma gratidão e carinho gigantes.

Posto isto, vamos continuar a mexer no meu baú de memórias.

Ano de 1980: aos quatros anos ingressei no maternal na escola Dom Barreto,

localizada no município de Campinas/SP. Mundo novo, cheio de novidades. Adorava

ir à escola porque me sentia importante, porque tinha amigos e achava a escola

muito legal.

Mas o ano de 1988 foi o ano mais importante da minha vida escolar; foi o ano

que fiz a cirurgia definitiva no fechamento da fenda palatina nas férias de julho e

onde em agosto voltei repaginada; com minha “nova voz”. Me sentia única, cheia de

mim, querendo falar, fazer leituras em sala de aula. Mas isso não foi o

preponderante neste ano, nesta 5ª série tínhamos uma professora especial,

diferenciada, Professora Rita, que lecionava português e gramática, nos apresentou

coisas novas; livros, autores, filmes, histórias que me fazia viajar, refletir e que até

hoje são especiais para mim e marcantes.

Sempre me lembro dela, com um carinho e uma saudade, mesmo sabendo

que ela não faz mais parte deste plano, vive agora junto com outros seres de luz.

Inesquecível! Ela quem me entregou o diploma de conclusão do primeiro grau:

quanta alegria!

Foi ela quem me apresentou o filme O CARTEIRO E O POETA, onde vimos

no cinema Paradiso em Campinas, foi ela quem me apresentou o filme HISTÓRIA

SEM FIM, foi ela quem levou nossa sala aula em 1990, quando foi minha professora

novamente na 8ª série, assistir o filme SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS na

biblioteca da escola.

Através dela, conheci um autor que faria diferença em mim, mais tarde,

Rubem Alves. A professora Rita sempre nos colocava textos, indicava livros, fazia

reflexões e nos dava atividade referentes a este autor. Talvez à época pela pouca

idade e pela imaturidade própria da adolescência, não imaginava que os

ensinamentos dela fariam diferença e seriam latentes em mim.

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Estas imagens que vem nas lembranças são imagens que ficam na

saudade.... É assim que sinto ao rememorar o tempo de escola, quanto

aprendizado, conhecimento!

Sempre gostei muito das disciplinas de português, geografia e história e é

claro no colegial quando tive contato com a disciplina de literatura, que me abriu as

fronteiras para outros pensamentos.

Ser professora: a surpresa do inesperado à convicção de uma certeza...

Memória: lugar onde guardo o que vivi e o que sonhei viver. Rememorar o

período em que optei pela profissão de professora significa trazer à tona ideários e

concepções do que é desenvolver este papel. A escolha pela docência se deu em

2007. Era uma época em que não sabia ao certo o que queria. Sabia apenas o que

não queria: ir e voltar para São Paulo todos os dias e continuar a fazer meu trabalho

como gestora de negócios, neste último caso, não que eu não gostasse, mas eu

precisava de algo novo, desafiador, que me proporcionasse novamente a sede pelo

conhecimento e o silêncio agradável das reflexões...

Conclui minha graduação em Administração de empresas em junho de 2000

pela UNIP Campinas, em fevereiro de 2001 comecei o MBA em Marketing pela

ESPM onde em dezembro de 2002 conclui o que sempre desejei durante a

faculdade, cursar a ESPM.

Em 1996 comecei minha vida profissional em uma empresa da família, foi um

período de grandes descobertas e vivências pessoais e profissionais para mim.

No ano de 2003 fui para cidade de São Paulo, gerir um escritório da família,

onde fiquei até maio de 2007. Minhas atividades consistiam em atendimento ao

cliente, gestão administrativa da empresa, gestão financeira e fiscal. Ainda no ano

de 2006 comecei a procurar por outras áreas na expectativa de encontrar esta nova

atividade que me desafiasse e me ofertasse outras visões sobre minha vida pessoal

e profissional, foi quando fui chamada pela escola técnica MICROLINS para

ministrar aulas nos cursos de rotinas administrativas e atendimento ao cliente. O

início deste período me trouxe a certeza de que eu tinha encontrado a atividade a

qual eu realmente me identificava, me transformava entre uma aula e outra. Em

fevereiro de 2007 fui chamava para lecionar na Faculdade de Vinhedo no curso de

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graduação de administração de empresas – vejam só; eu lecionando no curso de

administração de empresas. Ao ver as perguntas, as atenções e os comportamentos

dos alunos eram capazes de produzir eu pensava: será que estou preparada de fato

para dar aula? Tornei-me mais forte, mais atenciosa, mais sedenta por informação e,

conhecimento, mais próxima desse mundo da educação. Percebi que minha

dedicação aos estudos, minha busca pelo conhecimento não era em vão e eu tinha

o conhecimento e a vivência profissional! Que bacana e estimulante eram estas

combinações. Foi quando descobri como os alunos são interessantes, como

estabelecem relações, possuem argumentações consistentes, como são

espontâneos, afetivos, verdadeiros e carentes. Essas são virtudes que descobri ali,

bem próxima ao olhar, aos gestos, às expressões e ao comportamento daqueles

jovens.

A docência não me ensinou a lidar com as interrogações dos alunos que não

eram pautadas do conteúdo das disciplinas, também não aprendi a lidar com

situações inusitadas: como desabafos de alunos durante a aula, aconselhamento

aos alunos a respeito de sua vida pessoal e profissional, pedidos de conselhos

amorosos. Por que essas situações aconteciam? Como deveria atuar? Afinal. Qual

era a concepção que acreditava? Qual era o papel do professor? Ele não seria um

referencial e responsável pela formação do aluno? Ou somente um transmissor de

informação e conteúdo?

Foi neste momento que me lembrei de alguns professores que tive na

graduação que me marcaram e estão vivos em minha lembrança pela bagagem de

conhecimento no assunto de determinada disciplina, outro por nos despertar a

realizar desejos e sonhos, outro por dizer a frase mantra dele “ o simples é o difícil”,

outro por sempre dizer “ faça aquilo que você goste e se identifique e trabalhar será

sempre prazeroso”, este último se tornou um grande amigo e meu conselheiro de

vida e profissão: Prof. Pedro Carlos de Carvalho. Suas aulas sempre eram lotadas e

todos nós ficávamos atentos por cada história que ele contava acerca dos assuntos

da disciplina de recursos humanos e, é claro, que nestas lembranças, a presença da

professora Rita, sempre muito marcante em minhas memórias.

Foi nesse momento que, realmente, comecei a ler mais e mais, assistir a

filmes e documentários, estudar e a estar atenta a cada experiência vivida, a cada

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conceito estudado, porque isso poderia se tornar fonte de conhecimento e troca de

ideias em sala de aula.

Assim, descobri o quão é importante o papel do professor na vida de um

aluno, seja ele criança, jovem ou adulto. Foi o período em que comecei a entender

de que a docência se tornou parte de mim e que lecionar, estar em sala de aula era

altamente prazeroso. O interesse por dar continuidade aos estudos emergiu e,

comecei a participar de congressos, cursos de menor duração.

Neste tempo também me casei, os dois filhos vieram, fiquei um pouco

afastada da docência por conta da maternidade, abrimos um negócio em família, e a

saudade da vivência da sala de aula, da presença dos alunos, dos conceitos e dos

estudos, vinha crescendo numa velocidade absurda. Precisava voltar, eu queria

voltar, precisava respirar o ar do conhecimento, da docência e dos alunos de novo.

Entendi, que era o momento em continuar efetivamente os estudos, agora

através de um mestrado, onde eu pudesse ter outros conhecimentos, entender a

profissão que escolhi e que pertence a mim. Por isso escolhi a área da educação e

cheguei até a UNISAL em Americana para tecer ideias, buscar o entendimento deste

tema que me fascina.

Estou tendo a oportunidade de compreender um pouco mais a natureza da

educação, ampliar o leque de leituras e autores, produções e ingressar numa rotina

diferenciada com reflexões, pensamentos nunca antes visitados por mim.

Conhecer autores como Edgar Morin, Paulo Freire, Severino Antônio, Sônia

Kramer, Adélia Prado, Boaventura de Sousa Santos, Paulo de Tarso Gomes foi

transformador e revigorante. O mestrado me mostra que estou no lugar certo e na

hora certa.

O leque de conhecimento ampliou-se de maneira gigantesca, mas sem perder

de vista o mundinho da sala de aula.

Toda vivência adquirida, conhecimento absorvido nesse universo de

possibilidades, aprendi a selecionar o que serve para minha atuação. O que não

serve, não é descartado, muito pelo contrário, me ajuda a argumentar, a entender o

diferente, a interpretar o que não é aceito. Isso me fez entender que precisamos

conhecer as distintas concepções e práticas presentes no campo educacional, a

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maneira de abordar determinados assuntos e a importância de não se prender a

“preconceitos conceituais”.

Devo relatar aqui um “encontro de almas” acontecido no mestrado. Professor

Severino Antônio. Acredito que ele tenha um papel fundamental na minha vivência e

em minhas descobertas no curso. Homem e mestre de uma sensibilidade incrível,

capaz de nos levar a universos nunca antes imaginados, suas explanações, sua

serenidade – dizemos que é um homem que não caminha, flutua!

Através de suas disciplinas; seminário de pesquisa, antropologia da

linguagem e história da educação comecei a perceber o quanto tenho ainda a

aprender, a conhecer e a entender do mundo literário, do mundo da escrita e das

reflexões.

Em nossas várias conversas, tive oportunidade de ouvir atentamente suas

orientações, suas conversas e seus conselhos. Descobri no meio disso que ele teve

oportunidade de conviver com Rubem Alves, eram companheiros de profissão. A

maneira de olhar o mundo do professor Severino, o que ele acredita, suas ações vão

muito de encontro ao que eu acredito e está altamente relacionado com meu tema

de pesquisa.

Minha procura por um tema de pesquisa...

Cheguei na UNISAL com um tema a ser proposto e desenvolvido que hoje

percebo que não me provocava ou me entusiasmava. Fui com o tema que tinha em

linhas gerais entender como o aluno chega no mercado de trabalho após a

graduação e o que o mercado espera deste aluno, o intuito era entender e estudar

esta lacuna tão grande. Sim, o tema era interessante, mas não me seduzia...

Confesso que elaborar meu passado e tentar apresenta-lo como um texto

repleto de sentidos e sentimentos não é tarefa fácil.

Estou tentando fazer até aqui! Nessa trajetória, com certeza, ficaram para trás

fatos importantes que poderiam dar outro tom às memórias, ampliar contextos,

reformular passagens, mas neste tempo, esses foram os caminhos que indicaram a

minha procura, nos diferentes momentos da vida, por tudo aquilo que sempre quis

conquistar, até chegar ao mestrado. Uma escolha, também, repleta de dúvidas no

decorrer do percurso anterior ao ingresso, que se deu em fevereiro de 2016. Estou

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numa outra dinâmica de vida, tenho a grade horária na universidade repleta de

aulas, tenho meu lado mulher, meu lado esposa, meu lado mãe (dois filhos

pequenos) e neste papel tento me esforçar de maneira única para ser a melhor mãe,

será que daria conta de encaixar mais uma atividade nesta rotina?

Estava e continuo estando motivada, animada. Cheguei no mestrado com

minha bagagem de experiências de um passado vivo, rupturas, avanços,

retrocessos, alegrias, tristezas, encontros, desencontros, respeito, esperança,

confiança, segurança e crença no ideário de que tudo é possível.

Foi com este projeto inicial que consegui ingressar no Mestrado em

Educação. Este é um momento em que fiquei muito feliz! Quanto merecimento!

Estava eu de volta aos estudos, respirando e ansiando por mais e mais

conhecimento.

Só que o tema inicial não me atraia. Eu precisava de algo de maior sentido,

algo que estivesse alinhado com meus sentimentos, que despertasse o desejo de

pesquisa. Foi quando em uma de minhas caminhadas (sim, acredito que caminhar

oxigena o cérebro e nos impulsiona à reflexão e ao pensamento e de onde tiramos

muitas soluções para nossas inquietações) ouvindo Gilberto Dimenstein, na rádio

CBN – Capital Humano, falando sobre uma fundação em São Paulo que estava

capacitando refugiados no Brasil a serem professores de língua estrangeira para os

brasileiros, Abraço Cultural. Fiquei fascinada com a reportagem, comecei a ir atrás

de sites, notícias e informações a respeito do que tinha ouvido na rádio. Tinha tudo à

ver; educação, influência cultural e de linguagem e a questão sócio comunitária. E a

cada informação conquistada, uma vibração e alegria diferente! O melhor, trataria e

poderia me relacionar com pessoas das mais diversas culturas, experiências. Mas

sabia também que poderia me deparar com histórias de vidas cruéis, trágicas, por se

tratar de um drama humanitário do século XXI e que o mundo não está sabendo

como lidar com isto. Uma migração, um êxodo nunca antes visto desde a Segunda

Guerra Mundial.

A partir daí, comecei a levantar tudo o que fosse relacionado ao tema, fui

visitar e frequentar o Abraço Cultural, tenho contato com os professores, com os

alunos, com as pedagogas. E o professor do curso que ficou tocado, curioso e quis

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ser meu orientador neste projeto não poderia ser outro que não fosse o professor

Severino, quanta alegria!!

Importante destacar que neste percurso, realizei algumas disciplinas que me

fortaleceram teoricamente frente ao objeto de estudo e que fazem muita relação com

ele. Com o Prof. Dr. Renato Soffner, estudei “Epistemologia e Educação”, Teoria do

Conhecimento com a participação sempre especial do Prof. Dr. Eduardo Chaves,

onde fui apresentada ao mundo e as teorias da educação e da pedagogia.

Seminário de Pesquisa, como já citei anteriormente, com o Prof. Dr. Severino

Antonio, que com sua didática e sua didática única, nos ensinou e nos orientou os

passos da elaboração de um projeto de pesquisa e sempre nos clareava a cada aula

nossos principais anseios e dúvidas. Da mesma maneira “Antropologia da

Linguagem” com o professor Severino, onde tive uma elucidação sobre a relação de

cultura, educação e linguagem. Foi nesta disciplina que ampliei os horizontes e

conheci autores nunca antes visitados por mim. “Psicologia Social” com a Profª Drª

Sueli Caro, embora a disciplina fosse voltada a uma linha psicológica, o fato de

estudarmos a interação social e o pensamento social, muito me ajudou no processo

de entendimento das relações humanas e na psicologia social para entender este

grupo de refugiados e entre outros grupos sociais com os quais convivemos.

As discussões em todas as aulas fizeram-me refletir sobre meu papel

enquanto pesquisadora iniciante que quer abraçar o mundo! Assim, a todo o tempo,

fui pensando sobre o contexto das ideias que estão imersas em minha pesquisa e

como a pergunta surge no momento em que tais ideias circulavam. Isso me ajudou a

pensar e delinear os procedimentos metodológicos na relação com o referencial

teórico assumido. Estou fazendo entrevistas, aplicarei questionários, estou em

campo e confronto informações. Tais procedimentos foram consequências deste

referencial, visto que toda prática muda conforme o tempo e o espaço que ocupam.

Morin e Boaventura de Sousa Santos tem sido autores muito lidos, estudados e

discutidos, sendo estes utilizados em minha pesquisa ao discorrer sobre ética

planetária e a ecologia dos saberes. Confrontar conceitos e autores tem sido

primordial na construção dos capítulos que abrangem esse projeto.

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A elaboração do projeto também trouxe à tona a importância de estudar o que

não se sabe, sendo esse o aspecto que parece constituir um pesquisador. Isso tem

acontecido comigo: quanto mais eu conheço, mais vontade de conhecer eu fico, não

dominava o tema da pesquisa, tinha medo, mas procurava o que não estava

perdido, mas que me era desconhecido, quanto mais eu conheço, mais sede de

conhecimento eu tenho!

Me fortaleci diante do objeto da pesquisa e na construção de texto que

delineou a pesquisa que será aqui apresentada, diante de outras já realizadas. O

aprendizado em grupo e em sala de aula, debatemos, apresentamos nossas

pesquisas, nossas contribuições, quanto aprendizado!

As situações ilustradas neste memorial buscam recuperar “minha procura” no

percurso de uma trajetória, reconhecendo mundos que nasciam a cada fase vivida.

Hoje percebo, ainda que timidamente, que toda minha trajetória permeada

pela persistência, assim como pelas disciplinas cursadas neste período do

mestrado, pelos artigos escritos para congressos, seminários, capítulos de livros,

pelas extensas e empolgantes conversas com os colegas de classe, as orientações

sábias, profundas, compreensivas e direcionadas pelo meu orientador constituem-se

como elementos únicos que foram responsáveis para chegarmos à concretização da

pesquisa, sempre em processo, com um título provisório “Os refugiados no Brasil e

sua contribuição sócio cultural no ensino de língua estrangeira às comunidades”,

mas que na finalização da dissertação foi alterado para “Refugiados no Brasil e sua

contribuição na ONG Abraço Cultural: uma Escuta em Educação Sóciocomunitária”.

É nesse ponto que hoje me encontro: com uma pesquisa que contém um

assunto inesgotável, que se transforma ao longo da história, a cada dia novas

descobertas e a humanidade buscando meios para que o mundo se transforme num

lugar melhor e com menos preconceito e descobrindo que a educação é a única

ferramenta capaz de modificar todo este “embrólio”.

Acredito que hoje vivemos num mundo melhor do que há anos ou séculos

atrás, apesar de presenciarmos inúmeros casos de intolerância étnica, racial,

religiosa dentre outras. O planeta caminha na busca de um mundo mais tolerante, a

humanidade tem procurado formas de viver e conviver mais pacificamente entre os

povos, com o meio ambiente, particularmente eu acredito muito nisso e pratico a

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ideia de que para termos um mundo melhor, cada um deva fazer a sua parte. Sou

otimista e acredito na humanidade, precisamos nos guiar por bons exemplos.

Apesar de toda transformação que vivenciamos e de situações ruins que

presenciamos, não devemos e não podemos perder a esperança: é preciso

acreditar, “arregaçar as mangas”, lutar e realizar pelo que acreditamos.

Estou buscando a cada dia por mais contribuições para o prosseguimento

deste projeto. Nesta busca tive oportunidades incríveis conhecendo pessoas que me

agregaram muito para a construção desta pesquisa e para agregar ainda mais

conhecimento sobre o tema dos refugiados e da educação. Dentre elas, cito Marcia

Leite, diretora da Editora Pulo do Gato, mulher que respira educação e acredita que

a literatura pode transformar o mundo, as crianças e os jovens, dando uma visão

ampla de todos os aspectos, incentivando a busca por respostas de questões

desafiadoras da humanidade. Outra mulher admirável é a artista Vera Ferro, artista

de Campinas que com sua sensibilidade e visão atual vem trabalhando há mais de

dois anos em desenhar, pintar sobre o tema do refúgio. Este tema provoca tanta

inquietação em Vera que a arte foi o veículo para expressar seus sentimentos em

relação aos refugiados. Ambas me receberam com muita generosidade e

receptividade.

Conhecer as pedagogas, os professores da Abraço através de várias visitas

realizadas, conversas informais e entrevistas me fez refletir sobre vários aspectos

sobre a vida, sobre o Brasil, sobre o homem e a sociedade e de como o

conhecimento em seus diversos aspectos podem nos transformar e transformar o

mundo. A visão de mundo dos refugiados onde vai de encontro com que a

humanidade busca “ser feliz”.

Assim tentei buscar a maior quantidade de informações e contribuições para

meu projeto. Foi e tem sido uma experiência fantástica conhecer todas estas

pessoas que de uma forma ou de outra contribuíram e muito para esta dissertação.

Tentei acolher a voz destes sujeitos da maneira mais carinhosa e respeitosa

possível, embutir a sensibilidade que acredito que seja umas das coisas mais

pulsantes em mim em toda a execução deste trabalho. Não sei se é a melhor

dissertação, mas é um projeto com a “minha cara” que expressam a minha visão de

mundo e meus valores.

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O pensamento é um passeio da alma, coloquei meu pensamento em

movimento através de minhas percepções e de minhas memórias para analisar,

interpretar o tema sobre educação, experiências interculturais e refugiados.

Este trabalho um dia se transformará na continuidade das minhas memórias e

sua contribuição em minha vida pessoal e profissional é inenarrável. O mundo está

em constante transformação e o que vivi durante toda a minha vida e durante o

mestrado me possibilita dizer que dentro de mim existe uma vida sem fim.

Encerro este memorial com uma letra de uma canção de Lulu Santos e

Nelson Mota que faz todo o sentido e que é muito significante para mim:

COMO UMA ONDA

Nada do que foi será

De novo do jeito que já foi um dia

Tudo passa

Tudo sempre passará

A vida vem em ondas

Como um mar

Num indo e vindo infinito

Tudo que se vê não é

Igual ao que a gente viu a um segundo

Tudo muda o tempo todo

No mundo

Não adianta fugir

Nem mentir pra si mesmo agora

Há tanta vida lá fora

Aqui dentro sempre

Como uma onda no mar

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SEGUNDO CAPÍTULO - EDUCAÇÃO SÓCIOCOMUNITARIA, ÉTICA

PLANETÁRIA E ECOLOGIA DE SABERES

Pela primeira vez, o homem realmente compreendeu que ele é um

habitante do planeta e talvez deva pensar ou agir segundo um novo

prisma, não apenas sob o ponto de vista individual, familiar ou de

gênero, estatal, ou de grupos de Estados, mas também sob o prisma

planetário. V. Verdnadski

Uma das intenções desta pesquisa é a de expor, através de algumas vozes e

diálogos, a minha visão de educação e, para mim, uma das inspirações são as

torres de ideias e novas proposições de Edgar Morin (2011) para pensar a educação

em uma rede planetária.

A necessidade de compreensão profunda de uma ética complexa num tempo

de crise de referências e perplexidade, em que precisamos nos adaptar a várias

coisas novas que estão surgindo no mundo, é um grande desafio da travessia do

homem no cotidiano.

A reflexão sobre a ética permite repensar o sentido do conhecimento e da

cultura, dirigindo-nos a uma valorização da educação em termos de formação que

transcende o espaço da escola e nos liga novamente ao sentido da vida como um

todo, ao espaço que habitamos, a cidade onde vivemos, a sociedade que ajudamos

a formar com todas as nossas ações.

2.1- EDUCAÇÃO SOCIOCOMUNITÁRIA

Em diálogo com as ideias e os sujeitos desta dissertação podemos perguntar

qual o sentido da educação sóciocomunitária? Para responder este questionamento

devemos fazer algumas reflexões, não somente por ser o eixo temático do curso de

Mestrado da Unisal, mas pelo sentido bastante amplo com que este tema abrange e

influencia nossas comunidades.

A educação é um dos campos mais importantes da vida social, é o

responsável pela recriação da existência dos seres humanos, é onde a lógica

sociocomunitária precisa aflorar, aparecer. É onde estão presentes os valores

básicos da sociedade e através dela é necessário a socialização e integração.

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É o campo onde aprendemos e ensinamos para conviver e viver, onde

podemos perceber o sentimento de estar vivos e convivendo e interagindo com as

pessoas. “Aprendemos e ensinamos porque precisamos descobrir e criar sentido

para a existência, assim como precisamos recriar a própria existência, junto com os

outros”. (ANTÔNIO, Severino.,2009, p.14)

Severino Antônio reflete que:

Essa poética revela-se reconhecimento da interdependência e da irmandade de todas as coisas e, assim, muitos aspectos, constitui-se inseparável de uma nova ética, de reverência pela vida, de renovado amor pela tessitura de vozes que constituem o real. Representa ainda uma reeducação da sensibilidade e inteligência e, reciprocamente, para que floresça, precisa ser alimentada por novos modos de sentir e de pensar – inclusive novas formas de raciocínio, que se acrescentam à lógica da causalidade linear, e por novos modos de ensinar e aprender, e de viver e conviver. (ANTÔNIO, Severino., 2009, p.14)

A educação pode ser entendida como criação e recriação de sentidos, além

de proporcionar o conhecimento do mundo, o autoconhecimento, a experiência de

ler e escrever.

Os sentidos etimológicos da palavra educação são conduzir, mover e extrair.

Estão ligadas as atividades de informação, instrução, formação e humanização.

Pedagogicamente falando, a educação é responsável pela produção e circulação de

conhecimentos, nas conversas com os sujeitos e como estes recriam a realidade.

“Educar é criação de sentido. Uma atividade de descoberta e construção de

conhecimento. Reconhecemos e produzimos sentido nas interações e diálogos que

configuram o trabalho de educar e educar-se”. (ANTÔNIO, Severino., 2009, p.19)

Esta nova abordagem da educação nos leva a compreender que é necessária

uma educação que seja criadora de sentido, no que tange a um desejo de aprender

e a uma alegria do pensar, compartilhando conhecimento com todos ao nosso redor.

Em termos pedagógicos, essa nova escuta poética ajuda a desenvolver um sentimento que é vitalmente necessário para a educação criadora de sentido, assim como para despertar o desejo de aprender e a alegria de pensar: o sentimento de sermos autores de ideias e de palavras, de sermos sujeitos que elaboram e compartilham conhecimento, junto com outros sujeitos. (ANTÔNIO, Severino.,2009, p. 26)

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Além desta nova abordagem da educação, podemos refletir também sobre a

educação social. A educação social, em seu campo de atuação na sociedade,

promove a educação comunitária por meio da prática dos seus educadores e todos

que nela estão envolvidos. A educação comunitária, por sua vez, fortalece as ações

sociais imprimindo nelas mesmas a legitimação do desenvolvimento da prática da

transformação.

O campo da educação social, até pouco tempo considerado educação não formal, vem mostrar aspectos de grande relevância para a educação integral. Sabe-se, pois que o processo educacional acontece dentro e fora da instituição escolar, mas também não é institucional, pois ocorre em todos os contextos nos quais se desenvolve a vida. É justamente no que a educação social estabelece em suas relações que há condições de se assumir ações transformadoras. (CAMOSSA e CARO, 2009, p.156 apud CARO, 2017, p.257)

“A preocupação com a educação, sem dúvida, remete ao desejo de mudança,

de inovação, de se buscar novos caminhos” (CARO,2017, p.261). De modo

complementar, a educação sociocomunitária amplia o contexto da educação e

envolve a família, a comunidade e a sociedade na responsabilidade do

desenvolvimento humano.

Estuda as possibilidades de emancipação de comunidades e de pessoas em

constituir articulações políticas, expressas em ações educativas, que provoquem

transformações sociais e se fundamenta no reconhecimento da diversidade cultural,

na economia popular, na multiculturalidade, no desenvolvimento da autonomia das

pessoas, grupos e instituições e na promoção da cidadania.

“É muito difícil conceber a educação sem que ela seja por si mesmo também

comunitária e social, se definirmos o homem como um ser social”. (ISAÚ, 2007,

p.07)

Isaú ainda complementa que:

Por educação comunitária, em princípio, seria a educação realizada numa comunidade para viver em comunidade e realizar-se com a participação desta e para o desenvolvimento desta sem descuidar a realização da própria pessoa humana. Já a educação social realiza-se na sociedade, para o desenvolvimento da sociedade, ampliando o âmbito da educação comunitária, pois entendemos que a sociedade é a integração das comunidades em um organismo mais vasto, o “mundo social”, ou “superorganismo”. Em ambos casos a educação individual só se concebe integrada nas duas estruturas, para a própria realização individual. Por isso chamamos de educação sociocomunitária. (ISAÚ, 2007, p.07)

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Segundo Morais (2006, p.47), a educação sociocomunitária é complexa, pois

envolve o ser humano e suas relações com a sociedade ou a comunidade em que

vive, implicando ações e reações de múltiplas ordens; estas, amparadas pela

coexistência e convivência, configuram um processo educacional permanente,

positivo ou negativo, ou seja, emancipador ou opressor, mas constitui um conjunto

efetivo de ações educacionais com suas devidas ações.

Paulo de Tarso Gomes afirma que:

A proposta da investigação em educação sóciocomunitária surgiu do estudo da identidade histórica de uma prática educativa, a educação salesiana. Em suas origens históricas, ela se fundava na articulação de uma comunidade civil – de religiosos e cidadãos comuns – em torno de um projeto educacional, que participou e promoveu transformações sociais em seu tempo e lugar histórico. (GOMES, P. de T.,2008, p.53)

Identifica-se no processo educacional várias intervenções educativas

acontecidas dentro das comunidades resultando em várias transformações sociais.

“A educação sóciocomunitária é, assim, numa primeira visão, o estudo de

uma tática pela qual a comunidade intencionalmente busca mudar algo na

sociedade por meio de processos educativos”. (GOMES, P. de T.,2008, p.55)

As considerações de Groppo vêm ao encontro das reflexões de Gomes:

A educação sociocomunitária é entendida, na qualidade de tema ou “objeto” de pesquisa, como aquelas intervenções educacionais que têm – aos seus propositores, ao menos – claras intenções de impacto social; essas ações tendem a se dar nos ambientes ditos “não formais” de educação, mas podem acontecer também em ambientes formais, como a escola, quando se trata da mobilização da comunidade do entorno da instituição formal. (GROPPO, Luis Antonio, 2013, p.105)

Em uma definição com o poder de síntese, Groppo afirma: “A educação

sociocomunitária trata das ações educativas de impacto social, para além da escola,

ou que envolvem a relação escola-comunidade” (GROPPO, Luis Antonio, 2013,

p.105). O intuito da educação sócio comunitária é contribuir para emancipar, para

trazer a voz as comunidades e pessoas para construir associações políticas que

resultem em ações educativas para transformar a sociedade.

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Luis Antonio Groppo considera que:

Independente do contexto onde se aplica – formal ou não formal, ainda que se destaque, ao menos nos últimos anos, o ambiente não formal – este tipo de intervenção educacional caracteriza-se pelo cultivo do princípio sociocomunitário de relações sociais e humanas. A lógica ou princípio sociocomunitáio caracteriza-se por relações sociais que, ao menos inicialmente, atendem a necessidades propriamente humanas: sobrevivência, cuidado e identidade (em seu viés comunitário) e liberdade, autonomia e criação (em seu viés societário). (GROPPO, Luis Antonio, 2013, p.10)

A lógica comunitária na educação, está presente em processos, ações e

relações educacionais as quais buscam ou constroem elementos pertinentes à

necessidade humana de segurança, cuidado e pertencimento. Segundo Groppo

(2013) a lógica comunitária está presente nas seguintes situações educacionais:

A construção de valores coletivos;

A construção de identidades;

A construção do sentimento de pertença;

A construção de redes e relações de proteção e segurança;

O estímulo à construção de relações de solidariedade socioeconômica

O estímulo à construção de redes de criação artístico – cultural.

A lógica societária está presente na educação em processos, ações e

relações educacionais que buscam ou constroem elementos pertinentes à

necessidade humana de liberdade. Processos, ações e relações educacionais que

dê maior autonomia para o ser humano na condução de suas vidas e destinos.

Segundo Groppo (2013) as lógicas societárias em situações educacionais

promovem:

A capacidade de criticar o que está dado, de modo a “desnaturalizar” as

realidades, por meio de historicização e politização;

O cultivo da interação e da comunicação entre os diversos indivíduos e

grupos que compõem uma dada sociedade;

O cultivo da criatividade e da criação, em situações que buscam a ruptura ou

apropriação criativa, inovadora e mesmo contestadora dos conhecimentos,

valores e obras que compõem o acervo cultural da humanidade.

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Groppo reflete ainda sobre a sociologia da educação:

O olhar da sociologia da educação sociocomunitaria pode e deve ser igualmente interdisciplinar, fazendo o uso do ângulo sociocomunitario – o que aborda as intervenções educativas que mobilizam comunidades em prol de transformações sociais mais amplas – para pensar os múltiplos tópicos e sujeitos da educação, em suas inter-relações, encontros e desencontros. Permite pensar a relação de diálogo, conflito ou hibridação entre os diversos modos de ensinar e aprender e de socialização. (GROPPO, Luis Antonio, 2013, p. 67)

Groppo (2013) discorre ainda sobre as práticas socioeducativas: educação

popular, educação não formal e pedagogia social.

A proposta da educação popular é transformar as estruturas que constituem

as injustiças e desigualdades sociais.

Educação popular é uma prática socioeducativa que busca elaborar e propor um processo de conhecimento, considerando as relações sociais e um dado contexto, com o objetivo de reforçar “[...] o poder de resistência e luta das classes dominantes”, buscando se inserir nos movimentos sociais que já existem e “contribuir para sua dinamização”. (Graciani et.al. 2001, apud Groppo, 2013, p.70)

Já a educação não formal foi criada para que os educadores atuassem em

projetos, instituições e organizações não governamentais que lidavam com

populações empobrecidas ou em situação de miséria, neste caso, tem-se mais

espaço para a prática de atividades esportivas, lúdicas e artísticas. A educação não

formal apresentou uma proposta que enfatizava a metodologia educacional como

seu diferencial. (GROPPO,2013)

Para a pedagogia social os problemas relativos à exclusão dos indivíduos e

grupos sociais precisam ser incluídos por meio de ações educativas para poder

ocorrer transformações nestes sujeitos.

A tendência da pedagogia social é a de promover a institucionalização no interior deste campo educativo, ainda que distinta da institucionalização escolar, pois que são outros os objetivos expressos. Se o objetivo do campo escolar é a aprendizagem de saberes poderosos, no campo das práticas socioeducativas é a “inclusão social”. [...] a pedagogia social – conjunto de valores, saberes e habilidades que constituiriam a doxa desse campo. Enfim, articular um nomos – procedimentos e regras de funcionamento – com o apoio da universidade, do mercado social e do Estado – que emprestam ao campo das práticas socioeducativas legalidade, capital cultural, capital social, capital econômico, etc. (GROPPO, 2013, p.71)

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A educação sociocomunitária e a educação popular têm direções em comum,

porque encontram-se em construção, atuam no campo de práticas socioeducativas,

apoiam-se em diversos tipos de conhecimento, principalmente no respeito aos

diferentes saberes, buscando relações mais abrangentes, num clima de esperança e

amorosidade. Ambas se sustentam em ações educacionais de impacto social, para

além da escola ou que envolvem a relação escola-comunidade.

2.2 - ÉTICA PLANETÁRIA:

Ética é uma das questões mais importantes no contexto de nossa sociedade,

tanto na esfera pública, organizacional, quanto em nossas vidas privadas. Somos

éticos quando refletimos sobre o que fazemos, quando medimos e qualificamos

nossas ações levando em conta o que somos e podemos ser, com base no

reconhecimento do outro, seja ele nosso próximo, a sociedade ou até mesmo o

planeta. Sem a ética não sabemos nos situar em nenhuma esfera de nossas vidas.

Sem a ética nos tornamos alienados, ou seja, figuras desconectadas de uma

reflexão sobre o sentido da vida em sociedade.

Sem pretender uma reflexão mais abrangente deste contexto filosófico, ainda

assim podemos afirmar, impossível pensar em ética sem pensar em convivência.

Seja com as outras pessoas, seja com o mercado, seja com os indivíduos.

Ética é a capacidade de pensar e fazer a partir de um princípio de autonomia

pessoal em que cada sujeito se questiona sobre o que pensa e faz, levando em

conta que o questionamento já é, em si mesmo, pensamento e ação que terá

consequências concretas.

A ética, é, para os indivíduos autônomos e responsáveis, a expressão

do imperativo da religação. Todo ato ético, vale repetir, é, na

realidade, um ato de religação, com o outro, com os seus, com a

comunidade, com a humanidade e, em última instância, inserção na

religação cósmica. Quanto mais somos autônomos, mais devemos

assumir a incerteza e a inquietude e mais temos a necessidade de

religação. Quanto mais tomamos consciência de que estamos

perdidos no universo e mergulhados numa aventura desconhecida,

mais temos necessidade de nos religarmos com nossos irmãos e

irmãs de humanidade. (MORIN, 2011, p. 36)

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Vivemos em uma sociedade caracterizada por uma relação imediata com a

informação e certa ideia de conhecimento que parece não dispor de muito espaço e

tempo para o cultivo da reflexão que nos permitiria a invenção da ética entre nós.

Os relacionamentos já não são baseados em princípios éticos porque

perderam a esfera da interioridade, do autoquestionamento e da crítica social. As

novas tecnologias, a Internet, as Redes Sociais, têm levantado muitas questões que

tanto o campo da filosofia, quanto o da antropologia, da sociologia e da educação

procuram responder.

Perguntar pelo sentido do conhecimento em nossos dias é uma questão que

se torna cada vez mais urgente.

Diante disto, gostaria de refletir com mais profundidade sobre a ética na

educação. Segundo Paulo Freire, um dos maiores intelectuais da Educação do

século XX, a prática educativa tem de ser, em si, um testemunho rigoroso de

decência e de pureza. O ensino dos conteúdos não pode dar-se alheio à formação

moral do educando. Educar é substantivamente formar.

Sem um mínimo de esperança não podemos sequer começar o embate, mas, sem o embate, a esperança, como necessidade ontológica, se desarvora, se desendereça e de torna desesperança que, às vezes se alonga em trágico desespero. Daí a precisão de uma certa educação da esperança. É que ela tem uma tal importância em nossa existência, individual e social, que não devemos experimentá-la de forma errada, deixando que ela resvale para a esperança e o desespero. (FREIRE,2014, p.15)

Estamos falando da ética universal do ser humano, da natureza ética da

prática educativa enquanto prática especificamente humana.É importante lembrar

que o papel da escola é proteger a vida coletiva discente, abrangendo os valores de

solidariedade e a formação da cidadania da convivência na sociedade.

A relação educação, convivência e ética compreende formar pessoas, o que

demanda se fazer bem aquilo que se faz e fazer o bem com aquilo que se faz. É

promover a esperança sempre ativa – sempre tendo como objetivo a seguinte

questão: quais caminhos que devemos seguir para conseguir os valores que

desejamos enquanto sociedade?

A resposta: a prática cotidiana.

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Vida é processo e processo é mudança; o professor que não se reinventa no

cotidiano não consegue acompanhar as mudanças ocorridas na sociedade. Vale

lembrar que a escola não é anacrônica, a escola lida com o contemporâneo, com

mudanças.

A escola precisa se reinventar para se adequar aos novos tempos?

Segundo Severino Antônio (2010), esta reflexão deve ser feita a partir de

duas referências importantes. A primeira é a crise sem precedentes de nossa

civilização, que nos impõe imensos desafios éticos, tantos antigos, agora renovados,

como novos, nunca antes configurados. A ética da interdependência, do cuidado, da

irmandade torna-se essencial para as necessárias mudanças que podem preservar

a vida e humanizar a história. A segunda é a revolução do conhecimento científico,

com suas avalanches de conceitos, desde o início do século XX, que desencadeou

mudanças profundas no modo como compreendemos a realidade e como pensamos

o próprio conhecimento e a cientificidade.

Esta ética se fundamenta no entendimento da interdependência de tudo que

existe, reafirma que existir é coexistir, viver é conviver. A ética da irmandade de

todas as coisas, da interdependência precisa de uma poética, um olhar de empatia,

de cuidado. Esse compreender foi muito bem reconhecido por Edgar Morin,

pensador francês - pai da teoria da complexidade, defende a interligação de todos

os conhecimentos, ao discorrer sobre os nove mandamentos da ética planetária2:

Tomada de consciência da identidade humana comum na diversidade

individual, cultural, de línguas.

Tomada de consciência da comunidade de destino que liga cada destino

humano ao do planeta, até na vida cotidiana.

Tomada de consciência de que as relações entre seres humanos são

devastadas pela incompreensão e de que devemos educar-nos para a

compreensão dos próximos, mas também dos estranhos e distantes do nosso

planeta.

Tomada de consciência da finitude humana no cosmos, o que nos leva a

conceber que, pela primeira vez na sua história, a humanidade deve definir os

2 http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/EdgarMorin.pdf

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limites da sua expansão material e ao mesmo tempo empreender o seu

desenvolvimento psíquico, moral e espiritual.

Tomada de consciência ecológica da nossa condição terrestre, que

compreende nossa relação vital com a biosfera. A Terra não é a soma de um

planeta físico, de uma biosfera e de uma humanidade. A Terra é uma

totalidade complexa física-biológica-antropológica em que a Vida é uma

emergência da sua história e o homem uma emergência da história da vida. A

relação do homem com a natureza não pode ser concebida de maneira

redutora ou separada. A humanidade é uma entidade planetária e biosférica.

O ser humano, ao mesmo tempo natural e sobrenatural, deve buscar novas

forças na natureza viva e física da qual emerge e da qual se distingue pela

cultura, pelo pensamento e pela consciência. Nosso vínculo consubstancial

com a biosfera nos leva a abandonar o sonho prometéico do controle da

natureza pela aspiração ao convívio na terra.

Tomada de consciência da necessidade vital da dupla pilotagem do planeta:

combinação da pilotagem consciente e reflexiva da humanidade com a

pilotagem eco-organizadora inconsciente da natureza.

A prolongação no futuro da ética da responsabilidade e da solidariedade com

os nossos descendentes, de onde a necessidade de uma consciência

teleobjetiva, mirando alto e longe no espaço e no tempo.

Tomada de consciência da Terra-Pátria como comunidade de destino/de

origem/de perdição. A idéia de Terra-Pátria não nega a solidariedade nacional

ou étnica e não tende de forma alguma a arrancar cada um da sua cultura.

Acrescenta aos nossos enraizamentos um enraizamento mais profundo na

comunidade terrestre. A idéia de Terra-Pátria substituiu o cosmopolitismo

abstrato, que ignorava singularidades culturais, e o internacionalismo míope,

que ignorava a realidade das pátrias. Acrescenta à fraternidade a fonte

necessária da maternidade inerente ao termo “pátria”. Nada de irmãos sem

mãe. A tudo isso soma-se uma comunidade de perdição, pois sabemos que

estamos perdidos no universo gigantesco e estamos todos fadados ao

sofrimento e à morte.

Com isto, Edgar Morin propõe uma ética da diversidade, uma ética planetária

consolidada no respeito pelo outro com todas suas diferenças; na solidariedade com

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o outro com a plena satisfação das necessidades de sobrevivência e transcendencia

tanto individual quanto coletiva; como também na cooperação com o outro na

preservação do patrimônios natural e cultural de todos os povos e do planeta.

A condição humana é o ponto central para a compreensão de uma ética

planetária, e para conhecer o humano, é preciso encontrar seu lugar no universo.

Não há espaço para o reducionismo. Somos individuos de uma sociedade e

fazemos parte de uma espécie, mas, ao mesmo tempo em que fazemos parte de

uma sociedade, temos a sociedade como parte de nós, pois desde o nosso

nascimento a cultura nos imprime.

Morin destaca que, ao mesmo tempo em que o ser humano é múltiplo, ele é

parte de uma unidade. Sua estrutura mental faz parte da complexidade humana.

Desta forma, ou vemos a unidade/singularidade e esquecemos a diversidade das

culturas e dos indivíduos, ou vemos a diversidade das culturas e não vemos a

unidade/singularidade do ser humano, sendo que precisamos ver a parte, o todo e a

totalidade. Nós temos os elementos genéticos da nossa diversidade mas também os

elementos culturais da nossa diversidade.Isso nos permite entender a nossa

realidade, nossa diversidade e singulariedade.

Para encontrarmos a ética da compreensão entre as pessoas relacionada à ética planetária é preciso uma compreensão mundial do planeta. É saber compreender antes de condenar, é compreender mesmo aquele que é incapaz de nos compreender (MORIN,2003,p.98).

“ A ética se manisfeta em nós de maneira imperativa, como exigência moral”

(MORIN,2005,p.19). Esse imperativo origina-se de uma fonte interior ao indivíduo,

que se manisfesta como um dever; outra fonte externa, constituída pela cultura e

que tem a ver com a regulação das regras sociais ou de convivência e, também de

uma fonte anterior transmitida geneticamente.

A ética, no entanto, só faz sentido na sua aplicação prática. Nossa atitudes

devem ser amorosas, implica em cuidar do que temos na vida em suas diversas

areas: nós, o planeta e o outro. Exercemos nossa cidadania quando agimos e

participamos de tomadas de decisão, quando somos políticos e democráticos de

maneira efetiva, quando tomamos partido e nos posicionamos criticamente no

espaço em que ocupamos.

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Todo olhar sobre ética deve perceber que o ato moral é um ato individual de

religação; religação com um outro, religação com uma comunidade ,

religação com uma sociedade e no limite, religação com a espécie humana.

É necessário perceber a classe escolar como uma entidade complexa, que

engloba uma variedade de disposições, diferenças sócio-econômicos, emoções e

culturas, ou seja, é um local extremamente heterogêneo. Assim, consideramos ser

este o espaço propício para se dar início a uma transformação dos paradigmas, da

maneira convencional de se pensar o ambiente escolar. É preciso que este contexto

tenha um profundo significado para os alunos.

A educação precisa da participação do indivíduo de modo particular e no

grupo social que está inserida. Devemos colocar em prática uma educação

voltada para a formação dos indivíduos para as relações globais e com a

consciência de que tudo está inserido nas partes e no todo, e que nossas

atitudes e nossas ações definem o nosso futuro3.

2.3 - AMOREVOLEZZA

Outra descoberta desta pesquisa foi repensar a relação educativa numa

relação fraterna e transformar o ambiente de educação numa família. Isso foi

denominado por Dom Bosco por “amorevolezza”.

A mescla entre razão e emoção parece ser uma característica que

fundamenta a educação salesiana, referenciada como “amorevolezza”.

Palavra sem tradução direta para o português era utilizada com cuidado por

Dom Bosco, que buscava nas ações equilibradas e mescladas pela razão,

demonstrar afeto pelos seus meninos. Demonstrar afeto sincero requer

conhecimento e compreensão da realidade humana de cada um. (LIMA,

2017, p.71)

Segundo o site Boletim Salesiano, João Bosco nasceu em Castelnuovo d'Asti,

na Itália, em 16 de agosto de 1815. Perdeu o pai muito cedo, e foi educado pela

mãe, a camponesa Margarida Occhiena, nos princípios da fé e da caridade. Na sua

infância teve seu primeiro sonho profético. Esse sonho foi fundamental para que o

3 Texto adaptado de: SUNIGA, Daniela. Educação e Ética: Repensando a Prática Educativa.In:

BREDDA, Cristiano A. (Org.). EDUCAÇÃO & GESTÃO: Modelos Educacionais e Métodos de Gestão Aplicados à Educação. Campinas/SP. 2017. p. 41-50

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jovem João Bosco percebesse que a educação passava pela confiança, pelo amor,

pelo carinho; uma ideia que o acompanhou por toda a vida.

Dom Bosco foi ordenado sacerdote em 1841, e escolheu como lema para sua

vida religiosa a frase: Da mihi animas cetera tolle (“Dai-me as almas, ficai com o

resto”). Desde o início, dedicou-se aos jovens, especialmente os encarcerados e os

que viviam pelas ruas da Turim recém-industrializada de então, ganhando a vida

com trabalhos esporádicos ou mesmo com pequenos furtos. Para resolver o

problema daqueles garotos, acreditava que era preciso “prevenir e não reprimir”.

Iniciou assim a proposta do Oratório, um espaço em que os meninos podiam

aprender um ofício, brincar e seguir o caminho do bem por meio da religião.

Em um tempo no qual os castigos físicos eram comuns e as crianças eram

tratadas como “adultos pequenos”, Dom Bosco foi um dos primeiros a perceber que

a criança e ao adolescente precisavam ser protegidos e formados para que

assumissem novos projetos de vida. Ele buscava desenvolver cada criança e cada

jovem em sua totalidade e seu sistema educativo unia a qualidade de conteúdos ao

mesmo tempo em que oferecia arte e cultura, formação profissional e

desenvolvimento da espiritualidade.

Também foi inovador em uma pedagogia que colocava o educador como

companheiro e incentivador no processo de aprendizagem do educando. Indicava o

pátio como o melhor lugar para que os educadores estivessem com os alunos e

pedia aos seus professores que tivessem paciência e confiança na juventude, que

se fizessem “respeitar mais do que temer”. O sistema preventivo elaborado por Dom

Bosco baseava-se – como se baseia até hoje – no tripé: razão, religião e

amorevolezza (palavra italiana que pode ser traduzida como “amor educativo”)4.

Scaramussa (1979) afirma que toda ação educativa está condicionada por

determinada visão de homem e de mundo. No caso de Dom Bosco, sua ação

educativa tinha por base uma antropologia teológica marcada pela sua mentalidade

religiosa e sua espiritualidade.

Ação e reflexão seguiam-se e fecundavam-se reciprocamente, numa dialética construtiva, sem muita sistematização, mas unificadas por princípios fundamentais bem claros e por uma orientação de fundo

4 http://www.boletimsalesiano.org.br/index.php/salesianidade/item/6936-dom-bosco-historia-e-carisma

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cristão- católica, com as particularidades da personalidade de Dom Bosco e do seu ambiente. (SCARAMUSSA, 1979, p.105)

A mensagem educativa de Dom Bosco pode ser vista como uma nova

linguagem que não está presa a um tempo ou lugar, é compatível com a realidade e

com a educação de uma rede planetária.

Segundo Scaramussa (1979), as características que evidenciam a

“amorevolezza”:

Familiaridade com os jovens, que significa conviver com eles, confiar neles;

Cordialidade ou profundidade do afeto: o estilo da convivência com os jovens

não é uma simples técnica educativa, mas provém de real e profundo afeto

por eles.

Demonstração do afeto de maneira perceptível pelo educando;

Afeto ativo e sobrenatural pelos jovens, visando o seu crescimento integral;

Afeto incondicional pelos jovens, que permanece apesar de suas faltas e que

se manifesta também na compreensão e na brandura dos castigos;

Afeto equilibrado e racional, jamais conturbado pelo egoísmo sensual ou por

atitudes doentias.

Scaramussa (1979) reflete que a compreensão da “amorevolezza”

compreende os conceitos de amor autentico pelo outro e isto é essencial para o

crescimento e desenvolvimento da pessoa, acrescenta a aceitação incondicional

como facilitador do desenvolvimento de pessoas criativas e felizes. Este estilo

educativo não é autoritário e sim democrático, pois respeita a liberdade da pessoa.

A tolerância, a paciência e a presença afetuosa do educador e seus alunos

conquista a todos e faz do ambiente um local onde as relações são pautadas pelo

afeto. “Uma relação educativa, esta exigia, como base de todo o amor “humano”, a

razão, a racionalidade: amor feito de adaptabilidade e compreensão inteligente”.

(SCARAMUSSA, 1979, p.87)

Além destes aspectos como tolerância, paciência e a afetuosidade, outro

traço marcante da educação salesiana pode ser destacado como a questão da

confiança. Requisito básico para a construção de qualquer relacionamento e exige

um trabalho diário e cuidadoso. “A construção da confiança demanda tempo,

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acompanhamento e consciência da sua fragilidade, ou seja, o tempo excessivo que

a sua construção demanda é inversamente proporcional ao tempo necessário para

sua ruptura” (LIMA, 2017, p.72)

Não existe educação sem a presença da paciência, do afeto e da tolerância,

todos estes andam juntos no processo educativo. Assim como não existe educação

sem a valorização da cultura e a experiência sócio cultural, estas últimas bastante

interessantes e de certa forma colocadas em prática pela ACNUR e defendidas com

muito afinco por Márcia Leite (pedagoga, escritora e coordenadora da Editora Pulo

do Gato). Para ambas, são as boas práticas da educação; a integração da

valorização da cultura e a experiência sócio cultural e a tolerância entre todas estas

áreas que contribuem para o mundo melhor e mais pacífico.

2.4 -ECOLOGIA DOS SABERES

A ecologia dos saberes refere-se ao reconhecimento da infinita pluralidade

dos saberes e da necessidade de valorização dos mesmos para a realização de

ações verdadeiramente emancipatórias. Saberes estes sufocados pelo domínio do

saber científico que supostamente, objetivo e neutro, subsidia a formação de

técnicos mais voltados ao aumento da eficiência e da eficácia, segundo padrões de

medidas da produtividade capitalista, e por consequência, cada vez menos aptos à

reflexão crítica destes próprios padrões ante a nossa atualidade.

Depois de três séculos de prodigioso desenvolvimento científico, torna-se intoleravelmente alienante concluir com Wittgenstein, (...) que a acumulação de tanto conhecimento sobre o mundo se tenha traduzido em tão pouca sabedoria do mundo, do homem consigo próprio, com os outros, com a natureza. Tal fato, vê-se agora, deveu-se a hegemonia incondicional do saber científico e à consequente marginalização de outros saberes vigentes na sociedade, tais como o saber religioso, artístico, literário, mítico, poético e político, em que épocas anteriores tinham um conjunto sido responsáveis pela sabedoria prática (a phronesis), ainda que restrita a camadas privilegiadas da sociedade. (SOUSA SANTOS, 1995)

Ainda sobre a definição da ecologia dos saberes, podemos refletir:

A vocação técnica e instrumental do conhecimento científico tornou possível a sobrevivência do homem a um nível nunca antes atingido ( apesar de a promessa inicial ter ficado muito aquém da promessa técnica), mas, porque concretizada sem a contribuição de outros saberes, prendemos a sobreviver no mesmo processo e medida em que deixamos de saber viver. Um conhecimento anônimo reduziu a práxis à técnica. (SOUSA SANTOS, 1995)

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O avanço dos valores de mercado, acirrados nas últimas décadas com a

consolidação da globalização neoliberal, tem penetrado diversos espaços da vida

social não diferentes nos espaços de aprendizagem. Assim, neste ambiente resta

pouco espaço para saberes e conhecimentos não científicos, dotados de outras

temporalidades e cujos padrões de medições diferem daqueles usualmente aceitos

pela racionalidade cognitivo-instrumental, ligada diretamente ao princípio de

mercado para o qual individualismo e concorrências são centrais (SOUSA SANTOS,

2010).

Sousa Santos (2010) discorre sobre o conceito de razão indolente; um saber

indiferente a tudo aquilo que não lhe convém, que descarta a multiplicidade de

experiências disponíveis e possíveis. Isso acarreta a invisibilidade de todos os

outros saberes que ameaçam a manutenção do seu “status quo”. Baseado nisso, os

movimentos sociais são inviabilizados pela razão indolente por buscarem a

emancipação social, e por serem vistos como ameaças de transformação do “status

quo” instaurado.

O modelo de reprodução e transmissão de conhecimento ideal para a lógica

quantitativa, na qual as áreas como artes, literatura, filosofia e humanidades perdem

espaços por desrespeitar a exigência de proteger o poder opressor. Souza Santos

(2010) diz que os espaços de aprendizagem construíram ou colaboraram para a

“ monocultura do saber”.

Sousa Santos (2010) asserveja que a ciência moderna é o grande

instrumento epistemicida da modernidade, no momento em que arrasa, marginaliza

ou descredibiliza todos os conhecimentos não científicos que lhe são alternativos.

Num enfrentamento ante a esta ciência engessada e opressora, a ecologia

dos saberes engendra-se e passa a ser conceituar como legitimadora de

reconhecimento de infinita pluralidade dos saberes e da necessidade de

conjugações específicas desses saberes para realização de determinadas ações.

“Ecologia a prática de agregação de diversidade pela promoção de interações

sustentáveis entre entidades parciais e heterogêneas”. (SOUSA SANTOS, 2010,

p.105).

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Ecologia de saberes é um conjunto de epistemologias que partem da

possibilidade da diversidade e da globalização contra hegemônicas e

pretendem contribuir para credibilizar e fortalecer os saberes

epistemológicos. (SOUSA SANTOS, 2010, p.154)

Sousa Santos (2010) propõe a Sociologia das Emergências, movimento

transgressivo insulente. Apresenta a existência de cinco monoculturas que

produzem as ausências em nossa racionalidade ocidental. A primeira é a do Saber e

do Rigor, visto que passa a reduzir o presente, desconsiderando os conhecimentos

e as práticas populares existentes na sociedade; a segunda ausência é a do Tempo

Linear que culturalmente, absorve a idéia de que o pensamento é o norte

proporcionador das melhores ideias e formas de viver e estra neste mundo; a

terceira ausência, da Naturalização das diferenças, onde há categorização por

natureza, ou seja, a hierarquia como modo que acirra as diferenças e subdivide em

grupos de superiores de um lado e inferiores de outro, comprometendo os modos de

diversidades; a quarta ausência, é a existência de uma escala dominante e a quinta

ausência, é a da produtividade capitalista epistemicida que é a morte do

conhecimento alternativo. Um conceito que por um lado aponta a capacidade e, por

outro, a possibilidade. Há um limitado espaço de possibilidades e não podemos

desperdiçar a oportunidade única de uma transformação específica que o presente

oferece.

Já a Sociologia das Ausências, ao dar visibilidade à experiências disponíveis

contrapõe-se aos cinco modos de produção de não existências, com subdivisão de

cinco ecologias: de saberes, das temporalidades, dos reconhecimentos, das trans-

escalas e da produtividade. Fica evidenciado que a Sociologia das Emergências

entende uma nova forma de compreender a mudança social, fatos que se dão no

decorrer da vida cotidiana do que como uma ruptura com o passado. Na educação é

possível desenvolver a criatividade e possibilitar a emancipação social, ambas

sociologias são possíveis neste contexto.

Segundo Sousa Santos (2010), em sua obra A Gramatica do Tempo, a

ecologia de saberes está embasada nas seguintes ideias5:

5 SANTOS, Boaventura de Sousa. A Gramática do tempo: para uma nova cultura política. São Paulo. Cortez,

2010. P. 157- 165

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A luta pela justiça cognitiva não terá êxito se assentar exclusivamente na

ideia da distribuição mais equitativa do saber científico. (Ibidem, p.157)

As crises e as catástrofes produzidas pelo uso imprudente e exclusivista da

ciência são bem mais sérias do que a epistemologia científica dominante

pretende. (Ibidem, p.158)

Não há conhecimento que não seja conhecido por alguém para alguns

objetivos. Todos os conhecimentos sustentam práticas e constituem sujeitos.

(Ibidem, p.157)

Todos os conhecimentos têm limites internos e externos. (Ibidem, p.157)

A ecologia de saberes tem de ser produzida ecologicamente: com a

participação de diferentes saberes e seus sujeitos. (Ibidem, p.157)

A ecologia de saberes é uma epistemologia simultaneamente construtivista e

realista. (Ibidem, p.157)

A ecologia de saberes centra-se nas relações entre saberes, nas hierarquias

e poderes que se geram entre eles. (Ibidem, p.159)

A ecologia de saberes pauta-se pelo princípio da precaução. (Ibidem, p.160)

A centralidade das relações entre saberes, que caracteriza a ecologia de

saberes, impele-a para a busca da diversidade de conhecimentos. (Ibidem,

p.160)

A ecologia de saberes exerce-se pela busca de convergências entre

conhecimentos múltiplos. (Ibidem, p.161)

A questão da incomensurabilidade põe-se também no interior da mesma

cultura. (Ibidem, p.162)

A ecologia de saberes visa ser uma luta não ignorante contra a ignorância.

(Ibidem, p.163)

A ecologia de saberes ocupa-se da fenomenologia dos momentos ou tipos de

relações. (Ibidem, p.163)

A construção epistemológica da ecologia dos saberes suscita três

questionamentos sobre a identificação dos saberes, sobre os procedimentos

para o relacionamento entre eles, sobre a natureza e avaliação das

intervenções no real. (Ibidem, p.163)

É próprio da epistemologia da ecologia de saberes não conceber os

conhecimentos fora das práticas de saberes e estas fora das intervenções no

real que elas permitem ou impedem. (Ibidem, p.164)

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A ecologia de saberes visa facilitar a constituição de sujeitos individuais e

coletivos que combinam a maior sobriedade na análise dos fatos com a

intensificação da vontade da luta contra a opressão. (Ibidem, p.164)

Na ecologia de saberes a intensificação da vontade exercita-se na luta contra

a desorientação. (Ibidem, p.165)

Isto torna a reflexão sobre a ecologia dos saberes como um dos principais

pensamentos desta pesquisa, juntamente com a ética. Além disso podemos dizer

que a educação é composta também por muitas vivências e que a cultura da

empatia, onde o que é fundamental é a compreensão e inclusão dos sujeitos numa

determinada região e/ou país torna a educação um processo encantador e de

inúmeras possibilidades e transformações.

2.5 -CONCEPÇÃO INTERCULTURAL DOS DIREITOS HUMANOS

Sousa Santos (2010) reflete que um dos principais problemas que a

modernidade enfrenta desde o início do século XXI é a crise que afeta as tensões

dialéticas. O autor identifica três tensões dialéticas; a primeira acontece entre

regulação social e emancipação social, o paradigma de ordem e progresso. No caso

da política dos direitos humanos, que foi simultaneamente uma política reguladora e

uma política emancipadora. A segunda tensão dialética ocorre entre o Estado e a

sociedade civil. Os direitos humanos estão no cerne desta tensão: enquanto a

primeira geração de direitos humanos (os direitos cívicos e políticos) foi concebida

como uma luta da sociedade civil contra o Estado, considerado como o principal

violador potencial dos direitos humanos, a segunda e terceira gerações (direitos

econômicos e sociais e direitos culturais, da qualidade de vida, etc.) pressupõem

que o Estado é o principal condutor dos direitos humanos. A terceira tensão é entre

o Estado-nação e a globalização, onde o que se questiona é se a regularização

social e a emancipação social devem ser levadas ao nível global.

A política dos direitos humanos é, basicamente, uma política cultural. Tanto assim é que poderemos mesmo pensar os direitos humanos como sinal do regresso do cultural, e até mesmo do religioso, em finais de século. Ora, falar de cultura e de religião é falar de diferença, de fronteiras, de particularismos. Como poderão os direitos humanos ser uma política simultaneamente cultural e global? (SOUSA SANTOS, 2010, p.437)

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Sousa Santos (2010) define globalização como conjunto diferenciados de

relações sociais; diferentes conjuntos de relações sociais dão origem a diferentes

fenômenos de globalização.

Globalização é o processo pelo qual determinada condição ou entidade local estende sua influência a todo o globo e, ao fazê-lo, desenvolve a capacidade de designar como local outra condição social ou entidade rival. (SOUZA SANTOS, 2010, p. 438)

Souza Santos (2010) entende que uma das transformações mais

frequentemente associadas a globalização é a compressão tempo-espaço, ou seja,

o processo social pelo qual os fenómenos se aceleram e se difundem pelo globo.

Existem as classes e grupos subordinados, como os trabalhadores migrantes e os

refugiados, que nas duas últimas décadas têm realizado movimentações entre

fronteiras, mas que não controlam, de modo algum, a compressão tempo-espaço.

Discorre que os direitos humanos podem ser realizados como forma de

localismo globalizado. Afirma que os direitos humanos não são universais na sua

aplicação. Hoje são identificados quatro regimes internacionais de aplicação de

direitos humanos: o europeu, o interamericano, o africano e o asiático.

Todas as culturas aspiram a preocupações e valores universais, mas o universalismo cultural, enquanto atitude filosófica, é incorreto. Contra o universalismo, há que propor diálogos interculturais sobre preocupações isomórficas. Contra o relativismo, há que desenvolver critérios políticos para distinguir política progressista de política conservadora, capacitação de desarme, emancipação de regulação. Na medida em que o debate pelos direitos humanos pode evoluir para um diálogo competitivo entre culturas diferentes sobre os princípios de dignidade humana, é imperioso que tal competição induza as coligações transnacionais a competir por valores ou exigências máximas, e não por valores ou exigências mínimos (quais são os critérios verdadeiramente mínimos? Os direitos humanos fundamentais? Os menores denominadores comuns?) (SOUSA SANTOS,2010, p. 445).

Todas as culturas possuem concepções de dignidade humana, mas nem todas elas a concebem em termos de direitos humanos. Torna-se, por isso, importante identificar preocupações isomórficas entre diferentes culturas. Todas as culturas são incompletas e problemáticas nas suas concepções de dignidade humana. A incompletude provém da própria existência de uma pluralidade de culturas, pois, se cada cultura fosse tão completa como se julga, existiria apenas uma só cultura. A ideia de completude está na origem de um excesso de sentido de que parecem enfermar todas as culturas, e é por isso que a incompletude é mais facilmente perceptível do exterior, a partir da perspectiva de outra cultura.

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Sousa Santos complementa que:

Todas as culturas têm versões diferentes de dignidade humana, algumas mais amplas do que outras, algumas com um círculo de reciprocidade mais largo do que outras, algumas mais abertas a outras culturas do que outras. Por exemplo, a modernidade ocidental desdobrou-se em duas concepções e práticas de direitos humanos profundamente divergentes — a liberal e a marxista — uma dando prioridade aos direitos cívicos e políticos, a outra dando prioridade aos direitos sociais e económicos.

Todas as culturas tendem a distribuir as pessoas e os grupos sociais entre dois princípios competitivos de pertença hierárquica. Um — o princípio da igualdade — opera através de hierarquias entre unidades homogéneas (a hierarquia de estratos sócio-económicos; a hierarquia cidadão/estrangeiro). O outro — o princípio da diferença — opera através da hierarquia entre identidades e diferenças consideradas únicas (a hierarquia entre etnias ou raças, entre sexos, entre religiões, entre orientações sexuais). Os dois princípios não se sobrepõem necessariamente e, por esse motivo, nem todas as igualdades são idênticas e nem todas as diferenças são desiguais. (SOUSA SANTOS, 2010, p.446)

Segundo as reflexões de Sousa Santos (2010) e minha interpretação, estas

definições sobre culturas podem nos levar a um conjunto de definições de direitos

humanos, onde o que vale é o sentido de cada definição no local de sua ocorrência,

ou seja, uma rede de referências normativas aplicadas a cada localidade.

Para Sousa Santos (2010), os direitos humanos são uma espécie de

esperanto que dificilmente poderá tornar-se na linguagem quotidiana da dignidade

humana nas diferentes regiões do globo. A interpretação feita pelo autor nos leva a

pensar que podemos transformar estes direitos humanos numa política cosmopolita

que ligue em rede línguas nativas de emancipação, tornando-as mutuamente

inteligíveis e traduzíveis.

2.5 -DIÁLOGO INTERCULTURAL

Tanto para a ACNUR quanto para a UNESCO, a diversidade cultural e o

diálogo intercultural são forças impulsionadoras fundamentais para reforçar o

consenso sobre os fundamentos universais dos direitos humanos. Esta reflexão é

extremamente interessante e vai de encontro com que o mundo globalizado tanto

necessita nos dias atuais.

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No Relatório Mundial da Unesco de 2009, cujo o tema é “Investir na

Diversidade Cultural e no Diálogo Intercultural”, existe uma reflexão bastante

interessante sobre a educação, em que a mesma é considerada habitualmente sob

a ótica da transmissão de conhecimentos e do desenvolvimento de conceitos,

muitas vezes uniformizados, das competências sociais e comportamentais. A

educação é também uma questão de transmissão de valores – na mesma geração,

entre gerações e entre culturas. Esta mesma reflexão abrange que em sociedades

multiculturais cada vez mais complexas, a educação deve auxiliar-nos a adquirir as

competências interculturais que nos permitam conviver com as nossas diferenças

culturais e não apesar delas. O diálogo intercultural requer o empoderamento de

todos os participantes por meio da capacitação e de projetos que divulguem a

interação sem a perda da identidade pessoal ou coletiva.

A diversidade cultural vem suscitando um interesse notável desde o começo

do novo século. Porém os significados que se associam a esta expressão “cômoda”

são tão variados como mutáveis. Para alguns, a diversidade cultural é

intrinsecamente positiva, na medida em que se refere a um intercâmbio da riqueza

inerente a cada cultura do mundo e, assim, aos vínculos que nos unem nos

processos de diálogo e de troca. Para outros, as diferenças culturais fazem-nos

perder de vista o que temos em comum como seres humanos, constituindo assim a

raiz de numerosos conflitos.

Uma questão importante para a UNESCO que nos remete à importância da

diversidade cultural no mundo que está inscrita na sua Constituição de 1945, são os

objetivos do Relatório Mundial sobre a Diversidade Cultural6. Dentre eles, podemos

citar:

Mostrar a importância da diversidade cultural nos diferentes domínios de

intervenção (línguas, educação, comunicação e criatividade) que, à margem

das suas funções intrínsecas, se revelam essenciais para a salvaguarda e

para a promoção da diversidade cultural;

Convencer os decisores e as diferentes partes intervenientes sobre a

importância em investir na diversidade cultural como dimensão essencial do

6 http://unesdoc.unesco.org/images/0018/001847/184755por.pdf

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diálogo intercultural, pois ela pode renovar a nossa percepção sobre o

desenvolvimento sustentável, garantir o exercício eficaz das liberdades e dos

direitos humanos e fortalecer a coesão social e a governança democrática.

Podemos refletir também que quando falamos sobre a diversidade cultural

estamos falando sobre pessoas e comunidades humanas que, por razões e motivos

muito diferentes, desenvolveram modos especiais de viver, que são criadores de

sentido não apenas material e individual, mas também espiritual e coletivo.

Em outras palavras, a diversidade cultural é expressão real da criatividade

humana mais profunda, que procura construir-se e situar-se em determinado ponto

do tempo e do espaço e sem a qual ser pessoa não faz sentido. Nesse aspecto, a

defesa da diversidade cultural não consiste apenas na defesa de alguns direitos,

mas implica defender a criatividade humana que busca a sua plenitude, uma

plenitude que não é simplesmente antropológica. A diversidade cultural insere-se

nem tanto no âmbito individual-coletivo, mas no âmbito pessoal-comunitário. Sua

defesa significa mais um profundo respeito àquilo que as pessoas e comunidades

são do que uma obsessão pelo que se acredita que elas deveriam ser. Trata-se de

um respeito à complexidade humana, que não admite visões uniformes nem

imposições redutoras, a cujas restrições a vida jamais se submete.

A respeito desta questão, Coll desenvolve fecundas reflexões. Defende que:

Aceitar a diversidade cultural não é um ato de tolerância para com o outro,

distinto de mim ou da minha comunidade, mas o reconhecimento desse

outro (pessoal e comunitário) como realidade plena, contraditória, como

portador de saber, de conhecimentos e práticas por meio dos quais ele é e

tenta ser plenamente. (COLL, 2002, p.41)

Não há como falar em diversidade cultural sem falarmos minimamente sobre

organização social. Segundo Coll (2002), cabe afirmar que na organização social

surgida a partir da modernidade ocidental a noção de sociedade é fundamental.

Entretanto, em muitas culturas, para bem ou para mal, a base da organização social

não é a sociedade, como organização dos indivíduos, e sim a comunidade, como

mecanismo de articulação das pessoas. O âmbito comunitário é fundamental para

garantir uma vida digna, esteja ele ou não inserido num espaço social mais amplo.

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Nesse terreno, o desafio intercultural consiste em procurar o modo de tornar

compatíveis o âmbito comunitário e o âmbito da sociedade, sem que o segundo

absorva e anule o primeiro e sem que o primeiro anule as pessoas.

As sociedades multiculturais são aquelas que apresentam uma composição

cultural diversa resultante de fluxos migratórios. Na maioria dos casos, tais

sociedades possuem uma configuração cultural em que prevalece um grupo

dominante, que geralmente desenvolveu sua cultura no próprio território, e diversos

grupos sociais, mais ou menos subalternos, procedentes de outros lugares, por

motivos diversos que podem ser de ordem política, econômica, social, entre outros.

Segundo Coll (2002), nesse contexto ocorrem conflitos e relações

interculturais de vários tipos e em diferentes níveis, na maioria dos casos

caracterizados por uma série de sintomas7:

Exclusão social e econômica: as pessoas que imigram sofrem com maior

intensidade a exclusão social e econômica que existe em nossas sociedades. Seja

através de contratos ilegais ou de condições precárias, os imigrantes tendem a

preencher as vagas rejeitadas pelos naturais do país, o que gera uma divisão étnico-

cultural do mercado de trabalho. Como isso acarreta, entre outras consequências,

uma inserção profissional precária, o imigrante tem dificuldade em estabelecer e

manter vínculos com o resto da sociedade. (Ibidem, p.94)

Fatos e atitudes de xenofobia e racismo: em todas as sociedades

multiculturais criadas como resultado do afluxo de imigrantes existem atos e

condutas xenófobos e racistas, que se manifestam com intensidades diferentes.

(Ibidem, p.95)

Inexistência de relações entre pessoas e comunidades de origens culturais

diferentes: em termos gerais podemos dizer que pessoas e comunidades de origem

cultural diversa não estabelecem relações entre si, salvo em casos isolados e

excepcionais. Quando muito, há mútua tolerância e coexistência, com as distintas

comunidades compartilhando um espaço, mas com inter-relações e cooperação

bastante escassas entre seus membros. (Ibidem, p.96)

7 COOL, Austusti Nicolau. Propostas para uma diversidade cultural na era da globalização. São Paulo. Instituto

Polis, 2002. P.94-109.

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Instrumentos legais: os instrumentos legais da maioria dos Estados que

possuem sociedades multiculturais são leis policiais para controle dos imigrantes,

em lugar de leis voltadas para facilitar a inserção e a integração na sociedade que

os acolhe. (Ibidem, p.96)

As causas dessa situação são várias e estão inter-relacionadas, mas

citaremos a principal delas:

Mútuo desconhecimento entre pessoas de diferentes origens culturais O

conhecimento que as sociedades receptoras de imigração têm da cultura dos

imigrantes é mínimo e quase sempre dominado por estereótipos, que ressaltam os

aspectos mais folclóricos e/ou negativos, contribuindo para reforçar os preconceitos

e as desconfianças. Os imigrantes conhecem principalmente os aspectos funcionais

das culturas locais. O conhecimento que as sociedades receptoras de imigração têm

da cultura dos imigrantes é mínimo e quase sempre dominado por estereótipos.

(Ibidem, p.99)

É necessário compreender que a integração é um processo de mútua

aprendizagem e construção de novas relações intercomunitárias, que transforma os

novos residentes em participantes ativos da vida econômica, cívica, cultural e

espiritual de sua nova sociedade. É bem verdade que nesse processo de mútua

integração é preciso considerar a existência de realidades culturais muito mais

enraizadas no território, quer por serem mais numerosas, quer por sua maior

antiguidade. Mas sob nenhuma hipótese isso pode justificar a exclusão das outras

realidades presentes no mesmo território.

Este debate intracultural entre todos os que se consideram membros de

determinada sociedade multicultural deve estar embasado num conceito de

diversidade como diferença, não como desigualdade. A aceitação da diferença não

representa um ato de tolerância para com o outro, mas o reconhecimento deste

(como pessoa e em nível comunitário) como uma realidade plena, contraditória

(como nós todos), portador de um saber, de um saber-ser e de um saber-fazer,

instrumentos que, afinal, lhe permitem ser. (Ibidem, p.101)

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TERCEIRO CAPÍTULO – UM OLHAR SOBRE OS REFUGIADOS

Nossas vidas começam a terminar no dia em que permanecemos em

silêncio sobre as coisas que importam. Martin Luther King.

A esperança só nos é dada por consideração àqueles que não têm

mais esperança. Walter Benjamin.

3.1 – Histórico

O mundo vive hoje o maior problema humanitário e também, a maior crise

migratória de refugiados, por motivos de guerra ou perseguição política e étnica,

desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo a ACNUR em 2016, 65,3 milhões de

pessoas foram forçadas a abandonar seus países devido aos fatores mencionados.

Informações fornecidas pela ACNUR relatam que países com histórico

recente de guerras lideram a lista dos que mais exportam refugiados, são eles:

Afeganistão, Síria, Somália, Sudão e o Iraque. Dados indicam que 54% do total de

refugiados pertencem ao Afeganistão, Somália e Síria. Do total de 65,3 milhões de

refugiados, 40,8 milhões de pessoas são deslocados internos por conflitos e

perseguições; 21,3 milhões de pessoas são refugiados ao redor do mundo; 12,4

milhões de pessoas deslocaram-se para países vizinhos (Turquia e Líbano).

Existe um dado assombroso divulgado pela ACNUR, de que 51% deste total

sejam de pessoas menores de 18 anos e 98.400 sejam crianças desacompanhadas

ou separadas dos pais. E o que é mais perturbador: a humanidade não tem sabido

como lidar com esta nova ordem mundial; tudo parece estar fora da ordem e de

lugar.

3.2 - Quem são os refugiados?

De acordo com a Convenção de 1951, relativa ao Estatuto dos Refugiados,

de que o Brasil é signatário, são refugiados as pessoas que se encontram fora do

seu país por causa de fundado temor de perseguição por motivos de raça, religião,

nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, e que não possa

(ou não queira) voltar para casa.

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Posteriormente, definições mais amplas passaram a considerar como

refugiados as pessoas obrigadas a deixar seu país devido a conflitos armados,

violência generalizada e violação massiva dos direitos humanos. A maioria das

pessoas pode confiar nos seus governos para garantir e proteger os seus direitos

humanos básicos e a sua segurança física. Mas, no caso dos refugiados, o país de

origem demonstrou ser incapaz de garantir tais direitos.

Os países não devem repatriar ou forçar o regresso de refugiados para

territórios onde possam enfrentar situações de perigo. Não devem fazer

discriminação entre grupos de refugiados. Devem assegurar que os refugiados

beneficiem -se, pelo menos, dos mesmos direitos econômicos e sociais garantidos

aos outros estrangeiros residentes no país de acolhida.

Por último, devem cooperar com a ACNUR (Agência da ONU para

Refugiados) e, por razões humanitárias, permitir pelo menos a entrada do cônjuge e

dos filhos dependentes de qualquer pessoa a quem se concedeu proteção

temporária ou refúgio.

3.3. ACNUR – Agência da ONU para Refugiados.

A ACNUR iniciou suas atividades em janeiro de 1951, inicialmente com um

mandato apenas de três anos para reassentar refugiados europeus que estavam

sem lar após a Segunda Guerra Mundial. Após sucessivas crises humanitárias nas

décadas seguintes, entendeu-se a necessidade de ampliar o mandato e a área de

atuação para não ficar mais restrito somente à Europa e às pessoas afetadas pela

Segunda Guerra Mundial.

A proteção de refugiados e das populações deslocadas por guerras, conflitos

e perseguições é a principal missão do ACNUR, que busca soluções adequadas

para estas pessoas. Vale destacar também que um dos principais objetivos dessa

Agência da ONU para Refugiados é que todas estas pessoas possam exercitar seus

direitos e ter uma vida digna, livre de medo e temores.

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A discriminação e a xenofobia estão entre os maiores desafios de proteção

aos solicitantes de refúgio e refugiados. Os primeiros obstáculos estão relacionados

ao aprendizado do idioma do país de abrigo e às questões culturais.

3.4. Plataforma Atados

É uma plataforma social que conecta pessoas e organizações, facilitando o

engajamento nas mais diversas possibilidades de voluntariado. O fortalecimento

dessa rede e a mobilização de voluntários ampliam o impacto das organizações e

transformam pessoas e comunidades. Conta hoje com mais de 70 mil inscritos,

1.217 organizações cadastradas e 596 oportunidades de voluntariado8.

3.5 - Quais são os direitos de um refugiado?

Segundo a Convenção de 1951, um refugiado tem direito a um asilo seguro.

Contudo, a proteção internacional abrange mais do que a segurança física. Os

refugiados devem usufruir dos mesmos direitos e da mesma assistência básica que

qualquer outro estrangeiro residindo legalmente no país, incluindo direitos

fundamentais que são inerentes a todos os indivíduos.

Portanto, os refugiados gozam dos direitos civis básicos, incluindo a liberdade

de pensamento, a liberdade de deslocamento e a não sujeição à tortura e

a tratamentos degradantes. De igual modo, os direitos econômicos e sociais que se

aplicam aos refugiados são os mesmos que se aplicam a outros indivíduos. Todos

os refugiados devem ter acesso à assistência médica. Todos os refugiados adultos

devem ter direito a trabalhar. Nenhuma criança refugiada deve ser privada de

escolaridade.

Em certas circunstâncias, como no caso de fluxos massivos de refugiados, os

países de acolhida podem se ver obrigados a restringir certos direitos, como a

liberdade de circulação, a liberdade de trabalhar ou educação adequada para todas

as crianças.

8 https://www.atados.com.br/

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Estas demandas devem ser então atendidas, sempre que possível, pela

comunidade internacional. Quando não há mais recursos disponíveis dos países de

acolhida, o ACNUR proporciona assistência aos refugiados (e outras pessoas sob

seu mandato) que não possam satisfazer suas necessidades básicas. A assistência

pode ser dada sob a forma de donativos financeiros, alimentação, materiais diversos

(tais como utensílios de cozinha, ferramentas, sanitários e abrigos) ou de programas

de criação de escolas ou centros de saúde para quem viva em campos ou outras

comunidades.

O ACNUR desenvolve todos os esforços para assegurar que os refugiados

possam se tornar autossuficientes o mais rápido possível, o que pode requerer

atividades convencionais geradoras de rendas ou projetos de formação profissional.

Os refugiados também têm determinadas obrigações, entre elas a de

respeitar as leis do seu país de acolhida.

3.6 – Refugiados no mundo

Segundo relatório divulgado pela ACNUR em 2017, em todo o mundo, o

deslocamento forçado causado por guerras, violência e perseguições atingiu em

2016 o número mais alto já registrado.

O maior levantamento da organização em matéria de deslocamento, revela

que ao final de 2016 havia cerca de 65,6 milhões de pessoas forçadas a deixar seus

locais de origem por diferentes tipos de conflitos, mais de 300 mil em relação ao ano

anterior.

O número de 65,6 milhões abrange três importantes componentes. O primeiro

é o número de refugiados, que ao alcançar a marca de 22,5 milhões tornou-se o

mais alto de todos os tempos. Destes, 17,2 milhões estão sob a responsabilidade do

ACNUR, e os demais são refugiados palestinos registrados junto à organização irmã

do ACNUR, a Agência das Nações Unidas de Assistência aos Refugiados da

Palestina (UNRWA).

O conflito na Síria continua fazendo com que o país seja o local de origem da

maior parte dos refugiados (5,5 milhões). Entretanto, em 2016 um novo elemento de

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destaque foi o Sudão do Sul, onde a desastrosa ruptura dos esforços de paz

contribuiu para o êxodo de 739,9 mil pessoas até o final do ano de 2016. No total, já

são 1,4 milhão de refugiados originários do Sudão do Sul e 1,87 milhão de

deslocados internos (que permanecem dentro do país).

O segundo componente é o deslocamento de pessoas dentro de seus

próprios países, que ao final de 2016 totalizou 40,3 milhões em comparação aos

40,8 milhões no ano anterior. Síria, Iraque e o ainda expressivo deslocamento dentro

da Colômbia foram as situações de maior deslocamento interno. Entretanto, o

deslocamento interno é um problema global e representa quase dois terços do

deslocamento forçado em todo o mundo.

O terceiro componente está relacionado aos solicitantes de refúgio, pessoas

que foram forçadas a deixar seus países em busca de proteção como refugiados.

Globalmente, ao final de 2016, o número total de solicitantes de refúgio era de 2,8

milhões.

Todos esses números evidenciam o imenso custo humano decorrente das

guerras e perseguições a nível global: 65,6 milhões significam que, em média, 1 em

cada 113 pessoas em todo mundo foi forçada a se deslocar, uma população maior

que o Reino Unido.

Segundo dados do ACNUR, o nível de novos deslocamentos continua muito

alto. Do total contabilizado ao final de 2016 (65,6 milhões), 10,3 milhões

representam pessoas que foram forçadas a se deslocar pela primeira vez. Cerca de

dois terços deste contingente (6,9 milhões) se deslocaram dentro de seus próprios

países. Isso equivale a 1 pessoa se tornando deslocada interna a cada 3 segundos.

Em todo o mundo, a maior parte dos refugiados (84%) encontra-se em países

de renda média ou baixa, sendo que um a cada três (4,9 milhões de pessoas) foi

acolhido nos países menos desenvolvidos do mundo. Este enorme desequilíbrio

reflete diversos aspectos, inclusive a falta de consenso internacional quando se trata

do acolhimento de refugiados e a proximidade de muitos países pobres às regiões

em conflito.

A Síria continua representando os maiores números de deslocamento no

mundo, com 12 milhões de pessoas (quase dois terços da população) que ou estão

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deslocadas dentro do país ou foram forçadas a fugir e hoje são refugiados ou

solicitantes de refúgio.

Sem contar a situação de refugiados palestinos que já tem longa duração,

colombianos (7,7 milhões) e afegãos (4,7 milhões) continuam sendo a segunda e

terceira maior população de pessoas forçadas a deslocar (sejam refugiadas ou

deslocadas internas) no mundo, seguidos pelos iraquianos (4,2 milhões) e sul-

sudaneses (a crise de deslocamento que cresce mais rapidamente).

As crianças, que representam a metade dos refugiados de todo o mundo,

continuam carregando um fardo desproporcional de sofrimento, principalmente

devido à sua elevada vulnerabilidade. Tragicamente, 75 mil solicitações de refúgio

foram feitas por crianças que viajavam sozinhas ou separadas de seus pais.

Ainda de acordo com informações fornecidas pela ACNUR, este contexto que

se construiu nos últimos anos, principalmente em decorrência da Primavera Árabe,

vários países ao redor do mundo, na Europa e na Ásia, tem se preparado para

abrigar refugiados. A prioridade é diminuir o sofrimento dessas populações e

proporcionar auxílio adequado quando eles imigram para tal país.

Os países que mais servem como porta de entrada de refugiados na Europa

são Grécia e Itália, ambos adentráveis pelo Mar Egeu e Mediterrâneo,

respectivamente. Para fazer essa travessia, os refugiados se colocam em alto risco,

tamanho o desespero de sair de seus países.

Para a Europa, as travessias são normalmente feitas em embarcações de

estrutura precária e com preços superinflados. Alguns refugiados vendem todos os

seus bens e utilizam todo o dinheiro para pagar pela viagem. Segundo o site da

Organização Internacional para as Migrações, cita em seu documento que morreram

ou desapareceram 3.771 pessoas nessas travessias no ano de 2015.

Apesar de a crise dos refugiados ter atingido a Europa com força no ano de

2016, a maior parte das pessoas que fugiram da guerra na Síria dirigiu-se

principalmente para cinco países do Oriente Médio: Turquia, Líbano, Jordânia,

Iraque e Egito.

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Por serem países mais próximos à Síria, os países árabes são os principais

destinos de populações refugiadas. Porém, eles têm pouca ou nenhuma

estrutura para receber tantas pessoas num intervalo tão curto de tempo. Há

dificuldades em conceder quesitos básicos, como alimentação, educação para as

crianças e abrigo. Por esse motivo, alguns desses Estados até impuseram regras

para receber refugiados.

Abaixo descrevo a situação dos principais destinos de refugiados:

Líbano: o total de sírios refugiados no Líbano superou 1 milhão de pessoas,

o que equivale a 25% da população do país. Por esse motivo, entraram em vigor

em 2015 novas exigências para os estrangeiros que chegam, como pagamento

de uma taxa para obtenção de autorização de permanência – válida por no

máximo um ano.

Jordânia: está “em ponto de explosão”, já que os sírios refugiados

equivalem a 20% da população jordaniana, e o país não tem condições de

assegurar serviços públicos aos que chegam.

Turquia: tornou-se o principal destino dos refugiados – mais de 2 milhões de

sírios cruzaram a fronteira entre os dois países. Por causa da grande

demanda, disponibiliza mais de 20 campos de refugiados, mas os abrigos são

insuficientes para atender a todos os migrantes sírios, e muitos deles estão sem

nenhuma assistência.

Europa: A situação da Turquia preocupa a União Europeia (UE), pois a

maioria dos refugiados que chega ao país tem como destino final nações

europeias como Alemanha e Áustria. Por isso, os líderes da UE fecharam um

acordo em novembro com a Turquia para o país melhorar as condições dos

abrigos e ampliar a permissão de trabalho aos sírios.

Brasil: existe hoje no país 9 mil refugiados pertencentes à 80 nacionalidades,

e deste número 2.108 são crianças. No Brasil não há um grande número de

refugiados devido ao alto custo da passagem aérea, segundo informações da

ACNUR.

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3.7 - Refugiados no Brasil

No Brasil, de acordo com os dados do Comitê Nacional para

os Refugiados (CONARE), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, em 2016

houve aumento de 12% no número total de refugiados reconhecidos no país.

Segundo informações fornecidas em exposição oral pela representante da

ACNUR, o Brasil sempre teve um papel pioneiro e de liderança na proteção

internacional dos refugiados. Foi o primeiro país do Cone Sul a ratificar a Convenção

relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951, no ano de 1960. Foi ainda um dos

primeiros países integrantes do Comitê Executivo do ACNUR, responsável pela

aprovação dos programas e orçamentos anuais da agência.

O refugiado dispõe da proteção do governo brasileiro e pode, portanto, obter

documentos, trabalhar, estudar e exercer os mesmos direitos que qualquer cidadão

estrangeiro legalizado no Brasil que possui uma das legislações mais modernas

sobre o tema (lei 9474/97), de acordo com a Constituição brasileira:

Lei nº 9.474, DE 22 DE JULHO DE 1997. Define mecanismos para implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outrasprovidências. Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que: I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país; II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior; III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país

9

No Brasil, há atualmente cerca de 9 mil refugiados reconhecidos pelo governo

(2016), de mais de 80 nacionalidades diferentes. As mulheres constituem 34%

dessa população. A maioria dos refugiados está concentrada nos grandes centros

urbanos do país, tais como: São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Porto Alegre.

De acordo com o relatório da ACNUR, o Brasil é internacionalmente

reconhecido como um país acolhedor. Mas aqui também o refugiado encontra

9 http://www.justica.gov.br/central-de-conteudo/estrangeiros/livrorefugiobrasil.pdf

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dificuldades para se integrar à sociedade brasileira. Os primeiros obstáculos são a

língua e a cultura. Os principais problemas são comuns aos brasileiros: dificuldade

em conseguir emprego, acesso à educação e aos serviços públicos de saúde e

moradia, por exemplo.

No Brasil, de acordo com o relatório de 2016 do Comitê Nacional para os

Refugiados (CONARE), órgão ligado ao Ministério da Justiça, as solicitações de

refúgio cresceram 2.868% nos últimos cinco anos. Passaram de 966, em 2010, para

28.670, em 2015. Até o final de 2016, o Brasil reconheceu um total de 9.552

refugiados de 82 nacionalidades. Desses, 8.522 foram reconhecidos por vias

tradicionais de elegibilidade, 713 chegaram ao Brasil por meio de reassentamento e

a 317 foram estendidos os efeitos da condição de refugiado de algum familiar.

Os países com maior número de refugiados reconhecidos no Brasil em 2016

foram Síria (326), República Democrática do Congo (189), Paquistão (98), Palestina

(57) e Angola (26).

Já os pedidos de refúgio caíram 64% em 2016, em comparação com 2015,

sobretudo em decorrência da diminuição das solicitações de nacionais haitianos. Os

países com maior número de solicitantes de refúgio no Brasil em 2016 foram

Venezuela (3.375), Cuba (1.370), Angola (1.353), Haiti (646) e Síria (391).

Apesar da diminuição no número de solicitações de refúgio no ano passado,

houve um aumento expressivo de solicitações de venezuelanos (307%) em relação

a 2015. De acordo com o relatório, apenas no ano passado, 3.375 venezuelanos

solicitaram refúgio no Brasil, cerca de 33% das solicitações registradas no país

naquele ano. Em 2015 foram contabilizados 829 pedidos de refúgio de nacionais

venezuelanos.

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3.8 - Dados sobre o refúgio no Brasil:

Imagem1

Fonte: ACNUR, abril 2016.

Como já afirmado, o Brasil é signatário dos principais tratados internacionais

de direitos humanos e é parte da Convenção das Nações Unidas de 1951 sobre o

Estatuto dos Refugiados e do seu Protocolo de 1967. O país promulgou, em julho de

1997, a sua lei de refúgio (nº 9.474/97), contemplando os principais instrumentos

regionais e internacionais sobre o tema. A lei adota a definição ampliada de

refugiado estabelecida na Declaração de Cartagena de 1984, que considera a

“violação generalizada de direitos humanos” como uma das causas de

reconhecimento da condição de refugiado.

A lei brasileira de refúgio criou o Comitê Nacional para os Refugiados

(CONARE), um órgão interministerial presidido pelo Ministério da Justiça e que lida

principalmente com a formulação de políticas para refugiados no país, com a

elegibilidade, mas também com a integração local de refugiados. A lei garante

documentos básicos aos refugiados, incluindo documento de identificação e de

trabalho, além da liberdade de movimento no território nacional e de outros direitos

civis.Segundo o CONARE, o número total de solicitações de refúgio aumentou mais

de 2.868% entre 2010 e 2015 (de 966 solicitações em 2010 para 28.670 em 2015).

Solicitações de

Refúgio: por 3

3

7

5 1

3

7

0 1

3

5

3 6

43 9

VEN

EZUC

UAN

GH

ASÍ

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63

A maioria dos solicitantes de refúgio vem da África, Ásia (inclusive Oriente

Médio) e o Caribe. De acordo com o CONARE, o Brasil possui atualmente (abril de

2016) 8.863 refugiados reconhecidos, de 79 nacionalidades distintas (28,2% deles

são mulheres) – incluindo refugiados reassentados. Os principais grupos são

compostos por nacionais da Síria (2.298), Angola (1.420), Colômbia (1.100),

República Democrática do Congo (968) e Palestina (376).

A guerra na Síria já provocou quase 5 milhões de refugiados e a pior crise

humanitária em 70 anos. Com o aumento do fluxo no Brasil, o governo decidiu tomar

medidas que facilitassem a entrada desses imigrantes no território e sua inserção na

sociedade brasileira. Em setembro de 2013, o CONARE publicou a Resolução nº. 17

que autorizou as missões diplomáticas brasileiras a emitir visto especial a pessoas

afetadas pelo conflito na Síria, diante do quadro de graves violações de direitos

humanos. Em 21 de setembro de 2015, a Resolução teve sua duração prorrogada

por mais dois anos. Os critérios de concessão do visto humanitário atendem à lógica

de proteção por razões humanitárias, ao levar em consideração as dificuldades

específicas vividas em zonas de conflito, mantendo-se os procedimentos de análise

de situações vedadas para concessão de refúgio.

Segundo a ACNUR, em seu documento, os refugiados no Brasil são

compostos desta forma:

Imagem 2

Idade Percentual

0 a 12 anos 2,5%

13 a 17 anos 0,1%

18 a 29 anos 48,7%

30 a 59 anos 47,1%

Maior de 60 anos 0,1%

Fonte: ACNUR, 2016.

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Outro dado interessante é que a língua falada por estes refugiados em sua

maioria é o árabe e o francês. As crianças em sua maioria são fluentes na oralidade,

mas não são na escrita.

Segundo Moreira (2014), vale destacar que a integração local dos refugiados

constitui um processo complexo que abrange múltiplos fatores, entre os quais

socioeconômicos, culturais e políticos. Faz-se necessário propiciar ao refugiado

oportunidades de emprego, moradia, aprendizado da língua, utilização dos serviços

públicos, especialmente de saúde e educação. Devemos lembrar que a construção

de relações com os membros da comunidade local é fundamental.

3.8. Exposição Refugiados:

O tema sobre refugiados é tão intenso, atual e global que extrapola fronteiras.

Um exemplo disso é a artista campineira Vera Ferro 10 que através da arte

traz a voz dos refugiados numa exposição denominada Refugiados, onde a temática

está centralizada nas pessoas que ultrapassam as fronteiras. Trabalhos que tiveram

início há mais de 2 anos e que foram feitos como forma de extravasar toda a sua

angústia de artista com este tema tão pertubador no mundo atual.

Uma maneira poética e extremamente sensível de retratar a realidade da

fuga, da esperança de sobrevivência e do sonho de uma vida nova em paz.

A mostra traz 70 trabalhos em guache, nanquim, grafite e gravuras em metal.

Deslocamentos, fronteiras, barreiras, cercas, estão presentes na exposição.

“Meus trabalhos voam pela internet, espalham minhas inquietudes, meus

pensamentos e sentimentos pelo mundo afora. A arte é a minha arma, uma forma de

artivismo” explica a artista.

10

Disponível em: http://veraferro.com.br/#

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Imagem 3

Fonte: Instagram (@veraferro)

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Imagem 4

Fonte: Instagram (@veraferro)

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Imagem 5

Fonte: Instagram (@veraferro)

3.10 - Principais Conflitos:

Serão citados abaixo, os conflitos de onde são originados os professores do

Abraço Cultural. Referem-se aos principais conflitos existentes no planeta

atualmente11.

3.10.1 - Guerra na Síria

De acordo com o site História do Mundo, a Guerra Civil na Síria teve início em

março de 2011 e segue sem término até os nossos dias (2017), configurando um

dos principais conflitos do século XXI.

11

Por se tratar de informações extremamente atuais e que sofrem mudança a todo momento, as informações citadas no item Principais Conflitos foram extraídos de documentários, jornais de circulação nacional, sites de pesquisas e revistas de circulação semanal.

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Essa guerra caracteriza-se não apenas pelos conflitos internos entre as forças

oficiais do presidente Bashar al-Assad e as diversas facções rebeldes armadas, mas

também pela assistência que potências internacionais, como Estados Unidos,

Rússia, dão aos dois lados da guerra de acordo com os seus interesses.

Além disso, há ainda um terceiro fator: a expansão vertiginosa pelo território

sírio do autoproclamado Estado Islâmico, que luta tanto contra as forças de Assad

quanto contra as facções rebeldes.

Calcula-se que mais de 150.000 pessoas já morreram nessa guerra e pelo

menos dois milhões ficaram desabrigados ou foram forçados a emigrar do país12.

3.10.2 - Guerra no Congo

Segundo o periódico O Estado de São Paulo, o país africano continua sendo

cenário de conflitos e enfrenta uma das piores crises humanitárias do mundo. A

guerra recente na República Democrática do Congo (RDC) originou-se no confronto

ocorrido na província Kivu do Norte, em 1998, quando teve início uma luta de cinco

anos, que deixou 4 milhões de mortos e 3,4 milhões de refugiados.

O conflito foi detonado após o genocídio, em 1994, na vizinha Ruanda,

quando 800 mil tutsis foram assassinatos pelos hutus. Em 1996, o governo tutsi, que

assumiu o poder depois da guerra, invadiu o Congo para perseguir os rebeldes

hutus e deu início à guerra, que envolveu também Ruanda, Angola, Uganda,

Zimbábue e Namíbia.

A hostilidade no Congo terminou, oficialmente, em 2003, mas o país africano

continua sendo cenário de conflitos e enfrenta uma das piores crises humanitárias

do mundo.

O motivo da guerra é um conjunto de rivalidades étnicas e disputa por

recursos naturais. O país africano tem o mesmo tamanho da Europa ocidental e

mais de 250 grupos étnicos disputando poder e riqueza.

A Organização das Nações Unidas (ONU) já denunciou altas autoridades de

Ruanda, Uganda e Zimbábue de usar a intervenção no Congo como desculpa para

saquear suas imensas riquezas minerais, em especial, os diamantes.

12

http://historiadomundo.uol.com.br/idade-contemporanea/guerra-civil-na-siria.htm

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A organização Médico sem Fronteiras considera a Guerra do Congo uma das

mais violentas dos últimos anos13.

3.10.3 - Guerra na Costa do Marfim

Segundo informações extraídas da Revista Veja, as tensões se iniciaram no

país africano em novembro de 2010, época em que o político Alassane Ouattara se

tornou presidente por meio de eleições democráticas, mas não conseguiu assumir o

posto. O antigo governante, Laurent Gbagbo, que comandava o país há dez anos,

se negou a sair do poder e deu início a embates armados contra seus opositores,

criando uma guerra civil.

A Comissão Eleitoral Independente (CEI) e a ONU consideraram Ouattara

vencedor. Mais de um milhão de pessoas fugiram da Costa do Marfim nos primeiros

meses de 2011, devido à violência dos conflitos entre o atual governo e seus

opositores. A Guerra na Costa do Marfim já fez mais de 1 milhão de refugiados no

mundo14.

3.10.4 - Haiti

De acordo com a Revista Carta Capital, a população está acostumada à

rotina militar ostensiva em meio às condições precárias do país mais pobre das

Américas.

Apesar do componente político, a miséria haitiana também não ajuda no

combate à violência. Com mais de 70% da população desempregada, muitos

trabalham no setor informal da economia, vendendo comida, café, roupas, frutas,

diesel e carvão nas ruas para conseguir 1 ou 2 dólares por dia. O restante da

população é absorvido pela máquina estatal, pela modesta indústria que existe

(como a têxtil) e as ONGs estrangeiras. Pior, sem saneamento básico ou tratamento

de água, apenas 10% do país têm acesso a energia elétrica.

A reconstrução do país arrasado pelo tremor de 2010, que deixou mais de

200 mil mortos, está hoje estagnada e, a partir daí, avançou pouco além da remoção

dos escombros. No centro da cidade, casas e edifícios abalados pelo tremor de 7

13

http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,historico-dos-conflitos-armados-no-congo,268867

14

http://veja.abril.com.br/mundo/guerra-civil-na-costa-do-marfim-faz-mais-de-um-milhao-de-

refugiados/

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graus permanecem arruinados, aumentando a sensação de abandono crônico e

pobreza. Como um dos reflexos, 137 mil haitianos vivem em acampamentos há mais

de 5 anos.

Depois do terremoto que matou 240 mil pessoas e deixou 1,5 milhão de

desabrigados, o país viu sua realidade piorar ainda mais. No fim de 2010, o Haiti foi

palco de um surto de cólera que matou 8,3 mil pessoas e contaminou mais de 650

mil. Em agosto de 2012, a tempestade tropical Isaac causou perdas agrícolas na

ordem de 254 milhões de dólares e deixou 1,6 milhão de haitianos em situação de

emergência15.

3.10.5 - Venezuela

Mergulhada em uma das crises econômicas e políticas mais graves da última

década, greve geral, manifestações; estas são as ações realizadas pela oposição ao

governo Maduro.

O saldo das manifestações já ultrapassou 100 mortos.

Segundo o Jornal Estadão somada à profunda instabilidade política, o país se

vê diante de um colapso econômico. Altamente dependente do petróleo,

responsável por 96% de suas divisas e 60% das receitas, a Venezuela ficou

encurralada economicamente com a desvalorização do barril do petróleo no

mercado internacional, que deixou os altos patamares de US$ 100, para US$ 50.

Eram esses recursos que garantiam a importação de bens – 80% do que é

consumido localmente vêm do exterior, segundo o Institute of International Finance

(IIF). Segundo o ponto de vista do periódico, a incapacidade de conduzir os

problemas domésticos levou a Venezuela a sair do Mercosul no início de dezembro

de 2016, pelo não cumprimento aos termos de adesão16.

Diante de todo esse caos, já existem pelo menos 30 mil venezuelanos na

região norte do Brasil, em Pacaraima em Roraima. Isto fez com que em maio de

2017, a ACNUR juntamente com o governo brasileiro analisasse a possibilidade de

criação de um campo de refugiados na cidade, mas essa decisão por enquanto está

descartada. A organização da ONU para Refugiados afirma também que o pedido

15

https://www.cartacapital.com.br/revista/811/ha-dez-anos-no-haiti-brasil-vive-impasse-8874.html

16

http://internacional.estadao.com.br/noticias/geral,chanceleres-de-colombia-e-venezuela-debatem-

hoje-crise-na-fronteira,1750562

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de refúgio feito por venezuelanos aumentou 5 vezes em 2017 em relação ao mesmo

período de 2016.

A ACNUR afirma que as pessoas deixam a Venezuela por razões econômicas

(falta de emprego, dificuldade de se manter no país) e razões de perseguição ou

instabilidade política.

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QUARTO CAPÍTULO – DIVERSIDADE CULTURAL – SUJEITOS QUE

CONTRIBUEM PARA A ECOLOGIA DOS SABERES

Um livro, uma caneta, uma criança e um professor podem mudar o

mundo. Malala Yousafzai, Prêmio Nobel da Paz, 2014.

As informações, dados e análises apresentadas neste capítulo são resultados

da pesquisa de campo através de narrativas, entrevistas e diálogos realizados com

membros pertencentes à organização pesquisada. Refere-se às conversas, à troca

de saberes e às formas de aprendizagem de um novo idioma, em busca de uma

educação sensível e transformadora.

4.1 - Delineamento Metodológico

Para desenvolver uma pesquisa cientifica em ciências humanas e educação é

preciso empatia para com os sujeitos e/ou aos objetos pesquisados, pois exige

concentração, comprometimento, disciplina, determinação e muito trabalho.

Também é necessário aprender a colher informações, analisar, escolher e traçar as

relações, assim como interpretar os dados e especialmente a escuta do diálogo e as

vozes dos sujeitos.

Um dos objetivos de uma pesquisa é produzir conhecimento, principalmente

em educação, isso é o que todo pesquisador busca. Por conta disso, a pesquisa tem

seu alicerce nas observações e nas evidências encontradas que são a base para o

conhecimento.

É interessante também definir metodologia: estudo dos processos,

instrumentos de pesquisas orientados por um eixo teórico e metodológico e sobre

isso a reflexão sobre as possibilidades, contradições e validade do conhecimento

produzido pelo estudo do método.

Em relação aos procedimentos técnicos e metodológicos utilizados, optou-se

pela pesquisa de campo, com abordagem qualitativa e pelas narrativas dos sujeitos.

A pesquisa qualitativa é um processo bastante complexo de reflexão e análise

da realidade empregando técnicas e métodos para a compreender os sentidos, as

experiências vividas pelos sujeitos pesquisados.

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O processo de investigação precisa ter objetividade, mesmo sabendo que o

pesquisador pertence a um grupo social, a um contexto histórico, político e

econômico da sociedade que determinam uma visão de mundo.

A pesquisa qualitativa recobre um campo transdisciplinar, envolvendo as

ciências humanas e sociais, assumindo tradições ou multiparadigmas de análise,

derivadas do positivismo, da fenomenologia, da hermenêutica, do marxismo, da

teoria crítica e do construtivismo, e adotando multimétodos de investigação para o

estudo de um fenômeno situado no local em que ocorre, procurando tanto encontrar

o sentido desse fenômeno quanto interpretar os significados que as pessoas dão a

ele (CHIZZOTTI,2003).

A pesquisa qualitativa abriga, deste modo, uma modulação semântica e atrai uma combinação de tendências que se aglutinaram, genericamente, sob este termo: podem ser designadas pelas teorias que as fundamentam: fenomenológica, construtivista, crítica, etnometodológica, interpretacionista, feminista, pós-modernista; podem, também, ser designadas pelo tipo de pesquisa: pesquisa etnográfica, participante, pesquisa- ação, história de vida, etc. (CHIZZOTTI, 2003, p.223)

É importante ressaltar que além de valorizar os sujeitos, os significados e as

interpretações, a pesquisa qualitativa precisa relatar as intenções da própria

pesquisa. É preciso perguntar sobre os porquês da pesquisa e os usos de seus

resultados.

A abordagem qualitativa parte do fundamento de que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, uma interdependência viva entre o sujeito e o objeto, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. O conhecimento não se reduz a um rol de dados isolados, conectados por uma teoria explicativa; o sujeito-observador é a parte integrante do processo de conhecimento e interpreta os fenômenos, atribuindo-lhes um significado. O objeto não é um dado inerte e neutro; está possuído de significados e relações que sujeitos concretos criam suas ações. (Chizzotti, s/d apud ANTÔNIO e GROPPO, 2016, p.15)

As narrativas podem ser uma ferramenta importante para a construção de

significados através das experiências vivenciadas, sempre expressa um saber. Por

vezes, podem ocorrer resistências pelos sujeitos da experiência, mas são através

delas que podemos descobrir quais são suas realidades, suas aflições e de que

modo enxergam o mundo à sua volta.

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História de vida é o relato de uma experiência significativa vivenciada por um

indivíduo ou um grupo colhido pelo investigador de forma oral ou por escrito, o qual

ainda pode recorrer a outras fontes que tenham relação à história para

complementar a pesquisa (CHIZZOTTI, 2006).

A empatia e a inquietação com a relação da ética, a ecologia dos saberes e

compaixão na relação destes sujeitos com a comunidade, foi o que levou a elaborar

uma pesquisa para entender todos estes processos. Em função disso, escolhemos

por investigar as ações e as relações dos sujeitos que acontecem na Abraço

Cultural.

4.2 - Pesquisa de Campo:

4.2.1 - Abraço Cultural

É uma organização não governamental, que tem por objetivo promover a

troca de experiências, a geração de renda e a valorização dos refugiados.

Através de aulas com metodologia e material didático próprios, a filosofia da

organização é transmitir mais do que o aprendizado de uma nova língua, uma vez

que os professores são nativos e refugiados das mais diversas partes do mundo, é

quebrar preconceitos e barreiras culturais, aproximando as diferentes culturas e

povos em um único lugar.

Teve seu início de suas atividades em julho de 2015.

O aluno tem aulas regulares focadas no idioma duas vezes por semana.

E periodicamente, todos os alunos são convidados para um workshop de tradições,

que pode envolver culinária, dança, literatura, cinema, curiosidades, política e

história de um país tema da semana. Os idiomas oferecidos pelo Abraço são: inglês

espanhol, árabe e francês. Possui 3 unidades; 1 em São Paulo e 2 no Rio de

Janeiro. Existem planos para que no futuro seja aberta uma unidade em Curitiba.

Além das aulas regulares, podem ser disponibilizadas aulas particulares à

domicílios, faculdades e empresas, somente na cidade de São Paulo.

São oferecidos workshops de cultura em empresas para os funcionários ou

então cursos de línguas para aperfeiçoar o inglês, francês, árabe e espanhol.

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Segundo dados fornecidos pela organização (2017) o Abraço possui: 2.000

alunos inscritos, 40 refugiados capacitados como professores, 150 turmas abertas.

Em 2017, o Abraço Cultural foi escolhido pela Brazil Foundation como uns

dos projetos a receber investimentos para dar continuidade e ampliar a geração de

renda e inclusão da população refugiada no Brasil. A Brazil Foundation mobiliza

recursos para ideias e ações que transformam o Brasil. Trabalham com líderes e

organizações sociais e uma rede global de apoiadores para promover igualdade,

justiça social e oportunidade para todos os brasileiros.

Em agosto de 2017, foi criada uma unidade do Abraço Cultural em Paris. A

França tem sido um dos países mais procurados na Europa para refúgio e um dos

maiores no mundo que receberam sírios nos últimos anos. O intuito do projeto é

ampliar as possibilidades de acolhimento na região.

Todas as informações do Abraço Cultural foram fornecidas através de

entrevistas com diretores e coordenadores pedagógicos da organização.

A missão, visão e valores da Organização não Governamental Abraço

Cultural, foram extraídas do site institucional da ONG.

4.2.2 - Missão do Abraço Cultural:

Potencializar oportunidades de geração de renda e empreendedorismo a

refugiados por meio de um método inovador de ensino de idiomas e troca de

experiências culturais com as comunidades locais valorizando nossas diferenças.

4.2.3 - Visão:

Ser um ponto inicial de inserção do refugiado no mercado de trabalho e um

ponto de contato de suas culturas com a sociedade brasileira para quebrar barreiras

culturais.

4.2.4 - Valores:

Para o refugiado: Promover a troca de experiências, geração de renda e

valorização. Para o aluno: Aprender um idioma através do contato com a cultura de

outros países, quebrando barreiras e vivenciando outras tradições.

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4.2.5 - Abracinho:

É um curso de idiomas voltado para crianças de oito a doze anos de idade,

com foco em um processo de aprendizagem comunicativo cultural, que explora as

relações da língua e cultura de professores refugiados.

Com material didático próprio e método exclusivo, o curso busca trabalhar o

tripé de conceitos, processos e atitude, com projetos, aulas culturais e construção de

valores para uma vida cidadã.

O material que foi desenvolvido pela equipe pedagógica é lúdico e oferece a

oportunidade de expressão individual das crianças e adolescentes que são, a cada

módulo convidados a desenvolver um projeto que torna concreto o aprendizado e dá

sentido às situações de aprendizagem vivenciadas no curso.

O curso está dividido em dois grupos; cursos para crianças de 08 a 10 anos e

cursos para crianças de 11 a 12 anos. Os idiomas são: inglês, francês, árabe e

espanhol.

Porém ainda não foi aberto nenhuma turma para o ensino infantil. Os

coordenadores pedagógicos acreditam que o horário disponibilizado não tem sido

atrativo, pois coincide com o as atividades escolares. Outra hipótese pode ser o

receio de alguns pais de permitirem a seus filhos terem aulas com professores

refugiados, situação esta que não está descartada pela ONG e caracteriza-se pela

falta de informação e pelo preconceito em torno da figura do refugiado. Em função

disso, existe a intenção de levar esta proposta para escolas da cidade de São Paulo,

priorizando os alunos de ensino fundamental.

4.3 – Material didático:

O material didático é próprio, elaborado em conjunto pelos coordenadores

pedagógicos e professores. São apostilas segmentadas através dos níveis de

conhecimento do aluno. O objetivo é que não seja um material didático como

oferecido pelas escolas de idiomas tradicionais. É um material com muitos

referenciais culturais; existe bastante conteúdo de outras culturas, tradições

oriundas de outros países. Isso é muito importante para o professor, pois ele

consegue se apropriar deste material didático, contar histórias sobre seu cotidiano,

seu país de origem usando o material como referência.

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4.4 - Capacitação de professores:

Os refugiados chegam até a Abraço Cultural através do Atados e do site da

própria ONG. Feito o primeiro contato, o indivíduo deve fazer seu cadastro no site

confirmando seu interesse em trabalhar como professor de línguas. Após este

cadastro, os coordenadores fazem uma seleção dos profissionais de acordo com o

grau de instrução; domínio de uma ou mais línguas estrangeiras; disponibilidade

para dar aulas; experiências profissionais e experiências pessoais. Cada indivíduo

será direcionado ao ensino da língua em que tenha o maior domínio, no caso sua

língua nativa. Estes selecionados passam por uma entrevista com os coordenadores

pedagógicos e sendo aprovados serão direcionados para a capacitação.

A capacitação dos professores abrange reuniões (como uma espécie de aula)

em que são explicadas e relacionadas as rotinas das aulas e da escola; como se

portar perante o aluno; explicação sobre o material didático e por conseguinte

treinamentos e estudos referentes ao material didático pertinente a cada língua a ser

ensinada aos alunos. Atualmente a seleção dos professores tem acontecido a cada

semestre letivo, pois o quadro se encontra completo neste momento. Vale ressaltar

que existe uma capacitação contínua dos professores por meio de ateliês

pedagógicos mensais com os docentes.

4.5. Instrumentos de construção e coleta de dados:

Por meio da história, as pessoas comuns procuram compreender as

revoluções e mudanças por que passam em suas próprias vidas: guerras,

transformações sociais, mudanças tecnológicas. Ter sucesso ao entrevistar exige

habilidade. O primeiro passo é a preparação de informações básicas por meio de

leitura ou de outras formas.

Segundo Thompson (1992) a melhor maneira de dar início ao trabalho pode

ser mediante entrevistas exploratórias, mapeando o campo e colhendo ideias e

informações. E este levantamento de dados e coleta de informações genéricas no

início de nossa pesquisa foi muito útil e relevante.

A história oral não é necessariamente um instrumento de mudança; isso depende do espírito com que seja utilizada. Não obstante, a história oral pode certamente ser um meio de transformar tanto o conteúdo quanto a finalidade da história. Pode ser utilizada para alterar o enfoque da própria história e revelar novos campos de investigação; pode derrubar barreiras que existam entre professores

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e alunos, entre gerações, entre instituições educacionais e o mundo exterior; e na produção da história – seja em livros, museus, rádio ou cinema – pode devolver às pessoas que fizeram e vivenciaram a história um lugar fundamental, mediante suas próprias palavras. (THOMPSON, 1993, s/p.)

Outro fator importante é que quanto mais demonstramos compreensão e

simpatia pelo ponto de vista de alguém, mais poderemos saber sobre ele. Isto

aconteceu muito nas conversas informais ocorridas com os professores do Abraço

Cultural.

Outra questão importante neste processo remete às memórias dos sujeitos,

pois falar sobre o passado podem emergir memórias dolorosas, que podem

despertar sentimentos muito intensos que poderão afligir ou deixar desconfortável o

sujeito. Neste sentido, todos os sentimentos dos professores foram plenamente

respeitados.

Com base nestes elementos, podemos destacar:

A história oral é uma história construída em torno de pessoas. Ela lança a vida para dentro da própria história e isso alarga seu campo de ação. Admite heróis vindos não só dentre os líderes, mas dentre a maioria desconhecida do povo. Estimula professores e alunos a ser tronarem companheiros de trabalho. Traz a história para dentro da comunidade e extrai história de dentro da comunidade. Ajuda os menos privilegiados, e especialmente os idosos, a conquistar dignidade e autoconfiança. Propicia o contato – e, pois, a compreensão – entre classes sociais e entre gerações. E para cada um dos historiadores e outros que partilhem das mesmas intenções, ela pode dar um sentimento de pertencer a determinado lugar e a determinada época. Em suma, contribui para formar seres humanos mais completos. Paralelamente, a história oral propõe um desafio aos mitos consagrados da história, ao juízo autoritário inerente a sua tradição. E oferece os meios para uma transformação radical do sentido social da história. (THOMPSON, 1993, p.44)

Dados desta pesquisa foram construídos durante todo o curso de mestrado e

também durante o processo de escrita desta dissertação.

Utilizamos para a construção da coleta de dados informações que registram a

situação do refúgio gentilmente cedidas através de conversas com agentes da

ACNUR; como é o processo de legalização destas pessoas no país; como se dá seu

processo de integração na sociedade brasileira. A observação, as presenças em

sala de aula e as conversas informais com os professores, coordenadores e

diretores da Abraço Cultural nos auxiliaram para entender quem é o sujeito da

pesquisa, como se dá o trabalho da ONG junto aos professores e alunos, e nos

proporcionaram uma experiência única e extremamente rica em busca de saberes.

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Todo este processo durou um pouco mais de 12 meses. Em seguida

realizamos as entrevistas com os sujeitos da pesquisa.

É importante destacar que ao longo deste período conversamos muito

informalmente com mais de seis professores do Abraço, que nos ajudaram muito na

composição de informações e percepções desta pesquisa. Porém, quando fomos

agendar a entrevista formal, a grande maioria optou por não participar e isto se deve

aos mais variados motivos, dentre eles: excesso de exposição, timidez, medo de

perseguição e ameaças, problemas pessoais. O que de nossa parte foi plenamente

compreendido, dado as situações vivenciadas por estes sujeitos, desde a saída de

seu país de origem, uma trajetória bastante difícil, marcada por inúmeras

dificuldades e situações trágicas.

As entrevistas foram realizadas com a coordenadora pedagógica de Inglês,

com uma aluna do curso de francês e com o refugiado professor e coordenador

pedagógico de árabe.

4.6 - Caracterização dos sujeitos:

Entender o sujeito da pesquisa em nossa concepção consiste em extrair o

maior número de dados e informações possíveis não somente durante a entrevista,

mas em todo o processo de aproximação e conversas informais com estas pessoas.

Como já informado, participaram das entrevistas três indivíduos: o professor e

coordenador de árabe, a coordenadora pedagógica de inglês e uma aluna do curso

de francês do Abraço Cultural. Existir apenas três sujeitos na pesquisa não significa

que não houve outros participantes que auxiliaram e muito na construção desta

dissertação.

Os sujeitos da pesquisa foram escolhidos, com exceção da aluna que se

ofereceu para falar espontaneamente. No caso do professor de árabe, por se

destacar no meio dos demais e ser bastante extrovertido, consideramos fundamental

a entrevista com ele, para levantar dados e informações importantes para

entendermos o processo de troca de saberes e relações interculturais. Ele não está

só, faz parte de muitas outras vozes, dentre elas os outros professores refugiados

que participam com ele no processo de ensino de língua estrangeira no Abraço

Cultural.

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Ali Jeratli, 29 anos, é Sírio, nascido na cidade de Salamiyah, próximo à

Aleppo, local onde desde de 2013 iniciaram-se os bombardeios, em função da

Guerra. Ali já está há 3 anos no Brasil, tem um português bastante afiado, fala cinco

idiomas (árabe, português, inglês, francês, alemão). É formado em Turismo e

trabalhava em Damasco na rede de hotéis Four Seasons, treinando e capacitando

novos funcionários. Antes de chegar no Brasil, ele deixou a Síria por conta da guerra

e pela falta de emprego na rede hoteleira. Morou no Iraque e na Turquia, onde

tentou um visto europeu, mas sem sucesso. Aqui no Brasil, conseguiu

primeiramente uma oportunidade de trabalho na Copa do Mundo, trabalhou para a

Fifa, como tradutor durante o período da Copa do Mundo sediada no Brasil em 2014.

Depois desta experiência, ele se sentiu encorajado a dar aulas particulares de

árabe e inglês, o que o favoreceu para chegar até a Abraço Cultural. Segundo Ali, o

mais difícil no Brasil foi a língua: o português, para ele, foi a principal barreira. Afirma

que foi muito bem recebido pelos brasileiros em todas suas esferas e que o Brasil se

parece muito com a Síria, em relação ao clima; ao gosto pela dança, a variedade de

comidas, “apesar de os brasileiros acharem que a Síria é só deserto”, diz. Mas isso

ele atribui à falta de conhecimento e informação em relação aos países árabes. A

Síria tem uma cultura histórica milenar, muito rica, mas conhecida por poucos, afirma

Ali.

A Abraço é muito importante na vida dele, pois proporciona um trabalho, uma

renda para sua sobrevivência e as experiências vivenciadas com os outros

professores e alunos é uma troca de experiência intensa: “a gente aprende todos os

dias coisas novas sobre outras culturas dos outros professores, que são da Costa do

Marfim, Congo, Venezuela, Haiti, Cuba, e sobre o Brasil, com os alunos, parece que

estamos viajando todos os dias, é um muito legal,” completa Ali. Para ele, a Abraço

é importante também, pois, ele deseja quebrar o estigma da guerra e do deserto:

“Quero quebrar o estigma da guerra e mostrar aos brasileiros que a Síria é um país

com uma cultura e história muito ricas”, diz Ali. Uma fala de Ali que nos chamou

muita atenção foi sobre a visão de mundo dele: “Eu só quero ser feliz, estou no

Brasil apenas para ser feliz e acredito que todos os refugiados desejam a mesma

coisa e gostaria que todas as pessoas no mundo tivessem este pensamento; ser

feliz”, conclui Ali com muita convicção e desejo de que realmente isso aconteça.

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Débora Oliveira, 29 anos é brasileira, bacharel e licenciada em Letras –

português e inglês, pela UNESP Araraquara. É a coordenadora de inglês na Abraço

desde 2016.Seu cotidiano na instituição consiste em treinamento de novos

professores, capacitação contínua através de ateliês pedagógicos mensais com os

docentes, relacionamento com os alunos e novos alunos, organização de aulas em

grupo, particulares e in-company, coordenação de professores e acompanhamento

de aulas, elaboração de material didático de língua inglesa, coordenação de

voluntários na área de pedagogia. Segundo Débora, seu trabalho proporciona um

aprendizado diário sobre a história do povo, nação e costumes de cada professor

com quem ela convive na Abraço: “estar em contato com professores/as de

diferentes países e diferentes culturas me traz um aprendizado diário sobre a

história de seu povo, nação, seus costumes e também suas histórias de vida e o que

os/as trouxeram ao Brasil”, diz Débora.

Debóra afirma com bastante ênfase a importância da relação intercultural e a

troca de saberes vivenciada na Abraço Cultural: “O ambiente da Abraço Cultural é

multicultural por natureza, pois temos professores de países árabes, da América

Latina, da África e da região do Caribe. Tanto os alunos como os coordenadores,

todos brasileiros, têm a oportunidade de estar em contato com pessoas de tantas

culturas diferentes e que talvez não tivéssemos a chance de conhecer. Essa relação

intercultural nos permite conhecer melhor e compreender as diferenças culturais e

religiosas, e assim respeitar, acolher e descontruir preconceitos muitas vezes

difundidos sobre alguns povos. O aprendizado do idioma é a porta de entrada dos

alunos/as para o universo dos professores/as.

Aline, 22 anos é brasileira, estudante de relações internacionais pela PUC –

SP. É aluna do curso de francês ministrado pela professora haitiana Geneviéve.

Estudava francês na escola Aliança Francesa, mas quando soube da Abraço ficou

muito curiosa, por saber que os professores eram nativos, refugiados e sensibilizada

com a causa. “As aulas na Aliança eram muito monótonas, com exemplos somente

oriundos da França, já aqui não, aqui a gente aprende dança, cultura, culinária,

curiosidades, política e história de vida e do pais de origem dos professores”, diz

Aline entusiasmada. Complementa: “para uma aluna de RI isto é fundamental, era

isso que eu estava buscando, além do que as aulas passam muito rápido”. Aline

afirma que através da Abraço Cultural é possível mudar paradigmas e entender o

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refugiado, “este modelo de escola mostra que é possível a valorização dos

refugiados e suas habilidades que são muito variadas”. “Para mim tem sido uma

experiência única, repleta de aprendizado que me fez mudar a visão sobre o

refugiado, eles são como a gente”, conclui Aline.

4.7 – Diálogos com os sujeitos

As vozes apresentadas estão carregadas de sentidos, sentimentos,

entusiasmo; vozes muito centradas e seguras.

A do professor refugiado é uma voz que representa uma história e muitas

outras vozes, pessoas que assim como ele atravessam e atravessaram uma jornada

carregada de situações tristes, conflituosas, trágicas, mas ao mesmo tempo cheia de

esperança e repleta de múltiplos saberes e riquezas culturais.

Sua história de vida nos permite entrar em contato com as experiências de

vida vivenciadas pelos refugiados e estas têm rosto, tem nome e tem voz para

contar o vivido. Vivencia a troca de saberes, descontruindo uma imposição

colonialista de um saber único, soberano e absoluto. Possibilita saberes numa

multiplicidade de troca e socialização de ideias, sonhos e ideais compartilhados

numa travessia de sujeito que aprende e ensina um com os outros, num

pertencimento com todos nós. Apresenta vozes aprendentes, que ensinam e

aprendem uns com os outros, vozes carregadas de saberes, vivências e emoções.

Ao relatar as semelhanças e diferenças culturais entre o Brasil e a Síria,

percebemos como no Brasil temos uma versão única de visão de mundo que está

alinhada com a imposição colonialista.

Diz: “aprendi e aprendo todos os dias coisas novas sobre o Brasil, com os alunos e

com Débora e Lígia ( coordenadoras pedagógicas) e aprendi muito sobre África,

Cuba e como as pessoas vivem lá com os outros professores” e conclui: “ é muito

importante aprender o português para a gente conseguir se comunicar no Brasil,

entender as pessoas e como funciona todas as coisas aqui “. Nesta passagem, há a

evidencia do que foi discutido anteriormente nesta dissertação, a vivência de infinitas

pluralidades de saberes. Dentro desta passagem narrada por Ali, existem

conjugações destes saberes, tais como a experiência com a diversidade cultural e a

ética planetária - a relação educação, convivência e ética compreende formar

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pessoas, como foi afirmado nesta dissertação, demanda se fazer bem aquilo que se

faz e fazer o bem com aquilo que se faz.

Algo interessante a se destacar é a conversa informal com a professora

refugiada de origem cubana, ela possui uma visão um pouco menos esperançosa do

que o professor Ali. Para ela, o Brasil é um país extremamente preconceituoso, pois

acolhe melhor os refugiados de origem branca (sírios, venezuelanos, palestinos) do

que os refugiados haitianos, cubanos e africanos. Para ela, o país é racista, mas

possui um “racismo velado” ou camuflado, por se dizer um país amistoso e que

acolhe a todos os estrangeiros bem. Já o professor africano, vivenciou este

preconceito em seu primeiro ano no Brasil, quando foi parado por uma blitz policial

na cidade de São Paulo e ficou muito caracterizado, segundo ele, que o pararam por

ser negro. Foi uma situação bastante difícil e triste, pois ele ainda não tinha o

domínio da língua portuguesa e os policiais não o compreendiam e até a situação

ser esclarecida foi um período de muito stress e constrangimento. Porém ambos

fazem questão de ressaltar que nunca foi vivenciada nenhuma situação semelhante

ou de preconceito dentro da Abraço Cultural em relação aos alunos, pelo contrário,

sempre foram muito bem acolhidos, recebidos por todos.

Débora, a coordenadora pedagógica de inglês, afirma: “Para mim estar na

Abraço é uma experiência incrível, acredito que eu aprendo muito mais com eles do

que eles comigo”, sendo enfática na relação de troca de saberes vivenciada na

ONG. A diversidade cultural se baliza nos pressupostos da ecologia do saber, cuja

reflexão incide nas práticas de conhecimento e nas práticas culturais e o dia a dia na

Abraço Cultural está todo permeado pela ética planetária e ecologia dos saberes.

Podemos dizer que a ONG Abraço Cultural tem uma importância muito

grande no que tange a acabar com o estereótipo e o estigma em relação aos

refugiados que com seus saberes contribuem para um enriquecimento cultural de

ambas as partes e o cultivo pela maior tolerância ao redor do planeta.

Conforme reiterado no segundo capítulo, Sousa Santos (2010) propõe a

Sociologia das Emergências, pois direciona tanto para a capacidade quanto para a

possibilidade. Neste sentido não se deve perder a oportunidade de uma

transformação mais específica do que a existe no momento. Precisamos pensar

numa relação intercultural e na ecologia dos saberes para uma emancipação social

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futura. É desta maneira que trabalha a Abraço Cultural, permitindo que os

professores refugiados possam contribuir e receber contribuições de seus alunos.

Sousa Santos (2010) complementa com a Sociologia das Ausências que ao

dar maior espaço às experiências disponíveis, discorre cinco modos de ecologias:

de saberes, das temporalidades, dos reconhecimentos, das trans-escalas e da

produtividade. Neste complemento está contemplada uma ecologia de saberes com

base no reconhecimento da autonomia e da pluralidade de saberes heterogêneos

que formam o universo cultural.

Pensamos que a vida anseia por uma existência fundamentada sobre

relações inter-humanas genuínas. Dialogando com Severino Antônio (2010)

entendemos que cada tempo traz singulares desafios, dilemas que se conjugam aos

permanentes que atravessam a história, inseparáveis da condição humana. Um

deles diz respeito à reconsideração dessa ética de irmandade, que se dá em um

momento de crise civilizatória, como reconhece Cristovam Buarque:

Os homens assustados com o que construíram, podem despertar um sonho: a formulação e aceitação de uma ética que subordine o avanço técnico a novos propósitos civilizatórios nos quais estejam refletidos o direito à liberdade de cada homem e a responsabilidade de cada um deles para participar da construção de uma civilização onde o equilíbrio ecológico seja garantido, onde nenhum ser humano seja excluído do mínimo necessário para a vida livre e criativa e onde o processo civilizatório tenha por objetivo o constante enriquecimento da humanidade em seus valores culturais. (BUARQUE apud ANTONIO, Severino, 2010, p.15)

Na concepção de Severino Antônio (2010), a ética é formada pelo

conhecimento e reconhecimento da interdependência de todos os seres vivos, com

a interpretação de seus sentidos, com o sentimento de irmandade, com uma

constelação de imagens que revelam semelhanças, convergências e ressonâncias

entre as múltiplas dimensões da vida. A ética se faz da percepção dos sujeitos, do

que é sentido, do que é imaginado e das várias interpretações das histórias vividas e

convividas. É necessário um cuidado com a vida e este cuidado deve ser um olhar

amoroso, de empatia, que de uma maneira empática considera todas as vozes que

compõem a realidade.

Neste conceito de ética concebido por Severino Antônio, a Abraço Cultural

exerce um papel fundamental reduzindo as desigualdades e conectando as

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pessoas, um local onde a prosperidade e a solidariedade acontecem e são

vivenciadas diariamente.

Assim podemos também refletir com Dalai Lama:

Há muito tempo advogo a necessidade de valores éticos ou espirituais na política e na economia mundiais. A fim de tornarmos este mundo um lugar melhor, mais humano e mais seguro, precisamos nos dar conta de quão interdependentes somos, e consequentemente, de como é necessário que nos responsabilizemos uns pelos outros. (Dalai Lama apud ANTÔNIO, Severino, 2010, p.15)

Uma importante observação em relação à Abraço Cultural é que a ONG tem

se destacado pelo importante papel para a sensibilização, acolhida, integração e

solidariedade junto aos refugiados. Acolher no sentido de oferecer uma oportunidade

de trabalho para a sobrevivência deste refugiado no Brasil, sensibilização no

aspecto de romper barreiras, romper paradigmas. Para integrar é necessária uma

atitude de rompimento com as amarras do preconceito, da discriminação, do racismo

e de toda e qualquer forma de intolerância, tem um significado muito grande com

uma atitude permanente de troca de experiências, saberes, culturas, línguas e

conhecimento.

Um importante apontamento nas pesquisas em educação sóciocomuntária

que é válido ressaltar são as experiências educativas, em que o sujeito se reinventa,

e que a palavra desencadeia o encontro da experiência e o diálogo, a descoberta, a

construção e a formação de conhecimento, em que os sujeitos aprendem e ensinam

uns com os outros e um com o outro. É muito interessante compreender os sujeitos

e suas realidades através da experiência vivida, da reflexão, da escuta e do diálogo.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tendo como referencial teórico as questões sobre Ecologia dos Saberes,

Ética Planetária, Diálogo intercultural e Educação Sociocomunitária e refletindo

sobre o refugiado, professor de língua estrangeira, na Abraço Cultural, a partir da

intepretação de suas vivências, memórias, pluralidades, buscando compreender

como este sujeito pensa, sente e troca experiências culturais junto com a

comunidade, procuramos a construção de uma relação de empatia e compreensão

entre os sujeitos da pesquisa, evidenciando a ecologia dos saberes nas bases da

educação sociocomunitária, com seus alicerces transformadores tanto nos

ambientes educacional quanto no sociocultural.

Outro aspecto importante: lançando mão de reflexões de Severino Antônio,

percebemos que a compreensão racional se junta uma estética e uma ética de

existência, do viver e conviver. A compaixão é a empatia com o sofrimento do outro,

o sentir irmanadamente a dor do outro. Sem compaixão sem reverência pela vida,

sem a educação sensível- da percepção das emoções, da imaginação- não haverá

transformação da nossa relação com o mundo e com os outros.

Através das vozes dos sujeitos, das observações realizadas durante o

período da pesquisa descobrimos que a troca de experiências culturais, a troca de

saberes foi e continua sendo essencial para o melhor conhecimento do outro e

melhor compreensão do mundo do qual cada um faz parte. As oportunidades de

aprendizado, do acolhimento e a desconstrução dos preconceitos fortalecem os

vínculos interpessoais e comunitários.

Houve o esforço de apresentar uma educação transformadora trilhada pelo

significado das práticas sociais e culturais, trazendo uma nova escuta em educação

sociocomunitária, um outro modo de perceber e de dizer, tanto em educação quanto

nas relações humanas, principalmente do refugiado. Uma escuta que reconhece a

complexidade do ser humano, teia de múltiplos saberes e múltiplas interações,

sempre em conjunto, buscando o recomeço e caminhando neste ciclo sem fim,

buscando e construindo sentidos. Uma escuta que reconhece a singularidade de

cada sujeito e destino, que acolha a voz do outro e que alimente a circulação de

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saberes e vozes, que proponha o diálogo entre os sujeitos e entre os povos. Isso

pressupõe uma educação da sensibilidade.

Observamos que as perspectivas dessa educação, comprometidas com as

transformações, criam espaços e ambientes de aprendizagem com os sujeitos

envolvidos, dando oportunidade ao diálogo, ambientes que propiciam as

experiências de conhecimento da pluralidade dos saberes e também das

comunhões desses saberes para a realizações de atividades e práticas do

conhecimento e dos seus impactos nas práticas sociais.

O mundo tem muitas vozes e cada vez mais se mostra um mundo complexo.

É necessário educar para a convivência cotidiana com diversas fontes diferentes,

com ideias e dados cada vez mais consolidados em rede. Educar para a

interpretação. Precisamos educar para a complexidade, para a criação, para o

diálogo e para a interpretação, isto é questão vital para nossa sobrevivência, pois

vivemos uma crise universal; uma crise humanitária, a maior desde a Segunda

Guerra Mundial.

Precisamos rever este mal-estar que nos atravessa, a intolerância, a

incompreensão das diferenças culturais e religiosas muitas vezes acentuada por

uma educação desencantadora e pela onipresença de uma visão única, da mídia e

suas imagens manipuladas. Torna-se urgente o resgate do valor intercultural dos

direitos humanos, da ética e do reconhecimento da diversidade.

As diferentes formas de saber, de ser, de aprender criam diferentes seres

humanos e definem novas formas de nos relacionar com o outro e com o ambiente.

Esta escuta em educação sóciocomunitária deve ser encarada como práticas

possíveis de educação para uma maneira mais criativa, com mais sentido e

harmonia, de nos relacionar com a comunidade e com o mundo. Nesta congruência,

a presente dissertação expôs reflexões com os autores Boaventura dos Santos,

Edgar Morin, Manuel Isaú, Luis Antônio Groppo, Sueli Maria Caro, Paulo de Tarso

Gomes, Regis de Moraes, Severino Antonio e também com as vozes dos sujeitos da

Abraço Cultural e inclusive com a minha visão de educação, construída ao longo de

minha trajetória em busca do aprendizado, da evolução e dos saberes, que tem um

alicerce com as reflexões de Severino Antônio (2013) quando afirma:

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A razão precisa de um outro amor. Precisa do encantamento de um outro amor. De uma conversão. Uma conversão ética, de amor e respeito pela vida. Respeito e admiração pela vida, pela diversidade e pela unidade. Ideias educam ideias. Para educar pessoas, é preciso mais que conceitos. É preciso encantamento.

Fica aqui um convite para refletir conosco na busca de uma educação

sensível e transdisciplinar. Precisamos chamar a todos envolvidos com a educação

e preocupados com uma sociedade mais democrática e sensível, para pensar sobre

a responsabilidade com seu compromisso de reconstruir as concepções de

conhecimento, do ser humano, evitando visões fragmentadas, reducionistas que

estrangulam a percepção do homem e do mundo. O aprendizado que temos pela

frente é imenso.

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SUNIGA, Daniela. Educação e Ética: Repensando a Prática Educativa. In: BREDDA, Cristiano A. (Org.). EDUCAÇÃO & GESTÃO: Modelos Educacionais e Métodos de Gestão Aplicados à Educação. Editora Lopes. Campinas/SP. 2017. p. 41-50. THOMPSON, Paul. A voz do passado: história oral. 3ª edição. Rio de Janeiro. Editora Paz e Terra, 1992. p.20 - 137, 254 - 278, 299 - 337.

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ANEXOS:

DOCUMENTÁRIOS

EXPOSIÇÕES

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ANEXO 1

FILME: SAMBA

Samba (Omar Sy) é um imigrante do Senegal que vive há 10 anos na França e, desde então, tem se mantido no novo país às custas de empregos pequenos. Alice (Charlotte Gainsbourg), por sua vez, é uma executiva experiente que tem sofrido com estafa devido ao seu trabalho estressante. Enquanto ele faz o possível para conseguir os documentos necessários para arrumar um emprego digno, ela tenta recolocar a saúde e a vida pessoal no trilho, cabendo ao destino determinar se eles estarão juntos nessa busca em comum.

Data de Lançamento: 09 de julho de 2015.

Duração: 1h 58 min

Direção: Eric Toledano, Olivier Nakache

Elenco: Omar Sy, Charlotte Gainsbourg, Tahar Rahim

Gênero: Drama

Nacionalidade: França

Disponível em: https://youtu.be/a0tB_A4obrM

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ANEXO 2

DOCUMENTÁRIO: CAPACETES BRANCOS

A Defesa Civil Síria é um grupo formado por voluntários locais, também conhecido como “Capacetes Brancos”, que oferece serviço de ambulância.

Ficha técnica: Direção: Orlando von Einsiedel Montagem: Masahiro Hirakubo Elenco: Khalid Farah, Mohammed Farah, Abu Omar. Nacionalidade e lançamento: Reino Unido, 2016 (16 de setembro de 2016 no Brasil – mundialmente via Netflix)

Sinopse: Enquanto bombas diárias atingem civis na Síria, o grupo conhecido como “Capacetes Brancos” fica alerta para seguir imediatamente para os lugares atacados e resgatar as vítimas.

Em meio ao caos da Guerra na Síria, um grupo de voluntários atua para tirar inocentes civis dos escombros que se formam após os bombardeios: são os Capacetes Brancos, ou White Helmets.

O documentário original da Netflix, do diretor Orlando von Ensiedel (Virunga), mostra em 40 minutos o funcionamento e o treinamento do grupo que hoje é conhecido como a “defesa civil” da Síria.

Disponível em: https://youtu.be/XhFOtPTa-BU

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ANEXO 3

EXPOSIÇÃO REFUGIADOS – ARTISTA VERA FERRO

Período: 19/08/2017 a 18/09/2017

Local: Atelier Vera Ferro

Ao enfocar a temática da imigração, a artista plástica Vera Ferro consegue significativos efeitos. A sua preocupação central está nas pessoas que ultrapassam as fronteiras. Suas imagens vão desde mães carregando filhos a grupos em deslocamento, em caminhadas muitas vezes épicas.

Seus mapas não são geográficos, mas existenciais. É possível perceber o drama dos imigrantes e refugiados pela maneira como eles se vestem e olham. Sua jornada é permeada por cercas, muros e grandes, perto das quais crianças e adultos experimentam a mesma percepção de não pertencer a lugar algum.

A proposta da artista passa por algo que podemos chamar de estética do caminhar. As pessoas retratadas constituem um libelo contra a violência. Carregam em cada passo o peso do existir perante um presente pouco favorável e um futuro imprevisível, sujeito a influências políticas, sociais e econômicas.

As imagens apontam como cada um dos imigrantes leva seu fardo. Vera Ferro consegue, por meio das linhas, cores e formas, uma linguagem própria que não se deixa dominar pela emotividade do tema e o apresenta de maneira oxigenada, mantendo as tensões do drama, mas com rigor técnico e delicadeza.

Disponível em: www.veraferro.com.br

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ANEXO 4

ENTREVISTA COM O CINEASTA OLIVER STONE.

PROGRAMA MILÊNIO - GLOBO NEWS

O premiado e eventualmente polêmico diretor de cinema esteve no Brasil para lançar “Snowden - herói ou traidor” mas na conversa com Marcelo Lins não se limitou a falar apenas do filme. Conhecido como um diretor autoral, que já se arriscou bastante com obras sobre temas delicados, Stone rejeita o rótulo de esquerdista militante e garante que vai atrás de boas histórias e personagens.

Disponível em:

http://g1.globo.com/globo-news/milenio/videos/t/milenio/v/milenio-a-realidade-pelo-olhar-do-cineasta-oliver-stone/5509617/

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ANEXO 5

O FILÓSOFO EDGAR MORIN FALA SOBRE EXTREMISMO E A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO.

PROGRAMA MILÊNIO – GLOBO NEWS

Marcelo Lins entrevista Edgar Morin, filósofo e cientista social e um dos grandes pensadores da França no século XX. Aos 94 anos, continua inquieto e ativo. Defensor da importância fundamental da educação, escreveu livros sobre o tema e viajou o mundo para falar da própria experiência. Herdeiro da tradição humanista francesa, rejeita a violência e o extremismo como armas da luta política.

Disponível em: https://globosatplay.globo.com/globonews/v/3988335/

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ANEXO 6

Boaventura de Sousa Santos falando sobre Direitos Humanos,

Gramado/RS, 2012

https://youtu.be/L3OFA-15Udk