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V SEMINÁRIO IBERO-AMAERICANO ARQUITETURA E DOCUMENTAÇÃO BELO HORIZONTE – DE 24 A 26 DE Outubro de 2017
REDESENHANDO O MINISTÉRIO DA FAZENDA EM FORTALEZA, DE ACÁCO GIL BORSOI: documentação e modelagem digital
PAIVA, RICARDO ALEXANDRE (1); DIOGENES, BEATRIZ HELENA NOGUEIRA (2); BRAGA, BRUNO MELO (3); VIANA, VITOR V. (4)
1. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design.
E-mail [email protected]
2. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design. E-mail [email protected]
3. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design.
E-mail [email protected]
4. Universidade Federal do Ceará. Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design. E-mail [email protected]
RESUMO
O uso das novas tecnologias aliado a dados primários e secundários desempenha importante papel no processo de documentação, sistematização, representação, geração, gestão, (re)desenho e modelagem por meio da plataforma BIM (Building Information Modeling) de obras e/ou projetos arquitetônicos. Assim, o objetivo do trabalho é discutir teórica e empiricamente a interface entre o redesenho - por meio da modelagem na plataforma BIM - e a documentação da arquitetura moderna em Fortaleza, utilizando como referência o edifício do Ministério da Fazenda (1976-1979), de autoria do arquiteto Acácio Gil Borsoi (1924-2009), importante exemplar do modernismo arquitetônico. Os métodos utilizados no trabalho compreendem uma breve revisão bibliográfica, enfatizando o uso das tecnologias digitais no campo da arquitetura e sua relevância como instrumento de pesquisa histórica e, em seguida, o processo empírico de redesenho virtual. A (re)construção e modelagem digital das obras modernistas em Fortaleza se traduz, portanto, como valiosa contribuição para a historiografia da arquitetura regional, uma vez que o redesenho de edifícios emblemáticos, por meio da simulação e da documentação digital, possibilita a compreensão dos pressupostos dos projetos, do modus operandi dos arquitetos, entre outros aspectos, potencializando ações de preservação e permitindo também a democratização do acesso à informação.
Palavras-chave: arquitetura moderna; modelagem digital; BIM; Acácio Gil Borsoi; Fortaleza
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Introdução
Atualmente, o uso das novas tecnologias digitais constitui importante avanço no processo de
documentação, sistematização, representação, geração e gestão de projetos arquitetônicos
e de construção. Destaca-se neste panorama o BIM (Building Information Modeling), que se
baseia na modelagem, no armazenamento e na documentação da informação de projetos
e/ou edifícios durante todo seu ciclo de vida por meio de uma plataforma de informações
colaborativa e inteligente. Seu uso se presta não somente a democratização do acesso às
informações de projetos atuais, mas tem desempenhado um importante papel como
ferramenta para registro, análise e intervenção no patrimônio.
No caso específico da arquitetura moderna em Fortaleza, tem sido usada na produção da
documentação digital das obras modernas mais emblemáticas da cidade, contribuindo para
a historiografia da arquitetura regional e possibilitando a compreensão dos pressupostos dos
projetos, do modus operandi dos arquitetos, da inserção urbana dos edifícios, das premissas
estruturais e construtivas, das soluções espaciais e das interações funcionais, da linguagem
e da forma moderna, entre outros aspectos.
A (re)construção digital destes edifícios implicou, ainda, na necessidade de sistematizar as
fontes iconográficas e confrontá-las com o objeto empírico (no caso dos edifícios
remanescentes), uma vez que ele “reúne em si os dados mais significativos para o seu
conhecimento” (Waisman, 2013, p. 11-12), permitindo inferir sobre os descompassos entre o
projeto e a obra e as transformações e intervenções sofridas ao longo do tempo.
Diante disso, este trabalho tem como objetivo discutir teórica e empiricamente a interface
entre o redesenho - por meio da modelagem na plataforma BIM - e a documentação da
arquitetura moderna em Fortaleza, utilizando como referência o edifício do Ministério da
Fazenda (1976-1979), de autoria do arquiteto Acácio Gil Borsoi (1924-2009), importante
exemplar do modernismo arquitetônico. O nível de detalhamento do projeto aliado ao rigor
construtivo da obra se configurou como algo inédito e extraordinário na Cidade à época. A
quantidade e a qualidade dos desenhos representavam o comprometimento de Borsoi com
as diversas escalas do projeto (do mobiliário ao paisagismo, que contavam com a
participação da arquiteta Janete Costa e do paisagista Roberto Burle Marx, constituindo uma
verdadeira equipe) e a respectiva integração com os aspectos construtivos.
Para tanto, o trabalho foi metodologicamente organizado em três partes, a saber: realizou-se
uma breve revisão bibliográfica, enfatizando o uso das tecnologias digitais no campo da
arquitetura e relevância do redesenho como ferramenta de documentação e pesquisa
histórica; em seguida, para respaldar os procedimentos práticos da pesquisa, foi discutida a
importância da obra no contexto do modernismo em Fortaleza; por fim, refletiu-se sobre a
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repercussão da plataforma BIM no contexto da documentação e memória da arquitetura
moderna em Fortaleza.
A contribuição do redesenho digital na documentação e na
pesquisa histórica da arquitetura
O desenho, como meio de representação por excelência da arquitetura, exerce um papel
fundamental ao tornar o projeto “inteligível, executável e transmissível, e com tal, constitui
um sintoma do desenvolvimento tecnológico e cultural em um determinado contexto
histórico-social” (Paiva, 2015, p.3). A serviço da arte e da técnica, muitas vezes sintetizadas
e presentes na arquitetura, o desenho constitui documento histórico e legado da produção
material da humanidade, para além dos próprios edifícios que representa.
Entretanto, a materialidade dos desenhos de arquitetura muitas vezes não resiste às
intempéries do tempo, dificultando a compreensão da gênese do edifício, qual seja, a
própria memória do projeto de arquitetura, que desde o Renascimento elevou o status do
arquiteto e alterou o estatuto da profissão. Não resta dúvida que as técnicas de desenho e
registro da arquitetura moderna também foram impactadas pelas novas possibilidades de
representação suscitadas pelos avanços tecnológicos da Revolução Industrial. Assim, o
patrimônio arquitetônico mais recente teve o privilégio de ter os desenhos dos seus
exemplares mais emblemáticos publicados em revistas especializadas e monografias sobre
os arquitetos mais destacados, realidade não compartilhada por grande parte da produção
arquitetônica da modernidade.
Com ou sem a permanência de desenhos de edifícios (modernos ou não), o redesenho é
um importante instrumento de pesquisa histórica, pois constitui “uma prática metalinguística,
isto é, um simulacro intencional e dirigido do projeto: um projeto do projeto.” (Ramos, 2016,
p.5-6), uma vez que permite um aprofundamento do conhecimento do passado, do presente
e do futuro do edifício, da sua concepção, materialização, além de intervenções existentes e
planejadas. Confirma Ramos (2016, p. 5):
Posto que não são estáticas, mas dinâmicas, as representações digitais introduzem na
pesquisa sobre arquitetura (histórica, crítica, analítica etc.) possibilidades de aproximação ao
objeto arquitetônico que os meios analógicos tradicionais não contemplavam, como tampouco
os desenhos originais. A mobilidade da imagem e a possibilidade de perambular pela obra,
ainda que virtualmente, abrem um campo interpretativo desconhecido. Mesmo os trabalhos
feitos com programas paramétricos podem trazer novos tipos de dados, como os quantitativos,
que nunca antes foram usados em pesquisas históricas. Esses programas paramétricos são de
grande valia para a reinterpretação de projetos complexos como os conjuntos habitacionais,
que requerem sistematização das informações sobre os elementos arquitetônicos dos projetos.
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Ainda é preciso estudar mais (case studies) os modos de trabalhar com essas ferramentas e os
trabalhos que se valem dessas técnicas, para entender se elas são meramente descritivas ou
não. Podemos afirmar que estamos caminhando para a construção de um novo campo de
pesquisa.
Neste campo, o redesenho digital possui grande potencial de resgate da memória dos
projetos e dos edifícios, sendo promissora a modelagem de edifícios que foram
descaracterizados ou demolidos, pois “desaparecido o objeto que testemunha o nosso
passado, a sua imagem pode substituir, embora parcialmente, a necessidade imanente à
natureza humana de manter contato com o que se foi. Daí uma das várias utilidades das
representações cadastrais como forma de preservação da memória.” (Oliveira, 2008, p.13).
Assim, ampliar os limites de documentação agregando novas formas e plataformas de
modelagem e documentação em outras escalas e dimensões contribuirão de forma efetiva
para a pesquisa histórica.
O processo de modelagem e documentação em plataforma (H)BIM
Para o propósito deste artigo, o termo BIM, segundo o National Institute of Building
Sciences, será definido como “uma representação digital inteligente de dados, usada para
criar a armazenar informações do modelo do edifício” (NIBS, 2007, apud Andrade, Ruschel,
2011, p. 422) . É possível ainda conceituar o BIM a partir do que ele não é. Assim, não são
considerados softwares de plataforma BIM, arquivos: (i) que só contenha modelos
tridimensionais digitais sem atributos, inviabilizando a análise do projeto e extração e
integração de dados; (ii) que não se utiliza de inteligência paramétrica, dificultando a
geração de vistas e podendo-as tornar incoerentes e imprecisas; (ii) que contenham várias
referências de arquivos CAD 2D não combinados em um modelo 3D factível e; (iv) que não
possibilitem alterações automáticas nas vistas quando há mudanças de dimensões (Estman
et al, 2014). Além disso, o BIM “pode ser definido como uma metodologia avançada de
trabalho colaborativo, que usa um modelo criado a partir de informações coordenadas e
consistentes” (Tolentino, 2016, 510).
Uma extensão desse conceito é o HBIM, Historic Building Information Modeling que
segundo Dore e Murphy (2012, p.369), baseia-se no levantamento utilizando-se como
recursos o laser scanner e/ou fotogrametria por um processo de engenharia reversa criando
sistemas de informações digitais para apresentação, visualização, análise, documentação e
arquivamento da documentação patrimonial. Além disso, segundo Dore e Murphy (2012,
370), o HBIM abre novas áreas de pesquisa utilizando a modelagem paramétrica com o
objetivo de si investigar como as regras da arquitetura patrimonial podem ser exploradas a
partir da construção virtual de um modelo computacional de sua estrutura e elementos. Isso
só é possível porque o BIM funciona através de “regras paramétricas para os objetos que
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modificam automaticamente as geometrias associadas quando inseridas em um modelo de
construção ou quando modificações são feitas em objetos associados.” (Estman, et al,
2014,14), facilitando, assim a análise das soluções arquitetônicas utilizadas.
Contudo, o HBIM está sendo mais utilizado no levantamento e na documentação de
exemplares arquitetônicos anteriores às obras modernistas, “talvez por funcionar como
recurso bastante adequado de escaneamento de elementos ornamentais e detalhes
construtivos” (Paiva et al, 2015, p. 4).
A vantagem da utilização da ferramenta BIM em comparação as demais formas de
armazenamento e documentação de um modelo construído se refere à eficácia e redução
de perdas de informações e geometrias no decorrer do processo de modelagem.
Acácio Gil Borsoi e o Ministério da Fazenda em Fortaleza
Acácio Gil Borsoi (1924-2009) foi arquiteto e professor carioca diplomado pela Faculdade de
Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro em 1949. De origem
familiar composta majoritariamente por arquitetos, Borsoi se muda para Recife em 1950,
cidade onde se radicou e teve grande parte de sua atuação prática e acadêmica, lecionando
na Universidade Federal de Pernambuco durante 28 anos (Moura, 2001). Foi o arquiteto
moderno mais ativo no Nordeste, onde exerceu importante contribuição na consolidação dos
ideais modernistas, atuando em várias capitais, como Fortaleza, João Pessoa, Maceió e
Teresina. Em sua obra merece destaque o cuidado com o detalhe construtivo e a qualidade
da execução das obras, nas quais o arquiteto conseguiu criar um vocabulário moderno ao
utilizar com esmero formas e soluções vernaculares (Acayaba; Ficher, 1982).
Em Fortaleza, Borsoi teve uma intensa e importante produção, projetando desde casas,
como a Residência Benedito Macedo (1968) e a Residência de Veraneio Clóvis Rolim
(1974), até edifícios residenciais, como o Edifício Granville (1977), e comerciais, como o
Edifício Comercial Comandante Vital Rolim (1980). Como afirmam Paiva e Diógenes (2008),
o início da atuação do arquiteto carioca diverge da dos pioneiros cearenses, uma vez que
Borsoi, por já possuir determinado prestígio, não encontrou tantas dificuldades de ordem
material ou cultural. Neste sentido, a importância de sua obra em Fortaleza foi mais de
ordem pragmática, do que programática na transmissão do ideário moderno, pois embora
sua formação tenha sido similar a dos demais arquitetos cearenses, ele não chegou a ter
uma prática acadêmica ou manter escritório na cidade, o que poderia ter ampliado sua
influência local.
Dentre suas obras na capital cearense, o Edifício Sede do Ministério da Fazenda (1975-
1979) foi o mais emblemático. Inicialmente previsto para ser implantado na Praia de
Iracema, próximo ao prédio da antiga Alfândega, construção histórica tombada pelo IPHAN,
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o edifício foi construído na Aldeota, bairro que, a partir dos anos 1970, começa a se
constituir como uma nova área de centralidade na cidade de Fortaleza, transformando-se de
bairro residencial em centro de comércio e negócios, resultado de uma série de eventos,
como a transferência do Governo Estadual e a mudança de legislação (Braga, 2017). Além
de Borsoi, participaram do projeto, também, Roberto Burle Marx, responsável pelo
paisagismo, e Janete Costa, que elaborou o projeto de interiores e detalhes de mobiliário da
edificação.
O terreno escolhido ocupa uma quadra inteira entre as ruas Barão de Aracati, Pereira
Filgueiras, Carlos Vasconcelos e Iracema, com a implantação do edifício na porção oeste e
o estacionamento à leste. O projeto foi elaborado de acordo com uma grande racionalidade
construtiva, cujo sistema construtivo segue uma coordenação modular de 1,25m por 1,25m,
a partir da qual todas as peças pré-moldadas da edificação foram elaboradas, dos painéis
de vedação externa à paginação de forro. Este pressuposto é tão marcante que está
presente na fachada oeste da base através de um painel com o desenho geométrico
explicativo.
O edifício é formado basicamente por duas partes: uma base mais horizontal de quatro
pavimentos e uma torre vertical de nove pavimentos. A base do edifício possui uma planta
retangular de 46,25m por 71,25m e é dividia em subsolo, térreo, mezanino, sobreloja e
terraço. Esta parte da edificação “é quase totalmente opaca, contando apenas com algumas
aberturas pontuais em forma de seteiras verticais” (Braga, 2017, p. 95). A torre, por sua vez,
possui uma planta retangular de 17,50m por 72,50m, onde se encontram os ambientes
administrativos do programa, e que é dividida em duas alas pelo núcleo de circulações
verticais, composto por quatro elevadores sociais, dois elevadores de serviço e uma escada
de incêndio externa, além de uma recepção. Esta parte da edificação é menos opaca,
possuindo paredes com fechamento total apenas nas menores fachadas (leste e oeste), em
contraponto aos brises de concreto que marcam as fachadas norte e sul. O edifício é todo
composto por uma espécie de fachada dupla, internamente de vidro com mais transparência
e externamente com os elementos de concreto, numa estratégia para garantir um melhor
desempenho do conforto térmico da edificação.
O redesenho virtual do Ministério da Fazenda em Fortaleza
A contribuição de documentar importantes edifícios se dá “pois podem permitir a leitura e o
entendimento das corretas proporções do projeto original e descobrir eventuais traçados
reguladores que comandaram a concepção da arquitetura, perfeitamente resgatáveis a partir
de uma boa representação.” (Oliveira, 2008, p.13). Assim, percebe-se a relevância de
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documentar graficamente os edifícios, já que os mesmos são fontes, portadores materiais
dos ideários da época e dos seus autores, valores de uma cultura e de tradições.
Para o processo de (re)modelagem em ambiente BIM (Building Information Modelling) do
projeto do Ministério da Fazenda foi necessário se debruçar sobre fontes primárias e
secundárias. Para tanto, recorreu-se primeiramente ao próprio edifício, por meio de visita
técnica, bem como aos desenhos originais, desenhos digitalizados em CAD (Desenho
assistido por computador, do inglês), registro fotográfico, além do recurso dos passeios
virtuais pelo Google Street View a fim de se produzir um modelo tridimensional1. As fontes
foram coletadas e utilizadas na dissertação de mestrado intitulada “Flexibilidade e
Permanência: os edifícios públicos em Fortaleza” (Braga, 2017) no âmbito do Programa de
Pós-Graduação em Arquitetura, Urbanismo e Design da Universidade Federal do Ceará.
Esse acervo de fontes foi necessário e essencial para uma melhor modelagem e
documentação do edifício, permitindo reproduzir de forma mais fidedigna detalhes
arquitetônicos (brises da fachada, dimensões da laje jardim, rampas de acesso, guarda-
corpo das escadas), a espacialidade e materiais dos ambientes internos (revestimentos de
parede, piso e teto) e os sistemas construtivos. Para a realização da modelagem digital, foi
utilizado o software Archicad 20, baseado na tecnologia BIM. A escolha deste software se
deu pela capacidade em armazenar informações com tamanhos de arquivos reduzidos,
facilitando seu uso; rápida curva de aprendizagem; interoperabilidade; fácil navegação;
disponibilidade gratuita para estudantes e eficácia na exportação em vários formatos. Neste
último, é válido ressaltar a capacidade de exportação para “*.stl” que vem sendo utilizado no
projeto de pesquisa “(Re) Construção da Arquitetura Moderna em Fortaleza: memória e
modelagem digital” do Laboratório de Crítica em Arquitetura, Urbanismo e Urbanização
(LoCAU) do Departamento de Arquitetura, Urbanismo e Design (DAU) da Universidade
Federal do Ceará (UFC) com fins de prototipagem rápida e fabricação digital, com o intuito
de expandir as formas de representação e documentação, contribuindo para a valorização
da memória e preservação desse patrimônio edificado. Além disso, possibilita a exportação
em outros formatos de arquivos digitais que podem ser utilizadas por outros pesquisadores.
A documentação tridimensional é vantajosa, pois a representação bidimensional limita a
representação e visualização da volumetria do edifício em diversas escalas, bem como as
1 A visita foi realizada no dia 05 de agosto de 2016 com o objetivo de coletar informações sobre o funcionamento do prédio, alterações sofrida com o tempo, levantamento fotográfico de detalhes arquitetônicos, relação com o entorno, entre outros. Os desenhos em CAD foram fornecidos pelo Arq. Marcelo Henrique F. Trindade, funcionário do setor SAMF/CE-Engenharia do Ministério da Fazenda e as plantas originais foram acessadas durante a mesma visita, sendo realizado um levantamento fotográfico para fins de documentação. Os passeios virtuais realizados pelo Google Street View contribuíram para levantamento de informações referentes ao entorno e suas relações com edificações circundantes, análise de fachadas, entre outros.
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informações acerca dos detalhes complexos inerentes desse projeto arquitetônico, como a
leitura da volumetria interna (Stumpp, 2014). Além disso, esse modelo de documentação
permite a melhor apreensão do projeto, compreensão formal e espacial, utilização de
variados tipos de simulações, animação, realidade virtual e prototipagem digital (Amorim et
all, 2008, p.202).
Um problema encontrado no processo da análise dos dados primários foi a inconsistência
dos mesmos quando comparados entre si. Foram identificadas algumas divergências entre
o desenho original e o digitalizado em CAD, a saber: projeto original diferente da obra, em
aspectos como as aberturas do embasamento do prédio em todas as fachadas, o gabarito
da edificação em desacordo com os cortes e fachadas na planta em CAD, e nível de acesso
do prédio a rua em cotas distintas entre a fachada 04 e o corte A.
Como forma de solucionar esses casos buscou-se modelar de acordo com o levantamento
do edifício construído e não em relação aos projetos originais, confirmando a importância do
objeto arquitetônico como a principal fonte histórica para a arquitetura. Entendeu-se que
alterações projetuais podem ter ocorrido durante a obra e até mesmo transformações e
intervenções sofridas ao longo do tempo. Apesar do rigor construtivo da obra que se
configurou como algo inédito e extraordinário na Cidade à época, alterações durante o
canteiro não são incomuns. É importante ressaltar que um levantamento arquitetônico
inevitavelmente recai numa ressignificação por parte de quem realiza, exigindo uma
reinterpretação com base nos dados levantados e ponderações no processo de
(re)desenho.
Para realizar a modelagem do Ministério da Fazenda foi necessário proceder a análise da
documentação primária de maneira clara e objetiva. Iniciou-se a modelagem pela
construção de aspectos considerados importantes para essa obra, no caso, o elemento do
brise externo, a estrutura formada por pilares quadrangulares com centro circular oco e as
grandes seteiras verticais do embasamento através da opção “perfil complexo” no Archicad
20.
Figura 01 - Processo de criação de um perfil complexo e resultado final. Fonte: autores
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Após a modelagem desses elementos, definiu-se os níveis e quantidades de pavimentos,
localização do projeto, norte geográfico, materiais, espessuras e texturas de paredes, lajes e
vigas e modelou-se as escadas com suas devidas características. Em seguida, importou-se
as plantas em CAD e se iniciou a modelagem na sequência a seguir: inserção da estrutura
(pilares, vigas e lajes), vedações de alvenaria (paredes externas e internas), esquadrias e
detalhes arquitetônicos, como corrimão de escadas e rampas, portas giratórias e painéis de
madeira não estruturais. Entende-se que utilizando-se essa ordem de modelagem os erros
foram minimizados, dada a complexidade do projeto. Além disso, a coordenação modular
presente na gênese do projeto, característica marcante no modernismo brasileiro, contribuiu
para diminuir a ocorrência de imprecisões.
Produzida a modelagem, foi gerada a documentação em prancha padrão que será utilizada
durante a documentação das demais obras que compõem a pesquisa “(Re)construção da
Arquitetura Moderna em Fortaleza: memória e modelagem digital”, renders, e uma
documentação própria para BIMx.
O Modernismo redesenhado: resultados e novos horizontes
Neste trabalho, teve-se como resultado a geração de um modelo tridimensional digital, uma
documentação formada por planta baixa, corte, elevações e renders (Figura 02), geração de
perspectivas (Figura 03) e um modelo e documentação digital no software BIMx.
Figura 02 – Documentação final. Fonte: autores
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Figura 03 – Foto aérea de abril de 2006 e inserção virtual da perspectiva digital gerado após
o processo de modelagem. Fonte: autores.
O uso do BIMx (Figura 04), que pode ser definido como um “hiper-modelo” (arquivo de
formato.bimx ). O Modelo BIMx pode conter a documentação completa do seu projeto do
ARCHICAD: o modelo 3D, além de vistas, leiautes e caminhos de câmera.” (GRAPHISOFT,
2017, p. 2147), amplia os horizontes da documentação de edifícios modernos (ou não),
facilitando o acesso para arquitetos, engenheiros, usuários comuns e clientes por meio de
diversas plataformas (computador, celular, tablets) acessíveis. Para o público em geral
amplia a possibilidade de apreensão, compreensão e novas interpretações por meio da
inserção dentro do modelo 3D, além de facilitar o acesso à informação, contribuindo para o
conhecimento, valorização e consequente preservação desse patrimônio edificado. Isso se
configura como grande diferencial do BIMx.
Figura 04 – Interfaces em smartphone do programa BIMx com a documentação digital do
prédio do Ministério da Fazenda – Fortaleza.
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Outra possibilidade a partir do modelo tridimensional digital é sua futura utilização para a
geração de um arquivo “.stl”. Este arquivo será utilizado para a realização de um protótipo
físico em escala reduzida que compõem também os resultados dessa pesquisa.
Considerações Finais
Essa artigo se insere dentro da linha de pesquisa intitulada “(Re)construção da Arquitetura
Moderna em Fortaleza: memória e modelagem digital” do Laboratório de Crítica em
Arquitetura, Urbanismo e Urbanização (LoCAU) do Departamento de Arquitetura e
Urbanismo (DAU) da Universidade Federal do Ceará (UFC) iniciada em 2014. Esta pesquisa
tem por objetivo realizar a construção virtual dos mais importantes exemplares da
arquitetura moderna de Fortaleza como forma de preservação das características
arquitetônicas. Infelizmente, devido a tarda consciência do valor patrimonial desses
edifícios, ocorre um forte processo de descaracterização. Dessa maneira, é necessário
documentar essas obras, já que “documento é aquilo que ensina algo a alguém” (Franco,
Afonso, 2015, 09) e “precisam ser reconhecidas na sua condição documental enquanto
agente transformador.” (Franco, Afonso, 2015, 09).
Nesta perspectiva, o artigo é um desdobramento de ações de ensino, pesquisa e extensão
no nível da graduação e pós-graduação, contribuindo para formação de arquitetos sensíveis
à importância e necessidade de documentação e conservação desse patrimônio recente,
francamente ameaçado pelas dinâmicas urbanas contemporâneas. Assim, o redesenho
digital do Ministério da Fazenda, prolonga a sua existência e do seu autor como
testemunhos não somente da arquitetura moderna em Fortaleza e no Brasil, mas como
objetos do conhecimento no campo disciplinar da Arquitetura e Urbanismo.
Agradecimentos
Ao CNPq, que concedeu auxílio financeiro para a pesquisa "(Re)construção da arquitetura
moderna em Fortaleza: memória e modelagem digital" desde janeiro de 2015 e à UFC, que
por meio do PIBIT (Programa Institucional de Bolsas de Inovação e Tecnologia) formalizou a
atuação do bolsista da graduação do DAU-UFC
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