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Rede São Paulo de Cursos de Especialização para o quadro do Magistério da SEESP Ensino Fundamental II e Ensino Médio São Paulo 2011

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  • Rede So Paulo de

    Cursos de Especializao para o quadro do Magistrio da SEESP

    Ensino Fundamental II e Ensino Mdio

    So Paulo

    2011

  • UNESP Universidade Estadual PaulistaPr-Reitoria de Ps-GraduaoRua Quirino de Andrade, 215CEP 01049-010 So Paulo SPTel.: (11) 5627-0561www.unesp.br

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  • Beleza e Forma

    Narciso (1594-1596), por Caravaggio.

  • sumrio tema ficha notas

    SumrioVdeo da Semana ...................................................................... 3

    Beleza e Forma ............................................................................... 3

    2.1 Agrado e beleza passividade e atividade ............................................3

    2.2 Breve introduo ao conceito esttico de forma ....................................5

    2.3 Forma, sensao e atitude esttica .........................................................8

    Notas ..................................................................................... 11

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    Vdeo da Semana

    Beleza e Forma2.1 Agrado e beleza passividade e atividade Quando se trata do belo difcil fugir de alguns lugares comuns. Um dos mais comuns so

    as flores. Mas compreensvel: flores so pequenos milagres cotidianos de beleza, ou, como tambm j se disse: flores so sorrisos da natureza.

    O fato que falar de flores nos ser til neste ponto de nossa investigao, e os pudores estilsticos tm s vezes de se curvar ante a utilidade dos argumentos. O leitor ento vai me desculpar se lhe peo agora para imaginar que est diante de uma flor. Tudo nela agrada: sua forma delicada, seu aroma suave, a textura aveludada das ptalas. Sim, tudo agrada, mas no da mesma maneira, e isso j est implcito nas prprias palavras com que expressamos nosso agrado. A forma, dizemos, bela. Mas o aroma e a textura das ptalas no os ousamos chamar de belos, mas sim, por exemplo, de agradveis.

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    Por que falamos assim? Por qu podemos dizer que uma flor ou paisagem bela mas no podemos dizer que um perfume, ou um sabor, belo? J ouo um leitor mais apressado dizen-do que a paisagem ou a flor eu vejo, enquanto que o perfume ou o sabor eu apenas sinto. Como assim? Ento uma melodia no pode ser bela? Nem um poema? Uma fbula? Ah, podem?! Mas uma melodia, um poema, uma fbula, eu tambm no vejo

    Mas no sejamos injustos: a resposta no to ruim assim. Est mesmo no caminho certo! Suponho, de fato, que o prezado amigo quis na verdade dizer que a paisagem, assim como tudo o que declaro belo, eu apreendo. Apreender quer dizer aqui tanto discernir, como divisar e compreender. Eu diviso a forma de uma rvore, eu discirno uma melodia, eu compreendo o sentido de um poema. Em todos esses casos o que fica patente que na experincia do belo eu no sou somente passivo, como no caso das sensaes; eu no me limito a receber impresses ou influncias dos corpos que me rodeiam, mas tomo parte ativa na constituio desta experi-ncia. Aquilo a que chamo belo, eu o tomo como objeto de minha considerao: eu o examino,

    o inspeciono, saboreio seus contornos1 e tudo o que o distingue. Eu presto ateno coisa bela, e nesta ateno est implcita uma atitude que diferencia a experincia da beleza daquela mera passividade que caracteriza o prazer das sensaes. Nestas, meu prazer passivo porque resulta apenas da influncia que os objetos exercem sobre mim, das sen-

    saes que eles em mim provocam. Minha atividade se resume a, no mximo, ao ato pelo qual me deixo influenciar pelos objetos, ao ato, por exemplo, pelo qual levo o alimento saboroso boca, mas a sensao prazerosa do sabor um puro efeito da ao do alimento sobre meus rgos gustativos.

    J na experincia do belo, o que nos causa prazer no so propriamente as sensaes, mas sim a atividade de concepo ou apreenso que realizo a partir das sensaes. As sensaes apenas do ensejo a esta atividade, a estimulam. A atividade, ela mesma, porm, tem origem em mim: um movimento pelo qual vou de encontro aos objetos, me interesso por eles, e dela que deriva o prazer que experimento com a beleza. Assim, por exemplo, ao contemplar uma flor, o prazer que sinto no provm das sensaes individuais das cores que percebo, mas sim dessa ao pela qual meus olhos, ao mesmo tempo conduzindo minha mente e por ela sendo conduzidos, percorrem calmamente todos os contornos das ptalas, do caule e de tudo o mais que integra sua figura, atentando ora para um elemento, ora para outro, s vezes fixan-do um detalhe, s vezes tentando unir vrios detalhes em um todo, relacionando suas formas

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    particulares umas com as outras e me demorando em tudo o que reclama momentaneamente minha ateno. J ao apreciarmos uma bela pea musical, os ouvidos tomam o lugar dos olhos e descobrem estruturas sonoras, formas musicais que se compem dos sons individuais. Melo-dias, figuras rtmicas, encadeamentos harmnicos e outras formaes sonoras so o que nossa escuta atenta e ativa apreende, e nosso encantamento com a msica emana deste ato de escuta, e no das impresses isoladas dos sons. Tambm as obras literrias estimulam enormemente nossas capacidade de apreender e conceber. Com a poesia, nosso pensamento voeja livremen-te por todos os cus da sensibilidade humana, e os romances nos fazem experimentar com a imaginao as mais distantes e remotas situaes. Ulisses, Hamlet, Quincas Borba, todos eles falam conosco e se tornam para ns to conhecidos como nossos vizinhos. verdade que tanto num caso como noutro (poesia e prosa ficcional), no so exatamente as sensaes os elementos a partir dos quais o belo se constitui, mas sim as palavras. So elas que ligando-se umas s outras por meio de suas relaes semnticas, sintticas ou mesmo sonoras (como no caso das rimas de um poema) do ensejo e estimulam o exerccio do conceber.

    Porm, mais importante do que fazer esta distino responder, a partir do que acabamos de concluir, a pergunta que nos colocamos acima, acerca da diferena entre o prazer derivado diretamente das sensaes e o que tem origem na experincia da beleza. Pudemos j perceber que o primeiro provm de meu contato imediato com os objetos que me cercam, do efeito fi-siolgico que eles exercem sobre meu corpo, enquanto que a experincia da beleza envolve um prazer que ns causamos a ns mesmos, a partir do ensejo dado pelos objetos e as sensaes que nos provocam: o prazer que sentimos mediante uma considerao atenta, distanciada e desinteressada da aparncia dos objetos. O belo alguma coisa que estimula minha capacidade de apreender e pensar, oferecendo a ambas a oportunidade de se exercer de forma prazerosa. J aquilo que me provoca um prazer em que sou meramente passivo apenas agradvel2.

    2.2 Breve introduo ao conceito esttico de forma

    Conclumos ento que o prazer proporcionado pelo belo deriva de nosso ato de con-ceber atentamente as coisas a que chamamos belas. Belo aquilo que posso apreender, mas o que apreendo a forma. Forma outro dos conceitos bsicos da Esttica, to profundamente vinculado ao de beleza que se torna quase impossvel falar de um sem falar do outro. Na verda-

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    de, trata-se de um conceito com uma larga histria em filosofia, a qual no se restringe ao cam-po da Esttica3. Mas, como estamos aqui interessados em seu significado precisamente neste campo, vamos examin-lo apenas segundo seu sentido esttico. Nossa pergunta ser ento: o que a bela forma?

    A questo da bela forma, porm, se torna mais facilmente aprecivel em seu pleno significado filosfico e adquire grande parte de seu interesse e abrangncia quando colocada no mbito da reflexo sobre a arte, e, por isso, esta perspectiva que estaremos priorizando aqui, muito embora o que vamos dizer sobre as obras de arte possa facilmente ser aplicado a todo objeto belo.

    Felizmente, tambm neste caso a acepo corrente e popular pode nos auxiliar a nos apro-ximarmos da filosfica. Vamos ento imaginar que estamos em uma exposio de arte antiga, admirando a nobre simplicidade e grandeza silente de uma esttua grega. Agora, vamos sala ao lado e nos deparamos com uma reproduo moderna dela, em bronze fundido. O que uma experincia tem a ver com a outra? Tudoe nada! Nada porque as sensaes visuais pro-vocadas pelo bronze so totalmente diferentes das provocadas pelo mrmore. O mrmore branco, levemente acinzentado; o bronze esverdeado e escuro. O mrmore fosco; o bronze brilhante. O mrmore poroso, o bronze totalmente liso. Mas alguma coisa se conservou idntica entre o original e a reproduo, e ningum ter dificuldade em dizer que foi a forma. Pois forma em nossa linguagem cotidiana exatamente o contorno do objeto, seu limite, o que o delimita e o distingue do mundo que o rodeia.

    A pintura tambm nos oferece imediatamente muitos exemplos semelhantes. Pensemos, por exemplo, nas mais de trinta imagens que Monet realizou, entre 1892 e 1894, da catedral de Ruo, todas segundo a mesma perspectiva, mas tentando captar a colorao especfica que a construo apresentava em diversas pocas do ano e horas do dia. Apesar da grande variao das coloraes empregadas, mantm-se constante o contorno da figura principal e a relao espacial recproca de suas partes. Reconhecemos, a mesma forma, apesar do grande cmbio das sensaes individuais que compem a obra.

    E na msica, teremos fenmenos mais ou menos correspondentes? Sem dvida! Pense em uma melodia popular famosa, a Garota de Ipanema, por exemplo. J a ouvimos cantada por inmeras vozes distintas, cada qual com seu timbre caracterstico, e em tonalidades diversas.

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    Tambm j a ouvimos apresentada de maneira puramente instrumental, toca-da, digamos, por um violino, uma flau-ta ou um piano. Se compararmos um a um os sons que compem a melodia, constataremos uma enorme varieda-de, tanto em termos de altura, como de timbre, intensidade e mesmo dura-o, pois a melodia pode ser tocada de forma mais rpida ou mais lenta. Mas novamente alguma coisa se conservou em todos os casos: um mesmo dese-nho sonoro definido permite que reco-nheamos em cada um deles a mesma melodia. A melodia uma forma, ca-paz de ser preenchida com sons to diversos quanto as cores com que Mo-net pinta sua Catedral de Ruo.

    Rouen Cathedral Monet 1894

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    Podemos ento definir forma provisoriamente como uma estrutura que organiza de maneira caracterstica um conjunto de sensaes no espao e no tempo, conferindo unidade e iden-tidade a este conjunto. Mas nada nos impede de estendermos um pouco mais esta definio, tornando-a mais abrangente e geral. Vamos faz-lo em dois passos interconectados. Primei-ramente vamos incluir aqui tambm a forma literria. No caso da literatura, como j vimos, o que pe em movimento nossa capacidade de apreenso no so sensaes, mas sim palavras em suas relaes recprocas. A bela forma em literatura, portanto, ter a ver com a maneira como o escritor articula as palavras em unidades discursivas mais abrangentes, como frases ou estrofes, as quais, por sua vez se conectam a outras frases ou estrofes, formando assim contex-tos cada vez mais amplos como pargrafos, versos, contos, captulos de romances ou poemas.

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    A incluso da forma literria em nosso campo de considerao nos fora agora a definir da bela forma como uma estrutura que conecta uma certa multiplicidade de elementos sensveis ou significativos (sensaes ou palavras) em uma unidade dotada de unidade e identidade. Mas essa incluso tambm nos levou a dar mais um passo adiante: ao falarmos de contos, romances e poemas j no estamos considerando apenas formas individuais que congregam elementos bsicos, mas sim tambm de formas bem mais amplas a que se subordinam outras formas mais elementares mutuamente articuladas entre si, gerando assim a unidade e a identidade do todo de uma obra de arte.

    Tambm na msica uma forma meldica se articula a outras melodias que lhe sucedem, precedem ou lhe so simultneas. Conecta-se tambm, eventualmente, a uma linha de baixo, a uma figura rtmica, a acordes, que, de sua parte, conectam-se formando progresses harm-nicas. Melodias, figuras rtmicas, acordes, cadncias harmnicas, etc so outras tantas formas musicais, na medida em que podem ser percebidas como unidades, e elas se articulam umas s outras formando o todo de uma pea musical. Semelhantemente, uma obra pictrica ou es-cultrica congrega em uma unidade vrias estruturas formais particulares (contornos, figuras, volumes) que podem ser apreciadas em si mesmas ou em sua articulao recproca.

    Sendo assim, as formas artsticas podero ser entendidas tanto como estruturas que co-nectam entre si as partes constitutivas de uma obra de arte quanto aquelas que organizam e vinculam os elementos bsicos que compem estas mesmas partes. Ora, a considerao atenta dessas estruturas particulares, em si mesmas e em sua articulao mtua, coincide com aquilo que no item anterior apontamos como a essncia da experincia do belo, e por isso podemos dizer que essa experincia coincide com a apreenso da forma.

    2.3 Forma, sensao e atitude esttica

    s vezes dizemos, por exemplo, que o som da flauta belo, ou que uma determinada tonali-dade de azul bela. Mas agora percebemos que isso uma maneira imprecisa e, por isso mesmo, no filosfica de falar. Um som ou uma cor so sensaes e enquanto tais no podem ser belos, mas apenas agradveis. As cores e sons que costumamos erroneamente chamar de belos no nos aparecem isoladamente, como que soltos no espao e no tempo. No pensamos em uma bela tonalidade de azul seno como a cor de alguma coisa, uma flor, por exemplo, e quando dizemos

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    que o som de flauta belo sempre o imaginamos no contexto de uma figura meldica ou de uma pea musical. Ora, a aparncia de uma flor e uma melodia so formas, ou seja, complexos de sensaes interligadas. So esses complexos que podemos declarar belos; as sensaes individuais que os compem apenas realar essa beleza, torna-la mais evidente ou mais atraente (ou, pelo contrrio, podem ofuscar a beleza, torna-la irreconhecvel). Tampouco poderemos chamar de belas as palavras, elementos bsicos da beleza literria: no se quisermos preservar um sentido rigoroso e filosfico do termo belo. Isoladamente, considerada apenas em si mesma, ou, como disse Drummond de Andrade, em estado de dicionrio, nenhuma palavra pode despertar a expe-rincia propriamente esttica. Elas s se tornam esteticamente significativas e relevantes quando conectadas por uma forma discursiva, tal como as caracterizamos h pouco.

    Mas no devemos concluir que as sensaes ou palavras, enquanto tais, no tenham influ-ncia sobre a beleza, ou dito de maneira mais tcnica: que a bela forma, no tocante ao efeito que ela exerce sobre ns, seja independente da qualidade sensvel dos elementos que ela integra em si. claro que a qualidade especfica dos elementos bsicos (sensaes ou palavras) que constituem a forma bela faz parte da experincia da beleza; nosso agrado com estes elementos contribui para a constituio desta experincia. No caso das artes, isto absolutamente claro: que seria da pintura sem o prazer que as cores proporcionam? E que seria da msica se o som dos instrumentos no nos agradasse? Erraram de profisso aquele pintor que insensvel ao efeito imediato das cores e o poeta que desconhece as potencialidades das palavras; e todo compositor precisa conhecer o som dos instrumentos para poder compor para eles. A questo aqui que, embora o agrado com as sensaes individuais faa parte da experincia esttica, ele no suficiente para constitu-la. Para que a beleza e sua contemplao esttica possam surgir, necessrio que os elementos agradveis estejam conectados entre si atravs da forma, ou seja, de algo que passvel de ser objeto de minha apreenso. As sensaes esto subordinadas forma, mas, por outro lado so as sensaes que tornam a forma perceptvel, que a iluminam, realando seus contornos: percebemos muito melhor, e com muito mais prazer, os contornos de uma esttua grega em mrmore do que sua reproduo em bronze, e uma bela melodia concebida para a flauta soar mal na tuba. O agrado com as sensaes um importantssimo elemento dessa seduo que a forma bela exerce sobre ns, mas, mas isso s o incio, a con-dio do encantamento. Esse agrado nos convida contemplao da forma, mas s produz a experincia esttica quando articulado por ela.

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    Sim, a sensao participa da experincia da beleza, porm de maneira bastante diversa da-quela pela qual participa de nossa experincia comum das coisas que nos cercam. Nesta expe-rincia comum, a sensao desempenha uma funo bastante precisa e importante, ou melhor: uma dupla funo. Em primeiro lugar, a sensao me informa sobre a presena das coisas em minha redondeza. Sempre que tenho sensaes concluo que devem ter sido causadas por al-gum objeto material. Por outro lado, se em um determinado lugar no ouo, no vejo e no posso tocar em nada, concluo que ali no h nada. Alm disso, as sensaes me auxiliam a identificar as coisas que as produziram, informam-me sobre a constituio material e objetiva delas. So as cores, os sons, os odores, as sensaes tteis que me possibilitam distinguir entre o mrmore e o bronze, entre o gelo e o vidro, a gua e o leo, a flauta e o violino.

    Em minha atitude comum, portanto, a sensao sempre me remete s coisas, em sua exis-tncia material. ela que me conecta diretamente com o mundo em que vivo, que me situa nele e baliza meus passos por entre as coisas que o compem. J na contemplao esttica da beleza, o que me interessa no so as coisas, mas sim a forma. A sensao agora me importa apenas na medida em que ilumina a forma, em que me auxilia a perscrut-la e me convida a consider-la atentamente. As sensaes deixam de me remeter a realidades materiais, a coisas existentes no mundo: agora cada uma delas remete-me apenas a outras sensaes e suas rela-es recprocas, ou seja, s suas vinculaes estabelecidas pelas formas. A forma agora torna-se pura aparncia, destacada de qualquer coisa que por meio dela aparea.

    Agora o leitor j atina com o sentido de nossas palavras mais acima, quando dissemos que a Esttica, como disciplina filosfica, procura determinar conceitualmente os critrios pelos quais julgamos, no as coisas, mas sim suas aparncias. Mas isso ainda h de ser mais desen-volvido, quando, na seqncia, estivermos analisando mais detidamente a atitude esttica.

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    Notas1. O verbo saborear parece estar deslocado aqui, pois estamos exatamente tentando dife-

    renciar o prazer do belo dos prazeres meramente sensoriais, como aquele que sinto atravs do paladar. Mas o termo est totalmente dentro do campo semntico de um conceito dos mais importantes na histria da Esttica, o conceito de gosto.

    Exatamente quando a tendncia racionalista da filosofia ocidental parecia estar no seu auge, no iluminismo do sculo XVIII, a situao da esttica comea a mudar favoravelmente. Im-pulsionado por seus estrondosos sucessos no campo das cincias naturais, o pensamento ra-cional aspira a abarcar todos os campos da experincia humana. Por toda parte a razo se v estimulada a experimentar seu poder e a conquistar novos territrios. Por qu o mbito do belo e da arte haveria de ficar de fora?

    ento que alguns pensadores ingleses, como Lord Shafetsbury, Addison e Hutcheson, mesmo anteriormente a Baumgarten, passam a se debruar seriamente sobre temas relaciona-dos arte e beleza, e neste contexto vai pouco a pouco surgindo e ganhando consistncia o conceito esttico de gosto, at ser definitivamente consagrado nos escritos do escocs David Hume, dentre os quais merece destaque seu memorvel Do Padro do Gosto.

    Apesar de sua relao etimolgica evidente com o sentido do paladar, o conceito filosfico de gosto no aponta para nenhuma confuso entre os campos do prazer esttico e do me-ramente sensorial; pelo contrrio. Trata-se, na verdade, apenas de uma metfora: enquanto pelo paladar sentimos fisicamente o sabor dos alimentos, pelo gosto esttico percebemos espiritualmente a beleza dos objetos. Mas a metfora tem ainda outras razes de ser: seme-lhantemente ao que ocorre com o paladar, imagina-se o gosto esttico como uma faculdade inerente a todo o ser humano e idntica em todos eles, porm passvel de ser exercitada e de assim refinar-se de modo a se tornar cada vez mais precisa e acurada. Da a origem do bom gosto e do mau gosto, tanto do fsico quanto do esttico. Mas as semelhanas acabam a: en-quanto que o paladar uma funo sensorial e corprea, a apreenso do belo atravs do gos-to, s pode ocorrer ao colocarmos em ao nossas faculdades intelectuais e simblicas, como o pensamento e a imaginao. Mais precisamente: pelo exerccio prazeroso destas faculdades quando estimuladas por algum objeto que desperta seu interesse e ateno.

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    2. Foi Kant que, em sua Crtica da faculdade de Julgar, estabeleceu com preciso definitiva a distino entre o belo e o agradvel. Como lhe caracterstico, Kant aborda o problema da be-leza examinando os pressupostos da nossa forma usual de julgar a beleza. Segundo sua prpria terminologia, ele pergunta-se pelas condies de possibilidade do juzo de gosto, ou seja, daque-le pelo qual dizemos que algo belo. O verdadeiro juzo de gosto no se baseia em nenhuma experincia anterior de outras pessoas: no porque os crticos de arte so unnimes em decla-rar bela certa obra pictrica que eu tambm a declaro bela, mas sim porque em sua presena eu sinto um determinado prazer esttico. Ocorre que ao mesmo tempo me conveno de que todo ser humano que a contemple sentir prazer semelhante. Quando afirmamos que determinada coisa bela, reflete Kant, no estamos querendo expressar qualquer relao especfica entre essa coisa e a nossa pessoa em particular, mas pressupomos que essa afirmao pode e deve obter a concordncia de todo ser humano. Isso, porm no ocorre quando se trata de prazeres mera-mente sensoriais. Se eu provasse chocolate pela primeira vez, sem saber da opinio das outras pessoas sobre essa iguaria, poderia ter prazer ou no, dependendo da forma como eduquei meu paladar, de minha constituio fisiolgica particular e das circunstncias peculiares em que fiz a experincia. De qualquer forma, no teria nenhum motivo para acreditar que todos os seres humanos compartilhariam de minha opinio sobre o gosto do chocolate. Trata-se de um prazer sensvel, e, enquanto tal meramente subjetivo, privado e particular. O prazer com o belo tambm provm de impresses sensoriais, mas ainda assim atribumos ao juzo de gosto uma validade universal. Como isso possvel? A resposta de Kant que no prazer que temos com a beleza no entra em cena apenas a sensibilidade, mas sim tambm nossas faculdades racionais, ou seja, aquelas mediante as quais construmos nossas representaes sensveis de um dado objeto; em outras palavras: aquelas mediante as quais podemos contemplar sua mera apario diante de ns. O belo, diz Kant, aquilo que nos agrada meramente como objeto de nossa considerao, ou seja, apenas em virtude da atividade de nossas capacidades de construir representaes. J aquilo que, como o chocolate, agrada apenas mediante a sensibilidade, deve-mos chamar simplesmente de agradvel. Ora, segundo um pressuposto bsico do pensamento iluminista, a razo a mesma em todos os homens; nossas faculdades intelectuais, de que dependem a experincia do belo, pertencem estrutura prpria da razo, e seu funcionamento no depende em nada de minhas particularidades individuais. Seria ento por isso que, quando dizemos que algo belo, temos ao mesmo tempo a convico de que essa afirmao no deve valer apenas para mim, mas pode ser estendida a toda a humanidade.

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    3. A trajetria do conceito de forma em filosofia longa, e das mais ricas. Sua intrnseca relao com os temas da Esttica comea j com a teoria das idias de Plato. Segundo sua etimologia, o prprio termo idia significa nada menos que forma visvel, ou imagem. As idias platnicas so de fato os prottipos, ou formas imutveis e eternas, de tudo que existe no mundo material. As coisas efmeras que compem esse mundo so criadas a partir do modelo dessas formas eternas, e, por isso, participam delas por uma relao de semelhana. A beleza, como j vimos, , para Plato nada menos que uma idia, e as coisas belas corpreas a que te-mos acesso pelo sentido da viso s so belas porque de alguma maneira se assemelham idia puramente racional da beleza. Esta, porm, s pode ser vista em sua verdade ltima por meio de uma outra faculdade de ver: a razo, como viso pura do esprito. O neoplatnico Plotino d uma interpretao mstico-religiosa forma platnica, fazendo dela uma fora criadora ou princpio plasmador que tanto governa o desenvolvimento dos seres vivos quanto assegura a ordem e a unidade do cosmos. Na formao do mundo pelo Criador e no crescimento de uma rvore a partir de sua semente podemos ver a atuao da forma: em ambos os casos uma unidade inicial que contm potencialmente em si uma multiplicidade e nela se desdobra, mantendo-se, no entanto, una. Tambm assim Plotino compreende a beleza: o objeto belo uma multiplicidade de elementos que se organizam intrinsecamente como uma unidade, pois todos esses elementos procedem de uma nica forma, que inicialmente habitava apenas a mente do artista. Um eco moderno e despojado de implicaes metafsicas destas concepes plotinianas faz-se ouvir na Crtica da Faculdade de Julgar de Kant, na qual o autor estabelece uma explcita analogia entre a estruturao interna dos organismos viventes e a ordenao dos elementos constituintes do objeto belo. Tanto em um caso como no outro, tm-se uma relao originria e absolutamente profunda de todas as partes umas com as outras, de modo que cada uma delas reflete o todo e o pressupe. No objeto belo, aquilo que conecta intrinsecamente os elementos sensveis que o compem a forma. A bela forma para Kant uma unidade per-ceptiva que sintetiza em si uma multiplicidade de elementos sensveis, sntese essa que resulta de uma cooperao estabelecida entre nossa imaginao e nosso entendimento. A primeira a nossa capacidade de formar representaes sensveis a partir dos dados dos sentidos (sensa-es); e o segundo a faculdade dos conceitos, que usualmente prescreve as regras segundo as quais a imaginao deve se exercer, limitando seu campo de atuao em favor da obteno do conhecimento. Na contemplao da beleza, quando no buscamos nenhum conhecimento, o entendimento deixa de exercer esse papel limitador e se irmana com a imaginao em um livre e prazeroso vaguear pela aparncia do objeto, buscando apenas a apreenso das formas e relacionando-as umas com as outras e com o todo.

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    Bibliografia BAYER, Raymond . Histria da esttica. Lisboa: Estampa, 1998.

    HUME, David. Do padro do gosto. In: HUME, David. So Paulo: Abril Cultural, 1980. (Os Pensadores).

    JIMENEZ, Marc. O que esttica? So Leopoldo: UNISINOS, 1999.

    KANT, Immanuel. Crtica da faculdade do juzo. Rio de Janeiro: Forense Universitria, 1995.

    NUNES, Benedito. Introduo filosofia da arte. So Paulo: tica, 1991.

    PLATO. A repblica. Lisboa: Fundao Calouste Gulbenkian, 1990.

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    Ficha da Disciplina:

    A Esttica e o Belo

    Mrcio Benchimol Barros (Unesp-Marlia).

    Professor de Esttica da UNESP de Marlia. Graduado em Filosofia pela Unicamp em 1992, titulou-se como mestre e doutor em Filosofia pela mesma universidade, em 1999 e 2006, respectivamente, sempre sob orientao do prof. Oswaldo Giacia Jr. Em 2010 reali-zou estgio ps-doutoral junto Hochschule fr Grafik und Buchkunst de Leipzig (Alemanha), orientado pelo prof. Christoff Trcke. autor do livro Apolo e Dionsio: arte, filosofia e crtica da cultura no primeiro Nietzsche, publicado pela editora Annablume em 2003, resultante de seu trabalho de mestrado.

    http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.jsp?id=K4792776J0
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    EmentaNo curso sero expostas noes bsicas da Esttica filosfica, tais como as de belo e sublime,

    dando-se destaque tambm ao conceito de bela forma. Em um primeiro momento tais noes sero examinadas concomitantemente em relao aos objetos naturais e aos artsticos, para, em seguida, passar-se a uma apreciao filosfica especfica da arte, sob o ponto de vista de sua in-sero nos contextos da cultura e da sociedade humanas, dentro de uma perspectiva histrica.

    Esttica

    Tema 1A Esttica e o belo

    1.1. Sentidos da Esttica1.2. O belo como guia

    1.3 Sentidos do belo beleza, prazer e sensao

    Tema 2 Beleza e Forma

    2.1. Agrado e beleza passividade e atividade

    2.2. Breve introduo ao conceito esttico de forma

    2.3. Forma, sensao e atitude esttica

    Tema 3 Da Esttica Filosofia

    da Arte

    3.1. A Atitude Esttica

    3.2. O sublime e a liberdade criativa

    3.3. Rumo Filosofia da Arte

    Tema 4 Arte e Filosofia

    da arte no mundo

    contemporneo

    4.1. O sentido humano da arte

    4.2. Arte e poder

    4.3. A idade mdia

    Palavras-chave: Esttica, beleza, sublime, forma, arte

  • Pr-Reitora de Ps-graduaoMarilza Vieira Cunha Rudge

    Equipe CoordenadoraCludio Jos de Frana e Silva

    Rogrio Luiz BuccelliAna Maria da Costa Santos

    Coordenadores dos CursosArte: Rejane Galvo Coutinho (IA/Unesp)

    Filosofia: Lcio Loureno Prado (FFC/Marlia)Geografia: Raul Borges Guimares (FCT/Presidente Prudente)

    Ingls: Mariangela Braga Norte (FFC/Marlia)Qumica: Olga Maria Mascarenhas de Faria Oliveira (IQ Araraquara)

    Equipe Tcnica - Sistema de Controle AcadmicoAri Araldo Xavier de Camargo

    Valentim Aparecido ParisRosemar Rosa de Carvalho Brena

    SecretariaMrcio Antnio Teixeira de Carvalho

    NEaD Ncleo de Educao a Distncia(equipe Redefor)

    Klaus Schlnzen Junior Coordenador Geral

    Tecnologia e InfraestruturaPierre Archag Iskenderian

    Coordenador de Grupo

    Andr Lus Rodrigues FerreiraGuilherme de Andrade Lemeszenski

    Marcos Roberto GreinerPedro Cssio Bissetti

    Rodolfo Mac Kay Martinez Parente

    Produo, veiculao e Gesto de materialElisandra Andr Maranhe

    Joo Castro Barbosa de SouzaLia Tiemi Hiratomi

    Liliam Lungarezi de OliveiraMarcos Leonel de Souza

    Pamela GouveiaRafael Canoletti

    Valter Rodrigues da Silva

    Marcador 1Vdeo da SemanaBeleza e Forma2.1 Agrado e beleza passividade e atividade 2.2 Breve introduo ao conceito esttico de forma 2.3 Forma, sensao e atitude estticaNotasBoto 2: Boto 3: Boto 6: Boto 7: Boto 68: Boto 69: Boto 38: Pgina 4: OffBoto 39: Pgina 4: OffBoto 44: Pgina 5: OffPgina 6: Pgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Boto 45: Pgina 5: OffPgina 6: Pgina 7: Pgina 8: Pgina 9: Pgina 10: Pgina 11: Pgina 12: Boto 70: Pgina 13: OffPgina 14: Pgina 15: Pgina 16: Boto 71: Pgina 13: OffPgina 14: Pgina 15: Pgina 16: Boto 36: Pgina 17: OffPgina 18: Boto 37: Pgina 17: OffPgina 18: Boto 4: