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RECURSOS HÍDRICOS E REDE URBANA MUNDIAL: DIMENSÕES GLOBAIS DA ESCASSEZ

MAURÍCIO WALDMAN 1

Resumo: Trabalho elaborado como contribuição para a discussão do grupo de interesse Questão dos Recursos Hídricos, Meio Urbano e Mananciais do XIII Encontro Nacional de Geógrafos , realizado em João Pessoa, Paraíba, entre 21 e 16 de Julho de 2002. O material foi incorporado aos Anais do XIII Encontro Nacional de Geógrafos e referenciado em seu Caderno de Resumos, publicado da AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros, com o apoio do CNPq - CAPES - Universidade Federal da Paraíba, 2002, página 122, ISSN 0103-0884. Posteriormente, foi colocada em circulação uma versão do texto em CD, também elaborado pela Associação dos Geógrafos Brasileiros. O texto encaminhado para o Encontro, assim como a síntese do paper, publicada no Caderno de Resumos, estão aqui transcritos na íntegra. Síntese do paper, publicado no Caderno de Resumos do XIII Encontro Nacional de Geógrafos: O texto procura traçar algumas linhas básicas para a discussão pertinente aos recursos hídricos e a crise urbana nos países do Terceiro Mundo e no Brasil. Isto porque a água constitui item prioritário na pauta dos recursos ambientais básicos do mundo moderno, particularmente da grande cidade. Recorde-se que todas as análises apontam para uma situação de stress hídrico já para a próxima década, atingindo nações industrializadas, que terão que recorrer para a importação visando satisfazer as necessidades da sua população e da sua economia. Há também o acentuamento da escassez da água por conta da degradação ambiental e da utilização perdulária do recurso, atingindo duramente populações tradicionais, excluídas ou marginalizadas, particularmente no Hemisfério Sul. A nova configuração urbana mundial radicaliza e reapresenta esta problemática. Ela opõe as metrópoles do Norte, consumidoras por excelência de recursos hídricos, às metrópoles do Sul, também às voltas com o problema de abastecimento de água potável. No caso brasileiro, esta contradição se explicita fortemente em razão do país se credenciar tanto como um possível fornecedor de água potável para o Hemisfério Norte quanto por reunir diversas regiões metropolitanas nas quais o abastecimento de água potável já é problemático. Tal é o contexto vivenciado pela RMGSP - Região Metropolitana da Grande São Paulo. A disputa pelo recurso será fonte provável de conflitos, gerando debates que devem ser cada vez mais aprofundados. Nestes, a presença dos geógrafos é imprescindível.

A Água penetra pelos desvãos do terreno, Sun Tzu, in A Arte da Guerra

I. O CAPITAL HIDROLÓGICO MUNDIAL

O termo água refere-se, regra geral, ao elemento natural em si mesmo, desvinculado de qualquer uso ou utilização. Por sua vez, o termo recurso hídrico é a consideração da água como um bem econômico, passível de utilização para finalidades com este perfil (apud REBOUÇAS, 1999: 1). 1 Maurício Waldman é doutorando pelo Departamento de Geografia da FFLCH/USP, sob orientação do Professor Doutor Ariovaldo Umbelino de Oliveira. Sua tese de doutorado está centrada na Questão dos Mananciais e dos Recursos Hídricos da Região Metropolitana da Grande São Paulo, problemática discutida na perspectiva do uso e apropriação do solo urbano, particularmente no tocante ao chamado “crescimento desordenado”, na realidade um mecanismo intrínseco à reprodução espacial das urbes brasileiras.

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Conferida do status de substância mais abundante na Terra, o estoque natural de água existente no Planeta tem mantido um perfil quantitativo e qualitativo considerado constante na escala do tempo histórico.

Nesta perspectiva, a quantidade total de água existente na Terra, na ordem de 1.386 milhões de km³, assim como as formas da sua distribuição ao redor do mundo, oscilaram relativamente pouco nos últimos milênios.

Existem particularidades que fazem da água um item verdadeiramente indispensável para a vida humana, justificando a prioridade em termos de sua preservação. De pronto, podemos destacar que a água perfaz nove décimos do volume total do corpo humano e cerca de dois terços de seu peso médio.

Sem ela, não seria possível compreender o surgimento da vida, humana ou não-humana, e tampouco, das grandes civilizações do passado, cujas realizações estiveram intimamente envolvidas com a gestão dos recursos hídricos, como foi em especial o caso dos grandes impérios tradicionais cuja base material filiou-se ao Modo de Produção Asiático ou Tributário (Vide WALDMAN, 1994a).

Apesar da importância inegável da água para a manutenção dos ciclos de vida das sociedades, apenas uma restrita fração da massa líquida do Planeta é própria para consumo humano.

Embora difusamente presente na superfície da Terra, a ponto tal que poderíamos tranquilamente e com muito mais justiça, rebatizá-la de Planeta Água, os recursos hídricos acessíveis ao consumo humano direto constituem uma fração mínima do capital hidrológico mundial.

Uma fração pequena do suprimento mundial de água apresenta os pré-requisitos limnológicos considerados indissociáveis da potabilidade: a água como um líquido puro, insípido, inodoro, incolor.

Recorde-se que cerca de 97,5% das águas do Planeta, correspondendo à massa líquida dos oceanos, mares e lagos salgados, são impróprias para consumo humano direto. Apenas os 2,5% restantes correspondem a águas doces.

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Entretanto, deste total, 68,9% constitui água das geleiras, neves eternas e sob a forma de gelo encarcerado nas calotas polares, principalmente na Antártida (90% do total) e na Groenlândia. Todavia, este acervo é virtualmente inacessível ou oferece sequelas ambientais para serem minerados.

Outros 29,9% referem-se às águas doces alojadas no subsolo, enquanto que 0,9%, correspondem às águas salobras dos pântanos ou estocada em solos congelados do tipo permafrost, comuns nas altas latitudes da Terra.

Em resumo, a água doce em estado livre na natureza perfaz um total de apenas 0,014% do volume total mundial, alguma coisa como 200.000 km³. Isto posto, água potável plenamente acessível às comunidades humanas constitui um estoque pequeno na comparação com os demais estados geofísicos dos recursos hídricos no Planeta.

Note-se que mesmo esta fração representa uma colossal quantidade de água, configurando um potencial hídrico que poderia estar abastecendo toda a população humana do Planeta, atualmente em torno de seis bilhões de pessoas.

Um problema é que o recurso encontra-se muito mal distribuído. Em termos da sua disponibilidade, poucos países, dentre os quais o Brasil, Federação Russa, Estados Unidos, Canadá, China, Índia, Indonésia, Colômbia, Peru, o Zaire e a Papua Nova Guiné, estão agraciados, ao menos por ora, do usufruto de um líquido verdadeiramente estratégico, fator de estabilidade social interna e da balança de poder na arena internacional.

De mais a mais, a água tornou-se inequivocamente um recurso sobre o qual incidem com força cada vez maior as atenções do poder, e a disputa por ela, fonte de toda sorte de conflitos em curso ou potenciais (RAFFESTIN, 1993: 231).

Quanto à disponibilidade dos recursos hídricos, podemos identificar dois grupos de nações. O primeiro deles, corresponde a países de clima tropical e situados no Hemisfério Sul, que não devem apresentar stress hídrico antes de 2025. Este seria o caso do Brasil, da Papua Nova Guiné, Venezuela, Colômbia e Zaire.

Um outro bloco de países, de clima frio e situados no Hemisfério Norte, dispõem de grandes reservas hídricas congeladas. Trata-se de conjunto que agrega a Groenlândia, Islândia, Federação Russa, Canadá e os Estados Unidos (em especial o Alasca). No

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entanto, a exploração destas reservas pode comprometer ainda mais as dinâmicas climáticas da Terra, inviabilizando, na prática, esta proposta.

Assinale-se que o Brasil dispõe de grande quantidade de água, pois vigoram na maior parte de seu território climas como o equatorial, tropical e subtropical úmido, determinando a existência de um ponderável excedente hídrico. Em termos pluviométricos, mais de 90% do território brasileiro recebe abundantes chuvas, entre 1.000 e 3.000 mm anuais.

A maior parte dessa água - cerca de 80% - está localizada na região Amazônica. Os 20% restantes se distribuem desigualmente pelo país, atendendo 95% da população. De acordo com diversas avaliações, o Brasil detém 12% de toda água doce superficial do Planeta (REBOUÇAS, 1999: 29).

A degradação ambiental, nas suas mais diferentes formas de manifestação, é um poderoso elemento gerador ou acentuador da escassez, afetando em larga escala as águas doces, tanto as estocadas no próprio meio natural quanto as represadas por objetos espaciais como barragens.

Este tem sido um dos motivos do problema da escassez qualitativa de água para consumo urbano em muitas grandes cidades brasileiras, devendo ainda ser ressaltado o impacto negativo para a saúde pública, a economia e ao ambiente em geral (apud REBOUÇAS, 1999: 25).

As desigualdades sociais, políticas e econômicas também contribuem decisivamente para explicar os diferentes perfis de consumo e de utilização dos recursos hídricos que encontramos no interior de uma mesma cidade, região, país ou continente. Questões políticas, às quais se vinculam as diretrizes administrativas, tem sido largamente associadas com a má utilização e depredação dos recursos hídricos.

Deste modo, a Região Metropolitana da Grande São Paulo (RMSP), mesmo dispondo de magníficos reservatórios, como os compõem o Sistema Billings/Guarapiranga, tem adotado o impopular sistema de rodízio em vastas regiões em razão da escassez decorrente da poluição, assoreamento e comprometimento destas águas, fato para o qual contribui diretamente a população dos loteamentos clandestinos das margens, um adensamento populacional muitas vezes articulado com esquemas de favoritismo político, pistolagem e clientelismo (WALDMAN, 1994b).

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A desigualdade do consumo de água potável vincula-se também com a opressão das minorias étnicas e na repressão contra povos e grupos não-representados.

Isto transforma a questão dos recursos hídricos em problema explosivo em regiões como o Oriente Médio, aonde Israel detém um consumo per capita cinco vezes superior aos seus vizinhos. Já na África do Sul, fazendeiros brancos de origem bôer continuam em muitas áreas do país a usufruir o essencial da água, comprometendo deste modo o abastecimento domiciliar de imensas massas rurais formadas por etnias africanas autóctones (Cf. ELLIOTT, 1998).

Neste sentido, várias avaliações sinalizam que do ponto de vista geopolítico, estará reservado importante papel aos recursos hídricos no futuro. Existem evidências consistentes apontando na direção uma escala crescente de stress hídrico, atingindo um número cada vez maior de países.

O stress hídrico é normalmente interpretado a partir do nível estabelecido pela ONU como compatível para a satisfação das necessidades humanas elementares de saúde, higiene e bem-estar, isto é, 1.000 m³/habitante/ano. Abaixo deste valor estaríamos diante do chamado stress de água ou hídrico e num nível inferior a 500 m³/habitante/ano, teríamos a escassez de água.

Deste modo, as águas doces, constituindo item indispensável da pauta de recursos ambientais básicos para a manutenção da vida, passaram a exigir maior clareza do poder público, da sociedade civil como um todo e de cada cidadão na elaboração de estratégicas e procedimentos passíveis de possibilitar uma real conservação da água.

Além disso, a preocupação com os recursos hídricos decorre de do seu novo papel enquanto agente do um promissor comércio de água potável, e, portanto, requisitando uma política de conservação.

Recorde-se que plano internacional, a água potável passou a integrar a pauta de importações de nações tão diferentes quanto Israel, Chipre, Singapura, Kuwait, Arábia Saudita, Malta e os Emirados Árabes Unidos, determinando também a expansão de sistemas de dessalinização da água dos mares, do reuso do líquido e da exploração dos aquíferos em várias nações da Terra.

O comércio de água alastrou-se também pelas cidades brasileiras, facilitada pela má reputação que persegue a água das torneiras. Embora a cena fosse impensável apenas

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algumas décadas atrás, as cidades do país constituem nos dias de hoje um excelente mercado para as distribuidoras de água mineral, muitas delas de pequeno porte e localizadas ao longo das ruas dos bairros.

É pois fundamental pensar-se estrategicamente a respeito desta riqueza, em como gerenciá-la e estabelecer políticas de preservação do recurso, visto que fatalmente a água doce do mundo será um bem escasso.

O Brasil tem a sua disposição um grande trunfo, especialmente no caso de serem adotadas medidas concretas e coerentes que evidenciem não só a soberania sobre os recursos hídricos nacionais como igualmente o estabelecimento de políticas públicas que beneficiem o conjunto da população brasileira.

Nesta ordem de argumentação, a conservação dos recursos hídricos constitui tanto uma estratégia visando o atendimento prioritário da população, quanto um imperativo e um pressuposto para atender uma crescente demanda mundial de água potável, transformada na mais promissora commodity do Século XXI.

II. ESCALA E IMPACTOS DA URBANIZAÇÃO MUNDIAL

A situação de stress hídrico possui diversas variáveis. Há que ser relacionada entre estas a atuação dos fatores eminentemente naturais, exemplificado nas regiões áridas e semiáridas, nas quais a escassez de águas de superfície é notória.

Evidentemente agravada pela pressão populacional, pela necessidade de dessedentação dos rebanhos e pela agricultura irrigada, neste caso frequentemente atuando com níveis abusivos de desperdício, a dificuldade de obtenção da substância sempre contou enquanto uma inferência natural em si mesma.

Por isso mesmo, a água foi determinante para muitas das localizações espaciais existentes no espaço geográfico (Vide WALDMAN, 1997).

Por outro lado, cabe à intervenção antrópica parcela importante da irrupção do stress hídrico. As modalidades de ocupação do território, sua dinâmica e forma de reprodução espacial influenciam diretamente a administração dos recursos ambientais. Dentre estas modalidades cabe uma menção obrigatória às cidades.

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A cidade, particularmente a grande cidade moderna, tem desempenhado o papel de símbolo máximo do espaço artificial criado pelos humanos. O meio urbano do mundo moderno solicita um enorme volume de materiais, energia e água, indispensáveis para o seu funcionamento.

A moderna urbe, enquanto um sistema de engenharia (SANTOS, 1988 e 1978a), exerce pressão tremenda sobre o ambiente. Isto pode ser avaliado em relatório divulgado pela prestigiosa organização ambientalista Word Watch Institute.

Assim, o estudo desenvolvido por esta entidade revela que os centros urbanos ocupam somente 2% da superfície terrestre. Mas por outro lado, as cidades são responsáveis pelo consumo de 76% da madeira industrializada e 60% da água doce.

Os impactos da vida urbana no entorno geográfico são indiscutíveis. Por exemplo, a cidade de Londres, uma típica aglomeração metropolitana do I Mundo, requer uma área 58 vezes maior do que a que ocupa para obter alimentos e madeira para sustento de seus habitantes (JOHN, 2000).

Nesta contabilidade perturbadora, caso o padrão dos londrinos fosse estendido para o resto das populações urbanas do mundo, seriam necessários três planetas Terra para manter as cidades.

Outras interferências ambientais decorrem da forma de uso e ocupação do solo urbano. Nos Estados Unidos, por exemplo, a urbanização nas últimas décadas caracterizou-se por um gigantesco movimento migratório das classes médias urbanas seguindo para a periferia das grandes cidades, integrando-se aos chamados suburbs.

Os suburbs correspondem a um modelo de ocupação horizontal do solo, com base em grandes residências particulares, a ampliação dos impactos provocados nos meio ambiente e nos recursos hídricos é evidente.

Compreender a escala dos impactos possíveis do meio urbano mundial no abastecimento de água potável e de outros recursos vitais para a população urbana reclamaria ainda concentrar nossa atenção para quatro fatos estruturais básicos:

Em primeiro lugar, os aspectos quantitativos da urbanização mundial. As cidades foram alimentadas por migrações numa escala sem precedentes na história. Como resultado, neste início de milênio metade da população mundial é moradora do meio urbano.

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Em conformidade com o que foi previsto por várias análises, nos inícios do Século XXI, se considerarmos como metrópoles as cidades cuja população exceda o milhão de habitantes, tais aglomerações estarão reunindo algo em torno de 60% dos humanos (UNESCO, 1985: 24). Em segundo lugar, os aspectos qualitativos desta urbanização. No passado, as cidades eram pequenas e ainda não haviam perdido seu vínculo com o meio rural. A partir do Séc. XVIII, a população urbana mostra tendência de concentrar-se em cidades cada vez maiores, chegando nas metrópoles, e posteriormente, nas megalópoles, as maiores manchas urbanas da história.

Em terceiro, as cidades modernas formam uma rede. Este conjunto mantém estreito relacionamento entre si, especialmente no plano econômico. O meio urbano, constituindo o cerne da ordem econômica, social e geopolítica existente, transforma o Planeta inteiro num hinterland, um entorno da rede mundial de cidades.

Em quarto, esta configuração urbana global articula as cidades num conjunto hierarquicamente diferenciado, demograficamente polarizado e desigualmente integrado na economia urbana mundial.

O relacionamento entre as metrópoles dos países centrais e da periferia está crivado por orientações dessimétricas, que transformam as megalópoles do sul em uma espécie de pontos de apoio de uma rede planetária na qual os fluxos transitam para dirigirem-se para o centro do sistema.

Também por esta razão a crise urbana dos países do Sul conquista caráter estrutural, sendo dificilmente solucionável nos marcos das formas de relacionamento Norte/Sul atualmente existentes.

Em síntese, comentar de modo genérico a respeito de uma “crise urbana mundial”, não faz qualquer sentido. O tecido urbano reflete a estrutura social, política e econômica. Por conseguinte, parte da explicação relativamente ao funcionamento das metrópoles do Sul reporta ao relacionamento mantido com as metrópoles do Norte (SANTOS, 1978b).

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Desempenhando um papel subordinado a estes centros, as cidades do Sul materializam uma geografia urbana própria, com características comuns no mundo subdesenvolvido, expressão da integração desigual no mundo global 2.

A civilização urbana, tal como ela se configurou nos países do Norte, embora básica para compreendermos o fenômeno da globalização, paradoxalmente não dispõe de espaço para ser global, até porque os recursos naturais planetários existentes não sustentariam a universalização deste modelo.

Isto nos incita pensar numa persistência estrutural das dessimetrias urbanas entre o Norte e o Sul, e por extensão, numa lógica funcional que termina articulando ambas numa rede urbana mundial, hegemonizada de fato pelos países do centro (SANTOS, 1988).

Nesta conjuntura, um dado relevante é a mudança das taxas de expansão da urbanização. Desde meados do século passado, o crescimento urbano deslocou-se para o III Mundo, prognóstico sugerido por vários documentos.

Anote-se: levantamentos divulgados pela ONU datados de meados dos anos 1980 advertiam que por volta do ano 2000, quando metade dos 6 bilhões de humanos estaria concentrada nas áreas urbanas, dois bilhões residiriam em metrópoles situadas nos países periféricos e um bilhão, nas dos países centrais (UNESCO, 1984: 24).

Subscreviam também que das 60 cidades com mais de 5 milhões de habitantes, 47 estariam situadas no III Mundo. Esta parte do globo concentraria igualmente 12 das 15 megalópoles (UNESCO, idem).

Estes dados foram confirmados em larga medida. Hoje, das 21 maiores cidades do mundo, 13 situam-se no continente asiático 3 (dentre as quais Tóquio, Osaca e Seul,

2 Como ressalvou Milton Santos, “não se trata aqui de negar o caráter global do estudo do espaço, já o mostramos em outro lugar: mas de distinguir, num nível inferior de generalidade, o espaço dos países desenvolvidos e o espaço dos países subdesenvolvidos” (SANTOS: 1978B: 103).3 Na perspectiva da economia urbana mundial, reclama maior atenção a urbanização asiática. É neste continente que estão sendo erguidos o maior conjunto de torres, que irrompem em cidades como Bangcoc, Seul, Taipé, Singapura, Kuala Lampur e Djakarta. Estes novos skyscrapers do Oriente não desafiam apenas os ventos e a instabilidade geológica de vários dos sítios nos quais foram construídos. Para seus habitantes constituem ícones de um afluente capitalismo com fisionomia própria, oriental, constituindo uma versão específica da Modernidade Ocidental. Mantendo intenso intercâmbio entre si, estas cidades constituem as estacas do espaço regionalizado do Leste asiático. O crescimento das trocas econômicas regionais constitui um dos seus fundamentos. Fluxos migratórios internos assim como a radiodifusão de uma “música popular” asiática, transmitida de Tóquio a Kuala Lampur, passando por Hong Kong, Taipe, Seul e Manila, contribui para

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metrópoles afluentes), quatro são latino-americanas (Cidade do México, São Paulo, Rio de Janeiro e Buenos Aires), duas são africanas (Lagos e Cairo) e outras duas, localizam-se nos Estados Unidos (Nova York e Los Angeles).

Entretanto, a participação do I Mundo já foi bem maior. Em 1950, sete das 15 maiores aglomerações situavam-se nos países centrais. Porém, esta proporção diminuiu para 3 no ano 2000. Para o ano de 2015, prevê-se que apenas duas metrópoles do Norte, Tóquio e Nova York, constarão do ranking das quinze maiores cidades do mundo, com a metrópole norte-americana liderando a demografia rubana mundial.

Retenha-se que neste mesmo ano, das 27 maiores metrópoles globais, somente cinco representariam o Norte: Nova York, Los Angeles, Tóquio, Osaca e Paris, neste último caso, ocupando uma prosaica 22ª posição.

É interessante assinalar que a Europa, justamente o berço da cidade moderna, não abrigará nenhuma das 21 maiores cidades do mundo em 2015. Na relação das grandes cidades do globo, Londres, que sempre liderou internacionalmente o mundo urbano, estará ausente. E o que falar de São Petersburgo e de Viena, que em 1900 constavam do ranking das dez maiores cidades?

Em 2015 estima-se que a 3ª maior urbe do Planeta será Lagos, na Nigéria, com 22,5 milhões de habitantes, uma concentração que ficará atrás somente de Mumbai (ex-Bombaim), na índia, que reunirá 27,4 milhões de pessoas. Além de Mumbai e Lagos, um exaustivo elenco de outras megalópoles periféricas poderia ser alinhavado.

Dentre estas seria obrigatório registrar: Xangai, que terá então 23,4 milhões; Djakarta, na Indonésia, com 21,2 milhões; São Paulo, 20,8 milhões; Carachi, no Paquistão terá 20,6; Pequim, 19,4; Daca, capital do miserável Bangladesh, 19 milhões habitantes e a Cidade do México, 18,8 milhões.

As cidades europeias e americanas abandonam os seus postos. Assumem seu lugar as megalópoles periféricas, todas reunindo problemas gravíssimos, quase insolúveis. Estas metrópoles aglutinam multidões milionárias de excluídos, habitantes dos cinturões de favelas que agasalham as metrópoles do Sul, uma contradição que deverá agravar-se ainda mais em futuro próximo.

um crescente senso de identidade regional e de autonomia do espaço magnetizado pelas audaciosas megalópoles da Ásia (apud O Mundo Hoje, 95/96, página 35).

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Dado que historicamente o ano 2015 é amanhã, existirão prazos factíveis para impedir que a situação chegue a ponto do não retorno?

III. CIDADE INFORMAL E RECURSOS HÍDRICOS

Como ficou evidente, o fenômeno da urbanização está relativamente estabilizado nos países centrais por conta das baixas taxas de crescimento demográfico (ou mesmo retração demográfica) e da expansão da suburbanização (SANTOS, 1981). Portanto, tendencialmente, o fenômeno tende a ser cada vez mais característico do mundo subdesenvolvido.

As metrópoles do Sul constituíram o destino final de milhões de humanos, para os quais o novo espaço acenou com a possibilidade de vida melhor. No entanto, a maior parte destes novos urbanitas descobriu rapidamente que nas cidades, não havia espaço para eles.

Dito de outro modo: ao menos no sentido convencional, é preciso reconhecer que para as massas pobres, não há rede urbana (SANTOS, 1981: 151). Por isso mesmo, a chegada desta corrente migratória terminou avolumando o caudal responsável pelo crescimento da cidade informal.

É interessante notar que muitos especialistas referem-se corriqueiramente a estes espaços ocupados pelos excluídos da rede urbana, como sendo áreas de crescimento dito desordenado, aparentemente alheios ao fato de que o que se chama desordem, é apenas a ordem do possível, já que nada é desordenado (SANTOS, 1988: 66).

Esta forma de ocupação territorial contribui decisivamente para o acentuar processos de assoreamento da rede hídrica e dos reservatórios de água doce, intensificando também o efeito de determinados processos naturais, tais como a erosão. Os assentamentos, não contando com saneamento, tornam-se rapidamente foco de contaminação das águas dos reservatórios.

Estas áreas constituem sérios problemas de ordem ambiental até porque o perverso processo de especulação imobiliária reserva sempre as áreas mais desfavoráveis para a população de baixa renda.

No Brasil, não há dúvida de que são sempre as baixadas sujeitas a toda sorte de inundações, ou a encostas, onde a planta bidimensional esconde as medidas e a

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situação do lote na realidade, as primeiras áreas colocadas à venda (apud OLIVEIRA: 1982: 113).

Esta conversão do espaço-social em espaço-mercadoria, termina por materializar uma profunda desestruturação ambiental e seus impactos geomorfológicos são complexos e dificilmente solucionáveis (CASSETI, 1991: 115).

Note-se que em muitos contextos (como no caso brasileiro), que este processo tem atingido mananciais que seriam os objetivamente solicitados para o funcionamento do próprio sistema urbano. Uma vez prejudicado o abastecimento a partir dos reservatórios próximos das cidades, a alternativa passa a ser requisitar a contribuição de outras áreas mais distantes.

É assim que, por exemplo, o Sistema Cantareira, que abastece a Zona Norte da capital paulista, foi implantado para suprir a demanda comprometida pela depredação da Represa Billings.

No entanto, captando as águas da Bacia do rio Piracicaba, as cidades desta bacia são prejudicadas por um sistema que termina por transferir o ônus político da conivência com a prática do loteamento clandestino para cidades externas à RMSP.

Por outro lado, é importante assinalar que os recursos hídricos não estarão plenamente protegidos na hipótese de permanecer inalterado o estilo de vida individualista, perdulário e consumista, identificado com a cidade formal. Este constitui na realidade o verdadeiro epicentro da questão ambiental na Modernidade.

Na voz de muitos que reclamam o compromisso das pessoas para com os recursos hídricos, está também presente a pretensão de manter um modo de vida afluente, acessível apenas a uma minoria. É preciso, pois apurar o nosso entendimento da fala de todos os que se pronunciam a respeito do meio ambiente, identificando os móveis reais que sustentam seus discursos.

Em resumo, face ao rol de problemáticas elencado, a primeira providência a ser tomada seria certificarmos o foco para o qual incidiria a análise. Recordou Milton SANTOS, seria preciso reconhecer que muito poucos se dedicaram a analisar de perto os sistemas urbanos em meio subdesenvolvido (1981: 139-140).

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Disto decorre a necessidade de conhecer de modo aprofundado as inferências sociais, políticas e econômicas envolvidas na questão dos mananciais, assim como a relação funcional que articula os dois tecidos urbanos - o formal e o informal - num único conjunto regurgitante de ambiguidades e contradições (SANTOS, 1988 e 1981).

Uma perspectiva que além de permitir a compreensão das limitações ofertadas pela institucionalidade, sugere que mais do que estratégias administrativas, a questão dos mananciais reclama uma prática política real.

Uma prática real que resgate a cidadania de milhões de excluídos e que juntamente com ela, a utilização solidária dos recursos da natureza.

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SANTOS, Milton, 1978b, O Trabalho do Geógrafo no Terceiro Mundo, Editora Hucitec, São Paulo, SP;

SANTOS, Milton, 1981, Manual de Geografia Urbana, Coleção Geografia: Teoria a Realidade, Editora Hucitec, São Paulo, SP;

SANTOS, Milton, 1988, Metamorfoses do Espaço Habitado – Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Geografia, Editora Hucitec, São Paulo, SP;

WALDMAN, Maurício, 1994a, Espaço e Modo de Produção Asiático, in Boletim Paulista de Geografia, nº 72, publicação da AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros, seção de São Paulo, Universidade de São Paulo, SP;

WALDMAN, Maurício, 1994b, Crise Urbana & Recursos Hídricos: Uma avaliação da Questão dos Mananciais em São Bernardo do Campo na gestão do PT (1989-1992), Trabalho de Conclusão de Curso em nível de Pós-Graduação, Departamento de Geografia da FFLCH/USP, São Paulo, SP;

WALDMAN, Maurício, 1995, Tempo, Modernidade e Natureza, in Caderno Prudentino de Geografia, publicação da Seção de Presidente Prudente da AGB - Associação dos Geógrafos Brasileiros, Presidente Prudente, São Paulo, SP;

WALDMAN, Maurício, 1997, Metamorfoses do Espaço Imaginário, Tese de Mestrado em Antropologia Social, FFLCH/Universidade de São Paulo, SP;

WALDMAN, Maurício, 2002a, Retornos da Natureza, artigo eletrônico no site do Prof Assessoria em Educação, www.prof.com.br., Seção Colunistas do mês de Janeiro;

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WALDMAN, Maurício, 2002b, Lixo: O Problema pode ser uma Solução, artigo eletrônico no site do Prof Assessoria em Educação, www.prof.com.br., Coluna Atravessando o Tempo e o Espaço do mês de Fevereiro.

WALDMAN, Maurício, 2002c, A Crise Energética Mundial, artigo eletrônico no site do Prof Assessoria em Educação, www.prof.com.br., Coluna Atravessando o Tempo e o Espaço do mês de Março.

WALDMAN, Maurício, 2002d, Escala e Impactos da Rede Urbana Mundial, artigo eletrônico no site do Prof Assessoria em Educação, www.prof.com.br., Coluna Atravessando o Tempo e o Espaço do mês de Maio.

II. REVISTAS & MANUAIS

O Mundo Hoje, 95/96, 1966, Anuário Econômico e Geopolítico Mundial, Editora Ensaio, São Paulo;

The New York Times 2000 Almanac, Penguin Reference Books, England; Printed in USA, The New York Times Company, 1999;

National Geographic, edição em inglês da The National Geographic Society, USA, diversos números;

O Correio da UNESCO, Órgão das Nações Unidas para a Educação e Cultura, edição em língua portuguesa, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, diversos números;

World Watch - Trabalhando para um futuro responsável, publicação bimestral do Worldwatch Institute, publicada no Brasil pela UMA - Universidade Livre da Mata Atlântica, Salvador, Bahia, BA, diversos números.

III. DOCUMENTOS & MATERIAIS INSTITUCIONAIS

World Prospects: The 1994 Revision (1995), United Nations Department for Economic and Social Information and Policy Analysis Population Division.

UNESCO: A Cidade, Hoje a Amanhã, 1984, Informe final do Colóquio Metrópole 84, organizado por iniciativa do Conselho Regional da Ile-de-France, publicado na Revista Correio da UNESCO, exemplar de maio.

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O temário do MEIO AMBIENTE, com foco prioritário nos RECURSOS HÍDRICOS, RESÍDUOS SÓLIDOS e EDUCAÇÃO AMBIENTAL, constitui um dos pilares centrais de atuação da EDITORA KOTEV, publicadora digital que entrou em atividade em 2016. SAIBA MAIS SOBRE O TRABALHO DA EDITORA KOTEV: EDITORA KOTEV - Home-page oficial: http://kotev.com.br/ EDITORA KOTEV - Página no Facebook: https://www.facebook.com/EditoraKotev/ PORTAL DA LIVRARIA CULTURA (São Paulo, SP): http://www.livrariacultura.com.br/busca?N=0&Ntt=editora+kotev PORTAL DA PLATAFORMA KOBO (Ottawa, Canadá): https://store.kobobooks.com/search?Query=editora+kotev PORTAL DA LIBRERIE LA FELTRINELLI (Milano, Itália): http://www.lafeltrinelli.it/fcom/it/home/pages/catalogo/searchresults.html?prkw=Maur%C3%ADcio+Waldman&cat1=&prm=