Recuperação de Empresas
-
Upload
ariane-louise-beltrame-santos -
Category
Documents
-
view
93 -
download
2
description
Transcript of Recuperação de Empresas
LLM EM DIREITO EMPRESARIAL 1/11 PROFESSOR: LEONARDO ARAÚJO MARQUES DISCIPLINA: RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS
LLM EM DIREITO EMPRESARIAL 1/11
Prof. Leonardo Araújo Marques.�
LLM em Direito Empresarial Coordenação Acadêmica Escola de Direito
Recuperação de Empresas
Leonardo Araújo Marques, Mestre
�
�
�
��
�
�
�
��������� ��� �� �� � � ��������� � � � � � � �� � ������� � � � ��� ��� � ���� �� � � � ��� ���� ������ �� � �� � �� �� ��� � �� � ��� �
� �� ��� � � �� � � ��� � � �� �� ��� � �� � � �� � �� ���� � � � ��� �� ����� ��� � �� � � ��� � � �
����� � �� � �� � ��� � � � � � � � � � �� �� �� ������� �� � �� ��� �� ����� �� � �� � �� ����!���
��
� � � � � � � � �� �� ���������������������������������������������������� � �� � ��� ��� �� � �� ��� �� ����� �� � �� � �� ���
� � � ���� ��� � � � �� �� � ���! ��" �� �# � � ������ � ��� �� � � ��� " ����� �� ���� �� �� �� �� ����� � ��� �� � � ��� � �� � ���� " �� ���
� # # ��� � ����� ��� � �$ � � ���� � ��� �� � � ��� � � ���� � ���� �� �$ � �� ��
% �� ! &��� �� � ��� �� � � ��� ��� ���� �% ����� � � � � �� �& �� � � ��� � ��� �� � � ��� � �� � ���' �% ��( ���� �� �� � ��
� � � ���� ��� � � � �� �" � ��� �� � �� ��� �� ����� �� � �� � �� ���� � ��� �� � � �� �� � �� � ��� )��
�� �& �� * � �� � ��� � ��� �� ��� �� � �+ � � �� �$ � �� !��
�����
�� � �� ���� , �� � !% ��
ii
Sumário
1. PROGRAMA DA DISCIPLINA 1
1.1 EMENTA 1
1.2 CARGA HORÁRIA TOTAL 1
1.3 OBJETIVOS 1
1.4 CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 2
1.5 METODOLOGIA 2
1.6 CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO 2
1.7 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA 3
CURRICULUM VITAE DO PROFESSOR 3
2. TEXTO PARA ESTUDO 4
Recuperação de Empresas
1
1. Programa da disciplina
1.1 Ementa
Falência. Princípios norteadores do novo sistema e a reforma da legislação.
Legitimidade ativa para ação de falência. Juízo Competente. Pressupostos
falimentares. Procedimento e defesa. Sentença de falência. Administração da
falência. Efeitos da falência em relação aos bens do falido e aos contratos do falido.
Indivisibilidade do Juízo Falimentar. Atos praticados pelo falido antes da falência.
Ineficácia. Efeitos da falência em relação aos credores. Habilitação e quadro geral
de credores. Realização do ativo. Pagamento dos credores. Prestação de contas e
encerramento. Reabilitação. Recuperação de Empresas. Introdução. Princípios.
Espécies de recuperação. Recuperação judicial. Requisitos da petição inicial.
Deferimento do processamento do pedido. Apresentação do plano. Aprovação pelos
credores. Homologação judicial. Recursos. Plano especial para micro e pequenos
empresários. Novação. Prazo do plano. Descumprimento. Suspensão das ações e
execuções. Universalidade e indivisibilidade do juízo da recuperação. Poderes do
juiz. Alterações do plano. Administração da recuperação. Convolação em falência.
Alienação de bens. Recuperação extrajudicial.
1.2 Carga horária total
24 horas/aula
1.3 Objetivos
Oferecer uma visão atual e multidisciplinar voltada à atualização ou preparação do
aluno para o mercado de trabalho, através do aprofundamento dos conhecimentos
sobre a nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas, tendo em vista que esta
representou o início de uma nova era no Direito Empresarial, sobretudo no que se
refere à crise das empresas. Destaque-se que a nova legislação produziu reflexos
em outros ramos do Direito, como no Cível, Tributário e até no Trabalhista, na
medida em que a recuperação ou falência de uma sociedade empresária afeta e
exige o sacrifício de credores de toda ordem. Assim, os profissionais dessas outras
ramificações também precisam conhecer com maior profundidade a disciplina
jurídica da insolvência empresarial.
Recuperação de Empresas
2
Dessa forma, o objetivo do curso, longe de se restringir à transferência de
conhecimentos teóricos sobre o tema, busca a preparação do profissional para o
enfrentamento de questões práticas. O nosso compromisso é identificar os
obstáculos que os advogados, promotores e juízes que atuam na matéria mais
enfrentam e mostrar os caminhos que podem ser trilhados para as soluções mais
adequadas. E na busca desse objetivo certamente nos valemos de toda a
experiência acumulada durante nossa atuação na 1ª Promotoria Empresarial da
comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, notadamente no processo de
Recuperação Judicial da Cia. Aérea Riograndense S/A - VARIG, sem dúvida o mais
importante caso envolvendo o tema que se tem notícia.
1.4 Conteúdo programático
Indicado no sumário e na apostila.
1.5 Metodologia
Na análise dos temas sugeridos optamos por uma explanação mais pragmática
possível, sem descuido da parte teórica. Dividimos o módulo em quatro blocos,
sempre iniciados por casos concretos que serão resolvidos durante os encontros,
bem como de um conjunto de indagações teóricas para consolidar o estudo. Dessa
forma, conjugando casos práticos com questões teóricas, os ensinamentos serão
absorvidos em maior extensão e assim alcançaremos nosso objetivo: prepará-los
para os desafios que aguardam aqueles que pretender atuar nessa rentável e pouco
explorada área do Direito Empresarial.
1.6 Critérios de avaliação
Prova com questões teóricas e práticas, com prevalência das últimas. Há
possibilidade de bônus de participação.
Recuperação de Empresas
3
1.7 Bibliografia recomendada
Indicada no corpo da apostila.
Curriculum vitae do professor
Mestre em Direito Empresarial e Tributário pela Universidade Cândido Mendes.
Professor da Fundação Getúlio Vargas nos cursos de MBA em Direito da Economia e
da Empresa, módulos de “Contratos Financeiros” e “Falências e Recuperação de
Empresas”, de MBA em Direito Civil e Processo Civil, módulo de “Teoria Geral dos
Contratos”, de MBA em Poder Judiciário, módulo “Falências e Recuperação de
Empresas”, de MBA em Gestão Empresarial, módulo de “Fundamentos de Direito
Empresarial”, e de MBA em Gestão em Finanças, Controladoria e Auditoria, módulo
de “Gestão das Relações Obrigacionais”. Conferencista da Escolada Magistratura do
Estado do Rio de Janeiro. Professor da Escola da Associação Espírito-Santense do
Ministério Público. Professor de diversos cursos preparatórios para concurso público
em diferentes Estados da Federação. Ex-gerente de mercado do Unibanco.
Promotor de Justiça Titular da Promotoria Empresarial e de Liquidações
Extrajudiciais da comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro.
Recuperação de Empresas
4
2. Texto para estudo
FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO
DE EMPRESA.
ÍNDICE
MÓDULO 1 - FALÊNCIA - PARTE I
CASO GERADOR 1 – TRABALHO EM GRUPO .............................................................
CASO GERADOR 2 – TRABALHO INDIVIDUAL ..........................................................
INTRODUÇÃO. A REFORMA DA LEGISLAÇÃO FALIMENTAR E OS NOVOS PRINCÍPIOS
INFORMATIVOS DO SISTEMA ................................................................................
1.1. A LEGITIMIDADE ATIVA PARA O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA .............................
1.1.1. CREDOR EMPRESÁRIO ..............................................................................
1.1.2. CREDOR DOMICILIADO NO FORA DO BRASIL .................................................
1.1.3. CREDOR COM GARANTIA REAL ...................................................................
1.1.4. CREDOR FISCAL ......................................................................................
1.2. JUÍZO COMPETENTE ....................................................................................
1.3 PRESSUPOSTOS FALIMENTARES ......................................................................
1.3.1. LEGITIMIDADE PASSIVA ...........................................................................
1.3.1.1. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS REGISTRADAS NO CARTÓRIO DE RCPJ .................
1.3.1.2. SOCIEDADES EMPRESÁRIAS NÃO SUJEITAS À FALÊNCIA ...............................
1.3.2. INSOLVÊNCIA - CARACTERIZAÇÃO
1.3.2.1. IMPONTUALIDADE
1.3.2.1.1. PROTESTO ESPECIAL
1.3.2.2. EXECUÇÃO FRUSTRADA
1.3.2.3. ATOS DE FALÊNCIA
1.3.2.4. AUTOFALÊNCIA
1.4. PROCEDIMENTO E DEFESA
1.4.1. DEPÓSITO ELISIVO
1.5. SENTENÇA DE FALÊNCIA – CONTEÚDO E RECURSOS
1.6. A ADMINISTRAÇÃO NA FALÊNCIA ..................................................................
1.6.1. JUIZ ....................................................................................................
1.6.2. MINISTÉRIO PÚBLICO ..............................................................................
1.6.3. ADMINISTRADOR JUDICIAL .......................................................................
1.6.4. GESTOR JUDICIAL ...................................................................................
1.6.5. ASSEMBLÉIA DE CREDORES .......................................................................
1.6.6. COMITÊ DE CREDORES ..............................................................................
1.6.7. FALIDO INDIVIDUAL, SOCIEDADE FALIDA E SEUS SÓCIOS ................................
1.6.7.1. EXERCÍCIO DA EMPRESA E CONSTITUIÇÃO DE NOVAS SOCIEDADES .................
Recuperação de Empresas
5
1.6.7.2. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO ...................................................
1.6.7.3. QUEBRA DO SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA ...............................................
MÓDULO 2 – FALÊNCIA PARTE II
CASO GERADOR 1 – TRABALHO EM GRUPO .............................................................
CASO GERADOR 2 – TRABALHO INDIVIDUAL ..........................................................
2.1. EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS BENS DO FALIDO ..................................
2.1.1. ADMINISTRAÇÃO E INDIPONIBILIDADE DOS BENS ..........................................
2.1.2. ARRECADAÇÃO DOS BENS E LIVROS ............................................................
2.1.3. BENS NÃO SUJEITOS À ARRECADAÇÃO .........................................................
2.1.4. NEGOCIAÇÃO COM OS BENS ARRECADADOS ...................................................
2.1.5. PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO ........................................................................
2.1.5.1. RESTITUIÇÃO IN NATURA ......................................................................
2.1.5.1.1. RESTITUIÇÃO IN NATURA DE DINHEIRO ................................................
2.1.5.1.2. RESTITUIÇÃO EXCEPCIONAL ................................................................
2.1.5.1.3. BENS ALIENADOS FIDUCIARIAMENTE, ARRENDADOS OU DECORRENTES DE
COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO .........................................................
2.1.5.2. RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO ...................................................................
2.1.5.2.1. BENS VENDIDOS, CONSUMIDOS OU DESAPARECIDOS ................................
2.1.5.2.2. ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO .............................................
2.1.5.2.3. VALORES ENTREGUES POR TERCEIROS DE BOA-FÉ ATINGIDOS PELA
DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA ...............................................................................
2.1.5.3. PROCEDIMENTO DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO .............................................
2.2. EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS DO FALIDO ..........................
2.2.1. BILATERAIS ...........................................................................................
2.2.2. UNILATERAIS .........................................................................................
2.2.3. SITUAÇÕES ESPECIAIS .............................................................................
2.2.3.1. RIGHT OF STOPPAGE IN TRANSITU ..........................................................
2.2.3.2. COMPRA E VENDA A PRAZO E DE COISAS COMPOSTAS ..................................
2.2.3.3. COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO ............................................
2.2.3.4. PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO ....................................................................
2.2.3.5. LOCAÇÃO ...........................................................................................
2.2.3.6. MANDATO ..........................................................................................
2.2.3.7. CONTA CORRENTE ................................................................................
2.3. INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO FALIMENTAR ......................................................
2.3.1. EXCEÇÕES .............................................................................................
2.3.1.1. RECLAMAÇÕES TRABALHISTAS ................................................................
2.3.1.2. CAUSAS FEDERAIS ...............................................................................
2.3.1.3. CAUSAS FISCAIS E EXECUÇÕES FISCAIS ....................................................
2.3.1.4. AÇÕES EM QUE A MASSA FALIDA É AUTORA ................................................
2.3.1.5. A UNIVERSALIDADE E AS AÇÕES POR QUANTIA ILÍQUIDA PROPOSTAS ANTES DA
FALÊNCIA .......................................................................................................
2.4. EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS ATOS PRATICADOS PELO FALIDO ANTES DA
QUEBRA .........................................................................................................
2.4.1. INEFICÁCIA OBJETIVA .............................................................................
2.4.2. INEFICÁCIA SUBJETIVA ............................................................................
2.4.3. AÇÃO REVOCATÓRIA – PROCEDIMENTO .......................................................
Recuperação de Empresas
6
2.5. EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CREDORES ...........................................
2.5.1. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO, DIVERGÊNCIAS E IMPUGNAÇÕES ...................
2.5.2. SUSPENSÃO DOS JUROS E DOS PRAZOS PRESCRICIONAIS .................................
2.5.3. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS .....................................................................
2.5.4. QUADRO GERAL DE CREDORES ...................................................................
2.5.4.1 CREDORES NÃO PREVISTOS: CREDOR ALIMENTAR ........................................
2.6. A REALIZAÇÃO DO ATIVO ............................................................................
2.7. PAGAMENTO DOS CREDORES .........................................................................
2.8. PRESTAÇÃO DE CONTAS ...............................................................................
2.9. ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA ......................................................................
2.10. REABERTURA DO PROCESSO? ......................................................................
2.11. REABILITAÇÃO ........................................................................................
2.11.1. APRESENTAÇÃO DAS CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITO TRIBUTÁRIO E
PREVIDENCIÁRIO .............................................................................................
MÓDULO 3 – RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - PARTE I
CASO GERADOR 1 – TRABALHO INDIVIDUAL ..........................................................
FÓRUM DE DISCUSSÃO .......................................................................................
3.1. INTRODUÇÃO À RECUPERAÇÃO ......................................................................
3.1.1. PRINCÍPIOS NORTEAODRES DO PROCESSO DE RECUPERAÇÃO ............................
3.2. ESPÉCIES DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA ........................................................
3.3. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL DO REQUERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL ..
3.4. DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL ...........
3.5. APRESENTAÇÃO DO PLANO ...........................................................................
3.5.1. PRAZO E REQUISITOS ..............................................................................
3.5.2. MÉTODOS DE RECUPERAÇÃO ......................................................................
3.5.3. RESTRIÇÕES ..........................................................................................
3.5.4. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS .....................................................................
3.5.5. CRÉDITOS NÃO SUJEITOS AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ..................
3.5.6. CREDORES FISCAIS .................................................................................
3.6. APROVAÇÃO DO PLANO ...............................................................................
3.6.1. SISTEMA DE VOTAÇÃO ..............................................................................
3.6.2. SISTEMA DO CRAW DOWN ........................................................................
3.7. REQUISITOS PARA A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:
LIMITAÇÕES AO PODER DO JUIZ ...........................................................................
3.8. RECURSOS ................................................................................................
3.9. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA MICRO E DA PEQUENA EMPRESA: PLANO ESPECIAL ......
3.9.1. VANTAGENS PARA OS FORNECEDORES .........................................................
3.10. CONSEQUENCIA DA HOMOLOGAÇÃO DO PLANO: NOVAÇÃO .................................
MÓDULO 4 – RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - PARTE II
CASO GERADOR 1 – TRABALHO INDIVIDUAL ..........................................................
4.1. PRAZO DO PLANO ......................................................................................
4.2. DESCUMPRIMENTO DO PLANO .......................................................................
4.3. PRORROGAÇÃO DO PRAZO DE SUSPENSÃO DAS AÇÕES E EXECUÇÕES .....................
4.4. UNIVERSALIDADE E INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO .....................
Recuperação de Empresas
7
4.5. OS PODERES DO JUIZ: AFASTAMENTO DOS ADMINISTRADORES E DO CONTROLADOR .
4.6. ALTERAÇÕES DO PLANO ...............................................................................
4.7. OS PODERES DO ADMINISTRADOR JUDICIAL ....................................................
4.8. OS PODERES DO COMITÊ .............................................................................
4.9. OS PODERES DA ASSEMBLÉIA GERAL ..............................................................
4.10. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA ...................................
4.11. A VENDA DE BENS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL ..............................................
4.11.1. DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL ........................................................
4.11.1.1. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE .....................................................
4.11.1.2. O PROBLEMA DA SUCESSÃO TRABALHISTA ...............................................
4.11.1.3. COMPETÊNCIA PARA DECIDIR SOBRE A SUCESSÃO .....................................
4.12. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL ...................................................................
4.12.1. REQUISITOS ........................................................................................
4.12.2. CREDORES SUJEITOS .............................................................................
4.12.3. CREDORES NÃO SUJEITOS ......................................................................
4.12.4. PROCEDIMENTO PARA HOMOLOGAÇÃO DO PLANO APROVADO PELOS CREDORES ..
4.12.5. IMPUGNAÇÃO AO PEDIDO .......................................................................
4.12.6. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA: LIMITAÇÕES AO PODER DO JUIZ E RECURSOS ........
FALÊNCIA - PARTE I
CASO GERADOR 01 (Trabalho em Grupo)
GATEWAY INDÚSTRIA DE MATERIAL ELÉTRICO S/A, após 25 anos de sua criação,
alcançou um lugar de destaque no cenário nacional de fabricação de componentes
elétricos. No entanto, após a abertura do mercado nacional com a queda de
inúmeras barreiras protecionistas, a competitividade ficou muitíssimo acirrada e a
companhia passou a acumular grandes prejuízos nos últimos cinco anos, pois não
estava aparelhada tecnologicamente para competir com as multinacionais do setor.
Em razão da crise que se instalou, GATEWAY deixou de honrar inúmeros
compromissos, acumulando uma dívida total de R$ 7 bilhões, assim divididos: a)
Passivo trabalhista de R$ 900 milhões; b) Passivo tributário de R$ 1,6 bilhão, dos
quais R$ 1 bilhão com a União, R$ 400 milhões com o Estado de Pernambuco e o
restante com a prefeitura de Porto Alegre; c) Passivo de R$ 1,5 bilhão,
representado por cédulas de crédito industrial pignoratícias, em favor de cinco
bancos; d) R$ 3 bilhões em dívidas quirografárias.
Diante dessa situação, GATEWAY contratou os serviços de uma conceituada
empresa de consultoria, objetivando montar uma estratégia para salvar a empresa.
Após alguns meses de intenso trabalho, os consultores apresentaram um relatório
Recuperação de Empresas
8
no qual apontavam os principais problemas da companhia e algumas sugestões
para solucionar os problemas. Nesse trabalho, concluiu-se que: I) o quadro de
funcionários deveria ser reduzido em 30% no primeiro ano de reestruturação e
todas as dívidas trabalhistas só poderiam ser pagas num prazo mínimo de 36
meses; II) todos os créditos com garantia real deveriam ser substituídos por
debêntures com garantia flutuante, com juros de 6% a.a., com prazo de resgate de
100 meses; III) os credores quirografários que fossem fornecedores teriam duas
opções para receber: a) 100% do crédito num prazo de 60 meses, com correção
pelo IGPM ou b) 70% num prazo de 30 meses, corrigidos pelo mesmo índice. Os
demais credores quirografários receberiam em 120 meses, com correção pela TR.
Antes da companhia aprovar em AGE o ajuizamento do plano de recuperação
judicial nos moldes do relatório preparado pela consultoria, GATEWAY foi citada
num requerimento de falência formulado por dois de seus credores, em
litisconsórcio ativo, CREDOR MALVADO PRODUTOS QUÍMICOS LTDA, titular de um
crédito representado por uma duplicata mercantil, sem aceite, no valor de R$
11.500,00, e SILVER COMPANY MOBILE, titular de um crédito de R$ 10.000,00,
representado por um termo de confissão de dívida. A duplicata mercantil estava
protestada cambialmente e acompanhada do respectivo comprovante de entrega da
mercadoria. O termo de confissão de dívida estava protestado para fim falimentar.
Os administradores da companhia constataram que em relação a uma das
duplicatas houve a devolução amigável de parte das mercadorias, o que deveria
resultar num abatimento de 50% do seu valor de face, conforma entendimentos
firmados entre os representantes das duas empresas por e-mail.
Sobre o requerimento de falência, o grupo de se reunir para responder às seguintes
indagações:
1) Quais os argumentos que poderiam ser manejados pelos advogados de
GATEWAY para evitar a decretação de sua falência? Para apresentação das
defesas é necessário garantir o juízo?
2) É possível a apresentação o pedido de recuperação judicial durante o prazo
da contestação antes de aprovado pela AGE da companhia? Em caso
positivo, o que deveria acontecer com o requerimento de falência? Em caso
negativo, justifique.
3) Sendo um dos credores sociedade domiciliada fora do Brasil, qual a
providência de ordem preliminar para que formulasse o pedido de falência?
4) Qual a conseqüência do pedido de recuperação judicial formulado no prazo
da contestação?
5) Se os credores tivessem garantia real, poderiam eles requerer a falência da
devedora?
6) Efetuado o depósito elisivo e apresentada a contestação, poderia o autor
levantar a quantia depositada? E se o juiz não acolhesse a contestação,
deveria o pedido de falência ser julgado procedente?
7) Deve o Ministério Público ser chamado as se manifestar durante o
requerimento de falência?
8) Decretada a falência, pode a empresa continuar funcionando?
Recuperação de Empresas
9
9) Julgado procedente o pedido de falência, os administradores da sociedade
falida sofrem alguma sanção?
10) Em relação às correspondências da sociedade, decretada a sua falência, qual
será o seu destino?
CASO GERADOR 2 (Trabalho Individual)
VALVERDE EMPREENDIMENTOS LTDA ajuizou execução por quantia certa contra
CARVALHO DE MENDONÇA PARTICIPAÇÕES S/A. Citada, CARVALHO DE MENDONÇA
PARTICIPAÇÕES S/A não pagou, depositou ou nomeou bens à penhora dentro do
prazo legal, como também não foram encontrados bens passíveis de penhora pelo
oficial de justiça. O devedor não apresentou embargos à execução.
A partir dessas informações, indaga-se:
1) Pode o exeqüente requerer a falência do devedor com base nos fatos
narrados na questão e considerando que o valor de seu crédito é de apenas
R$ 12.000,00?
2) Quais as providências essenciais para o requerimento de falência com base
na execução frustrada?
3) Efetuado o requerimento de falência, pode o requerido contestar o pedido
questionando a certeza e a liquidez do título?
4) E a sua prescrição?
5) Caso o executado não tenha pagado, depositado ou nomeado bens à
penhora dentro do prazo legal, mas tenha embargado a execução no prazo
de 15 dias, na forma do artigo 736 e 738 do Código de Processo Civil,
poderá o credor requerer-lhe a falência com fulcro no artigo 94, inciso II da
LFRE?
6) A execução provisória pode dar ensejo ao requerimento de falência com
base no artigo 94, inciso II da LFRE? Em caso negativo, por quê? Em caso
positivo, como fica a falência se o título executivo não se tornar definitivo
em razão do provimento de recurso especial manejado pelo devedor?
7) Na hipótese do credor ter como atividade principal a prestação de serviço e
ter seus atos constitutivos registrados no cartório de RCPJ há mais de 15
anos, indaga-se: poderia ele requerer a falência do seu devedor, diante da
exigência prevista no artigo 97 parágrafo 1º da LFRE?
Recuperação de Empresas
10
Introdução. A reforma da legislação falimentar e os novos princípios
informativos do sistema.
Havia uma enorme expectativa da comunidade jurídica
em relação à nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas (Lei 11.101, de 9
de fevereiro de 2005). Mas, ao longo desse processo legislativo, logo se
compreendeu, contudo, que a viabilidade de um moderno sistema falimentar
reclamava uma reformulação do respectivo regime tributário. Já que a simbiose
entre esses dois ramos do direito é cada vez mais intensa, sendo forçoso gizar que
grande parte das alcunhadas reengenharias tributárias depende de uma perspectiva
empresarial, sobretudo societária. De igual sorte, é elemento lógico da rotina
empresarial que reestruturações societárias não possam prescindir de um sólido
planejamento tributário.
Por conseqüência, de forma simultânea tramitaram, “no
mesmo pé”, três projetos: um, revogando o então D.L. 7.661/1945 e instituindo a
nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas; o segundo1, alterando alguns
dispositivos do Código Tributário Nacional2, a fim de promover a correlata
modificação; e o último, por seu turno, criava um regime especial para o
parcelamento dos débitos tributários federais para as empresas em recuperação3. A
multiplicidade justificava-se não apenas pela complexidade dos temas tratados,
como também pelo fato do D.L. 7661/45 ter sido recepcionado pela CF/88 como lei
ordinária, enquanto o Código Tributário Nacional, no que tange às suas normas
gerais sobre Direito Tributário, fora recepcionado pela como lei complementar4.
Não se poderia deixar de lançar-mão, a aguisa de
intróito, de um estudo mais elaborado sobre as causas do declínio do antigo
sistema, que, por razões óbvias, passadas seis décadas de vigência do vetusto
diploma falimentar, se mostrava obsoleto perante a nova realidade empresarial.
Contudo, não foi apenas o ostracismo que condenou aquele regime, fatores
estranhos à dinâmica empresarial influíram significativamente na elaboração e na
votação do projeto.
Assim sendo, questões da macroeconomia, tão
valorizadas em tempos de extrema internacionalização dos capitais, em que a
quase ausência de barreiras à movimentação de capitais permite e incentiva as
transações financeiras internacionais, influenciaram em muito no processo de
1 Lei complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005.
2 A Lei complementar 118, de 9 de fevereiro de 2005, tratou, também, de outros temas atinentes ao
Direito Tributário, não relacionados diretamente à falência ou ao processo de recuperação judicial.
3 PLS 245/2004.
4 Aliás, a Constituição da República de 1967, em seu artigo 19 §1º, já previa a necessidade de lei
complementar para dispor sobre as normas gerais do direito tributário, assim como o artigo 18 §1º da
Emenda Constitucional n. 1 de 1969. Atualmente tal exigência está no artigo 146, da CF/88.
Recuperação de Empresas
11
elaboração do novo regime, na exata medida em que o Fundo Monetário
Internacional - FMI e o Banco Mundial se encarregaram de pressionar o Estado
Brasileiro para que regras fossem criadas protegendo o investimento estrangeiro,
dando mais segurança jurídica aos contratos.
A outro giro, As profundas alterações no painel
microeconômico, aquele que trata da constituição e interação das empresas e dos
agentes individuais, também tiveram um papel relevante na matéria. As
organizações societárias são cada vez mais intrincadas, empresas associam-se, por
meio de operações que visam quase sempre à concentração empresarial, em
crescente gigantismo, com destaque para as fusões e aquisições. Essas mesmas
corporações operam agora sem qualquer apego à propriedade de ativos físicos e
tangíveis, praticamente assumindo um papel de centros de decisões
mercadológicas, de desenvolvimento de produtos e de logística. Algo dificilmente
idealizável nos idos de 1945, em que o esforço de duas grandes guerras tinha
prejudicado o pleno desenvolvimento capitalista durante toda a primeira metade
daquele século.
O presente trabalho, muito embora não se dedique com
intensidade a traçar paralelos entre a lei nova e a antiga, quer demonstrar que
muitas alterações têm como fundamental prisma a conservação da empresa e a
difusão da idéia de que esta é um bem comum a todos os membros da sociedade a
qual pertence. Assim, pode-se afirmar que a intenção da nova lei era aproximar o
sistema pátrio das legislações de outros países, onde o crédito é, por assim dizer,
mais protegido – já que no Brasil sempre foi propalada a idéia de que a legislação,
civil e comercial privilegiava o devedor.
Assim sendo, era fundamental, naquele momento,
incorporar ao nosso sistema a perspectiva de recuperação da empresa em crise, o
que, até então, não fazia parte da nossa cultura. Com isso, queriam os
idealizadores daquele projeto superar a ultrapassada e simplista concepção de que
o processo falimentar era um procedimento restrito à distribuição de prejuízos e à
punição de culpados, para passar a adotar um modelo que garantisse, quando
possível, a manutenção de postos de trabalho, com a geração de tributos e o
incremento da produção, – potencializada pela redução dos juros bancários frente à
nova perspectiva de menores índices de inadimplência, dada a maior probabilidade
de recuperação do crédito.
A forte ingerência externa foi clara ao longo de todo o
processo de votação da nova lei. Talvez por isso seja mais do que coincidência o
fato de ser a atual lei semelhante à imposta pelo FMI à Argentina um ano antes à
promulgação daquela. Lá, tal como cá, empresas endividadas podem agora ser
adquiridas por seus credores com maior segurança. Ressalte-se, todavia, que
naquele país a tomada de empresas falidas pelos seus próprios trabalhadores tem
demonstrado, segundo palavras de Julio Gambina, da ATTAC Argentina, no III
Fórum Social Mundial, que "los capitalistas son inecessários".
Recuperação de Empresas
12
No entanto, no Brasil, a idéia de a empresa ser
conduzida por seus trabalhadores foi vista de maneira muito mais restritiva. A
Economia Solidária com os contornos estabelecidos pela nova lei dificilmente será
concretizada. A tendência desde o início das discussões foi a de prestigiar os
maiores credores, que quase sempre são instituições financeiras. Ao que parece,
portanto, é que as empresas em dificuldade dependerão ainda mais da boa vontade
dos banqueiros, o que, como é sabido e consabido, em regra não têm qualquer
afeição pelo setor produtivo, ainda mais quando há um histórico de insucesso.
Lembre-se que a lei americana, referência para vários
sistemas de falência, inspirou alguns institutos da nova lei, notadamente, o sistema
de recuperação extrajudicial.
Por outro lado, o texto do projeto inicial (Projeto de Lei
4.376/93) muito se valeu das experiências trazidas pela jurisprudência, que
sugeriu, pois, mecanismos que tornariam os futuros processos mais eficientes.
Ainda se pode dizer das intenções tendentes, como melhor será visto adiante, a
eliminar as fraudes e a impunidade, comuns ao antigo regime.
Vários foram os pontos de resistência, como a
dificuldade de convencer alguns deputados e Senadores de que a imposição de
limites para a liquidação dos créditos trabalhistas era um mal necessário, ao passo
que o administrador judicial e seus auxiliares não observariam qualquer teto para
os seus recebimentos. Outra questão que rendeu enfrentamentos dos
parlamentares cingiu-se ao pagamento dos ACC (Adiantamentos a Contratos de
Câmbio), medita esta imprescindível para garantir no mercado o crédito para as
exportações.
Havia desde as primeiras discussões uma séria
disposição no sentido de tornar a falência um processo menos litigioso, mais
conciliador, excluindo em alguns casos a apreciação pelo magistrado. Todavia, para
a frustração de boa parte da doutrina, o que se poderá inferir ao longo desse
trabalho é a característica marcante do direito brasileiro de presumir a existência
da lide, o que só corrobora para o assoberbamento do Poder Judiciário.
Ainda sobre a legislação anterior, pesavam duras críticas acerca do
tempo médio de um processo falimentar, que era de inacreditáveis 12 (doze) anos.
Nesse diapasão, ganhava força outra frente de idéias, que via na rápida solução
destes feitos a única maneira de aproveitar os ativos da massa falida, como bens
imóveis e móveis, incluindo o intangível. Assim, medidas foram pensadas a fim de
garantir a continuidade da empresa, mesmo que em outras mãos.
Especificamente o que se questionava era a
necessidade de se aguardar a conclusão do quadro de credores para que fosse
possível projetar forma de alienação dos ativos. Aquela era a porta para a
desvalorização e até o sumiço destes e, muitas vezes, para a frustração do
pagamento dos credores, pois a concordata suspensiva raramente justificava
tamanho sacrifício, na medida em que pouquíssimas empresas conseguiam se
Recuperação de Empresas
13
soerguer após tanto tempo.
Também a concordata preventiva se mostrava um
processo superado, que reclamava profundas alterações, e há muito recebia duras
críticas da doutrina. Aquele instituto, portanto, havia de ser banido, pois se revelara
inócuo instrumento de conservação da empresa. Entre outras razões, havia a
sombra da responsabilidade trabalhista e, principalmente, a onerosa e quase
sempre inconciliável sucessão tributária.
Antes, a empresa entrava em concordata e a
recuperação era feita, nos termos da lei, pelas mãos fiscalizadoras do juiz e do
Ministério Público. De outro giro, o entendimento mais moderno e mais prestigiado
em outros países era de que os credores, em tese os maiores interessados na
recuperação da empresa, organizados em assembléia, definiriam, conforme as
perspectivas daquela empresa, o futuro da sociedade em crise.
A famigerada sucessão tributária, há seu tempo, era
tema que exigia enfrentamento direto. Os membros do governo sempre têm
dificuldade em “abrir mão” desses volumosos recursos. O passivo fiscal deveria ser
submetido a uma direção ditada pela recuperação judicial, sob pena de inutilizar
qualquer tentativa de reorganização da empresa. Em verdade, não haveria
qualquer esperança de que outro empresário se interessasse em adquirir os bens
da massa falida, se não houvesse a garantia de que não herdaria aquele débito, um
fardo custoso para a atividade econômica, que tornava a empresa pouco atraente.
Nesse mesmo plano era imprescindível que a legislação
concursal desenvolvesse meios realmente viáveis de parcelamento do débito
tributário. Esta situação é ainda mais sensível se for considerada a vedação
constitucional à isenção heterônoma. Ou seja, a dificuldade residia na necessidade
de conciliar a previsão de prazos e condições, através de uma lei federal, do
parcelamento de débitos tributários que, por vezes, poderia ser composto
exclusivamente por créditos estranhos à União, como os pertinentes aos Municípios,
Estados e Distrito Federal.
O enfoque na elaboração da nova lei, em complemento
ao que é dito amplamente, não só foi o de defender a recuperação de empresas
viáveis, havia também, um claro escopo de possibilitar a rápida eliminação de
empresas sem boas perspectivas econômicas. Nesse esteio, e com acerto, quem
determina o futuro da empresa são os próprios credores, mas, no mais das vezes,
caberá ao setor financeiro reanimar a empresa em crise ou lhe jogar a última pá de
cal.
Nesses termos, a antiga Lei de Falências foi, durante as
últimas décadas, apontada como a grande responsável pelos elevados spreads
bancários e pelo igualmente alto Risco Brasil. É bem verdade que muitos incautos
defendiam que aquela legislação era a principal, senão a única, inimiga do mercado
de crédito nacional. O Banco Mundial, à época da votação do projeto da nova lei,
havia publicado pesquisas que situavam o Brasil entre os piores países para a
Recuperação de Empresas
14
recuperação de crédito e, como já antecipado, exerceu forte influência na
formulação das novas regras.
Por fim, é válido, desde logo, enumerar os princípios
norteadores da reforma, responsáveis pelo delineamento de boa parte dos
dispositivos da Nova Lei. Doze foram as premissas eleitas e anunciadas pelo então
Senador da República Ramez Tebet como orientação do ainda embrionário projeto
de lei de 1993, na Exposição de Motivos apresentada na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado Federal (CAE), quais sejam: 1º) Preservação da empresa;
2º) Separação dos conceitos de empresa e de empresário; 3º) Recuperação das
sociedades e empresários recuperáveis; 4º) Retirada do mercado de sociedades ou
empresários não recuperáveis; 5º) Proteção aos trabalhadores; 6º) Redução do
custo do crédito no Brasil; 7º) Celeridade e eficiência dos processos judiciais; 8º)
Segurança jurídica; 9º) Participação ativa dos credores; 10º) Maximização do valor
dos ativos do falido; 11º) Desburocratização da recuperação de microempresas e
empresas de pequeno porte; 12º) Rigor na punição de crimes relacionados à
falência e à recuperação judicial.
NATURALMENTE NEM SEMPRE É POSSÍVEL A PERFEITA SATISFAÇÃO
DE CADA UM DESSES ENUNCIADOS, PRINCIPALMENTE QUANDO HÁ CONFLITO ENTRE DOIS OU MAIS
DELES. NESSES CASOS, É NECESSÁRIO SOPESAR AS POSSÍVEIS CONSEQÜÊNCIAS SOCIAIS E
ECONÔMICAS E BUSCAR O PONTO DE CONCILIAÇÃO, A CONFIGURAÇÃO MAIS JUSTA E QUE
REPRESENTE O MÁXIMO BENEFÍCIO POSSÍVEL À SOCIEDADE.
1.1. A LEGITIMIDADE ATIVA PARA O REQUERIMENTO DE FALÊNCIA
O artigo 97 da LFRE prevê que o processo de requerimento de
falência pode ser iniciado:
1) A pedido do próprio devedor empresário individual.
2) Pelo conjugue do empresário individual falecido, pelo herdeiro ou pelo
inventariante.
3) A requerimento da própria sociedade empresária, por iniciativa dos seus
quotistas ou acionistas na forma da lei ou do ato constitutivo.
4) Por qualquer credor.
No entanto, algumas peculiaridades devem ser destacadas para sua
perfeita compreensão.
1.1.1. Credor Empresário
No que se refere ao credor, em sendo empresário,
segundo o artigo 97, §1º da LFRE, deverá ele comprovar a regularidade da sua
atividade empresarial através de certidão obtida na junta comercial. Para tanto, basta
apresentar junto com a petição inicial cópia do seu ato constitutivo devidamente
registrado na Junta Comercial.
Recuperação de Empresas
15
Um ponto que ainda não despertou o interesse dos
estudiosos, mas bastante corriqueiro para quem atua efetivamente nas varas de
falências, se refere às sociedades empresárias registradas nos cartórios de registro civil
de pessoas jurídicas – RCPJ. Pode parecer, numa primeira leitura, que tal circunstância
revelaria a irregularidade daquelas sociedades, mas a questão não é tão simples.
É sabido que o Código Civil de 2002 incorporou a
chamada teoria da empresa, tornando muitas sociedades civis em empresárias, em
especial as prestadoras de serviços não intelectuais, como academias de ginásticas,
imobiliárias e outras do gênero. Ocorre que não há como exigir que essas sociedades
migrem seus registros dos cartórios de registro civil de pessoas jurídicas para as juntas
comerciais5, não só pelo caos burocrático que isso acarretaria, mas sobretudo pelo
respeito ao ato jurídico perfeito. Nesse sentido, confira-se o fundamento da Decisão
Monocrática do Ministro Fernando Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, no
julgamento do Agravo 1.008.393.
Dessa forma, apesar das sociedades prestadoras de
serviço registradas antes de 2003, hoje, serem consideradas empresárias, não
podemos considerá-las irregulares mesmo estando elas registradas no RCPJ e não na
junta comercial. Assim, independente do local do registro, as sociedades prestadoras
de serviço estão sujeitas ao novo regime jurídico da insolvência empresarial.
Outro ponto que futuramente precisará ser resolvido diz
respeito às sociedades prestadoras de serviço de natureza intelectual, literário, artístico
ou científico. Segundo entendimento amplamente majoritário, tais sociedades, por
força do § único do artigo 966 do Código Civil têm natureza simples. Contudo, quando
a estrutura empresarial acaba por absorver a atividade intelectual e a atividade fim for
desenvolvida em maior escala por profissionais contratados e não pelos sócios, essas
sociedades passam a ser consideradas empresárias, mesmo com a sua inscrição no
RCPJ e não na Junta Comercial. Mas, ainda assim, esta poderá requerer a falência de
outra sociedade empresária. Essa é a idéia dos enunciados 193, 194 e 195 do
Conselho da Justiça Federal.
1.1.2. Credor Domiciliado no Fora do Brasil
Quando o credor requerente for domiciliado no exterior,
deverá prestar caução arbitrada pelo juiz, a fim de assegurar o pagamento das custas
e de eventual indenização se constatado que o requerimento de falência julgado
improcedente foi doloso, ou seja, com o fim de causar prejuízo ao empresário
requerido, consoante artigo 101 da Lei de Falências.
De fato são raros os requerimentos de falência
formulados por credores estrangeiros, seja porque normalmente eles se valem de
garantias reais ou bancárias, seja porque normalmente os contratos elegem o país do
5Em sentido contrário ao nosso entendimento, a Instrução Normativa n. 98 do Departamento Nacional
de Registro de Comércio regulamentou essa migração.
Recuperação de Empresas
16
credor como o local para dirimir qualquer lide decorrente desses contratos
internacionais.
Um ponto interessante é o montante dessa caução. Qual
valor deve ser caucionado pelo credor estrangeiro? A LFRE não apontou o valor exato
da caução, razão pela qual sugerimos o valor equivalente a 40% do valor da ação.
Utilizamos como parâmetro o máximo da condenação como ônus da sucumbência
(20%), acrescido do percentual previsto para eventual condenação por litigância de
má-fé (20%).
1.1.3. CREDOR COM GARANTIA REAL
O artigo 9º, inciso III, letra “b” do D.L. 7.661/45 proibia
expressamente o requerimento de falência por credor com garantia real, salvo se ele
renunciasse à garantia ou se provasse, antecipadamente, que ela era insuficiente para
cobrir o crédito. Tal proibição sempre foi seguida à risca pela jurisprudência dos
Tribunais6.
Embora o artigo 97, inciso IV da LFRE, autorize qualquer
credor a requerer a falência do devedor, a posição majoritária na doutrina sustenta
que a proibição do requerimento de falência pelo credor com garantia real reside na
sua falta de interesse processual, razão pela qual o processo, nesses casos, deve ser
extinto sem o julgamento de mérito por carência de ação, na forma do artigo 267,
inciso VI do CPC.
Apesar de não compartilharmos dessa posição, diante do
objetivo do nosso curso, sugerimos adotar este entendimento, que encontra apoio na
teoria da preservação da empresa.
1.1.4. CREDOR FISCAL
Mais uma vez o legislador não se ocupou em resolver a
questão de forma expressa, daí a necessidade de uma reflexão mais detida sobre esse
tema. Quando ainda em vigor o sistema anterior, prevalecia o entendimento que
negava legitimidade ativa à Fazenda Pública, mas, diante da nova sistemática,
inevitável é a rediscussão da matéria.
Em razão da ausência de norma expressa, indagava-se: a
Fazenda Pública pode requerer a falência do contribuinte empresário com base em
créditos tributários representados por certidões de dívida ativa, uma vez que possui lei
própria que regula a cobrança dos seus créditos, bem como por não estar sujeita ao
concurso de credores?
6 TJ/RJ, Apelação Cível nº 2006.001.15806. Quarta Câmara Cível. Rel. Des. Roberto Felinto. Julgado em
29/06/2006
Recuperação de Empresas
17
Sempre existiram dois posicionamentos a respeito: Ainda
sob a égide do Decreto Falimentar de 1945, o saudoso professor Rubens Requião
negava-lhe legitimidade ativa, exatamente sob o fundamento de que existe uma lei
própria para a fazenda cobrar seus créditos7, “faltando-lhe legítimo interesse
econômico e moral para postular a declaração de falência do seu devedor8”. Rénan
Kfuri Lopes também comungava desse entendimento9.
A matéria, em sede jurisprudencial, estava dividida10”.
Em face dessa divergência, a questão foi submetida à 2ª Seção do Superior Tribunal de
Justiça com o objetivo de evitar a perpetuação de decisões contraditórias no âmbito da
mesma Corte. Restou vitoriosa, então, a tese que negava legitimidade à Fazenda
Pública11.
Em apoio a esse entendimento, após a entrada em vigor
do novo regime, Sérgio Campinho, acompanhando a tendência jurisprudencial da
esmagadora maioria dos tribunais do país, permaneceu adotando a posição no sentido
de negar legitimidade à Fazenda Pública12.
Mesmo diante da sólida jurisprudência edificada sob os
auspícios da legislação revogada, a tese vencedora encontra em parte da doutrina e na
própria legislação vigente grandes inimigos. Nesse caminho podemos citar os
professores Waldo Fazzio Júnior13, Maximilianus14, Fabio Konder Comparato15 e
Amador Paes de Almeida16.
7 Lei 6.830/1980.
8 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Volume I. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 1998. p. 109.
9 LOPES, Renan Kfuri. Falência – ilegitimidade ativa da Fazenda Pública. Doutrina ADCOAS. n. 12. Rio de
Janeiro: Esplanada, Dezembro/1999. p. 421.
10 STJ. REsp. 10.660/MG. TERCEIRA TURMA. Rel. Min. COSTA LEITE. Julg. 12.12.1995. RDR 7/238. RSTJ
84/179; X STJ. REsp. 138.868/MG. QUARTA TURMA. Rel. Min. RUY ROSADO DE AGUIAR. Julg.
17.02.1998. DJU 30.03.1998, p. 74. RSTJ 110/304. RDR 11/375.
11 REsp. 164.389/MG. Rel. Min. CASTRO FILHO. P/Ac. Min. SALVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA. Julg. em
13.08.2003. DJU 16.08.2004. p. 130.
12 CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa. Rio de Janeiro: Renovar, 2006. p. 278.
13 JÚNIOR, Waldo Fazzio. Manual de direito comercial. 3 ed. São Paulo: Atlas, 2004. pp. 638-639.
14 Citando o posicionamento do professor NETTO ARMANDO.
15 COMPARATO, Fábio Konder. Falência – legitimidade ativa para requerê-la. Revista dos Tribunais n.
442. São Paulo. 48-54 pp. Agosto/1972.
16 ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e recuperação de empresa. 21 ed. São Paulo: Saraiva,
2005. p. 60.
Recuperação de Empresas
18
A fim de se firmar posicionamento, não se poderia
deslembrar da valiosíssima contribuição de Netto Armando, que citando Miranda
Valverde17, Walter T. Álvares18, dentre outros, e após acentuar que o artigo 187 do
CTN não constitui óbice algum, pois se revela um privilégio à Fazenda Pública, que não
fica inibida de declarar o seu crédito na falência, concluiu pela presença de interesse
econômico e social do Estado em requerer a falência de tais contribuintes19.
Não bastassem tantos argumentos, todos utilizados por
grandes nomes da nossa doutrina, apresentamos novos fundamentos para reflexão:
(i) tendo em vista que todos os credores, incluídos aí
aqueles que preferem ao tributário20, desde o mais
privilegiado até o desprovido de qualquer garantia, têm
legitimidade ativa para requerer a falência, foge ao senso
de razoabilidade aceitar que a Fazenda Pública, por
possuir uma lei própria para executar os seus créditos,
seria a única credora impedida de formular o pedido de
falência desse mesmo devedor;
(ii) no que se refere à causa de pedir, o processo de
execução do crédito fazendário realmente está vinculado
aos termos da Lei 6.830/80. Contudo, a primeira fase do
processo falimentar tem natureza cognitiva e o pedido
formulado no requerimento de quebra não se confunde
36
VALVERDE, Trajano de Miranda. Comentários à lei de falências. Vol. III. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense,
1955. pp. 47-51.
37 ÁLVARES, Walter T. Direito falimentar. Volume I. 4 ed. São Paulo: Sugestões Literárias, 1977. p. 162.
19 “Verifica-se, pois, do exposto, que a fazenda do Estado é constantemente fraudada na cobrança de sua
dívida. E o quê ocorre? Continuam os referidos contribuintes a exercer normalmente as suas atividades
mercantis, prosseguindo, de forma vergonhosa, com a sonegação, sem que a Fazenda possa alijá-los do seu
cadastro ou impedir que pratiquem o comércio. É tangível, outrossim, o aspecto social negativo que esse
procedimento enseja, eis que o não pagamento de tributos alivia o mau comerciante ou industrial de uma
carga no custo de suas operações, o que, consequentemente, acarretará o exercício de uma concorrência
desleal para com as firmas fiéis cumpridoras de suas obrigações tributárias. Conclui-se do exposto que apenas
a completa cessação das atividades de tais pessoas seria o meio eficaz de combate ao seu inqualificável
comportamento tributário para com o Estado.
Tal objetivo se conseguiria com a decretação da falência das mesmas, pois esta medida, indubitavelmente,
poria um paradeiro em suas atividades e, consequentemente, cobro à sonegação. Vê-se, portanto e com
refulgente clareza, que o Estado tem interesse econômico e social em requerer a falência de tais
contribuintes”. ARMANDO, J. NETTO. A falência do contribuinte a requerimento do fisco. Revista dos
Tribunais. n. 451. São Paulo. 49-58 pp. Maio/1973, p. 56.
20 A proibição prevista no artigo 9º, inciso III, letra “b”, do D.L. 7.661/45 não foi renovada na nova Lei de
Falências que, aliás, utiliza a expressão “qualquer credor” ao elencar aqueles que podem requerer a falência
do devedor.
Recuperação de Empresas
19
com aquele do processo de cobrança, de natureza
executiva. São ações com pedidos diferentes - uma de
declaração de insolvência e outra de pagamento do
crédito devido - portanto, inconfundíveis entre si;
(iii) as execuções fiscais se suspendem por ocasião da
decretação da falência e não existe mais a possibilidade
de realização de hasta pública de bens da Massa Falida
em execuções individuais, nem mesmo naquelas em que
o leilão já estava marcado quando da decretação da
quebra, como também não mais existe a chamada
sucessão tributária quando da alienação dos bens da
Massa Falida. Ou seja, todos os bens do devedor serão
arrecadados pelo Administrador Judicial e, portanto, não
poderão ser penhorados e muito menos alienados no
curso de qualquer execução individual, inclusive a fiscal.
Diante dessas ponderações, nos posicionamos no sentido
de que, uma vez decretada a falência do devedor, inclusive ao seu pedido, a Fazenda
Pública deve informar o montante do seu crédito, por ofício, ao juízo falimentar, para
que no momento oportuno possa recebê-lo, após os credores trabalhistas, acidentários
e com garantia real21. Assim, temos que quando a lei afirma que a Fazenda não está
sujeita ao concurso de credores, esta se refere ao fato de que acaso exista algum
questionamento a ser feito sobre a legitimidade do crédito fiscal, sobretudo pelo falido,
ou mesmo pelo Administrador Judicial, o caminho seria o ajuizamento de ação própria
diretamente no juízo fazendário. Dessa forma, a Fazenda não estaria sujeita ao mesmo
procedimento dos demais credores para informar o seu crédito, mas será no processo
falimentar que ocorrerá, quando possível, o seu pagamento.
Registramos recentemente, porém, precedente do
Superior Tribunal de Justiça admitindo expressamente o procedimento de habilitação
para o crédito fiscal. Vejamos:
FALÊNCIA. APRESENTAÇÃO. CRÉDITO TRIBUTÁRIO.
Os arts. 187 e 29 da Lei n. 6.830/1980 não representam
óbice à habilitação de créditos tributários no concurso de
credores da falência; tratam, na verdade, de prerrogativa
da entidade pública em poder optar entre o pagamento
do crédito pelo rito da execução fiscal ou mediante
habilitação. Escolhendo um rito, ocorre a renúncia da
utilização do outro, não se admitindo uma dúplice
garantia. O fato de permitir a habilitação do crédito
tributário em processo de falência não significa admitir o
requerimento de quebra por parte da Fazenda Pública. No
21
Ressalvados os créditos tributários extraconcursais e aqueles devidos por força da ação de restituição,
que são pagos com absoluta prioridade, bem assim as multas tributária, que são pagas após os
quirografários.
Recuperação de Empresas
20
caso, busca-se o pagamento de créditos da União
representados por onze inscrições em dívida ativa que,
em sua maioria, não foram objeto de execução fiscal em
razão de seu valor. Diante dessa circunstância, seria
desarrazoado exigir que a Fazenda Nacional extraísse as
competentes CDAs e promovesse as respectivas
execuções fiscais para cobrar valores que, por razões de
política fiscal, não são ajuizáveis (Lei n. 10.522/2002, art.
20), ainda mais quando o processo já se encontra na fase
de prestação de contas pelo síndico. Nesse contexto, a
Turma determinou o retorno dos autos ao Tribunal de
origem para verificação da suficiência e validade da
documentação acostada pela Procuradoria da Fazenda
Nacional a fim de fazer prova de seu pretenso crédito.
Precedentes citados: REsp 402.254-RJ, DJe 30/6/2008;
REsp 988.468-RS, DJ 29/11/2007; REsp 185.838-SP, DJ
12/11/2001, e REsp 287.824-MG, DJ 20/2/2006. REsp
1.103.405-MG, Rel. Min. Castro Meira, julgado em
2/4/2009.
1.2. JUÍZO COMPETENTE
Nos termos do artigo 3º da LFRE, será competente para
a distribuição do pedido de requerimento da falência “o juízo do local do principal
estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil”.
Mas qual seria o principal estabelecimento da empresa? Seria a sede designada no
ato constitutivo, o local onde está concentrada a maior parte do ativo imobilizado
ou onde se encontram seus administradores (diretoria)?
Dois critérios disputam a preferência da doutrina e da
jurisprudência. Pelo critério econômico, principal estabelecimento é o local onde está
localizada a maior parte do ativo imobilizado22. Já pelo critério jurídico, reputa-se
principal estabelecimento o local onde se encontra a diretoria23.
Para o Superior Tribunal de Justiça principal
estabelecimento "é o local onde a ATIVIDADE se mantém centralizada" 24. Sob a
nossa ótica, a análise do principal estabelecimento deve atentar sempre para as
peculiaridades do caso concreto. Nesse contexto, em regra, o critério é o local onde
está concentrado a maior parte do ativo, mas se não houver uma grande diferença,
22
Coelho, Fábio Ulhoa, in MANUAL DE DIREITO COMERCIAL, 2005, pág. 319
23 VALVERDE. Ob. cit., p. 84.
24 STJ, CC 27.835/DF. Rel. Min. Antônio de Pádua Ribeiro. Segunda Seção. Julg. em 14/03/2001. DJ,
09/04/2001. RSTJ, 143/206.
Recuperação de Empresas
21
ou seja, existindo uma equivalência patrimonial entre os diversos locais em que a
sociedade empresária exerce sua atividade, o local onde está a diretoria será o
fator determinante para a fixação do principal estabelecimento.
Há de se consignar que a alteração fraudulenta do
estabelecimento empresarial, isto é, quando a mudança tiver por finalidade
dificultar a ação dos credores, passou a ser considerada como um ato de falência, o
que por si só já autoriza o requerimento de sua quebra, no Juízo do local do antigo
estabelecimento, conforme artigo 94, inciso III, letra D da LFRE.
Além disso, a competência do juízo falimentar possui
natureza absoluta por ser funcional, conforme já se pronunciou o Supremo Tribunal
Federal25.
Por derradeiro, com base no artigo 6o, § 8o da LFRE, a
distribuição do pedido de falência ou de recuperação judicial previne a competência,
não sendo necessária a prova da citação, pois basta a distribuição para prevenir a
competência. Registre-se, ainda, que a distribuição da recuperação extrajudicial
para homologação também previne a competência26.
1.3 Pressupostos Falimentares
Como já adiantamos, para que seja decretada a falência
devem ficar comprovados nessa fase cognitiva a presença dos chamados pressupostos
falimentares, assim entendidos:
MATERIAIS:
o LEGITIMIDADE PASSIVA
o INSOLVÊNCIA
Obs. Impossibilidade de Recuperação (nosso posicionamento).
FORMAL:
o SENTENÇA DE FALÊNCIA
Durante a tramitação do pedido de falência o Juiz deverá
perquirir se todos os pressupostos acima destacados encontram-se presentes. A
25
STF, RE 98.929/RJ, Rel. Min. Rafael Mayer.
26 Neste sentido, Campinho, Sérgio. Falência e Recuperação de Empresa, 2006, págs. 33 e 34.Em sentido
contrário, Fábio Ulhoa Coelho entende que o pedido de homologação do plano de recuperação
extrajudicial não gera a prevenção, porque como a norma que trata da prevenção seria regra
excepcional, já que excepciona o princípio do juiz natural, esta deveria ser interpretada restritivamente.
Ou seja, para que o pedido de homologação do plano extrajudicial gerasse prevenção deveria existir
previsão expressa neste sentido. Comentário à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São
Paulo: Saraiva, 2008. p. 40.
Recuperação de Empresas
22
ausência de qualquer um deles impede a sentença de quebra e, portanto, merecem
análise mais aprofundada. Analisemos, pois, cada um desses pressupostos.
1.3.1. Legitimidade Passiva
O artigo 1º da LFRE foi muito feliz ao dispor de forma
clara que:
“Art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a
falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos
simplesmente como devedor.”
Diante da literalidade do texto legal, somente o
EMPRESÁRIO INDIVIDUAL27 e a SOCIEDADE EMPRESÁRIA28 estão sujeitos à falência,
pois o instituto é exclusivamente empresarial29. Em relação ao empresário individual
três pontos devem ser abordados.
O empresário individual, no Brasil, é o titular da firma
individual e com ela se confunde. A firma individual não possui personalidade jurídica
própria, ou seja, distinta do seu titular. A falência, portanto, é do empresário individual
(pessoa natural), titular da firma individual (equiparada à pessoa jurídica), e todos os
seus bens serão arrecadados, estejam ou não ligados à sua atividade empresarial.
Essa é a posição da jurisprudência:
MONITÓRIA – CHEQUE PRESCRITO – EMBARGOS –
ILEGITIMIDADE PASSIVA – EMPRESÁRIO INDIVIDUAL –
CONFUSÃO COM A PESSOA FÍSICA –
RESPONSABILIDADE CONHECIDA (...). O empresário
individual confunde-se com a pessoa física. Sendo
ambos a mesma pessoa, um responde pelas obrigações
do outro.(...)30.
O mestre paranaense Rubens Requião, citado pelo relator
no seu voto, partilha do mesmo entendimento:
27
Código Civil, art. 966.
28 Código Civil, art. 982 c/c 966.
29 Há projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional pretendendo submeter as sociedades simples
ao regime jurídico da insolvência empresarial.
30 TJ/MT, Ap. Cív. 92908/68, Quinta Câmara Cível, Des. Rel. Carlos Alberto Alves da Costa. Julg. em
07.02.2007.
Recuperação de Empresas
23
“O Tribunal de Justiça de Santa Catarina explicou muito
bem que o comerciante singular, vale dizer, o
empresário individual, é a própria pessoa física ou
natural, respondendo os seus bens pelas obrigações
que assumiu, quer sejam civis, quer comerciais. A
transformação de firma individual em pessoa jurídica é
uma ficção do direito tributário, somente para o efeito
do imposto de renda.31”
O segundo ponto é o fato de ser possível a decretação da
falência do espólio deixado pelo empresário individual, fato raro e que jamais
presenciamos mesmo após vários anos de atuação na seara falimentar.
O último registro é sobre a possibilidade de decretação da
falência do empresário individual menor de 18 anos, algo proibido no sistema anterior.
Seja o absolutamente incapaz, autorizado pelo artigo 974 do Código Civil, seja o maior
de 16 anos, emancipado por força do artigo 5º, inciso V do Código Civil, ambos podem
ser declarados falidos.
Voltemos nossas atenções para as sociedades
empresárias. Sem nos aprofundar sobre o seu conceito, devemos considerar
empresárias todas as sociedades que explorarem atividade de produção de bens, como
as indústrias, circulação de bens, como restaurantes e lojas de eletrodomésticos, e
finalmente de prestação de serviços, como as imobiliárias ou as academias de
ginástica. Também serão consideradas empresárias as sociedades que explorem
atividade intelectual, artística, literária ou científica, quando a estrutura empresarial se
sobrepor a atividade, o que normalmente fica evidenciado quando a atividade fim não
é exercida significativamente pelos sócios, mas sim por profissionais contratados32. É o
caso de escolas, laboratórios e hospitais.
1.3.1.1. Sociedades Empresárias Registradas no Cartório de RCPJ
Neste ponto, sob pena de sermos repetitivos, remetemos
o leitor ao item 1.1.1., no qual nos manifestamos no sentido de que as antigas
sociedades civis registradas no RCPJ, que hoje são consideradas empresárias pela
teoria da empresa, não precisam migrar para a junta comercial.
1.3.1.2. Sociedades Empresárias Não Sujeitas à Falência
Nada obstante a regra acima examinada, nem todas as
sociedades empresárias estão sujeitas à falência. Pelo menos essa é a primeira
impressão que se extrai da redação do artigo 2º da LFRE:
Art. 2o Esta Lei não se aplica a:
31
REQUIÃO, Rubens. Curso de Direito Comercial. vol. 1, 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 78. 32
Nesse sentido ver os enunciados 193, 194 e 195 do Conselho da Justiça Federal.
Recuperação de Empresas
24
I – empresa pública e sociedade de economia mista;
II – instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio,
entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de
assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras
entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Apesar da barulhenta divergência doutrinária, no âmbito
jurisprudencial a interpretação desse dispositivo legal não parece tão tormentosa.
As empresas públicas e as sociedades de economia mista,
apesar de empresárias, sempre estiveram fora do regime falimentar. De início, a
proibição advinha do artigo 242 da lei 6.404/76, revogado pela Lei 10.303/01. Até a
edição da nova LFRE não tínhamos nenhum dispositivo legal tratando do tema de
forma clara. Contudo, o comentado artigo 2º da Lei 11.101/05 volta a trazer paz ao
tema, salvo para aqueles que sustentam a inconstitucionalidade do inciso I, por
aparente violação ao artigo 173, §1º, inciso II da Constituição Federal, combinado com
o artigo 195 da própria Lei 11.101/05, que autoriza a falência das concessionárias de
serviços públicos.
Não enxergamos qualquer inconstitucionalidade, na
medida em que as empresas públicas e as sociedades de economia mista só atuam no
campo empresarial quando houver relevante interesse público ou assunto inerente a
segurança nacional. Não há nada de inconstitucional em excluí-las do regime
falimentar sob o manto da prevalência do interesse público sobre o privado. A opção
do legislador infraconstitucional está em perfeita harmonia com a nossa Carta Magna33.
A interpretação do inciso II do artigo 2º da LFRE já inspira
mais cuidados, pois devemos analisar cada uma das hipóteses por ele contempladas.
As instituições financeiras, as cooperativas de crédito e os
consórcios estão sujeitos às regras de intervenção e liquidação extrajudiciais previstas
na Lei 6.024/76. Conjugando as duas leis, chegamos à conclusão de que tais
sociedades não estão sujeitas diretamente à falência, pois existe apenas um único
caminho para elas chegarem à falência, autorização do Banco Central do Brasil para
que o Liquidante Extrajudicial requeira a “autofalência” da instituição financeira em
crise, nas hipóteses previstas nos artigos 12, letra “d” e 21, letra “b”, da Lei 6.024/76.
As sociedades de previdência complementar, por força do
artigo 73 da Lei Complementar 109/01, e as sociedades de capitalização, em razão do
artigo 4º do Decreto Lei 261/67, estão sujeitas ao mesmo regime imposto às
seguradoras que, por sua vez, a partir da Lei 10.190/01, que alterou o Decreto Lei
73/66, passou a se sujeitar à falência nos mesmos termos das instituições financeiras.
A única diferença é que a intervenção e a liquidação extrajudicial são promovidas pela
Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.
33
Nesse sentido: COELHO, Fábio. Curso de direito commercial. Volume 3. 5 edição. São Paulo: Saraiva,
2005. 248 p.
Recuperação de Empresas
25
Por fim, as sociedades operadoras de plano de saúde
estão reguladas pela Lei 9.656/98, que em seu artigo 23 também autoriza a falência
nas mesmas hipóteses previstas para as instituições financeiras, sendo que desta feita
todo o procedimento é supervisionado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar-
ANS.
1.3.2. INSOLVÊNCIA - CARACTERIZAÇÃO
A LFRE pouco alterou os critérios caracterizadores da
insolvência. Continuou prestigiada a insolvência ficta ou presumida, isto é, para a
decretação da falência não precisa ficar demonstrado que o ativo do devedor é
inferior ao seu passivo. A Lei definiu em seu artigo 94 três critérios distintos para
presumir que o devedor encontra-se insolvente. São eles: a impontualidade; a
execução frustrada; e os atos de falência.
De início é importante destacar que o Requerente deve
informar claramente na sua petição inicial qual o fundamento do seu requerimento,
ou seja, se é a impontualidade, execução frustrada ou atos de falência.
Outrossim, uma questão interessante é absolutamente
ignorada pela doutrina, mas merece toda a nossa atenção: pode o requerente
formular o pedido de falência do seu devedor com base em mais de um
fundamento? Não há uma resposta segura para essa indagação, mas, em tese, não
enxergamos qualquer empecilho legal.
1.3.2.1. IMPONTUALIDADE
Seguindo uma tradição do direito pátrio, a nova lei
reproduziu como principal elemento caracterizador da insolvência a impontualidade,
traçando, contudo, novos contornos. Dispõe o artigo 94, inciso I, da LF que:
“Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
I – sem relevante razão de direito, não paga, no vencimento, obrigação líquida
materializada em título ou títulos executivos protestados cuja soma ultrapasse o
equivalente a 40 (quarenta) salários-mínimos na data do pedido de falência;”
Como se pode notar, quase nada muda em relação ao
sistema anterior, salvo no que concerne ao valor do título ou títulos que municiam o
requerimento. Antes, o pedido de falência pela impontualidade poderia ser feito
qualquer que fosse o valor do título em atraso, dando azo a requerimentos de falência
de grandes sociedades empresárias a partir de títulos de ínfimos valores, numa clara
demonstração de que a ameaça de falência estava sendo usada como instrumento de
coação para cobrança de dívidas. Pelas novas regras, a dívida deve superar a marca
dos 40 (quarenta) salários mínimos na data do requerimento de falência.
Recuperação de Empresas
26
Após inúmeras sugestões durante o curso do processo
legislativo, a lei admitiu expressamente a possibilidade de LITISCONSÓRCIO entre
diversos credores do mesmo devedor empresário, a fim de se alcançar o mínimo legal,
consoante §1º do artigo 94, desde que todos os títulos estejam devidamente
acompanhados dos respectivos instrumentos de protesto.
1.3.2.1.1. Protesto Especial
Como consignado acima, todos os títulos devem estar
protestados para fundamentar o pedido de quebra com base na impontualidade.
Saliente-se, nesse contexto, que a jurisprudência edificada sob a influência da
legislação revogada34 admitia o protesto cambiário no lugar do falimentar35.
Ocorre que o atual §3º do artigo 94 da LFRE,
diversamente do sistema anterior, assevera que os títulos, “EM QUALQUER CASO,
devem estar acompanhados dos respectivos instrumentos de protesto PARA FIM
FALIMENTAR, NOS TERMOS DA LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA”. (destaque nosso).
Vemo-nos obrigados a fazer um alerta: é perfeitamente
defensável a orientação de que o protesto cambial não mais substitui o protesto
especial. Esse, por enquanto, não é o entendimento da doutrina, muito embora já
existam várias decisões exigindo o protesto especial36.
Aliás, seja qual for a corrente doutrinária e jurisprudencial
adotada, ainda é majoritário o entendimento jurisprudencial e doutrinário de que o
requerente deve comprovar que o devedor foi intimado pessoalmente do protesto,
juntando o respectivo aviso de recebimento – A.R., salvo quando o devedor não for
encontrado em seu estabelecimento37. Aliás, o Superior Tribunal de Justiça aprovou a
súmula 361 com a seguinte redação:
“A notificação do protesto, para requerimento de falência da empresa
devedora, exige a identificação da pessoa que a recebeu.”
É importante lembrar que até mesmo os títulos
executivos judiciais, quando utilizados para o requerimento de falência pela
impontualidade, devem ser protestados para fim falimentar.
34
D.L. 7.661/45, artigo 10.
35 RT 543/115.
36 TJ/SC - Apelação Cível 2006.003334-4. Des. Ricardo Fontes. Julg. Em 03/08/2006. 1ª Câmara de Dir.
Comercial. Nesse sentido, ainda do mesmo Tribunal: Apelação Cível 2006.047159-5
37 TJ/SC - Apelação cível 2004.008028-0. Relator: Des. Alcides Aguiar. Data da Decisão: 31/03/2005.
Nesse sentido, ainda: TJ/GO - APELACAO CIVEL 103957-5/188. 2ª Câmara Cível. Julg. Em 11/09/2007.
DES. ALAN S. DE SENA CONCEIÇÃO.
Recuperação de Empresas
27
Saliente-se, ainda, que não é mais possível o
requerimento de falência com base em “protesto por empréstimo”, quando um
credor se aproveita do protesto tirado por outro contra o mesmo devedor38. O §3º
do artigo 94 da LFRE é claro ao dispor que em qualquer caso os títulos devem estar
acompanhados dos “respectivos” instrumentos de protesto.
1.3.2.2. Execução Frustrada
A execução frustrada sempre foi um dos caminhos para
provar a insolvência do devedor. No sistema anterior ela estava inserida, ao nosso
sentir incorretamente, no rol de atos de falência. Contudo, ganhou prestígio na nova
legislação, estando hoje disciplinada como uma forma autônoma de caracterização da
insolvência. Assim dispõe o artigo 94, inciso II da LFRE:
“Art. 94. Será decretada a falência do devedor que:
(...).
II – executado por qualquer quantia líquida, não paga, não deposita e não nomeia à
penhora bens suficientes dentro do prazo legal.”
Note-se que não há exigência de valor mínimo para o
título ou títulos que basearam a execução. Para o Requerimento, basta instruir a
exordial com a certidão de execução frustrada, isto é, com a declaração do cartório
onde se processou a execução, de que o executado foi citado, não pagou, não
depositou e nem ofereceu bens à penhora no prazo legal.
Não há necessidade de se extinguir definitivamente a
execução singular para proceder ao requerimento de falência, bastando a sua
suspensão a pedido do exeqüente39.
Por derradeiro, não se admite o requerimento de falência
com base em execução frustrada se o título for provisório ou se estiver pendente
algum incidente questionando o débito, como a exceção de pré-executividade ou os
embargos à execução ou de terceiro. Também não se admite a utilização de certidão
de execução frustrada de terceiro, tal como não se admite o protesto “por
empréstimo”.
Deve-se pontuar que a partir das reformas do Código de
Processo Civil no que toca ao procedimento de execução individual, o dispositivo legal
em comento deve ser interpretado em conjunto com as novas regras do processo civil.
Logo, defendemos que se o devedor for citado em execução, não depositar, pagar ou
nomear bens à penhora, mas apresentar embargos, não se pode permitir o
38
D.L. 7.661/45, artigo 4º.
39 STJ, REsp. 125.399/RS. Terceira Turma.
Recuperação de Empresas
28
requerimento de falência. Ousamos inaugurar, portanto, uma nova expressão, a
“quádrupla omissão”.
1.3.2.3. Atos de Falência
Seguindo a tradição, a nova Lei conserva a possibilidade
do requerimento de falência ocorrer com base na prática de certos atos pelo devedor,
condutas essas que receberam o nome de ATOS DE FALÊNCIA. O artigo 94, inciso III,
traz um rol taxativo de condutas que se adotadas pelo devedor empresário fazem
presumir a sua insolvência.
O credor não precisa estar com o seu título vencido e
muito menos protestado para requerer a falência com base nesse fundamento. Nas
próximas linhas resumiremos o conteúdo de cada conduta, na ordem constante da lei:
A) LIQUIDAÇÃO PRECIPITADA - No fundo, a lei vê a malícia do empresário que
pretende apurar o ativo sem pagar o passivo. Devemos ressaltar que as chamadas
“queimas de estoque” não constituem maliciosa liquidação de que trata este inciso. O
que a caracteriza é a venda de bens indispensáveis à continuação da empresa (ativo
não circulante), especialmente por valores muito abaixo dos praticados no mercado.
B) NEGÓCIO SIMULADO - Com o negócio simulado o devedor tenta furtar a garantia
comum dos credores. A transferência simulada de bens proporciona aos credores e ao
administrador judicial o direito de buscar a ineficácia desses negócios.
C) TRESPASSE IRREGULAR - A lei pretende coibir que o devedor transfira para terceiro
seu estabelecimento empresarial e com isso fique sem bens suficientes para pagar o
passivo. O trespasse deve seguir rigorosamente as regras previstas nos artigos
1.144/1.145 do Código Civil, sob pena de ineficácia.
D) TRANSFERÊNCIA IRREGULAR DO PRINCIPAL ESTABELECIMENTO - Trata-se de uma
inovação e, portanto, ainda não dispomos de base doutrinária ou jurisprudencial para
melhor explicitá-la. Contudo, num exame inicial, temos que tal comportamento só
deve realmente ser considerado como ato de falência quando inviabilizar o acesso à
justiça e a ação fiscalizadora dos credores, isto é, quando a transferência efetivamente
tiver como único ou principal objetivo dificultar o acesso dos credores.
E) FALSA GARANTIA - O STF decidiu que a falência com base nesse inciso só pode ser
deferida quando o devedor procurar favorecer um credor em detrimento dos outros, e
não quando se trate de operação nova, tendente a desafogar uma situação passageira
de falta de capital de giro.
F) ABANDONO DO ESTABELECIMENTO - Tem por finalidade afastar a ação dos
credores e só se caracteriza quando o titular não deixar procuradores para representá-
lo.
G) RESCISÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL - Também é uma novidade. Caso o
devedor em recuperação judicial cumpra suas obrigações nos dois primeiros anos o
Recuperação de Empresas
29
processo será encerrado e a fiscalização passará a ser feita exclusivamente pelos seus
credores. Assim, se o devedor descumprir qualquer obrigação assumida no plano
depois de encerrado o processo, seja de dar, de fazer ou não fazer, além da opção de
buscar a tutela específica, poderá o credor requerer a falência do devedor.
O §5º, do artigo 94 da LFRE, prevê a possibilidade de
instrução probatória quando o requerimento de falência tiver como base a prática de
atos de falência, mas não permite o depósito elisivo. Tal assunto será analisado nas
linhas a seguir.
1.3.2.4. AUTOFALÊNCIA
Embora de difícil ocorrência, devemos dedicar algumas
linhas de nossa atenção para a falência requerida pelo próprio devedor, melhor
denominada de insolvência confessada.
Antes havia um estímulo na própria Lei de Falência para
que o devedor confessasse a sua insolvência, a concordata suspensiva. Atualmente
não existe instituto similar à extinta concordata suspensiva, razão pela qual não há
qualquer benefício ou mesmo sanção relacionados à confissão de insolvência. Assim,
surge a indagação: por que o devedor confessaria sua insolvência? Por que iria
requerer a sua própria falência?
Realmente não existe nenhuma explicação plausível, mas
não podemos esquecer que em caso de dissolução e liquidação das sociedades
empresárias pelos sócios, o liquidante nomeado por eles tem o dever legal de
confessar a falência quando os recursos obtidos com a venda ativos não forem
suficientes para o pagamento integral dos credores, consoante artigo 1103, inciso VII,
do Código Civil. De outro lado, a inobservâncias dessa regras pode gerar
responsabilidade pessoal dos sócios por dissolução irregular40.
Segundo a doutrina, o sócio das sociedades de pessoas
pode opor-se judicialmente ao pedido de “autofalência” se não o assinou, enquanto o
sócio das sociedades por ações deve manifestar sua oposição apenas na assembléia
geral extraordinária, na forma do art. 122, IX, da LSA.
Outro ponto que pode gerar dúvida é sobre a
possibilidade de retratação. A doutrina, com o referendo da jurisprudência, defende
que isso só é possível antes da sentença de falência.
Por derradeiro, convém salientar que a petição inicial
deve vir acompanhada de vários documentos, surgindo outra indagação: caso o pedido
não esteja satisfatoriamente instruído, o que deve fazer o juiz?
40
Súmula 435 do STJ – Presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu
domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução
fiscal para o sócio-gerente. Ver, ainda, Ag. Reg. no Ag. 1282351 e REsp. 140564.
Recuperação de Empresas
30
A resposta é simples. Caso o devedor não emende a
inicial ou junte os demais documentos exigidos na lei, deve assim mesmo o juiz
decretar a falência se estiverem presentes os pressupostos falimentares já
examinados, sendo certo que as irregularidades poderão ser sanadas futuramente pelo
administrador judicial a ser nomeado.
1.4. PROCEDIMENTO E DEFESA
A simples distribuição do pedido de falência tem como
efeito a prevenção do juízo, na forma do artigo 6º §8º da LFRE.
O rito processual está regulado nos artigos 94 até 98
da LFRE, aplicando-se supletivamente as normas do Código de Processo Civil.
Portanto, o devedor será citado para se defender em dez dias, na forma do artigo
98, caput, da LFRE, mas a contagem do prazo é na forma preconizada no CPC, ou
seja, após a juntada do mandado positivo nos autos.
Caso a contestação não seja apresentada no prazo legal
aplicam-se todos os efeitos da revelia, inclusive aqueles previstos no artigo 319 do
CPC, presumindo-se verdadeiros os fatos narrados pelo requerente.
O artigo 94 traz um rol exemplificativo das matérias
que podem ser alegadas em defesa quando o pedido é fundado na impontualidade.
Entretanto, à exceção da matéria articulada no inciso VI, vício no protesto, todas as
demais, se comprovadas, também impedem a decretação da falência quando o
fundamento do pedido for execução frustrada ou ato de falência.
Aliás, no prazo para defesa o devedor poderá formular
pedido de recuperação judicial, com fulcro no artigo 95 da LFRE, devendo atentar
para os rigores dos artigos 48 e 51 da própria LFRE. Uma vez preenchidos os
requisitos legais o juiz deferirá o processamento da recuperação, hipótese em que o
pedido de falência ficará suspenso aguardando o desfecho do processo de
recuperação.
Há de se ressaltar que a Lei de Falências não prevê
dilação probatória, salvo quando o requerimento é formulado com fulcro no artigo
94, inciso III, ou seja, atos de falência, conforme dispõe o §5º desse artigo.
Entretanto, em muitos casos o juiz não tem como prolatar sentença apenas com a
prova documental, apresentando-se, por vezes, imprescindível a produção de uma
prova pericial ou testemunhal. Nessas hipóteses também aplicaremos as normas
gerais processuais supletivamente e o pedido de produção de prova deve ser
deferido.
Não há previsão legal de intervenção do Ministério
Público nessa fase processual, mas na prática sua atuação tem se revelado de
extrema importância, com fulcro no artigo 82, inciso III do CPC.
Recuperação de Empresas
31
1.4.1. DEPÓSITO ELISIVO
O § ÚNICO DO ARTIGO 98 DA LFRE PREVÊ QUE O DEVEDOR, NAS
HIPÓTESES DE IMPONTUALIDADE OU EXECUÇÃO FRUSTRADA, PODE AFASTAR A POSSIBILIDADE DE
FALÊNCIA DEPOSITANDO O VALOR TOTAL DA DÍVIDA RECLAMADA EM JUÍZO COM OS ACRÉSCIMOS
LEGAIS, NO PRAZO DA CONTESTAÇÃO. PELA CLAREZA DO TEXTO LEGAL PODE PARECER QUE O PRAZO
DE 10 (DEZ) DIAS É PEREMPTÓRIO. CONTUDO, NÃO É ESSE O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS:
Agravo de instrumento. Direito falimentar. Depósito
elisivo. Prazo. Princípio da preservação da empresa.
Inteligência do art. 98 da Lei 11.101/05. Agravante que
se insurge contra a decisão a quo que oportunizou ao
agravado efetuar em 48 horas o depósito elisivo e sua
integralidade. Norma do art. 98 da NLF, que prevê
prazo para o depósito elisivo que deve ser flexibilizada
com vistas a atender ao princípio maior da preservação
da empresa. Interpretação que atende aos interesses
do próprio agravante na solvência de seu crédito.
Decisão agravada que se mantém. Recurso conhecido a
que se nega provimento41.
41
TJ/RJ, Agravo de Instrumento 2007.002.16765. DES. CRISTINA TEREZA GAULIA - Julgamento:
04/09/2007 - QUINTA CAMARA CIVEL.
Recuperação de Empresas
32
ACOMPANHANDO A TENDÊNCIA JURISPRUDENCIAL, É POSSÍVEL O
DEPÓSITO ELISIVO A QUALQUER MOMENTO, DESDE QUE ANTES DA SENTENÇA DE FALÊNCIA, COM
FUNDAMENTO NA TEORIA DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. ALIÁS, ABEBERANDO-SE DESSA FONTE,
ALGUNS AUTORES DEFENDEM A POSSIBILIDADE DO DEPÓSITO MESMO QUANDO O REQUERIMENTO
TEM COMO BASE A PRÁTICA DE ATOS DE FALÊNCIA42.
OS TRIBUNAIS, MAJORITARIAMENTE, NÃO ADMITEM O DEPÓSITO
ELISIVO PARCIAL, CONFORME PRECEDENTE DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO:
FALÊNCIA. DEPOSITO ELISIVO. PARA TER TAL EFEITO É PRECISO
QUE SEJA COMPLETO: PRINCIPAL, JUROS, CORREÇÃO MONETÁRIA,
CUSTAS E HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS E NÃO SOMENTE DO
PRINCIPAL. RECEBIMENTO DO DEPÓSITO A AFASTAR SUA
INTEMPESTIVIDADE (LEI FALENCIAL, ART.11, PAR. 2.).
PROVIMENTO PARCIAL, PARA A CONTA DOS ACRÉSCIMOS SER
ATUALIZADA E FIXADOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS, EM 1º
GRAU, PROSSEGUINDO-SE COMO DE DIREITO, APOS CASSAÇÃO DA
SENTENÇA, QUE DEIXARA OS ACRÉSCIMOS E A VERBA HONORÁRIA
PARA A EXECUÇÃO43.
É IMPORTANTE SALIENTAR QUE O DEPÓSITO NÃO IMPORTA EM
RECONHECIMENTO DA DÍVIDA, POIS O DEVEDOR PODE CONTESTAR O PEDIDO DE FALÊNCIA. NESSE
CASO, O AUTOR DO REQUERIMENTO DE FALÊNCIA SÓ PODERÁ LEVANTAR O VALOR DEPOSITADO SE A
CONTESTAÇÃO NÃO FOR ACOLHIDA, HIPÓTESE EM QUE A FALÊNCIA NÃO SERÁ DECRETADA. ESSA É A
MELHOR EXEGESE DA PÉSSIMA REDAÇÃO DO § ÚNICO DO ARTIGO 98 DA LFRE.
1.5. SENTENÇA DE FALÊNCIA – CONTEÚDO E RECURSOS
Grandes processualistas, como o renomado professor
Alexandre Freitas Câmara, sempre criticaram a opção do legislador em classificar a
decisão que decreta a falência como sentença, pois ela não termina o processo em
primeira instância, revelando-se como verdadeira decisão interlocutória, mista e não
terminativa.
Nada obstante tais críticas, a Lei nova continua a se
referir a tal decisão como sentença, conforme pode ser constatado no artigo 99, da LF.
Aliás, é a partir deste ponto que se inicia o processo de execução concursal do devedor
empresário, sendo certo que a Lei não mais se refere a tal sentença como declaratória,
abrindo ainda mais espaço para a eterna discussão sobre sua natureza jurídica.
Contudo, do ponto de vista processual penal o artigo 180
da LF é claro em considerar tal decisão como condição objetiva de punibilidade.
42
COELHO, Fábio. Curso de direito commercial. Volume 3. 5 edição. São Paulo: Saraiva, 2005. 265 p.
43 TJ/RJ, Apelação Cível 1990.001.00841. DES. N. DORESTE BAPTISTA - Julgamento: 17/04/1990 - QUINTA
CÂMARA CÍVEL.
Recuperação de Empresas
33
A sentença que decreta a falência tem o seu conteúdo
detalhadamente regulado no artigo 99 da LFRE. Analisaremos aqui, item a item, o que
deve constar da decisão de quebra, seguindo a ordem legal:
I) A exigência desse inciso evita transtornos sobre a identificação da sociedade
falida e dos seus administradores, facilitando, inclusive, a apuração de
responsabilidades.
II) O termo legal da falência é de suma importância para o ajuizamento da ação
revocatória e pode ser fixado em até 90 dias antes do primeiro protesto por
falta de pagamento. O texto encerra qualquer discussão sobre o que se
deve entender por primeiro protesto, na medida em que devem ser
desconsiderados todos aqueles já cancelados.
III) O objetivo é facilitar a identificação dos credores (Massa Falida Objetiva),
abreviando o trabalho do Administrador Judicial.
IV) O prazo para habilitação é de 15 dias e o seu procedimento inicial é
extrajudicial.
V) Está relacionado com a universalidade do juízo falimentar, que adiante será
analisada.
VI) Trata da indisponibilidade dos bens do falido.
VII) A decretação da prisão preventiva não pode ser de ofício e só será possível
se preenchidos os pressupostos exigidos no artigo 312 do Código de
Processo Penal.
VIII) Relaciona-se à publicidade da decisão e à perda da capacidade profissional
do devedor, ou seja, a impossibilidade dele exercer a empresa.
IX) A nomeação do administrador judicial deve ser feita o quanto antes, haja
vista a importância e urgência de suas atribuições. Esta figura será
minuciosamente tratada mais adiante.
X) Tal providência auxilia sobremaneira a arrecadação de bens imóveis do
falido.
XI) A continuação da empresa (atividade) durante o processo falimentar era
medida excepcional, mas agora é a regra, a fim de que os bens intangíveis
não sejam desperdiçados, como clientela, freguesia e a força da marca e do
nome empresarial.
XII) A conveniência ou não da constituição do COMITÊ DE CREDORES também
será objeto de estudo em capítulo próprio.
XIII) A figura do Ministério Público também será amplamente analisada a seguir.
No que toca às fazendas públicas, a intimação faz com que estas
apresentem, também por ofício, eventuais créditos que tenham contra o
falido.
O sistema recursal previsto na nova legislação é muito
mais simples. Segundo o artigo 100:
* Da sentença de improcedência é cabível o recurso de apelação.
* Da sentença de procedência é cabível o agravo de instrumento.
Recuperação de Empresas
34
Tais recursos, por força do artigo 189 da LFRE, seguem os
procedimentos previstos no Código de Processo Civil, inclusive no tocante aos prazos e
efeitos da interposição.
Como regra, a sentença que julga improcedente o pedido
de falência tem o mesmo tratamento de qualquer outra, isto é, o autor é condenado ao
pagamento do ônus da sucumbência, na forma prevista no artigo 20 do Código de
Processo Civil. Entretanto, em caso de comprovado dolo, ou seja, quando o
requerimento de falência tiver como principal objetivo macular a imagem do
Requerido, na própria sentença de improcedência deve o Juiz condenar o autor a pagar
uma indenizar ao Réu, cujo valor liquidar-se-á em processo próprio, com fulcro no
artigo 101, da LFRE. Caso o prejuízo desse temerário requerimento atinja terceiros,
como os sócios da sociedade requerida, estes poderão acionar o autor em ação
própria.
1.6. A ADMINISTRAÇÃO NA FALÊNCIA
Antes de iniciarmos o estudo da segunda fase do processo
falimentar, é conveniente traçarmos um perfil que cada figura que tomará assento Na
administração da falência. Nesse sentido, além do Falido, do Juiz e do Ministério
Público, a lei prevê a participação do Administrador Judicial, do Gestor Judicial e dos
credores, sejam reunidos em Assembléia Geral, sejam representados pelo Comitê de
Credores.
1.6.1. JUIZ
O juiz é a autoridade suprema do processo falimentar e
exerce funções de dupla natureza: no 1º grupo estão as chamadas funções
jurisdicionais típicas; e no 2º grupo estão as funções administrativas, isto é, questões
materiais do próprio dia a dia da falência, superintendendo a atuação do administrador
judicial, mesmo onde inexiste lide a ser resolvida, como na autorização para a venda
antecipada de bem.
Na nova Lei a função do Juiz é atenuada em razão da
maior intervenção dos credores durante o processo falimentar, ou pelo menos essa era
a intenção do legislador, pois inúmeras atribuições do magistrado passaram para as
mãos dos credores ou para o administrador judicial, que decidirão em assembléia ou
por meio de órgão representativo, o Comitê de Credores.
Não resta dúvida de que, a exemplo do Rio de Janeiro e
de São Paulo, sempre que possível o Poder Judiciário deve reservar varas
especializadas para o exame da matéria falimentar, eis que a complexidade do tema e
a importância da rápida e eficaz tramitação desse tipo de processo acabam por gerar
reflexos em toda a economia. Os advogados, sobretudo de grandes escritórios, estão
empenhados em se aprofundar sobre os novos contornos do regime jurídico da
insolvência empresarial, razão pela qual os poderes constituídos, Magistratura e
Ministério Público, não podem se esquivar dessa especialização. Em São Paulo e em
Santa Catarina, por exemplo, foram criadas também Câmaras Empresariais,
Recuperação de Empresas
35
oportunizando aos Desembargadores a especialização que já vinha ocorrendo em
primeira instância.
1.6.2. MINISTÉRIO PÚBLICO
Enormes avanços ocorreram no que concerne às
atribuições do Promotor de Justiça nos processos regulados pela nova lei.
Fundamentalmente o Promotor de Justiça atuará como custos legis, embora o
legislador lhe tenha conferido legitimidade ativa em diversas ocasiões, sobretudo para
o ajuizamento da ação revocatória, algo reclamado pela Instituição há tempos.
Entretanto, em razão do veto ao artigo 4º, da LFRE, sem
olvidar o fato de que a Lei não prevê de modo expresso sua participação em alguns
momentos do processo principal e dos diversos incidentes, dúvidas podem surgir em
relação à intervenção ministerial, principalmente na primeira fase do processo
falimentar.
Fábio Ulhoa Coelho defende que o Ministério Público não
deveria atuar na primeira fase do processo falimentar, pois não existiria, ainda,
interesse público na demanda. Esse entendimento vem sendo difundindo no próprio
seio da Instituição, através de movimento alcunhado de racionalização da atuação do
Ministério Público na aérea cível. Prevalecendo essa orientação, além do Ministério
Público não atuar na primeira fase, também não estaria ele obrigado a intervir em
pequenas falências decretadas, assim como em processos onde a Massa Falida fosse
parte.
Felizmente essa orientação não tem prevalecido.
Entendemos que está presente o interesse público em todo processo de falência, desde
a primeira fase, eis que é de suma importância a constatação se estão ou não
presentes os requisitos para a decretação da falência. Da mesma sorte, qualquer que
seja o processo em que a Massa Falida tome parte, torna-se indispensável a atuação
ministerial, eis que o interesse da Massa Falida é indisponível, o que por si só já exige
a presença do Promotor de Justiça, sem olvidar que normalmente um grande número
de consumidores e trabalhadores saem prejudicados nos processos de falência, além
do óbvio abalo do crédito.
Recente decisão do Superior Tribunal de Justiça, contudo,
pode acalorar as discussões, pois entendeu ser desnecessária essa intervenção
ministerial na primeira fase, muito embora a legislação aplicável fosse o revogado D.L.
7.661/45:
(...) O procedimento estabelecido pelo DL n.
7.661/1945 previa, para a fase pré-falimentar, uma
instrução sumária, própria das ações executórias, de
sorte que, não havendo depósito elisivo e não sendo
requerida a concessão do prazo previsto no art. 11, §
3º, do referido decreto, o Tribunal, após afastar os
Recuperação de Empresas
36
argumentos da defesa, podia de plano decretar a
quebra. Não havia, no DL n. 7.661/1945, um único
dispositivo que determinasse a intervenção do
Ministério Público no processo pré-falimentar. A análise
sistemática do art. 15, II, daquele mesmo decreto
permite concluir que o Ministério Público somente
deveria ter ciência do pedido de falência após a
prolação da respectiva decisão de quebra. (...)44.
A intervenção do Ministério Público tem dupla finalidade:
assegurar a repressão aos crimes falimentares e defender, pela sua ação disciplinar, o
interesse público, refletido na tutela do crédito e na preservação do mercado.
Importantes julgados atestam a necessidade dessa
intervenção ministerial, até mesmo de forma mais ampla da mera figura de “fiscal”,
conforme passamos a destacar:
PROCESSO CIVIL. EXECUÇÃO FISCAL. FALÊNCIA.
EMBARGOS DO DEVEDOR. MINISTÉRIO PÚBLICO.
LEGITIMIDADE. 1. O Ministério Público possui amplo
poder de atuação no processo falimentar, conferido
pelo art. 210 do Decreto-Lei n.º 7.661/45, em razão de
relevante interesse social, baseado no dever de agir
como fiscal da lei. Fiscalização essa que não se exaure
com a sentença de falência. 2. O Parquet é o Curador e
Fiscal de Massas Falidas, obrigado a defender o
patrimônio remanescente, em proteção aos interesses
sócio-econômicos envolvidos. Nesse contexto, é
evidente a sua legitimidade ativa para opor Embargos,
único meio de defesa na execução fiscal, visando a
impedir a aplicação de multa manifestamente indevida.
3. Recurso Especial conhecido, mas improvido45.
Por outro lado, a Terceira Turma do próprio SUPERIOR
TRIBUNAL DE JUSTIÇA decidiu que o Ministério Público não tem interesse em recorrer
contra os interesses da Massa Falida:
44
STJ, REsp 867.128-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1º/10/2009.
45 STJ, REsp. 28.529/SP; Segunda Turma, Min. Rel. Laurita Vaz. Julgado em 25/06/2002. DJU em
26/08/2008, p. 188, RMP, 19/442 e RSTJ, 160/183.
Recuperação de Empresas
37
PROCESSUAL E COMERCIAL - FALÊNCIA - FALTA
INTERESSE RECURSAL AO MINISTÉRIO PÚBLICO
PARA A DEFESA DOS DIREITOS DISPONÍVEIS DOS
CREDORES CONTRA A MASSA FALIDA - AUSÊNCIA
DE INTERESSE DE ORDEM PÚBLICA46.
Atenta a toda essa celeuma doutrinária e jurisprudencial,
a Procuradoria Geral do Ministério Público do Rio de Janeiro aprovou a recomendação
do GPGJ nº 01/2005:
O PROCURADOR-GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO
RIO DE JANEIRO, no uso de suas atribuições legais,
CONSIDERANDO a edição, em 9 de fevereiro do
corrente ano, da Lei Federal nº 11.101, que regula a
recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do
empresário e da sociedade empresária;
CONSIDERANDO o veto presidencial ao art. 4º do
projeto aprovado pelo Congresso Nacional, preceito que
tinha o seguinte teor: "Art. 4º. O representante do
Ministério Público intervirá nos processos de
recuperação judicial e de falência. Parágrafo único.
Alem das disposições previstas nesta Lei, o
representante do Ministério Público intervirá em toda
ação proposta pela massa falida ou contra esta.";
CONSIDERANDO que a intervenção do Ministério
Público em todas as ações de interesse da massa falida
sempre foi defendida e consagrada pela melhor
doutrina, como meio eficaz de tutela dos interesses
sociais inerentes ao direito falimentar.
CONSIDERANDO que, as razões de ordem pública,
dispostas no art. 127 da Constituição Federal,
justificam a intimação do Ministério Público para todas
as fases do processo de recuperação judicial ou
falência, não havendo razão para se dispensar
tratamento diverso às demais ações em que a massa
falida seja interessada;
CONSIDERANDO, por fim, que a atuação do Ministério
Público pressupõe a presença de interesse público
evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte
(art. 82, inciso III do Código de Processo Civil, com
incidência prevista pelo art. 189 da nova Lei de
Falências).
46
STJ, REsp. 154.789/SP.
Recuperação de Empresas
38
RECOMENDA aos membros do Ministério Público
com atribuição para a matéria de insolvência
empresarial que continuem a oficiar em todas as
fases do processo de falência, nos pedidos de
recuperação judicial ou extrajudicial e nas ações
em que sejam partes ou interessados empresários
ou sociedades empresárias em recuperação ou
falidas, bem como participar dos leilões
realizados, requerendo vista dos autos e
intimação para todos os atos do processo ou
procedimento, manifestando-se
fundamentadamente em defesa do credito e da
justa preocupação com a recuperação de
empresas em dificuldades, propondo, sempre que
houver desvirtuamento da função social da
empresa, medidas que evitem prejuízos à
circulação de riquezas, ao credito popular, ao
pleno emprego e à comunidade.
Lembramos que a não intimação do Ministério Público
para intervir em processo em que a Massa Falida é parte, apesar do veto
presidencial mencionado, constitui irregularidade processual grave.
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. AGRAVO
REGIMENTAL. EXECUÇÃO FISCAL CONTRA MASSA
FALIDA. NECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO. ARTIGO 210, DO DECRETO-LEI
7.661/45. 1. "Sendo a executada massa falida, afasta-
se a incidência da Súmula 189 deste Tribunal, sendo
necessária a intimação do Ministério Público na
execução fiscal, pois, nos termos do art. 210, da Lei de
Falências, o Parquet é o curador e fiscal das massas
falidas, devendo zelar pelo patrimônio remanescente,
em proteção aos interesses sócio-econômicos
envolvidos." (REsp 614262/RJ, Rel. Ministro Castro
Meira, Segunda Turma, julgado em 23.11.2004, DJ
14.02.2005, p. 172). 2. Agravo Regimental não
provido47.
Entretanto, só há de se pensar em anulação do
processo quando provado o prejuízo para a Massa Falida:
47
STJ, AgRg no REsp 665.414/PR, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA,
julgado em 08/05/2007, DJ 10/09/2007 p. 209.
Recuperação de Empresas
39
PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.
NULIDADE DA DECISÃO PROFERIDA NO JULGAMENTO
DO ESPECIAL POR FALTA DE INTERVENÇÃO DO
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. EXECUÇÃO FISCAL
PROMOVIDA CONTRA A MASSA FALIDA. 1. Ainda que
na antiga Lei de Falências - Decreto-Lei nº 7.661/45 -
houvesse dispositivo a prever a oitiva do Parquet em
toda ação proposta pela massa falida ou contra ela, não
se cogita, em direito processual civil, de declaração de
nulidade sem demonstração concreta de prejuízo (pas
de nullité sans grief). 2. Devidamente intimado para
opinar sobre a nulidade levantada nestes declaratórios,
o órgão ministerial quedou-se inerte, não manifestando
interesse algum em intervir no feito. 3. Embargos de
declaração rejeitados48.
Por derradeiro, é pacífica a jurisprudência no sentido de
que o Ministério Público tem legitimidade para propor ação de responsabilidade contra
os administradores de instituições financeiras. Contudo, decretada a falência, o
Superior Tribunal de Justiça continua firma no sentido de que Ministério Público tem
que ser substituído pela Massa Falida, representada pelo Administrador Judicial49.
Discordamos desse entendimento.
1.6.3. ADMINISTRADOR JUDICIAL
Uma das figuras mais importantes do atual processo
falimentar é indubitavelmente o administrador judicial, cuja disciplina está nos artigos
21/25 e 30/34 da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, sem prejuízo de
diversos outros artigos espalhados na LFRE. É ele o maior responsável pelo sucesso ou
insucesso do processo falimentar, na medida em que é a pessoa que vai administrar
toda a massa falida, inclusive a representá-la judicialmente, o que lhe exige grande
esforço pessoal.
O administrador judicial pode ser uma pessoa natural ou
jurídica, hipótese em que esta nomeará uma pessoa natural para representá-la no
processo, sendo certo que a nomeação deve recair preferencialmente sobre um
economista, advogado, contador ou administrador de empresas. Registre-se que o
Administrador é exclusivamente um auxiliar do juízo falimentar e não mais um
representante dos credores, cujos interesses devem ser defendidos por eles próprios
ou pelo Comitê constituído. Convém destacar que no atual sistema a Lei conferiu ainda
mais poderes ao Administrador Judicial, embora agora ele esteja sob tripla fiscalização:
48
STJ, EDcl no REsp 235.679/SP, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, SEGUNDA TURMA, julgado em
08/05/2007, DJ 18/05/2007 p. 317.
49 STJ, REsp. 447.939/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/10/2007, DJ
25/10/2007 p. 166. Ver também REsp. 219.103/SP.
Recuperação de Empresas
40
do Comitê de Credores, do Ministério Público e do próprio Juiz.
A remuneração do administrador judicial deve ser fixada
pelo Juiz, que levará em conta a complexidade do caso, inobstante haja um teto para
tal retribuição. O máximo na recuperação judicial e na falência é de 5%,
respectivamente, do total devido aos credores abrangidos pela recuperação judicial ou
do total do valor arrecadado com a venda dos bens na falência.
Considerando a realidade dos nossos processos
falimentares, dificilmente alguém se candidata à função, eis que o valor dos bens
arrecadados na falência normalmente é muito baixo, quase inexistente. O mesmo não
ocorre nos processos de recuperação, onde a remuneração é paga pela sociedade
empresária em recuperação. O pagamento deve obedecer a uma regra: 60% quando
do atendimento dos créditos extraconcursais e o restante após a aprovação de suas
contas.
O Administrador normalmente precisa contratar outros
profissionais para lhe auxiliarem durante o processo, valendo observar que a
remuneração desses profissionais também é fixada pelo Juiz. É o caso de advogados e
peritos contadores.
Por fim, o Administrador Judicial que pedir para ser
substituído sem relevante razão ou que for destituído, em caso de culpa ou dolo, perde
o direito à remuneração, assim como na hipótese de rejeição de suas contas.
1.6.4. GESTOR JUDICIAL
Como cediço, a sociedade empresária em regime de
recuperação judicial não perde o direito de administrar sua empresa, isto é, seus
diretores e administradores em geral continuam exercendo suas respectivas funções.
Essa é a regra prevista na primeira parte do artigo 64 da LFRE. Contudo, a segunda
parte desse dispositivo permite que o Juiz afaste o devedor da administração dos
negócios em determinadas situações, hipótese em que convocará assembléia geral
para deliberar sobre a pessoa que irá substituí-lo.
Enquanto não se realizar a assembléia geral de credores,
o Administrador Judicial ficará a frente dos negócios da empresa, conforme regra
prevista no artigo 65 §1º da LFRE. A assembléia de credores deverá atentar para o
fato de que ao Gestor Judicial se aplicam todas as restrições impostas ao
Administrador Judicial, inclusive sobre impedimento e remuneração. Atendidas as
formalidades legais, entendemos que o Juiz não pode recusar a indicação dos credores.
Entendemos que o Gestor Judicial não é um cargo
exclusivo dos processos de recuperação judicial. Embora raro, em alguns casos de
falência o Juiz autoriza a continuação provisória do negócio, medida que tem por
objetivo preservar o valor dos bens intangíveis do devedor, como a marca e o nome
empresarial. Eis o dispositivo legal pertinente:
Recuperação de Empresas
41
Art. 99. A sentença que decretar a falência do devedor, dentre outras
determinações:
(...).
XI – pronunciar-se-á a respeito da continuação provisória das atividades do falido
com o administrador judicial ou da lacração dos estabelecimentos, observado o
disposto no art. 109 desta Lei;
Da redação legal pode parecer que o negócio será gerido
pelo administrador judicial. Contudo, na prática, a realidade tem sido outra, na medida
em que tais funções são completamente distintas, inviabilizando, ao nosso sentir, essa
cumulação. Assim, entendemos como conveniente a nomeação de um Gestor Judicial
para a função de continuar provisoriamente os negócios do falido.
Por fim, não se pode esquecer que essa continuação é
provisória, pois na falência todos os bens do devedor serão vendidos. Entretanto, a
continuação dos negócios do falido facilitará a venda do ativo por meio da alienação de
todo o estabelecimento empresarial, atingindo dois objetivos da nova legislação:
maximização do ativo e preservação da empresa.
1.6.5. ASSEMBLÉIA DE CREDORES
Com o fim de aproximar os credores da administração do
processo falimentar, a Lei reservou aos credores inúmeras atribuições, outrora
conferidas ao Juiz. E é exatamente através da assembléia que os credores do falido se
reunirão para deliberar sobre vários assuntos atinentes ao rumo do processo. A
regulamentação se encontra nos artigos 35/46, da LFRE.
Nas assembléias, em regra, os credores exercerão seu
direito de voto proporcionalmente ao valor do seu crédito e, apesar da divisão dos
credores em três categorias distintas, por força do artigo 42 da LFRE, considera-se
aprovada a proposta que tiver o apoio, em regra, de mais da metade dos presentes,
independentemente da divisão em classes, salvo nas deliberações sobre aprovação do
plano de recuperação judicial, constituição do Comitê de Credores e forma alternativa
de alienação do ativo, que serão analisadas oportunamente. Nem todos os credores
admitidos na falência ou na recuperação possuem direito de voto, conforme artigos 43
e 45, §3º da LFRE.
A assembléia de credores pode ser convocada pelo Juiz,
de ofício ou por solicitação de algum interessado, ou por credor ou credores que
representem pelo menos 25% de uma classe, caso em que o Juiz não poderá recusar o
pedido, mas as despesas correrão por conta do requerente e não do devedor ou da
Massa Falida.
Em primeira convocação a assembléia só pode ser
instalada se estiverem presentes credores que representem mais da metade dos
créditos de cada classe e, em segunda convocação, com qualquer número, mas nesse
caso não poderá ser realizada em menos de cinco dias da primeira.
Recuperação de Empresas
42
As assembléias devem ser presididas pelo administrador
judicial ou, quando houver incompatibilidade, pelo maior credor presente à assembléia.
Em regra, as deliberações serão consideradas aprovadas por maioria simples,
considerado o voto a partir do valor do crédito.
É conveniente colocar em destaque que a deliberação
tomada em assembléia geral não poderá ser desconstituída judicialmente tendo por
fundamento futura exclusão, inclusão ou retificação de crédito, bem assim não se
admitirá provimento judicial para suspender ou adiar assembléia por pendência sobre
análise de crédito. Caso um credor ainda não reconhecido deseje participar de uma
assembléia, a única alternativa é conseguir uma tutela antecipada nos autos de sua
habilitação retardatária. Também poderão participar e votar aqueles que tenham
obtido reservas de importâncias.
1.6.6. COMITÊ DE CREDORES
Regulado basicamente nos artigos 26/34 da LFRE, o
Comitê é um Órgão representativo dos credores composto por três membros eleitos
em assembléia geral por sistema especial.
Os credores são divididos em três grupos e cada um deles
indica um membro e dois suplentes. Os grupos são organizados da seguinte forma:
o 1 (um) representante indicado pela classe dos credores trabalhistas e por
acidente de trabalho, com 2 (dois) suplentes;
o 1 (um) representante indicado pela classe dos credores com direitos reais de
garantia e com privilégios especiais, com 2 (dois) suplentes;
o 1 (um) representante indicado pela classe dos credores quirografários e com
privilégios gerais, com 2 (dois) suplentes.
A constituição do Comitê pode ser requerida por qualquer
dos grupos acima, valendo registrar que a inércia de alguma classe em indicar seu
representante não impede a criação e o funcionamento do Órgão.
As decisões serão tomadas por maioria e registradas em
livro próprio. No caso de impasse sobre algum tema, a decisão caberá ao
Administrador Judicial, salvo hipótese de incompatibilidade, quando a decisão caberá
ao Juiz.
Aliás, como o Comitê é um órgão de existência
facultativa, na sua falta as suas atribuições serão de responsabilidade do Administrador
Judicial, salvo hipótese de incompatibilidade deste, caso em que caberá ao Juiz decidir,
na forma do artigo 28 da LFRE.
Primordialmente a função do Comitê é de fiscalizar o
processo falimentar ou de recuperação judicial, conforme se depreende do artigo 27 da
LFRE, e seus membros não receberão qualquer remuneração, mas serão reembolsados
das despesas que fizerem com autorização judicial em favor da Massa.
Recuperação de Empresas
43
1.6.7. FALIDO INDIVIDUAL, SOCIEDADE FALIDA E SEUS SÓCIOS
O afastamento do devedor da sua empresa e da
administração dos seus bens não significa que ele será um ilustre espectador do
processo. Pelo contrário, a Lei lhe impõe uma série de obrigações e sua atuação será
vital para o “sucesso” do processo falimentar.
Diversos dispositivos da LFRE, sobretudo o artigo 104,
impõem ao falido o direito/dever de auxiliar e fiscalizar os demais Órgãos da falência
durante o processo, seja na apresentação de diferentes documentos, quer fornecendo
informações acerca dos bens e dos débitos da massa. Para tanto, deverá se
manifestar, inclusive, nas impugnações à relação de credores e comparecer,
pessoalmente, sempre que solicitado.
A violação desses deveres não acarreta mais a prisão
civil, banida pelo novo sistema, mas sujeita o falido às penas do crime de
desobediência.
É importante alertar para necessidade de se evitar uma
corriqueira confusão que se faz entre as figuras do Falido e da Massa Falida. O Falido
nada mais é do que o empresário individual ou a sociedade empresária cuja falência foi
decretada, enquanto a Massa Falida é um ente meramente formal formado, de um
lado, pelos credores do falido (aspecto subjetivo), e de outro, pelos bens arrecadados
(aspecto objetivo).
Os sócios da sociedade falida de responsabilidade limitada
não são atingidos pela falência, salvo prova de fraude ou de comprovada falta de
integralização do capital social. Entretanto, algumas das obrigações impostas à
sociedade falida devem ser cumpridas por aqueles que exerciam sua administração
antes da falência.
1.6.7.1. Exercício da Empresa e Constituição de Novas Sociedades
Por força do artigo 102 da LFRE, o falido individual e a
sociedade falida não poderão mais exercer atividade empresarial, impedimento
identificado pelo mestre Fredericq do Direito Belga como incapacidade profissional.
A restrição ora analisada não impede que o Juiz autorize a
continuação dos negócios do falido com o principal objetivo de preservar o valor dos
bens intangíveis, maximizando o ativo e viabilizando a venda do estabelecimento
empresarial em bloco. Entretanto, como visto acima, essa continuação ficará a cargo
de um gestor nomeado.
Questão interessante recai sobre os sócios da sociedade
falida. Podem eles criar uma nova sociedade?
Bom, ressalvados os casos de fraude, não há nenhum
impedimento legal, ou seja, um sócio de uma sociedade falida não está impedido de
criar outra sociedade, até mesmo para atuar no mesmo ramo da falida. Contudo, os
Recuperação de Empresas
44
administradores da sociedade falida condenados criminalmente estão impedidos de
exercer a administração de outra sociedade empresária, consoante artigo 35, inciso II
da Lei 8.934/94.
A inabilitação se encerra com a declaração de extinção
das obrigações do falido.
1.6.7.2. RESTRIÇÃO AO DIREITO DE LOCOMOÇÃO
Segundo o artigo 104, incisos III e IV da LFRE, o falido
individual e os administradores da sociedade falida ficam proibidos de se ausentar do
“lugar da falência”, salvo mediante prévia “comunicação” ao juízo, deixando
procurador para representá-lo no processo.
Frise-se que na vigência do D.L. 7.661/45, por força do
seu artigo 34, inciso III, o falido só poderia se ausentar com “autorização judicial”. A
nova lei, contudo, substituiu o verbo autorizar por comunicar, o que pode despertar
dúvida sobre como interpretar a nova lei.
Duas linhas de interpretação surgiram. A primeira,
defendendo que não houve qualquer mudança substancial, isto é, para se ausentar, o
falido ou os administradores da sociedade falida precisam de autorização judicial, na
medida em que pela nova lei ainda precisam justificar a necessidade da viagem.
A segunda, diametralmente oposta, sustenta que o falido
e os administradores da sociedade falida não precisam mais pedir autorização, mas
apenas comunicar a intenção de se ausentar, justificando-a e deixando procurador. Em
caso de abuso ou de efetivo prejuízo ao bom andamento do processo, o Juiz, dentro do
seu poder geral de cautela, com fulcro no artigo 99, inciso VII da LFRE, pode até
proibir a saída deles do local da falência, desde que, é claro, estejam presentes os
requisitos próprios, fummus boni iures e o periculum in mora. Essa foi a tônica da
decisão, por apertada maioria, da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça no
julgamento do HC 92.327/RJ, processo em que atuamos na origem, vencido o Exmo.
Ministro Massami Uyeda.
O termo “se ausentar”, ademais, deve ser compreendido
como afastamento prolongado, não se confundindo com uma viagem de final de
semana, salvo para o exterior, quando a autorização é sempre exigida. Da mesma
forma, devemos aplicar o princípio da razoabilidade na interpretação da expressão
“lugar da falência”, ou seja, é desnecessária a autorização para uma viagem dentro do
próprio Estado.
Recuperação de Empresas
45
1.6.7.3. QUEBRA DO SIGILO DE CORRESPONDÊNCIA
Uma das atribuições do Administrador Judicial, na forma
do artigo 22, inciso III, letra “D” da LFRE, é receber todas as correspondências
dirigidas ao falido, devolvendo-lhe as que não despertarem interesse para a Massa
Falida.
No sistema anterior, antes de abrir as correspondências, o
antigo síndico intimava o falido informando-lhe dia, hora e local para abertura das
correspondências, sendo certo que o falido poderia acompanhar os trabalhos
pessoalmente ou por advogado.
Embora a nova lei não tenha repetido tal exigência,
mostra-se de todo conveniente tal expediente, a fim de não violar o preceito
constitucional que protege o sigilo das correspondências, previsto no artigo 5º, inciso
XII da CR/88.
FALÊNCIA - MÓDULO II
CASO GERADOR 01 (TRABALHO EM GRUPO)
GATEWAY INDÚSTRIA DE MATERIAL ELÉTRICO S/A, após 25 anos de sua criação,
alcançou um lugar de destaque no cenário nacional de fabricação de componentes
elétricos, em depois de grave crise teve sua falência decretada em 12/05/2008.
Durante a tramitação do processo, o Administrador Judicial, Master Planejamento e
Consultoria Empresarial Ltda, por seu representante, Marco Aurélio, se deparou
com quatro pedidos de restituição a seguir detalhados:
I) INSS – pedido de restituição das contribuições previdenciárias devidas
pela falida (contribuição patronal), assim como aquelas que foram
descontadas dos salários dos empregados, no valor total de R$
4.700.000,00.
II) FAZENDA NACIONAL – pedido de restituição do imposto de renda
descontado dos salários dos empregados e não repassados ao Fisco, no
valor de R$ 2.500.000,00.
III) SINDICATO DOS METALÚRGICOS – pedido de restituição das
contribuições sindicais descontadas dos salários dos empregados nos
últimos nove meses e não repassadas, no valor de R$ 670.000,00.
IV) BANCO DO BRASIL – pedido de restituição de adiantamento de contrato
de câmbio, no valor de R$ 1.100.000,00.
Em todos esses valores estão incluídos juros de mora, multa e honorários
advocatícios. Registre-se que na falência em questão não foi arrecadada qualquer
quantia em espécie, mas apenas bens móveis e imóveis.
Recuperação de Empresas
46
Paralelamente aos pedidos de restituição, os trabalhadores estão reivindicando o
pagamento dos salários em atraso, referentes aos quatro últimos meses de
funcionamento da GATEWAY, além das demais verbas trabalhistas decorrentes da
rescisão dos seus contratos de trabalho.
Acresça-se que o Administrador Judicial terá que contratar um advogado
tributarista para questionar a cobrança, aparentemente indevida, de ICMS.
Considerando que o Administrador Judicial não tem recursos disponíveis em caixa
para o pagamento de todas essas obrigações responda:
01) Qual a ordem que deve ser seguida pelo Administrador Judicial para o
cumprimento das obrigações acima?
02) No que concerne aos pedidos de restituição do INSS, da Fazenda Nacional e
do Sindicato, devem ser julgados totalmente procedentes?
03) Quem deve receber primeiro, o Banco do Brasil ou os credores trabalhistas?
04) Como se classifica o crédito do advogado contratado pela defender os
interesses da Massa Falida no Juízo Fazendário?
05) Qual é o momento oportuno para o cumprimento das obrigações
mencionadas na questão?
CASO GERADOR 2 (Trabalho Individual)
VALVERDE EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA teve sua falência decretada
pelo Juízo da 1ª Vara Empresarial da Comarca da Capital do Estado do Rio de
Janeiro em 13/03/2008.
Na ocasião de sua falência estavam em tramitação dezenas de ações de
responsabilidade civil contra a sociedade falida em diversas varas cíveis e juizados
especiais do Estado, assim como execuções individuais por duplicatas não honradas
no vencimento. Está também em tramitação uma execução de cota condominial
contra a VALVERDE pelo não pagamento das cotas do condomínio onde está situada
a sua sede.
Em 20/10/2008, o Administrador Judicial recebe um mandado de citação de uma
ação renovatória de locação comercial, ajuizada por CARVALHO DE MENDONÇA
PARTICIPAÇÕES E EVENTOS LTDA, em virtude da proximidade do vencimento de
um contrato de locação de imóvel de propriedade da falida, devidamente
arrecadado nos autos da falência, alugado para a autora da ação há vários anos.
A partir dessas informações, indaga-se:
01) O QUE DEVE ACONTECER COM AS EXECUÇÕES QUE CORREM CONTRA A FALIDA? O FATO DE
ALGUMAS DESSAS EXECUÇÕES JÁ ESTAREM APARELHADAS POR PENHORA ALTERA A
SOLUÇÃO? E SE EM ALGUMA DESSA EXECUÇÃO, NA DATA DA FALÊNCIA, O BEM PENHORADO
JÁ HAVIA SIDO ARREMATADO EM LEILÃO, QUAL DEVE SER O DESTINO DOS RECURSOS?
Recuperação de Empresas
47
02) QUAL DEVERÁ SER A PROVIDÊNCIA EM RELAÇÃO ÀS AÇÕES DE RESPONSABILIDADE CIVIL?
03) EM RELAÇÃO À COBRANÇA DAS COTAS CONDOMINIAIS, CONSIDERANDO QUE ALGUMAS
DELAS SE VENCERAM ANTES DA FALÊNCIA E OUTRAS DEPOIS, QUAL DEVE SER A SOLUÇÃO?
04) NO QUE CONCERNE À AÇÃO RENOVATÓRIA, CONSIDERANDO QUE ELA FOI PROPOSTA APÓS A
DECRETAÇÃO DA FALÊNCIA, SOFRE ELA OS EFEITOS DO PRINCÍPIO DA INDIVISIBILIDADE DO
JUÍZO FALIMENTAR?
05) CONSIDERANDO QUE, EM TESE, ESTÃO PREENCHIDOS OS PRESSUPOSTOS PREVISTOS NA
LEGISLAÇÃO ESPECIAL PARA A RENOVATÓRIA, DEVE O PEDIDO SER JULGADO PROCEDENTE,
TENDO EM VISTA QUE O IMÓVEL PERTENCE A UMA MASSA FALIDA?
06) NA HIPÓTESE DO BEM IMÓVEL QUE SERVIA PARA A SEDE DA FALIDA SER ALIENADO NA
FALÊNCIA, O ADQUIRENTE RESPONDE PELA DÍVIDA CONDOMINIAL EM ATRASO? E EM
RELAÇÃO ÀS DÍVIDAS COM IPTU?
2.1. EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS BENS DO FALIDO
Sem dúvidas os efeitos da sentença de falência em
relação aos bens do falido ou da sociedade falida merecem atenção redobrada. Pontue-
se que os efeitos não devem recair, em princípio, sobre os bens dos sócios de
responsabilidade limitada, salvo hipótese de aplicação da teoria da desconsideração da
personalidade jurídica ou de outro instituto que permite esse alcance.
2.1.1. ADMINISTRAÇÃO E INDIPONIBILIDADE DOS BENS
Consoante determina o artigo 99, inciso VI, c/c 103 da
LFRE, o falido individual e a sociedade falida perdem imediatamente a administração e
disponibilidade sobre seus bens, a partir da sentença de falência ou da medida cautelar
de arresto. Podemos dizer que é uma conseqüência natural da decretação da falência.
Entretanto, eles terão legitimidade para fiscalizar a administração desses bens, que
ficará a cargo do Administrador Judicial, assim como poderão requerer qualquer
medida necessária para a defesa desses bens.
Constatada a prática de algum ato de alienação de bens
após a sentença de falência o Juiz, de ofício ou por provocação, declarará a nulidade do
ato, sem prejuízo das demais medidas que poderão ser tomadas contra o devedor. Em
verdade, o artigo 103 é omisso em relação à sanção. Contudo, a infração do
dispositivo nos leva à regra do inciso VII do artigo 166 do Código Civil de 2002,
segundo o qual é nulo o negócio jurídico quando a lei taxativamente o declarar, ou
proibir-lhe a prática, sem cominar sanção.
Recuperação de Empresas
48
Em relação ao direito de família, o falido, se empresário
individual, não perde o direito de administrar os bens de seus filhos menores e
continua com usufruto legal dos bens deles. No que toca aos curatelados, o falido não
poderá mais administrar seus bens, na medida em que a lei que disciplina o instituto
da curatela exige idoneidade financeira para exercer o cargo.
Advirta-se que o falido só perde a capacidade processual
em relação às questões patrimoniais que envolvam bens e interesses da massa falida,
pois quem a representará será o administrador judicial. Poderá, entretanto, agir como
assistente processual em qualquer dessas ações.
2.1.2. ARRECADAÇÃO DOS BENS E LIVROS
É ATRIBUIÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL ARRECADAR E
AVALIAR TODOS OS BENS E LIVROS CONTÁBEIS QUE ESTIVEREM NA POSSE DO FALIDO, CONFORME
REGRA PREVISTA NO ARTIGO 22, INCISO III, LETRA “F” C/C 108/110 DA LFRE. EM REGRA ESSES
BENS DEVEM FICAR SOB A GUARDA DO ADMINISTRADOR JUDICIAL, MAS É POSSÍVEL A NOMEAÇÃO
DE TERCEIROS COMO DEPOSITÁRIOS, INCLUSIVE O PRÓPRIO FALIDO.
COMO A AVALIAÇÃO DOS BENS ARRECADADOS TAMBÉM É DE
ATRIBUIÇÃO DO ADMINISTRADOR JUDICIAL, EM CASOS DE MAIOR COMPLEXIDADE UM PROFISSIONAL
DEVE SER ESCOLHIDO EM NO MÁXIMO 30 DIAS. REGISTRE-SE QUE MUITAS VEZES A AVALIAÇÃO DOS
BENS SE DÁ EM BLOCO, MAS CASO ALGUM DOS BENS SEJA OBJETO DE GARANTIA REAL DEVE ELE
TAMBÉM SER AVALIADO SEPARADAMENTE, POR FORÇA DA REGRA TRAZIDA PELO §5º DO ARTIGO
108 C/C 83, INCISO II DA LFRE.
TAMBÉM DEVERÃO SER ARRECADADOS OS BENS DO FALIDO QUE
ESTIVEREM NA POSSE DE TERCEIROS, DEVENDO O ADMINISTRADOR JUDICIAL REQUERER AS
MEDIDAS NECESSÁRIAS PARA ESSE FIM. ALIÁS, POR FORÇA DO §3º DO ARTIGO 108 DA LFRE ATÉ
MESMO OS BENS PENHORADOS OU O PRODUTO DE SUA ALIENAÇÃO (APÓS A FALÊNCIA) DEVE SER
ARRECADADO, DEVENDO O JUÍZO DE FALÊNCIA COMUNICAR OS DEMAIS JUÍZOS DA NECESSIDADE DE
TRANSFERÊNCIA DESSES RECURSOS PARA A CONTA DA MASSA FALIDA.
TODOS OS BENS ARRECADADOS CONSTARÃO DO AUTO DE
ARRECADAÇÃO, QUE É COMPOSTO DO INVENTÁRIO E DO LAUDO DE AVALIAÇÃO, DEVENDO SER
ASSINADO PELO ADMINISTRADOR JUDICIAL E POR QUEM MAIS PRESENCIOU O ATO, COMO O PROMOTOR
DE JUSTIÇA OU O FALIDO. DESSE DOCUMENTO TAMBÉM DEVERÁ CONSTAR A ARRECADAÇÃO DOS
LIVROS E TODAS AS OBSERVAÇÕES QUE O ADMINISTRADOR JUDICIAL ENTENDER CONVENIENTES,
TAL COMO A ALEGAÇÃO DE QUE DETERMINADO BEM NÃO PERTENCE AO FALIDO, MAS A TERCEIRO.
POR FIM, A ARRECADAÇÃO DE ALGUNS BENS NECESSITA DE
PROVIDÊNCIAS COMPLEMENTARES, COMO NO CASO DOS IMÓVEIS, CUJA ARRECADAÇÃO DEVE SER
Recuperação de Empresas
49
AVERBADA NO REGISTRO GERAL DE IMÓVEIS, OU DAS AÇÕES, QUE SE EFETIVA COMA A AVERBAÇÃO
NO LIVRO PRÓPRIO DA COMPANHIA.
O CONJUNTO DE BENS ARRECADADO FORMA A CHAMADA MASSA
FALIDA OBJETIVA OU ATIVA, TRATADA PELOS ITALIANOS COMO PATRIMÔNIO FALIMENTAR.
2.1.3. BENS NÃO SUJEITOS A ARRECADAÇÃO
TODOS OS BENS DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA FALIDA ESTÃO
SUJEITOS À ARRECADAÇÃO. CONTUDO, DUAS SITUAÇÕES MERECEM ATENÇÃO ESPECIAL. A PRIMEIRA
DIZ RESPEITO À FALÊNCIA DO EMPRESÁRIO INDIVIDUAL, ALGO RARÍSSIMO DE OCORRER. A OUTRA
SE REFERE AOS BENS DOS SÓCIOS ATINGIDOS POR DECISÃO DE DESCONSIDERAÇÃO DA
PERSONALIDADE JURÍDICA.
NESSAS DUAS HIPÓTESES NÃO SÃO PASSÍVEIS DE ARRECADAÇÃO:
1) Bens absolutamente impenhoráveis (artigo 108, §4º, da LFRE c/c artigo 649,
do CPC).
2) Bens legalmente impenhoráveis (ex. bem de família - Lei 8.009/90).
3) Bens inalienáveis por ato de vontade, isto é, voluntariamente inalienáveis. Só é
possível nas declarações de última vontade e nas doações.
NESSE CONTEXTO É DE SE INDAGAR SE OS BENS PARTICULARES
OU A MEAÇÃO NOS BENS COMUNS DO CÔNJUGE NÃO ATINGIDO PELA FALÊNCIA OU PELA DECISÃO DE
DESCONSIDERAÇÃO DEVEM SER OU NÃO ARRECADADOS PELA MASSA.
SE O CASAMENTO FOI CELEBRADO COM SEPARAÇÃO DE BENS, OS
BENS DO CÔNJUGE NÃO PODEM SER ARRECADADOS. SE O REGIME ADOTADO FOR O DE COMUNHÃO
DE BENS, TOTAL OU PARCIAL, DUAS INDAGAÇÕES SE MOSTRAM PERTINENTES: A) O EXERCÍCIO DE
ATIVIDADE EMPRESARIAL PELO “DEVEDOR” ERA DO CONHECIMENTO DO CÔNJUGE? B) BENEFICIOU-
SE O CASAL DO PRODUTO DE TAL ATIVIDADE? SE AFIRMATIVA ALGUMA DAS RESPOSTAS, TODOS OS
BENS DO CASAL E, POR CONSEGUINTE, A MEAÇÃO DO CÔNJUGE, SÃO ATINGIDOS.
2.1.4. NEGOCIAÇÃO COM OS BENS ARRECADADOS
É salutar destacar que o Administrador, sempre com
autorização judicial, poderá negociar os bens da massa com o fito de majorar seus
recursos, como, por exemplo, realizar locação de móveis ou imóveis, na forma do
artigo 114, da LFRE. Contudo, vendido o bem posteriormente, rescinde-se o contrato
de pleno direito, sem multa.
Em certos casos o Juiz pode autorizar até mesmo a
venda de alguns bens diretamente para os credores, observada a ordem de
classificação (pois haverá compensação), se for de interesse da massa, observado o
preço de avaliação.
Recuperação de Empresas
50
Também poderá o Juiz autorizar a venda antecipada dos
bens perecíveis ou sujeitos a uma condição especial, como de difícil guarda ou de fácil
desvalorização, conforme artigo 113 da LFRE.
Em todos esses casos o Comitê de Credores e o
Ministério Público devem ser ouvidos.
2.1.5. PEDIDOS DE RESTITUIÇÃO
O terceiro que teve algum bem arrecadado pelo
Administrador Judicial poderá reavê-lo através de um procedimento denominado
pedido de restituição.
A regulamentação do pedido de restituição, segundo
nossa ótica, foi bastante simplificada, embora nem todos os pontos divergentes
tenham sido equacionados.
Para a doutrina, tal procedimento nada mais é do que
uma ação incidental (Natureza Jurídica) através da qual se pede ao juízo a devolução
do bem injustamente arrecadado ou que estava na posse do falido quando da
decretação da sua quebra.
Em razão da sua natureza, só pode ser formulado
através de advogado regularmente constituído e seu processamento será em autos
apartados.
O pedido de restituição comumente é dividido pela
doutrina em restituição ordinária e restituição excepcional, conforme a causa do
pedido, além dos pedidos de restituição em dinheiro.
2.1.5.1. Restituição In Natura
Prevista no artigo 85 da LFRE, é a mais comum. Ocorre
quando um bem de terceiro é arrecadado injustamente por força da falência do
devedor, seja porque estava na posse deste ou por equívoco do administrador. A regra
é que o bem seja devolvido o quanto antes ao proprietário in natura.
Relembramos que o Administrador Judicial consignará no
auto de arrecadação todas as observações a respeitos dos bens, em especial a
alegação de que eles não pertencem ao falido.
2.1.5.1.1. RESTITUIÇÃO IN NATURA DE DINHEIRO
Também será possível a restituição de dinheiro, na
forma da súmula 417 do Supremo Tribunal Federal, quando por força de lei ou de
contrato o falido estiver na posse de quantia de terceiros
Escorado nesse entendimento, o INSS e a Fazenda
Nacional, com relativa freqüência, reivindicam a restituição dos valores descontados
dos salários dos empregados a título de contribuição previdenciária ou de imposto de
Recuperação de Empresas
51
renda retido na fonte e não repassadas ao Fisco. Há grande divergência sobre esses
pedidos, mas a jurisprudência caminha firme dando razão ao Fisco, salvo em relação
aos acréscimos decorrentes da mora, que devem ser classificados como créditos
concursais50.
Tal regra também se aplica às contribuições sindicais ou
associativas ou quando o falido receber dinheiro em nome de terceiro, como nos
contratos de depósito, de mandato e de comissão.
2.1.5.1.2. RESTITUIÇÃO EXCEPCIONAL
O § único do artigo 85, da LFRE, a exemplo do § 2º, do
artigo 76 do D.L. 7661/45, permite que os bens vendidos ao falido a crédito e
entregues nos 15 dias anteriores ao requerimento de falência, se ainda não
alienados, sejam restituídos ao vendedor.
Prima facie, parece tranqüila a aplicação da restituição
excepcional, mas vários problemas surgem a partir de um exame mais aprofundado.
Inicialmente, mister consignar que sobre o tema existem
pelo menos duas súmulas do STF.
A primeira a ser analisada é a súmula 495. Pacificou-se o
entendimento de que a restituição só é cabível se o bem objeto da reivindicação
realmente tiver sido arrecadado, pois não há que se falar em restituição de algo que
não foi arrecadado. Assim, a expressão “se ainda não alienados” deve ser
compreendida no sentido de que se o bem já tiver sido revendido pelo falido antes da
falência, não há que se falar em restituição. O ônus da prova é da Massa Falida
segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
A segunda súmula a ser analisada é a 193. O termo
“entrega” utilizado no § único do artigo 85 compreende só a entrega efetiva ou
também inclui a entrega simbólica?
Para o Supremo Tribunal Federal somente é cabível o
pedido de restituição excepcional quando a entrega for efetiva e ocorrer nesses 15 dias
anteriores ao requerimento de falência. Primeiro, porque toda exceção deve ser
interpretada restritivamente. Segundo, porque em relação à entrega simbólica existia o
artigo 44, inciso I, do D.L. 7661/45, agora artigo 119, inciso I da LFRE, pelo qual o
vendedor poderia impedir a entrega da coisa ao comprador falido, desde que este não
prove que revendeu as mercadorias em trânsito a terceiro de boa-fé antes do
requerimento de quebra.
Não podemos olvidar que o saudoso professor Rubens
Requião repudiava tal entendimento, seja porque a lei não estabelecia diferença entre
a entrega efetiva e a simbólica, seja porque o Right Of Stoppage In Transitu tratava de
50
STJ, REsp. 780.971/RS, Primeira Turma. Rel. Min. Teori Albino Zavascki. Julg. em 05/06/2007.
Recuperação de Empresas
52
hipótese completamente diversa, o que dificultaria a defesa do direito do vendedor,
ludibriado pelo comprador em estado de insolvência.
Outra questão interessante, cuja solução não está
claramente prevista na legislação, é quando a compra for pactuada nos 15 dias
anteriores ao pedido de falência, mas a coisa só for entregue após esse pedido. Em
nossa opinião, provado que o vendedor não tomou conhecimento do pedido de falência
ou não teve como obstar a entrega da coisa, deveria se permitir a restituição do bem.
2.1.5.1.3. Bens Alienados Fiduciariamente, Arrendados ou Decorrentes de
Compra e Venda com Reserva de Domínio
Em relação aos bens alienados fiduciariamente,
arrendados ou vendidos com reserva de domínio em favor do vendedor, a solução é
sensivelmente diferente. Em todas essas hipóteses o bem não pertence ao devedor,
que só detém a posse direta.
Assim, em caso de falência do devedor e diante da
arrecadação do bem, em princípio, poderá o credor pedir a sua restituição. Duas
situações podem se apresentar nesse momento. A primeira é se o credor já havia
ajuizado algum procedimento no foro comum para reaver o bem antes da decretação
da falência. Nesse caso, o processo deve seguir o seu trâmite normal, salvo em relação
a um cuidado especial, o Administrador Judicial e o Ministério Público devem ser
intimados, substituindo-se o pólo passivo51. A segunda situação é quando o credor
ainda não propôs qualquer medida judicial antes da falência, hipótese em que deverá
ajuizar o pedido de restituição no Juízo Falimentar por força do artigo 76 da LFRE.
Independentemente da espécie de procedimento, como
assinalamos, o Administrador deverá ser intimado, ocasião em que poderá concordar
com o pedido de restituição do bem, resolvendo-se a demanda na forma
contratualmente prevista. Porém, caso o Administrador entenda que é melhor para a
Massa Falida continuar na posse do bem, ele não concordará com a restituição e
deverá cumprir o contrato com o credor na forma pactuada, pagando as prestações em
dia com os recursos disponíveis em caixa, ou seja, como crédito extraconcursal. Tal
opção depende da anuência do Comitê de Credores, caso exista, ou do Juiz da
Falência, conforme artigos 117 e 118 da LFRE.
2.1.5.2. RESTITUIÇÃO EM DINHEIRO
Também chamada de restituição em dinheiro, ocorre nas
hipóteses elencadas nos três incisos do artigo 86 da LFRE.
2.1.5.2.1. BENS VENDIDOS, CONSUMIDOS OU DESAPARECIDOS
I - se a coisa não mais existir ao tempo do pedido, a luz desse inciso, tal circunstância
51
STJ, REsp. 847.759/MG.
Recuperação de Empresas
53
não é empecilho para a restituição, eis que a restituição ocorrerá em dinheiro, ou
seja, no valor da avaliação, quando o bem tiver desaparecido ou sido consumido pela
Massa Falida, ou, em caso de alienação pela Massa, do respectivo preço, nas duas
hipóteses de forma atualizada. Assim, o único requisito para devolução do bem de
terceiro é que este tenha sido arrecadado.
2.1.5.2.2. ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE CÂMBIO
II - Ressalte-se, ainda, que a restituição se dará em dinheiro em relação às quantias
emprestadas por instituições financeiras através do adiantamento de contrato de
câmbio, aplicando-se a Lei 4.728/65, art. 75, §§ 3º e 4º, bem assim o artigo 86, inciso
II, da LF.
Sobre o tema, importante acórdão resumiu todas as
variantes desses contratos, e merece ser transcrito:
RECURSO ESPECIAL. EXECUÇÃO FISCAL E FALÊNCIA.
PEDIDO DE SOBRESTAMENTO FORMULADO PELO
BANCO CREDOR DE ADIANTAMENTO DE CONTRATO DE
CÂMBIO. ALEGAÇÃO DE PREFERÊNCIA NA
RESTITUIÇÃO. INDEFERIMENTO.
1. (...).
2. (...).
3. Contrato de câmbio. Adiantamento. Através do
contrato de câmbio "os bancos que operam com câmbio
concedem aos exportadores os Adiantamentos sobre os
Contratos de Câmbio (ACC), que consistem na
antecipação parcial ou total dos reais equivalentes à
quantia em moeda estrangeira comprada a termos
desses exportadores, pelo Banco. O ACC poderá ocorrer
e desdobrar-se em duas fases. Primeira fase:
concessão do adiantamento pelo banco em até 180
(cento e oitenta dias antes) do embarque da
mercadoria, caracterizando-se como um financiamento
à produção, embora perdendo a desvalorização cambial
posterior que possa ocorrer. Segunda fase: a
mercadoria já está pronta e embarcada, até 60 após o
embarque. Entretanto, poderá o exportador (vendedor)
requerer o adiantamento da obrigação do banco -
antecipação do pagamento em moeda nacional, que
deverá, obrigatoriamente, ser averbado no próprio
instrumento do contrato de câmbio". "O Comunicado
Bacen/Gecam n. 331, de 01.11.1976, define esta
operação, dizendo, em seu art. 45, que o adiantamento
sobre o contrato de câmbio configura uma antecipação
parcial ou total, por conta do preço em real da moeda
estrangeira comprada a termo, pelo Banco negociador".
Recuperação de Empresas
54
4. Deflui da dinâmica do referido contrato que se o
negócio de exportação correr normalmente, o banco
recebe de volta o valor adiantado, tão logo receba a
moeda estrangeira remetida pelo banco do importador
estrangeiro. No entanto, pode ocorrer que a exportação
não seja efetuada por falência do exportador
brasileiro; pode ser também que o exportador brasileiro
venha a entrar em regime de concordata. No primeiro
caso (falência) o negócio de exportação
provavelmente não se realizará e, desta forma, o banco
não receberá as divisas estrangeiras, que não serão
pagas pelo importador estrangeiro, que não recebeu a
mercadoria. No segundo caso (concordata),
independentemente da exportação vir ou não a ser
cumprida integralmente, surge em favor do banco o
direito à restituição do valor adiantado, não precisando
o banco submeter-se à forma de pagamento
estabelecida na concordata.
5. A exegese do § 3º, do art. 75, da Lei de Mercado de
Capitais que deu ensejo às Súmulas 133 do STJ e 495
do STF pressupõe a falência do exportador e a não
entrega do bem, por isso que o Banco que adiantara as
somas, nada receberá, ressoando justa a restituição.
6. Diversamente, entregue a mercadoria ou
embarcada, o Banco subroga-se no crédito do
exportador, arrecadando-se o importe adiantado como
bem da massa. Desta sorte, ainda que a instituição
pretenda reaver a importância, deverá habilitar-se
como credora, haja vista encerar, nesse caso, a
operação, negócio semelhante ao mútuo feneratício
com cláusula especial de câmbio.
7. Consoante assentado no REsp nº 24.477-1/RS
"cumpre não valorizar, além do explicitamente previsto,
a situação jurídica da instituição financeira, colocando
sem limite o pedido de restituição de dinheiro em
potencial prejuízo aos créditos privilegiados derivados
das relações trabalhistas, previdenciárias ou
fazendárias".
8. Entretanto, como ressaltado pelo Ministro Teori
Zavascki: "1. A jurisprudência do STJ é pacífica no
sentido do reconhecimento do direito à restituição das
quantias relativas a adiantamento de contrato de
câmbio, tal como previsto no art. 75, § 3º, da Lei
4.728/65, afirmando ainda sua prioridade em relação a
quaisquer créditos da massa, "porquanto representam,
na verdade, dinheiro de terceiro em poder da pessoa
jurídica concordatária" (RESP 533.522/RS, 4ª Turma,
Min. Fernando Gonçalves, DJ de 03.11.2003). 2.
Recuperação de Empresas
55
Segundo a orientação firmada pela Corte Especial no
julgamento do RESP 188.148/RS, Min. Humberto
Gomes de Barros, DJ de 27.05.2002, a compatibilização
entre as regras da não-sujeição dos créditos fiscais ao
juízo falimentar e da prioridade na satisfação, em
relação a esses, dos créditos trabalhistas faz-se, na
hipótese de quebra superveniente à execução,
mediante a entrega das somas aí apuradas ao juízo da
falência, para que se incorpore ao monte e seja
distribuída com observância das preferências e das
forças da massa. 3. Trata-se de solução plenamente
aplicável ao caso concreto, em que se busca
compatibilizar a regra da continuidade do executivo
fiscal com a preservação da prioridade absoluta das
quantias objeto do direito de restituição (ou, mais
precisamente, da viabilidade da satisfação de tal
direito, cuja existência pende de certificação, em ação
própria, ajuizada perante o juízo da falência)."
9. Recurso especial provido para determinar a reversão
dos valores arrecadados na execução fiscal ao juízo
falimentar52.
2.1.5.2.3. VALORES ENTREGUES POR TERCEIROS DE BOA-FÉ ATINGIDOS PELA
DECLARAÇÃO DE INEFICÁCIA
III - Por fim, é cabível a restituição em dinheiro quando o Juízo Falimentar, ao declarar
a ineficácia de algum ato praticado pelo falido, na forma do artigo 129 c/c 136 da
LFRE, percebe que o terceiro com quem o falido negociou estava de boa-fé. Nesse
caso, com a declaração de ineficácia do negócio, todo valor eventualmente entregue
pelo terceiro ao falido deverá ser restituído, com fulcro no artigo 86, III da LFRE.
A principal diferença prática entre as restituições
previstas no artigo 85 e 86, é que aquelas têm absoluta preferência, enquanto estas
somente são efetivadas após o pagamento aludido no artigo 151 da LFRE, qual seja,
dos créditos salariais dos três últimos meses anteriores à falência, limitado o
pagamento total a 5 salários mínimos por trabalhador.
Destarte, convém distinguir a restituição DE dinheiro da
restituição EM dinheiro, porque a primeira encontra guarida no artigo 85 c/c súmula
417 do Supremo Tribunal Federal, enquanto a segunda tem respaldo no artigo 86 e,
portanto, por força do seu § único, só pode ser efetivada após o pagamento previsto
no artigo 151, da LFRE.
52
STJ, REsp. 365.778/RS. PRIMEIRA TURMA. Rel. Min. LUIZ FUX. Julg. 20.09.2005. DJU. 10.10.2005. p.
221. RDDT, 124/225.
Recuperação de Empresas
56
2.1.5.3. PROCEDIMENTO DO PEDIDO DE RESTITUIÇÃO
O procedimento do pedido de restituição está previsto no
artigo 87 da LFRE.
Formulado o requerimento e devidamente autuado em
apartado, serão intimados, sucessivamente, o falido, o comitê de credores, os credores
e, finalmente, o administrador judicial, para se manifestarem em 5 dias. Com ou sem
contestação, o juiz designará AIJ, se necessária, ou julgará de plano. Dois pontos
merecem destaque:
1º) A lei se refere à intimação e não citação.
2º) A lei não prevê a oitiva do Ministério Público.
Atualmente, na prática, os autos são enviados (saem de
cartório) ao falido e ao Administrador Judicial, ou seja, a intimação é pessoal e nunca o
pedido é decidido sem a manifestação do administrador judicial e quase nunca sem a
oitiva do falido. Logo em seguida ocorre a intimação dos credores pela imprensa oficial
e, antes de decidir, ouve-se o Ministério Público.
Realmente há uma clara diferença entre o procedimento
previsto na nova Lei com aquele previsto no artigo 77, do D.L. 7661/45, que falava em
OITIVA do síndico e do falido, assim como do Parquet.
Contudo, o princípio da celeridade processual não pode
atropelar outros princípios de idêntica grandeza, como o da segurança jurídica e o da
maximização dos ativos do falido. Assim, seja em razão da importância do pedido de
arrecadação, seja em virtude da inviabilidade prática de se intimar o Ministério Público
e o Administrador Judicial pela imprensa oficial, sustentamos que a intimação se faça
com a remessa dos autos. O prazo sucessivo será de 5 dias, conforme reza a nova Lei.
Se qualquer das partes se manifestar contra o pedido,
valerá como contestação. Contudo, o Juiz julgará o pedido independente de
contestação, podendo determinar a produção de provas de ofício. Não havendo
necessidade delas, os autos serão conclusos para sentença.
Se procedente, será expedido alvará de liberação,
consoante artigo 88 da LFRE. Não pode haver nenhum tipo de acordo extrajudicial, eis
que não cabe devolução amigável pelo Administrador Judicial. A decisão é exclusiva do
juiz da falência.
Interessante é a questão do ônus de sucumbência. A
infeliz redação do § único do artigo 88 da LFRE pode dar a impressão que toda vez que
um pedido julgado procedente tiver sido contestado, haverá condenação da massa
falida nos honorários advocatícios. Essa não é a melhor exegese, sendo certo que a
redação de similar artigo no sistema anterior era muito mais adequada, conforme
podemos notar do artigo 77, § 7º do D.L. 7661/45. A regra era clara e essa deve ser a
exegese do novo dispositivo legal: O vencido paga o ônus da sucumbência, mas nem
Recuperação de Empresas
57
sempre o vencido é a massa falida.
Uma vez negado o pedido de restituição, se o Juiz
reconhecer que o requerente é credor, mandará de ofício incluí-lo no quadro geral com
base no artigo 89 da LFRE.
Permite a Lei que “antes do trânsito em julgado da
sentença” é possível que o bem seja entregue ao reivindicante, se prestada caução,
consoante artigo 90, § único da LFRE, que deve ser combinado com o artigo 273 do
CPC. Note-se, nesse sentido, que pelo sistema anterior sequer se previa tal entrega
cautelar em sede de pedido de restituição.
A decisão que aprecia o pedido de restituição continua
desafiando o recurso de APELAÇÃO, sem efeito suspensivo, conforme artigo 90, caput
da LFRE. No entanto, enquanto não transitar em julgado, fica suspensa a
disponibilidade da coisa, ou seja, não poderá ser alienada pela Massa, consoante artigo
91 da LFRE, que é uma repetição do artigo 78 do DL. 7661/45.
Conforme já examinado é cabível a restituição em
dinheiro. Assim, quando não houver saldo suficiente para o pagamento de todos, será
feito um rateio entre eles, conforme § único do artigo 91 da LFRE, que é uma repetição
do § 3º do artigo 78 do DL. 7661/45, mas que só se aplica às restituições previstas no
artigo 86 da LFRE. (em dinheiro).
O reivindicante terá que reembolsar a Massa Falida as
despesas com a conservação da coisa, na forma do artigo 92 da LFRE, valor esse que
pode ser fixado na própria decisão que manda entregar o bem.
Em redação muito mais apropriada, a nova Lei, em seu
artigo 93, não afasta a possibilidade do manejo dos embargos de terceiros, quando
não for cabível o pedido de restituição, ou seja, em caso de mera turbação. O
procedimento está previsto no Código de Processo Civil.
2.2. EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CONTRATOS DO FALIDO
Certamente uma enorme indagação paira sobre o que
fazer em relação aos contratos sobrevindo a falência de uma das partes.
Os efeitos da falência podem variar de acordo com a
espécie do contrato, mas duas regras básicas foram criadas, uma para aplicação aos
contratos unilaterais, a outra para os bilaterais.
2.2.1. BILATERAIS
Os contratos bilaterais não se resolvem pela falência, a
exemplo do sistema anterior (art. 43, do DL. 7661/45), consoante determina o artigo
117 da LFRE, cabendo ao Administrador Judicial decidir pelo seu prosseguimento ou
não, conforme interesse à Massa Falida. Contudo, se optar pelo prosseguimento do
Recuperação de Empresas
58
contrato, tal decisão deve ser endossada pelo Comitê. Trata-se, ao nosso sentir, de um
ato jurídico complexo. Para rescisão basta a vontade do administrador.
Caso o Administrador Judicial não se manifeste sobre o
prosseguimento ou não do contrato bilateral, o terceiro poderá interpelá-lo (judicial ou
extrajudicialmente), desde que o faça no prazo máximo de 90 dias a contar da
investidura do administrador judicial, para que este diga em 10 dias se cumprirá ou
não o contrato.
Registre-se que em caso de resposta negativa ou silêncio
do administrador judicial, nasce para o terceiro contraente o direito de propor contra a
Massa, no juízo falimentar, ação de cunho indenizatório, que em caso de procedência
constituirá saldo quirografário.
Nada impede, porém, sob nossa ótica, que após tais
prazos o administrador judicial, endossado pelo Comitê, e o terceiro contraente,
celebrem acordo para dar continuidade ao contrato se, é claro, ainda for de interesse
da Massa. Mas, agora, dependeria também da anuência do terceiro.
Há uma aparente contradição entre os artigos 83, inciso
VII, e 117, § 2º, da LRE. Para RICARDO TEPEDINO53:
“só se encontra um meio de aproveitar utilmente os dois
dispositivos: a multa contratual a que se refere o inciso
VII do art. 83 é aquela estabelecida para o caso de mora
ou para inexecução de uma cláusula especial. Para a
resolução do contrato, pode o outro contratante habilitar
na falência, como crédito quirografário, o montante
previamente fixado na cláusula penal, sem prejuízo de
sua redução, nos termos do aludido art. 413 do CC”.
Ousamos discordar. As multas dos contratos bilaterais,
tenham ou não se resolvido pela falência, devem ser consideradas créditos
subordinados. Já a indenização de que trata o artigo 117, § 2º deve ser tratada
como crédito quirografário. A diferença de tratamento se justifica na medida em
que a multa é fruto da mera vontade das partes, enquanto a indenização é
decorrente de uma profunda análise pelo Juiz dos prejuízos suportados pelo terceiro
com o rompimento do contrato.
53
TEPEDINO, Ricardo. Comentário ao artigo 117 da Lei 11.101/05. IN: TOLEDO, Paulo F.C. Salles; ABRÃO,
Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresa e de falência. São Paulo: Saraiva,
2005. pág. 313.
Recuperação de Empresas
59
2.2.2. UNILATERAIS
Os contratos unilaterais, cujo falido seja o beneficiário,
continuam normalmente, já que não existe ônus para a Massa. No tocante aos
contratos unilaterais em que o falido é devedor, caberá mais uma vez ao Administrador
Judicial, endossado pelo Comitê, desde que interesse à Massa, realizar o pagamento da
prestação como crédito extraconcursal. Não havendo qualquer manifestação nesse
sentido, deverá o credor se habilitar no processo, eis que em relação aos débitos da
Massa ocorre o vencimento antecipado, na forma do art. 77 da LFRE.
IMPORTANTE: O sistema anterior regulava expressamente as obrigações sujeitas à
condição suspensiva, o que não se verifica na lei nova. No entanto, mesmo diante da
lacuna atual, sustentamos que não pode ocorrer o vencimento antecipado destas
obrigações enquanto não se verificar a condição, ressalvado o direito do credor se
habilitar na Massa, mas o efetivo pagamento só se dará com a implementação da
respectiva condição.
O último ponto, mas nem por isso sem importância, é o
fato de que as cláusulas penais dos contratos unilaterais resolvidos pela falência não
serão atendidas, conforme artigo 83, § 3º da LFRE.
IMPORTANTE:
1) Em qualquer caso que for autorizado o cumprimento do contrato, os créditos
dele decorrente serão considerados extraconcursais.
2) Não havendo Comitê de credores, caberá ao Juiz autorizar ou não o
cumprimento de qualquer contrato, a requerimento do administrador.
2.2.3. SITUAÇÕES ESPECIAIS
Conquanto existam essas duas regras gerais, outras de
cunho especial devem ser observadas. Vejamos as mais importantes:
2.2.3.1. RIGHT OF STOPPAGE IN TRANSITU
COMPRA E VENDA A PRAZO. Art. 119, inciso I da LFRE. – idêntico ao artigo 44,
inciso I do DL. 7661/45.
Celebrado um contrato de compra e venda a prazo antes
do requerimento de falência, ocorrendo a quebra e ainda não entregue as mercadorias,
o que pode ser feito pelo vendedor?
1ª Situação: Se a mercadoria já tiver sido entregue ao comprador, deve o vendedor
verificar se é ou não o caso do pedido de restituição. Caso não exista essa
possibilidade, deverá se habilitar na falência como qualquer credor.
Recuperação de Empresas
60
2ª Situação: Se a mercadoria ainda estiver em trânsito, nasce p/o vendedor o
chamado right of stoppage in transitu, ou direito de “estopagem”, isto é, poderá o
vendedor sustar a entrega da mercadoria, impedindo-a de chegar às mãos do
comprador falido, desde que este não faça a prova de já ter revendido a mercadoria
por contra das faturas e conhecimento de transporte, sem fraude.
Em resumo, o transportador recebe uma ordem do
vendedor para não efetivar a entrega, que pode ser judicial ou extrajudicial
(contra-ordem). Esse direito de “estopagem” não é absoluto, pois só pode ser
exercido:
- Quando o comprador não tiver revendido a mercadoria; ou
- Quando o comprador tiver revendido esta mercadoria com fraude.
2.2.3.2. COMPRA E VENDA A PRAZO E DE COISAS COMPOSTAS
CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE COISAS COMPOSTAS. Artigo 119, inciso
II da LFRE. – Idêntico ao artigo 44, inciso II do D.L. 7661/45.
Se o falido vendeu coisas compostas e o Administrador
Judicial resolveu não cumprir o contrato, poderá o comprador colocar as coisas já
compradas à disposição da Massa, pleiteando perdas e danos na forma do artigo 117,
§2º da LFRE.
2.2.3.3. Compra e Venda com Reserva de Domínio
CONTRATO DE COMPRA E VENDA COM RESERVA DE DOMÍNIO. Artigo 119,
inciso IV, da LF. – Equivalente ao artigo 44, inciso IV do DL. 7661/45.
Resolvendo não continuar com o contrato (artigo 117 da
LFRE), o Administrador Judicial deverá devolver a coisa após uma vistoria e o
arbitramento do seu valor para que, descontado o valor pago e com o acréscimo das
despesas judiciais e extrajudiciais, o vendedor possa restituir à Massa o saldo
verificado, salvo se existir outra forma de liquidação prevista no contrato. Abaixo segue
exemplo:
VALOR DO NEGÓCIO : 100 mil.
VALOR PAGO : 40 mil.
VALOR DA VISTORIA : 80 mil.
SALDO A RESTITUIR : 20 mil.
2.2.3.4. PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO
PATRIMÔNIO DE AFETAÇÃO. Artigo 119, inciso IX da LFRE – sem equivalente
no sistema anterior.
Em suma, a nova lei não rege o patrimônio de afetação,
cuja regulamentação está reservada para Lei 10.934/01. O patrimônio de afetação não
Recuperação de Empresas
61
se confunde com os demais bens do falido até o seu termo ou cumprimento do seu
objetivo, sendo certo que eventual saldo credor será revertido em favor da Massa,
enquanto eventual saldo devedor deverá ser habilitado na respectiva classe.
2.2.3.5. LOCAÇÃO
CONTRATO DE LOCAÇÃO. Artigo 119, inciso VII da LFRE – Equivalente ao
artigo 44, inciso VII do DL. 7661/45.
Bastante clara a redação deste artigo. A falência do
locador não importa em alteração do contrato, notando-se que a intenção do legislador
é proteger o locatário. Se a falência for do locatário, nasce para o Administrador
Judicial o poder de a qualquer tempo denunciar o contrato, resolvendo-se em perdas e
danos, na forma do artigo 117, §2º, c/c 83, inciso VII ambos da LFRE.
2.2.3.6. MANDATO
CONTRATO DE MANDATO. Artigo 120 da LFRE – Equivalente ao artigo 49 do
DL. 7661/45.
Houve uma mudança significativa. Agora cessa, pela
falência, o mandato conferido pelo falido antes da quebra, quando ligado aos negócios
da empresa, salvo se o mandato for para representação judicial, que só cessará
mediante notificação do Administrador Judicial. Se o falido for o mandatário, só cessará
o contrato quando ligado à atividade empresarial.
2.2.3.7. CONTA CORRENTE
CONTRATO DE CONTA CORRENTE. Artigo 121, da LF. – Idêntico ao artigo 44,
do DL. 7661/45.
Encerram-se as contas correntes por ocasião da falência.
Mesmo as ordens de pagamento emitidas antes da falência não podem ser aceitas se
apresentadas após a decretação da quebra.
2.3. INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO FALIMENTAR
A indivisibilidade do juízo falimentar54 persiste no novo
diploma legal e impõe que todas as ações que venham a ser propostas em face da
Massa Falida o sejam no próprio juízo onde corre o processo falimentar.
Desta forma, ressalvadas as exceções que analisaremos
adiante, qualquer ação que venha a ser intentada contra a Massa Falida há de ser
proposta no juízo falimentar. Trata-se de uma regra de competência absoluta, eis que
54
Art. 76. O juízo da falência é indivisível e competente para conhecer todas as ações sobre bens,
interesses e negócios do falido, ressalvadas as causas trabalhistas, fiscais e aquelas não reguladas nesta
Lei em que o falido figurar como autor ou litisconsorte ativo.
Recuperação de Empresas
62
funcional. Portanto, caso a sociedade falida tenha, mesmo antes da falência, praticado
algum ato ilícito que resultou em prejuízo para terceiros, se a ação for proposta depois
da sentença de quebra o juízo competente é o da falência.
2.3.1. EXCEÇÕES
Questão de grande importância é estabelecer os limites
das exceções dessa indivisibilidade. A seguir analisaremos cada uma dessas exceções,
sempre dando enfoque ao ponto de vista da jurisprudência.
Inicialmente vamos verificar as causas que jamais são
atraídas para o juízo da falência, mesmo que sejam ajuizadas após a decretação.
2.3.1.1. RECLAMAÇÕES TRABALHISTAS
A competência da justiça trabalhista está prevista na
própria Constituição da República55 e, portanto, não poderia uma Lei Ordinária se
sobrepor ao comando constitucional. Então, mesmo após a decretação da falência,
eventual dissídio trabalhista deve ser apreciado pela Justiça do Trabalho e, constituído
o título executivo judicial, deve o crédito ser habilitado no processo falimentar para que
se respeite o princípio par conditio creditorum. Note-se que no pólo passivo estará a
Massa Falida, devidamente representada pelo Administrador Judicial. A jurisprudência
não deixa dúvidas:
COMPETÊNCIA. CONFLITO POSITIVO. JUÍZO
FALIMENTAR E JUSTIÇA DO TRABALHO. EXECUÇÃO
TRABALHISTA. PRECEDENTES. I - Decretada a
falência, a execução dos julgados, mesmo
trabalhistas, terá início ou prosseguimento no juízo
falimentar, mesmo que já se tenha efetuado a penhora
em data anterior. II - Caso efetuada a alienação no
juízo trabalhista, o seu produto será incorporado à
massa, a fim de processar-se o concurso no juízo
falimentar. III - Estando o arrematante no Juízo
trabalhista já com a carta de arrematação registrada,
deixa-se de declarar a nulidade do ato56.
2.3.1.2. CAUSAS FEDERAIS
55
Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre
trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública
direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras
controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no
cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. 56
STJ, CC 34.635/GO. Segunda Seção. REl. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Julg. em 24/09/2003. DJ.
em 01/03/2004, p. 119.
Recuperação de Empresas
63
Adotamos o mesmo fundamento para afirmar que
qualquer ação que venha a ser proposta contra a Massa Falida em que haja interesse
da União, de suas Autarquias ou de Empresa Pública Federal deve ser apreciada pela
Justiça Federal, já que tal competência está prevista na própria Constituição da
República57. Entretanto, caso a intervenção seja apenas como amicus curi, não se
desloca a competência para a Justiça Federal.
2.3.1.3. CAUSAS FISCAIS E EXECUÇÕES FISCAIS
Vamos analisar a partir de agora o caminho que deve ser
trilhado pela Fazenda Pública para receber o crédito tributário correspondente diante
da decretação da falência do contribuinte. Deve ela se habilitar no processo falimentar,
simplesmente comunicar seu crédito por ofício ou propor o executivo fiscal, na forma
da lei própria? Em síntese, está ela sujeita ao juízo universal?
A questão não é tão simples e duas situações distintas
podem ocorrer. A primeira, tomando por base os créditos tributários cujos fatos
geradores ocorrerem após a sentença de falência, denominados débitos tributários da
massa falida. A segunda, diametralmente oposta, são os créditos tributários cujos fatos
geradores ocorrerem antes da sentença de quebra, portanto, denominados débitos
tributários do falido.
No que se refere ao débito tributário da Massa Falida, ou
seja, tributos cujos fatos geradores ocorrerem após a sentença de falência, o
pagamento deve ser feito direta e amigavelmente pelo Administrador Judicial, na
forma prevista na legislação tributária, já que tais tributos devem ser tratados como
despesas extraconcursais58.
A solução é sensivelmente diferente para os débitos
tributários do falido. É certo que a Fazenda Pública não está sujeita ao concurso de
credores ou ao procedimento de habilitação59. Sendo assim, deve comunicar, por
57
Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
I - as causas em que a União, entidade autárquica ou empresa pública federal forem interessadas na
condição de autoras, rés, assistentes ou oponentes, exceto as de falência, as de acidentes de trabalho e
as sujeitas à Justiça Eleitoral e à Justiça do Trabalho
58 LRE, art. 84. Serão considerados créditos extraconcursais e serão pagos com precedência sobre os
mencionados no art. 83 desta Lei, na ordem a seguir, os relativos a:
[...]
V – obrigações resultantes de atos jurídicos válidos praticados durante a recuperação judicial, nos termos
do art. 67 desta Lei, ou após a decretação da falência, e tributos relativos a fatos geradores ocorridos após
a decretação da falência, respeitada a ordem estabelecida no art. 83 desta Lei. 59
CTN, art. 187. A cobrança judicial do crédito tributário não é sujeita a concurso de credores ou
habilitação em falência, concordata, inventário ou arrolamento.
Parágrafo único. O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público,
na seguinte ordem:
I - União;
II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e pró rata;
III - Municípios, conjuntamente e pró rata.
Recuperação de Empresas
64
ofício, ao juízo onde se processa a falência, a fim de que seja reservada a quantia
necessária para o pagamento do seu crédito, observada a ordem de preferência
prevista na Lei de Falências60 e no próprio Código Tributário Nacional61.
Sustentamos a impossibilidade de ajuizamento ou o
prosseguimento de qualquer execução fiscal após a decretação da falência por débitos
tributários do falido, com arrimo no §7º do artigo 6º da LFRE62. Assim entendemos
porque uma interpretação a contrário senso do citado parágrafo nos leva à inevitável
conclusão de que a sentença de falência importa em suspensão das execuções
ficais em andamento.
Ademais, eventual ajuizamento (ou prosseguimento) de
execução fiscal por débitos tributários do falido não seria de nenhuma serventia para o
Estado, já que o máximo que a Fazenda Pública poderia obter no juízo onde se
processasse o executivo fiscal é a inoperante penhora no rosto dos autos63. Aliás, já se
tinha como pacífico no Superior Tribunal de Justiça que o valor obtido com a venda em
hasta pública de algum bem penhorado na execução fiscal deveria ser imediatamente
remetido para o juízo falimentar64.
No entanto, em razão do privilégio conferido pelo artigo
187 do Código Tributário Nacional, corroborado pelo artigo 76 da LFRE, qualquer
questionamento a ser feito contra os valores indicados pelo Fisco deve, também em
respeito à Lei de Execução Fiscal, ser deduzido na Vara da Fazenda Pública. Estamos
nos referindo, por exemplo, à ação anulatória de débito fiscal, ao mandado de
segurança e à ação de repetição de indébito, processos de natureza cognitiva. Por
outro lado, precedente recente do Superior Tribunal de Justiça já mencionado nesse
trabalho admitiu expressamente que a Fazenda Pública promova a habilitação do seu
crédito como qualquer credor privado, abrindo mão do privilégio concedido pelo Código
Tributário Nacional65.
60
LRE, art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos
por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
II - créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado;
III - créditos tributários, independentemente da sua natureza e tempo de constituição, excetuadas as
multas tributárias; 61
Vide artigo 187, do CTN, reproduzido na nota 44.
62 LRE, art. 6
o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial
suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos
credores particulares do sócio solidário.
(...)
§ 7o As execuções de natureza fiscal não são suspensas pelo deferimento da recuperação judicial,
ressalvada a concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação
ordinária específica. 63
REsp. 253.146/RS. Rel. Ministro GARCIA VIEIRA. DJU 14.08.2000.
64 REsp. 444.964/RS, Rel. p/acórdão Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, DJU de 09.12.03.
65 REsp. 1.103.405/MG. Rel. Min. Castro Meira, julgado em 02/04/2009.
Recuperação de Empresas
65
2.3.1.4. AÇÕES EM QUE A MASSA FALIDA É AUTORA
Também não há qualquer inovação nessa exceção.
Quando a Massa Falida é autora a competência é determinada pelas regras gerais,
salvo se tal ação estiver prevista na própria Lei de Falências. Destarte, eventual ação
de despejo a ser ajuizada pela Massa Falida não estará abrangida pela indivisibilidade
da falência.
2.3.1.5. A UNIVERSALIDADE E AS AÇÕES POR QUANTIA ILÍQUIDA PROPOSTAS ANTES DA
FALÊNCIA
Convém destacar agora os efeitos da universalidade do
juízo falimentar sobre as ações em andamento, ou seja, que já haviam sido ajuizadas
antes da sentença de falência.
Como regra66, todas as ações e execuções contra o falido
devem ser suspensas por força da sentença de quebra, permitindo que todos os
credores se habilitem na falência. Ocorre que a suspensão das ações e execuções
também possui sua exceção. São as ações propostas antes da falência que demandem
quantia ilíquida.
Como não há possibilidade do autor habilitar-se na
falência, sua ação não pode ser suspensa. Logo, o processo prossegue no juízo de
origem, promovendo-se uma substituição do pólo passivo, eis que deve sair a
sociedade falida e entrar a Massa Falida, representada pelo Administrador Judicial.
Tornado líquido o crédito, este deve ser incluído no quadro geral de credores,
permitindo-se que o juiz competente para apreciar a demanda determine uma reserva,
na falência, da quantia estimada ao autor, antes do trânsito em julgado. Há discussão
sobre a necessidade de habilitação desse crédito.
Pelo sistema anterior o Ministério Público
obrigatoriamente tinha que intervir em todas essas ações, sob pena de anulação do
processo. Hoje, em razão do veto ao artigo 4º da LFRE, caberá ao Membro do
Ministério Público com atribuição dizer se deseja intervir ou não, conforme vislumbre
interesse público na demanda envolvendo a Massa Falida.
2.4. Efeitos da Falência em Relação aos Atos praticados pelo Falido Antes
da Quebra
Dedicamos as linhas a seguir a uma análise dos efeitos da
sentença de falência sobre os negócios realizados pelo falido antes da sua quebra. Tais
negócios devem sofrer profunda investigação e, preenchidos determinados requisitos,
é possível que alguns deles venham a ser declarados ineficazes em relação à Massa
66
Art. 6o A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o
curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores
particulares do sócio solidário.
Recuperação de Empresas
66
falida, de ofício ou por força da ação revocatória, expressão que vem do latim
revocare, que significa trazer de volta.
Na esteira das lições do professor Caio Mário67, ineficácia
“é a ausência de efeitos quando, embora observados os requisitos legais, intercorre
obstáculo extrínseco, que impede se complete o ciclo de perfeição do ato”. Sendo que
a ineficácia pode ser “originária ou superveniente, conforme o fato impeditivo de
produção de efeitos seja simultâneo à constituição do ato ou ocorra posteriormente,
operando, contudo, retroativamente”.
E dessa forma ocorre no processo falimentar, ou seja, a
quebra configura esse obstáculo extrínseco superveniente à perfeição do ato, fazendo
com que ele não tenha efeitos contra a Massa Falida, retroativamente.
Seguindo a sistemática tradicional do Direito Falimentar
Pátrio, a atual Lei de Falências prevê duas regras para se chegar à ineficácia dos atos
praticados pelo falido. Vamos a elas:
2.4.1. INEFICÁCIA OBJETIVA – ARTIGO 129 DA LFRE
Antes prevista no artigo 52 do DL. 7.661/45 e hoje
regulada no artigo 129 da LFRE, afirma-se que a ineficácia é de natureza objetiva
porque não é preciso fazer prova da má-fé do falido ou do terceiro com quem ele
contratou e nem mesmo o prejuízo para a Massa Falida, bastando o simples
enquadramento do negócio no rol previsto nos incisos do citado dispositivo legal.
A ineficácia objetiva só pode ser reconhecida em relação
aos negócios previstos nos exatos limites previstos nos incisos do artigo 129 da LFRE,
cujo rol é taxativo e demanda interpretação restritiva. A decisão judicial que reconhece
a ineficácia objetiva tem natureza meramente declaratória e força retroativa.
Importante novidade é o acolhimento da doutrina
defendida, dentre outros, pelo professor José da Silva Pacheco. Atualmente a ineficácia
objetiva pode ser reconhecida pelo Juiz de ofício ou a requerimento de qualquer das
partes durante o curso do processo e não apenas nos autos de uma ação revocatória.
Essa novidade está prevista no § único do artigo 129 da LFRE68.
Embora hoje aparentemente desnecessária em face da
67
PEREIRA, Caio Mário da Silva. Instituições de direito civil. vol. I. 20ª ed.. Rio de Janeiro: Forense, 2004.
Págs. 632. =
68 Em alguns casos, quiçá na sua grande maioria, será muitíssimo difícil compatibilizar o reconhecimento
da ineficácia de um negócio realizado pelo falido antes da falência, de ofício, pelo Juiz durante o curso
do processo, com os ditames do artigo 5º, inciso LIV, da CR/88 (ninguém será privado da liberdade ou de
seus bens sem o devido processo legal), pois ao terceiro que realizou o negócio com o falido deve ser
reconhecido o direito ao contraditório e à ampla defesa.
Recuperação de Empresas
67
novidade supra, é possível a utilização da ação revocatória para se reconhecer a
ineficácia objetiva, especialmente quando pelos elementos contidos nos autos não for
possível reconhecer a prática do ato previsto no rol mencionado. Tal ação era chamada
por Pontes de Miranda como “ação declaratória de ineficácia relativa”.
A ineficácia objetiva está intimamente ligada ao requisito
temporal. Os três primeiros incisos do artigo 129 têm como parâmetro o chamado
termo legal, que pode retrotrair em até 90 dias antes do primeiro protesto por falta
de pagamento contra o falido. Já as hipóteses previstas nos incisos IV e V utilizam
como parâmetro temporal o denominado período suspeito, que nada mais é do que o
prazo fixo de dois anos antes da decretação da falência. Por fim, a conduta tipificada
no inciso VI tem sua regulamentação prevista nos artigos 1.144 e 1.145 do Código
Civil, enquanto a hipótese do inciso VII tem como referência o ato de registro após a
própria sentença de falência.
Analisemos, perfunctoriamente, as hipóteses de ineficácia
objetiva:
I. O objetivo da Lei é evitar uma preferência indevida daquele que possuí
um crédito ainda inexigível, em detrimento dos demais credores
portadores de títulos vencidos que não foram pagos.
II. Esse pagamento frustra o tratamento igualitário que deve ser dispensado
aos credores. Um bom exemplo nos é fornecido pelo professor Fábio
Ulhoa Coelho: Pagamento de um empréstimo bancário por meio da dação
em pagamento.
III. Ora, se o credor não exigiu tal garantia real quando da constituição do seu
crédito, nada justifica a constituição posterior dessa “falsa preferência”.
IV. Mesmo assentindo com a possibilidade da sociedade empresária, que
sempre visa lucro, praticar excepcionalmente atos gratuitos, revela-se
inadmissível aceitar tal conduta diante de um quadro de insolvência.
Ressalva-se, outrossim, as doações de ínfimos valores a determinadas
entidades culturais e assistenciais, bem assim, conforme Rubens Requião,
as gratificações dadas aos funcionários, desde que não caracterizada a
fraude.
V. Idem item anterior.
VI. As regras sobre a alienação do estabelecimento empresarial estão nos
artigos 1.142/1.148 do Código Civil. Na aplicação desse inciso devemos
observar que a venda “desmantelada” do estabelecimento também
pode ser declarada ineficaz.
VII. O artigo 215 da Lei 6.015/77 deve ser compatibilizado com os artigos
103 e 129, inciso VII, da LFRE, de forma que:
1) Somente as transcrições de direitos reais após a decretação da
falência é que poderão ser declaradas ineficazes em relação à Massa Falida,
independentemente de prova de prejuízo ou má-fé.
2) Se a venda do imóvel for realizada após a sentença de falência ou do
seqüestro, este negócio será nulo de pleno direito, por força dos artigos 99,
inciso VI e 103 da LFRE.
Recuperação de Empresas
68
3) Se tanto a venda do imóvel como a transcrição ocorrerem antes da sentença
de falência, só será possível o reconhecimento da ineficácia através da ação
revocatória prevista no artigo 130 da LFRE, ou seja, provando-se a fraude e
o dano à Massa Falida.
2.4.2. INEFICÁCIA SUBJETIVA – ART. 130 DA LFRE
Embora o artigo utilize a expressão “são revogáveis”, a
análise do negócio também se situa no plano da eficácia, ou seja, mesmo quando
procedente o pedido o ato permanece íntegro e válido, mas seus efeitos é que são
atingidos, ou seja, o negócio não terá nenhuma eficácia contra a Massa Falida.
Antes prevista no artigo 53 do DL. 7.661/45, a ineficácia
relativa só pode ser reconhecida através da ação revocatória. Essa ineficácia é tratada
como de natureza subjetiva porque o autor precisa provar a má-fé do falido e do
terceiro contratante, além do prejuízo aos credores.
Essa ação não está adstrita a nenhum rol, pois qualquer
negócio poderá ser objeto desta ação, desde que, é claro, sejam provados o conluio e
o prejuízo da Massa Falida.
Apesar de uma pequena resistência doutrinária, a
ineficácia subjetiva não se prende a qualquer parâmetro temporal. Assim,
independentemente da data do ato ele pode ser alcançado pela ação revocatória. É
claro que quanto mais antigo o ato mais difícil vai ser a prova da fraude e do prejuízo
para os credores.
2.4.4. AÇÃO REVOCATÓRIA – PROCEDIMENTO
Revocatória é a ação por meio da qual se retira a eficácia
de certos atos praticados pelo devedor antes da falência, em relação à massa falida. O
ato permanece íntegro, válido, eis que a ação revocatória atua no plano da eficácia e
não nos planos da existência ou da validade.
Em regra, declara-se a ineficácia do ato e os bens voltam
a integrar o patrimônio da massa falida. Essa ação tem por objetivo recompor o acervo
patrimonial da massa falida, normalmente dilapidado pelo falido durante o processo de
insolvência.
A ação revocatória é de competência do juízo indivisível
da falência e processada pelo rito ordinário. Não podemos confundir a ação revocatória
com a ação pauliana do direito comum. As principais diferenças são:
A ação pauliana torna o ato ineficaz apenas em relação ao credor que intentou
a ação, já os efeitos da ação revocatória beneficiam todos os credores.
Na ação pauliana apenas o credor quirografário é legitimado. Na ação
revocatória a legitimidade ativa é ampla, ou seja, o administrador judicial, os
credores e o Ministério Público podem promovê-la. Em alguns casos o Juiz pode
reconhecer a ineficácia de ofício.
Recuperação de Empresas
69
O Administrador Judicial, o Ministério Público e qualquer
credor podem ajuizar a ação revocatória, consoante artigo 132 da LFRE, desde que em
até 3 anos a contar da sentença que decretar a falência. O prazo é decadencial.
O artigo 133 da LFRE indica de forma clara quem são as
pessoas que devem figurar no pólo passivo desta ação. A expressão “pode” prevista
nesse artigo, na maioria das vezes, tem que ser interpretada como “deve”, na medida
em que frequentemente nos deparamos com casos de litisconsórcio passivo unitário.
A sentença que julga a ação revocatória desafia recurso
de apelação, recebido no duplo efeito.
Alguns pontos merecem especial atenção:
Reconhecida a ineficácia do negócio, as partes devem retornar ao estado
anterior. Assim, o contratante de boa-fé terá direito de restituição dos bens ou
dinheiro entregue ao falido por ocasião do negócio, na forma dos artigos 86, inciso III
da LFRE.
Ao contratante é ressalvado o direito de propor ação de perdas e danos contra
o falido ou contra seus garantidores.
O Juiz poderá, durante o curso da ação revocatória, a requerimento do autor,
ordenar o seqüestro do bem retirado do patrimônio do devedor e entregue ao terceiro,
preenchidos os requisitos previstos nos artigos 822/825 do Código de Processo Civil. É
evidente que na hipótese de ineficácia objetiva o Juiz poderá, de ofício, decretar essa
medida.
O artigo 138 da LFRE prevê que até mesmo o ato praticado em cumprimento
de decisão judicial pode ser declarado ineficaz, o que pode causar uma perplexidade
inicial em face da força da coisa julgada. No entanto, tal previsão em nenhum
momento fere a coisa julgada, uma vez que tanto a causa de pedir próxima como
remota serão completamente distintas da ação cuja decisão judicial se baseou o ato.
Na ação revocatória não tem cabimento a compensação nem a reconvenção.
Para Rubens Requião a ineficácia sempre pôde ser oposta em defesa, perdendo a
Massa, entretanto, o direito de promover a ação revocatória, pois se esgota a
prestação da tutela jurisdicional na defesa. Tal tese ganhou ares de legalidade em
razão do § único do artigo 129 da LFRE.
2.5. EFEITOS DA FALÊNCIA EM RELAÇÃO AOS CREDORES
Como decorrência do princípio par conditio creditorum
(isonomia dos credores de mesma categoria), os processos de falência e de
recuperação judicial têm em comum a necessidade de se conhecer os credores do
devedor, a fim de classificá-los de acordo com as preferências legais. O
reconhecimento do crédito independe da existência de título executivo, consoante
artigo 9º § único da LFRE.
Recuperação de Empresas
70
Todos os credores do falido, assim, devem abandonar
suas ações judiciais individuais, a fim de concorrerem com seus pares na execução
concursal, ressalvadas as exceções já analisadas.
Esse processo de conhecimento e classificação dos
credores foi profundamente alterado pela nova Lei de Falências. Para melhor estudo o
dividiremos em três fases, sempre tendo por bases as publicações dos editais previstos
em lei.
2.5.1. PROCEDIMENTO DE HABILITAÇÃO, DIVERGÊNCIAS, IMPUGNAÇÕES E AÇÃO
REVISIONAL
Do primeiro edital (elaborado pelo devedor)
Assim que decretada a falência ou deferido o
processamento do pedido de recuperação judicial, o Juiz nomeia o administrador
judicial que, como já analisado, constitui uma das principais figuras do processo. Na
recuperação, um dos requisitos da petição inicial é que o devedor apresente a relação
completa de seus credores, indicando valor, espécie e origem da dívida, assim como os
endereços dos credores69. Na falência, esse rol deve ser apresentado pelo devedor em
no máximo 5 (cinco) dias depois de cientificado da sentença de falência, se esta já não
estiver nos autos70, o que só deve ocorrer nos pedidos de autofalência, pois a relação é
um dos documentos que devem acompanhar a petição inicial71.
De posse do rol de credores elaborado pelo devedor,
caberá ao administrador judicial imediatamente publicá-lo na imprensa oficial, ponto de
partida para que os credores apresentem, em no máximo 15 (quinze), as habilitações
de créditos que não constarem do rol apresentado pelo devedor, assim como qualquer
divergência acerca do valor ou natureza de créditos relacionados.
Destaque-se que tais habilitações e divergências devem
ser apresentadas diretamente ao administrador judicial. O procedimento inicial de
habilitação, assim, além de possuir nítido caráter administrativo, não fica mais sob a
responsabilidade do Juiz e, portanto, os credores não precisam de advogados nesse
momento, como também não há qualquer custo. Buscou-se a desburocratização e a
desoneração do processo de habilitação de créditos, afastando-o inicialmente da
responsabilidade do juiz, que terá mais tempo para dedicar a outros assuntos não
menos importantes. Há de se ressaltar que esta opção não é inédita em nosso
ordenamento, pois nos processos de liquidação extrajudicial, o liquidante nomeado
69
Lei 11.101/05, art. 51, inciso III.
70 Lei 11.101/05, art. 99, inciso III.
71 Lei 11.101/05, art. 105, inciso II.
Recuperação de Empresas
71
exerce igual função a que agora é atribuída ao administrador da falência72.
O administrador terá o prazo total de 60 (sessenta) dias
contados da publicação desse primeiro edital para concluir essa tarefa de verificação
dos créditos, tendo como fonte de informações toda a contabilidade e os livros fiscais e
empresariais do devedor. Para hercúleo trabalho, o administrador poderá contar com o
auxílio de profissionais ou empresas especializadas. Ao final desse prazo, portanto,
publicar-se-á um edital contendo o rol de credores segundo as conclusões do
administrador judicial, que substituirá o anterior73, podendo, inclusive, excluir um
crédito antes relacionado pelo devedor.
Do segundo edital (elaborado pelo administrador)
Chega-se, dessa forma, ao segundo edital, a partir do
qual o procedimento começa sua fase judicial. No prazo de 10 (dez) dias contados da
sua publicação, os credores, o Ministério Público, o Comitê, o falido e seus sócios
podem impugnar, judicialmente, a relação elaborada pelo administrador, seja por
desconformidade, seja por omissão da lista74. Note-se que tal edital deve indicar o local
onde se encontram os documentos que fundamentaram as conclusões do
administrador.
Surge, no entanto, uma primeira questão relevante
envolvendo o Ministério Público: o prazo para impugnação é comum e não se prevê a
intimação pessoal do representante ministerial para análise dos autos de declaração de
créditos, prerrogativa inquestionável quando Parquet atua como custos legis. Como
deverá ser contado o prazo para Ministério Público?
Paulo Toledo entende que “a postura deverá mudar,
ganhando um dinamismo muito próprio de outras funções da instituição75”, isto é,
conclui que o prazo é comum até para o Promotor de Justiça, que estará em igualdade
de condições com os demais legitimados para fins de impugnação da relação elaborada
pelo administrador judicial.
Desde logo convém ressaltar que o fato do crédito não ter
sido impugnado por ocasião do primeiro relatório, não impede que ele seja objeto de
impugnação agora, nesta segunda fase.
Cada impugnação será autuada em apartado e os
72
Lei 6.024/76, arts. 22-24.
73 Lei 11.101/05, art. 7° §§ 1° e 2°.
74 Lei 11.101/05, art. 8°.
75 TOLEDO, Paulo F.C. Salles. Comentário ao artigo 8º da Lei 11.101/05. IN: TOLEDO, Paulo F.C. Salles;
ABRÃO, Carlos Henrique (Coord.). Comentários à lei de recuperação de empresa e de falência. São Paulo:
Saraiva, 2005. Pág. 25.
Recuperação de Empresas
72
titulares dos créditos impugnados serão intimados para contestarem no prazo de 5
(cinco) dias76. Após, também serão intimados para se manifestarem no mesmo prazo,
sucessivamente, o devedor, o comitê de credores e o administrador judicial, que
deverá juntar, se for o caso, laudo pericial e todos os documentos que entender
pertinente77.
Note-se que a lei não prevê a oitiva do Ministério Público,
embora de toda conveniente em razão da sua função de custos legis. Aliás, a lei
garante ao representante dessa instituição legitimidade ativa para impugnar o crédito e
não nos parece lógico afastá-lo do procedimento de impugnação iniciado por outro
legitimado, especialmente se levando em conta que Promotor de Justiça não tem mais
a prerrogativa de vista pessoal dos autos de declaração de crédito para apresentar
suas impugnações.
Outra questão relevante se traduz na aparente violação
ao princípio do contraditório, pois a lei prevê que o administrador poderá juntar
documentos e até mesmo um laudo pericial sobre o objeto da impugnação, mas não
exige que nesses casos as partes tomem sequer ciência do que foi juntado a posteriori
pelo administrador. Destarte, toda vez que alguma das partes juntar aos autos
qualquer documento, as demais devem ser intimadas para tomarem conhecimento e,
se assim entenderem, fazerem alguma ponderação.
Finalmente os autos serão conclusos ao juiz. Nesse
momento, segundo a lei78, o juiz deverá adotar as seguintes providências:
1ª) Determinar a inclusão no quadro geral os créditos não impugnados.
Ora, a tarefa não é assim tão fácil. O juiz poderá retificar
ou até mesmo excluir um crédito não impugnado, de ofício, em razão da natureza
mista das funções que exerce no processo falimentar.
2ª) Julgará as impugnações de plano, quando não necessitar de dilação probatória.
Entendendo que as informações nos autos são suficientes,
em outras palavras, que a causa está “madura”, poderá o juiz julgar antecipadamente
o mérito. Mantém-se a coerência do entendimento e, portanto, não há que se falar em
julgamento extra petita, ou seja, a cognição do magistrado é ampla, pois tem ele o
poder de conhecer de ofício matérias não constantes da impugnação.
3ª) Resolverá as questões processuais pendentes, fixará os pontos controvertidos e
determinará as provas a serem produzidas, inclusive designando audiência de
76
Lei 11.101/05, art. 11.
77 Lei 11.101/05, art. 12.
78 Lei 11.101/05, art. 15.
Recuperação de Empresas
73
instrução e julgamento, se necessária.
Enquanto não decidida definitivamente a impugnação, o
juiz determinará a reserva do valor necessário ao pagamento do crédito e não
impedirá o pagamento da parte incontroversa79.
Em se tratando de crédito não constante do rol elaborado
pelo administrador judicial, mas cuja omissão tenha sido objeto de impugnação, igual
procedimento deve levado a efeito, ou seja, o juiz deverá determinar a reserva
correspondente para eventual pagamento.
A decisão judicial sobre a impugnação desafia o recurso
de agravo de instrumento80. O mesmo se diga em relação a decisão do Juiz que
determinar, de ofício, a exclusão ou retificação de créditos. Poder-se-ia até questionar
a solução dada pelo legislador, na medida em que a impugnação tem natureza de ação
autônoma e, portanto, sendo decidida por sentença, desafiaria o recurso de apelação.
No entanto, nos parece válida a opção pelo agravo de instrumento, já que sua
tramitação mais célere é mais adequada ao rito falimentar.
Do terceiro edital (quadro geral de credores)
Com base nas decisões judiciais, o Administrador Judicial
promoverá a consolidação do quadro geral de credores, publicando-o em no máximo 5
(cinco) dias a contar da última decisão judicial acerca das impugnações, mesmo que
dela ainda caiba recurso, pois o agravo, em regra, não tem efeito suspensivo.
As eventuais modificações desse quadro em decorrência
do julgamento dos recursos interpostos se darão concomitantes à ciência dos seus
respectivos provimentos.
Há que se consignar, ainda, a possibilidade de retificação
ou exclusão de crédito constante da relação do terceiro edital, diante da descoberta de
fraude, dolo, simulação, erro essencial ou desconhecimento de documento existente à
época da habilitação.
Essa providência depende do ajuizamento, quando ainda
em curso o processo principal de falência, da chamada ação revisional, também
conhecida como ação rescisória falimentar ou ação anulatória de decisão judicial81.
Esta ação, segundo a Lei82, pode ser ajuizada pelo Ministério Público, por qualquer
credor, pelo Comitê ou pelo Administrador Judicial, seguindo o rito ordinário e será
79
Lei 11.101/05, art. 16.
80 Lei 11.101/05, art. 17.
81 REQUIÃO, Rubens. Curso de direito falimentar. Vol. 1. 17ª. ed. São Paulo: Saraiva, 1998. Págs. 321-322.
82 Lei 11.101/05, art. 19.
Recuperação de Empresas
74
processada e julgada no próprio juízo falimentar.
Inobstante abalizados posicionamentos em sentido
contrário83, não vemos a possibilidade de exclusão da legitimidade ativa do próprio
devedor ou de algum de seus sócios. O fundamento utilizado para exclusão da
legitimidade ativa do devedor ou de seus sócios é que a representação judicial da
Massa Falida pertence ao Administrador Judicial. Entretanto, tal argumento não nos
convence, pois na ação revisional o falido ou qualquer de seus sócios estarão em juízo
defendendo, em última análise, interesse próprio, e não exclusivamente da Massa
Falida. Não fosse assim, os credores e o próprio Comitê também deveriam ser
excluídos do pólo ativo.
Pendente o julgamento da presente ação, o titular do
crédito só será pago se prestar caução84.
Das habilitações retardatárias85
Como já delineado, os créditos não constantes da relação
elaborada pelo devedor devem ser habilitados no prazo de 15 (quinze) dias a contar da
publicação do primeiro edital, diretamente com o administrador judicial.
Ultrapassado esse prazo a habilitação deverá ser tratada
como retardatária e os titulares desses créditos não terão o direito de voto nas
assembléias, enquanto não homologado o quadro geral de credores contendo o
referido crédito, salvo os trabalhistas, ou se já julgada a habilitação na época da
realização da assembléia86.
Ademais, os titulares desses créditos retardatários terão
que arcar com o pagamento das custas judiciais e não terão direito aos rateios já
distribuídos e nem aos acessórios compreendidos entre o término do prazo e a data do
pedido de habilitação, embora possam requerer a reserva correspondente ao valor dos
seus créditos.
O processamento das habilitações retardatárias, se
apresentadas antes da homologação do Q.G.C., atenderá a forma prevista para o
processamento das impugnações. Apresentadas após a citada homologação, o
requerimento para retificação do quadro geral de credores deverá seguir o
procedimento ordinário.
Seguem os esquemas do processo de verificação de
créditos e de impugnação.
83
TOLEDO, Paulo F.C. Salles. op. cit. Pág. 45.
84 Lei 11.101/05, art. 19, § 2°.
85 Lei 11.101/05, art. 10°.
86 Lei 11.101/05, art. 39.
Recuperação de Empresas
75
PROCEDIMENTOSENTENÇA DE FALÊNCIA – Intimação para o devedorApresentar o rol de credores em 5 dias – art. 99, III.
Publicação do rol de credores apresentadopelo devedor – art. 99, § único.
15 dias para os credores apresentarem suas habilitaçõese divergências ao Administrador – art. 7 §1
Verificação dos créditos pelo administrador com Publicação do segundo edital, em no máximo de 60 dias
A contar do primeiro - art. 7° §2°
10 dias para impugnação da relação elaborada pelo Administrador judicial – art. 8
Publicação do QGC definitivo depois de 5 dias da últimasentença que julgar as impugnações – art. 18, § único.
IMPUGNAIMPUGNAÇÇÕESÕESImpugnação na forma dos
arts. 8° e 9° - Credores, devedor ou seus sócios,
Comitê ou Ministério Público
Contestação em 5 diasart. 11
Manifestações do devedor,comitê, doAdm. Jud. e do MP (s/previsào legal), em 5 dias,
sucessivamente.
O JUIZ JULGARÁ AS IMPUGNAÇÕESDEVIDAMENTEESCLARECIDAS
Saneará o processo,determinará a produçãode provas e designará,
se necessária, AIJ.
Sentença em audiência.
Recuperação de Empresas
76
2.5.2. Suspensão dos Juros e dos Prazos Prescricionais
No que concerne aos juros, nada mudou em relação ao
sistema anterior. Eles não correm contra a Massa Falida, conforme artigo 124 da LFRE.
Assim, quando das habilitações dos créditos, o valor principal só pode ser acrescido de
juros e correção até a data da falência. Quando do primeiro rateio, o valor habilitado
deve ser atualizado monetariamente, mas não serão pagos os juros, salvo em relação
às debêntures e aos créditos com garantia real, desde que nas forças da garantia.
Após o pagamento de todas as classes de credores,
havendo saldo positivo, dar-se-á início ao pagamento dos juros da data da decretação
da falência até a data do pagamento do primeiro rateio, obedecidas, mais uma vez, as
preferenciais legais.
Também a partir da decretação da falência são suspensos
os prazos prescricionais das ações em face do falido, mas não os decadenciais,
conforme artigo 6º caput da LFRE. Encerrado o processo falimentar, sem prejuízo do
prazo especial previsto para a extinção das obrigações do falido, voltam a correr os
prazos prescricionais comuns.
2.5.3. COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
Segundo o artigo 122 da LFRE, outrora artigo 46 do DL.
7661/45, provenha ou não o vencimento de uma dívida do falido da sentença de
quebra, opera-se a compensação nos moldes da legislação civil, com preferência sobre
quaisquer outros. Em suma, caso um devedor do falido também seja seu credor,
sobrevindo a falência e, portanto, ocorrendo o vencimento antecipado do crédito,
opera-se a compensação. Grande parte da doutrina condena a opção do legislador, na
medida em que ela encerra clara violação ao princípio pars conditio creditorum.
Há, no entanto, um obstáculo à compensação. Não
poderão ser compensados os créditos transferidos após a decretação da falência, bem
assim aqueles transferidos durante o estado de insolvência.
2.5.4. QUADRO GERAL DE CREDORES
Os especialistas em Direito Falimentar devem estar
atentos que antes do pagamento dos credores listados no artigo 83 da LFRE, ou seja,
dos credores do falido, muitas outras obrigações devem ser honradas no decorrer do
processo falimentar. Dessa forma, antes dos credores tributários, com garantia real e
até mesmo trabalhistas, devem ser satisfeitas, na seguinte ordem, as seguintes
obrigações:
1ª) Restituições in natura, previstas no artigo 85 da LFRE.
2ª) 3 (três) últimos salários em atraso, limitado o pagamento a 5 (cinco) salários-
mínimos por empregado, na forma do artigo 151 da LFRE.
3ª) Restituições em dinheiro, previstas no artigo 86 da LFRE.
4ª) Despesas extraconcursais, previstas no artigo 84 da LFRE, com atenção para o
Recuperação de Empresas
77
artigo 150 da LFRE.
Só então é que estaremos prontos para o pagamento dos
credores relacionados no quadro geral, assim classificados por força do artigo 83:
1º. Créditos por acidente do trabalho e trabalhistas, estes limitados a 150
(cento e cinqüenta) salários-mínimos.
Sempre discordamos da inclusão dos créditos “por
acidente de trabalho” no topo da pirâmide, na medida em que não se tratam
propriamente de indenizações com base na legislação acidentária.
No Brasil existe o sistema de seguridade social e,
portanto, as indenizações acidentárias são pagas pelo Instituto Nacional de Seguridade
Social – INSS, através de prestações mensais.
O crédito mencionado no dispositivo em análise, assim,
tem como fundamento a legislação comum que trata da responsabilidade civil87, cuja
natureza seria quirografária.
No que diz respeito aos créditos trabalhistas, tem-se que
se o empregado já recebeu os 5 (cinco) salários-mínimos mencionados no artigo 151
da LFRE, só lhe restarão 145 (cento e quarenta e cinco) salários-mínimos como teto do
crédito privilegiado, ou seja, havendo diferença, esta será considerada crédito
quirografário.
2º. Créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado.
Exemplificando, caso um credor hipotecário de R$
400.000,00 tenha como garantia um imóvel avaliado contratualmente em R$
500.000,00, na hipótese desse bem ser alienado pela Massa Falida pelo valor de R$
300.000,00, este será o limite privilegiado, ou seja, o credor só receberá como crédito
com garantia real até o limite de R$ 300.000,00, enquanto a diferença, no exemplo,
R$ 100.000,00, será considerado crédito quirografário.
3º. Créditos tributários, excetuadas as multas.
O tratamento dos créditos tributários sofreu profunda
modificação por meio da Lei Complementar 118/05, que alterou vários dispositivos do
Código Tributário Nacional.
Como se sabe, os credores tributários não precisam
habilitar seus créditos88, apenas os informam ao juízo falimentar por meio de ofício,
87
CÓDIGO CIVIL, arts. 186 e 927.
88 CTN, art. 187.
Recuperação de Empresas
78
embora ressalte a doutrina a absoluta propriedade de se fazer constar do QGC o valor
destinado ao pagamento desses credores. Permanece o critério de preferência previsto
no § único do artigo 187 do CTN, ou seja, primeiros são satisfeitos os créditos
tributários federais, depois os estaduais e só então os municipais.
As multas fiscais não são atendidas nesse momento.
4º. Créditos com privilégio especial.
São exemplos de créditos com privilégio especial os
previstos nos artigos 964 do CC/02; 43, inciso III da Lei 4.591/64; e 17 do DL.167/67.
5º. Créditos com privilegio geral.
São exemplos de créditos com privilégio geral os
previstos nos artigos 965 do CC/02; 24 da Lei 8906/94; e 58, §1º da Lei 6.404/76.
6º. Créditos quirografários.
São aqueles que não possuem nenhum tipo de privilégio,
bem assim os saldos dos créditos trabalhistas que ultrapassaram o limite de 150
(cento e cinqüenta) salários-mínimos e dos créditos com garantia real que
ultrapassaram o limite do valor do bem gravado.
7º. Multas contratuais e penas pecuniárias por infrações das leis penais e
administrativas.
De pronto temos que ressaltar que as multas estipuladas
nos contratos unilaterais não serão atendidas se as obrigações se vencerem em virtude
da falência.
No que concerne às multas dos contratos bilaterais,
entendemos que aquelas decorrentes dos contratos bilaterais, tenham ou não se
resolvido pela falência, devem ser pagas nesse momento, isto é, após os
quirografários.
8º. Créditos subordinados.
A lei e os contratos podem estipular que o crédito tenha
natureza subordinada. São subordinados, por exemplo, os créditos das debêntures
subordinadas, conforme art. 58, § 4º da Lei 6404/76.
Também são subordinados os créditos dos sócios e dos
administradores, quando estes não forem considerados empregados. Logo, se os
sócios tiverem direito a um crédito por dividendos, estes serão considerados
subordinados, assim como será subordinado o crédito do sócio que tiver feito um
empréstimo à sociedade, independente do que constar no contrato. A lei, portanto, não
está se referindo aos haveres devidos aos sócios em caso de liquidação, que sequer
Recuperação de Empresas
79
têm como ser habilitados.
2.5.4.1 CREDORES NÃO PREVISTOS: CREDOR ALIMENTAR
Uma questão infelizmente tangenciada pela doutrina tem
se mostrado latente nos processos de falência: como deverão ser classificados os
créditos decorrentes do pensionamento determinado em razão de uma ação
indenizatória?
Pensemos na seguinte hipótese: Uma empresa de ônibus
é condenada a pagar uma vultosa indenização por danos morais e materiais a uma
vítima de acidente, além de uma pensão equivalente a R$ 2.500,00 por mês até que a
vítima, de 25 anos de idade, complete 70 anos. Além de não pagar a indenização por
danos morais e materiais, a empresa condenada também não honrou com o
pensionamento e muito menos constituiu o capital garantidor. Para piorar, tal
sociedade empresária foi à falência.
Parece-nos pacífico que as indenizações pelos danos
morais e materiais são créditos quirografários. Porém, o que fazer em relação às
pensões? E em relação ao capital garantidor?
Não temos a intenção de trazer uma solução definitiva,
mas apenas despertar atenção para esse grande dilema que temos enfrentado no dia-
a-dia dos processos de falência. São devidas as prestações vincendas? Deve-se
antecipar todo o saldo para valor presente? Qual a classificação, quirografário?
2.6. A REALIZAÇÃO DO ATIVO
Como já salientamos, a realização do ativo deve ocorrer
tão logo se encerre a atividade de arrecadação, ou seja, pode se iniciar já durante a
segunda fase do processo. Tal medida só é possível em virtude da extinção do instituto
da concordata suspensiva e seu objetivo é a maximização dos recursos da Massa
falida. A regulamentação se encontra nos artigos 139/148 da LFRE.
O artigo 140 da LFRE prevê as formas de realização do
ativo e estabelece uma ordem de preferência para adoção do tipo escolhido. Assim,
preferencialmente, a realização do ativo deve seguir a seguinte ordem:
Alienação da “empresa”, com a venda de seus estabelecimentos em um único
bloco.
Alienação da “empresa”, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas
isoladamente.
Alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do
devedor, formando o que na prática chamamos de lotes.
Alienação dos bens de forma individual.
Recuperação de Empresas
80
O ponto alto desse tema é a significativa mudança de
tratamento às alienações judiciais nos processos de falência. Com o inegável; objetivo
de maximizar o ativo, o legislador buscou tornar os bens que integram o patrimônio
falimentar mais atrativos e, com efeito, consignou no inciso II do artigo 141 da LFRE
que os bens serão alienados livres e desembaraçados de quais quer ônus e o
arrematante não será sucessor do devedor nem mesmo nas obrigações trabalhistas e
tributárias. A regra comporta algumas exceções, a fim de não permitir que essa
“blindagem” seja utilizada para fins ilícitos. Dessa forma, haverá sucessão quando ficar
provado que o arrematante for:
Sócio da sociedade falida ou sociedade controlada pelo falido;
Parente até o 4º grau do falido ou do sócio da sociedade falida;
Agente do falido ou de sócio da sociedade falida, chamado de “laranja”.
Assim, o inciso I do artigo 141, § 1º, da LFRE prevê,
em sua primeira parte, que haverá sucessão no passivo quando o adquirente for
um dos sócios da sociedade falida. Não importa o tamanho de sua participação no
capital social da sociedade falida, qualquer dos seus sócios que vier a adquirir a
empresa responderá integralmente pelo passivo comum contabilizado, pelo
tributário e pelo trabalhista.
Já a segunda parte do inciso I dispõe que, se o
arrematante for uma pessoa jurídica controlada pelo falido ou, realisticamente, pela
sociedade falida, esta responderá integralmente pelo passivo. Registre-se que o
conceito de controlador não se restringe à concepção de sócio com mais de
cinqüenta por cento do capital votante89.
Tomando como base o artigo 116 da Lei de Sociedades
por Ações, acionista controlador é aquele que, direta ou indiretamente, é titular de
ações com direito de voto que lhe assegure, de modo permanente90,
preponderância nas deliberações sociais, e o poder de eleger a maioria dos
administradores e de dirigir efetivamente os negócios de outra sociedade,
denominada sociedade controlada. Desse modo, constatado que a arrematante é
uma sociedade controlada pela sociedade falida, aquela responderá por todo o
passivo da empresa adquirida.
É imperioso registrar que existe uma hipótese não
contemplada literalmente no dispositivo, mas que exige muito cuidado: deve
ocorrer sucessão quando a arrematante for sociedade controlada por sócio da
sociedade falida?
89
Vide resolução 401, item IV, do Banco Central do Brasil.
90 O mesmo Banco Central entende que a expressão “permanente” deve ser entendida como três
assembléias gerais consecutivas.
Recuperação de Empresas
81
A indagação se mostra pertinente, pois é bastante
plausível que uma determinada pessoa seja sócia da sociedade falida e, ao mesmo
tempo, de outra sociedade que atue no mesmo ramo. Nestes casos, seria justo
impedir que os credores da sociedade falida cobrassem seus direitos da sociedade
arrematante?
Efetivamente o quadro apresentado não encontra
previsão expressa no dispositivo em comento. Entretanto, defende-se nesse
trabalho que o simples fato de existir um sócio comum às sociedades falida e
arrematante não pode ser empecilho à aplicação da regra que veda a sucessão.
Ocorre que, se verificado que o sócio em comum não é um simples sócio, mas o
controlador de ambas as sociedades, atende melhor ao espírito da lei enquadrar
essa hipótese dentro das exceções previstas no § 1º do artigo 141, da LFRE e,
assim, permitir que os credores da sociedade falida busquem seus direitos
acionando a sociedade arrematante.
No que se refere ao disposto no inciso II do artigo 141,
§ 1º, da LFRE, vemos que este reflete a preocupação do legislador em impedir que
parentes sejam utilizados como instrumento para ludibriar proibições legais
impostas a determinadas pessoas.
A hipótese, entretanto, conserva o equívoco já
constatado no inciso I. Se a arrematante for uma sociedade cujos sócios sejam
parentes até o 4º grau de sócio da sociedade falida, há sucessão?
Caminhando na mesma direção e sempre cuidando
para não se afastar do objetivo maior do dispositivo, impedir a fraude, defende-se
que só haverá sucessão quando esse parente até o 4º grau for sócio controlador da
sociedade arrematante, pois do contrário não se visualiza nenhuma burla à lei ou
aos princípios idealizados pelo legislador quando estruturou a questão da sucessão
tributária na LFRE.
Por fim, o inciso III do artigo 141, § 1º, da LFRE, tem
por objetivo agasalhar todas as hipóteses não contempladas nos incisos anteriores,
mas que revelem, por outro lado, alguma forma de fraude na sucessão.
O objetivo do legislador foi alcançar os denominados
“laranjas” ou “testas-de-ferro” do falido ou dos sócios da sociedade falida. Nesse
sentido, os termos usados pelo legislador são absolutamente apropriados, deixando
para o juiz, diante do caso concreto, a análise dos fatores que indiquem ou não a
presença da fraude. Para a professora Raquel Sztajn,
“na verdade, excluir essas pessoas do benefício
resultante da ruptura do vínculo jurídico entre ativo e
passivo inibi comportamentos dissimulados,
oportunistas. Coibir a possibilidade de que alguém,
ligado à crise da empresa, venha a gozar de algum
Recuperação de Empresas
82
privilégio patrimonial leva à internalização de parte dos
prejuízos daí decorrentes91”.
Há de se consignar que o juiz poderá, de ofício e no
curso do processo falimentar, determinar a aplicação das regras comuns de
sucessão do passivo ou anular a venda, quando entender que há provas de que o
arrematante ou sociedade arrematante seja apenas uma “fachada” para a prática
de fraude.
Por fim, com o intuito de se evitar a possibilidade de
decisões judiciais conflitantes, somente ao juiz da falência é conferido o poder de
decidir se é ou não o caso de sucessão do passivo, em razão do princípio da
universalidade do juízo falimentar, salvo se já encerrado o processo falimentar. 92
Essa vem sendo a orientação do Egrégio Superior
Tribunal de Justiça no caso Varig, pelo menos em caráter liminar, na luta que está
sendo travada entre o MM. Juízo da 1ª Vara Empresarial da Comarca da capital do
Estado do Rio de Janeiro, onde se processa a recuperação judicial, e diversos Varas
Federais da Justiça do Trabalho de todo o país93.
Independente da forma escolhida para a realização do
ativo, a lei prevê algumas modalidades para realizá-lo. A primeira é o leilão,
modalidade utilizada em quase 100% dos processos falimentares. A segunda
modalidade é por cartas propostas, que embora não seja novidade, dificilmente é
adotada. A terceira, essa sim novidade, é a modalidade de pregão, que nada mais é
do que a aglutinação das duas outras modalidades em uma só.
Resumidamente, essas são as principais características
das três modalidades:
LEILÃO – Aplicam-se as normas comuns do Código de Processo Civil,
especialmente os artigos 686/707. No entanto, já no primeiro leilão o bem pode
ser arrematado por valor inferior ao da avaliação. Arremata o bem aquele que
fizer a maior proposta em lances orais.
PROPOSTAS – São publicados editais contendo a descrição dos bens e o valor
da avaliação, oportunidade que os interessados apresentam propostas através
de cartas fechadas e entregues no cartório, mediante recibo. No dia e hora
designados pelo juiz as cartas serão abertas em audiência, que só poderá
deixar de homologar a proposta vencedora se entender que o preço oferecido
for vil. As propostas são irretratáveis.
91
SZTAJN, Raquel. op. cit. p. 387.
92 COELHO, Fábio Ulhoa. op. cit. p. 366.
93 STJ, AgRg no CC 61272/RJ. SEGUNDA SEÇÃO. Rel. Min. ARY PARGENDLER. Julg. em 14.06.2006. Dj.
09.11.2006, p. 249.
Recuperação de Empresas
83
PREGÃO – é uma modalidade híbrida, já que se divide em duas fases. Na
primeira fase são recebidas e abertas as propostas, na forma supracitada.
Contudo, além da proposta vencedora, estarão habilitados para participar da
segunda fase os concorrentes que fizeram propostas não inferiores a 90% da
vencedora. A segunda fase é o leilão e os habilitados poderão disputar o bem
por meio de lances orais. Se o melhor proponente da primeira fase não ratificá-
la na segunda fase ou não comparecer e sua proposta não for superada, ficará
responsável pelo pagamento da diferença entre sua proposta e a que
efetivamente saiu vitoriosa.
Por derradeiro, temos que atentar para algumas regras
comuns, isto é, aplicáveis qualquer que seja a modalidade escolhida:
O Ministério Público deve ser intimado pessoalmente, sob pena de nulidade.
As publicações devem ocorrer em jornais de grande circulação, com 15 dias
antecedência para bens móveis e 30 para bens imóveis.
Os lances e propostas são irretratáveis, incorrendo os faltosos nas obrigações
previstas no artigo 695 do Código de Processo Civil.
A alienação poderá ser impugnada em 48 horas da arrematação por qualquer
credor, pelo devedor ou pelo Ministério Público.
O produto da alienação deve ser depositado em nome da Massa Falida numa
conta remunerada.
O Juiz pode determinar a adoção de uma forma alternativa para realização do
ativo. Tal opção também pode ser feita pelos credores, desde que aprovada por
2/3 dos credores reunidos em assembléia especial.
2.7. PAGAMENTO DOS CREDORES
O pagamento dos credores habilitados é a última fase,
sendo o momento mais esperado do processo. Os artigos 149/153 regulam essa fase.
Contudo, conforme já salientado, vários pagamentos preferem aos créditos habilitados
e são efetuados ainda na segunda fase. Relembramos, assim, aqueles que preferem
aos créditos habilitados:
1) As restituições in natura – art. 85;
2) Três últimos créditos salariais, limitado o pagamento a 5 (cinco) salários
mínimos – art. 151;
3) As restituições em dinheiro – art. 86;
4) As despesas extraconcursais – art. 84 c/c 150.
Pois bem, se ainda existirem recursos após o
cumprimento das obrigações acima, o Administrador Judicial dará início ao pagamento
dos credores habilitados.
Observadas as preferências legais, serão pagos os
créditos com juros até a data da decretação da falência, mas a correção monetária
incidirá até a data do efetivo pagamento. Havendo saldo, mais uma vez observando as
preferências, serão pagos os juros contados da data da falência até o dia do
Recuperação de Empresas
84
pagamento.
Aqueles que, por dolo ou fraude, receberem crédito
indevido, deverão devolver em dobro o que receberam.
Os valores referentes às reservas, se estas não forem
confirmadas, darão ensejo a rateios suplementares.
É raro, mas se após o pagamento do principal e dos juros
ainda sobrarem recursos, estes serão devolvidos ao falido, que de pronto poderá
retornar às suas atividades, uma vez que ocorrerá o que a doutrina chama de
“levantamento da falência”.
2.8. PRESTAÇÃO DE CONTAS
Depois de realizado todo o ativo e rateado o seu produto
entre os credores, o Administrador prestará suas contas em 30 (trinta) dias. Logo em
seguida qualquer interessado poderá apresentar impugnação às contas do
Administrador Judicial, sendo certo que o parecer contrário do Ministério Público, que
será ouvido no prazo de 5 (cinco) dias, será tido como impugnação.
Apesar de não haver previsão legal, o Administrador
Judicial deverá ser ouvido em caso de impugnação em respeito ao princípio da ampla
defesa, podendo, inclusive, requerer a produção de provas. As contas serão julgadas
por sentença, que desafia recurso de apelação.
A sentença que não aprovar as contas fixará desde logo a
indenização devida pelo Administrador, hipótese em que o processo falimentar não
poderá ser encerrado, pelo menos enquanto não executada essa sentença, sendo certo
que um novo administrador deverá ser nomeado, tudo na forma dos artigos 154/156
da LFRE. O Juiz decretará a indisponibilidade ou o arresto – não o seqüestro – dos bens
do ex-Administrador Judicial.
2.9. ENCERRAMENTO DA FALÊNCIA
Após aprovadas as contas, o Administrador apresentará
um relatório final, resumindo o processo e quatro pontos são obrigatórios:
1) Indicação do valor do ativo realizado;
2) Valor do passivo declarado;
3) Pagamentos feitos aos credores concursais e
extraconcursais (estes já declarados na prestação de
contas);
4) Indicação expressa da responsabilidade com que
continuará o falido, ou seja, indicação das classes e
credores concursais que não foram pagos e o percentual
do saldo em aberto.
Recuperação de Empresas
85
Em seguida o juiz encerrará o processo através de
sentença de cunho declaratório, que desafia o recurso de apelação e pode ter as
seguintes causas:
• Esgotamento do valor obtido com a venda do ativo.
• Pagamento integral dos credores.
2.10. Reabertura do Processo
Ainda na vigência do DL. 7.661/45 o entendimento era de
que a falência não poderia ser reaberta. Nesse sentido destacamos as lições de
Trajano de Miranda Valverde, que explicava: “os credores não ficam impedidos de
buscar a satisfação dos seus créditos na hipótese do devedor adquirir um novo
patrimônio, bastando que o acionem através da execução individual e não mais a
concursal, conforme determina os arts. 33 e 133, do DL. 7661/45”.
Anco Márcio Valle, Promotor de Justiça Empresarial do
Estado do Rio de Janeiro, sempre sustentou tese contrária, que endossávamos,
argumentando que tais dispositivos não impediam a reabertura do processo falimentar.
A conclusão proibitiva da reabertura da falência resultaria unicamente de uma
construção doutrinária. Na Itália, por exemplo, sempre se admitiu a reabertura.
Assim, utilizando o direito comparado e discordando da quase unanimidade dos
doutrinadores, sustentávamos a possibilidade de reabertura da execução concursal,
desde que:
1) Não estivessem extintas as obrigações do falido (art.
135, do D.L 7661/45);
2) A pedido de credor que tivesse se habilitado no
processo falimentar ou do próprio devedor;
3) Comprovada a existência de novos bens passíveis de
arrecadação.
Não vislumbramos qualquer dispositivo específico sobre
esse tema na lei atual, razão pela qual continuamos a defender a possibilidade de
reabertura do processo falimentar, principalmente em face do que dispõe o artigo 82
da LFRE. Esse dispositivo prevê que a ação de responsabilidade pode ser proposta
mesmo depois de encerrado o processo de falência. Ora, julgado procedente o pedido,
o resultado da ação deve obrigatoriamente ser revertido em favor da Massa Falida,
forçando a reabertura do processo.
2.11. REABILITAÇÃO – ART. 158, DA LFRE.
A reabilitação tem funcionado como forma declaratória da
extinção das responsabilidades civis e criminais, dando-lhe feição híbrida. Esta ação
tem natureza declaratória, segundo Pontes de Miranda, mas não deixa de possuir
efeitos constitutivos quando permite que o devedor volte a exercer atividade
empresarial.
Recuperação de Empresas
86
Esse pedido pode ser feito antes da sentença de
encerramento da falência, oportunidade em que o juiz, ao declarar extintas as
obrigações, encerrará a falência. A esse encerramento antecipado dá-se o nome de
“Levantamento da falência”, que só pode ocorrer na hipótese de pagamento integral
das dívidas. Do contrário, o pedido deve se processar em autos apartados, depois de
encerrada a falência, consoante artigo 159 da LFRE (REsp. 134.536/RS).
A reabilitação pode ter os seguintes fundamentos:
I) Qualquer causa extintiva dos créditos habilitados, como novação, remissão,
prescrição, pagamento, transação e etc.;
II) Rateio de mais de 50% dos créditos habilitados, depois de realizado todo o ativo.
III) Após o decurso do prazo decadencial de 5 anos, contados a partir da data de
encerramento da falência, se o falido ou qualquer administrador da sociedade
falida não forem condenados por crime falimentar.
IV) No caso de condenação, o prazo sobe para 10 anos.
2.11.1. APRESENTAÇÃO DAS CERTIDÕES NEGATIVAS DE DÉBITO TRIBUTÁRIO E
PREVIDENCIÁRIO
Para que se declare a extinção das obrigações do falido, o
devedor deve comprovar sua regularidade fiscal. Os Tribunais Superiores assentaram
que o pedido de extinção das obrigações deve estar instruído com a prova de quitação
das dívidas fiscais, na forma do artigo 191 do Código Tributário Nacional.
Essa também tem sido a orientação dos Tribunais
Estaduais. Vejamos:
FALÊNCIA. CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS
FISCAIS. DESCUMPRIMENTO DE DETERMINAÇÃO
JUDICIAL. - Falência. Requerimento de extinção
das obrigações da massa falida. Determinação de
que viessem aos autos as certidões fiscais
negativas. Desatendimento. Indispensabilidade
da comprovação do pagamento de todos os
débitos do falido, atendido inclusive o disposto no
artigo 191 do Código Tributário Nacional.
Indeferimento do pedido. Desprovimento do
recurso94.
NÃO SE PODE DEIXAR DE PONTUAR QUE OS TRIBUNAIS TAMBÉM
TÊM ASSENTADO QUE MESMO DIANTE DA INEXISTÊNCIA DAS CERTIDÕES NEGATIVAS O FALIDO PODE
VER DECLARADAS EXTINTAS SUAS OBRIGAÇÕES SE COMPROVADO QUE O CRÉDITO FISCAL ESTÁ
94
TJ/RJ, Apelação Cível 2003.001.30368. DÉCIMA QUARTA CÂMARA CÍVEL. Des. Rel. MARIA
HENRIQUETA LOBO. Julg. em 06.04.2004.
Recuperação de Empresas
87
GARANTIDO POR QUALQUER MEIO, COMO, POR EXEMPLO, POR UMA PENHORA DE IMÓVEL OU FIANÇA
BANCÁRIA.
RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - PARTE I
CASO GERADOR 01 (Trabalho Individual)
GATEWAY INDÚSTRIA DE MATERIAL ELÉTRICO S/A, após 25 anos de sua criação,
alcançou um lugar de destaque no cenário nacional de fabricação de componentes
elétricos. No entanto, após a abertura do mercado nacional com a queda de
inúmeras barreiras protecionistas, a competitividade ficou muitíssimo acirrada e a
companhia passou a acumular grandes prejuízos nos últimos cinco anos, pois não
estava aparelhada tecnologicamente para competir com as multinacionais do setor.
Em razão da crise que se instalou, GATEWAY deixou de honrar inúmeros
compromissos, acumulando uma dívida total de R$ 7,3 bilhões, assim divididos: a)
Passivo trabalhista de R$ 900 milhões; b) Passivo tributário de R$ 1,6 bilhão, dos
quais R$ 1 bilhão com a União, R$ 400 milhões com o Estado de Pernambuco e o
restante com a prefeitura de Porto Alegre; c) Passivo de R$ 1,5 bilhão,
representado por cédulas de crédito industrial pignoratícias, em favor de cinco
bancos; d) 300 milhões em crédito hipotecário com o Banco Valor Empresarial S/A;
e) R$ 3 bilhões em dívidas quirografárias, dos quais 50% estavam em moeda
estrangeira.
Diante dessa situação, GATEWAY contratou os serviços de uma conceituada
empresa de consultoria, objetivando montar uma estratégia para salvar a empresa.
Após alguns meses de intenso trabalho, os consultores apresentaram um relatório
no qual apontavam os principais problemas da companhia e algumas sugestões
para solucionar os problemas. Nesse trabalho, concluiu-se que:
I. O quadro de funcionários deveria ser reduzido em 30% no
primeiro ano de reestruturação e todas as dívidas trabalhistas
só poderiam ser pagas num prazo mínimo de 36 meses;
II. As cédulas de crédito industrial deveriam ser substituídas por
debêntures quirografárias, com juros de 6% a.a., com prazo
de resgate de 100 meses;
III. Os credores quirografários que fossem fornecedores teriam
duas opções para receber: a) 100% do crédito num prazo de
60 meses, com correção pelo IGPM ou b) 70% num prazo de
30 meses, corrigidos pelo mesmo índice. Os demais credores
quirografários receberiam em 120 meses, com correção pela
TR;
IV. A hipoteca deveria ser levantada e o bem imóvel alienado
para capitalizar a empresa. O credor deveria receber em 50
Recuperação de Empresas
88
parcelas reajustáveis pela SELIC, garantido pelos recebíveis
das operações com cartão de crédito.
V. Todos os créditos em moeda estrangeira deveriam ser
convertidos para real imediatamente, tendo em vista a
projeção de alta para a moeda americana para os próximos
meses.
Sobre o plano de recuperação judicial, responda:
1. Como se dá a aprovação do plano de recuperação judicial? É possível a
homologação de um plano de recuperação judicial rejeitado por alguma
classe de credores? Qual o grau de discricionariedade conferido ao juiz para
homologar o plano de recuperação judicial? E na hipótese do plano especial
destinado aos microempresários?
2. É possível a homologação do plano de recuperação judicial nos moldes do
relatório apresentado pela empresa de consultoria, sobretudo em face da
previsão de pagamento dos credores trabalhistas em 36 meses e do
tratamento favorecido conferido aos credores quirografários fornecedores da
companhia?
3. Quais são os argumentos prós e contra a homologação do plano de
recuperação judicial das companhias que não apresentarem a certidão de
regularidade fiscal?
4. Poderia o credor com garantia hipotecária impedir a homologação do plano,
mesmo se ele for aprovado por todos os demais credores, inclusive
trabalhistas?
5. Os titular de crédito em moeda estrangeira estão obrigados a concordar com
a desvinculação prevista no plano?
FÓRUM DE DISCUSSÃO
I) Analisar e discutir as normas de ordem pública que cercam o conteúdo do
plano de recuperação judicial, sobretudo a obrigatoriedade do pagamento
dos credores trabalhistas em no máximo um ano e a necessidade de
autorização dos titulares de créditos com garantia real para alteração ou
supressão das garantias.
II) Algumas decisões judiciais estão prorrogando o prazo de 180 dias de
suspensão das ações e execuções contra o devedor em recuperação
judicial, apesar da proibição legal. Identifique os prós e contras dessas
decisões e, ao final, dê sua opinião.
III) Inegavelmente o legislador procurou incentivar uma participação cada vez
maior dos credores nos processos de falência e de recuperação judicial.
Parcela significativa da doutrina identificou, com isso, certa restrição aos
poderes do juiz, em especial sobre a viabilidade ou não do plano de
recuperação. Pode o juiz deixar de homologar um plano aprovado pelos
credores por entender que ele não é viável do ponto de vista econômico-
financeiro? Ou ainda porque o porte da empresa não justifica o sacrifício
dos credores?
Recuperação de Empresas
89
IV) No que concerne ao plano especial destinado aos micro e pequenos
empresários, o legislador estipulou que os credores poderão inviabilizar a
sua concessão, desde que representem mais da metade dos créditos
atingidos. Mas para tanto há necessidade de apresentarem uma justa
causa? E mais, pode o juiz discordar da decisão dos credores e conceder
o benefício?
3.1. INTRODUÇÃO À RECUPERAÇÃO
Ao regular os planos de recuperação judicial, o
legislador deixou clara a mudança de orientação a ser adotada na Lei 11.101/2005,
uma vez que a recuperação das empresas passou a se destinar exclusivamente aos
empresários individuais e às sociedades empresárias viáveis, sendo certo que o seu
deferimento depende da concordância dos credores.
Essa mudança de orientação veio prestigiar o
entendimento mais moderno e majoritariamente adotado em outros países no
sentido de que são os credores, em tese, os maiores interessados na recuperação
da empresa. Assim, serão estes que organizados em assembléia definirão,
conforme as perspectivas daquela empresa, o futuro da sociedade em crise.
Sentimo-nos na obrigação de registrar que o Superior
Tribunal de Justiça, em decisão monocrática do Ministro Fernando Gonçalves, nos
autos do AI n0 1.008.393/RJ, deu provimento ao recurso da CASA PORTUGAL, uma
associação civil sem fins lucrativos, a fim de que tivesse seguimento seu
processo de recuperação judicial. Ademais, tal decisão singular é reflexo de uma
decisão colegiada da 4ª Turma do mesmo Tribunal, envolvendo também a CASA
PORTUGAL, conforme REsp. 1.004.910/RJ. Além de extremamente polêmica, ainda
não podemos considerá-la formadora de jurisprudência.
3.1.1. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA
O princípio da preservação da empresa vem previsto no
art. 47 da Lei nº 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação de Empresas –
LFRE), que prevê o seguinte: “a recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a
superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir
a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses
dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o
estímulo à atividade econômica”.
Ou seja, em razão de sua função social, a empresa
deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria
emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do
País. Além disso, a extinção da empresa provoca a perda do agregado econômico
representado pelos chamados intangíveis como nome, ponto comercial, reputação,
Recuperação de Empresas
90
marcas, clientela, rede de fornecedores, know-how, treinamento, perspectiva de
lucro futuro, entre outros.
3.2. ESPÉCIES DE RECUPERAÇÃO DE EMPRESA
A LFRE contemplou duas formas de se evitar a falência
de um devedor em crise econômico-financeira: a recuperação judicial e a
recuperação extrajudicial.
A recuperação extrajudicial tem natureza contratual,
sendo precedida de um acordo homologado pelo Juízo competente.
No que se refere à recuperação judicial, inicialmente,
cabe ressaltar que a introdução deste novel instituto em nosso ordenamento
jurídico não dependeu exclusivamente da aprovação da Nova Lei de Falências,
tendo sido também necessária uma alteração no Código Tributário Nacional, o que
se deu por meio da Lei Complementar nº 116/2005. Note-se, contudo, que ainda
será necessária para aperfeiçoar o sistema a aprovação do Projeto de Lei nº
245/04, que trata do parcelamento das dívidas tributárias do devedor em
recuperação.
De acordo com o art. 47 da Nova Lei de Falências, “a
recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise
econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte
produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores,
promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à
atividade econômica”.95
A redação do dispositivo acima denota a preocupação
do legislador com a preservação da empresa. Tal preocupação, em relação às
sociedades anônimas, é ressaltada pelo professor José Edwaldo Tavares Borba, ao
afirmar que tais sociedades não são apenas “um mero instrumento de produção de
lucros para a distribuição aos detentores do capital”96, mas sim uma “instituição
destinada a exercer o seu objeto para atender aos interesses de acionistas,
empregados e comunidade”.3
3.3. REQUISITOS DA PETIÇÃO INICIAL DO REQUERIMENTO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
O processo de recuperação judicial será instaurado por
iniciativa do devedor em crise econômico-financeira, devendo ser atendidos os
requisitos previstos no artigo 48 da LFRE. Por outro lado, a petição inicial deverá
estar acompanhada de uma série de documentos, consoante determinação do
artigo 51 da LFRE.
95
Art. 47, caput da lei 11.101/2005.
96 BORBA, José Edwaldo Tavares. Direito Societário. Rio de Janeiro: Renovar, 8
a ed, 2003, p. 134.
Recuperação de Empresas
91
Como vimos, o objetivo da recuperação judicial é
reerguer a empresa em crise. Dessa forma, só terá legitimidade ativa para requerer
a recuperação aqueles que estão sujeitos à falência, ou seja, as sociedades
empresárias e o empresário individual, nos termos do artigo 1º da LFRE. No que se
refere às sociedades empresárias mencionadas no artigo 2º da LFRE, remetemos o
leitor as considerações já traçadas nesse trabalho.
Por outro lado, apenas o devedor em crise econômico-
financeira terá legitimidade ativa para requerer a recuperação judicial, de modo que
credores ou empregados do devedor, ainda que tenham um plano de recuperação,
não poderão apresentá-lo em juízo. No entanto, o parágrafo único do artigo 48 da
Nova Lei de Falências estende esta legitimidade ativa para o pedido de recuperação
judicial ao cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor ou inventariante, caso se
trate de empresário individual falecido, bem como aos sócios remanescentes,
quando se tratar de sociedade empresária.97
Ocorre que não basta que a sociedade empresária
exerça “atividade econômica exposta ao risco de falência” 98, mas terá também que
atender a mais quatro requisitos:
a) Não pode estar falida. Note-se que esse requisito se
refere à falência decretada, assim, o protesto de títulos
e a existência de requerimento de falência quanto a
esta não afastam a possibilidade de recuperação. Caso
a sociedade já tiver tido a sua falência decretada ainda
poderá obter a recuperação, caso as responsabilidades
decorrentes da falência já tenham sido declaradas
extintas, por sentença transitada em julgado;
b) Estar explorando atividade econômica há mais de
dois anos;
c) Não pode ter se submetido à recuperação judicial
nos últimos cinco anos e, no caso de sociedade
microempresária ou empresária de pequeno porte, nos
últimos oito anos; e
97
Note-se que o professor Fábio Ulhoa Coelho afirma que, quando o legislador se referiu a sócio
remanescente, quis referir-se a sócio minoritário, permitindo, assim, que os sócios que discordaram, em
assembléia geral, de eventual rejeição de proposta de recuperação judicial possam aduzir em juízo o
pedido de recuperação. Comentário à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo:
Saraiva, 2008. p. 125.
98 COELHO, Fábio Ulhoa. Comentário à Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas. São Paulo:
Saraiva, 2008, p. 123.
Recuperação de Empresas
92
d) O sócio controlador ou o administrador não poderá
ter sido condenado pela prática de crime falimentar,
salvo, se já reabilitado.
Com relação aos documentos necessários à instrução
da petição inicial de recuperação judicial, há exigências que não são recebidas com
simpatia por parte da doutrina, como é o caso, por exemplo, da relação dos bens
particulares dos sócios ou acionistas controladores e administradores, prevista no
inciso VI do artigo 51 da LFRE. Para o professor Paulo Penalva Santos99 o legislador
presume aqui uma fraude, colocando em risco os bens particulares dos
controladores e administradores.
Em que pese o brilho do citado professor, temos que
discordar. Infelizmente o legislador está com razão ao adotar certas cautelas contra
as fraudes. Já não nos surpreende o fato de uma grande empresa em crise não
apresentar ativos compatíveis com a atividade que explora, enquanto seus sócios,
principais causadores do insucesso, apresentarem um patrimônio bastante
considerável e que, ao contrário do esperado, só cresceu durante o estado de
insolvência da empresa.
Não há presunção alguma de fraude por parte do
legislador. A relação de bens, entretanto, facilitará o ressarcimento dos danos
causados aos credores, caso se comprove efetivamente a prática de algum ato
fraudulento.
Outra exigência criticada que é alvo de crítica diz
respeito à apresentação de extratos de contas bancárias e aplicações financeiras ou
em bolsa, previsto no inciso VII do artigo 51 da LFRE. Alguns doutrinadores
defendem que além de serem desnecessárias neste primeiro momento, tais
informações poderão ser utilizadas por credores de má-fé em prejuízo do
prosseguimento do negócio, expondo a empresa a um risco desnecessário para sua
preservação.
Registre-se que conforme leciona o professor Fábio
Ulhoa Coelho, o legislador não previu expressamente a participação do Ministério
Público nesta fase inicial postulatória, já que “a lei prevê que ele será intimado
apenas se o juiz determinar o processamento do pedido ou decretar a falência do
requerente100”. Não é o que está ocorrendo na prática, pois a preservação da
empresa é um tema de inegável interesse público, revelando a total conveniência
de participação do Ministério Público.
99
Santos, Paulo Penalva, em palestra proferida na Escola da Magistratura do Rio de Janeiro, em 07 de
março de 2005.
100 COELHO, Fábio Ulhoa. Ob. cit. p. 52.
Recuperação de Empresas
93
Por fim, é importante observar que o art. 96, VII da
LFRE autoriza a apresentação do plano de recuperação na contestação da falência.
Sobre o assunto, o professor Paulo Penalva101 criticou tal dispositivo, já que tal
possibilidade significará uma sobrevida artificial às empresas inviáveis, que terão a
decretação de suas falências proteladas indefinidamente.
3.4. DEFERIMENTO DO PROCESSAMENTO DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Apresentado o pedido de Recuperação Judicial, o juiz
verificará se os requisitos acima mencionados, previstos nos artigos 48 e 51 da
LFRE, foram preenchidos, e caso tenham sido deferirá o processamento do pedido.
Note-se que este despacho não se confunde com a decisão concessiva da
recuperação judicial, já que se limita a acolher o pedido de tramitação do pedido.102
Este despacho de processamento conterá também as
providências e produzirá os efeitos mencionados nos incisos do artigo 52 da LFRE.
Ademais, será determinada a expedição de edital, na forma do § 1o do art. 52 da
Nova Lei de Falências, contendo o resumo do pedido e da decisão, a relação
nominal dos credores, a discriminação do valor atualizado e a classificação de cada
crédito, além das advertências acerca dos prazos para habilitação dos créditos e
para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial.
No que se refere aos efeitos do despacho de
processamento da recuperação, merece destaque a suspensão das ações ou
execuções em trâmite contra o requerente, pois esta suspensão é temporária e não
abrange a todas. Assim, não se suspendem:
(i) Ações que versem sobre quantia
ilíquida;
(ii) Reclamações trabalhistas;
(iii) Execuções promovidas por credores que não
se submetem à recuperação;
(iv) Execuções fiscais, desde que não tenha sido
concedido parcelamento a que se refere o
artigo 155-A, §§ 3º e 4º, do CTN.
Registre-se que, conforme salienta o professor Fábio
Ulhoa Coelho, o inciso III do art. 52 da LFRE não possui grande relevância quanto
aos pedidos de falência fundados na impontualidade injustificada, já que estes são
suspensos pela mera distribuição do pedido de recuperação no prazo da
contestação, nos termos do artigo 96, VII da LFRE. Mas a sua importância está
101
Palestra proferida na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em 07 de março de 2005.
102 COELHO, Fábio Ulhoa. Ob. cit. p. 153-154.
Recuperação de Empresas
94
relacionada aos “demais pedidos de falências, ações e execuções que terão a sua
tramitação suspensa com o processamento da recuperação judicial”.103
Questão que vem sendo muito debatida na
jurisprudência é a exigência da concessão do parcelamento do débito tributário
para que ocorra a suspensão das execuções fiscais. Já alertamos que a lei que
regerá a concessão do parcelamento do débito tributário para as sociedades
empresárias em regime de recuperação judicial ainda não foi aprovada pelo Poder
Legislativo.
Na tentativa de contornar este problema, a Lei
Complementar n.º 118/2005 criou o artigo 155-A no CTN, cujo § 4º afirma que
enquanto não for editada e aprovada a lei específica prevista na LFRE e no Código
Tributário Nacional, devem prevalecer as leis gerais de cada ente da federação, ou
seja, as sociedades em recuperação deverão adotar o regime de parcelamento
comum.
Diante dessa solução, a doutrina logo se insurgiu,
alegando que o legislador receitou o mesmo remédio para empresas em situação
claramente diferentes. As empresas em recuperação não podem ser colocadas no
mesmo plano que as demais, pois estão infinitamente mais fragilizadas, tornando a
solução inócua para os fins pretendidos pela novel legislação empresarial.
Por sua vez, a Segunda Seção do Superior Tribunal de
Justiça se manifestou no sentido de que enquanto não fosse aprovada a lei
específica para implementar o benefício previsto na parte final do § 7º do artigo 6º
da LFRE, bastaria o pedido de recuperação para que os atos de alienação na
execução fiscal fossem suspensos. Mas, segundo o STJ, o credor fiscal poderá
requerer o prosseguimento da execução caso comprove que a sociedade não pediu
o parcelamento segundo o regime geral, após o deferimento do processamento da
recuperação judicial104.
Entendemos que não é esta a melhor orientação, na
medida em que o credor tributário não teria como receber o seu crédito, pois de um
lado não está sujeito aos efeitos da recuperação, enquanto de outro não poderia
receber na execução fiscal.
Como se afirmou, a suspensão das ações ou execuções
em trâmite contra o requerente é temporária, cessa com a aprovação do plano de
recuperação ou com o decurso do prazo de 180 dias, nos termos do § 4º do artigo
6º da LFRE 105.
103
Idem. p. 154.
104 AgRg no CC 81.922/RJ, Relator Ministro Ari Pargendler, Segunda Seção, DJ 04.06.2007, p. 294.
105 COELHO, Fábio Ulhoa, OB. Cit., p. 154-155.
Recuperação de Empresas
95
Com relação ao inciso II do artigo 52 da LFRE, cabe
destacar que este dispensa o devedor de apresentar as certidões negativas para o
exercício de suas atividades. Tal dispositivo é importante, já que a inexistência
desta previsão legal poderia inviabilizar o prosseguimento das atividades
empresárias pelo devedor e, conseqüentemente, a sua recuperação. Contudo, o
referido inciso excepciona a contratação com o Poder Público e o recebimento de
benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, casos em que será imprescindível a
apresentação das certidões devidas.
Note-se, por fim, que nos termos do § 4º do artigo 52
da LRFE, a partir do deferimento do processamento do pedido de recuperação, o
devedor somente poderá desistir deste pedido mediante aprovação da Assembléia
Geral de Credores.
3.5. APRESENTAÇÃO DO PLANO
3.5.1. PRAZO E REQUISITOS
Com o despacho de processamento, o devedor terá 60
(sessenta) dias para apresentar o Plano de Recuperação Judicial, após o qual se
inicia a fase de deliberação, cujo objetivo é a apreciação do plano de recuperação
do devedor.106
Conforme salienta o professor Fábio Ulhoa Coelho, o
plano de recuperação é a peça mais importante do processo de recuperação
judicial, pois dependerá deste o alcance do objetivo do instituto, qual seja, a
preservação da atividade econômica e o cumprimento de sua função social107.
O plano de recuperação poderá atingir todos os
credores do devedor, inclusive as dívidas não vencidas108. Além disso, deverá
constar do plano o meio de recuperação a ser adotado109, que poderá ser um dos
previstos no art. 50 da LFRE ou não, bem como, deverá restar demonstrada a
viabilidade da recuperação, mediante a apresentação dos laudos de avaliação
patrimonial e econômico-financeiro110.
Note-se que o requerente da recuperação possui ampla
liberdade para implementar alterações no valor, forma de pagamento, condições de
106
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit. p. 155.
107 COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit. p. 158.
108 Art. 49 da LFRE.
109 Art. 53, inciso I, da LFRE.
110 Art. 53, incisos II e III, da LFRE.
Recuperação de Empresas
96
cumprimento da obrigação, dentre outras providências, salvo algumas exceções
que serão examinadas oportunamente.
Recebido o plano de recuperação do devedor, o juiz
determinará a publicação de edital com aviso aos credores sobre o recebimento do
plano e fixará prazo de 30 dias para eventuais objeções111. Havendo impugnação
por parte de qualquer credor, o plano de recuperação se submeterá à aprovação
pela Assembléia Geral de Credores, convocada pelo juiz, na forma do art. 56 da
LFRE.
Tendo em vista que o plano se submeterá à aprovação
dos credores ou da Assembléia Geral de Credores, estes poderão apresentar planos
alternativos, que deverão observar os mesmos requisitos previstos para o plano da
requerente e se submeterão à aprovação prévia do devedor. Registre-se, por fim,
que o plano alternativo apresentado pelo credor na Assembléia não poderá implicar
na redução de direitos de credores ausentes a esta, nos termos do § 3º do artigo
56 da LFRE.
3.5.2. MÉTODOS DE RECUPERAÇÃO
Como dito, no plano de recuperação deverão constar os
meios de recuperação a serem adotados. O art. 50 da LFRE, em seus incisos, traz
um rol meramente exemplificativo, sendo admitido qualquer meio lícito para a
recuperação.
Cabe destaque à hipótese de que trata o inciso I, que
trata da dilação do prazo ou revisão das condições de pagamento. Segundo o
professor Fábio Ulhoa Coelho, “com o abatimento no valor de suas dívidas ou o
aumento do prazo de vencimento, o devedor tem a oportunidade de se reestruturar
porque disporá, por algum tempo, de mais recurso em caixa”112. Como exemplo de
revisão das condições de pagamento, o professor Fábio Ulhoa cita a substituição de
garantias, porque se um credor abrir mão de sua garantia ou a substituir por outra,
o devedor terá esses bens liberados de ônus em seu patrimônio.113
Para o professor Paulo Penalva Santos, a maior parte
dos pedidos de recuperação judicial é baseada no pedido de dilação do prazo ou
revisão das condições de pagamento, já que os demais meios vislumbrados pelo
legislador retratam situações que não são necessariamente obtidas por recuperação
judicial como, por exemplo, o aumento de capital114.
111
Art. 53, parágrafo único, da LFRE.
112 COELHO. Ob. cit. p. 133-134.
113 Idem. p. 134.
114 Palestra proferida na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro em 07 de março de 2005.
Recuperação de Empresas
97
De fato, assiste razão ao Professor Penalva Santos,
uma vez que a adoção das operações societárias previstas no inciso II do artigo 50
da LFRE115, por exemplo, por si só, não são suficientes para propiciar a recuperação
do devedor em crise, sendo necessário “contextualizá-las num plano econômico que
mostre como sua efetivação poderá acarretar as condições para o reerguimento da
atividade”.116
Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho, a concessão
de direitos extrapatrimoniais aos credores, prevista no inciso V, confere “um grau
mínimo de ingerência dos credores na administração da sociedade empresária em
recuperação, visando a garantir-lhes que se tentarão realizar os objetivos
explicitados no plano de organização”117.
Também merece destaque a hipótese de que trata o
inciso VII, uma vez que o trespasse ou arrendamento do estabelecimento
consistem na “mudança na titularidade ou na direção do estabelecimento
empresarial da sociedade empresária em crise”118. A lei autorizou o arrendamento
do estabelecimento à sociedade constituída pelos empregados do devedor, em
razão de serem os empregados os maiores interessados na preservação de seus
postos de trabalho, além de serem os mais familiarizados com a realidade da
atividade empresarial desenvolvida119.
Por sua vez, a possibilidade de renegociação das
obrigações ou do passivo trabalhistas se justifica quando as obrigações trabalhistas
são “o principal entrave nas contas” 120do devedor, ao lado do fiscal.
Através da constituição da sociedade de credores, estes
substituem seu direito de crédito por direitos de sócios, logo, “em vez de
titularizarem o direito de crédito e seus consectários derivados do inadimplemento,
passam a ter a expectativa de lucros na hipótese de sucesso do plano
reorganizacional”121.
115
Art 50, II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária
integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação
vigente.
116 COELHO. Ob. cit. p. 134.
117 Idem. p. 136.
118 Idem. p. 137.
119 Idem. p. 137.
120 Idem. p. 137.
121 Idem. p. 138.
Recuperação de Empresas
98
Por meio da equalização dos encargos financeiros,
prevista no inciso XII, “bancos e empresas de fomento mercantil padronizam os
encargos financeiros de seus créditos, ajustando-os ao menor dos praticados no
mercado”122.
O usufruto de empresa é mais uma das possibilidades
de transferência da direção da atividade empresarial do devedor em crise para
“mãos mais hábeis e preparadas”123, devendo o usufrutuário manter a atividade
ativa e frutífera.
Com a administração compartilhada, ocorre uma
“divisão de responsabilidades entre o devedor e seus credores, ou parte deles, nas
decisões administrativas de interesse da empresa em crise”124.
Por fim, segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho, a
possibilidade de se adjudicar bens nada mais é que um desdobramento da dação
em pagamento, tendo como diferenciador apenas o fato de aqui se há a
intermediação por uma sociedade constituída exclusivamente para a adjudicação125.
3.5.3. RESTRIÇÕES
De acordo com o art. 49, caput da Nova Lei de
Falências, em regra a recuperação judicial irá atingir “todos os créditos existentes
na data do pedido, ainda que não vencidos”, tendo o requerente da recuperação
ampla liberdade para implementar alterações no valor, forma de pagamento,
condições de cumprimento da obrigação, dentre outras providências.
No entanto, o legislador cuidou de prever alguns limites
a esta liberdade. Assim:
(i) Os créditos trabalhistas vencidos na data do
pedido de recuperação terão que ser pagos em até um
ano;
(ii) Os saldos salariais em atraso deverão ser pagos
em 30 dias.
Note-se que não resta claro na lei qual a natureza do
crédito trabalhista abrangido por esta restrição: apenas o decorrente de relação de
emprego ou também o relativo à indenização por acidente de trabalho? Estes
créditos estão limitados ao mesmo teto adotado como critério de preferência na
122
Idem. p. 139.
123 Idem. p. 140.
124 Idem. p. 140.
125 Idem. p. 141.
Recuperação de Empresas
99
falência, ou seja, valores até 150 salários-mínimos? Também restam dúvidas se
esta limitação pode advir do plano.
No caso Varig, por exemplo, esta questão foi muito
discutida, pois o plano afastou a limitação temporal de 1 ano para pagamento dos
créditos trabalhistas e estabeleceu um teto para o tratamento privilegiado,
equivalente a 150 salários mínimos, tal qual a lei prevê para os processos de
falência126.
Nada obstante a doutrina majoritária defender a
inflexibilidade de tais prazos, pois previstos como regras de ordem públicas,
defendemos o contrário. Já no processo da Varig defendemos que esses prazos
podem sim serem estendidos, desde que haja justificativa razoável plenamente
comprovada, bem assim concordância dos empregados.
Por sua vez, dependem de expressa anuência do titular
do crédito:
(i) A conversão dos créditos em moeda estrangeira
para moeda nacional;
(ii) A supressão os substituição de garantia real,
quando o plano contemplar previsão de alienação de
bens onerados. Note-se que pela interpretação literal
da lei, para a supressão ou substituição da garantia
real, basta a aprovação do plano de recuperação. A
concordância expressa do credor só é exigida caso o
plano preveja a alienação do bem gravado.
Registre-se, por fim, que, nos termos do §1o do art. 49
da LFRE, “os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos
e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso”; e, conforme
previsto no § 2º, “as obrigações anteriores à recuperação conservarão as condições
originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos
encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação
judicial”.
3.5.4. Compensação de Créditos
Já analisamos a possibilidade de compensação de
créditos no processo de falência, com esteio no o artigo 122 da LFRE. Apesar de
este dispositivo estar no capítulo relativo à falência, cabe refletirmos sobre a
possibilidade de sua aplicação à recuperação judicial.
126
Ver resultado do julgamento do AI nº 2008.002.04916, por nós interposto e provido pela Quarta
Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em 08/07/2008, publicado em
24/07/2008.
Recuperação de Empresas
100
Segundo nossa ótica, é de bom tom aplicarmos por
analogia o disposto no capítulo de falências, salvo se o contrário constar do plano
de recuperação.
Por outro lado, caso optarmos pela não aplicação do
artigo 122 da LFRE às recuperações, isto significaria, na prática, impossibilitar a
compensação de créditos na Recuperação Judicial, pois teria que ser adotado o
regime da compensação previsto no Código Civil, segundo o qual esta só é possível
quando não prejudicar terceiros. Ora, é claro que a concessão de uma preferência a
um credor, mediante compensação, prejudicaria os demais.
No caso Varig enfrentamos o tema. A VRG Linhas
Aéreas possuía uma dívida junto às empresas em recuperação. Entretanto, por uma
série de fatores, acabou pagando algumas dívidas que a Varig e suas coligadas
possuíam no exterior e, evidentemente, procuraram se abrigar no instituto da
compensação. Tal questão ainda não foi definitivamente solucionada.
3.5.5. CREDORES NÃO SUJEITOS AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO
Alguns credores não se sujeitam aos efeitos do
processo de recuperação do seu devedor. Assim, em uma leitura a contrario sensu
do art. 49, caput, da LFRE, concluímos que os créditos cujos fatos geradores
ocorrerem após o pedido de recuperação não sofrerão os efeitos desta, até porque
se assim não fosse, restaria inviabilizada a recuperação, já que “o devedor não
conseguiria mais acesso a nenhum crédito comercial ou bancário”127. O professor
Fábio Ulhoa Coelho considera o dia da distribuição do pedido como marco a ser
considerado para determinar se um crédito se sujeita ou não à recuperação128.
Também não estará sujeito aos efeitos da recuperação
judicial, de acordo com o §3o do art. 49 da LFRE, o credor titular da posição de
proprietário fiduciário, arrendador mercantil ou negociante de imóvel (vendedor,
promitente vendedor ou titular de reserva de domínio), cujo contrato tenha cláusula
de irrevogabilidade ou irretratabilidade129. Mas no curso da suspensão da prescrição
e das ações e execuções em face do devedor, prevista no artigo 6 o, caput e § 4 o,
não será possível a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor de bens que
sejam essenciais ao desenvolvimento da atividade empresarial. Cite-se, como
exemplo, as aeronaves de uma companhia aérea em recuperação judicial, obtidas
por meio de leasing operacional.
127
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 131.
128 Idem. p. 130.
129 Idem. p. 130-131.
Recuperação de Empresas
101
No mesmo sentido, dispõe o §4o do artigo 49 da LFRE,
que afasta dos efeitos da recuperação os bancos credores por adiantamento a
contrato de câmbio para exportação (ACC).
Nessas duas últimas hipóteses de exclusão dos efeitos
da recuperação judicial, o legislador pretendeu incentivar a redução dos juros, “com
spreads não impactados pelo risco associado à recuperação judicial”, o que é
fundamental para o desenvolvimento econômico do país130.
3.5.6. CREDORES FISCAIS
Tendo em vista o impacto que a enorme carga
tributária produz nas sociedades empresárias, a possibilidade de parcelamento do
crédito tributário prevista nos artigos 68 da LFRE e 155-A do CTN seria uma
importante medida a possibilitar a recuperação das sociedades em crise.
Ocorre que, conforme já demonstrado, este
parcelamento especial para as sociedades empresárias em regime de recuperação
judicial depende da edição de lei específica, que ainda não foi aprovada. Dessa
forma, embora não seja a solução mais adequada, resta às sociedades em
recuperação a adoção do regime de parcelamento geral, previsto no § 4º do artigo
155-A do CTN.
3.6. APROVAÇÃO DO PLANO
Após o recebimento do plano será publicado edital com
aviso aos credores, visando a permiti-lhes eventuais objeções, nos termos do artigo
53, § único da LFRE. Não tendo sido apresentada qualquer objeção, caberá ao juiz
verificar se foram preenchidos todos os requisitos legais e, caso tenham sido,
concederá a recuperação judicial, conforme determina o artigo 58 da LFRE.
Não obstante, parece pouco factível pensar que algum
plano de recuperação será aprovado com a aquiescência de todos os credores, em
especial no caso de empresas que possuam um universo maior de relações
jurídicas. Assim, o mais comum é a apresentação de objeções ao plano de
recuperação e, via de conseqüência, a não homologação imediata do plano.
Dessa forma, apresentada alguma objeção, o juiz
deverá convocar a Assembléia Geral de Credores, que deverá reunir-se no prazo
máximo de 150 dias do despacho que deferiu o processamento da recuperação
para decidir sobre a (i) rejeição do plano; (ii) alteração do plano; ou (iii) aprovação
do plano.
A rejeição do plano pela Assembléia-Geral de Credores
implicará na falência do devedor, conforme previsto no artigo 56, §4º, da LFRE,
130
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 131.
Recuperação de Empresas
102
salvo nos casos excepcionais previstos no §1º do artigo 58 da LFRE, em que o juiz
poderá conceder a recuperação ainda que essa não tenha sido aprovada na
Assembléia-Geral de Credores, conforme analisaremos abaixo.
Com relação à aprovação total do plano ou deste com
alterações, deverão ser observadas as regras de votação, conforme verificaremos
em seguida. Mas cabe destacar que caso sejam apresentadas sugestões de
alteração do plano ou mesmo planos alternativos, estas alterações deverão se
submeter à aprovação do devedor e não poderão implicar na diminuição dos
direitos relativos aos credores ausentes, conforme dispõe o § 3º do artigo 56 da
LFRE.
3.6.1. SISTEMA DE VOTAÇÃO
Dentre as atribuições da Assembléia-Geral previstas
nas alíneas do inciso I do artigo 35 da LFRE está a “aprovação, rejeição ou
modificação do plano de recuperação apresentado pelo devedor”.
Nos termos do artigo 41 da LFRE, a Assembléia-Geral
será composta pelas classes de credores titulares dos seguintes créditos:
(i) Derivados da legislação do trabalho ou
decorrentes de acidentes de trabalho131;
(ii) Com garantia real;
(iii) Quirografários, com privilégio especial ou geral e
subordinados.
Assim, apresentada alguma objeção ao plano de
recuperação da sociedade devedora, o juiz deverá convocar a Assembléia-Geral de
credores, mediante a publicação de edital no órgão oficial e em jornais de grande
circulação nas localidades da sede e filiais, de acordo com os requisitos do artigo 36
da LFRE.
Convocada a Assembléia-Geral, esta será, em regra,
presidida pelo administrador judicial e instalar-se-á em 1ª convocação caso conte
com a presença de credores titulares de mais da metade dos créditos de cada
classe, de acordo com o seu valor. Do contrário, instalar-se-á em 2ª convocação
independentemente do número de credores presentes.
Regra geral, o voto do credor será proporcional ao valor
do seu crédito, sendo “aprovada a proposta que obtiver a votos favoráveis que
represente a mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembléia-
131
Note-se que o art. 37, § 5o da Nova Lei de Falências permite a representação dos credores
trabalhistas pelo sindicato, o que, segundo o professor Paulo Penalva Santos, viabiliza a realização da
assembléia geral em sociedades com muitos empregados, conforme manifestado na referida palestra
proferida na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em 07 de março de 2005.
Recuperação de Empresas
103
geral”132. Mas para a aprovação do plano de recuperação, o artigo 45 da LFRE
impõe um quórum de deliberação qualificado.
Assim, o plano de recuperação deverá ser aprovado na
Assembléia-Geral pelas três classes de credores, individualmente, que a compõem:
(i) Classe dos trabalhadores e equiparados – votação em turno único
sem levar em consideração o valor dos créditos, na medida em que
cada trabalhador terá direito a um voto. É o chamado “voto por
cabeça”;
(ii) Classe dos credores com garantia real – a votação ocorre em dois
turnos. No 1º, considera-se aprovada a proposta quando apoiada por
credores que representem mais da metade do valor total dos créditos
devidos àquela classe. No 2º, a votação de dá por cabeça nos moldes
já mencionados para a classe um;
(iii) Classe dos demais credores – idem (ii).
Note-se que o credor cujo direito não for atingido pelo
plano de recuperação, muito embora possa participar da assembléia, “não terá
direito a voto e não será considerado para fins de verificação de quórum de
deliberação”133.
3.6.2. SISTEMA DO CRAW DOWN
Hipótese que merece maior atenção é a possibilidade
de o juiz aprovar o plano de recuperação, mesmo quando este for rejeitado pela
Assembléia-Geral de credores. Isto ocorrerá quando embora não alcançado o
quórum qualificado de deliberação, o plano tenha contado com substancial apoio
dos credores, na forma prevista nos incisos do §1º do artigo 58 da LFRE. Vejamos
os requisitos:
(i) Que o plano tenha sido aprovado pelos credores que representem a
maioria do valor dos créditos presentes na assembléia;
(ii) Caso sejam três classes de credores, que ao menos duas tenham
aprovado o plano, e na hipótese de existirem apenas duas classes,
que uma o tenha aprovado;
(iv) Aprovação de mais de 1/3 dos credores da classe onde o quórum não
foi atingido;
(v) Inexistência de tratamento diferenciado entre os credores que
compõe a classe onde o quórum não foi atingido.
132
Artigo 42 da LFRE.
133 Art. 45, § 3
o da Lei 11.101/2005.
Recuperação de Empresas
104
3.7. REQUISITOS PARA A HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL:
LIMITAÇÕES AO PODER DO JUIZ
Nos termos do artigo 58 da LFRE, o juiz concederá a
recuperação se preenchidos todos os requisitos legais do plano que não tenha
sofrido qualquer objeção ou quando este tenha sido aprovado pela Assembléia-
Geral de credores, na forma do artigo 45 da LFRE.
Merece destaque aqui a exigência legal contida no
artigo 57 da LFRE, ou seja, a apresentação da certidão negativa de débitos (CND)
como requisito à homologação do plano. Discute-se aqui se o juiz poderá conceder
a recuperação judicial diante da não apresentação da certidão de regularidade
fiscal.
Embora exista posição na doutrina exigindo a CND para
concessão da recuperação134, a questão está longe de ser pacífica. A lei autoriza a
homologação do plano mediante a apresentação da certidão positiva, desde que ela
tenha efeitos negativos. Estas, contudo, só podem ser expedidas se as dívidas
tributárias estiverem com a exigibilidade suspensa, na forma do artigo 151 do CTN.
Por seu turno, a principal causa de suspensão da exigibilidade do crédito tributário
é o parcelamento, mas os prazos atuais mostram-se insuficientes para atender às
necessidades das empresas em crise, conquanto o principal projeto de lei em
tramitação no Congresso Nacional pouco acrescente às esperanças do mercado. Por
todos os lados, então, infeliz a exigência prevista na LFRE, ratificada no artigo 191-
A do CTN.
Nos casos Varig135 e Parmalat136, mesmo diante da
ausência de CND, foi concedida a recuperação.
Registre-se que há um projeto de lei em tramitação no
Congresso Nacional revogando o artigo 57 da Lei nº 11.101/2005 e,
conseqüentemente, derrogando o artigo 191-A do CTN, apresentado pelo Deputado
Jorge Boeira, afastando essa exigência para homologação do plano de recuperação
judicial aprovado pelos credores.
Por outro lado, apesar do legislador ter suprimido o
parágrafo único do artigo 57 da LFRE, o qual aplicava sanção para a não
apresentação das certidões, o professor Paulo Penalva entende que tal supressão
134
Coelho, Fábio Ulhoa. Op. Cit., pág. 165.
135 TJ/RJ, AI n
o 2006.002.07023. Quarta Câmara Cível. Des. Rel. (P/A) Ana Maria Pereira de Oliveira.
Julgado em 24/10/2006.
136 TJ/SP, AI n
o 438.628-4/0-00, Câmara Especial de falências e Recuperações Judiciais de Direito Privado.
Des. Rel. Pereira Caldas. Julgado em 07/06/2006.
Recuperação de Empresas
105
não impede que o juiz fixe prazo para a apresentação das certidões, sob pena de
aplicação de sanção, inclusive a decretação da falência137.
Indaga-se a partir de agora quais seriam os requisitos
que o juiz deve observar para homologar o plano, poderá ele adentrar no mérito?
Superada esta análise dos requisitos e constatado que estes foram atendidos, o juiz
terá a faculdade de conceder ou não a recuperação? E na hipótese do artigo 58, §
1º, da LFRE?
Quanto ao primeiro questionamento, não há dúvidas de
que o juiz não pode entrar no mérito do plano, mas apenas observar se foram
preenchidos os requisitos formais, bem como se o plano viola questões de ordem
pública138. Assim, o documento de viabilidade econômica que necessariamente deve
ser apresentado pelo requerente da recuperação se destina aos credores, para que
estes deliberem pela aprovação ou não do plano.
Por outro lado, entende-se que uma vez preenchidos os
requisitos da lei, o juiz não possui a faculdade de conceder ou não a recuperação,
mas está vinculado a concedê-la. Admitimos maior grau de discricionariedade
apenas no sistema do craw down, uma vez que o juiz deve verificar se houve
qualquer concessão de privilégio que possa implicar tratamento diferenciado entre
os credores da classe que tenha rejeitado o plano, como previsto no §2º do artigo
58 da LFRE.
Por fim, resta destacar que conforme previsto no artigo
59 da LFRE, uma vez concedida a recuperação, ocorre a novação de todos os
créditos139, mesmo daqueles contrários ao plano. No entanto, caso o plano não seja
cumprido nos dois primeiros anos e a recuperação acabe convertida em falência, o
crédito volta ao seu status a quo. Registre-se, porém, que esta novação se opera
apenas entre o credor e a sociedade em recuperação, restando intactos os direitos
dos credores contra os demais coobrigados, fiadores e avalistas.
Caso rejeitado o plano e não preenchidos os requisitos
do § 1º do artigo 58 da LFRE, o juiz terá que decretar a falência do requerente da
recuperação judicial. Note-se que este é um dos pontos mais criticados da LFRE,
pois o risco de ter decretada a sua falência se rejeitado o plano de recuperação faz
137
Em palestra proferida na Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em 07 de março de
2005.
138 Como exemplo de plano que contemple ofensa à questão de ordem pública seria aquele que
contenha uma previsão de que metade dos funcionários será demitida e a outra cumprirá 65 horas de
trabalho semanais sem pagamento de hora extra.
139 Salvo os credores que estão absolutamente imunes aos efeitos da recuperação: vide item 3.5.5.
supra –artigo 49, §§ 3º e 4º, da LFRE.
Recuperação de Empresas
106
com que as sociedades empresárias só se socorram do instituto da recuperação
judicial quando já estão em grave crise financeira.
3.8. RECURSOS
Com a concessão da recuperação judicial, encerra-se a
fase de deliberação e inicia-se a de execução. Trata-se, portanto, de decisão
interlocutória, pois não encerra o processo, cabendo contra ela o recurso de agravo,
que poderá ser interposto por qualquer credor ou pelo Ministério Público, na forma
do § 2º do artigo 59 da LFRE.
Por sua vez, a decisão que rejeita o plano de
recuperação e, ao mesmo tempo, decreta a falência, também desafia o recurso de
agravo, com fulcro no artigo 100 da LFRE.
Registre-se que em ambos os casos o agravo será por
instrumento, pois se concedida a recuperação e cumprido o plano, não haverá
sentença, então, o agravo retido nunca seria apreciado; por outro lado, no caso de
ser decretada a falência, caso a questão fosse deixada para ser decidida como
preliminar no julgamento da apelação contra a sentença de encerramento da
falência, não mais serial possível desconstituir a execução concursal.
Destaque-se que neste agravo não será discutida
nenhuma questão atinente ao mérito do plano, mas apenas relativa ao
desatendimento das normas legais sobre convocação e instalação da Assembléia ou
quórum de deliberação140.
Caberá, por fim, apelação, quando a sentença não
homologar o plano, mas também não decretar a falência. Seria a hipótese de
desistência do processo homologada pela assembléia de credores.
3.9. RECUPERAÇÃO JUDICIAL DA MICRO E DA PEQUENA EMPRESA: PLANO ESPECIAL
Caso o devedor em crise econômico-financeira seja
microempresa ou empresa de pequeno porte, serão aplicadas regras específicas de
recuperação judicial previstas nos artigos 70 e 71 da LFRE.
De acordo com a Lei Complementar 123/06,
microempresário é aquele que aufere, por ano, receita bruta de até R$ 240.000,00
(duzentos e quarenta e quatro mil reais) e empresário de pequeno porte é o que
aufere receita bruta anual entre este valor e R$ 2.400.000,00 (dois milhões e
quatrocentos mil reais).
140
Coelho, Fabio Ulhoa. Op. Cit. p. 169.
Recuperação de Empresas
107
O professor Fábio Ulhoa Coelho bem salienta a razão da
existência de normas específicas para microempresas e empresas de pequeno
porte:
“De fato, se a crise assola microempresário ou
empresário de pequeno porte, em vista das reduzidas
dimensões das atividades econômicas exploradas, não
se justifica observar a complexa sistemática prevista
pela lei para as sociedades devedoras de médio e
grande porte. Os recursos disponíveis são parcos e
modesto o passivo. Se não houvesse na lei regras
específicas para a reorganização das empresas de
micro e pequeno porte, seguramente quem as explora
não acabaria tendo acesso ao benefício141”.
Assim, o microempresário ou empresário de pequeno
porte poderá apresentar plano especial de recuperação judicial, desde que
manifeste, na petição inicial, sua intenção de fazê-lo. Dessa forma, o devedor
apresenta em juízo pedido de recuperação judicial, expõe as razões de sua crise
econômica e apresenta o plano de recuperação.
O plano especial de recuperação judicial abrangerá
apenas os credores quirografários existentes ao tempo do pedido. Os credores não
atingidos pelo plano, de acordo com o art. 70, § 3o da LFRE, não terão seus créditos
habilitados na recuperação judicial.
O plano especial de recuperação dos microempresários
e empresários de pequeno porte é padronizado, ou seja, seu objeto é restrito, uma
vez que suas condições estão enumeradas nos incisos II, III e IV do art. 71 da
LFRE.
Recebido o plano de recuperação especial, o juízo
determinará a sua publicação no diário oficial, tendo os credores o prazo de 30
(trinta dias) para impugná-lo. No entanto, mesmo havendo impugnações,
preenchidos os requisitos legais, o Juiz o homologará sem a convocação da
assembléia geral.
Uma vez não preenchidos os requisitos legais, o Juiz se
limitará a julgar improcedente o pedido, pois só poderá decretar a falência se mais
da metade dos credores sujeitos ao plano apresentarem impugnação, conforme
determina o parágrafo único do art. 72 da LFRE.
Na opinião do professor Fábio Ulhoa Coelho, a objeção
dos credores somente pode versar sobre “a adequação da proposta à lei142”. Assim,
141
Coelho, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 183.
142 Coelho, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 184.
Recuperação de Empresas
108
sendo esta apresentada, o devedor poderá rever a proposta e, caso não o faça, “o
juiz decidirá o conflito, determinando seu aditamento ou homologando-a143”.
Não partilhamos desse entendimento, pois se o plano
não estiver de acordo com a lei o Juiz, de ofício, deverá rejeitá-la, existindo ou não
objeção de credores. A objeção, sob nossa ótica, se refere à própria viabilidade do
plano de recuperação. É possível que mais da metade dos credores entenda que o
devedor não tem condição alguma de permanecer no mercado, razão pela qual não
se justificaria tamanho sacrifício em favor de uma empresa inviável.
Homologado o plano, suspendem-se a prescrição, as
ações e as execuções dos créditos abrangidos.
Aplicam-se à recuperação judicial dos microempresários
e empresários de pequeno porte as normas gerais estabelecidas para as empresas
de médio e grande porte.
3.9.1. VANTAGENS PARA OS FORNECEDORES
Por fim, como o instituto da recuperação foi criado com
o objetivo de reerguer a sociedade em crise, o artigo 67 da LFRE prevê hipótese
para incentivar os fornecedores de bens ou serviços a continuarem a entregar seus
produtos e prestar seus serviços durante a recuperação.
Assim, todo crédito decorrente do fornecimento de bens
ou serviços durante a recuperação será considerado extraconcursal e o crédito
quirografário decorrente de obrigação anterior à recuperação será elevado à classe
dos créditos com privilégio geral, na proporção dos bens ou serviços fornecidos
durante o período de recuperação144.
Imagine-se a situação em que um fornecedor já tenha
um crédito quirografário no valor de R$ 500,00 e sociedade devedora tenha
deferido o processamento da sua recuperação judicial. Caso este fornecedor
continue a prestar seus serviços e deste fornecimento surja uma crédito no valor de
R$ 200,00, este crédito será considerado extraconcursal (em caso de falência) e
dos R$ 500,00 anteriores à recuperação, R$ 200,00 passarão a condição de crédito
com privilégio geral, enquanto R$ 300,00 continuarão a ser quirografários.
No entanto, esta reclassificação só atingirá os créditos
negociais145, ou seja, a aqueles que dependem da vontade das partes. Assim, os
créditos que decorrem da lei, como os tributários, decorrentes de responsabilidade
143
Idem. p. 184.
144 Artigo 67, § único, da LFRE
145 Neste sentido, Coelho, Fábio Ulhoa. Op. cit. pgs. 179 e 180.
Recuperação de Empresas
109
objetiva e outros, não serão reclassificados mesmo que sejam constituídos durante
a recuperação.
3.10. Conseqüência da Homologação do Plano: Novação.
Diferentemente do que ocorria na época da concordata
preventiva, a homologação do plano de recuperação judicial provoca novação em
relação aos créditos sujeitos ao plano, mesmo que eles não estejam listados no
quadro geral de credores. Essa é a regra prevista no artigo 59 da LFRE.
Dessa forma, se dois credores estão sujeitos ao plano
de recuperação judicial, um deles com o seu crédito habilitado enquanto o outro
não, não importa, homologado o plano ambos deverão receber segundo as regras
previstas no plano, que tem natureza de título executivo judicial.
Registre-se, porém, que se o plano homologado
judicialmente for rescindido ainda durante a fase judicial, ou seja, naqueles dois
anos posteriores à homologação, incide a regra prevista no artigo 61, parágrafo 2º
da LFRE, que prevê a reconstituição de todos os créditos às suas condições
originais. Pontue-se que em breve os tribunais terão que enfrentar o seguinte
dilema: e se a rescisão da rescisão da recuperação judicial ocorrer na fase
extrajudicial? Caminha-se, ao menos no campo doutrinário, para a manutenção das
obrigações assumidas no plano.
Recuperação de Empresas
110
RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS - PARTE II
CASO GERADOR 01 (Trabalho Individual)
GATEWAY INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE MATERIAL ELÉTRICO S/A, após 25 anos de
sua criação, alcançou um lugar de destaque no cenário nacional de fabricação de
componentes elétricos. No entanto, após a abertura do mercado nacional com a
queda de inúmeras barreiras protecionistas, a competitividade ficou muitíssimo
acirrada e a companhia passou a acumular grandes prejuízos nos últimos cinco
anos, pois não estava aparelhada tecnologicamente para competir com as
multinacionais do setor.
Em razão da crise que se instalou, GATEWAY deixou de honrar inúmeros
compromissos, acumulando uma dívida total de R$ 7,3 bilhões, assim divididos: a)
Passivo trabalhista de R$ 900 milhões; b) Passivo tributário de R$ 1,6 bilhão, dos
quais R$ 1 bilhão com a União, R$ 400 milhões com o Estado de Pernambuco e o
restante com a prefeitura de Porto Alegre; c) Passivo de R$ 1,5 bilhão,
representado por cédulas de crédito industrial pignoratícias, em favor de cinco
bancos; d) 300 milhões em crédito hipotecário com o Banco Valor Empresarial S/A;
e) R$ 3 bilhões em dívidas quirografárias, dos quais 50% estavam em moeda
estrangeira.
Diante dessa situação, GATEWAY contratou os serviços de uma conceituada
empresa de consultoria, objetivando montar uma estratégia para salvar a empresa.
Após alguns meses de intenso trabalho, GATEWAY ajuizou recuperação judicial em
12/08/2007, tendo sido deferido o processamento do pedido em 03/09/2007. No
momento oportuno a devedora apresentou seu plano de recuperação, aprovado
pelos credores em 10/02/2008 e homologado pelo Juiz em 28/02/2008. Em
15/01/2009 os administradores da devedora constatam que o plano aprovado não
será suficiente para reestruturar a empresa, razão pela qual propõem significativa
alteração do plano, que passou pelo crivo dos credores em assembléia no dia
02/03/2009, recebendo homologação judicial no dia 04/03/2009.
Diante dessas informações responda:
01) Qual o quórum que deve ser adotado para alteração do plano de
recuperação?
02) Qual a data que deve ser encerrada a fase judicial de cumprimento do
plano?
03) Marcos Lamounier, consumidor que se sentiu prejudicado ao adquirir um
produto da GATEWAY, resolveu ingressar com uma ação indenizatória em
17/09/2008. Indaga-se: qual o juízo competente para julgar esta ação, o
empresarial onde se processa a recuperação ou o cível?
04) Considerando que durante a tramitação do processo o devedor resolveu
alienar algumas obras de arte do seu ativo imobilizado, é necessária
autorização judicial?
Recuperação de Empresas
111
05) Supondo que o plano previa a alienação de dois imóveis para capitalizar o
caixa da empresa, o arrematante responderia pelas dívidas com os IPTU em
atraso? E com as dívidas de condomínio?
06) Poderia o plano prever a alienação de todo o estabelecimento empresarial?
07) Supondo que o plano aprovado previsse a alienação de todo o
estabelecimento industrial, conservando apenas a parte comercial (lojas e
distribuidoras), eventual arrematante responderia pelo passivo trabalhista
da unidade industrial? E os empregados seriam recontratados ou haveria
sucessão nos contratos de trabalho, na forma do artigo 448 da CLT? Qual é
o juízo competente para decidir essa questão?
Recuperação de Empresas
112
4.1. PRAZO DO PLANO
O plano de recuperação se destina ao soerguimento da
sociedade empresária, portanto, o seu prazo de duração dependerá da
complexidade do caso concreto. Dessa forma, o seu prazo de vigência é muito
variado, podendo durar 6, 10, 12 anos. Não há na lei, enfim, limite temporal para a
reestruturação.
No entanto, a LFRE estabelece que nos dois primeiros
anos o cumprimento do plano estará sujeito à fiscalização pelo Juiz, Ministério
Público, Comitê de Credores, Administrador Judicial e etc. E descumprida qualquer
obrigação que se vencer nesta fase judicial da recuperação146, restará ao credor
uma única opção: requerer a convolação da recuperação em falência147.
Isto porque se entende que antes desses dois anos as
medidas previstas no plano ainda não terão produzido os efeitos necessários a
propiciar o re-erguimento da sociedade em recuperação, de modo a viabilizar a
execução específica das obrigações.
4.2. DESCUMPRIMENTO DO PLANO
O descumprimento de obrigação assumida no plano de
recuperação judicial demonstrará que as condições pactuadas pelo empresário com
os seus credores não possibilitaram a recuperação da empresa, que continua
incapaz de honrar com as obrigações assumidas, razão pela qual o juiz decretará de
ofício ou por provocação nos autos da recuperação, a falência da sociedade
empresária.
Após esses dois anos iniciais, estando sendo cumprido
o plano, encerra-se o processo de recuperação por sentença e inicia-se a fase
extrajudicial de cumprimento do plano. Nesta fase, qualquer credor poderá pedir a
execução específica de obrigação descumprida pelo devedor ou requerer a sua
falência148.
4.3. Prorrogação do Prazo de Suspensão das Ações e Execuções
Analisando o artigo 61 da LFRE, percebemos que a fase
judicial da recuperação se encerra uma vez cumpridas as obrigações previstas no
plano que se vencerem dois anos após a decisão que concede a recuperação
judicial.
146
Artigo 61, caput, da LFRE.
147 Artigo 61, § 1º, da LFRE.
148 Artigo 62 da LFRE.
Recuperação de Empresas
113
Ocorre que é possível termos uma situação em que as
obrigações previstas para se vencerem nesses dois anos não sejam cumpridas
dentro desse período por motivo alheio à vontade da sociedade em recuperação.
Esta situação ocorreu no caso Varig, em que muitas obrigações previstas no plano
para se vencer nos dois primeiros anos não foram cumpridas, pois havia milhares
de habilitações de crédito retardatárias e impugnação à relação de credores a
serem julgadas, o que inviabilizou a consolidação do quadro geral de credores.
Dessa forma, levantou-se a questão sobre a possibilidade de prorrogação do prazo
de recuperação por mais de dois anos ou se deveria ser decretada a falência.
O Exmo. Juiz Dr. Luiz Roberto Ayoub, da 1ª Vara
Empresarial, responsável pela condução do processo, entendeu pela prorrogação do
prazo e sua decisão foi alvo de recurso, mas o Tribunal do Estado do Rio de Janeiro,
por meio da Quarta Câmara Cível, manteve a decisão sob os seguintes
fundamentos:
E M E N T A: Agravo Inominado previsto no art. 557 do
CPC. Recurso Instrumental que teve o seu seguimento
negado. VARIG S/A. VIAÇÃO AÉREA RIOGRANDENSE E
OUTRAS. R. Julgado a quo indeferindo o encerramento
da Recuperação Judicial das Agravadas. Douto Juízo a
quo já havia enfatizado que tal pedido seria apreciado
após a realização da Assembléia convocada para o dia
16.07.08. R. Julgado que restou precluso. Aludida
Assembléia que foi suspensa, justificadamente,
inviabilizando o encerramento formulado. Se assim não
o fosse e, pior, ao contrário do sustentado pelas
Agravantes, o artigo 61 da Lei n.° 11.101/05 não
estabelece prazo para o procedimento de recuperação
se findar. Enquanto não cumpridas às obrigações
assumidas no plano de recuperação judicial que se
vencerem até dois anos de sua concessão, o seu
encerramento é inviável. Exegese do caput do artigo 63
da nova Lei de Falências. Interesses dos credores que
não podem ser prejudicados no açodamento em
encerrar o processo de recuperação judicial, que só
pode se ultimar depois da elaboração do quadro geral
de credores. R. Decisão de Primeira Instância proferida
com absoluta judiciosidade e percuciência, com escólio
no novo Instituto da Recuperação Judicial, sendo,
assim, digna de prestígio. Recurso manifestamente
improcedente autoriza a aplicação do caput do art. 557
do CPC., necessário se mostrou a negativa de
seguimento. Negado Provimento149.
149
TJ/RJ, AI. no 2008.002.24542. DES. REINALDO P. ALBERTO FILHO - Julgamento: 02/09/2008 - QUARTA
CAMARA CIVEL.
Recuperação de Empresas
114
4.4. UNIVERSALIDADE E INDIVISIBILIDADE DO JUÍZO DA RECUPERAÇÃO
Questão que vem sendo muito debatida é se também
vigoram para a recuperação os princípios da universalidade e indivisibilidade do
juízo falimentar. Isto porque o artigo 6º prevê a suspensão do curso de todas as
ações e execuções contra o devedor, pelo prazo de 180 dias. Mas uma vez
superado este prazo, o §5º estabelece que as execuções trabalhistas poderão ser
normalmente concluídas, mesmo já estando o crédito inscrito no quadro-geral de
credores.
Em verdade, depois de transcorrido o prazo de 180
dias, as execuções trabalhistas só poderão prosseguir na Vara do Trabalho em duas
hipóteses: (i) o plano não abrange os credores trabalhistas; (ii) o plano ainda não
foi aprovado.
No entanto, em reiteradas decisões o Superior Tribunal
de Justiça vem se manifestando no sentido de que os princípios da universalidade e
indivisibilidade são aplicáveis ao juízo da recuperação150. Ou seja, uma vez
aprovado o plano de recuperação, todos os créditos serão satisfeitos de acordo com
as condições previstas no plano, inclusive o trabalhista. Vejamos a ementa de uma
dessas decisões:
CONFLITO POSITIVO DE COMPETÊNCIA. VASP.
EMPRESA EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO DE
RECUPERAÇÃO APROVADO E HOMOLOGADO.
EXECUÇÃO TRABALHISTA. SUSPENSÃO POR 180 DIAS.
ART. 6º, CAPUT E PARÁGRAFOS DA LEI 11.101/05.
MANUTENÇÃO DA ATIVIDADE ECONÔMICA. FUNÇÃO
SOCIAL DA EMPRESA. INCOMPATIBILIDADE ENTRE O
CUMPRIMENTO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO E A
MANUTENÇÃO DE EXECUÇÕES INDIVIDUAIS.
PRECEDENTE DO CASO VARIG - CC 61.272/RJ.
CONFLITO PARCIALMENTE CONHECIDO.
1. A execução individual trabalhista e a recuperação
judicial apresentam nítida incompatibilidade concreta,
porque uma não pode ser executada sem prejuízo da
outra.
2. A novel legislação busca a preservação da sociedade
empresária e a manutenção da atividade econômica,
em benefício da função social da empresa.
3. A aparente clareza do art. 6º, §§ 4º e 5º, da Lei
11.101/05 esconde uma questão de ordem prática: a
150
CC 90504 / SP, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Segunda Seção, Publicado no DJ de
01.07.2008; CC 73.380/SP, Relator Ministro Hélio Quaglia Barbosa, Segunda Seção, publicado no DJ de
21.11.2008; e CC 88.661/ SP, Relator Ministro Fernando Gonçalves, Segunda Seção, publicado no DJ de
03.06.2008.
Recuperação de Empresas
115
incompatibilidade entre as várias execuções individuais
e o cumprimento do plano de recuperação.
4. "A Lei nº 11.101, de 2005, não terá operacionalidade
alguma se sua aplicação puder ser partilhada por juízes
de direito e por juízes do trabalho." (CC 61.272/RJ,
Segunda Seção, Rel. Min. Ari Pargendler, DJ de
25.06.07).
5. Conflito parcialmente conhecido para declarar a
competência do Juízo da 1ª Vara de Falências e
Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo.
(CC 73.380/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA
BARBOSA, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/11/2007,
DJ 21/11/2008).
Note-se, porém, que o STJ não faz a distinção entre
universalidade e indivisibilidade. De fato, vigora na recuperação judicial o princípio
da universalidade, devendo todos os credores habilitar seu crédito e tê-los satisfeito
segundo o plano de recuperação, mas não seria aplicável a indivisibilidade. Assim,
uma ação por responsabilidade civil contra a sociedade em recuperação não deve
ser ajuizada no juízo onde se processa a recuperação e sim no juízo competente
segundo as normas comuns151.
Finalmente, merecem registros duas decisões se
reportando à indivisibilidade do juízo da recuperação judicial, pelo menos no que
concerne às questões que cercam o cumprimento do plano. Assim, conferir o
julgamento do Conflito de Competência no 70631 pelo Superior Tribunal de Justiça e
do Mandado de Segurança no 8904 pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região.
4.5. OS PODERES DO JUIZ: AFASTAMENTO DOS ADMINISTRADORES E DO CONTROLADOR
Nos termos do artigo 64 da LFRE, não restam dúvidas
de que, em regra, o devedor e seus administradores são mantidos na condução da
atividade empresarial, sob a fiscalização do Comitê e do administrador judicial.
No entanto, se restar constatado que a manutenção
destes na administração é prejudicial à recuperação da sociedade, como nas
hipóteses previstas nos incisos do artigo 64 da LFRE, o juiz poderá afastá-los,
mediante a sua destituição dos cargos, devendo ser convocada uma Assembléia-
Geral para nomeação do gestor judicial. Tal situação ocorreu no processo de
recuperação da Varig, tanto em relação à controladora Fundação Ruben Berta,
como também em relação aos membros da administração.
151
Neste sentido, artigo 6º, § 1º, da LFRE: “Terá prosseguimento no juízo no qual estiver se processando
a ação que demandar quantia ilíquida”. A regra prevista no artigo 76 é restrita aos processos de falência.
Recuperação de Empresas
116
No que se refere ao acionista controlador, este será
afastado nas mesmas hipóteses previstas para os administradores, mas mediante a
suspensão do seu direito de voto na Assembléia-Geral de credores.
4.6. ALTERAÇÕES DO PLANO
Como visto, o plano de recuperação pode ter um prazo
de duração bastante longo, então, podem ocorrer alterações consideráveis na
condição econômico-financeira do devedor, até por conseqüência de crises
financeiras globais como a que estamos vivenciando, dentre outras circunstâncias.
Nesses casos, é possível e até aconselhável introduzir alterações no plano em
execução.
Mas para introduzir estas alterações deve ser seguido o
mesmo procedimento adotado para a aprovação do plano, ou seja, a retificação
será submetida à Assembléia de Credores com o já mencionado quórum qualificado
e depois levado à homologação pelo juiz, que deverá verificar se foram preenchidos
os requisitos legais.
Na hipótese de o juiz homologar a retificação ao plano
sem que seja observado este procedimento, desta decisão caberá agravo de
instrumento. A única diferença é que na hipótese da assembléia não aprovar a
modificação, não se decretará a falência e o plano anterior continuará a ser
executado.
Por derradeiro, existe grande discussão doutrinária e
jurisprudencial sobre as conseqüências de modificação do plano no que concerne ao
tempo de duração do processo. Como visto, a fase judicial de cumprimento do
plano é de dois anos após a sua homologação. Em caso de alteração substancial do
plano esse prazo contar-se-á novamente? Submetemos o tema à discussão, mas
adiantamos nossa posição contrária.
4.7. OS PODERES DO ADMINISTRADOR JUDICIAL
O administrador judicial, de acordo com o art. 21 da
Nova Lei de Falências, deve ser “pessoa idônea, preferencialmente advogado,
economista, administrador de empresas ou contador, ou pessoa jurídica
especializada152”.
Segundo o professor Fábio Ulhoa Coelho, as funções do
administrador judicial na recuperação judicial variam conforme exista ou não o
Comitê e conforme tenha sido ou não decretado o afastamento dos administradores
da sociedade empresária em recuperação.153
152
Art. 21, caput da LFRE.
153 Idem. p. 64.
Recuperação de Empresas
117
Se existir Comitê instaurado, caberá ao administrador
judicial a verificação dos créditos, a presidência da Assembléia dos Credores e a
fiscalização do devedor. Caso não tenha sido instituído o Comitê, o administrador
também exercerá a competência atribuída por lei a este órgão154.
Apenas na hipótese de o juiz ter afastado os
administradores do devedor, o administrador judicial irá assumir a administração da
sociedade empresária e representá-la enquanto a Assembléia-Geral de Credores
não deliberar sobre a escolha do gestor judicial155.
4.8. OS PODERES DO COMITÊ
Aprovado o plano, a Assembléia Geral poderá indicar
membros do Comitê de Credores, o qual terá as atribuições previstas no artigo 27
da LFRE.
Na recuperação judicial, a principal competência do
Comitê é fiscalizar a atuação do administrador judicial e do devedor, devendo
mensalmente elaborar um relatório e encaminhá-lo ao juiz.
Caso constate qualquer fato que considere irregular, no
exercício de sua atividade fiscal, deverá, mediante prévia aprovação pela maioria
dos seus membros, encaminhar ao juiz um requerimento solicitando a adoção das
medidas que considerar pertinentes. Também caberá ao Comitê analisar as
reclamações contra a devedora e após investigados os fatos apontados nesta,
deverá elaborar um parecer conclusivo e encaminhá-lo ao juiz.
Além desta função, o Comitê poderá ainda elaborar
plano alternativo ao apresentado pelo devedor, que se submeterá ao procedimento
geral dos planos de recuperação apresentados, ou seja, se submeterá à aprovação
do Assembléia-Geral de credores.
Por fim, caberá ainda ao Comitê, caso afastada a
administração da sociedade em recuperação, cuidar das alienações de bens do ativo
permanente e dos endividamentos necessários à continuação da atividade
empresarial até a aprovação do plano. Nesta hipótese, as medidas administrativas
adotas estão sujeitas à autorização do juiz.
4.9. OS PODERES DA ASSEMBLÉIA GERAL
A Assembléia-Geral de credores é um órgão de
altíssima importância na recuperação judicial, que só pode ser dispensado na
recuperação das microempresas ou empresas de pequeno porte. Suas atribuições
154
Idem. p. 64.
155 Artigo 65, § 1º, da LFRE.
Recuperação de Empresas
118
se referem às questões mais relevantes do processo, estando intimamente
relacionadas às matérias que possam afetar os interesses dos credores, como
previsto nas alíneas do inciso I do artigo 35 da LFRE.
Assim, cabe à Assembléia Geral credores (i) a
aprovação do plano de recuperação, caso tenha ocorrido alguma oposição quanto a
este; (ii) deliberar sobre a constituição do Comitê de Credores, a escolha de seus
membros e a sua substituição; (iii) nomear o gestor judicial, na hipótese da
administração da sociedade em recuperação ser afastada; e (iv) deliberar sobre o
pedido de desistência da recuperação apresentado pelo devedor após o deferimento
do processamento da recuperação.
4.10. CONVOLAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL EM FALÊNCIA
A possibilidade de convolação da recuperação judicial
em falência encontra previsão no art. 73 da Nova Lei de Falências. De acordo com o
referido dispositivo legal, ocorrerá a convolação nas seguintes hipóteses:
a) Deliberação da assembléia geral de credores, pelo voto favorável de
credores que representem mais da metade do valor total dos créditos
presentes à assembléia-geral (art. 73, I c/c art. 42 da NFRE);
b) Não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo
improrrogável de sessenta dias, contados do despacho de processamento
(art. 73, II c/c art. 53, caput da LFRE);
c) Rejeição do plano de recuperação pela assembléia-geral de credores (art.
73, III c/c art. 56, § 4o da LFRE);
d) Descumprimento de obrigações assumidas no plano, durante o período de
recuperação, que poderá chegar a dois anos a partir da sua concessão. Para
o professor Fábio Ulhoa Coelho, existe, em toda recuperação judicial, uma
“cláusula resolutiva tácita”156 para as hipóteses de inadimplemento de
obrigações nesse período.
Por fim, cumpre destacar que o parágrafo único do art.
73 da LFRE acrescenta que será possível a decretação da falência “por
inadimplemento de obrigação não sujeita à recuperação judicial, nos termos dos
incisos I ou II do caput do art. 94 desta Lei, ou por prática de ato previsto no art.
94, III”157.
156
Coelho, Fábio Ulhoa. Op.. cit. p. 188.
157 Art. 94, parágrafo único, da LFRE
Recuperação de Empresas
119
4.11. A VENDA DE BENS NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL
Segundo dispõe o artigo 66 da LFRE, após a
distribuição do pedido de recuperação apenas será possível a alienação ou oneração
de bens ou direitos do ativo permanente da sociedade em recuperação mediante (i)
autorização do juiz, depois de ouvido o Comitê, e (ii) previsão expressa no plano de
recuperação aprovado pela Assembléia-Geral de credores.
Embora não haja qualquer sanção prevista para a
hipótese de inobservância dessa restrição, aplica-se a regra geral, ou seja,
descumprida uma obrigação legal pelo devedor caberá a convolação da recuperação
judicial em falência158.
Registre-se que esta é a única restrição que a
sociedade sofrerá em sua personalidade jurídica, uma vez que concedida a
recuperação esta continuará a ser um sujeito de direito apto a contrair obrigações e
titularizar crédito.
Assim, nas hipóteses em que é possível a alienação, os
bens poderão ser vendidos individualmente, em lotes, em pequenos blocos que
formam as filiais ou unidades produtivas autônomas. Aliás, bastante imprópria a
utilização pelo legislador da expressão “empresa”, no artigo 50 da LFRE, pois na
verdade o que pode ocorrer é a alienação de todo o estabelecimento empresarial159.
Como visto, na falência deve ser prioritariamente
perquirida a venda de todo o estabelecimento empresarial em um único bloco160.
Infrutífera a primeira tentativa, pode-se então buscar a realização do ativo com a
venda de pequenos blocos, desde que isoladamente formem filiais ou centros
produtivos. Mais uma vez não efetivada a alienação, os bens deverão ser divididos
em lotes e, somente em último caso, pode-se recorrer à venda dos bens
isoladamente.
No entanto, esta regra não é aplicável à recuperação,
pois aqui o que se busca é o reerguimento da sociedade em crise e não a sua
alienação para terceiros. Mas esta possibilidade não é afastada, sobretudo em
relação às unidades produtivas autônomas ou filiais, e nesta hipótese também
surge a questão da sucessão do passivo para a sociedade arrematante.
158
Coelho, Fábio Ulhoa. Op. Cit. págs. 177 e 178.
159 Sobre o tema, SZTAJN, Raquel. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência.
Coordenadores: Paulo F. C. Salles de Toledo, Carlos Henrique Abrão. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 376.
160 LFRE, art. 140.
Recuperação de Empresas
120
4.11.1. ALIENAÇÃO DO ESTABELECIMENTO EMPRESARIAL
Conforme demonstrado no item 2.5.2., o artigo 50 da
LFRE prevê vários métodos para recuperação das empresas e dentre eles é possível
que o plano preveja a venda do estabelecimento empresarial.
Caso o plano de recuperação preveja a venda judicial
de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, deverá ser adotado o
procedimento previsto para a realização ordinária do ativo de falidos, na forma
estipulada no artigo 142 da LFRE. Ou seja, a venda será feita obrigatoriamente por
hasta pública.
Nesta matéria, o plano de recuperação estará limitado
a prever qual bem será alienado e poderá estipular um valor mínimo para venda,
mas não será admitida previsão no sentido de permitir a alienação direta a terceiro.
Por fim, parágrafo único do artigo 60 da LFRE prevê
que não haverá a sucessão do arrematante nas obrigações do devedor e que o bem
objeto de alienação estará livre de qualquer ônus.
4.11.1.1. RESPONSABILIDADE DO ADQUIRENTE
Anteriormente, era ínfima a parcela de empresários que
demonstrava interesse em adquirir estabelecimentos de empresas falidas ou em
concordatas. Isso porque, de acordo com as regras do vetusto regime falimentar,
se assim o fizessem, herdariam o pesado passivo trabalhista e tributário. Por
conseqüência, uma vez afugentados os interessados, a empresa, por mais viável
que fosse, estaria fadada ao encerramento definitivo em caso de falência, com séria
violação ao princípio da utilidade dos meios de produção no interesse da sociedade,
gerando mais desemprego e instabilidade no mercado.
Realmente, em condições normais, quando uma
sociedade empresária adquire todo o estabelecimento de outra sociedade, ela
assume toda a respectiva gama de direitos e obrigações. Seja por força do contrato
de trespasse, seja por força de outros métodos de concentração de mercado, como
fusões161 e incorporações162, além da sucessão nos contratos de trabalho em curso
quando ultimada a transferência163, a sociedade adquirente responde por todos os
débitos trabalhistas outrora de responsabilidade da sociedade empresária sucedida.
É o que se infere da leitura da súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho e do
artigo 10 da CLT.
161
LSA, art. 228.
162 LSA, art. 227.
163 CLT, art. 448.
Recuperação de Empresas
121
Relativamente ao passivo tributário, a solução não era
muito diferente, pois o artigo 133 do CTN estabelecia que a pessoa natural ou
jurídica de direito privado que adquirir o estabelecimento empresarial responde
pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, na forma em que
prevista nos incisos do mencionado dispositivo legal.
Tal aquisição ficaria ainda mais arriscada quando da
entrada em vigor do Código Civil de 2002, uma vez que a sucessão do adquirente
não mais se restringiria ao passivo tributário e trabalhista. A partir de então se
estenderia por todo o passivo contabilizado164, tanto nas obrigações vencidas como
vincendas, consoante dispõe o artigo 1.146 do Código Civil.
O arcabouço legislativo, portanto, inviabilizava qualquer
possibilidade de aquisição do estabelecimento empresarial explorado por
sociedades empresárias em dificuldades financeiras. Por mais viável que fosse a
perpetuação do negócio, com a conseqüente preservação dos postos de trabalho e
da atividade empresarial, nenhuma sociedade empresária se interessava em
adquirir o estabelecimento daquela empresa, em virtude do montante das dívidas
que teria que arcar, especialmente tributárias e trabalhistas.
A preocupação do legislador em mudar o sistema,
assim, não era outra senão em salvaguardar uma última possibilidade de preservar
a continuidade dos negócios de empresas viáveis. Tal hipótese só se tornaria
possível com o surgimento de sociedades empresárias interessadas em adquirir
aqueles estabelecimentos das empresas em crise, ou seja, sob falência ou sob o
regime de recuperação judicial. Com efeito, trouxe regras para evitar essa
sucessão, estatuindo que os bens alienados em regime falimentar ou de
recuperação judicial serão livres de quaisquer ônus.
E é pensando nisso que se pode afirmar, sem medo de
errar, de que uma das grandes vedetes da reforma do regime jurídico da
insolvência empresarial é a atrativa ausência de responsabilidade do adquirente
sobre o passivo das empresas absorvidas nos processos de falência e de
recuperação judicial.
Não se pode negar, ademais, a existência de outros
benefícios que a venda da empresa como um todo, ou pelo menos dividida em
164
Defende-se a idéia de que o adquirente também responde pelo passivo não contabilizado, embora
conserve o direito de regresso contra o alienante que o ludibriou no momento da transferência. A
justificativa se pauta no fato de que o contrato é lei apenas entre as partes, no caso, adquirente e
alienante, razão pela qual não pode influir na esfera jurídica de terceiro. Por outro lado, há consenso de
que as dívidas, tanto quanto possível, devem perseguir os bens e não a pessoa. Por fim, pensamento
contrário, certamente daria azo a diversas fraudes, como o conluio entre alienante e adquirente. Desta
forma, a não contabilização do passivo no ato da alienação apenas inverte o direito de regresso
existente entre alienante e adquirente, mas de nenhuma forma pode vir a prejudicar terceiros, na
hipótese, os credores, que sequer participam daquela negociação.
Recuperação de Empresas
122
unidades produtivas, representaria, como a maximização do ativo e a celeridade
processual. A venda da empresa em um único bloco ou dividida em centros
autônomos de produção preserva os bens intangíveis como freguesia, clientela,
título de estabelecimento, enfim, todos aqueles fatores que sempre influenciam
positivamente na quantificação do aviamento e que, portanto, devem ser levados
em conta quando da alienação judicial.
Afirme-se ainda que tal alienação simplifica e agiliza
intensamente o procedimento de realização do ativo, contribuindo sobremaneira
para a celeridade processual, tão almejada atualmente. Quanto mais rápida a
alienação do ativo, menor a depreciação dos bens que o compõem.
Desde logo é oportuno ressaltar, contudo, que de nada
adiantaria a mudança promovida pela LFRE, sem a correlata alteração do Código
Tributário Nacional. Pelo menos aqui o legislador teve o cuidado de zelar pela
coerência do sistema e providenciou a respectiva mudança no artigo 133 do CTN,
através da já comentada Lei Complementar 118, também de 9 de fevereiro de
2005.
Assim, nas alienações de empresas nos processos de
recuperação, a sociedade arrematante é imune ao passivo tributário de qualquer
espécie, em face de expressa previsão do parágrafo único do artigo 60 da LFRE e
da nova redação do artigo 133 do CTN.
Para reforçar a idéia de segurança jurídica, também um
dos pilares do novo ordenamento, se algum dos bens que integram o
estabelecimento empresarial estiver gravado com ônus real, deverá o respectivo
beneficiário ser ouvido antes da alienação, na medida em que a lei exige seu
consentimento para a supressão ou substituição da garantia real. O legislador mais
uma vez demonstrou sua preocupação em tutelar o credor com garantia real,
preservando seu privilégio com objetivo de assegurar a estabilidade jurídica dos
contratos de concessão de crédito. Por conseqüência, não havendo anuência
expressa do titular da garantia real para supressão ou substituição da sua garantia,
perfeitamente aplicável o direito de seqüela.
Por fim, vale citar a título ilustrativo o caso Varig, em
que foi alienada grande parte do seu estabelecimento empresarial, tecnicamente
denominado de Unidade Produtiva Isolada – UPI, compreendendo não só o
complexo de bens móveis e direitos, como também o modelo operacional, as
marcas Varig e Rio Sul, os softwares e os bens e direitos relacionados no programa
de fidelidade, ficando apenas com os bens imóveis, com um centro de treinamento
de tripulantes e com o modelo operacional e a marca Nordeste, posteriormente
alterada para Flex.
A arrematante, que hoje já opera normalmente sob a
designação de “NOVA VARIG” e é formada pela conhecida VARIG LOGISTA S/A e
por investidores nacionais e estrangeiros, ofereceu como preço a quantia de R$
277.000.000,00 (duzentos e setenta e sete milhões de reais).
Recuperação de Empresas
123
No entanto, tal operação só se tornou viável em virtude
da nova regulamentação, na medida em que o passivo tributário e trabalhista165
das companhias recuperandas é de vários bilhões de reais e a possibilidade de
sucessão do arrematante nessas obrigações afugentaria qualquer investidor
interessado em adquirir a UPI.
Nesse contexto, a proposta de aquisição consignou
expressamente que a arrematante não se responsabilizaria por qualquer obrigação
tributária, trabalhista ou de outras de qualquer natureza, salvo aquelas
excepcionadas na própria proposta, dentre as quais as decorrentes dos
arrendamentos de aeronaves e de passagens aéreas já negociadas.
Em face da blindagem contra o passivo, foi possível
compatibilizar os interesses privados dos credores, que aprovaram toda a operação
por meio de uma votação expressiva166, com o interesse público da preservação da
empresa. Assim se afirma porque a empresa continua em atividade, vários
funcionários foram recontratados e foi possível manter a competitividade no setor
aéreo, sem a indesejada concentração de mercado nas mãos de um número ainda
mais reduzido de companhias aéreas, resguardando-se, assim, os interesses dos
consumidores.
4.11.1.2. O PROBLEMA DA SUCESSÃO TRABALHISTA
Numa primeira análise, pode parecer que não haja
diferença alguma em relação à disciplina das alienações de empresas nos processos
de falência e recuperação. Porém, questão de suma importância e que está em
franca ebulição envolve o passivo trabalhista e acidentário, assim como os
contratos de trabalho em vigor.
Sobre a matéria, no caso Varig, houve divergência
entre o juízo trabalhista e o empresarial. Para o primeiro, tendo em vista que a CLT
é lei especial e que o artigo 60 da LFRE e seu parágrafo único em nenhum
momento fazem referência expressa a não sucessão do passivo trabalhista ou
sucessão dos contratos de trabalho, não existiria outro caminho senão o de se
reconhecer a plena eficácia dos artigos 10 e 448 da CLT, bem assim da súmula 331
do TST.
165
No que se refere à sucessão trabalhista ou acidentária, ressalte-se que a alteração do plano de
recuperação, permitindo a alienação da UPI sem sucessão trabalhista, foi aprovado por 100% desses
credores.
166 Considerando o valor total dos créditos, 95% dos credores aprovaram a operação. Levando em conta
o número dos credores, 99,6% aceitaram a operação.
Recuperação de Empresas
124
Mas para juízo empresarial, não há que se falar em
sucessão trabalhista, uma vez que a omissão do artigo 60 da LFRE não teria sido
eloqüente. Ou seja, ao citar a não sucessão tributária, o legislador buscava apenas
mencionar um exemplo e não estabelecer um rol taxativo.
Adotando uma posição mais moderada, estendemos
que o silêncio do artigo 60 da LFRE é sim eloqüente167. Assim, via de regra, além
da continuidade das relações de emprego, a sociedade arrematante poderá ser
responsabilizada pelo passivo trabalhista das unidades adquiridas.
Tal regra, contudo, pode ser excepcionada, porque sob
nossa ótica o plano de recuperação pode estipular um tratamento especial à
questão, hipótese em que, se aprovado, deve ser rigorosamente respeitado,
mesmo porque passa necessariamente pelo crivo dos credores trabalhistas,
reunidos em assembléia e com o sistema de voto “por cabeça”. Em resumo,
defendemos que se o plano prevê a venda de unidades produtivas isoladas,
ressaltando expressamente que o adquirente não responderá pelas dívidas
trabalhistas e os empregados serão recontratados por meio de novos contratos, se
aprovado o plano, tal regra deverá ser respeitada. Não se diga que os direitos
trabalhistas são irrenunciáveis, pois quando reunidos em assembléia e
assessorados por advogados e sindicatos, podem sim renunciar a alguns direitos
em prol da preservação de outros, sobretudo mais importantes, como o da
preservação da empresa.
4.11.1.3. COMPETÊNCIA PARA DECIDIR SOBRE A SUCESSÃO
Assim como tratado no capítulo de falência, a
competência para decidir sobre a sucessão é do Juízo Empresarial. Ademais, atento
à possibilidade de fraude, o legislador consignou que a inexistência de sucessão
seria imediatamente afastada quando constatada a tentativa de fraude,
consignando que tal regra não se aplicaria nas hipóteses previstas nos incisos do §
1º do artigo 141 da LFRE. Embora a previsão esteja no capítulo relativo à falência,
entende-se que são aplicáveis também à recuperação.
4.12. RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Na recuperação extrajudicial, o devedor em crise
econômico-financeira reúne-se com algum(s) de seu(s) credor(es) ou com todos
eles e celebra acordo, que será homologado em juízo.
Esse acordo até poderia ser discutido e aprovado numa
única reunião com todos os credores envolvidos. Entretanto, na prática, o devedor
formula um plano de pagamento e reestruturação, levando-o a cada credor
individualmente, colhendo as respectivas assinaturas nos termos de adesão.
167
Tanto é assim que houve uma proposta de emenda à LFRE que buscava inserir o crédito trabalhista
no artigo 60, mas esta não foi aprovada.
Recuperação de Empresas
125
Somente depois de procurar todos os credores a alcançar o número de adesões
necessário para aprovação, leva-o para homologação judicial.
Depreende-se das normas que regulam o novo
instituto, que existem dois tipos de acordos que podem ser objeto de homologação:
(i) Que envolve apenas os credores que a ele
aderiram;
(ii) Que abrange todos os credores, desde que
aceito por 3/5 de cada classe ou grupo de
credores.
O artigo 167 da LFRE indica que será possível qualquer
espécie de acordo entre credor e devedor, ao prever que o disposto no capítulo
atinente à recuperação extrajudicial não implicará a “impossibilidade de realização
de outras modalidades de acordos privados entre o devedor e seus credores”.
Dessa forma, além do acordo celebrado e homologado nos termos da Lei
11.101/05, o devedor poderá celebrar acordos paralelos com alguns credores.
4.12.1. Requisitos
O ART. 161 DA LFRE REMETE O INTÉRPRETE PARA AO ART. 48 DESTE DIPLOMA, INDICANDO, COM
ISSO, REQUISITOS QUE DEVEM SER PREENCHIDOS PELO DEVEDOR QUE PRETENDE “PROPOR E
NEGOCIAR COM CREDORES PLANO DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL”. ASSIM, NÃO TEM DIREITO AO
INSTITUTO O DEVEDOR QUE:
a) Estiver atuando regularmente no mercado há menos de dois anos;
b) For falido. Note-se que esse requisito se refere à falência decretada, assim,
o protesto de títulos e a existência de requerimento de falência não afastam
a possibilidade de recuperação;
c) Obteve Recuperação Judicial há menos de cinco anos;
d) Sendo micro ou pequeno empresário, obteve recuperação pelo plano
especial há menos de oito anos;
e) Tiver como administrador ou controlador pessoa condenada por crime
falimentar;
Acrescente-se, ainda, como requisito subjetivo, o fato
de o devedor não poder ter pendente pedido de recuperação judicial, ou ter obtido
“recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial
há menos de 2 (dois) anos”.168
Por sua vez, os requisitos objetivos necessários à
homologação do plano de recuperação extrajudicial referem-se ao conteúdo do
plano e se encontram dispersos no capítulo da LFRE atinente à Recuperação
Extrajudicial.
168
Art. 161, § 3o da LFRE.
Recuperação de Empresas
126
Os dois primeiros requisitos objetivos têm previsão no
§ 2o do art. 161 da LFRE: (i) o plano não poderá prever o pagamento antecipado de
dívidas, nem (ii) contemplar tratamento desfavorável aos credores que ao plano
não estejam sujeitos.
O professor Fábio Ulhoa Coelho afirma que os requisitos
subjetivos exigidos pelo art. 161 somente serão necessários para a homologação do
plano em juízo, ou seja, qualquer devedor pode “simplesmente procurar seus
credores e tentar encontrar, em conjunto com eles, uma saída negociada para a
crise”169.
Outro requisito objetivo diz respeito aos credores com
garantia real. Conforme dispõe o art. 163, §4o da LFRE, o plano de recuperação
somente poderá prever a alienação de bem objeto de garantia real, a supressão de
garantia ou a sua substituição, se houver aquiescência expressa do credor
garantido.
Por fim, o último requisito trata das hipóteses em que o
plano abrange créditos em moeda estrangeira. Prevê o art. 163, § 5o da LFRE que o
credor de crédito em moeda estrangeira deve aprovar plano que afaste a variação
cambial.
4.12.2. CREDORES SUJEITOS
De acordo com o artigo 163, §1o, in fine, da LFRE, o
plano de recuperação somente poderá abranger titulares de créditos já constituídos
à data do pedido de homologação.
Poderão ser atingidos pelo plano os credores com
garantia real, com privilégio especial e geral, quirografários e subordinados.
4.12.3. CREDORES NÃO SUJEITOS
Existem credores que, por determinação legal, não
podem participar do plano de recuperação extrajudicial, ou seja, não terão seus
créditos atingidos pela recuperação.
De acordo com o §1o do art. 161 da LFRE, não serão
atingidos pela recuperação extrajudicial os “titulares de créditos de natureza
tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de
trabalho, assim como aqueles previstos nos arts. 49, §3o, e 86, inciso II do caput,
desta Lei”.
A razão de o credor tributário estar excluído do regime
de recuperação encontra-se no fato de ser tal categoria de crédito disciplinada por
169
COELHO, Fábio Ulhoa. Op. Cit. p. 392.
Recuperação de Empresas
127
normas de direito público, somente podendo ser concedida remissão, conforme
bem salienta o professor Fábio Ulhoa, mediante lei170.
Ao contrário dos titulares de crédito tributário, os
credores identificados no art. 49, § 3o da LFRE, segundo nossa ótica, não estão
impossibilitados de renegociar seus créditos por meio da recuperação extrajudicial.
Entretanto, não será possível, em hipótese alguma, que a homologação de
recuperação extrajudicial atinja seus créditos de forma compulsória. Incluem-se, no
rol do artigo 49, § 3o da LFRE, o proprietário fiduciário, o arrendador mercantil, o
vendedor ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável e o vendedor
titular de reserva de domínio.
Por fim, de acordo com o art. 86, inciso II da LFRE,
também não se sujeitarão aos efeitos da recuperação extrajudicial a instituição
financeira credora por adiantamento ao exportador.
4.12.4. Procedimento Para Homologação do Plano Aprovado Pelos
Credores
EM NOSSA OPINIÃO, EM REGRA, O VERDADEIRO PLANO DE RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL DEVE SER
LEVADO À HOMOLOGAÇÃO JUDICIAL, MUITO EMBORA NÃO PODEMOS DEIXAR DE CONSIGNAR
RESPEITÁVEL ENTENDIMENTO QUE SUSTENTA NÃO SER OBRIGATÓRIA A FASE JUDICIAL QUANDO O
PLANO SÓ ATINGIR OS CREDORES ANUENTES.
De toda sorte, dependendo da sua abrangência, o
conteúdo da petição inicial do pedido de homologação e os documentos que devem
instruí-la variam.
Se o plano abranger apenas os credores anuentes, a
petição inicial deve conter apenas a justificativa para a concessão do benefício
àquela sociedade empresária requerente, o plano em si e os termos de adesão ou a
ata da reunião em que o plano foi aprovado, conforme artigo 162 da LFRE.
De outro lado, se o devedor pretende estender os
efeitos do plano aos credores não anuentes, por força da decisão da ampla maioria
(3/5), há um rigor maior. Conforme salienta o professor Fábio Ulhoa Coelho, “com
a homologação judicial do plano de recuperação extrajudicial, estendem-se os
efeitos do plano aos minoritários nele referidos, suprindo-se desse modo a
necessidade de sua adesão voluntária171”.
De início, a petição inicial deve mencionar quais as
classes ou grupos de credores que pretende atingir. Como se sabe, legalmente os
credores estão divididos em classes conforme seus privilégios e elas estão previstas
170
Idem. p. 394.
171 Idem. p. 400.
Recuperação de Empresas
128
nos incisos do artigo 83 da LFRE. A petição inicial deve mencionar claramente quais
as classes ou grupos de credores que pretende atingir, dividindo-os entre credores
aderentes e não aderentes, assim como os registros contábeis das respectivas
operações, a fim de que o juiz possa verificar se o quórum foi efetivamente
atingido.
Como alinhavado, a lei também permite que os
credores sejam divididos em grupos de credores de mesma natureza e sujeitos a
semelhantes condições de pagamento. Aqui nos deparamos com um grande
problema, pois o legislador não definiu o que é “mesma natureza” e muito menos
“semelhantes condições de pagamento”.
O bom exemplo de grupo fornecido pela doutrina seria
o de fornecedores. Outrossim sabemos que muitos fornecedores têm garantias
reais, enquanto outros são quirografários. Alguns créditos já estão vencidos, outros
a vencer em curto prazo e alguns a médio ou longo prazo. Na prática é realmente
bem difícil individualizar grupo e, pior, a omissão ou inclusão indevida de algum
credor pode influenciar decisivamente na apuração do quórum.
ULTRAPASSADO ESSE PONTO, O DEVEDOR DEVERÁ EXPOR SUA SITUAÇÃO PATRIMONIAL COM
DETALHES, ALÉM DE INSTRUIR O PEDIDO COM A ÚLTIMA DEMONSTRAÇÃO CONTÁBIL E UM BALANÇO
ESPECIAL LEVANTADO NA ÉPOCA DO PEDIDO. TAMBÉM DEVERÁ APRESENTAR A RELAÇÃO COMPLETA
DOS SEUS CREDORES, INDICANDO O ENDEREÇO DE CADA UM, A NATUREZA, A CLASSIFICAÇÃO, O
VALOR E A ORIGEM DE CADA CRÉDITO, ASSIM COMO OS REGISTROS CONTÁBEIS RESPECTIVOS.
O PROCEDIMENTO EM SI É IDÊNTICO, ISTO É, ESTEJA OU O PLANO SE ESTENDENDO AOS CREDORES
NÃO ADERENTES. DESSA FORMA, RECEBIDA A PEIÇÃO INICIAL, SERÁ PUBLICADO UM EDITAL NO
DIÁRIO OFICIAL E EM JORNAL DE GRANDE CIRCULAÇÃO CONVOCANDO OS CREDORES PARA
IMPUGNAREM O PEDIDO NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. NO MESMO PRAZO O DEVEDOR DEVERÁ
COMPROVAR QUE ENVIOU CARTA REGISTRADA PARA SEUS CREDORES SUJEITOS AO PLANO,
NOTIFICANDO-OS DA AÇÃO, DAS CONDIÇÕES DO PLANO E DO PRAZO PARA IMPUGNAÇÃO.
4.12.5. Impugnação ao Pedido
Segundo o parágrafo 3º do artigo 164 da LFRE, os
credores só podem se opor ao pedido alegando:
“I – não preenchimento do percentual mínimo previsto no caput do art. 163 desta
Lei;
II – prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94 ou do art. 130
desta Lei, ou descumprimento de requisito previsto nesta Lei;
III – descumprimento de qualquer outra exigência legal”.
Apesar da limitação legal, na prática, temos visto várias
impugnações com fundamentos diversos dos previstos no citado dispositivo legal,
mas que se mostraram pertinentes. Imaginemos um credor sujeito ao plano, titular
de um crédito no valor de R$ 700.000,00 (setecentos mil reais), listado pelo
devedor como credor de apenas R$ 620.000,00 (seiscentos e vinte mil reais). Tal
Recuperação de Empresas
129
diferença pode influenciar até mesmo na aferição do quórum, especialmente se não
for um caso isolado. O problema pode ser ainda maior quando a divergência não for
apenas quanto aos valores, mas se estender à natureza dos créditos e suas
garantias. Se o problema for endêmico, ou seja, não se referir a um caso isolado,
defendemos a rejeição do plano por interpretação ampliativa do artigo 164,
parágrafo 6º da LFRE.
Outro ponto não imaginado pelo legislador é a
possibilidade do plano conter injustiças, como tratamentos desfavoráveis a certos
credores.
Apresentada impugnação, que deverá ser processada
nos autos principais, o devedor terá o prazo de (5) cinco dias para se manifestar.
Não há previsão de audiência ou de diligência probatória, assim como manifestação
do Ministério Público. Apesar disso, a manifestação do Ministério Público tem sido
considerada obrigatória e, dependendo do caso, até mesmo uma audiência ou uma
providência probatória não podem ser definitivamente descartadas.
4.12.6. DECISÃO HOMOLOGATÓRIA: LIMITAÇÃO AOS PODERES DO JUIZ E RECURSOS
Uma vez conclusos os autos para sentença, o juiz não
homologará o plano se ficar provado que ele praticou qualquer ato fraudulento em
prejuízo para os credores ou ato de falência. Também não homologará o plano se
não for atingido o quórum de 3/5 dos credores sujeitos ao plano ou se ficar
comprovado qualquer irregularidade que recomende sua rejeição, consoante artigo
164, parágrafo 5º da LFRE.
Preocupa-nos, apenas, a última parte do dispositivo
legal. Trata-se de uma expressão extremamente subjetiva, cujo manuseio deve ser
observado de perto. Acreditamos que a expressão “irregularidade que recomende a
sua rejeição” deve ser interpretada de acordo com as demais causas legais de
rejeição.
Da sentença, em qualquer hipótese, caberá apelação
sem efeito suspensivo172.
Caso o pedido seja indeferido, não há impedimento
para nova apresentação do pedido, desde que afastado o motivo que levou à
denegação do pedido173.
Registre-se, ainda, que, nos termos do art. 161, § 5o,
da LFRE, “após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão
desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais
172
Art. 164, § 8º, da LFRE.
173 Coelho, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 402.
Recuperação de Empresas
130
signatários”. De acordo com o professor Fábio Ulhoa Coelho, “a anuência do
devedor e de todos os credores é condição para existência, validade e eficácia do
arrependimento porque o plano de recuperação deve sempre ser considerado em
sua integralidade174”. Acrescenta, ainda, que não se pode fazer uma interpretação a
contrario sensu do art. 161, § 5o da LFRE, de modo a sustentar que até a
distribuição da homologação do plano qualquer credor pode desistir,
unilateralmente, de sua adesão175.
Por fim, o artigo 165 da LFRE estabelece que “o plano
de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial”.
Contudo, é possível que o plano disponha de forma diversa, estabelecendo a
produção de efeitos imediatos “em relação à modificação do valor ou da forma de
pagamento dos credores signatários”176. Nesta hipótese, caso o juízo a que for
submetido o plano para homologação o rejeite, os credores poderão exigir seus
créditos nas condições originais, deduzindo-se os valores já pagos.
O cumprimento do plano deve ser acompanhado pelos
credores, não havendo supervisão do juiz ou do membro do Ministério Público.
Entretanto, se o plano envolver a venda de unidades produtivas ou de filiais, o juiz
que homologar o pedido determinará imediatamente a venda judicial, observado
o artigo 142 da LFRE. Discute-se se a venda, nessa hipótese, será livre e
desembaraçada ou se o arrematante será considerado sucessor do devedor nas
obrigações inerentes ao estabelecimento adquirido. A última parece predominar na
doutrina.
174
Coelho, Fábio Ulhoa. Op. cit. p. 393.
175 Idem. p. 393.
176 Art. 165, § 1
o da LFRE.
MBA: __________________________________________________________________________ Disciplina: ____________________________________________________________________ Docente: ______________________________________________________________________ Período de realização da disciplina: __________________________________________ 1. Portfólio de desempenho acadêmico 1.1 Registre abaixo os principais conceitos (palavras-chave) que dão suporte ao conteúdo desta disciplina: 1.2 Registre abaixo as principais idéias (frases curtas) que formam o conteúdo fundamental desta disciplina: 1.3 Comparando o conteúdo aprendido com a realidade empresarial que você conhece, registre abaixo os principais problemas científicos e/ou empresariais (questões significativas, exatas, curtas) que você percebe:
Digite seu texto aqui
2. Portfólio de desempenho pessoal/profissional Considerando os conteúdos aprendidos e os problemas detectados a partir do estudo destes conteúdos, destaque: 2.1 O que você pode fazer a partir de amanhã para melhorar seu desempenho pessoal/ profissional: 2.2 O que você deve deixar de fazer para melhorar seu desempenho pessoal/ profissional: 2.3 O que existe de rotina no seu cotidiano e que pode ser mudado para aperfeiçoar sua prática profissional: