Reconcavo Primarias
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA FACULDADE DE EDUCAO - FACED
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO - MESTRADO E DOUTORADO LINHA DE PESQUISA: FILOSOFIA E HISTRIA DA EDUCAO - NUFIHE
JOS CARLOS DE ARAUJO SILVA
O RECNCAVO BAIANO E SUAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS (1827 1852): UM ESTUDO DO COTIDIANO ESCOLAR
Salvador
1999
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA - UFBA FACULDADE DE EDUCAO - FACED
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM EDUCAO - MESTRADO E DOUTORADO LINHA DE PESQUISA: FILOSOFIA E HISTRIA DA EDUCAO - NUFIHE
JOS CARLOS DE ARAUJO SILVA
O RECNCAVO BAIANO E SUAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS (1827 1852): UM ESTUDO DO COTIDIANO ESCOLAR
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Educao, Faculdade de Educao, Universidade Federal da Bahia, como requisito parcial para obteno do ttulo de Mestre em Educao.
Orientadora: Prof. Dr. Marli Geralda Teixeira
Salvador
1999
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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JOS CARLOS DE ARAUJO SILVA
O RECNCAVO BAIANO E SUAS ESCOLAS DE PRIMEIRAS LETRAS (1827-
1952): UM ESTUDO DO COTIDIANO ESCOLAR
Dissertao apresentada Ps-Graduao em Educao da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Educao.
Aprovado em 10 de dezembro de 1999
BANCA EXAMINADORA
Prof. Dr. Marli Geralda Teixeira (Orientadora)
Universidade Federal da Bahia UFBA
Prof. Livre Docente Luis Henrique Dias Tavares
Universidade Federal da Bahia UFBA
Prof. Dr. Marta Maria de Arajo
Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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Ao meu irmo Edson (Dinho), que nunca deixou de acreditar em mim, e de quem
tanta falta eu sinto.
Dedicatria
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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De verdade agradeo a todos aqueles que de alguma forma colaboraram com a
realizao deste trabalho:
A minha me Elvira, exemplo de fora e de superao;
Aos meus filhos Caio e Kadidja, os maiores bens que possuo;
A Carlos Jos, pau para toda obra;
Aos colegas de curso, Jamile, Nanci, Roberto, Luciana, Lvia, Rita Dias, Carmen
Bahia, Jane Luci, Lynn, Csar Nonato, Cristiane Nova e, especialmente, a Ana Maria e
Jos Mrcio;
As minhas auxiliares de pesquisa: Fnia, Paula e Sandra;
Aos colegas do Campus IV que assumiram a minha liberao;
A Prof Dr Marli Geralda Teixeira e a sua orientao, que se caracterizou em um
aprendizado terico, metodolgico e, sobretudo, humano.
Agradecimentos
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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Resumo
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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Este trabalho objetiva conhecer como funcionaram em seu cotidiano, as escolas de
primeiras letras, criadas a partir do Decreto Imperial de 15 de outubro de 1827, escolas que
foram criadas de acordo com esta lei, em todas as Vilas, municpios e locais populosos, e que
funcionaram utilizando principalmente os mtodos de ensino mtuo e simultneo.
Desta forma, estudamos como estas escolas foram criadas na cidade de salvador, e na
sua hinterlndia, geralmente denominada Recncavo, atentando para os fatores de ordem
poltica, econmica e social que, por vezes, determinavam a deciso no s da criao de uma
escola, como tambm o fechamento de outras.
O estudo da aplicao cotidiana dos mtodos de ensino utilizados nesse modelo
escolar, tambm foi de suma importncia para o entendimento da sociedade baiana do
Recncavo, em suas impresses e posturas acerca da educao, especialmente esse projeto,
que postulou atender os segmentos mais pobres da populao, almejando preparar
trabalhadores aptos para uma sonhada industrializao, que por vrios fatores culturais e
estruturais, como a sobrevivncia do trabalho escravo, no se efetivou.
Por fim, acreditamos que a principal contribuio deste trabalho, consiste na
caracterizao dos agentes histricos que deram vida e voz a este modelo de instituio
escolar, pudemos a partir de uma detida anlise da documentao encontrada, conhecer
realmente quem eram os professores e alunos dessas escolas, suas origens sociais, suas etnias,
suas idades, suas dificuldades, seus ardis, suas vidas cotidianas, como tambm o que faziam e
o que pretendiam da e na escola, assim, possibilitando estabelecer uma relao de
conhecimento com as origens do ensino pblico de primeiras letras no Brasil recm-
independente.
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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Rsum
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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Le but de ce travail est connatre comment fonctionnait le le quotidien des coles de
premires lettres crs dans tous les vilages, viles et rgions peuples partir de la loi de
lEmpire du 15 octobre 1827, et qui fonctionnait en utilisant, surtout, les mthodes
denseignemeint reciproche et simultane
Cest ansi que nous tudions comment ces coles ont t crs dans la ville de
Salvador, et dans son Interlande, gnralement appelle de Recncavo, en remarquant les
dtails dordre politique, conomique et social qui, parfois, dterminaient la decision, pas
seulement de la cration dune cole, mais aussi de la fermeture de quelques autres.
Ltude daplication quotidienne des mthodes denseignement utilises dans ces
modle scolaire, a t de grande importance pour comprendre la socit de Bahia du
Recncavo, dans ces impressions et comportement sur lducation, spcialement ce projet,
qui sest propos atteindre les niveaux les plus pauvres de la population, en ayant comme
objectif prparer les ouvriers pour une industralisation rve, qui na pas eu lieu grce a des
motifs divers, comme par exemple, la survie du travail esclave.
Finalement, nous croyons que la principale contribuition de ce travail consiste la
caracterisation des agents historiques qui ont donn la vie et la voie a ce modle dinstituition
scolaire; partir dune analyse dtaille sur les documents trouvs, nous pouvons connatre en
effet, qui taient les professeurs et ses lves de ces coles, leurs origins, leurs vies
quotidiennes, et ce quls faisaient et ce quls attendaient de et lcole, qui a possibilit un
rapport avec la lorigine de lenseignement publique de premire lettres au Brsil de
quelques annes dindpendent.
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Sumrio
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Introduo ........................................................................................................................ 12
Primeira Parte:
Conhecendo o Momento Histrico
Captulo 1:
A emergncia dos sistemas nacionais de ensino ................................................................ 22
Captulo 2:
Educao luso-brasileira e o ensino de primeiras letras .................................................... 50
Segunda Parte:
Conhecendo a Escola
Captulo 3:
As escolas de primeiras letras: criao e funcionamento ................................................. 72
Captulo 4:
Ou de como e o que se ensinava nessas escolas ............................................................... 97
Terceira Parte:
Conhecendo os Agentes Histricos
Captulo 5:
Os que ensinavam ............................................................................................................. 126
Captulo 6:
Os que estudavam ............................................................................................................ 154
Concluso ......................................................................................................................... 185
Referncias bibliogrficas ............................................................................................... 192
Anexos .............................................................................................................................. 198
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Introduo
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Uma histria da educao vista de baixo deveria deslocar-se dos ministros e tericos da educao para os professores comuns [...] ou deveria apresentar a escola do ponto de vista dos alunos. Peter Burke, 1992
caracterstica marcante no ramo da Histria da Educao os estudos de carter
generalizante, ou seja, o estudo sob a forma de anlises educacionais sobre perodos e/ou
graus de ensino diferenciados. Sendo assim, ainda uma prtica bastante recente a de estudos
que se refiram a um nico grau de ensino e/ou um determinado modelo escolar, como forma
de a partir desse objeto, buscar um entendimento mais amplo da sociedade em que este se
inseriu, primeiro dentro do seu prprio momento histrico e, posteriormente em relao a um
quadro mais geral de toda a problemtica educacional.
Por essas caractersticas, objetiva-se estudar as Escolas de Primeiras Letras no
Recncavo Baiano como uma tentativa de se estabelecer um novo olhar sobre essa realidade
concreta por muito tempo postergada a anlises gerais e, por vezes, simplistas dessas
instituies, como uma situao qual no se caberia um trabalho exaustivo e sistemtico de
caracterizao do seu cotidiano.
Tais escolas so descritas de forma sumria ou somente citadas no conjunto de obras
mais gerais sobre a educao brasileira, sendo em sua maioria, utilizadas citaes de outras
obras apenas sob forma de ilustrao. Basicamente, as referncias encontradas na bibliografia
sobre o assunto utilizam-se de duas fontes quase que obrigatrias: Primitivo Moacyr, A
Instruo e o Imprio (1936) e Francisco Larroyo, Histria Geral da Pedagogia (1944).
Estas duas obras que ainda norteiam quase que toda parca produo bibliogrfica sobre o
assunto, por serem obras de carter mais geral, detm-se apenas a descrio simples das
escolas de primeiras letras e/ou escolas que funcionavam utilizando o mtodo de ensino
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mtuo ou lancasteriano. Alm de no caso da obra de Moacyr (1936), tratar-se de fato de um
guia de fontes, com breves descries de trechos documentais, sem conter nenhuma anlise
das referncias transcritas.
O corte geogrfico no qual se inscreve o tema limita-se a Salvador, capital da
provncia da Bahia e sua hinterlndia, geralmente denominada Recncavo. Tal opo
justifica-se pelo fato de ser a regio poltica e economicamente mais importante da provncia
baiana, regio onde se estabeleceram as primeiras e principais escolas de primeiras letras.
Schwartz (1988, p. 77), assim caracteriza a cidade de Salvador:
Regio de comrcio sempre florescente, Salvador permaneceu entre as cidades mais populosas do Novo Mundo, mesmo aps a perda de seu status de capital. Por volta de 1800, possua 50 mil habitantes. A cidade dominava a baa, mas dependia das terras ao seu redor para se abastecer de alimentos, provises e produtos agrcolas que fizeram de Salvador um dos centros do comrcio transatlntico.
Essas terras, ao redor da capital da provncia, estabeleciam com Salvador uma ntima
relao econmica, que se evidenciava pela dependncia econmica por parte do Recncavo
dos portos para exportao do acar dos seus engenhos, do fumo e do couro e, por sua vez, a
j citada dependncia de Salvador quanto aos alimentos e combustveis produzidos por aquela
regio.
Podemos tambm, nesse momento, citar quais as vilas componentes desta chamada
hinterlndia da capital, que seriam as vilas produtoras, que poderamos chamar de retaguarda
econmica da cidade do Salvador. Nesse caso, sero objeto de estudo as Vilas de Cachoeira,
Santo Amaro, So Flix, S. Francisco do Conde e Nazar.
Essas escolas de primeiras letras, que foram criadas pelo decreto de 15 de outubro de
1827 logo foram postas em funcionamento, principalmente nas capitais das provncias e em
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suas vilas mais importantes e populosas, que no caso da Bahia seriam essas Vilas do chamado
Recncavo, sendo aplicado s demais paragens da provncia partir desta regio.
Tal medida se justifica tambm pelo fato dessa regio alm da importncia econmica
e poltica seria a princpio a nica regio da provncia que poderia oferecer condies mnimas
para o funcionamento dessas escolas de primeiras letras, principalmente em relao ao
nmero de alunos potenciais, e da possibilidade de se conseguir candidatos para a funo de
professor pblico.
Com relao a demarcao cronolgica, buscou-se estabelec-la de forma diretamente
relacionada com o objeto da pesquisa. Ou seja, o perodo 1827/1852 relaciona-se ao
estabelecimento do decreto de criao do sistema de escolas de primeiras letras como parte de
um amplo programa de institucionalizao do Brasil politicamente independente, e a criao
do cargo de Diretor Geral dos Estudos, como busca de uma maior eficcia na fiscalizao do
funcionamento do ensino (1849), ao que tambm estudamos mais trs anos aps tal medida,
postulando identificar quaisquer alteraes na estrutura educacional da provncia. Sendo
assim, pretende-se centrar o foco de anlise sobre a educao escolar nas primeiras letras no
primeiro momento de independncia poltica da nao brasileira, a partir da caracterizao do
cotidiano escolar e dos seus agentes histricos.
No momento em que, de forma sinttica, afirmo que se pretende estudar o cotidiano
escolar dos agentes histricos presentes no referido objeto de investigao, devo clarificar
como pretendo trabalhar com esse cotidiano, visto pela perspectiva que assume Burke
(1992, p. 23) Outrora rejeitada como trivial, a historia da vida cotidiana encarada agora, por
alguns historiadores como a nica histria verdadeira, o centro a que tudo o mais deve ser
relacionado.
A importncia do estudo da vida cotidiana nos remete a anlise da sociedade sob uma
nova tica, superando as fossilizadas explicaes de que a histria se faz por grandes
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acontecimentos, posio esta, que divide os homens entre construtores da histria, em
diferenciao a outros, simples mortais, que no so e no seriam objetos ou agentes dessa
mesma histria.
Assim, o estudo da vida cotidiana representa uma abertura, ou melhor, um resgate do
verdadeiro fazer-se da histria, encarando o homem em todas as suas atividades como
agente do momento histrico em que vive, em suas construes e desiluses, possibilitando
resgatar a vida de todo homem: Todos a vivem, sem nenhuma exceo, qualquer que seja seu
posto na diviso do trabalho intelectual e fsico. (HELLER, p. 17)
Dessa forma, pretende-se estudar as escolas de primeiras letras no Recncavo Baiano a
partir das experincias cotidianas de alunos e professores, pelo exaustivo exame da
documentao relativa ao perodo, em suas referncias aos conflitos dessa instituio, de seus
mtodos, de seus agentes frente a uma sociedade em mudana.
Para tanto utilizamos uma documentao assumidamente de caracterstica oficial, mas
tal constatao no inviabiliza tal projeto, j que conforme Hobsbawn, citado por Sharpe ao
tratar do estudo das camadas populares na Revoluo Francesa
citou a ao conjunta de uma massa populacional e os arquivos criados por uma vasta e diligente burocracia, que documentava os atos das pessoas comuns e depois passou a classificar e preencher seus registros em benefcio do historiador. (BURKE, 1992, p. 46).
Para possibilitar o pleno entendimento das condies de funcionamento cotidiano
dessas escolas, creio tornar-se de extrema importncia a caracterizao dos agentes histricos
diretamente envolvidos nesse processo, ou seja, os professores e os alunos.
Deve-se conhecer quem eram esses personagens, que valores scio-culturais traziam
convivncia cotidiana nessas instituies escolares, e como estes valores representavam uma
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tomada de conscincia e posio frente realidade concreta de um modelo educacional
recm-elaborado e claramente dbil. Analisar como se expressava essa relao em uma
sociedade excludente e segregacionista tarefa de extrema importncia em nosso estudo.
Sintetizando, esse trabalho objetiva estudar, atravs do cotidiano das escolas de
primeiras letras, a sua criao e dificuldades, seu espao fsico, seus mtodos de ensino, sua
disciplina, a quem se destinava, e que importncia lhe era atribuda pela sociedade em um
processo de afirmao de uma identidade nacional.
Para isso dividimos a sua apresentao em trs partes, cada uma delas composta por
dois captulos.
A primeira parte, intitulada Conhecendo o momento histrico, visa fazer um breve
reconhecimento das condies que levaram o final do sculo XVIII, e os primeiros anos do
sculo XIX serem o grande momento de elaborao e funcionamento dos sistemas nacionais
de ensino, entender que fatores levaram naes to diferentes do ponto de vista cultural,
econmico e poltico, como a Frana revolucionria, a Inglaterra industrial, a Prssia em um
processo de reconstruo nacional e Portugal ainda colonizadora e sob os auspcios
iluministas do Marqus de Pombal, a voltarem-se para a instruo pblica como elemento de
extrema importncia dentro de projetos nacionais to distintos.
A segunda parte, intitulada Conhecendo as Instituies, objetiva conhecer como
foram criadas no Recncavo Baiano as escolas de primeiras letras, com base no decreto
imperial de 15/10/1827, e como estas funcionavam cotidianamente, com suas dificuldades e
sob que condies e/ou presses.
Ainda nessa parte analisaremos os mtodos de ensino, em particular o mtuo e o
simultneo, com base nos manuais de ensino, e em sua aplicao prtica no cotidiano escolar.
Assim como trataremos dos contedos escolares que eram ministrados nessa instituio, alm
de seus recursos materiais e didticos.
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Na parte final, que intitulamos Conhecendo os agentes histricos, buscamos
caracterizar quem eram os professores e alunos que deram existncia de fato a essa escola,
como viviam, como se reconheciam, quais os seus anseios ou perspectivas e como reagiam a
essa rgida e fechada instituio? Essas so algumas, entre outras perguntas, que pretendemos
ter respondido nas pginas que se seguem.
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Primeira Parte
Conhecendo o Momento Histrico
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Captulo 1
A emergncia dos sistemas nacionais de ensino
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O perodo final do sculo XVIII e todo o sculo XIX foram marcados por importantes
transformaes no processo educativo europeu e americano. Buscou-se dentro das novas
conjunturas polticas, econmicas e sociais de um novo mundo, a elaborao de um modelo
de instruo inteiramente adequado s novas necessidades que ora se configuravam.
O avano do liberalismo econmico e das transformaes no modo de produzir, aliado
a outras questes como o aumento das populaes urbanas - devido a derrocada da pequena
propriedade livre provocou, por sua vez, a preocupao dos setores burgueses da sociedade
com os destinos que podiam ser tomados pelos segmentos mais pobres.
As transformaes polticas originadas a partir do movimento revolucionrio francs
de 1789 e dos seus desdobramentos, principalmente ao propugnar a soberania popular,
criaram um momento de extrema efervescncia no cenrio mundial, abrindo caminho a toda
avalanche napolenica que varreu a Europa e levou, com o seu fim, a uma poltica de
Restaurao.
Tais ares foram sentidos tambm alm-mar durante o processo de descolonizao
americana, movimento diretamente relacionado quanto ao seu aspecto poltico, s idias
liberais do movimento francs. Quanto ao seu aspecto econmico, encontra-se completamente
engendrado no momento capitalista mundial, correspondendo principalmente aos interesses
ingleses de conquista de novos mercados consumidores.
O processo educativo tambm esteve diretamente ligado s transformaes que ento
ocorreram buscando responder s grandes mudanas daquele dado momento. No foi por
acaso que os grandes sistemas de instruo, de carter nacional, ganharam flego e corpo
exatamente neste perodo. Assim como, tambm esses sistemas de instruo foram quase
imediatamente organizados nas naes recm-libertas da condio colonial.
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A instruo, ainda calcada no que costumamos chamar de otimismo pedaggico,
buscou responder aos objetivos que ora lhe foram determinados dentro das sociedades e das
situaes, onde esta foi ministrada.
Dessa forma, concebemos a idia de que todo o movimento em prol da instruo nas
naes europias e americanas entre finais do sculo XVIII e meados do sculo XIX, teve
como objetivo preparar os indivduos, o mais cedo possvel, para um novo mundo que se
configurava, em vista das novas necessidades que se apresentaram. Dotar-se-ia o homem com
instrumentos de conhecimento que lhe permitiriam efetivamente dominar a natureza e coloc-
la a seu servio.
Para tanto, faremos uma breve exposio dos sistemas nacionais de ensino que se
gestaram nas principais naes europias, notadamente na Prssia, na Frana e na Inglaterra.
Tais escolhas justificam-se pelo fato de nestas naes, terem se firmado os grandes sistemas
de ensino da Europa, no perodo em questo, desenvolvendo modelos atravs dos quais
pudemos traar relaes com o que se instalou no Brasil independente, a partir de 1827.
Tomaremos a Frana como ponto de partida, onde j antes do perodo revolucionrio
haviam posies abertamente preconizadoras da necessidade de um novo modelo de instruo
este; oficial e laico, como podemos detectar nas afirmaes de Louis Ren de la Chalotais,
em seu Essai deducation nationale: O sistema nacional deve limitar-se a proporcionar um
mnimo de educao livresca, formal e abstrata, livre de toda doutrina religiosa
(CHALOTAIS apud GILES, 1987, p. 20).
Em um outro momento, o mesmo Chalotais reafirmava o carter laico e estatal do
modelo educacional que postulava o seguinte:
Pretendo reivindicar o princpio de que [a educao] depende apenas do Estado, porque lhe pertence essencialmente, porque todo Estado tem direito prprio, inalienvel e imprescritvel de instruir seus membros porque,
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finalmente os filhos do Estado devem ser educados por membros do Estado. (CHALOTAIS apud GILES, 1987, p. 171).
Esta posio contestava o domnio quase que exclusivo da Igreja nas atividades
educacionais na Frana desde a Idade Mdia e que tomara novo flego com a prtica dos
Irmos da Doutrina Crist, oriundos de uma ordem fundada tambm na Frana em 1592, e que
teve em Jean Baptiste de La Salle seu principal expoente.
Portanto, no momento em que se questionou a Igreja como detentora de tais
privilgios, o pensamento da burguesia liberal francesa, aqui expresso por Chalotais, buscava
conferir ao Estado o efetivo papel de capitanear todas as iniciativas educacionais, inclusive
descartando as de carter filantrpico.
Chalotais se colocava francamente em uma posio extremamente importante e
arrojada, mas esbarrava em uma questo que tambm foi de suma importncia para o
entendimento dos limites e dificuldades para uma efetiva universalizao da escola, visto que,
em sua crtica velada s iniciativas de carter filantrpico na educao, mostrava-se contrrio
prtica dos irmos cristos, no admitindo que
ensinassem a ler e a escrever pessoas que no necessitavam mais que aprender a desenhar e a manejar o buril e a serra, mas que no querem continuar fazendo-o(...) o bem da sociedade exige que os conhecimentos do povo no se estendam alm de suas ocupaes. (ENGUITA, 1989, p. 111).
Portanto, o pensamento educacional da burguesia francesa possua um claro limite.
Com a Revoluo Francesa, a educao fixou-se como um dos pilares para a formao
de um homem novo. Buscou-se em um primeiro momento, destruir a estrutura escolar que se
encontrava sob o patrocnio eclesistico-poltico, que se efetivou com a promulgao da
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Constituio Civil do Clero em 1790, subordinando a Igreja ao controle do Estado. Em termos
educacionais essa medida permitiu a supresso das ordens religiosas e das congregaes
docentes.
Ora, ao ideal de homem novo em uma sociedade que se moldava feio burguesa,
necessitou-se elaborar um modelo educacional, o que logicamente era impossvel de ser
colocado em prtica automaticamente por meio de decretos. Necessitava-se tambm,
remover as estruturas do Antigo Regime, especialmente aquelas que davam suporte as
posies elitistas da nobreza em decadncia, em benefcio de uma burguesia em franca
ascenso, que, se em alguns aspectos e principalmente em seus discursos se mostrava
progressista, em sua prtica no pretendia avanar a ponto de perder as rdeas do movimento.
Da que as perspectivas educacionais do movimento francs estiveram quase que basicamente
centradas na oposio Igreja e na ocupao deste espao pelo Estado.
J em pleno perodo revolucionrio, foi tomada nesse sentido uma medida especfica
em 4 de setembro de 1791, quando a Assemblia Nacional determinou a criao de um
sistema de instruo pblica gratuita aberto a todos os cidados. Sobre esse projeto, Condorcet
em 1792, recomendava que haja uma escola primria para cada quatrocentas pessoas, onde
se ensine a leitura, a escrita, clculo, estudos sociais e outros conhecimentos teis para todos.
(GILLES, 1987, p. 207).
Fica patente nesse caso o carter modesto do currculo da citao acima, ao evidenciar
os temores da burguesia revolucionria francesa.
Com a ascenso de Napoleo no incio do sculo XIX, atravs da Concordata de julho
de 1801 foram chamadas novamente Frana algumas das ordens religiosas anteriormente
expulsas nos momentos mais radicais da Revoluo Francesa, como os Irmos da Doutrina
Crist e as Irms Ursulinas. Isso poderia demonstrar uma mudana de direo nos rumos
revolucionrios franceses, possibilitando at o retorno de uma aliana com a Igreja, mas
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agora, sob uma nova gide, que seria a solidificao do Imprio Napolenico, postulando
utilizar a educao com claros objetivos justificadores.
Sob esse aspecto podemos afirmar que, semelhana da Frana, no caso brasileiro,
ps-independncia, apareceu de maneira bastante clara a importncia atribuda pela Igreja do
domnio do processo educativo, principalmente o fundamental, o que fez com que o ensino
religioso se tornasse o eixo central em torno do qual se organizava o ensino das cincias e da
formao moral e tica do indivduo.
No caso prussiano, encontraremos um outro elemento propulsor, se bem que tambm
aliado ao advento da burguesia como fora poltica e da necessidade da instrumentalizao
de um novo homem, em uma nova sociedade.Em sntese, a formao de um novo trabalhador,
adequado s novas exigncias cotidianas e de uma nova concepo que o termo trabalho ir
adquirir.
A Prssia que sofrera grandes reveses, especialmente quando do esmagamento do seu
exrcito frente ao de Napoleo em 1806, necessitando recompor seu moral, utilizou o
processo educativo para esse fim. Tal processo educativo desde o final do sculo XVIII,
elaborou-se sob a gide de um discurso claramente universalista, se bem que com claros
limites quanto extenso do ensino em relao a todas as classes sociais, o que pode ser
constatado nas palavras de Basedow:
No h qualquer inconveniente em separar as escolas grandes (populares) das pequenas (para os ricos e tambm para classe mdia), porque muito grande a diferena de hbitos e de condio existentes entre as classes a que se destinam essas escolas. Os filhos das classes superiores devem e podem comear bem cedo a se instrurem, e como devem ir mais longe do que os outros, esto obrigados a estudar mais... As crianas das grandes escolas (populares) devem, por outro lado, de acordo com a finalidade a que deve obedecer a sua instruo dedicar pelo menos metade do seu tempo aos trabalhos manuais, para que no se tornem inbeis em uma atividade que no to necessria, a no ser por motivos de sade, s classes que trabalham mais com o crebro do que com as mos (BASEDOW apud PONCE, 1989, p. 136-7).
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Ao nos referirmos a Basedow temos necessariamente que caracterizar o pensamento
deste alemo, considerado um dos principais expoentes do filantropismo, como uma das
principais vertentes do naturalismo na educao. A esse respeito afirma Luzuriaga:
Assim a educao h de ser para ele, eminentemente intuitiva e ativa, o mais prximo possvel da natureza. Por isso, criou diversos processos, jogos e gravuras que faziam o ensino interessante e atraente. A educao fsica deve ser particularmente cuidada, assim como a esttica. Nas matrias do ensino predomina a idia de utilidade, acentuado o carter realista sobre o humanista. Deve-se ensinar na escola a religio, mas sem carter confessional; assim, recomenda a tolerncia religiosa, deixado o ensino confessional ao cuidado da Igreja. Todas as crianas devem aprender como Emlio, um ofcio, e visitar os lugares de trabalho, fbricas, campos, etc., neles passando alguns dias por ano (LUZURIAGA, 1972, p. 169).
Nota-se a grande influncia de Rosseau tambm para o filantropismo, mas de suma
importncia a afirmao do estudo da religio ao lado do aprendizado de um ofcio e do
conhecimento prtico, que chamaremos de mundo do trabalho atravs de visitas, o que
colocaria essa escola sobre a dupla base de formao moral e religiosa e preparao para o
trabalho, bem de acordo com os interesses da burguesia prussiana em pleno processo de
industrializao.
Esta postura nos d mais uma vez condio de afirmar que a idia de educao
popular, enquanto dever do Estado, foi formulada em conseqncia das tenses sociais
oriundas das camadas populares e conjugadas s exigncias de uma redefinio do papel das
instituies religiosas, sobretudo a Igreja Catlica, que, ao lado das Igrejas Reformadas,
atuavam como elementos promotores da ao educacional de carter filantrpico. Portanto, a
idia de educao popular, enquanto caridade, acompanhou de forma bastante flagrante, a
gestao e o funcionamento dessas instituies por longo tempo.
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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Ainda quanto situao prussiana e de sua regenerao moral, entendemos fazer-se
necessria a transcrio de duas citaes atribudas a Fichte que bem ilustram a concepo do
papel da educao no momento histrico da sociedade prussiana:
s a educao pode salvar a nao de todos os males que a afligem [....] s o processo educativo possibilita a um povo domado erguer-se de novo. Trata-se atravs desse processo, de inculcar sentimentos nacionais que levem o aluno a aprender o que significa ser cidado leal Ptria, pois o nico meio de levantar a nao a ponto dela ser digna de assumir a liderana num mundo civilizado.(FICHTE, apud GILLES, 1987, p. 211).
Essa relao que atribui ao processo educativo uma vital importncia para o
levantamento dos brios de um novo homem e de uma nova nao puderam ser identificados
em outros discursos como o acima citado, s que localizados em modelos sociais bastante
diferentes, como o francs ps-revolucionrio e o brasileiro ps-independncia. o que se
observa na afirmao do deputado Martim Francisco Ribeiro de Andrada (apud XAVIER,
1985, p. 25):
nada h de mais lisonjeiro para uma sociedade do que a boa educao de sua mocidade; um povo bem educado quase sinnimo de povo livre, bem governado e rico; e o mal educado igualmente sinnimo de povo desgraado, pobre e sujeito ao jugo do despotismo.
A crena na relao entre educao e progresso, tanto moral quanto material foi um
aspecto que permeou boa parte da documentao primria referente ao nosso objeto de
pesquisa. A concepo do progresso como fim natural do homem, afirmao tpica do
positivismo dominou a produo material e at intelectual, principalmente na primeira metade
do sculo XIX, o que se refletiu, se bem que de forma ainda tnue, em discursos oficiais como
o do Sr. Joo Jos de Moura Magalhes (apud TAVARES, s/d, p. 25), Presidente da Provncia
da Bahia em 1848: afirma se partidrio da extenso do ensino, visto ser a instruo um bem
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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comum para todos, porm nota que as aulas elementares da provncia estavam aqum das suas
necessidades.
Com a restaurao proporcionada pelo Congresso de Viena, aps a avalanche
napolenica, ocorre uma mudana no processo educativo prussiano, que, j sem a ameaa
externa, assumiu mais claramente outra feio que seria a de manter o povo sob controle e
promover a lealdade ao governo trata-se de manter o povo no lugar que lhe fora outorgado por
Deus e a sociedade. (GILLES, 1987, P. 213).
Estabelecem-se tambm limites para a escolarizao, de acordo com os interesses da
burguesia prussiana, que no pretendia ser surpreendida por contestaes de ordem social,
salientando que a educao devia estar diretamente relacionada com a origem social do
indivduo, considerando o limite primordial de cada homem.
Os limites para a escolarizao na Prssia nos remeteram aos limites da escolarizao
fundamental no Brasil do sculo XIX que, apesar do discurso aparentemente igualitrio e
progressista, mostrou-se de fato retrgrado e elitista, ao temer a participao poltica das
classes populares como resultado de um processo educativo mais amplo. Todo esse temor
acompanhava de forma sistemtica os setores que postulavam a extenso quantitativa do
atendimento escolar. Havia uma grande desconfiana, em um primeiro momento, com relao
s campanhas de escolarizao de pobres iniciadas na Frana por Jean Baptiste de La Salle e,
na Inglaterra, por Joseph Lancaster.
Preponderava a dubiedade do pensamento burgus acerca da extenso da educao
ministrada aos indivduos oriundos das camadas mais pobres da sociedade. Assim apareceu
como mais forte e interessante prtica, a timidez dos currculos escolares, assim como, os
limites estabelecidos para a concluso dos estudos, no existindo uma proibio de direito, e
sim, uma inviabilidade de fato.
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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Nesse aspecto tornam-se interessantes dois fragmentos que bem ilustram as dvidas da
sociedade burguesa no momento histrico em questo:
Por um lado necessitavam recorrer a ela para preparar ou garantir seu poder, para reduzir o da Igreja e, em geral, para conseguir a aceitao da nova ordem. Por outro, entretanto, temiam as consequncias de ilustrar demasiadamente aqueles que, ao fim e ao cabo, iam continuar ocupando os nveis mais baixos da sociedade, pois isto poderia alimentar neles ambies indesejveis. (ENGUITA, 1987, p. 110).
Sobre esses temores tambm se refere Sara Trimme em suas Reflexes sobre a
educao das crianas nas escolas de caridade:
seria errado educar as classes baixas do povo, pois assim se promoveria a mobilidade social, desqualificando-se aqueles ofcios servis que devem ser preenchidos por alguns membros da comunidade. Tambm afirma que os filhos dos pobres no devem ter a possibilidade de aproveitar o processo educativo, pois a educao os coloca acima das ocupaes da vida mais humilde. E no mnimo coloca-os numa situao desconfortvel em comparao com os seus iguais. (TRIMME apud GILLES, 1987, p. 226).
Salientamos que, apesar de sociedades calcadas sobre diferentes estruturas, as elites
que dominavam o poder poltico, fossem elas j tipicamente burguesas como na Europa, ou
ainda estreitamente arraigadas aos valores aristocrticos j em desuso, como no caso do
Brasil, se identificavam quando reconheciam qualquer possibilidade de questionamento ou
cerceamento do seu poder, principalmente atravs de um mecanismo que apresenta uma dupla
face de possibilidade de dominao, ou de libertao caso tpico do fenmeno educativo.
A restaurao repercutiu no processo educativo, possibilitando a retomada de flego
dos setores conservadores da sociedade europia ocidental. Esta, apesar de uma nova
conformao claramente burguesa, aliou-se ao iderio liberal-comercial, buscando no
processo educativo a sedimentao ideolgica dos novos valores da sociedade em mudana,
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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para utilizar a escola na reconstruo da sociedade, sem, no entanto, aventar qualquer abalo
das estruturas sociais nas quais estas se assentavam.
Sob esse quadro, onde se estabeleceram claras tenses, a Igreja voltou a ser a
instituio mais importante em relao ao sistema educacional, ministrando diretamente o
ensino em suas escolas e nas Ordens Religiosas dedicadas prioritariamente a esta atividade.
Alm disso, passou Igreja a servir diretamente ao Estado como instituio fiscalizadora das
atividades das escolas oficiais onde o ensino ministrado no diferia muito do realizado em
escolas religiosas.
Portanto, a aliana entre a Igreja catlica e a burguesia em naes como a Frana, e
tambm nas naes recm-independentes das Amricas, possibilitou a consecuo dos
objetivos do Estado em aumentar quantitativamente o atendimento escolar, sem, entretanto,
abalar as estruturas de sociedades calcadas em privilgios de classe.
Na Inglaterra, os grandes esforos de abnegados reformadores e filantropos de
confisso religiosa reformista, atravs de seus discursos e das prticas escolares, reforaram a
formao do princpio do trabalho, este cada dia mais necessitado de adestramento:
O instrumento idneo era a escola. No que as escolas tivessem sido criadas necessariamente com este propsito, nem que j no pudessem ou fossem deixar de cumprir outras funes: simplesmente estavam ali e se podia tirar bom partido delas. Em 1772, William Powell j havia visto a educao como meio de adquirir ou instilar o hbito da laboriosidade, e o reverendo William Turner, em 1786, enaltecia as escolas dominicais de Raikes como um espetculo de ordem e regularidade e citava um fabricante de Gloucester afirmando que as crianas que frequentavam as escolas voltavam mais tratveis e obedientes e menos briguentas e vingativas. (ENGUITA, 1989, p. 114).
Nesse ponto, procedente salientar que o processo educativo foi de suma importncia
para a burguesia como um elemento de controle e dominao por um lado, e por outro, como
o melhor instrumento de capacitao do operariado crescente e carente de uma melhor
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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qualificao, que se traduziria em mais eficincia e produtividade no trabalho. Para as
camadas populares o processo educativo seria, poca um elemento que permitiria a
superao da ignorncia, e a possibilidade de uma ascenso profissional, pessoal e social.
A preocupao com o aumento do oferecimento de instruo formal nos permitiu
caracterizar que a escola desde cedo conseguiu manter uma espcie de fascnio sobre as
classes sociais envolvidas em sua utilizao, tanto as classes que a utilizava como instrumento
de conformao, como na classe que via a escola como um elemento de superao das
dificuldades impostas pela sociedade, conferindo a instituio escolar seu duplo papel de
reproduo e transformao.
As reformas e as aes dos filantropos propiciaram razoveis avanos no processo
educativo, bem como na distenso da oferta escolar s camadas populares. Algumas correntes
de pensamento elegeram a educao como elemento de suma importncia para a reelaborao
e transformao da sociedade. Os iluministas, por exemplo, foram de extrema importncia
para a gestao do pensamento pr-revolucionrio francs e nortearam as experincias
educacionais estatais francesas no perodo revolucionrio.
Na Inglaterra, destacamos a contribuio do pensamento utilitarista, representado por
Jeremy Bentham e Stuart Mill. O discurso utilitarista, principalmente o de Bentham, baseava-
se na afirmao de que a soberania pertence sociedade e no a uma ou a algumas pessoas, e
que o bem pblico consiste na soma daquelas aes que levam ao mximo grau de prazer
para o mximo nmero de pessoas e que conduzem ao mnimo de dor. (BENTHAM apud
GILLES, 1987, p. 223). Em um outro momento, Bentham, estabelecia que a misso dos
governantes consiste em promover a felicidade da sociedade, punindo e recompensando.
(BENTHAM, 1989, p. 19).
Sobre essas mximas do utilitarismo, repousava a crena que a importncia e a
relevncia da educao estavam diretamente relacionadas ao atendimento quantitativo, ou
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seja, media-se o interesse do Estado pelo bem-estar do seu povo e tambm pela possibilidade
que lhe era conferida de educ-lo. Os utilitaristas eram os principais defensores das iniciativas
de escolarizao dos pobres, principalmente na Inglaterra. A sua postura se encontrava em
franca oposio aos interesses burgueses e da Igreja, j que no concordava com o ensino
ministrado ou supervisionado por entidades religiosas, preconizando a sua laicizao. Este o
ponto principal da obra de Stuart Mill, intitulada Escola para todos, no s para os
eclesisticos, que trata de uma polmica e que se posicionou contra a postura da Igreja
Anglicana, contrria escolarizao de crianas pobres patrocinada por Joseph Lancaster.
A viso de Mill tambm destaca a importncia do processo educativo como elemento
transformador dos valores de classe, postura evidenciada quando, em uma carta enviada a
David Ricardo, Mill (apud GILLES, 1987, p. 224) afirmava, que o processo educativo o
instrumento de inculcar esses ideais, tanto na classe baixa como na classe aristocrtica.
Tal citao demonstra a importncia atribuda educao como elemento mediador
das relaes humanas e de classe, podendo inclusive ser o meio privilegiado para resolver as
tenses entre as classes e outros problemas de ordem social, como a pobreza e a
criminalidade.
Ao falar dessa questo bom no se perder de vista que a Inglaterra era a nao mais
industrializada do perodo a que nos reportamos, a saber, finais do sculo XVIII e primeira
metade do sculo XIX, atentando para as preocupaes que estavam mais diretamente
relacionadas em se proporcionar instruo s camadas populares, o que advinha
obrigatoriamente das dificuldades quanto melhor utilizao, ou seja, a melhor produtividade
da populao que teria de envolver-se na malha de atividades indispensveis a essa sociedade
industrial.
A este respeito vemos que a importncia de uma melhor qualificao da mo-de-obra
fabril, tambm incidia na formao dos outros segmentos necessrios para a execuo das
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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outras atividades direta ou indiretamente relacionadas com a modernizao econmica
proporcionada pelo advento da fbrica.
Mesmo em sociedades onde essa industrializao no se deu de forma to profunda
como na inglesa, estabeleceu-se um discurso diretamente relacionado modernizao e ao
progresso nacional, mediante o advento fabril, como podemos atestar na afirmao do
deputado goiano Raymundo Jos da Cunha Mattos (apud XAVIER, 1980, p. 37) durante a
discusso do projeto de criao das escolas de primeiras letras, em 8 de janeiro de 1826: eu
conheo que nos outros pases sobejam gneros de indstria, que faltam entre ns; mas por
que? Porque nos faltam escolas.
Portanto, deveria a fbrica modificar as relaes tanto de produo, resultando na
diversificao do trabalho em atividades bancrias, na variedade de casas de comrcio, nas
casas de cmbio, na variedade de produtos produzidos e importados, ou seja, a sociedade
fabril moldaria uma nova sociedade, sociedade esta que careceria de uma escola adequada ao
seu perfil e s suas necessidades.
Nota-se que a instruo foi, de fato, um dos componentes mais importantes e
interessantes dos discursos desse perodo. Mas no se deve deixar de questionar acerca dos
limites que eram realmente impostos ao seu pleno funcionamento e como esta educao
deveria prioritariamente estar vinculada produo e ao progresso material, progresso que,
apenas beneficiou uma parcela da sociedade.
Os novos mtodos
Um dos componentes educacionais que alcanaram aumento significativo enquanto
foco das preocupaes da sociedade europia durante perodo em questo foram os mtodos
de ensino. Logicamente, sempre foi uma preocupao dos pedagogos, no sentido mais amplo
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O Recncavo Baiano e suas escolas de primeiras letras (1827-1852): um estudo do cotidiano escolar Jos Carlos de Araujo Silva
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do termo, formular novas e definidas formas de melhor e mais eficientemente ensinar,
sobremaneira em um momento mpar para o crescimento do atendimento escolar.
Para tanto, a metodologia de ensino deveria estar sempre em conformidade com um
projeto poltico-educacional mais amplo, que deveria nortear os caminhos que se pretendia
traar para os escolares, onde fossem reforados alguns aspectos de extrema relevncia para a
sociedade onde estava inserida essa escola. Ao mesmo tempo, esperava-se que fossem
reprimidos outros valores ou prticas que no se adequassem ao modelo de indivduo que essa
escola pretendia formar de acordo com seus projetos mais amplos de responder sempre as
necessidades da sociedade.
Sendo assim, para nos reportar aos principais mtodos de ensino do sculo XIX,
necessitamos fazer uma breve caracterizao do mtodo das Escolas Crists, denominao
mais ampla para as escolas que utilizavam o mtodo de ensino de Jean Baptiste de la Salle,
que, mesmo cronologicamente situado um sculo antes, foi de extrema importncia para o
entendimento dos principais mtodos de ensino utilizados na Europa e no Brasil, durante a
primeira metade do sculo XIX.
O mtodo de La Salle, exposto na obra Conduite des coles chrtiennes, na qual o
autor regulamentava as formas de funcionamento das escolas, baseava-se no conhecimento
ntimo da criana, suas disposies pessoais, suas energias sobrenaturais, seu fim terrestre e
eterno. (PEETERS &COOMAN, 1965, 71).
Nesta mesma obra, h a descrio do currculo dessas escolas, que deveria nortear todo
o programa de estudos das crianas, conforme as preocupaes de la Salle em formar um
indivduo til para a sociedade e, sobretudo, pio:
Haver nove espcies de lies nas escolas crists: 1) a tbua (mural) do alfabeto; 2) a tbua das slabas; 3) o silabrio; 4) o segundo livro, para aprender ou soletrar e as slabas; 5) ainda no segundo livro, que era aqueles que sabem silabar perfeitamente comearo a ler; 6) o terceiro livro que
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serve para aprender a ler com pausas; 7) o Saltrio; 8) a Civilizao Crist; 9) as leis escritas a mo. (MANACORDA, 1992, p. 228).
Nesta citao tambm podemos determinar alguns aspectos relevantes desse projeto
pedaggico, como a separao entre o ensino da escrita e da leitura, a extrema influncia
religiosa e a necessidade de instrumentos didticos especficos para as atividades escolares,
bem como o ensino dos registros, ou leis escritas a mo. (MANACORDA, 1992, p. 228).
Um outro aspecto bastante relevante a ser considerado era o fato dessa escola poder
reunir em uma mesma classe alunos em diferentes estgios de aprendizagem, o que propiciava
a um nico professor, trabalhar com uma quantidade maior de estudantes, tarefa que se
tornaria possvel mediante um eficiente esquema de controle e disciplina da sala de aula.
O ensino da escrita que deveria comear com o aprendizado dos caracteres latinos foi
de extrema importncia neste mtodo, que valoriza at a ao de apontarem-se s penas como
um exerccio de extrema concentrao, tambm necessria para a reproduo das letras e
palavras nas pequenas lousas, onde os alunos praticavam os rudimentos de escrita e
aritmtica. Essa atividade escolar demandava extrema ateno por parte do aluno, e, no seu
mais extremo controle por parte do professor, pois toda a sua concentrao estava exatamente
situada na ponta da sua pena.
Acerca de tal questo, Foucault assim se referiu quanto ao ensino de caligrafia: Uma
boa caligrafia, por exemplo, supe uma ginstica - uma rotina cujo rigoroso cdigo abrange o
corpo por inteiro, da ponta do p extremidade do indicador. Deve-se (a fazendo uma
citao de La Salle ):
Manter o corpo direito, um pouco voltado e solto do lado esquerdo, e algo inclinado para a frente, de maneira que, estando o cotovelo pousado na mesa, o queixo possa ser apoiado na mo, a menos que o alcance da vista no o permita; a perna esquerda deve ficar um pouco mais avanada que a direita, sob a mesa. Deve-se deixar uma distncia de dois dedos entre o corpo e a mesa; pois no s se escreve com mais rapidez, mas nada mais
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nocivo sade que contrair o hbito de apoiar o estmago contra mesa; a parte do brao esquerdo, do cotovelo at a mo, deve ser colocada sobre a mesa. O brao esquerdo deve estar afastado do corpo cerca de trs dedos, e sair aproximadamente cinco dedos da mesa, sobre a qual deve apoiar ligeiramente. O mestre ensinar aos escolares a postura que estes devem manter ao escrever, e a corrigir seja por sinal seja de outra maneira, quando dela se afastarem. (La SALLE apud FOUCAULT, 1996, p. 158-9).
O autor prende-se a detalhes que so dignos de registro. o que acontece quanto
postura dos alunos no ato do apontamento de suas penas pelo professor:
eles se mantero de cabea descoberta at que ele a tenha devolvido e, ao receb-la, beijar-lhe-o a mo e o reverenciaro declinando a cabea. Mas no pararo de escrever enquanto o mestre apontar as suas penas. (LA SALLE apud MANACORDA, 1992, p.231).
A nfase no ensino da escrita e sua separao do ensino da leitura, por sua vez
provocou o aparecimento de um fenmeno no pouco comum, o do aprendizado da escrita e o
desconhecimento da leitura e foi motivada pelos altos ndices de abandono dessas escolas
durante o decorrer do plano de estudos, aliada ao fato de que, enquanto o ensino da escrita
localizava-se logo no comeo deste currculo o ensino da leitura apenas comear a ser
ministrado na Quarta parte, ou no segundo livro, quando o aluno j soubesse escrever.
Um outro aspecto bastante presente no pensamento e no mtodo de La Salle, a
questo disciplinar, que, segundo Peeters e Cooman (1965, p. 73) deve aliar firmeza e
doura, caridade materna e zlo constante. Sendo que o termo disciplina foi utilizado por La
Salle (apud MANACORDA, 1992, p.234) como sendo um basto de 8 ou 9 polegadas, na
ponta da qual esto fixadas 4 ou 5 cordas e cada uma delas ter na ponta trs ns.
Foucault ao analisar as formas de controle do corpo e sua domesticao para os fins
que pretende o meio social clarifica tal questo ao afirmar:
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Esses mtodos que permitem o controle minucioso das operaes do corpo, que realizam a sujeio constante de suas foras e lhes impem uma relao de docilidade-utilidade, so o que podemos chamar de disciplinas. Muitos processos disciplinares existiam h muito tempo: nos conventos, nos exrcitos, nas oficinas tambm. Mas as disciplinas se tornaram no decorrer dos sculos XVII e XVIII frmulas gerais de dominao [...] O corpo humano entra numa maquinaria de poder que o esquadrinha, o desarticula e o recompe. Uma anatomia poltica, que tambm igualmente uma mecnica do poder, que est nascendo; ela define como se pode ter domnio sobre o corpo dos outros, no simplesmente para que faam o que se quer, mas para que se operem como se quer, com as tcnicas, segundo a rapidez e a eficcia que se determina. A disciplina fabrica assim corpos dceis. A disciplina aumenta as foras do corpo (em termos econmicos de utilidade) e diminui essas mesmas foras (em termos polticos de obedincia). (FOUCAULT, 1996, p.126).
O mtodo tambm possua todo um mecanismo de recompensas para os alunos, que
tinham o claro objetivo de reforar o aspecto moral e disciplinar, reforando o carter pio dos
discpulos. As recompensas deveriam estar sempre relacionadas a esse aspecto, sendo, na
maioria das vezes, livros ou imagens sacras, o que estava bem a carter do projeto educacional
dos Irmos da Doutrina Crist.
Acerca da atividade dos professores, afirmava-se que esta funo de maneira alguma
poderia ser realizada simultaneamente a outra qualquer, inclusive a sacerdotal. Isso estava
diretamente relacionado s veladas crticas feitas pelos Irmos da Doutrina Crist aos cidados
elevados funo de mestres nos pases em que se firmou a Reforma religiosa.
Ainda quanto formao de professores de extrema relevncia aqui citar a
originalidade do mtodo de La Salle, quando da criao de uma espcie de Escola de
Aplicao, para prtica do seu mtodo de ensino, por parte dos normalistas, sob a tutela de
um irmo mais experiente.
Quanto originalidade dos aspectos metodolgicos de La Salle, encontramos, por
exemplo, na obra Pequena Histria da Educao das irms religiosas Peeters e Cooman, a
afirmao de que Jean Baptiste de La Salle, no foi o criador do mtodo de ensino simultneo,
que consideram um grande avano em relao ao mtodo individual, o mais utilizado at
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ento. Essas religiosas fazem uma breve descrio desse mtodo, descrevendo-o
sucintamente:
Anteriormente em quase todas as escolas rurais, o mestre ensinava individualmente: sentado numa cadeira alta, chamava a cada aluno, de per si, para que recitasse as lies, recebesse a tarefa e mostrasse o exerccio feito. Dessa forma, numa classe cada discpulo ficava praticamente abandonado a si mesmo. Para o mestre, era tarefa sumamente montona fazer repetir cinquenta ou mais vezes a mesma coisa. adoo do ensino simultneo representou, pois, imenso progresso. (PEETERS & COOMAN, 1965, p. 72-3).
Em relao aos objetivos ideolgicos da poltica educacional, na qual o mtodo de La
Salle est inserido, vemos claramente expressos os interesses no doutrinamento religioso em
busca de um homem piedoso e crente, alm do entendimento da civilizao humana sob a
tica da Cristandade.
Existia tambm uma preocupao relacionada com o cotidiano e as transformaes
estruturais, sobretudo econmicas que se processavam na sociedade, que se expressavam na
leitura dos registros comerciais e/ou contbeis, que por serem manuscritas, so as chamadas
leis escritas mo.
Em La Salle vemos claramente a gestao de uma nova fase do trabalho pedaggico da
Igreja, agora atravs da filantropia, caridade esta que visava rivalizar com as iniciativas
protestantes que, desde a reforma religiosa, postulava oferecer instruo bsica aos segmentos
mais pobres da sociedade.
Alm da preocupao relacionada com a convico religiosa, tambm observamos
claramente a utilizao do processo educativo como forma de se coibir o que as classes
privilegiadas consideravam idias nocivas que se gestavam em uma Europa em
transformao.
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Outro mtodo que nos ser de extrema importncia detalhar o chamado mtodo do
ensino mtuo ou monitorial, o primeiro utilizado oficialmente pelas escolas de primeiras letras
que foram criadas no Brasil pelo Decreto Imperial de 15 de outubro de 1827. Aqui este
mtodo ser descrito em suas caractersticas originais e gerais, sendo que sua anlise e sua
aplicao cotidiana no Brasil, sero apresentadas de forma mais detalhada posteriormente na
segunda parte deste trabalho.
O mtodo de ensino mtuo foi elaborado a partir da conjuno de vrios matizes,
como o mtodo de La Salle, a atividade filantrpica de escolarizao dos pobres do pastor
Robert Raikes e das experincias educativas do capelo Andrew Bell.
Relacionando esse mtodo de ensino com seu momento histrico, ou seja, os anos
finais do sculo XVIII, encontramo-lo nascido em uma regio colonial, em Madras (ou
Madrasta), na ndia, onde Bell dirigia um asilo para meninos. Dali foi transplantado para a
Inglaterra, onde teve plena acolhida e serviu de centro difusor para outras reas metropolitanas
e perifricas.
Nesse momento, a Europa passava por mais uma fase do processo que comumente
chamamos de Revoluo Industrial, onde os efeitos do urbanismo, aliados a necessidade cada
vez maior de mo-de-obra, melhor capacitada, (entenda-se a com rudimentos de instruo
escolar) faziam com que este mtodo de ensino fosse visto como uma possibilidade concreta
de soluo desse problema a um baixo custo e com certa rapidez.
No campo terico, esse mtodo estava baseado nas idias utilitaristas de Bentham e
Mill, no que corresponde a abrangncia e a utilidade quantitativa que dever nortear o
processo educativo.
Quanto ao currculo, limitava-se a leitura, a escrita e a aritmtica, acrescentando-se,
quanto ao ensino das meninas, a tecelagem, especificamente no caso da Inglaterra.
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Notou-se que na Inglaterra existia uma atividade, dita diferenciadora do ensino das
meninas e dos meninos. Neste caso, uma atividade intimamente ligada a um processo
produtivo bastante importante para a economia inglesa, o que nos pareceu importante para no
se perder de vista os reais objetivos desse mtodo e a que segmento social ele se destinava.
Observou-se tambm que a mulher na Inglaterra industrial j alcanava significativa
participao na mo-de-obra da indstria txtil.
No Brasil, a diferena entre os contedos na aplicao do mtodo para meninos e
meninas foi expressa no texto do decreto de 15 de Outubro de 1827, em seu artigo 7:
Sero nomeadas mestras de meninas e admitidas a exame, na forma do art. 3 para as cidades, vilas e lugares mais populosos em que o presidente em conselho julgar necessrio este estabelecimento, aquelas senhoras, que por sua honestidade, prudncia e conhecimentos se mostrarem dignas de tal ensino, compreendendo tambm o de cozer e bordar. (XAVIER, 1985, p. 24).
A atividade das mulheres na escola tambm reflete o modelo de sociedade em que elas
estavam inseridas: patriarcal, escravocrata e agrcola, no qual a nica importncia da educao
para a mulher seria a de fornecer os rudimentos escolares aos filhos, ou como primeiro
requisito para aquelas que viriam a tornar-se mestras.
Outro aspecto bastante interessante do mtodo do ensino mtuo a ausncia de
doutrinamento religioso, apesar deste mtodo de ensino ter sua origem em estabelecimentos
organizados sob a direo de religiosos de base crist, mas de denominaes diferentes, como
os anglicanos e os quackers.
Esse aspecto de certa maneira difere de como este mtodo foi utilizado no Brasil, j
que devido ao fato de ser o catolicismo, a religio oficial do Imprio brasileiro, e ao grande
nmero de clrigos que se dedicavam ao magistrio, no se podia esperar nada que no fosse
uma extrema influncia da Igreja.
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Reforava isto, o fato dos padres terem sido uma das poucas atividades que possuam o
domnio da leitura e da escrita em condies de ministrar o ensino s crianas, como podemos
ver na observao do deputado maranhense Manuel Teles da Silva Lobo:
a falta de pessoas literatas to grande que at em algumas capitais do centro no se encontraro, bem como em Oeiras, capital do Piau, onde alm do juiz de fora, o nico capaz de preencher as funes de mestre e examinador o vigrio, pois o nico que sabe gramtica portuguesa; ora, quando este mal to grande em uma cidade, quanto maior no ser nas miserveis vilas? (LOBO apud XAVIER, 1985, p. 46).
O funcionamento do mtodo de ensino mtuo baseava-se na atividade dos monitores,
que eram os alunos mais adiantados nas lies, incumbidos pelos mestres de ensinar aos
alunos mais atrasados, e de zelar pela disciplina da aula. Esses monitores eram os nicos que
recebiam as lies diretamente do professor.
O processo de escolha dos monitores consistia na observao cotidiana dos alunos e
dos seus desempenhos, em clima de extrema competio, como propunha o mtodo e como
constatamos no seguinte trecho:
se um aluno comete um erro, cede o lugar ao que est depois dele, que o corrige, e dessa forma, o mais hbil chega a colocar-se em primeiro lugar... Desse modo, quem avana passa sempre para a frente da diviso e quem regride passa para trs... A criana que por algum tempo ficou ocupando o primeiro lugar da classe passa para o ltimo da classe superior... assim tambm quem no faz progressos suficientes desce para o primeiro lugar da classe inferior. (HAMMEL apud MANACORDA, 1992, p. 260).
Quanto metodologia, ou etapas do processo de ensino, encontramos a seguinte
descrio:
o aluno aprendia o alfabeto, traando este na areia colocada em cima do caderno, segundo o modelo apresentado pelo monitor numa ficha grande. Uma vez que dominava esse primeiro passo, o aluno, empreendia o mesmo processo no quadro-negro, at se tornar eficiente. Em seguida, utilizava as
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prprias fichas como instrumento de escrita, para depois enfrentar os livros e enfrentar a leitura. (GILLES, 1987, p. 226).
Um das principais vantagens que podemos atribuir ao mtodo de ensino mtuo a
simultaneidade do ensino da escrita e da leitura, questo assim vista por Viao Frago:
A difuso da escrita para um pblico mais amplo, durante o sculo XIX, s ser possvel com a anterior democratizao/simplificao grfica e ortogrfica do signo e a preparao para seu uso funcional ( peties, cartas, documentos, contratos, etc.) e sua aprendizagem simultnea e combinada (no independente ou separada no tempo) com a da leitura, inovao introduzida, a princpios do sculo XIX, pelo movimento do ensino mtuo. (VIAO FRAGO, 1993, p.41).
Outro grande avano para o perodo, realizado pelo mtodo de ensino mtuo, foi a
abolio dos castigos fsicos que, tambm estava relacionada com a prtica de no agresso
dos quackers, propugnadores deste mtodo.
extremamente e importante a utilizao das postulaes de Foucault, em sua obra
Vigiar e Punir, para analisar as transformaes ocorridas nas instituies e que
proporcionaram a mitigao dos castigos fsicos nas escolas, nos quartis, etc., para podermos
avanar alm da atribuio ao carter pacfico quacker, e procedermos uma anlise mais
ampla e profunda deste fenmeno.
Isto nos parece marcar uma nova forma de encarar o corpo, assim como, junto com a
sedimentao da sociedade capitalista, considerar o corpo como primordial instrumento de
produo no devendo este ser deliberadamente maltratado.
Os prmios e os incentivos, at pecunirios, eram elementos que apareceram
reforados por um aspecto eminentemente capitalista, j que uma das causas que favoreceram
a macia adoo deste mtodo na Europa e nas Amricas, foi o seu aspecto otimizador de
custos.
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Portanto, quando Manacorda (1992, p. 260) afirma que a competio , ento o
princpio ativo destas escolas, est a meu ver caracterizando-a como um aspecto tpico da
educao capitalista, onde esse sistema econmico assume de vez a importncia de formar
quadros desde a mais tenra idade.
Ao falarmos do grande e rpido crescimento das escolas que funcionavam pelo mtodo
do ensino mtuo, necessitamos tambm explicar as reaes dos setores mais conservadores
acerca da escolarizao dos pobres. Na Inglaterra, a oposio encontrou coro nas autoridades
religiosas da Igreja Anglicana, o que nos pareceu estar relacionado com a preocupao da
possvel perda de monoplio sobre a educao.
A opo em educar-se as camadas mais pobres da sociedade, se por um lado motivava
elementos da classe dominante, por uma questo de viabilidade e observao das vantagens
econmicas, tambm trouxe dentro desse mesmo segmento social dominante, reaes bem
menos efusivas, fundadas em extremo conservadorismo.
No acreditamos que tais posies possam ter sido to constantes, j que estas
pareceram apenas conter um temor de qualquer possibilidade de mobilidade social. No caso
ingls, essa foi a postura assumida pela nobreza tradicional, ainda no perfeitamente cnscia
dos novos tempos. Assim afirmamos que a burguesia industrial, mola-mestra da economia
britnica, sempre se posicionou favoravelmente quanto proliferao do mtodo
lancasteriano, e at, de certa forma, o custearia.
A disputa seno da exclusividade, mas do controle do ensino na Inglaterra provocou
momentos de tenso entre os membros da Igreja Anglicana, que era a Igreja oficial do Reino
ingls, e setores da burguesia, sobretudo aqueles influenciados pelas idias utilitaristas, para
os quais o nico critrio vlido para se julgar a eficcia de qualquer ao ou atividade seria
atravs do bem quantitativo proporcionado.
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Por sua vez, a Igreja Anglicana, se posicionava como a detentora do monoplio na
instruo das camadas mais pobres da sociedade, baseando-se no argumento de que sendo a
educao oficial e nacional, nada mais justo, segundo o pensamento anglicano, de que este
ficasse a cargo da igreja que tambm era oficial e nacional.
O argumento dos utilitaristas baseava-se principalmente, na afirmao de Mill,
segundo a qual a Igreja limitava-se a defender os interesses da classe dominante e que no
pretendia concretamente oferecer a instruo para a maioria da populao, destacando a figura
de Lancaster como um real exemplo de caridade crist.
Ao avanarmos no bojo de tal discusso, devemos ser claros em frisar que tais
querelas, que aparentemente se pautavam em divergncias religiosas e de classes sociais, (por
um lado, a Igreja Anglicana representante da nobreza e os utilitaristas, estes, porta-vozes da
burguesia industrial em franca ascenso), resultavam do fato de os opositores j terem
claramente vislumbradas as possibilidades da utilizao do processo educativo nas suas
concepes de sociedade.
Tal disputa que ocorreu tambm em outras naes europias como a Frana, neste caso
entre iluministas e segmentos da Igreja Catlica atravs de suas Ordens Religiosas, evidenciou
que, neste dado momento histrico, a educao ascendeu dentro dos programas nacionais
como um elemento de suma importncia na vida cotidiana.
O mtodo de ensino mtuo se expandiu para a Frana em 1814, com a fundao da
Sociedade para o encorajamento da Indstria nacional e da Sociedade pela Instruo
Elementar. Logicamente este mtodo foi adotado logo aps a Restaurao. Posteriormente em
1816, quando houve a determinao do governo de que houvesse em cada comuna uma escola
de primeiras letras para as crianas, o mtodo escolhido foi o do ensino mtuo, tambm
utilizado na instruo de adultos.
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Em termos quantitativos, por volta de 1820, contam-se 1500 escolas utilizando esse
mtodo de ensino na Frana, sendo que estas se encontravam quase que concentradas nos
grandes centros urbanos.
Ainda com relao quantificao do atendimento por esse mtodo, h a referncia da
existncia na Inglaterra, em 1811, de mais de quinze escolas com cerca de trinta mil alunos.
(MANACORDA, 1992, p.258).
Ao nos referirmos instruo para os pobres, sem dvida teremos que nos deter um
pouco nas condies sociais que estabeleceram uma preocupao com a pobreza neste
momento histrico em questo, j que este problema no pareceu ser um grande motivo de
preocupao em outros momentos da Histria ou em outros modelos de sociedade.
A Revoluo Industrial e o conseqente advento da produo fabril trouxeram consigo
um acirramento das condies da vida cotidiana, exacerbadas pela exploso demogrfica das
cidades e dos centros industriais. A essa questo buscaram-se respostas, que procurassem
seno resolver pelo menos evitar o crescimento das tenses naturais, motivadas pelas novas
condies humanas e sociais, que poderiam traduzir-se em movimentos de contestao a toda
ordem vigente, o que sem dvida, no era do interesse dos setores dominantes da sociedade.
crise do urbanismo, somamos a grande utilizao do trabalho infantil na produo
industrial e a preocupao do empresariado em duas frentes, primeiro na qualificao da mo-
de-obra que, a cada dia, adentrava na fbrica mais jovem, e segundo, realizar o
adestramento desta mo-de-obra nos princpios de eficincia e organizao.
O ensino ou instruo ficava em um obscuro segundo plano, atrs da obsesso pela ordem, pela pontualidade, pela compostura, etc. O guia para o trabalho dos inspetores nas escolas mtuas publicado pela Sociedade para a Melhoria da Instruo Elementar, na Frana, em 1817, continha vinte e oito normas, e as treze primeiras eram: Observa-se na escola um silncio suficiente? Permanece o professor suficientemente silencioso, fazendo-se obedecer mediante gestos? Realiza-se a leitura realmente a meia voz? Est em ordem o
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mobilirio? Cumpre-se realmente a mxima: cada coisa em seu lugar e um lugar para cada coisa? So suficientes a ventilao e a iluminao? Tem bastante espao para os alunos? correta a atitude dos alunos? Colocam claramente as mos atrs das costas durante os movimentos e deslocam-se marcando o passo? Esto satisfeitos os alunos? Tem os alunos s mos e os rostos limpos? Esto bem visveis os rtulos das punies e so utilizados? O professor ameaa bater as crianas? Exerce corretamente o professor uma vigilncia permanente sobre o conjunto dos alunos? (ENGUITA, 1989, p.118).
O mtodo tambm se expandiu para outras regies, como os Estados Unidos da
Amrica, onde, nos primeiros anos do sculo XIX, j existiam centros de ensino em Nova
Iorque, na Filadlfia, em Boston. Tambm encontramos o mtodo sendo usado em Serra Leoa,
na frica do Sul, na ndia, na Austrlia, ou seja, em praticamente todo Imprio colonial
britnico.
Foi grande a acolhida do mtodo do ensino mtuo na Amrica Latina, regio onde
existia grande escassez de material humano para realizar a funo de professores, a um dos
grandes mritos do mtodo em poder atingir um nmero, segundo alguns autores, de at 500
alunos por classe, alm deste requerer apenas espaos suficientes para a quantidade de alunos
e recursos didticos simples, fatores determinantes de sua escolha tanto no Brasil, como no
restante do continente americano:
Consumada a independncia, o ensino primrio, nos pases americanos, teve os seguintes aspectos: no poltico, tratou-se de subtra-lo s mos do clero; quanto ao seu contedo, deu-se guarida cincia natural, e no que tangia aos mtodos, introduziu-se o sistema lancasteriano da instruo mtua, que como se sabe, ajudava a remediar a escassez de mestres. J. Lancaster, em pessoa, convidado por Bolvar, visitou a capital da Grande Colmbia, em 1824; mas anteriormente o escocs P. Thompson, de 1818 a 1824 difundia seu mtodo na Argentina, no Chile, e no Peru. Em 1822, fundou-se no Mxico, a Benemrita Companhia lancasteriano, cuja obra se manifestou na criao de numerosas escolas. (LARROYO, 1974, p. 597).
O mtodo de ensino mtuo foi at a dcada de 1840, o principal instrumento de
escolarizao das crianas e dos trabalhadores fabris na Europa Ocidental. Esse foi
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considerado o meio mais prtico de formao do futuro operrio, sendo a monitoria a
aplicao prtica do princpio industrial da diviso do trabalho, que se firma como elemento
crucial dessa nova fase da produo fabril.
Em finais da dcada de 40, do sculo passado o mtodo entrou em declnio devido em
grande parte a utilizao do mtodo de ensino simultneo, adaptado pelos Irmos da Instruo
Crist, e que consideramos no mais que uma readequao do mtodo de Lancaster.
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Captulo 2
Educao luso-brasileira e o ensino de primeiras letras
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Um dos fatores comumente considerado como de extrema importncia para a educao
luso-brasileira foi a ascenso poltica do Marqus de Pombal ao Ministrio portugus durante
o reinado de D. Jos I, o que possibilitou o estabelecimento em Portugal de algumas idias do
Iluminismo, que tardia, e digamos, filtradamente chegava a Portugal, via intelectuais
residentes principalmente em Paris e Londres.
Acerca do Iluminismo portugus, salientamos que este, por uma srie de fatores, no
conheceu em terras lusitanas o mesmo teor de crtica nobreza e de compilao do iderio de
uma burguesia efetivamente revolucionria e empreendedora. Como podemos notar na
seguinte observao de XAVIER (1994, p. 51): Embora a Metrpole portuguesa s abrisse
perspectivas para a penetrao de um Iluminismo contido, cientfico na aparncia, j que
permaneceria submetido tradicional cultura da imitao, memorizao e cultura literria.
No campo da instruo pblica que nos importa direta e especificamente, o Iluminismo
do perodo pombalino suscitou uma srie de mudanas na estrutura educacional de Portugal e
de suas colnias, o que de certa forma seria o prenncio de todas as transformaes
posteriores pelas quais viria passar toda a educao entre meados dos sculos XVIII e XIX.
A expulso dos jesutas do territrio portugus e de suas colnias, em 1759, teria sido
provavelmente, um fato poltico, precursor que possibilitou essas mudanas. Como bastante
sabido, cabia aos jesutas a quase exclusividade da educao no Reino Portugus,
principalmente no segmento do ensino elementar, desde a Contra Reforma. Tambm cabia a
Companhia de Jesus, a formao e a atuao como preceptores dos filhos das classes
dominantes portuguesas, que, posteriormente, deveriam ocupar as posies de destaque na
sociedade, tanto na metrpole como nas colnias. Alm disso, no fugindo aos objetivos
originais de evangelizao desde a sua criao, tinham a tarefa da catequizao, ou como
costumeiramente se referiam seus membros, civilizao dos nativos.
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Essa funo pedaggica dos jesutas nos foi descrita desde os primrdios do Brasil
enquanto colnia, em vista de quinze dias aps a chegada dos primeiros religiosos ao Brasil,
criaram em Salvador uma escola elementar, sendo o primeiro professor Vicente Rodrigues,
considerado o primeiro mestre-escola do Brasil.
A influncia que os jesutas vieram a ter ao longo do tempo na sociedade luso-
brasileira foi claramente descrita por alguns autores que trataram deste perodo histrico:
O xito da obra jesutica foi to grande que, no primeiro sculo da colonizao, o colgio dos jesutas chegou a fazer sombra casa-grande e aos sobrados patriarcais, na sua autoridade sobre o menino e a mulher e o escravo. Pelo colgio, como pelo confessionrio, e at pelo teatro, os jesutas procuraram subordinar Igreja aos mesmos elementos passivos da casa-grande duas de suas funes mais prestigiosas: a da escola e a da Igreja. Procuraram enfraquecer a autoridade do pater-famlias nas suas duas razes mais poderosas. (FREYRE apud LARROYO, 1974, p.887)
Esta posio tambm reforada por Vilhena (1969, p. 274) que se referindo ainda ao
perodo anterior expulso desses religiosos, afirmava: pais de famlia que viviam
entusiasmados que nada era neste mundo quem no tinha um filho religioso na Companhia.
Desta forma, a Companhia de Jesus enraizou-se ideologicamente nas estruturas scio-
polticas do Reino, notadamente nas suas colnias e, em nosso caso especfico, o Brasil,
formando assim as concepes dos herdeiros das classes dominantes e estabelecendo
firmemente os sustentculos da religio Catlica Apostlica Romana no cotidiano da
sociedade brasileira ainda colonial.
A expulso dos jesutas provocou necessariamente a tomada de uma srie de medidas
por parte da coroa portuguesa para organizar ou reorganizar toda a estrutura educacional,
agora, sob moldes modernos e cientficos como se pretendia de acordo com o pensamento
iluminista, que, como j fora dito, chegava s terras lusitanas.
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Esse perodo comumente tratado na bibliografia sobre o assunto como a lacuna
educacional caracterizou-se, de fato, pela tomada de tmidas medidas no campo educacional
que visavam preparar a instituio de um modelo de instruo estatal, como j se vinha
articulando em outras naes europias. Para isso seria necessrio o estabelecimento de todo
um aparato institucional e legal, alm e principalmente, da constituio de uma clara dotao
de recursos de ordem fixa e segura para que se custeassem os estudos.
Os estudos a que nos referimos neste momento eram os que deveriam ser realizados
sob o novo regime de estrutura educacional, a saber, o sistema de aulas rgias, que consistia
em aulas avulsas em substituio s disciplinas antes oferecidas nos extintos colgios
jesuticos.
Sobre isto, podemos afirmar que o sistema de aulas rgias por si s encerrava uma
srie de dificuldades, tanto na sua estrutura, quanto no seu funcionamento cotidiano. Uma
dessas, e talvez a principal seria a dificuldade em se conseguirem professores realmente aptos
para exercer as tarefas relativas ao magistrio, sendo que, nesse caso, uma das medidas
tomadas pelo reino foi a de substituir os jesutas por membros de outras ordens religiosas,
como por exemplo, os Oratorianos.
Um outro dado digno de nota que este modelo de organizao de ensino continuou
privilegiando um segmento da sociedade, que deveria fornecer os quadros necessrios para a
administrao pblica, objetivando a continuidade da hegemonia de classe. No caso brasileiro,
essas aulas serviram primordialmente como preparao para aqueles que poderiam dar-se ao
luxo de concluir seus estudos superiores na Europa.
Foram criadas aulas rgias primrias, apenas limitadas ao ensino da leitura, da escrita e
de rudimentos de aritmtica, onde o processo de consecuo de professores, devido s parcas
exigncias, possibilitava o ingresso no magistrio de indivduos que pouco ou nada mais
sabiam do que os contedos que deveriam ministrar.
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S havia escolas nas cidades e vilas mais importantes enquanto os outros pontos do pas viviam na mais completa ignorncia. Excetuados os seminrios e as aulas monsticas, s se poderia beber alguma instruo, freqentando-se as poucas aulas (escolas) rgias de Latim, Retrica, Filosofia e mui limitado nmero de escolas de instruo elementar. Os professores mal remunerados e pouco considerados, no tinham uniformidade no ensino, nem aptido, e aos alunos infligiam castigos corporais excessivos e infamantes. A instruo estava fechada em estrito crculo e pssimas eram as escolas, porque no eram bons os professores. (AZEVEDO apud LARROYO, 1974, p. 892).
Ainda acerca do ensino primrio, vemos especificamente tratando deste nvel de
ensino a lei de 06 de novembro de 1772, com a qual, segundo GOMES (1996, p. 14-5) o
Marqus de Pombal criou, no Reino, no Ultramar e nas ilhas, algumas centenas de escolas, s
quais seriam afectados 479 mestres de ler, escrever e contar. Quanto distribuio
geogrfica destes mestres, encontramos tratarem-se de 440 mestres de ler, escrever e contar no
Reino, 24 no Ultramar e 15 nas ilhas.
Nesse mesmo ms de novembro do ano de 1772, foi criado finalmente o fundo que
deveria servir de custeio para as aulas criadas quatro dias antes, denominado subsdio literrio,
que assim se definia sob a forma de lei:
Nestes reinos e ilhas de Aores e Madeira, [estabeleo o imposto] de um real em cada canada de vinho; e de quatro ris em uma canada de aguardente; de cento e sessenta ris em cada pipa de vinagre; na Amrica e na frica, de um real em cada arratel de carne, da que se cortar nos aougues; e nelas e na sia, de dez ris em cada canada de aguardente das que se fazem nas terras, debaixo de qualquer nome que se lhe d venha a dar. (GOMES, 1996, p. 14).
Deve-se notar, entre outros aspectos, que a cobrana do imposto era relativamente
especfica quanto aos locais, e sobre que produtos deveriam ser taxados, e onde este deveria
ser cobrado, ou seja, deveria ser cobrado de setores relativamente mais fceis de serem
tributados e que efetivamente pudessem arrecadar o suficiente para o fim que se destinava.
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Quanto ao subsdio literrio, tornou-se comum discusso acerca da sua suficincia ou
no para custear as escolas, principalmente em decorrncia da grande sonegao e da
irregularidade que sempre foi a tnica de sua cobrana. Logicamente como tal imposto era
cobrado a partir da circulao de uma determinada mercadoria no mercado regional, o que
claramente deveria ser oscilante devido s variaes costumeiras dos mercados em que era
cobrado.
Encontramos no poucas vezes referncias aos atrasos dos vencimentos dos
professores devido a insuficincia dos recursos oriundos dessa tributao, como tambm
encontramos referncias outras, que ressaltam que os dados atribudos ao subsdio literrio
nos anos de 1797 e 1798 eram incompletos, visto que, o imposto sobre a carne dava quase
para o pagamento de todos os professores da cidade do Salvador, isso sem contar o imposto
sobre a aguardente.
Ainda sobre o subsdio literrio, Vilhena (1969, p. 286-7) deixa transparecer que a sua