Receptação de Celulares Em Estabelecimentos Prisionais

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Receptação de celulares em estabelecimentos prisionais Francisco José Borsatto Pinheiro Advogado, Especialista em Ciências Penais pela PUCRS Não é incomum ser constato pelas autoridades policiais a existência de aparelhos de comunicação em estabelecimentos em que o interno deveria, teoricamente, permanecer isolado. Desta forma, todas as barreiras possíveis foram criadas para tentar evitar a entrada desse tipo de aparelho em estabelecimentos prisionais. No entanto, os referidos aparelhos conseguem ingresso. Administrativamente se um detento é apanhado com um aparelho de telefone celular deve responder por esta infração de natureza grave, no que se chama de Procedimento Administrativo Disciplinar – PAD - com base no artigo 50, inciso VII da Lei de Execução Penal – LEP: Art. 50. Comete falta grave o condenado à pena privativa de liberdade que: (...) VII – tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefônico, de rádio ou similar, que permita a comunicação com outros presos ou com o ambiente externo. (Incluído pela Lei nº 11.466, de 2007) Ainda, a conduta daquele que de alguma forma colabora ou executa a entrada de aparelho dessa natureza tem a ação

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Artigo formulado como análise do enfrentamento da situação carcerária do Estado do Rio Grande do Sul frente a impossibilidade de conter a entrada de aparelhos de telefone celular nas dependências prisionais.

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Receptao de celulares em estabelecimentos prisionaisFrancisco Jos Borsatto PinheiroAdvogado, Especialista em Cincias Penais pela PUCRS

No incomum ser constato pelas autoridades policiais a existncia de aparelhos de comunicao em estabelecimentos em que o interno deveria, teoricamente, permanecer isolado. Desta forma, todas as barreiras possveis foram criadas para tentar evitar a entrada desse tipo de aparelho em estabelecimentos prisionais.No entanto, os referidos aparelhos conseguem ingresso.Administrativamente se um detento apanhado com um aparelho de telefone celular deve responder por esta infrao de natureza grave, no que se chama de Procedimento Administrativo Disciplinar PAD - com base no artigo 50, inciso VII da Lei de Execuo Penal LEP:

Art. 50. Comete falta grave o condenado pena privativa de liberdade que:(...)VII tiver em sua posse, utilizar ou fornecer aparelho telefnico, de rdio ou similar, que permita a comunicao com outros presos ou com o ambiente externo.(Includo pela Lei n 11.466, de 2007)Ainda, a conduta daquele que de alguma forma colabora ou executa a entrada de aparelho dessa natureza tem a ao enquadrada no delito de Favorecimento Real, na forma do artigo 349-A do Cdigo Penal, que assim preceitua:Art. 349-A. Ingressar, promover, intermediar, auxiliar ou facilitar a entrada de aparelho telefnico de comunicao mvel, de rdio ou similar, sem autorizao legal, em estabelecimento prisional.(Includo pela Lei n 12.012, de 2009).Pena: deteno, de 3 (trs) meses a 1 (um) ano.(Includo pela Lei n 12.012, de 2009).Ambas as sanes tem a finalidade de desestimular quaisquer dessas condutas. No entanto, so as nicas punies aplicveis. Ou seja, o preso s pode ser punido administrativamente e aquele que praticar o favorecimento real ter que responder perante a Justia Criminal.O que no pode ocorrer, mas ocorre, a denncia ofertada pelo Ministrio Pblico imputando ao preso o delito de Receptao, artigo 180 do Cdigo Penal, por estar de posse de aparelho de telefone celular. O referido artigo assim capitula o crime: Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito prprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-f, a adquira, receba ou oculte:(Redao dada pela Lei n 9.426, de 1996)Pena - recluso, de um a quatro anos, e multa.(Redao dada pela Lei n 9.426, de 1996)

O Ministrio Pblico em suas razes de agir alega ser impossvel no ter certeza que o preso que recebe o aparelho de telefone celular desconhece a origem ilcita do aparelho. Alm disso, afirma que a conduta criminosa antecedente justamente aquela que h pouco tratamos: do favorecimento real. No entanto no este o entendimento da 6 Cmara Criminal, ao julgar o HC 70058892902, de relatoria da Eminente Desembargadora Bernadete Coutinho Friedrich, que unanimidade concedeu a Ordem de trancamento de ao penal em caso onde ocorreu o acima narrado.Em suas razes de decidir, a Desembargadora disse:O crime previsto no art. 180 do CP, como cedio, conserva acessoriedade material com um crime antecedente, no necessariamente classificado como crime patrimonial. No taxonomia jurdica das espcies de crimes, realizada pelo legislador, que definir se determinado crime poder ou no s-lo antecedente do delito de receptao. Nesse sentido, determinados crimes contra a administrao pblica, como o peculato, podero corresponder ao crime antecedente de receptao, bastando que o receptador tenha conscincia de que a res seja produto desse crime. De salientar, tambm, que a receptao tem por sujeito passivo o proprietrio ou possuidor da res oriunda de crime. Ao pratic-lo, perpetua a subtrao sofrida pelo ofendido.Cumpre atentar que a caracterstica comum entre os crimes patrimoniais e o delito supra referido que se trata de crimes materiais, ou seja, exigem a produo de resultado naturalstico. E, esse resultado, que vem a corresponder a uma efetiva subtrao do patrimnio do ofendido, tal como um veculo furtado, um bem pblico desviado, ostenta ntido valor econmico ou, ao menos, utilidade mensurvel monetariamente, passveis de serem objeto material do fato tpico previsto no art. 180 do CP.O mesmo no ocorre, todavia, com a maioria dos crimes formais, mais precisamente, com aqueles cujo resultado naturalstico, dispensvel para verificao da conduta tpica, no corresponda a uma subtrao de bem aprecivel monetariamente. exatamente o caso do crime previsto no art. 349-A do CP, formal e de perigo abstrato, cujo resultado naturalstico, porventura existente, no causa interferncia na rbita patrimonial do sujeito passivo, que vem a ser o Estado e, conforme leciona Guilherme de Souza Nucci, em um segundo plano, a sociedade, que pode ser vtima da prtica de outros delitos, caso exista comunicao dos presos com o mundo exterior (in Cdigo Penal Comentado, 10 ed., p. 1211).Nessa linha de pensamento, a consumao do crime previsto no art. 349-A do CP no gera resultado naturalstico correspondente a produto de crime passvel de tornar-se objeto material do delito de receptao. A conduta tipificada como crime justamente para evitar que o aparelho de comunicao entre irregularmente no estabelecimento prisional. No entanto, uma vez que tenha entrado, e sido possudo por um apenado, resta apurar a conduta e puni-lo pela prtica de falta grave. Se a punio se mostra insuficiente, importa, em um plano de lege ferenda, tipific-la como crime. Todavia, no dado ao operador do direito extrapolar a interpretao de uma norma penal para incriminar conduta que deveria ser tipificada como crime, atuando como legislador fosse.No se ignora que o paciente sabia, possivelmente, da origem ilcita do celular com o qual foi apreendido. A res entrou no estabelecimento prisional, pela prtica do delito previsto no art. 319-A ou no art. 349-A, ambos do CP. No entanto, a menos que haja suspeita fundada de que o aparelho telefnico seja oriundo de um prejuzo ilcito sofrido pelo seu legtimo proprietrio ou possuidor, a sua conduta no se amolda ao quadro tpico do art. 180 do CP. Raciocnio diverso conduziria a nefastos exageros punitivos, como a imputao do crime de receptao aos consumidores de narcticos.Em sntese, a pretenso acusatria somente seria admissvel se o inqurito policial contivesse elementos de informao de que o aparelho telefnico celular apreendido com o paciente, dentro do estabelecimento prisional, fosse produto de algum crime que produzisse resultado naturalstico passvel de ser objeto do crime de receptao, a exemplo de delitos de roubo, furto, peculato, enfim, crimes quejandos, materiais e, excepcionalmente, formais, como poderia ocorrer na hiptese de crime de concusso, caso as circunstncias indicassem que o agente possua conscincia de que a res proviesse da prtica de delitos desse jaez. Assim, tendo em vista a conduta descrita na denncia, e a inadmissibilidade da pretenso acusatria, importa reconhecer a ausncia de justa causa para o aforamento da ao penal, importando o seu trancamento.

Resta absolutamente claro que em casos como este a ao penal clama por imediato trancamento, dada a ausncia de justa causa para proposio de ao penal por receptao, imputando o favorecimento real como crime antecedente, quando no houver o mnimo indcio de ilicitude do aparelho de telefone apreendido com detendo do sistema prisional.Para que houvesse uma conduta com punio mais severa que a administrativa seria necessrio pelo menos que houvesse algum indcio de ilcito anterior que justificasse tanto, ou seja, deveria se ter notcias de uma ocorrncia de pelo menos furto ou roubo do aparelho apreendido para que se pudesse apontar com certeza a cincia de origem ilcita. Ainda, para que seja classificado como crime antecedente de recepo, o favorecimento real deve ter causado prejuzo material ao agente passivo da conduta, que no caso em tela o Estado. Ou seja, o celular ingressado nas dependncias de casas prisionais no passou a ser do Estado e depois foi furtado para que fosse receptado por um detento. Na pior das hipteses os celulares foram furtados ou roubados e a sim ingressaram nos estabelecimentos. No havendo o prejuzo material, essencial para configurao dos crimes debatidos no artigo, no que se falar na prtica de tais crimes.Concluindo, no possvel que se crie, dentro da esfera judiciria, qualquer punio alm da prevista, que alm de prejuzo ao ru implicaria em quebra do equilbrio dos Poderes. Forar perspectivas de aplicao da Lei, de forma manifestamente ilegal, no cobe a prtica de crimes nem condiz com qualquer suposta motivao superior, apenas age de forma ilegal com aqueles que esto respondendo por seus atos ilegais, alterando no o equilbrio dos Poderes como diz Aury Lopes Jr. mas do Jogo.