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1. INTRODUÇÃO
A rede rodoviária portuguesa encontra-se
praticamente construída sendo a gestão sus-
tentável da sua conservação o desafio que se
coloca às administrações rodoviárias. Neste
contexto impõe-se a consideração dos proble-
mas ambientais que resultam da exploração e
das atividades de conservação das rodovias.
Entre esses problemas destaca-se a exposição
das populações ao ruído ambiental, cuja com-
ponente preponderante é o ruído rodoviário.
A Organização Mundial de Saúde (WHO) re-
velou que os efeitos do ruído ambiental na
incomodidade sonora e na saúde das popu-
lações incluem doenças cardiovasculares,
perturbações cognitivas e de sono, stress e
zumbidos [1]. As cartas de ruído elaboradas
na europa no âmbito da diretiva 2002/49/EC,
relativa à avaliação e gestão do ruído ambien-
tal, mostram que 67 milhões de pessoas (i.e.
55%) que vivem em aglomerados urbanos com
mais de 250000 habitantes estão expostas
a níveis de ruído diários que excedem 55 dB
Lden (nível sonoro médio de longa duração,
diurno-entardecer-noturno), sendo que no pe-
ríodo da noite o tráfego rodoviário é o principal
responsável pela exposição de 48 milhões de
pessoas a níveis de ruído superiores a 50 dB Ln
(nível sonoro determinado durante uma série
de períodos noturnos representativos de um
ano). Fora dos aglomerados urbanos, o tráfego
é ainda o principal responsável pela exposição
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de 34 milhões de pessoas a níveis superiores a
55 dB Lden e de 25 milhões a níveis superiores
a 50 dB Ln [2].
Na União Europeia, os custos sociais da expo-
sição ao ruído rodoviário foram estimados em
cerca de 36 biliões de euros por ano [3].
Embora a incomodidade sonora seja um proble-
ma complexo que envolve fenómenos físicos,
psicológicos e sociológicos, as medidas de
mitigação do ruído rodoviário passam apenas
pela redução ou limitação da emissão e da
propagação do ruído.
A primeira ação tomada com vista à redução
da emissão de ruído rodoviário teve lugar nos
anos 70 com a regulamentação do ruído emi-
tido pelos veículos e mais tarde pelos pneus.
No futuro, com a crescente utilização de veí-
culos elétricos é espectável uma redução do
ruído rodoviário em meio urbano. Entretanto,
a utilização de superfícies rodoviárias de baixo
ruído afigura-se como uma solução eficaz e
económica para a redução do ruído de contacto
pneu-pavimento. Para reduzir a emissão do
ruído é ainda possível adotar medidas relati-
vas à gestão do tráfego, como por exemplo a
limitação da velocidade do tráfego.
As ações possíveis para limitação da propaga-
ção do ruído incluem a construção de barreiras
acústicas, muito restringida em áreas urbanas,
o isolamento das fachadas dos edifícios e ainda
ações a nível de planeamento urbano, como por
exemplo, a orientação adequada das fachadas
dos edifícios relativamente às vias de tráfego.
reabilitação de pavimentosreabilitação das características de superfície para a diminuição do ruído pneu-pavimentoElisabete Freitas
Professora Auxiliar, Dep. Engenharia Civil, Universidade do Minho, [email protected]
Paulo Pereira
Professor Catedrático, Dep. Engenharia Civil, Universidade do Minho, [email protected]
No entanto, até por razões regulamentares, a
diminuição do ruído tem de ser procurada na sua
origem, ao nível da interação pneu-pavimento,
pelo que tem sido dada muita importância ao
desenvolvimento de soluções de camadas
superficiais de pavimentos que originem cada
vez menos ruído. Aliás, o ruído de contacto pneu-
pavimento é já considerado uma característica
de superfície, a par da textura e do atrito, e foi
incluído no conjunto de indicadores de desem-
penho dos pavimentos na Ação COST 354.
Contudo, a informação existente sobre o ruído
resultante do contacto pneu-pavimento ao
nível da rede rodoviária ainda não é suficiente
para apoiar decisões baseadas em critérios
de desempenho acústico que contemplem a
totalidade da vida das camadas e de critérios
subjetivos de incomodidade, mas é suficiente
para apoiar a seleção de técnicas de reabi-
litação em função dos níveis de ruído que
proporcionam nos primeiros após construção.
Todavia, em Portugal, há ainda um longo ca-
minho a percorrer, que terá que passar pela
integração nos planos de controlo de quali-
dade a monitorização do ruído de contacto
pneu-pavimento. A informação resultante da
implementação destes planos apoiará, para
além da definição do desempenho acústico
característico de cada tipo de camada superfi-
cial dos pavimentos ao longo do tempo, outras
atividades fundamentais, nomeadamente:
a classificação das camadas em diferentes
categoriais (por exemplo, ruidosas ou de baixo
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> 1
ruído); a definição do âmbito da sua utilização
(estradas urbanas ou rurais submetidas a tráfe-
go predominantemente ligeiro ou pesado); o es-
tabelecimento de limites de intervenção tendo
por base critérios subjetivos de incomodidade
sonora; o estabelecimento de limites mínimos
de geração de ruído, que permitam a deteção
dos veículos que circulam a velocidades redu-
zidas em meio urbano; e o desenvolvimento de
novos produtos que garantam um desempenho
acústico adequado e desta forma permitam
aumentar a competitividade das empresas.
MECANISMOS DE GERAÇÃO DE RUÍDO
O sistema automóvel é composto por várias
fontes sonoras, nomeadamente o motor, a
interação pneu-pavimento, as vibrações e
choques das diversas partes do veículo e o
ruído aerodinâmico. Na gama de velocidades
usualmente praticadas, a fonte sonora pre-
ponderante é a interação pneu-pavimento,
isto é, a velocidades acima dos 35 km/h ou
50 km/h, para veículos ligeiros ou pesados
respetivamente [4]. A velocidades inferiores
a estes limites predomina a componente do
ruído do motor.
Os mecanismos de geração de ruído associa-
dos à interação pneu-pavimento referem-se:
(i) às vibrações, que resultam do contacto
dos pneus na superfície e da aderência, e (ii)
ao efeito de bombeamento de ar que ocorre
no momento em que o pneu interage com a
superfície [5]. Estes são, por um lado, amplifi-
cados devido ao efeito de pavilhão. Por outro
lado, podem ser amplificados ou atenuados em
função da relação entre a impedância acústi-
ca (absorção) e mecânica da superfície e da
frequência de ressonância do sistema roda/
pneu [6] (Figura 1).
Além disso, os mecanismos referidos são
influenciados pelo comportamento dos con-
dutores (através do controlo da velocidade e
da pressão dos pneus), pelas características
dos pneus (estrutura, dimensão, rigidez da
borracha, relevo, desgaste e idade), pelas
características da superfície do pavimento
(micro, macro e megatextura, irregularidade,
porosidade, rigidez, idade, desgaste) e pelo cli-
ma (presença de água, temperatura e vento).
O ruído resultante destes mecanismos pode
ser medido por diversos métodos, sendo
os mais utilizados o Método Estatístico da
Passagem (Statistical Pass-by Method – SPB)
e o Método da Proximidade Imediata (Close
Proximity Method – CPX), preconizados nas
normas ISO 11819-1 e ISO 11819-2.
PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DAS
SUPERFÍCIES DE BAIXO RUÍDO
O trabalho realizado nas últimas décadas, quer
pela indústria quer pelas instituições de inves-
tigação, proporcionou um conjunto de técnicas
de pavimentação que permitem reduzir o ruído
de contacto pneu-pavimento.
Com efeito, observou-se que o betão betumi-
noso denso, o SMA (Stone Mastique Asphalt),
habitualmente tomado como referência, os
revestimentos superficiais e as misturas em
betão de cimento originam mais ruído do que
o betão betuminoso drenante, as misturas
delgadas, e as camadas poro-elásticas [7-9].
No primeiro grupo, a dimensão do agregado, a
qual geralmente é grande, a baixa porosidade
e a textura positiva (Figura 2) são fatores que
contribuem para elevados níveis de ruído. No
segundo grupo, os níveis de ruído mais redu-
zidos devem-se à menor vibração do pneu,
causada sobretudo pelo pequeno tamanho do
agregado, e à natureza aberta das misturas,
que confere boa drenagem do ar, contribuindo
para a redução do ruído de bombeamento de ar
e de outros mecanismos semelhantes.
O betão betuminoso drenante foi desenvolvido
para drenar a água da superfície dos pavimen-
a) b)
c) d)
> Figura 1: Ilustração de mecanismos de geração de ruído pneu-pavimento: a) vibração dos blocos do pneu; b) vibração dos flancos; c) bombeamento de ar; d) efeito de pavilhão [5].
> Figura 2: Exemplo de textura positiva (esquerda) e de textura negativa (direita).
> 2
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> 5
tos, tendo-se verificado que o seu elevado
volume de vazios (20-25%) conduzia a uma
redução de ruído típica de 2 a 3 dB(A). Por apre-
sentar alguns problemas, como a colmatação
dos poros, e a geração de vibrações adicionais
devido ao tamanho elevado dos agregados, que
acabavam por reduzir o efeito desejável da ab-
sorção do som, este tipo de camada superficial
evoluiu para uma camada dupla. O betão betu-
minoso de dupla camada (Figura 3) é composto
por duas camadas porosas constituídas por
agregados de dimensão diferente. Encontra-se
no topo uma camada com cerca de 25 mm de
espessura e agregados de dimensão reduzida
(2/4, 2/6 ou 4/8 mm) e na base outra camada
com 45 mm de espessura e agregados com 14
cm ou 16 mm. Estas camadas proporcionam
uma redução típica inicial do ruído de cerca de
5 dB(A), contudo o problema da colmatação de
poros subsiste [10].
Devido à necessidade de conservação e re-
abilitação dos pavimentos, a construção de
camadas superficiais de espessura reduzida
(delgadas) tornou-se apelativa. De facto, este
tipo de camadas são utilizadas há muitos anos
em alguns países do norte da Europa, como por
exemplo, a Holanda e a França, por reduzirem
o uso de materiais, e consequentemente os
custos, por proporcionarem atrito e drenagem
superficial da água das chuvas adequados e
pela sua intervenção positiva na redução do
ruído de contacto pneu-pavimento. No mer-
cado foram identificados cerca de 40 tipos de
camadas delgadas, com características muito
diversificadas. A Figura 4 mostra o aspeto de
algumas superfícies com marca registada.
As camadas designadas por poro-elásticas são
compostas por elevadas percentagens de grâ-
nulos de borracha, até 90% em peso, e por um
elevado volume de vazios (Figura 5). Esta téc-
nica foi utilizada pela primeira vez na Suécia no
fim dos anos 70, mas só agora se encontra em
curso um projeto de investigação (PERSUADE)
que pretende resolver os problemas de dura-
bilidade que este tipo de camadas apresentou
na sua fase inicial de desenvolvimento [12].
Esta técnica merece destaque por proporcionar
reduções de ruído até 12 dB(A).
As técnicas de reabilitação que contemplam
várias das características abaixo enuncia-
das são uma garantia de que a superfície
selecionada proporcionará um nível de ruído
significativamente inferior ao das superfícies
tradicionalmente utilizadas.
– A superfície deve ter uma estrutura homo-
génea, ser compactada com cilindro e estar
isenta de irregularidades na gama da mega-
textura, para evitar fenómenos de vibração
nos pneus.
– A superfície não deve ser lisa, mas ter uma
macrotextura adequada (aberta e negativa)
conferida de preferência por agregados
angulares com dimensão inferior a 8 mm. A
dimensão ideal compreende-se entre os 3 e
os 5 mm. Desta forma reduz-se o efeito de
bombeamento de ar.
– A superfície deve também ter uma porosi-
dade adequada para assegurar uma boa
capacidade de absorção do som, sendo
condição fundamental que os vazios se-
jam comunicantes, reduzindo também o
bombeamento de ar e limitando o efeito de
propagação do ruído.
– As superfícies com propriedades viscoelásti-
cas amortecem as vibrações dos pneus e des-
ta forma absorvem o ruído mecanicamente.
CARACTERIZAÇÃO DO RUÍDO
PNEU-PAVIMENTO DAS SUPERFÍCIES
RODOVIÁRIAS PORTUGUESAS
A avaliação do ruído de contato pneu-pavimento
das superfícies utilizadas tradicionalmente em
Portugal e ainda de algumas superfícies cons-
truídas a título experimental foi feita no âmbito
de dois projetos de investigação, realizados
pela Universidade do Minho [14] e pelo Labo-
ratório Nacional de Engenharia Civil [15]. Na
Figura 6 encontram-se reunidos os resultados
de ambos os projetos. Nestes projetos a medi-
ção do ruído foi feita pelo método SPB e por uma
variante deste método – Método de passagem
controlada (Controlled pass-by method (CPB)
– em que os veículos são previamente selecio-
> 3 > 4
> Figura 3: Betão betuminoso drenante de dupla camada: corte esquemático da camada à esquerda [11]; aspeto da camada [10] à direita.
> Figura 4: Exemplo de camadas delgada, Microflex® à esquerda e Novachip ® à direita [10].
> Figura 5: Aspeto de superfície poro-elástica [13].
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nados. Os valores de cada nível de velocidade
(50 km/h, 70km/h e 90 km/h) foram estimados
através da reta de regressão determinada para
o nível de ruído medido versus logaritmo deci-
mal da velocidade medida dos veículos. A idade
de todas as superfícies observadas era inferior
a 5 anos e não aparentavam ter qualquer tipo
de degradação.
Estes resultados mostram claramente que as
técnicas de pavimentação de camadas super-
ficiais disponíveis em Portugal contemplam
soluções que conduzem a reduções do nível de
ruído significativas nos primeiros anos de vida.
Por conseguinte, é possível um aumento signi-
ficativo de qualidade de vida das populações
vizinhas de uma estrada e dos seus transeun-
tes, sem acréscimos de custos, fazendo uma
seleção criteriosa da camada superficial. Para
efeitos comparativos, mostra-se na Figura 7 o
aspeto de algumas superfícies observadas nos
estudos referidos.
> 6
> Figura 6: Nível de ruído máximo (Lmax) medido pelos métodos SPB e CPB.
DURABILIDADE ACÚSTICA
Como qualquer parâmetro de estado do pavi-
mento, como por exemplo o atrito e a capaci-
dade de suporte, o nível de ruído resultante
do contacto pneu-pavimento evolui ao longo
do tempo. Apesar de em grande parte dos
países europeus já se medir o ruído de con-
tacto pneu-pavimento por diversos métodos,
não existe ainda um procedimento aplicado
de forma sistemática e inserido nos planos
de controlo da qualidade dos pavimentos
que permita apoiar o estabelecimento de
tendências de evolução do nível de ruído ou
modelos de desempenho, para os diversos
tipos de camadas. Existem alguns estudos
que indicam que as superfícies que alteram
menos as suas características superficiais,
particularmente a macro e mega textura e a
porosidade, têm um comportamento a longo-
prazo mais favorável. Para garantir a durabi-
lidade acústica por um período mais longo é
aconselhável utilizar materiais com caracte-
rísticas melhoradas como, por exemplo, filer
especial para prevenir o aparecimento de de-
formações plásticas e betumes modificados
para evitar o arrancamento dos agregados e
assim assegurar uma regularidade adequada
por um período de tempo mais longo.
PERCEÇÃO DE RUÍDO E DETEÇÃO DE TRÁFEGO
Particularmente em meio urbano, questões
relacionadas com a perceção e a deteção
do ruído rodoviário são relevantes. O ouvido
humano transforma flutuações de pressão
que se tornam em representações mentais
do som. Contudo, o ruído percebido integra
uma componente subjetiva relacionada
com fenómenos psicológicos e sociológicos.
Neste contexto, já foram realizados para
LEGENDA
Betão betuminoso BB
Betão betuminoso (Dmax 12 mm) BB12
Betão betuminoso drenante BBd
Betão betuminoso rugoso BBr
Cubos de granito CG
Microaglomerado a frio duplo mAF
Mistura betuminosa aberta com betume modificado com borracha – alta percentagem de borracha (Dmax 10 mm)
MBA BBA10
Mistura betuminosa aberta com betume modificado com borracha – alta percentagem de borracha (Dmax 12 mm)
MBA BBA12
Mistura betuminosa aberta com betume modificado com borracha – média percentagem de borracha
MBA BBM
Microbetão betuminoso rugoso mBBr
Microbetão betuminoso rugoso (Dmax 7 mm)
mBBr7
Mistura betuminosa rugosa com betume modificado com borracha – alta percentagem de borracha
MBR BBA
Mistura betuminosa rugosa com betume modificado com borracha – via seca
MBR BBS
Mistura delgada aberta MDa
Mistura delgada fechada MDf
reabilitação de pavimentos
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as condições por tuguesas dois estudos
[16-17] cujos resultados relevam a impor-
tância da integração de indicadores de ruído
subjetivos nos sistemas de gestão da con-
servação, para apoiar a seleção de técnicas e
de estratégias de conservação adequadas a
custos mínimos.
Devido à redução generalizada do ruído dos
veículos e em particular da sua componente
de contato pneu-pavimento, a segurança dos
utentes vulneráveis das estradas, os peões,
em ambiente urbano, pode ficar comprome-
tida, sendo que não está ainda comprovado
o aumento da sinistralidade por este motivo
[18]. Todavia, para o mesmo nível de ruído
ambiente, os veículos que produzem menos
ruído, seja com origem no motor seja do con-
tato pneu-pavimento, são menos detetados
por crianças e jovens e particularmente por
idosos [19].
> Figura 7: Aspeto de camadas superficiais de pavimentos rodoviários: a) microaglomerado betuminoso a frio duplo, b) betão betuminoso drenante; c) betão betuminoso; d) mistura betuminosa
aberta com betume modificado com borracha.
REFERÊNCIAS
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2012 (http://dx.doi.org/10.1016/j.aap.2012.10.018).
> 7
a) b)
c) d)