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6 Região de Leiria — 21 março, 2013 Martine Rainho Há dias mais difíceis de viver do que outros. O Dia do Pai é apenas um deles. O Natal e os aniversários são outros. Que o diga Luís Miguel Matos que não vê a filha, de 11 anos, desde julho do ano passado, altura em que a mãe - de quem se separou em 2004 - a levou para a Alemanha, para onde emigrou. Não pe- diu o consentimento do pai, nem sequer o informou pre- viamente. Luís Matos, de 40 anos, residente em Marrazes, Lei- ria, não esconde a sua revolta para com a justiça, pela inér- cia demonstrada pelo Tribu- nal de Porto de Mós, ao longo dos anos, em fazer cumprir o regime de visitas estabe- lecido. O acordo inicial previa que a menina passasse um fim de semana de 15 em 15 dias com o pai. Mas Luís Matos afirma que raramente conseguia es- tar com ela. A mãe, conta, “ar- ranjava sempre desculpas” e “fugia-me com a criança”. As queixas por incumprimento apresentadas quase mensal- mente nunca surtiram efeitos práticos, alega ainda. Nem uma primeira denúncia por subtração da menor, que aca- bou por ser arquivada. Em contrapartida, pro- testa, as sucessivas acusa- ções que a ex-mulher produ- ziu contra ele, desde abusos sobre a menina a agressões contra ela levaram à redução do regime de visitas e à inibi- ção de a menina pernoitar em casa do pai. Só em dezembro do ano passado, quase dois anos de- pois de Luís Matos reclamar o direito a pernoita e a redu- ção da pensão de alimentos, e quatro meses depois de a mãe ter levado a menina para o estrangeiro, é que o tribunal marca uma conferência entre as partes para uma tentativa de conciliação. Fica então determinado que a menina passaria metade das férias de Natal, da Páscoa e do verão com o pai. Apesar de a mãe estar obrigada a “respeitar escrupulosamente o regime de visitas”, sob pena de in- correr em incumprimento e eventual responsabilidade civil e criminal, Luís Matos não teve notícias da filha no Natal, nem agora com a apro- ximação da Páscoa. Em janeiro, denunciou ao tribunal o incumprimento do regime de visitas e apre- sentou uma queixa-crime por subtração de menor, conside- rando que houve uma viola- ção do dever de informação, privando ainda o tribunal de se pronunciar. Ao REGIÃO DE LEIRIA, Luís Matos diz não desistir de recuperar a filha e afirma-se disposto a recorrer ao Tri- bunal Europeu dos Direitos do Homem, convicto de que os seus direitos estão a ser desrespeitados. “A lei protege as mães”, denuncia, ao mesmo tempo que refuta todas as acusações que lhe foram feitas e que vê como um estratagema para o afastar da menina. Já António Marques Amaro, advogado da mãe da menina, mostra-se surpreen- dido com a notícia de uma queixa-crime por alegada subtração da menor, e ga- rante que “não tem qualquer fundamento”. A menina está com a mãe que emigrou em busca de melhores condições de vida. Nunca se opôs a que o pai passasse férias com a fi- lha, mas não tem hipótese de a trazer. O pai pode ir buscá- la”, adianta, referindo que “o tribunal não determina que seja a mãe a trazê-la”. Por outro lado, acrescenta, tanto o tribunal como o pai têm o endereço da mãe e sabem onde está a menina. A dor na arte É na arte que Licínio Flo- rêncio, natural da Batalha, procura aliviar a dor e o de- sespero de não conseguir ver a filha. Não fossem outros os protagonistas e os pormeno- res, a história de Licínio po- deria ser quase um decalque da do Luís. Até há dois anos atrás, Li- cínio Florêncio, de 35 anos, sempre cuidara da filha du- rante a semana, mantendo com ela uma relação muito próxima. A mãe, militar de profissão, trabalhava então em Vila Franca de Xira. A menina tinha 3 anos quando o casal se separou, ficando à guarda do pai. Passados uns meses, sur- giram conflitos entre famílias e “de bestial passei a besta”, lamenta o pai. Ainda não ti- nham decidido a regulação das responsabilidades pa- rentais, quando a mãe apre- sentou, entre outras queixas, uma por alegado abuso sexual sobre a menina. O tribunal não confirmou as acusações na primeira instância, mas entre o pedido de instrução do processo e o recurso para o Tribunal da Relação de Lis- boa, a queixa continua aberta e Licínio Florêncio quase im- pedido de ver a filha. Inicialmente, o tribunal autorizou-o a ver a filha três horas por semana, uma à terça-feira, outra à quinta e a última ao sábado, sempre sob supervisão de terceiros. Desespero São muitos os pais que lutam diaria- mente pelo direito, e pelo dever, de poder estar com os filhos, de os ver crescer e de participar na sua educação. Por vezes, a luta dura anos Alienação parental Pais que apenas querem ser pais “Um silêncio no vazio” é o título da exposição que Licínio Florêncio dedica à filha, a par- tir deste sábado, no Mercado de Santana, Leiria. Haverá ainda espaço para uma palestra sobre “Confli- tos parentais e a sua prevenção”, às 15 horas

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6 Região de Leiria — 21 março, 2013

Martine Rainho

Há dias mais difíceis de viver do que outros. O Dia do Pai é apenas um deles. O Natal e os aniversários são outros. Que o diga Luís Miguel Matos que não vê a fi lha, de 11 anos, desde julho do ano passado, altura em que a mãe - de quem se separou em 2004 - a levou para a Alemanha, para onde emigrou. Não pe-diu o consentimento do pai, nem sequer o informou pre-viamente.

Luís Matos, de 40 anos, residente em Marrazes, Lei-ria, não esconde a sua revolta para com a justiça, pela inér-cia demonstrada pelo Tribu-nal de Porto de Mós, ao longo dos anos, em fazer cumprir o regime de visitas estabe-lecido.

O acordo inicial previa que a menina passasse um fi m de semana de 15 em 15 dias com o pai. Mas Luís Matos afi rma que raramente conseguia es-tar com ela. A mãe, conta, “ar-

ranjava sempre desculpas” e “fugia-me com a criança”. As queixas por incumprimento apresentadas quase mensal-mente nunca surtiram efeitos práticos, alega ainda. Nem uma primeira denúncia por subtração da menor, que aca-bou por ser arquivada.

Em contrapartida, pro-testa, as sucessivas acusa-ções que a ex-mulher produ-ziu contra ele, desde abusos sobre a menina a agressões contra ela levaram à redução do regime de visitas e à inibi-ção de a menina pernoitar em casa do pai.

Só em dezembro do ano passado, quase dois anos de-pois de Luís Matos reclamar o direito a pernoita e a redu-ção da pensão de alimentos, e quatro meses depois de a mãe ter levado a menina para o estrangeiro, é que o tribunal marca uma conferência entre as partes para uma tentativa de conciliação. Fica então determinado que a menina passaria metade das férias de

Natal, da Páscoa e do verão com o pai. Apesar de a mãe estar obrigada a “respeitar escrupulosamente o regime de visitas”, sob pena de in-correr em incumprimento e eventual responsabilidade civil e criminal, Luís Matos não teve notícias da fi lha no Natal, nem agora com a apro-ximação da Páscoa.

Em janeiro, denunciou ao tribunal o incumprimento do regime de visitas e apre-sentou uma queixa-crime por subtração de menor, conside-rando que houve uma viola-ção do dever de informação, privando ainda o tribunal de se pronunciar.

Ao REGIÃO DE LEIRIA, Luís Matos diz não desistir de recuperar a fi lha e afi rma-se disposto a recorrer ao Tri-bunal Europeu dos Direitos do Homem, convicto de que os seus direitos estão a ser desrespeitados.

“A lei protege as mães”, denuncia, ao mesmo tempo que refuta todas as acusações que lhe foram feitas e que vê como um estratagema para o afastar da menina.

Já António Marques Amaro, advogado da mãe da menina, mostra-se surpreen-dido com a notícia de uma queixa-crime por alegada

subtração da menor, e ga-rante que “não tem qualquer fundamento”. “A menina está com a mãe que emigrou em busca de melhores condições de vida. Nunca se opôs a que o pai passasse férias com a fi -lha, mas não tem hipótese de a trazer. O pai pode ir buscá-la”, adianta, referindo que “o tribunal não determina que seja a mãe a trazê-la”. Por outro lado, acrescenta, tanto o tribunal como o pai têm o endereço da mãe e sabem onde está a menina.

A dor na arteÉ na arte que Licínio Flo-rêncio, natural da Batalha, procura aliviar a dor e o de-sespero de não conseguir ver a fi lha. Não fossem outros os protagonistas e os pormeno-res, a história de Licínio po-deria ser quase um decalque da do Luís.

Até há dois anos atrás, Li-cínio Florêncio, de 35 anos, sempre cuidara da fi lha du-rante a semana, mantendo com ela uma relação muito próxima. A mãe, militar de profissão, trabalhava então em Vila Franca de Xira. A menina tinha 3 anos quando o casal se separou, fi cando à guarda do pai.

Passados uns meses, sur-

giram confl itos entre famílias e “de bestial passei a besta”, lamenta o pai. Ainda não ti-nham decidido a regulação das responsabilidades pa-rentais, quando a mãe apre-sentou, entre outras queixas, uma por alegado abuso sexual sobre a menina. O tribunal não confi rmou as acusações na primeira instância, mas entre o pedido de instrução do processo e o recurso para o Tribunal da Relação de Lis-boa, a queixa continua aberta e Licínio Florêncio quase im-pedido de ver a fi lha.

Inicialmente, o tribunal autorizou-o a ver a fi lha três horas por semana, uma à terça-feira, outra à quinta e a última ao sábado, sempre sob supervisão de terceiros.

Desespero São muitos os pais que lutam diaria-mente pelo direito, e pelo dever, de poder estar com os fi lhos, de os ver crescer e de participar na sua educação. Por vezes, a luta dura anos

Alienação parentalPais que apenas querem ser pais

“Um silêncio no vazio” é o título da exposição que Licínio Florêncio dedica à fi lha, a par-tir deste sábado, no Mercado de Santana, Leiria. Haverá ainda espaço para uma palestra sobre “Confl i-tos parentais e a sua prevenção”, às 15 horas

21 março, 2013 7— Região de Leiria

Região // Panorama

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01

01 Licínio Florêncio ex-pressa através da arte o amor incondicional que tem pela fi lha

02 Luís Miguel Matos está disposto a recorrer ao

Tribunal Europeu dos Di-reitos do Homem para re-clamar o direito de estar com a fi lhaFoto: Joaquim Dâmaso

Hoje, dia 21, a Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direitos dos Filhos (APIPDF) é recebida em au-diência pela subcomissão da Igualdade na Assembleia da República, onde irá defender a instituição do dia 5 de feve-reiro como o Dia Nacional de Consciencialização para a Alienação Parental e debater a temática das responsabili-dades parentais. Sábado, em Leiria, a APIPDF e a Federa-ção Nacional de Mediação de Confl itos far-se-ão representar para debater o fenómeno que parece crescer e que se traduz num comportamento alimen-tado por um dos progenitores com o objetivo de distorcer a imagem que os fi lhos têm do outro. “Já tive mais esperança do que tenho hoje. No início, estava longe de pensar que ia andar tanto tempo nisto”, desabafa Licínio Florêncio, determinado, apesar de tudo, a lutar pela guarda da fi lha a tempo inteiro. Mas é também para reclamar maior celeri-dade dos tribunais que “dá a cara”. “É inadmissível que tenham decorrido dois anos sem uma decisão. A infância

dela [da fi lha] já não a recu-pero”, indigna-se. Por vezes, as Comissões de Proteção de Crianças e Jo-vens (CPCJ) são chamadas a intervir nestes processos, mas Lúcia Bértolo, presidente ces-sante da CPCJ de Leiria, revela que a instituição tem partici-pado, “não tanto em situações de alienação parental, mas mais de privação afetiva”. Isto porque “quando há intenção de alienação parental, ainda que inconsciente, por parte de um progenitor, ele acaba por se opor à nossa inter-venção”. À CCPJ cabe avaliar se a criança está em perigo. Quando não se verifi ca, tenta a aproximação ao progenitor que não está com a criança e estabelecer com os dois pais horários e locais de visita. Em caso de recusa de consenti-mento para a intervenção da comissão, o processo tran-sita para o tribunal. “O que procuramos fazer é dar uma resposta o mais célere possí-vel para salvaguardar que, no tempo em que decorre a regu-lação das responsabilidades parentais, não haja privação afetiva”, explica Lúcia Bértolo,

certa de que a alienação pa-rental tem repercussões mais graves nas crianças mais pe-quenas. “Quanto mais cedo a criança construir uma ima-gem distorcida do pai, mais difí cil será reverter a situação”, acrescenta.A mediação familiar pode, por sua vez, ter um papel de relevo para dirimir confl itos, chegar a acordo entre as par-tes, poupando processos em tribunal e desgaste psicoló-gico e económico associado. Filomena Carvalho, Ângela Lopes e Filipa Caetano, vo-luntárias na InterMediar, as-sociação sem fi ns lucrativos, revelam que são contactadas pelos pais ou por indicação do tribunal. “Para nós é funda-mental que os progenitores comuniquem. A comunicação não pode terminar e tem que ser potenciada”, acrescentam, referindo que a mediação é um processo voluntário, em-bora a lei determine que em caso de divórcio por mútuo consentimento, os casais de-vam ser informados, na con-servatória, da possibilidade de mediação familiar. Depois disso, pode ser tardio.

Associação reclama Dia Nacional de Consciencialização para a Alienação Parental

De bestial passei a besta. O meu único objetivo é reaver a mi-nha fi lha e recuperar os laços afetivos. Não vou desistir”Licínio Florêncioautor da exposição “Um silêncio no vazio”

Dizem-me para refa-zer a minha vida, mas eu amo a minha fi lha e não consigo refazer a minha vida sem ela”Luís Miguel MatosMarrazes, Leiria

Há histórias com fi nal feliz? Há. Há algumas em que os pais co-meçam a comunicar, nem que seja por sms”Lúcia Bértolopresidente cessante da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens de Leiria

Saiba maisO que diz a leiA Lei 61/2008 que altera o regime jurídico do divórcio determina que as responsabilidades parentais relativas às questões de particular importância para a vida do fi lho são exercidas em comum por ambos os progenitores, salvo nos casos de urgência manifesta, ainda que a guarda seja atribuída exclusivamente a um.

Intervenção do tribunalQualquer acordo celebrado pelos progenitores, seja ele espontâneo ou resultante de um processo de mediação, está sujeito a homologação pelo juiz do tribunal, ou, nos processos de divórcio por mú-tuo consentimento, pelo con-servador do registo civil.

Incumprimento do acordoSe um dos progenitores não cumprir o que tiver sido acor-dado ou decidido, pode o ou-tro requerer ao tribunal as diligências necessárias para o cumprimento coercivo e a condenação do incumpridor em multa e em indemnização a favor do menor, do reque-rente, ou de ambos.

Ainda assim, refere, a mãe “não comparecia, arranjava sempre desculpas e com isto estive quase seis meses sem ver a menina”.

O regime de visitas foi en-tretanto reduzido a uma hora, à quarta-feira, na Segurança Social (SS), em Vila Franca. “Mas a mãe continua a não cumprir. As técnicas da SS fazem queixas ao tribunal, marca-se nova audiência, a mãe é avisada, mas apenas verbalmente, e continuamos nisto. Não há um único mês em que as visitas sejam cum-pridas”, denuncia Licínio Flo-rêncio, que se afi rma apenas preocupado em recuperar a relação afetiva com a filha, que sente estar a perder por força da intromissão negativa da mãe.

E é através da arte que encontrou um caminho para lutar contra a alienação pa-rental de que tem sido vítima, e consciencializar as pessoas para a problemática que afeta muitos progenitores, na maio-ria pais, que se veem inibidos de exercer livremente a pa-rentalidade. Mas é sobretudo à fi lha que dedica a exposição que retrata alguns dos mo-mentos que passou com ela.

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