RCMA 15 pr 5jun

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Diretora

Editor

Subeditor

Projeto Gráfico

Revisão

Regina [email protected]

Hélio [email protected]

Henrique [email protected]

Lucia H. [email protected]

Mariana Simõ[email protected]

Colaboraram nesta edição

Andréa ZhouriAPA/EUA e Felicity Barringer

Carol SalsaFábio PalmigianiGeorges Monbiot

Heitor Scalambrini CostaHélio Carneiro

Henrique CortezJAMA

Jean Marc von der WeidJúlio César Passos

Stacy Angel e Larry Mansueti

Caros amigos,

A sustentabilidade e a segurança da Terra exigem uma transição ime-diata para modelos de desenvolvimento afinados à pegada ecológica

global. Para tanto, tem-se de reavaliar, reinventar e ir além das atuaisfronteiras do elemento-chave da economia humana – a energia.

O uso abusivo dos combustíveis fósseis (petróleo, carvão, gás) atingiu olimite do sustentável; a energia hidrelétrica, embora limpa, revela-seambientalmente instável, além de contribuir para o agravamento dacrise da água; a nuclear é potencialmente desastrosa e tende a ser“aposentada”. Como a utilização maciça e imediata das fontes de energia

alternativas e renováveis (sol, vento, biomassa, geotérmica, água) é es-truturalmente inviável em curto e médio prazos, descortina-se umatransição para o modelo energético baseado na integração das fontespoluentes e renováveis por meio de programas multissetoriais de pes-quisa, geração, estocagem, oferta e consumo, que objetivem a eficiên-cia energética. Basta de desperdício de energia.

Os artigos selecionados nesta edição discutem as questões emble-máticas das matrizes energéticas e suas inter-relações, com especialatenção às soluções estruturais, ambientais e tecnológicas já em apli-cação e em desenvolvimento. Chamamos sua atenção para a criteri-osa análise do panorama energético brasileiro e do Programa de In-centivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (Proinfa), insti-tuído em 2004 com o objetivo de aumentar a participação da ener-gia elétrica produzida por empreendimentos concebidos com baseem fontes eólica, biomassa e pequenas centrais hidrelétricas (PCH)no Sistema Elétrico Interligado Nacional (SIN).

Também apresentamos a experiência dos EUA na reestruturação desua infra-estrutura de energia através de políticas de eficiência ener-gética que impactam os setores público e privado, no tocante à gera-ção, à conservação, à distribuição e ao uso final da energia. Umaempreitada consubstanciada no plano de ação “Visão para 2025” eexponencializada pela Lei Americana de Recuperação e Reinvesti-mento, de 17 de fevereiro de 2009.

É nosso desejo que esta edição seja mais um estímulo à participaçãocidadã nas decisões políticas sobre a questão energética – vital para aretomada da “pegada ecológica sustentável”. Somos todos responsáveispelas decisões e repercussões sócio-economico-ambientais das polí-ticas gerenciais do patrimônio Terra. E somos movidos à energia.Portanto, é hora de agir.

Hélio CarneiroEditor

Edição Especial ENERGIACapa: Parque Eólico Praia de Parajuru, Fortaleza, CE. Foto: Exclusiva!BR

6 PCH: energia limpa e barataCom potência instalada não superior a 30 MW e área máxima de lago de 300 ha, as pequenas centraishidrelétricas apresentam grandes vantagens econômicas, sociais e ambientais. Por Carol Salsa

8 Hidrelétricas e sustentabilidadeSerá possível um planejamento energético orientado pela diversificação, distribuição, eficiência edescentralização capaz de contemplar os brasileiros ainda sem energia? Por Andréa Zhouri

13 Eficiência energética: a experiência dos EUAConheça as políticas públicas de eficiência energética que geram economia para o Estado e para oconsumidor, e reduzem as emissões dos gases de efeito estufa. Por Stacy Angel e Larry Mansueti

16 Energias renováveis e saúdeEspecialistas em medicina ocupacional revelam como além de beneficiar o planeta, a expansão das energiasrenováveis vai melhorar a saúde dos trabalhadores do setor elétrico. Por JAMA

28 Promoção da cidadania via eficiência energéticaMovidos por responsabilidade social, distribuidores de energia implantam programas educacionais e sociaissobre o uso responsável da eletricidade nas comunidades carentes. Por Fábio Palmigiani

32 Combustível fóssil: quanto devemos deixar no solo?Este artigo revela a estimativa de combustível fóssil que ainda pode ser queimado e reivindica uma moratóriaglobal para novas prospecções e explorações de reservas fósseis. Por George Monbiot

34 Agrocombustíveis: a Terra suporta?Nova matriz energética, os combustíveis verdes devem ser analisados face às questões do meio ambiente, dasegurança alimentar e da sustentabilidade planetária. Entrevista comr Jean Marc von der Weid

37 Acabe com os vampiros de energiaPintar o telhado de branco e pôr fim ao consumo energético não produtivo dos eletrodomésticos acaba comdesperdícios e contribue para resfriar o planeta. Por APA/EUA e Felicity Barringer

38 Energia eólica: vantagens, desafios e eficiência.Especialista em engenharia térmica e eólica cita as potencialidades reservadas à eletricidade produzida pelosventos em nossa matriz energética de predominância hidrelétrica. Entrevista comr Júlio César Passos

40 BedZED: sustentabilidade energética e ambientalConheça como funciona o Centro Beddington de Energia Zero, projeto que inaugura um novo padrão dequalidade de vida ajustado ao conceito de sustentabilidade integrada. Por Hélio Carneiro

CADERNO ESPECIAL

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17ENERGIAS ALTERNATIVAS E RENOVÁVEIS

Para reduzir as emissões globais de CO2 aceleradoras das mudanças

climáticas e adequar o planeta a uma “pegada ecológica” sustentável,as matrizes energéticas alternativas e renováveis ganham crescenteaplicabilidade. Descubra como isso está ocorrendo no Brasil e no mundo.

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por Carol Salsa

Pequenas Centrais

Hidrelétricas (PCHs)

são aquelas cuja

potência instalada não

ultrapassa 30 MW,

com área máxima de

lago de 3 km2 (300 ha)

para uma cheia

centenária. Devido aos

custos envolvidos,

o governo federal vem

incentivando a

exploração de PCHs

por grupos

empresariais privados.

Conheça as vantagens

econômicas, sociais e

ambientais das PCHs.

s PCHs representam um grande poten-cial de geração de energia no Brasil devido àprocura por produção de energia limpa, quecause menor impacto ao meio ambiente. Eembora as margens inexploradas dos rios bra-sileiros proporcionem alta capacidade paraesse segmento hidrelétrico, apenas 2% detodo o potencial para geração de energia pormeio das PCHs está em uso atualmente.

PCHsENERGIA LIMPA e BARATA

Segundo especialistas, o preço de opera-ção e manutenção de um MW/hora geradopor uma PCH varia de R$3 a R$5, enquantoo valor do combustível para suprir uma tér-mica é de R$50 por MW/hora. Além do cus-to acessível, as PCHs apresentam outrasvantagens:■ Menor impacto ambiental;■ Menor prazo de implementação;

■ Facilidades oferecidas pela legislação;■ Disponibilidade de tecnologias eficientes;■ Necessidade apenas de autorização daANEEL para implantação;■ Redução de no mínimo 50% nas tarifasde uso dos sistemas elétricos de transmis-são e distribuição;■ Garantida participação nas vantagens téc-nicas e econômicas da operação interligada;

PCH Santa Fé

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■ Isenção do pagamento da compensaçãofinanceira pelo uso dos recursos hídricos;■ Disposição das concessionárias de com-prar a energia excedente;■ Incentivos legais.

A classificação das PCHs quanto à potên-cia (P), em kW, prevê as seguintes denomi-nações:■ micro (P < 100),■ mini (100 < 1.000) e■ pequenas (1.000 < 30.000).

Hoje, no país, há 210 pequenas hidrelétri-cas gerando 900 MW. Destas, 50% estãono Sudeste, sendo 63 em Minas Gerais.

Nos próximos três anos, o Brasil ganharámais de 145 PCHs que ampliarão em 204%a oferta desse tipo de energia. A promes-sa de tarifa especial e a garantia de com-pra de 1,1 mil MW de energia elétrica porparte da Eletrobrás, através do PROINFA

(Programa de Incentivo a Fontes Alterna-tivas de Energia Elétrica), são dois dosprincipais atrativos para se investir nessesetor. O objetivo do PROINFA é promover adiversificação da matriz energética brasi-leira a partir de fontes renováveis, cominvestimentos em PCHs, usinas eólicas etermelétricas a biomassa.

Com o objetivo de checar as vantagens ofe-recidas na escolha desse tipo de geradora,adotamos a agenda de 2005 do BNDES, cujadiretoria aprovava 16 financiamentos no âm-bito do PROINFA. Destes, 15 são PCHs e 1UTE movida a biomassa proveniente do ba-gaço de cana-de-açúcar. ( www.bndes.gov.br/noticias/2005/not321_05.asp).

No valor total aproximado de R$1 bilhão,as operações de crédito se destinavam ainstalar pequenas centrais de produção deenergia elétrica nos estados de Minas Ge-rais, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Goiás,Mato Grosso do Sul, Santa Catarina e SãoPaulo. A notícia veiculada em 28/12/2005mencionava que:■ A potência instalada das usinas alcança-ria 380 MW;■ O investimento total das empresas che-garia a R$1,4 bilhão;■ Os empreendimentos gerariam 4,9 mil em-pregos na construção e operação das usinas.

Entre os 16 projetos citados, relacionamos13: Santa Fé, Bonfante, Monte Serrat, Ca-rangola, Funil, Caparaó, Calheiros, São Jo-

Carol Salsa – Colaboradora e articulista do Eco-Debate; engenheira civil, pós-graduada em Mecâ-nica dos Solos pela COPPE/UFRJ, Gestão Ambi-ental e Ecologia pela UFMG, Educação Ambien-tal pela FUBRA, analista ambiental concursadada FEAM; perita ambiental da Promotoria da Co-marca de Santa Luzia, Minas Gerais.Artigo publicado em www.ecodebate.com.br(20/05/2009).

aquim, São Pedro, São Simão, Irara, Jataí eRetiro Velho. ( www.brasilpch. com.br/pro-gramas/programas.html)

Afora os programas ambientais realizadosnestas geradoras, entre eles, Programa deGestão e Supervisão Ambiental, Programade Comunicação Social, Plano Ambientalde Construção, Programa de Conservaçãoda Ictiofauna etc., as plantas de algumasdelas podem ser visualizadas através dosseguintes links:■ Santa Fé – www.brasilpch.com.br/pro-gramas/arquivos/boletim_N2_santafe.pdf■ Monte Serrat e Bonfante – www.brasilpch.com.br/programas/arquivos/boletim_MS_e_BF_N2.pdf■ Retiro Velho – www.brasilpch.com.br/empreendimentos/pch_retiro.php

Das 16 geradoras, as três ainda não co-mentadas são:■ Ludesa (SC) – www.mpb.eng.br/site/projetos/ativ_setor_eletrico_ludesa.php■ Pouso Alto (MGS) – www.portalms.com.br/noticias/Governador-inaugura-usi-nas-e-obras-em-Chapadao-e-Agua-Clara-/Mato-Grosso-do-Sul/Obras■ Usina Santa Isabel (Novo Horizonte, SP)

A única central termelétrica (UTE) alimen-tada por bagaço de cana e com potênciainstalada (prevista) de 29,9 MW recebeuda ANEEL autorização em 14/04/2009 paramudar seu regime de exploração de ener-gia. Atualmente, ela está com 46 MW decapacidade instalada, superando a marca

de 380 MW do total inicialmente previstopara as 16 geradoras. O prazo para entradaem operação destas geradoras foi aumen-tado de 2006 para 2008.

Em todas as pesquisas feitas na web, ape-nas a PCH Jataí Energética apresentou im-pactos ambientais significativos: a mortan-dade de peixes no Rio Claro. Na ocasião (27/04/2009), a Câmara Municipal de Jataí deba-teu problemas relativos ao Estudo de Im-pacto Ambiental elaborado antes da cons-trução da obra. Verificou-se que o EIA apre-sentava falhas e que os erros, segundo aempresa, seriam corrigidos durante a próxi-ma estação seca. (Fonte:www.jatínews .com/noticias_ver . php?Cdnotici=380)

Vimos que as barreiras e desafios encon-trados pelos empreendedores foram enfren-tados e vencidos, apresentando um saldopositivo na realização das obras. A tendên-cia já admitida anteriormente pode levar aomercado os resultados encontrados para aadesão de empresários e fomentar novosprojetos de PCHs, ativando ainda mais estesegmento no Brasil. ■

PCH Retiro Velho

Fotos: Gentilmente cedidas pelo portal PCH

Apenas 2% do potencial brasileiro

para a geração de energia por PCHs

é atualmente aproveitada.

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Neste trabalho, a autora discute as perspectivas do uso da matriz de

energia hidrelétrica em nosso país face aos imperativos econômicos

privados e governamentais, e os impactos socioambientais. Será possível

um planejamento energético orientado pela diversificação, distribuição,

eficiência, descentralização e respeito pela diversidade cultural capaz

de contemplar os quase 20 milhões de brasileiros desprovidos de acesso

à energia? Pequenas represas podem ajudar a evitar problemas sociais

e ecológicos? Descubra aqui as respostas.

por Andréa Zhouri

HidrelétricasSustentabilidade

‘Cada vez que se constrói uma barragem, é uma terra nova que se cria, com novos

ecossistemas, dos quais não se conhece o comportamento’- Aziz Ab’Saber (1996)

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Um dos primeiros registrosescritos do termo ‘Desenvolvimento Sustentável’remete ao documento cha-mado World Conservation

Strategy, publicado em 1980 pelas organi-zações IUCN (União Internacional paraConservação da Natureza) e WWF (Fun-do Mundial para a Natureza) sob os auspí-cios das Nações Unidas. Somamos, por-tanto, duas décadas de intensos debatese embates internacionais não só sobre oconceito, mas, sobretudo, sobre metas, cri-térios e indicadores para alcançar o desen-volvimento sustentável na prática.

Em síntese, o conceito de desenvolvimen-to sustentável assenta-se sobre o tripé Eco-logia, Economia e Eqüidade. Pretende con-ciliar as dimensões irreconciliáveis do para-digma desenvolvimentista clássico, apre-sentando-se como uma nova ideologia/uto-pia do desenvolvimento (Ribeiro, 1991).Contudo, como nos apontam o sociólogoalemão Wolfgang Sachs (1993) e o antro-pólogo brasileiro Gustavo Lins Ribeiro(1991) dentre outros, o conceito de desen-volvimento tem apresentado historicamen-te uma enorme capacidade flexível,reformulando-se, moldando-se e soldando-se às circunstâncias históricas específicasatravés de inúmeras adjetivações.

Como significante flutuante, desenvolvimen-to assume significados diferentes de acordocom as exigências de determinada época, bemcomo os divergentes interesses dos grupossociais envolvidos (i.e. desenvolvimentoeconômico, desenvolvimento social, desen-volvimento humano, dentre outros). O con-ceito de desenvolvimento sustentável pare-ce confirmar tal formulação. Para alguns, de-senvolvimento sustentável apresenta-secomo um novo paradigma de desenvolvi-mento, enquanto que para outros ele apenasreveste o ‘velho desenvolvimento’ com umaretórica ecológica e social.

O fato é que, a rigor, passadas duas déca-das de discussão, não há consenso realsobre o significado de desenvolvimentosustentável e menos ainda quanto as for-mas de implementá-lo. Os interesses quedefendem as esferas ecológica, econômi-ca e da justiça social ainda o fazem de seuslugares específicos, apesar de iniciativasem contrário. Isso se torna evidente nasdiscussões que envolvem a produção, ofornecimento, e o consumo de energia, so-

bretudo nos debates acerca da construçãode novas hidrelétricas.

Para os economistas do Fórum EconômicoMundial (Environmental Sustainability Index,Suíça: 2000 e 2001) auto-intitulados GlobalLeaders for Tomorrow Environment Task For-ce (algo como ‘Líderes Globais Para o MeioAmbiente de Amanhã’), o nível de produçãode energia hidrelétrica de um país constitui-se como um indicador de sustentabilidadeambiental em comparação com outras fontesde energia, tais como a energia nuclear, porexemplo. Tal afirmação no contexto da socie-

Os impactos causados por qualquer

barragem são imensos, irreversíveis

em sua maioria e ainda desconhecidos.

Luziânia (GO) - Obras da Usina Hidrelétrica de Corumbá 3 - Foto Valter Campanato-ABr

dade brasileira pode contribuir para a crençade que o país caminha no sentido da susten-tabilidade ambiental uma vez que 93% da ener-gia aqui consumida provêm de fonte hidrelé-trica. Assim, a partir de certo discurso preten-samente ambiental promove-se, genericamen-te, a energia hidrelétrica como energia ambi-entalmente ‘mais limpa’. São 494 projetos deconstrução de usinas hidrelétricas projetadasaté o ano 2015 num contexto de privatizaçãodo setor elétrico que, no ano de 1998 somen-te, apresentou um faturamento de 20 bilhõesde dólares. Um negócio altamente lucrativo.

Diante de tal soma, os atingidos por bar-ragens, no âmbito do Fórum Social Mun-dial, indagam: a quem interessa promovera construção de barragens hidrelétricas,que já inundaram 3,4 milhões de hectaresde terras produtivas e desalojaram maisde um milhão de pessoas no país? O défi-cit social e cultural é imenso, uma vez queos impactos incidem sobre o modo de vidade comunidades agrícolas ribeirinhas, po-pulações indígenas e outras minorias ét-nicas vulneráveis como os quilombolasdo Vale da Ribeira, em São Paulo, e de Ira-pé, em Minas Gerais.

O modelo de privatização segue o receituárioinglês, onde a energia é de origem termelétri-ca à base de carvão e gás natural. Portanto,uma outra realidade que não envolve recur-sos de múltiplos usos, como é o caso daágua. Nos Estados Unidos, maior país capi-talista do globo, a água é considerada recur-so estratégico sob monitoramento das for-ças armadas. No Brasil, por outro lado, o pro-cesso de privatização do setor energético vemocorrendo nos últimos cinco anos sem qual-quer planejamento e transparência. Há umacorrida de construtoras e empreiteiras aos

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processos de licenciamento, sem que hajauma avaliação sobre a necessidade de cons-trução de novas barragens. Não há estudosque avaliem o estado de operação das barra-gens já construídas, ou mesmo a possibilida-de da repotencialização de antigas barragens.Isso sem contar as redes de transmissão ine-ficientes do país como um todo, que desper-diçam energia por falta de manutenção ade-quada. Na contabilidade de Bermann (2001),o Sistema Elétrico brasileiro apresenta per-das técnicas da ordem de 15%:

“São perdas da ordem de 54 milhões deMWh (ou 54 bilhões de quilovates-hora)que ocorrem desde a geração nas usi-

Itaipu Foto: Ali Ckel

nas, passando pelas linhas de transmis-são e redes de distribuição até chegar natomada do consumidor final. Se o Brasiladotar um índice de perdas de 6%, con-siderado como padrão internacional, osistema elétrico teria um acréscimo dedisponibilidade de energia elétrica de 33milhões de MWh, equivalente ao queproduz durante um ano uma usina hidre-létrica de 6.500 MW de potência instala-da (ou mais da metade da Usina de Itai-pu, que possui 12.600 MW).”

Ainda segundo Bermann:

“estima-se que o Sistema Elétrico brasi-leiro pode alcançar um acréscimo de po-tência da ordem de 6.800 a 7.600 MW,resultante da reabilitação, reconstruçãoou reparos nas usinas hidrelétricas exis-tentes, e que operam a mais de 20 anos”.

O autor destaca a co-geração de energiaatravés da transformação da biomassa,como o bagaço de cana:

“a partir do desenvolvimento tecnológi-co, possibilitando o aumento de eficiên-cia no processo estima-se que 3.000 MWpoderiam ser obtidos no país a partir dobagaço de cana de açúcar”.

Considerando somente as alternativas deaumento da oferta, estima-se que o SistemaElétrico teria um acréscimo de aproximada-mente 20 mil MW. Estes 20.000 MW seriamequivalentes a aproximadamente 40% daatual capacidade de geração no país.

Vale destacar que medidas de racionamen-to adotadas durante a crise de 20022, comoo incentivo à troca de lâmpadas mais eco-nômicas e outras mudanças de comporta-mento no nível do consumidor doméstico,comprovaram um enorme potencial de re-

dução de consumo, provocando resulta-dos duradouros: as sobras de energia sãoda ordem de 7.800 MW de capacidade ins-talada, não se verificando aumento do con-sumo. Entretanto, ao invés de considerar-se esta sobra de energia como resultadopositivo do racionamento e base para umanova política de gestão, tal situação é en-tendida como uma nova crise, agora a ame-açar o setor elétrico. A atual política conti-nua respondendo às pressões imediatis-tas e pautadas pelo mito desenvolvimen-tista: incentivo ao consumo e redução dastaxas junto ao setor eletrointensivo, comoa indústria de alumínio.

Mesmo diante da super capacidade atual,desengavetam-se projetos de até 50 anosatrás, quando a realidade e o conhecimen-to técnico, científico e ambiental eram ain-da incipientes, além da atualização do pro-grama de cooperação nuclear entre Brasil eAlemanha através da construção de An-gra 3, num momento em que a Alemanhadecidiu pelo banimento da energia nuclearem seu próprio País.

Hidrelétricas, ‘grandes obras’ por excelên-cia, constituíram-se sempre como símbo-los de desenvolvimento, este entendidocomo modernidade e progresso. As gran-des barragens da década de 70, ícones damatriz desenvolvimentista, foram contudoduramente criticadas nos anos 80 pelos al-tos impactos ambientais e sociais. No finaldos anos 90, as ‘pequenas’ usinas hidrelé-tricas são lançadas genericamente como so-luções menos impactantes. Contudo, osimpactos causados por qualquer barragemsão imensos, irreversíveis em sua maioria eainda desconhecidos, como afirma o prof..Aziz Ab’Saber: ‘cada vez que se constróiuma barragem, é uma terra nova que se cria,com novos ecossistemas, dos quais nãose conhece o comportamento’.

PEQUENAS REPRESAS PODEM AJUDAR A EVITARPROBLEMAS SOCIAIS E ECOLÓGICOS?Não há uma resposta simples quando se tra-ta de pensar a sustentabilidade social e ambi-ental de projetos hidrelétricos. O critério dotamanho, acionado nos debates sobre alter-nativas energéticas, não nos parece um indi-cador adequado. Neste caso, somos força-dos a afirmar que small is not beautiful a priori.Em primeiro lugar, há controvérsias sobreo que seria uma pequena barragem. Segun-do dados oficiais (SIPOT - Sistema de In-formação do Potencial Hidrelétrico – Ele-

As barragens hidrelétricas já inundaram

3,4 milhões/ha de terras produtivas e desalojaram

mais de um milhão de pessoas no país.”

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trobrás), há no Brasil um potencial de cer-ca de 9.800 MW que podem ser obtidoscom a construção de 924 ‘pequenas’ cen-trais hidrelétricas. Tais estimativas basei-am-se numa concepção formulada pelaANEEL – Agência Nacional de Energia Elé-trica. Segundo esta agência oficial, as ‘pe-quenas’ barragens (PCHs) são usinas compotência instalada total de até 30.000 KW(30 MW) e área inundada máxima de reser-vatório de 3 km2, ou seja, uma área de 300hectares. Há ainda uma discussão sobre apossibilidade de aumentar essas medidaspara potência instalada de até 50 MW. Con-tudo, para o ICOLD (InternationalComission on Large Dams) no âmbito daWorld Commission on Dams, uma ‘peque-na’ barragem teria até 15 metros de alturaacima do leito do rio. Neste sentido, muitasdas chamadas ‘pequenas’ barragens noBrasil não se enquadrariam nos critériosinternacionais visto apresentarem alturasuperior a 15 metros de altura.

Entretanto, a controvérsia não reside ape-nas na divergência entre os parâmetros declassificação nacionais e internacionais, atéporque barragens de até 15 metros de altu-ra não asseguram impactos sociais e ambi-entais menores que os empreendimentoscom altura superior.

Vejamos o caso em Minas Gerais. Este esta-do, situado na região sudeste, representa osegundo maior PIB do Brasil. Os ecossiste-mas dominantes – Cerrado, Caatinga e MataAtlântica – são ameaçados por atividadesagrícolas, tais como as monoculturas deeucalipto, cana-de-açúcar, soja, café, etc, apecuária extensiva e a mineração, com des-taque para o parque industrial formado pelametalurgia, siderurgia, mecânica, automó-veis, papel e celulose, agroindústria, dentreoutras. Em Minas encontram-se ainda trêsdas sete bacias hidrográficas brasileiras,sendo por isto conhecida pelo setor elétricocomo a caixa d’água do Brasil.

Mais de 54% dos projetos hidrelétricosno Brasil são planejados para Minas Ge-rais. Atualmente, são em número de 100os projetos em avaliação pela FEAM –Fundação Estadual do Meio Ambiente –órgão técnico ambiental (FEAM, abril de2003). Desses, 81 são classificados como‘pequenas’ centrais hidrelétricas. Devi-do a composição típica de relevo monta-nhoso, em Minas os projetos são geral-mente bem menores que os da Amazônia.

Nos vales encaixados vive a maioria dapopulação rural e encontram-se os últimosremanescentes florestais. Assim, as hidre-létricas trazem enormes impactos sociais eambientais, contrariando a tese de que sãoambientalmente e socialmente sustentá-veis, constituindo-se, pois, como alterna-tivas energéticas limpas.

No caso do Projeto Fumaça (10 MW), porexemplo, uma iniciativa de autoprodução daALCAN Alumínios do Brasil, o Movimentodos Atingidos por Barragem (MAB)contabiliza um total de aproximadamente 200famílias atingidas (mil pessoas) numa área

inundada de apenas 2,2 km2. A média no Bra-sil é de 6 famílias por km2, considerando-seos dados oficiais. Contudo, a contabilidadedos empreendedores, centrada no númerode propriedades inundadas diretamente peloreservatório, registra o total de 112 proprie-dades, num total de 317 pessoas. Este nú-mero é disputado pelos atingidos uma vezque não contempla categorias de trabalha-dores não-proprietários, tais como meeiros,diaristas, garimpeiros, artesãos de pedra sa-bão, dentre outros. Cabe destacar tambémque são considerados atingidos apenas

aqueles “inundados” pelo lago. Ou seja, nãosão consideradas atingidas as famílias quetenham seus laços comunitários e econômi-cos rompidos pelo projeto, como por exem-plo, através de reassentamentos de uma par-cela da comunidade em outro local, desviosdos caminhos de acesso inter-comunitários,além do acesso às terras de cultivo, muitasvezes dispersas.

Muitos projetos, sejam grandes ou pe-quenos, são localizados em um mesmorio ou bacia hidrográfica causando im-pactos acumulados geralmente não ava-liados. Este é o caso do rio Araguari, no

Triângulo Mineiro, hoje formado por cin-co reservatórios e um plano para a cons-trução de outras duas barragens, o com-plexo Capim Branco 1 e 2, do consórcioCemig e Vale do Rio Doce. A situação norio Araguari é típica de uma tendência emdividir os projetos em unidades meno-res, inclusive para facilitar a obtenção delicenças ambientais. Contudo, o resulta-do final para o rio Araguari serão setebarragens e a morte de um rio de 475 kmde extensão, agora transformado em re-servatórios sucessivos.

Cavalcante - Goiás Foto : Valter Campanato/ABr

As águas privatizadas e destinadas ao uso único

como fonte de energia podem promover a

desterritorialização de milhares de pessoas.

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BIBLIOGRAFIA

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NOTAS DO AUTOR:1 – Este trabalho é fruto de reflexões e experiências desen-volvidas no âmbito do GESTA - Grupo de Pesquisas emTemáticas Ambientais. Sou grata à cooperação da equipe detrabalho, e particularmente à Dr Klemens Laschefski por suavaliosa contribuição a este trabalho e à Marcos Zucarelli,Raquel Oliveira e Frederico Wagner Lopes pela colaboraçãono levantamento dos dados e organização de mapas e figuras.

2 – A crise foi deflagrada pelo baixo nível de chuvas naqueleano, fato que coloca em evidência a fragilidade de uma matrizenergética dependente de um único recurso – a água.

3 – A maioria dos projetos de barragens incide sobre as cha-madas Áreas de Preservação Permanentes. O Código Flores-tal, Lei No. 4.771, de 15/09/65, em seu Artigo 2º consideraáreas de preservação permanentes as florestas e demais formasde vegetação natural situadas: “I. ao longo dos rios em faixamarginal...III. nas nascentes permanentes ou temporárias, in-cluindo os olhos d’água e veredas...VI. Nas encostas ou partedestas, com declividade superior a cem por cento ou quarentae cinco graus na sua linha de maior declive...” A Medida Pro-visória No. 1.956-60, de 26 de maio de 2000, altera os arts 1º,4º , 14, 16 e 44, e acresce dispositivos à Lei 4.771 de 1965 queinstitui o Código Florestal: “II – Área de Preservação Perma-nente: área protegida nos termos dos arts.2º e 3º desta Lei,coberta ou não por vegetação nativa, com função ambiental depreservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidadegeológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora,proteger o solo e assegurar o bem estar das populações huma-nas. IV – Utilidade Pública: a) as atividades de segurançanacional e proteção sanitária; b) as obras essenciais de infra-estrutura destinadas aos serviços públicos de transporte, sa-neamento e energia. Art. 4º : A supressão de vegetação emárea de preservação permanente somente poderá ser autoriza-da em caso de utilidade pública ou de interesse socioeconô-mico, devidamente caracterizados e motivados emprocedimento administrativo próprio, quandoinexistir alternativa técnica e locacional ao em-preendimento proposto.” (ênfases adicionada).

Também é preocupante a situação na Baciado Rio Doce, com um total de 32 projetos,sendo 19 desses no alto Rio Doce. O MABAlto Rio Doce calcula um total de 2.000 famí-lias, ou 10.000 pessoas atingidas pelo con-junto desses projetos. Esses incidem sobrematas ciliares, sobretudo a Mata Atlânticaque conta com menos de 4% de remanescen-tes no Estado. Além disso, são áreas deconectividade florestal com as encostas,constituindo-se importantes corredores dedispersão genética entre as demais áreas de-vastadas. Quando não incidem sobre essasáreas, que são ainda protegidas pela legisla-ção ambiental, os projetos incidem sobre áre-as ocupadas por ribeirinhos, que utilizam dossolos férteis nas margens dos rios.

Os 100 projetos em análise constituem ape-nas um terço do total de projetos previstospara Minas Gerais. Teme-se, portanto, pelodestino das águas no estado, privatizadas edestinadas ao uso único como fonte de ener-gia, enquanto promove-se adesterritorialização de milhares de pessoassem, contudo, dar-lhes destino apropriado ejusto. Vale ressaltar que a maioria dos proje-tos é destinada ao fomento da industria dealumínio e demais eletrointensivas, não be-neficiando a maioria da população. O cresci-mento do consumo de energia pela industria,assim como o desenvolvimento do PIB e doslucros, não gera mais empregos, conforme oargumento corrente para a defesa da cons-trução de novas hidrelétricas.

PARA UM MODELO ENERGÉTICO

SUSTENTÁVEL

O exemplo dos chamados ‘pequenos’ proje-tos hidrelétricos em Minas Gerais revela quetamanho, por si só, não é critério de sustenta-bilidade. Além disso, a mera listagem de alter-nativas técnicas, tais como as energias solar,eólica e biomassa, por si só, não é suficientepara formular uma verdadeira política energé-tica de sustentabilidade. A questão fundamen-tal que se coloca é a necessidade de um plane-jamento que não seja apenas determinadopelos imperativos econômicos de uma parce-la bastante reduzida da sociedade brasileira,mas seja orientada pela diversificação, distri-buição, eficiência e descentralização e respei-to pela diversidade cultural, visando contem-plar ainda os quase 20 milhões de brasileirosdesprovidos do acesso à energia.

Uma gestão pautada pela matriz de sus-tentabilidade exigiria a consideração con-jugada dos seguintes fatores, consideran-

do-se apenas a geração de energia:1. A destinação da energia, ou seja, paraquem é a energia que se pretende gerar;2. Um zoneamento sócio-ambiental, técni-co e econômico dos projetos, que incluiria,necessariamente, os seguintes aspectos:

(a) avaliação individual de cada projeto;(b) uma análise do conjunto de projetos emdeterminada bacia hidrográfica, atendendo-se às especificidades dos ecossistemas;(c) consideração sobre a existência dealternativas técnicas e locacionais, con-forme determina a legislação.

3. Uma ‘revolução da eficiência’, no senti-do do maior aproveitamento dos recursosjá disponíveis, e de um generalizado pro-grama de conscientização e treinamento,nos melhores moldes já existentes na Eu-ropa, para que empresas e funcionários –setor que demanda maior consumo de ener-gia – possam otimizar o uso energético semdesperdício. As empresas de geração deenergia deveriam ser transformadas emagências de serviços de energia, esta últi-ma entendida como um bem público e nãocomo mercadoria sob as regras da acumu-lação e do lucro.

‘Revolução da Eficiência’ na produção, quepressupõe a diminuição do uso de matéria,água e energia, é etapa essencial para sepensar a sustentabilidade. As consideraçõessobre os impactos sociais, o outro vérticedo tripé do desenvolvimento sustentáveltambém exige que o processo se faça comparticipação e amplo debate da sociedade,etapas ausentes da ‘política’ atual.

Nos últimos 500 anos, a natureza vem sen-do economicamente apropriada no Brasilcom altos custos sociais. Uma pequenaelite econômica mundial, auxiliada por umafragmentada visão técnica e linear do mun-do, define o significado e o destino dosrios, montanhas, florestas, planícies, e de-mais ecossistemas, transformando diver-sidades existentes em ‘monocultura soci-al e ambiental’. Contudo, está em cursouma luta pela re-significação do território.A luta dos ameaçados e deslocados porempreendimentos econômicos, tais comohidrelétricas, é uma luta pela reapropria-ção social da natureza. Neste contexto, aspolíticas energéticas não poderão furtar-se à continuada e legítima defesa dosmodos de vida não-urbanos e não-indus-triais, os quais contribuem para pensar-mos e realizarmos a sustentabilidade domundo como um todo. ■

Andréa Zhouri (PhD) – Coordenadora doGrupo de Pesquisas em Temáticas Ambientais(GESTA) junto ao Departamento de Sociologiae Antropologia da Universidade Federal de Mi-nas Gerais (UFMG). Trabalho apresentado noSeminário Teuto-Brasileiro sobre “EnergiasRenováveis” (Berlim, 2-3 junho de 2003).

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Eficiência Energética:

por Stacy Angel e Larry Mansueti

a experiência dos EUA

Os preços do petróleo atingiram uma alta recorde em meados de 2008, em seguidacaíram vertiginosamente junto com as economias mundiais. Um novo presidente tomouposse nos Estados Unidos, e a crise econômica passou a ser o principal item em suaagenda. Obama prometeu colocar as questões relacionadas com energia e economia àfrente no seu plano de recuperação. Mas anos antes de a crise estourar, o setor energéti-co dos EUA e as autoridades reguladoras uniram forças para desenvolver e implementarnovas maneiras de trazer maior eficiência a toda a infraestrutura energética da nação –objetivo potencializado pela Lei Americana de Recuperação e Reinvestimento de 2009,sancionada em 17 de fevereiro de 2009. Confira.

O investimento em tecnologias e prá-ticas mais eficientes em casas, em-presas, escolas, instituições go-

vernamentais e indústrias — que respon-dem por 70% do consumo de gás natural eeletricidade nos Estados Unidos — é umdos modos mais construtivos e de melhorrelação custo/benefício para criar novosempregos. Ao mesmo tempo, esses inves-timentos ajudarão nos desafios do alto pre-ço da energia, segurança e independência

energética, preocupações com o meio am-biente e mudanças climáticas globais nocurto prazo. A exploração dessa eficiênciaajudaria os Estados Unidos a atender cer-ca de 50% ou mais do crescimento espera-do no consumo de eletricidade e gás natu-ral nas próximas décadas, proporcionandouma economia de bilhões de dólares nascontas de energia e evitando emissões sig-nificativas de gases de efeito estufa e deoutros poluentes no ar.

Reconhecendo a grande oportunidade daeficiência energética, mais de 60 das mai-ores organizações, representando diver-sas partes interessadas do país inteiro,uniram-se em 2006 para desenvolver o Pla-no de Ação Nacional para a Eficiência Ener-gética. Muitas dessas partes são os pró-prios grupos que fornecem eficiência ener-gética — companhias de eletricidade e gás,seus respectivos órgãos reguladores es-tatais e outros.

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não têm incentivo para gastar mais com ilu-minação ou televisores energeticamenteeficientes porque são os proprietários queirão colher os frutos da economia mensalnas contas de energia. Isso é chamado debarreira do “incentivo dividido” para a efi-ciência energética. Além disso, as compa-nhias energéticas podem reduzir seus cus-tos para atender a toda a demanda dos con-sumidores por meio de apoio à eficiênciaenergética, mas as abordagens do progra-ma de “melhores práticas” para essas eco-nomias nem sempre são bem documenta-das e geralmente ficam de fora do planeja-mento das companhias energéticas ou dosesforços de financiamento.

O Plano de Ação recebeu amplo apoio deestados, companhias energéticas e consu-midores de todo o país. Até agora, mais de120 organizações endossaram as recomen-dações do Plano de Ação e assumiramcompromissos publicamente, o que ajuda-rá no avanço das diretrizes da Visão para2025. A Agência de Proteção Ambiental dosEstados Unidos e o Departamento de Ener-gia apenas facilitam o trabalho dessa inici-ativa público-privada, por isso as afirma-ções e declarações pertencem tão somenteaos membros do Plano de Ação. É umamensagem poderosa, endossada por umamplo grupo representativo dos tomado-res de decisão de todo o país.

A Visão para 2025 é o documento mais im-portante do Plano de Ação. Devido à es-trutura dos órgãos reguladores dos servi-ços públicos americanos, muitas políticaspara remoção de barreiras à eficiência ener-gética devem avançar em nível estadual.Por isso, a Visão para 2025 do Plano deAção oferece um arcabouço de políticaspara o avanço economicamente vantajosoda eficiência energética, ao mesmo tempoem que reconhece a diversidade das cir-cunstâncias e estruturas dos órgãos regu-ladores regionais, estaduais e locais. As-sim, os detalhes das políticas e decisõesde implementação serão determinados pormeio de processos adequados em cadaestado. É uma estrutura que pode ser atua-lizada e aprimorada com o tempo.

A Visão alavanca mais de duas décadas deexperiência em eficiência energética paramontar seus 10 objetivos de implementa-ção. O avanço é mensurado por um con-junto abrangente de etapas políticas deacordo com esses objetivos. No final de2007, a Visão para 2025 concluiu que hou-ve grande progresso, mas ainda é neces-sário trabalhar mais. Cerca de metade dosestados estabeleceu programas de eficiên-cia energética que abrangem todos os con-sumidores e adotou códigos de constru-ção que exigem maior grau de eficiênciaenergética na construção de casas e edifí-

be financiamento constante por meio de pro-cessos de órgãos reguladores estatais, per-mitindo que os custos aprovados para me-lhorias essenciais sejam recuperados nas ta-rifas do consumidor. Os estados tambémpoderiam adotar políticas para financiarmedidas de eficiência por meio da estruturade cobrança dos serviços públicos, a fim deatender às metas do Plano de Ação.

Devido ao sucesso e aos desafios até agora,estados, companhias energéticas e outrasorganizações gastam atualmente cerca de U$2 bilhões anuais em programas de eficiênciaenergética. Esse nível de investimento evi-tou uma produção de energia equivalente amais de 30 usinas elétricas geradoras de 500megawatts, e emissões de gases de efeitoestufa equivalentes às emissões de 9 milhõesde veículos por ano. Ao mesmo tempo, pro-porcionou aos consumidores uma economiade quase U$ 6 bilhões anuais.

O fundo de estímulo econômico aprovadopelo Congresso e assinado pelo presiden-te Obama proporciona um aumento de re-cursos altamente necessário, muitas vezesacima dos níveis atuais, para viabilizar be-nefícios ainda maiores da eficiência ener-gética. Mesmo com esse fundo, o trabalhodo Plano de Ação ainda não terminou. Opotencial para economias energéticas comboa relação custo/benefício nos prédios e

Estados, companhias energéticas

e organizações gastam atualmente

cerca de U$2 bilhões anuais em

programas de eficiência energética.

Discos captores de energia solar Foto:Sandiadishsirling

O Plano de Ação identifi-ca as principais barreirasque contribuem para osubinvestimento em efi-ciência energética, deli-neia as cinco principaisrecomendações políticaspara alcançar o objetivodo Plano de EficiênciaEnergética com boa rela-ção custo/benefício eoferece diretrizes políti-cas — Visão para 2025 —para alcançar e mensuraro progresso em direção àmeta. As barreiras paramaiores investimentosem eficiência energéticaencontram-se nos tiposde clientes e dentro dascompanhias de energia.Por exemplo, os consumi-dores que não pagamsuas contas de energiadiretamente, como em al-guns imóveis alugados,

cios novos. Ademais, cer-ca de um terço dos esta-dos definiu metas deeconomia de energia etrabalhou as causas dafalta de estímulo das em-presas de serviços públi-cos para apoiar os esfor-ços de eficiência energé-tica. Por exemplo, algunsestados estabelecerampolíticas para que as em-presas de eletricidade egás não associem seupotencial lucrativo à ven-da de energia adicional.

Não houve grande avan-ço nos estados no esta-belecimento de fundossólidos e estáveis para aeficiência energética. Aconstrução de usinas elé-tricas, linhas de transmis-são e gasodutos por com-panhias energéticas rece-

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Stacy Angel e Larry Mansueti supervisio-nam o auxílio federal ao Plano de Ação Nacionalpara a Eficiência Energética. Angel trabalha naDivisão de Parcerias para Proteção do Clima daAgência de Proteção Ambiental e é responsávelpelo apoio aos esforços voluntários para reduziras emissões de carbono por meio do uso de ener-gia limpa, incluindo a eficiência energética.Mansueti trabalha no Escritório de Eletricidadedo Departamento de Energia dando apoio ao altoescalão administrativo sobre assuntos relativos àpolítica de eletricidade e ajuda os estados emseus esforços para aumentar a eficiência das po-líticas reguladoras da eletricidade.

Fonte: O artigo Estimulando a Eficiência Energéti-ca a Longo Prazo foi publicado em www.embaixadaamericana.org.br/HTML/ijge0409p/angel.htm. Parainformações detalhadas sobre o Plano de Ação, con-sultar www.epa.gov/eeactionplan

❚ Os fornecedores de energia, o mercado e os formuladores de políticas, todos têm um papel noaumento da eficiência energética.❚ A eficiência energética não é gratuita, mas onera menos do que a geração e o forneci-mento de energia.❚ A eficiência energética necessita de uma estrutura de políticas apropriada.❚ Mensurar o avanço rumo à eficiência energética com boa relação custo/benefício é importante.

Kristina Johnson - Subsecretária para Energia no laboratório do DOE

EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E PESQUISA TECNOLÓGICA

No Lawrence Berkeley National Lab (www.lbl.gov) investigam-se, por exemplo,inúmeras estratégias para aprisionar o fantástico potencial das fontes de energiabaseadas no sol (solar e biomassa). Afinal, a luz solar que incide sobre a super-fície terrestre em apenas uma hora contem energia suficiente para suprir as neces-sidades energéticas de toda a humanidade em um ano.

Aproveitar esta fantástica quantidade de energia através de tecnologias nãopoluentes, eficientes, de custo factível e de uso prático constitui um atalho parasolucionar a crise de energia e mitigar as mudanças climáticas globais.

Em 2005, Steve Chu, diretor do Berkeley Lab e Prêmio Nobel, lançou o ambiciosoProjeto Hélios para desenvolver tecnologias energéticas baseadas na luz solar. Umplano que favoreceu pesquisas para a criação de novas gerações de biocombustí-veis (foto) a partir de rejeitos agrícolas, gramíneas, algas e plantas não comestí-veis, via conversão direta da água e do dióxido de carbono em combustíveis veicu-lar. E, também, com a aplicação de nanoestruturas artificiais às tecnologias ener-géticas com base no sol.

O Berkeley Lab lidera o Joint BioEnergy Institute, participa do Energy Biosciences Institutee patrocina o Solar Energy Research Center. O Laboratório Berkeley vem a ser umadas mais atuantes – entre dezenas de outras – instituições americanas dedicadas aodesenvolvimento de tecnologias de conservação e de eficiência energética.

Portanto, além das estratégias e decisões políticas de curto prazo, os EUA inves-tem pesado em pesquisa teórica e tecnológica para encontrar soluções ideais alongo prazo.

Fonte: Lawrence Berkeley National Laboratory – www.lbl.gov Texto: Cidadania & Meio Ambiente

A humanidade precisadesenvolver tecnologiasseguras e sustentáveispara reduzir as emissõesde gases de efeito estufae garantir a transiçãopara fontes de energiamenos poluentes. Paraisso, é vital o investimen-to em pesquisas e altatecnologia

PLANO DE AÇÃO NACIONAL PARA A EFICIÊNCIA ENERGÉTICAresidências dos EUA excede o que será fei-to por meio das atividades de estímulo.Além disso, a mão-de-obra capacitada eexperiente em eficiência energética aumen-tará com o incentivo e estará pronta paraatender às construções adicionais. Os for-muladores de políticas agora podem agirpara que as mesmas barreiras à eficiênciaenergética, originalmente reconhecidas noPlano de Ação, continuem a ser removidasno longo prazo. Isso vai exigir um reexamede como os incentivos aos investimentosem eficiência energética estão alinhados en-tre consumidores e fornecedores de ener-gia, incluindo o modo como os serviçospúblicos podem obter custos menores aolevar em conta a eficiência em seus esfor-ços de planejamento, assim como conside-ram a geração de eletricidade e o forneci-mento de gás natural. As diretrizes da Vi-são do Plano de Ação são oferecidas paraajudar os estados a explorar formas de con-tinuar a estimular a eficiência energética emanter empregos no longo prazo.

Durante a implementação do estímulo eco-nômico, os líderes do Plano de Ação con-tinuarão a disponibilizar uma profusão derelatórios, ferramentas e assistência téc-nica aos estados, autoridades locais e pro-gramas de eficiência energética. As me-lhores práticas existentes e os conheci-mentos adquiridos com esses recursospodem ser alavancados para ajudar a co-locar o fundo de estímulo em operação rá-pida e eficazmente, ao mesmo tempo emque dão suporte ao desenvolvimento deum ambiente de políticas de apoio à efici-ência energética até bem depois de o fun-do de estímulo econômico terminar. ■

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Pesquisa de biocombustível

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Em tempo de aquecimento global, de esta-bilização das emissões de CO

2 para a atmos-

fera e de imperiosa transição para matrizesenergéticas “limpas”, o dr. Steven Sumer(especialista em saúde ocupacional e médi-co residente da Universidade Duke) e o dr.Layde (co-diretor do Centro de Pesquisa deDanos à Saúde da Escola de Medicina deWisconsin) compararam os riscos ocupaci-onais entre os trabalhadores do setor deenergia gerada por combustíveis fósseis(carvão, petróleo e gás natural) com os dosque operam no setor de energias renová-veis (vento, sol e biomassa).

Os riscos de acidentes de trabalho e deóbito entre os trabalhadores do setor deenergia estão incluídos na categoria “ex-ternalidade energética”, onde também fi-guram dos danos ambientais aos efeitosadversos da poluição. Os pesquisadoresevidenciaram que as energias eólica (ven-to) e solar são as menos prejudiciais, já queos riscos potenciais da fase de extração deenergia (captação do vento e do sol) sãomínimas ou inexistentes. A biomassa, osbiocombustíveis e os resíduos orgânicosnão parecem oferecer margem de seguran-ça significativa quando comparados aoscombustíveis fósseis. Explica o dr. Sumner:

“O setor de energia continua sendo a in-dústria mais perigosa para os trabalhado-res. A transição para a geração de energiarenovável tendo como fontes o vento e osol tem potencial de reduzir em 1.300 onúmero de óbitos de trabalhadores nosEUA, na próxima década.”

Segundo o dr. Layde,“As pesquisas já empreendidas sobre asrepercussões dos efeitos da transiçãodos combustíveis fósseis para as fontesrenováveis de energia na área da saúde

focalizaram apenas os benefícios ambi-entais das últimas no tocante à qualida-de do ar e ao aquecimento global. Nãoforam brindados os benefícios na redu-ção dos acidentes de trabalho e dos óbi-tos. Agora, graças ao American Recoveryand Reinvestment Act of 2009, esse be-nefício ganhará visibilidade.”

Os investigadores revisaram o custo labo-ral da produção nos setores tradicionais enovos da indústria energética, e observa-ram que, enquanto as energias obtidas decombustíveis fósseis foram historicamentemenos onerosas do que as de fontes reno-váveis, os custos adicionais embutidos nasexternalidades, em especial os efeitos ad-versos sobre a saúde humana, nunca foramlevados em conta. Até então, os perigos paraos trabalhadores da indústria energéticaeram considerados nos estágios de produ-ção (extração, geração e distribuição).

EXTRAÇÃOA mineração de carvão, gás e petróleo é asegunda ocupação mais perigosa nos EUA,com 27,5 óbitos por 100.000, se comparadaà taxa de fatalidade anual de 3,4 mortes paraoutros setores industriais. Apenas a agri-cultura é mais perigosa, com 28,7 óbitospor 100.000. Adicionalmente, os trabalha-dores que lidam com combustíveis fósseisestão sujeitos aos riscos adicionais ineren-tes à extração, como exposição a partículasperigosas, gases e radiação. As energiasrenováveis que eliminam a fase de extraçãorepresentam muito menos perigo, emboranão se possa deixar de considerar a extra-ção das matérias-primas necessárias à fa-bricação dos aerogeradores eólicos e aosmódulos fotovoltaicos. Por outro lado, abiomassa, que inclui a cultura do milho paraa produção de etanol, não parece oferecer

O texto original, Renewable Energies Will BenefitUS Workers’ Health, foi publicado originalmenteno Journal of the American Medical Association(JAMA – 10/08/2009) e em www.sciencedaily.com(19/08/2009). Tradução adaptada por Cidadania& Meio Ambiente.

uma redução da mortalidade profissionalrelacionada à extração.

GERAÇÃO

A combustão exigida para gerar combustívelfóssil produz gases de efeito estufa e poluen-tes respiratórios, e ainda inclui o risco de ex-plosões catastróficas. Isto também vale para ageração de energia da biomassa. Nos paísesdesenvolvidos, os combustíveis fósseis es-tão associados a mais acidentes e fatalidadespor unidade de energia gerada do que as ener-gias nuclear ou hidrelétrica. Já a possibilidadede uma catástrofe não-intencional gerada pe-las energias eólica e solar é muito limitada.

DISTRIBUIÇÃO

Os acidentes rodoviários respondem pelamaior proporção de fatalidades entre os quetrabalham na extração de gás e de petróleo, ea biomassa também utiliza transporte veicu-lar. E tanto as energias por combustível fóssilquando por vento e por sol compartilham asmesmas vias e riscos na distribuição da cor-rente elétrica pelas linhas de transmissão.

Os investigadores concluíram que os es-tudos disponíveis sobre riscos ocupacio-nais à saúde devidos à geração de energiasão limitados, sendo necessário coligir da-dos mais abrangentes e precisos para asocupações do setor de energias renová-veis. No entanto, os benefícios potenciaisdas energias renováveis são considerá-veis, já que seus perfis de segurança sãoimediatos e significativos. ■

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Energias renováveis e saúde

por Dr. Steven Sumer e Dr. Layde

Além de beneficiar a saúde do planeta, a expan-são das energias renováveis vai melhorar consi-deravelmente a saúde de quem trabalha no se-tor elétrico, revelam especialistas em medicinaocupacional dos EUA. Veja como a implementa-ção de energias limpas vai beneficiar a todos –inclusive você!

Raros temas socioambientais são tão polêmicos quanto o desenvolvimento de uma

matriz energética limpa. Ou tão limpa quanto possível. Afinal, a percepção do que seria

energia limpa e renovável ainda está em construção, gerando inúmeros debates e ain-

EnergiasAlternativas e Renováveis

da longe de consenso. Isso é natural e ne-

cessário, na medida em que não existem so-

luções simples para problemas complexos.

A mais importante questão em aberto é que

não existe energia realmente limpa. Ela

pode ser mais ou menos impactante, mas

não é limpa. Assim, devemos ter a respon-

sabilidade de usar de forma sustentável

todas as alternativas possíveis: hidrelétri-

ca, termoelétrica, biomassa, fotovoltaica,

eólica, células de hidrogênio, etc. E sem o

falso argumento que energia alternativa é

cara: ela é infinitamente mais barata do

que não ter energia. Matriz energética deve

realmente ser compreendida como uma

matriz, com cada componente agregando

potencial aos outros, mitigando e compen-

sando os efeitos negativos.

Em suma, há um enorme potencial a ser de-

senvolvido e explorado, o que justifica o

permanente debate conceitual, técnico e

científico sobre o tema, tal como tentamos

fazer neste caderno especial.

Caderno Especial

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Poucos temas serão tão importantes, aolongo deste século, quanto a geração deenergia elétrica e, como todo tema im-portante, também será fonte de inten-sos debates.

A crise climática se agrava rapidamentee a geração de energia elétrica é umadas mais relevantes fontes de emissãode gases do efeito estufa, com destaquepara o CO2, emitido pelas usinas terme-létricas a carvão e óleo combustível.

O crescimento da população, o aumentoda demanda de energia elétrica e a ne-cessidade de garantir a oferta de eletrici-dade para os processos produtivos e,consequentemente, para desenvolvimen-to econômico exigem um crescimentoconstante da geração, mas, ao mesmotempo, o modelo de geração a partir decombustíveis fósseis é crescentementeinsustentável sob quaisquer perspectivassociais e ambientais.

É neste cenário de grandes desafios queas energias alternativas e renováveis sãode fundamental importância para garan-tir a oferta de energia elétrica de formasustentável e com os menores impactossociais e ambientais possíveis.

No entanto, em escala global, a substi-tuição da energia suja, principalmente agerada a partir da termeletricidade a car-vão, não será fácil nem rápida. Os estu-dos Implications of “peak oil” for atmos-pheric CO2 and climate e Implications of“peak oil” for atmospheric CO2 and cli-mate(1) afirmam que a simples reduçãoda queima de carvão já seria suficientepara reduzir a ameaça das mudançasclimáticas, mas nada indica que, até ofinal do século XXI, o carvão deixe de rei-nar como principal fonte de geração deenergia elétrica.

Em escala global, o carvão responde por40% da geração de energia elétrica enovos projetos de usinas termelétricas acarvão continuam a ser instalados, mes-mo diante da sua maciça emissão deCO2. A razão é muito simples: as reser-vas mundiais de carvão são estimadasem cerca de 7 trilhões de toneladas.

Em suma, a geração elétrica a partir docarvão continua crescendo e, com ela, aemissão de CO2. As emissões globaisde dióxido de carbono (CO2) derivadasda queima de combustíveis fósseis atin-giram em 2006 o recorde de 8,38 bilhõesde toneladas, um número 20% maior doque o registrado em 2000. As emissõesaumentaram anualmente 3,1% no perí-odo, mais do que o dobro da taxa de cres-cimento dos anos 90.

Termelétrica -Foto: Abstrato

Mesmo no Brasil, onde, de acordo comdados da Aneel do dia 29/09/2009, o car-vão mineral responde por 1,28% da ma-triz energética, já estão em andamentodiversos projetos de novas termelétricasa carvão. E destaque-se que o carvãonacional é um dos piores em termos deteores de cinzas e enxofre. Como emoutros países, o carvão é uma opçãoaparentemente barata (para o empreen-dedor), mas com severos impactos so-ciais e ambientais, sem falar dos gravesdanos à saúde pública.

Se não houver vontade e decisão popu-lar de interromper o ciclo do carvão comofonte dominante de produção de ener-gia elétrica, nada impedirá que as pio-res previsões de aquecimento global emudanças climáticas se realizem.

Como em tudo mais, quanto ao CO2 emudanças climáticas, podemos optar pordecisões difíceis agora ou graves conse-quências depois. O governo brasileiro, noentanto, já iniciou um amplo programade incentivo às energias alternativas: oPrograma de Incentivo às Fontes Alterna-tivas de Energia Elétrica (Proinfa), institu-ído pela Lei 10.438, de abril de 2002, queamplia o horizonte nacional em termosde geração por meio de empreendimen-tos concebidos com base nas fontes eó-lica, biomassa e pequenas centrais hi-drelétricas (PCHs). A melhor descriçãopossível do Proinfa pode ser obtida noMinistério de Minas e Energia.

O Proinfa, conforme descrito no Decretonº 5.025, de 2004, foi instituído com oobjetivo de aumentar a participação daenergia elétrica produzida por empreen-dimentos concebidos com base nas fon-tes eólica, biomassa e pequenas cen-trais hidrelétricas (PCHs) no SistemaElétrico Interligado Nacional (SIN). Deacordo com a Lei nº 11.943, de 28 demaio de 2009, o prazo para o início defuncionamento desses empreendimen-tos termina em 30 de dezembro de 2010.

O intuito é promover a diversificação damatriz energética brasileira, buscando al-ternativas para aumentar a segurança noabastecimento de energia elétrica, alémde permitir a valorização das característi-cas e potencialidades regionais e locais.

Coube ao Ministério de Minas e Energia(MME) definir as diretrizes, elaborar o pla-nejamento do programa e definir o valoreconômico de cada fonte, e a CentraisElétricas Brasileiras S.A. (Eletrobrás), opapel de agente executora, com a cele-bração de contratos de compra e vendade energia (CCVE).

Para tanto, foi estabelecido que o valorpago pela energia elétrica adquirida, alémdos custos administrativos, financeiros eencargos tributários incorridos pela Ele-trobrás na contratação desses empreen-dimentos, fossem rateados entre todasas classes de consumidores finais aten-didas pelo SIN, com exceção dos consu-

No Brasil, o carvão responde apenas

por 6,2% da matriz energética.“

Fonte: ONS (Operador Nacional do Sistema Elétrico).

O Programa

Proinfa prevê a

implantação de 144

usinas, totalizando

3.299,40 MW

de capacidade

instalada, sendo

1.191,24 MW

provenientes de

63 PCHs,

1.422,92 MW

de 54 usinas eólicas,

e 685,24 MW

de 27 usinas a base

de biomassa.

REDE DE OPERAÇÃO - HORIZONTE 2011

SISTEMA DE TRANSMISSÃO HORIZONTE 2007/2009

midores classificados na Subclasse Re-sidencial Baixa Renda (consumo igual ouinferior a 80 kWh/mês).

O programa prevê a implantação de 144usinas, totalizando 3.299,40 MW de ca-pacidade instalada, sendo 1.191,24 MWprovenientes de 63 PCHs, 1.422,92 MWde 54 usinas eólicas e 685,24 MW de 27usinas a base de biomassa. Toda essaenergia tem garantia de contratação por20 anos pela Eletrobrás.

O Proinfa é um programa pioneiro, queimpulsionou essas fontes, em especiala energia eólica. O Brasil passou, em pou-co mais de três anos, de apenas cercade 22 MW de energia eólica instalada paraos atuais 414 MW instalados, e, em bre-ve, serão completados os demais MWprevistos. E isso se deve, em grande par-te, ao Proinfa, que mostrou a vocação bra-sileira para uma matriz elétrica limpa.

O grande desafio estabelecido pelo pro-grama foi o índice de 60% de nacionali-zação dos empreendimentos, que teveo objetivo principal de fomentar a indús-tria de base dessas fontes. Se conside-rarmos como fator de desenvolvimentoo domínio da cadeia produtiva, o Proinfaestá alinhado com outras ações do go-verno que resultaram no fortalecimentoda indústria brasileira de geração deenergia elétrica.

Atualmente, estima-se que, até o final de2010, 68 empreendimentos entrarão emoperação, o que representa a inserçãode mais 1.591,77 MW no Sistema. Se-rão mais 23 PCHs (414,30MW), duasusinas de biomassa (66,50MW) e 43 usi-nas eólicas (1.110,97MW).(2)

O Proinfa, como podemos observar,apenas não inclui a energia solar, mas,certamente, isso é apenas uma ques-tão de tempo, tendo em vista o rápidodesenvolvimento da tecnologia envolvi-da nessa forma de geração.

As energias renováveis, como já afirma-mos, são de fundamental importânciapara garantir a oferta de energia elétricade forma sustentável e com os menoresimpactos sociais e ambientais possíveis.

RENOVÁVEIS:A ENERGIA DE QUE O MUNDO PRECISA(3)

Para o Prof. Heitor Scalambrini Costa, “asvantagens da energia renovável forambem definidas pelo Brasil em propostaapresentada na Conferência das NaçõesUnidas sobre Ambiente e Desenvolvi-mento Sustentável, ocorrida em Johan-nesburgo (África do Sul), em agosto de2002. No documento, foi explicado que

Foto divulgação Exclusiva!BR

Com 325 hectares e 19 aerogeradores, o Parque Eólico de Praias

de Parajuru – o primeiro de três usinas a serem construídas no

Ceará – entrou em operação a 20/08/2009, no município de

Beberibe (CE). Ainda serão instaladas as centrais Praia do Morgado

e Volta do Rio, no município de Acaraú. Juntos, os parques eólicos

terão capacidade para gerar 99,6 MW. A proposta é que nos

próximos 20 anos a energia gerada pela Usina Eólica Praias de

Parajuru seja comercializada para a Eletrobrás.

O VENTOO vento existente no planeta é suficiente para suprir o consumomundial de energia em mais de quatro vezes o nível atual deconsumo. A tecnologia de uso da energia eólica é uma história desucesso e gera eletricidade para milhões de pessoas, empregospara dezenas de milhares e bilhões de dólares de lucro.❚ Na China, a capacidade de geração de energia eólica vemcrescendo substancialmente nos últimos anos.❚ Na Mongólia, geradores portáteis de energia eólica são bastan-te usados por povos nômades para alimentar lâmpadas, rádios eoutros aparelhos elétricos.❚ Desde o início dos anos 70, o governo dinamarquês apoia odesenvolvimento e a implementação de uma forte indústria deenergia eólica, especialmente por meio de abatimentos em im-postos e investimentos públicos. Existem hoje no país mais pessoastrabalhando na indústria de energia eólica do que na pesca.❚ A Europa, Espanha e Alemanha também são exemplos aserem seguidos.

O SOLA luz solar que ilumina a Terra a cada hora é suficiente para supriras necessidades humanas de energia por um ano inteiro. Há muitasmaneiras de utilizar essa fonte de energia:Ÿ Coletores solares térmicos, que podem aquecer a água e o arpara casas e instalações industriais; ou energia solar fotovoltaica(PV), que gera eletricidade diretamente a partir da luz do sol.Simples, confiável, segura e silenciosa, é uma eletricidade livrede qualquer poluição.Ÿ Países em desenvolvimento já instalaram mais de 1 milhão desistemas domésticos de aquecimento solar.Ÿ Existem aproximadamente 150 mil sistemas domésticos de ener-gia solar no Quênia, mais de 100 mil na China, 60 mil na Indoné-sia e mais de 300 mil lanternas solares na Índia.Ÿ Hoje mais de 1,5 milhão de residências pelo mundo contamcom eletricidade solar conectada na rede de distribuição.

AS PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS (PCHs)Os projetos de usinas hidrelétricas de pequena escala (no Brasil d”30 MW) usam o fluxo natural das águas dos rios para gerar eletri-cidade. Unidades hidrelétricas familiares contam com pequenasturbinas que usam o fluxo da água para gerar eletricidade para ascasas. As PCHs apresentam baixos impactos ambientais.❚ Mais de 100 mil famílias no Vietnã usam pequenas turbinas deágua para gerar eletricidade.❚ Mais de 45 mil projetos de pequenas hidrelétricas estão sendousados na China, gerando energia para mais de 50 milhões de pessoas.❚ O Brasil, particularmente Minas Gerais, tem grande potencialpara essa tecnologia, assim como outros estados. De acordo com

CONHEÇA

a APMPE (Associação Brasileira dos Pequenos e Médios Produto-res de Energia Elétrica), a potência hidrelétrica já identificada nosinventários disponíveis hoje soma 10 mil MW, cerca de 10% detoda a capacidade instalada no país. A associação estima outros15 mil MW em potencial ainda não identificado.

BIOMASSA (UMA VISÃO CRÍTICA)Plantações podem ser cultivadas especificamente para a produção decombustíveis e a compostagem de material vegetal também pode serusada para produzir gás metano, que, por sua vez, pode ser utilizadocomo combustível. No entanto, cultivos geneticamente modificados nãodevem ser usados com essa finalidade, bem como se deve evitar haveremissões tóxicas (provenientes, por exemplo, do uso de agrotóxicos)resultantes da queima desse tipo de combustível. Resíduos florestais eagrícolas também podem ser usados para produzir eletricidade eaquecer, sem causar o aumento dos níveis de CO

2.

A expansão das monoculturas (cana-de-açúcar e plantas oleagi-nosas), além de degradar o meio ambiente e ampliar a explora-ção do trabalho assalariado, destrói os territórios camponeses,provocando o êxodo rural e expandindo ainda mais as desigual-dades sociais no campo e na cidade.

O potencial de crescimento da eletricidade de cana, a chamadabioeletricidade, é surpreendente, devendo passar dos atuais 3% damatriz energética elétrica nacional para cerca de 15% em 2020,considerando-se apenas a utilização do bagaço e da palha da canaem níveis idênticos ao do volume plantado atualmente no país.Abiomassa da cana é considerada uma matéria-prima cada vez maisimportante para a indústria alcoolquímica, com destaque para osplásticos verdes e uma série de outros produtos, além do etanol.

A expansão do cultivo da cana-de-açúcar tende a consolidar omodelo econômico dominante na agricultura brasileira, que é aafirmação das grandes áreas de monoculturas (como na soja, al-godão, milho e outros cereais) e a artificialização da agriculturapor meio dos cultivos transgênicos, fertilizantes de origem indus-trial, uso intensivo de agrotóxicos e de herbicidas, da automação,da mecanização pesada e da aviação agrícola.

Esse modelo é ambientalmente insustentável e favorece a degrada-ção ambiental. Um dos gases responsáveis pelo efeito estufa, oóxido nitroso (N

2O), tem como principal fonte de emissão a agricul-

tura e é 310 vezes mais poluente que o dióxido de carbono (CO2),

o mais comum na atmosfera. O atual modelo favorece a contamina-ção das águas e do solo pelos agrotóxicos e os herbicidas, assimcomo a saturação dos solos pelos fertilizantes nitrogenados, alémde compactar os solos pela motomecanização pesada.

Fonte: Prof. Heitor Scalambrini Costa(4)

AS ENERGIAS RENOVÁVEIS

as novas fontes renováveis de ener-gia – como biomassa, pequenas hi-drelétricas, eólica e solar, incluindoa fotovoltaica – oferecem inúmerosbenefícios:❚ Aumentam a diversidade e a com-plementaridade da oferta de energia;❚ Reduzem as emissões atmosfé-ricas de poluentes;❚ Asseguram a sustentabilidade dageração de energia a longo prazo;❚ Criam novas oportunidades deempregos nas regiões rurais e ur-banas, oferecendo oportunidadespara fabricação local de tecnologiade energia;Ÿ Fortalecem a garantia e a segu-rança de fornecimento porque nãorequerem importação, diferente-mente do setor dependente decombustíveis fósseis.

Além de solucionar grandes proble-mas ambientais, como o efeito es-tufa, as fontes renováveis ajudam acombater a pobreza. Como a pró-pria delegação brasileira afirmouem Johannesburgo, as fontes re-nováveis de energia:❚ Podem aumentar o acesso à águapotável proveniente de poços. Águalimpa e alimentação cozida reduzema fome (95% dos alimentos precisamser cozidos antes de serem ingeridos)e evitam doenças;❚ Reduzem o tempo que mulheres ecrianças gastam nas atividades bási-cas de sobrevivência (buscar lenha,coletar água, cozinhar). Energia emcasa facilita o acesso à educação,aumenta a segurança e permite o usode mídia e comunicação na escola;❚ Diminuem o desmatamento.”

INVESTIMENTO MUNDIALO Prof Scalambrini constata que omundo inteiro está investindo emenergia eólica e fotovoltaica (eletri-cidade solar). “O mercado de ener-gia eólica cresceu 30% em 2007.Na China, ele triplicou. Nos EUA,dobrou – o país hoje possui o mai-or parque eólico mundial. Na Es-panha, cresceu 30%, com adiçãode 3.500 MW à rede. Na Alemanha,cresceu 8%, representando a adi-ção de 1.700 MW ao parque eólico,totalizando quase 22.500 MW. Já noBrasil, não chega a 400 MW de po-tência instalada.”

“O setor de eletricidade solar cres-ce 45% ao ano, em média, no mun-do, desde 2002. Em 2007, teve umincremento de 50% em relação a2006. Isso significa que ele dobrade tamanho a cada dois anos, ge-

rando uma diminuição de 20% nos cus-tos de produção. No Brasil são apenas33 unidades de sistemas fotovoltaicosconectados à rede elétrica.”

“Os investimentos em novas tecnologiaspara a energia solar fotovoltaica tambémcrescem em ritmo acelerado. O custo dapotência instalada da eletricidade solarcaiu 9%, em termos reais, entre 2000 e2006. Sua participação no total da capa-cidade elétrica instalada ainda é peque-na em comparação às fontes tradicio-nais, mas tem uma curva exponencial decrescimento que justifica cenários futu-ros com projeção para ocupar uma fatiaexpressiva no sistema elétrico mundial.”

“A mudança da matriz energética com a in-corporação de fontes renováveis de ener-gia (particularmente solar e eólica) é umponto fundamental para que se consigaatingir um padrão de desenvolvimento sus-tentável. Essas fontes energéticas gerammuitos empregos, tanto na área de instala-ção de placas solares, aquecedores sola-res e geradores eólicos, como na área dedesenvolvimento e pesquisa. Além disso,diminuem os níveis de poluição atmosféri-ca e a emissão de gases que contribuempara o aquecimento global.”

SISTEMA INTERLIGADO NACIONAL (SIN)O Brasil possui uma enorme vantagem emrelação a outros países graças ao Siste-ma Interligado Nacional, cuja coordenaçãoe controle da operação da geração e trans-

missão de energia elétrica cabe ao ONS(Operador Nacional do Sistema Elétrico).Esse sistema permite que a geração,independente de sua localização e fon-te, seja distribuída pelo país, compen-sando eventuais insuficiências regio-nais. A concepção do sistema fica maiscompreensível a partir do mapa de ge-ração e distribuição.

Segundo o ONS, apenas 3,4% da capa-cidade de produção de eletricidade dopaís encontra-se fora do SIN, em peque-nos sistemas isolados localizados prin-cipalmente na região amazônica. Issotorna as energias alternativas e renová-veis no Brasil muito mais interessantese eficazes do que em países sem siste-ma elétrico integrado, nos quais a gera-ção alternativa é apenas distribuída nolocal ou, no máximo, de forma regional.

As Pequenas Centrais Hidrelétricas(PCHs) estão, neste momento, desta-cando-se como uma das alternativascom maior investimento e aumento degeração em médio prazo. No entanto,ainda é uma forma de geração sob críti-cas, não quanto à geração em si, masquanto aos riscos de continuarem a serusadas concepções técnicas ultrapas-sadas, como mais um projeto social eambientalmente insustentável.

Essas questões foram discutidas porGeraldo Lucio Tiago Filho, em entrevistaao IHU On-line, transcrita a seguir.

PCH Irara - Localizada no rio Doce, município de Aparecida do Rio Doce, em Goiás, temcapacidade instalada de 30MW. Com investimento total de R$116,1 milhões, iniciou sua ope-ração comercial em 05.09.2008. Foto: Portal PCH

AS PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS

E O SEU IMPACTO AMBIENTAL

Para o professor Geraldo Lucio Tiago Filho(4), “as PCHs, assim como a eólica e a biomassa, constituem um

importante potencial disponível em nosso país, além de ser uma forma de energia pouco impactante”.

IHU ON-LINE – AS PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS - PCHS - TÊM MESMO

MENOS IMPACTO AMBIENTAL?

Geraldo Lucio Tiago Filho – As PCHs deveriam ser consideradas comoempreendimentos com baixo impacto ambiental pelos seguintes motivos:❚ Geralmente são a fio d’água e não requerem a construção degrandes barragens;❚ As microcentrais são normalmente construídas nas cabeceiras dosrios e com pouco impacto na ictiofauna;❚ Quando colocadas em trechos de rios planos, a barragem podetrazer impactos à migração de peixes, mas isso pode ser evitadocom escadas para peixes;❚ Como são, geralmente, centrais de desvio e com operação a fiod’água, o maior impacto ambiental presente neste tipo de central é adiminuição da vazão do curso d’água no trecho seco (trecho entre abarragem e a casa de máquinas). Para minimização dos impactos, alegislação exige que se deixe neste trecho uma vazão mínima, um valorsuficiente para manter a biodiversidade e o uso consultivo no trecho.

Em princípio, as PCHs resultam em pequenos impactos ambientais,considerando que, normalmente, as áreas alagadas são menores,limitadas a três quilômetros quadrados, mas podendo chegar a 13km2, desde que atendam a expressão: Sd” 14,3 . P/H, p[MW] H[m].

No programa Proinfa, por exemplo, estão sendo construídos emtorno de 63 empreendimentos de PCH, que resultam em 1.200MW e uma área alagada de 200 km2, enquanto que a UHE Sobra-dinho, com uma potência de 1.050 MW, tem uma área alagada de4.381 km2. Temos que levar em conta que Sobradinho possui afunção de regularizar a vazão do rio São Francisco e as PCHsfuncionam sem regularização.

Apesar dos baixos impactos ambientais, muitas vezes, as PCHs têmsido penalizadas pelos órgãos ambientais que as tratam como sefossem grandes centrais hidrelétricas, com os mesmos impactos. Oque não é verdade, pois:1) Possuem reservatórios com pequenas áreas alagadas;2) Não há deslocamento populacional por ocasião da implantaçãodas PCHs;3) Não há deplecionamento (abaixamento do nível da água arma-zenada durante um intervalo de tempo específico) do reservatório;4) Não há regularização de vazões;5) Normalmente não há interferência com a transposição dos peixes, poisos locais onde são instaladas são constituídos por cachoeiras com desní-veis consideráveis, que constituem uma barreira natural à piracema.

IHU – EXISTEM MAIS DE MIL PROJETOS DE PCHS EM ANÁLISE PELA ANEEL. O

BRASIL PRECISA DE TODA ESSA ENERGIA?

GLTF – Sim. O que a legislação atual fez foi permitir ao setor privadoinvestir no aproveitamento de potenciais que, a priori, são da nação, ouseja, de toda a população brasileira. O que o governo faz é permitirque um empresário invista em um setor onde o próprio governo é quetem a prerrogativa e que deveria investir. Por isso, ele concede umaautorização (no caso das PCHs; e uma concessão, no caso das UHEs e/ou qualquer central de serviço público).

Se o setor privado não puder, não quiser ou não se interessar eminvestir, o governo é que deverá investir para atender o crescimento

da demanda natural de uma economia que cresce e de uma socieda-de que vê, a cada dia, sua qualidade de vida melhorar. Se há umamelhora nos índices de qualidade de vida e da economia, automati-camente há um aumento da demanda de energia. Por isso, far-se-ánecessário o nosso país investir, com capital privado ou estatal, naci-onal ou estrangeiro, cada vez mais em energia.

E as PCHs, assim como a eólica e a biomassa, constituem um impor-tante potencial disponível em nosso país, além de ser uma forma deenergia pouco impactante. Depois da eólica, são as PCHs que apre-sentam os menores índices de impacto ambiental.

IHU – FALE-NOS SOBRE A ATUAL SITUAÇÃO DAS PCHS EM OPERAÇÃO NO PAÍS?

GLTF – Atualmente, há no Brasil 343 PCHs em operação que, compotência média em torno de 2.767 MW, representam 2,65% damatriz energética nacional. Isso é bastante, considerando que aseólicas ainda representam apenas 0,4% da matriz.

IHU – A CONSTRUÇÃO DE PCHS TEM SE MOSTRADO BOM PROJETO PARA INVES-

TIMENTO INTERNACIONAL. O QUE ISSO TRAZ DE CONSEQUÊNCIA PARA O PAÍS?

GLTF – Em princípio, o aumento do capital investido no país. Issoocorre em função do aumento da confiança dos investidores estran-geiros no mercado brasileiro, na constância das regras de merca-do, nas altas taxas de retorno do capital investido.

IHU – A CRISE FINANCEIRA INTERNACIONAL INFLUENCIOU O DESENVOLVIMENTO

DOS PROJETOS SOBRE AS PCHS?

GLTF – Inicialmente, houve uma retraída em novos empreendimen-tos. Logo que a crise eclodiu, muitos projetos que ainda estavam emestudo ou estruturando o financiamento pararam. Mas os investimen-tos mais amadurecidos continuaram.

Além disso, a crise coincidiu com a mudança nas regras de registrodos empreendimentos junto à Aneel (Revisão da Resolução 395),quando houve uma corrida para o registro dos empreendimentosde acordo com a regra antiga, e praticamente estacaram após aemissão das novas regras.

IHU – QUAL SUA OPINIÃO SOBRE AS HIDRELÉTRICAS EM CONSTRUÇÃO OU PROJE-

TADAS PARA A AMAZÔNIA?

GLTF – Os grandes potenciais hidráulicos nas regiões Sul, Sudestee Nordeste do Brasil já se extinguiram. O Brasil tem grande poten-cial hídrico e sua matriz de geração elétrica é baseada na geraçãohidrelétrica. E assim deve continuar, pois se constitui de uma dasmatrizes mais limpas do planeta, visto que a maioria dos países temcomo base o uso de combustíveis fósseis, tais como o petróleo, o gáse o carvão. Atualmente, os grandes potenciais brasileiros estãolocalizados no Centro-Oeste e na região amazônica. Então, é natu-ral que os estudos e investimentos tomem essa direção.

Se o Brasil não investir em grandes hidrelétricas será obrigado ainvestir em centrais térmicas a gás, a carvão e nuclear. Tecnicamentee economicamente não há como atender o crescimento da demandado país apenas utilizando fontes não convencionais de energiasrenováveis, tais como eólica, solar e biomassa. A forma mais perenee segura que temos ainda é e vai continuar sendo a hidroeletricida-de, finaliza o Professor Geraldo Lúcio.

PESQUISA CONCLUI QUE EÓLICA,HÍDRICA E SOLAR SÃO AS MELHORESENERGIAS ALTERNATIVASO professor de engenharia civil e ambi-ental Mark Z. Jacobson(5), de Stanford, re-alizou a primeira avaliação científicaquantitativa das propostas mais impor-tantes relacionadas com as soluçõesenergéticas, avaliando não só as suaspotencialidades para geração de ener-gia elétrica ou para uso motor em veícu-los, mas também seus impactos sobreo aquecimento global, a saúde huma-na, a segurança energética, o abasteci-mento de água, os requisitos de espa-ço, impacto na fauna, a poluição daágua, confiabilidade e sustentabilidade.Suas conclusões demonstram que asopções que estão no centro das políti-cas públicas de energias alternativassão de 25 a 1.000 vezes mais poluentesdo que as melhores opções disponíveis.

“As melhores energias alternativas não sãoas únicas de que as pessoas mais falam.E algumas opções que têm sido propos-tas são francamente horríveis”, disseJacobson. “O etanol, base dos biocombus-tíveis, vai realmente causar mais danos àsaúde humana, fauna, abastecimento deágua e utilização do solo do que os com-bustíveis fósseis atuais.” Ele acrescentaque o etanol pode também emitir mais po-luentes que contribuem para o aquecimen-to global do que os combustíveis fósseis,segundo os últimos estudos científicos.

As matérias-primas das fontes de ener-gia que Jacobson verificou como asmais promissoras, tendo em vista osmelhores resultados, são a eólica, asolar concentrada (a utilização de espe-lhos para aquecer um fluido), a geotér-mica, a energia das marés, a energiasolar fotovoltaica (em painéis solares) eas hidrelétricas. Ele não recomenda ocarvão “limpo” com captura e sequestrode carbono, e o etanol, tanto de milhocomo celulósico, que é feito de capim.Na verdade, ele considera o etanol celu-lósico ainda pior do que o etanol de mi-lho, porque resulta em mais poluição doar, exige mais terras para produzir e pro-voca danos à fauna silvestre.

Para colocar as várias alternativas em péde igualdade, Jacobson fez as compara-ções entre as fontes energéticas por meiodo cálculo dos impactos, como se cadauma das alternativas fosse usada emtodos os veículos nos Estados Unidos,admitindo apenas que estavam sendoutilizados veículos com as “novas tecno-logias. Esses veículos incluem veículoselétricos a bateria (BEVs), veículos a hi-drogênio (HFCVs) e “flex-fuel”, com a mis-tura chamada E85 (85% de etanol).

Em termos de geração de energia elétri-ca, a eólica foi, de longe, a mais promis-sora, devido a uma redução de 99% nasemissões de carbono e de poluição doar; o consumo de menos de 3 mil quilô-metros quadrados de terras para os par-ques eólicos; potencialidade para aten-der a totalidade do parque automóvel(com frota composta de veículos elétri-cos a bateria); redução de cerca de 15mil perdas de vidas prematuras por ano,a partir da redução das mortes relacio-nadas com a poluição veicular nos Es-tados Unidos; e, praticamente, nenhumconsumo de água. Em contrapartida, omilho e o etanol celulósico continuari-am a causar mais de 15.000 mortes re-lacionadas com a poluição do ar por ano.

Os parques eólicos ocupariam 0,5% detodas as terras dos EUA, algo 30 vezesinferior ao exigido para o cultivo de milhoou gramíneas para o etanol. Além disto,a área entre as turbinas eólicas estariadisponível como terreno agrícola ou pas-tagem ou, ainda, poderia ser deixadacomo espaço aberto.

“Há muita conversa entre os políticos deque precisamos de um programa maci-ço de empregos para tirar a economiada atual recessão”, disse Jacobson.“Bem, colocar as pessoas para traba-lhar construindo turbinas eólicas, plan-

tas solares, instalações geotérmicas, ve-ículos elétricos e linhas de transmissãonão só criaria empregos, mas haveriauma redução dos custos com cuidadosde saúde, danos às culturas, ao clima edanos por poluição, proporcionando aomundo uma verdadeira oferta ilimitadade energia limpa.”

“Obviamente, o vento sozinho não é asolução”, disse Jacobson. “Trata-se deum pacote que tem de ser combinadocom a energia produzida por outras fon-tes, como a solar, das marés, das on-das e energia geotérmica.”

Durante a recente campanha presiden-cial dos EUA, a energia nuclear e o car-vão “limpo” foram aclamados como assoluções energéticas a serem adota-das, mas a energia nuclear e do carvão,com captura e sequestro de carbono,foram as soluções com pontuaçõesmais baixas na escala criada porJacobson, após os biocombustíveis.

“O carvão, com o sequestro de carbono,emite de 60 a 110 vezes mais carbonodo que a energia eólica. E a energia nu-clear emite 25 vezes mais carbono doque a energia eólica”, disse Jacobson.

Apesar da captura de carbono potencial-mente reduzir de 85 a 90% a emissão

Imagem aérea dos 72 mil paineis fotovoltaicos da Central Solar Fotovoltaica de Nellisem Clark County, Nevada, EUA, que produz 14 megawatt (MW) em uma área de 0,57 km2.

Desde 2007,

o setor de

eletricidade solar

mundial dobra a

cada dois anos,

gerando uma

diminuição de

20% nos custos

de produção.

Em nosso país,

apenas 33

unidades de

sistemas

fotovoltaicos

estão conectados

à rede elétrica.

de carbono gerada a partir da queimade carvão em uma usina, ela não temqualquer impacto sobre o carbono re-sultante da exploração mineira ou dotransporte do carvão ou sobre a emis-são de outros poluentes atmosféricospelo processo de geração.

Veículo e opções energéticas, a partirde melhor para pior, de acordo com oscálculos de Jacobson:DA MELHOR PARA A PIOR FONTE DE ENERGIA ELÉTRICA:

1. A potência do vento;2. energia solar concentrada (CSP);3. energia geotérmica;4. energia das marés;5. solar fotovoltaica (PV);6. energia das ondas;7. hidrelétrica;8. um empate entre a energia nucleare o carvão, com captura e sequestrode carbono (CCS).

DA MELHOR PARA A PIOR ALTERNATIVA PARA VEÍCULOS:1. Eólica-BEVs (bateria de veículos elé-tricos);2. eólica-HFCVs (célula combustívelde hidrogênio);3. energia solar concentrada (CSP)-BEVs;4. geotérmica-BEVs;5. maré-BEVs;6. solar fotovoltaica-BEVs;7. ondas-BEVs;

8. hidrelétrica-BEVs;9. um empate entre nuclear-BEVs ecarvão-CCS-BEV;10. etanol de milho-E85;11. etanol celulósico-E85.

PAÍS PODE GERAR ENERGIA A PARTIR DO VEN-TO EQUIVALENTE À PRODUÇÃO DE ITAIPU (6)

O setor energético já recebeu 441 proje-tos para geração de energia elétrica pelosistema eólico, pelo qual equipamentoscaptam a energia dos ventos para movi-mentar os geradores.

Essa oferta, conforme explicou o ministrode Minas e Energia, Edison Lobão, ementrevista coletiva em 16/07/2009, poderesultar em um potencial de 13.341 me-gawatts (MW), capacidade próxima da queé gerada pela usina hidrelétrica de Itaipu.

O leilão que vai escolher as empresasque oferecerem os menores preços parainstalação desses sistemas está mar-cado para o final de novembro, mas, se-gundo o ministro, ainda não está defini-do o potencial que será contratado, quepode ser de 3 mil MW a 4 mil MW, confor-me a necessidade definida.

A energia será interligada ao sistema detransmissão nacional, estando inscritos322 projetos para a Região Nordeste (oequivalente a 9.549 MW) e 111 projetospara a Região Sul (3.594 MW).

Já estão instalados no país, em diver-sos estados, sistemas de geração eóli-ca com potencial para geração de 386MW, volume que será elevado, até o finalde 2009, para 427 MW, independente-mente do leilão de novembro.

Em 2010, mais 684 MW serão geradospor meio dos captadores já existentes,que serão acrescentados ao sistemaelétrico nacional, totalizando 1,4 mil MWde geração por meio do sistema eólico.A matriz energética nacional conta, hoje,com a geração de 100 mil MW e, ao finalde 2010, a contribuição da geração eóli-ca para a matriz energética deverá signi-ficar 1,4% desse total.

Ainda não está fixado o preço máximoda venda da energia resultante do leilão,que deverá ser definido até o final do pró-ximo mês. Os projetos apresentados aoMinistério de Minas e Energia para gera-ção via eólica se destinam aos estadosda Bahia, Paraíba, Ceará, Espírito San-to, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, RioGrande do Norte, Rio Grande do Sul,Santa Catarina e Sergipe.

O ministro Lobão disse, ainda, que o Bra-sil tem potencial para geração de até 140

mil MW de energia eólica. Segundo ele,em todo o mundo, estão sendo geradoso total de 120 mil MW por via eólica.

A proposta inicial do Ministério era de queos projetos que vão se candidatar ao lei-lão envolvessem o compromisso de ge-ração individual de 2 MW por catavento,mas, atendendo a um pedido dos em-presários que vão participar da disputa, aexigência foi reduzida para 1,5 MW.

Atualmente, a geração de cada unidadeexistente na região litorânea brasileira,em diversos estados, não passa de 1 MW,mas a evolução constante da tecnologianessa área poderá elevar bastante a ca-pacidade individual dos cataventos, poisexistem torres em outros países que sãomaiores que um avião Boeing 747, con-forme explicou o ministro.

ESTUDO ESTIMA QUE O POTENCIAL DAENERGIA EÓLICA PODE ATENDER ÀDEMANDA GLOBAL DE ELETRICIDADE(7)

A energia eólica pode ser capaz de for-necer praticamente todas as necessida-des, atuais e futuras, de eletricidade dosEUA e, potencialmente, do mundo. É aconclusão de novo estudo conduzido porpesquisadores da Harvard University edo VTT Technical Research Centre ofFinland. Eles estimaram que uma redeglobal de turbinas de 2,5 megawattspoderia fornecer todas as necessidadesmundiais de eletricidade. Um modeloque seccionou o globo em áreas de apro-ximadamente 3.300 quilômetros quadra-dos permitiu que os autores obtivessema velocidade do vento a cada seis horas,considerando as áreas não-urbanas,não-florestais, não cobertas de gelo. Emsua análise, as turbinas eólicas offshoreforam limitadas a 50 milhas náuticas dacosta e em lâminas d’água com menosde 200 metros.

Os investigadores determinaram o po-tencial de eletricidade produzida poruma turbina eólica de 2,5 megawatts,baseado na velocidade do vento, den-sidade do ar, espaçamento das turbi-nas e dimensão das suas pás. Se asturbinas eólicas pudessem operar emum mínimo de 20% de sua capacida-de, os autores sugerem que apenas aenergia eólica produzida em terra firmenos Estados Unidos poderia fornecer16 vezes mais eletricidade do que ademanda efetiva atual.

O mesmo modelo de cálculo permitedemonstrar que a demanda global tam-bém seria atendida com grande folga,estimando que a energia eólica poderiaser 40 vezes maior do que a atual de-manda global de eletricidade.

No caso brasileiro, outros estudos indi-cam um potencial de 143 mil MW, semconsiderar qualquer produção offshore.Não é difícil perceber ou calcular que, defato, o potencial eólico é maior do que ohidrelétrico, com custos de instalação,endividamento e prazo operacional mui-to menores.

O novo estudo [Global potential for wind-generated electricity], cuja leitura reco-mendamos, é extremamente importan-te, não apenas por trazer novas informa-ções sobre o potencial da energia eólica,mas por demonstrar claramente que ascríticas são cientificamente inconsisten-tes. No entanto, quaisquer esforços parao desenvolvimento de uma matriz de ge-ração de energia elétrica limpa e renová-vel esbarram no crônico problema dodesperdício e da ineficiência energética.

A INEFICIÊNCIA ENERGÉTICAÉ CRESCENTEMENTE INSUSTENTÁVELA demanda por energia cresce em es-cala bem maior do que a população, prin-cipalmente em razão de processos pro-dutivos ineficientes, obsolescênciatecnológica e dos subsídios.

O interesse econômico no desenvolvi-mento industrial, desde o início do sé-culo XX, condicionou os subsídios aocusto da energia adquirida pela indús-tria e, ao longo do tempo, isso estimu-lou a obsolescência tecnológica dosprocessos produtivos.

Em recente artigo (8), pesquisadores doDepartamento de Engenharia Mecânicado MIT (Massachusetts Institute ofTechnology) analisaram 20 dos maioresprocessos de produção industrial, iden-tificando que a demanda por energia,mesmo em processos modernos, atin-ge níveis alarmantes.

Segundo os pesquisadores, nas últimasdécadas, a utilização de energia por uni-dade produzida chegou a aumentar atéseis vezes. O mesmo ocorreu em ter-mos da utilização de matérias-primas.

O estudo avalia que a indústria, uma vezgarantida a energia subsidiada, foca asua gestão de produção em outros fato-res, tais como preço, qualidade ou ciclode vida, não necessariamente na quan-tidade de energia utilizada pelo próprioprocesso de produção.

No entanto, isso pode mudar, tendo emvista o custo crescente da energia. Maisainda se forem adotadas taxações poremissão de CO2. Uma parcela significa-tiva do orçamento previsto pela adminis-tração Barack Obama para o desenvol-

vimento de novas tecnologias tambémprevê o incentivo ao desenvolvimento denovos processos produtivos.

Mas não será uma transição fácil, inclu-sive porque exige uma revisão dos con-ceitos de desenvolvimento utilizadospela engenharia. Um bom exemplo dis-so pode estar na indústria automotiva,que concentra 80% de seus investimen-tos em pesquisa na eletrônicaembarcada, sem se dedicar à eficiênciados motores.

Segundo Luis Alberto Moreno, no artigo“A maior fonte de energia inexploradado Brasil(8), “a América Latina precisaráde 75% a mais de energia em 2030 doque precisava em 2004 se as tendênci-as atuais tiverem continuidade.

Ainda, Luis Alberto Moreno informa quepesquisas do Banco Interamericanode Desenvolvimento indicam que aAmérica Latina e o Caribe como umtodo poderiam reduzir o consumo es-perado de eletricidade em 10% até2018 se, por exemplo, os países in-vestissem mais em tecnologia e equi-pamentos amplamente acessíveis. Naoutra ponta da questão, o custo dasmatérias-primas também segue emcrescimento, tanto pela redução dasreservas, como pelo aumento doscustos de produção.

A crise ambiental, ao longo do séculoXXI, continuará a crescer e, dentre ou-tras mudanças urgentes, precisamos

reduzir drasticamente os atuais níveisde consumo e modificar os proces-sos produtivos. A eficiência está dei-xando de ser uma mera opção indus-trial para tornar-se uma questão de so-brevivência.

No Brasil o problema não é diferente. OBrasil desperdiça anualmente cerca de12,6 milhões de megawatts-hora, ener-gia suficiente para abastecer a cidadedo Rio de Janeiro por um ano. Os da-dos são da Associação Brasileira das

A matriz energética

nacional gera, hoje,

100 mil MW e, ao

final de 2010, a

contribuição da

geração eólica deverá

significar 1,4% desse

total. Em termos de

geração de energia

elétrica, a eólica

reduz em 99% as

poluentes emissões

de carbono.

REFERÊNCIAS(1) Implications of “peak oil” for atmospheric CO

2

and climate, Kharecha, P. A., and J. E. Hansen(2008), Implications of “peak oil” for atmosphericCO

2 and climate, Global Biogeochem. Cycles, 22,

GB3012, doi:10.1029/2007GB003142.

(2) Dados fornecidos pelo Ministério de Minas eEnergia.

(3) Heitor Scalambrini Costa é Professor da Univer-sidade Federal de Pernambuco, colaborador e articu-lista do Portal EcoDebate. O texto integral do artigoRenováveis: a energia de que o mundo precisa podeser lido em www.ecodebate.com.br (27/8/2009).

(4) Geraldo Lucio Tiago Filho é Engenheiro mecâ-nico, especialista em Estudos de Projetos e Constru-ção de Pequenas Centrais e em Planejamento e Eco-nomia em Energia de Meio Ambiente. É mestre emEngenharia Mecânica pela Universidade Federal deItajubá e é doutor em Engenharia Civil pela Univer-sidade de São Paulo. Hoje, é professor da Unifei.

(5) Prof. Mark Z. Jacobson – Review of solutionsto global warming, air pollution, and energysecurity, Energy and Environmental Science[Energy & Environmental Science, Energy Environ.Sci., 2008, 1, 597 – 598, DOI: 10.1039/b820179j].Para a realização do estudo, Jacobson não recebeufinanciamentos de qualquer grupo de interesse, com-panhia ou agência governamental.

(6) Lourenço Canuto – Estudo estima que o po-tencial da energia eólica pode atender à deman-da global de eletricidade. Reportagem publicadana Agência Brasil e em www.ecodebate.com.br(17/07/2009).

(7) Xi Lu, Michael McElroy, and Juha Kiviluoma– “Global potential for wind generatedelectricity” (published online before print June 22,2009, doi: 10.1073/pnas.0904101106) é um estu-do Open Access e está disponível para acesso in-tegral no formato PDF. Publicado na edição daPNAS de 22/06/2009.

(8) Timothy G. Gutowski, Matthew S. Branham,Jeffrey B. Dahmus, Alissa J. Jones andAlexandre Thiriez, Department of MechanicalEngineering., Massachusetts Institute ofTechnology, Cambridge, Massachusetts 02139.Dusan P. Sekulic, Department of MechanicalEngineering, University of Kentucky, Lexington,Kentucky 40506. Thermodynamic Analysis ofResources Used in Manufacturing Processes.Environ. Sci. Technol., 2009, 43 (5), pp 1584–1590.DOI: 10.1021/es8016655. Publication Date (Web):January 29, 2009. Copyright © 2009 AmericanChemical Society. O artigo pode ser baixado em for-mato texto HTML e PDF de http://pubs.acs.org/doi/abs/10.1021/es8016655

(9) Luis Alberto Moreno – Jornalista, economista emestre em administração pela Universidade deThunderbird (EUA) é presidente do BID (BancoInteramericano de Desenvolvimento). O artigo “Amaior fonte de energia inexplorada do Brasil” podeser lido em www.ecodebate.com.br (15/09/2008).

Edição de Regina Lima

Empresas de Conservação de Energia(Abesco). De acordo com a entidade, odesperdício representa R$ 11,3 bilhões- dinheiro gasto a mais em energia doque seria necessário.

Os cálculos da entidade, que utilizaramdados de todos os estados do país, in-dicam que o setor público – municipal,estadual e federal – é o que, proporcio-nalmente, mais desperdiça energia: cer-ca de 40% dos gastos são para pagar aconta do desperdício.

Além das alternativas previstas peloProinfa e da absoluta necessidade daimplantação de programas de longoprazo para a redução do desperdício eda ineficiência energética, uma formade energia, potencialmente relevante,deve ser discutida com maior cuidado:a energia solar.

O BRASIL É UM PAÍS ENSOLARADOQUE DESPREZA A ENERGIA SOLARO Brasil é um país especialmente dota-do de luz solar disponível, mas não sabeaproveitar esse recurso renovável e lim-po. No máximo usamos a energia solarpara aquecimento de água e, ainda as-sim, em pequena escala e sem qualquerprograma oficial de apoio ou subsídio.

Ao contrário de nós, outros países já es-tão investindo pesadamente em ener-gia fotovoltaica e em energia termosolarcom tecnologia de torre.❚ Em Portugal, no município de Moura, naregião do Alentejo, no final de 2008, en-trou em operação a central fotovoltaicasolar da Amareleja, com uma capacida-de total de 93 MW, o suficiente para abas-tecer 30 mil residências. A região onde acentral foi construída foi escolhida por sera mais ensolarada de Portugal.❚ Na Espanha, a central termosolar SolucaPS10, nos arredores de Sevilha, produz11 MW, abastecendo 6 mil residências.Essa central é a primeira termosolar emoperação comercial na Europa.❚ Nos EUA, no estado de Nevada, a cen-tral termosolar por parabólicas NevadaSolar One produz 64 MW, mas não é amaior em operação.❚ A central termosolar por parabólicasSolar Energy Generating Systems, nodeserto de Mojave, Califórnia, produz 354MW, distribuídos em nove unidades deprodução. É a maior central solar emoperação no mundo.❚ A região do Mojave possui, em média,270 dias de sol ao ano e o deserto deNevada possui uma média de 210 diasde sol ao ano. Ambos são valores com-paráveis a diversas regiões do Nordestebrasileiro, em especial no semi-árido.

Ao argumento de que é uma energiacara, pode-se responder que é maisbarata do que a energia nuclear, de acor-do com o governo espanhol, que deci-diu por uma moratória nuclear, concen-trando os investimentos na energia so-lar e eólica. A construção de uma centralsolar é mais rápida e mais barata doque uma grande hidrelétrica, com cus-tos equivalentes a uma PCH.

De qualquer forma, estamos diante degrandes desafios e o Brasil pode esco-lher entre a geração de energia elétrica

a partir de conceitos e tecnologias ve-lhas ou investir em novas e mais sus-tentáveis formas de geração.

Será uma decisão difícil e complexa,mas que pode nos guiar para a lideran-ça mundial nas energias renováveis ounos colocar na vanguarda do atraso. Es-peramos que seja escolhida a melhor emais justa opção para as gerações quenos seguirão.

28

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por Fábio Palmigiani

Movidos pela responsabilidade social corporativa,

distribuidores brasileiros de energia estão implantando

programas educacionais e sociais sobre o uso responsável

de energia que ampliam o fornecimento de eletricidade

às populações carentes e promovem cidadania, integração

social, segurança e sustentabilidade energética.

Promoção da cidadaniavia eficiência energética

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Cidadania&MeioAmbiente 29

Quinto maior país do mundo em ter-mos geográficos, o Brasil ocupaquase metade da América do Sul.

Com uma população de 191 milhões de ha-bitantes, o país exibe com orgulho uma das10 maiores economias do mundo e é consi-derado um dos mais promissores merca-dos emergentes do planeta. As indústriasbrasileiras fabricam em massa produtos deexportação para o mundo inteiro, e o con-sumo de energia elétrica no país é elevado.

Em meio à prosperidade de uma economiaem crescimento, ainda abundam desigual-dades sociais e de classe. O Instituto dePesquisa Econômica Aplicada (IPEA –www.ipea.gov.br) informa que 90% dos pa-íses do mundo têm uma distribuição de ren-da mais equilibrada do que o Brasil, onde75% da riqueza nacional está nas mãos deapenas 10% da população. No entanto, arenda per capita entre os menos favoreci-dos apresenta índices de crescimento semprecedentes: entre 7% e 8% ao ano. Mesmoassim, o Instituto Brasileiro de Geografia eEstatística (IBGE – www.ibge.gov.br), res-ponsável pelas estatísticas federais, afirmaque, até 2020, o número de moradores defavelas pode aumentar para 55 milhões, oequivalente a 25% da população nacional.

ENERGIA E COMUNIDADES CARENTES

O acesso a serviços básicos como eletrici-dade, nas comunidades brasileiras de baixarenda, é limitado, e os moradores das fave-las do Nordeste e do Sudeste do Brasil re-correm frequentemente a ligações elétricasclandestinas para atender necessidades bá-sicas como refrigeração e iluminação.

A Empresa de Pesquisa Energética (EPE –www.epe.gov.br), responsável pelo plane-jamento energético nacional do governo,estima que as “perdas comerciais” – o ter-mo formal para os “gatos” nas linhas detransmissão elétrica – ficam em média en-tre 5% e 6%. Contudo, o furto consome até25% de toda da energia produzida em algu-mas regiões do Nordeste.

A Neoenergia (www.neoenergia.com),companhia controladora do setor elétricobrasileiro, é dona de distribuidoras em re-giões altamente afetadas por furto de ener-gia e informalidade.

“As pessoas não veem o furto de ener-gia como crime. Apesar do apoio do go-verno local, só poderemos erradicar essehábito se a população compreender que

roubo de energia não é uma coisa inteli-gente para se fazer”, sentencia MarceloMaia de Azevedo Corrêa, diretor execu-tivo da Neoenergia.

A Segurança é razão suficiente para mos-trar que esse tipo de furto não é um ato dosmais inteligentes. As ligações irregularesnas linhas de transmissão e o uso de equi-pamentos abaixo do padrão provocam, mui-tas vezes, curtos-circuitos e incêndios.

“Tivemos muitas ocorrências de incên-dios no passado devido a curtos-circui-tos, com os vizinhos perdendo todos osseus pertences. Em alguns casos, as pes-soas se machucaram por causa dessesproblemas”, informa Gilson Rodrigues,presidente da Associação de Morado-res de Paraisópolis, a segunda maior co-munidade de São Paulo. Considerada lo-calmente uma favela, Paraisópolis temuma população próxima de 80 mil habi-tantes, em uma área metropolitana de cer-ca de 19 milhões.

DE CONSUMIDORES A CLIENTES

As preocupações relativas tanto ao furtode energia quanto à segurança inspiraram olançamento de um ambicioso projeto pelaAES Eletropaulo (www.eletropaulo.com.br),distribuidora estatal de energia elétrica do

estado de São Paulo, e pela InternationalCopper Association (ICA – www.copper.-org) em cooperação com a Agência dosEstados Unidos para o DesenvolvimentoInternacional (USAID – www.usaid.gov).Em 2005, os parceiros iniciaram um progra-ma para a legalização das ligações elétricase redução do furto de energia, combinadascom metas sociais mais amplas para trans-formar consumidores em clientes e, assim,promover a inclusão social e a cidadania.

“Este programa foi muito importante paranós, de Paraisópolis, uma vez que o for-necimento de energia para nossa comu-nidade melhorou um pouco e a vida demuitas pessoas mudou para melhor”, dizRodrigues, presidente da associação demoradores local.

A AES Eletropaulo conseguiu convenceros clientes a aceitar o faturamento ofere-cendo preços subsidiados aos consumido-res de baixa renda. A empresa de serviçopúblico também distribuiu refrigeradores,aquecedores solares e lâmpadas energeti-camente eficientes aos seus clientes. O pro-grama é uma resposta às grandes mudan-ças econômicas e sociais que estão varren-do a nação brasileira.

“No Brasil, a migração populacional é umaquestão importante. As pessoas deixamsuas comunidades rurais e passam a resi-dir em áreas metropolitanas como São Pau-lo e Rio de Janeiro. Elas não têm dinheiropara pagar o aluguel, de forma que aca-bam invadindo áreas públicas e privadase criando uma nova favela. Crescendo deforma exponencial, o novo aglomerado hu-mano logo se torna um bairro repleto deproblemas econômicos e sociais. Vivendoem condições urbanas precárias, os mora-dores veem como única saída roubar darede de distribuição elétrica”, informa odiretor de novos projetos da AES Eletro-paulo, José Cavaretti.

André Urani, economista do Instituto deEstudos do Trabalho e Sociedade (IETS –www.iets.org.br), acredita que o círculovicioso da informalidade começou a ter umefeito adverso sobre o país:

“Chegamos a um ponto no qual a infor-malidade e a transgressão atingiram olimite. Os que pagam suas contas de luzterminam pagando pelos consumidorescom contas atrasadas.”

Se essa situação persistir, Urani prevê que ociclo pode se tornar prejudicial ao desenvolvi-mento e à melhoria da infraestrutura do Brasil:

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Até 2020,

os moradores

de comunidades

carentes devem

atingir 55 milhões

de indivíduos:

25% da população

nacional.”

Cidadania&MeioAmbiente 29

30

“Nesse sentido, é altamente questionávelse uma empresa que desejasse instalar umanova usina escolheria um local com contade energia alta devido às práticas infor-mais [na região]. Este ciclo vicioso tem deser rompido de alguma forma.”

INVESTIMENTO EM QUALIDADE DE VIDA

Para transformar os usuários de energia emclientes e convencer a população de baixarenda da importância de pagar as contas deluz, a AES Eletropaulo e várias distribuido-ras brasileiras de energia investiram na me-lhoria da qualidade de vida das comunida-des menos favorecidas. As distribuidorasde energia elétrica Ampla (www.ampla.com),no Estado do Rio de Janeiro; Coelba(www.coelba.com.br), na Bahia; Celpe(www.celpe.com.br), em Pernambuco; eCosern (www.cosern.com.br), no Rio Gran-de do Norte, substituíram um total de 30 milrefrigeradores velhos por novos modelosenergeticamente eficientes nas favelas. Namaioria dos casos, os antigos aparelhos fo-ram reciclados e o dinheiro doado a entida-des beneficentes ou investido novamentena comunidade em questão.

A outras famílias foram oferecidos descon-tos expressivos e planos de pagamento delongo prazo para novos refrigeradores maiseficientes, já que esses aparelhos estãoentre os mais vorazes devoradores de ele-tricidade doméstica. A Coelba, da Bahia,vende o aparelho com desconto de 60%,pagável em 24 prestações. Para reduzir oscustos de eletricidade na iluminação do-méstica, a companhia controladora do se-tor energético, Neoenergia, que controla aCoelba, a Cosern e a Celpe, doou 365 millâmpadas econômicas.

“A meta principal é ajustar a demanda deenergia das comunidades de baixa rendaa seu orçamento doméstico. Os novosrefrigeradores trazem um benefício adi-cional porque estamos falando de umaparelho doméstico mais bem equipadopara conservar os alimentos e melhorara saúde. O programa estimula o consu-mo energético de forma sustentável”,enfatiza Marcelo Maia de Azevedo Cor-rêa, CEO da Neoenergia.

Mais de 400 comunidades nos estados daBahia, Pernambuco e Rio Grande do Nortejá se beneficiaram das vantagens do pro-grama oferecido pela Neoenergia, o queinclui ainda a modernização da fiação elé-trica para evitar curtos-circuitos e reduzir o

consumo. Ao ser perguntado sobre se osclientes de baixa renda poderiam voltar aatrasar suas contas, Cavaretti, da AES Ele-tropaulo, declarou que campanhas perma-nentes estimulam as pessoas a cumprirsuas obrigações:

“Não há sentido em investir em redes dedistribuição de energia se os clientes setornam novamente inadimplentes. Esta-mos realizando campanhas educativaspara conscientizar as pessoas da impor-tância de um fornecimento de energia es-tável e seguro. Agentes educacionaisaconselham as famílias que estão pertoda inadimplência em suas contas”, pon-dera o executivo.

Desde 2005, a AES Eletropaulo “regularizou”275 mil clientes comerciais, industriais e resi-denciais em 1.240 favelas na área metropoli-tana de São Paulo, garantindo o fornecimen-to de energia a 1,1 milhão de pessoas.

INCLUSÃO SOCIAL

Os distribuidores brasileiros de energia acre-ditam que esses programas exercem uma influ-ência que vai além de melhorar a transmissão

de eletricidade, aumentando a eficiência e as-segurando a legitimidade desse tipo de con-sumidor. Eles desenvolvem suas próprias ati-vidades de responsabilidade social corporati-va junto com a meta de promover a cidadaniae a inclusão social de sua clientela.

Tornar-se um cliente que goza de boa reputa-ção por saldar em dia os seus compromissospode servir de passaporte para um novo mun-do, porque a conta de energia elétrica signifi-ca a comprovação de um endereço fixo e podelevar à emissão de um certificado de residên-cia. No Brasil, esse certificado é necessáriopara encontrar emprego, comprar produtos aprazo ou conseguir um empréstimo.

“Isso é inclusão social, sem dúvida”, sen-tencia Cavaretti. E Corrêa, da Neoenergia,concorda: “Não se trata apenas de forne-cer refrigeradores. Quando você se deparacom um programa social como esse, é pos-sível registrar indivíduos, torná-los maishumanos e integrá-los à sociedade.”

O presidente da Associação de Morado-res de Paraisópolis é testemunha de queos programas educacionais e sociais so-bre o uso responsável de energia são po-pulares em sua comunidade:

“É bom dispor de fornecimento regular deenergia a preços subsidiados. Mas eu pen-so que o progresso estendeu-se além dis-so. Assim que os moradores de Paraisópo-lis se tornaram clientes formais… eles [de-ram] um passo enorme para sair da econo-mia informal”, conclui Rodrigues.

A AES Eletropaulo planeja substituir 20 milrefrigeradores no estado de São Paulo aidaem 2009, e está estimulando cidades de paí-ses em desenvolvimento da África e da Ásiaa adotar programas semelhantes. A empresaICA e a USAID apresentaram o caso de Pa-raisópolis no Fórum e Exposição Global so-bre Eficiência Energética, que aconteceu de27 a 29 de abril último, em Paris.

O governo brasileiro também pode estenderos programas de prevenção de furto de ener-gia e de eficiência energética, e analisa atual-mente a venda subsidiada de refrigeradoresem todo o país, recorrendo à perícia dos dis-tribuidores de energia nas favelas. ■

Fábio Palmigiani – Redator freelancer no Rio deJaneiro, especializado em questões de energia e ne-gócios. Artigo originalmente publicado no eJournalUSA - www.embaixadaamericana.org. br/HTML/ijge0409p/palmigiani.htm (03/04/2009).

Chegamos a um

ponto no qual

a informalidade

e a transgressão

atingiram o limite.

Os que pagam suas

contas de luz

terminam pagando

pelos consumidores

com contas

atrasadas.”

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UNIÃO EUROPEIA DÁ ADEUSÀ LÂMPADA INCANDESCENTE

A medida começou a valer em 1º de setembro de 2009 eobjetiva economizar energia e proteger o meio ambiente

Fonte: Agência Deutsche Welle (DW-WORLD.DE) – 1º setembro 2009Fonte gráfico: Projeto Nacional para o Desenvolvimento de Educação em Energia

A partir de 1º de setembro último, a comercialização de lâmpadas incandescentes de 100 watts foiproibida nos 27 países da União Europeia (UE). Na mesma data, em 2010, saem do mercado aslâmpadas de 75 watts; em 2011, as de 60 watts; e, em setembro de 2012, as de 40 e 25 watts.

A nova lei, oficializada em março de 2009, tem o objetivo de melhorar a eficiência energética da UE.A meta de redução do consumo de eletricidade é de 80 terawatts/hora até 2020 – o equivalente aoconsumo da Bélgica ou de 23 milhões de lares europeus. A medida também vai evitar que 32 milhõesde toneladas de carbono sejam despejadas na atmosfera por ano e, segundo a Comissão deEnergia, gerar uma economia de 11 bilhões de euros.

O QUE MUDA NO MERCADO

Os europeus parece que já haviam tomado decisões favoráveis à lei antes mesmo que ela entrasse em vigor: pesquisarealizada pela consultoria GfK mostrou que as vendas de lâmpadas incandescentes haviam caído perto de 35% nosprimeiros quatro meses de 2009 nos países da UE.

Segundo a Philips, líder do mercado, as lâmpadas incandescentes na Alemanha correspondem a 25% das vendas – amesma porcentagem vale para as do tipo econômica e de halogênio. Os 25% restantes correspondem a todos as outrasvariedades, incluindo LED.

De acordo com a Osram, empresa alemã fabricante de lâmpadas e segunda maior no setor, a produção das incandescentesjá há alguns anos perdeu importância no mercado mundial. Segundo a empresa, a nova legislação é positiva e não deveafetar os negócios.

A Comissão de Energia da União Europea afasta qualquer possibilidade de falta de lâmpadas econômicas no mercado: umestudo da Agência Internacional de Energia indica que as chances são mínimas – e que a maioria das lâmpadas compradasna Europa são importadas de países do terceiro mundo.

POR QUE TROCAR

De toda a energia elétrica fornecida a uma lâmpada incandescente, apenas 8% é transformada em luz – o restante éliberado em calor. O preço da lâmpada eficiente pode custar de 10 a 20 vezes mais do que a comum; por outro lado,a durabilidade da versão econômica é de seis a dez anos.

Segundo a Comissão de Energia da UE, a substituição das lâmpadas convencionais em um lar europeu pode gerar umaeconomia de eletricidade de 50%. No final do ano, a conta de energia pode ficar de 25 a 50 euros mais barata.

VELHA HISTÓRIA E NOVOS RISCOS

Foi a partir do projeto de Thomas Edison que a primeira lâmpada de luz incandescente teve sucesso comercial, em1879. Como a publicidade já era importante naquela época, o inventor exibiu sua criação na Paris Electrical Exhibition,em 1881. De lá pra cá, o utensílio cresceu em importância e ganhou versões diferentes – mas o modelo de Edisonresistiu por 130 anos.

A lâmpada fluorescente compacta é um das opções do consumidor à tradicionalincandescente. O fato de conter mercúrio chegou a alarmar o mercado consumidor, mas,segundo a Comissão de Energia da UE, não há motivos para preocupações, já que as leiseuropeias estabelecem a reciclagem do metal tóxico.

Para os consumidores, será como reciclar uma bateria: as lâmpadas fluorescentes terão queser entregues a postos de coleta. Ficará a cargo de cada país membro da UE informar apopulação sobre os riscos do armazenamento do produto depois de inutilizado.

EFICIÊNCIA DA ILUMINAÇÃO

lumens por watt

Cidadania&MeioAmbiente 31

32

por George Monbiot

Este artigo revela

a estimativa de

combustível fóssil

que ainda pode ser

queimado e lança

um alerta em prol

de uma moratória

global para novas

prospecções

de reservas.

MUDANÇAS

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AS

Os artigos sobre emissão de carbo-no publicados na revista Nature458, 1163-1166 (30 April 2009) –

Warming caused by cumulative carbonemissions towards the trillionth tonne eGreenhouse-gas emission targets for limi-ting global warming to 2°C – são assusta-dores ao revelar a quantidade de gás car-bônico que podemos produzir para termosa razoável chance de prevenir o aumentode dois graus centígrados no aquecimentoglobal. Trata-se de uma abordagem total-mente diversa da apresentada pela ONU epor entidades governamentais mundiais,que fixaram objetivos para as reduções deemissão de CO

2 com data marcada, embora

nada tenham dito sobre o total de carbonoque podemos liberar na atmosfera.

Um dos artigos, assinado por Myles Allenet al(1), sugere que podemos, no máximo,queimar outros 400-500 bilhões de tonela-das de carbono, a qualquer momento entreagora e a extinção de humanidade, se qui-sermos evitar mais 2ºC de aquecimento. O

outro artigo, assinado por Malte Meinshau-sen et al.(2), sugere que a produção de 1.000bilhões de toneladas de CO

2 entre 2000-2050

representa 25% de chance de excedermosos 2ºC. O que vem a ser muito menor do quea estimativa de Allen, já que uma toneladade carvão queimado produz 3.667 tonela-das de CO

2. Assim, pelo novo cálculo, 1.000

bilhões de toneladas de CO2 são produzi-

das por 273 bilhões de toneladas de carvão.

Coloquemos de lado o critério de valor eadotemos os números de Allen. Além disso,desconsideremos todos os outros gases deefeito estufa (fato que, como ele sugere,deveria reduzir o volume total de CO

2 para

menos de 400 bilhões de toneladas). Quan-to a tolerância máxima de carbono calculadapor Allen representa em relação às reservasconhecidas de combustível fóssil?

Deixemos claro duas coisas antes de fazer-mos o cálculo. Primeiro, reservas não são omesmo que recursos. Recurso é a soma totalde um mineral na crosta terrestre. Reserva é o

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? quanto devemos deixar no soloCombustível fóssil:

32

Cidadania&MeioAmbiente 33

REFERÊNCIAS

1. Warming caused by cumulative carbon emissi-ons towards the trillionth tonne, em http://www.nature.com/nature/journal/v458/n7242/full/nature08019.html2. Greenhouse-gas emission targets for limitingglobal warming to 2 °C, em http://www.nature.com/nature/journal/v458/n7242/full/nature08017.html3. http://www.worldenergy.org/publications/survey_of_energy_resources_2007/coal/627.asp4. http://www.worldenergy.org/publications/survey_of_energy_resources_2007/natural_gas/664.asp5. http://www.worldenergy.org/publications/s u r v e y _ o f _ e n e r g y _ r e s o u r c e s _ 2 0 0 7 /crude_oil_and_natural_gas_liquids/638.asp6. http://bioenergy.ornl.gov/papers/misc/energy_conv.html7. http://bioenergy.ornl.gov/papers/misc/energy_conv.html8. http://numero57.net/?p=2559. http://www.monbiot.com/archives/2007/12/11/rigged/10. http://www.berr.gov.uk/files/file39387.pdf

George Monbiot – Autor de best-sellers naárea ambiental. Mantém uma coluna semanal nojornal inglês Guardian, e é professor conferencis-ta e visitante das universidades de Oxford (filo-sofia), Keele (política), Oxford Brookes (plane-jamento) e East London (ciência ambiental). Édoutor honorário pelas universidades de Essex,St. Andrews e Cardiff. Artigo publicado noGuardian (06/05/2009) e www.monbiot.com

quinhão do recurso identificado, quantifica-do e passível de exploração econômica. Namaioria dos casos, a reserva vem a ser umapequena porcentagem do recurso total.

Em segundo lugar, há controvérsia acercados dados oficiais para as reservas de com-bustível fóssil. Muito especialmente nocaso do petróleo, já que os membros daOPEP são extremamente reservados sobrequanto ouro negro possuem. Mas, paranossa argumentação, assumamos os da-dos por eles declarados.

Segundo o Conselho Mundial de Energia,as reservas globais são:■ Carvão = 848 bilhões de t (3)

■ Gás natural = 177.000 bilhões de m3 (4)

■ Óleo cru = 162 bilhões de t (5)

Em razão de os cálculos serem muito difí-ceis e os montantes envolvidos pouco pre-cisos, prefiro desconsiderar as fontes nãoconvencionais de combustível fóssil, comoareia, xisto, betume e hidrato de metano,assim como os recursos de gás natural lí-quido. Em média,■ Uma tonelada de carvão contém 746 kgde carbono(6), e■ Um metro cúbico de gás natural contém0,49 kg de carbono(7).

Os dados relativos ao petróleo são impre-cisos porque nem todos os produtos refi-nados são queimados. Mas a estimativageral(8) sugere que o consumo de um bar-ril de petróleo libere 317kg de CO

2. Em fun-

ção da densidade do óleo, seriam uns setebarris por tonelada, o que gera aproxima-

A prova de compromisso da governançaglobal para frear as mudanças climáticas estácentrada na seguinte questão: estão os go-vernos preparados para impor um limite ime-diato ao uso das reservas já descobertas?E, igualmente, para impor uma moratóriapermanente à prospecção de novas reser-vas? Se a resposta é negativa, então todasas tentativas de mitigação climática não pas-sam de pura farsa e fantasia. ■

damente 2.219kg CO2, ou 605kg de carbo-

no. Assim, o conteúdo de carbono dasreservas de carvão, gás e petróleo oficial-mente conhecido alcança:

848 � 0,746 = 633+

177.000 � 0,00049 = 87+

162 � 0,605 = 98

Portanto, o total das reservas convencionaisde combustível fóssil contem 818 bilhões detoneladas de carbono. Mesmo não levandoem conta as fontes não convencionais e to-dos os outros gases de efeito estufa, e acei-tando os dados mais otimistas dos dois arti-gos da Nature, podemos queimar apenas 61%das reservas de combustível fóssil conheci-das... de hoje até a eternidade.

Ora, segundo os cálculos de Meinshausen,só podemos queimar 33% de hoje até 2050.Lamento informar, mas são 33% subtrain-do-se o que já queimamos entre 2000 e hoje.

Logo, a pergunta que não quer calar é: quereservas de combustível fóssil decidiremosnão extrair e não queimar? Como já argumen-tei anteriormente(9), não se detecta intençãode reduzir o consumo de combustíveis fós-seis, a menos que consigamos reduzir sua pro-dução. Até porque, excetuando os membrosda OPEP (que assim agem para elevar o preçodo barril), nenhum governo se esforça paralimitar o volume de combustível extraído. Lon-ge disso: todos os governos, como o do Rei-no Unido, perseguem a mesma estratégia de“maximizar a recuperação econômica(10)”.

Sendo a biomassa matéria-prima farta e disponível, a bioenergia oferece atraente complementaridade aos combustíveis fósseis epotencial para atenuar as preocupações de segurança geopolítica e energética. Entretanto, apenas uma pequena parte dabiomassa disponível em escala global pode ser explorada para garantir sustentabilidade econômica, ambiental e social.

Fonte:Biomass to energy consumption. (2008). Em UNEP/GRID-Arendal Maps and Graphics Library - http://maps.grida.no/go/graphic/from-biomass-to-energy-consumption. Designer: IAASTD/Ketill Berger, UNEP/GRID-Arendal art.

DA BIOMASSA À ENERGIA

Cidadania&MeioAmbiente 33

34

BIO

CO

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TÍV

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Agrocombustíveis:

Jean Marc von der Weid

Os agrocombustíveis são apresentados como uma das

possíveis soluções para os problemas ambientais, com-

pondo um novo modelo de matriz energética, mais

limpa, sustentável e ecologicamente correta. Nesta

entrevista, o economista Jean Marc Von der Weid des-

venda os bastidores dessa promessa frente às ques-

tões do meio ambiente, da segurança alimentar e da

sustentabilidade planetária.

a Terra suporta?fu

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IHU ON-LINE – POR QUE OS AGROCOMBUSTÍVEIS AINDA SÃO PERCEBI-DOS COMO A ENERGIA DA CONTROVÉRSIA? QUAIS SÃO OS ASPECTOSNEGATIVOS E POSITIVOS DESSE MODELO DE COMBUSTÍVEL?Jean Marc von der Weid – Os agrocombustíveis ainda sãocontrovertidos, embora o presidente Lula e alguns produtorespensem que essa é apenas uma questão política. Eles argumentamque países de Primeiro Mundo querem impedir a produção e acomercialização dos agrocombustíveis, o que não é verdade.

Os americanos e os europeus também estão investindo nessaárea, e competem diretamente com nosso produto. No entanto,estão defendendo o espaço deles. A controvérsia se situa no pon-to mais crítico desse agrocombustível: a alternativa é apresentadacomo se pudesse influenciar significativamente o abastecimentode agrocombustíveis em escala mundial, quando na verdade nãoexiste a possibilidade de se ter um efeito marginal. Digo isso por-que a quantidade de terras para lastrear a substituição maciça dagasolina ou do óleo diesel por agrocombustível é impossível deser suportada pelo planeta. Então, estamos lidando com algo rela-tivamente marginal, apesar da propaganda feita em cima dos im-pactos ambiental, social e econômico.

Outra questão controversa diz respeito aos impactos ambientais.Os defensores dos agrocombustíveis dizem que ele irá reduzir aemissão de gases de efeito estufa e trazer benefícios para o meioambiente. No entanto, avaliações realizadas apontam para umadiminuição de emissões de gases apenas para o biocombustível àbase de cana-de-açúcar. Mas, ainda assim, todo o bagaço da canaprecisa ser aproveitado na geração de energia complementar, casoo restolho das culturas seja utilizado como combustível.

Há promessas de que novas matérias-primas possam apresentarresultado mais eficiente. Mas, até agora, elas não estão no merca-do. A partir do momento em que passarem a ser competitivas,aquelas matérias-primas representarão um baque na produção atualde agrocombustível, em particular da cana-de-açúcar; seria umacompetição possivelmente difícil de suportar.

CANA-DE-AÇÚCAR COMO ALTERNATIVA ENERGÉTICA

Do ponto de vista das emissões de gases de efeito estufa, a produ-ção de biocombustível da cana-de-açúcar só impactará positiva-mente o meio ambiente se sua cultura não implicar em desmatamen-to. O governo brasileiro afirma que não ocorrerá desmatamento. Sepensarmos em termos de desmatamento direto, ou seja, cortar flo-resta para plantar cana, certamente não ocorrerá efeito maior. Masexiste o efeito indireto, muito forte: o cultivo de cana está deslocan-do outras culturas e, sobretudo, a criação de gado das regiões Sul,Sudeste e Centro-Oste, que se expande para a região da Amazônia.

Tanto é que, atualmente, existe uma grande discussão em torno doscriadores de gado que desmatam na Amazônia, e dos frigoríficosque não podem comprar carne desses matadouros. Há indícios deque 30% da produção de carne no Brasil vêm da região amazônica.O argumento governamental é de que isso não precisa ser necessa-riamente assim. Ou seja, que é possível aumentar a produtividadedas pastagens nas outras regiões e, portanto, ter mais gado semcrescimento da área de pastagem. Teoricamente, isso é possível. Sóque, por enquanto, é muito mais barato desmatar na Amazônia doque aumentar a produtividade em outras regiões. Nesse sentido, asvantagens que a cana-de-açúcar apresenta do ponto de vista dobalanço de emissão de gases de efeito estufa se perde. Essa é aessência da controvérsia.

IHU – SE A TENTATIVA DE SUBSTITUIR COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS POR AGRO-COMBUSTÍVEIS NA ESCALA PROPOSTA NÃO IRÁ RESOLVER O PROBLEMA ENERGÉ-TICO, AGRAVANDO AINDA OS EFEITOS AMBIENTAIS E A PRODUÇÃO DE ALIMEN-TOS, QUAL É O CAMINHO PARA SE PENSAR O FUTURO ENERGÉTICO? COMO

ABANDONAR OS RECURSOS FÓSSEIS E GARANTIR ENERGIAS RENOVÁVEIS?

JM – A verdade é que não existe uma solução única para esseimpasse. Os combustíveis fósseis estão em processo de esgota-mento não superior a 10 ou 15 anos, com efeitos de crescimentodesde já. No ano passado, tivemos um repique no valor do barrilde petróleo, que posteriormente baixou com a crise internacional.Algumas pessoas ficaram aliviadas, pensaram que o problemaestava resolvido. Pelo contrário, não está. A tendência é o custodo petróleo subir significativamente, embora a demanda mundialtenha decrescido um pouco. Toda a matéria-prima em processo deesgotamento vive esse tipo de situação. Entretanto, não é só ocombustível fóssil que está em fase de colapso, mas, igualmente,alguns minerais essenciais ao sistema agrícola convencional ba-seado na tecnologia da Revolução Verde, em especial o fósforo.

Existem várias perspectivas para se equacionar a questão energé-tica, em especial os investimentos em energia eólica e solar, aindamuito subutilizadas no mundo. Certamente, um imenso esforço deracionalização e economia no uso dos remanescentes do petróleoe do carvão poderia fazer tais recursos terem maior sobrevida. Semsombra de dúvida, faz-se necessária uma mudança na matriz ener-gética e no consumo, em particular no que diz respeito aos com-bustíveis líquidos. É preciso começar a pensar num futuro em queos transportes não sejam centrados no consumo da gasolina e dodiesel. Do ponto de vista agrícola, a tecnologia pode contribuirgrandemente para a diminuição do efeito estufa e, também, para aprópria matriz energética, ao mudar o padrão de produção.

IHU – POR QUE OS AGROCOMBUSTÍVEIS SÓ SERÃO IMPORTANTES DAQUIA UMA OU DUAS DÉCADAS?JM – Há interesses muito grandes das empresas de petróleo, so-bretudo em esconder a escassez de sua matéria-prima. E as novasreservas descobertas não cobrem o esgotamento das reservasanteriores. Assim, ocorre perda constante das reservas, além dofato de que as reservas descobertas apresentam hoje maior custofinanceiro de exploração. No início da era de exploração petrolífe-ra, quando foram descobertas as grandes jazidas na Arábia Saudi-ta, em termos de energia investia-se um barril de petróleo paraextrair 10. Atualmente, a relação é de um barril para extrair três.Além disso, não se encontra mais petróleo de fácil extração, pelocontrário: vamos extrair petróleo do pré-sal, a quatro mil metros deprofundidade da lâmina d’água.

Informações apontam que o “pico do petróleo” – ponto a partir doqual as reservas começam a cair – já foi alcançado no ano passa-do. Descobertas como a do pré-sal, para nós, são muito significa-tivas, mas do ponto de vista mundial representam muito pouco.Com otimismo, as reservas indicadas no Brasil até agora são de 80bilhões de barris. Se tudo for transformado em petróleo, o quenunca acontece, contribuiremos com mais de dois anos de consu-mo mundial, levando-se em conta os índices de consumo atuais ea progressão anual de 2 ou 3% de aumento de consumo. Se aeconomia se reativar logo, esses índices de consumo também irãoaumentar bastante.

IHU – COM O ESGOTAMENTO DO PETRÓLEO, COMO SE VISLUMBRAM ASTRANSFORMAÇÕES NA ECONOMIA MUNDIAL? PODE-SE PENSAR EM OUTROMODELO OU NOVO CICLO ECONÔMICO MAIS SUSTENTÁVEL?JM – Sempre é possível. A grande dúvida é: as forças políticas eeconômicas mundiais irão assumir a necessidade dessa transfor-mação e conduzir o processo de transformação de forma inteligen-te e controlada? Se deixarmos para o mercado decidir, vamos cami-nhar para uma situação caótica, porque, evidentemente, quem estáinteressado na manutenção do padrão atual jogará com isso até olimite do possível. Quando o sistema começar a quebrar e o abas-tecimento de petróleo desaparecer de forma significativa, talvezfique difícil enfrentar uma crise energética violentíssima. Para rea-lizar-se a transição sem grandes solavancos é necessária uma sé-rie de medidas econômicas, tanto no uso de recursos energéticos

Cidadania&MeioAmbiente 35

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Jean Marc von der Weid é formado em Economia. Participa da ONG AS-APTA (www.aspta.org.br) e faz consultorias para a FAO(www.fao.org) e o PNUD (www.pnud.org.br) na área de desenvolvimento sustentável para a África e a América Latina. Em 1998, criou aCampanha Por um Brasil Livre de Transgênicos (www.esplar.org.br/campanhas/transgenicos.htm). Entrevista publicada pelo IHU On-line em 29/06/2009 [IHU On-line é publicado pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Rio dos Sinos –Unisinos, em São Leopoldo, RS ] e em www.ecodebate.com.br (30/06/2009).

Embora no Brasil qualquer questionamento aos biocombustí-veis seja tratado como um crime de lesa-pátria, nos EUA e naEuropa o tema é consistentemente discutido e questionado.

Em tese, os biocombustíveis podem ser produzidos em gran-des quantidades e com múltiplas vantagens, mas apenas seforem provenientes de matérias-primas produzidas durante umprocesso com ciclo de vida de baixa emissão de gases de efeitoestufa e sem concorrência com a produção alimentar mínima.

Estas são questões apresentadas por pesquisadores de im-portantes instituições dos EUA, tais como University ofMinnesota, Princeton, MIT e University of California – Berke-ley, no artigo “Beneficial Biofuels: The Food, Energy, and En-vironment Trilemma” (revista Science 17/7).

Os pesquisadores destacam e reconhecem que o mundoprecisa da substituição de combustíveis fósseis por energiasrenováveis, mas também destacam que recentes descober-tas sobre os impactos ambientais, sociais e alimentares dosbiocombustíveis criaram um novo dilema.

O documento coincide com os debates políticos no Congres-

fósseis quanto na mudança do padrão de consumo e na geraçãode outras matrizes energéticas sustentáveis. O problema é a faltade governabilidade nesse processo de transição. Se houver umacordo mundial para fazer essa mudança, teremos um resultado.Caso contrário, teremos uma situação de caos, com implicaçõeseconômicas e sociais muito graves ao redor do mundo.

IHU – EM QUE MEDIDA AS CRISES ECONÔMICA, AMBIENTAL E ALIMENTARPODEM GERAR UMA CRISE SOCIAL? ISSO JÁ ESTÁ ACONTECENDO?JM – Já existe de forma embrionária, e ela oscila em função de umasérie de fatores. Os efeitos do aumento dos preços do petróleo jáse fazem sentir na produção alimentar. Tivemos uma crise que éderivada, de um lado, do custo do petróleo e, de outro, do proces-so de produção de alternativas aos recursos fósseis. Não há dúvi-da de que a produção, sobretudo do milho americano convertidopara o etanol, teve um efeito cascata sobre a economia alimentarmundial.

IHU – AS ENERGIAS RENOVÁVEIS TERÃO PODER DE BARGANHA PARA NE-GOCIAR, POR EXEMPLO, CRISES FINANCEIRAS?JM – A crise financeira cria uma dificuldade a mais porque repre-senta menos dinheiro e recursos investidos em alternativas para ofuturo. A reação talvez mais forte do governo em relação à crisefinanceira foi estimular a produção de automóveis no Brasil. En-tão, para sair de um problema de curto prazo, estamos reforçandouma matriz energética negativa para o futuro. Ao invés de se in-

vestir na substituição da matriz atual por alternativas mais susten-táveis, prolongam-se os fatores de crise para o futuro.

IHU – COMO ESTÁ A PRODUÇÃO DE BIOCOMBUSTÍVEIS NO BRASIL? DIZ-

SE QUE O PAÍS PRODUZIU BIOCOMBUSTÍVEL EM EXCESSO E NÃO TEM PARA

QUEM EXPORTAR.

JM – Não tenho essa informação detalhada, mas acredito queisso seja possível, porque a expansão na produção desse produtofoi muito rápida. Entretanto, não acredito que no curto prazo issoseja um problema, já que a demanda continua aquecida. Os proje-tos mirabolantes foram adiados, algumas empresas se endivida-ram muito e estão vivendo uma crise porque não conseguem ven-der seus produtos. Mas isso não representa um golpe fatal, sobre-tudo na produção de etanol de cana-de-açúcar.

Na produção de biodiesel, que é infinitamente menor, o problemaé de outra natureza, ou seja, político. A cana-de-açúcar tem viabi-lidade econômica nos marcos do sistema atual. O biodiesel não;ele depende de investimentos do governo. O Brasil não recua noestímulo ao uso de biodiesel porque o impacto político seria muitogrande. O biodiesel foi prometido como a agroenergia dos pobres.Diziam que os pequenos produtores forneceriam a matéria-primapara a produção de biodiesel, mas isso não está acontecendo.Hoje, o programa do biodiesel brasileiro é um programa de bioso-ja, ou seja, já mudou de rumo há muito tempo. ■

Não se sabe, ainda, se os gases liberados na produção, no processamento e nadistribuição dos biocombustíveis podem, ao longo de décadas e séculos, ultrapassaros impactos da utilização do petróleo.

Por Henrique Cortez – do portal Ecodebate e subeditor de Cidadania & Meio Ambiente.Fonte: O artigo “Beneficial Biofuels—The Food, Energy and Environment Trilemma” Tilman et al, Science 17 July2009: 270-271, DOI: 10.1126/science.1177970, disponível para acesso integral aos assinantes da revista. Publi-cado em www.ecodebate.com.br (23/07/2009) com informações do Science Blog (www.scienceblog.com).

so dos EUA sobre as mudanças climáticas, a utilização dasterras, e aborda questões que têm gerado muita polêmicanos últimos anos: se os gases liberados na produção,processamento e distribuição dos biocombustíveis podem, aolongo de décadas e séculos, ultrapassar os impactos da uti-lização do petróleo.

Para equilibrar produção de biocombustíveis, segurança ali-mentar e redução das emissões, os autores concluem que aindústria dos biocombustíveis, em escala mundial, deve con-centrar-se nas cinco principais fontes de biomassa renovável:■ Plantas perenes cultivadas em terras degradadas (aban-donadas por intensivo uso agrícola);■ Resíduos agrícolas;■ Manejo sustentável de madeira e resíduos florestais;■ Culturas em mosaico e sistemas de cultivo misto; e■ Resíduos industriais e urbanos.

Estas fontes podem fornecer uma quantidade considerável debiomassa, pelo menos 500 milhões de toneladas por ano sónos Estados Unidos, sem incorrer em qualquer emissão adicio-nal significativa de CO

2 a partir da utilização dos solos.

BIOCOMBUSTÍVEIS: SÓ COM PRODUÇÃO SUSTENTÁVEL E RESPONSÁVEL

G.Pullareddy

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Cidadania&MeioAmbiente 37

Acabe com os vampiros de energia

Eletrodomésticos dotados de

controle remoto e telhados escuros

são fontes de insustentabilidade

energética. Aprenda o que fazer

para acabar com tais desperdícios

e ajudar a resfriar o planeta.

ELETROELETRÔNICOS:

DEPENDENTES DE ENERGIAO boom dos eletrônicos nas últimas déca-das levou à invenção de uma variedade deaparelhos e dispositivos eletrodomésticosque devoram energia quando estão apenasligados na tomada e não ativamente em uso.Esses dispositivos custam aos americanoscerca de US$10 bilhões por ano em eletrici-dade, e são responsáveis por quase 11% detoda a energia usada nos EUA, informa aAgência de Proteção Ambiental.

Tais eletrodomésticos são chamados de“vampiros de energia”, porque não sugameletricidade para uso produtivo, mas parasustentar sua própria existência. Por exem-plo, uma televisão desligada consome ener-gia se viver à espera do sinal do controleremoto. Se conectados a uma tomada, oscarregadores de bateria sugam energia mes-mo não estando ligados aos aparelhos quedevem carregar. Abaixo, alguns itens queconsomem energia continuamente mesmose o aparelho não está em uso ativo:■ Controle remoto;■ Fonte de energia externa;■ Mostrador digital, luz de status do LEDou relógio digital;■ Carregador de bateria;■ Teclado soft-touch.

Para verificar se há vampiros de energia emsua casa, desligue todos os aparelhos everifique o medidor de eletricidade residen-cial. Se o disco que mede o consumo aindaestiver girando, você tem “vampiros” emcasa. Para reduzir o consumo de energiadesses aparelhos:■ Desligue os produtos raramente usados,

como a TV e o DVD instalados em umadependência sem uso frequente;■ Use um extensor de tomadas com disjun-tor único para controlar grupos de produ-tos, como informática (computador, impres-sora, escâner, caixas de som, transmisso-res sem fio etc.) e áudio (receptor, amplifi-cador, aparelhos de CD etc.).

TELHADOS BRANCOS

ECONOMIZAM ENERGIAContando com o princípio básico de que assuperfícies brancas absorvem menos calorque as escuras, proprietários de casas nosEUA estão na vanguarda de um movimentoque adota os “telhados frios” como uma fer-ramenta contra o desperdício de energia e oaumento da temperatura global. Estudosmostram que os tetos pintados de brancoreduzem o gasto com ar-condicionado em20% ou mais em climas quentes. E menorconsumo de energia também significa me-nos emissões de dióxido de carbono (CO

2),

que contribuem para o aquecimento global.

Art Rosenfeld, membro da Comissão daEnergia da Califórnia, faz campanha pelostetos frios desde a década de 1980. Paraele, se nos próximos 20 anos todos os te-lhados do mundo se tornassem frios, po-der-se-ia poupar o equivalente a 24 milhõesde toneladas em emissões de CO

2. Rosen-

feld é convincente ao pleitear sua causa:“Aquele foi o total de CO

2 emitido em es-

cala global em 2008. Então, os telhados fri-os equivaleriam a mitigar as emissões domundo inteiro durante um ano.”

De Dubai a Nova Déli e a Osaka, os tetosfrios reflexivos estão sendo adotados para

Agência de Proteção Ambiental dos EUAe Felicity Barringer

Fontes: Departamento de Energia e Agência deProteção Ambiental dos EUA. O artigo WhiteRoofs Catch On as Energy Cost Cutters, deFelicity Barringer, foi publicado no The NewYork Times (30/07/2009).

reduzir os custos energéticos. No mercadoamericano, já são um equipamento padrãohá uma década nas lojas Wal-Mart.

Mas o fervor dos defensores dos telhadosfrios provocou certa reação. Alguns arqui-tetos e especialistas em coberturas afirmamque tais coberturas brancas não levam emconta as diferenças climáticas ou as com-plexidades da construção dos telhados. Emclimas mais frios, segundo eles, os tetos re-flexivos podem representar contas de aque-cimentos mais altas. E alguns cientistas ad-mitem que os custos extras com calefaçãopossam superar a economia de custo comar-condicionado nos climas mais frios.

Diferentemente de soluções de alta tecno-logia para reduzir o consumo de energia,como diodos emissores de luz, os telhadosbrancos têm uma história longa e humilde.As casas em regiões quentes são pintadasde branco... há séculos.

Hashem Akbari, colega de Rosenfeld no La-boratório Lawrence Berkeley, não sabe quan-to tempo levará para os telhados frios ser ma-ciçamente adotados. Mas indica que a maioriados telhados, sejam de telhas ou lâminas deasfalto, têm duração média de 20 a 25 anos. Ese os 5% de telhados que são substituídos acada ano receberem coberturas frias, a transi-ção para coberturas sustentáveis nos EUAestará concluída em duas décadas. ■

Foto: Spike55151

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IHU ON-LINE – QUAIS AS VANTAGENS AMBIENTAIS E SOCIOECONÔMI-

CAS DA ENERGIA EÓLICA?

Júlio César Passos – A principal é tratar-se de uma fonte reno-vável de energia que não agride o meio ambiente. A energia eólicatambém pode auxiliar na conservação ou regulação de outras fon-tes devido à complementaridade. Por exemplo, a geração de eletri-cidade a partir da energia eólica pode possibilitar o armazenamen-to de água dos reservatórios de usinas hidrelétricas, em períodosde seca, desde que se tenha um bom procedimento de previsão decapacidade de geração eólica. A energia eólica, assim como ou-tras fontes renováveis de energia, dentre elas a solar e a biomas-sa, são apontadas como capazes de permitir que alcancemos, naspróximas décadas, um desenvolvimento sustentável.

É importante lembrar que, na Alemanha, energia eólica é sinônimode indústria com alto valor agregado e empregos bastanteespecializados. Além disso, a indústria eólica na Alemanha tambémpermitiu que fossem criadas várias pequenas empresas de fabri-cantes de componentes, freios, instrumentação, além de empresasde serviços de montagem e reparos de aerogeradores. Por que nãopoderemos, também, partir para este tipo de empresa? Isto serápossível desde que o Brasil opte por desenvolver tecnologias dasindústrias de energias renováveis, de um modo geral. Caso contrá-rio, seremos apenas importadores de tecnologia.

Confira com o especialista em engenharia térmica e eólica

Júlio César Passos as potencialidades reservadas à eletricidade produzida

pelos ventos na matriz energética brasileira.

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Entrevista com Júlio César Passos

Energia eólica:

IHU– ARGUMENTA-SE QUE ESSA ENERGIA É MAIS CARA DO QUE A GERA-

DA PELAS HIDRELÉTRICAS…

JPC – De modo geral, as tecnologias baseadas nas energias in-trinsecamente intermitentes, como o são a eólica e a solar, são bemmais caras do que a gerada por hidrelétricas. Por sua vez, as hidre-létricas de grande porte são bem mais baratas do que as PequenasCentrais Hidrelétricas – PCHs (com potência menor que 30 MW).No último leilão do Proinfa – Programa de Incentivo à Geração deEletricidade por Fontes Alternativas, a remuneração do MWh(megawatt/hora) de energia eólica para o parque eólico de Osóriofoi fixada em R$ 231,00, enquanto o MWh de fonte hídrica (PCHs)ficou entre R$ 110,00 e R$ 114,00. Portanto, a participação da ener-gia na matriz energética deve ser vista como complementar, emfunção de seu elevado custo e do seu caráter intermitente.

IHU – COMO VÊ OS INVESTIMENTOS NESSA ÁREA? FALTA INCENTIVO DO

GOVERNO PARA QUE MAIS EMPRESAS APOSTEM NESSE SEGMENTO?

JCP – Apesar de ainda estarmos em estágio inicial, já demos o pri-meiro passo com a aprovação de projetos pelo Proinfa, que exige oíndice de nacionalização mínimo de 60%, e que prevê completar ainstalação de 1.420 MW de potência de aerogeradores (AGs). Atual-mente, estima-se que a capacidade instalada no Brasil situa-se emtorno de 230 MW. Já temos duas fábricas de máquinas que produzemesses modernos e grandes AGs: a Wobben Windpower, da subsidiá-

vantagens, desafios e eficiênciavantagens, desafios e eficiência

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Cidadania&MeioAmbiente 39

Júlio César Passos – Professor do Departamento de Engenharia Me-cânica da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), já produziumais de 50 trabalhos técnicos e científicos em engenharia térmica e eólica.Doutor em Engenharia Térmica pela Universidade de Paris, França, épesquisador do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tec-nológico (CNPq) e responsável por projetos de cooperação da UFSCcom o Centro Térmico de Lyon, França, com a Universidade de Gênova,Itália, e com a Universidade de Eindhoven, Holanda.Entrevista publicada no IHU On-Line (20/09/2007), revista semanal doInstituto Humanitas Unisinos – IHU, da Universidade do Vale do Riodos Sinos – Unisinos, e em www.ecodebate.com.br (22/09/2007).

ria alemã Enercon (maior fabricante germânico), com fábricas no Ce-ará e em Sorocaba. Mas os incentivos do Proinfa parecem não serainda suficientes para atrair um maior número de investidores. E onúmero de pesquisas com a participação de universidades, governoe empresas ainda é pequeno e de forma descontinuada.

IHU – POR QUE SÓ AGORA O PAÍS DEMONSTRA MAIS INTERESSE EM

INVESTIR NESSE TIPO DE ENERGIA?

JCP – É largamente conhecido que a queima de combustíveis fós-seis produz dióxido de carbono (CO

2), que contribui para o aqueci-

mento da atmosfera terrestre. A energia eólica aparece como umapossibilidade de energia limpa, complementar às outras fontes.

IHU – PARA A ENERGIA EÓLICA SER MAIS EFICIENTE, EM QUE LOCAIS DO

PAÍS DEVERIAM SER CONSTRUÍDOS OS PARQUES EÓLICOS?

JCP – No Sul do Brasil, as localidades de Palmas (PR), Laguna (SC),Água Doce (SC), Bom Jardim da Serra (SC) e Osório (RS) contam comventos bons para geração eólica. Ventos bons são aqueles que atin-gem pelo menos uma média anual de seis metros por segundo. Osventos do litoral do Nordeste, principalmente no Ceará e no RioGrande no Norte, são excelentes e chegam a alcançar uma médiaanual de oito metros por segundo. É importante que a velocidade dovento, ao longo do ano, apresente-se relativamente uniforme a fim depermitir um funcionamento do AG sem muita manutenção.

Apesar de grandes, os modernos AGs necessitam de proteção esão colocados em situação de não-rotação (parada) quando avelocidade do vento é muito elevada, acima de 25 m/s. Uma raja-da de vento muito forte poderia quebrar o aerogerador, que podeser considerado um computador programado para gerenciar vári-as tarefas, tais como conectar e desconectar o gerador elétrico doAG à rede elétrica, mudar a orientação do AG em relação ao vento,variar o ângulo das pás, entre outras.

IHU – A REGIÃO NORTE PODE SER BENEFICIADA COM ESSE TIPO DE ENERGIA?

JCP – Essa região não possui ventos com velocidade para permitir oinvestimento de grandes AGs. Apesar disso, alguns projetos pilotoscom pequenos AGs foram desenvolvidos pela Universidade Federaldo Pará em localidades isoladas onde não há redes elétricas. Nestecaso, a energia gerada é armazenada em bancos de bateria.

IHU – O PARQUE EÓLICO DE OSÓRIO, NO RIO GRANDE DO SUL, PODE

SERVIR DE MODELO PARA A CONSTRUÇÃO DE OUTROS PARQUES NO BRASIL?

JCP – O parque de Osório apresenta como principal novidade ofato de suas máquinas serem as maiores até agora instaladas nopaís, com AGs de 2MW, 71 metros de diâmetro de rotor e eixo a98m do solo. Portanto, maiores do que as instaladas em SantaCatarina (600 kW) e mesmo no Ceará e Rio Grande do Norte.

Se quisermos avançar no conhecimento do funcionamento des-ses parques será fundamental a instrumentação com anemômetrose o acompanhamento do que está sendo gerado em cada parqueao longo de vários anos. Exemplo: quais são as interferências que

A participação da energia eólica na matriz energética deve ser

complementar, em função do elevado custo e do caráter intermitente.

a energia gerada pode causar quando lançada na rede elétrica? NaAlemanha, é assim que tem sido feito, e isto explica por que osalemães estão na dianteira e exportam tecnologia. Além disso, apesquisa aplicada nesta área também pode ser geradora de mão-de-obra altamente especializada.

IHU – O BRASIL PERDEU ESPAÇO NA CORRIDA PELA ENERGIA EÓLICA PARA

PAÍSES COMO ALEMANHA E EUA?

JCP – A energia eólica para geração de eletricidade está associa-da aos modernos aerogeradores (AGs) de eixo horizontal, comtrês pás, conectados diretamente à rede elétrica, cujos diâmetrosjá chegam a passar de 110m, ou seja, equivalente ao comprimentode um campo de futebol. O campeão mundial em número de máqui-nas instaladas – quase 20 mil AGs – é a Alemanha, com capacida-de instalada de 21.000 MW, seguida pela Espanha e pelos EUA,ambos em torno de 10.000 e 9.000 MW, respectivamente. No casoda Alemanha, é importante observar que a energia eólica é umaindústria geradora de milhares de empregos.

Os estudos não param e novos desafios surgem para os fabrican-tes. Com o aumento da dimensão média dos aerogeradores, temsido possível diminuir o preço por kW (quilowatt) instalado. A ins-talação de aerogeradores em parques offshore (no mar) tambémcoloca outros desafios no tocante à resistência de novos materiais.O fabricante Enercon, líder na Alemanha, desenvolveu umaerogerador em que não há caixa de transmissão, característica quepermite o acoplamento do eixo da turbina diretamente ao do geradorelétrico. Portanto, trata-se de uma tecnologia bastante sofisticada,na qual o Brasil começa a dar os primeiros passos.

É necessário incentivar mais fortemente tanto a pesquisa tecnológicado equipamento quanto as questões do potencial eólico e da previ-são de ventos para a geração de eletricidade. Ainda não dispomos,por exemplo, de dados de longo prazo sobre o vento (10 anos oumais), o que é fundamental para se determinar o potencial eólicoconfiável de um sítio. Na Universidade Federal de Santa Catarina(UFSC), orientamos uma dissertação de mestrado, defendida emmarço de 2007, com dados de vento fornecidos pela Celesc (Cen-trais Elétricas de Santa Catarina). Foi analisado o potencial de vári-os sítios eólicos de Santa Catarina e implementado um método deprevisão de ventos, a partir de dados calculados através de mode-los meteorológicos pelo CPTEC-INPE ■

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m função da arquitetura e das metas eco-logicamente sustentáveis do projeto, aspessoas que se mudam para BedZED vãocorrigindo ao longo do tempo e sem esfor-ço seus estilos de vida insustentáveis. Aestruturação holística do projeto trabalhao ambiente coletivo em três níveis:■ A arquitetura soluciona os problemas deaquecimento e refrigeração com economiade água e de energia, reduzindo a pegadade carbono da comunidade;■ As características urbanísticas e os ser-viços oferecidos ajudam os habitantes aoptarem por escolhas sustentáveis, comocaminhar em vez de dirigir; e■ A comunidade acaba criando seus pró-prios serviços e grupos para implementar aqualidade de vida e reduzir o impacto hu-mano sobre o meio ambiente.

VIDA E AMBIENTE SUSTENTÁVEIS

Em BedZED convivem diferentes extratossociais, já que 50% dos residentes sãoproprietários, 25% são trabalhadores e 25%ocupantes de alojamentos sociais. Esse mixde perfis socioeconômicos se ajusta semarestas, já que todos são brindados com amesma qualidade de vida. Nesse ambiente

O Centro Beddington de Energia Zero – BedZED,

no Reino Unido, foi projetado para inaugurar um

novo padrão de alta qualidade de vida dentro de

padrões autossustentáveis. Ou seja, uma comunidade

onde se vive em comunhão com a Terra, sem

depredar ou esgotar seus recursos, como atualmente

ocorre em virtualmente em quase todas as cidades do

planeta. O projeto concluído em 2002 tornou-se

referência da possibilidade de a comunidade humana

adotar novos comportamentos e atitudes, sem abdicar

do conforto contemporâneo, em prol da

sustentabilidade urbana. BedZED recupera para seus

habitantes a dimensão do bem-estar em equilibrada

pegada ecológica individual e coletiva.

BedZED

por Hélio Carneiro

energética e ambientalSustentabilidade

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Residências autossustentáveis e ruas onde circulam carros elétricos.Foto: Tom Chance/BioRegional

de cidadania igualitária, todosaprendem a compartilhar dasmesmas benesses e respon-sabilidades. Por isso, as esta-tísticas de sustentabilidadeindividual e coletiva em cen-tro urbano estão entre as maisaltas do planeta:■ Energia: redução de 81%em aquecimento e 45% nouso da eletricidade;■ Transporte: redução de64% na milhagem de automó-vel (2.318 km/ano rodados);■ Água: redução em 58% doconsumo de água (72 litros/pessoa/dia);■ Lixo: 60% reciclado;■ Alimento: 86% dos residentes optam poralimentos orgânicos;■ Integração: os residentes conhecem pelomenos 20 vizinhos pelos nomes.

O “VIVER VERDE”

GARANTE A SUSTENTABILIDADE

As pessoas são atraídas a viver e trabalharem BedZED por muitas razões. Pouco im-porta se os motivos dessa atração estejamcentrados no padrão arquitetônico, na lo-calização geográfica ou no compromissoindividual com o meio ambiente. Quem seestabelece em BedZED adota o padrão do“viver verde”.

A eficiência no consumo de energia e deágua é elemento vital no projeto deBedZED. A energia é obtida da biomassade madeira tratada em boilers. Ou seja,energia limpa e renovável, pois a madei-ra, as palhas e outros materiais de origemvegetal são substituídos por replante,que, por sua vez, reabsorve o CO2 libera-do quando a biomassa é utilizada na pro-dução de energia.

Em BedZED, a biomassa não representauma ameaça ao ecossistema porque o seumodelo de seu aproveitamento comercial érealizado em escala local, com matéria-pri-ma oriunda de exploração florestal susten-tável. Além disso, esta fonte de energia éintegrada à rede de geração de energia so-lar por painéis fotovoltaicos instalados noteto de todas as construções.

Tanto as residências quanto os escritórios eos pontos comerciais são desenhados paraalcançar significativas reduções no quesitoimpacto ambiental. No entanto, a sustenta-

bilidade não é conquistada apenas com ti-jolos e cimento. No Reino Unido, as emis-sões de carbono geradas cotidianamentepelos cidadãos podem ser divididas entretrês fontes: residência, transporte, produ-ção e transporte de alimento. Por isso, umprojeto de viver comunitário não pode serverdadeiramente sustentável a menos quetambém o sejam o transporte que o atende,a compra de alimento pelos moradores e otratamento dispensado ao lixo.

E esses itens de estilos de vida sustentávelnão são inerentes a nenhum projeto, já queo modo de cada ser humano se locomover,lidar com seu lixo e comprar sua comida éfruto de sua escolha individual. Para ajudaros habitantes de BedZED a conquistar aconsciência de sustentabilidade planetária,a BioRegional – empresa que desenvolveuo projeto – atuou junto aos residentes nointuito de abrir-lhes os olhos à dimensão doeco-viver via novas atitudes em relação aoalimento, transporte e lixo.

Em seu primeiro ano de funcionamento, aBioRegional contratou um diretor de estilode Vida Verde para tutorar os residentes naotimização do potencial viver verde doempreendimento. Para se atingir a meta, foioferecido treinamento e apoio aos residen-tes de modo a sedimentar os comportamen-tos em longo prazo.

REDUÇÃO DA “PEGADA ALIMENTAR”

Aproximadamente um terço da pegada eco-lógica média de cada indivíduo do ReinoUnido provém da produção e do transpor-te de seu alimento. A tendência atual noReino Unido é permitir a cada cidadão com-prar o alimento que deseja, não importa a

época do ano. A percepçãodos impactos ambientais esociais da comida é muito de-licada, já que diversos fato-res entram em consideração:cultivo, transporte, preparoe destinação das sobras.

A redução do percurso entrea produção e o consumo doalimento é, portanto, um ar-gumento que faz muito senti-do. Mas, apenas o “comprarlocalmente” pode aumentar apegada ecológica individualquando se adquire produtosfora-de-estação cultivados deforma intensiva em estufas,

ação que ainda por cima prejudica os paísesem desenvolvimento ou pobres, que depen-dem das exportações de seus produtos agrí-colas. Por isso, em BedZED o impacto doalimento ingerido é dramaticamente reduzi-do por meio das seguintes diretivas:■ Só compre o alimento que será consumi-do e aproveite as sobras. No Reino Unidoo desperdício alimentar atinge inacreditá-veis 30%!■ Coma menos carne e laticínios, produtosque respondem por mais da metade da pe-gada alimentar dos habitantes do ReinoUnido. Além disso, os rebanhos respon-dem por 18% das emissões globais de ga-ses de estufa globais, muito mais do quetodo o sistema de transporte!■ Compre verduras e legumes produzidosem sua região (redução da pegada de trans-porte), da estação (em vez dos cultivadosem estufa) e orgânicos (redução do uso deagentes químicos).

Para reduzir os impactos ambientais, fo-ram introduzidas em BedZED as seguin-tes iniciativas:■ Um esquema de fornecimento de ali-mentos produzidos na região ajuda amanter os agricultores locais. A HankhamNursery, em East Sussex, fornece frutas,legumes e verduras, além de vinho e cer-veja orgânicos que abastecem as adegase bares locais.■ A compra dos produtos locais garante aintegridade dos alimentos produzidos. Osresidentes têm à sua disposição uma lista-gem on-line dos fornecedores da região.■ A compra pela internet garante a entregaeficiente na porta do consumidor, mesmona ausência do morador.■ O cultivo do próprio alimento em hortas

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Hélio Carneiro – Editor de Cidadania & MeioAmbiente. Para informações mais detalhadasacerca desse projeto pioneiro, visitar o site daBioRegional-Solutions for Sustainability.(www.bioregional.com/what-we-do/our-work/bedzed). Sugerimos a leitura do folheto infor-mativo “What makes an eco-town”, que podeser baixado em formato .pdf no mesmo site.

residenciais ou coletivas também éestimulado via treinamento ofere-cido aos residentes.

Um sistema de compostagem co-munitária do lixo doméstico orgâ-nico (restos de legumes, verduras,frutas e rejeitos das hortas e jar-dins) fornece o adubo que retroali-menta o solo e reduz a carga de lixoque seria enviada a estações reci-clagem ou aterros sanitários.

TRANSPORTE SUSTENTÁVEL

Frente às caóticas previsões de au-mento em 50% dos 21 milhões deautomotores em circulação no Rei-no Unido antes de 2026, os proje-tistas de BedZED ofereceram as se-guintes alternativas para diminuira dependência dos residentes emrelação ao automóvel, livrando-osdos congestionamentos e reduzin-do o impacto ambiental:■ Onsite Car Club: utilização com-partilhada de automóvel pelos mo-radores.■ Veículos elétricos: opção prática,barata e ecológica.■ Facilidades para o ciclismo: modoprático, divertido e saudável (man-tem da forma física e cardíaca) delocomoção para todas as idades, esem emissão de poluentes.■ Plano de Transporte Verde: ofer-tas alternativas aos percursos emcarro individual e promoção dotransporte público de qualidade.■ Redução da necessidade de deslocamen-to: opção para morar e trabalhar no mesmolocal; facilidades esportivas (quadras); clu-bes dotados de salas multiuso (reuniões,cinema, teatro, entretenimento); bibliote-cas. Tudo ao alcance dos pés e da bicicle-ta, com ganho em tempo, relacionamentocomunitário e segurança.

RECICLAGEM

BedZED foi projetado para reduzir a pro-dução de lixo doméstico e atingir uma taxade reciclagem de 60%.■ Compostagem: o sistema de composta-gem implantado transforma a cozinha e osdetritos de hortas e jardins em preciosoadubo, que retroalimenta o solo e reduz acarga de lixo que seria enviada a estaçõesde reciclagem ou a aterros sanitários.■ Papel: a coleta dos diversos tipos depapel (jornal, papelão, impressão, bran-

co, colorido...) permite a reciclagem emusina local. O papel utilizado pelas em-presas e escritórios de BedZED provémdessa reciclagem.■ Roupas e mobiliário: quando os primei-ros residentes se mudaram para BedZED,foi criada uma loja de troca, onde eles dei-xavam as peças que já não lhes interessa-vam, trocando-as por outras lá deixadas.Esse programa funciona com regularidade.■ Coleta seletiva: as cozinhas são dotadasde lixeiras coletoras em diferentes corespara receber alimentos orgânicos (verde),vidro, plásticos, papel e latas (cinza) e não-recicláveis (marrom). Assim, a destinaçãofinal do lixo aos setores de recolhimentocomunitário é facilitada, garantindo um am-biente higiênico.

BEDZED:

LIÇÕES E PEGADA ECOLÓGICA

Após sete anos de implantação, boa par-

te dos objetivos do projeto foramalcançados. Mas muito ainda deveser implementado para tornarBedZED um paradigma aplicáveldo viver sustentável. O projetoainda não atingiu 100% de suasmetas, como revelam os monitora-mentos realizados desde 2002.

A pegada ecológica ‘média’ do re-sidente de BedZED é de 4,67 hec-tares globais (o equivalente a 2,6planetas em recursos, caso toda apopulação mundial vivesse assim).Caso BedZED tivesse atingido o ní-vel “zero de carbono” como proje-tado, o residente médio apresenta-ria pegada ecológica de 4,32 hecta-res globais (equivalente a 2,4 pla-netas), enquanto um residenteexemplar que realizou esforços sig-nificativos para reduzir seu impac-to alcançaria uma pegada ecológi-ca de três hectares globais (equi-valente a 1,7 planetas).

Embora a redução do impacto nasustentabilidade tenha sido muitosignificativo se comparado com amédia do Reino Unido, BedZEDainda não atingiu o patamar idealde sustentabilidade. E isso ocorreporque o impacto dos residentesnão ocorre dentro da comunidade,mas nos estabelecimentos de ensi-no, nos locais de trabalho, nos bense alimentos consumidos fora dos

limites de BedZED. Os artífices do projetoassumem não ter conseguido influenciartão profundamente a mudança dos para-digmas comportamentais e de consumo.Mas até 2025, o Conselho de Sutton pre-tende, junto com a BioRegional, reduzir apegada ecológica de todo o município ondeo empreendimento pioneiro está implanta-do. Trabalhando nessa amplitude geode-mográfica e aplicando as lições aprendi-das, é certo que se atingirá uma reduçãoimportante na pegada ecológica dos habi-tantes de BedZED e de toda Sutton. ■

1 Central elétrica a biomassa(Tom Chance/BioRegional).2 Recipientes para coleta seletivade lixo na cozinha (BioRegional).3 Painéis solares fotovoltaicos(Marcus Lyon).4 Ponto de abastecimento paraautomóvel elétrico (Hotzeplotz).

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