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116 RECURSOS HUMANOS PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE BUCAL: UM OLHAR NO INÍCIO DO SÉCULO XXI PAULO CAPEL NARVAI INTRODUÇÃO O que a prática odontológica foi, é, e pode vir a ser, resulta de uma complexa articulação de fatores externos e internos ao processo de trabalho, destacando-se o conhecimento científico disponível em cada momento, as tecnologias, os ambientes, os instrumentos e materiais utilizados, e os recursos humanos. Embora se admita a importância de todos esses aspectos no processo de trabalho, o papel central dos recursos humanos é reconhecido universalmente. Com efeito, o recurso humano é decisivo em função de sua condição de sujeito do processo, constituído pela força (energia) e pela capacidade (qualificação) de trabalho, as quais conferem diferentes características a cada serviço odontológico produzido (produto do trabalho). À semelhança de qualquer trabalho humano, o trabalho odontológico surgiu e se desenvolveu para satisfazer necessidades humanas. Tais necessidades são a razão de ser e dão sentido ao esforço cotidiano de milhares de profissionais em todo o mundo. Ao longo dos séculos o processo de trabalho foi se tornando mais e mais complexo até atingir o estágio atual que se caracteriza pela acentuada divisão técnica, produto histórico do desenvolvimento científico-técnico. Mudanças nos processos de trabalho vêm determinando mudanças nos sujeitos desses processos, conforme assinalam vários autores entre os quais Pinto (2000) e Moysés & Watt (2000). Durante séculos, o ambiente, as técnicas e o sujeito do trabalho odontológico preservaram algumas características essenciais: em linguagem contemporânea, pode-se dizer que o operador, ao lado da cadeira, realizava isoladamente procedimentos profissionais num ambiente clínico de aproximadamente 10 m 2 . A revolução industrial criou, também no campo odontológico, as condições para a rápida transformação do processo de trabalho e do seu sujeito. Logo apareceram diferentes especialistas, dividindo tecnicamente o trabalho em sentido horizontal e também os auxiliares, direcionando verticalmente essa divisão. Dentre os auxiliares, o “protético” e o “auxiliar de consultório” foram e são ainda hoje unanimemente aceitos. Nos dias atuais, contudo, novos tipos de pessoal odontológico vêm sendo utilizados em diferentes países e também no Brasil. O fato de a prática odontológica poder se realizar para além dos limites do consultório (Kriger 2002), através por exemplo das ações coletivas em saúde bucal, tem implicado mudanças no sujeito do trabalho odontológico: o cirurgião-dentista (CD) trabalhando isoladamente vem cedendo lugar à equipe de saúde bucal (Botazzo et al. 1989). A equipe de saúde bucal é o novo sujeito da nova prática odontológica que se está buscando criar e consolidar. A prática odontológica capaz de, efetivamente, promover saúde bucal. Tal prática constitui uma exigência social no Brasil, pois: a) não obstante os indicadores epidemiológicos disponíveis revelarem um quadro melhor do que o observado no século XX, quanto à prevalência e severidade da cárie dentária entre crianças, indicam também níveis inaceitáveis em muitas comunidades e, ainda, proporção significativa de dentes não tratados, com o qual a sociedade e os profissionais da odontologia não aceitam mais conviver; b) a legislação nacional sobre saúde e a própria Constituição da República reconhecem que “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado” e que as ações e serviços para garantir o exercício desse direito devem ser de “acesso universal e igualitário” e orientadas à promoção, proteção e recuperação”. Reconhecer a saúde como direito de todos, ou seja, como um bem público que não pode ser negado nem ficar condicionado a regras de mercado, implica admitir a saúde “bucal” como parte integrante e inseparável da saúde, compreendida amplamente, tanto em sua dimensão biológica quanto social. Tal como, aliás, entenderam os participantes da II Conferência Nacional de Saúde Bucal (1993) ao afirmar que “a saúde bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral do indivíduo e está relacionada diretamente com as condições de saneamento, alimentação, moradia, trabalho, educação, renda, transporte, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, aos serviços de saúde e à informação”. Cabe, porém, distinguir “saúde bucal” de “incapacidade bucal”. Quando nos referimos à “saúde bucal” estamos falando, segundo Narvai (2001) de “um conjunto de condições, objetivas (biológicas) e subjetivas (psicológicas), que possibilita ao ser humano exercer funções como mastigação, deglutição e fonação e, também, pela dimensão estética inerente à região anatômica, exercitar a auto-estima e relacionar-se socialmente sem inibição ou constrangimento. Essas condições devem corresponder à ausência de doença ativa em níveis tais que permitam ao indivíduo exercer as mencionadas funções de modo que lhe pareçam adequadas e lhe permitam sentir-se bem, contribuindo desta forma para sua saúde geral.” Observa-se assim que as determinações da saúde bucal ultrapassam em muito os limites e possibilidades da prática odontológica stricto sensu. Mas o trabalho odontológico tem importante significado e pode ter profundo impacto ao lidar com a incapacidade bucal”, esta entendida, conforme Narvai (2001), como “a impossibilidade, transitória ou permanente, de exercer uma ou mais

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RECURSOS HUMANOS PARA PROMOÇÃO DA SAÚDE BUCAL: UM OLHAR NO INÍCIO DO SÉCULO XXI

PAULO CAPEL NARVAI

INTRODUÇÃO O que a prática odontológica foi, é, e pode vir a ser, resulta de uma complexa

articulação de fatores externos e internos ao processo de trabalho, destacando-se o conhecimento científico disponível em cada momento, as tecnologias, os ambientes, os instrumentos e materiais utilizados, e os recursos humanos. Embora se admita a importância de todos esses aspectos no processo de trabalho, o papel central dos recursos humanos é reconhecido universalmente. Com efeito, o recurso humano é decisivo em função de sua condição de sujeito do processo, constituído pela força (energia) e pela capacidade (qualificação) de trabalho, as quais conferem diferentes características a cada serviço odontológico produzido (produto do trabalho).

À semelhança de qualquer trabalho humano, o trabalho odontológico surgiu e se desenvolveu para satisfazer necessidades humanas. Tais necessidades são a razão de ser e dão sentido ao esforço cotidiano de milhares de profissionais em todo o mundo. Ao longo dos séculos o processo de trabalho foi se tornando mais e mais complexo até atingir o estágio atual que se caracteriza pela acentuada divisão técnica, produto histórico do desenvolvimento científico-técnico. Mudanças nos processos de trabalho vêm determinando mudanças nos sujeitos desses processos, conforme assinalam vários autores entre os quais Pinto (2000) e Moysés & Watt (2000). Durante séculos, o ambiente, as técnicas e o sujeito do trabalho odontológico preservaram algumas características essenciais: em linguagem contemporânea, pode-se dizer que o operador, ao lado da cadeira, realizava isoladamente procedimentos profissionais num ambiente clínico de aproximadamente 10 m2.

A revolução industrial criou, também no campo odontológico, as condições para a rápida transformação do processo de trabalho e do seu sujeito. Logo apareceram diferentes especialistas, dividindo tecnicamente o trabalho em sentido horizontal e também os auxiliares, direcionando verticalmente essa divisão. Dentre os auxiliares, o “protético” e o “auxiliar de consultório” foram e são ainda hoje unanimemente aceitos. Nos dias atuais, contudo, novos tipos de pessoal odontológico vêm sendo utilizados em diferentes países e também no Brasil. O fato de a prática odontológica poder se realizar para além dos limites do consultório (Kriger 2002), através por exemplo das ações coletivas em saúde bucal, tem implicado mudanças no sujeito do trabalho odontológico: o cirurgião-dentista (CD) trabalhando isoladamente vem cedendo lugar à equipe de saúde bucal (Botazzo et al. 1989).

A equipe de saúde bucal é o novo sujeito da nova prática odontológica que se está buscando criar e consolidar. A prática odontológica capaz de, efetivamente, promover

saúde bucal. Tal prática constitui uma exigência social no Brasil, pois: a) não obstante os indicadores epidemiológicos disponíveis revelarem um quadro melhor do que o observado no século XX, quanto à prevalência e severidade da cárie dentária entre crianças, indicam também níveis inaceitáveis em muitas comunidades e, ainda, proporção significativa de dentes não tratados, com o qual a sociedade e os profissionais da odontologia não aceitam mais conviver; b) a legislação nacional sobre saúde e a própria Constituição da República reconhecem que “a saúde é um direito de todos e um dever do Estado” e que as ações e serviços para garantir o exercício desse direito devem ser de “acesso universal e igualitário” e orientadas à “promoção, proteção e recuperação”.

Reconhecer a saúde como direito de todos, ou seja, como um bem público que

não pode ser negado nem ficar condicionado a regras de mercado, implica admitir a saúde “bucal” como parte integrante e inseparável da saúde, compreendida amplamente, tanto em sua dimensão biológica quanto social. Tal como, aliás, entenderam os participantes da II Conferência Nacional de Saúde Bucal (1993) ao afirmar que “a saúde bucal é parte integrante e inseparável da saúde geral do indivíduo e está relacionada diretamente com as condições de saneamento, alimentação, moradia, trabalho, educação, renda, transporte, lazer, liberdade, acesso e posse da terra, aos serviços de saúde e à informação”.

Cabe, porém, distinguir “saúde bucal” de “incapacidade bucal”. Quando nos referimos à “saúde bucal” estamos falando, segundo Narvai (2001) de

“um conjunto de condições, objetivas (biológicas) e subjetivas (psicológicas), que possibilita ao ser humano exercer funções como mastigação, deglutição e fonação e, também, pela dimensão estética inerente à região anatômica, exercitar a auto-estima e relacionar-se socialmente sem inibição ou constrangimento. Essas condições devem corresponder à ausência de doença ativa em níveis tais que permitam ao indivíduo exercer as mencionadas funções de modo que lhe pareçam adequadas e lhe permitam sentir-se bem, contribuindo desta forma para sua saúde geral.”

Observa-se assim que as determinações da saúde bucal ultrapassam em muito os limites e possibilidades da prática odontológica stricto sensu. Mas o trabalho odontológico tem importante significado e pode ter profundo impacto ao lidar com a “incapacidade bucal”, esta entendida, conforme Narvai (2001), como

“a impossibilidade, transitória ou permanente, de exercer uma ou mais

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das funções de mastigação, deglutição ou fonação e, também, pelo comprometimento estético. O grau da incapacidade, sua abrangência e evolução variam de indivíduo para indivíduo, segundo o tempo, as características clínicas, as possibilidades terapêuticas e a inserção social de cada um”.

As características epidemiológicas, a magnitude e a qualidade das necessidades da população no que se refere às ações de atenção à saúde bucal — aí incluídas as atividades assistenciais individuais, tanto as orientadas ao controle da incapacidade bucal quanto as de natureza preventiva —, se constituem no referencial básico para tratar das questões relacionadas aos recursos humanos odontológicos no país. Nesse sentido, é indispensável explicitar que se entende que, tanto as instituições formadoras quanto as empregadoras de recursos humanos, devem orientar suas respectivas missões institucionais à efetiva implantação e desenvolvimento do Sistema Único de Saúde (SUS), no Brasil, imprescindível para a alteração, em abrangência e profundidade, do nosso perfil epidemiológico. Isto implica, certamente, profundas transformações, entre outras, também no sistema brasileiro de formação de recursos humanos odontológicos, o qual se encontra, pelo menos desde os anos 70 do século passado, sem qualquer definição substantiva de diretrizes às quais os formadores tenham de se submeter e que possibilite ao poder público efetivamente avaliá-los. A generalidade das principais orientações do poder público e, também, a tibieza com que o Estado brasileiro atua no setor, conduzem à frouxidão das regras e exigências resultando, na prática, em sua inocuidade, prevalecendo critérios ostensivamente mercantis. Essa leniência, de matriz liberal, tem significado a ausência de controle efetivo por parte do Estado, o qual tem pautado sua atuação por um formalismo e burocratização que, muitas vezes, beira à irresponsabilidade. Cabe alertar, ainda, que este descontrole não decorre de um quadro “anárquico”, resultante de uma suposta “incompetência” dos órgãos governamentais. Esta aparente “anarquia”, ou ainda a “dificuldade para coibir os abusos evidenciados pelo Exame Nacional de Cursos (Provão)”, esconde uma bem articulada ação dos empresários do ensino, mais preocupados com a acumulação e reprodução do capital neste setor do que propriamente com Educação e Saúde. Por isso, dotar a sociedade de recursos humanos odontológicos adequados às suas necessidades, e atender às exigências da Constituição, permanecem como o grande desafio colocado neste início de século, nesse campo, a todos os que se ocupam das tarefas de transformar a prática odontológica, direcionando-a para a promoção da saúde, sem perder de vista seu papel no lidar com as incapacidades bucais.

Para enfrentar com êxito esse desafio é preciso compreender a história e a situação atual dos recursos humanos odontológicos no Brasil. Pretendemos, neste capítulo, contribuir para essa compreensão, ainda que tratando apenas em linhas gerais dos aspectos anteriormente assinalados.

TRABALHO ODONTOLÓGICO NO BRASIL: ORIGEM E EVOLUÇÃO Entre os mestres de ofícios vindos de Portugal para exercer atividades de saúde

no Brasil estavam os primeiros dentistas. Eram os mestres cirurgiões e barbeiros que “curavam de cirurgia, sangravam e tiravam os dentes”. Para exercerem suas funções, os mestres tinham que ter, obrigatoriamente, a Carta de Ofício, uma licença especial dada pelo Cirurgião-Mor da Corte Portuguesa. Esta Carta de Ofício, que regulamentava o ofício de barbeiro (“tiradentes”), surgiu em 1521 através de ato real do Regimento do Físico Mor de Portugal, sendo modificada cerca de um século depois quando, em 1631, a expedição da “Carta” passou a ser precedida da “comprovação” de experiência de dois anos na atividade de barbeiro (Rosenthal 2001).

A institucionalização da formação e a organização das atividades profissionais na área da saúde só tiveram início no país após a chegada da Família Real ao Brasil, em janeiro de 1808. Após a instalação do Reino no Brasil, a primeira Carta de Dentista foi expedida em 1811, para Pedro Martins de Moura, um português. Esta Carta o autorizava expressamente a tirar dentes, não mencionando cirurgias, próteses, curativos ou medicações. O primeiro brasileiro a receber tal Carta, também em 1811, cinco meses após, foi Sebastião Fernandes de Oliveira, natural do Espírito Santo. Em 1856 foi instituído, na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, exame para dentistas se habilitarem ao exercício da profissão (Rosenthal 2001).

Primeiros Cursos - Em 25 de outubro (o dia do cirurgião-dentista, atualmente) de 1884 foram criados, através do Decreto 9311, cursos de odontologia nas Faculdades de Medicina do Rio de Janeiro e da Bahia. Salles Cunha (1963) registra que o artigo 8° do Decreto 9311 estabelecia que

“o curso de odontologia constará das seguintes matérias: (...) Physica elementar; Chimica mineral elementar; Anatomia descriptiva e topographica da cabeça; Histologia dentaria; Physiologia dentaria; Pathologia dentaria e hygiene da bocca; Therapeutica dentaria; Cirurgia e prothese dentaria (...)”.

Ao término do curso, “sem colar grau ou outras formalidades” os alunos recebiam o título de “Dentista”. A denominação de “Cirurgião-Dentista” ao título dos egressos dos cursos brasileiros viria 9 anos mais tarde, já no período republicano, com a reforma Alvarenga, que introduziu modificações no ensino para compatibilizar tais cursos às determinações de 1892 do Ministério da Justiça e Negócios Interiores (Salles Cunha 1963). Esta denominação permanece até os dias atuais.

Prática Odontológica no Século XX - A prática odontológica hegemônica no país no século XX, caracterizada por Narvai (1994) como Odontologia de Mercado, apresentou características que expressam as profundas transformações experimentadas pela sociedade brasileira ao longo de todo o século, com acentuado crescimento econômico, industrialização e urbanização. Tais mudanças vêm

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repercutindo intensamente na prática odontológica que vem se tornando complexa e concentrando sofisticada tecnologia. Em conseqüência dessas transformações e em coerência com as características gerais do capitalismo dependente que se consolidou no país, tem sido observada grande expansão no número de cursos de odontologia, sobretudo nas duas últimas décadas do século. Articulada a essa expansão, se fez aprovar uma legislação restritiva do exercício das atividades odontológicas. Já em 1933 o Decreto no 23.540, de 4/12/33, limitava esse exercício aos praticantes não portadores de diploma “até 30 de junho de 1934” (Rosenthal 2001).

A segunda metade do século XX registrou notável expansão do número de cirurgiões-dentistas em atividade no país, conforme pode ser observado na Figura 19.1. Verifica-se também que nos primeiros anos deste século XXI o fenômeno segue inalterado. O ano de 2001 se encerrou com 142 cursos de graduação em odontologia em atividade nas várias regiões do país, segundo o censo escolar do Ministério da Educação (ABO 2002).

O vertiginoso aumento do número de CD em atividade no Brasil produziu, ao longo do século passado, o surgimento de uma categoria profissional de estrutura complexa e com razoável poder corporativo. Assim é que, em 1964, foram criados o Conselho Federal de Odontologia (CFO) e vários Conselhos Regionais de Odontologia (CRO), originalmente autarquias do poder público federal, vinculadas ao Ministério do Trabalho, incumbidos de fiscalizar o exercício profissional. Em 1966 a Lei 5.081 regulamentou o exercício da odontologia no território brasileiro.

3,28 3,655,13

7,859,51

10,43

1960 1970 1980 1990 2000 2010

CD : 10.000

Figura 19.1

Evolução da proporção CD:10.000

habitantes no Brasil

Fonte: CFO 2000, Pellegrino 1999

Constata-se que, no início dos anos 90, o Brasil concentrava cerca de 11 (onze) por cento dos cirurgiões-dentistas em atividade em todo o mundo (Pinto 1992). Embora no início do século XXI tal proporção não tenha diminuído, isto não tem significado melhores condições de saúde bucal para o conjunto dos brasileiros. Ao contrário: apesar de a cárie dentária ter diminuído entre escolares urbanos brasileiros na segunda metade do século XX, nosso país continua sendo conhecido como o “campeão mundial dos desdentados”. Entre nós a cárie dentária associa-se, precocemente, às doenças periodontais para produzir uma verdadeira mutilação em massa: embora dados oficiais sobre extrações dentárias no país não estejam disponíveis, a análise dos componentes do índice CPOD nos levantamentos epidemiológicos, tanto os de abrangência nacional quanto os mais restritos, revelam um quadro sombrio. Constata-se que o trabalho odontológico não tem servido para manter dentes nas bocas. A magnitude dessas necessidades e as estimativas dos custos relacionados com a recuperação através da assistência aos doentes permitem dimensionar, mesmo que precariamente, o problema a ser enfrentado. Entre os especialistas há concordância num ponto: a prática precisa mudar e isso exige mudanças, quantitativas e qualitativas, também no sujeito do trabalho odontológico.

Tais fatos têm gerado uma profusão de críticas à prática da odontologia no Brasil, tida de modo geral como inadequada às nossas diferentes realidades e condições sócio-epidemiológicas por ser: ineficaz, ineficiente, de alto custo, de alta complexidade, de baixa cobertura, essencialmente mercantilista e monopolizada pelas elites, mal distribuída geográfica e socialmente, predominantemente dirigida às atividades curativas, e ainda, por utilizar recursos humanos inadequados (CNS 1980). Tal prática, afirma-se, está centrada nas ações clínico-cirúrgicas individuais e em enfoques biologicistas em detrimento da compreensão e enfrentamento dos determinantes sociais do processo saúde-doença (Narvai 1994). Essas características da prática odontológica hegemônica no Brasil têm feito com que diferentes analistas dos recursos humanos odontológicos apontem a necessidade de imediato abandono do enfoque meramente quantitativo que o país estaria utilizando no planejamento desses recursos e a adoção de critérios qualitativos para tipificá-los e dimensioná-los. CIRURGIÕES-DENTISTAS

A proporção cirurgião-dentista por habitantes chegou a 1 CD para aproximadamente 1.008 habitantes em 2002, segundo o Conselho Federal de Odontologia (CFO 2002). A proporção 1 CD para 2.000 habitantes, parece ser adequada aos países, de modo geral. Chaves (1977) refere como “bastante boa” esta proporção, considerando-a “razoável” quando situada na faixa de 1 CD para 10.000 ou menos habitantes. Assim, a situação brasileira pode ser considerada, basicamente, de relativo desequilíbrio quantitativo e inadequação qualitativa.

Vale registrar, entretanto, para destacar os limites de qualquer análise que leve em

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conta apenas proporções consideradas genericamente, as gravíssimas distorções de distribuição observadas entre cirurgiões-dentistas. A partir de dados do IBGE e do Conselho Federal de Odontologia, para 2002, pode-se estimar, entre outras, as seguintes proporções CD:habitantes: 1 : 2.974 no Amapá, 1 : 789 em Minas Gerais, 1 : 680 no Rio de Janeiro e 1 : 615 no Estado de São Paulo. Tais distorções, cabe assinalar, não se verificam apenas entre CD mas igualmente no conjunto dos profissionais de saúde. E mais: não têm dimensão apenas geográfica mas sócio-econômica: Morumbi e Guaianases, em São Paulo, e Copacabana e Madureira, no Rio de Janeiro, por exemplo, apresentam significativas diferenças na proporção CD:habitantes não por razões geográficas mas em virtude, sobretudo, do poder aquisitivo da maior parte de suas respectivas populações.

A propósito, Narvai (2000) considera que “não basta para o enfrentamento da atual política de formação de recursos humanos em saúde — aí incluídos os recursos humanos odontológicos —, a enfadonha citação de que ‘a Organização Mundial da Saúde recomenda 1 dentista para 1.500 habitantes’.” O autor lembra que “há variantes, como 1:1.000 ou 1:2.000” mas afirma que

“a OMS não recomenda coisa alguma. Em algum momento alguém deve ter lido mal em algum lugar, citou erroneamente a OMS e, a partir daí, tem havido uma repetição mecânica e acrítica dessa proporção. Jamais encontrei a referência bibliográfica nos artigos que mencionam a tal proporção. Nos documentos da OMS, aos quais tive acesso, nunca li nada sobre o assunto. Até que algum pesquisador desvende esse mistério, pode-se concluir que se trata de pura lenda. Como, aliás, tantas outras atribuídas à "OMS". Felizmente é lenda. Seria mesmo um absurdo supor que uma eventual proporção dentista por habitantes pudesse ser estabelecida como ‘ideal’ sem levar em consideração aspectos elementares envolvidos no planejamento de recursos humanos odontológicos necessários em cada comunidade como, por exemplo, o seu perfil epidemiológico.”

Ainda que reconhecendo os limites da proporção CD:habitantes como um indicador para a análise de recursos humanos odontológicos, pode-se admiti-la como um instrumento útil, desde que se leve em conta um amplo conjunto de variáveis (Pellegrino 1999, Pinto 2000). É possível perceber, por exemplo, que o Brasil apresenta um indesejável desequilíbrio estrutural na distribuição dos CD pelas macrorregiões, em relação às suas respectivas populações. Na Figura 19.2, observa-se que em 2002 o Sudeste concentrava 61% da população de CD e 42% da população total. O Sul, com 15%, e o Centro-Oeste, com 8% dos CD brasileiros, apresentam relativo equilíbrio entre a população de CD e a população total: 15% da população brasileira está no Sul e 7% no Centro-Oeste. Norte e Nordeste apresentam pronunciado desequilíbrio. No Norte estão 3% dos CD brasileiros e 8% da população total, e no Nordeste 13% dos CD e 28% da população. Constata-se, por outro lado,

conforme se pode observar na Figura 19.3, que esse desequilíbrio vem se mantendo nas últimas décadas. Entre 1975 e 2002 foram mínimas as alterações na distribuição de CD segundo as macrorregiões brasileiras, com exceção da região Centro-Oeste, que dobrou sua participação (de 4% para 8%). As regiões Norte e Sul mantiveram sua participação com, respectivamente, 3% e 15% dos CD brasileiros. Nordeste e Sudeste, por sua vez, viram diminuir em 2% sua participação percentual no conjunto: o Nordeste de 15% para 13% e o Sudeste de 63% para 61%. A rigor, portanto, não se pode falar em tendência de aumento da concentração de CD no Sudeste uma vez que, os dados assim indicam, tal concentração é estrutural.

Estima-se que cerca de 70 (setenta) por cento dos serviços odontológicos produzidos no Brasil continuam sendo financiados em âmbito privado. Investimentos nessa área não vêm sendo suficientemente priorizados nas políticas públicas de saúde e as ações, quando existem, são dirigidas quase que exclusivamente ao controle de dores e infecções. Apenas às crianças, com ênfase aos escolares, tem sido possível ampliar e diversificar os tipos de serviços odontológicos oferecidos no âmbito do SUS. A expansão das ações financiadas com recursos do orçamento da saúde continua sendo, em todos os níveis de governo, muito lenta e estão muitíssimo aquém das necessidades da população, sobretudo adultos. A omissão do Estado brasileiro e a negação na prática da saúde bucal como um “direito do cidadão e um dever do Estado” vem abrindo espaço à ampliação dos denominados “planos odontológicos”. Segundo a Associação Brasileira de Odontologia eles estariam cobrindo cerca de 4,5 milhões de brasileiros em 2002, por meio de 413 operadoras e cooperativas, com a expectativa de ampliar esse número para 20 milhões até 2005 (ABO 2002). Ainda que se possa considerar essa expectativa muito otimista o Sindicato Nacional das Empresas de Odontologia de Grupo (Sinog) informa que 68% dos CD brasileiros “já têm algum tipo de vínculo” com essas empresas. Na Figura 19.4 pode-se observar a expansão, de acordo com o Sinog, do número de beneficiários de planos odontológicos a partir da última década do século passado. Segundo o IBGE (2000), os dados da PNAD-1998 indicam que os planos de saúde atingem 38,7 milhões de pessoas. A porcentagem chega a 76% dentre os cerca de 10 milhões com rendimentos familiares superiores a 20 salários mínimos, mas não ultrapassa 3% dentre os aproximadamente 15 milhões cujo rendimento familiar não chega a 1 salário mínimo.

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SE 74.447.456

42%

N13.504.599

8%

S 25.734.253

15%

NE 48.845.112

28%

CO 12.101.540

7%

Figura 19.2

Número de CD e população por macrorregião.

Brasil, 2002

Fonte: IBGE 2002, CFO 2002

SE 107.088

61%

CO 13.316

8%NE 22.473

13%

S 25.733

15%

N 5.027

3%

População CD

Figura 19.3

Número e porcentagem de cirurgiões-dentistas por

macrorregião no Brasil em 1975 e em 2002

Fonte: IBGE 1975, 2002

SE 107.088

61%

CO 13.316

8%NE 22.473

13%

S 25.733

15%

N 5.027

3%

1975 2002

SE 23.854 63%

CO 1.515 4%

NE 5.680 15%

S 25.733 15%

N 5.027 3%

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Figura 19.4

Vendas de planos odontológicos

no Brasil no período 1996-2005

Fonte: SINOG 1999, ABO 2002

1,0 2,04,0 4,5

20,0

1996 1997 1998 2002 2005(estimativa)Ano

Milhões

Embora recorrente no discurso odontológico oficial (Lapa 1986), e muito

reproduzida entre leigos (Biancarelli 2002), não se dispõem de dados que permitam afirmar que serviços odontológicos sejam acessíveis para “apenas cerca de 5 (cinco) por cento da população” (Biancarelli menciona um inusual “6%”). Aliás, constata-se grande variabilidade nos números relativos a acesso a serviços odontológicos no Brasil. César et al. (1999) observaram, por meio de inquérito domiciliar (n=10.199), que 32% das pessoas declararam ter “consultado dentista” no período de 12 meses anteriores à entrevista, na região metropolitana de São Paulo, no início dos anos 90. Dados mais abrangentes foram divulgados pelo IBGE em agosto de 2000 e constam do relatório da PNAD-1998 — Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (IBGE 2000). Constatou-se que 29,6 milhões (18,7% da população) nunca foram ao dentista (Figura 19.5). A porcentagem sobe para 32% na área rural, onde o acesso ao CD é inédito para 10,3 milhões de brasileiros (Figura 19.6). Entre os brasileiros cujo rendimento familiar mensal é superior a 20 salários mínimos (SM), apenas 4,1%

nunca foram ao dentista (3,4% na macrorregião Sul). Mas essa porcentagem alcança 36,5% entre aqueles cujo rendimento familiar não chega a 1 SM — atingindo dramáticos 43,4% entre os sem rendimentos da macrorregião Nordeste. Tais dados, que deixaram "abismado" o então ministro da Saúde, José Serra, revelam que sentar na cadeira do dentista continua sendo, no Brasil, um insuportável monopólio de classe social. Um privilégio e não um “direito de todos” — mais uma cruel expressão das iniqüidades que nos assolam.

Figura 19.5

Acesso a serviços odontológicos no Brasil, em 1998(em milhões)

NUNCA18,7%COM

ACESSO81,3%

Fonte: IBGE 2000

29,6130,4

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29,6130,4

Fonte: IBGE 2000

Sem Acesso (milhões):19,3 (zona urbana)10,3 (zona rural)

Menores de 20 anos : 25,2 milhões

Menores de 4 anos : 12,8 milhões

Sem Acesso (milhões):19,3 (zona urbana)10,3 (zona rural)

Menores de 20 anos : 25,2 milhões

Menores de 4 anos : 12,8 milhões

Figura 19.6

Acesso a serviços odontológicos no Brasil, em 1998,

segundo alguns grupos etários e a zona de residência(em milhões)

Com um setor estatal que vem expandindo muito timidamente a oferta de serviços e um setor privado com dificuldades para reduzir custos e aumentar sua produtividade, de modo a tornar os serviços acessíveis a um número maior de brasileiros, e com dificuldade crescentes para incorporar novos contingentes de CD à força de trabalho odontológica, o Brasil necessita urgentemente rever sua política de formação e, principalmente, de utilização de cirurgiões-dentistas, uma vez que, conforme mencionado, é boa a proporção CD:habitantes. O que se verifica, analisando o conjunto da força de trabalho, é que profissionais formados segundo um elevado padrão de qualificação científico-técnica, vêm realizando no dia-a-dia, como estratégia de sobrevivência no setor privado e porque não têm outra possibilidade no setor público, procedimentos básicos cujos requerimentos de qualificação ficam muitíssimo aquém da formação recebida. Não se trata, por certo, para alterar esse quadro, de banalizar a formação, diminuindo ainda mais a qualidade do ensino. A prática, infelizmente bastante difundida, de ensinar mal na graduação, reduzindo conteúdos e deixando conhecimentos essenciais “para o curso de especialização” e justificando tal redução com o argumento de que “vocês precisam ser bons clínicos

gerais pois é isso que o Brasil precisa” é inaceitável. O argumento que pretende justificá-la é perverso: utiliza antigas e conhecidas debilidades do ensino quanto a aspectos sócio-epidemiológicos, econômicos, culturais e políticos, e manipula a inadequação dos serviços odontológicos, sobretudo os públicos, para justificar a degradação do ensino, sobretudo o ensino de algumas especialidades mais demandadas e valorizadas no setor privado. Trata-se, ao contrário, para alterar o quadro de má utilização dos CD disponíveis no país, de melhorar a qualidade do ensino e, no plano da organização e funcionamento dos serviços odontológicos, imprimir-lhes padrões de qualidade utilizando o potencial de trabalho dos CD brasileiros que vem sendo flagrantemente subutilizado, com evidentes prejuízos à população que deles necessita.

Até os primeiros anos do século XXI vigorou no Brasil, no campo da formação e utilização de recursos humanos odontológicos, o pensamento neoliberal. As conseqüências são bastante conhecidas: os aspectos quantitativos impuseram-se aos qualitativos, sob a égide do mercado e ao abrigo da liberdade de iniciativa, tanto no setor educacional quanto no setor da saúde. Em ambos os setores o mercado não vem funcionando como regulador eficaz e constitui erro gravíssimo aguardar que funcione. O setor saúde, pela sua natureza, não pode prescindir da atuação reguladora do poder público, com base no planejamento estratégico e nos princípios da democracia. A propósito, são elucidativos os exemplos da Inglaterra, Canadá e Japão, dentre outros. A ausência dessas condições tem produzido desequilíbrio quantitativo que se expressa num descompasso inconveniente: enquanto o conjunto da população cresce aproximadamente 2% ao ano, a população de cirurgiões-dentistas vem crescendo anualmente cerca de 7%. (IBGE 2002, CFO 2002).

A tal desequilíbrio quantitativo devem ser acrescidas as considerações constantemente assinaladas quanto aos aspectos qualitativos da formação e das condições de trabalho. Afirma-se, por exemplo, a necessidade de ruptura com a visão extremamente tecnificada e redutora, predominante nos processos de formação, e a incorporação de conhecimentos e práticas sociais nesses processos, por meio da articulação entre as instituições prestadoras de serviços e as formadoras de recursos humanos. Tão importante para a sociedade quanto dispor de adequada força de trabalho odontológica é contar com recursos humanos qualificados, em condições de produzir ações e serviços de alta qualidade científico-técnica e, sobretudo, capazes de atuar de acordo com os preceitos da humanização das práticas de saúde.

Assim, reivindicar a ação reguladora do poder público sobre a formação, tanto no aspecto quantitativo quanto no qualitativo, é um imperativo que conta com apoio unânime dos CD. É preciso considerar, entretanto, que essa ação é necessária mas não suficiente, por si mesma, para o desenvolvimento de uma prática de promoção da saúde bucal. Dadas as extremas desigualdades sociais que vêm se perpetuando na sociedade brasileira e, sobretudo, em função da iníqua distribuição da renda (ver Figura 19.7), além de regular a formação de recursos humanos odontológicos, o poder

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público deve investir mais recursos na assistência odontológica (para a qual, estima-se que o gasto público médio per capita/ano tenha sido de aproximadamente 4 dólares nos anos 90) e viabilizar a expansão da cobertura dos serviços públicos, tornando-os hegemônicos no sistema de prestação de serviços e tornando-os acessíveis a todos os grupos populacionais. Isso deve ser viabilizado através dos sistemas locais de saúde, sob comando dos poderes locais (municípios e consórcios intermunicipais). Esta parece ser a melhor estratégia para, efetivamente, promover a saúde bucal em bases populacionais e romper o citado monopólio do cuidado odontológico, exercido pelos setores de maior renda e segmentos a eles vinculados ou dependentes.

Figura 19.7

Distribuição de renda no Brasil nos

anos 90 do século XX

Fonte: PNAD 2000

12,0 12,9 13,4 13,6 14,5

48,1 49,0 47,1 46,7 45,7

1990 1993 1995 1997 1999

%

50% + POBRES 10% + RICOS

Apesar da grande expansão do número de cursos de odontologia no Brasil e de

cirurgiões-dentistas em atividade, o percentual de brasileiros com acesso a cuidados odontológicos regulares é pequeno. Aliás, há consenso entre pesquisadores em que não há associação entre o número de CD e melhores condições de saúde bucal. Mas, dado o papel de CD na diminuição da incapacidade bucal, não resta dúvida quanto à importância da ampliação do acesso até torná-lo universal.

Em todo o mundo, entretanto, nos dias atuais, as discussões sobre recursos humanos odontológicos convergem para a necessidade de a prática odontológica

orientar-se no sentido da prevenção e da humanização e para o reconhecimento de que as ações (inclusive muitas ações clínicas) requeridas para esta prática sejam ações realizadas por pessoal auxiliar de nível médio. Esta constatação é de importância fundamental para nós brasileiros. Orientar a prática profissional no sentido da prevenção e incorporar ao sujeito do trabalho odontológico outros profissionais além do cirurgião-dentista implica, além da transformação do tipo de CD que estamos formando, formar outros tipos de recursos humanos.

Qual CD? - Quanto ao tipo de CD ao instituir, em 2002, o que se denominou “diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em odontologia”, o

Conselho Nacional de Educação (CNE) definiu o seguinte perfil de egresso para os cursos brasileiros (Brasil 2002):

“profissional com formação generalista, humanista, crítica e reflexiva, para atuar em todos os níveis de atenção à saúde, com base no rigor técnico e científico. Capacitado ao exercício de atividades referentes à saúde bucal da população, pautado em princípios éticos, legais e na compreensão da realidade social, cultural e econômica do seu meio, dirigindo sua atuação para a transformação da realidade em benefício da sociedade.”

No mesmo documento legal o CNE estabeleceu (art. 12) a necessidade de o aluno elaborar, sob orientação docente, um trabalho “para conclusão do Curso de Graduação em Odontologia”. Afirmou ainda (art. 4º) que a formação do CD tem por objetivo “dotar o profissional dos conhecimentos requeridos para o exercício das seguintes competências e habilidades gerais:

I — Atenção à saúde: os profissionais de saúde, dentro de seu âmbito profissional, devem estar aptos a desenvolver ações de prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, tanto em nível individual quanto coletivo. Cada profissional deve assegurar que sua prática seja realizada de forma integrada e contínua com as demais instâncias do sistema de saúde, sendo capaz de pensar criticamente, de analisar os problemas da sociedade e de procurar soluções para os mesmos. Os profissionais devem realizar seus serviços dentro dos mais altos padrões de qualidade e dos princípios da ética/bioética, tendo em conta que a responsabilidade da atenção à saúde não se encerra com o ato técnico, mas sim, com a resolução do problema de saúde, tanto em nível individual como coletivo; II — Tomada de decisões: o trabalho dos profissionais de saúde deve estar fundamentado na capacidade de tomar decisões visando o uso apropriado, eficácia e custo-efetividade, da força de trabalho, de medicamentos, de equipamentos, de procedimentos e de práticas. Para

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este fim, os mesmos devem possuir competências e habilidades para avaliar, sistematizar e decidir as condutas mais adequadas, baseadas em evidências científicas; III — Comunicação: os profissionais de saúde devem ser acessíveis e devem manter a confidencialidade das informações a eles confiadas, na interação com outros profissionais de saúde e o público em geral. A comunicação envolve comunicação verbal, não-verbal e habilidades de escrita e leitura; o domínio de, pelo menos, uma língua estrangeira e de tecnologias de comunicação e informação; IV — Liderança: no trabalho em equipe multiprofissional, os profissionais de saúde deverão estar aptos a assumirem posições de liderança, sempre tendo em vista o bem-estar da comunidade. A liderança envolve compromisso, responsabilidade, empatia, habilidade para tomada de decisões, comunicação e gerenciamento de forma efetiva e eficaz; V — Administração e gerenciamento: os profissionais devem estar aptos a tomar iniciativas, fazer o gerenciamento e administração tanto da força de trabalho, dos recursos físicos e materiais e de informação, da mesma forma que devem estar aptos a serem empreendedores, gestores, empregadores ou lideranças na equipe de saúde; e, VI — Educação permanente: os profissionais devem ser capazes de aprender continuamente, tanto na sua formação, quanto na sua prática. Desta forma, os profissionais de saúde devem aprender a aprender e ter responsabilidade e compromisso com a sua educação e o treinamento/estágios das futuras gerações de profissionais, mas proporcionando condições para que haja benefício mútuo entre os futuros profissionais e os profissionais dos serviços, inclusive, estimulando e desenvolvendo a mobilidade acadêmico/profissional, a formação e a cooperação através de redes nacionais e internacionais.”

Nos artigos 9º e 10, as diretrizes mencionam também a necessidade da definição de um “projeto pedagógico” para cada curso, destacando que tal projeto deve ser

“construído coletivamente, centrado no aluno como sujeito da aprendizagem e apoiado no professor como facilitador e mediador do processo ensino-aprendizagem. Este projeto pedagógico deverá buscar a formação integral e adequada do estudante através de uma articulação entre o ensino, a pesquisa e a extensão/assistência [contribuindo também] para a compreensão, interpretação, preservação, reforço, fomento e difusão das culturas nacionais e regionais, internacionais e históricas, em um contexto de pluralismo e diversidade cultural.”

As diretrizes foram definidas a partir de proposições apresentadas ao CNE pelo Grupo de Estudos sobre Ensino de Odontologia, do Núcleo de Pesquisas sobre Ensino Superior da Universidade de São Paulo (Nupes), pela Comissão de Ensino da Associação Brasileira de Ensino Odontológico (Abeno), pela Comissão de Especialistas de Ensino de Odontologia da SESu/MEC e pela Comissão de Odontologia do Exame Nacional de Cursos (DAES/INEP/MEC).

Assim, bem mais do que competência nos domínios de aspectos biológicos envolvidos na prática profissional, deve-se preparar o CD para que desenvolva competência também quanto às dimensões ética e social do seu trabalho. No plano das proposições tal entendimento não encontra, atualmente, opositores declarados. A imagem-objetivo é boa. Mas muitas vezes, um oceano — para não dizer um planeta inteiro — separa a intenção do gesto, o discurso da prática. As diretrizes são abrangentes o suficiente para, ao seu abrigo, se desenvolverem experiências educacionais muito distintas orientadas à formação de CD no Brasil. Assim, é necessário, imprescindível mesmo, examinar permanentemente a experiência concreta e os rumos de cada instituição. PESSOAL AUXILIAR

Ao logo do tempo, o cotidiano do trabalho dos responsáveis pelas “ações odontológicas” (os praticantes da arte dentária — Botazzo 2000) esteve marcado, de algum modo, pela presença de tipos variados de “auxiliares”, que vão do ajudante no transporte de equipamentos e instrumentos — muitas vezes também encarregado de “chamar a atenção” em feiras e mercados — à realização de tarefas sob delegação (Carvalho 1999). Se a existência de algum tipo de assistente “é tão antiga quanto a própria prática profissional odontológica” (Carvalho 1999), nos dias atuais, não cabe a menor dúvida sobre a importância, desde o ponto de vista das necessidades da população, de se incorporar recursos humanos de nível médio ao cotidiano dessas práticas. As bem-sucedidas experiências desenvolvidas originariamente nos Estados Unidos (Dunning 1958) e na Nova Zelândia (Logan 1978), com a Higienista Dental e a Enfermeira Dentária Escolar, respectivamente, não deixam margem a dúvidas: não utilizar pessoal auxiliar significa “um luxo” que, hoje, nenhuma sociedade pode se permitir. Um luxo que, vale enfatizar, penaliza a população, sobretudo os pobres. Leite & Pinto (1983) ponderam que

“é um erro colocar um indivíduo com um elevado padrão científico, adquirido em sofisticadas universidades, a efetuar ações elementares e de baixos requerimentos tecnológicos, apenas porque não se quer abrir espaço para o trabalho de ‘estranhos’ à profissão. Esta atitude tem dois resultados principais: o encarecimento da ação, tornando-a proibitiva financeiramente a um grande número de pessoas necessitadas; e a desilusão e desinteresse do profissional que obviamente nutre

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aspirações por um trabalho mais elaborado que lhe permita aplicar o universo de conhecimentos que adquiriu na Universidade.”

O Brasil vem, há vários anos, formando e utilizando outros tipos de recursos humanos odontológicos, que não exclusivamente o profissional de nível universitário. As pressões da população para conseguir acesso aos serviços odontológicos fizeram com que, sobretudo a partir dos anos 70, o Estado brasileiro, em diferentes níveis de governo, ampliasse a oferta de serviços odontológicos públicos. Esta ampliação, ainda que pequena face às necessidades da população, combinando-se com o enorme contingente de trabalhadores odontológicos que já vinham exercendo funções auxiliares em consultórios e clínicas privadas, criou as condições favoráveis à aprovação, em 6/2/1975, do Parecer 460/75, do Conselho Federal de Educação (CFE), autorizando e estabelecendo as exigências para a formação de dois tipos de pessoal auxiliar odontológico: o atendente de consultório dentário (ACD) e o técnico em higiene dental (THD). Apesar de o então CFE ter autorizado a formação de ACD e THD em 1975, apenas nove anos depois, em 1984, o CFO aprovou a Decisão 26/84, disciplinando o exercício dessas profissões no Brasil. A histórica Decisão 26/84 foi posteriormente incorporada e complementada pelas Resoluções 155/84, 157/87 e 153/93 do Conselho Federal de Odontologia (CFO 1984, 1987, 1993).

A partir de 1984, foi desencadeado um amplo processo de regularização da situação profissional de um grande contingente de trabalhadores no exercício dessas funções em todo o país e, também, de sua formação. Segundo Pezzato (1999), a Secretaria de Estado da Saúde do Paraná deu início, em 1984, ao “primeiro curso autorizado pelos órgãos de educação do país” para formar THD. Tratava-se, com efeito, de uma proposta pedagógica inovadora e bastante audaciosa, utilizando a via do então denominado ensino supletivo e explorando as possibilidades de uma de suas modalidades, a Qualificação Profissional. O plano de curso previa a integração ensino-serviço e teoria-prática, durante a jornada e no próprio local de trabalho. O êxito da proposta, desenvolvida no âmbito de um programa nacional de formação em saúde conhecido como Projeto Larga Escala — resultante de um acordo interministerial com apoio da Organização Pan-americana da Saúde (Moysés et al. 2002) — teve grande repercussão em todo o país e serviu de motivação para iniciativas semelhantes em outros estados.

Com a criação do SUS pela Constituição da República (1988), e a atribuição ao SUS de “ordenar a formação de recursos humanos” para a saúde, foram impulsionados fortemente os programas de formação de pessoal auxiliar odontológico, pelas próprias Secretarias de Saúde. Cursos particulares de ACD e THD foram também aprovados pelos respectivos Conselhos Estaduais de Educação, em vários Estados. A partir de então, os números indicam um lento mas firme e progressivo aumento no número de trabalhadores de nível médio na odontologia brasileira, com a incorporação de mais de 30 mil novos trabalhadores num período de 20 anos (Figura 19.8).

Figura 19.8

Porcentagem de crescimento do PIB

brasileiro no século XX

Fonte: BC e IBGE 2001

4,23,3

6,0

4,35,1

7,16,1

8,8

3,01,7

0 10 20 30 40 50 60 70 80 90

%

A despeito desses números, persistem muitas dúvidas sobre a “regulamentação”

das profissões de ACD e THD sendo freqüentes os questionamentos da competência do CFO para registrar esses trabalhadores na medida em que não há documento legal que trate do exercício de suas respectivas profissões — fato que os tornariam “inalcançáveis” pelo órgão autárquico.

Polêmica - Pessoal auxiliar não foi sempre uma questão tranqüila no meio

odontológico brasileiro. Muitas discussões acaloradas têm acompanhado a história desses trabalhadores. E não apenas no Brasil. Também nos Estados Unidos (Dunning 1958, Woodall 1987, Pimenta 1994) e Canadá (Stewart et al. 1987), entre outros países. Mas entre nós a polêmica está acesa desde que, no início dos anos 50, o então Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), atual Fundação Nacional de Saúde, introduziu o auxiliar de higiene dentária (AHD) nos serviços odontológicos das suas unidades básicas de saúde (Loures & Freire 1964, Pires-Filho 1974). A aprovação do Parecer 460/75, pelo Conselho Federal de Educação, manteve aceso o debate, principalmente sobre THD, suas funções e implicações no mercado de trabalho do CD (Leite & Pinto 1983). Nove anos depois, a Decisão 26/84 do Conselho Federal de Odontologia (CFO), disciplinando o exercício profissional do ACD e do THD acirrou,

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notavelmente, os ânimos em amplos segmentos da categoria odontológica. Posições contrárias ou favoráveis ao pessoal auxiliar, particularmente o THD, vêm confrontando-se desde então e, ainda no final dos anos 80, os ânimos continuavam exaltados. A linguagem dura, expressão do combate travado, beirou o chulo em várias ocasiões. Apenas para ilustrar, recorde-se a significativa opinião sobre pessoal auxiliar publicada pela Associação Odontológica da Prefeitura de São Paulo (AOPSP 1988):

“... além de prostituírem a odontologia, daria ensejo ao serviço público diminuir cada vez mais o mercado de trabalho do Cirurgião-Dentista (...) e à formação de falsos profissionais (THD) colidindo frontalmente com a dignidade de nossa profissão...”

A posição da AOPSP não foi isolada. Não foi “coisa de radicais”. Ela teve o mérito de tornar público o pensamento de setores ponderáveis da categoria profissional dos cirurgiões-dentistas, naquele contexto histórico. Inúmeras outras manifestações neste sentido poderiam ser lembradas mas fazê-lo seria enfadonho e desnecessário. Basta uma: a do ex-presidente do CRO-SP, Osmar Soares de Freitas:

“... os THDs em breve se constituirão numa multidão de ‘práticos’ no país das 80 Faculdades de Odontologia...” (Freitas 1987).

No outro lado da trincheira têm estado, dentre outros, muitos coordenadores de saúde bucal de instituições vinculadas ao SUS, professores da área de odontologia preventiva e social, entidades como a ABOPREV e a Federação Interestadual dos Odontologistas (FIO), movimentos como o de Renovação Odontológica e, mais recentemente, a Associação Brasileira de Saúde Bucal Coletiva.

A despeito de os THD não terem sido fator de inibição à abertura de novos cursos de odontologia (142 em 2001, muitos dos quais sob direção de dirigentes e ex-dirigentes de entidades odontológicas), parece relevante assinalar que, não raro, o tom do debate chegou ao puro e duro bate-boca.

Objeções ao THD - Contra o THD, sua existência e seu trabalho, têm sido apresentados argumentos de todo tipo — alguns respeitáveis, outros evidentemente mal intencionados. Narvai et al. (1989) assinalam que, entre esses argumentos, afirmam-se, por exemplo, que o THD: 1. “rouba o mercado de trabalho que é por direito do CD” (AOPSP 1988a, 1988b); 2. Vai se transformar em falso dentista (“prático”); 3. Não é capaz de realizar trabalhos com a mesma qualidade que o CD; 4. Põe o CD em risco perante a justiça, pois este é responsável pelo trabalho que

aquele realiza. Estas são, entre tantas outras, as objeções mais freqüentes à existência do THD,

cuja extinção pura e simples chegou a ser pedida, pela Associação Paulista de

Cirurgiões-Dentistas (APCD), em abaixo-assinado que circulou em janeiro de 1986 durante o XII Congresso Paulista de Odontologia (APCD 1986), dirigido ao Ministro da Educação. Cabe esclarecer que, em 1994, a APCD adotou outra posição e, por intermédio de sua Escola de Aperfeiçoamento Profissional, vem mantendo um curso para formação de THD, devidamente reconhecido pelo Conselho Estadual de Educação. A primeira turma desse curso concluiu suas atividades em 25 de julho de 1995 (APCD 1995).

Sobre os principais argumentos contra o THD pode-se afirmar, pelo menos, que: 1. No contexto do modo de produção capitalista, de tipo monopolista dependente,

como o vigente no Brasil, a questão do mercado de trabalho e do pleno emprego para cirurgiões-dentistas e demais trabalhadores odontológicos só pode ser enfrentada com seriedade se não se ignorar o modelo de desenvolvimento imposto ao país pelo regime militar após o golpe de Estado de 1964 — e até hoje não alterado em seus fundamentos. Uma das características marcantes desse modelo, com notável impacto sobre a possibilidade de consumo de serviços odontológicos, é a brutal concentração da renda. Em nosso país, os 10% mais ricos da população abocanham praticamente a metade da renda (ver Figura 19.7). Esta perversa distribuição da renda, alterada minimamente nas últimas décadas, fica agravada nas conjunturas recessivas, penalizando ainda mais os que vivem de salários. Quando se observa a evolução do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro ao longo do século passado constata-se que as duas últimas décadas foram, nesse aspecto, um período especialmente difícil, não contribuindo, de modo algum, para alterar para melhorar essas características estruturais da economia brasileira. Verifica-se que o crescimento econômico registrou média de 8,8% nos anos 70, 3,0% nos anos 80 e, caindo mais, ficou em 1,7% nos anos 90 (Figura 19.8). Sabe-se por outro lado que, no Brasil, o trabalho humano está entre os de pior remuneração em todo o planeta. Enquanto aqui o salário mínimo tem oscilado historicamente entre 60 e 80 dólares, na Europa Ocidental está em torno de 600 dólares e nos Estados Unidos e Japão aproximadamente 800 dólares. Mesmo no âmbito da América Latina, a maioria dos países remunera melhor que o Brasil. Para agravar ainda mais esse quadro, observa-se que nos 90 a participação dos salários no PIB brasileiro piorou: foi de 44% em 1993 para apenas 33% em 1999. Com semelhante aviltamento da remuneração da força de trabalho, com o padrão de distribuição de renda, e com o desemprego estrutural atingindo todos os setores econômicos, somente ingênuos (ou mal intencionados) não compreendem o impacto significativo dessas condições sobre a assistência odontológica (possibilidades e impossibilidades), os níveis de emprego e os padrões de remuneração dos trabalhadores da área, incluindo evidentemente os CD. Como esperar de uma economia com tais características que viabilize trabalho para todos os CD e, mais ainda, com um padrão de remuneração “europeu” ou “norte-americano” ao trabalho odontológico, como desejam alguns? Sobre tais relações, oportuna projeção foi feita, ainda nos anos 80, por Cauduro-Neto (1987) a partir de dados do IBGE. Segundo

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essa projeção, 112 milhões de brasileiros, que auferiam renda média mensal inferior a 3 salários mínimos (SM), participavam de apenas 1% da renda obtida por CD em consultórios particulares. Desses 112 milhões, apenas 2,5 milhões iam todos os anos ao CD particular. Por outro lado, 88% dos rendimentos dos CD provinham de 6 milhões de pessoas que apresentavam renda mensal superior a 10 SM — das quais 4,6 milhões iam todos os anos ao CD. Não há qualquer indício nos indicadores econômicos e sociais disponíveis que permitam admitir que, no início do século XXI, tal padrão tenha se alterado significativamente.

Figura 19.9

Proporção ACD-THD:CD no Brasil em 1992 e 2002

113.509

6.785

Fonte: CFO 1992, 2002

0,06 : 1

173.637

36.883

CD ACD-THD

0,21 : 1

1992 2002

As conseqüências desse quadro são bem conhecidas. Manfredini & Narvai (2001)

mencionam que “milhares de jovens cirurgiões-dentistas chegam anualmente ao mercado de trabalho em todas as regiões do país [trazendo] expectativas de desenvolver atividades profissionais para resolver, ou pelo menos diminuir, os problemas de saúde bucal de milhões de brasileiros (...)” mas que há uma situação paradoxal: o mercado de trabalho é exíguo mas o campo de trabalho é de “grande magnitude no Brasil pois são expressivas as necessidades odontológicas da população, exigindo ações nas diversas especialidades.” Os autores assinalam que

“persiste, portanto, o desafio de diminuir a distância que hoje vem separando campo e mercado de trabalho odontológico. O modo como a sociedade brasileira vem produzindo bens e serviços e os nossos

imensos problemas, com profundas desigualdades na distribuição da riqueza, está na origem desse distanciamento. Superar tais iniqüidades é imprescindível para resolver esse paradoxo. O campo de trabalho é amplo. O mercado, exíguo. O desafio, enorme.”

Outro aspecto da maior relevância na questão do mercado de trabalho do CD é a relativa baixa empregabilidade do setor privado. Embora não estejam disponíveis dados confiáveis, analistas estimam que cerca de três quartos dos postos de trabalho assalariado para CD sejam ofertados no setor público, mesmo com o relativo baixo investimento nessa modalidade assistencial. Segundo Nobre (2001) “em Roraima 92% trabalham pelo SUS. No Rio Grande do Sul, 46%. Na média, 51% dos dentistas brasileiros já trabalham de alguma maneira no governo, para as pessoas mais carentes” (sic). No setor privado o segmento não lucrativo (sindicatos de trabalhadores, serviços sociais e outros) responderia por mais da metade dos postos de trabalho assalariado em todo o país, superando o setor empresarial tradicional — excluindo-se, portanto, as modalidades mais recentes dos denominados “planos” odontológicos.

Assim, numa estrutura e dinâmica complexas de produção-consumo de serviços odontológicos é muito simplista atribuir ao pessoal auxiliar odontológico, em especial ao THD, “roubo de mercado de trabalho”. Ao contrário, há evidências de que o THD tem contribuído intensamente para aumentar, no setor público, os postos de trabalho privativos de CD. Com efeito, para Barros (1994) “os THD não estão tirando emprego de nenhum CD. Ao contrário, estão abrindo perspectivas de novos e melhores empregos para os profissionais, pois com sua atuação, aumenta-se a produtividade”. Santos (1995) refere, também, que o emprego de THD contribui para a necessária mudança do modelo de atenção em saúde bucal. Analisando o emprego de ACD e THD no Estado de São Paulo, Frazão (1998) destaca que na maioria dos municípios pesquisados a participação na promoção da saúde bucal é mais significativa quando se trata da realização de ações coletivas em escolas ou outros espaços sociais e que isso contribui “para a transformação das práticas da odontologia em saúde coletiva e para a mudança do modelo de atenção conforme as diretrizes de saúde bucal e os princípios do Sistema Único de Saúde em construção no Brasil.” A propósito, pela oportunidade, convém registrar que o papel da autoridade sanitária (a instituição e a pessoa física que age em seu nome) é prover saúde bucal e assistência odontológica a todos os cidadãos e não se render aos interesses particulares de corporações, sejam quais forem.

2. O temor de que o THD vai se transformar em “prático” ronda permanentemente os CD. É compreensível que seja assim. Afinal, a categoria profissional dos CD brasileiros atravessou várias décadas lutando para afirmar a profissão, estruturando-a, desenvolvendo-a no plano técnico-científico, e angariando prestígio e reconhecimento social pela qualidade dos serviços prestados. E tudo foi e vem sendo feito com a necessidade de combater o exercício ilegal da profissão.

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Vale destacar que a luta por prover à população serviços de qualidade, produzidos por profissionais capazes de incorporar às suas práticas os avanços e conquistas do conhecimento científico, tem apoio unânime dos CD. Não há unanimidade, porém, quanto aos métodos de combate aos “falsos dentistas”. Alguns analistas, entre os quais Garrafa (1981), acreditam que a sobrevivência dos “práticos” decorre fundamentalmente da exigüidade da cobertura. Tal exigüidade deriva do caráter mercantilista da prática e da histórica ausência do poder público nesse tipo de atividade, situando-se muito aquém da presença observada em outras modalidades assistenciais. O tratamento policial do problema, ainda que bem-sucedido temporariamente, tenderia ao fracasso a médio e longo prazos, se a questão da cobertura não for equacionada.

A proposta de formar e utilizar pessoal auxiliar odontológico de nível médio, para desenvolvimento de ações no ambiente do consultório e fora dele (entenda-se: utilizar THD) emergiu e ganhou importância no Brasil num contexto histórico de indiscutível fracasso por um lado, das políticas repressivas ao “prático” — segundo Pinto (1982) no início dos anos 80 seu número ainda estaria em torno de 25.000 — e, por outro lado, de desenvolvimento de sistemas de trabalho inovadores, decorrentes da aplicação de princípios ergonômicos ao processo de trabalho odontológico. Sob o título “Práticos: mais uma mazela brasileira” o Jornal da APCD informou, em sua edição de junho de 1996, que em Imperatriz, Maranhão, com cerca de 350 mil habitantes, havia 53 CD e aproximadamente 200 “práticos” e que, no estado do Espírito Santo, cerca de 1.000 “práticos” disputavam o mercado de trabalho com os 2.098 CD inscritos no CRO-ES (APCD 1996). Naquele ano o estado capixaba contabilizava 2 (dois) THD inscritos no CRO-ES. Leite et al. (1996) ressaltaram a importância dos recursos humanos “na definição do novo modelo assistencial” e enfatizaram “a desqualificação do pessoal de nível médio [que na Odontologia ainda se encontra em altas proporções, tanto no setor público como no privado], como um dos principais problemas que afetam o Sistema Único de Saúde” propondo a ampliação dos “programas de formação (...) visando uma profissionalização dessa categoria”. Para Calvielli (1996), “a odontologia deve ir ao encontro das necessidades da população, com o CD adequando-se a estas necessidades.”

Nesse contexto, de mudanças no sujeito do processo de trabalho odontológico e da criação de alternativas para ampliar o acesso aos serviços e reduzir a presença de pessoal não habilitado na prestação dos serviços, o THD não se confunde com o “prático”. Ao contrário, deve ser compreendido como componente estratégico de qualquer proposta que tenha entre seus objetivos evoluir para um contexto onde tais praticantes não sejam necessários, desaparecendo ou permanecendo residuais e, portanto, sem maior importância do ponto de vista da saúde pública. Assim, não há razões para tratar o THD como um falso dentista, um “prático”. Ele não é isto. E não atende aos interesses da população, nem dos CD, vê-los assim — nem, muito menos, levá-los a serem isto, a serem “práticos”.

3. A questão da qualidade do trabalho do pessoal auxiliar é complexa e remete à própria qualidade dos serviços produzidos por CD; à sua eficácia do ponto de vista epidemiológico e até mesmo à iatrogenia. O certo é que, no Brasil, não se fazem muitas pesquisas analisando qualidade de serviços. Uma dessas poucas pesquisas, realizada por Cordón (1986) em programa que vinha utilizando THD ainda em formação (o Programa de Itu, SP), merece ser conhecida, e é esclarecedora. O autor analisou 269 restaurações de amálgama de prata realizadas em 94 escolares, por equipes de saúde bucal (CD-THD-ACD). Desse total, 218 restaurações foram consideradas adequadas e 51 inadequadas. Destas, 14 foram realizadas exclusivamente por CD e 37 por CD+THD+ACD. Destas 37, 29 apresentaram pequenas alterações, como ponto de contato prematuro, sobremargens ou deficiência mínima de contorno. Tais alterações não implicaram danos estéticos ou funcionais significativos. Entretanto, dos 94 escolares examinados, 14 (15%) apresentaram transtornos de ATM. Em nenhum caso, contudo, esses transtornos estavam associados às restaurações realizadas. As alterações de ATM decorriam, em todos os casos, de perdas precoces de primeiros molares permanentes em conseqüência de cáries não tratadas. Por certo, dada a natureza da questão, uma única pesquisa não basta. Mas seus resultados esclarecem sobre o que é, efetivamente, relevante na questão da qualidade, e fazem indicações que devem ser levadas em consideração.

De qualquer modo, o intenso desenvolvimento da odontologia preventiva, em especial da cariologia, nas últimas décadas, vem alterando em profundidade as bases científicas sobre as quais se apóiam as ações programáticas em saúde bucal. Assim, embora ainda importantes nas condições sócio-epidemiológicas atuais no Brasil — sobretudo em localidades e comunidades onde são escassos ou inexistem profissionais de nível universitário —, as funções tipicamente curativas do pessoal auxiliar (THD em especial) não vêm aparecendo como as funções mais “nobres” do perfil do pessoal auxiliar. As funções de promoção e de proteção específica parecem estar ganhando esse status, conforme assinalam Sheiham & Moysés (2000). Mais do que com a assistência odontológica, o pessoal auxiliar (THD em especial) vem participando crescentemente de atividades de atenção à saúde bucal (aqui entendida como “o conjunto de atividades intra e extra setor saúde que, incluindo a assistência individual, não se esgota nela, atingindo grupos populacionais com o objetivo de manter a saúde, e requerendo ações concomitantes sobre todos os determinantes da saúde-doença” – Narvai 1994). É esta pelo menos a tendência que se observa nos serviços odontológicos, públicos ou privados, que se desenvolvem com base em programas, conforme assinalam Frazão & Castellanos (1999).

Biazevic et al. (2001) analisaram a percepção que THD (n=177) do estado de São Paulo têm da qualidade do trabalho preventivo que realizam, em comparação com a qualidade do mesmo trabalhado feito por CD. Para 82% seu trabalho tem a mesma qualidade; 1% a considerou inferior; e 17% acharam que a qualidade do seu trabalho é superior ao do CD. Segundo os autores, essa opinião não pareceu estar

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influenciada por fatores sócio-demográficos (sexo, idade, estado civil e escolaridade) ou profissionais (se trabalha ou não como THD, tipo de serviço – público ou privado –, extensão da jornada, número de empregos, registro profissional e participação em alguma associação), com exceção da remuneração pelo trabalho, uma vez que houve associação significativa entre maiores salários e qualidade do trabalho melhor que o do CD. Os autores acreditam que

“este achado sugere que o salário influencia diretamente a percepção do profissional sobre seu trabalho. Ao receber salário maior, o profissional tende a se sentir mais valorizado, e subjetivamente, isto pode resultar num profissional capaz de realizar tarefas de melhor qualidade.”

Analisando dados da segunda metade dos anos 90 provenientes dos estados de São Paulo e Minas Gerais, Carvalho (1999) assinala que, “em geral, o ganho médio mensal do ACD e do THD figurava em torno de 1 a 4 salários mínimos”.

Por tudo isso, também a questão da qualidade dos serviços exige tratamento que deve ir além da simples troca de insultos e acusações...

4. Quanto a pôr em risco o CD perante a Justiça, cabe reafirmar que o CFO estabelece claramente a exigência de “supervisão do CD” ao trabalho de ACD e THD. Esta supervisão (direta) refere-se ao desempenho de atividades clínico-cirúrgicas, não se aplicando, salvo melhor juízo, ao desenvolvimento de atividades educativas, onde a supervisão indireta é suficiente e, obviamente, mais adequada. A supervisão direta implica trabalho no mesmo ambiente clínico. Assim, o THD integra, necessariamente, uma equipe de saúde bucal, comandada técnico-cientificamente por CD. As competências de diagnóstico e alta entre outras de natureza irreversível, são exclusivamente do CD, e intransferíveis. Isto significa, sem qualquer margem à dúvida, que cabe ao CD a responsabilidade final pelo trabalho da equipe de saúde bucal (nela incluído o THD). O argumento de que “uma pessoa não pode responsabilizar-se pelo trabalho de outra” é inconsistente e não se aplica, uma vez que não se trata de trabalho “de outra”, mas de trabalho coletivo tecnicamente dividido, onde a responsabilidade parcial é de cada indivíduo segundo o que lhe compete, e a responsabilidade pelo produto final é de quem dirige o processo de trabalho, ou seja, o CD.

Aspectos Legais - Boa parte das críticas ao pessoal auxiliar odontológico resulta de desconhecimento dos dispositivos normativos existentes e que, a rigor, deveriam bastar para disciplinar o trabalho de equipes de saúde bucal sob comando, coordenação e controle do CD. Outra parte das críticas resulta, ao contrário, das notáveis imperfeições do Parecer 460/75, reproduzidas mecanicamente pelo CFO na Decisão 26/84 e nas Resoluções 155/84, 157/87 e 185/93 (CFO 1975, 1984, 1987, 1993). Tais imperfeições vão das denominações à descrição das competências.

Cabe registrar, antes de prosseguir, as competências de ACD e THD. Compete

aos ACD, segundo a Resolução CFO-185/93 (art. 20) “sempre sob a supervisão do CD ou do THD: a) orientar os pacientes sobre higiene bucal; b) marcar consultas; c) preencher e anotar fichas clínicas; d) manter em ordem arquivo e fichário; e) controlar o movimento financeiro; f) revelar e montar radiografias intra-orais; g) preparar o paciente para o atendimento; h) auxiliar no atendimento ao paciente; i) instrumentar o cirurgião-dentista e o técnico em higiene dental junto à cadeira

operatória; j) promover isolamento do campo operatório; l) manipular materiais de uso odontológico; m) selecionar moldeiras; n) confeccionar modelos em gesso; o) aplicar métodos preventivos para controle da cárie dental; p) proceder à conservação e à manutenção do equipamento odontológico.”

Em relação a tais competências caberiam, dentre outros, os seguintes

comentários: - na letra “a”, não se trata simplesmente de “orientar” “pacientes” sobre “higiene”

bucal. Trata-se de participar da educação de pessoas (não necessariamente “pacientes”) sobre saúde-doença na boca;

- na letra “e” trata-se, evidentemente, de participar do controle do movimento financeiro. Ou alguém acredita que a algum auxiliar se lhe permita “controlar” o movimento financeiro? Ou mesmo se deve ter tal atribuição?

Uma omissão relevante nas atribuições do ACD diz respeito aos procedimentos de limpeza, desinfecção e esterilização. Tais atividades ocupam boa parte do cotidiano de trabalho de ACD em todo o país e são, efetivamente, de enorme importância. Entretanto não são, a rigor, da sua competência...

Compete aos THD, segundo a Resolução CFO-185/93 (art. 12) “sempre sob a supervisão com a presença física do CD, na proporção máxima de 1 CD para 5 THD, além das de ACD, as seguintes atividades:

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a) participar do treinamento de atendentes de consultório dentário; b) colaborar nos programas educativos de saúde bucal; c) colaborar nos levantamentos e estudos epidemiológicos como coordenador,

monitor e anotador; d) educar e orientar os pacientes ou grupos de pacientes sobre prevenção e

tratamento das doenças bucais; e) fazer a demonstração de técnicas de escovação; f) responder pela administração de clínica; g) supervisionar, sob delegação, o trabalho dos atendentes de consultórios dentários; h) fazer a tomada e revelação de radiografias intra-orais; i) realizar teste de vitalidade pulpar; j) realizar a remoção de indutos, placas e cálculos supragengivais; l) executar a aplicação de substâncias para a prevenção da cárie dental; m) inserir e condensar substâncias restauradoras; n) polir restaurações, vedando-se escultura; o) proceder à limpeza e à antissepsia do campo operatório, antes e após os atos

cirúrgicos; p) remover suturas; q) confeccionar modelos; r) preparar moldeiras.”

Sobre estas atribuições cabem muitos comentários. É relevante destacar que:

- na letra “b” não deveria se tratar de apenas “colaborar”, mas de participar. Aos que, inadvertidamente, consideram estas expressões “a mesma coisa”, vale lembrar que são conceitos profundamente diferentes...

- na letra “c”, a competência para “coordenar” levantamentos e estudos epidemiológicos é evidente exagero e deveria ser suprimida;

- na letra “d” quem educa, orienta. Assim, “e orientar” poderia ser suprimido. Considerando também que nem sempre o educando é um “paciente”, esta expressão deveria ser substituída:

- na letra “e”, além da “demonstração” o técnico deveria poder supervisionar a prática da escovação;

- na letra “f” a atribuição de que ao THD cabe “responder pela administração da

clínica” só pode ter sido obra de quem, com perdão do trocadilho, não responde pelo que faz. Ora, se o THD integra uma Equipe e trabalha “sempre sob supervisão” de CD, como pode ele “responder” pela administração (!) da clínica? Pode e deve auxiliar em procedimentos administrativos, não responder por eles...

- a letra “i” deveria ser simplesmente suprimida, pois quem faz algum teste clínico faz com finalidade de diagnóstico e este não é uma atribuição do técnico;

- na letra “p” a prudência recomenda explicitar o que está implícito, ou seja: “remover suturas, após avaliação profissional”;

Quanto às denominações, o Conselho Federal de Odontologia, ao estabelecer as competências de ACD e de THD, utilizou as mesmas denominações do Parecer CFE 460/75: atendente de consultório dentário e técnico em higiene dental. Foi um erro (mais um entre tantos que o CFO vem cometendo ao lidar com questões de interesse do pessoal auxiliar odontológico), uma vez que estas denominações, por inadequadas às atribuições e ao seu nível de habilitação, deveriam ter sido abandonadas. Aliás, devem ser abandonadas, pois estão causando prejuízos, inclusive salariais, tanto para ACD quanto para THD. Em muitas instituições, “atendentes” (e ACD é “atendente”...) não podem ser registrados como “auxiliares” e, assim, recebem salário menor. O CFO deveria tratar de redefinir essas denominações, exercendo sua autonomia, nesse âmbito, frente ao Ministério da Educação. Vejamos:

Atendente de Consultório Dentário - A expressão atendente é utilizada informalmente para designar pessoal de enfermagem sem qualquer qualificação específica, empregado para realizar atividades ou tarefas de baixíssima complexidade em serviços de saúde. Na própria área de enfermagem, embora a expressão atendente continue sendo utilizada informalmente, o Conselho Federal de Enfermagem não a preconiza mais. Não há razão, portanto, para que se continue utilizando esta expressão na área odontológica. “Consultório Dentário”, por outro lado, é igualmente inadequado no presente, seja porque o tradicional consultório não é mais o único ambiente de trabalho onde a atividade odontológica pode ser exercida, seja porque há muito o exercício desta atividade no Brasil não está limitado aos dentes mas abrange todo o campo da odontoestomatologia. Tratando-se de habilitação em nível de segundo grau e constituindo-se em habilitação parcial do técnico, parece-nos que, em atendimento à legislação, a denominação mais precisa para esse tipo de pessoal é a de “Auxiliar...”, expressão aliás, ainda que informal, consagrada pelo uso na área odontológica.

Técnico em Higiene Dental - Se o vocábulo “técnico” está perfeitamente ajustado ao que se pretende denominar, tanto em relação ao nível da habilitação quanto em relação às atribuições desse tipo de recurso humano odontológico, a expressão “higiene dental” é um equívoco. Tem origem, provavelmente, na denominação dental hygienist, empregada nos Estados Unidos, Japão, Europa Ocidental e outros países, para designar um tipo de pessoal odontológico cuja formação data de 1913 quando

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Fones propôs sua utilização para realizar “profilaxia oral” e ensinar técnicas “corretas” de escovação dental (Dunning 1958, Pires-Filho 1974). As competências estabelecidas pelo CFO ao técnico habilitado em nível de segundo grau caracterizam um tipo de pessoal odontológico que não deveria ser confundido com o dental hygienist. Embora Pinto (2000) se refira ao THD como o equivalente brasileiro do “higienista dentário”, as atribuições do THD caracterizam-no com um perfil bem mais abrangente e, sobretudo, não restrito à “higiene”. Tais atribuições, se nos permitimos uma referência à mitologia grega, situam-se tanto no campo próprio de Hygéia (a protetora da saúde; a conselheira) quanto no de Panacéia (a recuperadora da saúde; a manipuladora das ervas), pela simples razão de que a odontologia contemporânea não pode se permitir o erro de separar a prevenção da cura, como se entre elas fosse possível erguer uma Muralha da China. Prevenção e cura são duas dimensões inseparáveis e indispensáveis quando se pensa a saúde-doença como processo que exige ações integrais. Ou seja: as pessoas necessitam, ao mesmo tempo, tanto de ações preventivas quanto curativas. Assim, se o termo “higiene”, além de se vincular fortemente em sua origem no Brasil a práticas individualistas e autoritárias (padrões, regras, advertências) é limitado em relação às competências, “dental” também o é pela razão já exposta.

Está patente, portanto, que atendente de consultório dentário e técnico em higiene dental são denominações inadequadas. Assim, tendo em vista o nível das habilitações, e as denominações tecnicamente corretas de auxiliar (habilitação parcial) e técnico (habilitação plena) e considerando ainda que o campo de trabalho do pessoal auxiliar é o da saúde bucal, mais amplo que o da assistência odontológica individual e cujos níveis de saúde nas populações não decorrem exclusivamente da assistência mas são determinados por variáveis não biológicas sobre as quais se deve agir, acreditamos que as denominações tecnicamente mais adequadas para o ACD e o THD seriam, respectivamente, “Auxiliar de Saúde Bucal” e “Técnico em Saúde Bucal”.

Para-odontológicos? - Às vezes nos deparamos, em textos ou em falas, com a expressão “para-odontológico” para designar o pessoal auxiliar odontológico. Entendemos que tal expressão deve ser abandonada; como aliás os médicos de há muito abandonaram a expressão “para-médicos”, na qual ela evidentemente se inspirou. E deve ser abandonada não porque os médicos o tenham feito mas porque, efetivamente, é incorreta e discriminatória. É incorreta porque o prefixo para significa “ao lado de...”, “fora de...”, tendo conotação de algo paralelo. Ora, o pessoal auxiliar não está “fora” mas sim dentro de..., junto de... E é discriminatória porque traz em si a idéia de que odontologia é sinônimo, exclusivamente, de cirurgião-dentista. O que, nos dias atuais, no Brasil, é simplesmente irreal.

Só no Serviço Público? - Outra discriminação freqüente ao pessoal auxiliar diz respeito às suas oportunidades de trabalho. É muito comum que se recomende a participação do trabalho do THD apenas na saúde pública ou no serviço público. Ora,

esta proposta é equivocada e ilegal. Seria um erro crasso, de relevante custo social, impedir que CD pudessem contar com THD (assim como podem contar com ACD), para modernizar suas técnicas de trabalho, aumentar sua produtividade e atender um maior número de pessoas, simplesmente por pretenderem fazer isto “fora da saúde pública”... E seria ilegal por uma razão muito simples: o exercício de qualquer trabalho é garantido pela Constituição da República, promulgada em 5/l0/88. Em seu Título II, Capítulo I (dos direitos e deveres individuais e coletivos), Artigo 5o, a Carta Magna não dá margem à dúvida:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade e à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XIII - É livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas às qualificações profissionais que a lei estabelecer” (Brasil 1988).

Não há dúvida, portanto: pessoal auxiliar odontológico devidamente habilitado ao exercício de suas funções pode trabalhar onde conseguir trabalho. A lei garante.

A propósito, um aspecto que vem ganhando relevância é o amparo legal ao trabalho de ACD e THD, para além das garantias constitucionais. A partir da I Conferência Nacional de Saúde Bucal, quando foi aprovada “a formação urgente e a incorporação imediata de (...) ACD e THD como forma de viabilizar a extensão de cobertura e o aumento da produtividade [devendo] o Poder Público buscar formas adequadas de enquadramento (...), objetivando a regulamentação de sua situação profissional, sem prejuízo dos programas comunitários odontológicos onde se encontram inseridos” (CNSB 1986), os setores da odontologia e da saúde pública que defendem o SUS vêm lutando arduamente para obter a regulamentação do exercício profissional desses trabalhadores. Lamentavelmente, sem êxito até o presente. Cabe registrar que logo após a I CNSB um projeto de lei tratando da regulamentação das profissões de ACD e THD começou a tramitar no Congresso Nacional (PL nº 53). Depois de tramitar durante cerca de cinco anos o Projeto de Lei nº 53 foi finalmente aprovado e encaminhado à sanção presidencial. Após tantas idas e vindas, substitutivos e emendas, acreditava-se que a sanção presidencial não passaria de ato protocolar. Mas no penúltimo dia de 1993 o Presidente da República (Itamar Franco) vetou a lei aprovada no Congresso sob o frágil argumento de que a regulamentação “desmotiva o aperfeiçoamento profissional". De tão frágil, é de se admitir que a razão substantiva do veto não veio a público — por razões que ainda precisam ser esclarecidas. Assim, não se sabe o que o teria levado ao veto. Mas o passar dos anos tem mostrado que erraram os que agiram nas sombras para que essa fosse a decisão tomada pelo Presidente. Sua desastrada estratégia produziu um vazio normativo que, além de prejudicar trabalhadores qualificados, tem ensejado questionamentos sobre a própria competência do CFO quanto a registros, fiscalização do exercício profissional e outros procedimentos relativos a ACD e THD. Permitir que as posições das

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entidades odontológicas sobre esses assuntos continuem a serem definidas a partir das proposições de setores obscurantistas constitui grave erro. O exemplo mais relevante até o presente, gerado por esse vazio, foi a proposição ministerial de criação de cursos de tecnólogo em saúde, incluindo o “tecnólogo em saúde bucal”. Tivéssemos o THD regulamentado e tal iniciativa provavelmente nem seria cogitada. Cabe assinalar contudo que, a persistir o quadro que a gerou, outras certamente virão.

Monopólio – Apesar dos avanços obtidos nos anos 90, persiste no Brasil, no início do século XXI, uma evidente monopolização do processo de trabalho pelo CD, conforme se pode observar na Figura 19.9: em 1992 a proporção ACD+THD:CD era de 0,06:1; em 2002 a mesma proporção registrava 0,21:1. Melhorou, sem dúvida, mas se encontra ainda muito distante de uma proporção razoável (2:1, por exemplo).

Já no início dos anos 80, esse “caráter monopolista do atual modelo de prática e assistência odontológicas” era apontado na VII Conferência Nacional de Saúde (Brasília, 24-28 de março de 1980):

“CARÁTER MONOPOLISTA - Que se traduz na resistência à transferência de conhecimentos e à sua utilização por parte de outros tipos de recursos humanos, que não o profissional de nível superior, numa opção que fere o princípio de divisão do trabalho já reconhecido e utilizado largamente por outros setores das ciências médicas.” (CNS 1980).

Ainda que se tenham realizado importantes avanços para alterar esse quadro, a monopolização do processo de trabalho continua sendo um dos principais desafios a serem enfrentados nas próximas décadas no Brasil quanto aos recursos humanos odontológicos, uma vez que, segundo o Conselho Federal de Odontologia, em Estados como Tocantins e Espírito Santo praticamente não há THD: eles eram 1 e 10, respectivamente, em outubro de 2002. Na mesma época, a proporção ACD+THD:CD era 0,41:1 na macrorregião Norte (a melhor proporção do país) e 0,17:1 na macrorregião Sul (a pior proporção). Como muitos ACD e THD não têm registro no CFO, pode-se admitir que essas proporções estejam subestimadas. Ainda assim, esses números conformavam uma proporção muito baixa, muito aquém do que seria necessário para assegurar acesso universal num país com as características do Brasil.

RECURSOS HUMANOS PARA QUEM?

As lideranças mais representativas no Brasil parecem concordar quanto à necessidade de introduzir mudanças na prática odontológica. Há reconhecimento da importância da prevenção e não seria exagero falar em unanimidade. Pelo menos no plano discursivo, não se observa nenhuma liderança expressiva recusando essa

importância. O mesmo não ocorre, porém, com relação a quem deve ser o beneficiário fundamental dessa mudança. As várias propostas que se vêm apresentando revelam, umas mais claramente que outras, diferentes enfoques sobre para quem deve ser orientada a nova prática que se pretende desenvolver no país.

Em nosso entendimento, não basta a essa nova prática ser preventiva ou promotora da saúde bucal... É indispensável que assuma um compromisso inequívoco com a universalidade da atenção. Não é uma questão menor saber se a prática “preventiva” ou “promotora da saúde bucal” que estamos defendendo está dirigida a todos os brasileiros ou apenas àqueles que hoje conseguem acesso aos serviços públicos e privados. O fato de o cuidado odontológico ser monopólio das elites no Brasil constitui um divisor de águas, no campo odontológico: há os que não aceitam conviver com essa situação e há aqueles para os quais isso não faz a menor diferença. E esta é uma questão relevante.

Nos situamos entre aqueles que não aceitam que os recursos humanos odontológicos estejam direcionados apenas à satisfação das necessidades odontológicas das elites. Por essa razão, vale registrar que, tão importante quanto ser preventiva ou promotora da saúde bucal, a nova prática odontológica deve ser desenvolvida por recursos humanos quantitativa e qualitativamente adequados às necessidades de todos os brasileiros, sem qualquer tipo de discriminação. Assim, as propostas de práticas “inovadoras”, “renovadoras”, “progressistas” ou tenham qualquer outra denominação, cumprirão melhor sua função social quanto mais radicalmente assumirem o compromisso de tornar tais práticas acessíveis a todos os brasileiros, uma vez que não nos parece aceitável continuar convivendo com a aberração de cuidados odontológicos serem negociados no mercado, como uma mercadoria qualquer, e sendo acessíveis apenas aos que podem pagar por isso — excluindo, portanto, milhões de pessoas dos benefícios proporcionados por conquistas científico-técnicas da humanidade que parece ético e justo sejam compartilhadas por todos. Ademais de esse acesso ser, no caso brasileiro, um imperativo legal. Se isso constrange e deixa indignados os que trabalham na área de saúde bucal no Brasil, não pode nos paralisar e tornar conformistas. Esse constrangimento e indignação deve resultar em ações capazes de levar à superação desse quadro, fazendo os enfrentamentos inevitáveis em situações de quebra de monopólios.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A análise que se apresenta neste capítulo sintetiza discussões que se vêm fazendo no país há várias décadas, e resulta de um amplo processo coletivo de abordagem e crítica das inúmeras questões relativas à problemática dos recursos humanos no Brasil. Por ser uma síntese, está certamente incompleta, tendo a finalidade precípua de introduzir, sem esmiuçar, as questões e posições que ao autor

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pareceram as mais relevantes sobre o assunto, no contexto brasileiro e de modo genérico.

Assim, à guisa de conclusão, vale reafirmar que o poder público não deve se eximir do estabelecimento de diretrizes para a formação e desenvolvimento dos recursos humanos odontológicos no país e não pode deixar de exercer o papel regulador que lhe cabe nesse campo, sob risco de causar prejuízos à população. Tais diretrizes devem se centrar na ênfase à formação e utilização de pessoal auxiliar como elemento estratégico de uma política de transformação da prática odontológica hegemônica no país, com vistas a adequá-la às necessidades do conjunto da população; ou seja, uma prática orientada à promoção da saúde bucal. Isto pressupõe ajustar o número e alterar as características científico-técnicas dos cirurgiões-dentistas graduados anualmente no Brasil. Quanto ao número deve, ao contrário do que se verifica hoje, estar adequado à dinâmica populacional e não a fatores de outra ordem (a mercantilização do ensino, por exemplo). Já as características científico-técnicas devem ter como referência as demandas do conjunto do nosso sistema de saúde. Assume enorme importância, nesse sentido, o papel desempenhado pela Universidade. Mais do que com a simples quantidade de profissionais que forma, tem a Universidade que se capacitar para vencer o desafio da qualidade dos profissionais que prepara para a sociedade. Desvendar o que significa qualidade para cada comunidade, para cada classe social, para cada brasileiro, é tarefa da Universidade livre, pluralista e democrática.

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