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AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS N. 182.981-SP

(2010/0155714-4)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Agravante: Ministério Público Federal

Agravado: Herbert dos Santos Menezes

Advogado: Volney Santos Teixeira - Defensor Público e outro

EMENTA

Agravo regimental em habeas corpus. Processual Penal. Homicídio

qualifi cado, na forma tentada. Produção antecipada de provas. Medida

determinada sem qualquer fundamentação concreta. Incidência

do entendimento sedimentado na Súmula n. 455 deste Tribunal.

Constrangimento ilegal configurado. Concessão monocrática da

ordem. Possibilidade. Matéria já pacifi cada no âmbito deste Tribunal.

Principio da colegialidade. Ausência de ofensa na hipótese de concessão

total da ordem, por não haver prejuízo ao paciente. Precedentes do

Supremo Tribunal Federal. Agravo desprovido.

1. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses

em que a necessidade da medida urgente resta evidente, após prudente

avaliação concreta pelo Juízo processante, devidamente fundamentada.

2. Conforme entendimento sedimentado na Súmula n. 455 desta

Corte, “[a] decisão que determina a produção antecipada de provas

com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada,

não a justifi cando unicamente o mero decurso do tempo.”

3. Por tal razão, esta Corte não admite como fundamentos

válidos para a antecipação de provas razões de economia processual ou

alusões abstratas, especulativas e conjecturais de que as testemunhas

podem se esquecer dos fatos, mudar de endereço, ou até virem a falecer

durante a suspensão do processo. Precedentes.

4. Na hipótese em apreço, ao julgar o recurso em sentido estrito

interposto pelo Parquet Estadual, o Tribunal a quo não indicou

qualquer elemento idôneo e concreto apto a justificar a medida.

Restabelecimento da decisão do Juízo Processante – o qual indeferiu

o pedido de antecipação probatória – que se impõe, sem prejuízo de

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que, eventualmente, nova medida seja determinada, com suporte em

fundamentação idônea.

5. Não há óbice à concessão da ordem, monocraticamente, nas

hipóteses semelhantes às veiculadas no presente writ, em razão do

entendimento acerca da matéria inclusive restar sumulado.

6. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento sedimentado

no sentido de que as regras processuais que permitem ao Relator de

um recurso decidir controvérsias monocraticamente (art. 557, § 1.º-A,

do Código de Processo Civil, c.c. art. 3.º, do Código de Processo Penal)

não se aplicam ao julgamento da ação constitucional de habeas corpus

impetradas originariamente perante esta Corte, por ferir o princípio da

Colegialidade. Precedentes.

7. Porém, ainda segundo a jurisprudência da Suprema Corte,

o Princípio da Colegialidade impede a apreciação monocrática dos

habeas corpus impetrados originariamente perante esta Corte somente

na hipótese de denegação da ordem. Nesse sentido, já esclareceu

a esclareceu a eminente Ministra Cármen Lúcia que “[o] exame

do mérito do habeas corpus não pode ser realizado pelo Relator,

monocraticamente, para denegar a ordem, sob pena de indevida ofensa

ao princípio da colegialidade” (RHC n. 108.877-SP, 1.ª Turma, Rel.

Min. Cármen Lúcia, DJe de 18.10.2011 – sem grifos no original.).

Ora, na hipótese de concessão total da ordem de habeas corpus, não

ocorre prejuízo ao Paciente.

8. Agravo regimental desprovido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.

Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques

(Desembargador convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard (Desembargadora

convocada do TJ-SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 4 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 9.10.2012

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RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de agravo regimental, interposto

pelo Ministério Público Federal, contra a decisão por mim proferida às fl s. 53-

58, em que concedi a ordem de habeas corpus.

Na inicial do writ, impetrado em favor de Herbert dos Santos Menezes,

contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,

impugnou-se recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público

Estadual.

Segundo documentação dos autos, o Paciente – denunciado pela suposta

prática do delito previsto no art. 309, do Código de Trânsito Brasileiro – foi

citado por edital, tendo sido determinada a suspensão do processo e o curso do

prazo prescricional.

Em razão disso, o Parquet requereu a antecipação da prova oral

antecipatória, sob a justifi cativa de que as vítimas ou testemunhas do delito

poderiam se esquecer de detalhes dos fatos – o que foi indeferido pela Juíza de

instância prima. Contra tal decisão, foi interposto o recurso em sentido estrito

cujo acórdão é o ato ora questionado.

Alegou-se, no presente habeas corpus, em suma, que “a antecipação de

prova, no presente caso, não possui respaldo legal, signifi cando coação ilegítima

ao acusado” (fl . 02).

Requereu-se, desta feita, em suma, “a concessão liminar da ordem de habeas

corpus, e ao fi nal, julgamento favorável ao presente writ, anulando-se a decisão

que determina a colheita antecipada de provas” (fl . 07).

Indeferi o pedido liminar às fls. 40-41, ocasião em que dispensei as

informações.

Parecer do Ministério Público Federal às fl s. 48-51, pela denegação.

A decisão ora impugnada foi proferida às fl s. 53-58, como já mencionei.

Nas razões do agravo (fl s. 85-91), alega o Parquet, inicialmente, que a

ordem não poderia ter sido concedida monocraticamente, sob o fundamento de

que o tema não estaria pacifi cado na jurisprudência.

Sustenta, ainda, que a antecipação de provas no caso encontra-se

devidamente justifi cada, em razão da regra prevista no art. 366, do Código de

Processo Penal; que o decurso de 4 anos desde o oferecimento da denúncia

revela ser a urgente a antecipação da produção de prova testemunhal; e que

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o entendimento sedimentado na Súmula n. 455 desta Corte não incide na

presente hipótese.

Requer, por isso, a reforma da decisão ora impugnada, com a consequente

denegação da ordem.

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A pretensão recursal não merece

prosperar.

Reproduzo, para correta compreensão da controvérsia, o voto condutor

do acórdão impugando nos presentes autos, por meio do qual o Tribunal a quo

reformou a decisão do Juízo de primeira instância, em que se indeferiu o pedido

de produção antecipada de provas (fl s. 31-34):

1 - Ao relatório da r. decisão de fl s. 21-23, acrescenta-se que, nos termos da

Lei n. 9.271/1996, que alterou a redação do artigo 366 do Código de Processo

Penal, foi indeferida a produção antecipada de prova testemunhai requerida pelo

Ministério Público, pois não há urgência, com base no artigo 225 do Estatuto

Processual Penal.

O Ministério Público recorreu à fl . 02 - recurso recebido em sentido estrito (cf.

fl . 11), e apresentou as razões, às fl s. 03-10, aduzindo que é necessária a produção

das provas requeridas, por sua urgência, em respeito ao contraditório, e para

garantia da efetividade do processo; que a produção da prova testemunhal, por

ser perecível no tempo, não está limitada pelo art. 225 do C.P.P.; que o C.P.P., no art.

92, considera a prova testemunhai como urgente, e o art. 366 do mesmo diploma

legal permite a produção antecipada das provas urgentes; que a interpretação

dessas normas deve ser sistemática, em conjunto, e não cada qual, isoladamente;

que é comum, com o passar do tempo, a testemunha, no mínimo, se esquecer

dos fatos; que há necessidade e legalidade para a oitiva judicial imediata das

testemunhas. Requer, assim, seja reformada a r. decisão, e determinada a

produção antecipada da prova testemunhai acusatória.

A Defensoria Pública contrariou o recurso, às fl s. 25-32; houve manutenção

da decisão recorrida, à fl . 34; a Procuradoria de Justiça, às fl s. 37-40, opinou pelo

provimento do recurso ministerial.

É o relatório.

2 - Conhecido o recurso ministerial, há que ser provido, pois a pretensão da

Justiça Pública mostra-se bem arrazoada e há que ser acolhida.

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Com efeito, o acusado na ação penal pública movida pela Justiça Pública, ora

recorrido, não foi encontrado para ser intimado e citado, pessoalmente, e em

razão disso foi citado por edital; o processo contra ele fora suspenso, nos termos

da Lei n. 9.271/1996 (cf. fl s. 14-18).

O representante da Justiça Pública pleiteou a realização da prova oral (cf. fl s.

19-20) e seu pleito foi indeferido, mas essa decisão não deve ser mantida, data

venia.

É sabido que a prova oral não deixa de ser considerada como urgente, na

medida em que a vítima ou as testemunhas de um processo criminal poderão

mudar de endereço e não serem mais localizadas, ou então uma ou outra

poderá vir a falecer e assim a não realização dessa modalidade de prova,

importante para a acusação, poderá comprometer o escopo de que se faça a

devida Justiça, de acordo com os elementos seguros de convicção que venham

a existir na relação processual.

Salienta-se que, apesar de existir respeitável entendimento em direção oposta

(RT - 746/591 e JTJ - 196/33), a prova testemunhai há de ser concebida como

urgente, para efeito de sua produção antecipada, em conformidade com o atual

artigo 366 do Código de Processo Penal, tanto porque o tempo pode fragilizá-la,

como porque já existe, dentro do sistema processual, idêntico tratamento para a

matéria, nos artigos 92 e 93 desse mesmo Estatuto Processual Penal, que versam

sobre hipóteses semelhantes de suspensão do processo. Por outro lado, não se

pode argumentar que, com a coleta antecipada de prova oral, haverá prejuízo à

defesa do acusado. Isso porque poderá ela requerer, com base no artigo 502, c.c. o

artigo 209, ambos do C.P.P., quando suspenso o decreto de revelia, a reinquirição

de testemunhas.

Assim sendo, a medida alvitrada mostra-se razoável e tem suporte na

legislação processual, devendo, então, ser levada termo. E a jurisprudência é

iterativa nesse sentido, cabendo, nesse passo, a citação de dois recentes julgados,

um do E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e outro do E. Tribunal de Justiça

do Paraná, in verbis: - “Processo Penal. Suspensão do processo. Lei n. 9.271/1996.

Produção antecipada da prova testemunhai. Caráter de urgência inerente a esse tipo

de prova. Procedência. Suspenso o processo pela revelia do réu, a colheita da prova

testemunhai é providência que se impõe, eis que, em razão do decurso temporal,

essa prova pode perder-se, quer pelo desaparecimento das testemunhas, quer pelo

esvaziamento de seu conteúdo” (TJDF, Reclamação n. 19990020035762RCL DF, Ac.

n. 122.428, j . em 3.2.2000, Rei. o Des. Natanael Caetano, publ. no D.J. do DF de

1º.3.2000, p. 36); e “Processo Penal - citação fi cta - revelia - suspensão do processo e

do curso do prazo prescricional - prova testemunhai - produção antecipada - art. 366

do CPP (redação da Lei n. 9.271/1996). Determinada a suspensão do processo e do

curso do prazo prescricional (art. 366, CPP, redação da Lei n. 9.271/1996), justifi ca-se,

a semelhança em que a admite o art. 92 do CPP, a produção antecipada da prova

testemunhai, a qual, dada a sua própria natureza, sofre o risco de perecer em razão

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do decurso do tempo e de, assim, comprometer a busca da verdade real. Recurso

provido” (TJPR, Ac. n. 12.465, da 2a Câm. Crim., Rei. o Des. Telmo Cherem, da

Comarca de Santo Antônio da Platina, publ. em 4.9.2000).

Percucientes, também, as palavras lançadas pelo Digno Procurador de Justiça

que ofi cia nos autos, à fl . 40, discorrendo que, pelo disposto na Constituição

Federal, justifi ca-se “(...) a necessidade da produção antecipada da prova oral, não

se mostrando necessário aguardar-se pela velhice, pela Poder Judiciário doença

terminal, pela iminência de cirurgia cardíaca, ou de situações assemelhadas para que

se entenda que urgência há em todo feito penal. Disto, não saberão os que acusam,

defendem, ou julgam, mas saberão, com maior propriedade, os que são acusados”.

Outrossim, o tempo somente contribuirá para a impunidade do criminoso,

eis que a vítima e testemunhas esquecerão os detalhes do crime que muitas

das vezes são indispensáveis para a identifi cação da autoria e do dolo, tais como

características do réu, palavras ditas por ele na hora do cometimento do crime,

forma ardilosa utilizada para conseguir convencer e enganar a vítima, dentre

outros pormenores de outros tipos de delitos. A prova de uma infração penal é

feita por meio direto e indireto, e o tempo pode fazer perder-se as provas diretas,

já que as testemunhas podem não ser mais localizadas, por diversos motivos;

morte, mudança de endereço etc.

Nesse passo, ressalta-se que é forte a corrente pretoriana que admite a

realização de audiência em que sejam inquiridas aquelas pessoas, para que a

acusação obtenha subsídios para comprovar o que fora relatado na denúncia.

Posteriormente, repita-se, em comparecendo o réu e respondendo à ação

penal, nada impede que a diligência seja, novamente, levada a termo (RT -

743/632, 750/579, 758/552; RJTJERGS - 197/199; RJTJSP - 219/355, 194/303,

192/334, 192/339; RJDTACRIMSP - 33/333, 46/421, 41/397, 36/469).

Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso em sentido estrito, para o fi m de

determinar a realização da prova oral antecipada. (grifos diversos dos originais).

O entendimento esposado no acórdão não se coaduna com a Jurisprudência

desta Corte.

Reproduzo, por relevante, o fundamento pelo qual o Magistrado a quo

indeferiu o pedido de antecipação para a produção de provas (fl . 18):

No caso dos autos, verifi ca-se que o requerimento do Ilustre Representante

do Ministério Público, no que tange à produção antecipada da prova acusatória,

não se faze acompanhar de motivos concretos a autorizar a concessão de tal

medida excepcional, referindo-se, apenas, à limitação da memória humana.

Destarte, tal pedido não pode ser acolhido. (sem grifos no original).

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Não se descura que, segundo a legislação vigente, é possível a produção

antecipada de provas, conforme previsão do art. 366, do Código de Processo

Penal, in litteris:

Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir

advogado, fi carão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo

o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se

for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.

Entretanto, tal regra não isenta o Julgador de justifi car idoneamente a

necessidade da medida, que deve ser entendida por excepcional, não podendo

ser decretada desvinculada de elementos objetivamente deduzidos.

O referido entendimento, aliás, encontra-se consolidado no Enunciado n.

455 da Súmula desta Corte, in verbis:

A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no

art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando

unicamente o mero decurso do tempo.

No caso, sem difi culdades, verifi ca-se que a determinação do Tribunal a

quo carece de fundamentação concreta, não podendo ser tida por jurídica.

Ora, esta Corte não admite como motivação válida para a antecipação

de provas razões de economia processual, ou alusões abstratas, especulativas

e conjecturais de que as testemunhas podem se esquecer dos fatos, mudar de

endereço, ou até virem a falecer durante a suspensão do processo.

Corroboram esse entendimento os seguintes precedentes, deste Superior

Tribunal de Justiça:

Habeas corpus. Processo Penal. Tentativa de homicídio. Revelia do acusado.

Suspensão do processo. Art. 366 do CPP. Produção antecipada de provas. Urgência

não demonstrada. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida.

1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que

a alegação do decurso do tempo não é suficiente, por si só, para se ter por

urgente a produção da prova, antecipando sua realização à regular instrução,

diante da suspensão do processo, devendo a decisão acautelatória basear-se em

elementos concretos dos autos que demonstrem a premente necessidade do

meio probatório.

2. Na hipótese, o decisum impugnado não apresentou nenhuma situação de

urgência, limitando-se a abstrações no sentido de que as testemunhas poderiam

falecer ou mudar de endereço, colocando-se em confronto com o entendimento

fi rmado pela Súmula n. 455-STJ.

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3. Ordem concedida para anular a decisão que determinou a antecipação de

provas, assim como os atos subsequentes, sem prejuízo de nova determinação,

se devidamente fundamentada. (HC n. 193.332-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio

Bellizze, Quinta Turma, julgado em 17.4.2012, DJe 8.6.2012.)

Habeas corpus. Penal. Crime de tráfi co ilícito de entorpecentes cometido sob

a égide da Lei n. 6.368/1976. Minorante prevista no art. 33, § 4º, da nova Lei

de Tóxicos. Princípio da retroatividade da lei penal mais benigna. Emprego da

legislação mais benéfi ca em sua integralidade. Natureza da droga. Relevância para

a fi xação do quantum. Redução média. Alegado cerceamento de defesa em razão

do paciente não ter sido intimado em tempo hábil para constituir advogado antes

do cumprimento de carta precatória para oitiva de testemunha. Nulidade relativa.

Ausência de demonstração de prejuízo. Súmula n. 155, do Supremo Tribunal

Federal. Questão fulminada pelo fenômeno da preclusão. Citação editalícia. Não

comparecimento do acusado. Aplicação do art. 366, do Código de Processo

Penal. Produção antecipada de provas. Tese de nulidade, por falta de motivação

da necessidade da medida. Urgência demonstrada. Constrangimento ilegal não

evidenciado. Alegação de nulidade, pelo não enfrentamento das teses de defesa

na sentença condenatória. Inocorrência.

1. Conforme entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal

(Súmula n. 155), a ausência de intimação da expedição de carta precatória

constitui nulidade relativa, que depende, para ser declarada, da demonstração de

efetivo prejuízo.

2. Se a total ausência de intimação do advogado da expedição de carta

precatória para inquirição de testemunha não é nulidade absoluta, com maior

razão a nulidade apontada constitui nulidade relativa.

3. Segundo a legislação penal em vigor, é imprescindível quando se trata de

nulidade de ato processual, a demonstração do prejuízo sofrido, em consonância

com o princípio pas de nullité sans grief.

4. O art. 366, do Código de Processo Penal confere ao Juiz condutor do feito, no

caso de não ser conhecido o paradeiro do acusado, após a sua citação por edital,

a possibilidade de determinar a produção antecipada de provas consideradas

urgentes.

5. Não se presta como fundamentação apenas a mera referência ao artigo de

lei que prevê a antecipação da produção de provas. O Magistrado deve declinar

os motivos que, no caso concreto, demonstrem a necessidade da medida urgente,

o que, entretanto, ocorreu no caso dos autos.

6. Depreende-se da sentença condenatória e do acórdão proferido pela Corte

a quo que todas as teses defensivas foram, ao contrário do alegado na impetração,

rechaçadas, direta ou indiretamente.

7. Embora seja necessário apreciar as teses ventiladas pela defesa, torna-se

desnecessária a menção expressa a cada uma das alegações se, pela própria

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decisão, resta claro que o Julgador adotou posicionamento contrário porém

sufi ciente para embasar o julgado.

8. O disposto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 somente é aplicável aos

delitos cometidos sob a vigência da antiga Lei de Drogas se, após efetuada a

redução sobre a pena cominada no caput do art. 33, a nova legislação mostrar-se

mais benéfi ca ao acusado. Precedente da Terceira Seção.

9. Uma vez evidenciado o preenchimento dos requisitos do art. 33, § 4º, da Lei

n. 11.343/2006, é de rigor a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no

mencionado dispositivo.

10. Na espécie, a quantidade da droga apreendida - 55 gramas de maconha –

milita em desfavor do Paciente. Assim, considerando o fato de que a pena-base foi

estabelecida no mínimo legal, com o reconhecimento das circunstâncias judiciais

favoráveis, faz jus o Paciente ao grau intermediário de redução, qual seja (1/2).

11. Ordem parcialmente concedida tão-somente no que diz respeito à

dosimetria da pena, redimensionando a reprimenda do Paciente para 02 (dois)

anos e 06 (seis) meses de reclusão, mantido os demais termos da condenação. (HC

n. 105.956-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 16.12.2010, DJe

7.2.2011.)

Por fi m, alegou o Parquet tratar-se de hipótese em que o entendimento

desta Corte não resta Pacifi cado. Ora, não há maiores difi culdades para refutar

tal fundamento, pois a matéria inclusive encontra-se sumulada, como visto

acima.

Ainda que assim não fosse, sequer há que se falar em ofensa ao Princípio

da Colegialidade na espécie.

Explique-se. A Suprema Corte tem entendimento sedimentado de que

as regras processuais que permitem ao Relator de um recurso decidir controvérsias

monocraticamente (art. 557, § 1.º-A, do Código de Processo Civil, c.c. art. 3.º, do

Código de Processo Penal) não se aplicam ao julgamento da ação constitucional de

habeas corpus impetradas originariamente perante esta Corte, por ferir o princípio

da Colegialidade, na hipótese de denegação da ordem.

São vários os julgados nesse sentido. Exemplifi cativamente:

Recurso ordinário em habeas corpus. Constitucional e Processual Penal.

Homicídio. Denegação da ordem no Superior Tribunal de Justiça. Decisão

monocrática. Afronta ao princípio da colegialidade. Precedentes. Recurso não

conhecido. Ordem concedida de ofício.

1. Não se conhece de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão

monocrática proferida no Superior Tribunal de Justiça.

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2. O exame do mérito do habeas corpus não pode ser realizado pelo Relator,

monocraticamente, para denegar a ordem, sob pena de indevida ofensa ao princípio

da colegialidade. Precedentes.

3. Recurso ordinário em habeas corpus não conhecido e ordem concedida, de

ofício, para cassar a decisão questionada e determinar a apreciação do mérito

pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça. (RHC n. 108.877-SP, 1.ª Turma,

Rel. Min. Cármem Lúcia, DJe de 18.10.2011 – sem grifos no original.)

Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Roubo circunstanciado pelo

emprego de arma. Aplicação do aumento de pena previsto no inciso I do § 2º

do art. 157 do Código Penal. Decisão monocrática do relator do habeas corpus

no Superior Tribunal de Justiça a ele negando seguimento. Não cabimento do

recurso ordinário. Precedentes. Recurso não conhecido. Ofensa ao princípio da

colegialidade. Concessão de ordem de habeas corpus de ofício. Precedentes.

1. Segundo o entendimento da Corte “não se conhece de recurso ordinário

em habeas corpus contra decisão monocrática proferida no Superior Tribunal de

Justiça” (RHC n. 107.877-SP, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe

de 19.10.2011).

2. Recurso não conhecido.

3. O princípio da colegialidade assentado pela Suprema Corte não autoriza

o relator a negar seguimento ao habeas corpus enfrentando diretamente o

mérito da impetração.

4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para cassar a decisão

monocrática proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e determinar

que o writ seja levado ao órgão colegiado para a devida apreciação do mérito.

(RHC n. 111.639-DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Dias Toff oli, DJe de 29.3.2012 – sem grifos

no original.)

Habeas corpus. Tribunal. Exame. Ante a envergadura maior do habeas

corpus, cumpre aparelhar o processo e levá-lo ao Colegiado para exame. Não

cabe a aplicação subsidiária do artigo 557 do Código de Processo Civil.

Habeas corpus. Empate. Uma vez verifi cado o empate na votação, deve-se

proclamar a prevalência da corrente favorável. (HC n. 108.280-SP, Rel. 1.ª Turma,

Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, DJe de 14.5.2012 – sem grifos

no original).

Habeas corpus. Decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça que

denega habeas corpus. Alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. Exame

de mérito incabível. Habeas corpus parcialmente deferido.

Decisão singular que, examinando o mérito da causa, usurpa as funções do

colegiado e denega de pronto o writ. Ofensa ao princípio da colegialidade, nos

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termos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus

parcialmente deferido. (HC n. 90.427-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa,

DJe de 31.1.2008 – sem grifos no original).

Com efeito, ministros deste Superior Tribunal de Justiça podem julgar

monocraticamente o mérito de habeas corpus – que podem ser conhecidos – tão

somente na hipótese de concessão integral da ordem, em virtude de não haver

prejuízo para o Paciente.

Não se descura, ainda, que o Supremo Tribunal Federal tem regra

regimental que autoriza seus ministros a decidirem monocraticamente habeas

corpus, assim redigida:

Art. 192. Quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do

Tribunal, o Relator poderá desde logo denegar ou conceder a ordem, ainda que

de ofício, à vista da documentação da petição inicial ou do teor das informações.

(Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, atualizado com a introdução da

Emenda Regimental n. 30/2009).

A validade de tal dispositivo, mesmo na hipótese de julgamento denegatório

de habeas corpus, já foi ratifi cada pela Suprema Corte por diversas vezes, como

no caso a seguir:

“Habeas corpus”. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidada

quanto à matéria versada na impetração. Possibilidade, em tal hipótese, de o

relator da causa decidir, monocraticamente, a controvérsia jurídica. Competência

monocrática que o Supremo Tribunal Federal delegou, validamente, em

sede regimental (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela ER n. 30/2009).

Inocorrência de transgressão ao princípio da colegialidade. Plena legitimidade

jurídica dessa delegação regimental. Suposta nulidade do julgamento emanado

do Tribunal do Júri. Garantia constitucional da soberania do veredicto do

Conselho de Sentença. Recurso de apelação (CPP, art. 593, III, d). Decisão do júri

considerada manifestamente incompatível com a prova dos autos. Provimento

da apelação criminal. Sujeição do réu (paciente) a novo julgamento. Possibilidade.

Acórdão plenamente fundamentado. Ausência de ofensa à soberania do veredicto

do júri. Recepção, pela Constituição de 1988, do art. 593, III, d, do CPP. Exame

aprofundado das provas. Inviabilidade na via sumaríssima do “habeas corpus”.

Recurso de agravo improvido. (HC n. 84.486-SP-AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de

Mello, DJe de 5.8.2010).

Entretanto, à míngua de dispositivo no RISTJ permitindo semelhante

atuação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, e na impossibilidade de se

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ferir o princípio da Colegialidade, os habeas corpus – que não são recursos, mas

ações originárias – impetrados perante esta Corte somente poderão ter seu

mérito apreciado monocraticamente se a hipótese for de total concessão da

ordem, como no caso.

Assim, nada há a ser reparado na decisão em que concedi a ordem de

habeas corpus para restabelecer a decisão do Juízo Processante, sem prejuízo,

entretanto, de que, eventualmente, nova medida seja decretada, apoiada em

fundamentação idônea.

Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.

É como voto.

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.256.886-PR

(2011/0132925-2)

Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)

Agravante: Ministério Público Federal

Agravado: Alberto Dalcanale Neto

Advogado: Rolf Koerner Junior e outro(s)

EMENTA

Agravo regimental no recurso especial. Crime contra a ordem

tributária. Prescrição retroativa. Matéria de ordem pública. Extinção

da punibilidade. Ocorrência. Prescrição reconhecida de ofício.

1. A prescrição, por ser matéria de ordem pública, a teor do art.

61 do Código de Processo Penal, deve ser reconhecida de ofício ou

a requerimento das partes, a qualquer tempo ou grau de jurisdição.

Precedentes.

2. Concretizada a pena em 2 (dois) anos de reclusão, e

considerando o disposto no Enunciado n. 497 da Súmula do STF,

verifi ca-se a ocorrência de lapso temporal superior a 4 (quatro) anos

entre a constituição defi nitiva do crédito tributário e o recebimento

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da denúncia, declarando-se, de ofício, a extinção da punibilidade do

paciente quanto à pena privativa de liberdade, pela caracterização da

prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa.

3. Agravo provido para declarar, de ofício, a extinção da

punibilidade quanto ao crime praticado pelo ora agravado, pelo

reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima

indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior

Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental,

nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marilza Maynard

(Desembargadora convocada do TJ-SE), Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco

Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 18 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Campos Marques, (Desembargador convocado do TJ-PR),

Relator

DJe 23.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR):

Trata-se de agravo regimental, interposto pelo Ministério Público Federal,

contra decisão proferida pelo então Ministro Adilson Macabu (Desembargador

convocado do TJ-RJ), que negou seguimento ao recurso especial interposto

por Alberto Dalcanale Neto, por ausência de prequestionamento, incidência do

Verbete n. 7 da Súmula do STJ, bem como por não restar confi gurado o dissídio

jurisprudencial.

O agravante alega, em síntese, que não é a hipótese de aplicação, ao caso, do

Verbete n. 7 da Súmula do STJ, que veda o reexame de prova em sede de recurso

especial, vez que a pretensão recursal gira em torno de questão exclusivamente

jurídica, qual seja, verifi car que o crime praticado pelo recorrente encontra-se

prescrito ou não, o que prescinde do reexame de provas.

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Salienta, ainda, que a matéria foi devidamente prequestionada na origem,

tendo do Tribunal a quo feito referência expressa ao disposto nos artigos 107,

109 e 119 do Código Penal, apontados como violados no apelo especial.

Ratifi ca o parecer de fl s. 916-917 e pugna pelo conhecimento e provimento

do recurso especial, para que se declare extinta a punibilidade do recorrente,

porque a pena em concreto foi fi xada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses e

o prazo prescricional é de 4 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V, do

Código Penal, “pois o acréscimo derivado da continuidade delitiva não deve ser

computado para fi ns de defi nição do lapso temporal (STF, Súmula n. 497” (fl .

937).

Por fi m, afi rma que o procedimento fi scal fi ndou-se em 31.10.2002, sendo

esse o termo inicial da prescrição e que entre essa data e o recebimento da

denúncia (2.8.2007), transcorreram mais de quatro anos, ocorrendo, portanto, a

prescrição retroativa.

É o breve relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)

(Relator): Em preliminar, trago ao conhecimento de Vossas Excelências, que

no presente feito existe, além da decisão monocrática combatida neste agravo

regimental, dois acórdãos desta Turma, ambos da relatoria do então Ministro

Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ), nos quais foi

negado provimento ao agravo regimental (fl s. 966-974) e rejeitado os embargos

de declaração (fl s. 1.000-1.003), propostos pelo réu, que combateram a decisão

objeto do presente agravo regimental.

Os autos noticiam que o recorrente, ora agravado, interpôs recurso

extraordinário no recurso especial (fl s. 1.013-1.053), cujo processamento foi

indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte (fl . 1.060), em razão da

inexistência de repercussão geral.

Inconformado, interpôs, ainda, recurso extraordinário com agravo (fl s.

1.064-1.098), que não foi conhecido, também pela Presidência desta Corte,

porque manifestamente incabível (fl s. 1.100-1.104).

Ocorre que, o presente agravo regimental, interposto pelo Ministério

Público Federal, recorrido no recurso especial, não foi apreciado, o que impediu

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o trânsito em julgado da decisão ora agravada, o qual passo a examinar agora,

pelas razões trazidas pelo parquet.

Assiste-lhe razão.

Com efeito, os temas trazidos no recurso especial foram devidamente

prequestionados na origem, como pode se verifi car do acórdão de fl s. 404-

406 e 429-450, bem como a matéria discutida é eminentemente jurídica, qual

seja, ocorrência ou não da prescrição, de modo que, com todo respeito, não é

a hipótese de incidência do Verbete n. 7 da Súmula desta Corte, que veda o

reexame de provas.

Ademais, a questão trazida no recurso especial independe do

prequestionamento na instância ordinária, porque se trata do reconhecimento

da ocorrência da prescrição, matéria de ordem pública, que deve ser conhecida,

de ofício ou a requerimento das partes, em qualquer tempo e grau de jurisdição,

a teor do art. 61 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, destaco, dentre

vários outros, os seguintes precedentes desta Corte:

Habeas corpus. Falsificação de documento público e uso de documento

falso. Sentença condenatória. Apelação interposta pela defesa. Correção de erro

material em prejuízo do réu. Impossibilidade de reformatio in pejus. Precedentes.

Prescrição da pretensão punitiva. Ocorrência. [...]

2. A prescrição é matéria de ordem pública, que pode ser reconhecida de ofício

ou a requerimento das partes, a qualquer tempo e grau de jurisdição. [...] (HC

n. 103.460-RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Julgamento realizado em

22.8.2011, DJe 8.9.2011).

Habeas corpus. Prescrição retroativa. Lapso temporal. Extinção da punibilidade

estatal.

1. Apesar da prescrição não ter sido enfrentada nas instâncias ordinárias, trata-

se de matéria de ordem pública, que pode e deve ser reconhecida de ofício ou a

requerimento das partes, a qualquer tempo e grau de jurisdição, mesmo após o

trânsito em julgado da condenação, nos termos do art. 61 do Código de Processo

Penal, inclusive em sede de habeas corpus.

[...] (HC n. 162.084-MG, Ministro Og Fernandes, Julgamento realizado em

10.8.2010, DJe 6.9.2010).

Passo, então, a verifi car a ocorrência ou não da prescrição.

Narram os autos que Alberto Dalcanale Neto foi condenado, no juízo de

primeiro grau, a 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial

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aberto, pela prática do crime descrito no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990,

c.c., o artigo 69 do CP.

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da apelação do

condenado, rejeitou a preliminar de ocorrência da prescrição, mas deu parcial

provimento ao recurso para reduzir a pena para dois (2) anos e quatro (4) meses

de reclusão, porque a sentença de 1º grau não reconheceu a existência de crime

continuado.

No recurso especial (fl s. 504-543), que teve decisão que negou seguimento

a ele, confi rmada por esta Turma, no acórdão de fl s. 969-974, o recorrente

alegou ofensa aos arts. 619 e 319, inciso III, do Código de Processo Penal, 107,

inciso IV, e 109, inciso V, do Código Penal, além de dissídio jurisprudencial.

Afi rmou, em preliminar, que o Tribunal de origem, mesmo provocado por

embargos de declaração, não sanou os vícios apontados, o que implica na ofensa

ao artigo 619 do Código de Processo Penal.

No mérito, sustentou que o acórdão hostilizado, na parte da fi xação da

data em que teria havido a constituição defi nitiva do crédito tributário, diverge

de precedentes desta Corte e do STF, que possuem orientação no sentido de

que: “considerando o lançamento defi nitivo do crédito tributário como sendo

condição objetiva de punibilidade, é de rigor também consagrar que a prescrição

na referida hipótese somente tem curso com o término do procedimento

administrativo” (fl . 519).

Asseverou que, no caso, a constituição defi nitiva do crédito tributário,

diferentemente do que entendeu o Tribunal de origem, se deu em 31.10.2002,

data que se encerrou o prazo para interposição de recurso administrativo e não

se confunde com a inscrição do débito em dívida ativa, como considerou o

Tribunal a quo.

Aduziu, ainda, que era irrelevante para a esfera penal a discussão do

tributo em mandado de segurança, mesmo que tenha havido a suspensão

da exigibilidade do crédito, pois essa se refere à efetiva cobrança judicial.

Acrescentou que a “decisão liminar de suspensão da exigibilidade do crédito

tributário, como se observa da simples leitura, impede que o Fisco inicie os

procedimentos de cobrança, mas jamais suspende a constituição do crédito, que

já se havia constituído” (fl . 528).

Acrescentou que, em prevalecendo o entendimento pelo Tribunal de

origem, de que a constituição definitiva do crédito tributário se deu em

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2006, a defl agração do inquérito policial instaurado em 2002, logo após o

encerramento da esfera administrativa, seria ilegal, visto que iniciado sem justa

causa, teria como conseqüência seu trancamento, bem como a anulação de todo

o procedimento penal instaurado até aquele momento.

Por fi m, afi rmou que, no caso, a prescrição se verifi ca em 4 (quatro) anos,

a teor do art. 109, inciso V, do Código Penal, isso porque o Enunciado n. 497

da Súmula do STF determina que “quando se tratar de crime continuado,

a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o

acréscimo decorrente da continuação”, que no presente caso se refere aos dois

anos da pena-base. Nesse contexto, considerando que a constituição defi nitiva

do crédito tributário se deu em 31.10.2002 (termo inicial da contagem da

prescrição), e, como a denúncia somente foi recebida em 2.8.2007, pugnou

pela declaração da ocorrência da prescrição, tendo vista o transcurso de prazo

superior a quatro anos.

O Ministério Público Federal, no parecer de fl s. 916-917, opinou pelo

conhecimento e provimento do recurso especial, para declarar extinta a

punibilidade pela ocorrência da prescrição.

Efetivamente ocorreu a prescrição na modalidade retroativa, como bem

alegou o agravante.

Conforme já relatado, o agravado foi condenado pela prática do crime

tipifi cado no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, após o trânsito em julgado

para a acusação, a uma pena de dois (2) anos e 4 (quatro) meses de reclusão,

substituída por duas restritivas de direito (fl . 441).

Na linha da jurisprudência desta Corte, a consumação do referido crime

somente se verifi ca com a constituição do crédito tributário, começando a correr,

a partir daí, a prescrição. Nesse sentido os seguintes precedentes:

Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Crime contra a ordem

tributária. Lapso prescricional que só se inicia com a constituição defi nitiva do

crédito tributário. Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso. Necessidade de

delimitação do termo inicial.

I - “Falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipifi cado no art. 1º

da Lei n. 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em defi nitivo, o crédito fi scal

pelo lançamento. É dizer, a consumação do crime tipifi cado no art. 1º da Lei n.

8.137/1990 somente se verifi ca com a constituição do crédito fi scal, começando

a correr, a partir daí, a prescrição. HC n. 81.611-DF, Ministro Sepúlveda Pertence,

Plenário, 10.12.2003.” (HC n. 85.051-MG - Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso,

DJ de 1º.7.2005).

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II - Na hipótese dos autos, contudo, a análise da prescrição da pretensão

punitiva também resta prejudicada, pois seria necessário o conhecimento do seu

termo inicial - data da constituição defi nitiva do crédito tributário - que não foi

delimitado pelo Tribunal de origem (Precedente).

Recurso desprovido (RHC n. 25.393-RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Julgamento

realizado em 21.5.2009, DJe de 22.6.2009).

Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Crime contra a ordem

tributária. Prescrição. Matéria de ordem pública. Extinção da punibilidade não

confi gurada. Dosimetria da pena. Decreto condenatório transitado em julgado.

Impetração que deve ser compreendida dentro dos limites recursais. Ordem não

conhecida.

I. A prescrição é matéria de ordem pública, que pode e deve ser reconhecida

de ofício ou a requerimento das partes, a qualquer tempo e grau de jurisdição,

mesmo após o trânsito em julgado da condenação, inclusive em sede de habeas

corpus, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal.

II. Na hipótese, o fundamento exarado pelo Tribunal Estadual não destoa da

jurisprudência desta Corte, que tem externado seu entendimento no sentido de

que a justa causa para a ação penal, pela prática do crime tributário tipifi cado

no art. 1º da L. n. 8.137/1990 - que é material ou de resultado -, não se verifi ca

enquanto não haja decisão defi nitiva do processo administrativo de lançamento,

quer se considere o lançamento defi nitivo uma condição objetiva de punibilidade

ou um elemento normativo de tipo. Precedentes.

[...] (HC n. 175.739-SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Julgamento realizado em

4.10.2011, DJe de 14.10.2011).

Penal. Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária (art. 1º da Lei n.

8.137/1990). Prescrição retroativa. Termo inicial. Constituição defi nitiva do crédito

tributário e não a data em que realizado o último ato. Prescrição não verifi cada.

Parecer ministerial pela denegação da ordem. Ordem denegada.

1. Para os crimes tributários, o prazo prescricional tem como termo a quo o

momento em que defi nitivamente constituído o crédito, pois apenas aí se terá

preenchido condição objetiva de punibilidade. Precedente (HC n. 52.780-SP, Rel.

Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJU 7.2.2008).

2. Na hipótese, a extinção da punibilidade não se verifi cou, pois não decorrido,

entre os marcos interruptivos, o prazo quadrienal (art. 109, V do CP) compatível

com a apenação aplicada (2 anos de detenção). 3. Parecer Ministerial pela

denegação da ordem. 4. Ordem denegada. (HC n. 118.060-RS, Rel. Min. Napoleão

Nunes Maia Filho, Julgamento realizado em 19.2.2009, DJe de 6.4.2009).

Importante, portanto, perquirir quando se deu a constituição defi nitiva do

crédito tributário.

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 589

No caso, ao que se verifi ca dos autos, a constituição defi nitiva do crédito

tributário se deu em 31.10.2002, ou seja, 30 (trinta) dias após a intimação do ora

agravado (fl . 478, apenso III), acerca da decisão administrativa fi scal (fl s. 454-

472, apenso III) que, no Processo Administrativo n. 10980.005955/2002-91,

manteve o lançamento realizado do qual foi notifi cado em 10.6.2002 (fl . 430,

apenso III), e que deu ensejo à ação penal discutida nos presentes autos.

A teor do art. 142 do Código Tributário Nacional, o crédito tributário

é constituído com o lançamento. Já a sua constituição definitiva se dá no

momento em que não for mais possível discutir administrativamente a seu

respeito. Em síntese, a constituição defi nitiva do crédito tributário ocorrerá

após o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação do lançamento, ou seja,

no trigésimo primeiro (31º) dia após a notifi cação do lançamento, e não com a

inscrição do crédito tributário em dívida ativa, como entendeu o Tribunal a quo.

Nessa linha de entendimento, destaco os seguintes julgados:

Tributário. Execução fiscal. Recurso administrativo contra o lançamento.

Crédito tributário ainda não constituído em defi nitivo. Execução fi scal ajuizada

antes do término do processo administrativo de impugnação ao lançamento.

Nulidade da CDA. Extinção da execução fi scal. Violação dos arts. 586 do CPC e 204

do CTN.

1. A pendência de recurso administrativo em que se discute o próprio

lançamento fulmina a pretensão executória. Com efeito, a constituição defi nitiva

do crédito tributário, com exaurimento das instâncias administrativas, é condição

indispensável para a inscrição na dívida ativa, expedição da respectiva certidão e

para a cobrança judicial dos respectivos créditos e início do prazo prescricional.

Precedente da Primeira Turma.

2. A interposição de recurso administrativo suspende a exigibilidade do

crédito, impedindo a sua constituição defi nitiva, que só ocorre com o julgamento

fi nal do processo, e também a fl uência do prazo prescricional. Se não existe prazo

prescricional em curso, também não há direito de ação para a Fazenda Pública,

pois a prescrição é, a grosso modo, o período para o exercício do direito de ação.

Assim, se não corre o prazo prescricional, não há direito de ação a ser exercido.

3. A extinção da execução fi scal, em casos como este, é medida que melhor se

afi na com os princípios constitucionais tributários, com as normas do CTN e com

as garantias mínimas do “Estatuto do Contribuinte”, dentre elas a de somente ser

executado por dívidas defi nitivamente constituídas, líquidas, certas e exigíveis.

Presente, pois, a violação dos arts. 585 do CPC e 204 do CTN constatada.

4. Recurso especial provido (REsp n. 1.306.400-RJ, Rel. Ministro Castro Meira,

Julgado em 28.8.2012, DJe de 4.9.2012).

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Processual Civil e Tributário. Lançamento de ofício. Notifi cação do contribuinte.

Suposto procedimento de revisão realizado após a primeira notificação do

contribuinte. Constituição definitiva do crédito tributário que ocorre após a

decisão final administrativa. Termo a quo da prescrição do art. 174 do CTN.

Acórdão recorrido que analisa a causa à luz de lei local. Impossibilidade de

revolvimento em sede de recurso especial. Incidência, por analogia, da Súmula

n. 280 do STF. Confl ito entre lei complementar (CTN) e lei local. Competência do

Supremo Tribunal Federal.

1. Discute-se nos autos os termos a quo e ad quem da prescrição do crédito

tributário exequendo.

2. É cediço que, na forma do art. 174 do CTN, o prazo prescricional para

a cobrança do crédito tributário somente tem início com a sua constituição

defi nitiva que, na esfera administrativa do lançamento de ofício, se dá após a

notifi cação do contribuinte, sem impugnação. No caso da legislação federal, o

prazo é de trinta dias para que seja protocolizada a impugnação. Nesse caso, a

constituição defi nitiva ocorrerá no trigésimo primeiro dia após a notifi cação do

lançamento.

[...]” (REsp n. 1.248.943-AL, Ministro Mauro Campbell Marques, Julgamento

realizado em 28.6.2011, DJe de 3.8.2011).

Tributário. Prescrição. Termo inicial. Constituição definitiva do crédito

tributário. Art. 174 do CTN. Acórdão que adotou como marco a inscrição em

dívida ativa. Impossibilidade.

1. Cinge-se a controvérsia a defi nir se ocorreu a prescrição do crédito tributário.

2. O Tribunal a quo deu provimento à Apelação da Fazenda Pública para

permitir o prosseguimento da cobrança. Entretanto, houve equívoco na adoção,

como termo inicial do prazo prescricional, da data de inscrição do crédito em

Dívida Ativa da Fazenda Pública.

3. Nos termos do art. 174 do CTN, “A ação para a cobrança do crédito tributário

prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição defi nitiva”. Desse

modo, o aludido prazo extintivo tem início com a constituição definitiva do

crédito tributário, marco que não se confunde com a inscrição em dívida ativa.

Precedentes do STJ.

4. A recorrente interpôs Embargos de Declaração, nos quais alegou omissão

quanto ao exame da data de constituição definitiva do tributo, tendo como

elemento fundamental a análise da prescrição, porém o Tribunal a quo se negou a

emitir qualquer pronunciamento a respeito.

5. Como o acórdão recorrido não explicitou o termo inicial do prescricional, em

conformidade com o art. 174, I, do CTN, o presente recurso merece ser provido

para que se afaste como tal a data da inscrição em dívida ativa.

6. Por outro lado, descabe ao STJ revolver fatos e provas a fi m de investigar

quando se deu a constituição defi nitiva do tributo, sob pena de descumprimento

da Súmula n. 7-STJ.

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7. Recurso Especial parcialmente provido (REsp n. 1.337.661-TO, Rel. Ministro

Herman Benjamin, Julgamento realizado em 28.8.2012, DJe de 3.9.2012).

Tributário. Embargos à execução fi scal. Decadência. Prescrição (Termo inicial.

Constituição defi nitiva do crédito tributário. Recurso administrativo pendente

de julgamento). Súmula n. 153, do Tribunal Federal de Recursos. Artigos 142,

173 e 174, do Código Tributário Nacional. Honorários advocatícios. Redução.

Impossibilidade. Súmula n. 7 do STJ.

1. A prescrição, causa extintiva do crédito tributário, resta assim regulada

pelo artigo 174, do Código Tributário Nacional, verbis: “Art. 174. A ação para a

cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua

constituição defi nitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I - pela citação

pessoal feita ao devedor; I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em

execução fi scal; (Redação dada pela LCP n. 118, de 2005) II - pelo protesto judicial;

III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer

ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do

débito pelo devedor.”

2. A constituição defi nitiva do crédito tributário, sujeita à decadência, inaugura

o decurso do prazo prescricional de cinco anos para o Fisco cobrar judicialmente

o crédito tributário.

3. Deveras, assim como ocorre com a decadência do direito de constituir o

crédito tributário, a prescrição do direito de cobrança judicial pelo Fisco encontra-

se disciplinada em cinco regras jurídicas gerais e abstratas, a saber: (a) regra da

prescrição do direito do Fisco nas hipóteses em que a constituição do crédito se

dá mediante ato de formalização praticado pelo contribuinte (tributos sujeitos a

lançamento por homologação); (b) regra da prescrição do direito do Fisco com

constituição do crédito pelo contribuinte e com suspensão da exigibilidade; (c)

regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento tributário ex offi cio; (d)

regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento e com suspensão da

exigibilidade; e (e) regra de reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco

decorrente de causas interruptivas do prazo prescricional (In: Decadência e

Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad,

pp. 224-252).

4. Consoante cediço, as aludidas regras prescricionais revelam prazo

quinquenal com dies a quo diversos.

5. Nos casos em que o Fisco constitui o crédito tributário, mediante lançamento,

inexistindo quaisquer causas de suspensão da exigibilidade ou de interrupção

da prescrição, o prazo prescricional conta-se da data em que o contribuinte for

regularmente notifi cado do lançamento tributário (artigos 145 e 174, ambos do

CTN).

6. Entrementes, sobrevindo causa de suspensão de exigibilidade antes do

vencimento do prazo para pagamento do crédito tributário, formalizado pelo

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592

contribuinte (em se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação)

ou lançado pelo Fisco, não tendo sido reiniciado o prazo ex vi do parágrafo único,

do artigo 174, do CTN, o dies a quo da regra da prescrição desloca-se para a data

do desaparecimento jurídico do obstáculo à exigibilidade.

7. No caso sub judice, o auto de infração foi lavrado em 23.5.1986, referente a

fatos geradores ocorridos nos anos de 1983, 1984 e 1985. Com a lavratura do auto,

concretizou-se o lançamento do crédito tributário, conforme art. 142, do Código

Tributário Nacional, não se consumando a decadência tributária, porquanto a

autuação do contribuinte foi efetivada antes do término do prazo de cinco anos.

8. In casu, a decisão administrativa fi nal é de 24.4.1993, data a partir da qual

desapareceu o obstáculo jurídico à exigibilidade do crédito tributário, iniciando-

se, portanto, a contagem do prazo prescricional, previsto no art. 174 do CTN.

9. Sob esse ângulo, não se implementou a prescrição, ante o ajuizamento da

execução fi scal pela Fazenda Pública de São Paulo em 17.7.1995. Não há, destarte,

que se aventar da decadência ou prescrição do crédito tributário.

[...] (REsp n. 1.107.339-SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Julgamento realizado em

1º.6.2010, DJe de 23.6.2010).

Registro, por oportuno, que, embora tenha fi cado suspensa a exigibilidade

do crédito tributário pelo MS n. 2002.70.00.0691883 impetrado pelo ora

agravado, a autoridade fiscal não fica impedida de realizar o lançamento,

tendo em vista que a suspensão recai somente sobre a exigibilidade do crédito

tributário, o que impede apenas o implemento de medidas de cobrança, como

a propositura da ação de execução fi scal. A propósito, dentre outros, veja o

seguinte julgado desta Corte:

Tributário. Execução fi scal. Exceção de pré-executividade. Causas suspensivas

da exigibilidade do crédito tributário. Liminar em mandado de segurança.

Lançamento. Ausência de óbice. Decadência.

1. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial impede o

Fisco de praticar qualquer ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu

crédito, tais como inscrição em dívida, execução e penhora, mas não impossibilita

a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para prevenir

a decadência do direito. Precedente: EREsp n. 572.603-PR, Rel. Min. Castro Meira,

Primeira Seção, DJ 5.9.2005.

2. O lançamento do ISS referente aos meses de Janeiro a Setembro de 1991

somente ocorreu em 27 de junho de 2001. A liminar conferida em Mandado

de Segurança, anteriormente impetrado pelo contribuinte, com a finalidade

de ver reconhecida isenção quanto ao tributo não impede a fl uência do prazo

decadencial, apenas obstando a realização de atos de cobrança posteriores à

constituição. Nesse sentido: REsp n. 1.140.956-SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 593

Seção, DJe 3.12.2010, julgado nos termos do artigo 543-C do Código de Processo

Civil.

3. Recurso especial provido (REsp n. 1.129.450-SP, Ministro Castro Meira,

Julgamento realizado em 17.12.2011, DJe de 28.2.2011).

Assim, considerando que a pena em concreto foi fi xada em dois (2) anos

e quatro (4) meses, o prazo prescrição, a teor do art. 109, inciso V, do Código

Penal, é de quatro (4) anos, pois o acréscimo decorrente da continuidade delitiva,

por força do Enunciado n. 497 da Súmula do STF, não deve ser computado para

fi ns de defi nição do lapso temporal.

Em assim sendo, e considerando que: a Súmula Vinculante n. 24 do STF

dispõe que “não se tipifi ca crime material contra a ordem tributária, previsto no

art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento defi nitivo do

tributo”; a constituição defi nitiva do crédito tributário se deu em 31.10.2002;

a denúncia foi recebida em 2.8.2007 (fl . 7); e que a sentença foi publicada em

12.5.2009, transcorreu o prazo de quatro anos necessário para que se confi gure

a prescrição, na modalidade retroativa. Sobre o tema, verifi que os seguintes

precedentes:

Criminal. Habeas corpus. Evasão de divisas. Prescrição retroativa. Condenação

transitada em julgado. Pena de dois anos concretamente aplicada. Artigo 110 c.c.

o artigo 109, V, do Código Penal. Extinção da punibilidade confi gurada. Ordem

concedida.

I. Hipótese na qual ambos os pacientes foram condenados, em sentença

transitada em julgado para a acusação, à pena de 2 anos de reclusão, pela prática

do delito descrito no art. 22, parágrafo único, 1ª parte, da Lei n. 7.492/1986.

II. Levando-se em consideração a pena concretamente estabelecida na

sentença, o prazo a ser observado para efeitos de prescrição no presente feito é

de 4 anos, nos termos do art. 110 c.c. o art. 109, V, do Código Penal.

III. Transcorridos mais de 4 anos entre as datas do último delito cometido -

15.11.2001 - e a do recebimento da inicial acusatória - 18.4.2007 - primeira causa

interruptiva do prazo prescricional, consumou-se, assim, o lapso previsto no art.

110 c.c. o art. 109, V, do Código Penal.

IV. Extingue-se a punibilidade dos pacientes pela ocorrência da prescrição

retroativa.

V. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator” (HC n. 222.339-SC, Rel.

Ministro Gilson Dipp, Julgamento realizado em 22.5.2012, DJe de 25.5.2012).

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Embargos de declaração. Recurso especial. Processo Penal. Art. 110, § 1º, CP.

Acórdão a quo não interrompeu o marco prescricional. Prescrição retroativa.

Ocorrência. Embargos com efeitos infringentes.

1. A oposição de embargos de declaração almeja o aprimoramento da

prestação jurisdicional, por meio da modifi cação de julgado que se apresenta

omisso, contraditório, obscuro ou com erro material (art. 619 do CPP).

2. Incidência da prescrição retroativa, na qual se leva em consideração a pena

aplicada in concreto, mesmo sendo uma espécie de prescrição da pretensão

punitiva - que, de modo geral, deveria considerar exclusivamente a pena in

abstrato -, com fundamento no princípio da pena justa.

3. Na ausência de recurso da acusação ou no improvimento deste, a pena

aplicada na sentença condenatória firma-se, desde a prática do fato, como

necessária e sufi ciente para aquele caso em particular. Assim, a pena concretizada

justifica-se como novo parâmetro para a fixação da prescrição da pretensão

punitiva estatal.

4. A prescrição retroativa pode ser considerada entre a consumação do crime

e o recebimento da denúncia, ou entre este e a sentença condenatória e até entre

esta e a pendência de julgamento do recurso especial (art. 110, § 1º, do CP).

5. Consumado o lapso prescricional no curso da pendência do recurso especial,

cabe declarar-se, preliminarmente, a extinção da punibilidade, com prejuízo do

mérito do recurso.

6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para declarar

a extinção da punibilidade estatal pela prescrição da pretensão punitiva dos

fatos imputados ao ora embargante, nos termos dispostos no voto” (EDcl no REsp

n. 1.212.911-RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgamento realizado em

5.6.2012, DJe de 18.6.2012).

Habeas corpus. Penal. Art. 1º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990, c.c. o art. 71, do

Código Penal. Prescrição da pretensão punitiva examinada com base na sentença

condenatória. Lapso temporal ocorrente. Extinção da punibilidade estatal. Ordem

concedida.

1. A teor do art. 119 do Código Penal e nos termos da Súmula n. 497 do

Supremo Tribunal Federal, “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição

regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo

decorrente da continuação.”

2. Ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória para a Acusação

e levando-se em consideração a pena aplicada, verifica-se a ocorrência da

extinção da punibilidade estatal pela prescrição da pretensão punitiva retroativa,

porquanto restou transcorrido o lapso temporal superior aos 4 (quatro) anos

exigidos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia.

3. Ordem concedida, para declarar a extinção da punibilidade estatal quanto ao

crime imputado aos Pacientes, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 595

punitiva retroativa, com fundamento no art. 107, inciso IV, c.c. os arts. 109, inciso

V, e 110 § 1º, todos do Código Penal. (HC n. 180.667-SP. Rel. Ministra Laurita Vaz,

Julgamento realizado em 6.9.2011, DJe 27.9.2011).

Diante do exposto, dou provimento ao agravo regimental do Ministério

Público Federal e, para que não haja incompatibilidade com os acórdãos

proferidos por esta Turma no julgamento do agravo regimental (fl s. 969-974)

e dos embargos de declaração (fl s. 1.000-1.003), de ofício, a teor do artigo 61

do Código de Processo Penal, declaro a extinção da punibilidade dos fatos

narrados na ação penal discutida nos presentes autos, em razão da ocorrência da

prescrição retroativa.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 177.972-BA (2010/0121323-2)

Relatora: Ministra Laurita Vaz

Impetrante: Rosberg Crozara e outros

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 1a Região

Paciente: Adriano Ferreira dos Santos Rangel Cruz

Paciente: Robson da Silva Araújo

EMENTA

Habeas corpus. Art. 273, caput, e §§ 1º e 1º-B, inciso I, do

Código Penal. Fiscais da Anvisa que atestaram que o estabelecimento

comercial administrado pelos pacientes vendia produtos sem o exigível

registro da agência. Fé pública dos servidores da agência reguladora.

Desnecessidade de perícia. Impetrantes que não trouxeram simples

documentação aos autos demonstrando que os produtos não estariam

sujeitos à vigilância sanitária. Justa causa para a ação penal confi gurada.

Ordem de habeas corpus denegada.

1. Importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender

ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo, produtos

destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais, sem registro no órgão

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de vigilância sanitária competente, quando exigível, são condutas

tipifi cadas como crime (inteligência combinada do art. 273, caput, e §§

1º e 1º-B, inciso I, do Código Penal).

2. Para a prática da referida conduta não é exigível perícia,

bastando a ausência de registro na Anvisa, obrigatório na hipótese

de insumos destinados a fi ns terapêuticos ou medicinais. Referidas

características dos produtos podem ser atestadas por fi scal técnico da

Agência, conhecedor das normas de regulação e que, no exercício do

seu mister, tem fé pública.

3. A gama de produtos sujeitos ao regime sanitário é extensa e

abrangente, compreendendo medicamentos, insumos farmacêuticos,

drogas e correlatos, que não podem ser industrializados, expostos à

venda, ou entregues a consumo, sem o registro do órgão competente.

Arts. 1.º e 12, da Lei n. 6.360/1976, e regulamento (arts. 1º e 12, do

Decreto n. 79.094/1976).

4. No caso, outrossim, em nenhum momento os Impetrantes

afirmaram, ou demonstraram, que os produtos apreendidos no

estabelecimento dos Pacientes (loja de suplementos alimentares)

não estariam sujeitos ao regime de vigilância sanitária, para o que

bastaria a simples demonstração das normas pertinentes. Desta feita,

não ocorre a falta de justa causa para a ação penal, devendo o juízo de

culpabilidade na espécie ser procedido pelas instâncias ordinárias.

5. Ordem de habeas corpus denegada.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, prosseguindo no julgamento por unanimidade, denegar a

ordem. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Gilson Dipp

votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Sustentou oralmente na sessão de 19.6.2012: Dr. Rosberg de Souza

Crozara (p/pactes).

Brasília (DF), 28 de agosto de 2012 (data do julgamento).

Ministra Laurita Vaz, Relatora

DJe 5.9.2012

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 597

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar,

impetrado em favor de Adriano Ferreira dos Santos Rangel Cruz e Robson da Silva

Araújo – denunciados pela prática do delito previsto no art. 273, § 1º-B, inciso

I, do Código Penal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da

1ª Região, quando do julgamento de recurso em sentido estrito interposto pelo

Ministério Público Federal, que restou assim ementado (fl . 05):

Penal. Processual Penal. Art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal. Rejeição da

denúncia. Artigos 41 e 395, do Código de Processo Penal. Recurso criminal

provido.

1. O ajuizamento de ação penal deve estar lastreado em causa legítima e

idônea, sob pena de se atingir indevidamente o status dignitatis do denunciado.

2. No presente caso, verifi ca-se, em uma análise superfi cial do contido nos

autos, inerente a esta fase do processo, que as condutas supostamente praticadas

pelos denunciados, ora recorridos, na forma em que narrada na denúncia (fl s. 68-

70), justifi ca o recebimento da petição inicial da ação penal, mormente quando

se verifi ca a presença de indícios sufi cientes da materialidade e autoria do delito

objeto da peça vestibular da ação penal.

3. É de se entender como presentes, in casu, os elementos necessários à

instauração da persecução penal, devendo ser destacado, em acréscimo, que

a denúncia ofertada em desfavor dos ora recorridos (fls. 68-70) preenche os

requisitos constantes do art. 41, do Código de Processo Penal.

4. Em havendo indícios suficientes de materialidade e autoria delitivas, e,

ainda, preenchidos os requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, a

denúncia deve ser recebida para se ter o devido prosseguimento do processo

penal. Precedentes jurisprudenciais deste Tribunal Regional Federal.

5. Recurso em sentido estrito provido.

Requer-se, na presente sede processual, em síntese, liminarmente, o

trancamento da ação penal, e no mérito, o restabelecimento da decisão por meio

da qual o Juiz Federal de instância prima não recebeu a denúncia.

Nesse sentido, o relato do acórdão ora impugnado bem resume a

controvérsia (fl s. 31-33):

Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal

(fl s. 73 e 75-87), em face da r. decisão de fl s. 71-72, que, em síntese, não recebeu a

denúncia por ele oferecida em desfavor de Adriano Ferreira dos Santos Rangel Cruz

e Robson da Silva Aráujo, pela suposta prática do delito capitulado no art. 273, § 1º

e § 1º-B, do Código Penal.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Em defesa de sua pretensão, asseverou o recorrente, em resumo que:

1) “A materialidade delitiva restou comprovada por declaração dos

servidores da Anvisa, atestando que ‘os produtos listados a seguir: Guggul

Complex, Excite Natural Sexual Enhancer, Dyma Retic, HGH, Alpha Lipoic

Acid, não possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária,

portanto encontram-se irregulares e proibidos de serem comercializados

no território nacional’ (fl s. 36-37)” (fl . 77);

2) “(...) a ausência de laudo pericial de constatação da natureza e

dosagem das substâncias não pode impedir a propositura da ação penal,

até porque as declarações dos fi scais da Anvisa, no exercício das atribuições

que lhes competem, gozam de fé pública e, por conseguinte, são dotadas

de presunção de veracidade e de legalidade” (fl . 77);

3) “(...) a denúncia de fls. 68-70 foi apresentada com respaldo em

inquérito policial no qual restaram comprovadas a materialidade e indícios

sufi cientes de autoria. Os produtos foram apreendidos e os fi scais da Anvisa

certifi caram, às fl s. 36-37, a ausência de registro dos mesmos” (fl . 80);

4) “Apesar de os denunciados terem afi rmado desconhecer a ausência

de registro na Anvisa dos produtos apreendidos (fl s. 07-13), na condição de

comerciantes do ramo, tinham a obrigação de atingir esse conhecimento,

não podendo alegar ignorantia facti” (fl . 80);

5) “Além disso, mesmo diante de indícios de conduta consciente e

voluntária, a prova da presença do elemento subjetivo do tipo – o dolo – é

dispensável neste momento, visto ser necessária a abertura da instrução

(...)” (fl . 80).

Contrarrazões apresentadas às fl s. 93-112.

Vieram os autos a esta Corte Regional Federal, ocasião em que o d. Ministério

Público Federal, no exercício da função de fi scal da lei, proferiu o parecer de fl s.

116-122, opinando pelo provimento do recurso.

Por meio do despacho de fl . 126, converti o julgamento em diligência, a fi m de

que o MM. Juízo Federal a quo observasse o disposto no art. 589, caput, do Código

de Processo Penal, o que ocorreu à fl . 128.

Indeferi a liminar às fl s. 205-211, ocasião em que dispensei as informações.

Parecer do Ministério Público Federal às fl s. 227-229, pela denegação.

É o que há de necessário para relatar.

VOTO

A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): No caso, os Pacientes foram

denunciados pela prática do delito previsto no art. 273, § 1º e § 1º-B, do Código

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 599

Penal, porque, no estabelecimento comercial administrado por eles, agentes

da Anvisa encontraram à venda os produtos Guggul Complex, Excite Natural

Sexual Enhancer, Dyma Retic, HGH, e Alpha Lipoic Acid, os quais não possuiriam

registro na Agência.

Da atenta leitura da inicial, verifi ca-se que o fundamento da Defesa para

reconhecer a ausência de justa causa para a ação penal é, em síntese, o de que

não foi realizado exame pericial para comprovar que os produtos apreendidos

em poder dos Pacientes não poderiam ser comercializados no país.

Não foi esse o entendimento da instância antecedente, conforme o Voto

unânime proferido pelo Relator do recurso interposto pelo Parquet (fl s. 33-36):

Por vislumbrar presentes os requisitos de admissibilidade deste recurso, dele

conheço, devendo, a propósito, ser mencionado que, em seus efeitos, o não

recebimento da denúncia, implica a sua rejeição, o que justifi ca a admissibilidade

do presente recurso, por aplicação do art. 581, I, do Código de Processo Penal.

No mérito, deve ser ressaltado, de início, que o ajuizamento de ação penal deve

estar lastreado em causa legítima e idônea, sob pena de se atingir indevidamente

o status dignitatis do denunciado.

No presente caso, data venia de eventual ponto de vista em contrário, verifi ca-

se, em uma análise superfi cial do contido nos autos, inerente a esta fase do processo,

que as condutas supostamente praticadas pelos denunciados, ora recorridos,

na forma em que narrada na denúncia (fl s. 68-70), justifi ca o recebimento da

petição inicial da ação penal, mormente quando se verifi ca a presença de indícios

sufi cientes da materialidade e autoria do delito objeto da peça vestibular da

ação penal, consoante o apontado pelo d. Ministério Público Federal, no parecer

acostado aos autos, às fl s. 116-122, da lavra do eminente Procurador Regional da

República, Dr. Paulo Queiroz, que assim asseverou:

Temos que o recurso merece provimento.

Inicialmente, é de ver que o delito imputado ao recorrente é o do art.

273, § 1º-B, I, do Código Penal: importar, vender, expor à venda, ter em

depósito etc. produtos sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância

sanitária competente, ou seja, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária).

E é essa a exata capitulação jurídico-penal da conduta, e não art. 273,

§ 1º, apesar de a denúncia o referir, porque, conforme se conclui à fl . 70,

primeiro parágrafo, da denúncia, “(...) considerando que os denunciados

comercializavam produtos com finalidades terapêuticas sem o devido

registro do órgão de vigilância sanitária competente, com potencial

lesividade à saúde humana (...)” (grifou-se).

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Exatamente por isso, a comprovação da tipicidade jurídico-penal da

conduta requer tão-somente prova de: a) venda ou exposição à venda (etc.)

de produto destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais; b) que se trate de

produto sem registro na Anvisa, quando exigível.

Ora, é evidente que os elementos de prova em que se fundou a denúncia

são sufi cientes para servir de base ao seu recebimento e comprovação do

que nela se contém, relativamente à materialidade e autoria delitivas.

Com efeito.

Desde logo, cumpre notar que a denúncia está amparada em inquérito

policial cujo relatório é conclusivo no sentido do indiciamento dos agora

recorridos, em virtude da prova da materialidade e autoria delitivas. Eis a

sua conclusão:

IV – Considerações

IV. 1. – A Autoria

A autoria delitiva restou evidenciada pelos interrogatórios dos

conduzidos, que afi rmaram ser os proprietários de fato da Vita Quality

comércio de Suplementos Alimentares Ltda., local da apreensão dos

produtos sem registro na Anvisa. As sócias constantes na 2ª Alteração

Contratual (fls. 44 a 47 dos autos), parentes dos conduzidos são

apenas “testas de ferro” dos conduzidos.

A confi rmar tal fato, ressalte-se que a funcionária da loja objeto da

busca e apreensão, Ilana Cardos Nunes, quando perguntada sobre o

paradeiro o dono do estabelecimento, ligou para Adriano Ferreira dos

Santos Rangel Cruz, que se apresentou momentos depois afi rmando

ser o proprietário da loja, declinando ainda o nome do outro “sócio”,

Robson da Silva Araújo.

IV. I – Da Materialidade

A materialidade do delito previsto no art. 273, § 1º e § 1º-B do CPB

também restou evidenciada.

De início há o Auto de Apreensão de fls. 14-15, onde estão

discriminados os produtos apreendidos na loja Vita Quality Comércio

de Suplementos Alimentares Ltda. No Aeroclube Plaza Show, com a

assinatura dos conduzidos como detentores.

Os depoimentos das testemunhas, conforme evidenciado antes

nesse relatório, atestam que tais produtos não são registrados na

Anvisa e, por isso, são de uso e venda proibidos no país.

Como esclarecimento adicional, os fiscais sanitários Marcel

Figueira e Marcelo Sidi Garcia elaboraram informe técnico, juntado

em fl s. 36-37, onde destacam a legislação atinente ao tema (Lei n.

6.360/1976 e Decreto n. 79.094/1976).

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Os produtos apreendidos são de natureza terapêutica, sendo que

conforme esclarece Marcel Figueira em fl s. 04:

que, no frasco do Guggul Complex verifica-se ainda a

existência de um pequeno adesivo com dizeres em português,

em cima do rótulo original onde está impresso que esse

produto teria a capacidade de queimar calorias, aumentar

níveis de hormônios da tireóide, dentre outros efeitos com

fi nalidade terapêutica, (...) (Grifo nosso).

Todos os produtos estavam expostos no interior da loja, em

prateleiras, inclusive com etiquetas indicando o preço de cada um

para o consumidor (com exceção do “HGH”, que apesar de expostos,

não possuía etiqueta com preço).

Não é demais ressaltar que o uso dos produtos apreendidos

podem gerar prejuízos à saúde humana, configurando um risco

sanitário, pois não se conhece a procedência desses produtos e nem

o que de fato contêm dentro das cápsulas, dados esses que seriam

analisados pela Anvisa dentro de um processo regular de registro de

produtos medicinais, terapêuticos etc (...)

E de fato, em favor da acusação formulada na denúncia, constam os

seguintes elementos de prova: a) auto de prisão em fl agrante (fl . 2); b)

depoimentos das testemunhas Marcel Figueira e Marcelo Sidi Garcia (fl s.

3-6); c) auto de apreensão (f. 14-15); d) relatório fi nal de inquérito policial

(fl s. 57-64).

Em semelhante contexto, força é convir que a decisão de rejeição da

denúncia é absolutamente improcedente quando assinala que “(...) que

praticamente nada constou no inquérito que ateste, com um mínimo de

lastro probatório necessário à configuração da justa causa para a ação

penal, tratar-se efetivamente de substância de comercialização proibida ou

de registro necessário” (fl . 71).

Além do mais, em princípio, a pretendida prova pericial ou é

desnecessária ou passível de ser suprida por outros meios de prova.

Note-se, mais, que a denúncia se presta justamente a provar o alegado

com base na prova indiciária em que se funda, razão pela qual não faria

sentido algum que se lhe exigisse, desde já, contraditória e prematuramente,

prova suficiente para uma condenação. Afinal, com o oferecimento da

denúncia, o Ministério Público pretende, uma vez instaurada a instrução,

provar o alegado e, ao fi nal, se for o caso, pugnar pela condenação do réu

(fl s. 117-120).

Assim, é de se entender como presentes, in casu, os elementos necessários à

instauração da persecução penal, devendo ser destacado, em acréscimo, que a

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denúncia ofertada em desfavor dos ora recorridos (fl s. 68-70) preenche, concessa

venia, os requisitos constantes do art. 41, do Código de Processo Penal.

Merece ser realçado, ainda, que, havendo indícios sufi cientes de materialidade

e autoria delitivas, e, ainda, preenchidos os requisitos do art. 41, do Código

de Processo Penal, a denúncia, data venia, deve ser recebida para se ter o

devido prosseguimento do processo penal. Nesse sentido, merecem realce os

precedentes jurisprudenciais deste Tribunal Regional Federal cujas ementas vão

a seguir transcritas:

Penal e Processo Penal. Rejeição de denúncia. Dispensa de licitação.

Artigo 89 da Lei n. 8.666/1993. Contrato. Execução. Irregularidades. Autoria.

Existência de indícios. Recurso provido.

1. Descrevendo a denúncia de forma pormenorizada a conduta dos

acusados e havendo indícios de materialidade e autoria de dispensa

indevida de licitação, além de irregularidades na execução do contrato,

deve ser recebida a denúncia.

2. Presença dos requisitos formais obrigatórios do artigo 41 para o

recebimento da denúncia e ausência das hipóteses excludentes do artigo

43, ambos do Código de Processo Penal. Precedentes.

3. Recurso em sentido estrito provido, para que se dê regular

processamento do feito.

(TRF – 1ª Região, RCCR n. 1999.40.00.005893-5-PI, Relator Desembargador

Federal Carlos Olavo, 4ª Turma, julgado por unanimidade em 10.12.2003,

publicado no DJ de 20.2.2004, p. 35).

Recurso em sentido estrito. Recebimento de denúncia. Crimes de

estelionato e sonegação fi scal.

I - Atende aos requisitos dos arts. 41 e 43 do Código de Processo

Penal denúncia que vem acompanhada de indícios mínimos de autoria e

materialidade dos delitos aos quais se reporta.

II - O oferecimento de quota ministerial junto à denúncia requerendo

diligências, não infi rma a verossimilhança da narrativa que encerra.

III - Recurso provido.

(TRF – 1ª Região, RCCR n. 1999.01.00.072796-5-MG, Relator Juiz

Convocado Marcus Vinicius Bastos, 3ª Turma, julgado por unanimidade em

7.5.2002, publicado no DJ de 31.5.2002, p. 65).

Faz-se necessário ainda mencionar que não se vislumbra, in casu, com a devida

venia de eventual posicionamento outro, a ocorrência de qualquer das hipóteses

que levam à rejeição da denúncia (art. 395, do Código de Processo Penal).

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Assim, data venia de eventual ponto de vista em contrário, não merece ser

mantida a r. decisão a quo.

Diante disso, dou provimento ao presente recurso em sentido estrito, para,

reformando o r. decisum recorrido, receber a denúncia em questão, e determinar o

retorno dos autos ao MM. Juízo Federal a quo, a fi m de que o processo tenha o seu

regular prosseguimento.

É o voto.

A ordem deve ser denegada.

Reproduzo o art. 273, parágrafos e incisos, do Código Penal, inclusive com

sua rubrica:

Falsifi cação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fi ns

terapêuticos ou medicinais.

Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins

terapêuticos ou medicinais:

Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.

§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em

depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o

produto falsifi cado, corrompido, adulterado ou alterado.

§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os

medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os

saneantes e os de uso em diagnóstico.

§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º

em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:

I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;

II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso

anterior;

III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua

comercialização;

IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de

procedência ignorada; (Incluído pela Lei n. 9.677, de 2.7.1998);

VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária

competente.

No caso, o Parquet pretende seja aplicada a pena prevista no art. 273,

porque, segundo inteligência combinada dos § 1º e § 1º-B, inciso I, do Código

Penal, os Pacientes importaram, venderam, expuseram à venda, tinham em depósito

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para vender ou, de qualquer forma, distribuiram, ou entregaram a consumo, produtos

destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais que exigiam registro no órgão de vigilância

sanitária competente.

Segundo o Ministério Público, após a apreensão dos produtos, os Pacientes

afi rmaram “desconhecer que os produtos não possuíam registro na Anvisa”,

porém, “na condição de comerciantes do ramo teriam obrigação de atingir esse

conhecimento” (fl . 109), razão pela qual foram denunciados.

Na presente impetração, rememore-se, alega a Defesa que a falta de perícia

nos insumos exclui a justa causa da ação penal.

Porém, a exordial narra conduta prevista no Código Penal, cuja tipifi cação

prescinde de perícia nos produtos apreendidos, pois, conforme as percucientes

razões de decidir da Corte a quo, “a comprovação da tipicidade jurídico-penal da

conduta requer tão-somente prova de: a) venda ou exposição à venda (etc.) de

produto destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais; b) que se trate de produto

sem registro na Anvisa, quando exigível.”

No caso, fi scais da Anvisa – técnicos no cumprimento dos seus ofícios –,

identifi caram produtos comercializados no estabelecimento dos Pacientes (loja

de suplementos alimentares) que necessitavam do devido registro na Agência,

nos termos dos arts. 1º e 12, da Lei n. 6.360/1976, e do respectivo regulamento

(arts. 1º e 12, do Decreto n. 79.094/1976).

Ora, prevê o art. 1º da referida Lei, in verbis:

Art. 1º Ficam sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por esta Lei os

medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, defi nidos na Lei

número 5.991, de 17 de dezembro de 1973, bem como os produtos de higiene,

os cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à

correção estética e outros adiante defi nidos. (sem grifos no original).

Já o art. 12, também da Lei n. 6.360/1976, tem a seguinte disciplina acerca

dos registros:

Art. 12. Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados,

poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de

registrado no Ministério da Saúde. (sem grifos no original).

O art. 1º da Regulamentação (Decreto n. 79.094/1976) tem o seguinte

teor:

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Art. 1º Os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos,

produtos de higiene, perfumes e similares, saneantes domissanitários, produtos

destinados à correção estética e os demais, submetidos ao sistema de vigilância

sanitária, somente poderão ser extraídos, produzidos, fabricados, embalados ou

reembalados, importados, exportados, armazenados, expedidos ou distribuídos,

obedecido ao disposto na Lei n. 6.360, de 23 de setembro de 1976, e neste

Regulamento. (sem grifos no original).

Reproduzo, ainda, o art. 14, do regulamento:

Art. 14. Nenhum dos produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária de

que trata este Regulamento, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue

ao consumo, antes de registrado no órgão de vigilância sanitária competente do

Ministério da Saúde. (sem grifos no original).

Mais. Esta Turma, também em hipótese de cometimento de crime formal,

como o avaliado na hipótese, mas diverso (guarda de moeda falsa), já teve a

oportunidade de afi rmar que a realização de perícia específi ca para saber se a

qualidade da falsifi cação era capaz de enganar o homem comum era prescindível.

Confi ra-se, mutatis mutandis:

Recurso ordinário constitucional em habeas corpus. Processual Penal. Crimes

contra a fé pública. Guarda de moeda falsa (art. 289, § 1º, do Código Penal). Laudos

já fabricados nos autos, nos quais se concluiu que as notas que o recorrente

guardava eram falsas. Pedido de realização de terceira perícia. Desnecessidade

de prova técnica para verificação sobre se a falsificação é ou não capaz de

ludibriar um homem comum. Indeferimento devidamente motivado. Art. 184,

do Código de Processo Penal. Cerceamento de defesa não caracterizado. Recurso

desprovido.

1. Quanto ao sistema de valoração das provas, o legislador brasileiro adotou

o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o Juiz, extraindo a

sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, decide a causa de

acordo com o seu livre convencimento, em decisão devidamente fundamentada.

2. Não ocorre cerceamento de defesa nas hipóteses em que o Juiz reputa

sufi cientes as provas já colhidas durante a instrução. Isso porque o Magistrado

não está obrigado a realizar outras provas com a fi nalidade de melhor esclarecer

a tese defensiva do Réu, quando, dentro do seu livre convencimento motivado,

tenha encontrado elementos probatórios suficientes para a sua convicção.

Precedentes desta Corte.

3. Além de o Magistrado singular ter indeferido fundamentadamente o pedido

da Defesa, ressalta-se o fato de a decisão pela realização de exame pericial

ser discricionária do julgador (na hipótese, uma terceira perícia), devendo ser

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considerada a necessidade da prova para a busca da verdade real. Se o Juiz

monocrático não constatou a necessidade da realização de prova pericial, além

daquelas já produzidas nos autos, para a formação de seu convencimento, não

ocorre cerceamento de defesa.

4. Mais, quando as provas requeridas forem desnecessárias ou inconvenientes

ao deslinde da causa, devem ser indeferidas, nos exatos termos do art. 184, do

Código de Processo Penal, in litteris: “[s]alvo o caso de exame de corpo de delito, o

juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não

for necessária ao esclarecimento da verdade”.

5. No caso, tanto no laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística do Estado

de São Paulo, quanto no confeccionado pelo Núcleo de Criminalística da Polícia

Federal em São Paulo, concluiu-se que as notas que o Recorrente guardava

eram falsas. Se a falsifi cação é ou não capaz de enganar um homem médio, cabe

apenas ao Juiz da causa verifi car, sendo desnecessária a elaboração de um terceiro

laudo, especialmente porque não se ventilou, nos autos, controvérsia acerca da

competência da Justiça Federal ou Estadual.

6. Recurso desprovido. (RHC n. 26.882-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de

10.10.2011 – sem grifos no original.)

Assim, se os profi ssionais da Anvisa, conhecedores das normas da agência,

e que gozam de fé pública no exercício de suas funções, identifi caram que os

produtos apreendidos no estabelecimento administrado pelos Pacientes não

tinham o necessário registro, mostrar-se-ia ilógico e irracional exigir a perícia,

conforme pretende a defesa, mormente porque no caso não restam dúvidas de

que continham insumos sujeitos à vigilância, previstos na abrangente legislação.

Por fim, mencione-se que em nenhum momento os Impetrantes

afi rmaram, ou demonstraram, que os produtos apreendidos no estabelecimento

dos Pacientes (loja de suplementos alimentares) não estariam sujeitos ao regime

de vigilância sanitária, para o que bastaria a simples demonstração das normas

pertinentes. Desta feita, não ocorre a falta de justa causa para a ação penal,

devendo o juízo de culpabilidade na espécie ser procedido pelas instâncias

ordinárias.

Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.

É como voto.

VOTO-VISTA

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Conforme relatado pela eminente Ministra

Laurita Vaz, a presente impetração se destina ao trancamento da ação penal

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defl agrada em desfavor dos pacientes, sob o fundamento de que a falta de

perícia nos produtos apreendidos no estabelecimento empresarial por eles

gerido denunciaria a carência de justa causa da persecutio criminis in judictio.

Rememora-se que os pacientes foram autuados em fl agrante delito, pois

teriam exposto à venda produtos destinados a fi ns terapêuticos sem o necessário

registro no órgão de vigilância sanitária, conduta que tem a mesma narração

abstrata do tipo penal previsto no artigo 273, § 1º-B, do Código Penal.

No seu voto, a eminente Relatora denega a ordem de habeas corpus,

fundamentando a sua decisão no fato de que o delito pelo qual os pacientes estão

respondendo prescindiria da realização de perícia nos produtos apreendidos

para comprovação da materialidade.

Para melhor análise da questão, pedi vista dos autos.

E compulsando a documentação que acompanha a impetração, fi lio-me à

conclusão da eminente Relatora.

Com efeito, da leitura da denúncia fi ca claro que a imputação atribuída aos

pacientes se limita à comercialização de “produtos com fi nalidade terapêutica sem o

devido registro do órgão de vigilância sanitária competente” (fl . 110), não havendo,

portanto, qualquer questionamento acerca da idoneidade ou veracidade do

conteúdo dos recipientes apreendidos.

As condutas abstratamente descritas no artigo 273 e seus parágrafos,

do Código Penal, visam tutelar, primordialmente, a incolumidade pública, no

que diz respeito à distribuição de produtos destinados a fi ns terapêuticos e

medicinais.

As ações descritas no caput e no § 1º do aludido dispositivo se referem

à idoneidade do objeto material do delito, visando responsabilizar o agente

que, independentemente do fi m visado - geralmente o lucro fácil -, falsifi ca,

corrompe, adultera ou altera qualquer produto destinado a fi m terapêutico ou

medicinal, bem como os importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para

vender, distribui ou entrega a consumo.

Nestas hipóteses, afi gura-se imprescindível a realização de perícia no

material eventualmente apreendido, já que é imperiosa a constatação de que tais

produtos se distanciam da fórmula original devidamente registrada pelos órgãos

estatais de controle, tratando-se a única forma apta a comprovar a materialidade

do delito.

Entretanto, o objeto material da conduta abstratamente prevista no § 1º-B

do aludido dispositivo legal é diverso daqueles inseridos no caput e no § 1º, já

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que cuida apenas dos produtos destinados a fi ns terapêuticos ou medicinais

sem registro no órgão de vigilância sanitária competente. Não se trata, aqui, de

falsifi cação ou alteração da composição original do produto medicamentoso,

mas da falta de uma etapa burocrática necessária para a internalização e

disponibilização ao mercado consumidor de determinado produto voltado para

fi ns terapêuticos ou medicinais.

Na verdade, a idoneidade do produto de alcançar o fi m medicinal ou

terapêutico a que se propõe é justamente verifi cada pelos órgãos de vigilância

sanitária, sem a qual não se permite a comercialização no território nacional,

garantindo-se a incolumidade da saúde pública, indiscutivelmente posta em

risco com a comercialização de substâncias que não são testadas e aprovadas

pelos órgãos estatais de controle.

E conforme concluiu a eminente Relatora, nestes casos, a comprovação

de que determinado produto não tem o necessário registro do órgão sanitário

competente prescinde de qualquer perícia no seu conteúdo - cuja idoneidade

não se discute -, sendo bastante a certidão da autoridade fi scalizadora, como

ocorre na hipótese, que é dotada de fé pública e presunção juris tantum, passível

de prova em sentido contrário a cargo da defesa.

Com estas considerações, acompanho o voto da Ministra Relatora para

denegar a ordem de habeas corpus.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 185.900-SP (2010/0175000-1)

Relator: Ministro Gilson Dipp

Impetrante: Roberto Podval e outros

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3a Região

Paciente: Kiavash Joorabchian

Paciente: Nojan Bedroud

EMENTA

Criminal. Habeas corpus. Lavagem de dinheiro. Formação de

quadrilha. Ação penal. Trancamento. Falta de justa causa. Peça acusatória

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que satisfaz os requisitos do art. 41 do CPP. Existência de indícios

de autoria e prova da materialidade dos crimes. Maiores incursões

que demandariam o revolvimento do conjunto fático-probatório.

Interceptação telefônica. Deferimento da medida e prorrogações

devidamente fundamentadas. Legalidade indispensabilidade da

medida demonstrada. Nulidade. Ausência de auto circunstanciado.

Elemento secundário. Prejuízo não demonstrado. Quebra de sigilo

de terceiros. Questão não apreciada pelo Tribunal a quo. Supressão de

instância. Ordem denegada.

I. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é

medida de índole excepcional, somente admitida nas hipóteses em

que se denote, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de

elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do

delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.

II. Não há falar em falta de justa causa se denúncia satisfaz todos

os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, possibilitando

o exercício do contraditório e da ampla defesa, descrevendo, de forma

sufi ciente ao início da persecução penal, como a conduta do paciente

possa ter infl uído para a prática dos crimes em questão.

III. Análise mais aprofundada do tema que demandaria

detido exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao

processo de conhecimento, inviável em sede de habeas corpus, remédio

jurídico-processual, de índole constitucional, o qual tem como escopo

resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de

poder, marcado por cognição sumária e rito célere.

IV. Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação

telefônica e de prorrogação da medida encontram-se adequadamente

fundamentadas, pois proferidas em acolhimento às postulações da

autoridade policial e do Ministério Público, diante da manifesta

necessidade para a continuidade das investigações em curso voltadas

para a apuração da prática do delito “lavagem” de dinheiro.

V. Desde que devidamente fundamentada, a interceptação poderá

ser renovada por indefi nidos prazos de quinze dias. Precedentes.

VI. Razoabilidade das sucessivas prorrogações que se evidencia,

no presente caso, pela complexidade da investigação, a qual possui

elevado número de pessoas investigadas, bem como envolve

organização internacional de grande porte, tida como criminosa.

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VII. Jurisprudência consolidada no sentido de que a averiguação

da indispensabilidade da medida como meio de prova não pode ser

apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação

probatória que se faria necessária.

VIII. O auto circunstanciado não é elemento essencial para a

validade da prova, tratando-se de documento secundário, incapaz de

macular a interceptação telefônica.

IX. Evidenciado que as partes tiveram acesso aos dados coletados

nas interceptações telefônicas, sendo oportunizado o contraditório e

ampla defesa, não há se falar em nulidade na presente hipótese, pois a

defesa não logrou demonstrar a ocorrência de prejuízos aos pacientes.

X. Argumento acerca da falta de razoabilidade e pertinência

no tocante a quebra de sigilo telefônico de todas as pessoas que

mantiveram contato telefônico com os investigados, sem haver suspeita

defi nida, que não foi objeto de debate e decisão na instância ordinária,

razão pela qual esta Corte fi ca impedida de apreciar a matéria, sob

pena de indevida supressão de instância. Precedentes.

XI. A discussão da legalidade das interceptações telefônicas

realizadas demanda profundo revolvimento do lastro probatório,

inviável em sede de habeas corpus. Precedentes.

XI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

“Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, denegou a ordem.” Os Srs.

Ministros Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr.

Ministro Relator.

Votou vencido o Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador

convocado do TJ-RJ), que concedia a ordem.

Sustentou oralmente na sessão de 19.6.2012: Dr. Roberto Podval (p/

pacte).

Brasília (DF), 7 de agosto de 2012 (data do julgamento).

Ministro Gilson Dipp, Relator

DJe 21.9.2012

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RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilson Dipp: Trata-se de habeas corpus substitutivo de

recurso ordinário, impetrado em favor de Kiavash Joorabchian e Nojan Bedroud,

contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou o Writ

n. 2008.03.00.001051-8.

Os pacientes foram denunciados pela prática dos crimes descritos nos arts.

1º, V e VIII, da Lei n. 9.613/1998 e 288 do Código Penal.

Recebida a denúncia, a defesa impetrou habeas corpus na origem, o qual

teve a ordem denegada pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª

Região, por acórdão assim ementado:

Penal: habeas corpus: denúncia lastreada em razoável suporte probatório.

Indícios de autoria e materialidade. Justa causa para a persecução penal.

Interceptação telefônica. Legalidade. Lei n. 9.296/1996. Prorrogações.

Indispensabilidade. Acesso aos dados assegurados às partes. Licitude da prova.

I - A denúncia não está lastreada unicamente no procedimento de

interceptação telefônica. Colhe-se dos autos que a investigação, com o

envolvimento do Ministério Público acerca dos fatos em comento, teve seu início

com a solicitação de providências formulada pelo então Deputado Estadual

do Estado de São Paulo Romeu Tuma, dirigido ao Procurador Geral de Justiça

paulista César Rebello Pinho, em 18 de janeiro de 2005, informando possíveis

irregularidades entre a parceria fi rmada pelo MSI e “Sport Club Corinthians”.

Neste documento, constam informações a respeito das investigações

realizadas pela Interpol e pelas autoridades britânicas, que davam conta, em

apertada síntese, do envolvimento de Kia Joorabchian, ora paciente e do corréu

Boris Berezovsky, com supostos delitos de lavagem de dinheiro no exterior.

Antecederam também investigações confi denciais encetadas pela Agência

Brasileira de Inteligência (Abin), datadas de agosto de 2004, que igualmente

apontam o possível envolvimento de empresários do leste europeu, pela suposta

prática de lavagem de capitais, na compra de times de futebol no Brasil (cópia do

relatório acostada aos autos).

Há, ainda, um relatório de investigação do Gaeco (Grupo de Atuação

Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de São

Paulo declinando, com detalhes, os indícios existentes do crime de lavagem

internacional de dinheiro envolvendo a mencionada parceria.

Consta também que a conduta do paciente e demais envolvidos é objeto de

investigação criminal pela Confederação Suíça.

II - A denúncia apresentada contra os pacientes e demais acusados também

está lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado no âmbito

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do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, do

Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu razoável

suporte probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva e fortes

indícios de autoria, como já restou assentado por esta Egrégia Corte, quando do

julgamento do HC n. 2007.03.00.091728-3.

III - O monitoramento telefônico teve início em 30.9.2005, portanto, em

momento signifi cativamente posterior ao início das investigações.

A corroborar o expendido, a denúncia descreve os fatos e noticia que a

ocultação ou dissimulação de bens, dinheiros e valores tiveram gênese em crimes

contra a Administração Pública, bem como em delitos praticados por organização

criminosa, estando lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado

no âmbito do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado -

Gaeco, do Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu

razoável suporte probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva

e fortes indícios de autoria.

IV - À época do decreto da primeira interceptação telefônica (30.9.2005) já

pendiam indícios fi rmes de autoria e materialidade envolvendo as pessoas dos

pacientes e alguns dos corréus, corroborados seriamente por investigações

anteriores, internacionais e nacionais.

V - As quebras foram autorizadas por autoridade legalmente constituída,

procedidas de maneira sigilosa e de acordo com o que determina a lei de regência,

dada a natureza dos fatos trazidos ao seu conhecimento e a presença de indícios

confi rmados por mais de uma fonte.

VI - A lei prevê o limite temporal de quinze dias para a interceptação telefônica,

renovável por igual período.

VII - Sobre a possibilidade de prorrogações da quebra do sigilo telefônico,

prevalece o entendimento de que o prazo legal de 15 (quinze) dias pode ser

renovado por igual período, sem restrição quanto à quantidade de prorrogações

que podem se efetivar, desde que demonstrada a necessidade de tais diligências

para as investigações.

VIII - No caso presente foram sucessivas quebras, prorrogações e suspensões

da quebra de sigilo telefônico ao longo do tempo. A cada 15 o magistrado

apreciava novamente se era o caso de prorrogação das escutas, sendo certo que,

por diversas vezes, entendeu ser o caso de exclusão de algumas linhas, e inclusão

de outras que entendeu serem imprescindíveis às investigações.

IX - Embora a lei silencie sobre a questão, não existe óbice à renovação da

prorrogação da escuta telefônica em mais de uma oportunidade. Ademais,

referida medida foi indispensável à apuração e repressão das condutas delitivas

investigadas, sendo certo que a decisão que determinou a quebra do sigilo

telefônico nos autos encontra-se fundamentada, assim como as decisões de

prorrogação.

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X - O juízo de valor acerca da importância dos dados coletados com as

degravações cabe tão somente ao juiz da causa, não sendo dado à parte imiscuir-

se e pretender antecipar ou substituir a posição do magistrado na relação jurídica

processual.

XI - As circunstâncias do caso, a quantidade de pessoas envolvidas, a

complexidade da organização tida por criminosa, bem como sua extensão, são de

ordem a justifi car a interceptação telefônica pelo tempo necessário ao completo

esclarecimento dos fatos, devendo seu prazo de duração ser avaliado pelo Juiz

da causa, levando em conta os relatórios apresentados como resultado das

atividades de investigatórias, o que se deu regularmente.

XII - Ainda sob o aspecto da relevância da forma dos atos processuais e

extraprocessuais, a ausência de autos circunstanciados a acompanhar os

relatórios das escutas é formalidade plenamente suprível com o desenrolar da

instrução, precipuamente considerando-se que as partes e seus respectivos

procuradores tiveram acesso aos dados coletados e lhes foram oportunizados

o contraditório e a ampla defesa, conferidos pelo conhecimento do conteúdo

constante dos áudios e degravações juntados os autos, a ponto de realizarem

tempestivamente suas defesas.

XIII - Prejudicada a alegação de ausência de fundamentação do decreto de

prisão preventiva, tendo em vista o julgamento, pelo Colendo Supremo Tribunal

Federal, do HC n. 94.404-SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello. (fl s. 7.978-

7.980).

Daí a presente impetração, na qual a defesa alega a falta de justa causa para

a propositura da ação penal, diante da inexistência de indícios de autoria e de

materialidade, uma vez que a exordial estaria fundada apenas em interceptações

telefônicas colhidas ilegalmente.

Sustenta a ilegalidade da interceptação telefônica realizada nos autos,

por ter sido ela autorizada e prorrogada, por diversas vezes, sem a necessária

motivação ou demonstração de sua indispensabilidade, nos termos dos arts. 5º,

inciso XII, 93, inciso IX, da Constituição Federal e 5º da Lei n. 9.296/1996.

Aduz que ocorreu nulidade, de acordo com o disposto no art. 573, §

1º, do Código de Processo Penal, diante da ausência de encaminhamento,

pela autoridade policial, de auto circunstanciado, contendo o resumo

das interceptações realizadas, bem como diante da falta de razoabilidade e

pertinência da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico de todas as

pessoas que mantiveram contato com os investigados, o que teria ensejado o

deferimento de novos monitoramentos, sem a existência de suspeita defi nida.

Pugna, por consequência, pelo reconhecimento da ilicitude da prova obtida

por meio de escuta telefônica, com o trancamento da ação penal, por falta de

justa causa.

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Informações às fl s. 7.969 a 7.999.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem

às fl s. 8.004-8.017.

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

VOTO

O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Trata-se de habeas corpus

substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor de Kiavash Joorabchian e

Nojan Bedroud, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que

denegou o Writ n. 2008.03.00.001051-8.

Os pacientes foram denunciados pela prática dos crimes descritos nos arts.

1º, V e VIII, da Lei n. 9.613/1998 e 288 do Código Penal.

Recebida a denúncia, a defesa impetrou habeas corpus na origem, o qual

teve a ordem denegada pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª

Região, nos termos do acórdão de fl s. 7.978 a 7.980.

Daí a presente impetração, na qual a defesa alega a falta de justa causa para

a propositura da ação penal, diante da inexistência de indícios de autoria e de

materialidade, uma vez que a denúncia estaria fundada apenas em interceptações

telefônicas colhidas ilegalmente.

Sustenta a ilegalidade da interceptação telefônica realizada nos autos,

por ter sido ela autorizada e prorrogada, por diversas vezes, sem a necessária

motivação ou demonstração de sua indispensabilidade, nos termos dos arts. 5º,

inciso XII, 93, inciso IX, da Constituição Federal e 5º da Lei n. 9.296/1996.

Aduz que ocorreu nulidade, de acordo com o disposto no art. 573, §

1º, do Código de Processo Penal, diante da ausência de encaminhamento,

pela autoridade policial, de auto circunstanciado, contendo o resumo

das interceptações realizadas, bem como diante da falta de razoabilidade e

pertinência da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico de todas as

pessoas que mantiveram contato com os investigados, o que teria ensejado o

deferimento de novos monitoramentos, sem a existência de suspeita defi nida.

Pugna, por consequência, pelo reconhecimento da ilicitude da prova obtida

por meio de escuta telefônica, com o trancamento da ação penal, por falta de

justa causa.

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Passo à análise da irresignação.

Inicialmente, examino as alegações trazidas em sede de memorial, ressaltando

que as mesmas, se não inovam totalmente no argumento inicialmente apresentado, são

demonstradas com abordagem diversa daquela delineada na inicial do writ.

Em primeiro lugar, verifi ca-se do acórdão impugnado e conforme as informações

prestadas à fl . 7974, que o Tribunal a quo “deixou assentado o entendimento de

que a denúncia não está lastreada unicamente no procedimento de interceptação

telefônica, como sustentam os impetrantes”. Assim, descabe discutir nesta

oportunidade a alegação de que as escutas teriam sido deferidas com base em relatório

da Abin obtido de forma ilegal por Conselheiro do Sport Club Corinthians, porquanto

este argumento não foi objeto de análise e deliberação pelo Tribunal a quo.

No tocante ao fato de o pedido ter sido deferido de plano por magistrado

posteriormente afastado do caso por suspeição, tem-se, às fl s. 6.112-6.121, que a

primeira quebra de sigilo foi deferida pelo Juiz Marcio Millani e não pelo Dr. Fausto

de Sanctis, apontado no memorial. Porém, da mesma forma, este argumento não foi

analisado pelo acórdão impugnado, pela ótica que se visa aqui imprimir.

Por fi m, igualmente não se encontra espaço para discussão da alegação de que

as prorrogações teriam sido desfundamentadas, eis que desde o primeiro relatório da

autoridade policial a medida teria se mostrado infrutífera. Isso porque se verifi ca, às

fl s. 6.199-6.200 que, em princípio, a diligência não teria surtido a efi cácia necessária

porque os números inicialmente indicados não estariam sendo utilizados e, não, em

razão da suposta desnecessidade da investigação. Esta alegação, outrossim, também

não foi analisada pelo acórdão ora impugnado, pelo prisma agora demonstrado nos

memoriais.

Assim considerado, passo à análise dos argumentos apresentados na petição

inicial deste habeas corpus.

O Parquet estadual, no bojo da denúncia ofertada em face do paciente,

asseverou (fl s. 44-63 e-STJ):

(...)

“De acordo com documentos recebidos do Procuradoria Geral da Federação

da Rússia, devidamente trazidos por tradutores públicos, por fatos ocorridos no

mesmo período, Berezovski responde, naquele país, a três investigações policiais:

a) Em abril de 1993, o governo da Federação Russa criou a Aerofl ot - Linhas

Aéreas Internacionais Russas, com 51 % (cinqüenta e um por cento) das ações

pertencentes ao Estado. Menos de um ano depois, Boris Berezovsky e Nikolai

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Gluchkov constituíram, na Confederação Suíça, a empresa Andava. A Andava, por

seu turno, criou a Corporação Financeira Unida FOK, tendo sido designado Cheinin

como seu diretor geral. Utilizando-se de sua infl uência, Berezovsky conseguiu que

Gluchkov e Krasnenker fossem designados, respectivamente, como vice-diretor

geral e vice-diretor geral para comércio e propaganda da Aerafl ot. Berezovsky,

Gluchkov e Krasnenker, em comum acordo com Kryzhevskaya, contadora-chefe

da Aerofl ot, e sob o pretexto de manutenção de recursos no Exterior, desviaram

para a Conta Corrente Corrente n. 423.237, mantida pela Andava junto ao UBS,

em Lausane, na Confederação Suíça, recursos da Aerafl ot correspondentes a cerca

de duzentos e cinqüenta e dois milhões de dólares. Da conta corrente da Andava,

tais recursos foram transferidos para contas pessoais de Gluchkov, Krasnenker,

Kryzhevskaya e Cheinin e para a Conta Corrente n. 90-254.646.1 no UBS, de

titularidade da empresa Ruko Trading, cujo proprietário é Boris Berezovsky.

Para garantir que os recursos não pudessem ser reclamados pela Aerofl ot, os

nominados forjaram contratos e títulos com Corporação FOK, associando, de

maneira dissimulada, ao capital desviado, juros e multas contratuais.

Conforme tradução pública da sentença juntada aos autos, Gluchkov,

Kryzhevskaya e Cheinin responderam a processo criminal e foram condenados como

incursos no artigo 159, parte 3 (b) do Código Penal da Federação Russa. A conduta

praticada amolda-se ao peculato, conforme previsto no art. 312 do Código Penal

Brasileiro.

Também por esses fatos, Boris está sendo investigado pelo delito estampado no

art. 174 parte 3 do Código Penal da Federação Russa, correspondente, em nossa

legislação penal, à lavagem de capitais praticada por organização criminosa. Boris

Berezovsky fugiu antes do início do processo e, pelas leis processuais vigentes à época,

não poderia ser processado à revelia.

A atuação de Boris Berezovsky, bem como dos demais envolvidos, é objeto de

investigação criminal na Confederação Suíça.

b) Entre 1994 e 1995, Boris Berezovsky teria comandado um grupo organizado

do qual participaram Patarkatsichvili e Dubov. Berezovsky, presidente do

Conselho de Diretores da Logovaz, empresa que comercializava automóveis

e detentor de 7,7% (sete inteiros e sete décimos por cento) do capital inicial

da sociedade, obteve 2.322 (dois mil, trezentos e vinte e dois) automóveis em

consignação da empresa fabricante Autovaz. Vendidos os automóveis, os recursos

correspondentes não foram pagos ao fabricante mas desviados em proveito

dos acima nominados, visando-se diversas fi nalidades, entre elas o pagamento

de ações da ORT - Televisão Russa Social, adquiridas por Boris Berezovsky,

assegurando-se sua eleição como primeiro vice-presidente do Conselho de

Diretores e o controle do primeiro canal de televisão da Federação Russa. Ademais,

em assembléia do Conselho de Diretores obteve a nomeação de Patarkatsichvili

como primeiro vice-diretor geral de comércio e fi nanças da ORT. Os recursos

desviados também foram utilizados, conforme extensa relação contida nos

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documentos oriundos da Procuradoria Geral da Federação Russa, para a compra

da Editora Ogoniok e aquisição de imóveis junto à empresa Soiuz International,

entre eles um chalé para a fi lha de Boris Berezovsky, Elena Berezovskaia.

Visando-se ocultar os valores desviados, Boris Berezovsky fez com que

a Logováz assumisse de maneira dissimulada, através da entrega fictícia de

títulos, os débitos fi scais que a Autovaz possuía junto ao distrito de Samara. Tal

compensação de créditos nunca ocorreu de fato.

Por conta de tais fatos, Boris Berezovsky também responde, nesse caso, a

investigação por infração ao artigo 159, parte 3 (b0 do Código Penal da Federação

Russa (antigo art. 147 do mesmo diploma legal), correspondente ao delito de

peculato previsto no art. 312 do Código Penal Brasileiro.

c) Em 1994, Boris Berezovsky, diretor geral da ABBA – Aliança Automobilística

de Toda a Rússia, amparado no Decreto Presidencial n. 2.286, de 26 de dezembro

de 1993 sobre medidas de auxílio à sociedade de ações ABBA, e sob o pretexto

de necessidade de um local para a promoção de encontros com delegações

nacionais e internacionais de alto nível, obteve a posse de uma propriedade rural

na região de Krasnogorski. Ato contínuo, Berezovsky, presidente do Conselho de

Diretores da Logovaz, empresa que comercializava automóveis e seu acionista,

fomentou a eleição de Dubov como diretor geral da sociedade e instigou-o a

comprar a casa de campo n. 2 situada na referida propriedade, transferindo-a para

os ativos da Logovaz. Em seguida, o referido imóvel foi vendido pela Logovaz à

fi lha de Boris Berezovsky, Elena Berezovskaia.

Por conta de tais fatos, Boris Berezovsky também responde, nesse caso, a

investigação por infração ao artigo 159, parte 4 do Código Penal da Federação

Russa, correspondente a peculato praticado por organização criminosa e em valores

elevados.

Considerando-se as investigações criminais supracitadas, foi determinada, pela

Federação da Rússia, a prisão de Boris Berezoysky em cada um dos procedimentos

criminais correspondentes.

Finalmente, na França, segundo documentos de fl s. 3-5 dos autos referentes ao

pedido de cooperação judicial com aquele país, Boris Berezovsky é investigado por

lavagem de capitais e utilização de documentos falsos, entre outros delitos, em

virtude da aquisição, em dezembro de 1996, do Castelo de Garoupe por 55 milhões

de francos. Em julho de 1997, também foi adquirido o Campanário de Garoupe por 90

milhões de francos, bem como móveis para o castelo num montante de 24 milhões de

francos” (fl s. 148-151).

(...)

3. Renato Duprat Filho e Kia Joorabchian: os intermediários de Boris BerezovsKy

(...)

3.2 Kia Joorabchian, nascido no Irã, que também responde por Kia Kiavash e

Kiavash Joorabchian, e apresenta nacionalidades britânica e canandense e duas

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datas de nascimento, a saber, 14.7.1971 e 25.7.1971, era desconhecido no mundo dos

negócios até junho de 1999, juntamente com outro iraniano chamado Reza Irani-

Kermani, ambos à frente de um também desconhecido fundo de investimentos recém

constituído e sediado nas Ilhas Virgens Britânicas, o American Capital LLC, e sem

falarem uma palavra em russo, adquiriram de Vladimir Yakovlev, fundador e sócio

majoritário da empresa, 85% (oitenta e cinco por cento) do kommersant Publishing

House, famoso grupo editorial russo responsável pela publicação de um jornal diário

e duas revistas especializadas, respectivamente, em política e fi nanças.

Na mesma época, 15% (quinze por cento) das quotas pertencentes ao então

diretor geral do grupo Lonid Miloslavsky foram adquiridos por Boris Berezovsky que já

havia, algum tempo antes, manifestado interesse na aquisição da empresa.

Algum tempo depois, Boris Berezovsky “comprou”as quotas de seu testa-de-ferro

Kia Joorabchian, e tornou-se o único controlador do grupo, tendo-o vendido em 2006

a seu amigo, o também milionário Badri Patartsishvili.

4. A primeira viagem a Londres e o verdadeiro proprietário da MSI

(...)

Embora à época (fls. 98-103 do apenso VII), Alberto Dualib tivesse afirmado

desconhecer que Berezovsky era investidor da MSI, quando ouvido às fls. 60-64,

retratou-se e declarou que Berezovsky Badri e Pinni Zahavi eram os principais

investidores da parceria MSI-SCCP.

Conforme relatórios do monitoramento telefônico conduzido pela Polícia Federal,

os investigados, em diversas oportunidades fi zeram referências a Boris Berezovsky

como o homem que detinha o poder de decisão, sendo constantemente alvo de

cobranças e consultas (fl s. 1.129, 1.223, 1.268, 1.304, 1.307, 1.309, 1.310, 1.311, 1.370,

1.371, 1.487, 1.488, 1.544 dos autos da interceptação telefônica). Nesse aspecto,

há menção a contatos supostamente mantidos junto a vários integrantes do alto

escalão do governo federal.

(...)

Os iranianos Kia Joorabchian e Nojan Bedroud apresentavam-se, então, em

referida alteração contratual, como diretor presidente e diretor sem designação,

respectivamente, da MSI Licenciamentos e Administração Ltda.

(...)

7. O ingresso de valores

Entre dezembro de 2004 e abril de 2007, a MSI Licenciamentos e Administração

Ltda. recebeu da Devetia Limited e, em alguns casos, da Altus Investment

Management Limited, conforme informações do Banco Central do Brasil e Banco

Bradesco S.A., US$ 32.541.940,00 (trinta e dois milhões, quinhentos e quarenta e

um mil, novecentos e quarenta dólares) a título de investimentos diretos no País,

empréstimos ou pagamentos de passes de atletas profi ssionais. A relação completa

desses ingressos pode ser vista na tabela abaixo.

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(...)

Os contratos de câmbio, registros de empréstimos estrangeiros e investimentos

externos diretos e contratos de câmbio relativos a MSI foram assinados por Kia

Joorabchian, Nojan Bedroud, Paulo Sérgio e Alexandre Verri (volumes 6, 7 e 8 da

documentação enviada pelo Banco Bradesco S.A.).

Os recursos recebidos do Exterior a título de investimento direto no País

foram creditados, via de regra, na Conta Corrente n. 303.247-7, aberta pela MSI

Licenciamentos e Administração Ltda. junto ao banco Bradesco S.A. e posteriormente

parte deles foi transferida para a Conta Corrente n. 209.000-7, de titularidade do

SCCP junto à mesma instituição fi nanceira, conforme documentação acostada aos

apensos formados pela documentação encaminhada pelo banco.

Por conta da parceria com a MSI, o SCCP também recebeu, em 29.12.2004 (vide

tabela acima), US$ 1.999.965,00 (um milhão, novecentos e noventa e nove mil

Novecentos e sessenta e cinco dólares) a título de empréstimo. Esses recursos teriam

como origem uma pessoa chamada Zaza Toid, natural da República da Geórgia.

Segundo Kia Joorabchian (fls. 482-488 do apenso III). Zaza estaria transferindo

diretamente ao SCCP, recursos correspondentes a um empréstimo contraído em

ocasião anterior com a Devetia Limited. Como se tratou da primeira remessa após

a celebração do contrato de parceria, os denunciados provavelmente cometeram,

devido à pressa com que desejavam os recursos, uma falha operacional, revelando

algo que não desejavam.

Também é de se observar que, após 5 de maio de 2006, data em que Boris

Berezovsky foi detido e interrogado no Brasil, apenas US$ 3.950.000,00 (três milhões,

novecentos e cinqüenta mil dólares) ingressaram no País por conta da parceria MSI-

SCCP, ou seja, cerca de 12% (doze por cento) do total que ingressou no País desde a

assinatura do contrato. Nos dezoito meses anteriores, o valor transferido do Exterior

foi de mais de vinte e oito milhões de dólares, o que parece revelar o receio de Boris

Berezovsky com o futuro de seus investimentos.

É de se observar, fi nalmente, que jogadores como Carlos Tevez (adquirido,

conforme contrato acostado às fl s. 920 do apenso correspondente, por vinte

milhões e seiscentos mil dólares) e Javier Mascherano (adquirido, conforme

contrato acostado às fls. 931 do apenso correspondente, por oito milhões,

quinhentos e quarenta e um mil euros), não foram pagos com os valores que

ingressaram em território nacional, mas diretamente no Exterior em datas, valores

e contas não revelados (nossos os grifos).

Como cediço, o trancamento de ação penal por meio de habeas corpus

é medida de índole excepcional, somente admitida nas hipóteses em que

se denote, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos

indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a

presença de alguma causa excludente de punibilidade.

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Tais hipóteses, contudo, não são vislumbradas nos autos, não havendo que

se falar em ausência de justa causa para a persecução penal.

Inicialmente, no tocante à alegação de falta de justa causa em razão

de a denúncia estar fundamentada apenas no monitoramento telefônico, ao

que se tem dos autos, verifi ca-se que a denúncia não se embasou apenas nas

interceptações telefônicas, mas, principalmente, em investigação iniciada em

razão da solicitação de providências formulada por Deputado Estadual do

Estado de São Paulo, dirigido ao Procurador Geral de Justiça do Estado de

São Paulo, na qual foram apontadas possíveis irregularidades entre a parceria

fi rmada pelo MSI e Sport Club Corinthians Paulista.

Tal solicitação foi embasada em investigações realizadas pela Interpol e

pelas autoridades britânicas, que apuravam o envolvimento de Kia Joorabchian,

ora paciente e do corréu Boris Berezovsky, com a suposta prática de crimes de

lavagem de dinheiro no exterior.

Destaque-se que, anteriormente às interceptações telefônicas, foram

realizadas investigações pela Agência Brasileira de Inteligência - Abin e pelo

Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, nas

quais foram colhidos indícios da suposta associação dos pacientes para a prática

do delito de lavagem de capitais.

Cumpre ressaltar, por oportuno, que a utilização das investigações

advindas da Interpol é plenamente válida, por força do art. 782 do Código de

Processo Penal, considerando-se que tal organismo tem o objetivo de promover

a cooperação policial entre os países membros, tendo o Brasil aderido ao

sistema em 6.10.1986 e, ainda, que a Polícia Federal – a quem foi entregue tal

investigação, é a autoridade nacional encarregada pelo Ministério da Justiça de

centralizar tais informações.

Ademais, ao contrário do alegado pelo impetrante, a inicial do Parquet

aponta, de forma sufi ciente para o início da persecução penal, como a conduta

dos pacientes, teria infl uído na suposta ocultação da origem e da propriedade

dos valores que ingressaram no país, que, em tese, seriam provenientes de crimes

praticados por organização criminosa e contra a Administração Pública de

outros países.

Por outro lado, a questão acerca da origem dos indícios contra o paciente –

investigação destinada a apurar a conduta dos ora pacientes a respeito da parceria

fi rmada pelo MSI e Sport Club Corinthians Paulista – encontra-se equacionada

pelo acórdão recorrido, conforme se depreende do seguinte trecho (fl s. 7.978 a

7.980 do e-STJ), o seguinte:

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De início, anoto que a denúncia não está lastreada unicamente no procedimento

de interceptação telefônica.

Nesse sentido, colho dos autos que a investigação, com o envolvimento do

Ministério Público acerca dos fatos em comento, teve seu início com a solicitação

de providências formulada pelo então Deputado Estadual do Estado de São Paulo

Romeu Tuma, dirigido ao Procurador Geral de Justiça paulista César Rebello Pinho,

em 18 de janeiro de 2005 (fl s. 1.876-1.879), informando possíveis irregularidades

entre a parceria fi rmada pelo MSI e “Sport Club Corinthians”.

Neste documento, constam informações a respeito das investigações realizadas

pela Interpol e pelas autoridades britânicas, que davam conta, em apertada síntese,

do envolvimento de Kia Joorabchian, ora paciente e do corréu Boris Berezovsky, com

supostos delitos de lavagem de dinheiro no exterior.

Antecederam também investigações confidenciais encetadas pela Agência

Brasileira de Inteligência (Abin), datadas de agosto de 2004 (fl s. 1.881-1.885), que

igualmente apontam o possível envolvimento de empresários do leste europeu, pela

suposta prática de lavagem de capitais, na compra de times de futebol no Brasil

(cópia do relatório acostada aos autos).

Há, ainda, um relatório de investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de

Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo (fl s. 2.079-2.093)

declinando, com detalhes, os indícios existentes do crime de lavagem internacional

de dinheiro envolvendo a mencionada parceria.

Há mais. Consta também que a conduta do paciente e demais envolvidos é objeto

de investigação criminal pela Confederação Suíça.

Portanto, a denúncia apresentada contra os pacientes e demais acusados

também está lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado no

âmbito do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, do

Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu razoável suporte

probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva e fortes indícios de

autoria, como já restou assentado por esta Egrégia Corte, quando do julgamento

do HC n. 2007.03.00.091728-3, de minha relatoria, impetrado em favor de Kiavash

Joorabchian, assim ementado:

(...)

Importante dizer, ainda, que o monitoramento telefônico teve início em 30.9.2005,

portanto, em momento signifi cativamente posterior ao início das investigações.

A corroborar o expendido, a denúncia descreve os fatos e noticia que a

ocultação ou dissimulação de bens, dinheiros e valores tiveram gênese em crimes

contra a Administração Pública, bem como em delitos praticados por organização

criminosa, estando lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado

no âmbito do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado -

Gaeco, do Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu

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razoável suporte probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva

e fortes indícios de autoria.

De ver-se, pois, nesta rápida digressão, que à época do decreto da primeira

interceptação telefônica (30.9.2005) já pendiam indícios firmes de autoria

e materialidade envolvendo as pessoas dos pacientes e alguns dos corréus,

corroborados seriamente por investigações anteriores, internacionais e nacionais.

(nossos os grifos).

Enfi m, in casu, com efeito, verifi ca-se, em princípio, a existência de vínculo

entre os denunciados e a empreitada criminosa a eles imputada.

Ademais, a análise mais aprofundada do tema demandaria aprofundado

exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao processo de

conhecimento, inviável em sede de habeas corpus, remédio jurídico-processual,

de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de

locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder, marcado por cognição sumária

e rito célere.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados desta Corte:

Habeas corpus. Denúncia. Alegação de inépcia da denúncia. Improcedência.

Dano qualifi cado, resistência, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, crime contra

a ordem econômica, adulteração de combustível, falsidade ideológica e formação

de quadrilha. Justa causa.

1. O pedido de revogação da prisão preventiva encontra-se prejudicado em

razão da notícia de que o Tribunal de origem revogou a custódia do paciente por

ocasião de julgamento de pedido de extensão em habeas corpus.

2. O pleito de trancamento da ação está, em parte, prejudicado, visto que esta

Corte concedeu a ordem, em outro writ, para trancar a ação penal relativamente

ao crime tipifi cado no art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990.

3. A peça vestibular preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo

Penal, descrevendo, com todas as suas circunstâncias, crimes de dano qualifi cado,

resistência, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica,

adulteração de combustível, falsidade ideológica e formação de quadrilha.

4. Segundo a denúncia, o paciente lideraria grupo criminoso voltado à

perpetração de diversas fraudes na comercialização de álcool combustível no

Estado de Pernambuco. A principal atividade da organização criminosa seria a de

conferir clandestinidade ao fornecimento de álcool, mediante a venda irregular e

direita ao consumidor fi nal, sem recolhimento de tributos ou mesmo controle de

qualidade pelas distribuidoras, com prejuízo à concorrência de mercado.

5. A peça de acusação preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo

Penal, descrevendo, com todas as suas circunstâncias, as infrações penais, revelando-

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se sufi ciente ao exercício da ampla defesa, não se olvidando que o réu se defende de

fatos e eventual erro na capitulação delitiva pode ser sanado na sentença.

6. Segundo a iterativa jurisprudência desta Corte, o trancamento da ação

penal por falta de justa causa, pela via do habeas corpus, é medida excepcional,

só admissível quando despontada dos autos, de forma inequívoca, a ausência de

indícios de autoria ou materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a extinção

da punibilidade, o que não se vislumbra na espécie.

7. Habeas corpus em parte prejudicado e, na outra extensão, denegado. (HC

n. 60.725-PE, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 6.10.2011, DJe

19.10.2011 - nossos os grifos).

Habeas corpus. Penal. Processual Penal. Crimes de evasão de divisas, lavagem

de dinheiro, formação e falsidade ideológica. Alegação de inépcia da denúncia.

Falta de justa causa. Suposta atipicidade do fato que não se verifi ca prontamente.

Trancamento da ação penal.

Impossibilidade. Necessidade de análise do conjunto fático-probatório ordem

denegada.

1. Tendo a denúncia sido formulada em obediência aos requisitos traçados no

art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente os fatos típicos

denunciados, crimes em tese, com todas as suas circunstâncias, atribuindo-os aos

pacientes, terminando por classifi cá-los, ao indicar os tipos legais supostamente

infringidos, não se pode tachá-la de inepta.

2. Há indícios nos autos que revelam a possibilidade de confi guração de conduta

criminosa, razão pela qual a ação penal deverá ter sua tramitação regular, a fi m de se

apurar o cometimento ou não dos crimes descritos na substanciosa denúncia. Não se

mostra possível, desta feita, a extinção anômala do processo-crime.

3. Ademais, não procede a alegação de falta de justa causa, na medida me que

a denúncia demonstrou a existência de indícios aptos à defl agração da ação penal,

não sendo possível, na via eleita, a análise profunda das provas para se chegar a

conclusão diversa.

4. Ordem denegada. (HC n. 170.416-RJ, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello

Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), Quinta Turma, julgado em 2.9.2010,

DJe 20.9.2010 - nossos os grifos).

A culpabilidade do paciente, de fato, deverá ser devidamente aferida

durante a instrução da ação penal, momento em que caberá à defesa insurgir-se,

com os meios de prova que considerar pertinentes, contra o fato descrito na peça

acusatória.

Por outro lado, no tocante à alegação de ilegalidade das interceptações

telefônicas realizadas nos autos, os artigos 3º e 4º da Lei n. 9.296/1996 assim

dispõem:

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Art. 3º A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada

pelo juiz, de ofício ou a requerimento:

I - da autoridade policial, na investigação criminal;

II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na

instrução processual penal.

Art. 4º O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a

demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal,

com indicação dos meios a serem empregados.

Com base nesses dispositivos, vislumbra-se que a realização de

interceptação telefônica exige indícios de autoria ou participação e a existência

de fato defi nido como crime - punido com pena de reclusão (art. 2º) -, que

careça de apuração e prova. Vicente Greco Filho, em sua obra Interceptação

Telefônica – Considerações sobre a Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996, com

efeito, assinala que a “mera suspeita ou fatos indeterminados não autorizam a

interceptação”. Ressalta o doutrinador que “a providência pode ser determinada

para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o

inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação penal”.

Isto porque a lei prevê a interceptação telefônica para fi ns de investigação

criminal, que pode se efetivar antes mesmo da instauração formal do

procedimento investigatório, qual seja, o inquérito policial.

No presente caso, o Ministério Público Federal constatou a existência

de elementos indicativos da participação dos pacientes na prática dos delitos

imputados a partir de informações fornecidas por várias fontes, quais sejam,

pela Interpol, pela Agência Brasileira de Inteligência - Abin, pelo Conselho

de Controle de Atividades Financeiras - Coaf e pelo Grupo de Atuação

Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, razão pela qual requereu

o monitoramento das pessoas investigadas, com o fi m de apuração de infração

penal.

Desse modo, não se vislumbra irregularidade na autorização da medida,

baseada na descrição clara da situação objeto da investigação, com a identifi cação

e qualifi cação dos investigados, demonstrando a necessidade da interceptação.

No que respeita às prorrogações, que a lei permite diante da

indispensabilidade da prova, as razões tanto podem manter-se idênticas à do

pedido original como alterar-se desde que a prova seja ainda considerada

indispensável.

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Nesse sentido, além da difi culdade de rediscutir as razões que justifi caram

uma e outra, pois é muito exíguo o espaço de discussão contraditória no regime

da via mandamental, a reiteração das razões não constitui por si só ilicitude.

Quanto à duração da diligência, dispõe o art. 5º, da Lei n. 9.296, de 1996:

Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também

a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze

dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do

meio de prova.

Ou seja, desde que devidamente fundamentada, a interceptação poderá ser

renovada por indefi nidos prazos de quinze dias. A razoabilidade das sucessivas

prorrogações, no presente caso, evidencia-se pela complexidade da investigação,

a qual possui elevado número de pessoas investigadas, bem como envolve

organização internacional de grande porte, tida como criminosa.

Nestes termos, confi ra-se o seguinte acórdão da Suprema Corte:

1. Competência. Criminal. Originária. Inquérito pendente no STF.

Desmembramento. Não ocorrência. Mera remessa de cópia, a requerimento do

MP, a juízo competente para apuração de fatos diversos, respeitantes a pessoas

sem prerrogativa de foro especial. Inexistência de ações penais em curso e de

conseqüente conexão. Questão de ordem resolvida nesse sentido. Preliminar

repelida. Agravo regimental improvido. Voto vencido. Não se caracteriza

desmembramento ilegal de ação penal, a mera remessa de cópia de inquérito, a

requerimento do representante do Ministério Público, a outro juízo, competente

para apurar fatos diversos, respeitantes a pessoas sujeitas a seu foro.

2. Competência. Criminal. Ação penal. Magistrado de Tribunal Federal

Regional. Condição de co-réu. Conexão da acusação com fatos imputados a

Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Pretensão de ser julgado perante este.

Inadmissibilidade. Prerrogativa de foro. Irrenunciabilidade. Ofensa às garantias do

juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Inexistência.

Feito da competência do Supremo. Precedentes. Preliminar rejeitada. Aplicação

da Súmula n. 704. Não viola as garantias do juiz natural e da ampla defesa,

elementares do devido processo legal, a atração, por conexão ou continência, do

processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados, a

qual é irrenunciável.

3. Competência. Criminal. Inquéritos. Reunião perante o Supremo Tribunal

Federal. Avocação. Inadmissibilidade. Conexão inexistente. Medida, ademais,

facultativa. Número excessivo de acusados. Ausência de prejuízo à defesa.

Preliminar repelida. Precedentes. Inteligência dos arts. 69, 76, 77 e 80 do CPP. Não

quadra avocar inquérito policial, quando não haja conexão entre os fatos, nem

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conveniência de reunião de procedimentos ante o número excessivo de suspeitos

ou investigados.

4. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Necessidade demonstrada nas

sucessivas decisões. Fundamentação bastante. Situação fática excepcional,

insuscetível de apuração plena por outros meios. Subsidiariedade caracterizada.

Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º, 4º, §

2º, e 5º, da Lei n. 9.296/1996. Voto vencido. É lícita a interceptação telefônica,

determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único

meio de prova, à apuração de fato delituoso.

5. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização.

Prorrogações sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de

investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput,

da Lei n. 9.296/1996. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a

prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda

que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação

diferenciada e contínua.

6. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização.

Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também durante o recesso forense.

Admissibilidade. Competência subsistente do Relator. Preliminar repelida.

Voto vencido. O Ministro Relator de inquérito policial, objeto de supervisão do

Supremo Tribunal Federal, tem competência para determinar, durante as férias

e recesso forenses, realização de diligências e provas que dependam de decisão

judicial, inclusive interceptação de conversação telefônica.

7. Prova. Criminal. Escuta ambiental. Captação e interceptação de sinais

eletromagnéticos, óticos ou acústicos. Meio probatório legalmente admitido.

Fatos que configurariam crimes praticados por quadrilha ou bando ou

organização criminosa. Autorização judicial circunstanciada. Previsão normativa

expressa do procedimento. Preliminar repelida. Inteligência dos arts. 1º e 2º, IV, da

Lei n. 9.034/1995, com a redação da Lei n. 10.217/1995. Para fi ns de persecução

criminal de ilícitos praticados por quadrilha, bando, organização ou associação

criminosa de qualquer tipo, são permitidos a captação e a interceptação de sinais

eletromagnéticos, óticos e acústicos, bem como seu registro e análise, mediante

circunstanciada autorização judicial.

8. Prova. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais

óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no

período noturno, para instalação de equipamento. Medidas autorizadas por

decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracterização. Suspeita grave da

prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto de exercício

da profissão. Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional.

Inteligência do art. 5º, X e XI, da CF, art. 150, § 4º, III, do CP, e art. 7º, II, da Lei n.

8.906/1994. Preliminar rejeitada. Votos vencidos. Não opera a inviolabilidade do

escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de

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crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob

pretexto de exercício da profi ssão.

9. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Transcrição da totalidade das

gravações. Desnecessidade. Gravações diárias e ininterruptas de diversos

terminais durante período de 7 (sete) meses. Conteúdo sonoro armazenado em 2

(dois) DVDs e 1 (hum) HD, com mais de quinhentos mil arquivos. Impossibilidade

material e inutilidade prática de reprodução gráfi ca. Sufi ciência da transcrição

literal e integral das gravações em que se apoiou a denúncia. Acesso garantido

às defesas também mediante meio magnético, com reabertura de prazo.

Cerceamento de defesa não ocorrente. Preliminar repelida. Interpretação do art.

6º, § 1º, da Lei n. 9.296/1996. Precedentes. Votos vencidos. O disposto no art. 6º,

§ 1º, da Lei Federal n. 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação

sensata de que, salvo para fi m ulterior, só é exigível, na formalização da prova de

interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante

para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice.

10. Prova. Criminal. Perícia. Documentos e objetos apreendidos. Laudos

ainda em processo de elaboração. Juntada imediata antes do recebimento da

denúncia. Inadmissibilidade. Prova não concluída nem usada pelo representante

do Ministério Público na denúncia. Falta de interesse processual. Cerceamento

de defesa inconcebível. Preliminar rejeitada. Não pode caracterizar cerceamento

de defesa prévia contra a denúncia, a falta de laudo pericial em processo de

elaboração e no qual não se baseou nem poderia ter-se baseado o representante

do Ministério Público.

11. Ação penal. Denúncia. Exposição clara e objetiva dos fatos. Acusações

específicas baseadas nos elementos retóricos coligidos no inquérito policial.

Possibilidade de plena defesa. Justa causa presente. Aptidão formal. Observância

do disposto no art. 41 do CPP. Recebimento, exceto em relação ao crime previsto

no art. 288 do CP, quanto a um dos denunciados. Votos vencidos. Deve ser

recebida a denúncia que, baseada em elementos de prova, contém exposição

clara e objetiva dos fatos delituosos e que, como tal, possibilita plena e ampla

defesa aos acusados.

12. Magistrado. Ação penal. Denúncia. Recebimento. Infrações penais

graves. Afastamento do exercício da função jurisdicional. Aplicação do art.

29 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Loman (Lei Complementar n.

35/1979). Medida aconselhável de resguardo ao prestígio do cargo e à própria

respeitabilidade do juiz. Ofensa ao art. 5º, LVII, da CF. Não ocorrência. Não viola a

garantia constitucional da chamada presunção de inocência, o afastamento do

cargo de magistrado contra o qual é recebida denúncia ou queixa. (Inq n. 2.424-

RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 26.3.2010).

Relativamente à alegação de ausência de fundamentação da decisão que

deferiu o monitoramento telefônico, extrai-se dos autos que o Magistrado de

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primeiro grau, em acolhimento à representação do Parquet, deferiu a medida

originariamente, pelos seguintes fundamentos (fl s. 6.112-6.121):

No caso dos autos, verifi co que de acordo com os documentos apresentados

pelo Ministério Público Federal, a quebra do sigilo requerida mostra-se como

único meio de prosseguir na investigação e, assim, de se apurar corretamente

a ocorrência de eventuais delitos, supostamente praticados pelo dirigentes do

Sport Club Corinthians Paulista.

Com efeito, as investigações efetuadas pelo Grupo Especial de Repressão ao

Crime Organizado - Gaeco procedeu à coleta de diversos elementos probatórios,

dentre eles: contrato social da empresa MSI Brasil Participações Ltda., documentos

encaminhados pelo Banco Central do Brasil e pelo Conselho de Controle de

Atividades Financeiras o Coaf, da Interpol, Relatório de Inteligência da Agência

Brasileira de Inteligência - Abin, além de declarações prestados por diversos

dirigentes do Corinthians.

Dos elementos probatórios coligidos aos autos contata-se que o Sport Club

Corinthians Paulista teria celebrado contrato com Media Sports Investiment Ltd.

(fl s. 51-68), da qual Kiavash Joorabhchian seria seu Diretor. Em seguida a Media

Sports criou no Brasil a empresa MSI Participações Ltda., que posteriormente

passou a denominar-se MSI Licenciamentos e Administração Ltda., tendo sido

criada para administrar todo o departamento de futebol profi ssional e amador do

Corinthians.

(...)

Embora sem seu depoimento Kiavash tenha negado qualquer participação de

Boris na negociação envolvendo o clube de futebol paulista Sport Club Corinthians,

o pedido do órgão ministerial impõe acolhida ante às fortes evidências no sentido

de que, de fato, ele teria envolvimento com as empresas que mantém o controle

da MSI, ou, no máximo, Kiavash estaria atuando, no Brasil, em seu nome.

(...)

Assim, diante da existência de indícios veementes de que haveria no Sport Club

Corinthians Paulista elementos de organização criminosa de nível internacional

que poderia estar atuando no Brasil objetivando a “lavagem” de valores, o

cometimento de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, dentre outros, e não

havendo outros meios para apurar os fatos, além das diligências já empreendidas,

impõe-se o acolhimento da medida acautelatória para identifi car o modus operandi

e os responsáveis pela eventual conduta delituosa. (nossos os grifos).

As decisões subsequentes, de prorrogação do monitoramento, se deram, do

mesmo modo, baseadas nas representações da autoridade policial e do membro

do Parquet, como forma de dar continuidade às investigações, conforme se

verifi ca às fl s. 6.112 a 7.770 dos autos.

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Ao que se tem, as decisões não carecem de adequada fundamentação, pois

proferidas em acolhimento às postulações da autoridade policial e do Ministério

Público Federal, necessárias para a continuidade das investigações em curso,

voltadas para a apuração da prática do delito de “lavagem” de valores e formação

de quadrilha.

Ademais, conforme já ressaltado, com relação às prorrogações efetuadas

“a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento

segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que

devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para

o prosseguimento das investigações” (STF, RHC n. 88.371-SP, 2ª Turma, Rel.

Min. Gilmar Mendes, DJU de 2.2.2007).

A medida, assim, foi deferida nos exatos termos da Lei n. 9.296/2006,

uma vez que, havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração

penal em delito punível com pena de reclusão (art. 2º, I e III), foi determinada

pelo Juiz, a requerimento da autoridade policial e do Ministério Público, em

investigação criminal (art. 3º, I), que representaram no sentido da necessidade

da medida (art. 2º, II).

Não bastasse isso, esta Corte já decidiu que a averiguação da

indispensabilidade da medida como meio de prova não pode ser apreciada na

via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação probatória que se faria

necessária (HC n. 15.820-DF; Relator Ministro Felix Fischer; DJ de 4.2.2002).

Outrossim, o auto circunstanciado não é elemento essencial para a

validade da prova, tratando-se de documento secundário, incapaz de macular a

interceptação telefônica.

O acórdão recorrido, por sua vez, traz a informação de que:

Ainda sob o aspecto da relevância da forma dos atos processuais e

extraprocessuais, tenho que a ausência de autos circunstanciados a acompanhar

os relatórios das escutas é formalidade plenamente suprível com o desenrolar da

instrução.

Precipuamente considerando-se que as partes e seus respectivos procuradores

tiveram acesso aos dados coletados e lhes foram oportunizados o contraditório e a

ampla defesa, conferidos pelo conhecimento do conteúdo constante dos áudios e

degravações juntados os autos, a ponto de realizarem tempestivamente suas defesas.

De qualquer forma, as partes tiveram acesso ao teor dos autos circunstanciados,

conforme se verifi cou quando do julgamento do HC n. 2008.03.00.003689-1, cujo

tópico de interesse transcrevo:

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Os trechos das transcrições do monitoramento telefônico que

forneceram subsídio à denúncia integram os autos em Apenso porquanto

foram coletados nos pertinentes Relatórios Circunstanciados da Autoridade

Policial, guardando pertinência com os diálogos constantes das mídias.

Além disso, os diálogos citados no despacho que a recebeu e que consta

da decisão exarada aos 11.7.2007 (fl s. 169-214) também estão transcritos

e compõem os autos do Pedido de Interceptação Telefônica, cujo acesso

existe desde sempre e, no que tange à integralidade das mídias, a partir de

14.9.2007.

Como se vê, consta dos autos que as partes tiveram acesso aos dados

coletados com as interceptações telefônicas, razão pela qual, tendo sido

oportunizado o contraditório e ampla defesa, não há se falar em nulidade na

presente hipótese, pois a defesa não logrou demonstrar a ocorrência de prejuízos

aos pacientes.

É cediço que, em se tratando de Processo Penal, é princípio básico o

disposto no art. 563 do CPP, ou seja, só se declara nulidade quando evidente, de

modo objetivo, efetivo prejuízo para o acusado, o qual não restou evidenciado no

presente caso.

Nesse sentido, trago os seguintes precedentes de minha relatoria, ambos

julgados, à unanimidade, por esta Turma:

Criminal. Habeas corpus. Preparação, produção, maquinário e tráfi co ilícito de

drogas. Associação para o tráfi co. Interceptção telefônica. Ausência de transcrição

integral e perícia. Alegação de nulidade. Prisão decorrente de fl agrante. Gravações

utilizadas unicamente no inquérito. Prejuízo não comprovado. Inteligência dos

arts. 563 e 566 do CPC. Art. 33, § 1º, inciso I e art. 34 da Lei n. 11.343/2006.

Consunção pelo delito do art. 33, caput, do mesmo diploma. Crimes autônomos.

Associação para o tráfi co. Alegação de insufi ciência de provas. Via inadequada.

Causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Não

preenchimento dos requisitos. Ordem parcialmente conhecida e denegada.

I. Eventuais irregularidades em interceptações telefônicas utilizadas unicamente

no inquérito policial não são aptas a ensejar a declaração da nulidade do processo.

II. Para declaração da nulidade é necessária a comprovação do prejuízo.

Inteligência dos arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal.

III. Os delitos tipifi cados no art. 33, § 1º, inciso I e art. 34 são autônomos em

relação ao crime do art. 33, caput, todos da Lei n. 11.343/2006.

IV. O pleito de absolvição pelo delito de associação para o tráfi co demanda

revolvimento da matéria fático-probatória, incabível na via eleita.

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V. Tendo sido o paciente condenado em duas instâncias de ampla cognição,

não pode o mandamus, como se fosse um segundo recurso de apelação,

sobrepor-se àqueles julgados.

VI. Incabível a aplicação de causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da

Lei n. 11.343/2006 em hipótese de paciente fl agrado tendo em depósito mais

de 15 (quinze) quilos de cocaína, bem como R$ 43.000, 00 (quarenta e três mil

reais), sendo desempregado, e apontado por corréu como pessoa envolvida com

o tráfi co.

VII. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (HC n.

179.744-SP, julgado em 12.4.2011, DJe 11.5.2011 - nossos os grifos).

Criminal. HC. Tráfi co de entorpecentes. Interceptação telefônica. Nulidades.

Envio do resultado da diligência ao Ministério Público antes da remessa ao

juiz. Mera irregularidade. Incorreção sanada. Ausência de auto circunstanciado.

Elemento secundário. Existência de informações necessárias à constatação da

legalidade da prova. Condenação baseada em outros elementos do conjunto

probatório. Ordem denegada.

I. O fato das degravações, juntamente com as fitas obtidas através da

interceptação telefônica, terem sido encaminhadas ao Ministério Público e não

ao Juízo, confi gura mera irregularidade II. Evidenciado que o Órgão ministerial,

ao reconhecer a incorreção no recebimento do resultado da interceptação,

encaminhou o material ao Magistrado, requerendo o apensamento deste ao

processo, resta sanada a incorreção do procedimento.

III. O auto circunstanciado não é elemento essencial para a validade da prova,

tratando-se de documento secundário, incapaz de macular a interceptação

telefônica.

IV. Constando dos autos a listagem dos telefonemas gravados, com as

respectivas datas e horas, é perfeitamente possível constatar se a interceptação

respeitou o prazo autorizado pelo Juízo para a realização da prova, verifi cando-se

sua licitude.

V. Tratando-se de nulidade no Processo Penal, é imprescindível, para o seu

reconhecimento, que se faça a indicação do prejuízo causado ao réu, o qual não

restou evidenciado no presente caso.

VI. Resta operada a preclusão, pois a defesa permaneceu inerte durante todo o

processo, nada tendo questionado acerca da validade da interceptação telefônica,

vindo a argüir a matéria somente em sede de revisão criminal.

VII. Se a sentença fundou-se em outros elementos do conjunto probatório,

independentes e lícitos, não se reconhece a apontada imprestabilidade da

interceptação telefônica para embasar a condenação, em especial quando tal

prova não se mostra ilícita.

VIII. Ordem denegada. (HC n. 44.169-DF, julgado em 13.9.2005, DJ 3.10.2005, p.

304 - nossos os grifos).

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No tocante à alegação de nulidade advinda da falta de razoabilidade e

pertinência da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico de todas as

pessoas que mantiveram contato com os investigados, o que teria ensejado o

deferimento de novos monitoramentos, sem a existência de suspeita defi nida,

verifi ca-se que tal argumento não foi analisado pelo Tribunal de origem, o que

impede sua apreciação nesta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.

A corroborar tal entendimento, trago à colação o seguinte julgado desta

Corte:

Habeas corpus. Homicídio qualificado. Nulidade na quesitação. Tese não

suscitada na apelação. Supressão de instância. Matéria não arguida na sessão

plenária. Preclusão. Ordem denegada.

1. Se as nulidades ora suscitadas não foram examinadas expressamente

pelo Tribunal de origem, não sendo objeto da apelação, não podem ser

enfrentadas por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de indevida supressão

de instância.

2. As nulidades ocorridas em plenário do Tribunal do Júri devem ser arguidas

na sessão de julgamento e constarem da respectiva ata, sob pena de preclusão, a

teor do art. 571, VIII, do Código de Processo Penal.

3. Ordem denegada. (HC n. 78.652-SP, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria

Thereza de Assis Moura, DJe 9.3.2011).

Gize-se, ainda, que, além de não ser sido demonstrado, em observância ao

princípio do pas de nullité sans grief, qualquer prejuízo aos pacientes, a análise

da questão, tal como posta, demandaria o revolvimento do lastro probatório,

impossível na estreita via do habeas corpus.

Neste sentido, confi ram-se os seguintes precedentes:

Habeas corpus. Penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Incidente de

uniformização de jurisprudência. Ausência de interesse processual. Não admissão.

Liberdade provisória. Questão não apreciada pelo Tribunal a quo. Supressão de

instância. Interceptação telefônica. Nulidade. Revolvimento fático-probatório. Via

imprópria. Ordem não conhecida.

I. Carece de interesse processual para suscitação de incidente de uniformização

de jurisprudência, em relação ao cabimento de liberdade provisória aos acusados

pelo crime de tráfi co ilícito de entorpecentes, o paciente que não se benefi ciará

com eventual entendimento mais favorável. Incidente não admitido.

II. Não tendo o pedido de liberdade provisória sido apreciado pelo órgão

colegiado do Tribunal a quo, não pode esta Corte conhece-lo, sob pena de

indevida supressão de instância.

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 633

III. A discussão da legalidade das interceptações telefônicas realizadas demanda

profundo revolvimento do lastro probatório, inviável em sede de habeas corpus.

Precedentes.

VI. Ordem não conhecida. (HC n. 124.824-SP, minha relatoria, Quinta Turma,

julgado em 16.6.2011, DJe 1º.7.2011 - nossos os grifos).

Processual Penal. Habeas corpus. Corrupção ativa. Nulidade. Prova obtida por

meio de interceptação telefônica autorizada judicialmente. Não- ocorrência.

Ordem não-conhecida.

1. Tendo o Tribunal a quo reconhecido a legalidade das interceptações telefônicas

colhidas com a devida autorização judicial, é incabível, em sede de habeas corpus, o

reexame do contexto fático-probatório dos autos, em virtude da sua estreita via.

2. Ordem não-conhecida. (HC n. 121.137-MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves

Lima, DJe 7.12.2009 - nossos os grifos).

Diante do exposto, denego a ordem.

É como voto.

VOTO VENCIDO

O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do

TJ-RJ): Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Kiavash Joorabchian

e Nojan Bedroud, denunciados como incursos nas sanções do art. 1º da Lei

n. 9.613/1998, c.c. incisos V e VII do mesmo artigo, do art. 288, do CP e

dispositivos previstos nos Decretos n. 5.015/2004 e n. 5.687/2006.

Alegam os impetrantes que os ora pacientes sofrem constrangimento ilegal,

porquanto a persecução criminal estaria baseada, exclusivamente, em dados

obtidos por meio de escutas telefônicas deferidas sem a devida fundamentação,

bem como, prorrogadas indefi nidamente ao arrepio da legislação de regência.

Levado o feito a julgamento, o eminente Ministro Gilson Dipp denegou a

ordem, no que foi acompanhado pelos demais membros desta c. Quinta Turma.

A despeito da certeza do resultado já fi rmado no presente julgado pedi

vista dos autos.

Acerca da fundamentação da decisão que autorizou a quebra do sigilo

das comunicações do ora paciente, acompanho o eminente Ministro Relator,

considerando que, ao menos naquele momento, havia fundamentos idôneos

para que fosse autorizada a medida investigatória.

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A respeito do prazo da escuta, passo a tecer as considerações que julgo

pertinentes.

É certo que tenho me posicionado no sentido de que a legislação que

regulamenta a investigação por meio de escutas telefônicas deve ser observada

no sentido de sua literalidade, não podendo - salvo casos excepcionais

- ser prorrogado o expediente por período superior àquele expressamente

determinado no diploma legal, qual seja, 15 (quinze) dias, sucedidos por outros

15 (quinze) dias.

Como dito, no julgamento do HC n. 144.137-ES, considerei válida a

prorrogação por prazo superior, em razão da adequada fundamentação

apresentada pela autoridade policial, corroborada pelos representante do Parquet

e expressa limitação da autorização feita pelo MM. Juízo de piso.

Naqueles termos, admitiu-se a prorrogação diante das condições específi cas

e expressas no caso concreto, o que, de alguma forma, fl exibiliza a limitação

temporal imposta pela legislação pertinente.

Todavia, no presente caso, observa-se que as prorrogações se deram de

forma quase que automática, sem qualquer fundamento que demonstrasse

a existência de novos fatos ou interlocutores, capaz de demonstrar que a

continuidade da escuta era imprescindível à persecução criminal.

Pelo exposto, com a máxima vênia do relator e de meus pares, ouso divergir,

concedendo a ordem pleiteada, para considerar ilegais as escutas telefônicas

realizadas após o prazo expressamente autorizado por lei.

HABEAS CORPUS N. 192.138-RJ (2010/0222947-3)

Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)

Impetrante: Diana Rodrigues Muniz

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro

Paciente: A R F

EMENTA

Habeas corpus. Atentado violento ao pudor com violência

presumida. Submissão de criança ou adolescente sob sua autoridade a

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constrangimento. Nulidade processual. Indeferimento de diligências.

Possibilidade. Documento novo juntado aos autos antes das alegações

fi nais. Constrangimento ilegal não evidenciado. Exame social realizado

de forma precária. Inocorrência. Audiência especial para composição

de confl itos. Impossibilidade. Ação penal pública incondicionada.

Ausência de acesso ao inquérito policial. Supressão de instância.

Matéria não analisada nas instâncias ordinárias. Dosimetria da pena.

Fundamentação idônea.

1. O Julgador pode indeferir, de maneira fundamentada,

diligências que considere protelatórias ou desnecessárias, tendo em

vista um juízo de conveniência quanto à necessidade de sua realização,

que é próprio e exclusivo do Juiz, por ser ele o destinatário da prova.

2. Eventuais irregularidades ocorridas na realização do exame

social não possuem o condão de, por si só, macular todo o processo

criminal, levando em conta, ainda que o exame social realizado com

o paciente não é a única prova a fundamentar a condenação, que foi

baseada também nas demais elementos colhidos nos autos.

3. Não há constrangimento ilegal quando se verifica que o

documento novo foi juntado aos autos em momento anterior ao prazo

para alegações fi nais, pois nesse momento poderia a defesa ter se

manifestado e contestado sua validade.

4. A legislação não contempla a possibilidade de designar-se

audiência especial, para composição de confl itos, quando se trata de

crime de ação pública incondicionada e foge às hipóteses de pequeno

potencial ofensivo.

5. Não se conhece de habeas corpus cuja matéria não foi objeto de

decisão pela Corte de Justiça Estadual, sob pena de indevida supressão

de instância.

6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou

o entendimento de que para a elevação da pena pela continuidade

delitiva, deve-se levar em conta o número de infrações cometidas.

Dessa forma, tendo em vista que a vítima era menor de 14 anos por

ocasião do início da prática delituosa e que os fatos se prolongaram

pelo período de dois anos, o que denota o elevado número de infrações

penais contra ela cometidas, mostra-se razoável que, na hipótese em

apreço, seja aplicado o índice mais gravoso.

7. Habeas corpus não conhecido.

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ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de

Justiça, por unanimidade, em não conhecer do pedido.

Os Srs. Ministros Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE), Jorge Mussi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 9 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Campos Marques, (Desembargador convocado do TJ-PR),

Relator

DJe 15.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR): Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso especial, impugnando

os termos do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que

manteve, integralmente, a decisão de primeiro grau, que condenou o paciente a

12 (doze) anos de reclusão, como incurso nas disposições do art. 214, c.c. o art.

224, alínea a, e art. 226, inciso II, todos do Código Penal, observada a regra do

crime continuado.

No presente writ, alega a impetrante, em síntese: i) nulidade consubstanciada

na ausência de fundamentação do indeferimento das diligências requeridas pela

defesa; ii) nulidade por ausência de abertura de prazo à defesa para manifestação

sobre documentos acostados aos autos; iii) nulidade do exame social por ter sido

realizado de forma precária; iv) violação aos princípios garantidores dos direitos

subjetivos constitucionais do acusado, em razão do indeferimento da audiência

especial; v) nulidade das decisões das instâncias ordinárias, uma vez que o

paciente foi condenado com base em inquéritos policiais aos quais o paciente

não teve acesso; vi) ausência de fundamentação quanto à fi xação da pena-base.

Postulou, ainda, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado

da sentença penal condenatória.

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Pleiteia, então, a concessão da ordem para que seja declarada a nulidade

da sentença e do acórdão, e como consequência, a absolvição do paciente.

Subsidiariamente, pede a redução da pena a ele aplicada.

A liminar foi indeferida às fl s. 659 pelo Ministro Presidente deste Tribunal.

As informações solicitadas foram acostadas aos autos às fl s. 675-733.

O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fl s. 737-

744).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR) (Relator): De início, é importante destacar que o habeas corpus, conforme

reiterada jurisprudência desta Corte, presta-se a sanar coação ou ameaça ao

direito de locomoção, sendo restrito às hipóteses de ilegalidade evidente,

incontroversa, relativa a matéria de direito, cuja constatação independa de

qualquer análise probatória.

Buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102, inciso II, alínea

a, da Constituição Federal, e aos artigos 30 a 32, ambos da Lei n. 8.038/1990,

a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a não

mais admitir o manejo do habeas corpus em substituição a recursos ordinários

(apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco como sucedâneo de

revisão criminal.

Essa orientação foi aplicada pela Primeira Turma da Corte Suprema, no

julgamento do HC n. 109.956-PR, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, e

do HC n. 114.550-AC, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Destaco, ainda, o

HC n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra Rosa Weber:

Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.

Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou

arbitrariedade.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

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Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes.

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado.

O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da

Colenda Corte, passou também a restringir as hipóteses de cabimento do

habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em

substituição do recurso cabível.

Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado:

Habeas corpus. Extorsão mediante sequestro. Condenação. Apelação julgada.

Writ substitutivo de recurso especial. Inviabilidade. Dosimetria da pena. Incidência

de agravante. Teses não alegadas na apelação. Supressão de instância. Não

conhecimento.

1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de

se prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do writ

são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em

substituição ao recurso cabível, vale dizer, o especial.

2. Para o enfrentamento de teses jurídicas na via restrita, imprescindível

que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação

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seja evidente e independa de qualquer análise probatória, sendo de rigor a

observância do devido processo legal,

3. Hipótese em que as teses arguidas sequer foram objeto da apelação, razão

pela qual não foras enfrentadas pelo Tribunal de origem, o que impede seu

exame por esta Corte, sob pena de supressão de instância.

4. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 131.970, Rel. Ministra Maria Thereza de

Assis Moura, Julgamento realizado em 28.8.2012, DJe 5.9.2012).

No entanto, considerando que este remédio constitucional foi impetrado

antes da alteração do entendimento jurisprudencial, a fi m de evitar prejuízos à

ampla defesa e ao devido processo legal, o alegado constrangimento ilegal será

enfrentado para que se examine a possibilidade de eventual concessão de habeas

corpus de ofício.

A impetrante, como visto no relatório, sustenta, inicialmente, a nulidade

do processo, por ausência de fundamentação no indeferimento das diligências

requeridas pelo réu.

Este, de fato, postulou a efetivação de diligências, das quais três foram

indeferidas, tendo a magistrada singular justificado adequadamente, pois

registrou que se mostravam “protelatórias e desnecessárias ao esclarecimento do

fato narrado na petição inicial”, e nestas condições, fez consignar que não havia

necessidade de “obter informações sobre eventual inquérito a que respondeu o

acusado, pois é incontroversa a notícia que o procedimento foi arquivado” (fl .

423).

Da mesma forma, afastou o outro pedido, com a justifi cativa de que não

interessava à decisão da causa, como, efetivamente, não interessa, a obtenção de

informações acerca do “processo de separação do acusado e de sua esposa” (fl .

423).

Indeferiu, por igual, a expedição de ofício à 128ª Delegacia de Polícia,

solicitando notícia, provavelmente, de um boletim de ocorrência, o qual, segundo

a manifestação judicial era “totalmente dissociado dos fatos” (fl . 423).

Estes argumentos, que entendo totalmente adequados, foram acolhidos

pelo acórdão impugnado, de modo que não há que se falar em ilegalidade.

Além disso, cumpre destacar que a impetrante se limitou a aguir a nulidade,

mas sem apontar eventual prejuízo para a defesa do paciente, e, neste aspecto, é

possível dizer que não há irregularidade, pois, como se tratam de documentos

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de fácil obtenção, poderiam, se fosse o caso de efetivamente favorecerem ao

acusado, terem sido trazidos ao processo independentemente de requisição.

Ademais, é sabido que o Julgador pode indeferir, de maneira fundamentada,

diligências que considere protelatórias ou desnecessárias, tendo em vista um

juízo de conveniência quanto à necessidade de sua realização, que é próprio e

exclusivo do Juiz, por ser ele o destinatário da prova.

Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte:

Habeas corpus. Processual Penal. Atentado violento ao pudor. Violência

presumida. Indeferimento dos pedidos de perícia médica e nova oitiva da vítima

acompanhada por psicólogo. Alegação de cerceamento de defesa. Inexistência.

Diligência indeferida de forma motivada pelo juízo processante. Ordem denegada.

1. O Magistrado condutor da ação penal pode indeferir, desde que em decisão

devidamente fundamentada, as diligências que entender protelatórias ou

desnecessárias, dentro de um juízo de conveniência, que é próprio do seu regular

poder discricionário.

2. (...)

4. Ordem denegada.

(HC n. 136.278-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 1º.8.2011).

Penal. Habeas corpus. Estupro e atentado violento ao pudor. Progressão de

regime. Reiteração de pedido. ...

I – (...)

III - O deferimento de diligências é ato que se inclui na esfera de

discricionariedade regrada do Magistrado processante, que poderá indeferi-las

de forma fundamentada, quando as julgar protelatórias ou desnecessárias e sem

pertinência com a instrução do processo, não caracterizando, tal ato, cerceamento

de defesa (Precedentes do STF e do STJ).

(...)

Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado.

(HC n. 102.362-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 2.2.2009).

No mesmo sentido, assim também já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Crimes de estupro e atentado

violento ao pudor. Artigos 213 e 214 do Código Penal. Pedido de produção

de prova formulado pela defesa. Requerimento motivadamente indeferido.

Possibilidade. Alegado cerceamento de defesa não evidenciado. Precedentes.

Ordem denegada.

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1. É firme a jurisprudência da Corte no sentido de que “não há falar em

cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma fundamentada,

lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos, indefere pedido de

diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória,

não sendo possível se afi rmar o acerto ou desacerto dessa decisão nesta via

processual” (HC n. 106.734-PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo

Lewandowski, DJe 4.5.2011).

2. Na espécie o pedido de provas requeridas pela defesa foi motivadamente

indeferido pelo juízo de piso por entender serem elas meramente

procrastinatórias.

3. Nesse contexto, a presença de justifi cativa para a negativa de produção das

provas requeridas pela defesa é o que basta para se denegar a ordem, uma vez

que, na linha de precedentes, a via do habeas corpus não abre passagem para se

aferir o acerto ou desacerto daquela decisão.

4. Ordem denegada.

(HC n. 108.961, Rel. Ministro Dias Toff oli, Primeira Turma, DJe 1º.8.2012).

Reclama, por outro lado, na precariedade e, consequentemente, nulidade

do “parecer social”, elaborado por Assistente Social da Vara Única da Comarca

de Cassimiro de Abreu-RJ, vez que o r. Juízo de origem não dispunha de

profi ssional para tanto.

No referido estudo, efetivou-se, além da leitura dos autos, entrevistas com a

vítima, sua mãe, seu irmão (a testemunha Ian Dalton Fiorentim, que contava 10

anos de idade) e com o réu, cujo encontro verifi cou-se na carceragem da Cadeia

Pública de Macaé-RJ, onde este se encontrava.

O local, de fato, não é o melhor, porém, há que se convir, que não havia outro,

já que ele se encontrava ali recolhido, e, o que importava, é que a profi ssional

encarregada de elaborar o estudo não encontrou qualquer difi culdade em fazê-lo

- ao menos não referiu-se no respectivo parecer.

Vale registrar, ademais, que o decisum condenatório utilizou-se, é verdade,

do referido estudo social, mas deixou patente que o fazia para concluir que a

ofendida, “seja em juízo, seja em sede policial, ou nas entrevistas aos técnicos,

jamais de contradisse” (fl . 531).

Além de tudo, conforme salientado pelo Tribunal de origem, eventuais

irregularidades ocorridas na realização do exame social não possuem o condão

de, por si só, macular todo o processo criminal, sem que ao menos se alegue ou se

demonstre, ainda que de forma precária, o prejuízo experimentado pela defesa.

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Cinge-se também a irresignação quanto à suposta ausência de abertura

de prazo para manifestação da defesa acerca de documentos novos juntados

aos autos, a saber, o estudo social antes referido, situação que teria ensejado

cerceamento do seu direito de defesa.

No ponto, extrai-se do acórdão atacado (fl . 608):

Na mesma esteira, não merece prosperar a alegação de que a defesa não teve

oportunidade para se manifestar sobre os documentos de fl s. 283 verso, 287 e

291-293, já que o fez em sede de alegações fi nais, momento oportuno para expor

suas teses defensivas.

No trecho acima destacado, o Tribunal de origem consignou expressamente

que o prazo foi oportunizado, pois, tendo sido juntado aos autos em momento

anterior as alegações fi nais, nesta ocasião, poderia a defesa ter apresentado as

suas eventuais considerações.

Esta eg. Turma, em decisão do eminente Ministro Marco Aurélio Bellizze,

já proclamou o que segue:

Não há constrangimento ilegal quando se verifi ca que o documento novo

foi juntado aos autos em momento anterior ao prazo para alegações fi nais, pois

nesse momento poderia a defesa ter se manifestado e contestado sua validade.

(HC n. 152.792-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 22.3.2012).

Aponta, também, nulidade, em decorrência da não realização de “audiência

especial”, para recomposição de confl itos familiares.

A Dra. Juíza de Direito e o Tribunal a quo indeferiram a pretensão,

sustentando que a medida busca “mais uma vez - protelar o julgamento” (fl . 525)

e que é descabida, “uma vez que se trata de ação penal pública incondicionada”

(fl . 608).

A par destes argumentos, vale ressaltar que a nossa legislação processual

não contempla, absolutamente, a solenidade reclamada, a não ser nos processo

afetos a Lei n. 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e

Criminais, a cujas disposições, evidentemente, não está sujeita a ação penal por

crime de atentado violento ao pudor, cuja tipifi cação estava em vigor por ocasião

do fato.

Embora não seja especifi camente o caso, não custa ressaltar o seguinte

precedente, desta e. Turma, que mostra a total improcedência da audiência

requerida, a saber:

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Na hipótese em apreço, a não realização de audiência preliminar não acarretou

qualquer prejuízo à defesa do paciente, notadamente em razão de o crime a ele

imputado ser de ação pública incondicionada, cujo processamento e julgamento

não podem ser obstados ante a composição civil dos danos entre o autor do fato

e a vítima.

(HC n. 127.904-SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 24.6.2011).

Veja-se, também:

Penal. Processo Penal. Recurso ordinário. Crime falimentar. Lei n. 9.099/1995.

Rececimento da denúncia. Inversão da ordem do processo. Nulidade não

caracterizada. Descamimento da audiência preliminar. Ausência de prejuízo.

A audiência preliminar prevista no art. 72 da Lei n. 9.099/1995, tem cabimento

quando existe possibilidade de composição civil de danos e oferta de transação

penal para os delitos qualifi cados como de menor potencial ofensivo.

(...)

(RHC n. 17.255-RJ, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, DJ 5.4.2004, p. 329).

Não há, nestas condições, a invocada nulidade.

No aspecto em que refere-se a constrangimento ilegal decorrente da

condenação do paciente, baseado em inquéritos policiais dos quais ele não

teve acesso, é forçoso reconhecer que esta alegação não foi articulada nem no

juízo singular e, tampouco, apreciada pelo Tribunal de Justiça, de sorte que o

conhecimento da impetração, nessa parte, implicaria em vedada supressão de

instância.

Ressalto, portanto, que o Supremo Tribunal Federal vem decidindo, de

maneira uniforme, que a irresignação não submetida à instãncia a quo torna

inviável o seu conhecimento em sede de writ impetrado perante aquela Excelsa

Corte.

Nesse sentido:

Habeas corpus. Penal. Furto. Alegação de incidência do princípio da

insignifi cância: tese não debatida na instância anterior. Compatibilidade entre o

privilégio e a qualifi cadora do crime de furto: possibilidade. Precedentes. Habeas

corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, concedido.

1. Se a alegação da eventual incidência do princípio da insignifi cância não

foi submetida às instâncias antecedentes, não cabe ao Supremo Tribunal delas

conhecer originariamente, sob pena de supressão de instância.

2. (...)

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(HC n. 100.307, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em

10.5.2011, DJe-106 DIVULG 2.6.2011 PUBLIC 3.6.2011 EMENT VOL-02536-01 PP-

00119).

Do mesmo modo, em harmonia com a orientação da Corte Suprema,

as Turmas Criminais do Superior Tribunal de Justiça vêm exarando, em seus

julgados, a compreensão de que a tese apresentada pelo impetrante, sem a

devida apreciação pela autoridade apontada como coatora, torna incompetente

este Sodalício para examiná-la, diante da indevida supressão de instância.

Em conformidade, o seguinte precedente:

Habeas corpus. Penal. Roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, inciso I, do Código

Penal). Apelação criminal exclusiva do Ministério Público. Arma de fogo. Exame

pericial. Impossibilidade. Não apreensão do instrumento. Matéria não levada ao

conhecimento do Tribunal de Justiça. Supressão de instância.

1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido

de que “contra decisões proferidas em recurso de devolução integral da causa

- a exemplo do que sucede na apelação -, o cabimento do habeas corpus

para a instância superposta independe de que o seu fundamento tenha sido

expressamente suscitado ou repelido” (HC n. 71.818-BA, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita

Vaz, DJ de 23.4.2007), em razão da ampla devolutividade do recurso de apelação.

2. Na espécie, tratou-se de apelação exclusivamente ministerial, o que signifi ca

que a matéria devolvida à análise da Corte de origem foi aquela levantada pelo

Parquet. Evidentemente, não se olvida a possibilidade da Corte a quo, de ofício,

conceder habeas corpus em benefício do réu. Todavia, o Impetrante ainda pode

ajuizar este mesmo remédio constitucional perante a Corte Estadual, que poderá

analisar a questão.

3. Não há como ser conhecida a impetração, diante da manifesta incompetência

desta Corte Superior de Justiça (art. 105, II, alínea a, da Constituição Federal) para

apreciar originariamente a matéria, sob pena de supressão de instância.

4. Ordem não conhecida.

(HC n. 181.342-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

16.6.2011, DJe 28.6.2011).

Portanto, diante da competência constitucional deste Sodalício, é

impossível a análise dos argumentos ora trazidos, em face da não provocação do

Tribunal a quo.

No tocante a ausência de fundamentação para o estabelecimento da pena,

não há como prosperar, igualmente, a irresignação, vez que, além de haver

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argumentos, a reprimenda básica restou fi xada no mínimo legal e a circunstância

especial de aumento de pena, prevista no art. 226, inciso II, do Código Penal,

não comporta discussão, pois é estipulada, simplesmente, na metade, tal como

procedeu o julgado.

O Tribunal estadual assim se manifestou a este respeito:

Quanto ao pleito de redução da pena-base ao mínimo legal não merece

prosperar, uma vez que a Magistrada sentenciante estabeleceu o índice mínimo

para cada etapa da fi xação da pena.

Assim sendo, corretos tanto o juízo de censura quanto a dosimetria da pena

lançados na criteriosa sentença de fl s. 365-382. (fl . 613).

O acréscimo em relação à continuidade delitiva, que a lei prevê numa

variação de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), foi aplicado em 1/3 (um terço), ou

seja, bem aquém do máximo permitido.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o

entendimento de que a elevação da sanção, em decorrência desta hipótese deve

levar em conta o número de infrações cometidas, de modo que, como os fatos se

prolongaram pelo período de mais ou menos dois anos, mostra-se até aquém do

razoável o quantum admitido.

Veja-se, a propósito:

O aumento relativo à continuidade delitiva deve guardar compatibilidade com

o número de infrações cometidas. Para crimes praticados diariamente, durante

aproximadamente dois anos, necessário o aumento da pena na fração de 2/3.

(REsp n. 1.046.011-PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 9.8.2010).

A elevação da pena pela continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal)

relaciona-se com o número de infrações cometidas, não sendo ilegal o aumento

da pena no grau máximo (2/3) àquele que, na condição de padrasto, durante

aproximadamente 3 anos, constrangeu por inúmeras vezes a enteada menor de

catorze anos.

(HC n. 73.993-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 22.9.2008).

Enfim, o pedido de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da

respectiva ação penal não merece ser conhecido, vez que, como reconhece a

própria impetrante, o paciente encontra-se solto, por força de liminar expedida

pela digna relatora do HC n. 0064420-63.2010, em trâmite na Corte Estadual.

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Assim, quer pela concessão da ordem de habeas corpus no Tribunal de

origem, quer por se tratar de condenação em caráter defi nitivo, e afastadas as

nulidade ora arguidas, não há constrangimento ilegal a ser sanado.

Ante o exposto, não conheco do habeas corpus.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 215.152-PR (2011/0183689-0)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Rogério Oscar Botelho e outros

Impetrado: Tribunal Regional Federal da 4a Região

Paciente: Paulo de Oliveira

EMENTA

Habeas corpus. Fraude à licitação, falsificação de documento

público e particular e desvio de verbas públicas (artigo 90 da Lei n.

8.666/1993, artigos 299 e 299, parágrafo único, do Código Penal, e

artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967). Alegada nulidade

do julgamento da apelação interposta pelo paciente. Recurso

apreciado e acórdão publicado durante período em que o advogado

por ele contratado estava suspenso do exercício das suas atividades

profi ssionais. Acusado não intimado para constituir novo patrono e

ausência de nomeação de defensor dativo para suprir a irregularidade.

Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida.

1. De acordo com o parágrafo único do artigo 4º da Lei n.

8.906/1994, são nulos os atos praticados por advogado suspenso.

2. No caso dos autos, quando do julgamento do recurso interposto

pelo réu, o causídico por ele contratado já se encontrava suspenso

do exercício de suas atividades profi ssionais, impossibilitado, por

conseguinte, de exercer sua defesa técnica, notadamente de sustentar

oralmente, óbice que perdurou até a publicação do aresto objurgado,

impedindo a utilização dos meios de impugnação cabíveis contra o

referido julgado.

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3. Revela-se patente, por conseguinte, o prejuízo suportado

pelo acusado, que teve comprometido o exercício de sua ampla

defesa, circunstância reforçada pelo fato de que não foi intimado

para constituir novo patrono nos autos, tampouco lhe foi nomeado

defensor dativo.

4. Anulado o julgamento do apelo defensivo, resta prejudicada a

análise dos demais pleitos formulados no presente mandamus, quais

sejam, o de aplicação do princípio da consunção entre os crimes

de fraude à licitação e desvio de verbas públicas, e o de redução da

pena imposta ao réu no tocante ao delito previsto no artigo 1º, inciso

I, do Decreto-Lei n. 201/1967, uma vez que tais matérias serão

reexaminadas pela instância de origem, não mais subsistindo o ato

apontado como coator.

5. Ordem concedida para anular o julgamento do recurso de

apelação interposto pelo paciente, devendo outro se realizar com

a sua prévia intimação para constituir novo advogado, devendo ser

recolhido eventual mandado de prisão expedido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das

notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos

do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze,

Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard

(Desembargadora convocada do TJ-SE) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.

Brasília (DF), 9 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 5.11.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido de

liminar impetrado em favor de Paulo de Oliveira, apontando como autoridade

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coatora a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Apelação

Criminal n. 2005.70.13.005223-1-PR).

Noticiam os autos que o paciente foi condenado à pena de 9 (nove) anos,

2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, sendo 2 (dois) anos e 8 (oito) meses

de detenção, no regime inicial semiaberto, e 6 (seis) anos, 6 (seis) meses e 20

(vinte) dias de reclusão, no regime inicial fechado, bem como ao pagamento de

40 (quarenta) dias-multa, como incurso nos delitos previstos no artigo 90 da

Lei n. 8.666/1993, nos artigos 299 e 299, parágrafo único, do Código Penal, e

no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, sem prejuízo da inabilitação,

pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo

ou de nomeação, e da perda do cargo ou função pública.

Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte de origem dado parcial

provimento ao reclamo para reduzir a reprimenda imposta ao acusado para

4 (quatro) anos e 8 (oito) meses, sendo 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de

reclusão, e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, cumulada com a multa

de R$ 967,00 (novecentos e sessenta e sete reais).

Sustentam os impetrantes que o paciente seria vítima de constrangimento

ilegal, sob o argumento de que o advogado responsável por seu patrocínio

estaria suspenso dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil quando do

julgamento da apelação por ele interposta e da publicação do respectivo acórdão,

o que o teria impedido de exercer amplamente a sua defesa, já que não pôde

sustentar oralmente, tampouco opôr embargos de declaração ou apresentar

recursos de natureza extraordinária.

Asseveram que são nulos os atos praticados por advogado suspenso, nos

termos do parágrafo único do artigo 4º da Lei n. 8.906/1994.

Argumentam que as instâncias de origem teriam reconhecido o concurso

material entre os crimes de licitação fraudulenta e de desvio de verbas públicas,

quando o correto seria aplicar o princípio da consunção, reconhecendo-se que o

crime previsto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967 teria absorvido

o disposto no artigo 90 da Lei de Licitações.

Aduzem, ainda, que a pena-base do paciente no que se refere ao ilícito

previsto no Decreto-Lei n. 201/1967 teria sido aumentada com base em

elementos que integrariam o próprio tipo penal, quais sejam, os graves prejuízos

resultantes do desvio das verbas públicas, o que não seria admissível, motivo

pelo qual sua reprimenda básica deveria ter sido mantida no mínimo legal.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

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Requerem a concessão da ordem para que seja anulado o julgamento

da Apelação Criminal n. 2005.70.13.005223-1-PR, determinando-se a

intimação do paciente para que constitua novo defensor ou, caso ultrapassado

tal argumento, pugnam pela aplicação do princípio da consunção e pela fi xação

da pena-base do acusado no mínimo legal.

A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fl . 1.565.

Dispensadas as informações, o Ministério Público Federal, em parecer de

fl s. 1.570-1.579, manifestou-se pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas

corpus pretende-se, em síntese, a anulação do julgamento do recurso de apelação

interposto pelo paciente ou, caso tal pleito não seja atendido, a aplicação do

princípio da consunção entre os delitos de fraude à licitação e desvio de verbas

públicas e a fi xação da reprimenda a ele imposta no tocante ao crime previsto no

artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967 no mínimo legal.

Segundo consta dos autos, o paciente foi condenado à pena de 9 (nove)

anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, sendo 2 (dois) anos e 8 (oito)

meses de detenção, no regime inicial semiaberto, e 6 (seis) anos, 6 (seis) meses e

20 (vinte) dias de reclusão, no regime inicial fechado, bem como ao pagamento

de 40 (quarenta) dias-multa, como incurso nos delitos previstos no artigo 90 da

Lei n. 8.666/1993, nos artigos 299 e 299, parágrafo único, do Código Penal, e

no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, sem prejuízo da inabilitação,

pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo

ou de nomeação, e da perda do cargo ou função pública.

Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte de origem dado parcial

provimento ao reclamo para reduzir a reprimenda imposta ao acusado para

4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, sendo 2 (dois) anos e 4 (quatro)

meses de reclusão, e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, cumulada

com a multa de R$ 967,00 (novecentos e sessenta e sete reais), restando o aresto

assim ementado:

Penal. Fraude à licitação. Art. 90 da Lei n. 8.666/1993. Falsidade ideológica. Art.

299 do CP. Crime de responsabilidade. Prefeito. Desvio de rendas públicas. Art. 1º,

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I, do Decreto-Lei n. 201/1967. Extinção da punibilidade pela prescrição quanto às

falsidades. Autoria e materialidade comprovadas. Dolo. Prova plena.

1. Extinção da punibilidade pela prescrição quanto aos delitos de falsidade.

2. Confi gurado o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, uma vez que

apurado que os réus simularam procedimento licitatório, caracterizando-se

a fraude no acerto de preços antes da abertura do certame. 3. Presença dos

elementos confi guradores do delito do art. 1º, I, do Decreto-Lei n. 201/1967, uma

vez constatado que os recursos federais destinados à construção de módulos

sanitários foram desviados pelo então Prefeito Municipal e pelo Tesoureiro da

Prefeitura. 4. Redimensionamento das penas. (e-STJ fl . 1.547).

Pois bem. De tudo quanto consta dos autos, tem-se que a impetração

merece acolhida.

É que de acordo com o parágrafo único do artigo 4º da Lei n. 8.906/1994,

são nulos os atos praticados por advogado suspenso.

Veja-se, a propósito, a letra do mencionado dispositivo legal:

Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não

inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.

Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido

- no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer

atividade incompatível com a advocacia.

No mesmo sentido orienta-se a jurisprudência desta colenda Quinta

Turma:

Habeas corpus. Processual Penal. Crime de lesão corporal. Condenação

mantida em sede de recurso de apelação. Intimação do decisum de apenas um

dos procuradores do paciente, o qual se encontrava suspenso das atividades

profi ssionais. Prejuízo à defesa. (...) Nulidade. Precedentes do STJ.

1. O advogado suspenso de suas atividades profi ssionais não pode praticar

os atos que demandam capacidade postulatória, a teor do disposto no art. 4.º,

parágrafo único, da Lei n. 8.906/1994. Por conseguinte, a intimação equivocada

de procurador suspenso, para praticar ato privativo de advogado, é despida de

validade jurídica.

(...)

3. Ordem concedida para, conservando na íntegra a sentença condenatória,

determinar que o juízo sentenciante se manifeste sobre a concessão ou não da

suspensão condicional da pena e a republicação do acórdão proferido nos autos

da Apelação Criminal n. 2001.025870-6, com a intimação correta do patrono da

causa, reabrindo-se, por conseguinte, o prazo recursal.

(HC n. 25.261-SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 16.9.2004,

DJ 11.10.2004, p. 353).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 651

Habeas corpus. Processual Penal. Nulidades. Ausência de defesa. Advogado

suspenso de suas atividades profi ssionais durante a realização do julgamento

do recurso defensivo de apelação e no ato de interposição do recurso especial.

Ausência de nomeação de defensor dativo para suprir a irregularidade. Prejuízo

comprovado. Ordem concedida.

1. Verificada a suspensão do advogado de defesa de suas atividades

profi ssionais pela Ordem dos Advogados do Brasil, no lapso temporal em que

realizou-se o julgamento do recurso de apelação interposto pelo paciente e

publicação do respectivo acórdão, resta caracterizada a nulidade parcial do

processo, por falta de defesa técnica durante aquele período.

2. Tendo o acusado respondido ao processo-crime em liberdade e garantindo-

lhe a sentença condenatória o direito de apelar em liberdade, mediante a

prestação de fi ança, faz-se necessário restabelecer-lhe o status quo ante até o

novo julgamento do recurso de apelação.

3. Ordem concedida para declarar a nulidade do julgamento do recurso de

apelação criminal, devendo outro se realizar com a prévia intimação do advogado

para a sua inclusão em pauta, bem como para revogar a prisão preventiva

decretada contra o Paciente.

(HC n. 27.276-MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em

24.6.2003, DJ 18.8.2003, p. 227).

No caso dos autos, determinou-se a inclusão da apelação interposta pelo

paciente na pauta de julgamentos do dia 26.4.2011, conforme o Diário Eletrônico

da Justiça Federal da 4ª Região de 14.4.2011 (e-STJ fl s. 45 e 1.545), tendo o

respectivo acórdão sido publicado em 6.5.2011 (e-STJ fl s. 46-48 e 1.551).

Consoante certidão fornecida pela Ordem dos Advogados do Brasil -

Seção do Paraná, o advogado Julio Cezar Correia Gomes, defensor do paciente

na ação penal em tela, foi suspenso do exercício profi ssional, em todo o território

nacional, no dia 20.10.2010, penalidade que perdurava até a data em que o

documento foi emitido, 29.7.2011 (fl . 42).

Constata-se, assim, que quando do julgamento do recurso interposto

pelo réu (26.4.2011), o causídico por ele contratado já se encontrava suspenso,

impossibilitado, por conseguinte, de exercer sua defesa técnica, notadamente de

sustentar oralmente, óbice que perdurou até a publicação do aresto objurgado

(6.5.2011), impedindo a utilização dos meios de impugnação cabíveis contra o

referido julgado.

Revela-se patente, por conseguinte, o prejuízo suportado pelo acusado, que

teve comprometido o exercício de sua ampla defesa, circunstância reforçada pelo

fato de que não lhe foi nomeado defensor dativo, tampouco foi intimado para

constituir novo patrono nos autos.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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Com efeito, estando suspenso o advogado responsável pela defesa do réu

em Juízo, mister a sua intimação para que possa constituir outro causídico de

sua confi ança ou, diante da sua inércia, a nomeação de defensor dativo para

patrociná-lo.

Nessa ordem de ideias:

Processual Civil. Ausência de regular representação processual. Intimação da

parte.

1. Suspenso o advogado do exercício da profissão pela OAB, impõe-se a

intimação pessoal da parte para constituir novo patrono.

2. Recurso conhecido e provido.

(REsp n. 46.096-RJ, Rel. Ministro Anselmo Santiago, Sexta Turma, julgado em

19.5.1998, DJ 10.8.1998, p. 83).

Desse modo, estando o paciente sem defesa técnica durante a apreciação

da apelação por ele interposta, impõe-se a anulação do julgamento para que

outro seja realizado com a sua prévia notifi cação para constituir novo advogado.

Anulado o julgamento do apelo defensivo, resta prejudicada a análise dos

demais pleitos formulados no presente mandamus, quais sejam, o de de aplicação

do princípio da consunção entre os crimes de fraude à licitação e desvio de

verbas públicas, e o de redução da pena imposta ao réu no tocante ao delito

previsto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, uma vez que tais

matérias serão reexaminadas pela instância de origem, não mais subsistindo o

ato apontado como coator.

Ante o exposto, concede-se a ordem para anular o julgamento do recurso

de apelação interposto pelo paciente, devendo outro se realizar com a sua

prévia intimação para constituir novo advogado, devendo ser recolhido eventual

mandado de prisão contra ele expedido.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 222.093-MS (2011/0249226-0)

Relator: Ministro Gilson Dipp

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 653

Advogado: Cacilda Kimiko Nakashima - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

Paciente: Jorci Fernandes da Silva

EMENTA

Penal. Habeas corpus. Cárcere privado. Violência doméstica.

Princípio da bagatela imprópria. Irrelevância penal do fato. Ação penal

pública incondicionada. Ausência de requisitos subjetivos positivos.

Maus antecedentes. Reconhecimento da desnecessidade da pena.

Impossibilidade. Ordem denegada.

I. O reconhecimento do princípio da bagatela imprópria permite

que o julgador, mesmo diante de um fato típico, deixe de aplicar a pena

em razão desta ter se tornado desnecessária, diante da verifi cação de

determinados requisitos.

II. No vertente caso, o Tribunal a quo reconheceu a incidência

do princípio da bagatela imprópria quanto ao crime de lesão corporal,

tendo em vista que este se processa mediante ação penal pública

condicionada. Contudo, deixou de aplicar o citado princípio para o

crime de cárcere privado, por se tratar de delito que se processa através

de ação penal pública incondicionada.

III. A ação penal pública incondicionada não se submete ao juízo

de oportunidade e conveniência da vítima para se manifestar sobre seu

interesse na persecução penal do autor do fato criminoso.

IV. Ademais, o paciente não reúne requisitos subjetivos positivos,

pois foi condenado anteriormente por outros delitos igualmente

graves, o que não permite o reconhecimento da desnecessidade da

pena.

V. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. “A

Turma, por unanimidade, denegou a ordem.” Os Srs. Ministros Laurita Vaz,

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Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Adilson Vieira Macabu (Desembargador

convocado do TJ-RJ) votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 7 de agosto de 2012 (data do julgamento).

Ministro Gilson Dipp, Relator

DJe 14.8.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Gilson Dipp: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar

em favor de Jorci Fernandes da Silva, apontando como autoridade coatora o

Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.

Narra a impetrante que o paciente foi condenado, pela prática do delito

de lesão corporal e cárcere privado, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de

reclusão, em regime inicial semiaberto.

Inconformada, a defesa recorreu ao Tribunal a quo, que, por maioria, negou

provimento à apelação. Opostos embargos infringentes, a Corte Estadual deu

parcial provimento ao recurso para reconhecer a aplicação do princípio da

bagatela imprópria apenas em relação ao delito de lesão corporal, conforme a

seguinte ementa:

Ementa. Embargos infringentes. Violência doméstica e cárcere privado. Vítima

que, por duas vezes, se retrata da representação. Aplicação do princípio da

bagatela imprória. Cárcere privado. Ação penal pública incondicionada. Recurso

parcialmente provido.

A retratação da vítima de violência doméstica, por duas vezes nos autos, e a

dispensa das medidas protetivas, ainda que fora da audiência do art. 16 da Lei

Maria da Penha é válida para suplantar a acusação.

O crime de cárcere privado, em razão de sua elevada gravidade, é de ação

penal pública incondicionada, e por isso não deve recair sobre ele o princípio

bagatelar. (fl s. 250).

No presente writ, a Defensoria argumenta que, apesar de o fato ser

penalmente punível, a pena tornou-se desnecessária diante das condições

pessoais do autor. Informa que a aplicação da pena ao paciente não condiz com

a vontade da vítima.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 655

Pugna, liminarmente e no mérito, pela aplicação do princípio da bagatela

imprópria para o crime de cárcere privado, reconhecendo-se a desnecessidade de

aplicação da pena.

O pedido de liminar foi indeferido à fl . 261.

Às fl s. 57-61, a Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela

denegação da ordem.

É o relatório.

Em mesa para julgamento.

VOTO

O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Trata-se de habeas corpus com

pedido liminar em favor de Jorci Fernandes da Silva, apontando como autoridade

coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.

Narra a impetrante que o paciente foi condenado, pela prática do delito

de lesão corporal e cárcere privado, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de

reclusão, em regime inicial semiaberto.

Inconformada, a defesa recorreu ao Tribunal a quo, que, por maioria, negou

provimento à apelação. Opostos embargos infringentes, a Corte Estadual deu

parcial provimento ao recurso para reconhecer a aplicação do princípio da

bagatela imprópria apenas em relação ao delito de lesão corporal, conforme a

ementa de fl s. 250.

No presente writ, a Defensoria argumenta que, apesar de o fato ser

penalmente punível, a pena tornou-se desnecessária diante das condições

pessoais do autor. Informa que a aplicação da pena ao paciente não condiz com

a vontade da vítima.

Pugna, liminarmente e no mérito, pela aplicação do princípio da bagatela

imprópria para o crime de cárcere privado, reconhecendo-se a desnecessidade de

aplicação da pena.

Passo à análise da irresignação.

O Tribunal a quo, ao julgar os embargos infringentes opostos contra o

acórdão que julgou a apelação, por maioria, deu parcial provimento ao recurso,

conforme a seguinte fundamentação exarada no voto da Desembargadora

Relatora:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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O embargante está sendo acusado de dois delitos: lesão corporal e cárcere

privado, o primeiro de ação penal pública condicionada à representação e

o segundo de ação penal pública incondicionada, que não exige nenhuma

condição de procedibilidade.

No caso em tela, tenho que o crime de violência doméstica cometido, de ação

penal pública condicionada que é, ante a dupla retratação da vítima às fl . 71-73

e fl . 105, ainda que a destempo, deve ser considerada, pois, como bem colocado

pelo voto vencido do Des Romero Osme Dias Lopes “(...) Se a palavra da ofendida

foi levada em consideração para acusar o réu, por que não permitir que a mesma

exerça a faculdade de suplantar a acusação (...)”.

Neste ponto, tenho que o feito merece provimento, sendo imperioso consignar

que, mais que a bagatela imprópria, o desejo da vítima em continuar com seu

algoz, por mais que pareça estranha ao homem comum, deve prevalecer, por sua

conta e risco, pois ela, a vítima, mais que todos, é sabedora da violência que sofre

continuamente.

Entretanto, deve persistir o crime de cárcere privado, previsto no art. 148 do

Código Penal, pois tal delito é de ação penal pública incondicionada, que não está

na disponibilidade de direitos da vítima.

Ante o exposto, contra o Parecer, dou parcial provimento ao recurso para

que prevaleça o voto vencido do Des. Romero em relação ao crime de violência

doméstica, persistindo o crime de cárcere privado.

De início, faz-se necessário esclarecer o conceito e as consequências do

princípio da irrelevância penal do fato ou princípio da bagatela imprópria.

A esse respeito, cumpre transcrever as lições de Luiz Flávio Gomes, in

“Princípio da Insignifi cância e outras excludentes de tipicidade”, editora Revista

dos Tribunais, 2011, p. 29:

2. Infração bagatelar imprópria: é a que nasce relevante para o Direito Penal

(porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois

se verifi ca que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se

totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da pena conjugado com

o princípio da irrelevância penal do fato).

(...)

O fundamento da desnecessidade da pena (leia-se: da sua dispensa) reside em

múltiplos fatores: ínfi mo desvalor da culpabilidade, ausência de antecedentes

criminais, reparação dos danos, reconhecimento da culpa, colaboração com a

justiça, o fato de o agente ter sido processado, o fato de ter sido preso ou ter

fi cado preso por um período etc.. Tudo deve ser analisado pelo juiz em cada caso

concreto. Lógico que todos esses fatores não precisam concorrer conjugadamente.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 657

Cada caso é um caso. Fundamental é o juiz analisar detidamente as circunstâncias

do fato concreto (concomitantes e posteriores) assim como seu autor.

O princípio da irrelevância penal do fato tem como pressuposto a não

existência de uma infração bagatelar própria, porque nesse caso teria incidência

o princípio da insignifi cância). Mas se o caso era de insignifi cância própria e o juiz

não a reconheceu, nada impede que incida a posteriori o princípio da irrelevância

penal do fato. Há, na infração bagatelar imprópria, um relevante desvalor da ação

assim como do resultado. O fato praticado é, por isso, em princípio, penalmente

punível. Instaura-se processo contra o agente. Mas tendo em vista todas as

circunstâncias do fato (concomitantes e posteriores ao delito) assim como o seu

autor, pode ser que a pena se torne desnecessária.

Consoante lição doutrinária, o reconhecimento do princípio da bagatela

imprópria permite que o julgador, mesmo diante de um fato típico, deixe de

aplicar a pena em razão desta ter se tornado desnecessária.

No vertente caso, o Tribunal a quo reconheceu a incidência do princípio da

bagatela imprópria quanto ao crime de lesão corporal, tendo em vista que este se

processa mediante ação penal pública condicionada.

Contudo, deixou de aplicar o citado princípio para o crime de cárcere

privado, por se tratar de delito que se processa através de ação penal pública

incondicionada. A seguir transcreve-se o seguinte trecho do acórdão:

Entretanto, deve persistir o crime de cárcere privado, previsto no art. 148 do

Código Penal, pois tal delito é de ação penal pública incondicionada, que não está

na disponibilidade de direitos da vítima.

É bem verdade que a ação penal pública incondicionada não se submete

ao juízo de oportunidade e conveniência da vítima para se manifestar sobre seu

interesse na persecução penal do autor do fato criminoso.

Dessa forma, com razão o acórdão a quo, que asseverou que os fundamentos

considerados para aplicar o princípio da bagatela imprópria ao delito de lesão

corporal não são extensivos ao delito de cárcere privado, em razão da diversidade

dos requisitos das respectivas ações penais.

Ainda que assim não fosse, o paciente não reúne requisitos subjetivos

positivos que justifi quem a não imposição da pena. O juiz singular, ao analisar a

dosimetria da pena na sentença condenatória, assim consignou:

Do delito previsto no art. 148, § 1º, incisos I e V do CP.

O réu agiu com alto grau de culpabilidade; possui condenações criminais

por homicídio qualificado, roubo qualificado e furto (fls. 53-58), cuja extinção

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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da pena se deu em período de tempo superior a cinco anos, o que justifi ca a

exasperação nesta fase; inexistem elementos nos autos para que se possa aferir

suas características do convívio social e personalidade; o motivo do delito foi a

negativa de ex-companheira em manter relação sexual, o que já é considerado

como qualificado, não surtindo efeito nesta fase; as circunstâncias do delito

circunscrevem a violência doméstica, objeto de uma das qualifi cadoras; tendo

em vista que o acusado incidiu em duas qualifi cadoras, justifi ca-se o aumento

da pena base; segundo apurado, a conduta teve como consequências grande

sofrimento físico e psíquico para a vítima.

Sopesadas as circunstâncias analisadas individualmente, fixa-se a pena-

base em 03 (três) anos de reclusão, e à míngua de circunstâncias atenuantes ou

agravantes e causas, genérica ou especial, de aumento ou diminuição, esta pena

se torna defi nitiva. (fl . 142).

Verifica-se, portanto, que foi ressaltado pelo magistrado sentenciante

o desvalor tanto da conduta (violência doméstica) como do resultado (grave

sofrimento físico e psíquico para a vítima), somando a isso, o fato do paciente

ter sido condenado anteriormente por outros delitos igualmente graves, o que

impede reconhecer a desnecessidade da pena. Sobre o tema:

Processo Penal. Penal. Habeas corpus. Descaminho. Tributo. Lei n. 10.522/2002.

Princípio da insignifi cância. Inaplicabilidade. Reiteração da conduta típica. Presença

do desvalor da ação.

O Princípio da Insignifi cância incide quando, praticada conduta formalmente

típica, ausente a tipicidade material ou o desvalor do resultado.

O caso, devido às suas peculiaridades, deve ser analisado sob a luz do Princípio

da Irrelevância Penal do Fato, que, para a sua incidência, exige a ausência ou

insignifi cância não só do desvalor do resultado, como também do desvalor da ação

e da culpabilidade.

O abuso dos postulados do minimalismo penal, através da reiteração da

conduta típica descrita no art. 334 (descaminho) do Código Penal - revelando a

existência do desvalor da ação -, impede a aplicação da tese da insignifi cância,

ainda que o valor do tributo devido seja inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei

n. 10.522/2002.

Ordem denegada.

(HC n. 63.419-RS, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em

18.9.2008, DJe 28.10.2008).

Assim considerado, denego a ordem.

É como voto.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 659

HABEAS CORPUS N. 224.343-MS (2011/0267990-0)

Relator: Ministro Jorge Mussi

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul

Advogado: Graziela Eilert Barcellos - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

Paciente: José Martins Marques

Paciente: Tereza Leite Ramires Barreto

EMENTA

Habeas corpus. Maus tratos. Crime de menor potencial ofensivo.

Citação pessoal infrutífera. Declínio de competência para a vara

criminal. Chamamento fi cto. Não esgotamento dos meios disponíveis

para localização dos acusados. Constrangimento ilegal confi gurado.

Ordem concedida.

1. A citação por edital somente deve ser efetuada quando

esgotados todos os meios disponíveis para se encontrar pessoalmente

o réu.

2. O tema ganha relevo quando se trata de crime de menor

potencial ofensivo, mormente porque o rito sumaríssimo não comporta

a chamada citação fi cta, a qual, afi gurando-se necessária, importa na

declinação da competência do Juizado Especial Criminal para a

Justiça Comum, nos termos do parágrafo único do art. 66 da Lei n.

9.099/1995.

3. Tal circunstância, por representar alteração de competência

absoluta, prevista no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal,

evidencia que a determinação da aludida modificação deve ser

precedida do esgotamento dos meios disponíveis para a localização

do acusado, sob pena de malferimento ao princípio do juiz natural,

também de índole constitucional (art. 5º, inciso LIII, da CF/1988).

4. Embora o mandado citatório tenha sido direcionado para dois

possíveis endereços dos pacientes, apenas um foi alvo da diligência

infrutífera do meirinho, sendo certo que, depois de declinada a

competência absoluta, a citação pessoal foi efetivada no endereço

remanescente.

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5. Ordem concedida para anular a ação penal defl agrada em

desfavor dos pacientes perante a Vara Criminal da comarca de Rio

Brilhante-MS, desde o recebimento da denúncia, inclusive.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto

do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos

Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) e Laurita Vaz votaram com o

Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 25 de setembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Jorge Mussi, Relator

DJe 9.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar

impetrado em favor de José Martins Marques e Tereza Leite Ramires Barreto,

apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Mato

Grosso do Sul, que negou provimento à Apelação n. 2011.010093-3.

Noticiam os autos que os pacientes foram condenados como incursos nas

sanções do art. 136, § 3º, do Código Penal, sendo José à pena de 2 (dois) meses

e 20 (vinte) dias de detenção e Tereza a 8 (oito) meses de detenção, ambos em

regime inicial aberto.

Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação para o Tribunal de

Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, ao qual foi negado provimento, tendo

sido opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados.

Sustenta a impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal sob o

argumento de que a citação dos pacientes realizada por edital estaria eivada de

nulidade, tendo em vista que não teriam sido esgotadas todas as possibilidades

para citá-los pessoalmente.

Alega que o postulado pas nullité san grief não deveria ser aplicado no

caso em tela, porquanto o prejuízo acarretado pelo ilegal deslocamento da

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 661

competência do Juizado para a Justiça Comum seria evidente em razão dos

acusados terem sido julgados por juízo incompetente.

Destaca que a competência dos Juizados seria absoluta e que a transferência

do feito teria impossibilitado que os pacientes fossem benefi ciados com a

transação penal.

Requer, liminarmente, a reforma do acórdão objurgado, bem como a

suspensão dos seus efeitos até o julgamento fi nal deste writ e, no mérito, pugna

por sua desconstituição.

O pleito liminar foi deferido para suspender os efeitos do acórdão

objurgado até o julgamento do mérito da impetração, nos termos da decisão de

fl s. 297-298.

As informações prestadas pela autoridade apontada como coatora foram

juntadas às fl s. 307-342.

Em parecer acostado às fls. 351-357, o Ministério Público Federal

manifestou-se pela concessão da ordem.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Por meio deste habeas corpus a

impetrante pretende, em síntese, o reconhecimento da nulidade do ato citatório

dos pacientes, tendo em vista que não teriam sido esgotados os meios disponíveis

para realizá-lo pessoalmente, circunstância que deu ensejo à modifi cação de

competência prevista no parágrafo único do artigo 66 da Lei n. 9.099/1995.

Consta dos autos que os pacientes foram denunciados perante o Juizado

Especial Adjunto da comarca de Rio Brilhante-MS como incursos nas sanções

do artigo 136, § 3º, do Código Penal, acusados de praticarem maus tratos em

detrimento da prole.

Infrutífera a diligência para citação pessoal dos pacientes (fl. 57), o

magistrado do aludido Juizado determinou a remessa dos autos para a Vara

Criminal (fl . 63), na qual foi determinado o chamamento fi cto, nos termos do

artigo 396 do Código de Processo Penal.

Depois de publicado o edital, sobreveio nos autos informação acerca do

endereço dos pacientes (fl . 80), no qual foram regularmente citados (fl . 84).

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

662

Entretanto, infere-se da cópia do mandado citatório encartada à fl . 53 dos

da impetração que nele constaram dois possíveis endereços dos pacientes, quais

sejam, “rua Juviano Medeiros, 201 - Vila Fátima ou na BR 163 - Próximo ao

Bangalô”, sendo certo que em apenas um destes foram procurados, no qual não

foram encontrados.

Posteriormente, quando já declinada a competência do Juizado Especial

Criminal, os pacientes foram regularmente citados por mandado no outro

endereço constante dos autos, circunstância que evidencia o constrangimento

ilegal alegado na impetração.

Como se sabe, é por meio do ato citatório que o acusado é chamado

a integrar a relação processual, no seio da qual poderá usufruir de todas as

garantias previstas na Constituição Federal para exercer o seu direito de defesa.

Restando infrutífera a tentativa de sua localização nos endereços conhecidos, o

legislador ordinário previu a utilização da chamada citação por edital, também

conhecida por citação fi cta, a fi m de que o processo não fi que eternamente

paralisado à espera da voluntariedade do acusado em submeter-se à persecução

penal.

Em respeito à garantia da ampla defesa, deve-se proceder a tal modalidade

de citação apenas quando esgotados todos os recursos disponíveis capazes de

localizar o endereço do acusado. Todavia, não há uma exigência absoluta para

que se proceda a uma pesquisa nos cadastros de todos os órgãos onde o acusado

possa ter declinado suas informações pessoais, mormente quando exista nos

autos notícias acerca do seu possível paradeiro.

Nesse sentido, confi ra-se lição de Eugênio Pacelli de Oliveira acerca da

citação editalícia:

Por óbvio, não se exige a adoção incondicional da expressão local incerto e

não sabido, como se se tratasse de fórmula sacramental. O que há de ser exigido

é a referência expressa às providências adotadas pelo ofi cial de justiça, bem como

a impossibilidade de prosseguimento das diligências, pelo desconhecimento do

paradeiro do réu.

Não se pode também exigir que sejam pesquisados todos os órgãos públicos

que eventualmente possam apresentar mais informações sobre o acusado,

havendo decisões, inclusive, em que se dispensa a consulta prévia à Justiça

Eleitoral e ao Ministério do Trabalho (RT 531/289).

É de se observar, porém, que a desnecessidade das apontadas diligências

manifesta-se em hipóteses nas quais já existiam, nos autos do inquérito policial ou

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de procedimento administrativo investigatório, informações acerca do endereço

e/ou do paradeiro do acusado, ainda que, posteriormente, essas informações não

se revelem sufi cientes. (Curso de processo penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen

Juris, 2008. p. 483.)

A relevância do tema é maior quando se trata de crime de menor potencial

ofensivo, mormente porque o rito sumaríssimo não comporta a chamada citação

fi cta, a qual, afi gurando-se necessária, importa na declinação da competência

do Juizado Especial para a Justiça Comum, nos termos do parágrafo único do

artigo 66 da Lei n. 9.099/1995.

Tal circunstância, por representar alteração de competência absoluta,

prevista no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, evidencia que a

determinação da aludida modifi cação deve ser precedida do esgotamento dos

meios disponíveis para a localização do acusado, sob pena de malferimento ao

princípio do juiz natural, também de índole constitucional (art. 5º, inciso LIII,

da CF/1988).

No caso, o descuido do juízo competente foi determinante para a irregular

remessa dos autos à Justiça Comum, conforme assumido pelo próprio Tribunal

de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul por ocasião do julgamento dos

embargos de declaração. Confi ra-se:

Por outro lado verifi co que no Juizado Especial Criminal realmente não foram

esgotadas as tentativas de citação e intimação pessoal dos embargantes, já que o

endereço dos mesmos constava do mandado. (fl . 289.)

A afi rmação feita pelo Tribunal de origem é sufi ciente para, por si só, trazer

à tona a eiva que contamina a ação penal em tela, já que processada por Órgão

do Poder Judiciário absolutamente incompetente.

Nesse sentido:

Abuso de autoridade (policial). Prescrição (caso). Submissão de menor sob

vigilância a vexame e a espancamento (Estatuto da Criança e do Adolescente).

Juizado Especial (competência).

(...)

4. Ocorre que tal prosseguimento não era lícito. Tratando-se de competência

de ordem absoluta, o Juiz da sentença era absolutamente incompetente, sendo

competente o Juizado Especial Criminal.

5. Habeas corpus concedido para se declarar a nulidade dos atos processuais

desde o recebimento da denúncia, julgando-se extinta a punibilidade do fato

pela prescrição da pretensão punitiva.

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(HC n. 46.212-MG, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em

6.12.2007, DJe 9.6.2008).

Criminal. REsp. Exercício de atividade com infração de decisão administrativa

e falsifi cação de documento particular. Competência. Conexão. Regra de unidade

de processo e julgamento. Inaplicabilidade. Prevalência da regra constitucional.

Juizado Especial Criminal. Competência absoluta. Nulidade dos atos decisórios

praticados pelo juízo incompetente. Recebimento da denúncia. Prescrição

retroativa. Reconhecimento. Extinção da punibilidade. Recurso provido.

(...)

III - A competência dos Juizados Especiais, de previsão constitucional, é

absoluta.

(...)

IX. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.

(REsp n. 883.863-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em

19.4.2007, DJ 4.6.2007, p. 422).

Constatada, portanto, a errônea declinação da competência o Juizado

Especial Criminal, concede-se a ordem para anular a ação penal defl agrada em

desfavor dos pacientes perante a Vara Criminal da comarca de Rio Brilhante,

desde o recebimento da denúncia, inclusive.

É o voto.

HABEAS CORPUS N. 229.513-MS (2011/0310938-2)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Impetrante: N L da S

Advogado: Daniela Fernandes Peixoto Coinete

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul

Paciente: N L da S

EMENTA

Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto

no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de

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entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.

Medida imprescindível à sua otimização. Efetiva proteção ao direito

de ir, vir e fi car. 2. Alteração jurisprudencial posterior à impetração do

presente writ. Exame que visa privilegiar a ampla defesa e o devido

processo legal. 3. Violação sexual mediante fraude. Representação.

Formalidade. Desnecessidade. Demonstração inequívoca do interesse

de ver apurada a autoria e a materialidade do fato. 4. Habeas corpus não

conhecido.

1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando

a racionalidade do ordenamento jurídico e na funcionalidade do

sistema recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de

ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às

hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo

Penal. Louvando o entendimento de que o Direito é dinâmico, sendo

que a defi nição do alcance de institutos previstos na Constituição

Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as

mudanças de relevo que se verifi cam na tábua de valores sociais, esta

Corte passou a entender ser necessário amoldar a abrangência do

habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de

remédio constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.

Precedentes.

2. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal

Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas

corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente

cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, considerando que

a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se após a impetração do

presente mandamus, devem ser analisadas as questões suscitadas

na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal

evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,

evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de

Justiça, a representação necessária a instauração da ação penal pública

condicionada não necessita obedecer qualquer regramento formal,

podendo ser apresentada verbalmente ou por escrito, bastando a

demonstração clara do interesse do ofendido em ver apuradas a

autoria e materialidade do fato contra ele praticado. Precedentes.

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4. No caso, destacou o Tribunal de Justiça que a vítima compareceu

à repartição policial, expondo sua intimidade, no sentido de que se

tomassem as providências cabíveis, demonstrando a intenção de

prosseguir com a apuração criminal, o que é sufi ciente para tornar

legítima a atuação do Ministério Público Estadual, sem prejuízo de

verifi cação posterior, no curso da ação penal, da verdadeira motivação

da representação, bem como da veracidade ou idoneidade dos fatos

relatados para a caracterização do crime.

5. Habeas corpus não conhecido.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido.

Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), Laurita Vaz e

Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 4 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 15.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus impetrado

em favor de N. L. da S., apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de

Justiça de Mato Grosso do Sul.

Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática

das condutas descritas no art. 215, caput, do Código Penal, e no art. 47 do

Decreto-Lei n. 3.688/1941.

Recebida a denúncia, impetrou a defesa habeas corpus no Tribunal de

Justiça de Mato Grosso do Sul, buscando o reconhecimento da nulidade do

processo, por falta de condição específi ca de procedibilidade.

A Primeira Turma Criminal, aos 5 de dezembro de 2011, denegou a

ordem, e o acórdão recebeu a seguinte ementa (fl s. 161-164):

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Ementa. Habeas corpus. Violação sexual mediante fraude e exercício ilegal da

profi ssão. Representação da ofendida. Falta do termo suprida pela manifestação

de vontade da vítima. Ordem denegada.

O comparecimento da ofendida na delegacia, relatando todo o ocorrido,

expondo sua intimidade, no sentido de que a Policia tomasse as providências

cabíveis, indicam a intenção em prosseguir com a apuração criminal e ver o autor

do delito processado penalmente, pois é manifestação de vontade que supre a

formalidade do termo.

No Superior Tribunal de Justiça, sustenta o impetrante que a ação penal

“padece de nulidade absoluta insanável, diante a ilegitimidade da parte ante

a falta de representação da vítima, razão pela qual requer o seu trancamento

liminarmente” (fl . 3). Sublinha que, na espécie, não houve o oferecimento de

representação formal pela vítima, sendo que “o que se observa dos autos é a

existência, apenas e tão somente de um boletim de ocorrência, acompanhado de

declarações da vítima, as quais foram colhidas na mesma ocasião, imediatamente

após o registro do boletim, onde não há qualquer alusão ao objetivo da vítima de

dar início à ação penal” (fl . 6).

Pondera que a “vingar a tese de que um simples boletim de ocorrência,

onde a vítima noticia os fatos delituosos, se trata de representação, estaríamos

diante do fi m das ações penais públicas condicionadas à representação da vítima,

pois bastaria qualquer pessoa se dirigir à Delegacia de Polícia, registrar um

B.O onde necessariamente irá relatar os fatos, para que o Ministério Público

estivesse legitimado a agir” (fl . 7). Destaca que para o início de persecução

criminal nesses casos, a despeito de não se exigir forma para a representação

do ofendido, “é necessário estar evidenciado nos autos o desejo do ofendido em

ver o acusado responsabilizado criminalmente, o que, respeitosamente, não se

verifi ca na presente ação” (fl . 7).

Assere que, “o que se observa nos presentes autos é a total ausência de

qualquer manifestação expressa da vítima no sentido de que desejava dar início

à ação penal, ou seja, das declarações que a vítima prestou no inquérito jamais

fi cou claro seu objetivo de dar início à ação penal, ela apenas e tão somente

relatou os fatos, portanto, se a vítima tinha esse objetivo, jamais sequer o

mencionou, seja de forma direta, seja indireta, tanto no boletim de ocorrência,

quanto nas declarações que prestou” (fl . 7).

Diante disso, pede, em tema liminar, a suspensão do processo até o

julgamento defi nitivo deste habeas corpus. No mérito, busca seja determinado o

trancamento da ação penal por ofensa ao art. 225 do Código de Processo Penal.

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668

O pedido liminar foi indeferido (fl . 172).

Prestadas as informações (fl s. 175-186), foram os autos encaminhados ao

Ministério Público Federal, que opinou pela denegação da ordem (fl s. 190-192).

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): A liberdade de locomoção

do indivíduo, independentemente dos transtornos dos procedimentos, da

gravidade dos fatos criminosos, há muito ocupa lugar de destaque na escala

de valores tutelados pelo Direito, razão pela qual sempre mereceu especial

tratamento nos ordenamentos jurídicos das sociedades civilizadas.

Lembremo-nos que a República Federativa brasileira assenta-se na

dignidade da pessoa humana, e não há dignidade sem que haja proteção aos

direitos fundamentais, tampouco há dignidade sem que o ordenamento jurídico

estabeleça garantias que possibilitem aos indivíduos fazer valer, frente ao Estado,

esses direitos.

Entre nós, com os parâmetros que lhe dá a Constituição e o Código

de Processo Penal, é reconhecida a garantia constitucional do habeas corpus,

criado com o objetivo de evitar ou fazer cessar violência ou coação à liberdade

de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Nesse contexto,

ressaltou Pontes de Miranda “que a liberdade pessoal é a liberdade física:

ius manendi ambulandi, eundi ultro citroque; e sua extensão coincide com a

aplicabilidade do habeas corpus, remédio extraordinário, que se instituíra para

fazer cessar, de pronto e imediatamente, a prisão ou o constrangimento ilegal”.

(MIRANDA. Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo.

Revista dos Tribunais. 1967.)

Sabemos todos que o remédio constitucional do habeas corpus nasceu

historicamente como uma necessidade de contenção do poder e do arbítrio do

Estado.

No Brasil, com o advento da Constituição Republicana, três posições

se firmaram acerca da garantia constitucional: alguns, como Rui Barbosa,

sustentavam que o remédio constitucional deveria ser aplicado em todos os

casos em que um direito estivesse ameaçado, impossibilitado no seu exercício

por abuso de poder ou ilegalidade; em sentido oposto, afi rmava-se que o habeas

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corpus, por sua natureza e origem histórica, era remédio destinado exclusivamente

à proteção da liberdade de locomoção. Por fi m, uma terceira corrente, vencedora

no seio do Supremo Tribunal Federal, propugnava incluir na proteção do habeas

corpus não só os casos de restrição da liberdade de locomoção, como também

situações em que a ofensa a essa liberdade fosse meio de ofender outro direito.

Consolidou-se na jurisprudência, após a reforma constitucional de 1926,

a tendência de se vincular o habeas corpus à proteção de direitos diretamente

relacionados à liberdade de locomoção. A propósito, o art. 113, inciso 23, da

Constituição, disciplinava que: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém

sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por

ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões, disciplinares não cabe o habeas

corpus.”

No entanto, a fi m de garantir a proteção de direitos outros, instituiu o

legislador constituinte, no art. 113, inciso 33, nova ação constitucional: “Dar-

se-á Mandado de Segurança para defesa do direito, certo e incontestável,

ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de

qualquer autoridade. O processo será o mesmo do Habeas Corpus, devendo ser

sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica

as ações petitórias competentes.”

Como cediço, as Constituições de 1946, 1967 e 1988 mantiveram a

garantia constitucional do habeas corpus em seus textos, sendo que esta última

destacou no inciso LXVIII do art. 5º, que “conceder-se-á habeas corpus sempre

que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua

liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O Código de

Processo Penal, no mesmo diapasão, dispõe no art. 647, que: “dar-se-á Habeas

Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou

coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”

Enquanto não encontre eu, nos dispositivos mencionados acima,

argumentos para elastecer o cabimento do remédio constitucional a questões

que não envolvem diretamente o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, a

jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,

talvez como refl exo da redemocratização do país depois de mais de vinte anos

de ditadura militar, na intenção de proteger o cidadão, foi ampliando, aos

poucos, o cabimento do habeas corpus a fi m de salvaguardar direitos que apenas

indiretamente poderiam refl etir na liberdade de locomoção.

O estudo da prática judicial do habeas corpus mostrou que o instituto

passou a ser utilizado, por exemplo, com o fi m de impugnar atos persecutórios

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do Estado desprovidos de ameaça imediata de prisão, como a instauração

de inquérito policial. Embora não existam dúvidas de que o só ajuizamento

da persecução penal já seja sufi ciente para atingir o estado de dignidade do

acusado, de modo a provocar graves transtornos para aqueles que se envolvem

no cenário criminal, parece-me que, se não há o risco de prisão, não seria

o habeas corpus o meio processual adequado para se discutir a existência de

eventual ilegalidade. Não obstante, a jurisprudência dos Tribunais pátrios

passou a admitir a utilização do remédio heroico a fi m de combater todo tipo de

coação ou ameaça oriunda de ilegalidade ou abuso de poder. Noutras palavras,

o habeas corpus tornou-se o remédio constitucional adequado para atacar, a

qualquer tempo, todos os atos da persecução criminal.

O exame das decisões do Superior Tribunal de Justiça demonstra que o

habeas corpus já foi aceito inclusive para reparar ilegalidades que recaíram sobre o

sequestro de bens imóveis e ativos fi nanceiros, decretado durante a investigação

policial, matéria que não afeta, sequer de forma refl exa, o direito de ir, vir e

fi car do indivíduo (HC n. 144.407-RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de

28.6.2011).

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, reformando anterior decisão

do Superior Tribunal de Justiça que não conhecera do mandamus, concedeu a

ordem para autorizar direito de visita de paciente custodiado em estabelecimento

prisional, ao fundamento de que a “decisão do juízo das execuções, ao indeferir o

pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava,

ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente” (HC n. 107.701-RS,

Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 23.3.2012).

No entanto, parece-me que se foi além da meta – proteção do direito

fundamental à liberdade de locomoção –, quem sabe se não se tomou a nuvem

por Juno; passou-se a admitir, fora das hipóteses de cabimento previstas na

Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a impetração de habeas

corpus como meio ordinário de impugnação, ainda que ausente ameaça concreta

e imediata ao direito de ir, fi car e vir, inviabilizando, consequentemente, a

proteção judicial efetiva, tendo em vista que a duração indefi nida do processo

compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, “na

medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos

estatais”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª

Edição. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 100.)

Observem que no ano de 2011, o Superior Tribunal de Justiça recebeu

o habeas corpus de número duzentos mil. A questão preocupante está no fato

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de que metade das ações chegou à Corte Superior nos últimos três anos –

Anuário da Justiça do Brasil 2012. No Supremo Tribunal Federal, da mesma

forma, 4.457 habeas corpus foram protocolizados em 2011. Em razão disso,

o operador do direito viu-se diante de tormentosa situação, vez que deveria

perseguir a máxima efetividade da garantia fundamental, mas, também ter em

mente que a utilização do habeas corpus indistintamente, em substituição aos

recursos previstos no ordenamento jurídico, confi gura banalização do remédio

constitucional.

Desse modo, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Superior

Tribunal de Justiça a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento

do remédio constitucional, destacando-se que o habeas corpus é antídoto de

prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente,

incontroverso, indisfarçável e que, portanto, se mostra de plano comprovável

e perceptível ao julgador. Logo, não se destina à correção de equívocos ou

situações as quais, ainda que eventualemnte existentes, demandam para sua

identifi cação e correção o exame de matéria de fato ou da prova que sustentou o

ato ou a decisão impugnada.

Mais que isso, observou a jurisprudência desta Corte ser o habeas

corpus remédio constitucional voltado ao combate de constrangimento ilegal

específi co, de ato ou decisão que afete, potencial ou efetivamente, direito líquido

e certo do cidadão, com refl exo direto em sua liberdade. Dessa forma, não

se presta à correção de decisão sujeita a recurso próprio, previsto no sistema

processual penal, não sendo, pois, substituto de recursos ordinários, especial ou

extraordinário.

Nesse contexto, peço, respeitosamente, licença à Ministra Maria Th ereza

de Assis Moura (AgRg no HC n. 239.957-TO, DJe de 11.6.2012) e ao

Ministro Gilson Dipp (HC n. 201.483-SP, DJe de 27.10.2011) para valer-me

das seguintes passagens de seus votos: (I) “O habeas corpus não é panacéia e não

pode ser utilizado como um ‘super’ recurso, que não tem prazo nem requisitos

específi cos, devendo se conformar ao propósito para o qual foi historicamente

instituído, é dizer, o de impedir ameaça ou violação ao direito de ir e vir”;

(II) “É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de

se prestigiar a lógica do sistema recursal, devendo ser observada sua função

constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou

ameaça à liberdade de locomoção, inexistente na espécie”; (III) “Conquanto o

uso do habeas corpus em substituição aos recursos cabíveis - ou incidentalmente

como salvaguarda de possíveis liberdades em perigo - crescentemente fora de

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sua inspiração originária tenha sido muito alargado pelos Tribunais, há certos

limites a serem respeitados, em homenagem à própria Constituição, devendo

a impetração ser compreendida dentro dos limites da racionalidade recursal

preexistente e coexistente para que não se perca a razão lógica e sistemática dos

recursos ordinários, e mesmo dos excepcionais, por uma irrefl etida banalização e

vulgarização do habeas-corpus”.

O Supremo Tribunal Federal, atento a essa evolução hermenêutica, passou

a adotar, recentemente, decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus

que tenha por objetivo substituir o recurso ordinário constitucional. A mudança

jurisprudencial consolidou-se no julgamento do Habeas Corpus n. 109.956-PR,

Relator o Ministro Marco Aurélio, impetrado contra decisão que indeferiu

diligências requeridas pela defesa. Na oportunidade, destacou o Ministro

Relator:

O habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, além de não estar abrangido

pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não

existindo qualquer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o

desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea a, e 105, inciso II, alínea a,

tem-se a previsão de recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo,

para o Supremo, contra decisão proferida por Tribunal Superior indeferindo

ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de Tribunal Regional

Federal e de Tribunal de Justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-

se novo habeas, embora para julgamento por Tribunal diverso, impugnando

pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de

outras situações em que requerida, a Jurisdição. Cumpre implementar – visando

restabelecer a efi cácia dessa ação maior, a valia da Carta Federal no que prevê não

o habeas substitutivo, mas o recurso ordinário – a correção de rumos. Consigno

que, no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso

constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-

se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício. (STF, Primeira Turma, HC n. 109.956-

PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, j. em 7.8.2012).

Aos 21 de agosto de 2012, a Ministra Rosa Weber, no julgamento do

Habeas Corpus n. 104.045-RJ, destacou que o meio recursal ordinariamente

previsto para a análise de eventual ofensa à legislação federal relativa à dosimetria

da pena é a apelação e, a depender do caso concreto, o recurso especial ou

extraordinário:

Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.

Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou

arbitrariedade.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

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1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes.

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado. (STF, Primeira Turma, HC n. 104.045-RJ, Relatora a

Ministra Rosa Weber, j. em 21.8.2012.)

Essa orientação foi aplicada, aos 22 de agosto de 2012, pelo Ministro Luiz

Fux, que negou seguimento ao Habeas Corpus n. 114.550-AC, tendo em vista

a incompetência do Supremo Tribunal Federal para examinar habeas corpus

substitutivo de recurso ordinário constitucional.

Recebeu a decisão os seguintes fundamentos:

A prevalência do entendimento de que o Supremo Tribunal Federal deve

conhecer de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional

contrasta com os meios de contenção de feitos, remota e recentemente

implementados: Súmula Vinculante e Repercussão Geral, com o objetivo viabilizar

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o exercício pleno, pelo Supremo Tribunal Federal, da nobre função de guardião

da Constituição da República. E nem se argumente com o que se convencionou

chamar de jurisprudência defensiva. Não é disso que se trata, mas de necessária,

imperiosa e urgente reviravolta de entendimento em prol da organicidade do

direito, especifi camente no que tange às competências originária e recursal do

Supremo Tribunal Federal para processar e julgar habeas corpus e o respectivo

recurso ordinário, valendo acrescer que essa ação nobre não pode e nem deve

ser banalizada a pretexto, em muitos casos, de pseudonulidades processuais com

refl exos no direito de ir e vir. (STF, Primeira Turma, HC n. 114.550-AC, Relator o

Ministro Luiz Fux, j. em 22.8.2012.)

Mesmo vencido no leading case, o Ministro Dias Toff oli rendeu-se ao

entendimento fi rmado pela Primeira Turma da Corte Constitucional e, com

fundamento na nova orientação, recusou trânsito a habeas corpus impetrado em

substituição ao recurso ordinariamente previsto no art. 102, inciso II, alínea a,

da Constituição Federal (STF, Primeira Turma, HC n. 114.924-RJ, Relator o

Ministro Dias Toff oli, j. em 29.8.2012).

Entendo que boa razão aqui têm os Ministros do Supremo Tribunal

Federal quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses

previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias

recursais ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de

dedução de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem

sido esquecidas, sobrecarregando os Tribunais, desvirtuando a racionalidade do

ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a

mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo

a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal

de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal

brasileira.

Em suma, louvando-me no entendimento de que o Direito é dinâmico,

sendo que a defi nição do alcance de institutos previstos na Constituição Federal

há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as mudanças de relevo que se

verifi cam na tábua de valores sociais, tenho ser necessário amoldar a abrangência

do habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de remédio

constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.

Contudo, em homenagem à garantia constitucional constante do art. 5º,

inciso LXVIII, e considerando que a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se

após a impetração do presente mandamus, passo à análise das questões suscitadas

na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal evidente, a

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ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se, assim,

prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.

Estamos aqui falando, reparem, de ato libidinoso diverso da conjunção

carnal praticado mediante fraude - art. 215 do Código Penal -, e o que se

pretende é que não admitamos o exercício da ação penal pública condicionada

à representação. Na origem, votou o relator, denegando a ordem, em razão

do “comparecimento da ofendida na delegacia, expondo sua intimidade, no

sentido de que a polícia tomasse as providências cabíveis, indicando a intenção

de prosseguir com a apuração criminal e de ver o autor do delito processado

penalmente” (fl . 161).

No ponto, recupero os seguintes trechos das declarações prestadas pela

vítima à Polícia Civil (fl . 29):

Inquirida pela autoridade, respondeu: que, no dia 28.7.2010 um homem dando

o nome de Thiago foi até sua casa e disse ser fi sioterapeuta e que trabalhava com

Arlete agente de saúde e que ela o mandou ir até lá; que o autor disse que fazia

massagens e como a declarante estava precisando aceitou, ele primeiro fez uma

massagem em sua irmã e pediu para ela tirar a roupa, mas ela não quis e saiu

do quarto da declarante; que o autor pediu um lugar tranquilo e sem ninguém

por perto para fazer a massagem nela e a declarante o levou para o quarto dela

e ele pediu para ela tirar a blusa, na primeira massagem não aconteceu nada de

estranho, mas que o autor disse que ela precisaria de mais 6 massagens; que, no

período da tarde no mesmo dia o autor pediu para a declarante tirar toda a roupa

e jogou um óleo no corpo dela nu; que neste momento ele jogou uma toalha em

seu rosto e enfi ou um dedo na vagina da declarante e ela assustada pediu para

ele parar, mas ele dizia que estava fazendo isso para ela relaxar e neste momento

pediu para ela rebolar; que a declarante percebeu que ele estava sexualmente

excitado; que o cunhado da declarante chegou e deixou o autor nervoso, indo

embora; que o autor na data de hoje foi até sua casa de novo e a declarante

chamou a polícia e só agora soube que o autor não se chama Thiago e sim

Nedson Lechener da Silva.

De fato, conquanto a regra relativamente à legitimação para a persecução

processual penal evidencie o interesse público de toda a comunidade na repressão

da atividade criminosa, existem situações em que outra ordem de interesses,

igualmente relevantes, devem ser tutelados pelo ordenamento jurídico.

Logo, há casos em que, em razão do escândalo provocado pelo ajuizamento

da ação penal, reserva-se à vítima o juízo de oportunidade e conveniência

da instauração da persecução penal, com o objetivo de evitar a produção de

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novos danos em seu patrimônio - moral, social, psicológico - diante de possível

repercussão negativa trazida pelo conhecimento generalizado do fato criminoso.

Sabemos todos que tal medida de discricionariedade consiste no

condicionamento da instauração da ação penal (art. 24 do Código de Processo

Penal) e do próprio inquérito policial (art. 5º do Código de Processo Penal) à

manifestação explícita do ofendido, no sentido de autorizar a persecução estatal,

revelando, de modo inequívoco, seu interesse em ver apurado o fato contra ele

praticado.

No particular, há na doutrina lições no sentido de que a aludida

manifestação não necessita obedecer qualquer regramento formal. Noutras

palavras, pode ser oferecida sem maiores rigores procedimentais, verbalmente

ou por escrito, bastando a demonstração clara do interesse do ofendido em

ver apuradas a autoria e materialidade do fato, dele exigindo-se, apenas, e

se for possível, “a narração do fato, com todas as circunstâncias; a indicação

do indiciado ou de seus sinais característicos e as razões de convicção ou de

presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade

de o fazer” (art. 5º, § 1º, do Código de Processo Penal). Observem que a

representação é instituída no interesse da vítima, daí a dispensa da formalidade,

admitindo-se diferentes maneiras de elaboração.

Ouçamos, pois, a doutrina: entre outros, Cezar Roberto Bitencourt,

cujo autorizado magistério ensina que “a representação não exige qualquer

formalidade, podendo ser manifestada mediante petição escrita ou oral. A

única exigência legal é que constitua manifestação inequívoca do ofendido de

promover a persecução penal. (Código Penal Comentado. ed. Saraiva. 2011, p.

567.)

Essa mesma percepção foi registrada por Guilherme de Souza Nucci,

ao esclarecer que a manifestação do ofendido “não exige rigorismo formal, ou

seja, um termo específi co em que a vítima declare expressamente o desejo de

representar contra o autor da infração penal”, destacando que “basta que das

declarações prestadas no inquérito, por exemplo, fi que bem claro o seu objetivo

de dar início à ação penal”. (Código de Processo Penal Comentado. Revista dos

Tribunais, 2009, p. 132).

De igual sorte, confira, também, a lição do Professor Julio Fabbrini

Mirabete (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, p. 89):

De há muito, porém, a jurisprudência se firmou no sentido de que a

representação não exige forma especial, bastando que o ofendido, seu

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representante legal ou o procurador com poderes especiais manifeste o desejo de

instaurar contra o autor do delito o competente procedimento criminal, podendo

servir para isso até o boletim de ocorrência, declarações da vítima ou de seu

representante, etc.

Deve-se entender que, se a representação é instituída em benefício da vítima e

independe de formalidades, vale ela contra todos os autores do ilícito, ainda que

não constem seus nomes da peça, salvo se houver restrição expressa do ofendido.

Relativamente à jurisprudência, a do Superior Tribunal de Justiça é a que

foi recordada pelo desembargador relator do habeas corpus impetrado na origem,

a saber, “o simples registro da ocorrência perante a autoridade policial equivale a

representação para fi ns de instauração da instância penal” (REsp n. 541.807-SC,

Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 9.12.2003).

No mesmo sentido:

Recurso ordinário em habeas corpus. Violência doméstica contra a mulher (Lei

Maria da Penha). Prisão preventiva. Constantes ameaças direcionadas a vítima.

Periculosidade do paciente. Reiteração delitiva. Risco concreto. Garantia da

ordem pública. Necessidade. Descumprimento das medidas protetivas impostas.

Hipóteses autorizadoras da segregação antecipada. Presença. Custódia justifi cada

e necessária. Constrangimento ilegal não demonstrado.

1. Nos termos do inciso IV do art. 313 do CPP, com a redação dada pela Lei

n. 11.340/2006, a prisão preventiva do acusado poderá ser decretada “se o

crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei

específi ca, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.

2. Evidenciado que o recorrente, mesmo após cientificado das medidas

protetivas de urgência impostas, ainda assim voltou a ameaçar a vítima,

demonstrada está a imprescindibilidade da sua custódia cautelar, especialmente

a bem da garantia da ordem pública, dada a necessidade de resguardar-se a

integridade física e psíquica da ofendida, fazendo cessar a reiteração delitiva, que

no caso não é mera presunção, mas risco concreto, e também para assegurar o

cumprimento das medidas protetivas de urgência deferidas.

Decadência. Suposta ausência de representação regular da vítima. Inexistência

de formalidades. Ofendida que registrou boletim de ocorrência na mesma data dos

fatos. Lapso decadencial não ultrapassado. Impossibilidade de aplicação subsidiária

das disposições do CPC. Natureza criminal do instituto. Ilegalidade não evidenciada.

Recurso improvido.

[...]

3. No caso em exame, a ofendida, no mesmo dia dos fatos (3.8.2008), registrou

um boletim de ocorrência relatando as ameaças sofridas - o qual motivou a

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instauração do inquérito policial -, ou seja, ofereceu a representação tão logo teve

ciência dos fatos e do autor da infração, razão pela qual não se vislumbra que tenha

ultrapassado o lapso decadencial de 6 (seis) meses entre a ciência da autoria do

delito e a manifestação da sua vontade de promover a responsabilização criminal do

agente.

4. Doutrina e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação

prescinde de qualquer formalidade, sendo sufi ciente a demonstração do interesse da

vítima em autorizar a persecução criminal.

[...]

6. Recurso improvido. (RHC n. 26.613-SC, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de

3.11.2011).

Reparem que o Supremo Tribunal Federal tem admitido o requerimento

de instauração de inquérito como bastante para caracterizar a representação do

ofendido, apta a satisfazer a condição de procedibilidade da modalidade de ação

penal pública condicionada. No ponto, citaria, por exemplo, o Habeas Corpus n.

88.843, Relator o Ministro Marco Aurélio, em que afi rmaram os Ministros da

Primeira Turma que, “não se deve exigir a observância rígida das regras quanto à

representação, principalmente quando se trata de crimes dessa natureza”.

Diante dessas considerações, apresentam-se-me corretos os fundamentos

adotados na origem, pois o comparecimento da vítima na repartição policial,

relatando os fatos e manifestando o desejo de prosseguir com a apuração do

suposto crime, tornou legítima a atuação do Ministério Público Estadual.

Nesse contexto, relembro que a análise dos fundamentos indicados pelas

instâncias ordinárias a fi m de justifi car a regularidade da persecução processual

penal deve ser feita com abstração das possibilidades, à luz dos elementos de

convicção contidos nos autos. Em outras palavras, na via estreita do habeas corpus,

a abordagem do julgador deve ser direcionada à verifi cação da compatibilidade

entre a situação fática retratada na decisão e a providência jurídica adotada.

Assim, o que importa neste momento são as afi rmações do Juiz e do

Tribunal de Justiça, sendo vedado, por via transversa, debater em tema de habeas

corpus matéria de fato discutida na causa e decidida com base na prova dos

autos. Desse modo, considerando a presunção iuris tantum de veracidade das

informações prestadas pelas instâncias ordinárias a esta Corte, não há falar em

ausência de condição específi ca de procedibilidade à instauração da ação penal.

Nada obstante, por imperativo de minha consciência, convém tecer

algumas considerações. Indiscutível que os elementos extraídos do inquérito

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policial podem suscitar dúvidas acerca da existência da ação nuclear de induzir,

com o emprego de fraude, a prática de ato libidinoso diverso da conjunção

carnal. Depreende-se do relatório policial que as supostas massagens foram

contratadas e aceitas pela ofendida, sendo que após a primeira sessão, o acusado

voltou à casa da suposta vítima, no mesmo dia, no período da tarde, confi rmando

a contratação de mais seis massagens. Ora, não me parece ser próprio da

dinâmica adotada por profi ssional da área de saúde, contratado com o objetivo

de aliviar dores nas costas, introduzir o “dedo na vagina, com o pedido para que

a vítima rebolasse” (fl . 24). Ao que parece os fatos e conclusões delineados no

relatório policial não descrevem de que maneira a conduta do paciente poderia

se enquadrar na supracitada previsão típica. Assim, algumas indagações devem

ser esclarecidas no curso da ação penal, como, por exemplo, a razão pela qual a

ofendida somente chamou a polícia após várias sessões de massagens e depois

de ter seu cunhado constatado a presença do paciente na residência, ou, ainda,

se a intenção da vítima era mesmo de dar prosseguimento à ação penal ou

buscava ela apenas se resguardar perante o marido e demais familiares? Não

se descarta, por óbvio, sequer a possibilidade de existência de consentimento

no que se refere aos atos libidinosos diversos da conjunção carnal descritos

pela autoridade policial. No entanto, o habeas corpus foi impetrado nesta Corte

desacompanhado de elementos mínimos aptos a me permitirem a análise do

tipo penal e da existência de justa causa para a propositura ou a continuação da

ação penal. Além disso, o tema não foi suscitado perante a instância ordinária ou

na inicial deste mandamus. Diante dessas considerações, a conclusão a que chego

é de me encontrar destituído de elementos sufi cientes a modifi car o que fi cou

estabelecido pelas instâncias ordinárias para considerar ilegítima a atuação do

Ministério Público.

Diante dessas considerações, não conheço do habeas corpus.

É como voto.

HABEAS CORPUS N. 239.905-MT (2012/0079454-7)

Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze

Impetrante: Anderson Nunes de Figueiredo

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Advogado: Anderson Nunes de Figueiredo

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso

Paciente: Alex Nunes de Figueiredo

EMENTA

Habeas corpus originário. Imputação da prática dos crimes de

calúnia e difamação por juiz de direito ao proferir decisão judicial.

Ausência do elemento volitivo essencial para a caracterização dos

delitos contra a honra. Constatação de inexistência de justa causa

para a persecução penal sem necessidade de revolvimento fático-

probatório. Constrangimento ilegal manifesto. Ordem concedida.

1. O trancamento de ação penal, através da estreita e exígua via

do writ, confi gura medida de exceção, somente cabível nas hipóteses

em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a

extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano,

sufi cientes ao prematuro encerramento da persecução penal. Não

se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação de

alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de

inexistência de indícios de autoria e materialidade em habeas corpus,

pois tais constatações dependem, via de regra, da análise minuciosa

dos fatos, ensejando revolvimento de provas incompatível com o rito

sumário do remédio heroico.

2. Para a caracterização dos crimes contra a honra é necessária a

existência do elemento subjetivo especial, qual seja, a vontade livre e

consciente de caluniar, difamar ou injuriar, conforme o caso.

3. Contudo, na hipótese, mesmo em habeas corpus, fi ca evidente o

fl agrante constrangimento ilegal ocasionado ao paciente - querelado

e juiz de direito -, haja vista que da decisão judicial por ele proferida

não se vislumbra a imprescindível vontade dirigida a ofender a honra

alheia. Portanto, se alguma ofensa houve, tal não se embrenhou pela

seara penal exatamente por falta do elemento subjetivo do tipo. A

leitura cuidadosa da sentença proferida pelo paciente - e que foi

desfavorável às pretensões do querelante - demonstra tão somente o

cuidado do magistrado em elencar todas as razões de convencimento

que o levaram a concluir pela validade do negócio jurídico que se

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visava anular, em perfeita harmonia com o comando disposto no art.

93, IX, da Constituição Federal.

4. Habeas corpus concedido a fi m de extinguir a Ação Penal

Privada n. 119.351/2011, por ausência de justa causa.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta

Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas

taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto

do Sr. Ministro Relator.

Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-

PR), Laurita Vaz e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.

Brasília (DF), 25 de setembro de 2012 (data do julgamento).

Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator

DJe 2.10.2012

RELATÓRIO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus impetrado

em favor de Alex Nunes de Figueiredo, apontando-se como autoridade coatora

o Desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.

Tem-se dos autos que o paciente, Juiz de Direito, teve oferecida contra

si, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, queixa-crime pela suposta prática

dos crimes previstos nos arts. 138 e 139 do Código Penal, no bojo de sentença

proferida em ação cível por ele julgada.

Irresignada com a não rejeição da queixa-crime pelo desembargador relator

e visando o trancamento da ação penal privada, a defesa impetrou habeas corpus

perante o Tribunal Estadual, sendo o pedido de liminar indeferido.

Daí o presente writ, no qual alega o impetrante, inicialmente, que as nuances

do caso autorizam a superação do Enunciado n. 691 da Súmula do Supremo

Tribunal Federal. Segue afi rmando que o paciente sofre constrangimento ilegal

em razão da propositura de ação penal sem que exista justa causa que a legitime,

tendo em vista que as condutas descritas na inicial a ele imputadas, nem mesmo

em tese, confi guram os crimes de calúnia e difamação.

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Acentua que o “paciente jamais teve a intenção, o dolo, genérico e muito

menos específi co, de caluniar, difamar ou injuriar o querelante ou quem quer

que seja” (fl . 8) e que “a ação penal também não deve prosperar por estar o

paciente (magistrado), na sua função judicante, amparado pela imunidade

judiciária, agindo não em nome próprio mas pelo e em nome do Estado o qual

personifi ca” (fl . 12).

Aduz a inépcia da queixa-crime, pois “em nenhum momento o querelante

descreve, com exatidão e clareza, os fatos por ele tidos como caluniosos e

difamatórios” (fl . 17), asseverando, ainda, que “no instrumento de mandato

juntado aos autos de origem (...) não há a narração dos fatos tidos por

criminosos, e sequer os dispositivos legais nos quais o querelado é dado como

incurso” (fl . 17), contrariando a exigência legal contida no art. 44 do Código de

Processo Penal.

Busca, liminarmente e no mérito, a suspensão da Ação Penal Privada n.

119.351/2011, até o julgamento fi nal do presente writ.

Liminar deferida, às fl s. 189-190, a fi m de sobrestar o andamento da

aludida ação penal até o julgamento defi nitivo do habeas corpus originário.

O douto Ministério Público Federal, ao manifestar-se (fls. 221-225),

opinou pela concessão da ordem para que a ação penal seja suspensa até o

provimento de mérito do writ originário.

As informações juntadas (fl s. 227-243) noticiam que a petição inicial

do mandamus impetrado na origem foi indeferida ante a constatação da

incompetência absoluta da Corte Estadual para o julgamento de habeas corpus

cuja autoridade apontada como coatora seja desembargador relator do respectivo

Tribunal. Nessa oportunidade, informou-se, ainda, que o recurso ordinário

interposto contra a referida decisão teve seu seguimento negado em razão do

não cabimento do referido recurso contra decisão monocrática.

Diante desse quadro, às fl s. 245-250, o impetrante aditou o pedido a fi m

de que este writ fosse recebido como habeas corpus originário, passando a ter

como objeto a decisão do desembargador relator do Tribunal de Justiça de Mato

Grosso que, ao invés de extinguir sumariamente a ação penal privada movida

em desfavor do paciente por ausência de justa causa, deu curso à queixa-crime.

Com isso, o impetrante passou a buscar, neste mandamus, o trancamento da Ação

Penal Privada n. 119.351/2011.

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Assim, nova vista dos autos foi franqueada ao Ministério Público Federal

que, às fl s. 257-262, opinou pela concessão da ordem a fi m de que se determine

o trancamento da ação penal de que se cuida.

É o relatório.

VOTO

O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): Considerando que o

presente writ se insurge contra ação penal em trâmite no Tribunal Estadual,

conheço desta impetração como habeas corpus originário, como pleiteado no

aditamento de fl s. 245-250, e passo à análise do pedido de trancamento ora

formulado.

É bem verdade, não se questiona, que o trancamento de ação penal, através

da estreita e exígua via do habeas corpus, confi gura medida de exceção, somente

cabível nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da

conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano,

sufi cientes ao prematuro encerramento da persecução penal.

Rememoro, no particular, lição exarada pela Suprema Corte, ao salientar

que o “reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal

(...) reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-

se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto

aos fatos subjacentes à acusação penal” (HC n. 81.234-SP, 2ª Turma, Relator

Ministro Celso de Mello, Informativo n. 317, 2003).

Não se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação de

alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de inexistência

de indícios de autoria e materialidade em habeas corpus, pois essas constatações

dependem, via de regra, da análise minuciosa dos fatos, ensejando revolvimento

de provas incompatível com o rito sumário do remédio heroico.

Contudo, na hipótese dos autos, é evidente o constrangimento ilegal

ocasionado ao paciente, consubstanciado na completa ausência de justa causa

para a ação penal privada movida em seu desfavor.

Diz a queixa-crime (fl s. 48-64):

Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de

Mato Grosso.

Luiz Antônio Pinheiro de Lacerda, brasileiro, casado, arquiteto, CREA-RJ n.

22.219-D, CPF n. 161.262.387-53, residente e domiciliado no SEPS 713-913, Bloco

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B, apartamento 112, CEP n. 70.390 135, Brasília-DF vem à honrosa presença de V.

Exa., apresentar Queixa Crime, contra o Excelentíssimo Sr. Dr. Juiz de Direito, Alex

Nunes Pinto de Figueiredo, titular da 4a Vara Cível da Comarca de Cáceres, onde

pode ser encontrado.

Dos Fatos:

Em 4.9.2011. no Processo n. 462/2007 em trâmite na 4ª Vara Cível da Comarca

de Cáceres, o Querelado prolatou a seguinte sentença. Transcreve-se na íntegra e

se junta (doe. 01).

Luiz Antônio Pinheiro de Lacerda, brasileiro, casado, arquiteto, CPF n.

161.262.387-53, domiciliado à rua das Dalias, n. 582 bairro Jardim Cuiabá,

na cidade de Cuiabá-MT, propôs a presente Ação anulatória de Ato Jurídico

cumulada com Declaratória de Propriedade de Bem Imóvel, contra Oromar

Woods de Souza Neto, brasileiro, casado, advogado, domiciliado na Avenida

das Américas, n. 3.333, bairro Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro,

alegando, em síntese, na exordial de fl s. 2-11, que no dia 9.6.1992 adquiriu

bem imóvel consistente em 16.000 hectares da Fazenda Descalvados, por

meio de escritura de doação, outorgada por sua mãe, já falecida, sendo

referida área desmembrada de outra que totalizava 37.853,8137 ha. Aduz

que posteriormente, passados quatro meses daquela doação, utilizando a

mesma planta e memorial descritivo, sua mãe, Alicinha Cavalcanti Freire,

destacou a mesma área com a finalidade de formar um condomínio,

vendendo ao requerido 8.000 hectares metade da área doada ato este

formalizado por meio de uma escritura pública de formação de condomínio

com compra e venda por tal motivo pediu antecipação dos efeitos da tutela

para que fosse determinada a anulação do registro de transferência para

o réu, e no mérito a declaração da nulidade da escritura de de compra

e venda feita entre sua mãe e o requerido, e a transferência do imóvel

para seu nome Alternativamente, pede que seja declarada a aquisição da

propriedade pela usucapião.

Com a inicial, juntou os documentos de fl s. 12-32.

Pela decisão de fl s. 35-38, a análise do pedido de tutela antecipada foi

postergada para momento posterior à apresentação da defesa.

O requerido ofereceu contestação às fls. 74-94, acompanhada dos

documentos de fls. 95-190. Na defesa sustenta o réu, em preliminar, a

prescrição ou decadência, e no mérito, que a escritura de doação do

autor não tem o condão de anular a sua, de compra, porque aquela não

foi registrada no cartório competente, sustentando ainda que o autor

age de má-fé porque sabia que sua mãe havia feito o negócio com ele

(requerido), e que inclusive foi o autor quem a assistiu, assinando recibos,

recebendo valores e sendo testemunha; aduz ainda que não se faz presente

a usucapião, porque nunca abandonou o imóvel.

Impugnação à contestação às fl s. 195-214.

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Pela decisão de fls. 267-273, o pedido de antecipação de tutela foi

indeferido; desta decisão não ouve recurso.

Foi proposta impugnação ao valor da causa pelo requerido Oromar (em

apenso), conforme a certidão de fl s. 274.

Também foi apensado aos autos a ação de interdito proibitório (p. 3)

proposta pelo autor (fl s. 275).

Pela decisão de fls. 316-322 da qual também não houve recurso, a

magistrada entendendo ser juridicamente impossível a cumulação de ritos

da ação ordinária com a de usucapião, determinou ao autor que emendasse

a inicial, desistindo de uma das ações e esclarecendo qual pedido queria ver

apreciado.

Houve pedido de assistência litisconsorcial, que foi impugnado, sendo

determinada sua, autuação em apartado (fl s. 350).

Às fl s. 366-367 e 371 o autor veio requerer o julgamento antecipado da

lide, aduzindo ainda estar amparado pelo Estatuto do Idoso. É o relatório.

Decido.

Trata-se de ação anulatória de ato jurídico, proposta por Luiz Antônio

Pinheiro de Lacerda, em face de Oromar Woods de Souza Neto.

Alternativamente pede o reconhecimento da prescrição aquisitiva.

Cumpre considerar inicialmente que o pedido anulatório feito pelo autor

é totalmente incompatível com aquele de reconhecimento da prescrição

aquisitiva vez que por se tratar de ações com naturezas distintas, possuindo

ritos próprios são incompatíveis, sendo impossível juridicamente a

cumulação da ação anulatória de rito ordinário, com ação de usucapião.

Tal fato já havia sido observado anteriormente pela magistrada que me

antecedeu, que inclusive concedeu prazo para que o autor optasse por

um dos ritos (fl s. 316-322), quedando-se silente já que na manifestação

de fl s. 323 não se pronunciou sobre a determinação judicial. Assim, como

a ação já seguia o rito ordinário, e o autor ao fi nal pediu, por duas vezes, o

julgamento antecipado da lide, presume-se que optou pelo procedimento

ordinário, desistindo do pedido da prescrição aquisitiva.

Sendo assim, entendo tal qual o autor, que as provas estão

suficientemente maduras para a prolação de sentença, não havendo a

necessidade de ulterior dilação probatória, motivo pelo qual com fulcro no

artigo 330, I, do CPC, passo a proferir a sentença.

Antes, porém, de adentrar no mérito, cumpre-me o exame da preliminar

de prescrição/decadência aventada pelo requerido na contestação.

No caso vertente tenho que nem a prescrição, muito menos a decadência

do novel Código Civil se aperfeiçoaram. É que a ação anulatória de ato

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jurídico que ocorreu no ano de 1992 como no caso em tela tem como

prescrição o Código Civil de 1916 em seu art. 177 prevê:

Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20

(vinte) anos as reais em 10 (dez) entre presentes e entre ausentes em

15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.

O art. 2.028 do Código Civil de 2002 estabelece:

serão os da lei anterior os prazos quando reduzidos por este

código e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido

mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.

Assim, como na data da entrada em vigor do código civil de 2002 já

havia decorrido prazo superior a metade do prazo prescricional previsto no

código civil de 1916, deve-se aplicar no caso em tela a prescrição vintenária.

Desta forma, rejeito a preliminar.

No mérito tenho que o pedido do autor é totalmente improcedente

com efeito, alega o requerente que no dia 9.6.1992 adquiriu bem imóvel

consistente em 16.000 hectares da fazenda Descalvados por meio de

escritura pública de doação outorgada por sua mãe, já falecida, sendo

referida área desmembrada de uma outra que totalizava 97.853,8137 ha.

Aduz que posteriormente, passados quatro meses daquela doação

utilizado a mesma planta e memorial descritivo, sua mãe, Alicinha Cavalcanti

Freire destacou a mesma área com a fi nalidade de formar um condomínio,

vendendo ao requerido 8.000 hectares, metade da área doada, ato este

formalizado por meio de uma escritura pública de formação de condomínio

com compra e venda.

Por tal motivo, pede a nulidade daquela escritura de compra e venda,

alegando que a área lhe pertence em razão da doação feita.

Muitas questões poderiam ser suscitados aqui no sentido de serem

respondidas, se bem que em relação as várias delas as respostas não estão

nos autos, como:

a) Por qual motivo o autor entrou com a ação somente 15 anos depois

da suposta doação feita a ele por sua mãe?

b) Por qual motivo o autor, mesmo assistindo sua mãe na transação feita

com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o

negócio trazidos com a contestação, permitiu que a área que supostamente

havia lhe sido doada quatro meses antes, fosse vendida ao requerido?

c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor

foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,

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conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele

Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no

próprio cartório do Rio de Janeiro?

d) Por qual motivo o autor lavrou a escritura de doação, juntamente com

o procurador da sua genitora, no Cartório do 2º Ofício de Cáceres, com o

Tabelião Apoio Freitas Polegato, Cartório este que tempos depois fi cou sob

interdição, haja vista a descoberta de fraudes nos assentamentos, inclusive

em escrituras, estando o seu ex-tabelião respondendo a inúmeras ações

cíveis e criminais na Justiça, já tendo sido condenado em algumas delas?

Todas aquelas questões, e outras inúmeras, em ações próprias com

certeza seriam ou serão dirimidas no entanto para o presente momento,

são irrelevantes já que a matéria será analisada apenas sob o ângulo do

direito.

Segundo os autos, temos duas escrituras públicas: a primeira a que

sustenta a pretensão do autor (fl s. 13-14) lavrada no dia 9 de julho de 1992,

e que não foi registrada no registro de imóveis no tempo certo. A segunda,

a que sustenta a pretensão do requerido (fl s. 15-10) lavrada no dia 7 de

outubro de 1992 e devidamente registrada no registro de imóveis junto a

matrícula do imóvel, no dia 26 d eoutubro de 1992, sob o n. 60.885 p. 300

(fl s. 117-vº e 122).

A doação feita é representada nos autos única e exclusivamente pela

escritura de doação trazida com a inicial, A escritura de compra e venda

feita entre o réu e a mãe do autor é sustentada por inúmeros documentos

trazidos com a contestação, grande parte deles assinados também pelo

autor. A primeira não foi registrada, e somente apareceu 15 (quinze) anos

depois de lavrada, a segunda foi registrada logo em seguida à concretização

do negócio (grifei) (...)

O artigo 531 do Código Civil de 1916, vigente na época do negócio tinha

a seguinte redação:

*Art 531 estão sujeitos é transcrição. no respectivo Registro de

títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos.”

Por seu turno, dispunha o artigo 533:

“Art. 533, Os atos sujeitos à transcrição (arts. 531 e 532, II e III) não

transferem o domínio, senão da data em que se transcreverem (art.

860, parágrafo único).

A matéria é repetida pelo atual Código Civil, nos seus artigos 1.245:

Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o

registro do título translativo no Registro de Imóveis.

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§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante

continua a ser havido como dono do imóvel [...].

No mesmo sentido afi rma o ilustre Ministro Luiz Fux:

a lei reclama o registro dos títulos translativos da propriedade

imóvel por ato inter vivos, onerosos ou gratuitos, posto que os

negócios jurídicos em nosso ordenamento jurídico, não são hábeis

a transferir o domínio do bem. Assim, titular do direito é aquele em

cujo nome está transcrito a propriedade imobiliária (STJ REsp n.

848.070-GO, Dje 25.3.2009).

Na doutrina, Silvio Rodrigues estabelece que os modos de aquisição

de propriedade previstos no antido art. 530 do Código Beviláqua eram

taxativos, não havendo, pois no direito brasileiro modo diverso de adquirir

a propriedade imobiliária senão aqueles listados nos incisos do art. Em

questão.

O Código Civil de 1916 enumerava, em seu art. 530, os modos de

aquisição da propriedade imóvel. A enumeração era taxativa, não

conhecendo a lei outros que não aqueles ali constantes. (in Direito

Civil, Vol. V, Saraiva, 2002, p. 93).

Assim sendo, trasladando a lex e os ensinamentos acima expostos para

o caso vertente, supondo que houve boa-fé, quando a genitora do autor

lhe doou a área em litígio, continuou ela como proprietária do imóvel,

não se aperfeiçoando o seu translado, já que não houve o registro na

matricula respectiva a venda ao réu. Não houve, portanto, a transferência

da propriedade a este, foi perfeitamente válida a alienação por ela feita

posteriormente ao réu Oromar Woods de Souza Neto, e para este o

domínio da área que adquiriu foi transferido com o registro do negócio no

transferido com o registro no tabelionato competente, passando ele a ser

dono do imóvel.

Por outro lado, não há nos autos nada que indique ter o réu agido de

má-fé, pelo contrário, consta dos autos documentos demonstrando, à

saciedade, que ó próprio autor auxiliou sua mãe na venda da propriedade

para o requerido, quando supostamente já a havia doado (ao autor) o

imóvel, esses documentos encontram-se às fl s. 100-101.124, 132-136, 185

e 187.

Pelo que constato, se má-fé houve, esta foi do próprio autor, que permitiu

que um negócio se realizasse em cima de uma área que supostamente

havia sido doada, tendo ciência disso, recebendo juntamente com sua

mãe o valor, deixando o réu nela investir para depois passados 15 (quinze)

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anos, querer anular o contrato pelo qual foi um dos responsáveis pela

concretização.

Ressalto que nem os próprios irmãos do autor concordam com a

anulação por ele pretendida, muito menos com a validade da doação feita

por sua mãe a ele, conforme observo dos autos de pedido de assistência

litisconsorcial em apenso (Id. n. 96.215).

Desta forma, entendo ser perfeitamente válido o negócio entabulado

entre o requerido e a genitora do autor, e se prejuízo este último teve com

a segunda alienação feita pela sua mãe, deveria dela tê-lo cobrado quando

ainda estava viva, e não agora voltar-se contra o réu que agiu de boa-fé o

tempo todo.

Isto posto, e por tudo o mais que dos autos consta, julgo improcedente

o pedido contido na exordial e, com fulcro no artigo 269, inciso I, do CPC,

declaro extinto o feito com resolução do mérito. Admito Eny Lacerda

Leite de Barros e Edi Lacerda de Barros, como assistentes litisconsorciais

do réu Oromar Woods de Souza Neto, em razão do evidente interesse

dos mesmos na demanda, conforme exposto nestes autos e naquele em

apenso (Id n. 96.215), no entanto, deixo de ali produzir prova uma vez que

o presente decisum esgota, por ora, o interesse na assistência, motivo pela

qual determino o traslado de cópia desta sentença para aqueles autos (Id.

n. 96.215), após: o arquivamento dele com as devidas baixas na distribuição.

Com o presente decisum prejudicado fi ca o pedido feito nos autos de

impugnação ao valor da causa (Id. n. 82.525), em apenso, pelo que com

fulcro no artigo 267, inciso VI, do CPC, extingo estes autos sem resolução do

mérito, deixando de condenar em honorários advocatícios por se tratar a

impugnação de mero incidente processual. Traslade-se cópia deste decisum

para aquele processo, arquivando-o com baixa na distribuição.

Condeno o autor Luiz Antônio Pinheiro de Lecerda no pagamento das

custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, que

fi xo, diante da regra do artigo 20, § 4º, do CPC. considerando o grau de zelo

do advogado do requerido, a natureza e a importância da causa, o seu valor,

e o trabalho realizado pelo advogado, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).

Transitada em julgado, arquive-se com as baixas devidas. P. R. I. C.

Câceres, 3 de agosto de 2011.

Alex Nunes de Figueiredo

Juiz de Direito

O juiz (querelado) usando de seu cargo, de forma covarde, abusiva e criminosa

utiliza a sentença para imputar fatos falsos e ofensivos à reputação do Querelante.

Transcreve-se abaixo o texto, parte da sentença, onde o juiz extrapola a sua

função de julgador, servidor público imparcial, e se coloca na posição de agressor.

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Muitas questões poderiam ser suscitados aqui no sentido de serem

respondidas, se bem que em relação as várias delas as respostas não estão

nos autos, como:

a) Por qual motivo o autor entrou com a ação somente 15 anos depois

da suposta doação feita a ele por sua mãe?

b) Por qual motivo o autor, mesmo assistindo sua mãe na transação feita

com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o

negócio trazidos com a contestação, permitiu que a área que supostamente

havia lhe sido doada quatro meses antes, fosse vendida ao requerido?

c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor

foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,

conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele

Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no

próprio cartório do Rio de Janeiro?

d) Por qual motivo o autor lavrou a escritura de doação, juntamente com

o procurador da sua genitora, no Cartório do 2º Ofício de Cáceres, com o

Tabelião Apoio Freitas Polegato, Cartório este que tempos depois fi cou sob

interdição, haja vista a descoberta de fraudes nos assentamentos, inclusive

em escrituras, estando o seu ex-tabelião respondendo a inúmeras ações

cíveis e criminais na justiça, já tendo sido condenado em algumas delas?

O “Juiz da causa” ora Querelado foi aos autos em sentença, pela motivação

que se verá mais abaixo, difamar o ora Querelante, imputando-lhe fatos ofensivos

à sua reputação e dignidade, descaradamente disfarçados de “questões que

poderiam ser suscitadas no sentido de serem respondidas”.

Qual outro poderia ser o sentido das questões senão os de serem respondidas?

Somente o de agredir e difamar. Em linhas posteriores da sentença ele

confi rma essa intenção, inclusive, mostrando que as capciosas perguntas não

eram irrelevantes para sua deturpada e agressiva sentença.

0 Querelado enceta agressivas suposições levantando dúvidas quanto às

motivações do Querelante, indagação irrelevante para o julgamento com ele

mesmo posteriormente afi rma, mas que serve para iniciar seu assédio contra a

moral e boa fé do querelante.

Afirma o meretíssimo em sua tendenciosa sega pergutna (b) no primeiro

parágrafo da página 4 (quatro):

b) Por qual motivo o autor, mesmo assistindo sua mãe na transação feita

com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o

negócio trazidos com a contestação, permitiu que a área que supostamente

havia lhe sido doada quatro meses antes, fosse vendida ao requerido?

Se fossem irrelevantes as questões porque as formularia?

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Transcrevem-se parte da pergunta. Para uma melhor analise da indagação que

contém em si uma afi rmação falsa: “mesmo assistindo sua mãe na transação feita

com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o negócio

trazidos com a contestação”.

O querelante não assinou nenhum documento.

Sem tentar responder ao meretíssimo, mas apenas para demostrar sua falsa

afi rmação cabe ilustrar que o querelante não tem e nuca teve autoridade policial

e muito menos judicial para impedir que qualquer pessoa adulta, mesmo sendo

sua mãe, cometesse ou praticasse ato ilegal ou ilícito.

Destaca-se que esta insinuação de assistiu a mãe na negociação é caluniosa,

pois atribuiu ao querelante à pecha de estelionatário, mesmo que o juiz tenha

tido o cuidado de fazer a acusação veladamente em forma de pergunta cínicas.

Não há nos autos qualquer prova documental ou testemunhal que desse

ensejo a esta interpretação, ou seja, o juiz preferiu mentir e encobrir o delito do Sr.

Oromar e da Sra Alicinha, fi nada mãe do querelante.

E o pior, resolve acusar de forma leviana a vitima do estelionato praticado.

Quanto ao grifo na palavra “supostamente” é para chamar a atenção para o

que vem a seguir em outra “questão irrelevante para o processo’’ quando o juiz vai

levantar suspeita contra o cartório que lavrou a escritura de doação.

Ao colocar a palavra “supostamente”, o Querelado no verdadeiro sentido da

frase está acusando o Querelante de falsifi car ou falsear a verdade através de um

documento público; a Escritura de Doação.

Alguém só supõe alguma coisa quando não tem a certeza sobre ela. Imputar

ao réu, a sua falecida mãe e ao procurador desta, a hipótese de terem, com a

participação do cartório, adulterado ou mesmo fabricado a Escritura é calúnia.

E por ter caluniado gratuitamente o querelante deve ser criminalmente

responsabilizado, ainda mais da forma que foi feita, através de sentença judicial.

Ademais, neste particular, acusa também o cartório de Cáceres na pessoa de

seu Tabelião.

É uma metralhadora desrespeitosa! Esmiuçar-se-á este trecho da sentença:

c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor

foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,

conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele

Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no

próprio cartório do Rio de Janeiro?

Primeira pergunta: - por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a

mãe do autor foi representada por procurador?

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A Sra. Alicinha maior e capaz decidiu, por comodidade, passar a uma pessoa

de sua confi ança, de moral ilibada, procuração para doar ao seu fi lho os 16.000

hectares. Não há ilícito nisso.

Por outro lado esta pergunta irrelevante demonstra a intenção clara de caluniar

e difamar o querelante, pois novamente acusa o mesmo de praticar ato ilegal.

Segunda pergunta: - Porque ela estava no Rio de Janeiro, conforme a

procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele Estado?

Ora, qualquer pessoa pode outorgar procuração em qualquer cidade do

país, no caso da Sra. Alicinha esta decidiu outorgar lá a procuração, pois,

frequentemente ia ao Rio de Janeiro, onde morou por 30 anos.

A resposta a esta pergunta é irrelevante processualmente, mas demonstra o

nítido interesse do querelado em difamar e caluniar o querelante. Insinuando

através dela que o ato foi ilícito.

Terceira pergunta; - Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação

no próprio cartório do Rio de Janeiro?

Essa pergunta é muito capciosa especialmente acompanhada da pergunta

seguinte. Esse tipo de atitude, sorrateira e escorregadia, costumeira, é indigna de

um servidor público ocupando temporariamente o cargo de juiz.

Mas respondendo, se seria mais fácil ou mais difícil, não diz respeito ao caso, o

que diz respeito ao processo é que a doação foi feita, não interessa onde.

E mais uma vez confi rma e denota que o que queria o juiz era levantar dúvidas

sobre o caráter do querelante, e por isso deve responder criminalmente.

Claro está que este exacerbou sua função jurisdicional e começou em abuso

de autoridade a tecer acusações e questionamentos levianos contra a honra e a

moral do querelante.

A pergunta seguinte é sintomática.

c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor

foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,

conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele

Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no

próprio cartório do Rio de Janeiro?

Em função de quê se não era relevante ao processo?

Questionar porque ela estava fora é no mínimo uma ofensa ao direito de ir e vir

da falecida mãe do querelante.

O Querelado não tem nada a ver com isso, não lhe diz respeito e não é de sua

conta. Ela era livre e podia estar em qualquer lugar que lhe aprouvesse, inclusive

sem ter que dar satisfação alguma a qualquer juiz.

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Para responder essa substancial indagação, se o julgador acreditar, deve

procurar um centro espírita. Pergunta agressiva sem pé nem cabeça.

Há também outro aspecto, que neste momento se torna relevante - o juiz está

cometendo o crime de calúnia contra o procurador da falecida mãe do Querelante

O que se observa na colocação estapafúrdia do Querelado é que ele distribui

agressões a todos, simplesmente porque assim lhe apraz.

A questão terão aos autos a pior das acusações, caluniosa, pois acusa o

Querelado de envolvimento em fraudes nos assentamentos do Cartório do 2º

Ofício de Cáceres, com o Tabelião Apoio Freitas Polegato.

d) Por qual motivo o autor lavrou a escritura de doação, juntamente com

o procurador da sua genitora, no Cartório do 2º Ofício de Cáceres, com o

Tabelião Apoio Freitas Polegato, Cartório este que tempos depois fi cou sob

interdição, haja vista a descoberta de fraudes nos assentamentos, inclusive

em escrituras, estando o seu ex-tabelião respondendo a inúmeras ações

cíveis e criminais na Justiça, já tendo sido condenado em algumas delas?

Continua o assédio contra a moral do Querelante no restante do texto:

A doação feita é representada nos autos única e § exclusivamente pela

escritura de doação trazida com a inicial. A escritura de compra e venda feita entre

o réu e a mãe do autor é sustentada por inúmeros documentos trazidos com a

contestação, grande parte deles assinados também pelo autor.

O juiz está farto de saber que uma doação de imóvel se faz através de

Escritura Pública, podendo ainda ser feita através de documento particular com

as formalidades legais. Isso é verdade, no entanto, transformando a “pergunta

irrelevante”, que no fundo é outra mentira sem subterfúgios, torna a mentir desta

feita, além de continuar com a falsidade acima denunciada, mente ao afi rmar que

com a contestação vieram inúmeros documentos que “sustentam a escritura feita

entre o réu e a mãe do autor, ora Querelante.

Não há sequer um documento que prove ou sustente a afi rmações publicadas

na sentença.

Finaliza as agressões dizendo que inúmeras questões além das perpetradas

com certeza seriam dirimidas em ações próprias. Quais perguntas? Ações de

quem contra quem? O que o Querelado quis dizer?

Consciente do ato criminoso praticado e duvidando da propositura da presente

queixa, encerra os seus impropérios confi rmando serem estes irrelevantes para o

processo e para a matéria analisada.

Todas aquelas questões, e outras inúmeras, em ações próprias com

certeza seriam ou serão dirimidas, no entanto, para o presente momento,

são irrelevantes já que a matéria será analisada apenas sob o ângulo do

direito (grifei).

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Esqueceu-se de que, se são irrelevantes para os processo e para ele, nâo

deveriam sequer aparecer nos autos, muito menos pelas mãos e pela mente

perversa do juiz.

Se apareceram foi para agredir, pois o conteúdo é agressivo, e se foi para

agredir, para o agredido não são irrelevantes.

Suas agressões foram feitas em instrumento público e com ampla divulgação

por veículo ofi cial de publicação.

O patrimônio moral do Querelante foi sem duvida atingido, não só com a

calúnia e difamação em si, mas também com a ampla divulgação alcançada.

Confi rmando que o querelado apenas usou a palavra - “irrelevantes” - para as

questões postas no intuito de disfarçar o que realmente pensa e conclui.

Por outro lado, não há nos autos nada que indique ter o réu agido de

má-fé, pelo contrário, consta dos autos documentos demonstrando, à

saciedade. que o próprio autor auxiliou sua mãe na venda da propriedade

para o requerido, guando supostamente já a havia doado (ao autor) O

imóvel, esses documentos encontram-se às fl s. 100-101.124. 132-136. 185

e 187(grifei).

Pelo que constato, se má-fé houve, esta foi do próprio autor, que permitiu

que um negócio se realizasse em cima de uma área que supostamente

havia lhe sido doada, tendo ciência disso, recebendo juntamente com sua

mãe O valor, deixando o réu nela investir para depois, passados 15 (quinze)

anos, querer anular o contrato pelo qual foi um dos responsáveis pela

concretização.

Só mentiras, calúnias e difamações. Antes, jogando pedra e escondendo a

mão, em forma de “questões irrelevantes” agora, se desmascarando difama e

atribui ao querelante atos que não foram por estes cometidos.

Para encerrar cabe informar por fi m que a atitude tresloucada do julgador, em

parte se deu por uma informação errada que lhe passou seu irmão Anderson.

O Dr. Anderson, advogado, sem explicação plausível, não ser ganância e falta

de hombridade, levou ao conhecimento do seu irmão a informação (mentirosa)

de que o Querelante e sua advogada, acima citada estariam dispostos a trocar

uma sentença favorável pelo arquivamento do caso em que esteve presente o

fi lho do Querelado.

Afi rmou o Dr. Anderson, na frente de seu pai, ao Querelante que a Dra. Maria

Alice era fofoqueira e estava inventando a agressão verbal sofrida por ela dentro

do gabinete do juiz, que em altos brados a chamou de chantagista e a informou

que se daria por impedido.

O caso foi arquivado por ser a melhor ou única solução possível, jamais alguém

sequer pensou em troca de favores.

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Este caso se deu no prédio em que reside o juiz na cidade de Cuiabá - MT, à

Avenida Ipiranga n. 255.

Durante uma festinha promovida pelo fi lho do juiz, um adolescente, como

também o é o fi lho do Querelado, pulou do 4o andar do referido prédio.

Por uma dessas coincidências da vida, a delegada que presidia o inquérito é

fi lha da Dra. Maria Alice.

Se alguém quis tirar proveito desse acidente, não foi com certeza, nem o

Querelante, muito menos sua advogada, muito pelo contrário, se houve alguém

em erro, este foi o julgador que não cumpriu com sua ameaça, não se considerou

impedido, que era o mais digno a ser feito.

Muito pelo contrário, depois de arquivado o inquérito em Cuiabá, ele julgou

rancorosamente e com ofensas ao Querelante.

Do Direito:

Ao afi rmar sob a forma de sugestão ou suposição o Querelado agiu de má-fé,

imputando ao querelante, atos e atitudes que este não produziu ou participou,

com o agravante de sua “supostamente merecida” posição de julgador incorreu

em duas agressões ao Código Penal.

Difamação

Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:

Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.

Calúnia

Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido

como crime:

Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.

§ 1o - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a

propala ou divulga.

§ 2o - É punível a calúnia contra os mortos.

Está explícito que o querelado praticou crimes contra a honra do querelante

e deve ser responsabilizado criminalmente por tais fatos e para que isto seja

possível o querelante apresenta esta queixa crime requerendo seu regular

processamento e ao fi nal a condenação do querelado nas penas previstas no

Código Penal.

Faz-se juntada cópias dos autos em que foi proferida a sentença caluniadora e

difamante.

Requer-se ainda, a citação do querelado bem como a oitiva de testemunhas

que presenciaram alguns dos fatos narrados nesta peça.

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Como se vê, foi atribuída ao paciente, pelo querelante, a prática dos crimes

previstos nos arts. 138 (calúnia) e 139 (difamação) do Código Penal, porque

teria - no bojo de sentença proferida nos autos da Ação Anulatória de Ato

Jurídico - ao julgar improcedente o pedido, ofendido a honra do querelante.

Contudo, observo que os fatos narrados na queixa-crime, por si só, não

permitem a adequação típica pretendida pelo querelante, pois ausente, de

forma patente, a presença do elemento volitivo indispensável à confi guração

dos aludidos delitos, visto que para a caracterização dos crimes contra a honra é

necessária a existência do elemento subjetivo especial, qual seja, a vontade livre e

consciente de caluniar, difamar ou injuriar, conforme o caso.

Mesmo em habeas corpus, fi ca evidente o fl agrante constrangimento ilegal

ocasionado ao paciente, haja vista que os fatos descritos na peça inaugural da

ação penal não apontam condutas reveladoras do intuito de ofensa à honra do

querelante.

De fato, uma coisa é se sentir ultrajado. Outra, é ter contra si uma

conduta dirigida à fi nalidade de denegrir a honra. Não raras vezes se pode,

incidentalmente, atingir a honra subjetiva de alguém sem que sequer se tenha

conhecimento do agravo ocasionado. Não por outro motivo, exige-se para

o gravame da persecução penal o animus caluniandi, difamandi e injuriandi,

conforme o caso. Essa imprescindível consciência e vontade dirigida a ofender a

honra alheia é que, embora nos limites do habeas corpus, não se verifi ca. Portanto,

se alguma ofensa houve, tal não se embrenhou pela seara penal exatamente por

falta do elemento subjetivo do tipo.

A leitura cuidadosa da sentença proferida pelo paciente - e que foi

desfavorável às pretensões do querelante - demonstra tão somente o cuidado

do magistrado em elencar todas as razões de convencimento que o levaram

a concluir pela validade do negócio jurídico que se visava anular, em perfeita

harmonia com o comando disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal.

Por outro vértice, haja vista que da decisão prolatada pelo paciente,

por si só, não ressai o elemento subjetivo necessário para a confi guração dos

delitos imputados, deveria a queixa-crime apontar o dolo específi co de ofensa

- seja à honra subjetiva, seja à honra objetiva -, obrigação essa da qual não se

desincumbiu.

De se ressaltar que a acusação deve sempre estar amparada em suporte

probatório mínimo, tendo em vista que a simples instauração do processo penal

já atinge a dignidade do acusado. Não há justa causa para a ação penal quando

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a inicial acusatória limita-se a afi rmar a existência do elemento subjetivo sem,

contudo, demonstrá-lo. Assim, não me parece haver, na sentença proferida pelo

paciente - a que se reportou a queixa-crime -, dolo de ofensa à honra.

Dessa forma e atento, ainda, à imunidade judiciária assegurada aos

magistrados no exercício regular de sua função jurisdicional, constato de plano,

sem qualquer incursão probatória - visto que tal providência excederia os limites

estreitos do writ - inexistir justa causa para a persecução penal, pois ausente o

elemento volitivo essencial, a saber, o ânimo de ofender.

Em casos análogos, esta Corte assim decidiu, mutatis mutandis:

A - Habeas corpus preventivo. Penal e Processual Penal. Trancamento da ação

penal. Pacientes acusados da prática de calúnia, difamação, injúria e formação

de quadrilha (arts. 138, 139, 140 e 288, na forma dos arts. 70 e 141, II e III, todos

do CPB), por terem encaminhado representação ao parquet estadual relatando

a prática de nepotismo por prefeito e magistrado. Ocorrência de atipicidade

subjetiva da conduta. Inocorrência do animus diffamandi vel injuriandi. Mero

animus narrandi. Ação penal para apuração do delito de formação de quadrilha

que se iniciou mediante oferecimento de queixa-crime. Ilegitimidade do

querelante para a promoção de ação penal pública incondicionada. Parecer do

MPF pela concessão da ordem. Ordem concedida para determinar o trancamento

da ação penal.

1. Dessume-se dos autos que os pacientes encaminharam representação

subscrita por mais 16 pessoas à Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério

Público do Estado de Alagoas, relatando que o Prefeito do Município de

Jarapatinga-AL, juntamente com seu pai e Magistrado titular da Vara de Fazenda

Pública de Maceió, estariam praticando condutas nepotistas. Inconformado,

o referido Magistrado ofereceu queixa-crime imputando aos ora pacientes e

outros 16 querelados a prática dos crimes previstos nos arts. 138 (calúnia), 139

(difamação), 140 (injúria) e 288 (formação de quadrilha), todos do CPB.

2. Nos crimes contra a honra, além do dolo, deve estar presente um especial

fi m de agir, consubstanciado no animus injuriandi vel diff amandi, consistente no

ânimo de denegrir, ofender a honra do indivíduo. Processar alguém que agiu

com mero animus narrandi, ou seja, com a intenção de narrar ou relatar um fato,

inviabilizaria a persecução penal.

(...)

5. Constatada a atipicidade da conduta dos pacientes, sem necessidade de

profunda incursão no acervo fático-probatório da causa, tem-se configurada

uma das excepcionalíssimas hipóteses de trancamento da Ação Penal pela via do

Habeas Corpus, que, consoante a jurisprudência desta Corte, só pode ser efetivada

quando transparece dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a

atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia da denúncia.

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(...)

8. Ordem concedida, para determinar o trancamento da Ação Penal n.

01.07.057837-1, em curso no Juízo de Direito da Sexta Vara Criminal da Comarca

de Maceió-AL. (HC n. 103.344-AL, Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,

DJe de 22.6.2009)

B - Honra (crime). Calúnia (imputação). Petição subscrita por advogado

(defesa). Tipicidade (falta). Habeas corpus (cabimento).

1. Não procedem censuras a que se faça, no habeas corpus, exame de provas.

Fundado na alegação de atipicidade, impõe-se sejam as provas verifi cadas.

2. Inexiste justa causa para a ação penal quando a inicial acusatória limita-se a

afi rmar a existência do elemento subjetivo sem, contudo, demonstrá-lo.

3. No caso, não há, nas peças a que se reportou a denúncia oferecida, ofensa

à honra. Não há, nas petições subscritas pelo paciente (advogado), os elementos

dos crimes de denunciação caluniosa, quebra indevida de sigilo, prevaricação

e favorecimento pessoal. Tais peças revelam, aos olhos do relator, apenas o

inconformismo do advogado com a acusação. Se algum excesso houve, tal não

adentrou o campo penal.

4. Parecer ministerial – pela concessão da ordem – acolhido.

5. Ordem concedida a fim de se extinguir o processo. (HC n. 101.680-RS,

Relator o Ministro Nilson Naves, DJe de 28.6.2010).

Outro não foi o entendimento exarado pelo ilustre Subprocurador-Geral

da República José Flaubert Machado Araújo, o qual adoto, inclusive, como

razões complementares de decidir (fl s. 261-262):

O pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa somente é

admissível, via habeas corpus, quando restar demonstrado, de plano, a extinção

da punibilidade, a inocência do acusado ou a atipicidade da conduta, hipótese

dos autos.

Para a caracterização dos crimes contra a honra é necessária a confi guração

do elemento subjetivo, qual seja, a vontade livre e consciente de caluniar, difamar

ou injuriar, o que não restou comprovado na hipótese dos autos, uma vez que

a sentença foi proferida de forma imparcial e técnica. Da leitura da decisão

prolatada pelo Magistrado, nos autos da ação anulatória de ato jurídico, não se

extrai qualquer elemento que caracterize crime contra a honra do Querelante.

Além disso, para atender aos ditames legais, a queixa-crime

À vista do exposto, concedo a ordem a fi m de extinguir a Ação Penal

Privada n. 119.351/2011, por ausência de justa causa.

É como voto.

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RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 699

HABEAS CORPUS N. 248.673-MG (2012/0146931-5)

Relatora: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)

Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais

Advogado: Nádia de Souza Campos - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais

Paciente: Victor Matheus de Souza (preso)

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento.

Modifi cação da orientação jurisprudencial do STJ. Roubo simples.

Prisão em fl agrante convertida em preventiva. Ausência dos requisitos

do art. 312 do CPP. Fundamentação genérica. Gravidade em abstrato

do delito. Ordem concedida de ofício.

– O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou

a adotar orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus

substitutivo de recurso ordinário. Precedentes: HC n. 109.956-PR,

Ministro Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012 e HC n. 104.045-RJ,

Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012, dentre outros.

– Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira de tal

entendimento, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, sem

perder de vista, contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do

devido processo legal e da ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado

as questões suscitadas na exordial a fi m de se verifi car a existência

de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de

ofício. A propósito: HC n. 221.200-DF, Ministra Laurita Vaz, DJe de

19.9.2012.

– Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade

delitiva, a prisão preventiva somente deve ser decretada de forma

excepcional quando evidenciada, no caso concreto, que a soltura

do réu possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da ordem

econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar

a aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo

Penal, e em observância ao princípio constitucional da presunção de

inocência.

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– Na hipótese dos autos, a prisão preventiva encontra-se

deficientemente fundamentada, tendo sido decretada com base

em fundamentos genéricos tais como gravidade abstrata do crime,

aumento da criminalidade na cidade, acautelamento do meio social,

credibilidade da Justiça e possibilidade abstrata de constrangimento

às testemunhas e vítima. Tais considerações, na linha de precedentes

desta Corte, são inaptas a ensejar a decretação da segregação cautelar.

Precedentes.

Habeas corpus não conhecido.

Ordem concedida de ofício para revogar a prisão preventiva sem

prejuízo de ser novamente decretada com fundamentação concreta.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, “por

unanimidade, não conhecer do pedido e concedar Habeas Corpus de ofício, nos

termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge

Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Campos Marques (Desembargador convocado

do TJ-PR) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 18 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE),

Relatora

DJe 23.10.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado

em benefício de Victor Matheus de Souza, em face de acórdão proferido pelo e.

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.

Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante em

29.3.2012 pela suposta prática do crime tipifi cado no art. 157, caput, do Código

Penal. Posteriormente, por meio da decisão de fl s. 14-18 e-STJ, a prisão em

fl agrante foi convertida em preventiva.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 701

Irresignada, a defesa impetrou writ perante o Tribunal de origem. Em

31.5.2012 a ordem foi denegada, por maioria, nos termos da seguinte ementa:

“Habeas corpus”. Roubo. Negativa de autoria. Via imprópria. Revogação

da prisão preventiva. Impossibilidade. Presença dos requisitos dispostos no

artigo 312 do Código de Processo Penal. Fundamentação concreta. Ausência de

constrangimento ilegal. Condições pessoais. Irrelevância. Ordem denegada.

1. O “habeas corpus” não comporta dilação probatória e sendo a negativa

de autoria questão que demanda aprofundado exame de provas, não há como

analisar o alegado nesta via estreita.

2. Tendo sido o paciente prosa em fl agrante regular pela suposta prática do

delito de roubo, presentes a prova da materialidade e os indícios sufi cientes de

autoria, inexiste constrangimento ilegal nas decisões que, fundamentadamente,

mantiveram a segregação cautelar do mesmo visando garantir a ordem pública.

3. 0 principio do estado de inocência estatuído no art. 5º, inciso LVII da

Constituição da República, não impede a manutenção da prisão provisária

quando presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

4. As condições pessoais favoráveis do paciente, mesmo quando comprovadas

nos autos, por si mesmas, não garantem eventual direito de responder o processo

em liberdade, quando a neceesidade da segregação se mostra patente como

garantia da ordem pública.

5. Ordem denegada.

No presente mandamus, busca a impetrante a revogação da prisão

preventiva, asseverando que não há fundamentação concreta para sua decretação,

nem atendimento aos pressupostos do art. 312 do CPP. Pede, alternativamente,

a fixação das medidas cautelares alternativas à prisão previstas na Lei n.

12.403/2011.

O pedido de liminar foi indeferido (fl s. 150-153).

Informações prestadas às fl s. 161-173.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem,

nos termos da seguinte ementa:

Habeas corpus. Roubo. Prisão em fl agrante. Liberdade provisória. Garantia da

ordem pública e conveniência da instrução criminal. Irrelevância de eventuais

atributos pessoais favoráveis.

Pela denegação da ordem. (fl . 177).

É o relatório.

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VOTO

A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)

(Relatora): Impende consignar, de início, a inadequação da via eleita.

Segundo dispõe o art. 105 da Constituição Federal, compete ao Superior

Tribunal de Justiça tão-somente julgar, originariamente, o habeas corpus quando

o coator ou paciente for os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os

desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,

os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos

Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho,

os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do

Ministério Público da União que ofi ciem perante Tribunais, ou quando o coator

for Tribunal sujeito à sua Jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da

Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça

Eleitoral.

No entanto, possivelmente com a intenção de proteger o cidadão contra

abusos e arbitrariedades do Estado, o cabimento do habeas corpus foi sendo,

paulatinamente, ampliado pela jurisprudência, passando a substituir outros

recursos constitucionais.

Assim, notadamente por se tratar de um remédio heróico despido de

quaisquer requisitos processuais, a impetração do habeas corpus como substitutivo

do recurso ordinário e do recurso especial passou a ser a regra.

Ocorre que, recentemente, o e. Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira

Turma, visando combater o excessivo alargamento da admissibilidade da ação

constitucional do habeas corpus pelos Tribunais, passou a adotar orientação no

sentido de não mais admiti-lo quando substitutivo de recurso ordinário. Confi ra-se:

Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do

disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,

proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão

da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do

substitutivo do habeas corpus. Processo-crime. Diligências. Inadequação. Uma vez

inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução

do processo, indeferi-las.”

(HC n. 109.956-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012).

Em seqüência, no julgamento do HC n. 104.045-RJ, na sessão do dia

28.8.2012, da relatoria da Exma. Ministra Rosa Weber, a aludida Turma

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 703

julgadora foi além entendendo não mais ser cabível habeas corpus “como substitutivo

de recurso no processo penal”. Por oportuno, transcrevo os seguintes excertos do

julgado, in verbis:

A preservação da racionalidade do sistema processual e recursal, bem como

a necessidade de atacar a sobrecarga dos Tribunais Recursais e Superiores, desta

forma reduzindo a morosidade processual e assegurando uma melhor prestação

jurisdicional e a razoável duração do processo, aconselham seja retomada a

função constitucional do habeas corpus, sem o seu emprego como substitutivo de

recurso no processo penal.

Sobre os feitos já ajuizados destacou, litteris:

Como a não admissão do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário

constitucional representa guinada da jurisprudência desta Corte, entendo que,

quanto os habeas corpus já impetrados, impõem-se o exame da questão de

fundo, uma vez que possível o concessão de habeas corpus de ofício diante de

fl agrante ilegalidade ou arbitrariedade.

A ementa do aresto restou assim sintetizada:

Ementa Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e

desvirtuamento. Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade

ou arbitrariedade.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

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3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes.

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

6. Habeas corpus rejeitado.

(HC n. 104.045-RJ, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012).

Assim, deixo de conhecer o presente writ por se cuidar de substitutivo de

recurso ordinário.

Contudo, considerando que o remédio heróico foi impetrado anteriormente

a esta nova orientação jurisprudencial, passo ao enfrentamento, em homenagem

ao princípio da ampla defesa, das teses jurídicas sustentadas.

Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, a

prisão preventiva, como espécie de prisão cautelar de índole processual, somente

deve ser decretada de forma excepcional, quanto evidenciada, no caso concreto,

que a soltura do réu possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da

ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a

aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, e em

observância ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Esta e. Corte de Justiça, inclusive, tem reconhecido como ilegais, por ofensa

ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, considerações genéricas como

suposto clamor social, gravidade abstrata do delito, periculosidade presumida do

agente, credibilidade de instituições judiciárias e possibilidade abstrata de fuga.

Neste sentido:

Habeas corpus. Penal. Roubo majorado. Réu que permaneceu preso durante o

trâmite processual. Vedação ao apelo em liberdade. Garantia da ordem pública

e da aplicação da pena. Gravidade abstrata do delito. Credibilidade da Justiça.

Intranquilidade e insegurança social. Necessidade de coibir a prática de novos

crimes. Réu primário. Argumentos que não se prestam a respaldar a custódia.

Necessidade de fundamentação concreta do óbice. Ordem concedida.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 705

I. Hipótese na qual se infere a falta de efetiva fundamentação dos julgados

que mantiveram o encarceramento cautelar do condenado, tendo em vista que

o apelo em liberdade foi vedado em razão da gravidade abstrata do delito e pelo

fato de o réu ter respondido preso ao processo.

II. A Terceira Seção desta Corte pacifi cou o entendimento no sentido de que é

indispensável a presença de concreta fundamentação para o óbice ao direito de

apelar em liberdade, com base nos pressupostos exigidos para a prisão preventiva,

ainda que o réu tenha permanecido preso durante a instrução processual.

III. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas

quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao

princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob

pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação defi nitiva.

IV. A alegada gravidade do crime, afastada de qualquer circunstância concreta

que não a própria prática supostamente delitiva, traz aspectos já subsumidos no

próprio tipo penal, não sendo bastante para justifi car a prisão para garantia da

ordem pública, assim como para a aplicação da lei penal.

V. A simples menção aos requisitos legais da custódia preventiva, assim como

à necessidade de manter a credibilidade da Justiça e de coibir a prática de delitos

graves, o clamor público e a intranquilidade e insegurança que a soltura poderia

causar à comunidade, sem embasamento concreto, não se prestam a embasar a

segregação acautelatória.

VI. Hipótese na qual inexiste qualquer indício de que soltura do paciente

possa colocar em risco a aplicação da lei penal, máxime se considerada a sua

primariedade e os seus bons antecedentes, assim como o fato de não responder

a outra ação penal.

VII. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a sentença condenatória,

no tocante à negativa do direito do réu de apelar em liberdade, determinando

a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não

estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia,

com base em fundamentação concreta.

VIII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

(HC n. 241.212-DF, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em

26.6.2012, DJe 1º.8.2012).

Segundo a denúncia, o paciente avistou a vítima em via pública e, agindo

com violência, a empurrou contra um muro e subtraiu, de dentro de seu bolso, o celular

marca Samsung, modelo GT-S. Acionada e de posse das características do denunciado,

a Polícia Militar conseguiu localizá-lo próximo ao local dos fatos (fl s. 118-119).

Na hipótese concreta, o Juiz de primeiro grau converteu a prisão em

fl agrante em preventiva nos seguintes termos, verbis:

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

706

(...) entendo que a manutenção da prisão impõe-se, em primeiro lugar, para

garantir a ordem pública, uma vez que o delito imputado ao autuado é de extrema

gravidade, sendo de se registrar, inclusive, o aumento considerável de roubos a

transeuntes nesta cidade.

Está presente, também, o requisito previsto pelo art. 312, do CPP, que

recomenda a prisão por conveniência da instrução criminal, já que, tendo em vista

a natureza do delito, a liberdade do fl agranteado poderia trazer constrangimento

às testemunhas, mormente à vítima, a qual, segundo o condutor do flagrante, o

reconheceu de imediato perante a Autoridade Policial.

Destarte, tendo em vista que presentes os requisitos constantes do art. 312,

do CPP, e considerando a ausência de elementos para se aferir se as medidas

cautelares diversas da prisão se revelam adequadas ou sufi cientes, nos termos do

art. 310, II, do CPP, converto a prisão em fl agrante em preventiva (fl . 14 e-STJ).

O pedido de revogação da segregação cautelar foi assim indeferido:

(...) Ademais, conforme asseverado pela decisão de fl s. 18-19, o delito imputado

ao autuado é de extrema gravidade, sendo de se registrar, inclusive, o aumento

considerável de roubos a transeuntes nesta cidade.

A manutenção da custódia cautelar impõem-se, então, para garantir a

ordem pública, ante a necessidade de acautelamento do meio social e da própria

credibilidade da Justiça, que precisa responder às investidas delinquentes como a

constatada nos autos.

Está presente, também, o requesito previsto pelo art. 312, do CPP, que

recomenda a prisão por conveniência da instrução criminal, já que, tendo em

vista a natureza do delito, a liberdade do requerente poderia trazer constrangimento

às testemunhas, mormente à vítima, a qual, segundo o condutor do flagrante, o

reconheceu de imediato perante a Autoridade Policial.” (fl . 16-17 e-STJ).

Ora, da leitura do texto acima colacionado, depreende-se que a prisão

cautelar do paciente padece de fundamentação concreta. Isso porque o decreto

preventivo encontra-se fundamentado em argumentos genéricos, tendo o

magistrado utilizado considerações como gravidade abstrata do crime, aumento

da criminalidade na cidade, acautelamento do meio social, credibilidade da

Justiça e possibilidade abstrata de constrangimento às testemunhas e vítima,

sem qualquer amparo em elementos concretos dos autos a demonstrar a

periculosidade do paciente.

Acrescento, por oportuno, que no voto vencido, consta que o paciente

ostenta condições pessoais favoráveis, a saber, é primário, de bons antecedentes,

tendo residência fi xa no distrito da culpa, estando com proposta de trabalho

lícito (fl . 29 e-STJ).

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 707

A decretação da prisão cautelar amparada em considerações abstratas

não é admitida pela jurisprudência desta e. Corte. Neste sentido colaciono os

seguintes julgados:

Habeas corpus. Processual Penal. Roubo circunstanciado. Prisão em fl agrante

convertida em prisão preventiva. Tese de nulidade pela decretação da custódia

de ofício pelo juízo processante. Improcedência. Necessidade da segregação

cautelar não demonstrada.

Ausência de motivação concreta. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem

de habeas corpus parcialmente concedida.

1. Não se verifica a alegada nulidade da prisão preventiva, por ter sido

decretada de ofício pelo juízo processante, porquanto se trata, na realidade, de

simples conversão da prisão em fl agrante em preventiva, em cumprimento dos

ditames do art. 310, inciso II, do Código de Processo Penal.

2. A prisão cautelar somente é devida se expressamente justifi cada sua real

indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a

aplicação da lei penal, ex vi do art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de

conduzir à nulidade da decisão constritiva, que é excepcional.

3. Na hipótese, o magistrado teceu considerações abstratas no decisum

impugnado, sem comprovar a existência dos pressupostos e motivos autorizadores

da medida cautelar, com a devida indicação dos fatos concretos legitimadores de sua

manutenção, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição da República, restando

a prisão amparada, tão somente, na gravidade do delito e na alusão genérica e

abstrata sobre a possibilidade de risco à instrução criminal e à aplicação da lei penal.

Precedentes.

4. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, em consonância com

o parecer ministerial, revogar a prisão preventiva do Paciente, sem prejuízo de que

novo decreto prisional seja expedido, desde que amparado em fundamentação

válida, ou que outras medidas cautelares sejam adotadas pelo Juízo condutor do

processo, conforme ressaltado no voto. (grifo nosso).

(HC n. 225.794-MS, Quinta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em

14.8.2012, DJe 23.8.2012).

Criminal. Habeas corpus. Roubo. Liberdade provisória indeferida. Gravidade

abstrata do delito. Periculosidade do agente não demonstrada. Necessidade

de coibir novos crimes não evidenciada. Réu primário. Clamor público que não

justifi ca a custódia cautelar.

Constrangimento ilegal vislumbrado. Ordem concedida.

I. A prisão cautelar é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando

devidamente amparada pelos requisitos legais previstos na legislação de

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

708

regência, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência

ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida

quando da condenação defi nitiva.

II. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do crime imputado ao

paciente não constitui fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se

desvinculados de qualquer fator aferido dos autos apto a demonstrar a necessidade

de ver resguardada a ordem pública em razão do modus operandi do delito e da

periculosidade do agente, reconhecidamente primário.

III. A simples menção aos requisitos legais da custódia preventiva, à necessidade

de manter a credibilidade da Justiça e de coibir a prática de delitos graves, assim

como o clamor público não se prestam a embasar a segregação acautelatório, pois

não encontram respaldo em qualquer circunstância concreta dos autos.

IV. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a decisão que decretou a

prisão preventiva, determinando-se a expedição de alvará de soltura em favor do

paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser

decretada novamente a custódia, com base em fundamentação idônea.

V. Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do Relator. (grifo nosso).

(HC n. 212.202-PB, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em

26.6.2012, DJe 1º.8.2012).

Habeas corpus. Roubo circunstanciado. Liberdade provisória. Indeferimento.

Ausência de demonstração idônea da necessidade concreta da custódia

preventiva. Ordem concedida.

1. Para o indeferimento do pedido de liberdade provisória ao paciente, que

é acusado da prática de crime de roubo circunstanciado, é imprescindível a

demonstração concreta da necessidade da custódia preventiva, nos termos do

art. 312 do Código de Processo Penal.

2. No caso, o Juízo de primeira instância indeferiu o pedido, mantendo a prisão

cautelar para garantia da ordem pública, com fundamento na gravidade abstrata do

crime, temor social e credibilidade da Justiça.

3. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente até o recurso

de apelação eventualmente interposto, sem prejuízo de ser novamente decretada

sua prisão cautelar com a demonstração concreta de sua necessidade. (grifo

nosso).

(HC n. 101.190-MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado

em 6.5.2008, DJe 23.6.2008).

Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.

Concedo, outrossim, a ordem de ofício para o fim de revogar a prisão

preventiva do paciente, sem prejuízo de sua nova decretação com base em

fundamentação concreta.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 709

HABEAS CORPUS N. 250.236-RS (2012/0159921-2)

Relatora: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)

Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul

Advogado: Carolina Etzberger - Defensora Pública

Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul

Paciente: Carlos Alexandre de Couto (preso)

EMENTA

Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento.

Modifi cação da orientação jurisprudencial do STJ. Furto qualifi cado.

Prisão em fl agrante convertida em preventiva. Falta de fundamentação.

Inocorrência. Reiteração delitiva. Garantia da ordem pública. Excesso

de prazo. Supressão de instância.

– O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou

a adotar orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus

substitutivo de recurso ordinário. Precedentes: HC n. 109.956-PR,

Ministro Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012 e HC n. 104.045-RJ,

Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012, dentre outros.

– Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira de tal

entendimento, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, sem

perder de vista, contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do

devido processo legal e da ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado

as questões suscitadas na exordial a fi m de se verifi car a existência

de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de

ofício. A propósito: HC n. 221.200-DF, Ministra Laurita Vaz, DJe de

19.9.2012.

– Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade

delitiva, a prisão preventiva somente deve ser decretada de forma

excepcional quanto evidenciada, no caso concreto, que a soltura do réu

possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da ordem econômica,

por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação

da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, e

em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

710

– Na hipótese dos autos, a prisão preventiva encontra-se

concretamente fundamentada, sendo necessária para cessar a reiteração

criminosa, pois o paciente ostenta inúmeras condenações defi nitivas

pela prática de delitos contra o patrimônio e encontrava-se no gozo

do regime semiaberto quando foi preso. Tais circunstâncias revelam

sua periculosidade concreta e a real possibilidade de reiteração delitiva.

– O risco concreto de reiteração delitiva é motivo sufi ciente para

decretação da prisão preventiva como forma de garantia da ordem

pública. Precedentes.

- A alegação de excesso de prazo para o encerramento da

instrução criminal não foi apreciada pelo Tribunal de origem, o que

impede a sua apreciação por esta Corte Superior, sob pena de indevida

supressão de instância.

Ordem não conhecida.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,

acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por

unanimidade, não conhecer do pedido. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge

Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Campos Marques (Desembargador convocado

do TJ-PR) votaram com a Sra. Ministra Relatora.

Brasília (DF), 18 de outubro de 2012 (data do julgamento).

Ministra Marilza Maynard, (Desembargadora convocada do TJ-SE),

Relatora

DJe 23.10.2012

RELATÓRIO

A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-

SE): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado em

benefício de Carlos Alexandre de Couto, em face de acórdão proferido pelo e.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em fl agrante em 27.6.2012

pela suposta prática de furto qualifi cado. Posteriormente, por meio da decisão de

fl s. 97-98 e-STJ, a prisão em fl agrante foi convertida em preventiva.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 711

Irresignada, a defesa impetrou writ perante o Tribunal de origem. Em

19.7.2012 a ordem foi denegada nos termos da seguinte ementa:

Habeas corpus. Crimes contra o patrimônio. Furto qualificado. Prisão

preventiva. Manutenção.

Os elementos acostados aos autos atestam a necessidade de conservação

da segregação cautelar do paciente para a preservação da ordem pública,

consideradas a existência de prova da materialidade e de indícios de autoria, a

gravidade concreta da conduta e a reiteração em práticas delitivas. Da mesma

forma, tais circunstâncias indicam a inaptidão das medidas cautelares diversas da

prisão para arrefecer o ímpedo criminoso então demonstrado.

No presente mandamus, busca a impetrante a revogação da prisão

preventiva, asseverando que não há fundamentação concreta para sua decretação,

nem atendimento aos pressupostos do art. 312 do CPP. Assevera, ademais, a

ocorrência de excesso de prazo para o término da instrução criminal.

A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo conhecimento parcial

da ordem e, nesta parte, por sua denegação, nos termos da seguinte ementa:

Processo Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Alegação

de excesso de prazo. Matéria não submetida ao crivo do Tribunal de origem.

Impossibilidade de apreciação por esse colendo STJ. Supressão de instância.

Suposta ausência de fundamentação da custódia preventiva. Reincidência

específi ca. Prisão embasada em elementos concretos. Parecer pelo conhecimento

parcial da ordem. Na parte conhecida, por sua denegação. (fl . 147).

É o relatório.

VOTO

A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)

(Relatora): Impende consignar, de início, a inadequação da via eleita.

Segundo dispõe o art. 105 da Constituição Federal, compete ao Superior

Tribunal de Justiça tão-somente julgar, originariamente, o habeas corpus quando

o coator ou paciente for os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os

desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,

os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos

Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho,

os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

712

Ministério Público da União que ofi ciem perante Tribunais, ou quando o coator

for Tribunal sujeito à sua Jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da

Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça

Eleitoral.

No entanto, possivelmente com a intenção de proteger o cidadão contra

abusos e arbitrariedades do Estado, o cabimento do habeas corpus foi sendo,

paulatinamente, ampliado pela jurisprudência, passando a substituir outros

recursos constitucionais.

Assim, notadamente por se tratar de um remédio heróico despido de

quaisquer requisitos processuais, a impetração do habeas corpus como substitutivo

do recurso ordinário e do recurso especial passou a ser a regra.

Ocorre que, recentemente, o e. Supremo Tribunal Federal, pela sua

Primeira Turma, visando combater o excessivo alargamento da admissibilidade

da ação constitucional do habeas corpus pelos Tribunais, passou a adotar orientação

no sentido de não mais admiti-lo quando substitutivo de recurso ordinário. Confi ra-

se:

Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do

disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,

proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão

da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do

substitutivo do habeas corpus. Processo-crime. Diligências. Inadequação. Uma vez

inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução

do processo, indeferi-las.”

(HC n. 109.956-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012).

Em seqüência, no julgamento do HC n. 104.045-RJ, na sessão do dia

28.8.2012, da relatoria da Exma. Ministra Rosa Weber, a aludida Turma

julgadora foi além entendendo não mais ser cabível habeas corpus “como substitutivo

de recurso no processo penal”. Por oportuno, transcrevo os seguintes excertos do

julgado, in verbis:

A preservação da racionalidade do sistema processual e recursal, bem como

a necessidade de atacar a sobrecarga dos Tribunais Recursais e Superiores, desta

forma reduzindo a morosidade processual e assegurando uma melhor prestação

jurisdicional e a razoável duração do processo, aconselham seja retomada a

função constitucional do habeas corpus, sem o seu emprego como substitutivo de

recurso no processo penal.

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Jurisprudência da QUINTA TURMA

RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 713

Sobre os feitos já ajuizados destacou, litteris:

Como a não admissão do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário

constitucional representa guinada da jurisprudência desta Corte, entendo que,

quanto os habeas corpus já impetrados, impõem-se o exame da questão de

fundo, uma vez que possível o concessão de habeas corpus de ofício diante de

fl agrante ilegalidade ou arbitrariedade.

A ementa do aresto restou assim sintetizada:

Ementa Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e

desvirtuamento. Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade

ou arbitrariedade.

1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental

do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também

não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como

remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior

prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.

Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração

de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal

próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira

Turma desta Suprema Corte.

2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O

Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras

absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,

mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no

exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o

controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a

correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de

aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.

3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal

autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde

que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito

de neutras as demais vetoriais.

4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada

somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias

judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do

mesmo diploma legal. Precedentes.

5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e

valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da

fi xação das penas.

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REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

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6. Habeas corpus rejeitado.

(HC n. 104.045-RJ, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012).

Assim, deixo de conhecer o presente writ por se cuidar de substitutivo de

recurso ordinário.

Contudo, considerando que o remédio heróico foi impetrado anteriormente

a esta nova orientação jurisprudencial, passo ao enfrentamento, em homenagem

ao princípio da ampla defesa, das teses jurídicas sustentadas.

Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, a

prisão preventiva, como espécie de prisão cautelar de índole processual, somente

deve ser decretada de forma excepcional, quanto evidenciada, no caso concreto,

que a soltura do réu possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da

ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a

aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, e em

observância ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Esta e. Corte de Justiça, inclusive, tem reconhecido como ilegais

considerações genéricas como suposto clamor social, gravidade abstrata do

delito, periculosidade presumida do agente, credibilidade de instituições

judiciárias e possibilidade abstrata de fuga. Neste sentido:

Habeas corpus. Penal. Roubo majorado. Réu que permaneceu preso durante o

trâmite processual. Vedação ao apelo em liberdade. Garantia da ordem pública

e da aplicação da pena. Gravidade abstrata do delito. Credibilidade da Justiça.

Intranquilidade e insegurança social. Necessidade de coibir a prática de novos

crimes. Réu primário. Argumentos que não se prestam a respaldar a custódia.

Necessidade de fundamentação concreta do óbice. Ordem concedida.

I. Hipótese na qual se infere a falta de efetiva fundamentação dos julgados

que mantiveram o encarceramento cautelar do condenado, tendo em vista que

o apelo em liberdade foi vedado em razão da gravidade abstrata do delito e pelo

fato de o réu ter respondido preso ao processo.

II. A Terceira Seção desta Corte pacifi cou o entendimento no sentido de que é

indispensável a presença de concreta fundamentação para o óbice ao direito de

apelar em liberdade, com base nos pressupostos exigidos para a prisão preventiva,

ainda que o réu tenha permanecido preso durante a instrução processual.

III. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas

quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao

princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob

pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação defi nitiva.

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IV. A alegada gravidade do crime, afastada de qualquer circunstância concreta

que não a própria prática supostamente delitiva, traz aspectos já subsumidos no

próprio tipo penal, não sendo bastante para justifi car a prisão para garantia da

ordem pública, assim como para a aplicação da lei penal.

V. A simples menção aos requisitos legais da custódia preventiva, assim como

à necessidade de manter a credibilidade da Justiça e de coibir a prática de delitos

graves, o clamor público e a intranquilidade e insegurança que a soltura poderia

causar à comunidade, sem embasamento concreto, não se prestam a embasar a

segregação acautelatória.

VI. Hipótese na qual inexiste qualquer indício de que soltura do paciente

possa colocar em risco a aplicação da lei penal, máxime se considerada a sua

primariedade e os seus bons antecedentes, assim como o fato de não responder

a outra ação penal.

VII. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a sentença condenatória,

no tocante à negativa do direito do réu de apelar em liberdade, determinando

a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não

estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia,

com base em fundamentação concreta.

VIII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.

(HC n. 241.212-DF, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em

26.6.2012, DJe 1º.8.2012).

Na hipótese concreta, o Juiz de primeiro grau converteu a prisão em

fl agrante em preventiva nos seguintes termos, verbis:

(...) Carlos Alexandre, consoante certidão de antecedentes criminais acostada

aos autos, ostenta inúmeras condenações defi nitivas, todas pela prática de delitos

contra o patrimônio, a denotar que não tem condições de conviver em sociedade,

devendo permanecer cautelarmente segregado para a garantia da ordem pública.

De ressaltar, ainda, que, conforme consultas anexas, Carlos Alexandre estava

cumprindo pena no Presídio Estadual de Lajeado e, em razão da progressão para

o regime semi-aberto, foi dispensado, no dia de ontem, para procurar emprego,

demonstrando, com a presente prisão, sua propensão para o crime, a qual revela

serem inadequadas e insufi cientes as medidas cautelares diversas da prisão (fl . 97

e-STJ).

Assim, não há que se falar em ausência de fundamentação idônea para

a decretação da custódia cautelar. Isso porque a prisão preventiva encontra-se

fundamentada em elementos concretos que indicam a necessidade de garantia

da ordem pública, para coibir a reiteração criminosa, pois consta da decisão

objurgada que o paciente ostenta inúmeras condenações defi nitivas pela prática de

delitos contra o patrimônio.

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Tais circunstâncias revelam, pois, a periculosidade concreta do paciente e a

real possibilidade de que, se solto, volte a delinquir.

A prisão preventiva para garantia da ordem pública, como forma de coibir

a reiteração criminosa é admitida pela jurisprudência desta e. Corte. Neste

sentido colaciono os seguintes julgados:

Habeas corpus. Concussão. Prisão em flagrante convertida em preventiva.

Requisitos. Preenchimento. Garantia da ordem pública. Periculosidade do agente.

Reiteração criminosa. Intimidação às testemunhas. Conveniência da instrução

criminal. Segregação justificada e necessária. Constrangimento ilegal não

evidenciado.

1. Para a conversão da prisão em flagrante em preventiva, não se exige

prova concludente da autoria delitiva, reservada à condenação criminal, mas

apenas indícios sufi cientes desta, que, pelo cotejo dos elementos que instruem o

mandamus, se fazem presentes.

2. Não há falar em constrangimento ilegal quando a custódia cautelar está

devidamente justifi cada na garantia da ordem pública, para fazer cessar a reiteração

criminosa, pois consta dos autos que o paciente responde a outros processos

criminais pelos delitos de tentativa de homicídio e falsidade ideológica, circunstância

que revela a sua propensão a atividades ilícitas, demonstra a sua periculosidade e a

real possibilidade de que, solto, volte a delinquir.

3. Verifi ca-se a necessidade da custódia antecipada, ainda, para a conveniência

da instrução criminal, quando há notícias de intimação às testemunhas.

Custódia cautelar. Incidência da Lei n. 12.403/2011. Impossibilidade.

Reprovabilidade exacerbada do delito. Ordem denegada.

1. Inviável a aplicação de medida cautelar diversa da prisão quando há

motivação que justifi que a medida excepcional, no caso em questão, a gravidade

concreta do delito, o que torna de rigor sua prisão.

2. Ordem denegada, cassada a liminar anteriormente deferida.

(HC n. 229.524-RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 11.9.2012).

Habeas corpus. Crime de roubo majorado. Prisão em fl agrante convertida em

preventiva. Garantia da ordem pública. Reiteração delitiva em crimes contra

o patrimônio. Constrangimento ilegal não evidenciado. Medidas cautelares

distintas da prisão. Inviabilidade. Condições pessoais favoráveis. Inexistentes.

Habeas corpus denegado.

1. A prisão cautelar encontra-se suficientemente fundamentada, porque

presente ao menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.

O Paciente foi preso em fl agrante após agredir e roubar um transeunte, sendo

que já ostenta uma condenação defi nitiva, pelo delito de furto qualifi cado, e

responde a mais outros dois processos também por crimes contra o patrimônio.

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Tais circunstâncias justifi cam a manutenção da custódia para a garantia da ordem

pública, dado o risco concreto de reiteração delitiva.

2. As instâncias ordinárias, com expressa menção à situação concreta,

demonstraram a presença de um dos pressupostos da prisão preventiva. Já por

isso, não é possível a aplicação de quaisquer das medidas cautelares alternativas à

prisão, elencadas na nova redação do art. 319 do Código de Processo Penal, dada

pela Lei n. 12.403/2011.

3. O agente que possui uma condenação transitada em julgado e continua

reiterando na prática de crimes não pode ser considerado portador de condições

pessoais favoráveis.

4. Habeas corpus denegado. (grifo nosso).

(HC n. 238.006-MG, Quinta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe 1º.8.2012).

Criminal. Habeas corpus. Prisão em flagrante convertida em preventiva.

Ausência de motivação idônea. Possibilidade de aplicação de medida cautelar

diversa da medida constritiva de liberdade. Reiteração delitiva. Garantia da ordem

pública. Circunstâncias pessoais favoráveis que não autorizam, isoladamente, a

concessão de liberdade provisória. Ordem denegada.

I. Conforme a novel redação do art. 310 do CPP, o Magistrado, ao tomar ciência

da prisão em fl agrante, deverá, de modo fundamentado, relaxar a custódia ilegal;

conceder liberdade provisória, com ou sem fi ança; ou decretar a segregação

preventiva do agente

II. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas

quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao

princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob

pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação defi nitiva.

III. Hipótese na qual o Magistrado processante, tendo sido informado acerca

das circunstâncias pessoais do réu, indeferiu o pleito de liberdade provisória,

máxime em razão da possibilidade de reiteração delitiva e, por consectário, pela

necessidade de ver resguardada a ordem pública.

IV. A existência de processos-crime em trâmite em desfavor do réu evidencia

a possibilidade deste voltar a deliquir caso seja posto em liberdade, o que obsta,

igualmente, a aplicação de medida cautelar menos gravosa do que a prisão

(Precedente).

V. As eventuais condições pessoais favoráveis do réu, tais como primariedade,

bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de,

isoladamente, desconstituir a custódia preventiva, caso estejam presentes outros

requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida

extrema.

VI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.

(HC n. 224.786-RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJe 14.2.2012).

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É importante ressaltar, que tem-se por válida a fundamentação que, com

expressa menção à situação concreta, entendeu inadequadas e insufi cientes

para garantia da ordem pública quaisquer das medidas cautelares alternativas à

prisão, elencadas no art. 319 do Código de Processo Penal, com redação dada

pela Lei n. 12.403/2011.

Colaciono, por oportuno, o seguinte julgado:

Criminal. Habeas corpus. Receptação. Réu que permaneceu em liberdade

durante o curso do processo-crime. Vedação ao apelo em liberdade. Reiteração

delitiva. Periculosidade demonstrada. Necessidade de garantir a ordem pública.

Circunstâncias pessoais favoráveis que não permitem, isoladamente, a revogação

do decreto prisional. Ordem denegada.

I. Não há que se falar em ausência de motivação idônea para o óbice ao apelo em

liberdade, considerando se tratar de réu reincidente e que ostenta igualmente maus

antecedentes, conforme consignado pelas instâncias ordinárias, o que demonstra a

necessidade do decreto prisional, a fi m de garantir a ordem pública, em que pese o

fato desse ter permanecido em liberdade durante o curso da ação penal.

II. Evidencia-se a concreta possibilidade de reiteração delitiva, já que o réu

ostenta diversas condenações anteriores, inclusive pela prática de delito símile

ao apurado na presente ação penal, o que demonstra a sua periculosidade e a

necessidade da medida constritiva de liberdade.

III. Possibilidade real de o paciente voltar a deliquir caso seja posto em liberdade

que igualmente impede a aplicação de medida cautelar menos gravosa do que a

prisão.

IV. A alegada ausência de condenação transitada em julgado na data dos fatos

apurados na retrocitada ação penal, mesmo que houvesse sido comprovada,

não afastaria a necessidade da medida cautelatória, pois a existência de diversas

sentenças condenatórias em seu desfavor denota a possibilidade concreta de

reiteração delitiva e, por conseguinte, autoriza o decreto prisional para garantia

da ordem pública.

V. Eventuais condições pessoais favoráveis do réu que não têm o condão de

isoladamente desconstituir a custódia preventiva, caso estejam presentes outros

requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida

extrema.

VI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator. (grifo nosso).

(HC n. 236.203-RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em

5.6.2012, DJe 12.6.2012).

Por fi m, a alegação de excesso de prazo para o encerramento da instrução

criminal não foi apreciada pelo Tribunal de origem, o que impede a sua análise

por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância.

Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.