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Quinta Turma
AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS N. 182.981-SP
(2010/0155714-4)
Relatora: Ministra Laurita Vaz
Agravante: Ministério Público Federal
Agravado: Herbert dos Santos Menezes
Advogado: Volney Santos Teixeira - Defensor Público e outro
EMENTA
Agravo regimental em habeas corpus. Processual Penal. Homicídio
qualifi cado, na forma tentada. Produção antecipada de provas. Medida
determinada sem qualquer fundamentação concreta. Incidência
do entendimento sedimentado na Súmula n. 455 deste Tribunal.
Constrangimento ilegal configurado. Concessão monocrática da
ordem. Possibilidade. Matéria já pacifi cada no âmbito deste Tribunal.
Principio da colegialidade. Ausência de ofensa na hipótese de concessão
total da ordem, por não haver prejuízo ao paciente. Precedentes do
Supremo Tribunal Federal. Agravo desprovido.
1. A produção antecipada de provas está adstrita àquelas hipóteses
em que a necessidade da medida urgente resta evidente, após prudente
avaliação concreta pelo Juízo processante, devidamente fundamentada.
2. Conforme entendimento sedimentado na Súmula n. 455 desta
Corte, “[a] decisão que determina a produção antecipada de provas
com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada,
não a justifi cando unicamente o mero decurso do tempo.”
3. Por tal razão, esta Corte não admite como fundamentos
válidos para a antecipação de provas razões de economia processual ou
alusões abstratas, especulativas e conjecturais de que as testemunhas
podem se esquecer dos fatos, mudar de endereço, ou até virem a falecer
durante a suspensão do processo. Precedentes.
4. Na hipótese em apreço, ao julgar o recurso em sentido estrito
interposto pelo Parquet Estadual, o Tribunal a quo não indicou
qualquer elemento idôneo e concreto apto a justificar a medida.
Restabelecimento da decisão do Juízo Processante – o qual indeferiu
o pedido de antecipação probatória – que se impõe, sem prejuízo de
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que, eventualmente, nova medida seja determinada, com suporte em
fundamentação idônea.
5. Não há óbice à concessão da ordem, monocraticamente, nas
hipóteses semelhantes às veiculadas no presente writ, em razão do
entendimento acerca da matéria inclusive restar sumulado.
6. O Supremo Tribunal Federal tem entendimento sedimentado
no sentido de que as regras processuais que permitem ao Relator de
um recurso decidir controvérsias monocraticamente (art. 557, § 1.º-A,
do Código de Processo Civil, c.c. art. 3.º, do Código de Processo Penal)
não se aplicam ao julgamento da ação constitucional de habeas corpus
impetradas originariamente perante esta Corte, por ferir o princípio da
Colegialidade. Precedentes.
7. Porém, ainda segundo a jurisprudência da Suprema Corte,
o Princípio da Colegialidade impede a apreciação monocrática dos
habeas corpus impetrados originariamente perante esta Corte somente
na hipótese de denegação da ordem. Nesse sentido, já esclareceu
a esclareceu a eminente Ministra Cármen Lúcia que “[o] exame
do mérito do habeas corpus não pode ser realizado pelo Relator,
monocraticamente, para denegar a ordem, sob pena de indevida ofensa
ao princípio da colegialidade” (RHC n. 108.877-SP, 1.ª Turma, Rel.
Min. Cármen Lúcia, DJe de 18.10.2011 – sem grifos no original.).
Ora, na hipótese de concessão total da ordem de habeas corpus, não
ocorre prejuízo ao Paciente.
8. Agravo regimental desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao agravo regimental.
Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze, Campos Marques
(Desembargador convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard (Desembargadora
convocada do TJ-SE) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 4 de outubro de 2012 (data do julgamento).
Ministra Laurita Vaz, Relatora
DJe 9.10.2012
Jurisprudência da QUINTA TURMA
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RELATÓRIO
A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de agravo regimental, interposto
pelo Ministério Público Federal, contra a decisão por mim proferida às fl s. 53-
58, em que concedi a ordem de habeas corpus.
Na inicial do writ, impetrado em favor de Herbert dos Santos Menezes,
contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo,
impugnou-se recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público
Estadual.
Segundo documentação dos autos, o Paciente – denunciado pela suposta
prática do delito previsto no art. 309, do Código de Trânsito Brasileiro – foi
citado por edital, tendo sido determinada a suspensão do processo e o curso do
prazo prescricional.
Em razão disso, o Parquet requereu a antecipação da prova oral
antecipatória, sob a justifi cativa de que as vítimas ou testemunhas do delito
poderiam se esquecer de detalhes dos fatos – o que foi indeferido pela Juíza de
instância prima. Contra tal decisão, foi interposto o recurso em sentido estrito
cujo acórdão é o ato ora questionado.
Alegou-se, no presente habeas corpus, em suma, que “a antecipação de
prova, no presente caso, não possui respaldo legal, signifi cando coação ilegítima
ao acusado” (fl . 02).
Requereu-se, desta feita, em suma, “a concessão liminar da ordem de habeas
corpus, e ao fi nal, julgamento favorável ao presente writ, anulando-se a decisão
que determina a colheita antecipada de provas” (fl . 07).
Indeferi o pedido liminar às fls. 40-41, ocasião em que dispensei as
informações.
Parecer do Ministério Público Federal às fl s. 48-51, pela denegação.
A decisão ora impugnada foi proferida às fl s. 53-58, como já mencionei.
Nas razões do agravo (fl s. 85-91), alega o Parquet, inicialmente, que a
ordem não poderia ter sido concedida monocraticamente, sob o fundamento de
que o tema não estaria pacifi cado na jurisprudência.
Sustenta, ainda, que a antecipação de provas no caso encontra-se
devidamente justifi cada, em razão da regra prevista no art. 366, do Código de
Processo Penal; que o decurso de 4 anos desde o oferecimento da denúncia
revela ser a urgente a antecipação da produção de prova testemunhal; e que
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o entendimento sedimentado na Súmula n. 455 desta Corte não incide na
presente hipótese.
Requer, por isso, a reforma da decisão ora impugnada, com a consequente
denegação da ordem.
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): A pretensão recursal não merece
prosperar.
Reproduzo, para correta compreensão da controvérsia, o voto condutor
do acórdão impugando nos presentes autos, por meio do qual o Tribunal a quo
reformou a decisão do Juízo de primeira instância, em que se indeferiu o pedido
de produção antecipada de provas (fl s. 31-34):
1 - Ao relatório da r. decisão de fl s. 21-23, acrescenta-se que, nos termos da
Lei n. 9.271/1996, que alterou a redação do artigo 366 do Código de Processo
Penal, foi indeferida a produção antecipada de prova testemunhai requerida pelo
Ministério Público, pois não há urgência, com base no artigo 225 do Estatuto
Processual Penal.
O Ministério Público recorreu à fl . 02 - recurso recebido em sentido estrito (cf.
fl . 11), e apresentou as razões, às fl s. 03-10, aduzindo que é necessária a produção
das provas requeridas, por sua urgência, em respeito ao contraditório, e para
garantia da efetividade do processo; que a produção da prova testemunhal, por
ser perecível no tempo, não está limitada pelo art. 225 do C.P.P.; que o C.P.P., no art.
92, considera a prova testemunhai como urgente, e o art. 366 do mesmo diploma
legal permite a produção antecipada das provas urgentes; que a interpretação
dessas normas deve ser sistemática, em conjunto, e não cada qual, isoladamente;
que é comum, com o passar do tempo, a testemunha, no mínimo, se esquecer
dos fatos; que há necessidade e legalidade para a oitiva judicial imediata das
testemunhas. Requer, assim, seja reformada a r. decisão, e determinada a
produção antecipada da prova testemunhai acusatória.
A Defensoria Pública contrariou o recurso, às fl s. 25-32; houve manutenção
da decisão recorrida, à fl . 34; a Procuradoria de Justiça, às fl s. 37-40, opinou pelo
provimento do recurso ministerial.
É o relatório.
2 - Conhecido o recurso ministerial, há que ser provido, pois a pretensão da
Justiça Pública mostra-se bem arrazoada e há que ser acolhida.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
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Com efeito, o acusado na ação penal pública movida pela Justiça Pública, ora
recorrido, não foi encontrado para ser intimado e citado, pessoalmente, e em
razão disso foi citado por edital; o processo contra ele fora suspenso, nos termos
da Lei n. 9.271/1996 (cf. fl s. 14-18).
O representante da Justiça Pública pleiteou a realização da prova oral (cf. fl s.
19-20) e seu pleito foi indeferido, mas essa decisão não deve ser mantida, data
venia.
É sabido que a prova oral não deixa de ser considerada como urgente, na
medida em que a vítima ou as testemunhas de um processo criminal poderão
mudar de endereço e não serem mais localizadas, ou então uma ou outra
poderá vir a falecer e assim a não realização dessa modalidade de prova,
importante para a acusação, poderá comprometer o escopo de que se faça a
devida Justiça, de acordo com os elementos seguros de convicção que venham
a existir na relação processual.
Salienta-se que, apesar de existir respeitável entendimento em direção oposta
(RT - 746/591 e JTJ - 196/33), a prova testemunhai há de ser concebida como
urgente, para efeito de sua produção antecipada, em conformidade com o atual
artigo 366 do Código de Processo Penal, tanto porque o tempo pode fragilizá-la,
como porque já existe, dentro do sistema processual, idêntico tratamento para a
matéria, nos artigos 92 e 93 desse mesmo Estatuto Processual Penal, que versam
sobre hipóteses semelhantes de suspensão do processo. Por outro lado, não se
pode argumentar que, com a coleta antecipada de prova oral, haverá prejuízo à
defesa do acusado. Isso porque poderá ela requerer, com base no artigo 502, c.c. o
artigo 209, ambos do C.P.P., quando suspenso o decreto de revelia, a reinquirição
de testemunhas.
Assim sendo, a medida alvitrada mostra-se razoável e tem suporte na
legislação processual, devendo, então, ser levada termo. E a jurisprudência é
iterativa nesse sentido, cabendo, nesse passo, a citação de dois recentes julgados,
um do E. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e outro do E. Tribunal de Justiça
do Paraná, in verbis: - “Processo Penal. Suspensão do processo. Lei n. 9.271/1996.
Produção antecipada da prova testemunhai. Caráter de urgência inerente a esse tipo
de prova. Procedência. Suspenso o processo pela revelia do réu, a colheita da prova
testemunhai é providência que se impõe, eis que, em razão do decurso temporal,
essa prova pode perder-se, quer pelo desaparecimento das testemunhas, quer pelo
esvaziamento de seu conteúdo” (TJDF, Reclamação n. 19990020035762RCL DF, Ac.
n. 122.428, j . em 3.2.2000, Rei. o Des. Natanael Caetano, publ. no D.J. do DF de
1º.3.2000, p. 36); e “Processo Penal - citação fi cta - revelia - suspensão do processo e
do curso do prazo prescricional - prova testemunhai - produção antecipada - art. 366
do CPP (redação da Lei n. 9.271/1996). Determinada a suspensão do processo e do
curso do prazo prescricional (art. 366, CPP, redação da Lei n. 9.271/1996), justifi ca-se,
a semelhança em que a admite o art. 92 do CPP, a produção antecipada da prova
testemunhai, a qual, dada a sua própria natureza, sofre o risco de perecer em razão
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do decurso do tempo e de, assim, comprometer a busca da verdade real. Recurso
provido” (TJPR, Ac. n. 12.465, da 2a Câm. Crim., Rei. o Des. Telmo Cherem, da
Comarca de Santo Antônio da Platina, publ. em 4.9.2000).
Percucientes, também, as palavras lançadas pelo Digno Procurador de Justiça
que ofi cia nos autos, à fl . 40, discorrendo que, pelo disposto na Constituição
Federal, justifi ca-se “(...) a necessidade da produção antecipada da prova oral, não
se mostrando necessário aguardar-se pela velhice, pela Poder Judiciário doença
terminal, pela iminência de cirurgia cardíaca, ou de situações assemelhadas para que
se entenda que urgência há em todo feito penal. Disto, não saberão os que acusam,
defendem, ou julgam, mas saberão, com maior propriedade, os que são acusados”.
Outrossim, o tempo somente contribuirá para a impunidade do criminoso,
eis que a vítima e testemunhas esquecerão os detalhes do crime que muitas
das vezes são indispensáveis para a identifi cação da autoria e do dolo, tais como
características do réu, palavras ditas por ele na hora do cometimento do crime,
forma ardilosa utilizada para conseguir convencer e enganar a vítima, dentre
outros pormenores de outros tipos de delitos. A prova de uma infração penal é
feita por meio direto e indireto, e o tempo pode fazer perder-se as provas diretas,
já que as testemunhas podem não ser mais localizadas, por diversos motivos;
morte, mudança de endereço etc.
Nesse passo, ressalta-se que é forte a corrente pretoriana que admite a
realização de audiência em que sejam inquiridas aquelas pessoas, para que a
acusação obtenha subsídios para comprovar o que fora relatado na denúncia.
Posteriormente, repita-se, em comparecendo o réu e respondendo à ação
penal, nada impede que a diligência seja, novamente, levada a termo (RT -
743/632, 750/579, 758/552; RJTJERGS - 197/199; RJTJSP - 219/355, 194/303,
192/334, 192/339; RJDTACRIMSP - 33/333, 46/421, 41/397, 36/469).
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso em sentido estrito, para o fi m de
determinar a realização da prova oral antecipada. (grifos diversos dos originais).
O entendimento esposado no acórdão não se coaduna com a Jurisprudência
desta Corte.
Reproduzo, por relevante, o fundamento pelo qual o Magistrado a quo
indeferiu o pedido de antecipação para a produção de provas (fl . 18):
No caso dos autos, verifi ca-se que o requerimento do Ilustre Representante
do Ministério Público, no que tange à produção antecipada da prova acusatória,
não se faze acompanhar de motivos concretos a autorizar a concessão de tal
medida excepcional, referindo-se, apenas, à limitação da memória humana.
Destarte, tal pedido não pode ser acolhido. (sem grifos no original).
Jurisprudência da QUINTA TURMA
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Não se descura que, segundo a legislação vigente, é possível a produção
antecipada de provas, conforme previsão do art. 366, do Código de Processo
Penal, in litteris:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir
advogado, fi carão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo
o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se
for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
Entretanto, tal regra não isenta o Julgador de justifi car idoneamente a
necessidade da medida, que deve ser entendida por excepcional, não podendo
ser decretada desvinculada de elementos objetivamente deduzidos.
O referido entendimento, aliás, encontra-se consolidado no Enunciado n.
455 da Súmula desta Corte, in verbis:
A decisão que determina a produção antecipada de provas com base no
art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando
unicamente o mero decurso do tempo.
No caso, sem difi culdades, verifi ca-se que a determinação do Tribunal a
quo carece de fundamentação concreta, não podendo ser tida por jurídica.
Ora, esta Corte não admite como motivação válida para a antecipação
de provas razões de economia processual, ou alusões abstratas, especulativas
e conjecturais de que as testemunhas podem se esquecer dos fatos, mudar de
endereço, ou até virem a falecer durante a suspensão do processo.
Corroboram esse entendimento os seguintes precedentes, deste Superior
Tribunal de Justiça:
Habeas corpus. Processo Penal. Tentativa de homicídio. Revelia do acusado.
Suspensão do processo. Art. 366 do CPP. Produção antecipada de provas. Urgência
não demonstrada. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida.
1. O Superior Tribunal de Justiça firmou compreensão no sentido de que
a alegação do decurso do tempo não é suficiente, por si só, para se ter por
urgente a produção da prova, antecipando sua realização à regular instrução,
diante da suspensão do processo, devendo a decisão acautelatória basear-se em
elementos concretos dos autos que demonstrem a premente necessidade do
meio probatório.
2. Na hipótese, o decisum impugnado não apresentou nenhuma situação de
urgência, limitando-se a abstrações no sentido de que as testemunhas poderiam
falecer ou mudar de endereço, colocando-se em confronto com o entendimento
fi rmado pela Súmula n. 455-STJ.
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3. Ordem concedida para anular a decisão que determinou a antecipação de
provas, assim como os atos subsequentes, sem prejuízo de nova determinação,
se devidamente fundamentada. (HC n. 193.332-SP, Rel. Ministro Marco Aurélio
Bellizze, Quinta Turma, julgado em 17.4.2012, DJe 8.6.2012.)
Habeas corpus. Penal. Crime de tráfi co ilícito de entorpecentes cometido sob
a égide da Lei n. 6.368/1976. Minorante prevista no art. 33, § 4º, da nova Lei
de Tóxicos. Princípio da retroatividade da lei penal mais benigna. Emprego da
legislação mais benéfi ca em sua integralidade. Natureza da droga. Relevância para
a fi xação do quantum. Redução média. Alegado cerceamento de defesa em razão
do paciente não ter sido intimado em tempo hábil para constituir advogado antes
do cumprimento de carta precatória para oitiva de testemunha. Nulidade relativa.
Ausência de demonstração de prejuízo. Súmula n. 155, do Supremo Tribunal
Federal. Questão fulminada pelo fenômeno da preclusão. Citação editalícia. Não
comparecimento do acusado. Aplicação do art. 366, do Código de Processo
Penal. Produção antecipada de provas. Tese de nulidade, por falta de motivação
da necessidade da medida. Urgência demonstrada. Constrangimento ilegal não
evidenciado. Alegação de nulidade, pelo não enfrentamento das teses de defesa
na sentença condenatória. Inocorrência.
1. Conforme entendimento sedimentado pelo Supremo Tribunal Federal
(Súmula n. 155), a ausência de intimação da expedição de carta precatória
constitui nulidade relativa, que depende, para ser declarada, da demonstração de
efetivo prejuízo.
2. Se a total ausência de intimação do advogado da expedição de carta
precatória para inquirição de testemunha não é nulidade absoluta, com maior
razão a nulidade apontada constitui nulidade relativa.
3. Segundo a legislação penal em vigor, é imprescindível quando se trata de
nulidade de ato processual, a demonstração do prejuízo sofrido, em consonância
com o princípio pas de nullité sans grief.
4. O art. 366, do Código de Processo Penal confere ao Juiz condutor do feito, no
caso de não ser conhecido o paradeiro do acusado, após a sua citação por edital,
a possibilidade de determinar a produção antecipada de provas consideradas
urgentes.
5. Não se presta como fundamentação apenas a mera referência ao artigo de
lei que prevê a antecipação da produção de provas. O Magistrado deve declinar
os motivos que, no caso concreto, demonstrem a necessidade da medida urgente,
o que, entretanto, ocorreu no caso dos autos.
6. Depreende-se da sentença condenatória e do acórdão proferido pela Corte
a quo que todas as teses defensivas foram, ao contrário do alegado na impetração,
rechaçadas, direta ou indiretamente.
7. Embora seja necessário apreciar as teses ventiladas pela defesa, torna-se
desnecessária a menção expressa a cada uma das alegações se, pela própria
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decisão, resta claro que o Julgador adotou posicionamento contrário porém
sufi ciente para embasar o julgado.
8. O disposto no § 4º do art. 33 da Lei n. 11.343/2006 somente é aplicável aos
delitos cometidos sob a vigência da antiga Lei de Drogas se, após efetuada a
redução sobre a pena cominada no caput do art. 33, a nova legislação mostrar-se
mais benéfi ca ao acusado. Precedente da Terceira Seção.
9. Uma vez evidenciado o preenchimento dos requisitos do art. 33, § 4º, da Lei
n. 11.343/2006, é de rigor a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no
mencionado dispositivo.
10. Na espécie, a quantidade da droga apreendida - 55 gramas de maconha –
milita em desfavor do Paciente. Assim, considerando o fato de que a pena-base foi
estabelecida no mínimo legal, com o reconhecimento das circunstâncias judiciais
favoráveis, faz jus o Paciente ao grau intermediário de redução, qual seja (1/2).
11. Ordem parcialmente concedida tão-somente no que diz respeito à
dosimetria da pena, redimensionando a reprimenda do Paciente para 02 (dois)
anos e 06 (seis) meses de reclusão, mantido os demais termos da condenação. (HC
n. 105.956-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 16.12.2010, DJe
7.2.2011.)
Por fi m, alegou o Parquet tratar-se de hipótese em que o entendimento
desta Corte não resta Pacifi cado. Ora, não há maiores difi culdades para refutar
tal fundamento, pois a matéria inclusive encontra-se sumulada, como visto
acima.
Ainda que assim não fosse, sequer há que se falar em ofensa ao Princípio
da Colegialidade na espécie.
Explique-se. A Suprema Corte tem entendimento sedimentado de que
as regras processuais que permitem ao Relator de um recurso decidir controvérsias
monocraticamente (art. 557, § 1.º-A, do Código de Processo Civil, c.c. art. 3.º, do
Código de Processo Penal) não se aplicam ao julgamento da ação constitucional de
habeas corpus impetradas originariamente perante esta Corte, por ferir o princípio
da Colegialidade, na hipótese de denegação da ordem.
São vários os julgados nesse sentido. Exemplifi cativamente:
Recurso ordinário em habeas corpus. Constitucional e Processual Penal.
Homicídio. Denegação da ordem no Superior Tribunal de Justiça. Decisão
monocrática. Afronta ao princípio da colegialidade. Precedentes. Recurso não
conhecido. Ordem concedida de ofício.
1. Não se conhece de recurso ordinário em habeas corpus contra decisão
monocrática proferida no Superior Tribunal de Justiça.
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2. O exame do mérito do habeas corpus não pode ser realizado pelo Relator,
monocraticamente, para denegar a ordem, sob pena de indevida ofensa ao princípio
da colegialidade. Precedentes.
3. Recurso ordinário em habeas corpus não conhecido e ordem concedida, de
ofício, para cassar a decisão questionada e determinar a apreciação do mérito
pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça. (RHC n. 108.877-SP, 1.ª Turma,
Rel. Min. Cármem Lúcia, DJe de 18.10.2011 – sem grifos no original.)
Recurso ordinário em habeas corpus. Penal. Roubo circunstanciado pelo
emprego de arma. Aplicação do aumento de pena previsto no inciso I do § 2º
do art. 157 do Código Penal. Decisão monocrática do relator do habeas corpus
no Superior Tribunal de Justiça a ele negando seguimento. Não cabimento do
recurso ordinário. Precedentes. Recurso não conhecido. Ofensa ao princípio da
colegialidade. Concessão de ordem de habeas corpus de ofício. Precedentes.
1. Segundo o entendimento da Corte “não se conhece de recurso ordinário
em habeas corpus contra decisão monocrática proferida no Superior Tribunal de
Justiça” (RHC n. 107.877-SP, Primeira Turma, Relatora a Ministra Cármen Lúcia, DJe
de 19.10.2011).
2. Recurso não conhecido.
3. O princípio da colegialidade assentado pela Suprema Corte não autoriza
o relator a negar seguimento ao habeas corpus enfrentando diretamente o
mérito da impetração.
4. Ordem de habeas corpus concedida de ofício para cassar a decisão
monocrática proferida no âmbito do Superior Tribunal de Justiça e determinar
que o writ seja levado ao órgão colegiado para a devida apreciação do mérito.
(RHC n. 111.639-DF, 1.ª Turma, Rel. Min. Dias Toff oli, DJe de 29.3.2012 – sem grifos
no original.)
Habeas corpus. Tribunal. Exame. Ante a envergadura maior do habeas
corpus, cumpre aparelhar o processo e levá-lo ao Colegiado para exame. Não
cabe a aplicação subsidiária do artigo 557 do Código de Processo Civil.
Habeas corpus. Empate. Uma vez verifi cado o empate na votação, deve-se
proclamar a prevalência da corrente favorável. (HC n. 108.280-SP, Rel. 1.ª Turma,
Min. Luiz Fux, Rel. p/ Acórdão: Min. Marco Aurélio, DJe de 14.5.2012 – sem grifos
no original).
Habeas corpus. Decisão monocrática do Superior Tribunal de Justiça que
denega habeas corpus. Alegação de ofensa ao princípio da colegialidade. Exame
de mérito incabível. Habeas corpus parcialmente deferido.
Decisão singular que, examinando o mérito da causa, usurpa as funções do
colegiado e denega de pronto o writ. Ofensa ao princípio da colegialidade, nos
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termos do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Habeas corpus
parcialmente deferido. (HC n. 90.427-GO, 2ª Turma, Rel. Min. Joaquim Barbosa,
DJe de 31.1.2008 – sem grifos no original).
Com efeito, ministros deste Superior Tribunal de Justiça podem julgar
monocraticamente o mérito de habeas corpus – que podem ser conhecidos – tão
somente na hipótese de concessão integral da ordem, em virtude de não haver
prejuízo para o Paciente.
Não se descura, ainda, que o Supremo Tribunal Federal tem regra
regimental que autoriza seus ministros a decidirem monocraticamente habeas
corpus, assim redigida:
Art. 192. Quando a matéria for objeto de jurisprudência consolidada do
Tribunal, o Relator poderá desde logo denegar ou conceder a ordem, ainda que
de ofício, à vista da documentação da petição inicial ou do teor das informações.
(Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, atualizado com a introdução da
Emenda Regimental n. 30/2009).
A validade de tal dispositivo, mesmo na hipótese de julgamento denegatório
de habeas corpus, já foi ratifi cada pela Suprema Corte por diversas vezes, como
no caso a seguir:
“Habeas corpus”. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidada
quanto à matéria versada na impetração. Possibilidade, em tal hipótese, de o
relator da causa decidir, monocraticamente, a controvérsia jurídica. Competência
monocrática que o Supremo Tribunal Federal delegou, validamente, em
sede regimental (RISTF, art. 192, “caput”, na redação dada pela ER n. 30/2009).
Inocorrência de transgressão ao princípio da colegialidade. Plena legitimidade
jurídica dessa delegação regimental. Suposta nulidade do julgamento emanado
do Tribunal do Júri. Garantia constitucional da soberania do veredicto do
Conselho de Sentença. Recurso de apelação (CPP, art. 593, III, d). Decisão do júri
considerada manifestamente incompatível com a prova dos autos. Provimento
da apelação criminal. Sujeição do réu (paciente) a novo julgamento. Possibilidade.
Acórdão plenamente fundamentado. Ausência de ofensa à soberania do veredicto
do júri. Recepção, pela Constituição de 1988, do art. 593, III, d, do CPP. Exame
aprofundado das provas. Inviabilidade na via sumaríssima do “habeas corpus”.
Recurso de agravo improvido. (HC n. 84.486-SP-AgR, 2ª Turma, Rel. Min. Celso de
Mello, DJe de 5.8.2010).
Entretanto, à míngua de dispositivo no RISTJ permitindo semelhante
atuação no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, e na impossibilidade de se
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
582
ferir o princípio da Colegialidade, os habeas corpus – que não são recursos, mas
ações originárias – impetrados perante esta Corte somente poderão ter seu
mérito apreciado monocraticamente se a hipótese for de total concessão da
ordem, como no caso.
Assim, nada há a ser reparado na decisão em que concedi a ordem de
habeas corpus para restabelecer a decisão do Juízo Processante, sem prejuízo,
entretanto, de que, eventualmente, nova medida seja decretada, apoiada em
fundamentação idônea.
Ante o exposto, nego provimento ao agravo regimental.
É como voto.
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL N. 1.256.886-PR
(2011/0132925-2)
Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)
Agravante: Ministério Público Federal
Agravado: Alberto Dalcanale Neto
Advogado: Rolf Koerner Junior e outro(s)
EMENTA
Agravo regimental no recurso especial. Crime contra a ordem
tributária. Prescrição retroativa. Matéria de ordem pública. Extinção
da punibilidade. Ocorrência. Prescrição reconhecida de ofício.
1. A prescrição, por ser matéria de ordem pública, a teor do art.
61 do Código de Processo Penal, deve ser reconhecida de ofício ou
a requerimento das partes, a qualquer tempo ou grau de jurisdição.
Precedentes.
2. Concretizada a pena em 2 (dois) anos de reclusão, e
considerando o disposto no Enunciado n. 497 da Súmula do STF,
verifi ca-se a ocorrência de lapso temporal superior a 4 (quatro) anos
entre a constituição defi nitiva do crédito tributário e o recebimento
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 583
da denúncia, declarando-se, de ofício, a extinção da punibilidade do
paciente quanto à pena privativa de liberdade, pela caracterização da
prescrição da pretensão punitiva do Estado, na modalidade retroativa.
3. Agravo provido para declarar, de ofício, a extinção da
punibilidade quanto ao crime praticado pelo ora agravado, pelo
reconhecimento da prescrição da pretensão punitiva retroativa.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima
indicadas, acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior
Tribunal de Justiça, por unanimidade, deu provimento ao agravo regimental,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marilza Maynard
(Desembargadora convocada do TJ-SE), Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco
Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 18 de outubro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Campos Marques, (Desembargador convocado do TJ-PR),
Relator
DJe 23.10.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR):
Trata-se de agravo regimental, interposto pelo Ministério Público Federal,
contra decisão proferida pelo então Ministro Adilson Macabu (Desembargador
convocado do TJ-RJ), que negou seguimento ao recurso especial interposto
por Alberto Dalcanale Neto, por ausência de prequestionamento, incidência do
Verbete n. 7 da Súmula do STJ, bem como por não restar confi gurado o dissídio
jurisprudencial.
O agravante alega, em síntese, que não é a hipótese de aplicação, ao caso, do
Verbete n. 7 da Súmula do STJ, que veda o reexame de prova em sede de recurso
especial, vez que a pretensão recursal gira em torno de questão exclusivamente
jurídica, qual seja, verifi car que o crime praticado pelo recorrente encontra-se
prescrito ou não, o que prescinde do reexame de provas.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
584
Salienta, ainda, que a matéria foi devidamente prequestionada na origem,
tendo do Tribunal a quo feito referência expressa ao disposto nos artigos 107,
109 e 119 do Código Penal, apontados como violados no apelo especial.
Ratifi ca o parecer de fl s. 916-917 e pugna pelo conhecimento e provimento
do recurso especial, para que se declare extinta a punibilidade do recorrente,
porque a pena em concreto foi fi xada em 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses e
o prazo prescricional é de 4 (quatro) anos, a teor do artigo 109, inciso V, do
Código Penal, “pois o acréscimo derivado da continuidade delitiva não deve ser
computado para fi ns de defi nição do lapso temporal (STF, Súmula n. 497” (fl .
937).
Por fi m, afi rma que o procedimento fi scal fi ndou-se em 31.10.2002, sendo
esse o termo inicial da prescrição e que entre essa data e o recebimento da
denúncia (2.8.2007), transcorreram mais de quatro anos, ocorrendo, portanto, a
prescrição retroativa.
É o breve relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)
(Relator): Em preliminar, trago ao conhecimento de Vossas Excelências, que
no presente feito existe, além da decisão monocrática combatida neste agravo
regimental, dois acórdãos desta Turma, ambos da relatoria do então Ministro
Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do TJ-RJ), nos quais foi
negado provimento ao agravo regimental (fl s. 966-974) e rejeitado os embargos
de declaração (fl s. 1.000-1.003), propostos pelo réu, que combateram a decisão
objeto do presente agravo regimental.
Os autos noticiam que o recorrente, ora agravado, interpôs recurso
extraordinário no recurso especial (fl s. 1.013-1.053), cujo processamento foi
indeferido liminarmente pela Presidência desta Corte (fl . 1.060), em razão da
inexistência de repercussão geral.
Inconformado, interpôs, ainda, recurso extraordinário com agravo (fl s.
1.064-1.098), que não foi conhecido, também pela Presidência desta Corte,
porque manifestamente incabível (fl s. 1.100-1.104).
Ocorre que, o presente agravo regimental, interposto pelo Ministério
Público Federal, recorrido no recurso especial, não foi apreciado, o que impediu
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 585
o trânsito em julgado da decisão ora agravada, o qual passo a examinar agora,
pelas razões trazidas pelo parquet.
Assiste-lhe razão.
Com efeito, os temas trazidos no recurso especial foram devidamente
prequestionados na origem, como pode se verifi car do acórdão de fl s. 404-
406 e 429-450, bem como a matéria discutida é eminentemente jurídica, qual
seja, ocorrência ou não da prescrição, de modo que, com todo respeito, não é
a hipótese de incidência do Verbete n. 7 da Súmula desta Corte, que veda o
reexame de provas.
Ademais, a questão trazida no recurso especial independe do
prequestionamento na instância ordinária, porque se trata do reconhecimento
da ocorrência da prescrição, matéria de ordem pública, que deve ser conhecida,
de ofício ou a requerimento das partes, em qualquer tempo e grau de jurisdição,
a teor do art. 61 do Código de Processo Penal. Nesse sentido, destaco, dentre
vários outros, os seguintes precedentes desta Corte:
Habeas corpus. Falsificação de documento público e uso de documento
falso. Sentença condenatória. Apelação interposta pela defesa. Correção de erro
material em prejuízo do réu. Impossibilidade de reformatio in pejus. Precedentes.
Prescrição da pretensão punitiva. Ocorrência. [...]
2. A prescrição é matéria de ordem pública, que pode ser reconhecida de ofício
ou a requerimento das partes, a qualquer tempo e grau de jurisdição. [...] (HC
n. 103.460-RS, Ministra Maria Thereza de Assis Moura, Julgamento realizado em
22.8.2011, DJe 8.9.2011).
Habeas corpus. Prescrição retroativa. Lapso temporal. Extinção da punibilidade
estatal.
1. Apesar da prescrição não ter sido enfrentada nas instâncias ordinárias, trata-
se de matéria de ordem pública, que pode e deve ser reconhecida de ofício ou a
requerimento das partes, a qualquer tempo e grau de jurisdição, mesmo após o
trânsito em julgado da condenação, nos termos do art. 61 do Código de Processo
Penal, inclusive em sede de habeas corpus.
[...] (HC n. 162.084-MG, Ministro Og Fernandes, Julgamento realizado em
10.8.2010, DJe 6.9.2010).
Passo, então, a verifi car a ocorrência ou não da prescrição.
Narram os autos que Alberto Dalcanale Neto foi condenado, no juízo de
primeiro grau, a 4 (quatro) anos e 10 (dez) meses de reclusão, em regime inicial
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
586
aberto, pela prática do crime descrito no art. 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990,
c.c., o artigo 69 do CP.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no julgamento da apelação do
condenado, rejeitou a preliminar de ocorrência da prescrição, mas deu parcial
provimento ao recurso para reduzir a pena para dois (2) anos e quatro (4) meses
de reclusão, porque a sentença de 1º grau não reconheceu a existência de crime
continuado.
No recurso especial (fl s. 504-543), que teve decisão que negou seguimento
a ele, confi rmada por esta Turma, no acórdão de fl s. 969-974, o recorrente
alegou ofensa aos arts. 619 e 319, inciso III, do Código de Processo Penal, 107,
inciso IV, e 109, inciso V, do Código Penal, além de dissídio jurisprudencial.
Afi rmou, em preliminar, que o Tribunal de origem, mesmo provocado por
embargos de declaração, não sanou os vícios apontados, o que implica na ofensa
ao artigo 619 do Código de Processo Penal.
No mérito, sustentou que o acórdão hostilizado, na parte da fi xação da
data em que teria havido a constituição defi nitiva do crédito tributário, diverge
de precedentes desta Corte e do STF, que possuem orientação no sentido de
que: “considerando o lançamento defi nitivo do crédito tributário como sendo
condição objetiva de punibilidade, é de rigor também consagrar que a prescrição
na referida hipótese somente tem curso com o término do procedimento
administrativo” (fl . 519).
Asseverou que, no caso, a constituição defi nitiva do crédito tributário,
diferentemente do que entendeu o Tribunal de origem, se deu em 31.10.2002,
data que se encerrou o prazo para interposição de recurso administrativo e não
se confunde com a inscrição do débito em dívida ativa, como considerou o
Tribunal a quo.
Aduziu, ainda, que era irrelevante para a esfera penal a discussão do
tributo em mandado de segurança, mesmo que tenha havido a suspensão
da exigibilidade do crédito, pois essa se refere à efetiva cobrança judicial.
Acrescentou que a “decisão liminar de suspensão da exigibilidade do crédito
tributário, como se observa da simples leitura, impede que o Fisco inicie os
procedimentos de cobrança, mas jamais suspende a constituição do crédito, que
já se havia constituído” (fl . 528).
Acrescentou que, em prevalecendo o entendimento pelo Tribunal de
origem, de que a constituição definitiva do crédito tributário se deu em
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 587
2006, a defl agração do inquérito policial instaurado em 2002, logo após o
encerramento da esfera administrativa, seria ilegal, visto que iniciado sem justa
causa, teria como conseqüência seu trancamento, bem como a anulação de todo
o procedimento penal instaurado até aquele momento.
Por fi m, afi rmou que, no caso, a prescrição se verifi ca em 4 (quatro) anos,
a teor do art. 109, inciso V, do Código Penal, isso porque o Enunciado n. 497
da Súmula do STF determina que “quando se tratar de crime continuado,
a prescrição regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o
acréscimo decorrente da continuação”, que no presente caso se refere aos dois
anos da pena-base. Nesse contexto, considerando que a constituição defi nitiva
do crédito tributário se deu em 31.10.2002 (termo inicial da contagem da
prescrição), e, como a denúncia somente foi recebida em 2.8.2007, pugnou
pela declaração da ocorrência da prescrição, tendo vista o transcurso de prazo
superior a quatro anos.
O Ministério Público Federal, no parecer de fl s. 916-917, opinou pelo
conhecimento e provimento do recurso especial, para declarar extinta a
punibilidade pela ocorrência da prescrição.
Efetivamente ocorreu a prescrição na modalidade retroativa, como bem
alegou o agravante.
Conforme já relatado, o agravado foi condenado pela prática do crime
tipifi cado no artigo 1º, inciso I, da Lei n. 8.137/1990, após o trânsito em julgado
para a acusação, a uma pena de dois (2) anos e 4 (quatro) meses de reclusão,
substituída por duas restritivas de direito (fl . 441).
Na linha da jurisprudência desta Corte, a consumação do referido crime
somente se verifi ca com a constituição do crédito tributário, começando a correr,
a partir daí, a prescrição. Nesse sentido os seguintes precedentes:
Processual Penal. Recurso ordinário em habeas corpus. Crime contra a ordem
tributária. Lapso prescricional que só se inicia com a constituição defi nitiva do
crédito tributário. Precedentes desta Corte e do Pretório Excelso. Necessidade de
delimitação do termo inicial.
I - “Falta justa causa para a ação penal pela prática do crime tipifi cado no art. 1º
da Lei n. 8.137, de 1990, enquanto não constituído, em defi nitivo, o crédito fi scal
pelo lançamento. É dizer, a consumação do crime tipifi cado no art. 1º da Lei n.
8.137/1990 somente se verifi ca com a constituição do crédito fi scal, começando
a correr, a partir daí, a prescrição. HC n. 81.611-DF, Ministro Sepúlveda Pertence,
Plenário, 10.12.2003.” (HC n. 85.051-MG - Segunda Turma, Rel. Min. Carlos Velloso,
DJ de 1º.7.2005).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
588
II - Na hipótese dos autos, contudo, a análise da prescrição da pretensão
punitiva também resta prejudicada, pois seria necessário o conhecimento do seu
termo inicial - data da constituição defi nitiva do crédito tributário - que não foi
delimitado pelo Tribunal de origem (Precedente).
Recurso desprovido (RHC n. 25.393-RJ, Rel. Ministro Felix Fischer, Julgamento
realizado em 21.5.2009, DJe de 22.6.2009).
Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso especial. Crime contra a ordem
tributária. Prescrição. Matéria de ordem pública. Extinção da punibilidade não
confi gurada. Dosimetria da pena. Decreto condenatório transitado em julgado.
Impetração que deve ser compreendida dentro dos limites recursais. Ordem não
conhecida.
I. A prescrição é matéria de ordem pública, que pode e deve ser reconhecida
de ofício ou a requerimento das partes, a qualquer tempo e grau de jurisdição,
mesmo após o trânsito em julgado da condenação, inclusive em sede de habeas
corpus, nos termos do art. 61 do Código de Processo Penal.
II. Na hipótese, o fundamento exarado pelo Tribunal Estadual não destoa da
jurisprudência desta Corte, que tem externado seu entendimento no sentido de
que a justa causa para a ação penal, pela prática do crime tributário tipifi cado
no art. 1º da L. n. 8.137/1990 - que é material ou de resultado -, não se verifi ca
enquanto não haja decisão defi nitiva do processo administrativo de lançamento,
quer se considere o lançamento defi nitivo uma condição objetiva de punibilidade
ou um elemento normativo de tipo. Precedentes.
[...] (HC n. 175.739-SP, Rel. Ministro Gilson Dipp, Julgamento realizado em
4.10.2011, DJe de 14.10.2011).
Penal. Habeas corpus. Crime contra a ordem tributária (art. 1º da Lei n.
8.137/1990). Prescrição retroativa. Termo inicial. Constituição defi nitiva do crédito
tributário e não a data em que realizado o último ato. Prescrição não verifi cada.
Parecer ministerial pela denegação da ordem. Ordem denegada.
1. Para os crimes tributários, o prazo prescricional tem como termo a quo o
momento em que defi nitivamente constituído o crédito, pois apenas aí se terá
preenchido condição objetiva de punibilidade. Precedente (HC n. 52.780-SP, Rel.
Min. Maria Thereza de Assis Moura, DJU 7.2.2008).
2. Na hipótese, a extinção da punibilidade não se verifi cou, pois não decorrido,
entre os marcos interruptivos, o prazo quadrienal (art. 109, V do CP) compatível
com a apenação aplicada (2 anos de detenção). 3. Parecer Ministerial pela
denegação da ordem. 4. Ordem denegada. (HC n. 118.060-RS, Rel. Min. Napoleão
Nunes Maia Filho, Julgamento realizado em 19.2.2009, DJe de 6.4.2009).
Importante, portanto, perquirir quando se deu a constituição defi nitiva do
crédito tributário.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 589
No caso, ao que se verifi ca dos autos, a constituição defi nitiva do crédito
tributário se deu em 31.10.2002, ou seja, 30 (trinta) dias após a intimação do ora
agravado (fl . 478, apenso III), acerca da decisão administrativa fi scal (fl s. 454-
472, apenso III) que, no Processo Administrativo n. 10980.005955/2002-91,
manteve o lançamento realizado do qual foi notifi cado em 10.6.2002 (fl . 430,
apenso III), e que deu ensejo à ação penal discutida nos presentes autos.
A teor do art. 142 do Código Tributário Nacional, o crédito tributário
é constituído com o lançamento. Já a sua constituição definitiva se dá no
momento em que não for mais possível discutir administrativamente a seu
respeito. Em síntese, a constituição defi nitiva do crédito tributário ocorrerá
após o prazo de 30 (trinta) dias, a contar da intimação do lançamento, ou seja,
no trigésimo primeiro (31º) dia após a notifi cação do lançamento, e não com a
inscrição do crédito tributário em dívida ativa, como entendeu o Tribunal a quo.
Nessa linha de entendimento, destaco os seguintes julgados:
Tributário. Execução fiscal. Recurso administrativo contra o lançamento.
Crédito tributário ainda não constituído em defi nitivo. Execução fi scal ajuizada
antes do término do processo administrativo de impugnação ao lançamento.
Nulidade da CDA. Extinção da execução fi scal. Violação dos arts. 586 do CPC e 204
do CTN.
1. A pendência de recurso administrativo em que se discute o próprio
lançamento fulmina a pretensão executória. Com efeito, a constituição defi nitiva
do crédito tributário, com exaurimento das instâncias administrativas, é condição
indispensável para a inscrição na dívida ativa, expedição da respectiva certidão e
para a cobrança judicial dos respectivos créditos e início do prazo prescricional.
Precedente da Primeira Turma.
2. A interposição de recurso administrativo suspende a exigibilidade do
crédito, impedindo a sua constituição defi nitiva, que só ocorre com o julgamento
fi nal do processo, e também a fl uência do prazo prescricional. Se não existe prazo
prescricional em curso, também não há direito de ação para a Fazenda Pública,
pois a prescrição é, a grosso modo, o período para o exercício do direito de ação.
Assim, se não corre o prazo prescricional, não há direito de ação a ser exercido.
3. A extinção da execução fi scal, em casos como este, é medida que melhor se
afi na com os princípios constitucionais tributários, com as normas do CTN e com
as garantias mínimas do “Estatuto do Contribuinte”, dentre elas a de somente ser
executado por dívidas defi nitivamente constituídas, líquidas, certas e exigíveis.
Presente, pois, a violação dos arts. 585 do CPC e 204 do CTN constatada.
4. Recurso especial provido (REsp n. 1.306.400-RJ, Rel. Ministro Castro Meira,
Julgado em 28.8.2012, DJe de 4.9.2012).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
590
Processual Civil e Tributário. Lançamento de ofício. Notifi cação do contribuinte.
Suposto procedimento de revisão realizado após a primeira notificação do
contribuinte. Constituição definitiva do crédito tributário que ocorre após a
decisão final administrativa. Termo a quo da prescrição do art. 174 do CTN.
Acórdão recorrido que analisa a causa à luz de lei local. Impossibilidade de
revolvimento em sede de recurso especial. Incidência, por analogia, da Súmula
n. 280 do STF. Confl ito entre lei complementar (CTN) e lei local. Competência do
Supremo Tribunal Federal.
1. Discute-se nos autos os termos a quo e ad quem da prescrição do crédito
tributário exequendo.
2. É cediço que, na forma do art. 174 do CTN, o prazo prescricional para
a cobrança do crédito tributário somente tem início com a sua constituição
defi nitiva que, na esfera administrativa do lançamento de ofício, se dá após a
notifi cação do contribuinte, sem impugnação. No caso da legislação federal, o
prazo é de trinta dias para que seja protocolizada a impugnação. Nesse caso, a
constituição defi nitiva ocorrerá no trigésimo primeiro dia após a notifi cação do
lançamento.
[...]” (REsp n. 1.248.943-AL, Ministro Mauro Campbell Marques, Julgamento
realizado em 28.6.2011, DJe de 3.8.2011).
Tributário. Prescrição. Termo inicial. Constituição definitiva do crédito
tributário. Art. 174 do CTN. Acórdão que adotou como marco a inscrição em
dívida ativa. Impossibilidade.
1. Cinge-se a controvérsia a defi nir se ocorreu a prescrição do crédito tributário.
2. O Tribunal a quo deu provimento à Apelação da Fazenda Pública para
permitir o prosseguimento da cobrança. Entretanto, houve equívoco na adoção,
como termo inicial do prazo prescricional, da data de inscrição do crédito em
Dívida Ativa da Fazenda Pública.
3. Nos termos do art. 174 do CTN, “A ação para a cobrança do crédito tributário
prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição defi nitiva”. Desse
modo, o aludido prazo extintivo tem início com a constituição definitiva do
crédito tributário, marco que não se confunde com a inscrição em dívida ativa.
Precedentes do STJ.
4. A recorrente interpôs Embargos de Declaração, nos quais alegou omissão
quanto ao exame da data de constituição definitiva do tributo, tendo como
elemento fundamental a análise da prescrição, porém o Tribunal a quo se negou a
emitir qualquer pronunciamento a respeito.
5. Como o acórdão recorrido não explicitou o termo inicial do prescricional, em
conformidade com o art. 174, I, do CTN, o presente recurso merece ser provido
para que se afaste como tal a data da inscrição em dívida ativa.
6. Por outro lado, descabe ao STJ revolver fatos e provas a fi m de investigar
quando se deu a constituição defi nitiva do tributo, sob pena de descumprimento
da Súmula n. 7-STJ.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 591
7. Recurso Especial parcialmente provido (REsp n. 1.337.661-TO, Rel. Ministro
Herman Benjamin, Julgamento realizado em 28.8.2012, DJe de 3.9.2012).
Tributário. Embargos à execução fi scal. Decadência. Prescrição (Termo inicial.
Constituição defi nitiva do crédito tributário. Recurso administrativo pendente
de julgamento). Súmula n. 153, do Tribunal Federal de Recursos. Artigos 142,
173 e 174, do Código Tributário Nacional. Honorários advocatícios. Redução.
Impossibilidade. Súmula n. 7 do STJ.
1. A prescrição, causa extintiva do crédito tributário, resta assim regulada
pelo artigo 174, do Código Tributário Nacional, verbis: “Art. 174. A ação para a
cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua
constituição defi nitiva. Parágrafo único. A prescrição se interrompe: I - pela citação
pessoal feita ao devedor; I – pelo despacho do juiz que ordenar a citação em
execução fi scal; (Redação dada pela LCP n. 118, de 2005) II - pelo protesto judicial;
III - por qualquer ato judicial que constitua em mora o devedor; IV - por qualquer
ato inequívoco ainda que extrajudicial, que importe em reconhecimento do
débito pelo devedor.”
2. A constituição defi nitiva do crédito tributário, sujeita à decadência, inaugura
o decurso do prazo prescricional de cinco anos para o Fisco cobrar judicialmente
o crédito tributário.
3. Deveras, assim como ocorre com a decadência do direito de constituir o
crédito tributário, a prescrição do direito de cobrança judicial pelo Fisco encontra-
se disciplinada em cinco regras jurídicas gerais e abstratas, a saber: (a) regra da
prescrição do direito do Fisco nas hipóteses em que a constituição do crédito se
dá mediante ato de formalização praticado pelo contribuinte (tributos sujeitos a
lançamento por homologação); (b) regra da prescrição do direito do Fisco com
constituição do crédito pelo contribuinte e com suspensão da exigibilidade; (c)
regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento tributário ex offi cio; (d)
regra da prescrição do direito do Fisco com lançamento e com suspensão da
exigibilidade; e (e) regra de reinício do prazo de prescrição do direito do Fisco
decorrente de causas interruptivas do prazo prescricional (In: Decadência e
Prescrição no Direito Tributário, Eurico Marcos Diniz de Santi, 3ª Ed., Max Limonad,
pp. 224-252).
4. Consoante cediço, as aludidas regras prescricionais revelam prazo
quinquenal com dies a quo diversos.
5. Nos casos em que o Fisco constitui o crédito tributário, mediante lançamento,
inexistindo quaisquer causas de suspensão da exigibilidade ou de interrupção
da prescrição, o prazo prescricional conta-se da data em que o contribuinte for
regularmente notifi cado do lançamento tributário (artigos 145 e 174, ambos do
CTN).
6. Entrementes, sobrevindo causa de suspensão de exigibilidade antes do
vencimento do prazo para pagamento do crédito tributário, formalizado pelo
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
592
contribuinte (em se tratando de tributos sujeitos a lançamento por homologação)
ou lançado pelo Fisco, não tendo sido reiniciado o prazo ex vi do parágrafo único,
do artigo 174, do CTN, o dies a quo da regra da prescrição desloca-se para a data
do desaparecimento jurídico do obstáculo à exigibilidade.
7. No caso sub judice, o auto de infração foi lavrado em 23.5.1986, referente a
fatos geradores ocorridos nos anos de 1983, 1984 e 1985. Com a lavratura do auto,
concretizou-se o lançamento do crédito tributário, conforme art. 142, do Código
Tributário Nacional, não se consumando a decadência tributária, porquanto a
autuação do contribuinte foi efetivada antes do término do prazo de cinco anos.
8. In casu, a decisão administrativa fi nal é de 24.4.1993, data a partir da qual
desapareceu o obstáculo jurídico à exigibilidade do crédito tributário, iniciando-
se, portanto, a contagem do prazo prescricional, previsto no art. 174 do CTN.
9. Sob esse ângulo, não se implementou a prescrição, ante o ajuizamento da
execução fi scal pela Fazenda Pública de São Paulo em 17.7.1995. Não há, destarte,
que se aventar da decadência ou prescrição do crédito tributário.
[...] (REsp n. 1.107.339-SP, Rel. Ministro Luiz Fux, Julgamento realizado em
1º.6.2010, DJe de 23.6.2010).
Registro, por oportuno, que, embora tenha fi cado suspensa a exigibilidade
do crédito tributário pelo MS n. 2002.70.00.0691883 impetrado pelo ora
agravado, a autoridade fiscal não fica impedida de realizar o lançamento,
tendo em vista que a suspensão recai somente sobre a exigibilidade do crédito
tributário, o que impede apenas o implemento de medidas de cobrança, como
a propositura da ação de execução fi scal. A propósito, dentre outros, veja o
seguinte julgado desta Corte:
Tributário. Execução fi scal. Exceção de pré-executividade. Causas suspensivas
da exigibilidade do crédito tributário. Liminar em mandado de segurança.
Lançamento. Ausência de óbice. Decadência.
1. A suspensão da exigibilidade do crédito tributário na via judicial impede o
Fisco de praticar qualquer ato contra o contribuinte visando à cobrança de seu
crédito, tais como inscrição em dívida, execução e penhora, mas não impossibilita
a Fazenda de proceder à regular constituição do crédito tributário para prevenir
a decadência do direito. Precedente: EREsp n. 572.603-PR, Rel. Min. Castro Meira,
Primeira Seção, DJ 5.9.2005.
2. O lançamento do ISS referente aos meses de Janeiro a Setembro de 1991
somente ocorreu em 27 de junho de 2001. A liminar conferida em Mandado
de Segurança, anteriormente impetrado pelo contribuinte, com a finalidade
de ver reconhecida isenção quanto ao tributo não impede a fl uência do prazo
decadencial, apenas obstando a realização de atos de cobrança posteriores à
constituição. Nesse sentido: REsp n. 1.140.956-SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 593
Seção, DJe 3.12.2010, julgado nos termos do artigo 543-C do Código de Processo
Civil.
3. Recurso especial provido (REsp n. 1.129.450-SP, Ministro Castro Meira,
Julgamento realizado em 17.12.2011, DJe de 28.2.2011).
Assim, considerando que a pena em concreto foi fi xada em dois (2) anos
e quatro (4) meses, o prazo prescrição, a teor do art. 109, inciso V, do Código
Penal, é de quatro (4) anos, pois o acréscimo decorrente da continuidade delitiva,
por força do Enunciado n. 497 da Súmula do STF, não deve ser computado para
fi ns de defi nição do lapso temporal.
Em assim sendo, e considerando que: a Súmula Vinculante n. 24 do STF
dispõe que “não se tipifi ca crime material contra a ordem tributária, previsto no
art. 1º, incisos I a IV, da Lei n. 8.137/1990, antes do lançamento defi nitivo do
tributo”; a constituição defi nitiva do crédito tributário se deu em 31.10.2002;
a denúncia foi recebida em 2.8.2007 (fl . 7); e que a sentença foi publicada em
12.5.2009, transcorreu o prazo de quatro anos necessário para que se confi gure
a prescrição, na modalidade retroativa. Sobre o tema, verifi que os seguintes
precedentes:
Criminal. Habeas corpus. Evasão de divisas. Prescrição retroativa. Condenação
transitada em julgado. Pena de dois anos concretamente aplicada. Artigo 110 c.c.
o artigo 109, V, do Código Penal. Extinção da punibilidade confi gurada. Ordem
concedida.
I. Hipótese na qual ambos os pacientes foram condenados, em sentença
transitada em julgado para a acusação, à pena de 2 anos de reclusão, pela prática
do delito descrito no art. 22, parágrafo único, 1ª parte, da Lei n. 7.492/1986.
II. Levando-se em consideração a pena concretamente estabelecida na
sentença, o prazo a ser observado para efeitos de prescrição no presente feito é
de 4 anos, nos termos do art. 110 c.c. o art. 109, V, do Código Penal.
III. Transcorridos mais de 4 anos entre as datas do último delito cometido -
15.11.2001 - e a do recebimento da inicial acusatória - 18.4.2007 - primeira causa
interruptiva do prazo prescricional, consumou-se, assim, o lapso previsto no art.
110 c.c. o art. 109, V, do Código Penal.
IV. Extingue-se a punibilidade dos pacientes pela ocorrência da prescrição
retroativa.
V. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator” (HC n. 222.339-SC, Rel.
Ministro Gilson Dipp, Julgamento realizado em 22.5.2012, DJe de 25.5.2012).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
594
Embargos de declaração. Recurso especial. Processo Penal. Art. 110, § 1º, CP.
Acórdão a quo não interrompeu o marco prescricional. Prescrição retroativa.
Ocorrência. Embargos com efeitos infringentes.
1. A oposição de embargos de declaração almeja o aprimoramento da
prestação jurisdicional, por meio da modifi cação de julgado que se apresenta
omisso, contraditório, obscuro ou com erro material (art. 619 do CPP).
2. Incidência da prescrição retroativa, na qual se leva em consideração a pena
aplicada in concreto, mesmo sendo uma espécie de prescrição da pretensão
punitiva - que, de modo geral, deveria considerar exclusivamente a pena in
abstrato -, com fundamento no princípio da pena justa.
3. Na ausência de recurso da acusação ou no improvimento deste, a pena
aplicada na sentença condenatória firma-se, desde a prática do fato, como
necessária e sufi ciente para aquele caso em particular. Assim, a pena concretizada
justifica-se como novo parâmetro para a fixação da prescrição da pretensão
punitiva estatal.
4. A prescrição retroativa pode ser considerada entre a consumação do crime
e o recebimento da denúncia, ou entre este e a sentença condenatória e até entre
esta e a pendência de julgamento do recurso especial (art. 110, § 1º, do CP).
5. Consumado o lapso prescricional no curso da pendência do recurso especial,
cabe declarar-se, preliminarmente, a extinção da punibilidade, com prejuízo do
mérito do recurso.
6. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para declarar
a extinção da punibilidade estatal pela prescrição da pretensão punitiva dos
fatos imputados ao ora embargante, nos termos dispostos no voto” (EDcl no REsp
n. 1.212.911-RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Julgamento realizado em
5.6.2012, DJe de 18.6.2012).
Habeas corpus. Penal. Art. 1º, inciso II, da Lei n. 8.137/1990, c.c. o art. 71, do
Código Penal. Prescrição da pretensão punitiva examinada com base na sentença
condenatória. Lapso temporal ocorrente. Extinção da punibilidade estatal. Ordem
concedida.
1. A teor do art. 119 do Código Penal e nos termos da Súmula n. 497 do
Supremo Tribunal Federal, “Quando se tratar de crime continuado, a prescrição
regula-se pela pena imposta na sentença, não se computando o acréscimo
decorrente da continuação.”
2. Ocorrido o trânsito em julgado da sentença condenatória para a Acusação
e levando-se em consideração a pena aplicada, verifica-se a ocorrência da
extinção da punibilidade estatal pela prescrição da pretensão punitiva retroativa,
porquanto restou transcorrido o lapso temporal superior aos 4 (quatro) anos
exigidos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia.
3. Ordem concedida, para declarar a extinção da punibilidade estatal quanto ao
crime imputado aos Pacientes, pelo reconhecimento da prescrição da pretensão
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 595
punitiva retroativa, com fundamento no art. 107, inciso IV, c.c. os arts. 109, inciso
V, e 110 § 1º, todos do Código Penal. (HC n. 180.667-SP. Rel. Ministra Laurita Vaz,
Julgamento realizado em 6.9.2011, DJe 27.9.2011).
Diante do exposto, dou provimento ao agravo regimental do Ministério
Público Federal e, para que não haja incompatibilidade com os acórdãos
proferidos por esta Turma no julgamento do agravo regimental (fl s. 969-974)
e dos embargos de declaração (fl s. 1.000-1.003), de ofício, a teor do artigo 61
do Código de Processo Penal, declaro a extinção da punibilidade dos fatos
narrados na ação penal discutida nos presentes autos, em razão da ocorrência da
prescrição retroativa.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 177.972-BA (2010/0121323-2)
Relatora: Ministra Laurita Vaz
Impetrante: Rosberg Crozara e outros
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 1a Região
Paciente: Adriano Ferreira dos Santos Rangel Cruz
Paciente: Robson da Silva Araújo
EMENTA
Habeas corpus. Art. 273, caput, e §§ 1º e 1º-B, inciso I, do
Código Penal. Fiscais da Anvisa que atestaram que o estabelecimento
comercial administrado pelos pacientes vendia produtos sem o exigível
registro da agência. Fé pública dos servidores da agência reguladora.
Desnecessidade de perícia. Impetrantes que não trouxeram simples
documentação aos autos demonstrando que os produtos não estariam
sujeitos à vigilância sanitária. Justa causa para a ação penal confi gurada.
Ordem de habeas corpus denegada.
1. Importar, vender, expor à venda, ter em depósito para vender
ou, de qualquer forma, distribuir ou entregar a consumo, produtos
destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais, sem registro no órgão
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
596
de vigilância sanitária competente, quando exigível, são condutas
tipifi cadas como crime (inteligência combinada do art. 273, caput, e §§
1º e 1º-B, inciso I, do Código Penal).
2. Para a prática da referida conduta não é exigível perícia,
bastando a ausência de registro na Anvisa, obrigatório na hipótese
de insumos destinados a fi ns terapêuticos ou medicinais. Referidas
características dos produtos podem ser atestadas por fi scal técnico da
Agência, conhecedor das normas de regulação e que, no exercício do
seu mister, tem fé pública.
3. A gama de produtos sujeitos ao regime sanitário é extensa e
abrangente, compreendendo medicamentos, insumos farmacêuticos,
drogas e correlatos, que não podem ser industrializados, expostos à
venda, ou entregues a consumo, sem o registro do órgão competente.
Arts. 1.º e 12, da Lei n. 6.360/1976, e regulamento (arts. 1º e 12, do
Decreto n. 79.094/1976).
4. No caso, outrossim, em nenhum momento os Impetrantes
afirmaram, ou demonstraram, que os produtos apreendidos no
estabelecimento dos Pacientes (loja de suplementos alimentares)
não estariam sujeitos ao regime de vigilância sanitária, para o que
bastaria a simples demonstração das normas pertinentes. Desta feita,
não ocorre a falta de justa causa para a ação penal, devendo o juízo de
culpabilidade na espécie ser procedido pelas instâncias ordinárias.
5. Ordem de habeas corpus denegada.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, prosseguindo no julgamento por unanimidade, denegar a
ordem. Os Srs. Ministros Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Gilson Dipp
votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Sustentou oralmente na sessão de 19.6.2012: Dr. Rosberg de Souza
Crozara (p/pactes).
Brasília (DF), 28 de agosto de 2012 (data do julgamento).
Ministra Laurita Vaz, Relatora
DJe 5.9.2012
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 597
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Laurita Vaz: Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar,
impetrado em favor de Adriano Ferreira dos Santos Rangel Cruz e Robson da Silva
Araújo – denunciados pela prática do delito previsto no art. 273, § 1º-B, inciso
I, do Código Penal, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da
1ª Região, quando do julgamento de recurso em sentido estrito interposto pelo
Ministério Público Federal, que restou assim ementado (fl . 05):
Penal. Processual Penal. Art. 273, § 1º-B, I, do Código Penal. Rejeição da
denúncia. Artigos 41 e 395, do Código de Processo Penal. Recurso criminal
provido.
1. O ajuizamento de ação penal deve estar lastreado em causa legítima e
idônea, sob pena de se atingir indevidamente o status dignitatis do denunciado.
2. No presente caso, verifi ca-se, em uma análise superfi cial do contido nos
autos, inerente a esta fase do processo, que as condutas supostamente praticadas
pelos denunciados, ora recorridos, na forma em que narrada na denúncia (fl s. 68-
70), justifi ca o recebimento da petição inicial da ação penal, mormente quando
se verifi ca a presença de indícios sufi cientes da materialidade e autoria do delito
objeto da peça vestibular da ação penal.
3. É de se entender como presentes, in casu, os elementos necessários à
instauração da persecução penal, devendo ser destacado, em acréscimo, que
a denúncia ofertada em desfavor dos ora recorridos (fls. 68-70) preenche os
requisitos constantes do art. 41, do Código de Processo Penal.
4. Em havendo indícios suficientes de materialidade e autoria delitivas, e,
ainda, preenchidos os requisitos do art. 41, do Código de Processo Penal, a
denúncia deve ser recebida para se ter o devido prosseguimento do processo
penal. Precedentes jurisprudenciais deste Tribunal Regional Federal.
5. Recurso em sentido estrito provido.
Requer-se, na presente sede processual, em síntese, liminarmente, o
trancamento da ação penal, e no mérito, o restabelecimento da decisão por meio
da qual o Juiz Federal de instância prima não recebeu a denúncia.
Nesse sentido, o relato do acórdão ora impugnado bem resume a
controvérsia (fl s. 31-33):
Trata-se de recurso em sentido estrito interposto pelo Ministério Público Federal
(fl s. 73 e 75-87), em face da r. decisão de fl s. 71-72, que, em síntese, não recebeu a
denúncia por ele oferecida em desfavor de Adriano Ferreira dos Santos Rangel Cruz
e Robson da Silva Aráujo, pela suposta prática do delito capitulado no art. 273, § 1º
e § 1º-B, do Código Penal.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
598
Em defesa de sua pretensão, asseverou o recorrente, em resumo que:
1) “A materialidade delitiva restou comprovada por declaração dos
servidores da Anvisa, atestando que ‘os produtos listados a seguir: Guggul
Complex, Excite Natural Sexual Enhancer, Dyma Retic, HGH, Alpha Lipoic
Acid, não possuem registro na Agência Nacional de Vigilância Sanitária,
portanto encontram-se irregulares e proibidos de serem comercializados
no território nacional’ (fl s. 36-37)” (fl . 77);
2) “(...) a ausência de laudo pericial de constatação da natureza e
dosagem das substâncias não pode impedir a propositura da ação penal,
até porque as declarações dos fi scais da Anvisa, no exercício das atribuições
que lhes competem, gozam de fé pública e, por conseguinte, são dotadas
de presunção de veracidade e de legalidade” (fl . 77);
3) “(...) a denúncia de fls. 68-70 foi apresentada com respaldo em
inquérito policial no qual restaram comprovadas a materialidade e indícios
sufi cientes de autoria. Os produtos foram apreendidos e os fi scais da Anvisa
certifi caram, às fl s. 36-37, a ausência de registro dos mesmos” (fl . 80);
4) “Apesar de os denunciados terem afi rmado desconhecer a ausência
de registro na Anvisa dos produtos apreendidos (fl s. 07-13), na condição de
comerciantes do ramo, tinham a obrigação de atingir esse conhecimento,
não podendo alegar ignorantia facti” (fl . 80);
5) “Além disso, mesmo diante de indícios de conduta consciente e
voluntária, a prova da presença do elemento subjetivo do tipo – o dolo – é
dispensável neste momento, visto ser necessária a abertura da instrução
(...)” (fl . 80).
Contrarrazões apresentadas às fl s. 93-112.
Vieram os autos a esta Corte Regional Federal, ocasião em que o d. Ministério
Público Federal, no exercício da função de fi scal da lei, proferiu o parecer de fl s.
116-122, opinando pelo provimento do recurso.
Por meio do despacho de fl . 126, converti o julgamento em diligência, a fi m de
que o MM. Juízo Federal a quo observasse o disposto no art. 589, caput, do Código
de Processo Penal, o que ocorreu à fl . 128.
Indeferi a liminar às fl s. 205-211, ocasião em que dispensei as informações.
Parecer do Ministério Público Federal às fl s. 227-229, pela denegação.
É o que há de necessário para relatar.
VOTO
A Sra. Ministra Laurita Vaz (Relatora): No caso, os Pacientes foram
denunciados pela prática do delito previsto no art. 273, § 1º e § 1º-B, do Código
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 599
Penal, porque, no estabelecimento comercial administrado por eles, agentes
da Anvisa encontraram à venda os produtos Guggul Complex, Excite Natural
Sexual Enhancer, Dyma Retic, HGH, e Alpha Lipoic Acid, os quais não possuiriam
registro na Agência.
Da atenta leitura da inicial, verifi ca-se que o fundamento da Defesa para
reconhecer a ausência de justa causa para a ação penal é, em síntese, o de que
não foi realizado exame pericial para comprovar que os produtos apreendidos
em poder dos Pacientes não poderiam ser comercializados no país.
Não foi esse o entendimento da instância antecedente, conforme o Voto
unânime proferido pelo Relator do recurso interposto pelo Parquet (fl s. 33-36):
Por vislumbrar presentes os requisitos de admissibilidade deste recurso, dele
conheço, devendo, a propósito, ser mencionado que, em seus efeitos, o não
recebimento da denúncia, implica a sua rejeição, o que justifi ca a admissibilidade
do presente recurso, por aplicação do art. 581, I, do Código de Processo Penal.
No mérito, deve ser ressaltado, de início, que o ajuizamento de ação penal deve
estar lastreado em causa legítima e idônea, sob pena de se atingir indevidamente
o status dignitatis do denunciado.
No presente caso, data venia de eventual ponto de vista em contrário, verifi ca-
se, em uma análise superfi cial do contido nos autos, inerente a esta fase do processo,
que as condutas supostamente praticadas pelos denunciados, ora recorridos,
na forma em que narrada na denúncia (fl s. 68-70), justifi ca o recebimento da
petição inicial da ação penal, mormente quando se verifi ca a presença de indícios
sufi cientes da materialidade e autoria do delito objeto da peça vestibular da
ação penal, consoante o apontado pelo d. Ministério Público Federal, no parecer
acostado aos autos, às fl s. 116-122, da lavra do eminente Procurador Regional da
República, Dr. Paulo Queiroz, que assim asseverou:
Temos que o recurso merece provimento.
Inicialmente, é de ver que o delito imputado ao recorrente é o do art.
273, § 1º-B, I, do Código Penal: importar, vender, expor à venda, ter em
depósito etc. produtos sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância
sanitária competente, ou seja, a Anvisa (Agência de Vigilância Sanitária).
E é essa a exata capitulação jurídico-penal da conduta, e não art. 273,
§ 1º, apesar de a denúncia o referir, porque, conforme se conclui à fl . 70,
primeiro parágrafo, da denúncia, “(...) considerando que os denunciados
comercializavam produtos com finalidades terapêuticas sem o devido
registro do órgão de vigilância sanitária competente, com potencial
lesividade à saúde humana (...)” (grifou-se).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
600
Exatamente por isso, a comprovação da tipicidade jurídico-penal da
conduta requer tão-somente prova de: a) venda ou exposição à venda (etc.)
de produto destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais; b) que se trate de
produto sem registro na Anvisa, quando exigível.
Ora, é evidente que os elementos de prova em que se fundou a denúncia
são sufi cientes para servir de base ao seu recebimento e comprovação do
que nela se contém, relativamente à materialidade e autoria delitivas.
Com efeito.
Desde logo, cumpre notar que a denúncia está amparada em inquérito
policial cujo relatório é conclusivo no sentido do indiciamento dos agora
recorridos, em virtude da prova da materialidade e autoria delitivas. Eis a
sua conclusão:
IV – Considerações
IV. 1. – A Autoria
A autoria delitiva restou evidenciada pelos interrogatórios dos
conduzidos, que afi rmaram ser os proprietários de fato da Vita Quality
comércio de Suplementos Alimentares Ltda., local da apreensão dos
produtos sem registro na Anvisa. As sócias constantes na 2ª Alteração
Contratual (fls. 44 a 47 dos autos), parentes dos conduzidos são
apenas “testas de ferro” dos conduzidos.
A confi rmar tal fato, ressalte-se que a funcionária da loja objeto da
busca e apreensão, Ilana Cardos Nunes, quando perguntada sobre o
paradeiro o dono do estabelecimento, ligou para Adriano Ferreira dos
Santos Rangel Cruz, que se apresentou momentos depois afi rmando
ser o proprietário da loja, declinando ainda o nome do outro “sócio”,
Robson da Silva Araújo.
IV. I – Da Materialidade
A materialidade do delito previsto no art. 273, § 1º e § 1º-B do CPB
também restou evidenciada.
De início há o Auto de Apreensão de fls. 14-15, onde estão
discriminados os produtos apreendidos na loja Vita Quality Comércio
de Suplementos Alimentares Ltda. No Aeroclube Plaza Show, com a
assinatura dos conduzidos como detentores.
Os depoimentos das testemunhas, conforme evidenciado antes
nesse relatório, atestam que tais produtos não são registrados na
Anvisa e, por isso, são de uso e venda proibidos no país.
Como esclarecimento adicional, os fiscais sanitários Marcel
Figueira e Marcelo Sidi Garcia elaboraram informe técnico, juntado
em fl s. 36-37, onde destacam a legislação atinente ao tema (Lei n.
6.360/1976 e Decreto n. 79.094/1976).
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 601
Os produtos apreendidos são de natureza terapêutica, sendo que
conforme esclarece Marcel Figueira em fl s. 04:
que, no frasco do Guggul Complex verifica-se ainda a
existência de um pequeno adesivo com dizeres em português,
em cima do rótulo original onde está impresso que esse
produto teria a capacidade de queimar calorias, aumentar
níveis de hormônios da tireóide, dentre outros efeitos com
fi nalidade terapêutica, (...) (Grifo nosso).
Todos os produtos estavam expostos no interior da loja, em
prateleiras, inclusive com etiquetas indicando o preço de cada um
para o consumidor (com exceção do “HGH”, que apesar de expostos,
não possuía etiqueta com preço).
Não é demais ressaltar que o uso dos produtos apreendidos
podem gerar prejuízos à saúde humana, configurando um risco
sanitário, pois não se conhece a procedência desses produtos e nem
o que de fato contêm dentro das cápsulas, dados esses que seriam
analisados pela Anvisa dentro de um processo regular de registro de
produtos medicinais, terapêuticos etc (...)
E de fato, em favor da acusação formulada na denúncia, constam os
seguintes elementos de prova: a) auto de prisão em fl agrante (fl . 2); b)
depoimentos das testemunhas Marcel Figueira e Marcelo Sidi Garcia (fl s.
3-6); c) auto de apreensão (f. 14-15); d) relatório fi nal de inquérito policial
(fl s. 57-64).
Em semelhante contexto, força é convir que a decisão de rejeição da
denúncia é absolutamente improcedente quando assinala que “(...) que
praticamente nada constou no inquérito que ateste, com um mínimo de
lastro probatório necessário à configuração da justa causa para a ação
penal, tratar-se efetivamente de substância de comercialização proibida ou
de registro necessário” (fl . 71).
Além do mais, em princípio, a pretendida prova pericial ou é
desnecessária ou passível de ser suprida por outros meios de prova.
Note-se, mais, que a denúncia se presta justamente a provar o alegado
com base na prova indiciária em que se funda, razão pela qual não faria
sentido algum que se lhe exigisse, desde já, contraditória e prematuramente,
prova suficiente para uma condenação. Afinal, com o oferecimento da
denúncia, o Ministério Público pretende, uma vez instaurada a instrução,
provar o alegado e, ao fi nal, se for o caso, pugnar pela condenação do réu
(fl s. 117-120).
Assim, é de se entender como presentes, in casu, os elementos necessários à
instauração da persecução penal, devendo ser destacado, em acréscimo, que a
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
602
denúncia ofertada em desfavor dos ora recorridos (fl s. 68-70) preenche, concessa
venia, os requisitos constantes do art. 41, do Código de Processo Penal.
Merece ser realçado, ainda, que, havendo indícios sufi cientes de materialidade
e autoria delitivas, e, ainda, preenchidos os requisitos do art. 41, do Código
de Processo Penal, a denúncia, data venia, deve ser recebida para se ter o
devido prosseguimento do processo penal. Nesse sentido, merecem realce os
precedentes jurisprudenciais deste Tribunal Regional Federal cujas ementas vão
a seguir transcritas:
Penal e Processo Penal. Rejeição de denúncia. Dispensa de licitação.
Artigo 89 da Lei n. 8.666/1993. Contrato. Execução. Irregularidades. Autoria.
Existência de indícios. Recurso provido.
1. Descrevendo a denúncia de forma pormenorizada a conduta dos
acusados e havendo indícios de materialidade e autoria de dispensa
indevida de licitação, além de irregularidades na execução do contrato,
deve ser recebida a denúncia.
2. Presença dos requisitos formais obrigatórios do artigo 41 para o
recebimento da denúncia e ausência das hipóteses excludentes do artigo
43, ambos do Código de Processo Penal. Precedentes.
3. Recurso em sentido estrito provido, para que se dê regular
processamento do feito.
(TRF – 1ª Região, RCCR n. 1999.40.00.005893-5-PI, Relator Desembargador
Federal Carlos Olavo, 4ª Turma, julgado por unanimidade em 10.12.2003,
publicado no DJ de 20.2.2004, p. 35).
Recurso em sentido estrito. Recebimento de denúncia. Crimes de
estelionato e sonegação fi scal.
I - Atende aos requisitos dos arts. 41 e 43 do Código de Processo
Penal denúncia que vem acompanhada de indícios mínimos de autoria e
materialidade dos delitos aos quais se reporta.
II - O oferecimento de quota ministerial junto à denúncia requerendo
diligências, não infi rma a verossimilhança da narrativa que encerra.
III - Recurso provido.
(TRF – 1ª Região, RCCR n. 1999.01.00.072796-5-MG, Relator Juiz
Convocado Marcus Vinicius Bastos, 3ª Turma, julgado por unanimidade em
7.5.2002, publicado no DJ de 31.5.2002, p. 65).
Faz-se necessário ainda mencionar que não se vislumbra, in casu, com a devida
venia de eventual posicionamento outro, a ocorrência de qualquer das hipóteses
que levam à rejeição da denúncia (art. 395, do Código de Processo Penal).
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 603
Assim, data venia de eventual ponto de vista em contrário, não merece ser
mantida a r. decisão a quo.
Diante disso, dou provimento ao presente recurso em sentido estrito, para,
reformando o r. decisum recorrido, receber a denúncia em questão, e determinar o
retorno dos autos ao MM. Juízo Federal a quo, a fi m de que o processo tenha o seu
regular prosseguimento.
É o voto.
A ordem deve ser denegada.
Reproduzo o art. 273, parágrafos e incisos, do Código Penal, inclusive com
sua rubrica:
Falsifi cação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fi ns
terapêuticos ou medicinais.
Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins
terapêuticos ou medicinais:
Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa.
§ 1º - Nas mesmas penas incorre quem importa, vende, expõe à venda, tem em
depósito para vender ou, de qualquer forma, distribui ou entrega a consumo o
produto falsifi cado, corrompido, adulterado ou alterado.
§ 1º-A - Incluem-se entre os produtos a que se refere este artigo os
medicamentos, as matérias-primas, os insumos farmacêuticos, os cosméticos, os
saneantes e os de uso em diagnóstico.
§ 1º-B - Está sujeito às penas deste artigo quem pratica as ações previstas no § 1º
em relação a produtos em qualquer das seguintes condições:
I - sem registro, quando exigível, no órgão de vigilância sanitária competente;
II - em desacordo com a fórmula constante do registro previsto no inciso
anterior;
III - sem as características de identidade e qualidade admitidas para a sua
comercialização;
IV - com redução de seu valor terapêutico ou de sua atividade; V - de
procedência ignorada; (Incluído pela Lei n. 9.677, de 2.7.1998);
VI - adquiridos de estabelecimento sem licença da autoridade sanitária
competente.
No caso, o Parquet pretende seja aplicada a pena prevista no art. 273,
porque, segundo inteligência combinada dos § 1º e § 1º-B, inciso I, do Código
Penal, os Pacientes importaram, venderam, expuseram à venda, tinham em depósito
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604
para vender ou, de qualquer forma, distribuiram, ou entregaram a consumo, produtos
destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais que exigiam registro no órgão de vigilância
sanitária competente.
Segundo o Ministério Público, após a apreensão dos produtos, os Pacientes
afi rmaram “desconhecer que os produtos não possuíam registro na Anvisa”,
porém, “na condição de comerciantes do ramo teriam obrigação de atingir esse
conhecimento” (fl . 109), razão pela qual foram denunciados.
Na presente impetração, rememore-se, alega a Defesa que a falta de perícia
nos insumos exclui a justa causa da ação penal.
Porém, a exordial narra conduta prevista no Código Penal, cuja tipifi cação
prescinde de perícia nos produtos apreendidos, pois, conforme as percucientes
razões de decidir da Corte a quo, “a comprovação da tipicidade jurídico-penal da
conduta requer tão-somente prova de: a) venda ou exposição à venda (etc.) de
produto destinado a fi ns terapêuticos ou medicinais; b) que se trate de produto
sem registro na Anvisa, quando exigível.”
No caso, fi scais da Anvisa – técnicos no cumprimento dos seus ofícios –,
identifi caram produtos comercializados no estabelecimento dos Pacientes (loja
de suplementos alimentares) que necessitavam do devido registro na Agência,
nos termos dos arts. 1º e 12, da Lei n. 6.360/1976, e do respectivo regulamento
(arts. 1º e 12, do Decreto n. 79.094/1976).
Ora, prevê o art. 1º da referida Lei, in verbis:
Art. 1º Ficam sujeitos às normas de vigilância sanitária instituídas por esta Lei os
medicamentos, as drogas, os insumos farmacêuticos e correlatos, defi nidos na Lei
número 5.991, de 17 de dezembro de 1973, bem como os produtos de higiene,
os cosméticos, perfumes, saneantes domissanitários, produtos destinados à
correção estética e outros adiante defi nidos. (sem grifos no original).
Já o art. 12, também da Lei n. 6.360/1976, tem a seguinte disciplina acerca
dos registros:
Art. 12. Nenhum dos produtos de que trata esta Lei, inclusive os importados,
poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue ao consumo antes de
registrado no Ministério da Saúde. (sem grifos no original).
O art. 1º da Regulamentação (Decreto n. 79.094/1976) tem o seguinte
teor:
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Art. 1º Os medicamentos, insumos farmacêuticos, drogas, correlatos, cosméticos,
produtos de higiene, perfumes e similares, saneantes domissanitários, produtos
destinados à correção estética e os demais, submetidos ao sistema de vigilância
sanitária, somente poderão ser extraídos, produzidos, fabricados, embalados ou
reembalados, importados, exportados, armazenados, expedidos ou distribuídos,
obedecido ao disposto na Lei n. 6.360, de 23 de setembro de 1976, e neste
Regulamento. (sem grifos no original).
Reproduzo, ainda, o art. 14, do regulamento:
Art. 14. Nenhum dos produtos submetidos ao regime de vigilância sanitária de
que trata este Regulamento, poderá ser industrializado, exposto à venda ou entregue
ao consumo, antes de registrado no órgão de vigilância sanitária competente do
Ministério da Saúde. (sem grifos no original).
Mais. Esta Turma, também em hipótese de cometimento de crime formal,
como o avaliado na hipótese, mas diverso (guarda de moeda falsa), já teve a
oportunidade de afi rmar que a realização de perícia específi ca para saber se a
qualidade da falsifi cação era capaz de enganar o homem comum era prescindível.
Confi ra-se, mutatis mutandis:
Recurso ordinário constitucional em habeas corpus. Processual Penal. Crimes
contra a fé pública. Guarda de moeda falsa (art. 289, § 1º, do Código Penal). Laudos
já fabricados nos autos, nos quais se concluiu que as notas que o recorrente
guardava eram falsas. Pedido de realização de terceira perícia. Desnecessidade
de prova técnica para verificação sobre se a falsificação é ou não capaz de
ludibriar um homem comum. Indeferimento devidamente motivado. Art. 184,
do Código de Processo Penal. Cerceamento de defesa não caracterizado. Recurso
desprovido.
1. Quanto ao sistema de valoração das provas, o legislador brasileiro adotou
o princípio do livre convencimento motivado, segundo o qual o Juiz, extraindo a
sua convicção das provas produzidas legalmente no processo, decide a causa de
acordo com o seu livre convencimento, em decisão devidamente fundamentada.
2. Não ocorre cerceamento de defesa nas hipóteses em que o Juiz reputa
sufi cientes as provas já colhidas durante a instrução. Isso porque o Magistrado
não está obrigado a realizar outras provas com a fi nalidade de melhor esclarecer
a tese defensiva do Réu, quando, dentro do seu livre convencimento motivado,
tenha encontrado elementos probatórios suficientes para a sua convicção.
Precedentes desta Corte.
3. Além de o Magistrado singular ter indeferido fundamentadamente o pedido
da Defesa, ressalta-se o fato de a decisão pela realização de exame pericial
ser discricionária do julgador (na hipótese, uma terceira perícia), devendo ser
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606
considerada a necessidade da prova para a busca da verdade real. Se o Juiz
monocrático não constatou a necessidade da realização de prova pericial, além
daquelas já produzidas nos autos, para a formação de seu convencimento, não
ocorre cerceamento de defesa.
4. Mais, quando as provas requeridas forem desnecessárias ou inconvenientes
ao deslinde da causa, devem ser indeferidas, nos exatos termos do art. 184, do
Código de Processo Penal, in litteris: “[s]alvo o caso de exame de corpo de delito, o
juiz ou a autoridade policial negará a perícia requerida pelas partes, quando não
for necessária ao esclarecimento da verdade”.
5. No caso, tanto no laudo elaborado pelo Instituto de Criminalística do Estado
de São Paulo, quanto no confeccionado pelo Núcleo de Criminalística da Polícia
Federal em São Paulo, concluiu-se que as notas que o Recorrente guardava
eram falsas. Se a falsifi cação é ou não capaz de enganar um homem médio, cabe
apenas ao Juiz da causa verifi car, sendo desnecessária a elaboração de um terceiro
laudo, especialmente porque não se ventilou, nos autos, controvérsia acerca da
competência da Justiça Federal ou Estadual.
6. Recurso desprovido. (RHC n. 26.882-SP, Rel. Min. Laurita Vaz, DJe de
10.10.2011 – sem grifos no original.)
Assim, se os profi ssionais da Anvisa, conhecedores das normas da agência,
e que gozam de fé pública no exercício de suas funções, identifi caram que os
produtos apreendidos no estabelecimento administrado pelos Pacientes não
tinham o necessário registro, mostrar-se-ia ilógico e irracional exigir a perícia,
conforme pretende a defesa, mormente porque no caso não restam dúvidas de
que continham insumos sujeitos à vigilância, previstos na abrangente legislação.
Por fim, mencione-se que em nenhum momento os Impetrantes
afi rmaram, ou demonstraram, que os produtos apreendidos no estabelecimento
dos Pacientes (loja de suplementos alimentares) não estariam sujeitos ao regime
de vigilância sanitária, para o que bastaria a simples demonstração das normas
pertinentes. Desta feita, não ocorre a falta de justa causa para a ação penal,
devendo o juízo de culpabilidade na espécie ser procedido pelas instâncias
ordinárias.
Ante o exposto, denego a ordem de habeas corpus.
É como voto.
VOTO-VISTA
O Sr. Ministro Jorge Mussi: Conforme relatado pela eminente Ministra
Laurita Vaz, a presente impetração se destina ao trancamento da ação penal
Jurisprudência da QUINTA TURMA
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defl agrada em desfavor dos pacientes, sob o fundamento de que a falta de
perícia nos produtos apreendidos no estabelecimento empresarial por eles
gerido denunciaria a carência de justa causa da persecutio criminis in judictio.
Rememora-se que os pacientes foram autuados em fl agrante delito, pois
teriam exposto à venda produtos destinados a fi ns terapêuticos sem o necessário
registro no órgão de vigilância sanitária, conduta que tem a mesma narração
abstrata do tipo penal previsto no artigo 273, § 1º-B, do Código Penal.
No seu voto, a eminente Relatora denega a ordem de habeas corpus,
fundamentando a sua decisão no fato de que o delito pelo qual os pacientes estão
respondendo prescindiria da realização de perícia nos produtos apreendidos
para comprovação da materialidade.
Para melhor análise da questão, pedi vista dos autos.
E compulsando a documentação que acompanha a impetração, fi lio-me à
conclusão da eminente Relatora.
Com efeito, da leitura da denúncia fi ca claro que a imputação atribuída aos
pacientes se limita à comercialização de “produtos com fi nalidade terapêutica sem o
devido registro do órgão de vigilância sanitária competente” (fl . 110), não havendo,
portanto, qualquer questionamento acerca da idoneidade ou veracidade do
conteúdo dos recipientes apreendidos.
As condutas abstratamente descritas no artigo 273 e seus parágrafos,
do Código Penal, visam tutelar, primordialmente, a incolumidade pública, no
que diz respeito à distribuição de produtos destinados a fi ns terapêuticos e
medicinais.
As ações descritas no caput e no § 1º do aludido dispositivo se referem
à idoneidade do objeto material do delito, visando responsabilizar o agente
que, independentemente do fi m visado - geralmente o lucro fácil -, falsifi ca,
corrompe, adultera ou altera qualquer produto destinado a fi m terapêutico ou
medicinal, bem como os importa, vende, expõe à venda, tem em depósito para
vender, distribui ou entrega a consumo.
Nestas hipóteses, afi gura-se imprescindível a realização de perícia no
material eventualmente apreendido, já que é imperiosa a constatação de que tais
produtos se distanciam da fórmula original devidamente registrada pelos órgãos
estatais de controle, tratando-se a única forma apta a comprovar a materialidade
do delito.
Entretanto, o objeto material da conduta abstratamente prevista no § 1º-B
do aludido dispositivo legal é diverso daqueles inseridos no caput e no § 1º, já
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que cuida apenas dos produtos destinados a fi ns terapêuticos ou medicinais
sem registro no órgão de vigilância sanitária competente. Não se trata, aqui, de
falsifi cação ou alteração da composição original do produto medicamentoso,
mas da falta de uma etapa burocrática necessária para a internalização e
disponibilização ao mercado consumidor de determinado produto voltado para
fi ns terapêuticos ou medicinais.
Na verdade, a idoneidade do produto de alcançar o fi m medicinal ou
terapêutico a que se propõe é justamente verifi cada pelos órgãos de vigilância
sanitária, sem a qual não se permite a comercialização no território nacional,
garantindo-se a incolumidade da saúde pública, indiscutivelmente posta em
risco com a comercialização de substâncias que não são testadas e aprovadas
pelos órgãos estatais de controle.
E conforme concluiu a eminente Relatora, nestes casos, a comprovação
de que determinado produto não tem o necessário registro do órgão sanitário
competente prescinde de qualquer perícia no seu conteúdo - cuja idoneidade
não se discute -, sendo bastante a certidão da autoridade fi scalizadora, como
ocorre na hipótese, que é dotada de fé pública e presunção juris tantum, passível
de prova em sentido contrário a cargo da defesa.
Com estas considerações, acompanho o voto da Ministra Relatora para
denegar a ordem de habeas corpus.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 185.900-SP (2010/0175000-1)
Relator: Ministro Gilson Dipp
Impetrante: Roberto Podval e outros
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 3a Região
Paciente: Kiavash Joorabchian
Paciente: Nojan Bedroud
EMENTA
Criminal. Habeas corpus. Lavagem de dinheiro. Formação de
quadrilha. Ação penal. Trancamento. Falta de justa causa. Peça acusatória
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que satisfaz os requisitos do art. 41 do CPP. Existência de indícios
de autoria e prova da materialidade dos crimes. Maiores incursões
que demandariam o revolvimento do conjunto fático-probatório.
Interceptação telefônica. Deferimento da medida e prorrogações
devidamente fundamentadas. Legalidade indispensabilidade da
medida demonstrada. Nulidade. Ausência de auto circunstanciado.
Elemento secundário. Prejuízo não demonstrado. Quebra de sigilo
de terceiros. Questão não apreciada pelo Tribunal a quo. Supressão de
instância. Ordem denegada.
I. O trancamento de ação penal por meio de habeas corpus é
medida de índole excepcional, somente admitida nas hipóteses em
que se denote, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de
elementos indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do
delito ou, ainda, a presença de alguma causa excludente de punibilidade.
II. Não há falar em falta de justa causa se denúncia satisfaz todos
os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, possibilitando
o exercício do contraditório e da ampla defesa, descrevendo, de forma
sufi ciente ao início da persecução penal, como a conduta do paciente
possa ter infl uído para a prática dos crimes em questão.
III. Análise mais aprofundada do tema que demandaria
detido exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao
processo de conhecimento, inviável em sede de habeas corpus, remédio
jurídico-processual, de índole constitucional, o qual tem como escopo
resguardar a liberdade de locomoção contra ilegalidade ou abuso de
poder, marcado por cognição sumária e rito célere.
IV. Hipótese em que as decisões de deferimento de interceptação
telefônica e de prorrogação da medida encontram-se adequadamente
fundamentadas, pois proferidas em acolhimento às postulações da
autoridade policial e do Ministério Público, diante da manifesta
necessidade para a continuidade das investigações em curso voltadas
para a apuração da prática do delito “lavagem” de dinheiro.
V. Desde que devidamente fundamentada, a interceptação poderá
ser renovada por indefi nidos prazos de quinze dias. Precedentes.
VI. Razoabilidade das sucessivas prorrogações que se evidencia,
no presente caso, pela complexidade da investigação, a qual possui
elevado número de pessoas investigadas, bem como envolve
organização internacional de grande porte, tida como criminosa.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
610
VII. Jurisprudência consolidada no sentido de que a averiguação
da indispensabilidade da medida como meio de prova não pode ser
apreciada na via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação
probatória que se faria necessária.
VIII. O auto circunstanciado não é elemento essencial para a
validade da prova, tratando-se de documento secundário, incapaz de
macular a interceptação telefônica.
IX. Evidenciado que as partes tiveram acesso aos dados coletados
nas interceptações telefônicas, sendo oportunizado o contraditório e
ampla defesa, não há se falar em nulidade na presente hipótese, pois a
defesa não logrou demonstrar a ocorrência de prejuízos aos pacientes.
X. Argumento acerca da falta de razoabilidade e pertinência
no tocante a quebra de sigilo telefônico de todas as pessoas que
mantiveram contato telefônico com os investigados, sem haver suspeita
defi nida, que não foi objeto de debate e decisão na instância ordinária,
razão pela qual esta Corte fi ca impedida de apreciar a matéria, sob
pena de indevida supressão de instância. Precedentes.
XI. A discussão da legalidade das interceptações telefônicas
realizadas demanda profundo revolvimento do lastro probatório,
inviável em sede de habeas corpus. Precedentes.
XI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça.
“Prosseguindo no julgamento, a Turma, por maioria, denegou a ordem.” Os Srs.
Ministros Laurita Vaz, Jorge Mussi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr.
Ministro Relator.
Votou vencido o Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador
convocado do TJ-RJ), que concedia a ordem.
Sustentou oralmente na sessão de 19.6.2012: Dr. Roberto Podval (p/
pacte).
Brasília (DF), 7 de agosto de 2012 (data do julgamento).
Ministro Gilson Dipp, Relator
DJe 21.9.2012
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 611
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilson Dipp: Trata-se de habeas corpus substitutivo de
recurso ordinário, impetrado em favor de Kiavash Joorabchian e Nojan Bedroud,
contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que denegou o Writ
n. 2008.03.00.001051-8.
Os pacientes foram denunciados pela prática dos crimes descritos nos arts.
1º, V e VIII, da Lei n. 9.613/1998 e 288 do Código Penal.
Recebida a denúncia, a defesa impetrou habeas corpus na origem, o qual
teve a ordem denegada pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, por acórdão assim ementado:
Penal: habeas corpus: denúncia lastreada em razoável suporte probatório.
Indícios de autoria e materialidade. Justa causa para a persecução penal.
Interceptação telefônica. Legalidade. Lei n. 9.296/1996. Prorrogações.
Indispensabilidade. Acesso aos dados assegurados às partes. Licitude da prova.
I - A denúncia não está lastreada unicamente no procedimento de
interceptação telefônica. Colhe-se dos autos que a investigação, com o
envolvimento do Ministério Público acerca dos fatos em comento, teve seu início
com a solicitação de providências formulada pelo então Deputado Estadual
do Estado de São Paulo Romeu Tuma, dirigido ao Procurador Geral de Justiça
paulista César Rebello Pinho, em 18 de janeiro de 2005, informando possíveis
irregularidades entre a parceria fi rmada pelo MSI e “Sport Club Corinthians”.
Neste documento, constam informações a respeito das investigações
realizadas pela Interpol e pelas autoridades britânicas, que davam conta, em
apertada síntese, do envolvimento de Kia Joorabchian, ora paciente e do corréu
Boris Berezovsky, com supostos delitos de lavagem de dinheiro no exterior.
Antecederam também investigações confi denciais encetadas pela Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), datadas de agosto de 2004, que igualmente
apontam o possível envolvimento de empresários do leste europeu, pela suposta
prática de lavagem de capitais, na compra de times de futebol no Brasil (cópia do
relatório acostada aos autos).
Há, ainda, um relatório de investigação do Gaeco (Grupo de Atuação
Especial de Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de São
Paulo declinando, com detalhes, os indícios existentes do crime de lavagem
internacional de dinheiro envolvendo a mencionada parceria.
Consta também que a conduta do paciente e demais envolvidos é objeto de
investigação criminal pela Confederação Suíça.
II - A denúncia apresentada contra os pacientes e demais acusados também
está lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado no âmbito
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
612
do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, do
Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu razoável
suporte probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva e fortes
indícios de autoria, como já restou assentado por esta Egrégia Corte, quando do
julgamento do HC n. 2007.03.00.091728-3.
III - O monitoramento telefônico teve início em 30.9.2005, portanto, em
momento signifi cativamente posterior ao início das investigações.
A corroborar o expendido, a denúncia descreve os fatos e noticia que a
ocultação ou dissimulação de bens, dinheiros e valores tiveram gênese em crimes
contra a Administração Pública, bem como em delitos praticados por organização
criminosa, estando lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado
no âmbito do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado -
Gaeco, do Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu
razoável suporte probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva
e fortes indícios de autoria.
IV - À época do decreto da primeira interceptação telefônica (30.9.2005) já
pendiam indícios fi rmes de autoria e materialidade envolvendo as pessoas dos
pacientes e alguns dos corréus, corroborados seriamente por investigações
anteriores, internacionais e nacionais.
V - As quebras foram autorizadas por autoridade legalmente constituída,
procedidas de maneira sigilosa e de acordo com o que determina a lei de regência,
dada a natureza dos fatos trazidos ao seu conhecimento e a presença de indícios
confi rmados por mais de uma fonte.
VI - A lei prevê o limite temporal de quinze dias para a interceptação telefônica,
renovável por igual período.
VII - Sobre a possibilidade de prorrogações da quebra do sigilo telefônico,
prevalece o entendimento de que o prazo legal de 15 (quinze) dias pode ser
renovado por igual período, sem restrição quanto à quantidade de prorrogações
que podem se efetivar, desde que demonstrada a necessidade de tais diligências
para as investigações.
VIII - No caso presente foram sucessivas quebras, prorrogações e suspensões
da quebra de sigilo telefônico ao longo do tempo. A cada 15 o magistrado
apreciava novamente se era o caso de prorrogação das escutas, sendo certo que,
por diversas vezes, entendeu ser o caso de exclusão de algumas linhas, e inclusão
de outras que entendeu serem imprescindíveis às investigações.
IX - Embora a lei silencie sobre a questão, não existe óbice à renovação da
prorrogação da escuta telefônica em mais de uma oportunidade. Ademais,
referida medida foi indispensável à apuração e repressão das condutas delitivas
investigadas, sendo certo que a decisão que determinou a quebra do sigilo
telefônico nos autos encontra-se fundamentada, assim como as decisões de
prorrogação.
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X - O juízo de valor acerca da importância dos dados coletados com as
degravações cabe tão somente ao juiz da causa, não sendo dado à parte imiscuir-
se e pretender antecipar ou substituir a posição do magistrado na relação jurídica
processual.
XI - As circunstâncias do caso, a quantidade de pessoas envolvidas, a
complexidade da organização tida por criminosa, bem como sua extensão, são de
ordem a justifi car a interceptação telefônica pelo tempo necessário ao completo
esclarecimento dos fatos, devendo seu prazo de duração ser avaliado pelo Juiz
da causa, levando em conta os relatórios apresentados como resultado das
atividades de investigatórias, o que se deu regularmente.
XII - Ainda sob o aspecto da relevância da forma dos atos processuais e
extraprocessuais, a ausência de autos circunstanciados a acompanhar os
relatórios das escutas é formalidade plenamente suprível com o desenrolar da
instrução, precipuamente considerando-se que as partes e seus respectivos
procuradores tiveram acesso aos dados coletados e lhes foram oportunizados
o contraditório e a ampla defesa, conferidos pelo conhecimento do conteúdo
constante dos áudios e degravações juntados os autos, a ponto de realizarem
tempestivamente suas defesas.
XIII - Prejudicada a alegação de ausência de fundamentação do decreto de
prisão preventiva, tendo em vista o julgamento, pelo Colendo Supremo Tribunal
Federal, do HC n. 94.404-SP, de relatoria do Ministro Celso de Mello. (fl s. 7.978-
7.980).
Daí a presente impetração, na qual a defesa alega a falta de justa causa para
a propositura da ação penal, diante da inexistência de indícios de autoria e de
materialidade, uma vez que a exordial estaria fundada apenas em interceptações
telefônicas colhidas ilegalmente.
Sustenta a ilegalidade da interceptação telefônica realizada nos autos,
por ter sido ela autorizada e prorrogada, por diversas vezes, sem a necessária
motivação ou demonstração de sua indispensabilidade, nos termos dos arts. 5º,
inciso XII, 93, inciso IX, da Constituição Federal e 5º da Lei n. 9.296/1996.
Aduz que ocorreu nulidade, de acordo com o disposto no art. 573, §
1º, do Código de Processo Penal, diante da ausência de encaminhamento,
pela autoridade policial, de auto circunstanciado, contendo o resumo
das interceptações realizadas, bem como diante da falta de razoabilidade e
pertinência da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico de todas as
pessoas que mantiveram contato com os investigados, o que teria ensejado o
deferimento de novos monitoramentos, sem a existência de suspeita defi nida.
Pugna, por consequência, pelo reconhecimento da ilicitude da prova obtida
por meio de escuta telefônica, com o trancamento da ação penal, por falta de
justa causa.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
614
Informações às fl s. 7.969 a 7.999.
A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem
às fl s. 8.004-8.017.
É o relatório.
Em mesa para julgamento.
VOTO
O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Trata-se de habeas corpus
substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor de Kiavash Joorabchian e
Nojan Bedroud, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que
denegou o Writ n. 2008.03.00.001051-8.
Os pacientes foram denunciados pela prática dos crimes descritos nos arts.
1º, V e VIII, da Lei n. 9.613/1998 e 288 do Código Penal.
Recebida a denúncia, a defesa impetrou habeas corpus na origem, o qual
teve a ordem denegada pela Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 3ª
Região, nos termos do acórdão de fl s. 7.978 a 7.980.
Daí a presente impetração, na qual a defesa alega a falta de justa causa para
a propositura da ação penal, diante da inexistência de indícios de autoria e de
materialidade, uma vez que a denúncia estaria fundada apenas em interceptações
telefônicas colhidas ilegalmente.
Sustenta a ilegalidade da interceptação telefônica realizada nos autos,
por ter sido ela autorizada e prorrogada, por diversas vezes, sem a necessária
motivação ou demonstração de sua indispensabilidade, nos termos dos arts. 5º,
inciso XII, 93, inciso IX, da Constituição Federal e 5º da Lei n. 9.296/1996.
Aduz que ocorreu nulidade, de acordo com o disposto no art. 573, §
1º, do Código de Processo Penal, diante da ausência de encaminhamento,
pela autoridade policial, de auto circunstanciado, contendo o resumo
das interceptações realizadas, bem como diante da falta de razoabilidade e
pertinência da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico de todas as
pessoas que mantiveram contato com os investigados, o que teria ensejado o
deferimento de novos monitoramentos, sem a existência de suspeita defi nida.
Pugna, por consequência, pelo reconhecimento da ilicitude da prova obtida
por meio de escuta telefônica, com o trancamento da ação penal, por falta de
justa causa.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 615
Passo à análise da irresignação.
Inicialmente, examino as alegações trazidas em sede de memorial, ressaltando
que as mesmas, se não inovam totalmente no argumento inicialmente apresentado, são
demonstradas com abordagem diversa daquela delineada na inicial do writ.
Em primeiro lugar, verifi ca-se do acórdão impugnado e conforme as informações
prestadas à fl . 7974, que o Tribunal a quo “deixou assentado o entendimento de
que a denúncia não está lastreada unicamente no procedimento de interceptação
telefônica, como sustentam os impetrantes”. Assim, descabe discutir nesta
oportunidade a alegação de que as escutas teriam sido deferidas com base em relatório
da Abin obtido de forma ilegal por Conselheiro do Sport Club Corinthians, porquanto
este argumento não foi objeto de análise e deliberação pelo Tribunal a quo.
No tocante ao fato de o pedido ter sido deferido de plano por magistrado
posteriormente afastado do caso por suspeição, tem-se, às fl s. 6.112-6.121, que a
primeira quebra de sigilo foi deferida pelo Juiz Marcio Millani e não pelo Dr. Fausto
de Sanctis, apontado no memorial. Porém, da mesma forma, este argumento não foi
analisado pelo acórdão impugnado, pela ótica que se visa aqui imprimir.
Por fi m, igualmente não se encontra espaço para discussão da alegação de que
as prorrogações teriam sido desfundamentadas, eis que desde o primeiro relatório da
autoridade policial a medida teria se mostrado infrutífera. Isso porque se verifi ca, às
fl s. 6.199-6.200 que, em princípio, a diligência não teria surtido a efi cácia necessária
porque os números inicialmente indicados não estariam sendo utilizados e, não, em
razão da suposta desnecessidade da investigação. Esta alegação, outrossim, também
não foi analisada pelo acórdão ora impugnado, pelo prisma agora demonstrado nos
memoriais.
Assim considerado, passo à análise dos argumentos apresentados na petição
inicial deste habeas corpus.
O Parquet estadual, no bojo da denúncia ofertada em face do paciente,
asseverou (fl s. 44-63 e-STJ):
(...)
“De acordo com documentos recebidos do Procuradoria Geral da Federação
da Rússia, devidamente trazidos por tradutores públicos, por fatos ocorridos no
mesmo período, Berezovski responde, naquele país, a três investigações policiais:
a) Em abril de 1993, o governo da Federação Russa criou a Aerofl ot - Linhas
Aéreas Internacionais Russas, com 51 % (cinqüenta e um por cento) das ações
pertencentes ao Estado. Menos de um ano depois, Boris Berezovsky e Nikolai
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
616
Gluchkov constituíram, na Confederação Suíça, a empresa Andava. A Andava, por
seu turno, criou a Corporação Financeira Unida FOK, tendo sido designado Cheinin
como seu diretor geral. Utilizando-se de sua infl uência, Berezovsky conseguiu que
Gluchkov e Krasnenker fossem designados, respectivamente, como vice-diretor
geral e vice-diretor geral para comércio e propaganda da Aerafl ot. Berezovsky,
Gluchkov e Krasnenker, em comum acordo com Kryzhevskaya, contadora-chefe
da Aerofl ot, e sob o pretexto de manutenção de recursos no Exterior, desviaram
para a Conta Corrente Corrente n. 423.237, mantida pela Andava junto ao UBS,
em Lausane, na Confederação Suíça, recursos da Aerafl ot correspondentes a cerca
de duzentos e cinqüenta e dois milhões de dólares. Da conta corrente da Andava,
tais recursos foram transferidos para contas pessoais de Gluchkov, Krasnenker,
Kryzhevskaya e Cheinin e para a Conta Corrente n. 90-254.646.1 no UBS, de
titularidade da empresa Ruko Trading, cujo proprietário é Boris Berezovsky.
Para garantir que os recursos não pudessem ser reclamados pela Aerofl ot, os
nominados forjaram contratos e títulos com Corporação FOK, associando, de
maneira dissimulada, ao capital desviado, juros e multas contratuais.
Conforme tradução pública da sentença juntada aos autos, Gluchkov,
Kryzhevskaya e Cheinin responderam a processo criminal e foram condenados como
incursos no artigo 159, parte 3 (b) do Código Penal da Federação Russa. A conduta
praticada amolda-se ao peculato, conforme previsto no art. 312 do Código Penal
Brasileiro.
Também por esses fatos, Boris está sendo investigado pelo delito estampado no
art. 174 parte 3 do Código Penal da Federação Russa, correspondente, em nossa
legislação penal, à lavagem de capitais praticada por organização criminosa. Boris
Berezovsky fugiu antes do início do processo e, pelas leis processuais vigentes à época,
não poderia ser processado à revelia.
A atuação de Boris Berezovsky, bem como dos demais envolvidos, é objeto de
investigação criminal na Confederação Suíça.
b) Entre 1994 e 1995, Boris Berezovsky teria comandado um grupo organizado
do qual participaram Patarkatsichvili e Dubov. Berezovsky, presidente do
Conselho de Diretores da Logovaz, empresa que comercializava automóveis
e detentor de 7,7% (sete inteiros e sete décimos por cento) do capital inicial
da sociedade, obteve 2.322 (dois mil, trezentos e vinte e dois) automóveis em
consignação da empresa fabricante Autovaz. Vendidos os automóveis, os recursos
correspondentes não foram pagos ao fabricante mas desviados em proveito
dos acima nominados, visando-se diversas fi nalidades, entre elas o pagamento
de ações da ORT - Televisão Russa Social, adquiridas por Boris Berezovsky,
assegurando-se sua eleição como primeiro vice-presidente do Conselho de
Diretores e o controle do primeiro canal de televisão da Federação Russa. Ademais,
em assembléia do Conselho de Diretores obteve a nomeação de Patarkatsichvili
como primeiro vice-diretor geral de comércio e fi nanças da ORT. Os recursos
desviados também foram utilizados, conforme extensa relação contida nos
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 617
documentos oriundos da Procuradoria Geral da Federação Russa, para a compra
da Editora Ogoniok e aquisição de imóveis junto à empresa Soiuz International,
entre eles um chalé para a fi lha de Boris Berezovsky, Elena Berezovskaia.
Visando-se ocultar os valores desviados, Boris Berezovsky fez com que
a Logováz assumisse de maneira dissimulada, através da entrega fictícia de
títulos, os débitos fi scais que a Autovaz possuía junto ao distrito de Samara. Tal
compensação de créditos nunca ocorreu de fato.
Por conta de tais fatos, Boris Berezovsky também responde, nesse caso, a
investigação por infração ao artigo 159, parte 3 (b0 do Código Penal da Federação
Russa (antigo art. 147 do mesmo diploma legal), correspondente ao delito de
peculato previsto no art. 312 do Código Penal Brasileiro.
c) Em 1994, Boris Berezovsky, diretor geral da ABBA – Aliança Automobilística
de Toda a Rússia, amparado no Decreto Presidencial n. 2.286, de 26 de dezembro
de 1993 sobre medidas de auxílio à sociedade de ações ABBA, e sob o pretexto
de necessidade de um local para a promoção de encontros com delegações
nacionais e internacionais de alto nível, obteve a posse de uma propriedade rural
na região de Krasnogorski. Ato contínuo, Berezovsky, presidente do Conselho de
Diretores da Logovaz, empresa que comercializava automóveis e seu acionista,
fomentou a eleição de Dubov como diretor geral da sociedade e instigou-o a
comprar a casa de campo n. 2 situada na referida propriedade, transferindo-a para
os ativos da Logovaz. Em seguida, o referido imóvel foi vendido pela Logovaz à
fi lha de Boris Berezovsky, Elena Berezovskaia.
Por conta de tais fatos, Boris Berezovsky também responde, nesse caso, a
investigação por infração ao artigo 159, parte 4 do Código Penal da Federação
Russa, correspondente a peculato praticado por organização criminosa e em valores
elevados.
Considerando-se as investigações criminais supracitadas, foi determinada, pela
Federação da Rússia, a prisão de Boris Berezoysky em cada um dos procedimentos
criminais correspondentes.
Finalmente, na França, segundo documentos de fl s. 3-5 dos autos referentes ao
pedido de cooperação judicial com aquele país, Boris Berezovsky é investigado por
lavagem de capitais e utilização de documentos falsos, entre outros delitos, em
virtude da aquisição, em dezembro de 1996, do Castelo de Garoupe por 55 milhões
de francos. Em julho de 1997, também foi adquirido o Campanário de Garoupe por 90
milhões de francos, bem como móveis para o castelo num montante de 24 milhões de
francos” (fl s. 148-151).
(...)
3. Renato Duprat Filho e Kia Joorabchian: os intermediários de Boris BerezovsKy
(...)
3.2 Kia Joorabchian, nascido no Irã, que também responde por Kia Kiavash e
Kiavash Joorabchian, e apresenta nacionalidades britânica e canandense e duas
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
618
datas de nascimento, a saber, 14.7.1971 e 25.7.1971, era desconhecido no mundo dos
negócios até junho de 1999, juntamente com outro iraniano chamado Reza Irani-
Kermani, ambos à frente de um também desconhecido fundo de investimentos recém
constituído e sediado nas Ilhas Virgens Britânicas, o American Capital LLC, e sem
falarem uma palavra em russo, adquiriram de Vladimir Yakovlev, fundador e sócio
majoritário da empresa, 85% (oitenta e cinco por cento) do kommersant Publishing
House, famoso grupo editorial russo responsável pela publicação de um jornal diário
e duas revistas especializadas, respectivamente, em política e fi nanças.
Na mesma época, 15% (quinze por cento) das quotas pertencentes ao então
diretor geral do grupo Lonid Miloslavsky foram adquiridos por Boris Berezovsky que já
havia, algum tempo antes, manifestado interesse na aquisição da empresa.
Algum tempo depois, Boris Berezovsky “comprou”as quotas de seu testa-de-ferro
Kia Joorabchian, e tornou-se o único controlador do grupo, tendo-o vendido em 2006
a seu amigo, o também milionário Badri Patartsishvili.
4. A primeira viagem a Londres e o verdadeiro proprietário da MSI
(...)
Embora à época (fls. 98-103 do apenso VII), Alberto Dualib tivesse afirmado
desconhecer que Berezovsky era investidor da MSI, quando ouvido às fls. 60-64,
retratou-se e declarou que Berezovsky Badri e Pinni Zahavi eram os principais
investidores da parceria MSI-SCCP.
Conforme relatórios do monitoramento telefônico conduzido pela Polícia Federal,
os investigados, em diversas oportunidades fi zeram referências a Boris Berezovsky
como o homem que detinha o poder de decisão, sendo constantemente alvo de
cobranças e consultas (fl s. 1.129, 1.223, 1.268, 1.304, 1.307, 1.309, 1.310, 1.311, 1.370,
1.371, 1.487, 1.488, 1.544 dos autos da interceptação telefônica). Nesse aspecto,
há menção a contatos supostamente mantidos junto a vários integrantes do alto
escalão do governo federal.
(...)
Os iranianos Kia Joorabchian e Nojan Bedroud apresentavam-se, então, em
referida alteração contratual, como diretor presidente e diretor sem designação,
respectivamente, da MSI Licenciamentos e Administração Ltda.
(...)
7. O ingresso de valores
Entre dezembro de 2004 e abril de 2007, a MSI Licenciamentos e Administração
Ltda. recebeu da Devetia Limited e, em alguns casos, da Altus Investment
Management Limited, conforme informações do Banco Central do Brasil e Banco
Bradesco S.A., US$ 32.541.940,00 (trinta e dois milhões, quinhentos e quarenta e
um mil, novecentos e quarenta dólares) a título de investimentos diretos no País,
empréstimos ou pagamentos de passes de atletas profi ssionais. A relação completa
desses ingressos pode ser vista na tabela abaixo.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 619
(...)
Os contratos de câmbio, registros de empréstimos estrangeiros e investimentos
externos diretos e contratos de câmbio relativos a MSI foram assinados por Kia
Joorabchian, Nojan Bedroud, Paulo Sérgio e Alexandre Verri (volumes 6, 7 e 8 da
documentação enviada pelo Banco Bradesco S.A.).
Os recursos recebidos do Exterior a título de investimento direto no País
foram creditados, via de regra, na Conta Corrente n. 303.247-7, aberta pela MSI
Licenciamentos e Administração Ltda. junto ao banco Bradesco S.A. e posteriormente
parte deles foi transferida para a Conta Corrente n. 209.000-7, de titularidade do
SCCP junto à mesma instituição fi nanceira, conforme documentação acostada aos
apensos formados pela documentação encaminhada pelo banco.
Por conta da parceria com a MSI, o SCCP também recebeu, em 29.12.2004 (vide
tabela acima), US$ 1.999.965,00 (um milhão, novecentos e noventa e nove mil
Novecentos e sessenta e cinco dólares) a título de empréstimo. Esses recursos teriam
como origem uma pessoa chamada Zaza Toid, natural da República da Geórgia.
Segundo Kia Joorabchian (fls. 482-488 do apenso III). Zaza estaria transferindo
diretamente ao SCCP, recursos correspondentes a um empréstimo contraído em
ocasião anterior com a Devetia Limited. Como se tratou da primeira remessa após
a celebração do contrato de parceria, os denunciados provavelmente cometeram,
devido à pressa com que desejavam os recursos, uma falha operacional, revelando
algo que não desejavam.
Também é de se observar que, após 5 de maio de 2006, data em que Boris
Berezovsky foi detido e interrogado no Brasil, apenas US$ 3.950.000,00 (três milhões,
novecentos e cinqüenta mil dólares) ingressaram no País por conta da parceria MSI-
SCCP, ou seja, cerca de 12% (doze por cento) do total que ingressou no País desde a
assinatura do contrato. Nos dezoito meses anteriores, o valor transferido do Exterior
foi de mais de vinte e oito milhões de dólares, o que parece revelar o receio de Boris
Berezovsky com o futuro de seus investimentos.
É de se observar, fi nalmente, que jogadores como Carlos Tevez (adquirido,
conforme contrato acostado às fl s. 920 do apenso correspondente, por vinte
milhões e seiscentos mil dólares) e Javier Mascherano (adquirido, conforme
contrato acostado às fls. 931 do apenso correspondente, por oito milhões,
quinhentos e quarenta e um mil euros), não foram pagos com os valores que
ingressaram em território nacional, mas diretamente no Exterior em datas, valores
e contas não revelados (nossos os grifos).
Como cediço, o trancamento de ação penal por meio de habeas corpus
é medida de índole excepcional, somente admitida nas hipóteses em que
se denote, de plano, a ausência de justa causa, a inexistência de elementos
indiciários demonstrativos da autoria e da materialidade do delito ou, ainda, a
presença de alguma causa excludente de punibilidade.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
620
Tais hipóteses, contudo, não são vislumbradas nos autos, não havendo que
se falar em ausência de justa causa para a persecução penal.
Inicialmente, no tocante à alegação de falta de justa causa em razão
de a denúncia estar fundamentada apenas no monitoramento telefônico, ao
que se tem dos autos, verifi ca-se que a denúncia não se embasou apenas nas
interceptações telefônicas, mas, principalmente, em investigação iniciada em
razão da solicitação de providências formulada por Deputado Estadual do
Estado de São Paulo, dirigido ao Procurador Geral de Justiça do Estado de
São Paulo, na qual foram apontadas possíveis irregularidades entre a parceria
fi rmada pelo MSI e Sport Club Corinthians Paulista.
Tal solicitação foi embasada em investigações realizadas pela Interpol e
pelas autoridades britânicas, que apuravam o envolvimento de Kia Joorabchian,
ora paciente e do corréu Boris Berezovsky, com a suposta prática de crimes de
lavagem de dinheiro no exterior.
Destaque-se que, anteriormente às interceptações telefônicas, foram
realizadas investigações pela Agência Brasileira de Inteligência - Abin e pelo
Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, nas
quais foram colhidos indícios da suposta associação dos pacientes para a prática
do delito de lavagem de capitais.
Cumpre ressaltar, por oportuno, que a utilização das investigações
advindas da Interpol é plenamente válida, por força do art. 782 do Código de
Processo Penal, considerando-se que tal organismo tem o objetivo de promover
a cooperação policial entre os países membros, tendo o Brasil aderido ao
sistema em 6.10.1986 e, ainda, que a Polícia Federal – a quem foi entregue tal
investigação, é a autoridade nacional encarregada pelo Ministério da Justiça de
centralizar tais informações.
Ademais, ao contrário do alegado pelo impetrante, a inicial do Parquet
aponta, de forma sufi ciente para o início da persecução penal, como a conduta
dos pacientes, teria infl uído na suposta ocultação da origem e da propriedade
dos valores que ingressaram no país, que, em tese, seriam provenientes de crimes
praticados por organização criminosa e contra a Administração Pública de
outros países.
Por outro lado, a questão acerca da origem dos indícios contra o paciente –
investigação destinada a apurar a conduta dos ora pacientes a respeito da parceria
fi rmada pelo MSI e Sport Club Corinthians Paulista – encontra-se equacionada
pelo acórdão recorrido, conforme se depreende do seguinte trecho (fl s. 7.978 a
7.980 do e-STJ), o seguinte:
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 621
De início, anoto que a denúncia não está lastreada unicamente no procedimento
de interceptação telefônica.
Nesse sentido, colho dos autos que a investigação, com o envolvimento do
Ministério Público acerca dos fatos em comento, teve seu início com a solicitação
de providências formulada pelo então Deputado Estadual do Estado de São Paulo
Romeu Tuma, dirigido ao Procurador Geral de Justiça paulista César Rebello Pinho,
em 18 de janeiro de 2005 (fl s. 1.876-1.879), informando possíveis irregularidades
entre a parceria fi rmada pelo MSI e “Sport Club Corinthians”.
Neste documento, constam informações a respeito das investigações realizadas
pela Interpol e pelas autoridades britânicas, que davam conta, em apertada síntese,
do envolvimento de Kia Joorabchian, ora paciente e do corréu Boris Berezovsky, com
supostos delitos de lavagem de dinheiro no exterior.
Antecederam também investigações confidenciais encetadas pela Agência
Brasileira de Inteligência (Abin), datadas de agosto de 2004 (fl s. 1.881-1.885), que
igualmente apontam o possível envolvimento de empresários do leste europeu, pela
suposta prática de lavagem de capitais, na compra de times de futebol no Brasil
(cópia do relatório acostada aos autos).
Há, ainda, um relatório de investigação do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de
Repressão ao Crime Organizado) do Ministério Público de São Paulo (fl s. 2.079-2.093)
declinando, com detalhes, os indícios existentes do crime de lavagem internacional
de dinheiro envolvendo a mencionada parceria.
Há mais. Consta também que a conduta do paciente e demais envolvidos é objeto
de investigação criminal pela Confederação Suíça.
Portanto, a denúncia apresentada contra os pacientes e demais acusados
também está lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado no
âmbito do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, do
Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu razoável suporte
probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva e fortes indícios de
autoria, como já restou assentado por esta Egrégia Corte, quando do julgamento
do HC n. 2007.03.00.091728-3, de minha relatoria, impetrado em favor de Kiavash
Joorabchian, assim ementado:
(...)
Importante dizer, ainda, que o monitoramento telefônico teve início em 30.9.2005,
portanto, em momento signifi cativamente posterior ao início das investigações.
A corroborar o expendido, a denúncia descreve os fatos e noticia que a
ocultação ou dissimulação de bens, dinheiros e valores tiveram gênese em crimes
contra a Administração Pública, bem como em delitos praticados por organização
criminosa, estando lastreada em procedimento administrativo criminal instaurado
no âmbito do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado -
Gaeco, do Ministério Público Estadual, e em inquérito policial, onde se coligiu
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
622
razoável suporte probatório, dando conta da existência da materialidade delitiva
e fortes indícios de autoria.
De ver-se, pois, nesta rápida digressão, que à época do decreto da primeira
interceptação telefônica (30.9.2005) já pendiam indícios firmes de autoria
e materialidade envolvendo as pessoas dos pacientes e alguns dos corréus,
corroborados seriamente por investigações anteriores, internacionais e nacionais.
(nossos os grifos).
Enfi m, in casu, com efeito, verifi ca-se, em princípio, a existência de vínculo
entre os denunciados e a empreitada criminosa a eles imputada.
Ademais, a análise mais aprofundada do tema demandaria aprofundado
exame do conjunto fático-probatório dos autos, peculiar ao processo de
conhecimento, inviável em sede de habeas corpus, remédio jurídico-processual,
de índole constitucional, que tem como escopo resguardar a liberdade de
locomoção contra ilegalidade ou abuso de poder, marcado por cognição sumária
e rito célere.
Nesse sentido, trago à colação os seguintes julgados desta Corte:
Habeas corpus. Denúncia. Alegação de inépcia da denúncia. Improcedência.
Dano qualifi cado, resistência, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, crime contra
a ordem econômica, adulteração de combustível, falsidade ideológica e formação
de quadrilha. Justa causa.
1. O pedido de revogação da prisão preventiva encontra-se prejudicado em
razão da notícia de que o Tribunal de origem revogou a custódia do paciente por
ocasião de julgamento de pedido de extensão em habeas corpus.
2. O pleito de trancamento da ação está, em parte, prejudicado, visto que esta
Corte concedeu a ordem, em outro writ, para trancar a ação penal relativamente
ao crime tipifi cado no art. 1º, II, da Lei n. 8.137/1990.
3. A peça vestibular preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo
Penal, descrevendo, com todas as suas circunstâncias, crimes de dano qualifi cado,
resistência, corrupção ativa, lavagem de dinheiro, contra a ordem econômica,
adulteração de combustível, falsidade ideológica e formação de quadrilha.
4. Segundo a denúncia, o paciente lideraria grupo criminoso voltado à
perpetração de diversas fraudes na comercialização de álcool combustível no
Estado de Pernambuco. A principal atividade da organização criminosa seria a de
conferir clandestinidade ao fornecimento de álcool, mediante a venda irregular e
direita ao consumidor fi nal, sem recolhimento de tributos ou mesmo controle de
qualidade pelas distribuidoras, com prejuízo à concorrência de mercado.
5. A peça de acusação preenche os requisitos do art. 41 do Código de Processo
Penal, descrevendo, com todas as suas circunstâncias, as infrações penais, revelando-
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 623
se sufi ciente ao exercício da ampla defesa, não se olvidando que o réu se defende de
fatos e eventual erro na capitulação delitiva pode ser sanado na sentença.
6. Segundo a iterativa jurisprudência desta Corte, o trancamento da ação
penal por falta de justa causa, pela via do habeas corpus, é medida excepcional,
só admissível quando despontada dos autos, de forma inequívoca, a ausência de
indícios de autoria ou materialidade delitiva, a atipicidade da conduta ou a extinção
da punibilidade, o que não se vislumbra na espécie.
7. Habeas corpus em parte prejudicado e, na outra extensão, denegado. (HC
n. 60.725-PE, Rel. Min. Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 6.10.2011, DJe
19.10.2011 - nossos os grifos).
Habeas corpus. Penal. Processual Penal. Crimes de evasão de divisas, lavagem
de dinheiro, formação e falsidade ideológica. Alegação de inépcia da denúncia.
Falta de justa causa. Suposta atipicidade do fato que não se verifi ca prontamente.
Trancamento da ação penal.
Impossibilidade. Necessidade de análise do conjunto fático-probatório ordem
denegada.
1. Tendo a denúncia sido formulada em obediência aos requisitos traçados no
art. 41 do Código de Processo Penal, descrevendo perfeitamente os fatos típicos
denunciados, crimes em tese, com todas as suas circunstâncias, atribuindo-os aos
pacientes, terminando por classifi cá-los, ao indicar os tipos legais supostamente
infringidos, não se pode tachá-la de inepta.
2. Há indícios nos autos que revelam a possibilidade de confi guração de conduta
criminosa, razão pela qual a ação penal deverá ter sua tramitação regular, a fi m de se
apurar o cometimento ou não dos crimes descritos na substanciosa denúncia. Não se
mostra possível, desta feita, a extinção anômala do processo-crime.
3. Ademais, não procede a alegação de falta de justa causa, na medida me que
a denúncia demonstrou a existência de indícios aptos à defl agração da ação penal,
não sendo possível, na via eleita, a análise profunda das provas para se chegar a
conclusão diversa.
4. Ordem denegada. (HC n. 170.416-RJ, Rel. Min. Honildo Amaral de Mello
Castro (Desembargador convocado do TJ-AP), Quinta Turma, julgado em 2.9.2010,
DJe 20.9.2010 - nossos os grifos).
A culpabilidade do paciente, de fato, deverá ser devidamente aferida
durante a instrução da ação penal, momento em que caberá à defesa insurgir-se,
com os meios de prova que considerar pertinentes, contra o fato descrito na peça
acusatória.
Por outro lado, no tocante à alegação de ilegalidade das interceptações
telefônicas realizadas nos autos, os artigos 3º e 4º da Lei n. 9.296/1996 assim
dispõem:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
624
Art. 3º A interceptação das comunicações telefônicas poderá ser determinada
pelo juiz, de ofício ou a requerimento:
I - da autoridade policial, na investigação criminal;
II - do representante do Ministério Público, na investigação criminal e na
instrução processual penal.
Art. 4º O pedido de interceptação de comunicação telefônica conterá a
demonstração de que a sua realização é necessária à apuração de infração penal,
com indicação dos meios a serem empregados.
Com base nesses dispositivos, vislumbra-se que a realização de
interceptação telefônica exige indícios de autoria ou participação e a existência
de fato defi nido como crime - punido com pena de reclusão (art. 2º) -, que
careça de apuração e prova. Vicente Greco Filho, em sua obra Interceptação
Telefônica – Considerações sobre a Lei n. 9.296, de 24 de julho de 1996, com
efeito, assinala que a “mera suspeita ou fatos indeterminados não autorizam a
interceptação”. Ressalta o doutrinador que “a providência pode ser determinada
para a investigação criminal (até antes, portanto, de formalmente instaurado o
inquérito) e para a instrução criminal, depois de instaurada a ação penal”.
Isto porque a lei prevê a interceptação telefônica para fi ns de investigação
criminal, que pode se efetivar antes mesmo da instauração formal do
procedimento investigatório, qual seja, o inquérito policial.
No presente caso, o Ministério Público Federal constatou a existência
de elementos indicativos da participação dos pacientes na prática dos delitos
imputados a partir de informações fornecidas por várias fontes, quais sejam,
pela Interpol, pela Agência Brasileira de Inteligência - Abin, pelo Conselho
de Controle de Atividades Financeiras - Coaf e pelo Grupo de Atuação
Especial de Repressão ao Crime Organizado - Gaeco, razão pela qual requereu
o monitoramento das pessoas investigadas, com o fi m de apuração de infração
penal.
Desse modo, não se vislumbra irregularidade na autorização da medida,
baseada na descrição clara da situação objeto da investigação, com a identifi cação
e qualifi cação dos investigados, demonstrando a necessidade da interceptação.
No que respeita às prorrogações, que a lei permite diante da
indispensabilidade da prova, as razões tanto podem manter-se idênticas à do
pedido original como alterar-se desde que a prova seja ainda considerada
indispensável.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 625
Nesse sentido, além da difi culdade de rediscutir as razões que justifi caram
uma e outra, pois é muito exíguo o espaço de discussão contraditória no regime
da via mandamental, a reiteração das razões não constitui por si só ilicitude.
Quanto à duração da diligência, dispõe o art. 5º, da Lei n. 9.296, de 1996:
Art. 5º A decisão será fundamentada, sob pena de nulidade, indicando também
a forma de execução da diligência, que não poderá exceder o prazo de quinze
dias, renovável por igual tempo uma vez comprovada a indispensabilidade do
meio de prova.
Ou seja, desde que devidamente fundamentada, a interceptação poderá ser
renovada por indefi nidos prazos de quinze dias. A razoabilidade das sucessivas
prorrogações, no presente caso, evidencia-se pela complexidade da investigação,
a qual possui elevado número de pessoas investigadas, bem como envolve
organização internacional de grande porte, tida como criminosa.
Nestes termos, confi ra-se o seguinte acórdão da Suprema Corte:
1. Competência. Criminal. Originária. Inquérito pendente no STF.
Desmembramento. Não ocorrência. Mera remessa de cópia, a requerimento do
MP, a juízo competente para apuração de fatos diversos, respeitantes a pessoas
sem prerrogativa de foro especial. Inexistência de ações penais em curso e de
conseqüente conexão. Questão de ordem resolvida nesse sentido. Preliminar
repelida. Agravo regimental improvido. Voto vencido. Não se caracteriza
desmembramento ilegal de ação penal, a mera remessa de cópia de inquérito, a
requerimento do representante do Ministério Público, a outro juízo, competente
para apurar fatos diversos, respeitantes a pessoas sujeitas a seu foro.
2. Competência. Criminal. Ação penal. Magistrado de Tribunal Federal
Regional. Condição de co-réu. Conexão da acusação com fatos imputados a
Ministro do Superior Tribunal de Justiça. Pretensão de ser julgado perante este.
Inadmissibilidade. Prerrogativa de foro. Irrenunciabilidade. Ofensa às garantias do
juiz natural e da ampla defesa, elementares do devido processo legal. Inexistência.
Feito da competência do Supremo. Precedentes. Preliminar rejeitada. Aplicação
da Súmula n. 704. Não viola as garantias do juiz natural e da ampla defesa,
elementares do devido processo legal, a atração, por conexão ou continência, do
processo do co-réu ao foro por prerrogativa de função de um dos denunciados, a
qual é irrenunciável.
3. Competência. Criminal. Inquéritos. Reunião perante o Supremo Tribunal
Federal. Avocação. Inadmissibilidade. Conexão inexistente. Medida, ademais,
facultativa. Número excessivo de acusados. Ausência de prejuízo à defesa.
Preliminar repelida. Precedentes. Inteligência dos arts. 69, 76, 77 e 80 do CPP. Não
quadra avocar inquérito policial, quando não haja conexão entre os fatos, nem
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
626
conveniência de reunião de procedimentos ante o número excessivo de suspeitos
ou investigados.
4. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Necessidade demonstrada nas
sucessivas decisões. Fundamentação bastante. Situação fática excepcional,
insuscetível de apuração plena por outros meios. Subsidiariedade caracterizada.
Preliminares rejeitadas. Aplicação dos arts. 5º, XII, e 93, IX, da CF, e arts. 2º, 4º, §
2º, e 5º, da Lei n. 9.296/1996. Voto vencido. É lícita a interceptação telefônica,
determinada em decisão judicial fundamentada, quando necessária, como único
meio de prova, à apuração de fato delituoso.
5. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização.
Prorrogações sucessivas. Admissibilidade. Fatos complexos e graves. Necessidade de
investigação diferenciada e contínua. Motivações diversas. Ofensa ao art. 5º, caput,
da Lei n. 9.296/1996. Não ocorrência. Preliminar rejeitada. Voto vencido. É lícita a
prorrogação do prazo legal de autorização para interceptação telefônica, ainda
que de modo sucessivo, quando o fato seja complexo e, como tal, exija investigação
diferenciada e contínua.
6. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Prazo legal de autorização.
Prorrogações sucessivas pelo Ministro Relator, também durante o recesso forense.
Admissibilidade. Competência subsistente do Relator. Preliminar repelida.
Voto vencido. O Ministro Relator de inquérito policial, objeto de supervisão do
Supremo Tribunal Federal, tem competência para determinar, durante as férias
e recesso forenses, realização de diligências e provas que dependam de decisão
judicial, inclusive interceptação de conversação telefônica.
7. Prova. Criminal. Escuta ambiental. Captação e interceptação de sinais
eletromagnéticos, óticos ou acústicos. Meio probatório legalmente admitido.
Fatos que configurariam crimes praticados por quadrilha ou bando ou
organização criminosa. Autorização judicial circunstanciada. Previsão normativa
expressa do procedimento. Preliminar repelida. Inteligência dos arts. 1º e 2º, IV, da
Lei n. 9.034/1995, com a redação da Lei n. 10.217/1995. Para fi ns de persecução
criminal de ilícitos praticados por quadrilha, bando, organização ou associação
criminosa de qualquer tipo, são permitidos a captação e a interceptação de sinais
eletromagnéticos, óticos e acústicos, bem como seu registro e análise, mediante
circunstanciada autorização judicial.
8. Prova. Criminal. Escuta ambiental e exploração de local. Captação de sinais
óticos e acústicos. Escritório de advocacia. Ingresso da autoridade policial, no
período noturno, para instalação de equipamento. Medidas autorizadas por
decisão judicial. Invasão de domicílio. Não caracterização. Suspeita grave da
prática de crime por advogado, no escritório, sob pretexto de exercício
da profissão. Situação não acobertada pela inviolabilidade constitucional.
Inteligência do art. 5º, X e XI, da CF, art. 150, § 4º, III, do CP, e art. 7º, II, da Lei n.
8.906/1994. Preliminar rejeitada. Votos vencidos. Não opera a inviolabilidade do
escritório de advocacia, quando o próprio advogado seja suspeito da prática de
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 627
crime, sobretudo concebido e consumado no âmbito desse local de trabalho, sob
pretexto de exercício da profi ssão.
9. Prova. Criminal. Interceptação telefônica. Transcrição da totalidade das
gravações. Desnecessidade. Gravações diárias e ininterruptas de diversos
terminais durante período de 7 (sete) meses. Conteúdo sonoro armazenado em 2
(dois) DVDs e 1 (hum) HD, com mais de quinhentos mil arquivos. Impossibilidade
material e inutilidade prática de reprodução gráfi ca. Sufi ciência da transcrição
literal e integral das gravações em que se apoiou a denúncia. Acesso garantido
às defesas também mediante meio magnético, com reabertura de prazo.
Cerceamento de defesa não ocorrente. Preliminar repelida. Interpretação do art.
6º, § 1º, da Lei n. 9.296/1996. Precedentes. Votos vencidos. O disposto no art. 6º,
§ 1º, da Lei Federal n. 9.296, de 24 de julho de 1996, só comporta a interpretação
sensata de que, salvo para fi m ulterior, só é exigível, na formalização da prova de
interceptação telefônica, a transcrição integral de tudo aquilo que seja relevante
para esclarecer sobre os fatos da causa sub iudice.
10. Prova. Criminal. Perícia. Documentos e objetos apreendidos. Laudos
ainda em processo de elaboração. Juntada imediata antes do recebimento da
denúncia. Inadmissibilidade. Prova não concluída nem usada pelo representante
do Ministério Público na denúncia. Falta de interesse processual. Cerceamento
de defesa inconcebível. Preliminar rejeitada. Não pode caracterizar cerceamento
de defesa prévia contra a denúncia, a falta de laudo pericial em processo de
elaboração e no qual não se baseou nem poderia ter-se baseado o representante
do Ministério Público.
11. Ação penal. Denúncia. Exposição clara e objetiva dos fatos. Acusações
específicas baseadas nos elementos retóricos coligidos no inquérito policial.
Possibilidade de plena defesa. Justa causa presente. Aptidão formal. Observância
do disposto no art. 41 do CPP. Recebimento, exceto em relação ao crime previsto
no art. 288 do CP, quanto a um dos denunciados. Votos vencidos. Deve ser
recebida a denúncia que, baseada em elementos de prova, contém exposição
clara e objetiva dos fatos delituosos e que, como tal, possibilita plena e ampla
defesa aos acusados.
12. Magistrado. Ação penal. Denúncia. Recebimento. Infrações penais
graves. Afastamento do exercício da função jurisdicional. Aplicação do art.
29 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional - Loman (Lei Complementar n.
35/1979). Medida aconselhável de resguardo ao prestígio do cargo e à própria
respeitabilidade do juiz. Ofensa ao art. 5º, LVII, da CF. Não ocorrência. Não viola a
garantia constitucional da chamada presunção de inocência, o afastamento do
cargo de magistrado contra o qual é recebida denúncia ou queixa. (Inq n. 2.424-
RJ, Rel. Min. Cezar Peluso, DJe 26.3.2010).
Relativamente à alegação de ausência de fundamentação da decisão que
deferiu o monitoramento telefônico, extrai-se dos autos que o Magistrado de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
628
primeiro grau, em acolhimento à representação do Parquet, deferiu a medida
originariamente, pelos seguintes fundamentos (fl s. 6.112-6.121):
No caso dos autos, verifi co que de acordo com os documentos apresentados
pelo Ministério Público Federal, a quebra do sigilo requerida mostra-se como
único meio de prosseguir na investigação e, assim, de se apurar corretamente
a ocorrência de eventuais delitos, supostamente praticados pelo dirigentes do
Sport Club Corinthians Paulista.
Com efeito, as investigações efetuadas pelo Grupo Especial de Repressão ao
Crime Organizado - Gaeco procedeu à coleta de diversos elementos probatórios,
dentre eles: contrato social da empresa MSI Brasil Participações Ltda., documentos
encaminhados pelo Banco Central do Brasil e pelo Conselho de Controle de
Atividades Financeiras o Coaf, da Interpol, Relatório de Inteligência da Agência
Brasileira de Inteligência - Abin, além de declarações prestados por diversos
dirigentes do Corinthians.
Dos elementos probatórios coligidos aos autos contata-se que o Sport Club
Corinthians Paulista teria celebrado contrato com Media Sports Investiment Ltd.
(fl s. 51-68), da qual Kiavash Joorabhchian seria seu Diretor. Em seguida a Media
Sports criou no Brasil a empresa MSI Participações Ltda., que posteriormente
passou a denominar-se MSI Licenciamentos e Administração Ltda., tendo sido
criada para administrar todo o departamento de futebol profi ssional e amador do
Corinthians.
(...)
Embora sem seu depoimento Kiavash tenha negado qualquer participação de
Boris na negociação envolvendo o clube de futebol paulista Sport Club Corinthians,
o pedido do órgão ministerial impõe acolhida ante às fortes evidências no sentido
de que, de fato, ele teria envolvimento com as empresas que mantém o controle
da MSI, ou, no máximo, Kiavash estaria atuando, no Brasil, em seu nome.
(...)
Assim, diante da existência de indícios veementes de que haveria no Sport Club
Corinthians Paulista elementos de organização criminosa de nível internacional
que poderia estar atuando no Brasil objetivando a “lavagem” de valores, o
cometimento de delitos contra o Sistema Financeiro Nacional, dentre outros, e não
havendo outros meios para apurar os fatos, além das diligências já empreendidas,
impõe-se o acolhimento da medida acautelatória para identifi car o modus operandi
e os responsáveis pela eventual conduta delituosa. (nossos os grifos).
As decisões subsequentes, de prorrogação do monitoramento, se deram, do
mesmo modo, baseadas nas representações da autoridade policial e do membro
do Parquet, como forma de dar continuidade às investigações, conforme se
verifi ca às fl s. 6.112 a 7.770 dos autos.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 629
Ao que se tem, as decisões não carecem de adequada fundamentação, pois
proferidas em acolhimento às postulações da autoridade policial e do Ministério
Público Federal, necessárias para a continuidade das investigações em curso,
voltadas para a apuração da prática do delito de “lavagem” de valores e formação
de quadrilha.
Ademais, conforme já ressaltado, com relação às prorrogações efetuadas
“a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal consolidou o entendimento
segundo o qual as interceptações telefônicas podem ser prorrogadas desde que
devidamente fundamentadas pelo juízo competente quanto à necessidade para
o prosseguimento das investigações” (STF, RHC n. 88.371-SP, 2ª Turma, Rel.
Min. Gilmar Mendes, DJU de 2.2.2007).
A medida, assim, foi deferida nos exatos termos da Lei n. 9.296/2006,
uma vez que, havendo indícios razoáveis de autoria ou participação em infração
penal em delito punível com pena de reclusão (art. 2º, I e III), foi determinada
pelo Juiz, a requerimento da autoridade policial e do Ministério Público, em
investigação criminal (art. 3º, I), que representaram no sentido da necessidade
da medida (art. 2º, II).
Não bastasse isso, esta Corte já decidiu que a averiguação da
indispensabilidade da medida como meio de prova não pode ser apreciada na
via do habeas corpus, diante da necessidade de dilação probatória que se faria
necessária (HC n. 15.820-DF; Relator Ministro Felix Fischer; DJ de 4.2.2002).
Outrossim, o auto circunstanciado não é elemento essencial para a
validade da prova, tratando-se de documento secundário, incapaz de macular a
interceptação telefônica.
O acórdão recorrido, por sua vez, traz a informação de que:
Ainda sob o aspecto da relevância da forma dos atos processuais e
extraprocessuais, tenho que a ausência de autos circunstanciados a acompanhar
os relatórios das escutas é formalidade plenamente suprível com o desenrolar da
instrução.
Precipuamente considerando-se que as partes e seus respectivos procuradores
tiveram acesso aos dados coletados e lhes foram oportunizados o contraditório e a
ampla defesa, conferidos pelo conhecimento do conteúdo constante dos áudios e
degravações juntados os autos, a ponto de realizarem tempestivamente suas defesas.
De qualquer forma, as partes tiveram acesso ao teor dos autos circunstanciados,
conforme se verifi cou quando do julgamento do HC n. 2008.03.00.003689-1, cujo
tópico de interesse transcrevo:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
630
Os trechos das transcrições do monitoramento telefônico que
forneceram subsídio à denúncia integram os autos em Apenso porquanto
foram coletados nos pertinentes Relatórios Circunstanciados da Autoridade
Policial, guardando pertinência com os diálogos constantes das mídias.
Além disso, os diálogos citados no despacho que a recebeu e que consta
da decisão exarada aos 11.7.2007 (fl s. 169-214) também estão transcritos
e compõem os autos do Pedido de Interceptação Telefônica, cujo acesso
existe desde sempre e, no que tange à integralidade das mídias, a partir de
14.9.2007.
Como se vê, consta dos autos que as partes tiveram acesso aos dados
coletados com as interceptações telefônicas, razão pela qual, tendo sido
oportunizado o contraditório e ampla defesa, não há se falar em nulidade na
presente hipótese, pois a defesa não logrou demonstrar a ocorrência de prejuízos
aos pacientes.
É cediço que, em se tratando de Processo Penal, é princípio básico o
disposto no art. 563 do CPP, ou seja, só se declara nulidade quando evidente, de
modo objetivo, efetivo prejuízo para o acusado, o qual não restou evidenciado no
presente caso.
Nesse sentido, trago os seguintes precedentes de minha relatoria, ambos
julgados, à unanimidade, por esta Turma:
Criminal. Habeas corpus. Preparação, produção, maquinário e tráfi co ilícito de
drogas. Associação para o tráfi co. Interceptção telefônica. Ausência de transcrição
integral e perícia. Alegação de nulidade. Prisão decorrente de fl agrante. Gravações
utilizadas unicamente no inquérito. Prejuízo não comprovado. Inteligência dos
arts. 563 e 566 do CPC. Art. 33, § 1º, inciso I e art. 34 da Lei n. 11.343/2006.
Consunção pelo delito do art. 33, caput, do mesmo diploma. Crimes autônomos.
Associação para o tráfi co. Alegação de insufi ciência de provas. Via inadequada.
Causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. Não
preenchimento dos requisitos. Ordem parcialmente conhecida e denegada.
I. Eventuais irregularidades em interceptações telefônicas utilizadas unicamente
no inquérito policial não são aptas a ensejar a declaração da nulidade do processo.
II. Para declaração da nulidade é necessária a comprovação do prejuízo.
Inteligência dos arts. 563 e 566 do Código de Processo Penal.
III. Os delitos tipifi cados no art. 33, § 1º, inciso I e art. 34 são autônomos em
relação ao crime do art. 33, caput, todos da Lei n. 11.343/2006.
IV. O pleito de absolvição pelo delito de associação para o tráfi co demanda
revolvimento da matéria fático-probatória, incabível na via eleita.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 631
V. Tendo sido o paciente condenado em duas instâncias de ampla cognição,
não pode o mandamus, como se fosse um segundo recurso de apelação,
sobrepor-se àqueles julgados.
VI. Incabível a aplicação de causa de diminuição de pena do art. 33, § 4º, da
Lei n. 11.343/2006 em hipótese de paciente fl agrado tendo em depósito mais
de 15 (quinze) quilos de cocaína, bem como R$ 43.000, 00 (quarenta e três mil
reais), sendo desempregado, e apontado por corréu como pessoa envolvida com
o tráfi co.
VII. Ordem parcialmente conhecida e, nesta extensão, denegada. (HC n.
179.744-SP, julgado em 12.4.2011, DJe 11.5.2011 - nossos os grifos).
Criminal. HC. Tráfi co de entorpecentes. Interceptação telefônica. Nulidades.
Envio do resultado da diligência ao Ministério Público antes da remessa ao
juiz. Mera irregularidade. Incorreção sanada. Ausência de auto circunstanciado.
Elemento secundário. Existência de informações necessárias à constatação da
legalidade da prova. Condenação baseada em outros elementos do conjunto
probatório. Ordem denegada.
I. O fato das degravações, juntamente com as fitas obtidas através da
interceptação telefônica, terem sido encaminhadas ao Ministério Público e não
ao Juízo, confi gura mera irregularidade II. Evidenciado que o Órgão ministerial,
ao reconhecer a incorreção no recebimento do resultado da interceptação,
encaminhou o material ao Magistrado, requerendo o apensamento deste ao
processo, resta sanada a incorreção do procedimento.
III. O auto circunstanciado não é elemento essencial para a validade da prova,
tratando-se de documento secundário, incapaz de macular a interceptação
telefônica.
IV. Constando dos autos a listagem dos telefonemas gravados, com as
respectivas datas e horas, é perfeitamente possível constatar se a interceptação
respeitou o prazo autorizado pelo Juízo para a realização da prova, verifi cando-se
sua licitude.
V. Tratando-se de nulidade no Processo Penal, é imprescindível, para o seu
reconhecimento, que se faça a indicação do prejuízo causado ao réu, o qual não
restou evidenciado no presente caso.
VI. Resta operada a preclusão, pois a defesa permaneceu inerte durante todo o
processo, nada tendo questionado acerca da validade da interceptação telefônica,
vindo a argüir a matéria somente em sede de revisão criminal.
VII. Se a sentença fundou-se em outros elementos do conjunto probatório,
independentes e lícitos, não se reconhece a apontada imprestabilidade da
interceptação telefônica para embasar a condenação, em especial quando tal
prova não se mostra ilícita.
VIII. Ordem denegada. (HC n. 44.169-DF, julgado em 13.9.2005, DJ 3.10.2005, p.
304 - nossos os grifos).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
632
No tocante à alegação de nulidade advinda da falta de razoabilidade e
pertinência da decisão que autorizou a quebra de sigilo telefônico de todas as
pessoas que mantiveram contato com os investigados, o que teria ensejado o
deferimento de novos monitoramentos, sem a existência de suspeita defi nida,
verifi ca-se que tal argumento não foi analisado pelo Tribunal de origem, o que
impede sua apreciação nesta Corte, sob pena de indevida supressão de instância.
A corroborar tal entendimento, trago à colação o seguinte julgado desta
Corte:
Habeas corpus. Homicídio qualificado. Nulidade na quesitação. Tese não
suscitada na apelação. Supressão de instância. Matéria não arguida na sessão
plenária. Preclusão. Ordem denegada.
1. Se as nulidades ora suscitadas não foram examinadas expressamente
pelo Tribunal de origem, não sendo objeto da apelação, não podem ser
enfrentadas por esta Corte Superior de Justiça, sob pena de indevida supressão
de instância.
2. As nulidades ocorridas em plenário do Tribunal do Júri devem ser arguidas
na sessão de julgamento e constarem da respectiva ata, sob pena de preclusão, a
teor do art. 571, VIII, do Código de Processo Penal.
3. Ordem denegada. (HC n. 78.652-SP, Sexta Turma, Relatora Ministra Maria
Thereza de Assis Moura, DJe 9.3.2011).
Gize-se, ainda, que, além de não ser sido demonstrado, em observância ao
princípio do pas de nullité sans grief, qualquer prejuízo aos pacientes, a análise
da questão, tal como posta, demandaria o revolvimento do lastro probatório,
impossível na estreita via do habeas corpus.
Neste sentido, confi ram-se os seguintes precedentes:
Habeas corpus. Penal. Tráfico ilícito de entorpecentes. Incidente de
uniformização de jurisprudência. Ausência de interesse processual. Não admissão.
Liberdade provisória. Questão não apreciada pelo Tribunal a quo. Supressão de
instância. Interceptação telefônica. Nulidade. Revolvimento fático-probatório. Via
imprópria. Ordem não conhecida.
I. Carece de interesse processual para suscitação de incidente de uniformização
de jurisprudência, em relação ao cabimento de liberdade provisória aos acusados
pelo crime de tráfi co ilícito de entorpecentes, o paciente que não se benefi ciará
com eventual entendimento mais favorável. Incidente não admitido.
II. Não tendo o pedido de liberdade provisória sido apreciado pelo órgão
colegiado do Tribunal a quo, não pode esta Corte conhece-lo, sob pena de
indevida supressão de instância.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 633
III. A discussão da legalidade das interceptações telefônicas realizadas demanda
profundo revolvimento do lastro probatório, inviável em sede de habeas corpus.
Precedentes.
VI. Ordem não conhecida. (HC n. 124.824-SP, minha relatoria, Quinta Turma,
julgado em 16.6.2011, DJe 1º.7.2011 - nossos os grifos).
Processual Penal. Habeas corpus. Corrupção ativa. Nulidade. Prova obtida por
meio de interceptação telefônica autorizada judicialmente. Não- ocorrência.
Ordem não-conhecida.
1. Tendo o Tribunal a quo reconhecido a legalidade das interceptações telefônicas
colhidas com a devida autorização judicial, é incabível, em sede de habeas corpus, o
reexame do contexto fático-probatório dos autos, em virtude da sua estreita via.
2. Ordem não-conhecida. (HC n. 121.137-MG, Rel. Ministro Arnaldo Esteves
Lima, DJe 7.12.2009 - nossos os grifos).
Diante do exposto, denego a ordem.
É como voto.
VOTO VENCIDO
O Sr. Ministro Adilson Vieira Macabu (Desembargador convocado do
TJ-RJ): Trata-se de habeas corpus impetrado em favor de Kiavash Joorabchian
e Nojan Bedroud, denunciados como incursos nas sanções do art. 1º da Lei
n. 9.613/1998, c.c. incisos V e VII do mesmo artigo, do art. 288, do CP e
dispositivos previstos nos Decretos n. 5.015/2004 e n. 5.687/2006.
Alegam os impetrantes que os ora pacientes sofrem constrangimento ilegal,
porquanto a persecução criminal estaria baseada, exclusivamente, em dados
obtidos por meio de escutas telefônicas deferidas sem a devida fundamentação,
bem como, prorrogadas indefi nidamente ao arrepio da legislação de regência.
Levado o feito a julgamento, o eminente Ministro Gilson Dipp denegou a
ordem, no que foi acompanhado pelos demais membros desta c. Quinta Turma.
A despeito da certeza do resultado já fi rmado no presente julgado pedi
vista dos autos.
Acerca da fundamentação da decisão que autorizou a quebra do sigilo
das comunicações do ora paciente, acompanho o eminente Ministro Relator,
considerando que, ao menos naquele momento, havia fundamentos idôneos
para que fosse autorizada a medida investigatória.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
634
A respeito do prazo da escuta, passo a tecer as considerações que julgo
pertinentes.
É certo que tenho me posicionado no sentido de que a legislação que
regulamenta a investigação por meio de escutas telefônicas deve ser observada
no sentido de sua literalidade, não podendo - salvo casos excepcionais
- ser prorrogado o expediente por período superior àquele expressamente
determinado no diploma legal, qual seja, 15 (quinze) dias, sucedidos por outros
15 (quinze) dias.
Como dito, no julgamento do HC n. 144.137-ES, considerei válida a
prorrogação por prazo superior, em razão da adequada fundamentação
apresentada pela autoridade policial, corroborada pelos representante do Parquet
e expressa limitação da autorização feita pelo MM. Juízo de piso.
Naqueles termos, admitiu-se a prorrogação diante das condições específi cas
e expressas no caso concreto, o que, de alguma forma, fl exibiliza a limitação
temporal imposta pela legislação pertinente.
Todavia, no presente caso, observa-se que as prorrogações se deram de
forma quase que automática, sem qualquer fundamento que demonstrasse
a existência de novos fatos ou interlocutores, capaz de demonstrar que a
continuidade da escuta era imprescindível à persecução criminal.
Pelo exposto, com a máxima vênia do relator e de meus pares, ouso divergir,
concedendo a ordem pleiteada, para considerar ilegais as escutas telefônicas
realizadas após o prazo expressamente autorizado por lei.
HABEAS CORPUS N. 192.138-RJ (2010/0222947-3)
Relator: Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR)
Impetrante: Diana Rodrigues Muniz
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Paciente: A R F
EMENTA
Habeas corpus. Atentado violento ao pudor com violência
presumida. Submissão de criança ou adolescente sob sua autoridade a
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 635
constrangimento. Nulidade processual. Indeferimento de diligências.
Possibilidade. Documento novo juntado aos autos antes das alegações
fi nais. Constrangimento ilegal não evidenciado. Exame social realizado
de forma precária. Inocorrência. Audiência especial para composição
de confl itos. Impossibilidade. Ação penal pública incondicionada.
Ausência de acesso ao inquérito policial. Supressão de instância.
Matéria não analisada nas instâncias ordinárias. Dosimetria da pena.
Fundamentação idônea.
1. O Julgador pode indeferir, de maneira fundamentada,
diligências que considere protelatórias ou desnecessárias, tendo em
vista um juízo de conveniência quanto à necessidade de sua realização,
que é próprio e exclusivo do Juiz, por ser ele o destinatário da prova.
2. Eventuais irregularidades ocorridas na realização do exame
social não possuem o condão de, por si só, macular todo o processo
criminal, levando em conta, ainda que o exame social realizado com
o paciente não é a única prova a fundamentar a condenação, que foi
baseada também nas demais elementos colhidos nos autos.
3. Não há constrangimento ilegal quando se verifica que o
documento novo foi juntado aos autos em momento anterior ao prazo
para alegações fi nais, pois nesse momento poderia a defesa ter se
manifestado e contestado sua validade.
4. A legislação não contempla a possibilidade de designar-se
audiência especial, para composição de confl itos, quando se trata de
crime de ação pública incondicionada e foge às hipóteses de pequeno
potencial ofensivo.
5. Não se conhece de habeas corpus cuja matéria não foi objeto de
decisão pela Corte de Justiça Estadual, sob pena de indevida supressão
de instância.
6. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou
o entendimento de que para a elevação da pena pela continuidade
delitiva, deve-se levar em conta o número de infrações cometidas.
Dessa forma, tendo em vista que a vítima era menor de 14 anos por
ocasião do início da prática delituosa e que os fatos se prolongaram
pelo período de dois anos, o que denota o elevado número de infrações
penais contra ela cometidas, mostra-se razoável que, na hipótese em
apreço, seja aplicado o índice mais gravoso.
7. Habeas corpus não conhecido.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
636
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Senhores Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de
Justiça, por unanimidade, em não conhecer do pedido.
Os Srs. Ministros Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-
SE), Jorge Mussi e Marco Aurélio Bellizze votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília (DF), 9 de outubro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Campos Marques, (Desembargador convocado do TJ-PR),
Relator
DJe 15.10.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-
PR): Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso especial, impugnando
os termos do acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, que
manteve, integralmente, a decisão de primeiro grau, que condenou o paciente a
12 (doze) anos de reclusão, como incurso nas disposições do art. 214, c.c. o art.
224, alínea a, e art. 226, inciso II, todos do Código Penal, observada a regra do
crime continuado.
No presente writ, alega a impetrante, em síntese: i) nulidade consubstanciada
na ausência de fundamentação do indeferimento das diligências requeridas pela
defesa; ii) nulidade por ausência de abertura de prazo à defesa para manifestação
sobre documentos acostados aos autos; iii) nulidade do exame social por ter sido
realizado de forma precária; iv) violação aos princípios garantidores dos direitos
subjetivos constitucionais do acusado, em razão do indeferimento da audiência
especial; v) nulidade das decisões das instâncias ordinárias, uma vez que o
paciente foi condenado com base em inquéritos policiais aos quais o paciente
não teve acesso; vi) ausência de fundamentação quanto à fi xação da pena-base.
Postulou, ainda, o direito de aguardar em liberdade o trânsito em julgado
da sentença penal condenatória.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 637
Pleiteia, então, a concessão da ordem para que seja declarada a nulidade
da sentença e do acórdão, e como consequência, a absolvição do paciente.
Subsidiariamente, pede a redução da pena a ele aplicada.
A liminar foi indeferida às fl s. 659 pelo Ministro Presidente deste Tribunal.
As informações solicitadas foram acostadas aos autos às fl s. 675-733.
O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fl s. 737-
744).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-
PR) (Relator): De início, é importante destacar que o habeas corpus, conforme
reiterada jurisprudência desta Corte, presta-se a sanar coação ou ameaça ao
direito de locomoção, sendo restrito às hipóteses de ilegalidade evidente,
incontroversa, relativa a matéria de direito, cuja constatação independa de
qualquer análise probatória.
Buscando dar efetividade às normas previstas no artigo 102, inciso II, alínea
a, da Constituição Federal, e aos artigos 30 a 32, ambos da Lei n. 8.038/1990,
a mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal Federal passou a não
mais admitir o manejo do habeas corpus em substituição a recursos ordinários
(apelação, agravo em execução, recurso especial), tampouco como sucedâneo de
revisão criminal.
Essa orientação foi aplicada pela Primeira Turma da Corte Suprema, no
julgamento do HC n. 109.956-PR, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, e
do HC n. 114.550-AC, de relatoria do Ministro Luiz Fux. Destaco, ainda, o
HC n. 104.045-RJ, Relatora a Ministra Rosa Weber:
Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.
Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou
arbitrariedade.
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental
do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também
não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como
remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior
prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
638
Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração
de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal
próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira
Turma desta Suprema Corte.
2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O
Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras
absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,
mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no
exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o
controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a
correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de
aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.
3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal
autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde
que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito
de neutras as demais vetoriais.
4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada
somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias
judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do
mesmo diploma legal. Precedentes.
5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e
valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da
fi xação das penas.
6. Habeas corpus rejeitado.
O Superior Tribunal de Justiça, alinhando-se à nova jurisprudência da
Colenda Corte, passou também a restringir as hipóteses de cabimento do
habeas corpus, não admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em
substituição do recurso cabível.
Nesse sentido, trago à colação o seguinte julgado:
Habeas corpus. Extorsão mediante sequestro. Condenação. Apelação julgada.
Writ substitutivo de recurso especial. Inviabilidade. Dosimetria da pena. Incidência
de agravante. Teses não alegadas na apelação. Supressão de instância. Não
conhecimento.
1. É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de
se prestigiar a lógica do sistema recursal. As hipóteses de cabimento do writ
são restritas, não se admitindo que o remédio constitucional seja utilizado em
substituição ao recurso cabível, vale dizer, o especial.
2. Para o enfrentamento de teses jurídicas na via restrita, imprescindível
que haja ilegalidade manifesta, relativa a matéria de direito, cuja constatação
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 639
seja evidente e independa de qualquer análise probatória, sendo de rigor a
observância do devido processo legal,
3. Hipótese em que as teses arguidas sequer foram objeto da apelação, razão
pela qual não foras enfrentadas pelo Tribunal de origem, o que impede seu
exame por esta Corte, sob pena de supressão de instância.
4. Habeas corpus não conhecido. (HC n. 131.970, Rel. Ministra Maria Thereza de
Assis Moura, Julgamento realizado em 28.8.2012, DJe 5.9.2012).
No entanto, considerando que este remédio constitucional foi impetrado
antes da alteração do entendimento jurisprudencial, a fi m de evitar prejuízos à
ampla defesa e ao devido processo legal, o alegado constrangimento ilegal será
enfrentado para que se examine a possibilidade de eventual concessão de habeas
corpus de ofício.
A impetrante, como visto no relatório, sustenta, inicialmente, a nulidade
do processo, por ausência de fundamentação no indeferimento das diligências
requeridas pelo réu.
Este, de fato, postulou a efetivação de diligências, das quais três foram
indeferidas, tendo a magistrada singular justificado adequadamente, pois
registrou que se mostravam “protelatórias e desnecessárias ao esclarecimento do
fato narrado na petição inicial”, e nestas condições, fez consignar que não havia
necessidade de “obter informações sobre eventual inquérito a que respondeu o
acusado, pois é incontroversa a notícia que o procedimento foi arquivado” (fl .
423).
Da mesma forma, afastou o outro pedido, com a justifi cativa de que não
interessava à decisão da causa, como, efetivamente, não interessa, a obtenção de
informações acerca do “processo de separação do acusado e de sua esposa” (fl .
423).
Indeferiu, por igual, a expedição de ofício à 128ª Delegacia de Polícia,
solicitando notícia, provavelmente, de um boletim de ocorrência, o qual, segundo
a manifestação judicial era “totalmente dissociado dos fatos” (fl . 423).
Estes argumentos, que entendo totalmente adequados, foram acolhidos
pelo acórdão impugnado, de modo que não há que se falar em ilegalidade.
Além disso, cumpre destacar que a impetrante se limitou a aguir a nulidade,
mas sem apontar eventual prejuízo para a defesa do paciente, e, neste aspecto, é
possível dizer que não há irregularidade, pois, como se tratam de documentos
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
640
de fácil obtenção, poderiam, se fosse o caso de efetivamente favorecerem ao
acusado, terem sido trazidos ao processo independentemente de requisição.
Ademais, é sabido que o Julgador pode indeferir, de maneira fundamentada,
diligências que considere protelatórias ou desnecessárias, tendo em vista um
juízo de conveniência quanto à necessidade de sua realização, que é próprio e
exclusivo do Juiz, por ser ele o destinatário da prova.
Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte:
Habeas corpus. Processual Penal. Atentado violento ao pudor. Violência
presumida. Indeferimento dos pedidos de perícia médica e nova oitiva da vítima
acompanhada por psicólogo. Alegação de cerceamento de defesa. Inexistência.
Diligência indeferida de forma motivada pelo juízo processante. Ordem denegada.
1. O Magistrado condutor da ação penal pode indeferir, desde que em decisão
devidamente fundamentada, as diligências que entender protelatórias ou
desnecessárias, dentro de um juízo de conveniência, que é próprio do seu regular
poder discricionário.
2. (...)
4. Ordem denegada.
(HC n. 136.278-SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 1º.8.2011).
Penal. Habeas corpus. Estupro e atentado violento ao pudor. Progressão de
regime. Reiteração de pedido. ...
I – (...)
III - O deferimento de diligências é ato que se inclui na esfera de
discricionariedade regrada do Magistrado processante, que poderá indeferi-las
de forma fundamentada, quando as julgar protelatórias ou desnecessárias e sem
pertinência com a instrução do processo, não caracterizando, tal ato, cerceamento
de defesa (Precedentes do STF e do STJ).
(...)
Habeas corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, denegado.
(HC n. 102.362-SP, Rel. Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 2.2.2009).
No mesmo sentido, assim também já decidiu o Supremo Tribunal Federal:
Habeas corpus. Constitucional. Processual Penal. Crimes de estupro e atentado
violento ao pudor. Artigos 213 e 214 do Código Penal. Pedido de produção
de prova formulado pela defesa. Requerimento motivadamente indeferido.
Possibilidade. Alegado cerceamento de defesa não evidenciado. Precedentes.
Ordem denegada.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 641
1. É firme a jurisprudência da Corte no sentido de que “não há falar em
cerceamento ao direito de defesa quando o magistrado, de forma fundamentada,
lastreado nos elementos de convicção existentes nos autos, indefere pedido de
diligência probatória que repute impertinente, desnecessária ou protelatória,
não sendo possível se afi rmar o acerto ou desacerto dessa decisão nesta via
processual” (HC n. 106.734-PR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo
Lewandowski, DJe 4.5.2011).
2. Na espécie o pedido de provas requeridas pela defesa foi motivadamente
indeferido pelo juízo de piso por entender serem elas meramente
procrastinatórias.
3. Nesse contexto, a presença de justifi cativa para a negativa de produção das
provas requeridas pela defesa é o que basta para se denegar a ordem, uma vez
que, na linha de precedentes, a via do habeas corpus não abre passagem para se
aferir o acerto ou desacerto daquela decisão.
4. Ordem denegada.
(HC n. 108.961, Rel. Ministro Dias Toff oli, Primeira Turma, DJe 1º.8.2012).
Reclama, por outro lado, na precariedade e, consequentemente, nulidade
do “parecer social”, elaborado por Assistente Social da Vara Única da Comarca
de Cassimiro de Abreu-RJ, vez que o r. Juízo de origem não dispunha de
profi ssional para tanto.
No referido estudo, efetivou-se, além da leitura dos autos, entrevistas com a
vítima, sua mãe, seu irmão (a testemunha Ian Dalton Fiorentim, que contava 10
anos de idade) e com o réu, cujo encontro verifi cou-se na carceragem da Cadeia
Pública de Macaé-RJ, onde este se encontrava.
O local, de fato, não é o melhor, porém, há que se convir, que não havia outro,
já que ele se encontrava ali recolhido, e, o que importava, é que a profi ssional
encarregada de elaborar o estudo não encontrou qualquer difi culdade em fazê-lo
- ao menos não referiu-se no respectivo parecer.
Vale registrar, ademais, que o decisum condenatório utilizou-se, é verdade,
do referido estudo social, mas deixou patente que o fazia para concluir que a
ofendida, “seja em juízo, seja em sede policial, ou nas entrevistas aos técnicos,
jamais de contradisse” (fl . 531).
Além de tudo, conforme salientado pelo Tribunal de origem, eventuais
irregularidades ocorridas na realização do exame social não possuem o condão
de, por si só, macular todo o processo criminal, sem que ao menos se alegue ou se
demonstre, ainda que de forma precária, o prejuízo experimentado pela defesa.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
642
Cinge-se também a irresignação quanto à suposta ausência de abertura
de prazo para manifestação da defesa acerca de documentos novos juntados
aos autos, a saber, o estudo social antes referido, situação que teria ensejado
cerceamento do seu direito de defesa.
No ponto, extrai-se do acórdão atacado (fl . 608):
Na mesma esteira, não merece prosperar a alegação de que a defesa não teve
oportunidade para se manifestar sobre os documentos de fl s. 283 verso, 287 e
291-293, já que o fez em sede de alegações fi nais, momento oportuno para expor
suas teses defensivas.
No trecho acima destacado, o Tribunal de origem consignou expressamente
que o prazo foi oportunizado, pois, tendo sido juntado aos autos em momento
anterior as alegações fi nais, nesta ocasião, poderia a defesa ter apresentado as
suas eventuais considerações.
Esta eg. Turma, em decisão do eminente Ministro Marco Aurélio Bellizze,
já proclamou o que segue:
Não há constrangimento ilegal quando se verifi ca que o documento novo
foi juntado aos autos em momento anterior ao prazo para alegações fi nais, pois
nesse momento poderia a defesa ter se manifestado e contestado sua validade.
(HC n. 152.792-RJ, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe 22.3.2012).
Aponta, também, nulidade, em decorrência da não realização de “audiência
especial”, para recomposição de confl itos familiares.
A Dra. Juíza de Direito e o Tribunal a quo indeferiram a pretensão,
sustentando que a medida busca “mais uma vez - protelar o julgamento” (fl . 525)
e que é descabida, “uma vez que se trata de ação penal pública incondicionada”
(fl . 608).
A par destes argumentos, vale ressaltar que a nossa legislação processual
não contempla, absolutamente, a solenidade reclamada, a não ser nos processo
afetos a Lei n. 9.099/1995, que dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e
Criminais, a cujas disposições, evidentemente, não está sujeita a ação penal por
crime de atentado violento ao pudor, cuja tipifi cação estava em vigor por ocasião
do fato.
Embora não seja especifi camente o caso, não custa ressaltar o seguinte
precedente, desta e. Turma, que mostra a total improcedência da audiência
requerida, a saber:
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 643
Na hipótese em apreço, a não realização de audiência preliminar não acarretou
qualquer prejuízo à defesa do paciente, notadamente em razão de o crime a ele
imputado ser de ação pública incondicionada, cujo processamento e julgamento
não podem ser obstados ante a composição civil dos danos entre o autor do fato
e a vítima.
(HC n. 127.904-SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 24.6.2011).
Veja-se, também:
Penal. Processo Penal. Recurso ordinário. Crime falimentar. Lei n. 9.099/1995.
Rececimento da denúncia. Inversão da ordem do processo. Nulidade não
caracterizada. Descamimento da audiência preliminar. Ausência de prejuízo.
A audiência preliminar prevista no art. 72 da Lei n. 9.099/1995, tem cabimento
quando existe possibilidade de composição civil de danos e oferta de transação
penal para os delitos qualifi cados como de menor potencial ofensivo.
(...)
(RHC n. 17.255-RJ, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, DJ 5.4.2004, p. 329).
Não há, nestas condições, a invocada nulidade.
No aspecto em que refere-se a constrangimento ilegal decorrente da
condenação do paciente, baseado em inquéritos policiais dos quais ele não
teve acesso, é forçoso reconhecer que esta alegação não foi articulada nem no
juízo singular e, tampouco, apreciada pelo Tribunal de Justiça, de sorte que o
conhecimento da impetração, nessa parte, implicaria em vedada supressão de
instância.
Ressalto, portanto, que o Supremo Tribunal Federal vem decidindo, de
maneira uniforme, que a irresignação não submetida à instãncia a quo torna
inviável o seu conhecimento em sede de writ impetrado perante aquela Excelsa
Corte.
Nesse sentido:
Habeas corpus. Penal. Furto. Alegação de incidência do princípio da
insignifi cância: tese não debatida na instância anterior. Compatibilidade entre o
privilégio e a qualifi cadora do crime de furto: possibilidade. Precedentes. Habeas
corpus parcialmente conhecido e, nesta parte, concedido.
1. Se a alegação da eventual incidência do princípio da insignifi cância não
foi submetida às instâncias antecedentes, não cabe ao Supremo Tribunal delas
conhecer originariamente, sob pena de supressão de instância.
2. (...)
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
644
(HC n. 100.307, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em
10.5.2011, DJe-106 DIVULG 2.6.2011 PUBLIC 3.6.2011 EMENT VOL-02536-01 PP-
00119).
Do mesmo modo, em harmonia com a orientação da Corte Suprema,
as Turmas Criminais do Superior Tribunal de Justiça vêm exarando, em seus
julgados, a compreensão de que a tese apresentada pelo impetrante, sem a
devida apreciação pela autoridade apontada como coatora, torna incompetente
este Sodalício para examiná-la, diante da indevida supressão de instância.
Em conformidade, o seguinte precedente:
Habeas corpus. Penal. Roubo circunstanciado (art. 157, § 2º, inciso I, do Código
Penal). Apelação criminal exclusiva do Ministério Público. Arma de fogo. Exame
pericial. Impossibilidade. Não apreensão do instrumento. Matéria não levada ao
conhecimento do Tribunal de Justiça. Supressão de instância.
1. O Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento no sentido
de que “contra decisões proferidas em recurso de devolução integral da causa
- a exemplo do que sucede na apelação -, o cabimento do habeas corpus
para a instância superposta independe de que o seu fundamento tenha sido
expressamente suscitado ou repelido” (HC n. 71.818-BA, 5ª Turma, Rel. Min. Laurita
Vaz, DJ de 23.4.2007), em razão da ampla devolutividade do recurso de apelação.
2. Na espécie, tratou-se de apelação exclusivamente ministerial, o que signifi ca
que a matéria devolvida à análise da Corte de origem foi aquela levantada pelo
Parquet. Evidentemente, não se olvida a possibilidade da Corte a quo, de ofício,
conceder habeas corpus em benefício do réu. Todavia, o Impetrante ainda pode
ajuizar este mesmo remédio constitucional perante a Corte Estadual, que poderá
analisar a questão.
3. Não há como ser conhecida a impetração, diante da manifesta incompetência
desta Corte Superior de Justiça (art. 105, II, alínea a, da Constituição Federal) para
apreciar originariamente a matéria, sob pena de supressão de instância.
4. Ordem não conhecida.
(HC n. 181.342-DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
16.6.2011, DJe 28.6.2011).
Portanto, diante da competência constitucional deste Sodalício, é
impossível a análise dos argumentos ora trazidos, em face da não provocação do
Tribunal a quo.
No tocante a ausência de fundamentação para o estabelecimento da pena,
não há como prosperar, igualmente, a irresignação, vez que, além de haver
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 645
argumentos, a reprimenda básica restou fi xada no mínimo legal e a circunstância
especial de aumento de pena, prevista no art. 226, inciso II, do Código Penal,
não comporta discussão, pois é estipulada, simplesmente, na metade, tal como
procedeu o julgado.
O Tribunal estadual assim se manifestou a este respeito:
Quanto ao pleito de redução da pena-base ao mínimo legal não merece
prosperar, uma vez que a Magistrada sentenciante estabeleceu o índice mínimo
para cada etapa da fi xação da pena.
Assim sendo, corretos tanto o juízo de censura quanto a dosimetria da pena
lançados na criteriosa sentença de fl s. 365-382. (fl . 613).
O acréscimo em relação à continuidade delitiva, que a lei prevê numa
variação de 1/6 (um sexto) a 2/3 (dois terços), foi aplicado em 1/3 (um terço), ou
seja, bem aquém do máximo permitido.
A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o
entendimento de que a elevação da sanção, em decorrência desta hipótese deve
levar em conta o número de infrações cometidas, de modo que, como os fatos se
prolongaram pelo período de mais ou menos dois anos, mostra-se até aquém do
razoável o quantum admitido.
Veja-se, a propósito:
O aumento relativo à continuidade delitiva deve guardar compatibilidade com
o número de infrações cometidas. Para crimes praticados diariamente, durante
aproximadamente dois anos, necessário o aumento da pena na fração de 2/3.
(REsp n. 1.046.011-PR, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 9.8.2010).
A elevação da pena pela continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal)
relaciona-se com o número de infrações cometidas, não sendo ilegal o aumento
da pena no grau máximo (2/3) àquele que, na condição de padrasto, durante
aproximadamente 3 anos, constrangeu por inúmeras vezes a enteada menor de
catorze anos.
(HC n. 73.993-SP, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, DJe 22.9.2008).
Enfim, o pedido de aguardar em liberdade o trânsito em julgado da
respectiva ação penal não merece ser conhecido, vez que, como reconhece a
própria impetrante, o paciente encontra-se solto, por força de liminar expedida
pela digna relatora do HC n. 0064420-63.2010, em trâmite na Corte Estadual.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
646
Assim, quer pela concessão da ordem de habeas corpus no Tribunal de
origem, quer por se tratar de condenação em caráter defi nitivo, e afastadas as
nulidade ora arguidas, não há constrangimento ilegal a ser sanado.
Ante o exposto, não conheco do habeas corpus.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 215.152-PR (2011/0183689-0)
Relator: Ministro Jorge Mussi
Impetrante: Rogério Oscar Botelho e outros
Impetrado: Tribunal Regional Federal da 4a Região
Paciente: Paulo de Oliveira
EMENTA
Habeas corpus. Fraude à licitação, falsificação de documento
público e particular e desvio de verbas públicas (artigo 90 da Lei n.
8.666/1993, artigos 299 e 299, parágrafo único, do Código Penal, e
artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967). Alegada nulidade
do julgamento da apelação interposta pelo paciente. Recurso
apreciado e acórdão publicado durante período em que o advogado
por ele contratado estava suspenso do exercício das suas atividades
profi ssionais. Acusado não intimado para constituir novo patrono e
ausência de nomeação de defensor dativo para suprir a irregularidade.
Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem concedida.
1. De acordo com o parágrafo único do artigo 4º da Lei n.
8.906/1994, são nulos os atos praticados por advogado suspenso.
2. No caso dos autos, quando do julgamento do recurso interposto
pelo réu, o causídico por ele contratado já se encontrava suspenso
do exercício de suas atividades profi ssionais, impossibilitado, por
conseguinte, de exercer sua defesa técnica, notadamente de sustentar
oralmente, óbice que perdurou até a publicação do aresto objurgado,
impedindo a utilização dos meios de impugnação cabíveis contra o
referido julgado.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 647
3. Revela-se patente, por conseguinte, o prejuízo suportado
pelo acusado, que teve comprometido o exercício de sua ampla
defesa, circunstância reforçada pelo fato de que não foi intimado
para constituir novo patrono nos autos, tampouco lhe foi nomeado
defensor dativo.
4. Anulado o julgamento do apelo defensivo, resta prejudicada a
análise dos demais pleitos formulados no presente mandamus, quais
sejam, o de aplicação do princípio da consunção entre os crimes
de fraude à licitação e desvio de verbas públicas, e o de redução da
pena imposta ao réu no tocante ao delito previsto no artigo 1º, inciso
I, do Decreto-Lei n. 201/1967, uma vez que tais matérias serão
reexaminadas pela instância de origem, não mais subsistindo o ato
apontado como coator.
5. Ordem concedida para anular o julgamento do recurso de
apelação interposto pelo paciente, devendo outro se realizar com
a sua prévia intimação para constituir novo advogado, devendo ser
recolhido eventual mandado de prisão expedido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das
notas taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos
do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze,
Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) e Marilza Maynard
(Desembargadora convocada do TJ-SE) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justifi cadamente, a Sra. Ministra Laurita Vaz.
Brasília (DF), 9 de outubro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Jorge Mussi, Relator
DJe 5.11.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido de
liminar impetrado em favor de Paulo de Oliveira, apontando como autoridade
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
648
coatora a Sétima Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Apelação
Criminal n. 2005.70.13.005223-1-PR).
Noticiam os autos que o paciente foi condenado à pena de 9 (nove) anos,
2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, sendo 2 (dois) anos e 8 (oito) meses
de detenção, no regime inicial semiaberto, e 6 (seis) anos, 6 (seis) meses e 20
(vinte) dias de reclusão, no regime inicial fechado, bem como ao pagamento de
40 (quarenta) dias-multa, como incurso nos delitos previstos no artigo 90 da
Lei n. 8.666/1993, nos artigos 299 e 299, parágrafo único, do Código Penal, e
no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, sem prejuízo da inabilitação,
pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo
ou de nomeação, e da perda do cargo ou função pública.
Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte de origem dado parcial
provimento ao reclamo para reduzir a reprimenda imposta ao acusado para
4 (quatro) anos e 8 (oito) meses, sendo 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de
reclusão, e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, cumulada com a multa
de R$ 967,00 (novecentos e sessenta e sete reais).
Sustentam os impetrantes que o paciente seria vítima de constrangimento
ilegal, sob o argumento de que o advogado responsável por seu patrocínio
estaria suspenso dos quadros da Ordem dos Advogados do Brasil quando do
julgamento da apelação por ele interposta e da publicação do respectivo acórdão,
o que o teria impedido de exercer amplamente a sua defesa, já que não pôde
sustentar oralmente, tampouco opôr embargos de declaração ou apresentar
recursos de natureza extraordinária.
Asseveram que são nulos os atos praticados por advogado suspenso, nos
termos do parágrafo único do artigo 4º da Lei n. 8.906/1994.
Argumentam que as instâncias de origem teriam reconhecido o concurso
material entre os crimes de licitação fraudulenta e de desvio de verbas públicas,
quando o correto seria aplicar o princípio da consunção, reconhecendo-se que o
crime previsto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967 teria absorvido
o disposto no artigo 90 da Lei de Licitações.
Aduzem, ainda, que a pena-base do paciente no que se refere ao ilícito
previsto no Decreto-Lei n. 201/1967 teria sido aumentada com base em
elementos que integrariam o próprio tipo penal, quais sejam, os graves prejuízos
resultantes do desvio das verbas públicas, o que não seria admissível, motivo
pelo qual sua reprimenda básica deveria ter sido mantida no mínimo legal.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 649
Requerem a concessão da ordem para que seja anulado o julgamento
da Apelação Criminal n. 2005.70.13.005223-1-PR, determinando-se a
intimação do paciente para que constitua novo defensor ou, caso ultrapassado
tal argumento, pugnam pela aplicação do princípio da consunção e pela fi xação
da pena-base do acusado no mínimo legal.
A liminar foi indeferida, nos termos da decisão de fl . 1.565.
Dispensadas as informações, o Ministério Público Federal, em parecer de
fl s. 1.570-1.579, manifestou-se pela concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Conforme relatado, com este habeas
corpus pretende-se, em síntese, a anulação do julgamento do recurso de apelação
interposto pelo paciente ou, caso tal pleito não seja atendido, a aplicação do
princípio da consunção entre os delitos de fraude à licitação e desvio de verbas
públicas e a fi xação da reprimenda a ele imposta no tocante ao crime previsto no
artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967 no mínimo legal.
Segundo consta dos autos, o paciente foi condenado à pena de 9 (nove)
anos, 2 (dois) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, sendo 2 (dois) anos e 8 (oito)
meses de detenção, no regime inicial semiaberto, e 6 (seis) anos, 6 (seis) meses e
20 (vinte) dias de reclusão, no regime inicial fechado, bem como ao pagamento
de 40 (quarenta) dias-multa, como incurso nos delitos previstos no artigo 90 da
Lei n. 8.666/1993, nos artigos 299 e 299, parágrafo único, do Código Penal, e
no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, sem prejuízo da inabilitação,
pelo prazo de 5 (cinco) anos, para o exercício de cargo ou função pública, eletivo
ou de nomeação, e da perda do cargo ou função pública.
Irresignada, a defesa apelou, tendo a Corte de origem dado parcial
provimento ao reclamo para reduzir a reprimenda imposta ao acusado para
4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão, sendo 2 (dois) anos e 4 (quatro)
meses de reclusão, e 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses de detenção, cumulada
com a multa de R$ 967,00 (novecentos e sessenta e sete reais), restando o aresto
assim ementado:
Penal. Fraude à licitação. Art. 90 da Lei n. 8.666/1993. Falsidade ideológica. Art.
299 do CP. Crime de responsabilidade. Prefeito. Desvio de rendas públicas. Art. 1º,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
650
I, do Decreto-Lei n. 201/1967. Extinção da punibilidade pela prescrição quanto às
falsidades. Autoria e materialidade comprovadas. Dolo. Prova plena.
1. Extinção da punibilidade pela prescrição quanto aos delitos de falsidade.
2. Confi gurado o delito previsto no art. 90 da Lei n. 8.666/1993, uma vez que
apurado que os réus simularam procedimento licitatório, caracterizando-se
a fraude no acerto de preços antes da abertura do certame. 3. Presença dos
elementos confi guradores do delito do art. 1º, I, do Decreto-Lei n. 201/1967, uma
vez constatado que os recursos federais destinados à construção de módulos
sanitários foram desviados pelo então Prefeito Municipal e pelo Tesoureiro da
Prefeitura. 4. Redimensionamento das penas. (e-STJ fl . 1.547).
Pois bem. De tudo quanto consta dos autos, tem-se que a impetração
merece acolhida.
É que de acordo com o parágrafo único do artigo 4º da Lei n. 8.906/1994,
são nulos os atos praticados por advogado suspenso.
Veja-se, a propósito, a letra do mencionado dispositivo legal:
Art. 4º São nulos os atos privativos de advogado praticados por pessoa não
inscrita na OAB, sem prejuízo das sanções civis, penais e administrativas.
Parágrafo único. São também nulos os atos praticados por advogado impedido
- no âmbito do impedimento - suspenso, licenciado ou que passar a exercer
atividade incompatível com a advocacia.
No mesmo sentido orienta-se a jurisprudência desta colenda Quinta
Turma:
Habeas corpus. Processual Penal. Crime de lesão corporal. Condenação
mantida em sede de recurso de apelação. Intimação do decisum de apenas um
dos procuradores do paciente, o qual se encontrava suspenso das atividades
profi ssionais. Prejuízo à defesa. (...) Nulidade. Precedentes do STJ.
1. O advogado suspenso de suas atividades profi ssionais não pode praticar
os atos que demandam capacidade postulatória, a teor do disposto no art. 4.º,
parágrafo único, da Lei n. 8.906/1994. Por conseguinte, a intimação equivocada
de procurador suspenso, para praticar ato privativo de advogado, é despida de
validade jurídica.
(...)
3. Ordem concedida para, conservando na íntegra a sentença condenatória,
determinar que o juízo sentenciante se manifeste sobre a concessão ou não da
suspensão condicional da pena e a republicação do acórdão proferido nos autos
da Apelação Criminal n. 2001.025870-6, com a intimação correta do patrono da
causa, reabrindo-se, por conseguinte, o prazo recursal.
(HC n. 25.261-SC, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 16.9.2004,
DJ 11.10.2004, p. 353).
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 651
Habeas corpus. Processual Penal. Nulidades. Ausência de defesa. Advogado
suspenso de suas atividades profi ssionais durante a realização do julgamento
do recurso defensivo de apelação e no ato de interposição do recurso especial.
Ausência de nomeação de defensor dativo para suprir a irregularidade. Prejuízo
comprovado. Ordem concedida.
1. Verificada a suspensão do advogado de defesa de suas atividades
profi ssionais pela Ordem dos Advogados do Brasil, no lapso temporal em que
realizou-se o julgamento do recurso de apelação interposto pelo paciente e
publicação do respectivo acórdão, resta caracterizada a nulidade parcial do
processo, por falta de defesa técnica durante aquele período.
2. Tendo o acusado respondido ao processo-crime em liberdade e garantindo-
lhe a sentença condenatória o direito de apelar em liberdade, mediante a
prestação de fi ança, faz-se necessário restabelecer-lhe o status quo ante até o
novo julgamento do recurso de apelação.
3. Ordem concedida para declarar a nulidade do julgamento do recurso de
apelação criminal, devendo outro se realizar com a prévia intimação do advogado
para a sua inclusão em pauta, bem como para revogar a prisão preventiva
decretada contra o Paciente.
(HC n. 27.276-MG, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em
24.6.2003, DJ 18.8.2003, p. 227).
No caso dos autos, determinou-se a inclusão da apelação interposta pelo
paciente na pauta de julgamentos do dia 26.4.2011, conforme o Diário Eletrônico
da Justiça Federal da 4ª Região de 14.4.2011 (e-STJ fl s. 45 e 1.545), tendo o
respectivo acórdão sido publicado em 6.5.2011 (e-STJ fl s. 46-48 e 1.551).
Consoante certidão fornecida pela Ordem dos Advogados do Brasil -
Seção do Paraná, o advogado Julio Cezar Correia Gomes, defensor do paciente
na ação penal em tela, foi suspenso do exercício profi ssional, em todo o território
nacional, no dia 20.10.2010, penalidade que perdurava até a data em que o
documento foi emitido, 29.7.2011 (fl . 42).
Constata-se, assim, que quando do julgamento do recurso interposto
pelo réu (26.4.2011), o causídico por ele contratado já se encontrava suspenso,
impossibilitado, por conseguinte, de exercer sua defesa técnica, notadamente de
sustentar oralmente, óbice que perdurou até a publicação do aresto objurgado
(6.5.2011), impedindo a utilização dos meios de impugnação cabíveis contra o
referido julgado.
Revela-se patente, por conseguinte, o prejuízo suportado pelo acusado, que
teve comprometido o exercício de sua ampla defesa, circunstância reforçada pelo
fato de que não lhe foi nomeado defensor dativo, tampouco foi intimado para
constituir novo patrono nos autos.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
652
Com efeito, estando suspenso o advogado responsável pela defesa do réu
em Juízo, mister a sua intimação para que possa constituir outro causídico de
sua confi ança ou, diante da sua inércia, a nomeação de defensor dativo para
patrociná-lo.
Nessa ordem de ideias:
Processual Civil. Ausência de regular representação processual. Intimação da
parte.
1. Suspenso o advogado do exercício da profissão pela OAB, impõe-se a
intimação pessoal da parte para constituir novo patrono.
2. Recurso conhecido e provido.
(REsp n. 46.096-RJ, Rel. Ministro Anselmo Santiago, Sexta Turma, julgado em
19.5.1998, DJ 10.8.1998, p. 83).
Desse modo, estando o paciente sem defesa técnica durante a apreciação
da apelação por ele interposta, impõe-se a anulação do julgamento para que
outro seja realizado com a sua prévia notifi cação para constituir novo advogado.
Anulado o julgamento do apelo defensivo, resta prejudicada a análise dos
demais pleitos formulados no presente mandamus, quais sejam, o de de aplicação
do princípio da consunção entre os crimes de fraude à licitação e desvio de
verbas públicas, e o de redução da pena imposta ao réu no tocante ao delito
previsto no artigo 1º, inciso I, do Decreto-Lei n. 201/1967, uma vez que tais
matérias serão reexaminadas pela instância de origem, não mais subsistindo o
ato apontado como coator.
Ante o exposto, concede-se a ordem para anular o julgamento do recurso
de apelação interposto pelo paciente, devendo outro se realizar com a sua
prévia intimação para constituir novo advogado, devendo ser recolhido eventual
mandado de prisão contra ele expedido.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 222.093-MS (2011/0249226-0)
Relator: Ministro Gilson Dipp
Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 653
Advogado: Cacilda Kimiko Nakashima - Defensora Pública
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
Paciente: Jorci Fernandes da Silva
EMENTA
Penal. Habeas corpus. Cárcere privado. Violência doméstica.
Princípio da bagatela imprópria. Irrelevância penal do fato. Ação penal
pública incondicionada. Ausência de requisitos subjetivos positivos.
Maus antecedentes. Reconhecimento da desnecessidade da pena.
Impossibilidade. Ordem denegada.
I. O reconhecimento do princípio da bagatela imprópria permite
que o julgador, mesmo diante de um fato típico, deixe de aplicar a pena
em razão desta ter se tornado desnecessária, diante da verifi cação de
determinados requisitos.
II. No vertente caso, o Tribunal a quo reconheceu a incidência
do princípio da bagatela imprópria quanto ao crime de lesão corporal,
tendo em vista que este se processa mediante ação penal pública
condicionada. Contudo, deixou de aplicar o citado princípio para o
crime de cárcere privado, por se tratar de delito que se processa através
de ação penal pública incondicionada.
III. A ação penal pública incondicionada não se submete ao juízo
de oportunidade e conveniência da vítima para se manifestar sobre seu
interesse na persecução penal do autor do fato criminoso.
IV. Ademais, o paciente não reúne requisitos subjetivos positivos,
pois foi condenado anteriormente por outros delitos igualmente
graves, o que não permite o reconhecimento da desnecessidade da
pena.
V. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça. “A
Turma, por unanimidade, denegou a ordem.” Os Srs. Ministros Laurita Vaz,
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
654
Jorge Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Adilson Vieira Macabu (Desembargador
convocado do TJ-RJ) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 7 de agosto de 2012 (data do julgamento).
Ministro Gilson Dipp, Relator
DJe 14.8.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Gilson Dipp: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar
em favor de Jorci Fernandes da Silva, apontando como autoridade coatora o
Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.
Narra a impetrante que o paciente foi condenado, pela prática do delito
de lesão corporal e cárcere privado, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de
reclusão, em regime inicial semiaberto.
Inconformada, a defesa recorreu ao Tribunal a quo, que, por maioria, negou
provimento à apelação. Opostos embargos infringentes, a Corte Estadual deu
parcial provimento ao recurso para reconhecer a aplicação do princípio da
bagatela imprópria apenas em relação ao delito de lesão corporal, conforme a
seguinte ementa:
Ementa. Embargos infringentes. Violência doméstica e cárcere privado. Vítima
que, por duas vezes, se retrata da representação. Aplicação do princípio da
bagatela imprória. Cárcere privado. Ação penal pública incondicionada. Recurso
parcialmente provido.
A retratação da vítima de violência doméstica, por duas vezes nos autos, e a
dispensa das medidas protetivas, ainda que fora da audiência do art. 16 da Lei
Maria da Penha é válida para suplantar a acusação.
O crime de cárcere privado, em razão de sua elevada gravidade, é de ação
penal pública incondicionada, e por isso não deve recair sobre ele o princípio
bagatelar. (fl s. 250).
No presente writ, a Defensoria argumenta que, apesar de o fato ser
penalmente punível, a pena tornou-se desnecessária diante das condições
pessoais do autor. Informa que a aplicação da pena ao paciente não condiz com
a vontade da vítima.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 655
Pugna, liminarmente e no mérito, pela aplicação do princípio da bagatela
imprópria para o crime de cárcere privado, reconhecendo-se a desnecessidade de
aplicação da pena.
O pedido de liminar foi indeferido à fl . 261.
Às fl s. 57-61, a Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela
denegação da ordem.
É o relatório.
Em mesa para julgamento.
VOTO
O Sr. Ministro Gilson Dipp (Relator): Trata-se de habeas corpus com
pedido liminar em favor de Jorci Fernandes da Silva, apontando como autoridade
coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul.
Narra a impetrante que o paciente foi condenado, pela prática do delito
de lesão corporal e cárcere privado, à pena de 3 (três) anos e 6 (seis) meses de
reclusão, em regime inicial semiaberto.
Inconformada, a defesa recorreu ao Tribunal a quo, que, por maioria, negou
provimento à apelação. Opostos embargos infringentes, a Corte Estadual deu
parcial provimento ao recurso para reconhecer a aplicação do princípio da
bagatela imprópria apenas em relação ao delito de lesão corporal, conforme a
ementa de fl s. 250.
No presente writ, a Defensoria argumenta que, apesar de o fato ser
penalmente punível, a pena tornou-se desnecessária diante das condições
pessoais do autor. Informa que a aplicação da pena ao paciente não condiz com
a vontade da vítima.
Pugna, liminarmente e no mérito, pela aplicação do princípio da bagatela
imprópria para o crime de cárcere privado, reconhecendo-se a desnecessidade de
aplicação da pena.
Passo à análise da irresignação.
O Tribunal a quo, ao julgar os embargos infringentes opostos contra o
acórdão que julgou a apelação, por maioria, deu parcial provimento ao recurso,
conforme a seguinte fundamentação exarada no voto da Desembargadora
Relatora:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
656
O embargante está sendo acusado de dois delitos: lesão corporal e cárcere
privado, o primeiro de ação penal pública condicionada à representação e
o segundo de ação penal pública incondicionada, que não exige nenhuma
condição de procedibilidade.
No caso em tela, tenho que o crime de violência doméstica cometido, de ação
penal pública condicionada que é, ante a dupla retratação da vítima às fl . 71-73
e fl . 105, ainda que a destempo, deve ser considerada, pois, como bem colocado
pelo voto vencido do Des Romero Osme Dias Lopes “(...) Se a palavra da ofendida
foi levada em consideração para acusar o réu, por que não permitir que a mesma
exerça a faculdade de suplantar a acusação (...)”.
Neste ponto, tenho que o feito merece provimento, sendo imperioso consignar
que, mais que a bagatela imprópria, o desejo da vítima em continuar com seu
algoz, por mais que pareça estranha ao homem comum, deve prevalecer, por sua
conta e risco, pois ela, a vítima, mais que todos, é sabedora da violência que sofre
continuamente.
Entretanto, deve persistir o crime de cárcere privado, previsto no art. 148 do
Código Penal, pois tal delito é de ação penal pública incondicionada, que não está
na disponibilidade de direitos da vítima.
Ante o exposto, contra o Parecer, dou parcial provimento ao recurso para
que prevaleça o voto vencido do Des. Romero em relação ao crime de violência
doméstica, persistindo o crime de cárcere privado.
De início, faz-se necessário esclarecer o conceito e as consequências do
princípio da irrelevância penal do fato ou princípio da bagatela imprópria.
A esse respeito, cumpre transcrever as lições de Luiz Flávio Gomes, in
“Princípio da Insignifi cância e outras excludentes de tipicidade”, editora Revista
dos Tribunais, 2011, p. 29:
2. Infração bagatelar imprópria: é a que nasce relevante para o Direito Penal
(porque há desvalor da conduta bem como desvalor do resultado), mas depois
se verifi ca que a incidência de qualquer pena no caso concreto apresenta-se
totalmente desnecessária (princípio da desnecessidade da pena conjugado com
o princípio da irrelevância penal do fato).
(...)
O fundamento da desnecessidade da pena (leia-se: da sua dispensa) reside em
múltiplos fatores: ínfi mo desvalor da culpabilidade, ausência de antecedentes
criminais, reparação dos danos, reconhecimento da culpa, colaboração com a
justiça, o fato de o agente ter sido processado, o fato de ter sido preso ou ter
fi cado preso por um período etc.. Tudo deve ser analisado pelo juiz em cada caso
concreto. Lógico que todos esses fatores não precisam concorrer conjugadamente.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 657
Cada caso é um caso. Fundamental é o juiz analisar detidamente as circunstâncias
do fato concreto (concomitantes e posteriores) assim como seu autor.
O princípio da irrelevância penal do fato tem como pressuposto a não
existência de uma infração bagatelar própria, porque nesse caso teria incidência
o princípio da insignifi cância). Mas se o caso era de insignifi cância própria e o juiz
não a reconheceu, nada impede que incida a posteriori o princípio da irrelevância
penal do fato. Há, na infração bagatelar imprópria, um relevante desvalor da ação
assim como do resultado. O fato praticado é, por isso, em princípio, penalmente
punível. Instaura-se processo contra o agente. Mas tendo em vista todas as
circunstâncias do fato (concomitantes e posteriores ao delito) assim como o seu
autor, pode ser que a pena se torne desnecessária.
Consoante lição doutrinária, o reconhecimento do princípio da bagatela
imprópria permite que o julgador, mesmo diante de um fato típico, deixe de
aplicar a pena em razão desta ter se tornado desnecessária.
No vertente caso, o Tribunal a quo reconheceu a incidência do princípio da
bagatela imprópria quanto ao crime de lesão corporal, tendo em vista que este se
processa mediante ação penal pública condicionada.
Contudo, deixou de aplicar o citado princípio para o crime de cárcere
privado, por se tratar de delito que se processa através de ação penal pública
incondicionada. A seguir transcreve-se o seguinte trecho do acórdão:
Entretanto, deve persistir o crime de cárcere privado, previsto no art. 148 do
Código Penal, pois tal delito é de ação penal pública incondicionada, que não está
na disponibilidade de direitos da vítima.
É bem verdade que a ação penal pública incondicionada não se submete
ao juízo de oportunidade e conveniência da vítima para se manifestar sobre seu
interesse na persecução penal do autor do fato criminoso.
Dessa forma, com razão o acórdão a quo, que asseverou que os fundamentos
considerados para aplicar o princípio da bagatela imprópria ao delito de lesão
corporal não são extensivos ao delito de cárcere privado, em razão da diversidade
dos requisitos das respectivas ações penais.
Ainda que assim não fosse, o paciente não reúne requisitos subjetivos
positivos que justifi quem a não imposição da pena. O juiz singular, ao analisar a
dosimetria da pena na sentença condenatória, assim consignou:
Do delito previsto no art. 148, § 1º, incisos I e V do CP.
O réu agiu com alto grau de culpabilidade; possui condenações criminais
por homicídio qualificado, roubo qualificado e furto (fls. 53-58), cuja extinção
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
658
da pena se deu em período de tempo superior a cinco anos, o que justifi ca a
exasperação nesta fase; inexistem elementos nos autos para que se possa aferir
suas características do convívio social e personalidade; o motivo do delito foi a
negativa de ex-companheira em manter relação sexual, o que já é considerado
como qualificado, não surtindo efeito nesta fase; as circunstâncias do delito
circunscrevem a violência doméstica, objeto de uma das qualifi cadoras; tendo
em vista que o acusado incidiu em duas qualifi cadoras, justifi ca-se o aumento
da pena base; segundo apurado, a conduta teve como consequências grande
sofrimento físico e psíquico para a vítima.
Sopesadas as circunstâncias analisadas individualmente, fixa-se a pena-
base em 03 (três) anos de reclusão, e à míngua de circunstâncias atenuantes ou
agravantes e causas, genérica ou especial, de aumento ou diminuição, esta pena
se torna defi nitiva. (fl . 142).
Verifica-se, portanto, que foi ressaltado pelo magistrado sentenciante
o desvalor tanto da conduta (violência doméstica) como do resultado (grave
sofrimento físico e psíquico para a vítima), somando a isso, o fato do paciente
ter sido condenado anteriormente por outros delitos igualmente graves, o que
impede reconhecer a desnecessidade da pena. Sobre o tema:
Processo Penal. Penal. Habeas corpus. Descaminho. Tributo. Lei n. 10.522/2002.
Princípio da insignifi cância. Inaplicabilidade. Reiteração da conduta típica. Presença
do desvalor da ação.
O Princípio da Insignifi cância incide quando, praticada conduta formalmente
típica, ausente a tipicidade material ou o desvalor do resultado.
O caso, devido às suas peculiaridades, deve ser analisado sob a luz do Princípio
da Irrelevância Penal do Fato, que, para a sua incidência, exige a ausência ou
insignifi cância não só do desvalor do resultado, como também do desvalor da ação
e da culpabilidade.
O abuso dos postulados do minimalismo penal, através da reiteração da
conduta típica descrita no art. 334 (descaminho) do Código Penal - revelando a
existência do desvalor da ação -, impede a aplicação da tese da insignifi cância,
ainda que o valor do tributo devido seja inferior ao estabelecido no art. 20 da Lei
n. 10.522/2002.
Ordem denegada.
(HC n. 63.419-RS, Rel. Ministro Paulo Medina, Sexta Turma, julgado em
18.9.2008, DJe 28.10.2008).
Assim considerado, denego a ordem.
É como voto.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 659
HABEAS CORPUS N. 224.343-MS (2011/0267990-0)
Relator: Ministro Jorge Mussi
Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Mato Grosso do Sul
Advogado: Graziela Eilert Barcellos - Defensora Pública
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
Paciente: José Martins Marques
Paciente: Tereza Leite Ramires Barreto
EMENTA
Habeas corpus. Maus tratos. Crime de menor potencial ofensivo.
Citação pessoal infrutífera. Declínio de competência para a vara
criminal. Chamamento fi cto. Não esgotamento dos meios disponíveis
para localização dos acusados. Constrangimento ilegal confi gurado.
Ordem concedida.
1. A citação por edital somente deve ser efetuada quando
esgotados todos os meios disponíveis para se encontrar pessoalmente
o réu.
2. O tema ganha relevo quando se trata de crime de menor
potencial ofensivo, mormente porque o rito sumaríssimo não comporta
a chamada citação fi cta, a qual, afi gurando-se necessária, importa na
declinação da competência do Juizado Especial Criminal para a
Justiça Comum, nos termos do parágrafo único do art. 66 da Lei n.
9.099/1995.
3. Tal circunstância, por representar alteração de competência
absoluta, prevista no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal,
evidencia que a determinação da aludida modificação deve ser
precedida do esgotamento dos meios disponíveis para a localização
do acusado, sob pena de malferimento ao princípio do juiz natural,
também de índole constitucional (art. 5º, inciso LIII, da CF/1988).
4. Embora o mandado citatório tenha sido direcionado para dois
possíveis endereços dos pacientes, apenas um foi alvo da diligência
infrutífera do meirinho, sendo certo que, depois de declinada a
competência absoluta, a citação pessoal foi efetivada no endereço
remanescente.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
660
5. Ordem concedida para anular a ação penal defl agrada em
desfavor dos pacientes perante a Vara Criminal da comarca de Rio
Brilhante-MS, desde o recebimento da denúncia, inclusive.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellizze, Campos
Marques (Desembargador convocado do TJ-PR) e Laurita Vaz votaram com o
Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 25 de setembro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Jorge Mussi, Relator
DJe 9.10.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Jorge Mussi: Trata-se de habeas corpus com pedido liminar
impetrado em favor de José Martins Marques e Tereza Leite Ramires Barreto,
apontando como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Estado de Mato
Grosso do Sul, que negou provimento à Apelação n. 2011.010093-3.
Noticiam os autos que os pacientes foram condenados como incursos nas
sanções do art. 136, § 3º, do Código Penal, sendo José à pena de 2 (dois) meses
e 20 (vinte) dias de detenção e Tereza a 8 (oito) meses de detenção, ambos em
regime inicial aberto.
Irresignada, a defesa interpôs recurso de apelação para o Tribunal de
Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul, ao qual foi negado provimento, tendo
sido opostos embargos de declaração, os quais foram rejeitados.
Sustenta a impetrante a ocorrência de constrangimento ilegal sob o
argumento de que a citação dos pacientes realizada por edital estaria eivada de
nulidade, tendo em vista que não teriam sido esgotadas todas as possibilidades
para citá-los pessoalmente.
Alega que o postulado pas nullité san grief não deveria ser aplicado no
caso em tela, porquanto o prejuízo acarretado pelo ilegal deslocamento da
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 661
competência do Juizado para a Justiça Comum seria evidente em razão dos
acusados terem sido julgados por juízo incompetente.
Destaca que a competência dos Juizados seria absoluta e que a transferência
do feito teria impossibilitado que os pacientes fossem benefi ciados com a
transação penal.
Requer, liminarmente, a reforma do acórdão objurgado, bem como a
suspensão dos seus efeitos até o julgamento fi nal deste writ e, no mérito, pugna
por sua desconstituição.
O pleito liminar foi deferido para suspender os efeitos do acórdão
objurgado até o julgamento do mérito da impetração, nos termos da decisão de
fl s. 297-298.
As informações prestadas pela autoridade apontada como coatora foram
juntadas às fl s. 307-342.
Em parecer acostado às fls. 351-357, o Ministério Público Federal
manifestou-se pela concessão da ordem.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Jorge Mussi (Relator): Por meio deste habeas corpus a
impetrante pretende, em síntese, o reconhecimento da nulidade do ato citatório
dos pacientes, tendo em vista que não teriam sido esgotados os meios disponíveis
para realizá-lo pessoalmente, circunstância que deu ensejo à modifi cação de
competência prevista no parágrafo único do artigo 66 da Lei n. 9.099/1995.
Consta dos autos que os pacientes foram denunciados perante o Juizado
Especial Adjunto da comarca de Rio Brilhante-MS como incursos nas sanções
do artigo 136, § 3º, do Código Penal, acusados de praticarem maus tratos em
detrimento da prole.
Infrutífera a diligência para citação pessoal dos pacientes (fl. 57), o
magistrado do aludido Juizado determinou a remessa dos autos para a Vara
Criminal (fl . 63), na qual foi determinado o chamamento fi cto, nos termos do
artigo 396 do Código de Processo Penal.
Depois de publicado o edital, sobreveio nos autos informação acerca do
endereço dos pacientes (fl . 80), no qual foram regularmente citados (fl . 84).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
662
Entretanto, infere-se da cópia do mandado citatório encartada à fl . 53 dos
da impetração que nele constaram dois possíveis endereços dos pacientes, quais
sejam, “rua Juviano Medeiros, 201 - Vila Fátima ou na BR 163 - Próximo ao
Bangalô”, sendo certo que em apenas um destes foram procurados, no qual não
foram encontrados.
Posteriormente, quando já declinada a competência do Juizado Especial
Criminal, os pacientes foram regularmente citados por mandado no outro
endereço constante dos autos, circunstância que evidencia o constrangimento
ilegal alegado na impetração.
Como se sabe, é por meio do ato citatório que o acusado é chamado
a integrar a relação processual, no seio da qual poderá usufruir de todas as
garantias previstas na Constituição Federal para exercer o seu direito de defesa.
Restando infrutífera a tentativa de sua localização nos endereços conhecidos, o
legislador ordinário previu a utilização da chamada citação por edital, também
conhecida por citação fi cta, a fi m de que o processo não fi que eternamente
paralisado à espera da voluntariedade do acusado em submeter-se à persecução
penal.
Em respeito à garantia da ampla defesa, deve-se proceder a tal modalidade
de citação apenas quando esgotados todos os recursos disponíveis capazes de
localizar o endereço do acusado. Todavia, não há uma exigência absoluta para
que se proceda a uma pesquisa nos cadastros de todos os órgãos onde o acusado
possa ter declinado suas informações pessoais, mormente quando exista nos
autos notícias acerca do seu possível paradeiro.
Nesse sentido, confi ra-se lição de Eugênio Pacelli de Oliveira acerca da
citação editalícia:
Por óbvio, não se exige a adoção incondicional da expressão local incerto e
não sabido, como se se tratasse de fórmula sacramental. O que há de ser exigido
é a referência expressa às providências adotadas pelo ofi cial de justiça, bem como
a impossibilidade de prosseguimento das diligências, pelo desconhecimento do
paradeiro do réu.
Não se pode também exigir que sejam pesquisados todos os órgãos públicos
que eventualmente possam apresentar mais informações sobre o acusado,
havendo decisões, inclusive, em que se dispensa a consulta prévia à Justiça
Eleitoral e ao Ministério do Trabalho (RT 531/289).
É de se observar, porém, que a desnecessidade das apontadas diligências
manifesta-se em hipóteses nas quais já existiam, nos autos do inquérito policial ou
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 663
de procedimento administrativo investigatório, informações acerca do endereço
e/ou do paradeiro do acusado, ainda que, posteriormente, essas informações não
se revelem sufi cientes. (Curso de processo penal. 10ª ed. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2008. p. 483.)
A relevância do tema é maior quando se trata de crime de menor potencial
ofensivo, mormente porque o rito sumaríssimo não comporta a chamada citação
fi cta, a qual, afi gurando-se necessária, importa na declinação da competência
do Juizado Especial para a Justiça Comum, nos termos do parágrafo único do
artigo 66 da Lei n. 9.099/1995.
Tal circunstância, por representar alteração de competência absoluta,
prevista no artigo 98, inciso I, da Constituição Federal, evidencia que a
determinação da aludida modifi cação deve ser precedida do esgotamento dos
meios disponíveis para a localização do acusado, sob pena de malferimento ao
princípio do juiz natural, também de índole constitucional (art. 5º, inciso LIII,
da CF/1988).
No caso, o descuido do juízo competente foi determinante para a irregular
remessa dos autos à Justiça Comum, conforme assumido pelo próprio Tribunal
de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul por ocasião do julgamento dos
embargos de declaração. Confi ra-se:
Por outro lado verifi co que no Juizado Especial Criminal realmente não foram
esgotadas as tentativas de citação e intimação pessoal dos embargantes, já que o
endereço dos mesmos constava do mandado. (fl . 289.)
A afi rmação feita pelo Tribunal de origem é sufi ciente para, por si só, trazer
à tona a eiva que contamina a ação penal em tela, já que processada por Órgão
do Poder Judiciário absolutamente incompetente.
Nesse sentido:
Abuso de autoridade (policial). Prescrição (caso). Submissão de menor sob
vigilância a vexame e a espancamento (Estatuto da Criança e do Adolescente).
Juizado Especial (competência).
(...)
4. Ocorre que tal prosseguimento não era lícito. Tratando-se de competência
de ordem absoluta, o Juiz da sentença era absolutamente incompetente, sendo
competente o Juizado Especial Criminal.
5. Habeas corpus concedido para se declarar a nulidade dos atos processuais
desde o recebimento da denúncia, julgando-se extinta a punibilidade do fato
pela prescrição da pretensão punitiva.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
664
(HC n. 46.212-MG, Rel. Ministro Nilson Naves, Sexta Turma, julgado em
6.12.2007, DJe 9.6.2008).
Criminal. REsp. Exercício de atividade com infração de decisão administrativa
e falsifi cação de documento particular. Competência. Conexão. Regra de unidade
de processo e julgamento. Inaplicabilidade. Prevalência da regra constitucional.
Juizado Especial Criminal. Competência absoluta. Nulidade dos atos decisórios
praticados pelo juízo incompetente. Recebimento da denúncia. Prescrição
retroativa. Reconhecimento. Extinção da punibilidade. Recurso provido.
(...)
III - A competência dos Juizados Especiais, de previsão constitucional, é
absoluta.
(...)
IX. Recurso provido, nos termos do voto do Relator.
(REsp n. 883.863-RJ, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, julgado em
19.4.2007, DJ 4.6.2007, p. 422).
Constatada, portanto, a errônea declinação da competência o Juizado
Especial Criminal, concede-se a ordem para anular a ação penal defl agrada em
desfavor dos pacientes perante a Vara Criminal da comarca de Rio Brilhante,
desde o recebimento da denúncia, inclusive.
É o voto.
HABEAS CORPUS N. 229.513-MS (2011/0310938-2)
Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze
Impetrante: N L da S
Advogado: Daniela Fernandes Peixoto Coinete
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul
Paciente: N L da S
EMENTA
Habeas corpus impetrado em substituição ao recurso previsto
no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 665
entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional.
Medida imprescindível à sua otimização. Efetiva proteção ao direito
de ir, vir e fi car. 2. Alteração jurisprudencial posterior à impetração do
presente writ. Exame que visa privilegiar a ampla defesa e o devido
processo legal. 3. Violação sexual mediante fraude. Representação.
Formalidade. Desnecessidade. Demonstração inequívoca do interesse
de ver apurada a autoria e a materialidade do fato. 4. Habeas corpus não
conhecido.
1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando
a racionalidade do ordenamento jurídico e na funcionalidade do
sistema recursal, vinha se fi rmando, mais recentemente, no sentido de
ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às
hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo
Penal. Louvando o entendimento de que o Direito é dinâmico, sendo
que a defi nição do alcance de institutos previstos na Constituição
Federal há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as
mudanças de relevo que se verifi cam na tábua de valores sociais, esta
Corte passou a entender ser necessário amoldar a abrangência do
habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de
remédio constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.
Precedentes.
2. Atento a essa evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal
Federal passou a adotar decisões no sentido de não mais admitir habeas
corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente
cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, considerando que
a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se após a impetração do
presente mandamus, devem ser analisadas as questões suscitadas
na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal
evidente, a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício,
evitando-se, assim, prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.
3. De acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça, a representação necessária a instauração da ação penal pública
condicionada não necessita obedecer qualquer regramento formal,
podendo ser apresentada verbalmente ou por escrito, bastando a
demonstração clara do interesse do ofendido em ver apuradas a
autoria e materialidade do fato contra ele praticado. Precedentes.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
666
4. No caso, destacou o Tribunal de Justiça que a vítima compareceu
à repartição policial, expondo sua intimidade, no sentido de que se
tomassem as providências cabíveis, demonstrando a intenção de
prosseguir com a apuração criminal, o que é sufi ciente para tornar
legítima a atuação do Ministério Público Estadual, sem prejuízo de
verifi cação posterior, no curso da ação penal, da verdadeira motivação
da representação, bem como da veracidade ou idoneidade dos fatos
relatados para a caracterização do crime.
5. Habeas corpus não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, não conhecer do pedido.
Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-
PR), Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE), Laurita Vaz e
Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 4 de outubro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator
DJe 15.10.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus impetrado
em favor de N. L. da S., apontando-se como autoridade coatora o Tribunal de
Justiça de Mato Grosso do Sul.
Depreende-se dos autos que o paciente foi denunciado pela suposta prática
das condutas descritas no art. 215, caput, do Código Penal, e no art. 47 do
Decreto-Lei n. 3.688/1941.
Recebida a denúncia, impetrou a defesa habeas corpus no Tribunal de
Justiça de Mato Grosso do Sul, buscando o reconhecimento da nulidade do
processo, por falta de condição específi ca de procedibilidade.
A Primeira Turma Criminal, aos 5 de dezembro de 2011, denegou a
ordem, e o acórdão recebeu a seguinte ementa (fl s. 161-164):
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 667
Ementa. Habeas corpus. Violação sexual mediante fraude e exercício ilegal da
profi ssão. Representação da ofendida. Falta do termo suprida pela manifestação
de vontade da vítima. Ordem denegada.
O comparecimento da ofendida na delegacia, relatando todo o ocorrido,
expondo sua intimidade, no sentido de que a Policia tomasse as providências
cabíveis, indicam a intenção em prosseguir com a apuração criminal e ver o autor
do delito processado penalmente, pois é manifestação de vontade que supre a
formalidade do termo.
No Superior Tribunal de Justiça, sustenta o impetrante que a ação penal
“padece de nulidade absoluta insanável, diante a ilegitimidade da parte ante
a falta de representação da vítima, razão pela qual requer o seu trancamento
liminarmente” (fl . 3). Sublinha que, na espécie, não houve o oferecimento de
representação formal pela vítima, sendo que “o que se observa dos autos é a
existência, apenas e tão somente de um boletim de ocorrência, acompanhado de
declarações da vítima, as quais foram colhidas na mesma ocasião, imediatamente
após o registro do boletim, onde não há qualquer alusão ao objetivo da vítima de
dar início à ação penal” (fl . 6).
Pondera que a “vingar a tese de que um simples boletim de ocorrência,
onde a vítima noticia os fatos delituosos, se trata de representação, estaríamos
diante do fi m das ações penais públicas condicionadas à representação da vítima,
pois bastaria qualquer pessoa se dirigir à Delegacia de Polícia, registrar um
B.O onde necessariamente irá relatar os fatos, para que o Ministério Público
estivesse legitimado a agir” (fl . 7). Destaca que para o início de persecução
criminal nesses casos, a despeito de não se exigir forma para a representação
do ofendido, “é necessário estar evidenciado nos autos o desejo do ofendido em
ver o acusado responsabilizado criminalmente, o que, respeitosamente, não se
verifi ca na presente ação” (fl . 7).
Assere que, “o que se observa nos presentes autos é a total ausência de
qualquer manifestação expressa da vítima no sentido de que desejava dar início
à ação penal, ou seja, das declarações que a vítima prestou no inquérito jamais
fi cou claro seu objetivo de dar início à ação penal, ela apenas e tão somente
relatou os fatos, portanto, se a vítima tinha esse objetivo, jamais sequer o
mencionou, seja de forma direta, seja indireta, tanto no boletim de ocorrência,
quanto nas declarações que prestou” (fl . 7).
Diante disso, pede, em tema liminar, a suspensão do processo até o
julgamento defi nitivo deste habeas corpus. No mérito, busca seja determinado o
trancamento da ação penal por ofensa ao art. 225 do Código de Processo Penal.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
668
O pedido liminar foi indeferido (fl . 172).
Prestadas as informações (fl s. 175-186), foram os autos encaminhados ao
Ministério Público Federal, que opinou pela denegação da ordem (fl s. 190-192).
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): A liberdade de locomoção
do indivíduo, independentemente dos transtornos dos procedimentos, da
gravidade dos fatos criminosos, há muito ocupa lugar de destaque na escala
de valores tutelados pelo Direito, razão pela qual sempre mereceu especial
tratamento nos ordenamentos jurídicos das sociedades civilizadas.
Lembremo-nos que a República Federativa brasileira assenta-se na
dignidade da pessoa humana, e não há dignidade sem que haja proteção aos
direitos fundamentais, tampouco há dignidade sem que o ordenamento jurídico
estabeleça garantias que possibilitem aos indivíduos fazer valer, frente ao Estado,
esses direitos.
Entre nós, com os parâmetros que lhe dá a Constituição e o Código
de Processo Penal, é reconhecida a garantia constitucional do habeas corpus,
criado com o objetivo de evitar ou fazer cessar violência ou coação à liberdade
de locomoção decorrente de ilegalidade ou abuso de poder. Nesse contexto,
ressaltou Pontes de Miranda “que a liberdade pessoal é a liberdade física:
ius manendi ambulandi, eundi ultro citroque; e sua extensão coincide com a
aplicabilidade do habeas corpus, remédio extraordinário, que se instituíra para
fazer cessar, de pronto e imediatamente, a prisão ou o constrangimento ilegal”.
(MIRANDA. Pontes de. Comentários à Constituição de 1967. São Paulo.
Revista dos Tribunais. 1967.)
Sabemos todos que o remédio constitucional do habeas corpus nasceu
historicamente como uma necessidade de contenção do poder e do arbítrio do
Estado.
No Brasil, com o advento da Constituição Republicana, três posições
se firmaram acerca da garantia constitucional: alguns, como Rui Barbosa,
sustentavam que o remédio constitucional deveria ser aplicado em todos os
casos em que um direito estivesse ameaçado, impossibilitado no seu exercício
por abuso de poder ou ilegalidade; em sentido oposto, afi rmava-se que o habeas
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 669
corpus, por sua natureza e origem histórica, era remédio destinado exclusivamente
à proteção da liberdade de locomoção. Por fi m, uma terceira corrente, vencedora
no seio do Supremo Tribunal Federal, propugnava incluir na proteção do habeas
corpus não só os casos de restrição da liberdade de locomoção, como também
situações em que a ofensa a essa liberdade fosse meio de ofender outro direito.
Consolidou-se na jurisprudência, após a reforma constitucional de 1926,
a tendência de se vincular o habeas corpus à proteção de direitos diretamente
relacionados à liberdade de locomoção. A propósito, o art. 113, inciso 23, da
Constituição, disciplinava que: “Dar-se-á habeas corpus sempre que alguém
sofrer, ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade, por
ilegalidade ou abuso de poder. Nas transgressões, disciplinares não cabe o habeas
corpus.”
No entanto, a fi m de garantir a proteção de direitos outros, instituiu o
legislador constituinte, no art. 113, inciso 33, nova ação constitucional: “Dar-
se-á Mandado de Segurança para defesa do direito, certo e incontestável,
ameaçado ou violado por ato manifestamente inconstitucional ou ilegal de
qualquer autoridade. O processo será o mesmo do Habeas Corpus, devendo ser
sempre ouvida a pessoa de direito público interessada. O mandado não prejudica
as ações petitórias competentes.”
Como cediço, as Constituições de 1946, 1967 e 1988 mantiveram a
garantia constitucional do habeas corpus em seus textos, sendo que esta última
destacou no inciso LXVIII do art. 5º, que “conceder-se-á habeas corpus sempre
que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua
liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder”. O Código de
Processo Penal, no mesmo diapasão, dispõe no art. 647, que: “dar-se-á Habeas
Corpus sempre que alguém sofrer ou se achar na iminência de sofrer violência ou
coação ilegal na sua liberdade de ir e vir, salvo nos casos de punição disciplinar.”
Enquanto não encontre eu, nos dispositivos mencionados acima,
argumentos para elastecer o cabimento do remédio constitucional a questões
que não envolvem diretamente o direito de ir, vir e ficar do indivíduo, a
jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal,
talvez como refl exo da redemocratização do país depois de mais de vinte anos
de ditadura militar, na intenção de proteger o cidadão, foi ampliando, aos
poucos, o cabimento do habeas corpus a fi m de salvaguardar direitos que apenas
indiretamente poderiam refl etir na liberdade de locomoção.
O estudo da prática judicial do habeas corpus mostrou que o instituto
passou a ser utilizado, por exemplo, com o fi m de impugnar atos persecutórios
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
670
do Estado desprovidos de ameaça imediata de prisão, como a instauração
de inquérito policial. Embora não existam dúvidas de que o só ajuizamento
da persecução penal já seja sufi ciente para atingir o estado de dignidade do
acusado, de modo a provocar graves transtornos para aqueles que se envolvem
no cenário criminal, parece-me que, se não há o risco de prisão, não seria
o habeas corpus o meio processual adequado para se discutir a existência de
eventual ilegalidade. Não obstante, a jurisprudência dos Tribunais pátrios
passou a admitir a utilização do remédio heroico a fi m de combater todo tipo de
coação ou ameaça oriunda de ilegalidade ou abuso de poder. Noutras palavras,
o habeas corpus tornou-se o remédio constitucional adequado para atacar, a
qualquer tempo, todos os atos da persecução criminal.
O exame das decisões do Superior Tribunal de Justiça demonstra que o
habeas corpus já foi aceito inclusive para reparar ilegalidades que recaíram sobre o
sequestro de bens imóveis e ativos fi nanceiros, decretado durante a investigação
policial, matéria que não afeta, sequer de forma refl exa, o direito de ir, vir e
fi car do indivíduo (HC n. 144.407-RJ, Relatora a Ministra Laurita Vaz, DJe de
28.6.2011).
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal, reformando anterior decisão
do Superior Tribunal de Justiça que não conhecera do mandamus, concedeu a
ordem para autorizar direito de visita de paciente custodiado em estabelecimento
prisional, ao fundamento de que a “decisão do juízo das execuções, ao indeferir o
pedido de visitas formulado, repercute na esfera de liberdade, porquanto agrava,
ainda mais, o grau de restrição da liberdade do paciente” (HC n. 107.701-RS,
Segunda Turma, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJe de 23.3.2012).
No entanto, parece-me que se foi além da meta – proteção do direito
fundamental à liberdade de locomoção –, quem sabe se não se tomou a nuvem
por Juno; passou-se a admitir, fora das hipóteses de cabimento previstas na
Constituição Federal e no Código de Processo Penal, a impetração de habeas
corpus como meio ordinário de impugnação, ainda que ausente ameaça concreta
e imediata ao direito de ir, fi car e vir, inviabilizando, consequentemente, a
proteção judicial efetiva, tendo em vista que a duração indefi nida do processo
compromete de modo decisivo a proteção da dignidade da pessoa humana, “na
medida em que permite a transformação do ser humano em objeto dos processos
estatais”. (MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2ª
Edição. São Paulo. Saraiva. 2008. p. 100.)
Observem que no ano de 2011, o Superior Tribunal de Justiça recebeu
o habeas corpus de número duzentos mil. A questão preocupante está no fato
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 671
de que metade das ações chegou à Corte Superior nos últimos três anos –
Anuário da Justiça do Brasil 2012. No Supremo Tribunal Federal, da mesma
forma, 4.457 habeas corpus foram protocolizados em 2011. Em razão disso,
o operador do direito viu-se diante de tormentosa situação, vez que deveria
perseguir a máxima efetividade da garantia fundamental, mas, também ter em
mente que a utilização do habeas corpus indistintamente, em substituição aos
recursos previstos no ordenamento jurídico, confi gura banalização do remédio
constitucional.
Desse modo, consolidou-se, por meio de reiteradas decisões do Superior
Tribunal de Justiça a tendência de se atenuar as hipóteses de cabimento
do remédio constitucional, destacando-se que o habeas corpus é antídoto de
prescrição restrita, que se presta a reparar constrangimento ilegal evidente,
incontroverso, indisfarçável e que, portanto, se mostra de plano comprovável
e perceptível ao julgador. Logo, não se destina à correção de equívocos ou
situações as quais, ainda que eventualemnte existentes, demandam para sua
identifi cação e correção o exame de matéria de fato ou da prova que sustentou o
ato ou a decisão impugnada.
Mais que isso, observou a jurisprudência desta Corte ser o habeas
corpus remédio constitucional voltado ao combate de constrangimento ilegal
específi co, de ato ou decisão que afete, potencial ou efetivamente, direito líquido
e certo do cidadão, com refl exo direto em sua liberdade. Dessa forma, não
se presta à correção de decisão sujeita a recurso próprio, previsto no sistema
processual penal, não sendo, pois, substituto de recursos ordinários, especial ou
extraordinário.
Nesse contexto, peço, respeitosamente, licença à Ministra Maria Th ereza
de Assis Moura (AgRg no HC n. 239.957-TO, DJe de 11.6.2012) e ao
Ministro Gilson Dipp (HC n. 201.483-SP, DJe de 27.10.2011) para valer-me
das seguintes passagens de seus votos: (I) “O habeas corpus não é panacéia e não
pode ser utilizado como um ‘super’ recurso, que não tem prazo nem requisitos
específi cos, devendo se conformar ao propósito para o qual foi historicamente
instituído, é dizer, o de impedir ameaça ou violação ao direito de ir e vir”;
(II) “É imperiosa a necessidade de racionalização do habeas corpus, a bem de
se prestigiar a lógica do sistema recursal, devendo ser observada sua função
constitucional, de sanar ilegalidade ou abuso de poder que resulte em coação ou
ameaça à liberdade de locomoção, inexistente na espécie”; (III) “Conquanto o
uso do habeas corpus em substituição aos recursos cabíveis - ou incidentalmente
como salvaguarda de possíveis liberdades em perigo - crescentemente fora de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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sua inspiração originária tenha sido muito alargado pelos Tribunais, há certos
limites a serem respeitados, em homenagem à própria Constituição, devendo
a impetração ser compreendida dentro dos limites da racionalidade recursal
preexistente e coexistente para que não se perca a razão lógica e sistemática dos
recursos ordinários, e mesmo dos excepcionais, por uma irrefl etida banalização e
vulgarização do habeas-corpus”.
O Supremo Tribunal Federal, atento a essa evolução hermenêutica, passou
a adotar, recentemente, decisões no sentido de não mais admitir habeas corpus
que tenha por objetivo substituir o recurso ordinário constitucional. A mudança
jurisprudencial consolidou-se no julgamento do Habeas Corpus n. 109.956-PR,
Relator o Ministro Marco Aurélio, impetrado contra decisão que indeferiu
diligências requeridas pela defesa. Na oportunidade, destacou o Ministro
Relator:
O habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, além de não estar abrangido
pela garantia constante do inciso LXVIII do artigo 5º do Diploma Maior, não
existindo qualquer previsão legal, enfraquece este último documento, tornando-o
desnecessário no que, nos artigos 102, inciso II, alínea a, e 105, inciso II, alínea a,
tem-se a previsão de recurso ordinário constitucional a ser manuseado, em tempo,
para o Supremo, contra decisão proferida por Tribunal Superior indeferindo
ordem, e para o Superior Tribunal de Justiça, contra ato de Tribunal Regional
Federal e de Tribunal de Justiça. O Direito é avesso a sobreposições e impetrar-
se novo habeas, embora para julgamento por Tribunal diverso, impugnando
pronunciamento em idêntica medida implica inviabilizar, em detrimento de
outras situações em que requerida, a Jurisdição. Cumpre implementar – visando
restabelecer a efi cácia dessa ação maior, a valia da Carta Federal no que prevê não
o habeas substitutivo, mas o recurso ordinário – a correção de rumos. Consigno
que, no tocante a habeas já formalizado sob a óptica da substituição do recurso
constitucional, não ocorrerá prejuízo para o paciente, ante a possibilidade de vir-
se a conceder, se for o caso, a ordem de ofício. (STF, Primeira Turma, HC n. 109.956-
PR, Relator o Ministro Marco Aurélio, j. em 7.8.2012).
Aos 21 de agosto de 2012, a Ministra Rosa Weber, no julgamento do
Habeas Corpus n. 104.045-RJ, destacou que o meio recursal ordinariamente
previsto para a análise de eventual ofensa à legislação federal relativa à dosimetria
da pena é a apelação e, a depender do caso concreto, o recurso especial ou
extraordinário:
Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e desvirtuamento.
Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade ou
arbitrariedade.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 673
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental
do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também
não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como
remédio heróico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior
prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.
Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração
de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal
próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira
Turma desta Suprema Corte.
2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O
Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras
absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,
mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no
exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o
controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a
correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de
aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.
3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal
autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde
que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito
de neutras as demais vetoriais.
4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada
somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias
judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do
mesmo diploma legal. Precedentes.
5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e
valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da
fi xação das penas.
6. Habeas corpus rejeitado. (STF, Primeira Turma, HC n. 104.045-RJ, Relatora a
Ministra Rosa Weber, j. em 21.8.2012.)
Essa orientação foi aplicada, aos 22 de agosto de 2012, pelo Ministro Luiz
Fux, que negou seguimento ao Habeas Corpus n. 114.550-AC, tendo em vista
a incompetência do Supremo Tribunal Federal para examinar habeas corpus
substitutivo de recurso ordinário constitucional.
Recebeu a decisão os seguintes fundamentos:
A prevalência do entendimento de que o Supremo Tribunal Federal deve
conhecer de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário constitucional
contrasta com os meios de contenção de feitos, remota e recentemente
implementados: Súmula Vinculante e Repercussão Geral, com o objetivo viabilizar
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
674
o exercício pleno, pelo Supremo Tribunal Federal, da nobre função de guardião
da Constituição da República. E nem se argumente com o que se convencionou
chamar de jurisprudência defensiva. Não é disso que se trata, mas de necessária,
imperiosa e urgente reviravolta de entendimento em prol da organicidade do
direito, especifi camente no que tange às competências originária e recursal do
Supremo Tribunal Federal para processar e julgar habeas corpus e o respectivo
recurso ordinário, valendo acrescer que essa ação nobre não pode e nem deve
ser banalizada a pretexto, em muitos casos, de pseudonulidades processuais com
refl exos no direito de ir e vir. (STF, Primeira Turma, HC n. 114.550-AC, Relator o
Ministro Luiz Fux, j. em 22.8.2012.)
Mesmo vencido no leading case, o Ministro Dias Toff oli rendeu-se ao
entendimento fi rmado pela Primeira Turma da Corte Constitucional e, com
fundamento na nova orientação, recusou trânsito a habeas corpus impetrado em
substituição ao recurso ordinariamente previsto no art. 102, inciso II, alínea a,
da Constituição Federal (STF, Primeira Turma, HC n. 114.924-RJ, Relator o
Ministro Dias Toff oli, j. em 29.8.2012).
Entendo que boa razão aqui têm os Ministros do Supremo Tribunal
Federal quando restringem o cabimento do remédio constitucional às hipóteses
previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. É que as vias
recursais ordinárias passaram a ser atravessadas por incontáveis possibilidades de
dedução de insurgências pela impetração do writ, cujas origens me parece terem
sido esquecidas, sobrecarregando os Tribunais, desvirtuando a racionalidade do
ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal. Calhou bem a
mudança da orientação jurisprudencial, tanto que eu, de igual modo, dela passo
a me valer com o objetivo de viabilizar o exercício pleno, pelo Superior Tribunal
de Justiça, da nobre função de uniformizar a interpretação da legislação federal
brasileira.
Em suma, louvando-me no entendimento de que o Direito é dinâmico,
sendo que a defi nição do alcance de institutos previstos na Constituição Federal
há de fazer-se de modo integrativo, de acordo com as mudanças de relevo que se
verifi cam na tábua de valores sociais, tenho ser necessário amoldar a abrangência
do habeas corpus a um novo espírito, visando restabelecer a efi cácia de remédio
constitucional tão caro ao Estado Democrático de Direito.
Contudo, em homenagem à garantia constitucional constante do art. 5º,
inciso LXVIII, e considerando que a modifi cação da jurisprudência fi rmou-se
após a impetração do presente mandamus, passo à análise das questões suscitadas
na inicial no afã de verifi car a existência de constrangimento ilegal evidente, a
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 675
ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício, evitando-se, assim,
prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal.
Estamos aqui falando, reparem, de ato libidinoso diverso da conjunção
carnal praticado mediante fraude - art. 215 do Código Penal -, e o que se
pretende é que não admitamos o exercício da ação penal pública condicionada
à representação. Na origem, votou o relator, denegando a ordem, em razão
do “comparecimento da ofendida na delegacia, expondo sua intimidade, no
sentido de que a polícia tomasse as providências cabíveis, indicando a intenção
de prosseguir com a apuração criminal e de ver o autor do delito processado
penalmente” (fl . 161).
No ponto, recupero os seguintes trechos das declarações prestadas pela
vítima à Polícia Civil (fl . 29):
Inquirida pela autoridade, respondeu: que, no dia 28.7.2010 um homem dando
o nome de Thiago foi até sua casa e disse ser fi sioterapeuta e que trabalhava com
Arlete agente de saúde e que ela o mandou ir até lá; que o autor disse que fazia
massagens e como a declarante estava precisando aceitou, ele primeiro fez uma
massagem em sua irmã e pediu para ela tirar a roupa, mas ela não quis e saiu
do quarto da declarante; que o autor pediu um lugar tranquilo e sem ninguém
por perto para fazer a massagem nela e a declarante o levou para o quarto dela
e ele pediu para ela tirar a blusa, na primeira massagem não aconteceu nada de
estranho, mas que o autor disse que ela precisaria de mais 6 massagens; que, no
período da tarde no mesmo dia o autor pediu para a declarante tirar toda a roupa
e jogou um óleo no corpo dela nu; que neste momento ele jogou uma toalha em
seu rosto e enfi ou um dedo na vagina da declarante e ela assustada pediu para
ele parar, mas ele dizia que estava fazendo isso para ela relaxar e neste momento
pediu para ela rebolar; que a declarante percebeu que ele estava sexualmente
excitado; que o cunhado da declarante chegou e deixou o autor nervoso, indo
embora; que o autor na data de hoje foi até sua casa de novo e a declarante
chamou a polícia e só agora soube que o autor não se chama Thiago e sim
Nedson Lechener da Silva.
De fato, conquanto a regra relativamente à legitimação para a persecução
processual penal evidencie o interesse público de toda a comunidade na repressão
da atividade criminosa, existem situações em que outra ordem de interesses,
igualmente relevantes, devem ser tutelados pelo ordenamento jurídico.
Logo, há casos em que, em razão do escândalo provocado pelo ajuizamento
da ação penal, reserva-se à vítima o juízo de oportunidade e conveniência
da instauração da persecução penal, com o objetivo de evitar a produção de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
676
novos danos em seu patrimônio - moral, social, psicológico - diante de possível
repercussão negativa trazida pelo conhecimento generalizado do fato criminoso.
Sabemos todos que tal medida de discricionariedade consiste no
condicionamento da instauração da ação penal (art. 24 do Código de Processo
Penal) e do próprio inquérito policial (art. 5º do Código de Processo Penal) à
manifestação explícita do ofendido, no sentido de autorizar a persecução estatal,
revelando, de modo inequívoco, seu interesse em ver apurado o fato contra ele
praticado.
No particular, há na doutrina lições no sentido de que a aludida
manifestação não necessita obedecer qualquer regramento formal. Noutras
palavras, pode ser oferecida sem maiores rigores procedimentais, verbalmente
ou por escrito, bastando a demonstração clara do interesse do ofendido em
ver apuradas a autoria e materialidade do fato, dele exigindo-se, apenas, e
se for possível, “a narração do fato, com todas as circunstâncias; a indicação
do indiciado ou de seus sinais característicos e as razões de convicção ou de
presunção de ser ele o autor da infração, ou os motivos de impossibilidade
de o fazer” (art. 5º, § 1º, do Código de Processo Penal). Observem que a
representação é instituída no interesse da vítima, daí a dispensa da formalidade,
admitindo-se diferentes maneiras de elaboração.
Ouçamos, pois, a doutrina: entre outros, Cezar Roberto Bitencourt,
cujo autorizado magistério ensina que “a representação não exige qualquer
formalidade, podendo ser manifestada mediante petição escrita ou oral. A
única exigência legal é que constitua manifestação inequívoca do ofendido de
promover a persecução penal. (Código Penal Comentado. ed. Saraiva. 2011, p.
567.)
Essa mesma percepção foi registrada por Guilherme de Souza Nucci,
ao esclarecer que a manifestação do ofendido “não exige rigorismo formal, ou
seja, um termo específi co em que a vítima declare expressamente o desejo de
representar contra o autor da infração penal”, destacando que “basta que das
declarações prestadas no inquérito, por exemplo, fi que bem claro o seu objetivo
de dar início à ação penal”. (Código de Processo Penal Comentado. Revista dos
Tribunais, 2009, p. 132).
De igual sorte, confira, também, a lição do Professor Julio Fabbrini
Mirabete (Código de Processo Penal Interpretado, Atlas, p. 89):
De há muito, porém, a jurisprudência se firmou no sentido de que a
representação não exige forma especial, bastando que o ofendido, seu
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 677
representante legal ou o procurador com poderes especiais manifeste o desejo de
instaurar contra o autor do delito o competente procedimento criminal, podendo
servir para isso até o boletim de ocorrência, declarações da vítima ou de seu
representante, etc.
Deve-se entender que, se a representação é instituída em benefício da vítima e
independe de formalidades, vale ela contra todos os autores do ilícito, ainda que
não constem seus nomes da peça, salvo se houver restrição expressa do ofendido.
Relativamente à jurisprudência, a do Superior Tribunal de Justiça é a que
foi recordada pelo desembargador relator do habeas corpus impetrado na origem,
a saber, “o simples registro da ocorrência perante a autoridade policial equivale a
representação para fi ns de instauração da instância penal” (REsp n. 541.807-SC,
Relator o Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 9.12.2003).
No mesmo sentido:
Recurso ordinário em habeas corpus. Violência doméstica contra a mulher (Lei
Maria da Penha). Prisão preventiva. Constantes ameaças direcionadas a vítima.
Periculosidade do paciente. Reiteração delitiva. Risco concreto. Garantia da
ordem pública. Necessidade. Descumprimento das medidas protetivas impostas.
Hipóteses autorizadoras da segregação antecipada. Presença. Custódia justifi cada
e necessária. Constrangimento ilegal não demonstrado.
1. Nos termos do inciso IV do art. 313 do CPP, com a redação dada pela Lei
n. 11.340/2006, a prisão preventiva do acusado poderá ser decretada “se o
crime envolver violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos da lei
específi ca, para garantir a execução das medidas protetivas de urgência”.
2. Evidenciado que o recorrente, mesmo após cientificado das medidas
protetivas de urgência impostas, ainda assim voltou a ameaçar a vítima,
demonstrada está a imprescindibilidade da sua custódia cautelar, especialmente
a bem da garantia da ordem pública, dada a necessidade de resguardar-se a
integridade física e psíquica da ofendida, fazendo cessar a reiteração delitiva, que
no caso não é mera presunção, mas risco concreto, e também para assegurar o
cumprimento das medidas protetivas de urgência deferidas.
Decadência. Suposta ausência de representação regular da vítima. Inexistência
de formalidades. Ofendida que registrou boletim de ocorrência na mesma data dos
fatos. Lapso decadencial não ultrapassado. Impossibilidade de aplicação subsidiária
das disposições do CPC. Natureza criminal do instituto. Ilegalidade não evidenciada.
Recurso improvido.
[...]
3. No caso em exame, a ofendida, no mesmo dia dos fatos (3.8.2008), registrou
um boletim de ocorrência relatando as ameaças sofridas - o qual motivou a
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
678
instauração do inquérito policial -, ou seja, ofereceu a representação tão logo teve
ciência dos fatos e do autor da infração, razão pela qual não se vislumbra que tenha
ultrapassado o lapso decadencial de 6 (seis) meses entre a ciência da autoria do
delito e a manifestação da sua vontade de promover a responsabilização criminal do
agente.
4. Doutrina e jurisprudência são uniformes no sentido de que a representação
prescinde de qualquer formalidade, sendo sufi ciente a demonstração do interesse da
vítima em autorizar a persecução criminal.
[...]
6. Recurso improvido. (RHC n. 26.613-SC, Relator o Ministro Jorge Mussi, DJe de
3.11.2011).
Reparem que o Supremo Tribunal Federal tem admitido o requerimento
de instauração de inquérito como bastante para caracterizar a representação do
ofendido, apta a satisfazer a condição de procedibilidade da modalidade de ação
penal pública condicionada. No ponto, citaria, por exemplo, o Habeas Corpus n.
88.843, Relator o Ministro Marco Aurélio, em que afi rmaram os Ministros da
Primeira Turma que, “não se deve exigir a observância rígida das regras quanto à
representação, principalmente quando se trata de crimes dessa natureza”.
Diante dessas considerações, apresentam-se-me corretos os fundamentos
adotados na origem, pois o comparecimento da vítima na repartição policial,
relatando os fatos e manifestando o desejo de prosseguir com a apuração do
suposto crime, tornou legítima a atuação do Ministério Público Estadual.
Nesse contexto, relembro que a análise dos fundamentos indicados pelas
instâncias ordinárias a fi m de justifi car a regularidade da persecução processual
penal deve ser feita com abstração das possibilidades, à luz dos elementos de
convicção contidos nos autos. Em outras palavras, na via estreita do habeas corpus,
a abordagem do julgador deve ser direcionada à verifi cação da compatibilidade
entre a situação fática retratada na decisão e a providência jurídica adotada.
Assim, o que importa neste momento são as afi rmações do Juiz e do
Tribunal de Justiça, sendo vedado, por via transversa, debater em tema de habeas
corpus matéria de fato discutida na causa e decidida com base na prova dos
autos. Desse modo, considerando a presunção iuris tantum de veracidade das
informações prestadas pelas instâncias ordinárias a esta Corte, não há falar em
ausência de condição específi ca de procedibilidade à instauração da ação penal.
Nada obstante, por imperativo de minha consciência, convém tecer
algumas considerações. Indiscutível que os elementos extraídos do inquérito
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 679
policial podem suscitar dúvidas acerca da existência da ação nuclear de induzir,
com o emprego de fraude, a prática de ato libidinoso diverso da conjunção
carnal. Depreende-se do relatório policial que as supostas massagens foram
contratadas e aceitas pela ofendida, sendo que após a primeira sessão, o acusado
voltou à casa da suposta vítima, no mesmo dia, no período da tarde, confi rmando
a contratação de mais seis massagens. Ora, não me parece ser próprio da
dinâmica adotada por profi ssional da área de saúde, contratado com o objetivo
de aliviar dores nas costas, introduzir o “dedo na vagina, com o pedido para que
a vítima rebolasse” (fl . 24). Ao que parece os fatos e conclusões delineados no
relatório policial não descrevem de que maneira a conduta do paciente poderia
se enquadrar na supracitada previsão típica. Assim, algumas indagações devem
ser esclarecidas no curso da ação penal, como, por exemplo, a razão pela qual a
ofendida somente chamou a polícia após várias sessões de massagens e depois
de ter seu cunhado constatado a presença do paciente na residência, ou, ainda,
se a intenção da vítima era mesmo de dar prosseguimento à ação penal ou
buscava ela apenas se resguardar perante o marido e demais familiares? Não
se descarta, por óbvio, sequer a possibilidade de existência de consentimento
no que se refere aos atos libidinosos diversos da conjunção carnal descritos
pela autoridade policial. No entanto, o habeas corpus foi impetrado nesta Corte
desacompanhado de elementos mínimos aptos a me permitirem a análise do
tipo penal e da existência de justa causa para a propositura ou a continuação da
ação penal. Além disso, o tema não foi suscitado perante a instância ordinária ou
na inicial deste mandamus. Diante dessas considerações, a conclusão a que chego
é de me encontrar destituído de elementos sufi cientes a modifi car o que fi cou
estabelecido pelas instâncias ordinárias para considerar ilegítima a atuação do
Ministério Público.
Diante dessas considerações, não conheço do habeas corpus.
É como voto.
HABEAS CORPUS N. 239.905-MT (2012/0079454-7)
Relator: Ministro Marco Aurélio Bellizze
Impetrante: Anderson Nunes de Figueiredo
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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Advogado: Anderson Nunes de Figueiredo
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso
Paciente: Alex Nunes de Figueiredo
EMENTA
Habeas corpus originário. Imputação da prática dos crimes de
calúnia e difamação por juiz de direito ao proferir decisão judicial.
Ausência do elemento volitivo essencial para a caracterização dos
delitos contra a honra. Constatação de inexistência de justa causa
para a persecução penal sem necessidade de revolvimento fático-
probatório. Constrangimento ilegal manifesto. Ordem concedida.
1. O trancamento de ação penal, através da estreita e exígua via
do writ, confi gura medida de exceção, somente cabível nas hipóteses
em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da conduta, a
extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano,
sufi cientes ao prematuro encerramento da persecução penal. Não
se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação de
alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de
inexistência de indícios de autoria e materialidade em habeas corpus,
pois tais constatações dependem, via de regra, da análise minuciosa
dos fatos, ensejando revolvimento de provas incompatível com o rito
sumário do remédio heroico.
2. Para a caracterização dos crimes contra a honra é necessária a
existência do elemento subjetivo especial, qual seja, a vontade livre e
consciente de caluniar, difamar ou injuriar, conforme o caso.
3. Contudo, na hipótese, mesmo em habeas corpus, fi ca evidente o
fl agrante constrangimento ilegal ocasionado ao paciente - querelado
e juiz de direito -, haja vista que da decisão judicial por ele proferida
não se vislumbra a imprescindível vontade dirigida a ofender a honra
alheia. Portanto, se alguma ofensa houve, tal não se embrenhou pela
seara penal exatamente por falta do elemento subjetivo do tipo. A
leitura cuidadosa da sentença proferida pelo paciente - e que foi
desfavorável às pretensões do querelante - demonstra tão somente o
cuidado do magistrado em elencar todas as razões de convencimento
que o levaram a concluir pela validade do negócio jurídico que se
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 681
visava anular, em perfeita harmonia com o comando disposto no art.
93, IX, da Constituição Federal.
4. Habeas corpus concedido a fi m de extinguir a Ação Penal
Privada n. 119.351/2011, por ausência de justa causa.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráfi cas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto
do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Campos Marques (Desembargador convocado do TJ-
PR), Laurita Vaz e Jorge Mussi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília (DF), 25 de setembro de 2012 (data do julgamento).
Ministro Marco Aurélio Bellizze, Relator
DJe 2.10.2012
RELATÓRIO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze: Trata-se de habeas corpus impetrado
em favor de Alex Nunes de Figueiredo, apontando-se como autoridade coatora
o Desembargador do Tribunal de Justiça de Mato Grosso.
Tem-se dos autos que o paciente, Juiz de Direito, teve oferecida contra
si, no Tribunal de Justiça de Mato Grosso, queixa-crime pela suposta prática
dos crimes previstos nos arts. 138 e 139 do Código Penal, no bojo de sentença
proferida em ação cível por ele julgada.
Irresignada com a não rejeição da queixa-crime pelo desembargador relator
e visando o trancamento da ação penal privada, a defesa impetrou habeas corpus
perante o Tribunal Estadual, sendo o pedido de liminar indeferido.
Daí o presente writ, no qual alega o impetrante, inicialmente, que as nuances
do caso autorizam a superação do Enunciado n. 691 da Súmula do Supremo
Tribunal Federal. Segue afi rmando que o paciente sofre constrangimento ilegal
em razão da propositura de ação penal sem que exista justa causa que a legitime,
tendo em vista que as condutas descritas na inicial a ele imputadas, nem mesmo
em tese, confi guram os crimes de calúnia e difamação.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
682
Acentua que o “paciente jamais teve a intenção, o dolo, genérico e muito
menos específi co, de caluniar, difamar ou injuriar o querelante ou quem quer
que seja” (fl . 8) e que “a ação penal também não deve prosperar por estar o
paciente (magistrado), na sua função judicante, amparado pela imunidade
judiciária, agindo não em nome próprio mas pelo e em nome do Estado o qual
personifi ca” (fl . 12).
Aduz a inépcia da queixa-crime, pois “em nenhum momento o querelante
descreve, com exatidão e clareza, os fatos por ele tidos como caluniosos e
difamatórios” (fl . 17), asseverando, ainda, que “no instrumento de mandato
juntado aos autos de origem (...) não há a narração dos fatos tidos por
criminosos, e sequer os dispositivos legais nos quais o querelado é dado como
incurso” (fl . 17), contrariando a exigência legal contida no art. 44 do Código de
Processo Penal.
Busca, liminarmente e no mérito, a suspensão da Ação Penal Privada n.
119.351/2011, até o julgamento fi nal do presente writ.
Liminar deferida, às fl s. 189-190, a fi m de sobrestar o andamento da
aludida ação penal até o julgamento defi nitivo do habeas corpus originário.
O douto Ministério Público Federal, ao manifestar-se (fls. 221-225),
opinou pela concessão da ordem para que a ação penal seja suspensa até o
provimento de mérito do writ originário.
As informações juntadas (fl s. 227-243) noticiam que a petição inicial
do mandamus impetrado na origem foi indeferida ante a constatação da
incompetência absoluta da Corte Estadual para o julgamento de habeas corpus
cuja autoridade apontada como coatora seja desembargador relator do respectivo
Tribunal. Nessa oportunidade, informou-se, ainda, que o recurso ordinário
interposto contra a referida decisão teve seu seguimento negado em razão do
não cabimento do referido recurso contra decisão monocrática.
Diante desse quadro, às fl s. 245-250, o impetrante aditou o pedido a fi m
de que este writ fosse recebido como habeas corpus originário, passando a ter
como objeto a decisão do desembargador relator do Tribunal de Justiça de Mato
Grosso que, ao invés de extinguir sumariamente a ação penal privada movida
em desfavor do paciente por ausência de justa causa, deu curso à queixa-crime.
Com isso, o impetrante passou a buscar, neste mandamus, o trancamento da Ação
Penal Privada n. 119.351/2011.
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Assim, nova vista dos autos foi franqueada ao Ministério Público Federal
que, às fl s. 257-262, opinou pela concessão da ordem a fi m de que se determine
o trancamento da ação penal de que se cuida.
É o relatório.
VOTO
O Sr. Ministro Marco Aurélio Bellizze (Relator): Considerando que o
presente writ se insurge contra ação penal em trâmite no Tribunal Estadual,
conheço desta impetração como habeas corpus originário, como pleiteado no
aditamento de fl s. 245-250, e passo à análise do pedido de trancamento ora
formulado.
É bem verdade, não se questiona, que o trancamento de ação penal, através
da estreita e exígua via do habeas corpus, confi gura medida de exceção, somente
cabível nas hipóteses em que se demonstrar, à luz da evidência, a atipicidade da
conduta, a extinção da punibilidade ou outras situações comprováveis de plano,
sufi cientes ao prematuro encerramento da persecução penal.
Rememoro, no particular, lição exarada pela Suprema Corte, ao salientar
que o “reconhecimento da inocorrência de justa causa para a persecução penal
(...) reveste-se de caráter excepcional. Para que tal se revele possível, impõe-
se que inexista qualquer situação de iliquidez ou de dúvida objetiva quanto
aos fatos subjacentes à acusação penal” (HC n. 81.234-SP, 2ª Turma, Relator
Ministro Celso de Mello, Informativo n. 317, 2003).
Não se admite, por essa razão, na maior parte das vezes, a apreciação de
alegações fundadas na ausência de dolo na conduta do agente ou de inexistência
de indícios de autoria e materialidade em habeas corpus, pois essas constatações
dependem, via de regra, da análise minuciosa dos fatos, ensejando revolvimento
de provas incompatível com o rito sumário do remédio heroico.
Contudo, na hipótese dos autos, é evidente o constrangimento ilegal
ocasionado ao paciente, consubstanciado na completa ausência de justa causa
para a ação penal privada movida em seu desfavor.
Diz a queixa-crime (fl s. 48-64):
Excelentíssimo Senhor Desembargador Presidente do Tribunal de Justiça de
Mato Grosso.
Luiz Antônio Pinheiro de Lacerda, brasileiro, casado, arquiteto, CREA-RJ n.
22.219-D, CPF n. 161.262.387-53, residente e domiciliado no SEPS 713-913, Bloco
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
684
B, apartamento 112, CEP n. 70.390 135, Brasília-DF vem à honrosa presença de V.
Exa., apresentar Queixa Crime, contra o Excelentíssimo Sr. Dr. Juiz de Direito, Alex
Nunes Pinto de Figueiredo, titular da 4a Vara Cível da Comarca de Cáceres, onde
pode ser encontrado.
Dos Fatos:
Em 4.9.2011. no Processo n. 462/2007 em trâmite na 4ª Vara Cível da Comarca
de Cáceres, o Querelado prolatou a seguinte sentença. Transcreve-se na íntegra e
se junta (doe. 01).
Luiz Antônio Pinheiro de Lacerda, brasileiro, casado, arquiteto, CPF n.
161.262.387-53, domiciliado à rua das Dalias, n. 582 bairro Jardim Cuiabá,
na cidade de Cuiabá-MT, propôs a presente Ação anulatória de Ato Jurídico
cumulada com Declaratória de Propriedade de Bem Imóvel, contra Oromar
Woods de Souza Neto, brasileiro, casado, advogado, domiciliado na Avenida
das Américas, n. 3.333, bairro Barra da Tijuca, na cidade do Rio de Janeiro,
alegando, em síntese, na exordial de fl s. 2-11, que no dia 9.6.1992 adquiriu
bem imóvel consistente em 16.000 hectares da Fazenda Descalvados, por
meio de escritura de doação, outorgada por sua mãe, já falecida, sendo
referida área desmembrada de outra que totalizava 37.853,8137 ha. Aduz
que posteriormente, passados quatro meses daquela doação, utilizando a
mesma planta e memorial descritivo, sua mãe, Alicinha Cavalcanti Freire,
destacou a mesma área com a finalidade de formar um condomínio,
vendendo ao requerido 8.000 hectares metade da área doada ato este
formalizado por meio de uma escritura pública de formação de condomínio
com compra e venda por tal motivo pediu antecipação dos efeitos da tutela
para que fosse determinada a anulação do registro de transferência para
o réu, e no mérito a declaração da nulidade da escritura de de compra
e venda feita entre sua mãe e o requerido, e a transferência do imóvel
para seu nome Alternativamente, pede que seja declarada a aquisição da
propriedade pela usucapião.
Com a inicial, juntou os documentos de fl s. 12-32.
Pela decisão de fl s. 35-38, a análise do pedido de tutela antecipada foi
postergada para momento posterior à apresentação da defesa.
O requerido ofereceu contestação às fls. 74-94, acompanhada dos
documentos de fls. 95-190. Na defesa sustenta o réu, em preliminar, a
prescrição ou decadência, e no mérito, que a escritura de doação do
autor não tem o condão de anular a sua, de compra, porque aquela não
foi registrada no cartório competente, sustentando ainda que o autor
age de má-fé porque sabia que sua mãe havia feito o negócio com ele
(requerido), e que inclusive foi o autor quem a assistiu, assinando recibos,
recebendo valores e sendo testemunha; aduz ainda que não se faz presente
a usucapião, porque nunca abandonou o imóvel.
Impugnação à contestação às fl s. 195-214.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 685
Pela decisão de fls. 267-273, o pedido de antecipação de tutela foi
indeferido; desta decisão não ouve recurso.
Foi proposta impugnação ao valor da causa pelo requerido Oromar (em
apenso), conforme a certidão de fl s. 274.
Também foi apensado aos autos a ação de interdito proibitório (p. 3)
proposta pelo autor (fl s. 275).
Pela decisão de fls. 316-322 da qual também não houve recurso, a
magistrada entendendo ser juridicamente impossível a cumulação de ritos
da ação ordinária com a de usucapião, determinou ao autor que emendasse
a inicial, desistindo de uma das ações e esclarecendo qual pedido queria ver
apreciado.
Houve pedido de assistência litisconsorcial, que foi impugnado, sendo
determinada sua, autuação em apartado (fl s. 350).
Às fl s. 366-367 e 371 o autor veio requerer o julgamento antecipado da
lide, aduzindo ainda estar amparado pelo Estatuto do Idoso. É o relatório.
Decido.
Trata-se de ação anulatória de ato jurídico, proposta por Luiz Antônio
Pinheiro de Lacerda, em face de Oromar Woods de Souza Neto.
Alternativamente pede o reconhecimento da prescrição aquisitiva.
Cumpre considerar inicialmente que o pedido anulatório feito pelo autor
é totalmente incompatível com aquele de reconhecimento da prescrição
aquisitiva vez que por se tratar de ações com naturezas distintas, possuindo
ritos próprios são incompatíveis, sendo impossível juridicamente a
cumulação da ação anulatória de rito ordinário, com ação de usucapião.
Tal fato já havia sido observado anteriormente pela magistrada que me
antecedeu, que inclusive concedeu prazo para que o autor optasse por
um dos ritos (fl s. 316-322), quedando-se silente já que na manifestação
de fl s. 323 não se pronunciou sobre a determinação judicial. Assim, como
a ação já seguia o rito ordinário, e o autor ao fi nal pediu, por duas vezes, o
julgamento antecipado da lide, presume-se que optou pelo procedimento
ordinário, desistindo do pedido da prescrição aquisitiva.
Sendo assim, entendo tal qual o autor, que as provas estão
suficientemente maduras para a prolação de sentença, não havendo a
necessidade de ulterior dilação probatória, motivo pelo qual com fulcro no
artigo 330, I, do CPC, passo a proferir a sentença.
Antes, porém, de adentrar no mérito, cumpre-me o exame da preliminar
de prescrição/decadência aventada pelo requerido na contestação.
No caso vertente tenho que nem a prescrição, muito menos a decadência
do novel Código Civil se aperfeiçoaram. É que a ação anulatória de ato
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
686
jurídico que ocorreu no ano de 1992 como no caso em tela tem como
prescrição o Código Civil de 1916 em seu art. 177 prevê:
Art. 177. As ações pessoais prescrevem, ordinariamente, em 20
(vinte) anos as reais em 10 (dez) entre presentes e entre ausentes em
15 (quinze), contados da data em que poderiam ter sido propostas.
O art. 2.028 do Código Civil de 2002 estabelece:
serão os da lei anterior os prazos quando reduzidos por este
código e se, na data de sua entrada em vigor, já houver transcorrido
mais da metade do tempo estabelecido na lei revogada.
Assim, como na data da entrada em vigor do código civil de 2002 já
havia decorrido prazo superior a metade do prazo prescricional previsto no
código civil de 1916, deve-se aplicar no caso em tela a prescrição vintenária.
Desta forma, rejeito a preliminar.
No mérito tenho que o pedido do autor é totalmente improcedente
com efeito, alega o requerente que no dia 9.6.1992 adquiriu bem imóvel
consistente em 16.000 hectares da fazenda Descalvados por meio de
escritura pública de doação outorgada por sua mãe, já falecida, sendo
referida área desmembrada de uma outra que totalizava 97.853,8137 ha.
Aduz que posteriormente, passados quatro meses daquela doação
utilizado a mesma planta e memorial descritivo, sua mãe, Alicinha Cavalcanti
Freire destacou a mesma área com a fi nalidade de formar um condomínio,
vendendo ao requerido 8.000 hectares, metade da área doada, ato este
formalizado por meio de uma escritura pública de formação de condomínio
com compra e venda.
Por tal motivo, pede a nulidade daquela escritura de compra e venda,
alegando que a área lhe pertence em razão da doação feita.
Muitas questões poderiam ser suscitados aqui no sentido de serem
respondidas, se bem que em relação as várias delas as respostas não estão
nos autos, como:
a) Por qual motivo o autor entrou com a ação somente 15 anos depois
da suposta doação feita a ele por sua mãe?
b) Por qual motivo o autor, mesmo assistindo sua mãe na transação feita
com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o
negócio trazidos com a contestação, permitiu que a área que supostamente
havia lhe sido doada quatro meses antes, fosse vendida ao requerido?
c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor
foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 687
conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele
Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no
próprio cartório do Rio de Janeiro?
d) Por qual motivo o autor lavrou a escritura de doação, juntamente com
o procurador da sua genitora, no Cartório do 2º Ofício de Cáceres, com o
Tabelião Apoio Freitas Polegato, Cartório este que tempos depois fi cou sob
interdição, haja vista a descoberta de fraudes nos assentamentos, inclusive
em escrituras, estando o seu ex-tabelião respondendo a inúmeras ações
cíveis e criminais na Justiça, já tendo sido condenado em algumas delas?
Todas aquelas questões, e outras inúmeras, em ações próprias com
certeza seriam ou serão dirimidas no entanto para o presente momento,
são irrelevantes já que a matéria será analisada apenas sob o ângulo do
direito.
Segundo os autos, temos duas escrituras públicas: a primeira a que
sustenta a pretensão do autor (fl s. 13-14) lavrada no dia 9 de julho de 1992,
e que não foi registrada no registro de imóveis no tempo certo. A segunda,
a que sustenta a pretensão do requerido (fl s. 15-10) lavrada no dia 7 de
outubro de 1992 e devidamente registrada no registro de imóveis junto a
matrícula do imóvel, no dia 26 d eoutubro de 1992, sob o n. 60.885 p. 300
(fl s. 117-vº e 122).
A doação feita é representada nos autos única e exclusivamente pela
escritura de doação trazida com a inicial, A escritura de compra e venda
feita entre o réu e a mãe do autor é sustentada por inúmeros documentos
trazidos com a contestação, grande parte deles assinados também pelo
autor. A primeira não foi registrada, e somente apareceu 15 (quinze) anos
depois de lavrada, a segunda foi registrada logo em seguida à concretização
do negócio (grifei) (...)
O artigo 531 do Código Civil de 1916, vigente na época do negócio tinha
a seguinte redação:
*Art 531 estão sujeitos é transcrição. no respectivo Registro de
títulos translativos da propriedade imóvel, por ato entre vivos.”
Por seu turno, dispunha o artigo 533:
“Art. 533, Os atos sujeitos à transcrição (arts. 531 e 532, II e III) não
transferem o domínio, senão da data em que se transcreverem (art.
860, parágrafo único).
A matéria é repetida pelo atual Código Civil, nos seus artigos 1.245:
Art. 1.245. Transfere-se entre vivos a propriedade mediante o
registro do título translativo no Registro de Imóveis.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
688
§ 1º Enquanto não se registrar o título translativo, o alienante
continua a ser havido como dono do imóvel [...].
No mesmo sentido afi rma o ilustre Ministro Luiz Fux:
a lei reclama o registro dos títulos translativos da propriedade
imóvel por ato inter vivos, onerosos ou gratuitos, posto que os
negócios jurídicos em nosso ordenamento jurídico, não são hábeis
a transferir o domínio do bem. Assim, titular do direito é aquele em
cujo nome está transcrito a propriedade imobiliária (STJ REsp n.
848.070-GO, Dje 25.3.2009).
Na doutrina, Silvio Rodrigues estabelece que os modos de aquisição
de propriedade previstos no antido art. 530 do Código Beviláqua eram
taxativos, não havendo, pois no direito brasileiro modo diverso de adquirir
a propriedade imobiliária senão aqueles listados nos incisos do art. Em
questão.
O Código Civil de 1916 enumerava, em seu art. 530, os modos de
aquisição da propriedade imóvel. A enumeração era taxativa, não
conhecendo a lei outros que não aqueles ali constantes. (in Direito
Civil, Vol. V, Saraiva, 2002, p. 93).
Assim sendo, trasladando a lex e os ensinamentos acima expostos para
o caso vertente, supondo que houve boa-fé, quando a genitora do autor
lhe doou a área em litígio, continuou ela como proprietária do imóvel,
não se aperfeiçoando o seu translado, já que não houve o registro na
matricula respectiva a venda ao réu. Não houve, portanto, a transferência
da propriedade a este, foi perfeitamente válida a alienação por ela feita
posteriormente ao réu Oromar Woods de Souza Neto, e para este o
domínio da área que adquiriu foi transferido com o registro do negócio no
transferido com o registro no tabelionato competente, passando ele a ser
dono do imóvel.
Por outro lado, não há nos autos nada que indique ter o réu agido de
má-fé, pelo contrário, consta dos autos documentos demonstrando, à
saciedade, que ó próprio autor auxiliou sua mãe na venda da propriedade
para o requerido, quando supostamente já a havia doado (ao autor) o
imóvel, esses documentos encontram-se às fl s. 100-101.124, 132-136, 185
e 187.
Pelo que constato, se má-fé houve, esta foi do próprio autor, que permitiu
que um negócio se realizasse em cima de uma área que supostamente
havia sido doada, tendo ciência disso, recebendo juntamente com sua
mãe o valor, deixando o réu nela investir para depois passados 15 (quinze)
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 689
anos, querer anular o contrato pelo qual foi um dos responsáveis pela
concretização.
Ressalto que nem os próprios irmãos do autor concordam com a
anulação por ele pretendida, muito menos com a validade da doação feita
por sua mãe a ele, conforme observo dos autos de pedido de assistência
litisconsorcial em apenso (Id. n. 96.215).
Desta forma, entendo ser perfeitamente válido o negócio entabulado
entre o requerido e a genitora do autor, e se prejuízo este último teve com
a segunda alienação feita pela sua mãe, deveria dela tê-lo cobrado quando
ainda estava viva, e não agora voltar-se contra o réu que agiu de boa-fé o
tempo todo.
Isto posto, e por tudo o mais que dos autos consta, julgo improcedente
o pedido contido na exordial e, com fulcro no artigo 269, inciso I, do CPC,
declaro extinto o feito com resolução do mérito. Admito Eny Lacerda
Leite de Barros e Edi Lacerda de Barros, como assistentes litisconsorciais
do réu Oromar Woods de Souza Neto, em razão do evidente interesse
dos mesmos na demanda, conforme exposto nestes autos e naquele em
apenso (Id n. 96.215), no entanto, deixo de ali produzir prova uma vez que
o presente decisum esgota, por ora, o interesse na assistência, motivo pela
qual determino o traslado de cópia desta sentença para aqueles autos (Id.
n. 96.215), após: o arquivamento dele com as devidas baixas na distribuição.
Com o presente decisum prejudicado fi ca o pedido feito nos autos de
impugnação ao valor da causa (Id. n. 82.525), em apenso, pelo que com
fulcro no artigo 267, inciso VI, do CPC, extingo estes autos sem resolução do
mérito, deixando de condenar em honorários advocatícios por se tratar a
impugnação de mero incidente processual. Traslade-se cópia deste decisum
para aquele processo, arquivando-o com baixa na distribuição.
Condeno o autor Luiz Antônio Pinheiro de Lecerda no pagamento das
custas e despesas processuais, bem como em honorários advocatícios, que
fi xo, diante da regra do artigo 20, § 4º, do CPC. considerando o grau de zelo
do advogado do requerido, a natureza e a importância da causa, o seu valor,
e o trabalho realizado pelo advogado, R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais).
Transitada em julgado, arquive-se com as baixas devidas. P. R. I. C.
Câceres, 3 de agosto de 2011.
Alex Nunes de Figueiredo
Juiz de Direito
O juiz (querelado) usando de seu cargo, de forma covarde, abusiva e criminosa
utiliza a sentença para imputar fatos falsos e ofensivos à reputação do Querelante.
Transcreve-se abaixo o texto, parte da sentença, onde o juiz extrapola a sua
função de julgador, servidor público imparcial, e se coloca na posição de agressor.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
690
Muitas questões poderiam ser suscitados aqui no sentido de serem
respondidas, se bem que em relação as várias delas as respostas não estão
nos autos, como:
a) Por qual motivo o autor entrou com a ação somente 15 anos depois
da suposta doação feita a ele por sua mãe?
b) Por qual motivo o autor, mesmo assistindo sua mãe na transação feita
com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o
negócio trazidos com a contestação, permitiu que a área que supostamente
havia lhe sido doada quatro meses antes, fosse vendida ao requerido?
c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor
foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,
conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele
Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no
próprio cartório do Rio de Janeiro?
d) Por qual motivo o autor lavrou a escritura de doação, juntamente com
o procurador da sua genitora, no Cartório do 2º Ofício de Cáceres, com o
Tabelião Apoio Freitas Polegato, Cartório este que tempos depois fi cou sob
interdição, haja vista a descoberta de fraudes nos assentamentos, inclusive
em escrituras, estando o seu ex-tabelião respondendo a inúmeras ações
cíveis e criminais na justiça, já tendo sido condenado em algumas delas?
O “Juiz da causa” ora Querelado foi aos autos em sentença, pela motivação
que se verá mais abaixo, difamar o ora Querelante, imputando-lhe fatos ofensivos
à sua reputação e dignidade, descaradamente disfarçados de “questões que
poderiam ser suscitadas no sentido de serem respondidas”.
Qual outro poderia ser o sentido das questões senão os de serem respondidas?
Somente o de agredir e difamar. Em linhas posteriores da sentença ele
confi rma essa intenção, inclusive, mostrando que as capciosas perguntas não
eram irrelevantes para sua deturpada e agressiva sentença.
0 Querelado enceta agressivas suposições levantando dúvidas quanto às
motivações do Querelante, indagação irrelevante para o julgamento com ele
mesmo posteriormente afi rma, mas que serve para iniciar seu assédio contra a
moral e boa fé do querelante.
Afirma o meretíssimo em sua tendenciosa sega pergutna (b) no primeiro
parágrafo da página 4 (quatro):
b) Por qual motivo o autor, mesmo assistindo sua mãe na transação feita
com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o
negócio trazidos com a contestação, permitiu que a área que supostamente
havia lhe sido doada quatro meses antes, fosse vendida ao requerido?
Se fossem irrelevantes as questões porque as formularia?
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 691
Transcrevem-se parte da pergunta. Para uma melhor analise da indagação que
contém em si uma afi rmação falsa: “mesmo assistindo sua mãe na transação feita
com o réu, já que consta sua assinatura em diversos documentos sobre o negócio
trazidos com a contestação”.
O querelante não assinou nenhum documento.
Sem tentar responder ao meretíssimo, mas apenas para demostrar sua falsa
afi rmação cabe ilustrar que o querelante não tem e nuca teve autoridade policial
e muito menos judicial para impedir que qualquer pessoa adulta, mesmo sendo
sua mãe, cometesse ou praticasse ato ilegal ou ilícito.
Destaca-se que esta insinuação de assistiu a mãe na negociação é caluniosa,
pois atribuiu ao querelante à pecha de estelionatário, mesmo que o juiz tenha
tido o cuidado de fazer a acusação veladamente em forma de pergunta cínicas.
Não há nos autos qualquer prova documental ou testemunhal que desse
ensejo a esta interpretação, ou seja, o juiz preferiu mentir e encobrir o delito do Sr.
Oromar e da Sra Alicinha, fi nada mãe do querelante.
E o pior, resolve acusar de forma leviana a vitima do estelionato praticado.
Quanto ao grifo na palavra “supostamente” é para chamar a atenção para o
que vem a seguir em outra “questão irrelevante para o processo’’ quando o juiz vai
levantar suspeita contra o cartório que lavrou a escritura de doação.
Ao colocar a palavra “supostamente”, o Querelado no verdadeiro sentido da
frase está acusando o Querelante de falsifi car ou falsear a verdade através de um
documento público; a Escritura de Doação.
Alguém só supõe alguma coisa quando não tem a certeza sobre ela. Imputar
ao réu, a sua falecida mãe e ao procurador desta, a hipótese de terem, com a
participação do cartório, adulterado ou mesmo fabricado a Escritura é calúnia.
E por ter caluniado gratuitamente o querelante deve ser criminalmente
responsabilizado, ainda mais da forma que foi feita, através de sentença judicial.
Ademais, neste particular, acusa também o cartório de Cáceres na pessoa de
seu Tabelião.
É uma metralhadora desrespeitosa! Esmiuçar-se-á este trecho da sentença:
c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor
foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,
conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele
Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no
próprio cartório do Rio de Janeiro?
Primeira pergunta: - por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a
mãe do autor foi representada por procurador?
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
692
A Sra. Alicinha maior e capaz decidiu, por comodidade, passar a uma pessoa
de sua confi ança, de moral ilibada, procuração para doar ao seu fi lho os 16.000
hectares. Não há ilícito nisso.
Por outro lado esta pergunta irrelevante demonstra a intenção clara de caluniar
e difamar o querelante, pois novamente acusa o mesmo de praticar ato ilegal.
Segunda pergunta: - Porque ela estava no Rio de Janeiro, conforme a
procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele Estado?
Ora, qualquer pessoa pode outorgar procuração em qualquer cidade do
país, no caso da Sra. Alicinha esta decidiu outorgar lá a procuração, pois,
frequentemente ia ao Rio de Janeiro, onde morou por 30 anos.
A resposta a esta pergunta é irrelevante processualmente, mas demonstra o
nítido interesse do querelado em difamar e caluniar o querelante. Insinuando
através dela que o ato foi ilícito.
Terceira pergunta; - Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação
no próprio cartório do Rio de Janeiro?
Essa pergunta é muito capciosa especialmente acompanhada da pergunta
seguinte. Esse tipo de atitude, sorrateira e escorregadia, costumeira, é indigna de
um servidor público ocupando temporariamente o cargo de juiz.
Mas respondendo, se seria mais fácil ou mais difícil, não diz respeito ao caso, o
que diz respeito ao processo é que a doação foi feita, não interessa onde.
E mais uma vez confi rma e denota que o que queria o juiz era levantar dúvidas
sobre o caráter do querelante, e por isso deve responder criminalmente.
Claro está que este exacerbou sua função jurisdicional e começou em abuso
de autoridade a tecer acusações e questionamentos levianos contra a honra e a
moral do querelante.
A pergunta seguinte é sintomática.
c) Por qual motivo na escritura de doação de fl s. 13-14, a mãe do autor
foi representada por procurador? Porque ela estava no Rio de Janeiro,
conforme a procuração por ela outorgada ao dito procurador naquele
Estado? Então não seria mais fácil ela ter feito a escritura de doação no
próprio cartório do Rio de Janeiro?
Em função de quê se não era relevante ao processo?
Questionar porque ela estava fora é no mínimo uma ofensa ao direito de ir e vir
da falecida mãe do querelante.
O Querelado não tem nada a ver com isso, não lhe diz respeito e não é de sua
conta. Ela era livre e podia estar em qualquer lugar que lhe aprouvesse, inclusive
sem ter que dar satisfação alguma a qualquer juiz.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 693
Para responder essa substancial indagação, se o julgador acreditar, deve
procurar um centro espírita. Pergunta agressiva sem pé nem cabeça.
Há também outro aspecto, que neste momento se torna relevante - o juiz está
cometendo o crime de calúnia contra o procurador da falecida mãe do Querelante
O que se observa na colocação estapafúrdia do Querelado é que ele distribui
agressões a todos, simplesmente porque assim lhe apraz.
A questão terão aos autos a pior das acusações, caluniosa, pois acusa o
Querelado de envolvimento em fraudes nos assentamentos do Cartório do 2º
Ofício de Cáceres, com o Tabelião Apoio Freitas Polegato.
d) Por qual motivo o autor lavrou a escritura de doação, juntamente com
o procurador da sua genitora, no Cartório do 2º Ofício de Cáceres, com o
Tabelião Apoio Freitas Polegato, Cartório este que tempos depois fi cou sob
interdição, haja vista a descoberta de fraudes nos assentamentos, inclusive
em escrituras, estando o seu ex-tabelião respondendo a inúmeras ações
cíveis e criminais na Justiça, já tendo sido condenado em algumas delas?
Continua o assédio contra a moral do Querelante no restante do texto:
A doação feita é representada nos autos única e § exclusivamente pela
escritura de doação trazida com a inicial. A escritura de compra e venda feita entre
o réu e a mãe do autor é sustentada por inúmeros documentos trazidos com a
contestação, grande parte deles assinados também pelo autor.
O juiz está farto de saber que uma doação de imóvel se faz através de
Escritura Pública, podendo ainda ser feita através de documento particular com
as formalidades legais. Isso é verdade, no entanto, transformando a “pergunta
irrelevante”, que no fundo é outra mentira sem subterfúgios, torna a mentir desta
feita, além de continuar com a falsidade acima denunciada, mente ao afi rmar que
com a contestação vieram inúmeros documentos que “sustentam a escritura feita
entre o réu e a mãe do autor, ora Querelante.
Não há sequer um documento que prove ou sustente a afi rmações publicadas
na sentença.
Finaliza as agressões dizendo que inúmeras questões além das perpetradas
com certeza seriam dirimidas em ações próprias. Quais perguntas? Ações de
quem contra quem? O que o Querelado quis dizer?
Consciente do ato criminoso praticado e duvidando da propositura da presente
queixa, encerra os seus impropérios confi rmando serem estes irrelevantes para o
processo e para a matéria analisada.
Todas aquelas questões, e outras inúmeras, em ações próprias com
certeza seriam ou serão dirimidas, no entanto, para o presente momento,
são irrelevantes já que a matéria será analisada apenas sob o ângulo do
direito (grifei).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
694
Esqueceu-se de que, se são irrelevantes para os processo e para ele, nâo
deveriam sequer aparecer nos autos, muito menos pelas mãos e pela mente
perversa do juiz.
Se apareceram foi para agredir, pois o conteúdo é agressivo, e se foi para
agredir, para o agredido não são irrelevantes.
Suas agressões foram feitas em instrumento público e com ampla divulgação
por veículo ofi cial de publicação.
O patrimônio moral do Querelante foi sem duvida atingido, não só com a
calúnia e difamação em si, mas também com a ampla divulgação alcançada.
Confi rmando que o querelado apenas usou a palavra - “irrelevantes” - para as
questões postas no intuito de disfarçar o que realmente pensa e conclui.
Por outro lado, não há nos autos nada que indique ter o réu agido de
má-fé, pelo contrário, consta dos autos documentos demonstrando, à
saciedade. que o próprio autor auxiliou sua mãe na venda da propriedade
para o requerido, guando supostamente já a havia doado (ao autor) O
imóvel, esses documentos encontram-se às fl s. 100-101.124. 132-136. 185
e 187(grifei).
Pelo que constato, se má-fé houve, esta foi do próprio autor, que permitiu
que um negócio se realizasse em cima de uma área que supostamente
havia lhe sido doada, tendo ciência disso, recebendo juntamente com sua
mãe O valor, deixando o réu nela investir para depois, passados 15 (quinze)
anos, querer anular o contrato pelo qual foi um dos responsáveis pela
concretização.
Só mentiras, calúnias e difamações. Antes, jogando pedra e escondendo a
mão, em forma de “questões irrelevantes” agora, se desmascarando difama e
atribui ao querelante atos que não foram por estes cometidos.
Para encerrar cabe informar por fi m que a atitude tresloucada do julgador, em
parte se deu por uma informação errada que lhe passou seu irmão Anderson.
O Dr. Anderson, advogado, sem explicação plausível, não ser ganância e falta
de hombridade, levou ao conhecimento do seu irmão a informação (mentirosa)
de que o Querelante e sua advogada, acima citada estariam dispostos a trocar
uma sentença favorável pelo arquivamento do caso em que esteve presente o
fi lho do Querelado.
Afi rmou o Dr. Anderson, na frente de seu pai, ao Querelante que a Dra. Maria
Alice era fofoqueira e estava inventando a agressão verbal sofrida por ela dentro
do gabinete do juiz, que em altos brados a chamou de chantagista e a informou
que se daria por impedido.
O caso foi arquivado por ser a melhor ou única solução possível, jamais alguém
sequer pensou em troca de favores.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 695
Este caso se deu no prédio em que reside o juiz na cidade de Cuiabá - MT, à
Avenida Ipiranga n. 255.
Durante uma festinha promovida pelo fi lho do juiz, um adolescente, como
também o é o fi lho do Querelado, pulou do 4o andar do referido prédio.
Por uma dessas coincidências da vida, a delegada que presidia o inquérito é
fi lha da Dra. Maria Alice.
Se alguém quis tirar proveito desse acidente, não foi com certeza, nem o
Querelante, muito menos sua advogada, muito pelo contrário, se houve alguém
em erro, este foi o julgador que não cumpriu com sua ameaça, não se considerou
impedido, que era o mais digno a ser feito.
Muito pelo contrário, depois de arquivado o inquérito em Cuiabá, ele julgou
rancorosamente e com ofensas ao Querelante.
Do Direito:
Ao afi rmar sob a forma de sugestão ou suposição o Querelado agiu de má-fé,
imputando ao querelante, atos e atitudes que este não produziu ou participou,
com o agravante de sua “supostamente merecida” posição de julgador incorreu
em duas agressões ao Código Penal.
Difamação
Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação:
Pena - detenção, de três meses a um ano, e multa.
Calúnia
Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido
como crime:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.
§ 1o - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a
propala ou divulga.
§ 2o - É punível a calúnia contra os mortos.
Está explícito que o querelado praticou crimes contra a honra do querelante
e deve ser responsabilizado criminalmente por tais fatos e para que isto seja
possível o querelante apresenta esta queixa crime requerendo seu regular
processamento e ao fi nal a condenação do querelado nas penas previstas no
Código Penal.
Faz-se juntada cópias dos autos em que foi proferida a sentença caluniadora e
difamante.
Requer-se ainda, a citação do querelado bem como a oitiva de testemunhas
que presenciaram alguns dos fatos narrados nesta peça.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
696
Como se vê, foi atribuída ao paciente, pelo querelante, a prática dos crimes
previstos nos arts. 138 (calúnia) e 139 (difamação) do Código Penal, porque
teria - no bojo de sentença proferida nos autos da Ação Anulatória de Ato
Jurídico - ao julgar improcedente o pedido, ofendido a honra do querelante.
Contudo, observo que os fatos narrados na queixa-crime, por si só, não
permitem a adequação típica pretendida pelo querelante, pois ausente, de
forma patente, a presença do elemento volitivo indispensável à confi guração
dos aludidos delitos, visto que para a caracterização dos crimes contra a honra é
necessária a existência do elemento subjetivo especial, qual seja, a vontade livre e
consciente de caluniar, difamar ou injuriar, conforme o caso.
Mesmo em habeas corpus, fi ca evidente o fl agrante constrangimento ilegal
ocasionado ao paciente, haja vista que os fatos descritos na peça inaugural da
ação penal não apontam condutas reveladoras do intuito de ofensa à honra do
querelante.
De fato, uma coisa é se sentir ultrajado. Outra, é ter contra si uma
conduta dirigida à fi nalidade de denegrir a honra. Não raras vezes se pode,
incidentalmente, atingir a honra subjetiva de alguém sem que sequer se tenha
conhecimento do agravo ocasionado. Não por outro motivo, exige-se para
o gravame da persecução penal o animus caluniandi, difamandi e injuriandi,
conforme o caso. Essa imprescindível consciência e vontade dirigida a ofender a
honra alheia é que, embora nos limites do habeas corpus, não se verifi ca. Portanto,
se alguma ofensa houve, tal não se embrenhou pela seara penal exatamente por
falta do elemento subjetivo do tipo.
A leitura cuidadosa da sentença proferida pelo paciente - e que foi
desfavorável às pretensões do querelante - demonstra tão somente o cuidado
do magistrado em elencar todas as razões de convencimento que o levaram
a concluir pela validade do negócio jurídico que se visava anular, em perfeita
harmonia com o comando disposto no art. 93, IX, da Constituição Federal.
Por outro vértice, haja vista que da decisão prolatada pelo paciente,
por si só, não ressai o elemento subjetivo necessário para a confi guração dos
delitos imputados, deveria a queixa-crime apontar o dolo específi co de ofensa
- seja à honra subjetiva, seja à honra objetiva -, obrigação essa da qual não se
desincumbiu.
De se ressaltar que a acusação deve sempre estar amparada em suporte
probatório mínimo, tendo em vista que a simples instauração do processo penal
já atinge a dignidade do acusado. Não há justa causa para a ação penal quando
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 697
a inicial acusatória limita-se a afi rmar a existência do elemento subjetivo sem,
contudo, demonstrá-lo. Assim, não me parece haver, na sentença proferida pelo
paciente - a que se reportou a queixa-crime -, dolo de ofensa à honra.
Dessa forma e atento, ainda, à imunidade judiciária assegurada aos
magistrados no exercício regular de sua função jurisdicional, constato de plano,
sem qualquer incursão probatória - visto que tal providência excederia os limites
estreitos do writ - inexistir justa causa para a persecução penal, pois ausente o
elemento volitivo essencial, a saber, o ânimo de ofender.
Em casos análogos, esta Corte assim decidiu, mutatis mutandis:
A - Habeas corpus preventivo. Penal e Processual Penal. Trancamento da ação
penal. Pacientes acusados da prática de calúnia, difamação, injúria e formação
de quadrilha (arts. 138, 139, 140 e 288, na forma dos arts. 70 e 141, II e III, todos
do CPB), por terem encaminhado representação ao parquet estadual relatando
a prática de nepotismo por prefeito e magistrado. Ocorrência de atipicidade
subjetiva da conduta. Inocorrência do animus diffamandi vel injuriandi. Mero
animus narrandi. Ação penal para apuração do delito de formação de quadrilha
que se iniciou mediante oferecimento de queixa-crime. Ilegitimidade do
querelante para a promoção de ação penal pública incondicionada. Parecer do
MPF pela concessão da ordem. Ordem concedida para determinar o trancamento
da ação penal.
1. Dessume-se dos autos que os pacientes encaminharam representação
subscrita por mais 16 pessoas à Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério
Público do Estado de Alagoas, relatando que o Prefeito do Município de
Jarapatinga-AL, juntamente com seu pai e Magistrado titular da Vara de Fazenda
Pública de Maceió, estariam praticando condutas nepotistas. Inconformado,
o referido Magistrado ofereceu queixa-crime imputando aos ora pacientes e
outros 16 querelados a prática dos crimes previstos nos arts. 138 (calúnia), 139
(difamação), 140 (injúria) e 288 (formação de quadrilha), todos do CPB.
2. Nos crimes contra a honra, além do dolo, deve estar presente um especial
fi m de agir, consubstanciado no animus injuriandi vel diff amandi, consistente no
ânimo de denegrir, ofender a honra do indivíduo. Processar alguém que agiu
com mero animus narrandi, ou seja, com a intenção de narrar ou relatar um fato,
inviabilizaria a persecução penal.
(...)
5. Constatada a atipicidade da conduta dos pacientes, sem necessidade de
profunda incursão no acervo fático-probatório da causa, tem-se configurada
uma das excepcionalíssimas hipóteses de trancamento da Ação Penal pela via do
Habeas Corpus, que, consoante a jurisprudência desta Corte, só pode ser efetivada
quando transparece dos autos, de forma inequívoca, a inocência do acusado, a
atipicidade da conduta, a extinção da punibilidade ou a inépcia da denúncia.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
698
(...)
8. Ordem concedida, para determinar o trancamento da Ação Penal n.
01.07.057837-1, em curso no Juízo de Direito da Sexta Vara Criminal da Comarca
de Maceió-AL. (HC n. 103.344-AL, Relator o Ministro Napoleão Nunes Maia Filho,
DJe de 22.6.2009)
B - Honra (crime). Calúnia (imputação). Petição subscrita por advogado
(defesa). Tipicidade (falta). Habeas corpus (cabimento).
1. Não procedem censuras a que se faça, no habeas corpus, exame de provas.
Fundado na alegação de atipicidade, impõe-se sejam as provas verifi cadas.
2. Inexiste justa causa para a ação penal quando a inicial acusatória limita-se a
afi rmar a existência do elemento subjetivo sem, contudo, demonstrá-lo.
3. No caso, não há, nas peças a que se reportou a denúncia oferecida, ofensa
à honra. Não há, nas petições subscritas pelo paciente (advogado), os elementos
dos crimes de denunciação caluniosa, quebra indevida de sigilo, prevaricação
e favorecimento pessoal. Tais peças revelam, aos olhos do relator, apenas o
inconformismo do advogado com a acusação. Se algum excesso houve, tal não
adentrou o campo penal.
4. Parecer ministerial – pela concessão da ordem – acolhido.
5. Ordem concedida a fim de se extinguir o processo. (HC n. 101.680-RS,
Relator o Ministro Nilson Naves, DJe de 28.6.2010).
Outro não foi o entendimento exarado pelo ilustre Subprocurador-Geral
da República José Flaubert Machado Araújo, o qual adoto, inclusive, como
razões complementares de decidir (fl s. 261-262):
O pedido de trancamento da ação penal por falta de justa causa somente é
admissível, via habeas corpus, quando restar demonstrado, de plano, a extinção
da punibilidade, a inocência do acusado ou a atipicidade da conduta, hipótese
dos autos.
Para a caracterização dos crimes contra a honra é necessária a confi guração
do elemento subjetivo, qual seja, a vontade livre e consciente de caluniar, difamar
ou injuriar, o que não restou comprovado na hipótese dos autos, uma vez que
a sentença foi proferida de forma imparcial e técnica. Da leitura da decisão
prolatada pelo Magistrado, nos autos da ação anulatória de ato jurídico, não se
extrai qualquer elemento que caracterize crime contra a honra do Querelante.
Além disso, para atender aos ditames legais, a queixa-crime
À vista do exposto, concedo a ordem a fi m de extinguir a Ação Penal
Privada n. 119.351/2011, por ausência de justa causa.
É como voto.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 699
HABEAS CORPUS N. 248.673-MG (2012/0146931-5)
Relatora: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)
Impetrante: Defensoria Pública do Estado de Minas Gerais
Advogado: Nádia de Souza Campos - Defensora Pública
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais
Paciente: Victor Matheus de Souza (preso)
EMENTA
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento.
Modifi cação da orientação jurisprudencial do STJ. Roubo simples.
Prisão em fl agrante convertida em preventiva. Ausência dos requisitos
do art. 312 do CPP. Fundamentação genérica. Gravidade em abstrato
do delito. Ordem concedida de ofício.
– O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou
a adotar orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus
substitutivo de recurso ordinário. Precedentes: HC n. 109.956-PR,
Ministro Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012 e HC n. 104.045-RJ,
Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012, dentre outros.
– Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira de tal
entendimento, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, sem
perder de vista, contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do
devido processo legal e da ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado
as questões suscitadas na exordial a fi m de se verifi car a existência
de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de
ofício. A propósito: HC n. 221.200-DF, Ministra Laurita Vaz, DJe de
19.9.2012.
– Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade
delitiva, a prisão preventiva somente deve ser decretada de forma
excepcional quando evidenciada, no caso concreto, que a soltura
do réu possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da ordem
econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar
a aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo
Penal, e em observância ao princípio constitucional da presunção de
inocência.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
700
– Na hipótese dos autos, a prisão preventiva encontra-se
deficientemente fundamentada, tendo sido decretada com base
em fundamentos genéricos tais como gravidade abstrata do crime,
aumento da criminalidade na cidade, acautelamento do meio social,
credibilidade da Justiça e possibilidade abstrata de constrangimento
às testemunhas e vítima. Tais considerações, na linha de precedentes
desta Corte, são inaptas a ensejar a decretação da segregação cautelar.
Precedentes.
Habeas corpus não conhecido.
Ordem concedida de ofício para revogar a prisão preventiva sem
prejuízo de ser novamente decretada com fundamentação concreta.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, “por
unanimidade, não conhecer do pedido e concedar Habeas Corpus de ofício, nos
termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge
Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Campos Marques (Desembargador convocado
do TJ-PR) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 18 de outubro de 2012 (data do julgamento).
Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE),
Relatora
DJe 23.10.2012
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-
SE): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado
em benefício de Victor Matheus de Souza, em face de acórdão proferido pelo e.
Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante em
29.3.2012 pela suposta prática do crime tipifi cado no art. 157, caput, do Código
Penal. Posteriormente, por meio da decisão de fl s. 14-18 e-STJ, a prisão em
fl agrante foi convertida em preventiva.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 701
Irresignada, a defesa impetrou writ perante o Tribunal de origem. Em
31.5.2012 a ordem foi denegada, por maioria, nos termos da seguinte ementa:
“Habeas corpus”. Roubo. Negativa de autoria. Via imprópria. Revogação
da prisão preventiva. Impossibilidade. Presença dos requisitos dispostos no
artigo 312 do Código de Processo Penal. Fundamentação concreta. Ausência de
constrangimento ilegal. Condições pessoais. Irrelevância. Ordem denegada.
1. O “habeas corpus” não comporta dilação probatória e sendo a negativa
de autoria questão que demanda aprofundado exame de provas, não há como
analisar o alegado nesta via estreita.
2. Tendo sido o paciente prosa em fl agrante regular pela suposta prática do
delito de roubo, presentes a prova da materialidade e os indícios sufi cientes de
autoria, inexiste constrangimento ilegal nas decisões que, fundamentadamente,
mantiveram a segregação cautelar do mesmo visando garantir a ordem pública.
3. 0 principio do estado de inocência estatuído no art. 5º, inciso LVII da
Constituição da República, não impede a manutenção da prisão provisária
quando presentes os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.
4. As condições pessoais favoráveis do paciente, mesmo quando comprovadas
nos autos, por si mesmas, não garantem eventual direito de responder o processo
em liberdade, quando a neceesidade da segregação se mostra patente como
garantia da ordem pública.
5. Ordem denegada.
No presente mandamus, busca a impetrante a revogação da prisão
preventiva, asseverando que não há fundamentação concreta para sua decretação,
nem atendimento aos pressupostos do art. 312 do CPP. Pede, alternativamente,
a fixação das medidas cautelares alternativas à prisão previstas na Lei n.
12.403/2011.
O pedido de liminar foi indeferido (fl s. 150-153).
Informações prestadas às fl s. 161-173.
A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem,
nos termos da seguinte ementa:
Habeas corpus. Roubo. Prisão em fl agrante. Liberdade provisória. Garantia da
ordem pública e conveniência da instrução criminal. Irrelevância de eventuais
atributos pessoais favoráveis.
Pela denegação da ordem. (fl . 177).
É o relatório.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
702
VOTO
A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)
(Relatora): Impende consignar, de início, a inadequação da via eleita.
Segundo dispõe o art. 105 da Constituição Federal, compete ao Superior
Tribunal de Justiça tão-somente julgar, originariamente, o habeas corpus quando
o coator ou paciente for os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os
desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,
os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho,
os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do
Ministério Público da União que ofi ciem perante Tribunais, ou quando o coator
for Tribunal sujeito à sua Jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da
Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral.
No entanto, possivelmente com a intenção de proteger o cidadão contra
abusos e arbitrariedades do Estado, o cabimento do habeas corpus foi sendo,
paulatinamente, ampliado pela jurisprudência, passando a substituir outros
recursos constitucionais.
Assim, notadamente por se tratar de um remédio heróico despido de
quaisquer requisitos processuais, a impetração do habeas corpus como substitutivo
do recurso ordinário e do recurso especial passou a ser a regra.
Ocorre que, recentemente, o e. Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira
Turma, visando combater o excessivo alargamento da admissibilidade da ação
constitucional do habeas corpus pelos Tribunais, passou a adotar orientação no
sentido de não mais admiti-lo quando substitutivo de recurso ordinário. Confi ra-se:
Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do
disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,
proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão
da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do
substitutivo do habeas corpus. Processo-crime. Diligências. Inadequação. Uma vez
inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução
do processo, indeferi-las.”
(HC n. 109.956-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012).
Em seqüência, no julgamento do HC n. 104.045-RJ, na sessão do dia
28.8.2012, da relatoria da Exma. Ministra Rosa Weber, a aludida Turma
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 703
julgadora foi além entendendo não mais ser cabível habeas corpus “como substitutivo
de recurso no processo penal”. Por oportuno, transcrevo os seguintes excertos do
julgado, in verbis:
A preservação da racionalidade do sistema processual e recursal, bem como
a necessidade de atacar a sobrecarga dos Tribunais Recursais e Superiores, desta
forma reduzindo a morosidade processual e assegurando uma melhor prestação
jurisdicional e a razoável duração do processo, aconselham seja retomada a
função constitucional do habeas corpus, sem o seu emprego como substitutivo de
recurso no processo penal.
Sobre os feitos já ajuizados destacou, litteris:
Como a não admissão do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário
constitucional representa guinada da jurisprudência desta Corte, entendo que,
quanto os habeas corpus já impetrados, impõem-se o exame da questão de
fundo, uma vez que possível o concessão de habeas corpus de ofício diante de
fl agrante ilegalidade ou arbitrariedade.
A ementa do aresto restou assim sintetizada:
Ementa Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e
desvirtuamento. Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade
ou arbitrariedade.
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental
do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também
não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como
remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior
prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.
Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração
de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal
próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira
Turma desta Suprema Corte.
2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O
Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras
absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,
mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no
exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o
controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a
correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de
aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
704
3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal
autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde
que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito
de neutras as demais vetoriais.
4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada
somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias
judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do
mesmo diploma legal. Precedentes.
5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e
valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da
fi xação das penas.
6. Habeas corpus rejeitado.
(HC n. 104.045-RJ, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012).
Assim, deixo de conhecer o presente writ por se cuidar de substitutivo de
recurso ordinário.
Contudo, considerando que o remédio heróico foi impetrado anteriormente
a esta nova orientação jurisprudencial, passo ao enfrentamento, em homenagem
ao princípio da ampla defesa, das teses jurídicas sustentadas.
Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, a
prisão preventiva, como espécie de prisão cautelar de índole processual, somente
deve ser decretada de forma excepcional, quanto evidenciada, no caso concreto,
que a soltura do réu possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da
ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, e em
observância ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Esta e. Corte de Justiça, inclusive, tem reconhecido como ilegais, por ofensa
ao art. 93, inciso IX, da Constituição Federal, considerações genéricas como
suposto clamor social, gravidade abstrata do delito, periculosidade presumida do
agente, credibilidade de instituições judiciárias e possibilidade abstrata de fuga.
Neste sentido:
Habeas corpus. Penal. Roubo majorado. Réu que permaneceu preso durante o
trâmite processual. Vedação ao apelo em liberdade. Garantia da ordem pública
e da aplicação da pena. Gravidade abstrata do delito. Credibilidade da Justiça.
Intranquilidade e insegurança social. Necessidade de coibir a prática de novos
crimes. Réu primário. Argumentos que não se prestam a respaldar a custódia.
Necessidade de fundamentação concreta do óbice. Ordem concedida.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 705
I. Hipótese na qual se infere a falta de efetiva fundamentação dos julgados
que mantiveram o encarceramento cautelar do condenado, tendo em vista que
o apelo em liberdade foi vedado em razão da gravidade abstrata do delito e pelo
fato de o réu ter respondido preso ao processo.
II. A Terceira Seção desta Corte pacifi cou o entendimento no sentido de que é
indispensável a presença de concreta fundamentação para o óbice ao direito de
apelar em liberdade, com base nos pressupostos exigidos para a prisão preventiva,
ainda que o réu tenha permanecido preso durante a instrução processual.
III. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas
quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao
princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob
pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação defi nitiva.
IV. A alegada gravidade do crime, afastada de qualquer circunstância concreta
que não a própria prática supostamente delitiva, traz aspectos já subsumidos no
próprio tipo penal, não sendo bastante para justifi car a prisão para garantia da
ordem pública, assim como para a aplicação da lei penal.
V. A simples menção aos requisitos legais da custódia preventiva, assim como
à necessidade de manter a credibilidade da Justiça e de coibir a prática de delitos
graves, o clamor público e a intranquilidade e insegurança que a soltura poderia
causar à comunidade, sem embasamento concreto, não se prestam a embasar a
segregação acautelatória.
VI. Hipótese na qual inexiste qualquer indício de que soltura do paciente
possa colocar em risco a aplicação da lei penal, máxime se considerada a sua
primariedade e os seus bons antecedentes, assim como o fato de não responder
a outra ação penal.
VII. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a sentença condenatória,
no tocante à negativa do direito do réu de apelar em liberdade, determinando
a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não
estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia,
com base em fundamentação concreta.
VIII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.
(HC n. 241.212-DF, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em
26.6.2012, DJe 1º.8.2012).
Segundo a denúncia, o paciente avistou a vítima em via pública e, agindo
com violência, a empurrou contra um muro e subtraiu, de dentro de seu bolso, o celular
marca Samsung, modelo GT-S. Acionada e de posse das características do denunciado,
a Polícia Militar conseguiu localizá-lo próximo ao local dos fatos (fl s. 118-119).
Na hipótese concreta, o Juiz de primeiro grau converteu a prisão em
fl agrante em preventiva nos seguintes termos, verbis:
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
706
(...) entendo que a manutenção da prisão impõe-se, em primeiro lugar, para
garantir a ordem pública, uma vez que o delito imputado ao autuado é de extrema
gravidade, sendo de se registrar, inclusive, o aumento considerável de roubos a
transeuntes nesta cidade.
Está presente, também, o requisito previsto pelo art. 312, do CPP, que
recomenda a prisão por conveniência da instrução criminal, já que, tendo em vista
a natureza do delito, a liberdade do fl agranteado poderia trazer constrangimento
às testemunhas, mormente à vítima, a qual, segundo o condutor do flagrante, o
reconheceu de imediato perante a Autoridade Policial.
Destarte, tendo em vista que presentes os requisitos constantes do art. 312,
do CPP, e considerando a ausência de elementos para se aferir se as medidas
cautelares diversas da prisão se revelam adequadas ou sufi cientes, nos termos do
art. 310, II, do CPP, converto a prisão em fl agrante em preventiva (fl . 14 e-STJ).
O pedido de revogação da segregação cautelar foi assim indeferido:
(...) Ademais, conforme asseverado pela decisão de fl s. 18-19, o delito imputado
ao autuado é de extrema gravidade, sendo de se registrar, inclusive, o aumento
considerável de roubos a transeuntes nesta cidade.
A manutenção da custódia cautelar impõem-se, então, para garantir a
ordem pública, ante a necessidade de acautelamento do meio social e da própria
credibilidade da Justiça, que precisa responder às investidas delinquentes como a
constatada nos autos.
Está presente, também, o requesito previsto pelo art. 312, do CPP, que
recomenda a prisão por conveniência da instrução criminal, já que, tendo em
vista a natureza do delito, a liberdade do requerente poderia trazer constrangimento
às testemunhas, mormente à vítima, a qual, segundo o condutor do flagrante, o
reconheceu de imediato perante a Autoridade Policial.” (fl . 16-17 e-STJ).
Ora, da leitura do texto acima colacionado, depreende-se que a prisão
cautelar do paciente padece de fundamentação concreta. Isso porque o decreto
preventivo encontra-se fundamentado em argumentos genéricos, tendo o
magistrado utilizado considerações como gravidade abstrata do crime, aumento
da criminalidade na cidade, acautelamento do meio social, credibilidade da
Justiça e possibilidade abstrata de constrangimento às testemunhas e vítima,
sem qualquer amparo em elementos concretos dos autos a demonstrar a
periculosidade do paciente.
Acrescento, por oportuno, que no voto vencido, consta que o paciente
ostenta condições pessoais favoráveis, a saber, é primário, de bons antecedentes,
tendo residência fi xa no distrito da culpa, estando com proposta de trabalho
lícito (fl . 29 e-STJ).
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 707
A decretação da prisão cautelar amparada em considerações abstratas
não é admitida pela jurisprudência desta e. Corte. Neste sentido colaciono os
seguintes julgados:
Habeas corpus. Processual Penal. Roubo circunstanciado. Prisão em fl agrante
convertida em prisão preventiva. Tese de nulidade pela decretação da custódia
de ofício pelo juízo processante. Improcedência. Necessidade da segregação
cautelar não demonstrada.
Ausência de motivação concreta. Constrangimento ilegal evidenciado. Ordem
de habeas corpus parcialmente concedida.
1. Não se verifica a alegada nulidade da prisão preventiva, por ter sido
decretada de ofício pelo juízo processante, porquanto se trata, na realidade, de
simples conversão da prisão em fl agrante em preventiva, em cumprimento dos
ditames do art. 310, inciso II, do Código de Processo Penal.
2. A prisão cautelar somente é devida se expressamente justifi cada sua real
indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a
aplicação da lei penal, ex vi do art. 312 do Código de Processo Penal, sob pena de
conduzir à nulidade da decisão constritiva, que é excepcional.
3. Na hipótese, o magistrado teceu considerações abstratas no decisum
impugnado, sem comprovar a existência dos pressupostos e motivos autorizadores
da medida cautelar, com a devida indicação dos fatos concretos legitimadores de sua
manutenção, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição da República, restando
a prisão amparada, tão somente, na gravidade do delito e na alusão genérica e
abstrata sobre a possibilidade de risco à instrução criminal e à aplicação da lei penal.
Precedentes.
4. Ordem de habeas corpus parcialmente concedida para, em consonância com
o parecer ministerial, revogar a prisão preventiva do Paciente, sem prejuízo de que
novo decreto prisional seja expedido, desde que amparado em fundamentação
válida, ou que outras medidas cautelares sejam adotadas pelo Juízo condutor do
processo, conforme ressaltado no voto. (grifo nosso).
(HC n. 225.794-MS, Quinta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, julgado em
14.8.2012, DJe 23.8.2012).
Criminal. Habeas corpus. Roubo. Liberdade provisória indeferida. Gravidade
abstrata do delito. Periculosidade do agente não demonstrada. Necessidade
de coibir novos crimes não evidenciada. Réu primário. Clamor público que não
justifi ca a custódia cautelar.
Constrangimento ilegal vislumbrado. Ordem concedida.
I. A prisão cautelar é medida excepcional e deve ser decretada apenas quando
devidamente amparada pelos requisitos legais previstos na legislação de
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
708
regência, em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência
ou da não culpabilidade, sob pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida
quando da condenação defi nitiva.
II. O juízo valorativo sobre a gravidade genérica do crime imputado ao
paciente não constitui fundamentação idônea a autorizar a prisão cautelar, se
desvinculados de qualquer fator aferido dos autos apto a demonstrar a necessidade
de ver resguardada a ordem pública em razão do modus operandi do delito e da
periculosidade do agente, reconhecidamente primário.
III. A simples menção aos requisitos legais da custódia preventiva, à necessidade
de manter a credibilidade da Justiça e de coibir a prática de delitos graves, assim
como o clamor público não se prestam a embasar a segregação acautelatório, pois
não encontram respaldo em qualquer circunstância concreta dos autos.
IV. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a decisão que decretou a
prisão preventiva, determinando-se a expedição de alvará de soltura em favor do
paciente, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser
decretada novamente a custódia, com base em fundamentação idônea.
V. Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do Relator. (grifo nosso).
(HC n. 212.202-PB, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em
26.6.2012, DJe 1º.8.2012).
Habeas corpus. Roubo circunstanciado. Liberdade provisória. Indeferimento.
Ausência de demonstração idônea da necessidade concreta da custódia
preventiva. Ordem concedida.
1. Para o indeferimento do pedido de liberdade provisória ao paciente, que
é acusado da prática de crime de roubo circunstanciado, é imprescindível a
demonstração concreta da necessidade da custódia preventiva, nos termos do
art. 312 do Código de Processo Penal.
2. No caso, o Juízo de primeira instância indeferiu o pedido, mantendo a prisão
cautelar para garantia da ordem pública, com fundamento na gravidade abstrata do
crime, temor social e credibilidade da Justiça.
3. Ordem concedida para revogar a prisão preventiva do paciente até o recurso
de apelação eventualmente interposto, sem prejuízo de ser novamente decretada
sua prisão cautelar com a demonstração concreta de sua necessidade. (grifo
nosso).
(HC n. 101.190-MG, Quinta Turma, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, julgado
em 6.5.2008, DJe 23.6.2008).
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.
Concedo, outrossim, a ordem de ofício para o fim de revogar a prisão
preventiva do paciente, sem prejuízo de sua nova decretação com base em
fundamentação concreta.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 709
HABEAS CORPUS N. 250.236-RS (2012/0159921-2)
Relatora: Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)
Impetrante: Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul
Advogado: Carolina Etzberger - Defensora Pública
Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul
Paciente: Carlos Alexandre de Couto (preso)
EMENTA
Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Descabimento.
Modifi cação da orientação jurisprudencial do STJ. Furto qualifi cado.
Prisão em fl agrante convertida em preventiva. Falta de fundamentação.
Inocorrência. Reiteração delitiva. Garantia da ordem pública. Excesso
de prazo. Supressão de instância.
– O Supremo Tribunal Federal, pela sua Primeira Turma, passou
a adotar orientação no sentido de não mais admitir habeas corpus
substitutivo de recurso ordinário. Precedentes: HC n. 109.956-PR,
Ministro Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012 e HC n. 104.045-RJ,
Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012, dentre outros.
– Este Superior Tribunal de Justiça, na esteira de tal
entendimento, tem amoldado o cabimento do remédio heróico, sem
perder de vista, contudo, princípios constitucionais, sobretudo o do
devido processo legal e da ampla defesa. Nessa toada, tem-se analisado
as questões suscitadas na exordial a fi m de se verifi car a existência
de constrangimento ilegal para, se for o caso, deferir-se a ordem de
ofício. A propósito: HC n. 221.200-DF, Ministra Laurita Vaz, DJe de
19.9.2012.
– Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade
delitiva, a prisão preventiva somente deve ser decretada de forma
excepcional quanto evidenciada, no caso concreto, que a soltura do réu
possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da ordem econômica,
por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação
da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, e
em observância ao princípio constitucional da presunção de inocência.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
710
– Na hipótese dos autos, a prisão preventiva encontra-se
concretamente fundamentada, sendo necessária para cessar a reiteração
criminosa, pois o paciente ostenta inúmeras condenações defi nitivas
pela prática de delitos contra o patrimônio e encontrava-se no gozo
do regime semiaberto quando foi preso. Tais circunstâncias revelam
sua periculosidade concreta e a real possibilidade de reiteração delitiva.
– O risco concreto de reiteração delitiva é motivo sufi ciente para
decretação da prisão preventiva como forma de garantia da ordem
pública. Precedentes.
- A alegação de excesso de prazo para o encerramento da
instrução criminal não foi apreciada pelo Tribunal de origem, o que
impede a sua apreciação por esta Corte Superior, sob pena de indevida
supressão de instância.
Ordem não conhecida.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por
unanimidade, não conhecer do pedido. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Jorge
Mussi, Marco Aurélio Bellizze e Campos Marques (Desembargador convocado
do TJ-PR) votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Brasília (DF), 18 de outubro de 2012 (data do julgamento).
Ministra Marilza Maynard, (Desembargadora convocada do TJ-SE),
Relatora
DJe 23.10.2012
RELATÓRIO
A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-
SE): Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso ordinário, impetrado em
benefício de Carlos Alexandre de Couto, em face de acórdão proferido pelo e.
Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.
Depreende-se dos autos que o paciente foi preso em fl agrante em 27.6.2012
pela suposta prática de furto qualifi cado. Posteriormente, por meio da decisão de
fl s. 97-98 e-STJ, a prisão em fl agrante foi convertida em preventiva.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 711
Irresignada, a defesa impetrou writ perante o Tribunal de origem. Em
19.7.2012 a ordem foi denegada nos termos da seguinte ementa:
Habeas corpus. Crimes contra o patrimônio. Furto qualificado. Prisão
preventiva. Manutenção.
Os elementos acostados aos autos atestam a necessidade de conservação
da segregação cautelar do paciente para a preservação da ordem pública,
consideradas a existência de prova da materialidade e de indícios de autoria, a
gravidade concreta da conduta e a reiteração em práticas delitivas. Da mesma
forma, tais circunstâncias indicam a inaptidão das medidas cautelares diversas da
prisão para arrefecer o ímpedo criminoso então demonstrado.
No presente mandamus, busca a impetrante a revogação da prisão
preventiva, asseverando que não há fundamentação concreta para sua decretação,
nem atendimento aos pressupostos do art. 312 do CPP. Assevera, ademais, a
ocorrência de excesso de prazo para o término da instrução criminal.
A Subprocuradoria-Geral da República opinou pelo conhecimento parcial
da ordem e, nesta parte, por sua denegação, nos termos da seguinte ementa:
Processo Penal. Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Alegação
de excesso de prazo. Matéria não submetida ao crivo do Tribunal de origem.
Impossibilidade de apreciação por esse colendo STJ. Supressão de instância.
Suposta ausência de fundamentação da custódia preventiva. Reincidência
específi ca. Prisão embasada em elementos concretos. Parecer pelo conhecimento
parcial da ordem. Na parte conhecida, por sua denegação. (fl . 147).
É o relatório.
VOTO
A Sra. Ministra Marilza Maynard (Desembargadora convocada do TJ-SE)
(Relatora): Impende consignar, de início, a inadequação da via eleita.
Segundo dispõe o art. 105 da Constituição Federal, compete ao Superior
Tribunal de Justiça tão-somente julgar, originariamente, o habeas corpus quando
o coator ou paciente for os Governadores dos Estados e do Distrito Federal, os
desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal,
os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, os dos
Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho,
os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
712
Ministério Público da União que ofi ciem perante Tribunais, ou quando o coator
for Tribunal sujeito à sua Jurisdição, Ministro de Estado ou Comandante da
Marinha, do Exército ou da Aeronáutica, ressalvada a competência da Justiça
Eleitoral.
No entanto, possivelmente com a intenção de proteger o cidadão contra
abusos e arbitrariedades do Estado, o cabimento do habeas corpus foi sendo,
paulatinamente, ampliado pela jurisprudência, passando a substituir outros
recursos constitucionais.
Assim, notadamente por se tratar de um remédio heróico despido de
quaisquer requisitos processuais, a impetração do habeas corpus como substitutivo
do recurso ordinário e do recurso especial passou a ser a regra.
Ocorre que, recentemente, o e. Supremo Tribunal Federal, pela sua
Primeira Turma, visando combater o excessivo alargamento da admissibilidade
da ação constitucional do habeas corpus pelos Tribunais, passou a adotar orientação
no sentido de não mais admiti-lo quando substitutivo de recurso ordinário. Confi ra-
se:
Habeas corpus. Julgamento por Tribunal Superior. Impugnação. A teor do
disposto no artigo 102, inciso II, alínea a, da Constituição Federal, contra decisão,
proferida em processo revelador de habeas corpus, a implicar a não concessão
da ordem, cabível é o recurso ordinário. Evolução quanto à admissibilidade do
substitutivo do habeas corpus. Processo-crime. Diligências. Inadequação. Uma vez
inexistente base para o implemento de diligências, cumpre ao Juízo, na condução
do processo, indeferi-las.”
(HC n. 109.956-PR, Rel. Min. Marco Aurélio, DJe de 11.9.2012).
Em seqüência, no julgamento do HC n. 104.045-RJ, na sessão do dia
28.8.2012, da relatoria da Exma. Ministra Rosa Weber, a aludida Turma
julgadora foi além entendendo não mais ser cabível habeas corpus “como substitutivo
de recurso no processo penal”. Por oportuno, transcrevo os seguintes excertos do
julgado, in verbis:
A preservação da racionalidade do sistema processual e recursal, bem como
a necessidade de atacar a sobrecarga dos Tribunais Recursais e Superiores, desta
forma reduzindo a morosidade processual e assegurando uma melhor prestação
jurisdicional e a razoável duração do processo, aconselham seja retomada a
função constitucional do habeas corpus, sem o seu emprego como substitutivo de
recurso no processo penal.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 713
Sobre os feitos já ajuizados destacou, litteris:
Como a não admissão do habeas corpus como substitutivo do recurso ordinário
constitucional representa guinada da jurisprudência desta Corte, entendo que,
quanto os habeas corpus já impetrados, impõem-se o exame da questão de
fundo, uma vez que possível o concessão de habeas corpus de ofício diante de
fl agrante ilegalidade ou arbitrariedade.
A ementa do aresto restou assim sintetizada:
Ementa Habeas corpus. Processo Penal. Histórico. Vulgarização e
desvirtuamento. Sequestro. Dosimetria. Ausência de demonstração de ilegalidade
ou arbitrariedade.
1. O habeas corpus tem uma rica história, constituindo garantia fundamental
do cidadão. Ação constitucional que é, não pode ser amesquinhado, mas também
não é passível de vulgarização, sob pena de restar descaracterizado como
remédio heroico. Contra a denegação de habeas corpus por Tribunal Superior
prevê a Constituição Federal remédio jurídico expresso, o recurso ordinário.
Diante da dicção do art. 102, II, a, da Constituição da República, a impetração
de novo habeas corpus em caráter substitutivo escamoteia o instituto recursal
próprio, em manifesta burla ao preceito constitucional. Precedente da Primeira
Turma desta Suprema Corte.
2. A dosimetria da pena submete-se a certa discricionariedade judicial. O
Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras
absolutamente objetivas para a fi xação da pena. Cabe às instâncias ordinárias,
mais próximas dos fatos e das provas, fi xar as penas. Às Cortes Superiores, no
exame da dosimetria das penas em grau recursal, compete precipuamente o
controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a
correção apenas de eventuais discrepâncias gritantes e arbitrárias nas frações de
aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores.
3. Assim como a concorrência de vetoriais negativas do art. 59 do Código Penal
autoriza pena base bem acima da mínima legal, a existência de uma única, desde
que de especial gravidade, também autoriza a exasperação da pena, a despeito
de neutras as demais vetoriais.
4. A fi xação do regime inicial de cumprimento da pena não está condicionada
somente ao quantum da reprimenda, mas também ao exame das circunstâncias
judiciais do artigo 59 do Código Penal, conforme remissão do art. 33, § 3º, do
mesmo diploma legal. Precedentes.
5. Não se presta o habeas corpus, enquanto não permite ampla avaliação e
valoração das provas, ao reexame do conjunto fático-probatório determinante da
fi xação das penas.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
714
6. Habeas corpus rejeitado.
(HC n. 104.045-RJ, Rel. Ministra Rosa Weber, DJe de 6.9.2012).
Assim, deixo de conhecer o presente writ por se cuidar de substitutivo de
recurso ordinário.
Contudo, considerando que o remédio heróico foi impetrado anteriormente
a esta nova orientação jurisprudencial, passo ao enfrentamento, em homenagem
ao princípio da ampla defesa, das teses jurídicas sustentadas.
Demonstrada a existência de indícios de autoria e materialidade delitiva, a
prisão preventiva, como espécie de prisão cautelar de índole processual, somente
deve ser decretada de forma excepcional, quanto evidenciada, no caso concreto,
que a soltura do réu possa ser prejudicial à garantia da ordem pública, da
ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a
aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, e em
observância ao princípio constitucional da presunção de inocência.
Esta e. Corte de Justiça, inclusive, tem reconhecido como ilegais
considerações genéricas como suposto clamor social, gravidade abstrata do
delito, periculosidade presumida do agente, credibilidade de instituições
judiciárias e possibilidade abstrata de fuga. Neste sentido:
Habeas corpus. Penal. Roubo majorado. Réu que permaneceu preso durante o
trâmite processual. Vedação ao apelo em liberdade. Garantia da ordem pública
e da aplicação da pena. Gravidade abstrata do delito. Credibilidade da Justiça.
Intranquilidade e insegurança social. Necessidade de coibir a prática de novos
crimes. Réu primário. Argumentos que não se prestam a respaldar a custódia.
Necessidade de fundamentação concreta do óbice. Ordem concedida.
I. Hipótese na qual se infere a falta de efetiva fundamentação dos julgados
que mantiveram o encarceramento cautelar do condenado, tendo em vista que
o apelo em liberdade foi vedado em razão da gravidade abstrata do delito e pelo
fato de o réu ter respondido preso ao processo.
II. A Terceira Seção desta Corte pacifi cou o entendimento no sentido de que é
indispensável a presença de concreta fundamentação para o óbice ao direito de
apelar em liberdade, com base nos pressupostos exigidos para a prisão preventiva,
ainda que o réu tenha permanecido preso durante a instrução processual.
III. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas
quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao
princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob
pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação defi nitiva.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 715
IV. A alegada gravidade do crime, afastada de qualquer circunstância concreta
que não a própria prática supostamente delitiva, traz aspectos já subsumidos no
próprio tipo penal, não sendo bastante para justifi car a prisão para garantia da
ordem pública, assim como para a aplicação da lei penal.
V. A simples menção aos requisitos legais da custódia preventiva, assim como
à necessidade de manter a credibilidade da Justiça e de coibir a prática de delitos
graves, o clamor público e a intranquilidade e insegurança que a soltura poderia
causar à comunidade, sem embasamento concreto, não se prestam a embasar a
segregação acautelatória.
VI. Hipótese na qual inexiste qualquer indício de que soltura do paciente
possa colocar em risco a aplicação da lei penal, máxime se considerada a sua
primariedade e os seus bons antecedentes, assim como o fato de não responder
a outra ação penal.
VII. Deve ser cassado o acórdão recorrido, bem como a sentença condenatória,
no tocante à negativa do direito do réu de apelar em liberdade, determinando
a expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não
estiver preso, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia,
com base em fundamentação concreta.
VIII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.
(HC n. 241.212-DF, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em
26.6.2012, DJe 1º.8.2012).
Na hipótese concreta, o Juiz de primeiro grau converteu a prisão em
fl agrante em preventiva nos seguintes termos, verbis:
(...) Carlos Alexandre, consoante certidão de antecedentes criminais acostada
aos autos, ostenta inúmeras condenações defi nitivas, todas pela prática de delitos
contra o patrimônio, a denotar que não tem condições de conviver em sociedade,
devendo permanecer cautelarmente segregado para a garantia da ordem pública.
De ressaltar, ainda, que, conforme consultas anexas, Carlos Alexandre estava
cumprindo pena no Presídio Estadual de Lajeado e, em razão da progressão para
o regime semi-aberto, foi dispensado, no dia de ontem, para procurar emprego,
demonstrando, com a presente prisão, sua propensão para o crime, a qual revela
serem inadequadas e insufi cientes as medidas cautelares diversas da prisão (fl . 97
e-STJ).
Assim, não há que se falar em ausência de fundamentação idônea para
a decretação da custódia cautelar. Isso porque a prisão preventiva encontra-se
fundamentada em elementos concretos que indicam a necessidade de garantia
da ordem pública, para coibir a reiteração criminosa, pois consta da decisão
objurgada que o paciente ostenta inúmeras condenações defi nitivas pela prática de
delitos contra o patrimônio.
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
716
Tais circunstâncias revelam, pois, a periculosidade concreta do paciente e a
real possibilidade de que, se solto, volte a delinquir.
A prisão preventiva para garantia da ordem pública, como forma de coibir
a reiteração criminosa é admitida pela jurisprudência desta e. Corte. Neste
sentido colaciono os seguintes julgados:
Habeas corpus. Concussão. Prisão em flagrante convertida em preventiva.
Requisitos. Preenchimento. Garantia da ordem pública. Periculosidade do agente.
Reiteração criminosa. Intimidação às testemunhas. Conveniência da instrução
criminal. Segregação justificada e necessária. Constrangimento ilegal não
evidenciado.
1. Para a conversão da prisão em flagrante em preventiva, não se exige
prova concludente da autoria delitiva, reservada à condenação criminal, mas
apenas indícios sufi cientes desta, que, pelo cotejo dos elementos que instruem o
mandamus, se fazem presentes.
2. Não há falar em constrangimento ilegal quando a custódia cautelar está
devidamente justifi cada na garantia da ordem pública, para fazer cessar a reiteração
criminosa, pois consta dos autos que o paciente responde a outros processos
criminais pelos delitos de tentativa de homicídio e falsidade ideológica, circunstância
que revela a sua propensão a atividades ilícitas, demonstra a sua periculosidade e a
real possibilidade de que, solto, volte a delinquir.
3. Verifi ca-se a necessidade da custódia antecipada, ainda, para a conveniência
da instrução criminal, quando há notícias de intimação às testemunhas.
Custódia cautelar. Incidência da Lei n. 12.403/2011. Impossibilidade.
Reprovabilidade exacerbada do delito. Ordem denegada.
1. Inviável a aplicação de medida cautelar diversa da prisão quando há
motivação que justifi que a medida excepcional, no caso em questão, a gravidade
concreta do delito, o que torna de rigor sua prisão.
2. Ordem denegada, cassada a liminar anteriormente deferida.
(HC n. 229.524-RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe 11.9.2012).
Habeas corpus. Crime de roubo majorado. Prisão em fl agrante convertida em
preventiva. Garantia da ordem pública. Reiteração delitiva em crimes contra
o patrimônio. Constrangimento ilegal não evidenciado. Medidas cautelares
distintas da prisão. Inviabilidade. Condições pessoais favoráveis. Inexistentes.
Habeas corpus denegado.
1. A prisão cautelar encontra-se suficientemente fundamentada, porque
presente ao menos um dos requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal.
O Paciente foi preso em fl agrante após agredir e roubar um transeunte, sendo
que já ostenta uma condenação defi nitiva, pelo delito de furto qualifi cado, e
responde a mais outros dois processos também por crimes contra o patrimônio.
Jurisprudência da QUINTA TURMA
RSTJ, a. 24, (228): 569-718, outubro/dezembro 2012 717
Tais circunstâncias justifi cam a manutenção da custódia para a garantia da ordem
pública, dado o risco concreto de reiteração delitiva.
2. As instâncias ordinárias, com expressa menção à situação concreta,
demonstraram a presença de um dos pressupostos da prisão preventiva. Já por
isso, não é possível a aplicação de quaisquer das medidas cautelares alternativas à
prisão, elencadas na nova redação do art. 319 do Código de Processo Penal, dada
pela Lei n. 12.403/2011.
3. O agente que possui uma condenação transitada em julgado e continua
reiterando na prática de crimes não pode ser considerado portador de condições
pessoais favoráveis.
4. Habeas corpus denegado. (grifo nosso).
(HC n. 238.006-MG, Quinta Turma, Rel. Ministra Laurita Vaz, DJe 1º.8.2012).
Criminal. Habeas corpus. Prisão em flagrante convertida em preventiva.
Ausência de motivação idônea. Possibilidade de aplicação de medida cautelar
diversa da medida constritiva de liberdade. Reiteração delitiva. Garantia da ordem
pública. Circunstâncias pessoais favoráveis que não autorizam, isoladamente, a
concessão de liberdade provisória. Ordem denegada.
I. Conforme a novel redação do art. 310 do CPP, o Magistrado, ao tomar ciência
da prisão em fl agrante, deverá, de modo fundamentado, relaxar a custódia ilegal;
conceder liberdade provisória, com ou sem fi ança; ou decretar a segregação
preventiva do agente
II. A prisão preventiva é medida excepcional e deve ser decretada apenas
quando devidamente amparada pelos requisitos legais, em observância ao
princípio constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade, sob
pena de antecipar a reprimenda a ser cumprida quando da condenação defi nitiva.
III. Hipótese na qual o Magistrado processante, tendo sido informado acerca
das circunstâncias pessoais do réu, indeferiu o pleito de liberdade provisória,
máxime em razão da possibilidade de reiteração delitiva e, por consectário, pela
necessidade de ver resguardada a ordem pública.
IV. A existência de processos-crime em trâmite em desfavor do réu evidencia
a possibilidade deste voltar a deliquir caso seja posto em liberdade, o que obsta,
igualmente, a aplicação de medida cautelar menos gravosa do que a prisão
(Precedente).
V. As eventuais condições pessoais favoráveis do réu, tais como primariedade,
bons antecedentes, ocupação lícita e residência fixa, não têm o condão de,
isoladamente, desconstituir a custódia preventiva, caso estejam presentes outros
requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida
extrema.
VI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator.
(HC n. 224.786-RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, DJe 14.2.2012).
REVISTA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
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É importante ressaltar, que tem-se por válida a fundamentação que, com
expressa menção à situação concreta, entendeu inadequadas e insufi cientes
para garantia da ordem pública quaisquer das medidas cautelares alternativas à
prisão, elencadas no art. 319 do Código de Processo Penal, com redação dada
pela Lei n. 12.403/2011.
Colaciono, por oportuno, o seguinte julgado:
Criminal. Habeas corpus. Receptação. Réu que permaneceu em liberdade
durante o curso do processo-crime. Vedação ao apelo em liberdade. Reiteração
delitiva. Periculosidade demonstrada. Necessidade de garantir a ordem pública.
Circunstâncias pessoais favoráveis que não permitem, isoladamente, a revogação
do decreto prisional. Ordem denegada.
I. Não há que se falar em ausência de motivação idônea para o óbice ao apelo em
liberdade, considerando se tratar de réu reincidente e que ostenta igualmente maus
antecedentes, conforme consignado pelas instâncias ordinárias, o que demonstra a
necessidade do decreto prisional, a fi m de garantir a ordem pública, em que pese o
fato desse ter permanecido em liberdade durante o curso da ação penal.
II. Evidencia-se a concreta possibilidade de reiteração delitiva, já que o réu
ostenta diversas condenações anteriores, inclusive pela prática de delito símile
ao apurado na presente ação penal, o que demonstra a sua periculosidade e a
necessidade da medida constritiva de liberdade.
III. Possibilidade real de o paciente voltar a deliquir caso seja posto em liberdade
que igualmente impede a aplicação de medida cautelar menos gravosa do que a
prisão.
IV. A alegada ausência de condenação transitada em julgado na data dos fatos
apurados na retrocitada ação penal, mesmo que houvesse sido comprovada,
não afastaria a necessidade da medida cautelatória, pois a existência de diversas
sentenças condenatórias em seu desfavor denota a possibilidade concreta de
reiteração delitiva e, por conseguinte, autoriza o decreto prisional para garantia
da ordem pública.
V. Eventuais condições pessoais favoráveis do réu que não têm o condão de
isoladamente desconstituir a custódia preventiva, caso estejam presentes outros
requisitos de ordem objetiva e subjetiva que autorizem a decretação da medida
extrema.
VI. Ordem denegada, nos termos do voto do Relator. (grifo nosso).
(HC n. 236.203-RJ, Quinta Turma, Rel. Ministro Gilson Dipp, julgado em
5.6.2012, DJe 12.6.2012).
Por fi m, a alegação de excesso de prazo para o encerramento da instrução
criminal não foi apreciada pelo Tribunal de origem, o que impede a sua análise
por esta Corte Superior, sob pena de indevida supressão de instância.
Ante o exposto, não conheço do presente habeas corpus.