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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSO EM REENGENHARIA E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS Qualidade de Vida no Trabalho: Os Agentes Comunitários de Saúde e as interfaces com a violência Urbana. Por: GEOVANA SILVA Orientadora: Professora MERY SUE CARVALHO PEREIRA Rio de Janeiro 2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSO EM

REENGENHARIA E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

Qualidade de Vida no Trabalho: Os Agentes Comunitários de Saúde e

as interfaces com a violência Urbana.

Por:

GEOVANA SILVA

Orientadora:

Professora MERY SUE CARVALHO PEREIRA

Rio de Janeiro

2003

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UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO-SENSO EM

REENGENHARIA E GESTÃO DE RECURSOS HUMANOS

Qualidade de Vida no Trabalho: Os Agentes Comunitários de Saúde e

as interfaces com a violência Urbana.

Monografia apresentada á Universidade

Cândido Mendes como requisito para a

conclusão do curso de Pós-Graduação em

Reengenharia e Gestão de Recursos

Humanos com a Profª Mery Sue Carvalho

Pereira

Por: Geovana Silva

Rio de Janeiro

2003

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AGRADECIMENTOS

A todos os amigos, pelo incentivo e apoio na minha vida acadêmica.

Valeu: Acácia, Danielle, Roberto, Juliana, Regina Leão, Luiz Eduardo e

Mônica Jordão – deixo um super abraço pela nossa amizade. Aos meus

familiares Eliane, Jorge, Hugo e Maria Laura que me impulsionaram através

das dificuldades a buscar sempre estudar um pouco mais. E em especial a

Vânia Maria pela constante atenção nos avanços e retrocessos da

caminhada. (Obrigado por tudo amiga e irmão mineira!).

A professora e orientadora Mery Sue que com entusiasmo contribuiu

efetivamente na construção deste trabalho. E ao amigo Granzotto pela força

constante na informática.

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DEDICATÓRIA

Aos meus pais Jovan e Maria da Glória, que tanto aprendi quando

estivemos juntos na jornada terrena. Caminhos na certeza que vocês

(mesmo do outro lado da vida) encontram-se felizes por tantas vitórias em

minha vida. Ficou a semente dos primeiros anos de vida – educação e

respeito!

Amos vocês!!!

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RESUMO

Este estudo compreende o meu Trabalho de Conclusão do Curso de

Pós Graduação – Latu Sensu em Reengenharia de Recursos Humanos, na

Universidade Cândida Mendes, sob a orientação da Professora Mery Sue.

Dentro do contexto da Qualidade de Vida no Trabalho, irei discorrer

sobre a atuação dos Agentes Comunitários de Saúde e as interfaces com a

violência urbana.

O trabalho está dividido em três capítulos: no primeiro, a análise será

em torno da Qualidade de Vida no Trabalho, conceituação e perspectivas;

no segundo capítulo, será abordado como se constitui o trabalho dos

Agentes Comunitários de Saúde/ACS no Brasil.

No último capítulo, irei priorizar a violência urbana e as interfaces no

social.

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METODOLOGIA

Para a execução desse trabalho foi feito um levantamento

bibliográfico, considerando o universo temático estudado: Qualidade de Vida

no Trabalho, Agentes Comunitários de Saúde e violência urbana.

Outro instrumental de grande importância para a realização do estudo

foi à utilização de entrevistas semi-estruturadas, realizadas com seis

Agentes Comunitários de Saúde. Priorizei esta fonte primária de coleta de

dados em vista de sua riqueza de informação.

O trabalho subseqüente foi à transição das entrevistas realizadas e a

categorização dos elementos de análise mencionadas em cada uma delas.

A análise das entrevistas será de forma qualitativa, já que se trata de

entrevistas abertas. Ao longo de todo corpo de texto é possível aparecer

trechos das entrevistas na íntegra, porém o conteúdo e as informações

coletadas em todas as conversas foram perfeitamente importantes e

aproveitáveis na redação e compreensão geral.

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SUMÁRIO

Introdução ................................................................................... 8

Capítulo I

Qualidade de Vida no Trabalho.................................................... 11

Capítulo II

Agentes Comunitários de Saúde.................................................. 24

Capítulo III

Violência Urbana .......................................................................... 31

Conclusão .................................................................................... 36

Bibliografia.................................................................................... 38

Anexo ........................................................................................... 39

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INTRODUÇÃO

“... Qualidade de Vida no Trabalho deve ser

considerado como uma gestão dinâmica,

porque as organizações e as pessoas

mudam constantemente e é contingencial,

porque depende da realidade de cada

empresa no contexto em que está inserida.

Além disso, pouco resolve atentar apenas

para fatores físicos, pois aspectos

sociológicos e psicológicos interferem

igualmente na satisfação dos indivíduos em

situação e trabalho ...”

(Eda Fernandes, 1996)

O interesse em estudar este tema surgiu a partir das constantes

dificuldades encontradas no Rio de Janeiro para irmos e virmos, de acordo

com os desejos e interesses do “poder paralelo”, digo, os protagonistas da

violência urbana. Logo, pensar em Qualidade de Vida no Trabalho e as

interfaces com a violência urbana no contexto das ações profissionais de

Agentes Comunitários de Saúde tornou-se tema de estudos.

A violência tem se colocado, de forma crescente, como questão para

diversas áreas de conhecimento e práticas de intervenção social. No campo

da saúde pública, ela se impõe como significativa causa de mortalidade e,

sobretudo de morbidade nas grandes cidades brasileiras, chegando a

ganhar prioridade, nos anos 90, nas agendas das organizações

internacionais do setor. Tem se alargado a literatura que se refere a esta

relação, mas muito dos profissionais que se vêem no desafia da prática

continuam sem resposta à demanda crescente e à prevenção.

São muito diversas as situações, comportamentos e estruturas

caracterizadas pelo termo violência. No entanto, quando se fala de violência

urbana, as imagens que nos vem à mente caminham de imediato pelo alto

número de homicídios, assaltos, seqüestros, pelos conflitos com a polícia

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nas favelas, pela criminalidade ligada ao tráfico. Começar a trabalhar

criticamente sobre a questão nos obriga a compreender uma história que

não começa ou termina na chamada “violência da delinqüência” – a que se

manifesta através dos atos designados como “criminosos”.

A Qualidade de Vida no Trabalho tem sido uma preocupação do

homem desde o início de sua existência. Com outros títulos em outros

contextos, mas sempre voltada para facilitar ou trazer satisfação e bem estar

ao trabalhador na execução se sua tarefa.

Assim, no decorrer do trabalho pretendo discorrer brevemente sobre a

atuação profissional de Agentes Comunitários de Saúde, considerando a

Qualidade de Vida no Trabalho – QVT com as interfaces com a violência

urbana.

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CAPÍTULO I

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QUALIDADE DE VIDA NO TRABALHO

No início do século XVIII, houve uma grande mudança nos processos

industriais. A população mundial crescia aceleradamente, o mercado

consumidor estimulava a produção em grande escala induzia o

aprimoramento tecnológico. A mão de obra tornava-se parte proveniente do

meio rural.

A Inglaterra detinha a hegemonia tecnológica. Com as conquistas

coloniais e o domínio dos mares, os ingleses tinham o indispensável para

ativar suas indústria: o mercado consumidor e o transporte.

As indústrias se modernizavam. Com os inventos de John Key (a

lançadeira volante), James Hargreaves (a “spinning Jenny”), Richard

Arkwright (o tear hidráulico), James Watt (a máquina a vapor), se fazia

necessária uma mudança nos processos produtivos para dinamizar a

manufatura (SMITH, 1974; BARBEIRO, 1976).

O liberalismo clássico servia de base teórica e filosófica sobre a

natureza e comportamento do homem e como orientação dos processos

produtivos. O “acúmulo de capital” era a palavra de ordem entre os donos de

fábricas e comerciantes (TREVELYAN, 1976; HOBSBAWN, 1981).

Neste contexto, surgiram as primeiras preocupações com a

racionalização da produção e com o comportamento do trabalhador diante

de sua tarefa.

SMITH (1974) foi um dos grandes incentivadores da racionalização da

produção. A especialização das etapas da produção foi vista pelo autor

como eficiente meio para a maior destreza do trabalhado e a minimização do

tempo de produção.

O trabalhador vicia em condições desumanas. As jornadas de

trabalho chegavam há 18 horas diárias (MALTHUS, 1946). Com relação aos

salários, RICARDO, citado por MATHUS (1946), reflete muito bem o

pensamento da época. Diz RICARDO que “o salário deve ser o preço

necessário para que o trabalhador subsista e perpetue sua classe, sem

aumento ou redução” (p.188). BENTHAN, citado por HUNT & SHERMAN

(1986), afirma que o trabalhador possuia aversão ao trabalho e que

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“emoções como o amor ou o desejo é o ócio” (p.58). TOWNSEND também

citado por HUNT & SHERMAN (1986), é contundente ao afirmar que “a fome

não apenas exerce uma pressão mansa, silenciosa e incessante, como

também obriga aos mais intensos esforços,... somente o aguilhão da fome

tange os trabalhadores para o trabalho” (p.58).

O trabalhador tinha assim uma vida no trabalho, onde suas

necessidades básicas não eram consideradas.

OWEN, citado por HUNTS & SHERMAN (1986), foi provavelmente o

primeiro dono da fábrica a “proporcionar condições decentes de trabalho,

salários suportáveis e educação para os filhos de seus operários” (p.78). A

melhor qualidade de vida nas fábricas foi então correlacionada, de forma

prática, com o melhor desempenho produtivo. No levantamento bibliográfico

que realizamos, OWEN aparece como o pioneiro de métodos para

humanizar as condições de trabalho no interior da fábrica.

A eficiência da produção continuou sendo muito questionada no

século XIX. A divisão da tarefa, através da especialização, foi defendida por

MILL (1965), que sugere ainda um salário proporcional a produção de cada

trabalhador.

As preocupações com a monotonia, causada pela especialização,

forma expostas por MARSHALL (1936), que mesmo sendo a favor deste

processo de produção, considerava a monotonia um mal de primeira ordem

na divisão do trabalho.

Mesmo sem afetar a prática dos processos produtivos, o trabalhador

passou a ser motivo de preocupação e questionamento. A motivação

econômica, a melhoria do ambiente de trabalho e a monotonia com a

especialização, fatores que afetavam diretamente a vida do trabalhador no

local de trabalho, passaram a se teorizados timidamente e, em algumas

poucas empresas, considerados de forma prática.

Um exemplo notável ocorreu nos Estados Unidos no final do século

XIX. A expansão das estradas de ferro no território americano constitui-se

em um dos maiores empreendimentos da época. POOR, citado por LODI

(1978), o coordenador deste empreendimento, tomou como diretriz para uma

maior eficiência três fatores: a organização, a comunicação e a informação.

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A partir de seu “modelo”, POOR proporcionou a seus trabalhadores uma

grande motivação e, poderíamos até afirmar, uma relativa satisfação no

trabalho. A fácil comunicação entre os trabalhadores dos diversos níveis, a

explicitação constante dos grandes objetivos das estradas construídas, os

salários proporcionais ao desempenho de cada trabalhador e um ambiente

de trabalho, que induzia liberdade e desbravamento, fizeram com que os

trabalhadores sentissem que estavam realizando algo significativo e que

estavam sendo valorizados. Isto sem dúvida motivou e deu alguma

satisfação ao trabalhador.

Os métodos aplicados pelo engenheiro ferroviário Henry Poor,

disseminado em outros empreendimentos da mesma natureza em território

americano, serviram de preparo para posterior surgimento da Administração

Científica de Frederick TAYLOR.

Após a Guerra Civil, 1868, os Estados Unidos viveram grandes

mudanças. O Norte industrial, com a vitória, passou a dominar e a influenciar

os métodos produtivos do Sul, agrário e escravocrata. O sul, além de

contribuir com a liberação de mão-de-obra para a indústria, surgia também

como um novo mercado para os produtores industrializados (BARBEIRO,

1976; MAIOR, 1966; CORIAT, 1980).

Na Europa, em particular na Inglaterra, como lembra MALTHUS

(1946), viva-se, na época, uma grande crise de desemprego. O que motivou

milhares de trabalhadores e emigrarem para os Estados Unidos m

(REMOND, 1961; CORIAT, 1980).

O mercado e a expectativa para o consumo de produtos

industrializados, interna ou externa, existiam. A mão-de-obra não

especializada era abundante e barata. Mas havia um grande problema: os

processos produtivos.

A “arte de fazer” não era propriedade da indústria. Os artesãos que

também eram chamados de trabalhadores profissionais tinham o

“conhecimento total” do “fazer” e constituíram um grupo dominante na

indústria (CORIAT, 1980). A produtividade era baixa e a introdução de

trabalhadores não especializados, que formavam a grande massa

trabalhadora, era bloqueada pelos artesãos. BRAVERMAN (1980) diz que:

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“... essas primeiras oficinas eram simplesmente aglomerações de

pequenas unidades de produção, refletindo pouca mudança quanto aos

métodos tradicionais, de modo que o trabalho permaneceria sob imediato

controle dos produtores, nos quais escarnados o conhecimento adicional e

as perícias de seus ofícios” (p.61).

Esse é o quadro de TAYLOR encontra para aplicações de suas idéias

sobre produtividade da produção. Vindo de família de classe média superior

da Nova Inglaterra, Frederick Winslow TAYLOR, que abandonou o caminho

profissional previamente defendido, Advocacia, iniciou seus trabalhos como

simples operário de uma siderúrgica de amigos da família, a Midvale

Steelco. (LODI, 1978).

A partir de métodos empíricos, TAYLOR (1987) estabeleceu e

compôs técnicas para uma administração, voltada para a produção

individual, como base para um maior e melhor desempenho global da

indústria. Empiricamente, pesquisou métodos e deduziu formas mais

eficientes para o desempenho das máquinas e dos trabalhadores.

Com os princípios de TAYLOR, ou seja, a divisão do trabalho em

tarefas simples previamente definidas, a utilização da mão-de-obra não

especializada passou a ser amplamente possível e viável. Assim, a indústria

assumiu o controle do processo produtivo e pôde aumentar

substancialmente sua produtividade e produção, utilizando-se da mão-de-

obra do trabalhador não especializado.

Vale ressaltar o perfil do trabalhador não especializado, aproveitado

na produção americana a partir de TAYLOR. Eram imigrantes ou sulistas

que tinham como experiência de vida as condições desumanas, vividas em

seus países de origem ou a “escravidão” nas propriedades rurais do Sul.

Logo, indivíduos com poucas aspirações profissionais, sociais e alienadas

quanto aos direitos e melhores condições no trabalho. A princípio, podemos

ver na “atitude” de TAYLOR, considerando o contexto da época,

preocupações não só empresariais, mas também sociais.

A filosofia proposta era a racionalização da produção, trazendo, como

produtos finais à produtividade e a motivação econômica do trabalhador. A

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respeito da “propriedade” do trabalhador, na administração científica diz

TAYLOR:

“Prosperidade para o empregado significa, além de salários mais altos

do que os recebidos habitualmente pelos obreiros de sua classe, o

aproveitamento dos homens de modo mais eficiente, habituando-os a

desempenhar os tipos de trabalhos mais elevados, para os quais

tenham aptidões naturais e atribuindo-lhes, sempre que possível,

esses gêneros de trabalhos” (p.32).

FORD (s.d), que foi um adepto do taylorismo, acreditava que uma das

necessidades básicas para a “prosperidade” do trabalhador era os aspectos

físicos do local de trabalho. FORD defende que uma “condição essencial

para conseguir unir o melhor rendimento à maior humanidade na produção é

dispor de acomodações amplas, limpas e devidamente ventiladas” (p.93).

O taylorismo e o fordismo proporcionaram aos trabalhadores da

época melhores condições de trabalho. Tanto no aspecto motivacional como

no projeto de cargo e ambiente físico de trabalho.

TAYLOR valorizou o trabalhador e lhe deu condições de ganhar

proporcionalmente a sua produção. A forma racional de execução das

tarefas, apresentadas pelo taylorismo, levou o trabalhador a um desgaste

físico quase desumano, numa visão atual, mas sem dúvida, tornou a tarefa

mais significativa.

Os valores introduzidos por TAYLOR aparentemente proporcionaram

ao trabalhador, na época, uma melhor Qualidade de Vida no trabalho e

serviu de base para o atual estudo do comportamento humano no trabalho.

Hoje, as críticas aos métodos de trabalho e principalmente à forma

como o taylorismo abordou o trabalhador são constantes. Alguns tentam

entender TAYLOR no contexto atual e, científica, introduzida no início deste

século (ETSIONI, 1946; PERROW, 1972).

Entretanto a Administração Científica “foi assim uma das idéias

pioneiras, libertadoras. Sem ela, seria impossível o verdadeiro estudo dos

seres humanos no trabalho” (DRUCKER, 1972, p.132)

BRAVERMAN (1980) critica a noção popular de que “o taylorismo foi

superado por escolas posteriores de psicologia industrial ou relações

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humanas” (p.83). O taylorismo não mais existe como taylorismo como tão

apropriadamente afirma George SAULE, citado por BRAVERMAN (1980)

ele,

“Como movimento distinto, desapareceu na grande depressão dos

anos 30, mas naquele tempo, o conhecimento dele tinha-se difundido

na indústria e seus métodos de filosofia eram lugares comuns em

muitas escolas de engenharia e de administração” (p.84)

A interpretação do que disse SAULE é feita por BRAVERMAN ao

afirmar: “o taylorismo está obsoleto ou superado apenas no sentido

em que uma seita que se tenha difundido e se tornado amplamente

aceita, venha a desaparecer como seita” (p.84).

Tal posicionamento não nega que a motivação econômica proposta

pelo taylorismo, hoje, não mais é suficiente para manter o trabalhador

comprometido com a eficácia e produtividade organizacional ou a levar o

mesmo a ter uma satisfação no trabalho.

Assim as idéias de TAYLOR ainda estão vivas. Com outros títulos ou

rótulos ou inseridos implicitamente nas diversas escolas sociais ou

produção. Logo não podemos desprezá-las ao analisar, hoje, a Qualidade de

Vida no Trabalho. Qualidade está deflagrada no início do século,

provavelmente pela expectativa de maiores recompensas ou mesmo pelo

fato de se manter ou conseguir um emprego.

A Qualidade de Vida no Trabalho tem sido uma preocupação do

homem desde o início de sua existência. Com outros títulos em outros

contextos, mas sempre voltada para facilitar ou trazer satisfação e bem-estar

ao trabalhador na execução de sua tarefa.

Não podemos desprezar, por exemplo, os ensinamentos de Euclides

de Alexandria sobre os princípios de geometria, há 300 anos a.C., e que

foram aplicados para melhorar o método de trabalho de trabalho dos

agricultores à margem do Nilo, ou a “Lei das Alavancas”, de Arquimedes,

que, em 287 anos a.C., veio diminuir o esforço físico de muitos

trabalhadores. Estes são alguns fatos históricos que vieram alterar a forma

de execução da tarefa, trazendo intrinsecamente uma melhoria nas

condições de trabalho e bem-estar do trabalhado. Com estes, seria possível

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citar centenas de outros exemplos. Mas o importante é explicitar que já nas

primeiras civilizações as preocupações com forma de execução das tarefas

existiam e que vários foram os métodos ou teorias que, aplicados,

minimizaram o mal-estar ou esforço físico do trabalhador.

Somente com a sistematização dos métodos de produção, nos

séculos XVIII e XIX, as preocupações com as condições de trabalho e

influência destas na produção e moral do trabalhador vieram a ser

estudadas de forma científica.

Inicialmente, com os economistas liberais, passando pela

Administração Científica e Escola de Relações Humanas, o bem-estar do

trabalhador e a adaptação tarefa/trabalhador foram estudadas e teorizadas

de várias formas, algumas complementares, outras se contradizendo.

Definições evolutivas da QVT na visão de Nadler & Heawler.

PERÍODO FOCO PRINCIPAL DEFINIÇÃO

1959/1972 Variável

A QVT foi tratada como reação

individual ao trabalho ou as

conseqüências pessoais de experiência

do trabalho.

1969/1975 Abordagem

A QVT dava ênfase ao indivíduo antes

de dar ênfase aos resultados

organizacionais, mas ao mesmo tempo

era vista como um elo dos projetos

cooperativos do trabalho gerencial.

1972/1975 Método

A QVT foi o meio para o

engrandecimento do ambiente de

trabalho e a execução de maior

produtividade e satisfação.

1975/19980 Movimento

A QVT, como movimento, visa a

utilização dos termos “gerenciamento

participativo” e “democracia industrial”

com bastante freqüência, invocador

como idéias do movimento.

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PERÍODO FOCO PRINCIPAL DEFINIÇÃO

1979/1983 Tudo

A QVT é vista como um conceito global

e como forma de enfrentar os problemas

de qualidade e produtividade.

Previsão

Futura Nada

A globalização da definição trará como

conseqüência inevitável e descrença de

alguns setores sobre o termo QVT. E

para estes QVT nada representará.

Em 1950, no “Tavistock Institute”, em Londres, Eric TRIST e

colaboradores desenvolveram uma série de estudos que deram origem a

uma abordagem sócio-técnica em relação à organização do trabalho, tendo

como base à satisfação no trabalho e em relação a ele. Nesta mesma

época, Louis DAVIS e colaboradores realizavam, nos Estados Unidos,

pesquisas para modificar as “linhas de montagens”, no intuito de tornar a

vida dos operários do trabalho mais agradável e satisfatória (HUSE &

CUMMINGS, 1985).

Somente na década de 60, estes movimentos, ou seja, as

preocupações com a Qualidade de Vida no Trabalho – QVT, tomaram

impulso. HUSE & CUMMINGS (1985) admitem que a conscientização dos

trabalhadores e o aumento das responsabilidades sociais da empresa

contribuíram, de forma decisiva, para que cientistas e dirigentes

organizacionais pesquisassem melhores formas de realizar o trabalho.

NADLER & LAWLER (1983) e HUSE & CUMMINGS (1985)

estabelecem 1974 como um marco no desenvolvimento da QVT. A primeira

fase que teve início em meados da década de 60 e se estendeu até 1974, foi

marcada pela crescente preocupação de cientistas, líderes sindicais,

empresários e governantes, pelas formas de “como influenciar a qualidade

das experiências do trabalhador num determinado emprego” (NADLER &

LAWLER, 1983, p.21). Impulsionada pela perspectiva de uma sociedade

progressista, induzida pelo contexto da época, e tendo como base à saúde,

segurança e satisfação dos trabalhadores, a QVT seguiu, primeiramente,

uma linha sócio-técnica.

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A abordagem sócio-técnica tinha como princípio maior à organização

do trabalho a partir da análise e da reestruturação da tarefa.

Nos Estados Unidos, neste primeiro período, ocorreram alguns fatos

significativos. Dentre os mais importantes, podemos citar (HUSE &

CUMMINGS, 1985):

ƒ A criação da “National Comission on Productivity”, que teve como

função, analisar, as causas da baixa produtividade nas indústrias

norte-americanas. Esta comissão foi à base para a publicação da

conhecida obra “Work in America”;

ƒ A criação pelo congresso do “National Center for Productivity and

Quality of Working Life” que tinha como função realizar estudos e

servir de laboratório, sobre a produtividade e a qualidade de vida do

trabalhador nas atividades de produção;

ƒ A criação de grupos de estudos da Qualidade de Vida no Trabalho,

onde se destacaram o “Quality of Working Life Program” na

University of Califórnia, o “Massachusetts Quality of Working Life

Center”, o “American Center for the Quality of Work Life” e o “Center

for Productivity” na Texas Tech University.

A Universidade de Michigan teve também grande participação nas

pesquisas estudos sobre a QVT neste período (NADLER & LAWLER, 1983).

HUSE & CUMMINGS (1985) explicitam em sua obra os pontos de

maiores convergências e preocupações sobre as dimensões que trariam ao

indivíduo uma melhor QVT. São eles:

1. Adequada e satisfatória recompensa;

2. Segurança e saúde no trabalho;

3. Desenvolvimento das capacidades humanas;

4. Crescimento e segurança profissional;

5. Integração social;

6. Direitos dos trabalhadores;

7. Espaço total da vida no trabalho e fora dele;

8. Relevância Social.

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A “crise energética” e a alta inflação que acometeram as grandes

potências do Ocidente e, em particular, os Estados Unidos, no início dos

anos 70, desaceleraram e mudaram os rumos da QVT. A crescente

competição nos mercados internacionais, com o surgimento de novas forças

industriais/comerciais, principalmente o Japão, fez com que os norte-

americanos repensassem seus modelos organizacionais e principalmente de

gerenciamento (RUBINSTEIN, 1983; BACHNER & BENTLEY, 1983;

BENTLEY & HANSEN, 1983).

Até o final da década de 70, tivemos uma paralisação no

desenvolvimento e preocupações com a QVT. As organizações

preocupavam-se e tinham suas atenções desviadas para a alta

inflação e a substituição do petróleo, que até 1974 era uma fonte de

energia de baixo custo.

Em 1979, teve início uma nova fase no desenvolvimento das

abordagens sobre a QVT. Este período foi induzido pelo fascínio das

técnicas de administrar, usadas em um país que superou muito bem a crise:

o Japão. Algumas destas técnicas, como, por exemplo, os Ciclos de

Controle de Qualidade – CCQ, disseminaram-se nas organizações do

Ocidente, principalmente nas norte-americanas (HUSE & CUMMINGS,

1985).

NADLER & LAWLER (1983) também identificam este momento ao

afirmarem que “começamos a reconhecer que talvez outros países

estivessem fazendo algum tipo de gerenciamento diferente, que pudesse ter

relação com sua eficácia” (p.21).

OUCHI (1982), com sua Teoria Z, afirma que “o Japão conseguiu

manter uma ética de trabalho, ao passo que os americanos se tornaram

mole, preguiçosos e se julgavam com direito à boa vida sem ganhá-la”

(p.12). Declarações como esta induziam, cada vez mais, “a cópia” do

método japonês de gerenciamento.

Mas, como afirmam HUSE & CUMMINGS (1985), logo “algumas das

fascinações iniciais dos modelos japoneses deram lugar a soluções

domésticas” (p.201).

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Uma destas tendências foi materializada por PETERS E WATERMAN

(1983), que viam o problema dos Estados Unidos como sendo “o fascínio

pelos instrumentos de administração que esconde uma total e evidente

ignorância da arte” (p.29). Os autores explicitaram a esterilidade do sistema

administrativo e de gerenciamento americano diante dos novos rumos das

organizações. A esterilidade e a falência das técnicas americanas ficou

clara,

“... quando empresários e administradores norte-americanos,

pressionados por problemas gritantes de estagnação precipitaram-se

em adotar práticas administrativas japonesas, simplesmente ignorado

as vastas diferenças culturais, ainda maiores do que as sugeridas

pela extensão do Oceano pacífico” (p.5).

Tomando como modelo às empresas americanas bem sucedidas, os

autores encontram oito atributos que devem ser seguidos pelas

organizações e que seriam a base para um programa de produtividade

organizacional e melhor Qualidade de Vida no Trabalho. Os atributos de

PETER & WATERMAN são os seguintes:

1. Uma firme disposição para agir.

2. Maior aproximação do cliente.

3. Autonomia e iniciativa dos trabalhadores.

4. Produtividade através dos trabalhadores.

5. Orientação por valores-filosofia organizacional.

6. Limitar-se ao conhecido.

7. Formas de trabalho simples e em pequenos grupos.

8. Política administrativa flexível.

No quadro 1 é apresentado um resumo da evolução das definições de

QVT, na visão de NADLER & LAWLER.

A QVT é hoje difundida e tem acentuado desenvolvimento em outros

países. HUSE & CUMMINGS (1985) citam a França, Alemanha Ocidental,

Dinamarca, Suécia, Noruega, Holanda e Itália como os países que

institucionalizaram em suas organizações a filosofia e métodos para uma

maior satisfação do indivíduo no trabalho. Também em outros países as

abordagens sobre a QVT apresentam significativo desenvolvimento, dentre

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eles podem ser citados a Inglaterra, Checoslováquia, Hungria, Iugoslávia,

Canadá, México e Índia.

No Brasil, algumas pesquisas, no intuito de readaptar modelos

estrangeiros e encontrar um modelo próprio a partir das características

culturais locais, estão sendo desenvolvidas. Dos vários focos existentes

identificamos os mais sistematizados e com maior contribuição já fornecida à

comunidade científica o de Tarcísio QUIRINO e colaboradores em Brasília, o

de Eda FERNANDES e colaboradores no Rio Grande do Sul e o Lúcio Flávio

R. de MORAES e colaboradores em Minas Gerais.

A nossa motivação central neste trabalho define-se pela percepção de

Qualidade de Vida no Trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde com as

interfaces da violência urbana. Logo no próximo capítulo abordaremos os

aspectos filosóficos, políticos e éticos do Programa de Agentes Comunitários

de Saúde.

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CAPÍTULO II

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AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE

Aspectos políticos, filosóficos éticos do Programa de Agentes

Comunitários de Saúde.

Até uns trinta anos atrás, a idéia de saúde estava associada à

ausência de doenças. Depois começou-se a perceber que as doenças

estavam associadas aos hábitos de vida, aos ambientes em que as pessoas

viviam e a comportamentos e respostas dos indivíduos a situações do dia-a-

dia. A idéia de saúde passou a ser, portanto, entendida como resultado de

um conjunto de fatores que têm a ver com a condição social das pessoas,

que têm a ver com o saneamento básico, que têm a ver com a condição

social das pessoas, que têm a ver com seu trabalho, que têm a ver com sua

renda, que têm a ver com seu nível e educação, e assim por diante.

Por outro lado, a assistência à saúde da população estava limitada a

condição de trabalho. Quem tinha emprego registrado na carteira

profissional possuía assistência médica através das caixas da Previdência,

ou então pagava médicos particulares e, em casos de internação, também

pagava pelo serviço. Para quem não tinha emprego registrado ou não podia

pagar um médico, o jeito era recorrer às Santas Casas de Misericórdia ou

aos postos de saúde municipais, que viviam sempre lotados. Para equilibrar

essas desigualdades, começou a surgir um movimento de Reforma Sanitária

no Brasil, e inspirado em experiências de outros países e nas discussões

que aconteceram na Conferência de Alma-Ata. Esse movimento defendia

que todos deveriam ter amplo acesso aos serviços de saúde,

independentemente de sua condição social, e que a saúde deveria fazer

parte da política nacional de desenvolvimento e não ser vista apenas pelo

lado da previdência social.

A partir de 1985, começaram os preparativos para a elaboração da

Constituição Federal. Em 1986, foi realizada a 8º Conferência Nacional de

Saúde e criada a Comissão Nacional da Reforma Sanitária, com a tarefa de

formular as bases para um sistema de saúde brasileiro. Alguns integrantes

dessa Comissão fizeram parte da Assembléia Nacional Constituinte –

conjunto de parlamentares que escreveu a Constituição Federal de 1988.

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Dessa forma, essa nova maneira de entender saúde está incluída na

Constituição Federal no artigo 196:

“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante

políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de

outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para

sua promoção, proteção e recuperação”.

Para promover esse acesso universal e igualitário, foi criado o

Sistema Único de Saúde – SUS, conforme indicado no artigo 198 da

Constituição Federal: As ações e serviços públicos de saúde integram uma

rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único,

organizado de acordo de acordo com as seguintes diretrizes:

I. descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II. atendimento integral, com prioridade para as atividades

preventivas, se prejuízo dos serviços assistenciais; e

III. participação da Comunidade.

Sabe-se que a década de 70 se destaca pelas lutas e resistências

coletivas, em busca do resgate de direitos da Cidadania cassada e

controlada pelo autoritarismo vigente; já nos anos 80 prevaleceram as

negociações, alianças, pactos, construção de estratégias, num longo

processo de transição. Nesse período, observaram-se os avanços dos

movimentos sociais, o processo de transição democrática, acelerado no ano

de 1984, com a mobilização popular em prol das eleições diretas para

presidente da República, a sucessão presidencial e a morte do idealizador

da “Nova República”, Tancredo Neves.

Por outro lado, a mobilização pela Assembléia Nacional Constituinte

fortaleceu o projeto proposto pelo movimento sanitário ou pelo denominado

“Partido Sanitário”, no País.

O movimento sanitário elaborou um projeto denominado “A questão

da Saúde no Brasil e diretrizes de um programa para um Governo

democrático”, fruto de seminários, debates, experiências, sonhos, paixões e

conflitos, a ser negociado com as forças sociais da chamada “Nova

República”. Para viabilizar o projeto, vários técnicos, autores, militantes e

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pessoal comprometido com as teses a serem implantadas assumiram postos

- chave no Ministério da Saúde.

O medo de ser mutilado, cooptado, fragilizado, estava sempre

presente nesses grupos; porém, à vontade de devolver, para a sociedade, a

oportunidade de ter direito a ter direito.

Nesse contexto de crise, os profissionais de saúde colocaram-se

como parte integrante dessas idéias e propostas do SUS e passaram a atuar

na defesa intransigente desses novos pressupostos nas esferas de lutas dos

estados e municípios, a partir das denúncias das condições miseráveis de

vida das classes subalternas, dos serviços públicos de saúde. Todo esse

quadro abriu perspectivas para, estrategicamente, ocupar os espaços do

poder onde efetivamente se pudesse verificar, na prática, que o sonho de

alguns poderia tornar-se realidade. Desse modo, o projeto deixa de ser

apenas de um grupo de profissionais de diversas áreas (saúde/ educação/

ciências sociais) e das instituições (universidades, prefeituras, igrejas,

secretarias) e passa a ser de diversos segmentos progressistas da

sociedade brasileira.

E os anos 90?

“Nada animador. Os mitos, as referências, os sonhos e as ilusões

parecem se desmoronar como ícones de areia de beira mar” (Cohn, 1992:

54).

Nesses anos havia tantas falas, tantas lutas, tanta energia gasta. E as

lições pareciam aprendidas pelos atores errados. As bandeiras

reivindicatórias coletivas de grupos progressistas foram, apropriadas pelos

conservadores. A força do coletivo se esvaziou. A solidariedade foi – se

tornando uma canção distante? As lutas perderam seu caráter coletivo dado

lugar às questões de sobrevivência imediata? É meu emprego, é minha

casa, é meu marido/mulher, meus filhos meu carro, e outros? E os

companheiros? Que tanto lutaram juntos? Brigam, competem entre si, por

questões pequenas/secundárias ou em defesa de seus espaços político-

eleitorais no poder local? E o que fazem? Velhas perguntas, novos

questionamentos.

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Nesse contexto, Cohn (1992:55) lembra de antigos ensinamentos – “a

questão não é lutar apenas pelo poder estatal, mas construir uma nova

sociedade, baseada am novas relações sociais”.

A impressão que se tem é de que se tem um adormecimento na

sociedade, como se todos os que há mais de vinte anos lutaram pelos

direitos sociais e por um país mais justo, em que a distribuição dos

benefícios sociais seria mais igualitária, a distribuição dos benefícios sociais

seria mais igualitária, a distribuição e renda mais justa, em que os pobres

não continuariam sendo os maiores contribuintes para que os mais ricos

usufruíssem, pedissem licença “descansar”.

A escolha entre consolidação da democracia, a instauração da justiça

social por um governo de discurso modernizante “legitimado” por 35 milhões

de eleitores, fez com que o movimento popular entrasse em estado de

anestesia.

O projeto Collor foi expressão máxima dessa situação de

desarticulação, de tal forma que possibilitou que os conservadores do seu

governo se apoderassem de experiências/idéias vividas por estados e

municípios populares e progressistas fazendo com que diversos técnicos,

sensíveis, sérios e éticos, acreditassem que, de fato, aquele governo tinha

propósitos para resolver os graves problemas de saúde do país.

Nesse terreno fértil, nasceram várias políticas sociais de cunho

assistencial, dentre elas o Programa de Agentes Comunitários de Saúde –

PACS, mas com grande potencial solidarizante. Fato esse que exigiu a

inserção de novos sujeitos sociais, com interesses, ideologias e visões de

mundo semelhantes. Todos dispostos a contrapor-se ao modelo hegemônico

do projeto neoliberal, controlando socialmente os princípios do SUS.

Em março de 1991, nasceu a primeira idéia de pensar e elaborar a

PACS pelo Ministério da Saúde, através do Departamento Operações da

Fundação Nacional de Saúde. Em abril de 1991 efetivou-se um encontro em

Taubaté com representantes da UNICEF e a Associação dos Agentes

Comunitários de Saúde, foram relatados vários trabalhos; estavam

presentes Agentes Comunitários de Saúde dos diversos recantos do país,

eram agentes que trabalhavam voluntariamente.

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As dificuldades foram apresentadas: sem recursos, capacitação,

apoio institucional, porém com muita paixão e força de vontade naquilo que

fazia. Aquele trabalho merecia ser potencializado; sistematizado; porque não

institucionalizado? Praticamente, esse encontro (Taubaté) definiu a idéia do

Ministério da Saúde de lançar em âmbito nacional o Programa de Agentes

Comunitários de Saúde; a partir daí, foi estruturada uma comissão da

Fundação Nacional de Saúde, com técnicos que tinham experiências com

esse tipo de trabalho, para a elaboração do Documento do PACS.

Com a comissão formada, várias reuniões foram realizadas em

Fortaleza – CE, pr ter esse estado maior expressão nas atividades dos

Agentes, e acordo com avaliação realizada no UNICEF, cujos resultados

indicaram redução significativa da mortalidade infantil e de outros

indicadores sociais.

Os técnicos do Ceará cumpriram papel fundamental na estruturação

da proposta, ajudando a elaborar o projeto original, com ações a serem

desenvolvidas, cronogramas, programação orçamentária, estruturação da

proposta. Dessa forma, preparava-se o documento preliminar para ser

apresentado a todos os estados da Federação.

Ao mesmo tempo, a Fundação Nacional de Saúde tomou

conhecimento de que o Ministério da Saúde à época, havia solicitado a

Fundação Oswaldo Cruz/Escola Nacional de Saúde Pública, a elaboração

de um projeto de formação de 40.000 visitadores sanitários para a rede

básica dos serviços de saúde do Nordeste. O referido projeto foi

encaminhado ao Ministério que optou pelo formato apresentado pela

comissão encarregada de desenhar o PACS, pensado e elaborado pela

equipe da Fundação Nacional de Saúde, assessorado por técnicos dos

estados de Goiás, de Pernambuco, do Ceará e do Maranhão.

A escolha da região Nordeste para iniciar a implantação do PACS foi

motivada pela existência de maiores indicadores de doenças, carências,

pobrezas e miséria; os municípios dessa região abrigavam todos os males

de exclusão social, uma concentração e aceleração na implantação do

PACS resultaria em maior impacto, em curto e médio tempo.

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A meta inicial era implantar 100.000 ACS, porém, com a negociação e

engajamento de outros técnicos, sobretudo da região Nordeste, houve um

consenso de que deveriam ser implantado cerca de 45.000 ACS em todo o

Brasil, respeitando os estados municípios que demonstrassem interesse de

adesão e transformasse seu interesse em decisão política de fazê-lo.

Priorizando, inicialmente, o Nordeste (1991) onde haveria um total de 20.034

ACS, distribuídos segundo critérios populacionais e perfil epidemiológico,

exceto o estado do Ceará, que vinha desenvolvendo seu programa desde

março de 1987.

Em segundo momento (1992), o Programa seria estendido aos

estados da região Norte, notadamente Manaus e Belém, e seria concluída a

segunda parte do Nordeste, dando início ao Programa de Brasília – Distrito

Federal e adjacências.

Ainda em 1992 houve um terceiro momento, quando o Programa

chegaria aos demais estados da região Norte e periferia das principais

capitais do País (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte), fato que não

ocorreu, ficando o PACS restrito às regiões Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Somente a partir de 1994, com o desenho da estratégia do Programa de

Saúde da Família – PSF, é que os Agentes Comunitários de Saúde passam

a compor a equipe nuclear desta proposta e, portanto, começaram a chegar

aos grandes centros, regiões metropolitanas e capitais do Sul e Sudeste.

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CAPÍTULO III

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VIOLÊNCIA URBANA

São incessantes os esforços de várias disciplinas para compreender e

definir violência, fenômeno que acompanha a humanidade, como uma de

suas mais dilemáticas questões. O que considerar violento? Ou o quê a

sociedade decreta como violento? O quê um grupo, diferentemente de

outros, crê ser violência? Alguns estudos serviram para apontá-la como

parte de condição humana, outros tantos vem destacando que ela aparece

de forma peculiar, de acordo com os arranjos societários de onde emergem.

É de certa forma consensual a noção de coerção e de dano a um indivíduo

ou grupo de determinada classe, etnia ou gênero. Num sentido mais geral, o

termo abarca as inúmeras circunstâncias em que a força é empregada sobre

outrem, como constrangimento de qualquer ordem.

A evolução do conceito de violência acompanha os movimentos da

sociedade e da ciência, tão imbricado se encontra nos desafios do cotidiano

urbano. O termo tem seu sentido constantemente ampliado. Inicialmente

usado para definir a agressão, o uso da força física, o contato humano direto

e intencional, alarga-se para um universo de múltiplas expressões, vindo

habitar as mais diversas esferas sociais, no espaço público ou privado, não

só de forma física, mas também psíquica e simbólica, como define Michaud

(1989):

“há violência quando, em uma situação de interação, um ou vários

autores agem de maneira direta ou indireta, maciça ou esparsa, causando

danos a uma ou mais pessoas em graus variáveis, seja em sua integridade

física, seja em sua integridade moral, em suas posses, ou em suas

participações simbólicas e culturais”.

Portanto, conhecer explicar seus motivos, identificar seus agentes e

suas vítimas, as condições e formas de agressão, as razões e (des) razões

envolvidas e o seu relato, requer assumir “perspectivas” determinadas, o que

evidencia a violência, como um conceito eminentemente ideológico.

Envolvidos nela encontram-se as relações de luta pelo poder, de opressão e

expropriação e, sendo assim, o interesse de grupos, de pessoas, de nações.

A percepção da violência está ligada do ponto de vista social e político que

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adotamos, segundo o qual é possível analisá-la, compreendê-la ou condená-

la de modo diverso (COSTA, 1996). Decorrente desta compreensão,

podemos conceber que muitos aspectos ou formas da violência

permaneçam ocultos e outros tantos vão se revelando, ao longo da história.

As transformações da natureza do social, na percepção dos direitos

humanos, levam a novas conceitualizações da violência, que passa a

englobar uma série de manifestações antes não consideradas (Waiselfisz,

1998). Crimes e violência de natureza sexual, por exemplo, até então

tratados na esfera privada – e não nomeados como violência – passam a ser

considerados e adquirem visibilidade na esfera pública, na medida em que

as mulheres se assumem como portadoras de direitos.

Wieviorka (1997), afirma que a violência é uma categoria central para

a análise da vida social. Pode-se dizer que o fenômeno da violência se

expressa em diversas modalidades, tais como: violência doméstica, gênero,

psicológica, física, urbana, policial, racial, entre outras, em determinado

contexto em que está inserida.

Dos muitos estudos que têm se desenvolvido com relação à violência

depreendem-se alguns elementos essências para sua análise

compreensão. A partir da análise que autores do Centro Latino Americano

de Estudos sobre a Violência e Saúde – CALVES/ENSP/FIOCRUZ têm

produzido sobre a relação entre violência e saúde, e da crítica que tem feito

a diferentes formas de abordagem, destacamos alguns pontos

fundamentais, a considerar em nossa reflexão.

Uma das tendências ressaltadas e problematizadas por eles, no

campo dos “estudos sobre violência”, foi a de tomá-la exclusivamente como

parte constituinte da natureza humana - as abordagens de cunho mais

exclusivamente psicologicista e biologicista. Muito mais abrangente do que

nesta perspectiva da análise, a violência é hoje percebida como um

fenômeno bio-psico-social complexo. Ela é gerada e se desenvolve nas

relações sociais, onde os cidadãos são, ao mesmo tempo, sujeitos e objetos

da violência na vida em sociedade. A categoria deve, por isso, ser entendida

e analisada em rede, não podendo ser tratada de forma fatalista, o que

redunda em geral em visões unidirecionais e preconceituosas do tema.

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Outra tendência destacada foi a de considerá-la como uma entidade em

abstrato. Ao contrário desta idéia, ela deve ser entendida como expressão

específica d relações sociais, que assumem características próprias, sob as

várias formas de agressões físicas e psicológicas, delitos, maus-tratos,

desigualdades, injustiças e impunidades que testemunhamos a cada dia.

Sua visibilidade, compreensão e representação social são diferentes, em

função da sociedade e cultura que se considere. Faz-se imprescindível

adotar uma perspectiva histórica de análise, especificando sua dinâmica, no

tempo e no espaço, e correlacionando-a com outros fatores. Em síntese,

entende-se a violência como um fenômeno gerado

nos processos sociais, que atinge o âmbito das

instituições, grupos e indivíduos, sendo

desigualmente distribuída, culturalmente delimitada e

reveladora das contradições e das formas de

dominação da sociedade. (Souza, 1996).

Fenômeno multicausal, a violência abriga fatores internos e externos,

aspectos qualitativos e quantitativos, dimensões particulares e gerais. Sua

abordagem teórica e metodológica entrelaça saberes e práticas de várias

áreas, devendo ser portanto foco de estudos multidisciplinares.

Minayo apresenta-nos uma categorização das distintas formas de

violência, em que distingue Violência Estrutural, Violência Cultural, Violência

de Resistência e Violência da Delinqüência. Ressalta que estas diferentes

expressões devem articular-se dentro de uma visão de “rede”, o que é

brilhantemente ilustrado pela citação de Domenach (apud Minayo, 1994: 07):

(...) cada manifestação particular (da violência) se

articula com as outras. Só se pode entender suas

formas mais brutais e atrozes, em rede com

situações menos escandalosas que se escondem e

são protegidas por ideologias e instituições

respeitáveis como, às vezes, a Justiça ou a Família.

A violência dos pequenos grupos deve ser

relacionada com a violência do Estado; a violência

dos conflitos, com a ordem estabelecida (...) A

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compreensão da rede, do específico e do

diferenciado induz a trabalhar num quadro mais

amplo do que aquele que atinge apenas os aspectos

institucionais, estruturais e oficiais, e a buscar na

própria sociedade as raízes de mudanças.

A violência atual se configura em diversas dimensões dentro do

contexto político, social e econômico (internacionalização e globalização do

capital). Gilberto Velho afirma que a “violência não se limita ao uso da força

física, ma a possibilidade ou ameaça de usá-la constitui dimensão

fundamental de sua natureza”. Acrescenta ainda, que, “de início, associa-se

a uma idéia de poder, quando se enfatiza a possibilidade de imposição de

vontade, desejo ou projeto de um autor sobre outro” (1996:10).

Velho (1996) sustenta que, para não existir a violência, é necessário

experimentar o sistema de reciprocidade, pois esta é o motor da expressão

do social. Contudo, esta reciprocidade só ocorre se houver uma troca entre

as pessoas, uma interação entre as mesmas e, deste modo, é preciso

reconhecer o outro, não como o diferente e sim como uma pessoa. Segundo

Velho, quando ocorre a impessoabilidade – a não observação entre o eu e o

outro – torna-se difícil, haver reciprocidade, pois há uma exacerbação do

individualismo, e, com isso, uma desigualdade associada e produtora da

violência.

No trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde com interfaces da

violência urbana, é possível perceber apontamentos de redução da violência

como estes:

“... Podemos dar uma contribuição em uma família

com problemas e assim poder diminuir a violência,

pelo menos começando dentro de casa” (TL, 36

anos).

“... Alguns dos domicílios visitados, sempre nos

deparamos, com algum tipo de violência, seja ela de

pais e filhos, de marido e mulher... enfim

trabalhamos para que o melhor seja feito inclusive

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para sanar a violência seja ela qual for”. (P.B.T, 24

anos)

Nos últimos anos, a violência urbana se alastrou de forma espantosa

por todo o país e, particularmente, no Rio de Janeiro. Se voltarmos um

pouco no tempo, a década de 80 trouxe o processo de “redemocratização”

do país, com a geração de uma severa e crescente crise econômica

alimentada por altíssimos níveis inflacionários. A criminalidade violenta

tomou proporções cada vez maiores até por conta dessa crise econômica

enfrentada pelo país. Sobre este assunto, os depoimentos das entrevistas

possibilitara resgatar algumas correlações da violência e suas proporções

nas atividades diárias dos A.C.S:

“Quase sempre a violência interfere nas ações dos

A.C.S., pois quando a comunidade está em ”clima

pesado” não podemos exercer nosso trabalho”.

(A.G.A.P., 31 anos)

“A violência entre bandidos policiais interfere nas

atividades dos Agentes Comunitários de Saúde pois

não podemos trabalha, caminhar na comunidade e

nem visitar nenhum morador...” (J.S.F.S., 26 anos)

O campo do crime traz atos violentos de extrema importância, sendo

que, por trás dele, podem estar presentes aspectos que os influenciaram,

nem sempre considerados como violentos (Cruz Neto, 1995). Da Matta

(1982) ressalta a importância de se evitar, na análise da delinqüência e da

violência, por conseguinte, o viés valorativo e normativo, ou seja, o discurso

a favor ou contra, que dificulta o entendimento de um fenômeno que se

constitui como um desafio para a sociedade e não apenas um mal, podendo

ser inclusive elemento de mudanças.

Nesse sentido, questões aparentemente díspares, como tráfico de

drogas, violência intrafamiliar e precariedade da cidadania podem ser

entendidos em sua correlação, numa visão menos determinista e unilinear,

numa abordagem de “rede”.

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CONCLUSÃO

Pobreza e desigualdade social formam um dos traços estruturais mais

perversos da sociedade brasileira, não se restringindo às áreas mais

remotas do país. Estão presentes tanto na periferia das grandes cidades, em

verdadeiros cinturões que reúnem milhões de pessoas em situação de

precariedade e exclusão, como também nas favelas cariocas, onde não raro,

dividem e disputam espaços em áreas nobres da cidade.

Esses espaços concentram os principais problemas relacionados à

insuficiência na oferta de serviços públicos em áreas como educação,

saúde, infra-estrutura urbana, cultura e lazer. Com graves problemas

habitacionais e ambientais, onde um grande contingente da população vive

em situação de pobreza, destituição ou exclusão social, as favelas

constituem de fato um desafio à administração pública.

Os Agentes Comunitários de Saúde atuam neste contexto. A

atividade profissional proporciona os seguintes benefícios: vínculo

empregatício, vales-transporte, auxílio alimentação, banco de horas, repouso

semanal e férias. Contudo pensar a QVT destes profissionais enquanto meio

para o engrandecimento do ambiente de trabalho e a execução de maior

produtividade e satisfação ainda é um desafio.

Nas entrevistas, indagamos sobre a QVT dos Agentes Comunitários

de Saúde, ressaltamos alguns depoimentos:

“Atravessamos vários obstáculos no trabalho em

campo (favela), deparamos com problemas muitas

vezes, que parecem insolucionáveis... quando a

equipe se empenha para resolver, conseguimos...”

(P.B.T., 24 anos).

“... Poderia ser melhor se tivéssemos alguns

recursos como ambiente mais agradável...” (S.S.R.,

40 anos).

A Qualidade de Vida no Trabalho tem sido uma preocupação do

homem desde o início de sua existência com outros títulos em outros

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contextos, mas sempre voltada para facilitar ou trazer satisfação e bem-estar

ao trabalhador na execução de sua tarefa.

De maneira geral, foi possível observar uma expressiva insatisfação

dos ACS quanto ao equipamento/espaço físico e as relações interpessoais

da equipe. Fatores preponderantes na percepção sobre Qualidade de Vida

no Trabalho. No tocante a atuação profissional e violência urbana

constatamos que a violência entre policiais, bandidos e facções criminosas

influenciaram diretamente na QVT. Contudo os depoimentos registram a

satisfação dos profissionais em protagonizarem no contexto de violência

urbana, na tentativa de contribuírem na redução e erradicação das diversas

formas de violência, apresentando possibilidades de uma atuação

transformadora.

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Page 39: Qualidade de Vida no Trabalho: Os Agentes Comunitários de ... SILVA.pdf · RESUMO Este estudo compreende o meu Trabalho de Conclusão do Curso de Pós Graduação – Latu Sensu

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Anexo

Roteiro das entrevistas realizadas com Agentes Comunitários de Saúde

1. Dados de Identificação

a) Nome

b) Data e local de nascimento

c) Atividade profissional

d) Há quanto tempo exerce atividade profissional de ACS/Agente

Comunitário de Saúde?

2. Visão sobre Qualidade de Vida no Trabalho:

a) Como percebe a Qualidade de Vida no Trabalho

b) E a Qualidade de Vida no Trabalho dos Agentes Comunitários de

Saúde?

3. Experiência profissional:

a) O que é ser Agentes Comunitários de Saúde?

b) Qual a Importância dos Agentes Comunitários de Saúde nas

Comunidades?

4. Violência Urbana:

a) A violência interfere nas ações dos Agentes Comunitários de Saúde?

b) O trabalho de Agentes Comunitários de Saúde contribui na diminuição

da violência?

c) É possível ter Qualidade de Vida no Trabalho dos Agentes

Comunitários de Saúde nas áreas favelizadas do Rio de Janeiro?