PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são:...

24
104 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico Teresa Maia*, Susana Jorge**, Berta Ferreira***, Bárbara Lopes***, Sandra Almeida***, Joana Alexandre***, Luísa Ribeiro**** Resumo: As autoras descrevem o Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca e após um breve enquadramento teórico sobre a intervenção pre- coce na psicose e o seu impacto no prognóstico, abordam mais especificamente o Programa PSIC (Programa de intervenção precoce após um primeiro episódio psicótico). Depois de caracterizarem a amostra inicial, descrevem a evolução dos doentes ao longo das três fases preconizadas para avaliação. Terminam o artigo, reflectindo sobre as impli- cações futuras em projectos a desenvolver no Serviço, tendo em consideração os bons níveis de adesão à terapêutica, o baixo número de reinterna- mentos mas também o declínio do funcionamento psicossocial. Palavras Chave: Primeiro Episódio Psicótico; Programas de Intervenção. ABSTRACT: The authors describe the Fernando Fonseca Psychiatric Department and after a brief theoric report about Psychosis early intervention and its prognostic implications, describe more specifi- caly the PSIC Program (Early intervention pro- gram after a first psychotic episode). After characterize the initial sample, they describe the patients evolution during the three phases of the Program evaluation. Finally they present future implications in the development of new projects in this area in the Service, regarding the good therapeutic adher- ence, the low rate of readmissions and the decrease of Psycho-social level. Key Words: First psychotic episode; Interventions approach. (I) INTRODUÇÃO Introdução Geral O Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca (H.F.F.) foi criado em 1996 e tem como objectivos a promoção da Saúde Mental e o trata- mento nas vertentes biológica, psicológica e social dos utentes acima dos 18 anos com pertur- bações mentais e residentes no Concelho da Amadora e das Freguesias de Queluz, Massamá, Belas e Casal de Cambra do Concelho de Sintra. Esta população caracteriza-se pela existência de graves problemas sócio-económicos, tratando-se de uma zona em franco crescimento habitacional, com bairros muito degradados e graves proble- mas de inclusão social relacionados com uma grande percentagem de emigrantes (sobretudo oriundos dos Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). De acordo com as recomendações da Organização Mundial de Saúde sobre a organiza- ção de serviços de saúde mental, procuramos que os cuidados de saúde sejam prestados num meio o menos restritivo possível (preferencialmente a nível da comunidade), de forma a evitar o afasta- mento dos pacientes do seu meio familiar e a facilitar a sua reinserção social. A actividade do Serviço decorre a nível hospitalar e comunitário, mantendo-se uma estreita articu- lação entre as várias unidades que o constituem, de forma a garantir a melhor continuidade de cuidados. No espaço físico do H.F.F. decorrem as * Assistente Graduada: Directora do Serviço de Psiquiatria, Hospital Fernando Fonseca ** Assistente Hospitalar de Psiquiatria, Hospital Fernando Fonseca *** Interna do Internato Complementar de Psiquiatria, Hospital Fernando Fonseca **** Técnica de Serviço Social, Hospital Fernando Fonseca

Transcript of PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são:...

Page 1: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

104 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

PSIC - Descrição de um Programa de IntervençãoPrecoce após um Primeiro Episódio PsicóticoTeresa Maia*, Susana Jorge**, Berta Ferreira***, Bárbara Lopes***, Sandra Almeida***, Joana Alexandre***, Luísa Ribeiro****

Resumo:As autoras descrevem o Serviço de Psiquiatria doHospital Fernando Fonseca e após um bre v eenquadramento teórico sobre a intervenção pre-coce na psicose e o seu impacto no prognóstico,abordam mais especificamente o Programa PSIC( P rograma de intervenção precoce após umprimeiro episódio psicótico). Depois de caracterizarem a amostra inicial,descrevem a evolução dos doentes ao longo das trêsfases preconizadas para avaliação.Terminam o artigo, reflectindo sobre as impli-cações futuras em projectos a desenvolver noServiço, tendo em consideração os bons níveis deadesão à terapêutica, o baixo número de reinterna-mentos mas também o declínio do funcionamentopsicossocial.Palavras Chave: P r i m e i ro Episódio Psicótico;Programas de Intervenção.

ABSTRACT:The authors describe the Fernando FonsecaPsychiatric Department and after a brief theoricreport about Psychosis early intervention and itsprognostic implications, describe more specifi-caly the PSIC Program (Early intervention pro-gram after a first psychotic episode).After characterize the initial sample, theydescribe the patients evolution during the threephases of the Program evaluation. Finally they present future implications in thedevelopment of new projects in this area in theService, regarding the good therapeutic adher-ence, the low rate of readmissions and thedecrease of Psycho-social level.

Key Wo rd s : First psychotic episode;Interventions approach.

(I) INTRODUÇÃO

Introdução GeralO Serviço de Psiquiatria do Hospital Fern a n d oFonseca (H.F. F.) foi criado em 1996 e tem comoobjectivos a promoção da Saúde Mental e o trata-mento nas vertentes biológica, psicológica esocial dos utentes acima dos 18 anos com pert u r-bações mentais e residentes no Concelho daAmadora e das Freguesias de Queluz, Massamá,Belas e Casal de Cambra do Concelho de Sintra.Esta população caracteriza-se pela existência degraves problemas sócio-económicos, tratando-sede uma zona em franco crescimento habitacional,com bairros muito degradados e graves pro b l e-mas de inclusão social relacionados com umagrande percentagem de emigrantes (sobre t u d ooriundos dos Países Africanos de Língua OficialP o rt u g u e s a ) .De acordo com as recomendações daO rganização Mundial de Saúde sobre a org a n i z a-ção de serviços de saúde mental, procuramos queos cuidados de saúde sejam prestados num meioo menos restritivo possível (pre f e rencialmente anível da comunidade), de forma a evitar o afasta-mento dos pacientes do seu meio familiar e afacilitar a sua reinserção social. A actividade do Serviço decorre a nível hospitalare comunitário, mantendo-se uma estreita art i c u-lação entre as várias unidades que o constituem,de forma a garantir a melhor continuidade decuidados. No espaço físico do H.F. F. decorrem as

* Assistente Graduada: Directora do Serviço de Psiquiatria, Hospital Fernando Fonseca** Assistente Hospitalar de Psiquiatria, Hospital Fernando Fonseca*** Interna do Internato Complementar de Psiquiatria, Hospital Fernando Fonseca**** Técnica de Serviço Social, Hospital Fernando Fonseca

Page 2: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 105

actividades da Unidade Funcional de Psiquiatriade Ligação, do Hospital de Dia e da Unidade deI n t e rnamento de Doentes Agudos e o Serviço deU rgência. A nível comunitário, as Equipas d aAmadora, Brandoa, Damaia e Queluz constituem aUnidade Funcional Comunitária e estão sediadasnos Centros de Saúde da área onde desenvolvem asua actividade. Com excepção da Equipa deQueluz que tem a seu cargo 110 000 habitantes,as restantes são responsáveis por 90 000 habi-tantes. Cada Equipa é constituída por doisPsiquiatras, um Psicólogo, um Técnico de Serv i ç oSocial e dois Enferm e i ros. A Unidade comunitáriadispõe ainda de uma Terapeuta Ocupacional e deum Licenciado em Educação Especial eReabilitação para as quatro equipas. Estasequipas realizam consultas de psiquiatria, cuida-dos gerais de enfermagem, avaliações psicológi-cas, acompanhamentos psicológicos, psicote-rapias individuais, familiares e de grupo, admi-nistração de medicação d e p o t, intervenção social,visitas domiciliárias e grupos psicopedagógicospara familiares de doentes. Regularmente re a -lizam-se, em todas as Equipas Comunitárias,reuniões de articulação com os Clínicos Geraispara form a ç ã o , discussão e orientação de casos.Para além destas reuniões, existe, sempre que soli-citado, uma actividade de Consultadoria com osMédicos de Família.

Tentamos, desde há alguns anos, desenvolver pro-jectos transversais que envolvam as quatro equipascomunitárias, rentabilizando os recursos que dis-pomos e promovendo cuidados diferenciados agrupos de doentes específicos. Estes projectos con-

sistem em protocolos de boa prática que envolvemas várias unidades do Serviço. Sendo os doentescom Esquizofrenia um dos grupos que nos exigemais cuidados e em que é mais importante o dia-gnóstico e intervenção precoce de forma a melho-rar o seu prognóstico, decidimos elaborar umP rograma de Intervenção Precoce após umprimeiro episódio psicótico (PSIC) que permitisserentabilizar os recursos de que dispomos e garantiro melhor nível de cuidados aos novos doentes compsicose. Este programa teve início na Equipa daBrandoa, tendo sido p ro g ressivamente adaptado,melhorado e generalizado às outras Equipas.

A intervenção precoce na psicose, a nível da pre-venção secundária, tem três áreas mais específicasde intervenção e investigação: a fase pré-psicótica,a duração da psicose não tratada e a avaliação daqualidade do tratamento a implementar.Na fase pré-psicótica surgem a maioria das limi-tações psicossociais mas as especificidades dotratamento permanecem difíceis de investigar eaplicar.A duração da psicose não tratada (DUP) é um alvomais realista e imediato para as estratégias dedetecção e intervenção precoces1.Numa primeira análise o conceito de duração dapsicose não tratada parece linear, referindo-se a umintervalo de tempo que vai desde o início da psicoseao início do tratamento. Todavia, a sua identificaçãoprecisa, em corte transversal, é complexa. Esta difi-culdade pode ser devida aos critérios técnicos paradefinição dos sintomas que caracterizam a psicose(alucinações e delírios ou também desorganizaçãodo pensamento formal); à natureza pessoal de

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 3: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

106 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

alguns aspectos iniciais dos sintomas psicóticos, oque se traduzirá por uma diferente identificação doinício dos sintomas entre o paciente e o observador(o primeiro focalizar-se-à, mais frequentemente,nas alucinações e/ou delírios e, o segundo, nasalterações de comportamento) e limitações asso-ciadas à dificuldade de recordar retrospectiva-mente o ocorrido2.Na literatura existem diferenças significativas emrelação ao momento em que termina a DUP. Emalguns estudos considera-se o momento da pres-crição e, em outros, o momento em que a terapêu-tica se torna eficaz. Também surgem desacordos emrelação à definição de eficácia da terapêutica. Paraalguns autores ocorre às 12 semanas de tratamentocom antipsicótico, para outros, às 3 semanas detratamento. Geralmente estas definições não entramem linha de conta com a adesão à terapêutica porparte do doente 2.A intervenção precoce levanta questões éticas eimplica uma mobilização de meios e alteração daorganização dos serviços, pelo que se torna impres-cindível a avaliação dos seus benefícios. A inter-venção precoce deve contribuir para uma remissãode sintomas, diminuição da frequência e intensi-dade das recidivas e prevenção da deterioraçãopsico-social. Deverá ainda alterar o prognóstico he-terogéneo mas predominantemente desfavorável daEsquizofrenia3.Apesar de ainda não estar apurado se a DUPdepende e em que grau de variáveis como o fun-cionamento pré-mórbido e o modo de início eduração dos pródromos, existem evidências quesugerem uma relação inversa entre a DUP e aresposta inicial ao tratamento2, 3. É ainda importante

considerar que a DUP e a qualidade do tratamentosão dos poucos factores de risco de mau prognós-tico potencialmente alteráveis através de estratégiasde intervenção precoce, contrastando com anatureza não mutável de factores de risco como ogénero, os antecedentes familiares, nível educa-cional, perfil clínico inicial, idade de início dos sin-tomas psicóticos, funcionamento pré-mórbido ediagnóstico4. DUP superior a 1 ano tem sido asso-ciado a formas mais severas de Esquizofrenia e auma remissão de sintomas mais demorada3.Actualmente não existem evidências claras doimpacto da DUP no prognóstico a longo prazo,nomeadamente na predisposição para recidiva desintomas psicóticos2, 3. Os autores defendem que osestudos do prognóstico a longo prazo devemincluir outros indicadores para além da recidiva desintomas psicóticos. Muitos estudos têm demons-trado que não existe um paralelismo na evolução alongo prazo entre os sintomas positivos, os sin-tomas negativos e o funcionamento social. Umcompromisso neurocognitivo está geralmente maisfortemente relacionado com os níveis da sintoma-tologia negativa do que com os sintomas psicóticospositivos. Uma hipótese a explorar será a de que, alongo prazo, a DUP poderá estar mais fortementerelacionado com os níveis de sintomatologia nega-tiva, desorganização cognitiva e/ou funcionamentosocial do que com as recidivas psicóticas2.

Na década de 80 verificou-se uma implementaçãode serviços especializados no primeiro episódio depsicose, part i c u l a rmente na Austrália eEscandinávia5, 6. Desde então, vários projectos nestaárea têm surgido, tendo como objectivos a investi-

Page 4: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 107

gação clínica e terapêutica na fase prodrómica e ad e t e rminação da eficácia de intervenções paradetecção precoce e de boas práticas clínicas apósum primeiro surto psicótico.

Descrição do Programa de Interv e n ç ã oPrecoce após o primeiro episódio psicótico

PSIC é um programa focalizado na intervençãocomunitária (embora envolva todas as Unidades doServiço) que se baseia nos seguintes princípios:implementação de um diagnóstico e início de trata-mento precoces; tratamento dos sintomasprimários com diminuição da comorbilidadesecundária; diminuição da frequência e gravidadedas recaídas; diminuição do número de doentes emque se perde o contacto após o internamentopsiquiátrico; diminuição do número de doentes queabandonam o acompanhamento pela Equipa;diminuição da sobrecarga familiar; promoção dodesenvolvimento psicossocial; rentabilização dosrecursos humanos e técnicos já existentes e a cria-ção de um conjunto de procedimentos de qualidadee de indicadores que permitam o desenvolvimento,monitorização e avaliação dos cuidados. O objectivo deste programa é a melhoria doprognóstico dos doentes após um primeiro episó-dio psicótico mediante a instituição, o mais preco-cemente possível, de um programa de tratamentoideal.

Os critérios de inclusão são: pacientes de idadeinferior a 50 anos com primeiro episódio psicóticoe diagnóstico efectuado no Serviço de Psiquiatria doH.F.F. (ambulatório ou internamento) a partir de 1

de Janeiro de 2001 de: Esquizofrenia (CID 10:F20), Perturbação Esquizoafectiva (CID 10: F25),Perturbação Esquizofreniforme (CID 10: F20.8),P e rturbação Psicótica Breve (CID 10: F23),P e rturbação Delirante (CID 10: F22) ouPerturbação Psicótica SOE (CID 10: F29).Excluem-se os pacientes que são acompanhadosem ambulatório por outras entidades (médico pri-vado ou outro sub-sistema) e pacientes com mar-cada dependência de substâncias em que esta setorne a problemática principal do doente.

O programa assenta essencialmente em áreas con-sideradas cruciais para uma melhoria de prognós-tico destes pacientes. Estas áreas problema são:- Optimização da medicação- Ligação à Equipa- Adesão ao tratamento - Aceitação da doença por parte do doente e dafamília- Integração familiar- Reabilitação Psicossocial- Melhoria da Qualidade dos Cuidados

1 - Procedimento standardTendo em consideração as áreas problema e d ea c o rdo com o protocolo do PSIC, em todos osdoentes deverão ser cumpridos os seguintes pro-c e d i m e n t o s :

• Identificação clara, no processo clínico, dainclusão no Programa PSIC

• A rticulação entre a Unidade deI n t e rnamento e a Equipa Comunitária – se o

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 5: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

108 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

p r i m e i ro contacto com o doente foi através do seui n t e rnamento deverá ocorre r, sempre, a art i c u-lação entre a Unidade de Internamento e a EquipaComunitária que passará a acompanhá-lo após aalta. Semanalmente decorre uma reunião parat roca de informações clínicas e sócio-familiare se n t re o médico do Internamento e a EquipaComunitária. Veicula-se também o contacto doE n f e rm e i ro e Assistente Social da EquipaComunitária com o doente durante a perm a n ê n c i ana Unidade de Internamento.

• Consulta de Psiquiatria até 15 dias após aa l t a – esta consulta tem como objectivo principala optimização da medicação e um apoio individuale s t ruturado. O apoio individual, centrado na re a l i-dade e no aqui e agora, deve promover a re s o l u ç ã ode problemas, a adaptação à psicose, a pro m o ç ã oda auto-estima e a verbalização de sentimentos.Tem também como objectivo evitar e tratar acomorbilidade secundária e o abuso de substân-cias. Em relação à medicação, procura-se a utiliza-ção da dose mínima eficaz com o objectivo de con-seguir o melhor controle dos sintomas com o mí-nimo de efeitos secundários. O doente tem alta jácom indicação da data em que a consulta se iráre a l i z a r.

• Visitas Domiciliárias – Estas visitas têm comoobjectivo avaliar a problemática do doente e da suasituação social e familiar de forma a planear ai n t e rvenção. Procura-se promover o ensino aodoente e à família, relativamente à doença e à me-dicação. Os doentes são avaliados sintomatica-mente e é administrada medicação sempre que

necessário. Conseguimos, desta forma, evitar re i n-t e rnamentos, promovendo-se também, a autono-mia na toma da medicação. As visitas são re a -lizadas, em geral, pelo Enferm e i ro e/ou AssistenteSocial, acompanhados do Psiquiatra sempre quese justifique. A primeira realiza-se no período deoito dias após a alta do Internamento, sendo a datacombinada com o doente e a família.P o s t e r i o rmente realizam-se visitas domiciliáriass e m p re que se justifique, como acontece nos casosde não adesão à consulta ou à terapêutica.

• G rupos Psicopedagógicos para familiare sde doentes com um primeiro episódiopsicótico e Grupos Psicopedagógicos paraf a m i l i a res de doentes com diagnóstico deE s q u i z o f re n i a – Para vários autores o momentoindicado de convocação dos familiares para par-ticipação em Reuniões Psicopedagógicas é na FaseAguda da doença, pois é nesta altura que os fami-l i a res se encontram mais motivados para pro c u r a rcontacto com os técnicos de saúde, pro c u r a n d oi n f o rmação que lhes sirva de suporte e orientação.Sabe-se também que quanto mais precoce for estai n t e rvenção junto das famílias, melhor será op rognóstico da doença3. Anualmente e desde hátrês anos, temos realizado um gru p oPsicopedagógico para familiares de doentes apósum Primeiro Surto Psicótico para as quatroequipas. Realizamos, também, anualmente,G rupos Psicopedagógicos para familiares dedoentes já com diagnóstico de Esquizofre n i a .Ambos têm como objectivos fornecer inform a ç ã os o b re a doença, diminuir as recaídas, facultardados à família para a detecção precoce de sin-

Page 6: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 109

tomas de descompensação e formas de art i c u l a ç ã ocom a equipa, melhorar o funcionamento dodoente, diminuir o “Family Burden”, melhorar ofuncionamento familiar, desfazer estigmas sobre adoença mental, diminuir a culpabilidade dos fami-l i a res, permitir o convívio e a partilha de experiên-cias e permitir às famílias perc e b e rem que nãoestão sós. Estes grupos deverão ocorrer nop r i m e i ro ano de doença, têm periodicidadequinzenal com duração de 1hora e 30minutos. Sãog rupos abertos em que numa primeira parte háuma apresentação do tema pelos técnicos e poste-r i o rmente uma discussão e partilha das experiên-cias por parte dos familiares. Os temas pro p o s t o spara os grupos do primeiro surto psicótico estãoo rganizados em 7 sessões: - Apresentação dos participantes, dos objectivos dogrupo; Qual o significado de Psicose?- O Primeiro Surto- Fases da Doença- Terapêutica- O que fazer em caso de Crise- O ambiente familiar e o doente com Psicose- Reabilitação.

Como balanço dos grupos ao longo destes anospodemos dizer que os familiares tiveram boaadesão e adquiriram uma sensibilidade maior emrelação a alterações do comportamento e sinais dea l a rme, procurando ajuda mais pre c o c e m e n t ejunto das equipas, fortalecendo a relação entre afamília, o paciente e a equipa.

2 - Procedimentos a implementar de acordocom o projecto terapêutico definidoDe acordo com as necessidades individualizadas

pela equipa, o projecto terapêutico destes pacientespode implicar intervenções em áreas distintas comoTerapia Familia; Reabilitação Psicossocial comencaminhamento para Hospital de Dia, Área de Diaou Residência; Terapia Ocupacional com treino deActividades de Vida Diária; Reabilitação Cognitiva;Orientação Profissional ou apoio na integração emanutenção de emprego.

• Terapia Familiar Cognitivo-Comport a m e n t a l- Em 2002 quatro técnicos do Serviço re a l i z a r a muma formação em Terapia Familiar Compor-tamental, segundo Falloon, no âmbito de um trabal-ho de investigação organizado pela Faculdade deCiências Médicas de Lisboa e pelo Departamento dePsiquiatria do Hospital de São Francisco Xavier. Esta forma de intervenção consiste na aplicação detécnicas Cognitivo-Comportamentais ao contextof a m i l i a r. É composta por sessões informativas sobrea doença e tratamentos, treino de perícias de comu-nicação e treino de resolução de problemas. É feita uma avaliação da família, à qual se segue umai n t e rvenção estruturada mas flexível e adequada àsnecessidades part i c u l a res dos indivíduos e dafamília. É fornecida informação sobre a doença,sendo treinadas as aptidões de uma forma gradual-mente mais complexa.As sessões têm uma regularidade semanal duranteos três primeiros meses, quinzenal nos 6 mesesseguintes, tornando-se, posteriormente, mensais.São também promovidas reuniões familiares sem ap resença do terapeuta.A Supervisão é realizada quinzenalmente.

• Reabilitação Psicossocial com encami-nhamento para Hospital de Dia, Área de Dia

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 7: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

110 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

ou Residência - O Serviço conta, para estesencaminhamentos, com o Hospital de Dia doS e rviço e com a Área de Dia e ResidênciaP rotegida da IPSS Recomeço, criada por pro f i s-sionais do Serviço e que funciona perto doHospital em instalações cedidas pela CâmaraMunicipal da Amadora. Esta IPSS mantém umae s t reita relação com o Serv i ç o .

• Terapia Ocupacional com treino deActividades de Vida Diária, OrientaçãoP rofissional ou Apoio na integração emanutenção de emprego – O Serviço dispõe deuma Terapeuta Ocupacional para a UnidadeFuncional Comunitária que tem como funções aavaliação das competências e incapacidades dosdoentes, o treino de competências sociais def o rma a facilitar o processo de integração sócio-p rofissional/ ocupacional dos utentes e a am-pliação do número de contactos com as estru t u r a sda comunidade. Este trabalho pode ser re a l i z a d oindividualmente ou em grupo, no domicílio, noHospital ou ainda no local de trabalho. Depois de avaliadas as suas competências edefinido um projecto de reintegração ocupacionalou profissional, são realizadas intervenções def o rma a melhorar as competências que serão uti-lizadas posteriormente. Pode haver um acompa-nhamento no local de trabalho, de forma a facili-tar a integração.Recentemente teve início um Programa deReabilitação Cognitiva dirigido a alguns doentes eem particular àqueles que apresentam défices anível das funções executivas, memória e atenção. São utilizadas estratégias de treino das funções

executivas, memória, atenção e treino de re -solução de problemas. A abordagem é feita nocontexto em que o doente vive habitualmente, def o rma a evitar as questões relacionadas com a difi-culdade de generalização que, habitualmente,estes doentes têm.

• Desenvolvimento de contactos com estru-turas comunitárias facilitadoras de empregoou actividades ocupacionais Como muitos destes doentes são acompanhados naintegração profissional ou sócio-ocupacional istopermite-nos, também, aumentar os contactos comestruturas comunitárias, aumentando a rede decontactos disponíveis.

(II) OBJECTIVOS

O objectivo do programa PSIC é promover a me-lhoria do prognóstico de doentes após um primeiroepisódio psicótico mediante a instituição, o maisprecocemente possível, de um programa de trata-mento ideal aos doentes residentes na área geográ-fica pela qual somos responsáveis. Neste trabalhopropusemo-nos caracterizar a amostra constituídapor estes doentes e a sua evolução ao longo das trêsfases de seguimento.

(III) METODOLOGIA E DESCRIÇÃO DAAMOSTRA DO PSIC

Selecção da amostraSão incluídos todos os indivíduos que, residindo nanossa área geográfica, contactem com o Serviço nocontexto de um primeiro episódio psicótico e desde

Page 8: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 111

que preencham os critérios de inclusão referidosno ponto " Descrição do Programa de IntervençãoPrecoce após o primeiro episódio psicótico". Estesdados referem-se aos anos de 2001 a 2003.

Fases de avaliação do pacienteO Projecto tem três fases:I – Fase Aguda – fase que se inicia logo após o dia-gnóstico e que se prolonga durante os 15 diasseguintes se o seu acompanhamento não requerinternamento ou até à alta do internamento se odoente teve que ser internado.II – Fase de Estabilização – fase que decorre desdeo 16º dia após o diagnóstico ou desde a alta dointernamento até 6 meses depois.III – Fase Estável – período que se inicia ao 7º mêsde evolução e termina no final do 2º ano de acom-panhamento.Na Fase Aguda o questionário recolhe dados sócio-demográficos, a via de acesso ao protocolo, o per-fil de consumo de substâncias antes e após entradano protocolo, a gravidade dos mesmos (sem con-sumo, uso ocasional ou recreativo, uso moderado -1 a 10 vezes por mês, consumo regular - mais de 10vezes por mês, problema severo – com impacto nofuncionamento), o significado etiológico dessesconsumos, a personalidade prévia de acordo com aavaliação clínica e de acordo com a versão 10 daClassificação Internacional das Doenças (CID-10),a existência de antecedentes familiares a nívelpsiquiátrico, existência de sintomatologia pro-drómica, tempo de evolução desses pródromos,perfil clínico dos sintomas prodrómicos de acordocom os critérios DSM-III-R, idade de início doprimeiro episódio psicótico, tempo de evolução dos

sintomas psicóticos sem tratamento ou DUP (perío-do que medeia o início de sintomas psicóticosrelatados pelo doente ou percebidos pela família eque se acompanhem de declínio funcional e o iní-cio de tratamento com antipsicótico instituído porPsiquiatra do Serviço de Psiquiatria do H.F.F.),duração do internamento quando ocorrido, remis-são dos sintomas psicóticos à saída do internamen-to e hipótese diagnóstica no final da fase aguda.Na Fase de Estabilização o questionário regista otipo de tratamento proporcionado, a resistência dossintomas produtivos ao primeiro antipsicótico, ocumprimento do tratamento, a existência de re i n-t e rnamentos nesta fase, o tipo e duração do re i n t e r-namento, formas de evolução clínica (contínua,episódica com defeito pro g ressivo, episódica comdefeito estável, episódica com remissões completas,remissão incompleta, remissão completa, outraf o rma de evolução5), diagnóstico de acordo com aCID-10 no final desta fase, tipo de actividade sócio-ocupacional ou serviço de reinserção pro f i s s i o n a lque frequente, número de visitas domiciliárias re a -lizadas e o número das que necessitaram da pre-sença de Psiquiatra, número de atendimentos nãop rogramados com e sem intervenção de Psiquiatrae tipo de intervenção familiar re a l i z a d a .Na Fase Estável o questionário avalia o tipo de trata-mento realizado, a eventual resistência dos sintomasp rodutivos ao antipsicótico instituído, a mudançapara um segundo anti-psicótico, o perfil de cumpri-mento do tratamento, a existência de re i n t e rn a m e n-tos e o tipo de re i n t e rnamento, a duração do re i n-t e rnamento, a forma de evolução clínica, o diagnós-tico no final desta fase, tipo de actividade sócio-ocu-pacional ou serviço de reinserção profissional que

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 9: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

112 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

f requente, número de visitas domiciliárias re a -lizadas e o número das que necessitaram da pre-sença do Psiquiatra, número de atendimentos nãop rogramados com e sem intervenção do Psiquiatrae o tipo de intervenção familiar re a l i z a d a .

Análise EstatísticaPara a análise dos dados aplicaram-se as pro v a sdescritivas necessárias, utilizando o pro g r a m aestatístico SPSS.

(IV) RESULTA D O S

Durante os três primeiros anos de implemen-tação do PSIC, 27 doentes com primeiro episó-dio psicótico iniciaram acompanhamento noS e rviço de Psiquiatria do H.F. F.. 10 pacientesacederam ao protocolo em 2001, 8 em 2002 e 9em 2003.

Fase AgudaNo quadro 1 descriminam-se os dados sócio-demográficos respeitantes à amostra do PSIC àentrada no pro t o c o l o .

Na amostra, 18 sujeitos apre s e n t a v a mantecedentes de consumo de substâncias. Nosq u a d ros 2 e 3 procede-se à discriminação dosdados re f e rentes ao perfil de consumo de subs-tâncias antes e depois da entrada no pro t o c o l o ,gravidade dos consumos antes e após entrada nop rotocolo e os desencadeantes da psicose.

Todos os consumidores de canabinóides encon-travam-se no grupo dos doentes com

E s q u i z o f renia (Paranóide e Hebefrénica).

Retrospectivamente, a avaliação clínica da person-alidade prévia, de acordo com a CID-10, nãodemonstrou qualquer tendência relevante (Quadro4).Nos antecedentes familiares há a referir 2 sujeitoscom antecedentes familiares de Esquizofrenia, 1sujeito com antecedentes familiares de PerturbaçãoAfectiva e os restantes sem antecedentes familiaresconhecidos.No quadro 5 descrimina-se, de acordo com ogénero, a existência de pródromos, a duração dosmesmos e o perfil clínico segundo a versão III-R doManual de Diagnóstico e Estatística da AssociaçãoPsiquiátrica Americana (DSM-III-R).A duração da psicose não tratada (DUP) é descri-minada no quadro 6.

No quadro 7 descrimina-se a via de acesso ao pro-tocolo de acordo com o género.

A duração do internamento e a remissão dos sin-tomas produtivos na altura da alta do internamentosão descriminados no quadro 8.

No quadro 9 descriminam-se os diagnósticos àentrada do protocolo. Durante as restantes fases deavaliação do protocolo e para os doentes que jáhaviam cumprido essas fases, não se registaramalterações dos diagnósticos colocados inicial-mente.

Fase de EstabilizaçãoDos 27 sujeitos acompanhados de acordo com o pro-

Page 10: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 113

tocolo PSIC, 24 encontram-se na fase de estabiliza-ção. Destes, 21 são do sexo masculino e 3 do sexof e m i n i n o .No quadro 10 descriminam-se os resultados das va-riáveis avaliadas nesta fase.

Fase EstávelDos 27 sujeitos acompanhados de acordo com o pro-tocolo PSIC, 18 encontram-se na fase estável. Destes,15 são do sexo masculino e 3 do sexo feminino.No quadro 11 descriminam-se os resultados das va-riáveis avaliadas nesta fase.

(IV) DISCUSSÃONum universo de 380.000 habitantes verificou-se, em2001, uma incidência de Esquizofrenia de 2,4 por100.000 habitantes, 1,0 em 2002 e 2,1 em 2003.Estes valores são baixos relativamente ao descritohabitualmente (8), o que se prende com o facto det e rmos apenas incluído os que re c o rrem ao nossos e rviço e não os que re c o rrem às outras estru t u r a spsiquiátricas da áre a .

Fase AgudaDe acordo com o que seria de esperar, existe um pre-domínio de indivíduos do sexo masculino com, maio-ritariamente, menos de 34 anos. Há a referir a altap e rcentagem de doentes de raça negra e de outrasnacionalidades, o que se deve aos altos níveis de emi-g r a ç ã o .A maioria eram solteiros e viviam ainda com os pais ef requentaram, pelo menos, o 9º ano de escolaridade.P e rtenciam, como seria de esperar, a um nívelsócio-económico médio e não apresentavam pro -blemas legais.

Existia uma alta percentagem de consumo de subs-tâncias, sobretudo de canabinóides. O predomíniodo consumo dessa substância ocorreu nos doentesque apresentavam critérios de diagnóstico paraEsquizofrenia. Após a entrada no programa houveuma diminuição do consumo de substâncias de66,6% dos sujeitos para 25,9%. Este valor corres-pondeu a consumo de cannabinóides em seissujeitos e de álcool em um sujeito. Em ambas asfases não se registaram consumos por parte dasmulheres.

Em 74% dos casos não se conseguiu estabeleceruma relação entre o consumo de substâncias e oinício da sintomatologia psicótica.Os antecedentes familiares não pareceram rele-vantes.

Relativamente à Personalidade prévia, não haviapredomínio de nenhuma em particular.Em relação aos pródromos, a maior parte apresen-tava sintomatologia prodrómica com uma evoluçãoinferior a um ano (considerando-se um intervalo deque varia de mais de 5 anos a uma total ausência depródromos), constituídos sobretudo por isolamen-to social (em 51,9% dos doentes), experiênciasperceptivas invulgares (em 44,4% dos doentes),pensamento mágico (em 40,7%), alterações da ini-ciativa (25,9%), compromisso funcional marcado(22,2%), afecto aplanado ou inadequado (18,5%),alterações do discurso (18,5%), alterações docomportamento e da higiene (11,1%).A DUP apresenta valores inferiores a 1 ano para 15doentes e superior a um ano em 9 doentes. Em 7doentes a DUP foi inferior a seis semanas.

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 11: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

114 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Fer reira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

Page 12: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 115

Quadro 1: Dados sócio - demográficos da amostra do protocolo PSIC.

Contrariamente ao que é habitual, a DUP mais ele-vada (superior a dois anos) foi encontrada em 5indivíduos do sexo masculino.

Tiveram acesso ao programa, através do intern a-mento voluntário, 51,9% dos doentes, 40,7% nãoforam sequer internados e apenas em 7,4% foinecessário o internamento compulsivo.Em 75% dos doentes internados houve remissão dasintomatologia à saída do internamento, tendo osi n t e rnamentos, maioritariamente, uma curt aduração (inferior a um mês). Em 19 casos foi feito o Diagnóstico deE s q u i z o f renia Paranóide e nos restantes foramfeitos os diagnósticos de Perturbação DelirantePersistente, Psicose não Orgânica, Esquizofre n i aHebefrénica, Perturbação Esquizofre n i f o rm e ,E s q u i z o f renia Simples, Perturbação PsicóticaAguda Tr a n s i t ó r i a .Em relação à situação laboral, verificou-se, em 13doentes (48,1%), a existência de emprego re g u l a r,10 (37%) encontravam-se desempregados e doiseram estudantes. Verificou-se ainda que 4 mu-l h e res (80%) tinham emprego re g u l a r, havendo

uma estudante.

Fase de EstabilizaçãoVerificou-se uma estabilidade nos diagnósticoscomparativamente com a fase inicial.

Relativamente à adesão à medicação, 50 % apre-sentaram bom cumprimento da medicação, 41,6 %um cumprimento irregular e 8,3 % um maucumprimento da medicação. Todas as doentes dosexo feminino encontravam-se no grupo com bomcumprimento da medicação.

Decorreram 3 reinternamentos, sendo, um deles,compulsivo e todos eles em indivíduos do sexomasculino.

Todos os doentes haviam iniciado medicação comantipsicóticos atípicos e 16,6% apre s e n t a r a mresistência ao primeiro antipsicótico pre s c r i t o ,sendo estes, também, todos do sexo masculino.

Relativamente às formas de evolução há a realçarque 7 (29,2%) dos doentes apresentaram uma

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 13: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

116 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Fer reira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

evolução contínua e 7 (29,2%) tiveram re m i s s ã ocompleta de sintomas. De referir ainda que, asdoentes do sexo feminino que se encontravamnesta fase, apresentaram, em dois casos, re m i s-são completa e num caso remissão incompleta.Em relação à sua situação socio-profissional, 12

doentes (50%) não tinham qualquer actividadesócio-ocupacional ou de reinserção pro f i s s i o -nal, 9 (37,5%) tinham emprego regular e 2(8,3%) encontravam-se a realizar curso deF o rmação Profissional. Todas as mulheres que seencontravam nesta fase tinham emprego re g u l a r.

Quadro 2: Perfil e gravidade do consumo de substâncias antes da entrada no protocolo. Avaliação clínica dos desencadeantes da psicose.

Page 14: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 117

Quadro 3: Perfil e gravidade dos consumos de substâncias após entrada no protocolo.

Em relação à abordagem terapêutica, é derealçar que em 15 dos sujeitos foram re a -lizadas 3 visitas domiciliárias nesta fase e nãohouve a necessidade de altas percentagens deconsultas não programadas com Enferm e i ros ouP s i q u i a t r a s .Em 12 dos sujeitos realizaram-se interv e n ç õ e sf a m i l i a res em consulta, em 6 essa intervenção foirealizada em grupos psico-educacionais e numdos casos através de Terapia Familiar Cognitivo- - C o m p o rt a m e n t a l .

Fase EstávelNesta fase todos os doentes faziam medicaçãocom antipsicóticos atípicos e em 5 verificou-seresistência à medicação prescrita, tendo sidonecessário proceder à alteração para um segundoantipsicótico. Em dois destes doentes houve aindamanutenção da sintomatologia psicótica mesmocom o segundo antipsicótico. No grupo dos doentesresistentes à medicação não se incluía nenhumamulher.

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 15: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

118 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

Quadro 4: Avaliação clínica retrospectiva do perfil da personalidade de acordo com a CID - 10.

Em 44,4% dos casos houve bom cumprimento da me-dicação, em 38,9% cumprimento irregular e em 16,7%mau cumprimento. Nesta fase 33,3% (1 doente) dasm u l h e res começaram a apresentar um cumprimentoi rregular da medicação e também em 33,3 destas (1doente), registou-se incumprimento. Decorreram 5i n t e rnamentos dos quais 1 foi compulsivo.A situação profissional agravou-se com apenas22,2% com emprego regular. 66,7% dos doentesestavam desempregados ou desocupados, 5,6 % emFormação Profissional e 5,6 % em Hospital de Dia.Nesta fase só 33,3 % das mulheres (1 de 3) estavamempregadas.Em 50 % não se registaram atendimentos não pro-gramados. Verificou-se uma diminuição percentualdas visitas domiciliárias sendo que nas mulheresnão se registaram visitas domiciliárias.

Observou-se uma alta percentagem de intervenções

familiares, tendo decorrido em Consulta para 10dos sujeitos, em Grupos Psicoeducacionais para 4sujeitos e em Terapia Familiar Cognitivo-Comportamental num dos casos.

(V) CONCLUSÕES

P ropusemo-nos, neste trabalho, descre v e r, ao longodas três fases do protocolo, o Programa PSIC e carac-terizar os doentes que nele estão integrados. O nossoprincipal objectivo é implementar e melhorar umaprática e não avaliar a sua eficácia comparativamente adoentes fora do pro g r a m a .Apesar da amostra ser ainda pequena, é possível ela-borar conclusões que deverão orientar a nossa práticaclínica e futuras linhas de investigação.Em 51,8% da amostra a DUP foi inferior a seismeses. Pensamos que isto se possa dever, por umlado, ao facto de ser difícil definir a altura de início

Page 16: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 119

Quadro 5: Presença de pródromos, duração e perfil clínico dos pródromos segundo a DSM III–R .

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 17: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

120 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

Quadro 6: Duração da psicose não tratada.

Quadro 7: Via de acesso ao protocolo.

Quadro 8: Duração do internamento e remissão dos sintomas produtivos aquando da alta do internamento.

Page 18: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 121

Quadro 9: Diagnósticos CID–10 ou DSM-IV à entrada e durante a evolução do protocolo.

da sintomatologia mas também ao facto de haver,na realidade, um fácil acesso ou encaminhamentopara o nosso Serviço pelas várias estruturas da áreapela qual somos responsáveis.

A adesão ao seguimento demonstrou-se boa emcerca de metade da amostra, havendo uma ligeiradiminuição na Fase Estável, devendo ser tido emconsideração que os 27 doentes da amostra inicialainda não cumpriram as três fases. Nenhum dosdoentes abandonou o programa.

Na Fase de Estabilização 87,5% da amostra não tevereinternamentos, enquanto que na Fase Estável estapercentagem diminuíu para 72,2%. Dos 3 interna-mentos da Fase de Estabilização só um deles foicompulsivo. Na Fase Estável verificaram-se 4 inter-namentos em que só um foi compulsivo. Nenhumadas mulheres foi reinternada. Estes valores ocor-reram com uma percentagem de 27,8% de doentes

resistentes à medicação, sendo que, em 2 (11,1%),a resistência à medicação persistiu apesar da insti-tuição de novo antipsicótico.

Estes dados apontam para o interesse deste tipo deabordagem no aumento da adesão ao seguimento eà medicação mas também para a necessidade de amelhorar e de estruturar novas formas de inter-venção.

Observamos que, com o tempo, existe um declínioda situação profissional/ocupacional dos doentes,registando-se uma diminuição da percentagem deocupação ou emprego estável e remunerado. Noinício do protocolo 48,1% tinham um empregoestável, valor que decresce para 22,2% na FaseEstável. No grupo das mulheres, apesar de estasapresentarem bons índices de adesão à medicação,ausência de re i n t e rnamentos e ausência deresistência à medicação, também se verificou um

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 19: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

122 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Fer reira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

Page 20: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 123

Quadro 10: Resultados das variáveis da fase de estabilização.

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 21: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

124 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

Page 22: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 125

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico

Page 23: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

126 • Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca

Teresa Maia, Susana Jorge, Berta Ferreira, Bárbara Lopes, Sandra Almeida, Joana Alexandre, Luísa Ribeiro

decréscimo na percentagem das que tinham umemprego estável.

O decréscimo do funcionamento psicossocialpoderá estar relacionado com o agravamento dasintomatologia inerente à própria doença, às gravescarências socio-económicas destas famílias quehabitam em bairros degradados e com pro b l e m a sgraves de segurança e marginalidade, o grau ded e s o rganização e perturbação familiar e a falta dee s t ruturas residenciais e socio-ocupacionais adap-tadas para estes doentes.Tudo isto se pode prender, obviamente, com a insu-ficiência do programa em suprir algumas destascarências, o que nos leva a pensar na necessidadede criar formas de intervenção e estruturas maisadaptadas às necessidades destes doentes.

De forma a tentarmos suprir o decréscimo psico-social detectado nestes doentes, queremos desen-volver uma série de novos projectos inseridos nesteprograma que visem a melhoria do prognóstico.

A nível da reinserção sócio-profissional, pensamosimplementar estruturas de emprego pro t e g i d orelacionadas com a nossa IPSS Recomeço e esta-belecer protocolos com estruturas empre g a d o r a sou ocupacionais. Gostaríamos também de poderaumentar o número de lugares disponíveis emUnidades de Vida Autónoma ou Pro t e g i d a s .Estamos a iniciar um programa de re a b i l i t a ç ã ocognitiva no qual pretendemos implementar pro t o-colos já utilizados noutros serviços mas adaptadosà nossa realidade e com a preocupação de avaliar-mos a sua eficácia.

Pensamos continuar a desenvolver interv e n ç õ e sf a m i l i a res sob a forma de Terapia Familiar ouG rupos Multifamiliares. A existência do PSIC tem promovido o estudo e adiscussão desta temática no Serviço, estimulando aapresentação de temas em Journal Club e pro-movendo um maior rigor nas formas de registo ena aferição de critérios de diagnóstico.

Quadro 11: Resultados das variáveis da fase estável.

Page 24: PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce ... · Os critérios de inclusão são: pacientes de idade inferior a 50 anos com primeiro episódio psicótico e diagnóstico

Revista do Serviço de Psiquiatria do Hospital Fernando Fonseca • 127

Como linhas futuras de investigação, pretendemosavaliar o impacto dos factores de prognósticohabitualmente descritos na evolução posterior dosdoentes, estando em elaboração um trabalho deinvestigação nesta área. Decorre, actualmente, um trabalho de investigaçãocom este grupo de doentes sobre a influência devários antipsicóticos sobre o insight.

O desenvolvimento de acções de Formação aosMédicos de Família sobre Psicose poderá con-tribuir, também, para promover o diagnóstico e aintervenção precoce.

Pensamos que, acima de tudo, a reflexão e ava-liação da nossa prática nos tem permitido ques-tionar e melhorar a nossa forma de intervenção emotivar-nos para a descoberta e implementação denovas estratégias.

(VI) BIBLIOGRAFIA

1. Kalla, O., et al, Duration of untrated psychosis and itscorrelates in first episode psychosis in Finland and Spain.Acta Psychiatr Scand 2002: 106: 265-275.

2. Norman, Ross, M. G., Malla, Ashok, K., Duration of

untreated psychosis: a critical examination of the conceptand its importance. Psychological Medicine, volume 31(3). April 2001.381-400.

3. Don Linszen, Peter Dingemans, Marie Lenior, Earlyintervention and a five year follow up in young adults witha short duration of untreated psychosis : ethical implica-tions, Schizophrenia Research 51 (2001) 55-61.

4. S.M. Harrigan, P.D. McGorry, H. Krstev, Does treatmentdelay in first episode psychosis really matter?,Psychological Medicine, 2003 33, 97-110.

5. Spencer, E., Birchwood, M., McGovern, D., Advances inPsychiatric Treatment 2001, vol. 7, pp. 133-142.

6. Edwards, J., McGorry, P., Pennell, K., Early Interventionin Psychosis, 2000 John Wiley & Sons Ltd.

7. Chinchilla Moreno A., Las Esquizofrenias, 1996,Masson.

8. Vázquez-Barquero, J.L., et al., Análisis Psicopatológicode las fases iniciales de la esquizofrenia: Estudio dePrimeros Episodios de Esquizofrenia de Cantabria, origi-nal apresentado no VI Curso Anual sobre Esquizofrenia,Hospital General Universitario "Gregorio Marañon",Novembro de 2000.

PSIC - Descrição de um Programa de Intervenção Precoce após um Primeiro Episódio Psicótico