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UMA PROPOSTA PARA AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA QUALITATIVA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL 1 CÁRITA PORTILHO DE LIMA 2 ; MARIA JOSÉ RIBEIRO 3 RESUMO O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de avaliação psicopedagógica qualitativa das queixas escolares relacionadas às dificuldades de aprendizagem na Educação Infantil, com o intuito de colaborar na concepção de uma melhor adaptação do ambiente escolar às necessidades infantis. A construção de uma avaliação psicopedagógica envolve a obtenção de informações significativas a respeito do aluno, sua família e sua escola. É preciso buscar entender o processo de desenvolvimento da criança e conhecer seus interesses e dificuldades. Nesta proposta destacamos a avaliação dos seguintes aspectos: o desenvolvimento emocional e físico, a construção do número, a leitura e escrita. Para a elaboração do trabalho utilizamos tanto a obra de D. W. Winnicott como as pesquisas de Jean Piaget e de seus seguidores, como Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Constance Kamii, que podem contribuir em estudos relacionados a avaliações qualitativas de queixas escolares. Na realização de uma avaliação psicopedagógica é importante lembrar que os problemas no desenvolvimento dos alunos e as dificuldades escolares não devem ser atribuídos apenas às crianças e suas famílias. É necessário ainda que os profissionais se coloquem frente à realidade escolar a partir de uma perspectiva crítica e que a avaliação leve em conta o contexto social e histórico da instituição em que a criança está inserida. Palavras-chave: Avaliação psicopedagógica. Desenvolvimento emocional. Desenvolvimento físico. Construção do número. Leitura e escrita. 1 Esta pesquisa foi desenvolvida com o apoio PIBIC/CNPq/UFU. 2 Aluna Bolsista – Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, CEP 38405-320, e-mail: [email protected] 3 Professora Orientadora – Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, CEP 38405-320, e-mail: [email protected]

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UMA PROPOSTA PARA AVALIAÇÃO PSICOPEDAGÓGICA QUALITATIVA NO

CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL1

CÁRITA PORTILHO DE LIMA2; MARIA JOSÉ RIBEIRO3

RESUMO

O objetivo deste trabalho é apresentar uma proposta de avaliação psicopedagógica qualitativa das queixas escolares relacionadas às dificuldades de aprendizagem na Educação Infantil, com o intuito de colaborar na concepção de uma melhor adaptação do ambiente escolar às necessidades infantis. A construção de uma avaliação psicopedagógica envolve a obtenção de informações significativas a respeito do aluno, sua família e sua escola. É preciso buscar entender o processo de desenvolvimento da criança e conhecer seus interesses e dificuldades. Nesta proposta destacamos a avaliação dos seguintes aspectos: o desenvolvimento emocional e físico, a construção do número, a leitura e escrita. Para a elaboração do trabalho utilizamos tanto a obra de D. W. Winnicott como as pesquisas de Jean Piaget e de seus seguidores, como Emília Ferreiro, Ana Teberosky, Constance Kamii, que podem contribuir em estudos relacionados a avaliações qualitativas de queixas escolares. Na realização de uma avaliação psicopedagógica é importante lembrar que os problemas no desenvolvimento dos alunos e as dificuldades escolares não devem ser atribuídos apenas às crianças e suas famílias. É necessário ainda que os profissionais se coloquem frente à realidade escolar a partir de uma perspectiva crítica e que a avaliação leve em conta o contexto social e histórico da instituição em que a criança está inserida. Palavras-chave: Avaliação psicopedagógica. Desenvolvimento emocional. Desenvolvimento físico. Construção do número. Leitura e escrita.

1Esta pesquisa foi desenvolvida com o apoio PIBIC/CNPq/UFU. 2Aluna Bolsista – Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, CEP 38405-320, e-mail: [email protected] 3Professora Orientadora – Instituto de Psicologia, Universidade Federal de Uberlândia, Av. Pará, 1720, Campus Umuarama, Uberlândia, MG, CEP 38405-320, e-mail: [email protected]

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ABSTRATC The aim of this work is to present a qualitive psychopedagogical evaluation of educational complaints related to learning difficulties in Primary Education. It intends to collaborate in the concept of a better adaptation of the school atmosphere to the necessities of children. The construction of a psychopedagogical evaluation involves obtaining significant information in regards to the student his/her family and school. It is necessary to comprehend the process of the development of the child and to know his/her interests and difficulties. In this proposal we highlight the following aspects: emotional and physical, the construction of the number, reading and writing. We use the work of D. W. Winnicott as well as the researches of Jean Piaget and his followers, Emília Ferreiro, Ana Teberosky, and Constance Kamii, who may contribute to studies related to qualitive assessments of educational complaints. In performing a psychopedagogical evaluation, it is important to remember that the problems in the development of students and educational difficulties must not be attributed to only the children and their families. It is yet necessary that professionals face the reality of the school from a critical perspective and that the assessment considers the social and historical context of the institution that the child is placed. Key words: Psychopedagogical evaluation Avaliação psicopedagógica. Emotional development. Physical Development. Number construction. Reading and Writing.

3

Este trabalho tem o objetivo de

apresentar uma proposta de avaliação

psicopedagógica qualitativa para o

contexto da educação infantil. Essa

proposta foi elaborada a partir da análise

dos dados construídos em um estudo

realizado anteriormente com crianças entre

quatro e cinco anos de idade (LIMA;

RIBEIRO, 2006).

Uma avaliação psicopedagógica é

construída a partir da obtenção e

integração de informações significativas

que se pode ter da criança, de sua dinâmica

familiar e de sua escola. É preciso

compreender o momento observado dentro

do processo de desenvolvimento da

criança, atentando para suas habilidades,

interesses e sua capacidade de cooperar.

Como assinalam Bossa e Oliveira (1994),

uma avaliação psicopedagógica objetiva

explicitar as condições de aprendizagem da

criança, identificando suas áreas de

competência e de dificuldade. Gostaríamos

de ressaltar, ainda, a importância de uma

avaliação preventiva que considere o

contexto escolar e leve em conta a

subjetividade de cada situação e a

complexidade de fatores de ordem social,

cultural e política nela envolvidos.

No Brasil, a educação infantil é

uma alternativa muitas vezes indispensável

para as mães pobres e/ou trabalhadoras que

precisam ausentar-se de casa durante o dia

todo. Nesse sentido, o fato de a integridade

física da criança estar resguardada já se

coloca como um fator básico que justifica

uma posição favorável a esse benefício

conquistado por uma parte da população

(RIBEIRO, 2004).

O fato de que a educação infantil

não atenda à maioria da população

brasileira, não nos isenta da

responsabilidade de procurar alcançar uma

realidade educacional que efetivamente

favoreça o desenvolvimento infantil.

A busca pelo direito à educação

infantil iniciou-se com o fortalecimento

dos movimentos populares que ocorreram

a partir de 1970, e se ampliou na década de

1980 com os debates sobre a função das

creches para a sociedade. Nesse contexto,

educar deixava de ser apenas cuidar,

assistir e higienizar, passando a creche a

ser lugar de educação e cuidados coletivos

das crianças de zero a seis anos.

A Constituição Brasileira de 1988

definiu o atendimento em creche e na pré-

escola como direito das crianças menores

de seis anos e como dever do Estado. Este

direito é reafirmado pelo artigo nº 54 do

Estatuto da Criança e do Adolescente, de

1990. Em 1996, foi promulgada a Lei de

Diretrizes e Bases da Educação Nacional –

LDB nº 9.394/96, que inclui efetivamente a

educação infantil no sistema educacional

brasileiro, compondo a primeira parte da

educação básica. Como decorrência os

municípios devem promover a integração

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das instituições de educação infantil aos

seus sistemas de ensino. A partir da LDB

9.394/96 começou a existir uma

preocupação específica com a formação do

profissional de educação infantil, sendo

que até o ano de 2010 todos os professores

deverão ter concluído sua formação em

nível superior.

Pensando sobre a educação nesse

contexto, visamos oferecer uma proposta

que poderá auxiliar na avaliação das

queixas escolares relacionadas ao

aprendizado, destacando os aspectos do

desenvolvimento emocional e físico, a

construção do número e a leitura e escrita.

Enfatizamos que todos estes aspectos do

desenvolvimento – emocional, físico,

cognitivo e social – devem ser percebidos

como inter-relacionados.

Desenvolvimento emocional

Para apresentarmos sugestões

relacionadas à avaliação do

desenvolvimento emocional da criança,

abordaremos a teoria do amadurecimento

emocional de D. W. Winnicott. O referido

autor era pediatra e psicanalista e tem sua

obra situada no campo da teoria do

amadurecimento emocional humano.

Discorrendo sobre a importância das

reflexões deste autor, Ribeiro (2004, p.12)

afirma que “Winnicott proporciona uma

possibilidade de pensar sobre questões do

cotidiano escolar, relacionadas ao

desenvolvimento humano, além disso,

fornece subsídios que permitem avançar na

superação da dicotomia entre o

desenvolvimento intelectual e emocional.”

As reflexões de Winnicott (1994) a

respeito do desenvolvimento infantil dão

ênfase à função estruturante do ambiente

na construção da subjetividade humana.

Para o autor, em cada período do

desenvolvimento infantil o ambiente

assume uma determinada importância,

sendo considerado facilitador quando

oferece condições para o crescimento

pessoal – este ambiente facilitador só pode

ser proporcionado por outro ser humano. É

a partir desta relação de dependência com

o ambiente que ocorre um processo de

amadurecimento emocional. A forma como

se lida com as falhas do ambiente que

acontecem durante o desenvolvimento tem

conseqüências diferentes sobre o

amadurecimento pessoal.

Winnicott (1979) se refere à “escola

maternal” como o período da escolarização

que hoje denominamos de “educação

infantil” e afirma que quando a criança

ingressa na escola, é importante que se

desenvolvam atividades que lhe

proporcionem oportunidades de brincar e

situações que favoreçam a sua

socialização, não priorizando, nesta etapa,

o ensino formal propriamente.

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Na educação infantil a criança

precisa ter liberdade de se movimentar e de

se beneficiar dos recursos que estimulam a

sua imaginação, como brincadeiras,

músicas, jogos, contos de fadas, desenho,

modelagem. Estas atividades são ricas

oportunidades educacionais que favorecem

a capacidade simbólica da criança, a sua

aprendizagem e criatividade. Além disso, é

importante que a criança possa explorar de

maneira mais livre possível tanto o espaço

físico como os móveis e brinquedos

disponíveis no ambiente escolar

(WINNICOTT, 1971).

Para que o desenvolvimento de uma

criança que freqüenta a educação infantil

seja facilitado, é importante que a escola

considere as suas características

psicológicas e a relação de sua família com

a escola. Lembramos que quando a criança

chega à escola já teve importantes

experiências em sua vida e que o ambiente

educacional pode contribuir para

minimizar algumas falhas no ambiente

inicial da criança, se elas não tiverem sido

muito graves (RIBEIRO, 2004, p. 109).

Quanto menor for a criança, mais a

escola precisa estar preparada para se

relacionar com sua família, já que está em

curso o processo de separação da criança

do seu ambiente inicial. Nesse sentido, a

instituição escolar precisa se adaptar às

necessidades da criança, oferecendo-lhe

confiança e continuidade nos cuidados.

Ao buscar oferecer um ambiente

estável e seguro para as crianças da

educação infantil, é importante que os

profissionais da instituição estejam atentos

à singularidade da história de vida de cada

uma das crianças. Nesse sentido, Ribeiro

destaca:

É importante conhecer sobre o desenvolvimento emocional da criança, pois ao lidar com cada criança, a escola herda todo o seu “histórico emocional”, o modo como foi criada até então, o que vai conferir adaptação ao contexto escolar especifico em cada caso. Tanto a boa provisão ambiental inicial, como as inevitáveis falhas serão sentidas no decorrer das vivências escolares (2004, p. 109).

Para que as educadoras da educação

infantil possam tolerar as questões típicas

das crianças desta faixa etária (a

ambivalência de sentimentos, a curiosidade

sexual, o exibicionismo, as disputas e os

comportamentos regressivos), é preciso

que elas gostem de estar com as crianças e

que se identifiquem com elas. Por mais

criativa que seja uma professora, por mais

teorias que ela conheça o que prevalece é o

interesse verdadeiro e genuíno pela criança

(RIBEIRO, 2004).

É importante, ainda, que a

educadora se torne um professor-ambiente,

sendo responsável pelo fornecimento de

um contexto educacional favorável ao

desenvolvimento de cada criança em

especial, tendo condições de perceber o

que seus alunos precisam, mantendo a

6

rotina do cotidiano escolar. Tamanha é a

importância que Winnicott (1990) atribui

ao professor no desenvolvimento

emocional da criança que o coloca na

mesma posição de relevância de quem

cuida de um bebê.

Assim, o psicólogo ou o

psicopedagogo que trabalhe em

instituições educacionais destinadas a

crianças pequenas deve estar atento à

importância atribuída por Winnicott ao

início das vivências escolares, considerado

fundamental para um bom futuro

acadêmico dos alunos (RIBEIRO, 2004).

Em nossa proposta de avaliação

psicopedagógica do desenvolvimento

emocional sugerimos a observação da sala

de aula e do recreio, e a realização de

entrevista com a professora. Tais ocasiões

podem fornecer elementos para

conhecermos o desenvolvimento

emocional da criança, como ela se

relaciona com as pessoas, como sente e

expressa as suas experiências.

A seguir, apresentaremos algumas

considerações sobre o desenvolvimento

físico, o segundo aspecto considerado em

nossa proposta de avaliação

psicopedagógica.

Desenvolvimento físico

A partir da revisão bibliográfica

que realizamos sobre a avaliação

psicopedagógica do desenvolvimento

físico infantil detectamos a escassez de

estudos que abordam este assunto.

Acreditamos que este fato pode estar

relacionado à estreita vinculação

estabelecida no passado entre o

desenvolvimento físico e a medicina,

deixando de ser um aspecto estudado e

pesquisado pela psicologia. Incluímos a

avaliação do desenvolvimento físico em

nosso trabalho por acreditarmos que os

psicopedagogos e psicólogos precisam

estar atentos a esse aspecto do

desenvolvimento, pois em alguns contextos

sociais estes profissionais, juntamente com

os educadores, são as pessoas mais aptas a

observar e identificar possíveis

intercorrências no desenvolvimento

orgânico de uma criança e realizar os

encaminhamentos necessários.

Além disso, o fato de estes

profissionais terem um convívio próximo

com as crianças lhes propicia uma grande

vantagem para conhecer o modo de ser de

cada uma e para notar mudanças na

aparência ou na conduta delas

(TEMPORINI, 1988). Essas mudanças

podem denotar indícios de enfermidades

prejudiciais ao desenvolvimento físico da

criança.

É necessário criar dentro da escola

um olhar diferenciado, que esteja atento ao

corpo da criança e aos sinais que ele

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manifesta. Neste sentido, Temporini

destaca:

Embora a instituição educacional não tenha a tarefa de dar atendimento a problemas de saúde dos alunos, existe uma obrigação inerente à profissão de ensinar, no sentido de promover o bem-estar das crianças e criar melhores condições para a sua aprendizagem (1988, p. 411).

É importante lembrar que o

psicólogo deve sempre atuar no sentido de

promover a saúde tanto dos alunos como

dos profissionais da instituição na qual está

inserido, considerando não só os aspectos

psíquicos dos indivíduos, mas também as

questões relacionadas ao desenvolvimento

físico, entre outros aspectos.

Lembramos que a prevenção e a

detecção precoce de alterações no

desenvolvimento infantil são muito

importantes, principalmente no caso das

deficiências sensoriais, pois possibilita a

antecipação da intervenção e garante a

estimulação necessária em todos os

aspectos fundamentais para o

desenvolvimento global da criança (LIMA

et al., 2004). Apesar de ser muito

importante, a prevenção precoce é uma

prática ainda pouco aplicada no Brasil.

Em nossa proposta de avaliação

psicopedagógica, elegemos trabalhar com

quatro tópicos relacionados ao

desenvolvimento físico: visão, audição,

fala/linguagem e desenvolvimento

neuropsicomotor. Destacamos, no entanto,

que muitos outros aspectos podem e devem

ser observados.

1. Visão

Sabemos que a visão contribui

muito para o desenvolvimento da criança,

pois é um fator de motivação, orientação e

controle de movimentos e ações. O

desenvolvimento da visão, assim como o

desenvolvimento de outras funções do

organismo, é permeado por fatores de

maturação neurológica e de aprendizagem,

é determinado por fatores genéticos e

influenciado por fatores ambientais (LIMA

et al., 2004).

Os problemas visuais merecem uma

atenção especial, pois para muitas crianças

eles são a causa de dificuldades no

rendimento escolar. Segundo Temporini

(1982), cerca de 25% das crianças que

estão em idade escolar apresentam algum

tipo de problema ocular. Este autor destaca

ainda que a correção ou minimização de

graves conseqüências futuras pode

acontecer a partir de uma descoberta

precoce de perturbações visuais.

2. Audição

A audição humana possui grande

importância no processo de aquisição e

desenvolvimento da linguagem oral.

Quando ocorre alguma falha no processo

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de ouvir, o indivíduo pode apresentar

dificuldades na fala, leitura ou escrita.

Nesse sentido, reiteramos a

necessidade da detecção precoce de

qualquer deficiência auditiva, tendo em

vista a importância que esta detecção

possui na prevenção ou diminuição dos

possíveis riscos e desvios que possam

surgir no desenvolvimento global da

criança (OLIVEIRA, et al., 1998).

A identificação precoce da

deficiência auditiva possibilita uma

intervenção imediata no sentido de

proporcionar melhores condições para o

desenvolvimento da fala, da linguagem,

das interações sociais, e assim ampliar as

oportunidades educacionais da criança

(RABINOVICH, 1997).

3. Fala/Linguagem

A linguagem envolve um processo

altamente complexo, uma vez que está

relacionada à elaboração, simbolização e

organização do pensamento humano.

A linguagem inicia-se muito

precocemente na vida humana e sua

aquisição tem papel importante no

desenvolvimento infantil. O ritmo que uma

criança apresenta em seu processo de

aquisição da fala também pode constituir

um indicador da integridade geral de seu

desenvolvimento. Qualquer dificuldade

que uma criança apresenta é, na maioria

das vezes, um indício de algum tipo de

problema de desenvolvimento subjacente

(LIMA et al., 2004).

4. Desenvolvimento neuropsicomotor

O desenvolvimento

neuropsicomotor está relacionado com as

mudanças nas ações habilidosas, em

padrões de movimento, que acontecem ao

longo da vida de um indivíduo. As crianças

desenvolvem suas habilidades motoras em

uma seqüência e devem atingir certo nível

de maturação fisiológica antes de estarem

prontas para exercitar uma habilidade.

Conhecer o comportamento motor de uma

criança também pode ser um importante

indicativo do desenvolvimento global desta

(CONNOLLY, 2000).

Amaral, Tabaquim e Lamônica

(2005) consideram que a criança

desenvolve-se a partir de um intercâmbio

com o ambiente, da exploração ativa por

meio da manipulação dos objetos, da

repetição das ações, pelo domínio do

próprio corpo e controle do esquema

corporal e pelas relações que estabelece no

ambiente. Estes autores destacam ainda

que quando acontece algum atraso no

desenvolvimento neuropsicomotor de uma

criança, este desenvolvimento costuma

seguir uma seqüência própria,

desorganizada, dependente da etiologia

específica que levou a este atraso, trazendo

9

conseqüências importantes nas interações

que a criança faz no seu ambiente.

Apresentaremos a seguir algumas

considerações sobre o terceiro ponto

contemplado em nossa proposta de

avaliação psicopedagógica: a construção

do número.

Construção do número

O número é um conhecimento

lógico-matemático que é construído pela

criança em interação com o seu meio

social. Podemos avançar no entendimento

de como a criança constrói o conhecimento

lógico-matemático, a partir dos estudos de

Piaget e seus seguidores (PIAGET, 1978;

KAMII, 1987). A teoria utilizada por

Piaget para explicar a gênese de todo o

conhecimento foi nomeada construtivismo.

O construtivismo considera que o

conhecimento é engendrado pela

elaboração contínua das operações

exercidas pelo ser humano e das novas

estruturas formadas a partir destas

operações. Esta teoria está embasada na

idéia de que nada está pronto, acabado, e

que o conhecimento não é dado, em

nenhuma instância, como algo terminado.

Ele se constitui pela interação do indivíduo

com o meio físico e social, com o

simbolismo humano, com o mundo das

relações sociais; e se constitui por força de

sua ação e não por qualquer dotação

prévia, hereditária ou no meio, de tal modo

que podemos afirmar que, para o

construtivismo não se desenvolve o

pensamento sem a ação (BECKER, 1992).

Em relação à construção do

número, a teoria piagetiana postula que a

criança realiza este processo a partir de

todos os tipos de relações que ela cria

mentalmente entre os objetos. Quando a

criança consegue estabelecer relações entre

vários conteúdos, seu pensamento se torna

mais móvel, e um dos resultados desta

mobilidade é a estrutura lógico-matemática

de número.

Jean Piaget distingue três tipos de

conhecimento: físico, lógico-matemático e

social. Kamii explica: “o conhecimento

físico é o conhecimento dos objetos da

realidade externa; o conhecimento lógico-

matemático consiste na coordenação de

relações e o conhecimento social é o

convencionalmente transmitido pela

cultura” (1987, p.14). Desse modo, a

estrutura lógico-matemática de número não

pode ser ensinada diretamente, uma vez

que a criança tem que construí-la por si

mesma.

A construção dos conhecimentos

físico e lógico-matemático é feita por

diferentes tipos de abstração: o primeiro é

construído através da abstração empírica

(abstração das propriedades a partir dos

objetos) e o segundo, através da abstração

reflexiva. Na abstração empírica, tudo o

10

que a criança faz é focalizar certa

propriedade em detrimento de outras; já a

abstração reflexiva envolve a construção

de relações entre os objetos pela mente de

um indivíduo. A esse respeito, lemos em

Kamii (1987, p.17):

Para Piaget não é possível que exista, no âmbito psicológico da criança, um tipo de abstração isolado do outro. A criança não poderia construir o conhecimento físico se ela não tivesse um sistema de referência lógico-matemático que lhe possibilitasse relacionar novas observações com um conhecimento já existente. Portanto, um sistema de referência lógico-matemático (construído pela abstração reflexiva) é necessário para a abstração empírica, porque nenhum fato poderia ser “lido” a partir da realidade externa se cada fato fosse um pedaço isolado do conhecimento, sem nenhuma relação com o conhecimento já construído numa forma organizada.

Através da abstração reflexiva a

criança constrói o número, e para esta

construção ela deve criar dois tipos de

relações entre os objetos: a ordem e a

inclusão hierárquica. A ordem é uma

necessidade lógica da criança de colocar os

objetos em uma determinada organização

para assegurar-se de que não salta nenhum

objeto e não conta o mesmo duas vezes. A

inclusão hierárquica diz respeito à

habilidade da criança em coordenar os

aspectos qualitativos e quantitativos de

uma classe e uma subclasse.

É importante enfatizar que apesar

de o conhecimento lógico-matemático ser

construído pela criança, há certas coisas

que o professor pode fazer para encorajá-la

a pensar ativa e espontaneamente,

estimulando o desenvolvimento desta

estrutura mental. Um princípio

fundamental para o “ensino” do

conhecimento lógico-matemático é o de

evitar o reforço da resposta certa e a

correção das respostas erradas e, ao invés

disso, estimular a troca de idéias entre as

crianças (KAMII, 1987, p.48).

Apresentamos como um exemplo de

situação a ser aproveitada em sala de aula

pelo docente, para favorecer a construção o

conhecimento lógico-matemático: a

negociação entre os alunos em situações de

conflito. Estas situações são

particularmente boas para estabelecer a

relação entre os fatos e desenvolver a

mobilidade e a coerência do pensamento;

para negociar soluções, a criança precisa

imaginar como é que a outra pessoa está

pensando.

O professor pode criar um ambiente

no qual a criança tenha um papel

importante e a possibilidade de decidir por

si mesma. Para Piaget, a autonomia é a

maior finalidade da educação e a criança

deve ser encorajada a agir de acordo com

suas concepções, ao invés de agir com

docilidade e obediência (KAMII, 1987, p.

50).

A seguir, faremos algumas

considerações sobre o último aspecto do

desenvolvimento infantil que está

envolvido em nossa proposta de avaliação

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psicopedagógica: a leitura e a escrita.

Leitura e escrita

Com relação à linguagem escrita, a

criança constrói noções que vão desde os

rabiscos, passando pela tentativa de escrita

e noções rudimentares do sistema escrito,

até chegar à produção e compreensão dos

símbolos do sistema escrito e a produção e

leitura de textos. Em seu cotidiano, uma

criança pequena tem contato com a escrita

mesmo que, em casa, não tenha acesso a

livros, revistas ou jornais. Isso pode

acontecer quando ela observa placas,

outdoors, rótulos de produtos ou outros

veículos de textos convencionais (GÓES,

1984).

Assim, ao entrar em uma instituição

de educação infantil, a criança que vive em

uma sociedade letrada já domina

razoavelmente a linguagem oral e já teve

oportunidades de algum contato com

sistemas escritos.

No processo de aquisição da língua

escrita (psicogênese da alfabetização) a

criança possui duas grandes tarefas

(FERREIRO; TEBEROSKY, 1985):

entender o caráter simbólico da língua

escrita e a independência da dimensão

sonora em relação ao significado (apesar

de estarem relacionados).

Grossi (1990) descreve os

diferentes níveis pelos quais a criança

passa em seu processo de alfabetização:

pré-silábico, silábico, alfabético e dois

níveis intermediários. Estes níveis são

caracterizados pela forma como a criança

vivencia os problemas encontrados em seu

processo de aprendizagem.

No nível pré-silábico, as categorias

lingüísticas (letras, palavras, frases e

textos) não são claramente definidas e seus

significados são entrelaçados. A criança

escreve com desenhos, condiciona a

quantidade de letras e o tamanho da

palavra às características do ente cuja

grafia está representando, ou seja, uma

criança nesta fase pode utilizar um maior

número de letras para escrever “boi” e um

número menor para representar a palavra

“formiguinha”. Uma outra característica da

escrita de uma criança que esteja passando

por este nível é a não vinculação entre a

pronúncia e a escrita (GROSSI, 1990).

O nível que sucede ao pré-silábico

é o intermediário I. Um nível intermediário

é o momento em que a criança passa de

uma fase de menor complexidade para uma

outra de maior, é um estágio caracterizado

por um conflito que é gerado pelo fato de a

criança perceber que não consegue resolver

os problemas que a língua escrita lhe

apresenta. Neste momento a criança toma

consciência de que suas hipóteses são

incoerentes em relação aos dados da

realidade (GROSSI, 1990). O nível

intermediário I é caracterizado pela tomada

12

de consciência, por parte da criança, da

ligação entre a pronúncia e a escrita. A

escrita começa a se desvincular da imagem

e os números podem se distinguir das

letras. O conflito deste nível é descobrir

como vincular a pronúncia à escrita.

Para resolver este conflito

(vinculação entre a pronúncia e a escrita), a

criança cria a hipótese de que a cada sílaba

corresponde uma letra, e a partir disso ela

entra no nível silábico. Neste nível começa

a se esboçar a necessidade de uma certa

ordem das letras em uma palavra. Pode

acontecer de a criança, ao escrever uma

frase, utilizar uma letra para cada palavra,

em vez de uma letra para cada sílaba, o que

demonstra como as categorias lingüísticas

ainda não estão claramente definidas, ainda

se mostrando instáveis (GROSSI, 1990).

Neste sentido, o aluno de nível silábico

conseguiu resolveu temporariamente o

problema da escrita, mas vai se defrontar

futuramente com o problema da leitura,

porque ele sabe escrever, mas não pode ler

o que foi escrito, e isto é o fator gerador do

conflito que o leva a avançar para o nível

intermediário II.

Para Azenha (1993), o conflito

enfrentado pela criança no nível

intermediário II é o da superação da

hipótese silábica, que deve acontecer

porque sua grafia não produz uma leitura

que seja socializável, isto é, os outros não

podem ler o que a criança escreveu. É

comum que nesta fase a criança perca a

confiança nos esquemas que construiu

anteriormente, e muitas vezes ela regride

para condutas do nível pré-silábico ou

intermediário I. Isto acontece porque para

superar o nível silábico a criança tem que

negá-lo, e se ainda não tiver construído

uma hipótese consistente para substituí-lo

ela pode regredir. Esta experiência é difícil

de ser vivida tanto pela criança como pelo

professor, mas somente ela permite pode

permitir a passagem para o nível

alfabético.

Aos poucos, a criança começa a

perceber que escrever é representar

progressivamente as partes sonoras das

palavras (ainda que ela não consiga fazê-lo

corretamente) e, assim, entra na última fase

da psicogênese da alfabetização que é o

nível alfabético. Neste momento, a criança

já entendeu a lógica alfabética da escrita,

ou seja, já conhece o valor sonoro da maior

parte das letras e consegue uni-las para

formar sílabas e palavras. Podemos dizer

que neste estágio a criança realiza uma

análise sonora mais sistemática dos

fonemas das palavras que vai escrever. A

criança que se encontra no nível alfabético

começa a escrever fazendo relação entre

som e letra, no entanto ela ainda não

domina as regras normativas da ortografia.

Isto acontecerá gradativamente a partir do

seu contato com produções escritas e das

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oportunidades de assistir e realizar atos de

leitura e de escrita (GROSSI, 1990).

A entrada no nível alfabético deve

ser seguida pela aprendizagem das formas

ortográficas de nossa língua que nem

sempre são lógicas.

Salientamos que compreender

como se dá o desenvolvimento físico das

crianças, entender as questões relacionadas

ao desenvolvimento emocional e conhecer

os processos de construção do número e da

leitura e escrita é indispensável para que a

avaliação psicopedagógica constitua um

recurso para uma compreensão efetiva do

que se passa com a criança.

METODOLOGIA

Para a elaboração desta proposta de

avaliação psicopedagógica, foi realizada

uma nova análise dos dados construídos

em estudo anterior com crianças entre

quatro e cinco anos de idade (LIMA;

RIBEIRO, 2006), do qual participaram

duas escolas de Uberlândia-MG, sendo

uma particular e outra pública. A pesquisa

envolveu no total duas equipes

psicopedagógicas e sete professoras do

segundo período da educação infantil. Os

dados foram analisados à luz das teorias de

D. W. Winnicott, das pesquisas de Jean

Piaget (1978) e seguidores seus, como

Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985),

Constance Kamii (1987), que podem

contribuir em estudos relacionados a

avaliações qualitativas de queixas

escolares. Inspiramo-nos na proposta de

avaliação psicopedagógica qualitativa

sugerida por Ribeiro, Silva e Ribeiro

(1998) para avaliação de queixas escolares

no contexto do ensino fundamental.

Apoiamo-nos ainda nas idéias de avaliação

psicopedagógica de Bossa (1994) e

Krechevsky (2001).

Além disso, realizamos uma

pesquisa bibliográfica a respeito dos

aspectos do desenvolvimento infantil que

serão avaliados: o desenvolvimento

emocional e físico, a construção do número

e da escrita. Esta pesquisa bibliográfica foi

feita através de consultas a bancos de

dados eletrônicos como, por exemplo, o

Scielo e o Lilacs, que disponibilizam

artigos publicados nas mais diversas

periódicos.

A partir desta nova análise e da

pesquisa bibliográfica, realizamos a

proposta de avaliação psicopedagógica.

Com o objetivo de avaliar e enriquecer o

nosso trabalho, encaminhamos o material

para ser apreciado por profissionais

envolvidos com esta temática: psicólogos e

psicopedagogos das duas escolas onde

realizamos o primeiro estudo, a equipe

psicopedagógica de outras duas

instituições que oferecem educação

infantil, sendo uma pública e outra privada,

14

e também foram consultados pesquisadores

da área em questão de duas instituições

acadêmicas de ensino superior de

Psicologia.

RESULTADOS

Apresentaremos a seguir algumas

situações que consideramos importantes

para serem investigadas em uma avaliação

psicopedagógica realizada no contexto da

educação infantil, envolvendo o

desenvolvimento emocional e físico, a

construção do número, a leitura e a escrita.

1. Desenvolvimento emocional

A proposta de avaliação da criança,

que aborda o seu desenvolvimento

emocional relacionando-o aos demais

aspectos escolares, está baseada nas

discussões e resultados construídos em

trabalho anterior (LIMA; RIBEIRO, 2006).

Assim, sugerimos um pequeno roteiro que

orienta a realização de observações em

situações de aula e no recreio, e uma

entrevista com a professora da criança

encaminhada. Tal roteiro possibilita

conhecer o processo de socialização da

criança, a organização do ambiente

educacional e a visão do professor sobre a

criança.

1.1 As observações em sala de aula

Entendemos como suficiente a

realização de três observações em sala de

aula com a duração de ao menos cinqüenta

minutos cada, tendo em vista a dinâmica

própria desse período escolar, que

demanda um certo tempo para o

transcorrer de cada atividade realizada.

Lembramos que é importante observar

também a rotina de como a professora

recebe e se despede dos alunos a cada dia.

É necessário conhecer o funcionamento da

sala de aula como um todo, especialmente

a criança com queixa escolar em tal

contexto. Sendo assim, sugerimos alguns

pontos a serem observados, lembrando que

o avaliador deve sempre focar e registrar

cuidadosamente os dados da criança

encaminhada para avaliação. Destacamos

abaixo alguns itens a serem averiguados no

decorrer das observações:

• Espaço físico, mobiliário e

decoração: A luminosidade e a ventilação

favorecem o bem-estar das crianças? É

fácil o acesso aos sanitários? Os móveis

são adaptados e confortáveis para a faixa

etária em questão? As paredes e o piso são

adequados para propiciar liberdade na

realização das atividades sem deixar de ser

aconchegantes? Fornecem segurança à

integridade física das crianças de modo

que elas possam se movimentar

livremente? A decoração é tipicamente

15

infantil? Existe um exagero de estímulos

que possa sobrecarregar a criança?

• A organização espacial da sala:

Como a sala de aula é organizada? A

disposição das crianças favorece a

interação entre os pares e com a

professora? O tamanho da sala é adequado

ao número de alunos de modo que eles

possam circular pelo ambiente com

tranqüilidade? É possível o remanejamento

dos objetos com vistas à adequação a

procedimentos educacionais

diversificados?

• Relacionamento com a professora:

Como é o acesso dos alunos à professora?

As crianças podem aproximar-se

fisicamente desta, em que momentos,

como são tratadas nessas ocasiões? A

professora demonstra interesse pelos

assuntos infantis? Como é o seu tom de

voz? Como a docente interfere nos

conflitos entre as crianças? Como conduz

as questões disciplinares? Como oferece

consolo? A professora demonstra bom

humor diante dos fatos corriqueiros na sala

de aula?

• Relacionamento entre as crianças:

As crianças demonstram vivacidade e

contentamento no convívio? Em que

momento as crianças brincam? Quais as

brincadeiras preferidas? Em quais não se

envolvem? Como interagem em uma

situação de brincadeira menos dirigida? E

nas dirigidas? Como o grupo acolhe seus

membros? Notam-se preferências e/ou

exclusões entre as crianças? A quem elas

recorrem nos momentos de conflito,

tristeza ou dor? Os alunos realizam

atividades coletivas? Como se posicionam

em tais ocasiões? Como se portam em

situações de partilha? Como as crianças

convivem com as regras e os limites? As

crianças se apóiam nos momentos de

alguma dificuldade? Ocorre agressão física

entre os alunos, em quais ocasiões e com

que freqüência? E expressões de afeto?

• O ensino: Como as atividades são

propostas e conduzidas? São adequadas à

faixa etária em questão, no que se refere ao

conteúdo e ao tempo destinado às mesmas?

Quais os conteúdos privilegiados? Quais

recursos de ensino encontram-se

disponíveis e quais são utilizados? Como é

a linguagem da professora? Ela parece

entusiasmada ao trabalhar cada atividade?

Como a educadora envolve as crianças

desinteressadas pelo tema proposto? Como

atende às solicitações das crianças? São

estabelecidos limites nas situações de

ensino, de que modo? Como a docente lida

com o erro e com os diferentes ritmos dos

alunos para executar as atividades? Como

se conduz o trabalho com as crianças com

dificuldades de aprendizado, e com os

“bons alunos”? Como as atividades são

corrigidas e/ou avaliadas, privilegia-se o

processo ou os resultados finais?

16

1.2 Observação do recreio

Consideramos o recreio um tempo e

espaço necessários para a convivência e a

brincadeira entre as crianças, além de um

horário destinado especificamente para o

lanche. Tendo em vista que tais momentos

são indispensáveis para o exercício da

imaginação, expressão corporal,

manifestação espontânea das afinidades

pessoais, o recreio é fundamental para a

saúde das crianças na escola especialmente

quanto menores elas forem. Dadas as

especificidades de cada instituição no

modo de proporcionar esse momento,

assim como a sua duração, entendemos que

a observação nesses horários permite-nos

conhecer a concepção de infância da

escola, assim como a maneira como a

criança aproveita e se comporta em tal

situação. Elegemos alguns elementos que

podem contribuir para o processo de

avaliação e são mais facilmente detectados

em situações livres como o recreio escolar:

• Qual o espaço físico destinado para

o recreio?

• Quanto tempo é destinado ao

recreio?

• Quais as brincadeiras são mais

comuns entre as crianças? Há brinquedos

disponíveis?

• Existe possibilidade de brincadeiras

que envolvem o corpo, como bola, piscina

e duchas? São efetivamente utilizadas?

Com que freqüência?

• Quantas crianças participam juntas

do recreio? Qual é a faixa etária?

• Como as crianças interagem

durante o recreio? Existem crianças que se

isolam ou são excluídas pelas demais?

Como são manejadas tais situações?

• Qual o papel do adulto no recreio?

1.3 Entrevista com a professora

O objetivo da entrevista com o

professor é coletar informações a respeito

de sua percepção sobre a criança

encaminhada para avaliação. É importante

também que se procure detectar no

discurso do docente as concepções de

desenvolvimento e aprendizagem que

norteiam seu trabalho, as expectativas em

relação a seus alunos e à criança avaliada.

A seguir, sugerimos um pequeno roteiro de

entrevista já proposto parcialmente em

trabalho anterior sobre avaliação

psicopedagógica de crianças maiores

(RIBEIRO, SILVA; RIBEIRO, 1998,

p.78). Essa entrevista deve ser adaptada à

especificidade da situação a ser avaliada:

• Qual a sua percepção sobre a

criança? Como foi o processo de adaptação

da criança ao contexto escolar?

• Como é a alimentação dela na

escola? Tem bom apetite? Como interage

17

com os demais nos momentos da

alimentação?

• Ela cuida de si mesma ou aceita

cuidados? Controla os esfíncteres? É muita

preocupada em estar limpa? É

excessivamente organizada?

• A criança dorme em horário

escolar?

• Qual é a participação da família na

escola?

• Em que áreas a criança apresenta

facilidades?

• Em que áreas a criança apresenta

dificuldades? Como enfrenta as

dificuldades inerentes ao processo de

aprendizagem?

• A criança tem confiança em suas

possibilidades nas tarefas habituais?

Demonstra desejo de superação de seus

próprios limites?

• Como é o relacionamento com a

professora e com os colegas? Ela expressa

seus sentimentos e emoções? Aceita

demonstrações de afeto? Como reage em

situações de conflito?

• Quais atividades você desenvolveu

e a criança respondeu bem?

• Em quais ela não se envolveu?

• Quais as dificuldades que você

encontra para lidar com essa criança?

• Quais as oportunidades para o

brincar na escola?

• Qual o papel da educação infantil

na preparação para o ensino fundamental?

• Quais os aspectos que você

considera necessários para serem

trabalhados com a criança, mas tem

impedimentos para fazê-lo?

• Como está sua turma em termos de

aprendizagem? A maioria dos alunos

acompanha a proposta pedagógica da

escola para a faixa etária? E o aluno em

questão?

• Que resultados você espera para sua

turma até o final do ano?

• Para você, o que é uma criança com

dificuldade de aprendizagem?

2. Desenvolvimento físico

Para avaliarmos o desenvolvimento

físico da criança nos valeremos de um

importante instrumento que é a

observação. É necessário que o psicólogo

ou psicopedagogo esteja atento à

integridade física da criança e a algumas

possíveis dificuldades relacionadas à visão,

à audição, à fala, ao desenvolvimento

neuropsicomotor, que ela possa apresentar.

Greenspan e Greenspan (1993) nos

lembram a importância de estarmos atentos

a aspectos como a postura, a marcha, o

equilíbrio, a coordenação motora fina e

coordenação motora grossa, a fala, a

qualidade e o tom de voz. É importante

18

também observar o bem-estar físico geral

da criança: peso, altura, tonalidade da pele,

o cabelo e as unhas.

Para conduzir a avaliação do

desenvolvimento físico realizada por um

psicólogo ou psicopedagogo, sugeriremos

a seguir algumas perguntas.

2.1 Visão

No que se refere à visão é

importante que o psicólogo ou

psicopedagogo esteja atento ao modo como

a criança se comporta em situações que

têm exigências específicas como:

• A criança esforça-se muito para ler?

• Apresenta dor de cabeça ou mal-

estar durante ou após um esforço visual?

• A criança franze a testa para

enxergar longe?

• Aproxima muito o caderno ou livro

para ler e escrever? Vira o rosto ou o

caderno?

• Demonstra desinteresse por leitura?

• A criança esfrega os olhos com

freqüência? Há secreção ou os olhos ficam

vermelhos com freqüência?

2.2 Audição

Para auxiliar na detecção de

dificuldades auditivas que a criança

possa ter, sugerimos que o avaliador

esteja atento às seguintes questões:

• A criança apresenta

dificuldades na fala, na leitura ou na

escrita?

• Usa tom de voz alto para

falar?

• A criança perturba-se

demasiadamente com a presença de

sons fortes ou de ruídos de fundo no

ambiente?

• Olha quando é chamada?

• A criança se distrai

facilmente com sons?

• Identifica o local de onde os

sons se originam?

• Solicita a repetição de

informações auditivas?

• A criança apresenta

dificuldade de compreensão em

ambiente um pouco mais ruidoso?

2.3 Fala/Linguagem

Lembramos que em qualquer

processo de avaliação da aquisição da

linguagem é preciso que o profissional

esteja atento ao contexto social e cultural

no qual as falas foram produzidas, pois

cada contexto possui suas normas

lingüísticas e convenções sociais.

Para a avaliação da fala fazemos as

seguintes sugestões:

19

• A criança se comunica verbalmente

com os outros?

• A fala é compreendida pelas demais

crianças? E pelos adultos?

• Ocorre troca de letras? Quais?

• O vocabulário da criança é

partilhado pelas demais? Domina mais ou

menos o mesmo número de palavras que as

crianças de sua idade?

• A fala é muito infantilizada em

relação à dos colegas?

• Como a família conversa com a

criança?

2.4 Desenvolvimento neuropsicomotor

Para a avaliação do

desenvolvimento neuropsicomotor é

importante observar:

• A criança cai muito?

• Esbarra repetidas vezes em objetos

da sala?

• Como ela come, anda, senta-se?

• Queixa-se de dores nas pernas,

costas, cansaço?

• A criança é sonolenta?

• É bem disposta? Brinca? Participa

das atividades propostas?

3. Construção do número

No que se refere à avaliação do

número, proporemos algumas atividades já

discutidas em trabalho anterior

(LINHARES; RIBEIRO; LIMA, 2006)

para serem desenvolvidas nas turmas da

educação infantil. As atividades podem ser

sugeridas à professora e o avaliador deve

estar presente na sala de aula durante a

realização das mesmas. As questões que

apontaremos a seguir dizem respeito a

todos os alunos da turma da criança

encaminhada para avaliação.

Recomendamos que o avaliador fique

atento aos comportamentos desta e que

perceba também como é o ambiente da sala

em geral, o modo como as outras crianças

e a professora posicionam-se frente às

atividades realizadas.

3.1 A primeira atividade relaciona-

se ao princípio de quantificar objetos

logicamente (atribuir valores quantitativos

aos objetos) e comparar conjuntos. Esta

tarefa auxiliará na avaliação da capacidade

que a criança tem de relacionar a

quantidade de diferentes elementos

pertencentes a classes distintas. Ao realizar

esta comparação, a criança estabelece

correspondência entre um objeto de um

grupo com um objeto de outro grupo.

Procedimento: Na sala de aula, a

professora instrui um aluno de cada mesa

que pegue na estante de materiais uma

quantidade suficiente de giz de cera, lápis

de cor, ou outro de material, de modo que

cada colega de seu grupo receba um. Na

20

seqüência o professor deve avaliar com

cada grupo como o colega realizou a

tarefa, que caminho seguiu para executar a

atividade, o número de tentativas

necessárias para que a criança obtivesse

êxito na distribuição. É importante

questionar as outras crianças do grupo se

alguma delas resolveria a tarefa de forma

diferente. Esta atividade poderá auxiliar os

alunos a desenvolver as relações de

contagem, ordem (necessidade lógica da

criança de colocar os elementos em uma

determinada organização) e inclusão

hierárquica (capacidade da criança em

coordenar as características de uma classe

e uma subclasse), pois estará estabelecendo

relações entre os passos da execução da

tarefa e também com as projeções dos

colegas.

Nesta situação o avaliador deve

observar atentamente:

Quais estratégias a criança utiliza

para resolver a tarefa?

O que as estratégias utilizadas

comunicam a respeito de seu conhecimento

lógico-matemático? Ela conta primeiro os

colegas em seu grupo? (se o faz é porque já

quantifica). Vai buscando um giz para cada

colega, sem se preocupar com o todo?

(então não quantifica e nem é capaz de

estabelecer comparação). A criança

incluiu-se no grupo?

No momento em que o grupo é

questionado, as outras crianças conseguem

fazer comparações e estabelecer relações?

Algum aluno demonstra saber quantificar?

As crianças já superam o presente

imediato, levantando hipóteses a partir das

estratégias usadas pelo aluno que executou

a tarefa?

3.2 A segunda atividade é indicada

para avaliar a capacidade que a criança já

possui de estabelecer ordem (necessidade

de organizar os objetos para que cada um

seja considerado apenas uma vez) e

classificação (organizar objetos a partir de

características comuns, a fim de formar

classes, categorias, conjuntos ou grupos).

Procedimento: A professora pede a

ajuda das crianças para organizar a sala

depois da hora do brinquedo, a turma

observa algumas crianças guardarem os

objetos que ficaram espalhados pela sala

em seus devidos cantos temáticos. Assim,

os alunos devem saber onde colocar os

lápis de cor, os lápis de escrever, as

tesouras, bem como as peças de encaixe,

carrinhos, bonecas, fantasias e livros. Ao

final da tarefa a docente questiona a turma

se ela foi realmente cumprida. Outras

perguntas também são pertinentes para esta

ocasião: Quais objetos o colega guardou

primeiro? Qual a ordem que ele usou? Os

objetos foram colocados nos lugares

certos? Quem faria diferente? Como o

faria? Qual outra ordem usaria?

Aqui o avaliador precisa observar:

21

As crianças colocam os materiais

em seus devidos lugares, ou seja, são

capazes de classificar ou respeitar a

classificação que está proposta na sala?

A criança adota outro critério de

classificação?

As crianças conseguem perceber

qual a ordem foi seguida por quem

executou a tarefa?

Alguma criança já propõe uma

ordem diferente da que foi seguida?

3.3 A terceira atividade envolve

quantificação, ordem e operação inversa

(habilidade de realizar mentalmente ações

opostas simultaneamente como, por

exemplo, comparar o todo de um grupo e

suas partes componentes).

Procedimento: Usando fichas com

os nomes das crianças e letras do alfabeto

móvel, a professora orienta as crianças a

observarem suas fichas e montar com as

letras soltas o seu nome. A docente conta,

juntamente com cada criança, quantas

letras foram usadas; o nome é

desorganizado e o aluno deve descobrir

quais letras havia utilizado anteriormente.

Em seguida a professora orienta as

crianças a trocarem suas fichas com um

colega próximo e repetir a atividade

montando o nome deste colega. As

crianças podem comparar a quantidade de

letras de seu nome com a quantidade do

nome do colega. Qual nome tem mais

letras? Quantas letras a mais?

Nesta situação o avaliador precisa

verificar:

A criança se preocupa em contar e

ordenar as letras para formar o nome?

Percebe que há uma ordem para

escrever as letras ou vai colocando-as

aleatoriamente?

Depois que desorganiza o nome é

capaz de identificar as letras que o

compõem para montá-lo novamente?

O aluno consegue comparar o

agrupamento de letras de seu nome com o

agrupamento que forma o nome de seu

colega? (estabelece relações com o seu

nome e outros nomes, por exemplo: Ana

começa com a mesma letra de meu nome,

ou termina com letra igual).

3.4 A quarta atividade pode ser

utilizada para avaliar a compreensão que a

criança já construiu em relação à ordem

estabelecida entre os objetos.

Procedimento: Usando contas

grandes e coloridas e fio elástico, montar

com as crianças um colar e uma pulseira,

ou um anel e uma pulseira. Instruí-las para

seguir uma seqüência de cores proposta

pelo grupo ou propor que cada aluno crie a

sua própria seqüência. Depois de prontos,

contar quantas contas foram usadas para o

colar e para a pulseira. Questionamentos:

Qual foi a ordem criada pelas crianças (por

22

exemplo, para montar uma pulseira um

grupo estabeleceu como seqüência a

utilização de duas contas brancas e três

verdes)? Qual ornamento precisou de mais

contas? Quantas contas a mais foram

usadas? Por quê? Qual o maior colar do

grupo? Qual o menor? Quantas contas há

em cada um?

Durante a realização desta atividade

o avaliador deve observar:

As crianças seguem a ordem das

cores proposta?

Adotam uma ordem diferente, mas

coerente com a tarefa proposta?

Relacionam os diferentes tamanhos

dos objetos?

Quantificam e comparam as contas

do colar e da pulseira?

Os alunos dominam expressões

como “mais que” e “menos que”?

3.5 Na quinta tarefa a criança irá

relacionar quantidade de elementos ao

símbolo numérico.

Procedimento: A professora oferece

às crianças dois dados grandes e sugere

que cada uma jogue os dados e diga quanto

saiu. Usando números que podem ser

confeccionados em E.V.A., a criança

deverá mostrar qual o número (símbolo)

corresponde àquela quantidade que saiu

nos dois dados e, na seqüência, deve pegar

em uma caixa o mesmo número de

tampinhas. Em seguida, cada aluno pode

registrar no papel o símbolo numérico e

desenhar a mesma quantidade com

bolinhas ou traços. Esta atividade poderá

ser feita com os alunos dispostos em uma

rodinha, de forma que a professora

oportunize a participação de todos. A

realização desta atividade em grupo

favorecerá o estabelecimento de

comparações entre os números que cada

criança tirou em relação aos demais

colegas. A partir desta tarefa, a docente

pode realizar os seguintes

questionamentos: Qual o menor número é

possível obter com um dado? E com dois

dados? Qual o maior número é possível

obter com um dado? E com dois dados?

O avaliador deve atentar para o

seguinte:

Quais crianças representam

quantidades pelo desenho?

Quais crianças usam desenho e

símbolos numéricos?

As crianças já são capazes de

representar quantidades através de

símbolos numéricos (os algarismos)?

Já reconhecem os algarismos e os

relacionam às quantidades corretamente?

3.6 A sexta atividade proposta é o

“Tiro ao alvo”; nela o psicólogo ou

psicopedagogo pode perceber como a

criança está lidando com os valores

qualitativos dos números, ou seja, se

compreende que os valores atribuídos aos

23

símbolos numéricos são distintos e que uns

são maiores ou menores que os outros.

Procedimento: A professora propõe

o jogo e desenha o alvo na lousa com a

ajuda das crianças. Devem ser feitos

círculos de tamanho crescente com o

mesmo ponto central e os números maiores

devem ficar mais próximos ao centro. A

docente não deve fazer referência à

demarcação de um limite para o arremesso,

as crianças podem utilizar massinha de

modelar para atirar. Após a participação de

todas as crianças, a docente pode fazer

perguntas como: Qual é o número maior do

jogo? Qual é a sua localização? Por quê?

Qual criança acertou o maior número?

O avaliador pode observar:

As crianças conhecem o jogo?

Estabelecem o mesmo número de

arremessos para cada criança?

As crianças demarcam uma

distância para atirar?

Conseguem estabelecer relação

entre o número maior e sua posição no

jogo?

Identificam qual criança acertou o

número maior?

Quais os comentários que fazem

durante o jogo?

3.7 A última atividade sugerida

deve ser realizada pelo psicólogo ou

psicopedagogo individualmente com a

criança; a partir desta tarefa podemos

conhecer a capacidade que a criança possui

de formar conjuntos e quais são os critérios

escolhidos para fazê-lo:

Procedimento: Selecionar quatro

grupos contendo três elementos cada,

como por exemplo, lápis de cor, borrachas,

bolas, peças de encaixe. Entregar os

objetos misturados à criança e pedir que

ela os separe nos grupos existentes. Em

seguida, pedir que ela faça duas coleções

de modo a incluir todos os elementos.

Podemos solicitar, também, que ela

coloque os objetos em ordem crescente de

tamanho.

No decorrer desta atividade, o

avaliador deve estar atento às estratégias

adotadas pela criança e aos comentários

feitos durante a realização da tarefa. Caso a

criança cometa algum equívoco, o

psicólogo ou psicopedagogo deve fazer um

breve comentário a respeito e observar a

reação do aluno frente à ressalva.

4. Leitura e escrita

Durante a realização das atividades

relacionadas à avaliação do letramento, o

psicólogo ou psicopedagogo deve estar

atento para o grau de interlocução da

criança com a escrita nas situações da vida

diária, ou seja, em que medida a criança

percebe a existência e a importância da

língua escrita nas atividades cotidianas.

Além disso, o avaliador deve observar

24

alguns outros aspectos importantes para a

avaliação das noções da criança não-

alfabetizada em relação à língua escrita,

como por exemplo: Qual é o nível de

compreensão que a criança demonstra ter

acerca do caráter simbólico do sistema

escrito? A criança percebe que a dimensão

fonológica (os sons) é independente do

significado de uma palavra? Qual é o nível

de apreensão que a criança demonstra

possuir das funções da língua escrita?

Para avaliar o desenvolvimento do

letramento em crianças da educação

infantil, elegemos apenas situações para o

psicólogo ou psicopedagogo realizar em

momentos individuais com a criança, mas

que podem e devem ser adaptadas para

situações coletivas. Descrevemos abaixo as

atividades propostas para a avaliação

individual:

4.1 Para estabelecer o vínculo com

o aluno propõe-se um jogo de memória. O

jogo deve conter em torno de sete pares e

pode ser confeccionado a partir de

elementos que fazem parte do cotidiano da

criança; sugerimos a utilização de recortes

de panfletos de supermercados, que são

ilustrados com produtos de uso

domésticos, como por exemplo, sabonetes,

óleo de cozinha, arroz e outros. Observar

quais são as estratégias utilizadas pela

criança para formação dos pares? Ela

utiliza as ilustrações ou também demonstra

estar utilizando os códigos escritos para a

formação dos pares?

4.2 Através da utilização de

portadores de textos como contas de luz,

água etc., bula de remédio, bilhete, receita

culinária, oração, notícia de jornal ou

revista, gibi e livro, pode-se verificar se a

criança consegue estabelecer relações entre

os diferentes estilos de textos e se

identifica e diferencia cada um dos

materiais apresentados.

4.3 Rótulos e embalagens: utilizar

embalagens de produtos como bolachas,

chocolates, chá-mate, refrigerante,

sabonete, pasta de dentes, e pedir para que

a criança identifique os nomes escritos nos

rótulos dos produtos. É importante

observar se a criança apenas identifica

produtos que conhece ou se já se arrisca a

identificar os rótulos a partir da leitura.

Nesta atividade podemos perguntar à

criança o que ela pensa sobre a função da

escrita e em que lugares de uma cidade

existem coisas escritas.

4.4 Confeccionar cartões com

letras, sílabas e palavras em cores

diferentes, indagar à criança o que é cada

um dos cartões. Observar como ela

estabelece relações. Esta atividade também

oferece possibilidade de se saber a respeito

25

da construção do conhecimento lógico-

matemático pela criança.

4.5 Pedir para a criança escrever e

desenhar palavras que contenham uma,

duas, três e quatro sílabas. Caso a criança

apresente dificuldades, oferecer figuras de

palavras que correspondam à atividade e

pedir que ela o nome de cada gravura.

DISCUSSÃO

É muito freqüente no contexto

educacional que os problemas no

desenvolvimento dos alunos e as

dificuldades escolares sejam atribuídos

apenas às crianças e suas famílias. Alguns

profissionais da educação têm a tendência

de atribuir apenas ao aluno a origem de

algum problema, encaminhando-o para

psicólogos sem questionar sua prática

pedagógica e as situações que precisariam

ser melhoradas na instituição escolar

(OLIVEIRA; REGO; SOUZA, 2002).

Muitas vezes, a escola, apoiada por

psicólogos, apresenta explicações sobre as

dificuldades escolares relacionando-as

exclusivamente às dificuldades da criança,

de sua família, a sua origem social, cultural

ou econômica, isentando-se de qualquer

responsabilidade.

Reiteramos a importância dos

profissionais se colocarem diante realidade

escolar a partir de uma perspectiva crítica.

Neste sentido, a avaliação psicopedagógica

deve ser utilizada considerando levando-se

em conta o contexto social e histórico da

instituição na qual a criança se insere. A

escola, se excluída do processo de

avaliação, tende a se eximir da sua parcela

de responsabilidade na produção e/ou

manutenção da queixa. Isso pode

minimizar o importante papel da

instituição como facilitadora do

crescimento pessoal dos alunos nos seus

diversos aspectos: emocional, cognitivo,

social. Em uma avaliação psicopedagógica,

o contexto escolar precisa ser investigado,

uma vez que o crescimento está em

processo e deve ser favorecido. É

importante que em qualquer campo de

atuação o profissional contextualize os

conhecimentos e técnicas nos quais irá se

apoiar (RIBEIRO, 2004).

Isso posto, não podemos descartar a

necessidade de os profissionais que atuam

como especialistas de ensino busquem uma

formação que lhes possibilite identificar

possíveis intercorrências na escolarização

do aluno relacionadas ao seu processo de

desenvolvimento e aprendizagem.

Lembramos que tais profissionais precisam

conhecer as teorias e pesquisas sobre o

desenvolvimento e a aprendizagem, bem

como a estreita relação entre eles, para que

os roteiros das avaliações possam fazer um

verdadeiro sentido e serem realmente

26

norteadores dos encaminhamentos e/ou

procedimentos a serem adotados com os

alunos.

Enfatizamos que o objetivo de um

psicólogo e/ou psicopedagogo ao realizar

uma avaliação psicopedagógica deve ser o

de indicar como o ambiente atual pode se

organizar para atender a criança no sentido

de facilitar o seu desenvolvimento, não se

tornando mais uma classificação que sirva

para rotular os alunos e/ou eximir a escola

das suas responsabilidades (RIBEIRO,

2004, p.193). Assim, quando se investiga

determinada dificuldade, o objetivo

primeiro deve ser buscar alternativas para

que o contexto escolar seja o mais

adaptativo possível ao aluno no sentido de

propiciar o seu crescimento.

Tanto o aluno como sua família

podem e devem ser incluídos diretamente

na situação de avaliação, caso seja

necessário ampliar os cuidados com a

criança e a escola seja a instituição

disponível para nortear os

encaminhamentos necessários. Podem ser

feitas algumas entrevistas com a criança e

a família, procurando conhecer de um

modo mais direto a visão de todos acerca

das dificuldades que estão ocorrendo. No

presente trabalho evitamos propostas

identificadas com a Psicologia Clínica,

procurando enfatizar o papel do ambiente

escolar. Isso não exime o profissional de

ampliar suas investigações e recorrer a

estratégias da clínica quando for

necessário.

De acordo com os pareceristas que

contribuíram com esta proposta de

avaliação, o presente trabalho foi

considerado pertinente à realidade do

ensino infantil e se mostra fértil no sentido

de fortalecer a importância da

fundamentação teórica no processo de

avaliação psicopedagógica.

Consideramos que é necessária uma

interlocução crescente da Psicologia com

outras áreas do conhecimento quando se

trata de avaliação psicopedagógica. Isso

nos pareceu evidente quando discorremos,

por exemplo, sobre o desenvolvimento

físico e o emocional, em que caberia um

diálogo ampliado com a Medicina e a

Psicanálise, respectivamente. Não se trata

de subverter o espaço pedagógico

(MOYSÉS; COLLARES, 1992), mas de

fortalecer a formação do especialista de

ensino inclusive para que ele discrimine

com maior clareza possível a etiologia das

dificuldades de aprendizagem e os

caminhos – em que se incluem os

pedagógicos – para superá-las: o contexto

educacional é um ambiente privilegiado

para o desenvolvimento humano e

inequivocamente responsável pelo ensino,

independente do estágio de

desenvolvimento que cada criança esteja

vivendo.

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Entendemos que a avaliação

psicopedagógica é uma área importante na

formação dos especialistas de ensino,

requerendo aprofundamento e ampliação

constantes.

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