Pés-de-chumbo e Garrafeiros: conflitos e tensões nas ruas ......"Pés-de-chumbo" e "Garrafeiros":...

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"Pés-de-chumbo" e "Garrafeiros": conflitos e tensões nas ruas do Rio de Janeiro no Primeiro Reinado (1822-1831) Gladys Sabina Ribeiro* Augustos, e Digníssimos Senhores Representantes da Nação. Tudo quanto tenho de expor é triste; e mais melan- cólico ainda o futuro, que se me antolha, se a Providência Divina não dirigir os importantíssimos trabalhos da presente Sessão. Talvez que minha imaginação assombrada com tantos acontecimentos desastrosos, que rapidamente têm-se sucedido uns aos outros em todo o Império, que minhas forças estancadas na luta com tantas dificuldades; e que minha razão pouco fecunda em recursos, sejam a causa de prever males tão próximos, e que por ventura se acham a tão grande distância; mas sou Brasileiro: interesso pela minha Pátria: e antigos, e novos exemplos, me fazem estremecer a vista da marcha progressiva do espírito revolucionário no Brasil. Não era à toa que o Ministro da Justiça fazia previsões tão pessimistas para os anos vindouros. Havia algum tempo que a Corte vinha vivendo um clima intenso de agitação e presenciando variados conflitos. João Armitage, testemunha daqueles anos, escreveu que houve uma "exaltação de ideias" a partir do final de 1828. Ressurgiram jornais e pasquins " incendiários". Liberais "exaltados" ou "moderados, homens patriotas" e cidadãos- ativos~ protestavam contra o Governo . A população do Rio de Janeiro * Prof." Ms. Departamento de História UFF. Relatório do Ministro da Justiça referente ao ano de 1832, Ministério da Justiça, A.N. Palavras proferidas em Sessão da Assembleia Legislativa de 1832. ARMITAGE, João, História do Brasil: desde o período da chegada da família de Bragança, em 1808, até a abdicação de D. Pedro, em 1831, compilada à vista dos documentos públicos e outras fontes originais formando uma continuação da história do Brasil de Southey/ por João Arrnitage. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de São Paulo, 1981, p. 171 3 Cf. MATTOS, limar R. de, O Tempo Saquarema. São Paulo, Hucitec; Brasília INL, 1987, pp. 109-129. Segundo limar R. de Manos, o pensamento conservador brasileiro, da época, atribuía ao termo povo o conjunto de cidadãos ativos, de acordo com a Constituição de 1824. \Rev.Bras.deHist. [ S.Paulo | v.12 23/241 pp. 141-165 |set. 91/ago. 92 j 141

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"Pés-de-chumbo" e "Garrafeiros": conflitos etensões nas ruas do Rio de Janeiro no PrimeiroReinado (1822-1831)

Gladys Sabina Ribeiro*

Augustos, e Digníssimos Senhores Representantes daNação. Tudo quanto tenho de expor é triste; e mais melan-cólico ainda o futuro, que se me antolha, se a ProvidênciaDivina não dirigir os importantíssimos trabalhos dapresente Sessão. Talvez que minha imaginação assombradacom tantos acontecimentos desastrosos, que rapidamentetêm-se sucedido uns aos outros em todo o Império, queminhas forças estancadas na luta com tantas dificuldades;e que minha razão pouco fecunda em recursos, sejam acausa de prever males tão próximos, e que por ventura seacham a tão grande distância; mas sou Brasileiro: interessopela minha Pátria: e antigos, e novos exemplos, me fazemestremecer a vista da marcha progressiva do espíritorevolucionário no Brasil.

Não era à toa que o Ministro da Justiça fazia previsões tãopessimistas para os anos vindouros. Havia algum tempo que a Cortevinha vivendo um clima intenso de agitação e presenciando variadosconflitos. João Armitage, testemunha daqueles anos, escreveu que houveuma "exaltação de ideias" a partir do final de 1828. Ressurgiramjornais e pasquins " incendiários".

Liberais "exaltados" ou "moderados, homens patriotas" e cidadãos-ativos~ protestavam contra o Governo . A população do Rio de Janeiro

* Prof." Ms. Departamento de História — UFF.Relatório do Ministro da Justiça referente ao ano de 1832, Ministério da Justiça, A.N.

Palavras proferidas em Sessão da Assembleia Legislativa de 1832.ARMITAGE, João, História do Brasil: desde o período da chegada da família de Bragança,

em 1808, até a abdicação de D. Pedro, em 1831, compilada à vista dos documentos públicose outras fontes originais formando uma continuação da história do Brasil de Southey/ porJoão Arrnitage. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Editora da Universidade de SãoPaulo, 1981, p. 1713 Cf. MATTOS, limar R. de, O Tempo Saquarema. São Paulo, Hucitec; Brasília INL, 1987,pp. 109-129. Segundo limar R. de Manos, o pensamento conservador brasileiro, da época,atribuía ao termo povo o conjunto de cidadãos ativos, de acordo com a Constituição de 1824.

\Rev.Bras.deHist. [ S.Paulo | v.12 n° 23/241 pp. 141-165 |set. 91/ago. 92 j

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dava sobejas mostras de descontentamento com a s i tuarão v i v i d a .Manifestava-se em ajuntamentos - - que se tomaram celebres j » • ! < > • .constantes pedidos de devassas por parte do Governo —, e cm t u m u l t o s ,a princípio sem motivo aparente, nos quatro cantos da cidade c1 nasbandas de além-mar [Niterói]. Os incitamentos ant i lus i tunos , anecessidade de construção de uma identidade calcada na diferença comrelação ao "outro" - estrangeiro, em geral, e português, em pai l i a ilar —, e a situação da população pobre e marginalizada da cidade,serviram como uma bomba-de-tempo.

Na época da Independência percebe-se, na documentação daPolícia, um aumento expressivo do número de fugas. Os escravosalistavam-se nos batalhões para lutar na Guerra da Independência e,posteriormente, na Banda Oriental.

E necessário que Vm com a brevidade possível averigiic seJosé Bento Barbosa morador nesse Distrito é Snr. de umescravo pardo por nome Manoel, filho de uma esacrava suade nome Maria; que consta ter assentado Praça voluntáriono Regimento de Artilharia desta Corte, como l iber to ,fugindo a seu senhor ou se era conhecido por liberto (...).

Casos como o do pardo Manoel pontilhavam a correspondência doChefe de Polícia com os Comandantes de Distrito. A "cidadeesconderijo" era já um fato no início do século XIX; abrigava escravosfugitivos que se movimentavam com desenvoltura e procuravam trilharcaminhos para a liberdade. As histórias sugerem que Peter Linebaughtalvez tenha razão ao dizer existir um "modo de produção, dos navios".As ideias circulavam , conduziam e moldavam as experiências, de formaque as discussões dos ideais liberais ingleses do século XVIII podem teralcançado os escravos do Novo Mundo e, no caso do Brasil, ter serevigorado no início da década de 20, momento intenso de debates sobrea Emancipação Política e libertação do jugo da reescravização do país,leia-se recolonização. Os escravos podiam estar fazendo uma leituraprópria dessas ideias. Quem sabe se baseados na concepção africana deliberdade — relacionada ao sentimento de "pertencer", nascer e crescerem uma comunidade, ser membro de uma linhagem — não estariam, nocaso de sua atuação na Corte, buscando um maior enraizamento naquelasociedade, "nascendo" com a nova Nação e tentando conquistar umespaço no Estado em construção?

Na documentação e livros escritos por homens que viveram o período, o termo é tambémutilizado corno habitantes da cidade, turba, massa, população, portanto, gente até mesmo nauqualificada como cidadão.

4 CÓDICE 326, A. N., Ofício ao Comandante Iraja, 13 de Agosto de 1824.

5 CHALHOUB, Sidney, Visões da Liberdade . São Paulo, Companhia das Letras, l')')()

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João José Reis, em artigo intitulado "O Jogo Duro do Dois deJ u l h o : O Partido Negro na Independência da Bahia", mostra o

a t i c v i m e n t o " dos "negros" na ocasião da Guerra da Independência.Argumentação semelhante, relacionando igualmente aumento de fugas eIndependência, é defendida por Peter Wood em " The Dream Deferred':Black Freedom Struggles on the Eve of White Independence". Portanto,a emancipação política significaria para escravos e libertos, naquelecontexto , a possibilidade de uma vida livre e melhor; a liberdade nãoseria apenas uma questão de autonomia pessoal.

Em contrapartida, as atitudes da população servil diferenciavam-se daquelas dos seus senhores. Estes eram obrigados, por lei, a ceder umem cada cinco escravos para o trabalho de "defesa do Império" e "da( ' a u s a Nacional". Por conta do serviço de construção de pontos dedelesa, as confusões e reclamações eram muitas. O Intendente queixava-se dos Comandantes das Ordenanças e dos Batalhões, que não faziaml i s t a dos proprietários com mais de cinco escravos e obstavam o

< imipr imento das ordens imperiais; os senhores protestavam dizendo ser. 1 lei contra o direito de propriedade e as listas, quando confeccionadas,eiradas . Reclamavam, ainda, da violência da Polícia no recrutamento detrabalhadores e do atraso no pagamento das diárias prometidas. Oem airegado das fortificações da Capital, Coronel Francisco José deSou/a Andrea, fazia ver a impossibilidade da conclusão dos fortes eml e m p o hábi l .

Km ofício ao Comandante das Ordenanças da Corte, datado de 23• l ' ,i"osio de 1824, o Intendente Estevão Ribeiro de Rezende informava:

limo. Sr. Em resposta ao ofício, que recebi ontem pelas 10horas da noite, vou certificar a V.S., que a parte, que se me

" I . I N H I i A U C i H , Peter, "Todas as Montanhas Atlânticas Estremeceram, in: Revista Brasileira,li l/niinia: a Luta Trabalhadores!. São Paulo, Editora Marco Zero, 1983. Linebaugh

1 . 1 que o navio criava rebeldes por ser abrigo de tradições e "estufa dem i . i n . i . lonalismo". Os exemplos circulavam através do convívio com marinheiros nos navios

1 i i navio foi um canal de comunicação pan-africana, difusor de uma ideologia• i i n i . i l Ia a argumentação de João Reis, no artigo citado, encontra-se no livro

/d('<7« r Cnii/litii. A Resistência Negra no Brasil Escravista. São Paulo, CompanhiaIo Letras l W), pp. 79-98. O artigo de Peter Wood faz Parte do livro organizado por

1 ' t i i l l K i » ( i n i Y G., in: Resisíance Studies in African. Caribbean. and Afro-AmericanHI\IIH\' l l n i v c r s i t y Massachusetts Press, Amherst, 1986, pp. 166-87. A diferença do

no i l r I t l n - n l a d e para as sociedades ditas "pré-capitalistas", que contrastariam escravidãoM I i i n r i i i i ) e crescimento em comunidade, ser membro de urna linhagem, foi abordado

' \ K V A I . I I O . Marcus Joaquim Maciel, Hegemony and Rebellion in Pernambuco (lIII,i i / l / ,S ' . ' / / A 1 1 S Urbana — Illinois, Thests submitted in partial fulfillment of thei . .| n lo i i h r ilciiree ot Doctor ot Phtlosophy in History, mimeo. 1989, pp. 11-13. EstelUloi i | " ' i . i ic r i u M I l i R S , Suzanne e KOPYTOFF, Igor, Slaverv in África. Madtson,

i n ul Wisconsin Press 1977 e MELLASSOUX, Claude. Anthropologie de I 'l ' W n i i r di1 I Vi el d' Argent. Paris, Presses Universitaires de France, 1986

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deu de terem sido remetidos até os dias passados sou u-n u-sete escravos para o trabalho das Fortificações foi a n t c i i o iao do dia 16 do corrente, o que não implica que depoisacrescesse o número, que V.S. diz de 51; mas eu hojr .1noite espero saber o número que tem ido, podendoasseverar a V.S., que os trabalhos estão sem ação por l a l t ade gente segundo me veio representar o Coronel André a deviva voz no dia 20 do corrente.Quanto aos meios violentos, que e a pena cominada naPortaria de 19 de Junho dos refratários, e desobedientes,V.S. a pode pôr em prática contra aqueles proprietários,que tendo o número de escravos exigidos na mencionadaPortaria por serem obrigados a concorrer com um paracada 5 e não fazem por dolo, e malícia; mas neste casomesmo parece prudente, que V.S. faça esgotar primeirotodos os meios de brandura, e persuasão, fazendo verificai-se tem, ou não o número de escravos, que aparece narelação dos Comandantes, que muitos se queixam que sãoavisados para dar escravos, não os devendo dar pelaimperfeição e pouco escrúpulo com que os Comandantes eCabos das ordenanças têm feito as suas listas, contandocrianças, e escravos, que não são do cabeça da casa (...).7

As brigas entre os senhores e as autoridades mais pareciampirraça de criança. A documentação da Polícia revela que os proprie-tários cediam os escravos com suma má vontade e, por qualquer motivo,tornavam a toma-los, escondiam-nos, ou, em conluio com os Coman-dantes de Distrito, burlavam números. O Intendente, além de ameaçarseveramente os Comandantes com toda sorte de punições, armava planosmirabolantes para conseguir uma quantidade suficiente de gente paratrabalhar. Utilizava meios violentos e armadilhas. Chegava a ficar desoslaio esperando os escravos saírem para poder resgatá-los.

Efetivamente, apelos à "defesa do Brasil", à "Causa da Inde-pendência", pareciam palavras ao léu. Podemos entender a preocupaçãodos "homens-de-bem" com o resguardo de seus pertences, mas, diantedos perigos de uma guerra, as suas atitudes demonstravam que não erameles os mais interessados naqueles acontecimentos. As questões políticasde briga pelo macro poder não os preocupavam tanto. O cotidiano eramais importante e, afinal, não havia mudado de tal forma que supusessegrandes sacrifícios. Além do mais, os aliados na luta contra os portu-gueses seriam os escravos, conveniência duvidosa... Assim, poucos ofere-ciam escravos gratuitos. Muitos reivindicavam os jornais prometidos:

CÓDICE 326, A.N., Ofício ao Comandante das Ordenanças desta Corte, 23 de agosto de1824.

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O que mais convém é que V. S. faça apenar uma relação detodos os escravos, que estiveram a jornal desde o mês deJunho até o último de Julho, que foi o primeiro prazo coma conta do que venceram, e a declaração de quem há defazer este pagamento, onde, e em que dia, a fim de sepublicar com toda brevidade, porque há a esse respeito umabulha muito grande, e que assim se vá fazendo, ficando osegundo prazo: E outra relação dos que deram escravosgratuitos para também se publicar. Ontem houve pela cidadeum grande sussurro por esta falta, queimando-se o Povo daPolícia, e do Ministério, e me tem fervido atrevidos reque-rimentos de ataque ao direito de sua propriedade, e que nadarecebem como ordena a Constituição (...) Em quanto nãosossegar o Povo pelo meio indicado não posso ativar oapenamento dos escravos de ganho, que e com que eu maiscontava, visto que no primeiro turno, se absolveram quaseIodos os dos proprietários (...).

O Povo, com letra maiúscula e significando os proprietários -cidadãos ativos — , agitava-se pela falta e atraso no pagamento dosjornais devidos. Não convinha ao Governo desagradar a esta parcela dapopulação, de tal forma que ela também causasse "bulha" e fizesserequerimentos atrevidos. Em época de tantas ameaças e problemas dedescontentamentos daquela outra parcela do "povo" (composta dos não-remediados, pobres, escravos, forros ou livres, e que era mantida emprecário controle e ocupava boa parte do tempo da polícia e das classesabastadas do país) era preciso acalmar os proprietários e ter o menornúmero possível "de frentes de conflito". Desta forma, é interessanteobservar a menção à necessidade do- emprego de escravos-de-ganho. Estetipo de mão-de-obra regularia a demanda dos serviços das fortificaçõese aquela dos proprietários por jornais. Há inclusive uma discussão sobreas remunerações de acordo com a profissão e especialização dosescravos. Parece também que homens livres pobres, portugueses, eramu i i l i / a d o s recebendo melhores "jornais", o que desagradava a todos, quertossem senhores ou escravos-de-ganho, uma vez que a literatura nosmostra às vezes conseguirem estes últimos a alforria através dessesserviços.

Assim, para os escravos, trabalhar nas obras podia significar apossibil idade da liberdade e de uma vida melhor: as fugas, na calada danoi te , jxini o serviço nos fortes, parecem ter tido este sentido; da mesmalonna como aquelas que consistiam em fugir das obras dos fortes e dos

públicos para se aquilo mb ar e m.

i i H H ( T 126, A. N. Ofício ao Coronel encarregado das diversas Fortificações desta Cidade,• i l i - 1824.

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Há aspectos interessantes que devem ser observados na cons i iu i . .1»de uma nova interpretação do período. A Guerra de Independeu. Ianormalmente atribuída somente a algumas províncias d i s t an tes , n ; n >estava tão longe de ameaçar a Capital. Se não houve combates "reais"com o "inimigo externo", a ameaça e o medo dos lusos eram c l e t i v o sAs escaramuças e batalhas "externas" eram possibilidades sempiepresentes. Entretanto, a luta era interna, no próprio espaço urbano l mofício ao Intendente Geral da Polícia, o Secretário de Estado do-.Negócios do Reino, o conhecido José Bonifácio - "Patrono d.iIndependência" - manda, a 5 de Agosto de 1822, que se a i e n d . i . 1representação de D. Eugenia Maria da Incarnação (sic) "em que expõea necessidade de tomar o Governo medidas vigorosas contra os quepretendem perturbar a tranquilidade pública, seduzindo para isso osescravos com promessa de liberdade.

A imagem daqueles dias, na pena dos ofícios, representações,cartas, leis, manifestos, e outros papéis oficiais, é bem diferente de umaIndependência feita placidamente às margens do Ipiranga, semsobressaltos para o Sudeste, principalmente para a Corte.

Para os escravos, em um primeiro momento, o alento da a l i o u upode ter embalado noites de sono. O "Povo", que reclamava ler quefornecer escravos, possuía outras preocupações e pesadelos. O controledas suas peças de ébano e a garantia da propriedade pautavam as sn. r ,atitudes, os "sussurros" e "os atrevidos requerimentos". O outro "povo",aquele aliado nos alistamentos, nos combates externos e na consirueaodas fortificações, era uma ameaça.

À semelhança da descrição de Jean Delumeau, em sua Históriado Medo no Ocidente, 1300-1800, que diz, ao analisar as atitudes dóicavaleiros e dos violões nas obras literárias, ser a coragem atribuída aoipríncipes e a covardia aos "de nascimento baixo", no período estudadoD. Pedro aparece glorificado pelos documentos e historiografia, apesar detoda controvérsia sobre suas atitudes e personalidade. Sua vontadeprevaleceria e daria rumo aos acontecimentos. Ele teria tido a coraivmde se separar de seu pai e pátria. Com a figura de D. Pedro bradando"Independência ou Morte" contrasta à do "povo", que tudo a s s i s t i , ipacificamente e de pés descalços.

A exaltação de D. Pedro e a inércia do "povo" podem seipensados como formas de esconder o medo, dissimulá-lo para mel l io ilidar com ele. Elidir a atuação da população nas ruas s ign i í í eon ,certamente, a necessidade de construir uma determinada versão dos la tos ,obviamente ligada à forma como o Estado foi construído e à c idadan iadelimitada. No caso dos acontecimentos desenrolados na Corte, .1

J. J J. l , 167 -1822, Ministério do Reino e Estrangeiros, A. N.) _.

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10 DELUMEAU, Jean . História do Medo no Ocidente, 130-1800. São Paulo, C o m p a n h i adas Letras, 1989, pp. 11-37.

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"massa" eíctivamente encontrava-se presente. Porém, sua presença,a l e s t ada nas crónicas, relatos e documentação do cotidiano, revestia-sesempre de uma dupla característica. Ou era heróica, quando vinhareforçar o sentido dos acontecimentos e o desejo das elites, ou erav i o l e n t a , irracional, quando expressava discordância com o rumo doslatos e representava uma alternativa de poder.

Dentro do primeiro aspecto, encontramos as narrativas daparticipação popular no juramento à Constituição Espanhola, noentusiasmo que cercou o "Fico" e, nas vésperas da Abdicação, o apoioas impas c parlamentares.

Irrascíveis e cruéis foram os populares ao rejeitarem as propostaslevadas pelo Príncipe a D. João VI, no ir e vir incessante do centro dacidade ao Paço de São Cristóvão, já nas proximidades da triste data domassacre da Praça do Comércio, quando aos berros e urros confundiramos eleitores; ou, ainda, nos episódios que se antecederam ou sucederam0 7 de Abril: a "massa" andava descontrolada, praticando toda sorte de"maldades", principalmente contra os "brancos" e "portugueses".

Tanto é assim que no final do Primeiro Reinado, o "povo", dequem toda a documentação escrita do período fala, é bem específico."Negros" e "mulatos" são constantemente mencionados adotando atitu-des inesperadamente ameaçadoras.

No início de janeiro de 1828, durante o desembarque de irlandesesque engrossariam as fileiras da Tropa dos Estrangeiros, a "população" -uma "multidão de negros" - reagiu batendo palmas e insultandoaqueles "escravos brancos". A antipatia por este batalhão era geral.Durante o processo de Independência, vários conflitos ocorreram com oscorpos lusos. Aos alemães, súditos da Primeira Imperatriz, eram.imbuídas regalias. Agora, em 1828, segundo Armitage,12 desembar-eavam os irlandeses sem qualquer aviso prévio. Vinham com a promessade serem colonos. Vá ilusão! O seu,destino era mesmo o das armas. Dequalquer forma, ou combatendo no Sul, ou deixando-se ficar na cidade,. i i i a í r a m a ira dos "negros". Afinal, podiam competir no mercado comOS escravos-de-ganho ou ocupariam posição pleiteada pela escravaria noscombates, meio pelo qual, já vimos, muitas vezes obtinham a alforria.Ve lhas rixas também se davam entre os soldados estrangeiros e oBa ta lhão de Libertos.

Os irlandeses, levados para os quartéis da Rua dos Barbonos ev i v e n d o miseravelmente, uniram-se aos alemães em uma revolta nomesmo ano da sua chegada. O Ministro da Guerra, Bento Barroso1 Vi e i ra . ordenou o combate às forças insurgentes.

i n l S r id lc r esclarece quais as "raças humanas existentes no Brasil. Os mulatos seriama. |nrlrs nascidos da mescla de brancos com negros", portanto, já "brasileiros". Os negros,

nu los , importados da África. Os crioulos, "negros nascidos no Brasil", confirmando,l ' . ' H a n i o . a ol isoivacão da linguagem racial feita por João Reis para Salvador. Cf. nota 12.

. 1 i i > l l !•• C a i l . Dez Anos no Brasil. Belo Horizonte: Editora Itabaia; São Paulo: Ed. da. i . l a . l r i I c São Paulo, 1980. p. 335.

1 ' M . - M I l A i i l i , João. op. cit.

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Uma porção de homens libertos de cor, e de escravos, demotu próprio foram cooperar com a tropa nacional, e maisde sessenta irlandeses foram mortos, e cem feridos nocombate. Os escravos, a quem imprudentemente confiaramarmas, distinguiram-se pela sua barbaridade; muitos sepa-ravam os membros o de suas vítimas moribundas, e oslevavam em triunfo. 13

A xenofobia encontrava espaços no cotidiano e nos momentosmais candentes. Quando podia, a população "negra" ia à forra. Fora oBatalhão dos Henriques, os efetivos comuns de militares tinham um fortecontingente de "homens de cor". Na chegada dos emigrados portugueses,vindos da Inglaterra por terem tido seus planos de desembarque emPortugal para auxílio a D. Maria da Glória fracassados, mostraram todoo seu descontentamento. Alguns deles se integraram às tropas, outrosreforçaram a população portuguesa do meio urbano e adjacências. Umpouco mais tarde o rancor contra os emigrados far-se-ia sentir.

Tropa, liberais "exaltados" e o "povo" acompanhavam a movi-mentação acelerada dos acontecimentos políticos. Parcela desse povopertencia às tropas e ao Corpo da Policia. Demonstravam com seus atosaprovação ou reprovação às atitudes do Governo. Se por um lado arecolonização era um fantasma sempre presente, principalmente depoisdo entrometimento do Imperador na gestão do Reino Português, dachegada dos emigrados e de uma partida de armamentos capaz deabastecer 10.000 praças (armas compradas por Barbacena na Inglaterra),por outro, acusava-se as "facções exageradas" de promoverem distúrbios."Exaltados" e tropas uniam-se gradativamente. A notícia da Revoluçãoem Paris excitava os ânimos. Havia um boato que oficiais da marinhafrancesa ajudariam o plano português de recolonização. Os franceses,muitos comerciantes e de profissões variadas,14 eram maltratados nasruas. A prevenção contra o estrangeiro crescia nas vésperas da Abdicaçãoe continuaria ao longo da Regência.

Cari Seidler, escrevendo sobre o momento, diz que "mulatos" e"negros" andavam em bandos pelas ruas da Capital . Muitos eramsoldados, ou tinham adotado o hábito de parar transeuntes para, aimitação do "Quem vem lá?" das patrulhas, perguntarem: - - "Quemviva?" Esperavam como resposta "A República" ou "o Federalismo".

Idem p. 165.

Sérgio Buarque de Holanda, no artigo "Herança Colonial — Sua Desagregação", afirmaque o número de franceses na cidade, durante o Primeiro Reinado, era elevado. Perdiam paraos espanhóis e, naturalmente, para os portugueses. É curioso que até o presente momento dapesquisa não encontramos conflitos da população com os espanhóis residentes no Rio deJaneiro. HOLANDA, Sérgio Buarque de, "A Herança Colonial — Sua Desagregação", in:HOLANDA, Sérgio Buarque de (org.) História Geral da Civilização Brasileira. Tomo II,Vol. l , O Progresso de Emancipação. São Paulo / Rio de Janeiro, Difel, 1976, pp. 1 1 2 .

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Não pretendo aqui discutir se os "negros" e "mulatos" eramm. n.idos por oficiais da tropa ou pelos "exaltados". Desconfio que esta"il i-sculpa" - a do incitamento - - bem pode ter sido levantadaposteriormente para justificar a necessidade de derrotar os "exaltados" ediminá- los do cenário político, ou, quem sabe, para não legitimar as suasações políticas. Nos fatos narrados, o que chama a atenção é auvoíTêiicia da presença de "gente de cor". Vejamos como o soldadoalemão resumiu uma das "cenas trágicas" que, segundo ele, ocorriam diai- noite com os estrangeiros residentes no Rio:

Um moço português, esperançoso filho único de seus pais,um dia se atrasara um pouco num divertimento eregressava à casa pelas onze da noite. Ao chegar à rua deSão José, um tanto estreita e escura, cruza-lhe o caminhoum mulato corpulento, com a intimação: "quem viva?(sic)O moço, um pouco esquentado e atordoado pelo vinho doPorto, que no escuro não pode logo reconhecer ointerlocutor e supôs que fosse uma patrulha, respondeu:"Amigo!"(sic). O mulato chega-se mais a ele, levanta ocacete e repete a pergunta, o português reconhece o seuengano e compreende o sentido da intimação. Mas comonão se julga obrigado a manifestar a sua opinião política aum vagabundo, também ele corajosamente levanta suabengala e reclama do mulato em palavras enérgicas que lhedeixe o caminho livre. Mas o brasileiro "sans culotte" (sic)desanca o pau e num momento os dois se engalfinham. Adestreza do moço contrabalança a forca do mulato e a lutaparece indecisa, nisso saltam dois outros da tocaia eatravessado de cinco facadas traiçoeiras o moço infeliztomba sem vida, banhado de sangue. Em seguida ospatrióticos assassinos ainda tomam o dinheiro, o chapéu eo relógio ao morto e muito calmamente se vão, dizendo:"Um filho do reino de menos!" (sic)

Os "negros", "pardos" e "mulatos" participaram ativamente da"noite-das-garrafadas". A devassa do evento acusa-os de defensores doFederalismo e da República. Estariam influenciados por Evaristo ejornais como o "Repúblico" e o "Tribuno". Ainda na primeira noitedaquele acontecimento, dia 11 de março, prendeu-se vários "negros",o >mo José Honório, José Bernardo, António José Lopes, e os pardos, JoséBonifácio, Alexandrino António, Albino Joaquim da Costa.

A queixa do sapateiro José António foi a seguinte: quandoraminhava pela rua Formosa, acompanhado por dois pardos, foi obstadopor sujeitos que mandaram que tirassem os laços porque estavam forros.

S I • ! D l .UR, Cari, Dez. Anos no Brasil. Belo Horizonte, Editora Itatiaia; São Paulo, Ed. daUniversidade de São Paulo, 1980. p. 298.

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Observação no mínimo instigante! É bem possível que, de novo, apopulação "de cor", escrava e forra, entendesse o momento como u i n . ipossibilidade de libertação. Juntos pretendiam uma nova v i v ê n c i a dacidadania, da nação, e, possivelmente, uma mudança nos rumos qm- ,iconstrução do Estado estava tomando. Assim, não é de se admirai i | i i rse juntassem aos republicanos e federalistas.

As lutas davam-se entre a população "de cor" e os "brancos", apopulação "de cor" e os portugueses natos, "brasileiros" e "portugueses","povo" e "Povo" . Os portugueses de nascimento não eram consideradosestrangeiros pelas autoridades porque tinham jurado a Const i tu içãoEram tratados como os outros homens livres pobres, mas "brancos"Muitas vezes trabalhavam lado a lado com os escravos e forros .Entretanto, para os "negros", "pardos" e "mulatos" eram "o outro", oestrangeiro, elemento de maior confiança das autoridades, consideradomais especializado e, por isso, preferido nos serviços públicos cconcorrente no mercado de trabalho — predominantemente, mas, nãoexclusivamente, negro e escravo . Os conflitos, rixas e tensões pareciampossuir um caráter racial, nacional e classista. Na "Abrilada", nome domovimento que derrubou o Imperador, os bandos de "mulatos", "pardos"e "negros" percorriam as ruas enfrentando os "portugueses". Um deles,o pardo João António, foi morto pela quadrilha do lusitano José Vivasna noite do 4 de Abril.

Nos meses seguintes o pânico continuou. Em aviso do dia 12 dejulho ordenou-se uma investigação sobre um motim no Largo de SãoDomingos. Houve conflitos com a ronda municipal e a morte de um"preto". No seu enterro houve manifestações.17

Uma provisão de 16 de julho mandou os senhores guardarem osseus escravos dentro de casa "em grande vigilância", porque naqueles diasconstava que os libertos estavam aliciando a população cativa para rou-bar armas.

Pudera, a 14 e 15 de julho, no bojo dos descontentamentospopulares, aconteceu uma revolta do Corpo de Polícia. O "povo" pegouem armas e concentrou-se na Praça da Constituição e no Campo daHonra. Houve "consternação e susto" no Governo: "não é porém comarmas na mão que se dirigem súplicas às Autoridades constituídas"...19

O "susto e o terror" se apoderaram da Capital.20 Houve roubo de armaspela cidade e ameaça de invasão do Arsenal.

Pelos avisos percebe-se que a oficialidade nada fez, ou, por outra,também chegou a integrar os sediciosos. Eram eles que incentivavam asoldadesca.

20

Aviso de 14 de abril de 1831, A.N.

Aviso de 12 de junho de 1831, A.W.

Provisão de 16 de julho de 1831, A.N.

Proclamação de 22 de julho de 1831, A.N.

Avisos de 22 e 23 de julho de 1831, A.N.

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O Governo não quis, à custa do sangue brasileiro, castigaros crimes de um outro Brasileiro" (...) Os soldados oureconhecem o erro, ou detestam os que os seduziram (...).

O oficialato era composto por "portugueses" e "brasileiros"pertencentes à elite. A soldadesca, em contrapartida, era de homenspouco remediados, muitos "de cor". A exemplo da época daIndependência, usava-se a clivagem nacional, distinguindo-se entre o"sangue brasileiro" e os crimes de um "outro Brasileiro", com o objetivode dominar a situação. Queria-se, assim, mostrar a adesão daqueles queabiacaram a "Causa" e, consequentemente, a traição dos "portugueses",brasileiros ou portugueses natos, ricos ou pobres, contestadores do(iovcrno. Apesar das divisões internas, a Tropa não estava satisfeita comos privilégios dados aos "cidadãos armados". Uma Carta de Lei, datadade 6 de Junho de 1831, dizia que até a formação das Guardas Nacionaisaimar-se-iam os eleitores no número julgado necessário para reprimir o"ajuntamento noturno de cinco ou mais pessoas nas ruas, praças eestradas, sem algum fim justo ou reconhecido, debaixo da pena de um aires meses de prisão".22 Ao mesmo tempo, extingiiia-se os Oficiais deQuarteirão.

Na Tropa, apesar das divergências de nacionalidade, tambémprovocadoras de conflitos, como veremos mais adiante, todos juraram aConstituição e, portanto, julgavam-se "brasileiros" e não receberam bema convocação dos "cidadãos armados". Dentre estes útimos, a preferênciarecaia sobre os taverneiros e caixeiros portugueses de nascimento. Elesseriam mais confiáveis do que os portugueses e brasileiros da Tropa, emais aptos do que os brasileiros, em geral. Deveriam debelar reuniõesilícitas, prender indivíduos suspeitos, não consentir escravos parados depé nas vendas e outros lugares e, por fim, evitar aproximação com osOuartcis c Guardas Militares.23 A Portaria de 27 de Julho reforçava aInstrução que, entre outras ordens, mandava prender "negros efetivoscapoeiras".

Parece que as Autoridades Regenciais, apesar do discursoanliportuguês que acentuava o medo da recolonização (e aí também sepode, no mínimo, relativizar aquela ameaça), preferiam os "cidadãos"aunados, portugueses, para resguardar a segurança em tempos tãoconlurbados! Uma espécie de hierarquia de confiança, respeitabilidade ecompetência sobreviveu ao calor da hora dos episódios que cercaram as

!•.n raladas". Em 30 de novembro de 1833, em plena Regência, o Juiz

' 1 ' i iK- l í i i n i i ção de 22 de agosto de 1831, A.N.

< ma i l r Lei de 6 de junho de 1831, A.N.

1 i lu 24 de julho de 1831. /4.JV.

' ' l ' , , i i , , i K I do 27 de julho de 1831, A.N.

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de Paz da Freguesia da Lagoa Rodrigo de Freitas endeu\ou umiresposta ao Juiz de Direito e Chefe da Polícia:

Em resposta ao ofício de V.Sá. de 26 do corrente, em q m -exige ser informado de Domingos José Airosa, e Agos t inhoPedro de Souza Guimarães, propostos por m i n i p .u . iPedestres, são ou não Brasileiros, cumpre-me di/.er a V.Sáque são Portugueses: mas que tem sido c m p i r < M . I . .constantemente no serviço da Nação, e desempenhadocumpridamente muitas diligências, de que tem sidoencarregado: por isso, e a exemplo de alguns Por lutMicse• .que segundo me consta, pela sua adesão à Causa do H i . r . i ltêm sido alistados, e se acham com praça no Batalhão i l , iGuarda Municipal Permanente, que também os d i t o sAirosa, e Souza devem continuar no exercício de Pedcsiirs .em que se andam, mandando V.Sá. passar os seus TítulosDevo também lembrar a V.Sá. que não há nesta Frcguesupessoas hábeis para este emprego, e que por isso padeci- i >Serviço da Nação, tendo eu deixado de fazer a l g u m a sdiligências, por não ter quem as auxilie, vendo-me algumasvezes na necessidade de recorrer ao Exmo. Ministro d.iJustiça, pedindo lhe Guardas Municipais para di l igênciasdo Serviço, não podendo contar com os Guardas Nacionaisdesta Freguesia, que pela maior parte, a exemplo do senCapitão Comandante, com frívolos e fantásticos pretextosse negam ao Serviço, e até mesmo porque muitas diligências só podem ser feitas por Pedestres, não só por seremassaz pesadas para cidadãos, que não podem sem grandeprejuízo seu, serem distraídos de suas lavouras e o f i c inas ,como por serem pouco decorosas aos mesmos Cidadãos,que se vexam quando são mandados acompanhar capoeiras,e escravos fugidos para o calabouço. Portanto, espero qm-V.Sá. tomando em consideração o que acabo de expor, h;i | ; ide providenciar a este respeito, mandando passar oscompetentes Títulos aos indivíduos, que tenho proposto, oupondo outros quaisquer à minha disposição, para que i -upossa desempenhar as obrigações do meu cargo.

A despeito da cidadania estar mais uma vez relacionada à "adesãoà Causa do Brasil", esta resposta do Juiz de Paz ao Chefe de Políciamostrava a preferência das autoridades pelos portugueses natos. l i lestinham sido alistados no "serviço da Nação" e utilizados nas dil igências,que não podiam ser feitas por "cidadãos" por serem "assaz pesadas"

25 IJJ 666, Secretaria de Polícia da Corte, Ofícios com anexos, A.N.

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Dentre os habitantes da freguesia, provavelmente brasileiros natos, nãoh a v i a "pessoas hábeis para este emprego", o que ocasionava opadecimento do "Serviço da Nação". Além disto, os "Cidadãos" nãopodiam "serem distraídos de suas lavouras e oficinas" e consideravam"pouco decorosas" a tarefa de "acompanhar capoeiras, e escravos fugidosp a i a o calabouço". Assim a hierarquia formada era: "Portugueses","cidadãos", "Cidadãos", capoeiras e escravos. Quer dizer, os"Portugueses" seriam os preferidos para o "Serviço da Nação", já que osbrasi le i ros escapavam inventando desculpas. Havia um certo tom dei i o n i a ao dizer ser a ausência dos "cidadãos" de certa forma justificada"pelas lavouras e oficinas" e também ao comentar o pouco decoro nacondução dos capoeiras e escravos. Diante dos "Portugueses" diligentese devotados à Causa, os "cidadãos" eram apresentados preocupando-secom o cotidiano e escapando das suas obrigações. Os brasileiros eram"Cidadãos" apenas perante os capoeiras e escravos, porém, como nãoquisessem fazer mais este tipo de trabalho, a solução seria adotar os"Portugueses" para "Pedestres", "cidadãos armados". Eles cuidariam dasegurança e bem-estar da Freguesia, encarregar-se-iam dos capoeiras eescravos. Com tudo isto, só resta acrescentar mais um ponto de conflitoe n t r e a população "negra" (aí incluídos os "pardos" e "mulatos") e osportugueses de nascimento...

Assim, os conflitos na Tropa eram múltiplos: entre os"brasileiros", entre as Guardas Municipais Permanentes ("cidadãosaunados") e a Guarda Nacional; entre as Guaridas Municipais Per-manentes e os outros Corpos Regulares e, finalmente, entre a população"branca" e a "de cor".

No dia 28 de setembro de 1831, nas proximidades do Teatro,aconteceu um fato exémplificador das rixas entre os diferentes corposmi l i ta res e o entranhamento dos conflitos, raciais e nacionais, nocotidiano e vivências da população. O fato foi narrado pelo Juiz de Pazda Freguesia do Sacramento, Saturnino de Souza e Oliveira:

É o meu dever levar ao conhecimento de V. Ex. osdesastrosos acontecimentos do Teatro que na noite deontem tanto perturbaram a tranquilidade desta Capital.Pelas dez horas foram chamar-me alguns cidadãos aocamarote para acomodar uma desordem que havia noLargo, perto aos arcos do Teatro, corri imediatamente eachei em desordem um Tenente de nome António Caetanocom um Oficial do Estado Maior F. Paiva, queixando-seeste de que aquele o tinha ateado com mais seis, e lhearrancaram a espada, de que mostrou arrebentadas ascorreas do talabarte, e aquele de que este o tinha acometidocom a mesma espada, de que depois a entregara a um seucamarada; prendi a ambos, e ordenei a uma patrulha dasrondas municipais da Cavalaria, que estavam presentes, que

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os conduzisse à guarda municipal; e então respondeu n u - ndito Tenente António Caetano que iria preso, mas nau pelapatrulha, porque era Oficial. Apesar da futil idade da i a / a opor evitar maior motim, roguei ao Comandante da C i u a i d ado Teatro que o conduzisse, ao que anuiu o dito AmónioCaetano, imediatamente porém um grupo de povo que nosrodeava começou a gritar que o Brasileiro António Caetanonão iria preso, e a força o puxaram (...) a este lempo ooutro Oficial Paiva evadiu-se (...) esta evasão deu um novopretexto aos amotinadores, que de novo começaram a g r i l a ique eu havia soltado o Chumbo e queria prender oBrasileiro; debalde lhe fiz ver que prendera a ambos ( s i c )C..).26

A confusão continuou dentro do Teatro, para onde todos foramlevados. Lá António Caetano começou a berrar "que estava preso porcausa de um chumbo" e provocou um enorme alarido. O Juiz de Pa/,depois de ter discutido com o Major de Frias, que se responsabili/avapelo preso, foi para as arcadas acalmar a população. Porém, a esta a l tura ,o quadro do conflito tinha se agravado com a chegada de mais deduzentos homens da Guarda Municipal. Os presentes passaram a assobiare a xingar os ditos guardas.

(...) tanto eu como o Comandante Geral da Freguesia osexortávamos com todos os esforços a que desprezassem taisinsultos como nascidos da embriaguez, as nossas exortaçõesporém não faziam senão aumentar o arrojo dos loucos quefuriosos saíram à frente várias vezes a provocar as guardas,com os maiores insultos e palavras obscenas que a decêncianão permite aqui empregar; eu tinha quase perdido aesperança de conter os guardas, mandando fechar o Teatropara depois dispersar os amotinadores, quando chegou odigno Comandante Geral Sebastião do Rego Barros, e meexortou a que fizesse prender aqueles insultantes para queos guardas desesperados não rompessem em excessos queimpossível era conter, e então chamei quatro homens queaproximei a arcada, lhes ordenei que prendessem osprimeiros que chegassem ao saguão a insultar e provocar;chegaram logo quatro, a testa estava um pardo com cacetena mão (sic) (...).27

Relatório do Juiz de Paz do Sacramento ao Ministro da Justiça, sobre os acontecimentosda noite de 28 de setembro de 1831, no Teatro, A.N.27 Ide m.

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A pancadaria começou e tiros foram trocados. Morreram trêspessoas c vários foram os feridos. Por volta da meia noite, no Rossioh a v i a perlo de mil e quatrocentos homens da Guarda Municipal, sódispersados às quatro da manhã.

Para além do medo provocado pelo motim, que chegou a reuniru n i a quant idade razoável de Guardas Municipais - - e não devemosi-squecer que na sua maioria estes eram portugueses de nascimento —,ha niiiros elementos merecedores de uma análise mais detalhada.

O primeiro elemento a chamar a atenção é a briga entre umTenente e um oficial do Estado Maior. O conflito começou perto doTeatro quando o Tenente e mais seis agrediram o oficial e investiramconira a sua espada, símbolo do seu poder. A princípio parecia umaescaramuça sem importância, problema corporativo. Porém, os fatoslo ram se avolumando e a narrativa passou a deixar entrever tensõesiTii/.adas que afloraram naquele momento.

Na verdade, a agressão não atingiu apenas elementos fardados,"brasileiros" e "portugueses". Acabou por envolver a população da ruae os assistentes do espctáculo, no Teatro. A rixa era entre "brasileiros"e "chumbos". Havia, sim, um problema de hierarquia : ser preso ou nãopor um guarda da ronda municipal, mas isto e.ra menos importante do(|i ie a questão da autoridade de fato sobre a "terra", ou sobre o desfechodo episódio, ou, ainda, em outras palavras, quem mandava ali?"Brasileiros" ou "Chumbos"?

Evidentemente, esta não era uma razão fútil . Além de um"Brasileiro" preso em uma pendenga de rua com um "Português", istoestar ia acontecendo por intermédio de um "municipal", provavelmentelambem português nato.

O problema extrapola uma rixa eventual. Dentre os oficiais queacodem para solucionar o conflito, igualmente a divisão se instaura. Os

partidos" a favor de um ou de outro, para usar uma linguagem deépoca, haviam se instalado de todos os lados com grande velocidade, oi | i i e demonstra claramente que este era uma problema à flor-da-pele. Nãose d iscu t ia mais quem tinha ou não razão, quem ofendera ou não onu t ro . A ofensa era maior do que o ataque inicial de António Caetano eseus colegas a Paiva, se é que o episódio deu-se desta maneira. Dizendodi- ou t ra forma, a agressão entre os oficiais expressava as rivalidadesmaiores subjacentes à sociedade.

O Major de Frias e um outro Oficial tentaram proteger oBrasi le iro e acabaram por brigar com o Juiz de Paz. Este passou a seguiras ordens do Comandante Geral . Para os últimos, a população era< omposta de "loucos", "furiosos", "amotinadores" capazes de insultar ed i / c r obscenidades provocadoras da ira dos guardas. Linguagem, nom í n i m o curiosa. O "povo" - e neste caso muito provavelmente uma"massa de brasileiros", ao que tudo indica "de cor" - só podia estar101 a de si e em estado de embriaguez, enquanto os "municipais"

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apareciam como sujeitos de bom senso e que só cometeriam sandices semuito injuriados e provocados. Aliás, foi justamente isto o que o J u i /disse ter acontecido.

A ordem de prisão indiscriminada dos que protestavam levou amultidão à fúria. Naquele momento, os guardas começaram a ai i r a iporque "provocados" por um grupo liderado por um pardo .

Assim, o conflito descortina não só as clivagens entre a populaçãode rua, mas, demonstra também terem chegado às perverções, prcconceitos e atitudes hostis ao Exército e à Guarda Municipal. De cerlaforma, podemos dizer que transpassavam a sociedade de alto a baixo,transparecendo não só a luta entre "brasileiros" e "portugueses", mas, domesmo modo, questões raciais entre os "brancos" e "negros".

A situação era tão complicada, e o medo tamanho, que mesmoapós as mortes, pancadaria e tiros, convocaram-se mil e quatrocentosguardas municipais. O "perigo" rondava a cidade. Como já comentamos,permanentemente a "gente de cor" ameaçava e a toda hora um mol im.assuada ou revolta podiam desembocar em algo mais grave. Afinal, nãoé demais, ainda para os padrões hodiernos, uma simples briga móbil i/.artanta força, tantos "cidadãos armados"?

Retomemos ao dia 27 de Julho de 1831. Um episódio interessanteaconteceu: "patrulhas que rondavam o sítio do Catete foram insul tadase apedrejadas por diversos pretos e pardos". Eram todos conhecidos nasredondezas. O Intendente soube listar os nomes de João dos Santos,carpinteiro; Camilo, canteiro, e Caetano, também carpinteiro. Todosescravos do advogado Fillipe Justiniano da Costa Ferreira. Os "pretos"e "pardos" lutavam com todas as armas contra a população "branca".Agrediam guardas da municipalidade encarregados de reprimi-los ouprendê-los, quando fugitivos.

Em Aviso de 13 de agosto foi expedida uma ordem mandandoobservar a casa do Monsenhor Duarte Mendes de Sampaio Fidalgo, ondemulatos — talvez fugidos de seus senhores, e que andavam de noite, foradas horas, de cacetes e punhais — possivelmente se escondiam.

Mais adiante, no mês de setembro e seguintes, os "brancos" são"aterrorizados" no Cosme Velho e Laranjeiras. O responsável era o pardoforro Domingos José do Espírito Santo, bastante conhecido de todos;malvado, aterrava as pessoas e prejudicava a tranquilidade pública.Sucessivos requerimentos chegavam à Polícia pedindo a sua prisão .

A legislação repressiva, e os muitos avisos, editais e proclamações,preocupavam-se, prioritariamente, com o controle dos escravos, forros ecapoeiras. Mandava-se proceder buscas em casas suspeitas, verificarimpressos incendiários, descobrir armamentos roubados — crime bastantecomum naqueles dias! —, distribuir armas pelos alistados, prender

29Portaria de 29 de julho de 1831, A.N.

Aviso de 3 de setembro de 1831, A.N.

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vadios, capoeiras e oulros malfeitores.' Durante todo o segundo semestredo ano de 1831, apesar da Abdicação, a "anarquia" continuou. Ainda emnovembro houve ajuntamentos, ameaças de motins, sedições e insultosdos soldados comuns àqueles das Guardas Municipais Permanentes.'

Mas, devemos lembrar que a palavra "anarquia" tinha muitossigniticados. Podia referir-se simplesmente a inimigos políticos dogoverno, ou, aos "partidos" ou "facções sediciosas" perturbadores dastentativas de ordenação da sociedade em uma determinada direção.Contudo, significava também o medo da "massa", da sua movimentaçãonas ruas, ou as indiossincrasias, temores gerais e de maior amplitude,que atravessavam aquela sociedade.

A prevenção contra os "portugueses" era a mais óbvia, embora adefinição do "ser português" obedecesse a critérios extrapoladores dolocal de nascimento.

Os "portugueses" eram acusados de conspirarem contra o governo.Se não fosse assim, ao menos recaía sobre eles a suspeição de poderemsempre estar planejando o retomo à condição colonial e, mais tarde, oregresso de D. Pedro.

Na documentação aparecem várias denuncias contra os "lusos".Com uma roupagem diferente, retornava novamente a questão da adesãoà "Causa Brasileira". Avisos, editais, portarias e outros instrumentoslegais e de controle cuidavam da movimentação dos "portugueses",embora, como já vimos, contraditoriamente preferia-se entregar ocuidado da cidade a Pedestres de nacionalidade portuguesa.

Desta forma, a título de exemplo, no Aviso de 11 de abril,"portanto, logo após a Abdicação, a Regência Provisória mandava que osúdito português José Bonifácio deixasse o Império no prazo de oito dias.lira acusado de ter "abusado da hospitalidade" conduzindo-se de maneirasuspeita, possivelmente fabricando uma conspiração contra as autoridadesrecentemente constituídas. Ainda no 'mesmo mês, um outro português foidenunciado e preso para explicar porque mantinha um barril de pólvoradentro de casa."" Assim, nos meses posteriores, também decretos eportarias se seguiram no mesmo sentido.

Em dezembro ainda persistia a preocupação com planos sediciosos.No dia 7, António José Francisco Guimarães foi declarado inimigo doBrasil "porque jamais aderira à sua Causa" e, além disto, foi enquadradono artigo 301 do Código Criminal. Logo dois dias depois, a Políciamandava demitir, do lugar do Oficial-Maior Graduado da Secretaria de

"' Cl', contra Avisos de 27 de abril de 1831, 27 de julho de 1831, 29 de julho de 1831, 29(Ir ( i i lho de 1831, 2 de agosto de 1831, Edital de l de agosto de 1831, entre outros, A.N.

Cf., entre outros, avisos de 24 e 28 de novembro de 1831 Instruções de 29 de novembro« I r 1831, A.N.'•' Aviso de l l de abril de 1831, A.N.

de 30 de abril de 1831, A.N

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Estado dos Negócios do Império, Francisco Gomes da Silva. Sobre elehavia sido feita a denúncia de ter forjado uma doença e "trabalharativamente no serviço de Portugal e do ex-lmperador"/

Outros tantos avisos passaram a regulamentar a entrada e saída deportugueses natos da Corte. A partir de maio de 1831 avolumaram-seas ordens proibindo o seu desembarque (entretanto, continuarammigrando e chegando em bandos ao porto do Rio de Janeiro).Costumavam usar como artifício a clandestinidade; vinham como "peso"nos navios com destino à ex-Colônia. Apesar disso, e das proibições, nãose intimidavam. Desembarcavam, muitas vezes com o auxílio doscomandantes da embarcação, e embrelhavam-se pelas ruas da cidade. Aprincípio, quando pegos, eram deportados. Posteriormente, obtinham apossibilidade de ficar no Brasil, contanto que fossem para o interior.

Em agosto de 1831 a Regência decidiu tomar medidas maisdrásticas contra os "portugueses" e a favor dos "brasileiros". Passou amandar demitir aqueles não considerados "brasileiros" e a estabelecerregras na admissão ao serviço público:

1°) Que os Chefes de cada uma das Repartições Civis,Militares e Eclesiásticas, onde houverem empregados denascimento portugueses escrupulosamente examine-se seeles são de fato cidadãos Brasileiros adotivos ounaturalizados, na forma da Constituição (...) e quando tallegitimidade se torne duvidosa a respeito de alguns dosprimeiros, farão que eles justifiquem perante os Juizesterritoriais as condições determinadas do citado tit. 2°, art.4°, e da Constituição do Império dando-se de tudo conta aoGoverno para sua completa inteligência; 2°) que todaautoridade perante a qual se apresente qualquer indivíduoque não seja nascido no Brasil para usar de algum direitoou regalia pertencente a cidadão Brasileiro, não consintaque assim use se ela não estiver perfeitamente certificadade que tal indivíduo e cidadão adotivo ou naturalizado,segundo o direito ou regalia de que pretenda aproveitar-sena forma da Constituição; 3°) por via dos CônsulesPortugueses residentes no Império, se remeta, na Corte, àSecretaria de Estado dos Negócios do Estrangeiros, e nasProvíncias às Secretarias dos respectivos Governos l is lasexatas de todos os indivíduos da sua nação, ora existentesno Brasil e que não são cidadãos Brasileiros bem como detodos os outros que forem chegando com intenção deresidir no País"."

35 Aviso de 7 de dezembro de 1831; Decreto de 9 de dezembro de 1831, A.N.Decreto de 18 de agosto de 1831, A.N.

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S o i i u - n l c em 1831 passava-se a querer observar com rigidez os[OS mi - i i c io i i ados da Constituição e a mapear, com precisão, quem

. M U I os portugueses não-cidadãos brasileiros — sendo "portugueses"i r l m d n s com letra minúscula e cidadãos "Brasileiros" grafados commaiúscula.

Hm especial, os portugueses, mas, os estrangeiros, em geral, erami > l i | r i o s de suspeição reiterada . Estes últimos eram olhados de soslaio,krondemos aqui a já mencionada rivalidade entre o Batalhão dosl i l u - i i o s c aquele dos Estrangeiros, a participação da "gente de cor'", "deinol i i próprio" e sanguinolento, na repressão à revolta dos irlandeses ;r . i < > se não trouxermos à lembrança a recepção que fizeram no.Irs i -mbarque daqueles infelizes! Franceses também eram suspeitos:(l i-sconliava-se que auxiliariam D. Pedro em seus planos "recolo-m/adoies". Aliás, devemos destacar aqui ser a prevenção entre

l n . i s i l e i r o s " e "estrangeiros" mútua - - e com liames com questõesI . H i a i s e de classe!

A Regência Provisória, em nome do Imperador, mandaremeter à Vm. a exposição inclusa, que fez Alexandre JoséNunes, por ter sido esperado e espancado por váriosPortugueses do Sítio São Diogo, no dia 17 docorrente(...);36

Não só "brasileiros" espancavam "portugueses". A recíproca era\ dadeira. A preocupação com a "ordem" e com o seu contrário, oslumul to s , era enorme. Para a mesma freguesia do espancamento, no dia' / de abril era enviada um ordem ao Juiz de Paz com o objetivo de

"pac i f ica r a sua freguesia e dispersar qualquer ajuntamento de que sepossa receiar consequência funestas". Colocava igualmente à disposição,1 l orça de Cavalaria e Infantaria. A'mesma recomendação foi enviadaaos Juizes de Paz das freguesias da Candelária, Santa Rita, Santa Anna,San José e Engenho Velho; isto porque

o povo desta cidade tumultuara pelas ruas dela, fazendoalguns insultos na noite procedente, e ainda hoje continuao desassossego, que pode perturbar a tranquilidadepública(...)"

Hm 30 de abril, um francês, taberneiro, na freguesia de São José,n > l .miou de malfeitorias feitas em sua casa. No mês anterior, quandoos ânimos estavam bastante quentes, um conterrâneo seu foi insultado e

. Ir 23 de abril de 1831, A.N.

! • • '. ' ilr abril de 1831, A.N.

.1 . - to ilr abr i l de 1831, A.N.

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sofreu ferimentos "da parte de um ajuntamento de mulatos c negros quio acometeram"/ na Praça da Aclamação.

O Desembargador encarregado da Intendência Geral da Pol i< 1 . 1informando sobre o acontecimento disse:

(...) na tarde desse dia, pelas 6 horas, ouvindo o O l i u . i l < l "Expediente da Intendência, Manoel José Moreira, um gna Praça da Aclamação, que apelidava de Cah i . i aobrasileiros, ocorreu ao dito grito e achou o mesmo r i am 6sque o dera já agarrado e espancado por uma m u l t i d ã o dopovo, em razão do que o prendeu (...). As a u t o r i d a d e sPoliciais fizeram, pois, o que cumpria fazer em s e m e l h a n t e scasos, que foi, com uma aparente prisão salvai estCestrangeiro, perturbador da tranquilidade publ ica , de seimorto entre as mãos da multidão que ele tão ind ignameniehavia provocado (...).40

Tal qual os "portugueses", o francês Garriot havia chamado umgrupo de Brasileiros de "Cabras", insulto sempre referido à gente "decor" por parte dos "pés-de-chumbo", gente "branca". Apesar desta i r isido uma sociedade marcada por rivalidades raciais - - que m u i t ofrequentemente davam margem a conflitos como o descrito acima epelo racismo e prevenção contra os negros, a autoridade não pestanejouem incriminar o francês, que "indignamente" havia provocado amultidão. Observe-se que a "multidão do povo" era constituída, nesteepisódio, por mulatos e negros, o que reforça o nosso argumento an lc i io ia respeito da diferenciação dos dois "tipos" de "povo" designados pelosdocumentos de época ( escritos com letra maiúscula e minúscula).

A xenofobia dava-se, portanto, igualmente por parte do governo,e era especificamente política, como tentamos demonstrar ao longo detodo este trabalho. Mas, também manifestava-se no cotidiano v i v i d opelos populares ... E, em alguns momentos é muito difícil separar estesdois tipos de manifestação contra os estrangeiros, mesmo para efeilos deanálise.

No episódio da morte do pardo João António pela quadrilha de .Iosé Vivas, a polícia estava preocupada com o sossego e t ranqui l idadepúblicos, no bairro de São José. Estrangeiros faziam parte do grupo quehavia enfrentado os pardos.

Sendo presente à Regência Provisória o ofício doIntendente Geral da Polícia, datado de 5 do corrente, em

Aviso de 9 de maio de 1831, A.N.Idem.

Cf. nota 17.

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que pede declaração ao que na mesma data se lhe dirija porcsia Secretaria de Estado para mandar abrir assento deprisão, à ordem da mesma Intendência, a todos osindivíduos presos em flagrante como perturbadores dosossego público, sobre o que devo obrar a respeito doInglês Alexandre Stolmes da Casa de Comercio de Moone C., preso por ser encontrado com uma pistola em umadas noites, em que os perturbadores da tranquilidadepública tumultuaram pelas ruas desta Cidade, cometendoferimentos e mortes, reclamando, como reclamava, a suasoltura o Conservador da Nação Britânica: manda a mes-ma Regência Provisória, em nome do Imperador, que sedeclare a Vm. que o assento de prisão a ordem da Inten-dência se deve entender não só pelo que respeita aosindivíduos já presos, como aos que se forem prendendo, atéque se restabeleça a pública tranquilidade desta Corte,alterada tão escandalosamente pela animosidade dosperturbadores esperançados da sua impunidade sem quepara isso haja nova ordem: e, quanto ao sobredito InglêsAlexandre Stolmes, que ele está na mesma razão dos maisindivíduos, porque os Estrangeiros não gozam entre nós demaior favor do que os Nacionais.

No início da Regência, o Governo passou a defender umaigualdade de tratamento e de julgamento na Justiça, para estrangeiros enacionais. Os estrangeiros não tinham razão para serem privilegiados seeram colocados sob suspeição frequente. Logo depois da decisão de sóadmi t i r "brasileiros" no serviço público, demitindo "estrangeiros", em 30de agosto há um aviso mandando prender estrangeiros que estivessemandando pela cidade fora de hora. O medo não era apenas dos pobres,especialmente dos negros, os "estrangeiros" eram também odiados etemidos, por motivos variados e por diferentes parcelas da população.

A t í tulo de conclusão:

Em documento de 17 de março de 1831, os " Representantes daNação" pediam satisfações a D. Pedro pelos acontecimentos do dia 13 domesmo mês. Para eles, a confiança no Governo estava abalada. Referiam-se ao episódio da "noite-das-garrafadas".

Por três dias consecutivos houve distúrbios na cidade envolvendopoiiutuicses" e "brasileiros". Os lusos tinham resolvido comemorar o

Aviso . Ir 1 2 de abril de 1831, A.N.

i l nota U) c aviso de 30 de agosto de 1831, A. N.

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regresso do Imperador de Minas Gerais, e do que haviam considciadouma vitória política. Na Corte, a leitura era outra. A Proclamação l r i i : inas Gerais tinha sido entendida como uma declaração de guerra c h a v i aconvencido os "moderados" a participar da tentativa de dcrruhada doImperador. Ao menos é esta a versão corrente na memória h i s i i n i ográfica.

Para os festejos armaram fogueiras nas freguesias do centro t iacidade. As ruas escolhidas foram as da Quitanda, do Piolho (Carioca),Lavradio e Largo do Rossio. Os conflitos começaram na noite do dia 1 1de março e estenderam-se até o dia 15. "Brasileiros" apagavamsistematicamente as fogueiras "portuguesas" . Guerras aconteceram comcacos de garrafas jogados das janelas.

A representação pedia providências contra os "portugueses";exigia reparos aos brios dos valorosos "brasileiros" e a coibição dasdesordens. Foi redigida por Evaristo da Veiga e publicada nos jornais:

(...) por ocasião dos festejos que se dispuseram, não tantopara solenizar o feliz regresso de V.M.I. e C., comoprincipalmente para ludibriar e maltratar os Brasileirosamigos da Liberdade e da Pátria, que forarn de fatocobertos de opróbios pelo Partido Lusitano, que se inssurgiu de novo no meio de nós entre gritos de -- Vivam osPortugueses —, entre morras sediciosos e anárquicos,violências de todo género, de que tem sido vítimas algunsPatriotas, cujo sangue foi derramado em uma agressãopérfida, e já de antemão premeditada por homens que, nodelírio de seus crimes, eram claramente protegidos peloGoverno e pelas Autoridades(...).44

Nesse momento voltava-se a denominar as facções em disputa de"Partido Brasileiro" e "Partido Português". Entretanto, continua sendofalacioso tentar entender a história política do Primeiro Reinado e asmanifestações e conflitos de rua somente através destas designações. OSenador Vergueiro, um daqueles aos quais se atribuiu a conspiraçãocontra o Governo, era português de nascimento, contudo, considerado"brasileiro" por suas posições. Muitos oficiais das tropas, que volta cmeia se rebelavam e auxiliaram patrioticamente a deposição doImperador, também eram gente lusa. Portanto, tal qual na época daIndependência, talvez mesmo com maior ênfase, agora as rixas e tensõespossuíam, para além de um caráter nacional, constituído politicamente,uma marca racial e classista.

No Rio de Janeiro, a população pobre -- "branca" ou negra,escrava, forra ou livre — sofria a mesma forma de coação e coerção, do

44 SEIDLER, Cari, op. cit., p. 298.

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ponio de v i s l a da produção/trabalho e das relações de poder. IstoIgnificava não somente a extração da mais valia, mas, principalmente

a c u lusao de iodos, mesmo da maioria dos cídadãos-ativos, fios espaçosler .us da cidadania.

A def inição entre "cidadão-ativo" e "inativo", de acordo com aC o n s t i t u i ç ã o de 1824, era já limitativa. Entretanto, estreitava-se aindamais na prática, quando se considerava que este "cidadão-ativo", paravotar nas eleições censitárias, deveria ter a sua participação corroboradapelos "homens-de-bem".

A experiência compartilhada da "gente-de-cor", nas ruas do Riode Janeiro , dava-lhes um caráter de classe. Lutavam contra a escravidãoe contra os "brancos", na sua maioria portugueses de nascimento oul u s o descendentes.

A questão era também nacional e racial. Primeiro, racial, depois,ve io a ser nacional. Passou-se a entender o "português" como o "outro",ameaçador da nacionalidade em construção. Desta forma, aproveitou-seuma experiência de conflito anteriormente vivida - - j á que os lusos.empre monopolizaram setores fundamentais da economia, como oabastecimento de carnes verdes, e chegaram a concorrer como mão-de-ohia - - para revigorar o antilusitanismo. Q "ser português" era anacionalidade antagónica e politicamente produzida.

Sc tomarmos Rio de Janeiro e Salvador, parece que "ser brasi-leiro" e "ser português" tinham significações diferentes nos dois lugares.

Na Bahia, "brasileiro" e "português" eram termos mais ligados apá t r i a de nascimento, à terra natal, portanto, menos relacionados a umaconstrução política da nação, priorizada como elemento de união com oics io do país. Lá. os "brasileiros" eram os senhores-de-engenho, algunspoucos portugueses de nascimento, o "povo branco" e "de cor"escravos, forros ou livres, lutavam- contra o monopólio português. Aconstrução da nação não estava tanto vinculada a unidade territorial,mas, prioritariamente, à busca de símbolos regionais, tais como o índioe o caboclo, até hoje representantes da Independência naquele estado,comemorada a 2 de julho.

Já os "portugueses" seriam os comerciantes e as tropas lusas. Oleu desejo seria o de manter o monopólio e ligarem-se mais estreita-m e n t e a Coroa Portuguesa. Quem sabe se não desejariam restabelecer osICUS anligos privilégios e hegemonia comerciais, detidos desde os finais

do século XVIII pelos comerciantes de grosso-trato do Sudeste.47

•H momento os graus de branqueamento estavam relacionados à posição socio-......... nica.

l m n a i i i i i s como base, para esta comparação, o artigo já citado de João José Reis,M i l n i 1 i i p . n i i d i ) IIC-LTO" na Independência da Bahia.

v i . -m i L i s ohms já citadas de João Fragoso e Manolo Florentino, conferir também, destesmi ' i . c \ como Projelo: Rio de Janeiro, c. 1790- c. 1840 . Rio de Janeiro,Dlmlorln l 1 ' 1 "

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Na cidade do Rio de Janeiro, os "brasileiros" eram na sua m.os comerciantes portugueses, também os "brancos" e os "de coiescravos, forros ou livres. "Facção" extremamente dividida, mas q n <a Independência. A construção da nação buscava símbolos m.ugenéricos, que representassem a extensão de todo o território h u . i l . Irotais como o hino nacional e as cores da bandeira. Após a Independeu- i iao menos na documentação analisada até o presente momento, n; 'u> hefetiva luta externa contra as tropas portuguesas. Entretanto, o P C M - M . < riiminente e preparavam-se para a guerra construindo fortes. Havia o m r i l ndos "portugueses", mais concretamente, da recolonização e dos p i v | i n opara os rumos dos negócios dos comerciantes do Sudeste. "PorlutMi.talvez só mesmo as tropas expulsas, ou, quem sabe, algum ou onimindivíduo que preferisse continuar afirmando-se luso de c i d a d a n i a \a tratou de se dizer a favor da "Causa Nacional".

Na Corte, a luta era interna, melhor dizendo, preocupa. Iopermanente com o movimento do "povo" nas ruas e em esiahckveiestratégias de controle capazes de serem também aplicadas ao resiauk- dnImpério. Neste sentido, a atenção e repressão às ruas foi constante. < . )uemsabe se não foi mesmo maior do que nas províncias!

Na Bahia, a luta serviu para os grupos políticos dominantes naCorte intervirem e reestabelecerem os laços de dominação ccentralização. Desta forma, o "partido brasileiro" do Rio de J a n c u oacabou sujeitando os "portugueses" radicados na Bahia, ou, por out ra , os"brasileiros" da Corte fizeram uma aliança com os "brasileiros"considerados bahianos, da elite, naturalmente, que passaram a part ic ipaina construção do Estado Nacional,

O estrangeiro, na cidade da Bahia, parecia ter contornos m a i sdefinidos do que no Rio de Janeiro. Efetivamente, a briga dava-se commaior clareza entre os brasileiros natos e os portugueses de nasc imentoNa Corte, a confusão entre "ser brasileiro" e "ser português", naspraticas políticas mais gerais e no cotidiano miúdo, provavelmente c i a mdevidas à necessidade de formação e construção de um Estado amplo,abarcador de todo território e diversidades regionais, que deveria seidelineado a partir de elementos jurídicos, da definição legal dos poda c- ,e da cidadania relacionada aos direitos políticos constitucionalmenteestabelecidos, ou seja, de participação no Estado. O conceito de naçãoapelava para a adesão aos costumes, tradições e amor à terra . Exc lu íase a questão do nascimento e da língua; priorizava-se a renda e o amoià "Causa Nacional".

Estes dois últimos elementos a renda e a adesão anacionalidade — muitas vezes se misturavam, Porém, em alguns n u »mentos percebemos ser a renda a chave para a definição legal do cidadanparticipante do Estado e o amor à Causa, o divisor-de-águas para oestabelecimento do conceito de cidadania referido à Nação, conceito quenão cabia nos estreitos limites da Lei, fosse esta a Constituição de I X . ' l

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n Código Cr imina l ou o. Código de Processo Penal. Certamente, estesú l t i m o s loram elaborados tendo como referência os movimentospopulares na Corte e Províncias, que tanto atemorizavam as elites,pi i r ipa lmen te a partir de 1828.

O "povo", na sua maioria negro, podia buscar não só a liberdadecomo s inónimo de autonomia individual, direito do cidadão, mastambém a liberdade no sentido de pertencer a uma comunidade específicae a uma Nação da qual fosse, na pratica, cidadão — cidadania que vinhat e n t a n d o delimitar desde a Independência.

Então, o Ato de 1834 teria como objetivo barrar a ascensão daeonsirução da nação; não aquela construção nascida das leis e decretosemanados do poder estabelecido, mas a que nascia a partir dasexperiências, das vivências e práticas do cotidiano. Seria a tentativa del i m i t a r a nacionalidade dentro dos estreitos limites da definição jurídicado Estado, centralizado e tomado pelas classes dominantes — quel i/.eram a Independência e perpetuaram-se, alternadamente, no poder.

RESUMOO urtiga unulisu os conflitos e

t i i i \ t n - s durante o Primeiro Reinado,injatitando u participação popular noprvctsso dt Independência. Aborda quetões11 l i ' i fntes à formação da identidademu iniiiil, ao unlilusitanismo e suas relaçõesiiim ti construção do novo estudoindependente e tios limites da cidadania.

ABSTRACTThe article analites The First Em-

pire tensions and conflicts throitgii anenphazis on popular participation on lhecotirse ofindependence proccess. It f acusesissues reluted to lhe formation of nationalidentity, the anti-portuguese altitudes, therelaliom to the building H) the newly inde-pendem stste and the limits of citiienship.

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