PROPOSTA DE MANUAL DE CONSERVAÇÃO DE PAVIMENTOS … · 2016-05-13 · 1 PROPOSTA DE MANUAL DE...

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1 PROPOSTA DE MANUAL DE CONSERVAÇÃO DE PAVIMENTOS PARA PEQUENAS REDES RODOVIÁRIAS MUNICIPAIS Fátima Videira 1 , Óscar Santos 2 , Silvino Capitão 3 1 Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, Largo da República, 3350-156 Vila Nova de Poiares, Portugal. 2 Instituto Politécnico de Coimbra, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil, Rua Pedro Nunes, 3030-199 Coimbra, Portugal. 3 Instituto Politécnico de Coimbra, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil, Rua Pedro Nunes, 3030-199 Coimbra, Portugal & CESUR (Instituto Superior Técnico – Universidade de Lisboa), [email protected] Sumário No presente artigo apresenta-se uma proposta de manual, o qual sintetiza informação respeitante à constituição dos pavimentos rodoviários e ao desenvolvimento de patologias. Descrevem-se as metodologias de avaliação da qualidade dos pavimentos consideradas no manual, e as técnicas de conservação mais apropriadas para redes rodoviárias municipais. Apontam-se ainda algumas recomendações relativas às políticas de gestão da conservação que podem ser implementadas. As orientações que se apresentam são, tanto quanto possível, simples, tendo em conta a realidade de muitos dos pequenos municípios, no que diz respeito aos meios de que dispõem para concretizar os objetivos de conservação. Palavras-chave: Avaliação da qualidade; apoio à decisão; método da AASHTO, preservação de pavimentos; cadeias de Markov. 1 INTRODUÇÃO As redes rodoviárias municipais portuguesas têm uma extensão considerável, estimada em 60.000 km, contribuindo de forma significativa para a economia dos territórios servidos. O aumento progressivo da extensão daquelas redes ao longo do tempo, associado à redução continuada dos meios financeiros disponíveis para a sua conservação, leva a que seja necessário, cada vez mais, implementar medidas adequadas que permitam manter a rede rodoviária em níveis de qualidade aceitáveis ao cumprimento da sua função. Contudo, muitos municípios não têm estruturas técnicas suficientemente especializadas para avaliar o estado dos pavimentos e estabelecer planos de conservação razoavelmente estruturados que lhes permitam intervir de forma atempada e adequada, de modo a que as redes rodoviárias municipais sirvam as populações em condições apropriadas e com custos compatíveis com as capacidades dos municípios. A elaboração de um manual de procedimentos que apoie os serviços técnicos e as empresas envolvidas no processo de conservação das pequenas redes rodoviárias municipais afigura-se, portanto, útil e necessário. O artigo que se apresenta descreve a estrutura e os princípios de uma proposta de manual de conservação de pavimentos rodoviários que privilegia as técnicas de preservação de pavimentos e as ações de conservação de caráter preventivo. O manual procura responder às necessidades dos técnicos municipais de forma relativamente simples, servindo como um guia no processo de escolha das intervenções de conservação rodoviária preventiva para pavimentos flexíveis e de blocos, e na decisão relativa ao momento mais adequado para as intervenções. O manual sobre o qual se centra o presente artigo está organizado nos seguintes sete capítulos: características dos pavimentos, famílias de degradações, avaliação do estado de conservação, conservação de pavimentos flexíveis, conservação de pavimentos de blocos, gestão da conservação e casos práticos [1, 2].

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PROPOSTA DE MANUAL DE CONSERVAÇÃO DE PAVIMENTOS PARA PEQUENAS REDES RODOVIÁRIAS MUNICIPAIS

Fátima Videira1, Óscar Santos2, Silvino Capitão3

1 Câmara Municipal de Vila Nova de Poiares, Largo da República, 3350-156 Vila Nova de Poiares, Portugal. 2 Instituto Politécnico de Coimbra, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil, Rua Pedro Nunes, 3030-199 Coimbra, Portugal. 3 Instituto Politécnico de Coimbra, Instituto Superior de Engenharia de Coimbra, Departamento de Engenharia Civil, Rua Pedro Nunes, 3030-199 Coimbra, Portugal & CESUR (Instituto Superior Técnico – Universidade de Lisboa), [email protected]

Sumário

No presente artigo apresenta-se uma proposta de manual, o qual sintetiza informação respeitante à constituição dos pavimentos rodoviários e ao desenvolvimento de patologias. Descrevem-se as metodologias de avaliação da qualidade dos pavimentos consideradas no manual, e as técnicas de conservação mais apropriadas para redes rodoviárias municipais. Apontam-se ainda algumas recomendações relativas às políticas de gestão da conservação que podem ser implementadas. As orientações que se apresentam são, tanto quanto possível, simples, tendo em conta a realidade de muitos dos pequenos municípios, no que diz respeito aos meios de que dispõem para concretizar os objetivos de conservação.

Palavras-chave: Avaliação da qualidade; apoio à decisão; método da AASHTO, preservação de pavimentos; cadeias de Markov.

1 INTRODUÇÃO As redes rodoviárias municipais portuguesas têm uma extensão considerável, estimada em 60.000 km, contribuindo de forma significativa para a economia dos territórios servidos. O aumento progressivo da extensão daquelas redes ao longo do tempo, associado à redução continuada dos meios financeiros disponíveis para a sua conservação, leva a que seja necessário, cada vez mais, implementar medidas adequadas que permitam manter a rede rodoviária em níveis de qualidade aceitáveis ao cumprimento da sua função. Contudo, muitos municípios não têm estruturas técnicas suficientemente especializadas para avaliar o estado dos pavimentos e estabelecer planos de conservação razoavelmente estruturados que lhes permitam intervir de forma atempada e adequada, de modo a que as redes rodoviárias municipais sirvam as populações em condições apropriadas e com custos compatíveis com as capacidades dos municípios.

A elaboração de um manual de procedimentos que apoie os serviços técnicos e as empresas envolvidas no processo de conservação das pequenas redes rodoviárias municipais afigura-se, portanto, útil e necessário. O artigo que se apresenta descreve a estrutura e os princípios de uma proposta de manual de conservação de pavimentos rodoviários que privilegia as técnicas de preservação de pavimentos e as ações de conservação de caráter preventivo.

O manual procura responder às necessidades dos técnicos municipais de forma relativamente simples, servindo como um guia no processo de escolha das intervenções de conservação rodoviária preventiva para pavimentos flexíveis e de blocos, e na decisão relativa ao momento mais adequado para as intervenções. O manual sobre o qual se centra o presente artigo está organizado nos seguintes sete capítulos: características dos pavimentos, famílias de degradações, avaliação do estado de conservação, conservação de pavimentos flexíveis, conservação de pavimentos de blocos, gestão da conservação e casos práticos [1, 2].

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2 CARACTERISTICAS DOS PAVIMENTOS E FAMÍLIAS DE DEGRADAÇÕES No capítulo “Características dos Pavimentos” descrevem-se as diversas características dos pavimentos, designadamente a função das camadas dos pavimentos flexíveis e de blocos (incluindo a calçada portuguesa e os pavimentos de blocos prefabricados em betão), o seu comportamento funcional e estrutural, e os materiais constituintes.

No capítulo “Famílias de Degradações” descreve-se de forma resumida o processo de evolução das degradações, a sequência e interação mútua entre as famílias de degradações dos pavimentos e classificam-se as patologias da forma que se resume no Quadro 1. Apresenta-se ainda uma breve análise dos principais fatores (Quadro 2) que contribuem para a formação e desenvolvimento de degradações em pavimentos flexíveis. Quanto aos pavimentos de blocos, optou-se por adotar a classificação de patologias proposta no manual do ICPI - Interlocking Concrete Pavement Institute [3], tal como se indica no Quadro 1. Resumem-se no Quadro 3 os fatores de degradação daquele tipo de pavimentos, de acordo com a indicação do ICPI.

Quadro 1. Famílias de degradações de pavimentos flexíveis e de blocos (adaptado de [3, 4]) FAMÍLIAS DE

DEGRADAÇÕES TIPOS DE DEGRADAÇÕES

PAVIMENTOS FLEXÍVEIS PAVIMENTOS DE BLOCOS

DEFORMAÇÕES

Abatimento Longitudinal (no eixo ou berma)− Depressões ou abatimento − Rodeiras − Escalonamento dos blocos − Empolamento dos blocos − Reparações

Transversal − Deformações localizadas − Ondulações

Rodeiras Grande raio (camadas inferiores) Pequeno raio (camadas superiores)

FENDILHAMENTO Fendas

Transversais

Longitudinais (no eixo ou berma) Pele de Crocodilo (malha fina ou malha grossa)

DESPRENDIMENTO E MOVIMENTO DE MATERIAIS

− Desagregação superficial − Cabeça de gato − Pelada − Ninhos ou covas − Polimento dos agregados − Exsudação − Subida de finos − Desprendimento dos agregados

− Bloco danificado − Falta de blocos − Perda de confinamento lateral − Largura excessiva das juntas − Arrastamento horizontal − Subida de finos

3 AVALIAÇÃO DO ESTADO DE CONSERVAÇÃO

3.1 Aspetos Gerais A Avaliação do Estado de Conservação é um aspeto muito importante para a preservação dos pavimentos. No manual, mostra-se como efetuar, de uma forma expedita, a avaliação da qualidade dos pavimentos flexíveis e de blocos, utilizando poucos recursos.

É essencial estabelecer um programa de acompanhamento da evolução dos pavimentos, devido aos custos inerentes às operações de conservação envolvidas, aos custos incorridos pelos utentes pela degradação progressiva da infraestrutura e à necessidade de preservar o património rodoviário construído. O objetivo é o de apoiar a decisão de intervir no tempo certo, de modo a restituir a qualidade aos pavimentos, prolongando desta forma o seu período de vida, ao mesmo tempo que se reduzem os custos dos utentes que podem atingir valores muito significativos [5].

O processo de avaliação deve iniciar-se com o inventário da rede rodoviária municipal. Geralmente, não existe registo das intervenções realizadas porque, em muitos casos, os serviços municipais não estão consciencializados para efetuar e manter registos atualizados das obras rodoviárias. É necessário criar e manter sistemas de

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informação que permitam recolher, organizar e pesquisar informação quando necessário. Por se encontrar relativamente generalizado, recomenda-se a utilização de Sistemas de Informação Geográfica (SIG).

Quadro 1. Classificação das relações entre as degradações e os fatores de degradação [4]

DEGRADAÇÕES

FATORES DE DEGRADAÇÃO

C

ondi

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de

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Subd

imen

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amen

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icas

Deformações *** ** *** *** * * ** * *** Rodeiras *** ** *** *** * ** * ** *** Fendas ** ** ** *** ** ** *** ** *** *** Pele de Crocodilo ** ** ** *** ** ** *** ** *** *** Pelada * ** *** *** ** ** *** ** Ninhos ou covas * *** ** ** *** *** ** *** Cabeça de gato ** *** ** *** ** Desagregação superficial ** *** *** ** ** Exsudação *** ** ***

*** Muito importante ** Importante * Pouco importante

Quadro 2. Tipos de degradações e os fatores de degradação de pavimentos de blocos (adaptado de [3])

DEGRADAÇÕES

FATORES DE DEGRADAÇÃO

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Out

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atol

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Rodeiras X X X X X X X Depressões X X X X X X X X

Escalonamento dos blocos X X X X X − Subida de finos − Depressões − Rodeiras

Empolamento dos blocos X X X X − Depressões − Rodeiras

Reparações X X X X X X X X Bloco danificado X X X X X X X X Falta de blocos X X X X X X X X − Bloco danificado Perda de confinamento lateral X X X X − Depressões

− Rodeiras

Largura excessiva das juntas X X X X X

− Depressões − Rodeiras − Perda de confinamento

lateral

Arrastamento horizontal X X X X X

− Perda de confinamento lateral

− Largura excessiva das juntas

Subida de finos X X X X

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A recolha de dados, com recurso a observação visual e caracterização da situação existente, pode incluir, quando considerado necessário, a medição de alguns parâmetros diretamente com equipamentos. A aquisição de dados baseados em sistemas automáticos tem elevado rendimento quando comparada com os métodos manuais. Nos municípios mais pequenos, por várias razões, tais como a reduzida capacidade financeira, a pouca disponibilidade ou inexistência de equipamentos de medida, ou a falta de técnicos suficientemente especializados, pode recorrer-se, em alternativa, a levantamentos efetuados a pé ou num veículo, registando em fichas de levantamento de patologias o que é observado nos diversos trechos que constituem as vias a caracterizar. A informação recolhida, mesmo em papel, pode ser introduzida num SIG, embora o processo seja relativamente moroso.

Com a vulgarização de equipamentos digitais, tais como os tablets, o registo pode ser feito de forma mais automatizada, utilizando ferramentas específicas, com a vantagem de permitir a georreferenciação automática da informação sobre as patologias e as características das vias.

3.2 Avaliação da Qualidade de Pavimentos Flexíveis Independentemente do método utilizado para o levantamento das degradações, é necessário estabelecer níveis de gravidade para cada um dos tipos de patologias registados, de acordo com um catálogo de degradações estabelecido previamente, de modo a avaliar o estado de conservação do pavimento.

A metodologia que se propõe para avaliar a condição global de um pavimento flexível é a utilizada no estado do Nevada e baseada no valor de PSI (Present Serviceability Index), tendo sido adaptada à cidade de Lisboa com parâmetros representativos da realidade portuguesa [6], de modo a permitir determinar o Índice de Qualidade (IQ), através da expressão (1):

𝐼𝑄 = 5×𝑒!!,!!!"#$%×!"! − 0,002139×𝑅! − 0,10× 𝐶 + 𝑆 + 𝑃 !,! (1)

Em que, (C+S+P) ≤100% e: IQ - índice de qualidade; IRI – irregularidade longitudinal do pavimento (mm/km); R – profundidade média das rodeiras (mm); C – área afetada por fendilhamento e pele de crocodilo (m2/100 m2, em %); S – área afetada por degradações superficiais de materiais e covas (m2/100 m2, em %); P – área afetada por reparações (m2/100 m2, em %).

O IRI – índice de irregularidade internacional do pavimento – pode ser obtido diretamente da observação com equipamento específico ou, quando não for possível, o seu valor pode ser inferido através do princípio de que o índice depende das degradações. A determinação do IRI determina-se com base nos três níveis de gravidade observados (1. leve; 2. médio, 3. elevado) para cada tipo de degradação considerado, ponderando os níveis de gravidade registados ao longo do trecho, em função das respetivas extensões de ocorrência [7].

O IQ é um valor que pode variar no intervalo entre 0 (pavimento em mau estado) e 5 (pavimento em muito bom estado), classificando o estado do pavimento em muito bom (IQ≥4), bom (3≤IQ<4), razoável (2≤IQ<3), medíocre (1≤IQ<2) e mau (IQ<1).

3.3 Avaliação da Qualidade de Pavimentos de Blocos Prefabricados de Betão

Para a avaliação da qualidade de pavimentos de blocos propõe-se a metodologia indicada no manual do ICPI [3], baseada no cálculo do PCI (Pavement Condition Index) que correlaciona o tipo, quantidade e níveis de gravidade das degradações superficiais dos pavimentos. Aquela metodologia permite estabelecer correspondência com a

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avaliação de estratégias simplificada do Asphalt Institute, no que respeita ao tempo para intervir no pavimento [8].

O PCI pode variar no intervalo entre 0 e 100 e, tal como é indicado no manual do ICPI, permite classificar o estado do pavimento em sete níveis: excelente (PCI≥85), muito bom (70≤PCI<85), bom (55≤PCI<70), razoável (40≤PCI<55), medíocre (25≤PCI<40), mau (10≤PCI<25) e em ruína (PCI<10) [3]. Contudo, no âmbito de um manual como o que se apresenta, considera-se suficiente uma avaliação em cinco níveis, tal como se indicou para o parâmetro IQ, podendo utilizar-se uma correspondência entre IQ e PCI como se apresenta mais adiante.

À semelhança do que acontece com os pavimentos flexíveis, o ICPI propõe níveis de gravidade para as degradações dos pavimentos de blocos prefabricados de betão (L. baixo; M. médio, H. elevado). Através da densidade da degradação (percentagem da superfície que está degradada) e das curvas de dedução do manual do ICPI (exemplo na Figura 1), determina-se o valor deduzido (DV) a subtrair ao valor de 100 (superfície sem degradações) e posteriormente o valor máximo corrigido (CDV), para determinar o PCI.

Fig. 1. Curvas de dedução para as depressões [3]

Esta metodologia não poderá ser utilizada diretamente em diferentes tipos de pavimentos de blocos, designadamente na avaliação da “Calçada Portuguesa”, pois as curvas de dedução foram estabelecidas para blocos prefabricados de betão, atendendo à experiência de utilização dos mesmos em pavimentos rodoviários. Todavia, entende-se que a metodologia pode ser, mesmo assim, adotada utilizando a mesma classificação para as patologias, devendo fazer-se a aferição dos parâmetros de cálculo para estabelecer o nível de qualidade dos pavimentos no caso da “Calçada Portuguesa”.

4 CONSERVAÇÃO DE PAVIMENTOS FLEXÍVEIS E DE BLOCOS No manual classificam-se genericamente as ações de conservação em três níveis: preventivo, corretivo e de emergência, apresentando-se uma descrição das técnicas de conservação quer de pavimentos flexíveis quer de pavimentos de blocos. Para o primeiro caso, descrevem-se as ações de conservação parciais e contínuas, mais divulgadas [4, 9, 10]. No que se refere aos pavimentos de blocos, as técnicas são mais simples, apresentando-se regras construtivas relativas aos procedimentos de conservação e reposição dos diferentes tipos de camadas [11, 12, 13].

No âmbito das ações de conservação parciais, descrevem-se as técnicas de reparações localizadas, de selagem individual de fendas, fresagem da camada de desgaste, e abertura e tapamento de valas. Nas técnicas de conservação contínuas incluem-se os revestimentos superficiais betuminosos, o microaglomerado betuminoso a frio, a lama asfáltica, a membrana de proteção, o microbetão rugoso, a argamassa betuminosa e o betão betuminoso drenante.

Depois de avaliado o estado em que se encontra o pavimento rodoviário é necessário estabelecer qual a técnica de conservação mais adequada a aplicar. Adota-se no manual uma metodologia de apoio à decisão para seleção da técnica de conservação de um determinado pavimento [10], baseada numa análise multicritério, na qual se

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avaliam as alternativas de técnicas de conservação com base em critérios de custo e beneficio. No primeiro grupo de critérios são incluídos o custo de construção, a perturbação para os utentes, a disponibilidade de empreiteiros/equipamentos para a execução das técnicas necessárias e a alteração das cotas de soleira. Nos critérios de benefício são considerados a impermeabilidade conferida ao pavimento, a melhoria da textura e do atrito superficiais, a melhoria da regularidade do pavimento e a capacidade de carga conferida à estrutura. A avaliação considera a importância dessas alternativas em relação aos critérios estabelecidos.

São ainda descritas técnicas de conservação inovadoras, praticamente não utilizadas no nosso país, mas com alguma utilização no resto do mundo, nomeadamente a reparação localizada de covas com painéis radiantes de infravermelhos ou com projeção de mistura betuminosa, as camadas betuminosas finas e ultrafinas, as camadas betuminosas com betume modificado com alta percentagem de granulado de borracha e a misturas betuminosas temperadas.

5 GESTÃO DA CONSERVAÇÃO 5.1 Evolução do Estado dos Pavimentos Uma vez determinado o IQ do pavimento no ano para o qual se procedeu ao levantamento das degradações, é necessário definir estratégias para decidir qual o prazo de intervenção, por forma a reduzir custos e manter a qualidade do pavimento.

O manual considera duas metodologias para a avaliação da evolução do estado dos pavimentos. Nos casos em que as vias em avaliação correspondem a eixos estruturantes com um tráfego de pesados considerável, sugere-se a aplicação de um modelo determinístico – o método da AASHTO [14], com base no qual se estima a evolução do IQ, através da expressão (2). Nos restantes casos, a evolução é avaliada com recurso a um modelo probabilístico – cadeias de Markov [15], o qual se baseia em probabilidades de transição do estado atual do pavimento para estados mais degradados nos anos subsequentes.

log!" N!"!!"# = Z!×S! + 9,36×log!" SN! + 1 − 0,20 +

log!"∆IQ

4,2 − 1,5

0,40 + 1094SN! + 1 !,!"

+ 2,32×log!" M!! − 8,07 (2)

No método da AASHTO, com base no N!"!!"# (número acumulado de eixos padrão de 80 kN) previsto para cada

um dos anos seguintes, considerando uma taxa de crescimento (que pode ser nula), e conhecendo algumas características dos pavimentos (M!! - módulo de deformabilidade do solo de fundação em psi, a constituição e as espessuras das camadas, e as condições de drenagem), estima-se o número estrutural do pavimento (SN!), em que ZR é o desvio padrão da regressão e S0 é o erro padrão combinado relativo à previsão do tráfego e desempenho dos pavimentos. Finalmente, a expressão (2) permite uma estimativa da variação do IQ (∆IQ!) nos anos para os quais se pretende fazer a avaliação futura do estado do pavimento, deduzindo-se ao valor de IQ inicial o valor ∆IQ! em cada ano.

Na Figura 2 ilustra-se, para dois trechos de uma via da cidade de Coimbra, a evolução do IQ nos 10 anos após o levantamento inicial, utilizando a metodologia que se descreveu, admitindo a inexistência de intervenções no pavimento.

O estabelecimento de um nível mínimo de qualidade, por exemplo o valor de 2, permite verificar quais as vias que necessitam de ações de conservação, e em que horizonte temporal previsível.

Na metodologia das cadeias de MARKOV, para determinar a variação do índice de qualidade, é necessário determinar previamente o número de estados do pavimento, o vetor de estado, a definição de ciclos de serviço e a matriz de probabilidade de transição.

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Fig. 2. Exemplo da evolução do IQ sem intervenções

No manual são adotados 5 estados de degradação, estabelecidos de forma qualitativa, correspondendo aos intervalos de IQ que se indicam a seguir: 0 a 1 - mau; 1 a 2 - medíocre; 2 a 3 - razoável; 3 a 4 - Bom e 4 a 5 - muito bom. Admita-se um comprimento de via com 2500 metros de extensão, avaliado em 2014, com 100 metros em estado considerado muito bom, 1250 metros em estado bom, 950 metros num estado razoável, 150 metros num estado medíocre e 50 metros num estado mau. O vetor estado inicial que representa a proporção da via em cada um dos estados seria dado por: X (2014) = [0,04; 0,50; 0,38; 0,06; 0,02]. A matriz de probabilidade de transição (MPT) pode estabelecer-se com base na evolução passada do estado do pavimento, ou utilizando matrizes estabelecidas para casos similares. A matriz que se apresenta no Quadro 4, a título ilustrativo, baseia-se na de um caso de estudo Australiano [15], depois de ajustada para algumas vias da cidade de Coimbra.

Quadro 4. Matriz de Probabilidades de Transição entre estados usada no exemplo de aplicação De/Para: Muito Bom Bom Razoável Medíocre Mau

Muito Bom 0,96 0,04 0 0 0 Bom 0 0,90 0,10 0 0

Razoável 0 0 0,86 0,14 0 Medíocre 0 0 0 0,66 0,34

Mau 0 0 0 0 1

O processo de degradação do pavimento é modelado pela multiplicação do vetor inicial pela matriz de probabilidade de transição. O vetor estado no estádio 1 é obtido multiplicando o vetor de estado inicial pela MPT. O vetor estado no estádio 2 é determinado pela multiplicação do vetor de estado do estádio 1 pela MPT, e assim por diante [15].

Usando o vetor inicial, correspondente ao ano de 2014 e a MPT do Quadro 4, o modelo de Markov pode ser aplicado para a rede ao longo de um período de vários anos. Na Figura 3 mostra-se a aplicação para um período de 10 anos, com 1 ano de ciclo de serviço. O estado da rede em qualquer ano pode ser previsto através da observação do gráfico que mostra as proporções esperadas de comprimento da rede em cada um dos cinco estados de conservação [15].

Um SIG - Sistema de Informação Geográfica, como ferramenta de suporte ao armazenamento e manipulação de informação passível de ser geograficamente referenciada, aplicado à gestão da conservação da rede viária municipal, permite a modelação da rede com informação alfanumérica associada, facilita a pesquisa e identificação das características de uma determinada secção da via, e permite ainda efetuar análises espaciais com critérios preestabelecidos. O manual sugere que as metodologias de avaliação da qualidade e da previsão do estado dos pavimentos possam ser implementadas em SIG, de modo a permitir uma visualização georreferenciada da informação nos anos para os quais se pode antever a situação (Figura 4). Além disso, o sistema pode ser concebido para a obtenção automática de vários indicadores de apoio à gestão da conservação.

0.0

1.0

2.0

3.0

4.0

5.0

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

IQ

ANO

10.1

10.2

Trecho I da Circular Interna

Trecho II da Circular Interna

8

Fig. 3. Aplicação de cadeias de Markov usando o vetor de estado inicial do ano 2014 e a MPT (exemplo da N111-1 / Avenida Cidade Aeminium, em Coimbra, sem ações de conservação)

Fig. 4. Imagem representativa do IQ no ano 0 (exemplo de itinerário na cidade de Coimbra)

5.2 Custos de Conservação Na sua versão atual, o manual não desenvolve de forma explícita a quantificação dos custos de conservação. Porém, as metodologias propostas são a base para que aquele problema essencial no processo da conservação de pavimentos possa ser tratado.

A forma mais plausível de quantificar os custos no caso de pequenas redes é a quantificação dos chamados custos para a administração, ou seja, no caso de um município, os custos para a Câmara Municipal decorrentes das ações de conservação a aplicar nos trechos existentes. Outros custos, como os chamados custos dos utentes, exigem quantificações mais complexas e não são, numa abordagem simplificada, essenciais para que o processo possa levar a uma gestão mais eficiente e eficaz da conservação dos pavimentos. Porém, aconselha-se a

0%10%20%30%40%50%60%70%80%90%100%

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

Percen

tagensdaextensão

darede

ANO

5-4

4-3

3-2

2-1

1-0

IQ

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avaliação dos custos dos utentes, ainda que de forma simples, em casos específicos de itinerários com tráfego particularmente elevado em longos períodos do dia. Nestes casos, os elevados tempos de percurso e de operação dos veículos, e a maior exposição ao acidente, podem influenciar consideravelmente o processo de decisão, levando, por exemplo, à aplicação mais frequente de técnicas de conservação preventiva e/ou à realização das intervenções durante a noite.

Para a quantificação dos custos de conservação, é necessário decidir a(s) ação(ões) de conservação a realizar num dado período, de modo a estimar valores unitários, os quais, multiplicados pelas áreas de pavimentos a intervencionar, permitem obter os custos para diferentes cenários de conservação da rede.

Uma metodologia aplicável consiste em considerar vários níveis de intervenção, os quais podem agregar várias das técnicas descritas no manual, umas mais ligeiras e outras mais profundas. Os níveis ou tipos de ações de conservação a aplicar variam com o nível de degradação do pavimento (IQ ou PCI), tal como proposto em [2, 16] e com os tipos de patologias existentes [2]. Níveis de degradação mais altos (IQ ou PCI mais baixos) exigem intervenções mais profundas e, por isso, maiores custos para a administração. A recuperação das características superficiais é um exemplo de recuperação ligeira, sendo a aplicação de uma camada espessa um exemplo de uma ação de conservação profunda. Na Figura 5 ilustra-se um exemplo de variação do IQ após atuação no pavimento com diferentes ações de conservação, umas mais ligeiras (do tipo 2) e outras mais profundas (do tipo 5). Para cada um dos tipos de intervenção a quantificação do custo correspondente obtém-se pelo produto da área intervencionada pelo custo unitário de aplicação da técnica, podendo efetuar-se o cálculo para alguns ou todos os trechos em análise.

Fig. 5. Exemplo de níveis de IQ ao longo do período de estudo (rua Dr Afonso Romão, em Coimbra) para

diferentes tipos de intervenções e custos associados [2]

5.3 Avaliação de Estratégias Em geral, a avaliação de estratégias consiste na aplicação de metodologias de apoio à decisão, as quais podem envolver um grau de complexidade elevado. Para as pequenas redes rodoviárias é necessário dispor de processos mais simples que permitam dar indicações sobre as vias sobre as quais é necessário atuar prioritariamente. Tendo disponível apenas informação sobre o estado atual dos pavimentos, obtida de acordo com as indicações apresentadas acima, pode utilizar-se uma metodologia semelhante à utilizada em [10], estabelecendo uma correspondência aproximada entre os valores do índice de qualidade IQ e do PCI, tal como se apresenta no Quadro 5, de modo a estabelecer um prazo aproximado para as intervenções, considerando também a classificação hierárquica das vias da rede (Quadro 6).

Quadro 5. Intervalos do PCI e correspondência com o estado do pavimento (adaptado de [7, 8, 9]) IQ PCI Estado do pavimento 4-5 80-100 Muito bom/Muito plano 3-4 60-80 Bom/ Plano com algumas saliências e depressões 2-3 40-60 Razoável / Confortável com saliências e depressões intermitentes 1-2 20-40 Medíocre / Desconfortável com saliências e depressões frequentes 0-1 0-20 Mau / Desconfortável com saliências e depressões constantes

0

1

2

3

4

5

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10

IQ

ANO

Tipo_2 Tipo_3 Tipo_4 Tipo_5

10

Quadro 6. Matriz de decisão (adaptado de [7, 8]) Matriz de decisão com base no valor de PCI

Tempo para a intervir Autoestrada Via arterial Via coletora Via local Não necessita > 85 > 85 > 80 > 80

6 a 10 anos 76 a 85 76 a 85 71 a 80 66 a 80 1 a 5 anos 66 a 75 56 a 75 51 a 70 46 a 65

Reabilitação 60 a 65 50 a 55 45 a 50 40 a 45 Reconstrução <60 <50 <45 <40

Tendo a possibilidade de fazer a previsão da evolução do estado dos pavimentos como se mostrou, podem escolher-se os trechos da rede cujo IQ, num dado período, seja previsivelmente inferior a um valor mínimo, de modo a atuar, de forma programada, nos referidos trechos, até que se esgote o orçamento disponível.

6 CONCLUSÕES O manual de conservação de pavimentos cuja apresentação se fez no presente artigo procura dar indicações simples, de modo a auxiliar a tarefa dos técnicos municipais, mesmo quando não dispõem de meios especializados.

Considera-se que o manual de conservação poderá ser uma ferramenta de trabalho útil, pois fornece indicações realizáveis por pequenos municípios para a avaliação da qualidade de pavimentos e da gestão das ações de conservação a realizar. Porém, a aplicação concreta das metodologias propostas a várias realidades poderá contribuir para futuras revisões do manual, de modo a que responda melhor às necessidades dos engenheiros que atuam na área da gestão da conservação de vias municipais.

Finalmente, refira-se que é desejável um esforço adicional de automatização de algumas tarefas que são propostas no manual, de modo a simplificar ainda mais a aplicação das metodologias que apresenta.

7 REFERÊNCIAS

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11

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