PROPAGANDA BENETTON: O USO DO REALISMO NO FILME UNHATE
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE COMUNICAÇÃO SOCIAL
MARCUS VINÍCIUS DA SILVA LIMA
PROPAGANDA BENETTON: O USO DO REALISMO NO FILME UNHATE
Porto Alegre 2012
1
MARCUS VINÍCIUS DA SILVA LIMA
PROPAGANDA BENETTON: O USO DO REALISMO NO FILME UNHATE
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso e obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Orientadora: Prof. Drª. Cristiane Freitas Gutfreind
Porto Alegre 2012
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MARCUS VINÍCIUS DA SILVA LIMA
PROPAGANDA BENETTON: O USO DO REALISMO NO FILME UNHATE
Monografia apresentada como requisito parcial para conclusão do curso e obtenção do título de bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Publicidade e Propaganda da Faculdade de Comunicação Social, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
Aprovado em:_____ de ___________________ de______.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________ Orientadora: Profª. Drª. Cristiane Freitas Gutfreind – PUCRS
___________________________________________ Profª. Drª. Beatriz Regina Dorfman – PUCRS
___________________________________________ Profª. Drª. Cristiane Mafacioli Carvalho – PUCRS
Porto Alegre 2012
3
Dedico este trabalho a quem me permitiu experimentar, tentar, errar e
mudar – sempre: minha família.
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AGRADECIMENTOS
Finalmente, depois de uma longa e árdua caminhada, chego a mais uma
etapa da vida – aquela que me confere o grau de bacharel em Comunicação Social.
Quando iniciei esse processo de produção de conhecimento, em março de dois mil e
oito, estava com um sentimento bem confuso quanto às escolhas que eu faria a
partir de então - comecei no curso de Relações Públicas e findei na Publicidade. Ali,
começava o desafio em decidir, sozinho, os rumos da minha vida. As ligações para
casa, numa tentativa de compartilhar os medos, as tensões, as lágrimas, eram todas
canalizadas ao som da voz da minha mãe, do meu pai e da minha irmã. E os
telefonemas resolveram: ouvi-los, de longe, resultou numa força que permitiu que eu
pudesse ficar longe deles por todos esses anos, enquanto eu estava aqui, fazendo
valer cada investimento dos meus pais em manter-me numa das melhores
universidades do país: a PUCRS. Nesse tempo, quis poder dividir com eles todas as
alegrias, os encantos pela vida no campus, o orgulho que eu sentia em fazer parte
daquele que passou a ser o meu mundo.
A minha mãe, Lúcia Lima, que sempre – indiscutivelmente – soube mostrar-
me o valor da persistência e do conhecimento e, como artista e professora, o valor
de perceber a delicadeza das coisas nas suas formas mais simplificadas.
Ao meu pai, Edivaldo Lima, por mostrar-me a importância da paciência, da
calma e da tranquilidade para enfrentar os desafios impostos pelo mundo todos os
dias.
A minha irmã, Débora Lima, por fazer-me entender que sem ambição nossos
sonhos não se movem. Pelas conversas, que mesmo em meio a tantas diferenças,
foram francas e verdadeiras.
Ao meu amigo e fiel companheiro, Alexandre Voelcker, por entrar na minha
vida de forma tão especial e mostrar-me o poder do sorriso ao dizer que ao sorrir
para a vida ela é capaz de nos sorrir de volta.
Aos meus tios, Fernando e Fátima Sirena, por estarem sempre comigo
durante todos os momentos em que precisei e por apoiarem minhas decisões,
desempenhando o papel de pais; e as minhas primas, Mariana e Nives Sirena, por
mostrarem-me o gosto pelo estudo, a leitura, o bom filme e a boa música.
5
A minha orientadora, Cristiane Gutfreind, por conduzir-me tão bem no
caminho das descobertas e incertezas da vida acadêmica. Pela sabedoria e
confiança prestados durante todo este período de estudo.
E, por fim, aos meus amigos, cada qual a sua maneira, por estarem sempre
ao meu lado, dando um significado muito maior à palavra amizade.
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Espero que, a minha maneira, desenvolvendo uma atitude crítica do sistema publicitário, virando-o pelo avesso, tenha contribuído para lançar uma reflexão nova sobre a comunicação. A publicidade não poderá por muito tempo continuar escondendo a cara e evitando cuidadosamente toda a significação, utilidade social e reflexão sobre a sua iniciativa. (TOSCANI, 2009, p. 185).
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RESUMO
O presente trabalho traz um novo olhar para a propaganda atual, que deve
encontrar, na arte, um novo diálogo com o espectador/consumidor, propondo o uso
de novas estéticas para tratar o cotidiano em filmes publicitários através da análise
do uso do realismo crítico no filme UNHATE, da Fundação criada pela marca italiana
Benetton em 2011 com o mesmo nome. A metodologia utilizada foi a análise fílmica
como narrativa, afim de explicar as ligações entre os códigos de representação
estética, os conceitos sobre realismo elaborados por Beatriz Jaguaribe e o filme em
questão. Como resultados, evidenciamos, através de experimento, que as imagens
fílmicas, quando estáticas, conseguem obter a mesma construção estética dos
anúncios gráficos de Toscani, no entanto, a narrativa se perde quando analisamos
as imagens em movimento, pois carregam junto uma ambiguidade que requer do
espectador uma interpretação além daquela proposta numa primeira análise, que
parece tratar muito mais de contatos humanos, do que da questão principal que se
propõe a Fundação UNHATE: a luta contra o ódio.
Palavras-chave: Realismo. Propaganda. Benetton. Publicidade. Estética.
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RÉSUMÉ
À travers l’analyse de l’utilisation du réalisme critique dans le film UNHATE,
cette étude apporte une nouvelle perspective pour la publicité actuelle, qui doit
trouver dans l’art un nouveau dialogue avec le spectateur/consommateur, et ce, par
la proposition de nouvelles esthétiques, utilisées pour analyser le quotidien dans des
filmes publicitaires. La méthodologie est basée sur l’analyse du film en tant que récit
puisque l’objectif principal est celui d’expliquer le rapport entre les codes de
représentations esthétiques, les concepts sur le réalisme élaborés par Beatriz
Jaguaribe et le film en question. Les résultats de cette analyse, obtenus à partir
d’une expérimentation, démontrent que les images statiques du film ont la même
construction esthétique des annonces graphiques proposées par Toscani.
Cependant, le récit perd son fils conducteur lorsqu’on analyse les images en
mouvement. En effet, à mesure où ces images portent signifiante ambiguïté, elles
requièrent du spectateur une interprétation plus approfondie sur le sujet principal du
film. Ainsi, l’ambiguïté suggère que le film porte surtout sur les contacts humains et
non sur la lutte contre la haine, comme a premièrement proposé la Fondation
UNHATE, un organisme de propriété de Benetton.
Mots-clés : Realisme. Benetton. Publicité. Esthétique.
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1 – Evolução da logomarca Benetton............................................................. 16
Figura 2 - Mulher amamentando................................................................................ 21
Figura 3 - Homens algemados................................................................................... 21
Figura 4 - Padeiros..................................................................................................... 22
Figura 5 - Crianças no penico.................................................................................... 22
Figura 6 - Mão de criança negra com a mão de um adulto branco............................ 23
Figura 7 - Pinóquios................................................................................................... 24
Figura 8 - Crianças com língua de fora...................................................................... 24
Figura 9 - Cemitério com cruzes brancas...................................................................25
Fluxograma 1 - Como se apresenta o realismo no filme publicitário UNHATE.......... 51
Quadro 1 - Categorização das cenas, segundo o autor............................................. 54
Figura 10 - Tentativa de beijo gay.............................................................................. 56
Figura 11 - Bullying sofrido por criança...................................................................... 56
Figura 12 - Momento íntimo entre casal..................................................................... 56
Figura 13 - Gesto obsceno......................................................................................... 56
Figura 14 - Manifestação política / religiosa............................................................... 56
Figura 15 - Beijo entre mulheres................................................................................ 56
Figura 16 - Experimentação das imagens com logomarca........................................ 57
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 11 1 BENETTON ............................................................................................................ 13 1.1 O INÍCIO DA UNITED COLORS OF BENETTON................................................ 13
1.1.1 Oliviero Toscani: o mago da polêmica.......................................................... 17 1.1.2 Campanhas polêmicas da Benetton ............................................................. 20 1.2 FUNDAÇÃO UNHATE E SUA PRIMEIRA CAMPANHA...................................... 28
2 O REALISMO E SUAS FORMAS........................................................................... 32 2.1 O REALISMO NA PUBLICIDADE........................................................................ 35
2.1.1 As funções do realismo na publicidade........................................................ 40 2.1.2 A manipulação do real na publicidade e quando o manipulado se torna real............................................................................................................................. 42 2.2 O CHOQUE DO REAL......................................................................................... 44
3 O USO DO REALISMO EM UNHATE.................................................................... 49 3.1 ANÁLISE FÍLMICA...............................................................................................50
CONSIDERAÇÕES FINAIS....................................................................................... 60 REFERÊNCIAS.......................................................................................................... 64 ANEXO A - Filme UNHATE em CD-ROM..................................................................66
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INTRODUÇÃO
É comum nos depararmos com anúncios publicitários diariamente.
Promessas de produtos que parecem resolver todos os problemas, famílias vivendo
felizes, pessoas de diferentes etnias convivendo harmoniosamente, sem conflitos e
inúmeras fantasias que, se fossem verdades, viveríamos como num conto de fadas,
onde basta ligar a TV em tal canal, comer aquela pizza, dirigir aquele carro e beber
daquele refrigerante, que todos os nossos problemas acabam.
Este trabalho tem sua origem a partir da leitura do livro A publicidade é um
cadáver que nos sorri, uma crítica à publicidade convencional, onde segundo
Toscani (2009), nada tem a acrescentar as nossas vidas e uma breve análise do
filme UNHATE, da United Colors of Benetton, uma marca que sempre retratou o
cotidiano através de seus anúncios carregados de significados e impressões de
realidade e que tempos depois, retoma o realismo na campanha de lançamento da
Fundação que leva o nome do filme, cheia de imagens que mostram experiências
vividas em cenários de intolerância política, religiosa, sexual e étnica, como forma de
introduzir a realidade representada no filme publicitário às vidas dos espectadores,
assim como nos anúncios que levaram a marca a ser conhecida mundialmente pelas
imagens de Oliviero Toscani.
O mundo vive atualmente um período intenso de conflitos políticos, religiosos,
étnicos, sexuais e ambientais. Na contramão desse fluxo, a sociedade compartilha
experiências reais em ambientes virtuais e lança uma nova interpretação de
realidade às nossas vidas. A publicidade não poderia ficar de fora de uma
oportunidade como esta: produzir cenários que possam significar, dialogar de forma
íntima com seus consumidores, colaboradores, espectadores. Esse período é
marcado por uma produção exacerbada de imagens reais, que dependem da
interpretação dos indivíduos para possuir seu significado e competem com as
experiências vividas.
O realismo, no entanto, foi pouco abordado com ênfase na publicidade – com
exceção de alguns teóricos, as ideias do realismo raramente entram em contato com
a propaganda. Esse ambiente favorece a desafiadora promessa do estudo de
problematizar a questão dos usos do realismo na propaganda. Desta forma, o
objetivo geral desta monografia é investigar o uso do realismo no filme UNHATE. A
pesquisa ainda tem, como objetivos específicos, descrever como ocorre a utilização
12
do realismo no filme; conhecer as funções que ela desencadeia e identificar como
pode ocorrer o processo de significação e interpretação do filme. A pesquisa
bibliográfica será utilizada para a construção de uma fundamentação teórica a fim de
encontrar e revisar livros e artigos de autores como Jaguaribe (2007), Rocha (1995),
Tosin (2006), Gutfreind (2011), Eagleton (2003), entre outros, abrangendo conceitos
de realismo, arte e publicidade. A análise da imagem fílmica como narrativa,
defendida por Aumont e Marie (2009) será o método utilizado, tendo em vista um
dos principais objetivos deste estudo: a análise do realismo na narrativa do filme
UNHATE. Desse modo, foi preciso utilizar-se da análise fílmica como narrativa
através do significado dado ao uso do realismo na sua temática.
Este estudo é divido em três capítulos. O primeiro contextualiza a marca
United Colors of Benetton, expõe as campanhas anteriores que carregavam o
realismo crítico nas peças e apresenta Oliviero Toscani como profissional que
revolucionou, através de suas fotografias, a forma de fazer propaganda. Por fim,
coloca em evidência a Fundação UNHATE, criada pela marca em 2011.
A descrição do realismo, suas formas, funções, a manipulação do real, a
presença na publicidade e o choque causado por imagens representadas é realizada
no segundo capítulo. Nele, destacaremos o processo de transformação da imagem
manipulada em imagem real, bem como as definições de “impressão de realidade” e
“choque de realidade”. No terceiro e último capítulo, utilizaremos os conceitos
trazidos pelos teóricos para compreender a forma como o realismo é empregado no
filme e verificar a sua função enquanto na narrativa.
O grande grau de interesse por este tema motiva o autor a dar início a
estudos na área de cinema e publicidade através do sincretismo entre as artes como
projeto pessoal e, levando em consideração a presente escassez de publicações na
área, contribuir com relevância à bibliografia brasileira neste assunto. Obter
conhecimento inicial nesta área permite a visualização de uma perspectiva que vai
além de um trabalho de conclusão de curso, tendo como objetivo fazer, deste, um
estudo que se desdobre em projeto pessoal e início de sua carreira: entender que a
arte, a publicidade e o cinema podem caminhar juntos em trajetos que possibilitam o
diálogo crítico das questões cotidianas.
13
1 BENETTON Este primeiro capítulo servirá como panorama de contextualização da marca
Benetton, uma marca que conseguiu, no período do pós-guerra, fazer um
diagnóstico do momento econômico que a Itália passava e fez surgir uma das mais
importantes empresas do setor têxtil mundial.
Veremos como a Benetton ganha visibilidade através de sua publicidade, que
unia questões sociais à venda de produtos e criava imagens para um novo mundo
onde um imaginário, através dos meios de comunicação, ultrapassava a linguagem
de defesa do consumismo e a falsa realidade dos noticiários.
As campanhas contextualizadas neste primeiro capítulo serão trazidas para
mostrar que elas, ao apresentar uma “impressão de realidade” (através das imagens
e dos fatos cotidianos), passaram a ser reconhecidas e lembradas no mundo todo
pelo seu estilo contestador.
É apresentada, ainda, a Fundação UNHATE, criada em 2011 pela Benetton,
numa tentativa de espalhar o fim do ódio no mundo, a tolerância, a divulgação dos
direitos humanos, e a luta contra as desigualdades em geral. O trabalho da
Fundação é financiar projetos e ações nas comunidades para promover o diálogo e
a aceitação da diversidade. Contextualizaremos, de forma rápida, a campanha de
lançamento da Fundação, que se propõe a resumir os objetivos de se opor à cultura
do ódio e promover a proximidade entre os povos, crenças, culturas e a
compreensão pacífica das diversidades. Além disso, será apresentado o objeto
central de análise da pesquisa: o filme 1 UNHATE, do diretor francês Laurent
Chanez.
1.1 O INÍCIO DA UNITED COLORS OF BENETTON
A segunda guerra mundial foi o grande incentivo para Luciano Benetton, filho
mais velho de quatro irmãos, fundar, em 1965, na cidade de Ponzano, Vêneto, na
Itália, um dos maiores empreendimentos do século XX. Sua trajetória começa
1 O filme pode ser encontrado no anexo A (p. 66). CD-ROM: Filme UNHATE (1:08) ou, ainda, no link Youtube, disponível em: <http://www.youtube.com/watch?v=qImJFg5dgTE>.
14
quando, aos 10 anos de idade, perde o pai e vê a mãe, doente, ser obrigada a
vender o que tinha para sustentar os filhos.
Inquieto, criativo e cheio de iniciativa, aos 23 anos faz um diagnóstico do
momento econômico vivido pela Itália e do setor têxtil da época. Surgia, tempos
depois, um pequeno negócio de roupas que iria contra os padrões do mundo
convencional dos empreendimentos e da moda.
Presente em 120 países do mundo e com uma rede de 6.500 lojas, seu
principal negócio é o vestuário de moda. A marca foi durante muito tempo a maior
importadora de lã do mundo e seus produtos eram vendidos para um grande número
de jovens e adultos que descobriam a inovação e a ousadia ao vestirem suéteres
coloridos.
Para se lançar no mercado europeu e, mais tarde, no mercado mundial da
moda com uma linguagem global, a Benetton teve de abrir as portas para a
publicidade, e foi com a criatividade ousada do fotógrafo Oliviero Toscani que a
Benetton passaria a ser conhecida internacionalmente pela suas campanhas
publicitárias.
Toscani cria o slogan “Todas as Cores do Mundo” conseguindo, então,
relacionar as diversas etnias do mundo com cores e vestindo crianças com as “cores
da Benetton”. O slogan fez tanto sucesso que após reelaborado para “United Colors
of Benetton” logo se tornou o novo nome da marca.
Como descreve o próprio Toscani (2009), a campanha se serve dessa ideia
filosófica de miscigenação racial como trampolim para desenvolver um estado de
espírito antirracista, cosmopolita e anti-tabu. Transforma um slogan publicitário numa
iniciativa humanista. Ela se aplica em “colorir” a Benetton com uma atitude
progressista e desenvolve uma imagem de marca filosófica, que vai muito além do
mero consumo.
No livro Benetton: A família, a empresa e a marca (1999), que reúne entrevistas
com Luciano Benetton, Jonathan Mantle escreve sobre a entrada de Toscani à
empresa e o sucesso da campanha que levaria o slogan criado:
Toscani estava usando a linguagem da harmonia racial para transcender as barreiras culturais àquela imagem global que Luciano estava buscando para a companhia. O resultado foi brilhante e belo e um avanço em relação ao niilismo e amadorismo bobo da era punk [...]. (MANTLE, 1999, p. 136).
15
Toscani utilizou-se de um assunto visto como polêmico para a época, como
as questões étnicas, sobretudo na África e nos EUA, para iniciar a tão sonhada
comunicação global que desejava Luciano Benetton para a sua empresa. E foi
através dessa linguagem de cores e etnias que Toscani começou a ser conhecido
por sua fórmula Benetton de fazer propaganda, como afirma Calazans (1998, p. 49),
unindo questões sociais à venda de produtos, ao invés de sobrecarregar o seu
público com a repetição.
Como escreve Mantle (1999), na África do Sul, os anúncios foram
inteiramente banidos, exceto numas poucas revistas dirigidas à comunidade negra.
Algumas cartas dos Estados Unidos e da Inglaterra refletiram o racismo ao qual as
imagens eram uma resposta. Para algumas pessoas, aquela campanha era uma
vergonha, simplesmente pela Benetton tentar misturar etnias que, segundo os mais
racistas, “Deus queria manter separadas”, como coloca Mantle (1999, p. 49) em seu
livro.
As polêmicas que rodavam as imagens de Toscani e dividiam opiniões,
mostravam, na verdade, o sucesso de “Todas as Cores do Mundo”, que incentivou
ainda mais o fotógrafo a continuar capitalizando o tema da harmonia étnica.
Como as franquias da marca deveriam encomendar as roupas com vários
meses de antecedência e não aceitava devolução, as imagens de Toscani
significavam também que grande parte do aparente poder de venda das imagens
globais do fotógrafo, na verdade tinha sido calculada de antemão. O que aquelas
imagens tinham de fazer não era vender as roupas, mas dar-lhes um novo tipo de
visibilidade num mercado já identificado, como o próprio Toscani declarou:
[...] Não estou vendendo pulôveres. As roupas, de boa qualidade, de todas as cores, oferecidas em sete mil lojas através do mundo, vendem-se por si mesmas. Não estou procurando convencer o público a comprar – a hipnotiza-lo –, mas sim a entrar em ressonância consigo mesmo a respeito de uma ideia filosófica, a da miscigenação racial. (TOSCANI, 1995, p. 48).
Mantle (1999, p.118) relata ainda que o que Toscani fazia não era apenas
publicidade, mas criação de imagens para um novo mundo, e um mundo em que um
novo imaginário, por meio dos canais de comunicação de massa, suplantaria a
linguagem de defesa do consumismo e a falsa realidade dos noticiários.
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A ousadia criativa de Toscani e a mente aberta de Luciano foi primordial para
que o trabalho de comunicação da United Colors of Benetton chegasse ao ponto de
possuir uma estética própria em suas imagens, como escreve o fotógrafo:
[...] Eu não sabia na época que ia encontrar um espírito tão aberto, tão audacioso. Ele sempre me apoiou. Sinto-me orgulhoso de ter utilizado o dinheiro de sua marca, um pequeno orçamento comparado ao das grandes empresas equivalentes, para buscar uma nova maneira de comunicação. (TOSCANI, 2009, p.123).
Até 1989, a Benetton dependia de agências de publicidade para não só
administrar a criação e manutenção da imagem da empresa e da marca, como para
veicular suas campanhas. Nesse momento, o grupo Benetton cria sua própria
estrutura de comunicação e a partir daí a produção e compra de espaço na mídia
seria feita por meio de departamentos externos da empresa.
Nesse momento, toda a comunicação é de responsabilidade da própria
empresa, que muda o logotipo do “nó” de fios da Benetton e o substitui pelo
retângulo verde, que se torna, mais tarde, a marca registrada da companhia. Nesse
novo logotipo não há mais legendas, apenas as palavras “United Colors of
Benetton”, que pode ser interpretado como uma nação global, sem limites, de
respeito comum.
Figura 1 – Evolução da logomarca Benetton
Fonte: Mundo das Marcas.
17
A Benetton é um exemplo de marca que expandiu-se rapidamente no período
econômico do pós-guerra. Seu crescimento, quase que instantâneo, deu a ela a
oportunidade de desenvolver uma comunicação global. As roupas desapareceram
dos anúncios, chamando mais atenção por sua ausência e, embora a marca
quisesse promover esses anúncios como um passo criativo e revolucionário, o
argumento que mais pesou no momento em que a Benetton era a responsável pela
sua própria criação publicitária foi a questão financeira. A solução foi criar uma
marca única, global, em vez de tentar adaptar uma série cada vez maior de produtos
a uma série igualmente crescente e diversificada de países e mercados. Uma marca
universal, como diz Mantle (1999, p. 179), calculada em termos de imagens
apropriadas, equiparadas a vida, morte, amor, ódio, guerra, paz, religião e meio
ambiente.
Ainda presente nas principais cidades do mundo, a empresa tenta se reerguer
e acompanhar as mudanças do mundo de hoje se renovando. Alessandro Benetton,
filho de Luciano, é quem tem a missão de, com tantas marcas de roupas de
qualidade e preço acessível como a Zara, Gap e H&M, tentar retomar o caminho do
sucesso que tiveram outrora, ligado, principalmente, à criação dos anúncios por
Oliviero Toscani que, mesmo visto como polêmico pelos publicitários, soube fazer de
suas fotos, a fórmula para a Benetton ser a marca que foi um dia.
1.1.1 OLIVIERO TOSCANI – O MAGO DA POLÊMICA
Nascido na Itália, em 1942, Oliviero Toscani herdou do seu pai,
também fotógrafo, a paixão pelo ofício de registrar momentos cotidianos e publicou
sua primeira foto em julho de 1957, aos 14 anos de idade. A foto era a mulher de
Mussolini, o grande símbolo do fascismo italiano. Em 1962, entrou para a escola das
Artes aplicadas de Zurique, considerada, até então, uma das melhores da Europa, e
foi após sua formação na Suíça que Toscani conseguiu mostrar que suas fotos eram
a prova de que estava mesmo era preocupado com a política cotidiana, com os
problemas não resolvidos da sociedade da época.
Toscani reconhecia as divergências existentes entre os profissionais da
publicidade e os artistas, jornalistas e cineastas. Escreveu em seu livro:
18
Quando a Terra se tornar uma peça arqueológica, os pesquisadores não encontrarão diferenças entre uma foto de publicidade, uma reportagem de guerra ou um retrato. Qualquer foto se terá transformado num documento. [...] Hoje a publicidade está morrendo de insignificância e mediocridade por ter sempre querido fazer “publicidade”. A fotografia merece bem mais do que essas briguinhas de gênero. Ela não é o primo pobre da pintura nem do cinema. Ela é e continuará sendo por muito tempo a arte maior que a imagem moderna inventou. Nem mesmo a televisão conseguirá eliminá-la.” (TOSCANI, 2009, p. 115).
Além da crítica sobre os (pré) conceitos que tinham os profissionais da
publicidade, o fotógrafo apresentava também ideias de uma imagem que para
muitas marcas e fotógrafos, parecia difícil compreender: a fotografia como
instrumento de crítica social. Para ele, a publicidade não devia se conter com a
atividade medíocre de apenas vender, mas sim servir como instrumento de
contestação social.
Toscani trabalhou para revistas como Elle, Vogue Hommes, Donna e
Mademoiselle, entre outras, porém foi realmente reconhecido a partir das
campanhas feitas para a Benetton. Suas controversas imagens para a marca italiana
nas décadas de 1980 e 1990 representaram uma proposta de reflexão sobre o poder
e o propósito da publicidade, além de o consagrarem como um dos mais notórios
fotógrafos da atualidade.
Não demorou muito para que a plasticidade de suas imagens chamasse a
atenção das principais marcas de moda do país, entre elas Valentino e Chanel, mas
foi com a Benetton que consolidou seu estilo e impôs sua visão crítica de como a
fotografia era usada na publicidade.
Em 1965, a fotografia de moda passava por um momento de reconstrução e
devia evoluir-se e adequar-se aos novos movimentos da sociedade. Uma época em
que o rock, o street style, os novos rostos de garotas, as mudanças de atitude e dos
costumes tinham revolucionado o mundo de imagens da moda convencional. Num
contraponto dessa ideia de renovação conceitual da moda da década de 1960,
Toscani (2009, p. 118) afirma que hoje “a moda não se renova mais. Anda em
círculos, enerva o público, não surpreende mais. A indústria está matando a moda
ao impor regras draconianas de marketing aos estilistas.”
Pela Benetton, Toscani fotografou e publicou imagens de soropositivos no
leito de morte, cadáveres vítimas da máfia italiana, trabalho escravo, crianças recém
19
nascidas, padres beijando freiras. Tocou em questões sexuais, religiosas e étnicas
excluindo de forma definitiva o ar pedante que os anunciantes costumavam ter e a
lição de moral pobre embutida naqueles com pretensão social, como coloca
Calazans (1998) em seu livro Benetton: o vírus da nova era:
Mostrar com naturalidade pássaros encharcados de petróleo, aidéticos morrendo na cama, roupas sujas de sangue e outras imagens que chocariam qualquer pessoa é obrigação da Benetton. Seu objetivo é denunciar e acabar com todo o preconceito que está envolvido com tais fatos, independente de quem venha a se ofender com isso. (CALAZANS, 1998, p. 150).
Para Toscani (2009), os publicitários não cumprem a sua função: comunicar à
sociedade sobre a realidade atual, educando-a, revelando talentos e artistas.
Carecem de ousadia e de senso moral. Não refletem o papel social, público e
educativo da empresa que lhes confia um orçamento.
Ao invés de sobrecarregar o público com a repetição de modelos conhecidos
e clichês, ele unia questões sociais à venda de roupas. Sua propaganda era
institucional, de marca, conceitual, e não apenas do produto. Parecia esse o estilo
da propaganda Benetton criada por Toscani.
Contardo Calligaris, escreveu em artigo publicado em 1994, no jornal A Folha
de São Paulo, que a estratégia publicitária de Toscani está ligada na ideia de que
continua sendo possível promover uma espécie de universalidade humana, ao
reconhecer e utilizar precisamente o poder do mercado. Uma universalidade que
não se reduziria às imagens estereotipadas de uma felicidade fingida, própria do
modo de comunicação dominante, a publicidade. Sua meta não é destruir mas
modificar esse instrumento cultural de nossa época. Toscani tenciona fazer com que
se apreciem as marcas através de propagação de novas mensagens. Assim, a
capacidade comunicativa das marcas determinaria o seu valor.
Mesmo com um discurso que muitos podem achar ultrapassado para a época
atual, o que Calligaris escreve em 1994 sobre o auge do sucesso estrondoso da
Benetton, reverbera nos dias atuais (mesmo que timidamente). A forma de fazer
propaganda que a Benetton passou a utilizar no seu momento de sucesso – e de
muitas franquias –, parece ainda manter-se distante dos desejos das grandes
marcas da atualidade. No entanto, sabemos que foi com as campanhas recebidas
20
pelos consumidores como polêmicas, que Toscani afirmava que a publicidade
deveria se reinventar.
1.1.2 CAMPANHAS POLÊMICAS DA BENETTON
Reconhecidas e lembradas no mundo todo pelo seu estilo de mostrar uma
“impressão de realidade” através das imagens e dos fatos cotidianos, as campanhas
da Benetton foram por muito tempo alvo de denúncia, censura e críticas. Nunes
(2002) descreve a Benetton como a mais famosa marca vinculada à ideia de
polêmica. Talvez sendo quem mais lucrou com a exposição do sofrimento humano
no meio publicitário de hoje.
A partir de 1989, os anúncios da Benetton produzidos por Toscani tiveram o
objetivo principal de mostrar a sua posição sobre a questão da discriminação racial.
A primeira campanha que inspirava uma polêmica mundial foi a de um bebê branco
nos braços de uma mulher negra, sendo amamentado (Figura 2).
Essa campanha, como afirma Toscani (2009), foi muito bem recebida no
mundo inteiro e ganhou vários prêmios. Com exceção dos Estados Unidos, onde
organizações minoritárias negras julgaram-na racista. Segundo elas, o cartaz
reproduzia o velho clichê colonialista da criança branca e a ama-de-leite negra.
No entanto, mesmo embebida de polêmica, os anúncios da Benetton eram,
para alguns, uma inovação na maneira de fazer publicidade. Semanas depois da
publicação do cartaz que havia causado espanto em comunidades negras, Spike
Lee (apud TOSCANI, 2009, p.49), escreveu em um artigo para a revista Rolling
Stone: O emprego, a droga, o crime, a Aids, a guerra, o racismo, a educação, os sem-teto, o meio ambiente são esses realmente os grandes problemas da atualidade, a cujo respeito teremos de tomar iniciativas. [...] É nesse aspecto que o responsável pelos anúncios da Benetton leva uma boa vantagem sobre os concorrentes. Devo dizer que não alimento nenhuma ilusão sobre eles. A Benetton quer ganhar dinheiro, exatamente como as outras empresas. Na realidade, todos nós queremos; os meios para consegui-lo é que faz a diferença. Todo mundo sabe que o modo mais rápido de ganhar dinheiro no cinema, na música ou na propaganda é o sexo. Frequentemente acho que se escolhe o caminho de sempre. [...] A primeira vez que eu vi um anúncio da Benetton não percebi o que ela estava vendendo [...].
21
Além dessa imagem da criança mamando nos seios de uma mulher negra, a
campanha também tinha mais duas outras imagens que gerava tanto desconforto
quando a primeira. Essa segunda imagem (Figura 3) mostrava dois homens, um
branco e um negro, com as mãos unidas por uma algema – Nunes (2002, p. 76)
escreve que a inspiração veio da famosa frase do dramaturgo alemão Bertold
Bretch: “É mais ladrão quem rouba um branco ou quem funda um banco?” – na
ambiguidade de não saber quem está prendendo quem; uma terceira (Figura 4), um
jovem negro e um jovem caucasiano vestidos com uniforme de padeiro, depois de
assar uma fornada de pães. No entanto, como descreve Mantle (1999, p.179) é na
imagem da mulher amamentando a criança que Toscani realmente justifica suas
pretensões de grandeza artística e inspira até hoje uma simplicidade e beleza
espantosa com ela.
Figura 2 – Mulher amamentando
Fonte: The Inspiration Room.
Figura 3 – Homens algemados
Fonte: The Inspiration Room.
22
Figura 4 – Padeiros
Fonte: Glaad.
A polêmica continua em 1990, quando Toscani produz várias fotos mostrando
contrastes e cores, numa tentativa preliminar de sugerir uma união entre as
diferentes etnias. Começaram a ser veiculadas a imagem de dois bebês nus (Figura
5), um branco e outro negro, sentados em seus penicos, e uma pequena mão de
uma criança negra contra a mão de um adulto branco (Figura 6).
Figura 5 – Crianças no penico
Fonte: Photoguides.
23
Figura 6 – Mão negra com mão de um adulto branco
Fonte: Diversity Propaganda.
Tempos depois Oliviero Toscani escreve em seu livro:
Depois dessa campanha, compreendi o seguinte: cada qual de acordo com os seus preconceitos e as suas interpretações. [...] Com essas propagandas eu queria dialogar com o público sobre o poder das ideias petrificadas e dos lugares-comuns – a publicidade está repleta de tudo isso. Sobre flexibilidade e a liberdade de espírito. Sobre a tolerância. Por que a maioria das pessoas se detém na primeira reação, no tabu racista ou anti-racista? Por que a publicidade, como arte, como qualquer meio de comunicação, não poderia ser um jogo filosófico, um catalisador de emoções, um espaço polêmico? Fui o primeiro a surpreender-me com a violência das reações e do poder dos clichês racistas. Depois percebi que jogar com os lugares-comuns oferece à publicidade um formidável poder de raspagem das ideias recebidas. (TOSCANI, 2009, p. 51).
Entre 1990 e 1991 foram produzidas algumas campanhas com outros temas,
como a Guerra do Golfo e a AIDS, mas as campanhas de preconceito racial
continuaram. Nesta mesma época, Toscani fez uma foto (Figura 7) com vários
Pinóquios de cores diferentes e outra (Figura 8) com três crianças de etnias
diferentes mostrando a língua – imagem que foi considerada pornográfica e sua
exibição foi proibida nos países árabes.
24
Figura 7 – Pinóquios
Fonte: Diversity Propaganda.
Figura 8 – Crianças com língua de fora
Fonte: Diversity Propaganda.
Para polemizar o momento da época, Toscani lança no verão de 1990, uma
imagem que somente foi publicada no dia em que estourou a guerra entre o Iraque e
os Estados Unidos. Era a imagem de um cemitérios com suas cruzes brancas
alinhadas sobre a grama verde (Figura 9).
25
Figura 9 – Cemitério com cruzes brancas
Fonte: Photoguides.
Para Mantle (1999), a imagem é de uma realidade intensa, quase
insuportável, mesmo em tempos de paz. Na deflagração da Guerra do Golfo, ela
mostrou que era forte demais e foi banida da Itália, da França, da Inglaterra e da
Alemanha.
Toscani (2009) escreveu após as reações de repulsa – tanto dos jornais
quanto das pessoas –, que foi a primeira vez que apareceram o que ele chamava de
argumentos sobre a ingenuidade da publicidade, defendida pelos seus colegas
publicitários e que esta não devia falar de guerra, de paz, de morte.
Para esses profissionais, escreve Oliviero:
Mostrar cemitérios numa publicidade é explorar a morte para vender, é imoral, cínico. Para esses belos espíritos, a publicidade está condenada ao vazio. A publicidade não deve ser um meio de comunicação realista e polêmico [...]. (TOSCANI, 2009, p. 54).
No início de 1991, após acusarem tanto a Benetton de explorar a morte e a
guerra para vender roupas, é lançada uma nova campanha que concebia uma
imagem oposta aquela produzida anteriormente: a foto de uma criança que havia
recém nascido, nua, coberta de placenta e ainda ligada à mãe pelo cordão umbilical.
Toscani (2009) via nessa imagem, em plena guerra do Golfo, uma imagem de
esperança, que a vida continuava apesar da depressão generalizada. A imagem, no
entanto, causou uma polêmica ainda maior que a anterior, como escreve o fotógrafo
no seu livro A Publicidade é Um Cadáver que Nos Sorri (2009):
26
Fui atacado por quase toda a imprensa europeia, que recusou a publicidade, na Itália, na França e na Inglaterra, inclusive nos jornais considerados de vanguarda. Na Sicília, a prefeitura de Palermo mandou que a rasgassem. Numa cidade onde a Máfia mata uma pessoa por dia, a imagem de um recém-nascido era certamente uma provocação!. (TOSCANI, 2009, p. 55).
O fotógrafo não entendia se o que mais incomodava era a imagem em si ou o
fato de que a realidade e a arte tivessem aparecido juntas na publicidade.
A imagem era e é chocante na medida em que transmitia duas realidades
conflitantes, escreve Mantle (1990, p.1999): o sentimento instintivo de intimidade
que vem da primeira visão de uma nova vida e o lançamento brutal dessa imagem
suprema de inocência sob a luz fria de um quadro de propaganda ao ar livre - já que
havia sido publicada em outdoors.
Em 1992, uma outro anúncio marca uma nova fase da Benetton em
campanhas contra a AIDS, em especial a foto do aidético David Kirby com sua
família nos momentos seguintes a sua morte, tirada por Thérèse Frare e publicada
na revista Life. A foto havia sido feita com o consentimento da família Kirby, que
também liberou o uso da imagem à Benetton como parte de sua campanha intitulada
Choque de Realidade.
Para a Benetton, a partir dessa campanha que retratava a realidade das
famílias que sofriam com a devastação causada pela AIDS, a marca abandonou
todo o artificialismo das fotos de estúdio, passando para o cenário da vida real e,
principalmente, incontestavelmente verdadeiro.
Oliviero acreditava que se as fotos fossem verdadeiras e fotografadas no
cenário cotidiano, as polêmicas desapareceriam e ele ficaria livre das acusações de
manipulação das imagens (CALAZANS, 1998, p. 50). Mesmo assim, surgiram
críticas afirmando que o trabalho de Toscani era manipular a realidade, que era uma
fraude.
Depois dessa imagem de David Kirby e das críticas que ela gerou, a Benetton
continuou seu trabalho de intervenção, comprometendo-se contra a exclusão dos
aidéticos, dessa vez com a campanha de outono/inverno de 1993, que consistia em
três fotografias mostrando um braço, uma nádega e a parte superior da virilha –
cada uma carimbada com a inscrição “HIV positivo”, que era também o nome da
campanha. O objetivo declarado era enfatizar as três principais vias de infecção,
27
além de condenar a estereotipização dos portadores de AIDS, escreve Mantle
(1999, p. 218). As críticas continuaram e incluíam as reações de desaprovação de
grupos de AIDS nos Estados Unidos, que acharam que a campanha sugeria que as
pessoas contaminadas pelo vírus fossem marcadas pela sociedade. Além das
críticas de consumidores e organizações de prevenção da doença, Toscani recebeu
novamente as pesadas manifestações de repúdio dos profissionais de comunicação,
sobretudo de publicitários. E relata:
O tamanho do preconceito de todos esses homens de comunicação, ontem contestadores, libertários egressos dos acontecimentos de maio de 1968, me causa pena. Tanto na Europa quanto nos Estados Unidos, persuadiram-se de que somente eles possuem a chave da interpretação correta das imagens “HIV positivo”. Não admitem que outros as sintam e analisem de modo diferente. Esses grandes teóricos da publicidade ainda não compreenderam o poder criador irredutível da imagem. Sua capacidade de dar livre curso às paixões e às múltiplas interpretações para além de um sentido convencional e dogmático. Esses intelectuais, que se acreditam ultramodernos, trazem novamente à cena a velha querela da coisa escrita contra a imagem, do texto como o único depositário da verdade. Não admitem que uma foto esteja carregada de uma força explosiva, sem estar legendada. [...] Ainda não compreenderam que o nosso mundo desdobrou-se num universo de imagens e telas que chega ao ponto de rivalizar com o real. Quereriam que as fotos das revistas ou aquelas que dançam nas televisões fossem apenas reflexos, reproduções sem significação, cuja verdade somente eles poderiam enunciar. Pois estão enganados, o virtual é o real. A imagem é a verdade. Uma verdade aberta. Turbulenta. (TOSCANI, 2009, p. 85).
O ensaísta Michel Danthe (apud Toscani, 2009, p. 86), refletiu sobre a
campanha da Benetton afirmando que em vez de longos discursos, da cansativa
argumentação ou de qualquer outra coisa que se dirija prioritariamente à razão, a
Benetton visa o choque emotivo e cabe ao espectador, ao pedestre que cruza seu
caminho com a publicidade e a discute com as pessoas próximas ou com os colegas
de trabalho tomar uma posição e refletir a respeito, criar uma opinião própria, entrar
ativamente no processo de comunicação. Para Danthe, a mensagem da Benetton é
o debate, a discussão, é a polêmica acirrada, a dimensão inesperada, incontrolável,
caótica, imprecisa, porque em cada vez arrebata um receptor independente, que por
fim conclui aquilo que bem entende. Já Nunes (2002, p. 77) escreve no livro
Configurações do Grotesco, que essas campanhas provocam escândalo
28
precisamente porque injetam doses maciças de realidade no sistema de falsificação
da publicidade.
Apesar das campanhas serem polêmicas e carregarem uma porção de
ambiguidade, era nesse ponto que as imagens deveriam contribuir para o
renascimento da cultura, assim como fazem os artistas e fotógrafos: levar às
pessoas um sentimento crítico, um estilo desorientador, concepções novas – que
muitas vezes determina o escândalo das imagens. Era o receptor, portanto, que
deveria fazer sozinho sua leitura e ter sua compreensão de imagem através de sua
contestação crítica.
Desse modo, se a publicidade é uma indústria, é também uma arte, pois ela
traz consigo o valor do real, mesmo que as imagens sejam manipuladas ao retratar
a vida, o fato é que elas representam um ponto de vista da realidade que não pode
jamais ser contestada. O real, desse modo, é algo intrínseco a cada um que vê a
imagem e que pode – ou não – vir acompanhado com a ideia de polêmico.
Em 2011, a Benetton volta a envolver-se com anúncios que desconcertam o
público com a campanha de lançamento da Fundação UNHATE. As imagens
traziam líderes políticos e religiosos beijando-se na boca e causou muita polêmica,
principalmente no Vaticano. A campanha também apresenta, em filme produzido
pelo francês Laurent Chanez, a proposta da Fundação em promover uma cultura de
passividade entre os povos e a aceitação da diversidade religiosa, étnica, sexual e
política. É esse, portanto, o objeto do nosso estudo. A análise do filme UNHATE.
1.2 FUNDAÇÃO UNHATE E SUA PRIMEIRA CAMPANHA
A Fundação UNHATE foi criada pela Benetton e visa contribuir para a criação
de uma nova cultura contra o ódio, com base nos valores da marca, que acredita ser
um passo importante na estratégia do grupo – não no exercício comercial da moda,
mas na contribuição sobre a comunidade internacional.
A UNHATE tem como pretensão ser vista como uma think tank2, atraindo
personalidades e talentos das áreas de cultura, economia, direito e política, e
2 Think tank ou Usinas de ideias são organizações que atuam no campo das políticas públicas, gerando conhecimentos para subsidiar a formulação, implementação e avaliação de políticas públicas, visando as transformações sociais e fortalecimento da cidadania. Os think tanks podem ser independentes ou filiados a partidos políticos, governos, grupos de interesse ou corporações privadas.
29
pessoas que passaram de simples cidadãos para líderes de movimentos,
distinguindo-se através de suas ideias e ações contra as causas e os efeitos do
ódio. Para a Benetton, o ódio é uma das causas para a falta de desenvolvimento
social e econômico das novas gerações. Desse modo, a Fundação financia projetos
e ações nas comunidades locais para promover o diálogo e a aceitação da
diversidade. Esses projetos são implementados por associações e organizações
cujos beneficiários são, principalmente, crianças e jovens, e são selecionados por
sua capacidade de trazer efeitos positivos duradouros nas comunidades alvo onde
os jovens vão se tornar verdadeiros agentes de mudança e de luta contra o ódio.
No Brasil, o projeto apoia associações que trabalham para dar uma vida
melhor a crianças e jovens – por meio da arte e da música –, que vivem nas favelas
e que são vítimas e autores de ódio e violência diariamente.
Nos países onde o ódio étnico e a falta de aceitação da diversidade cultural
levou a conflitos que duram anos, a Fundação UNHATE também apoia projetos
desenvolvidos por grupos de jovens e associações que trabalham para reconstruir a
base social de seus países.
Com a nova campanha mundial de comunicação, a United Colors of Benetton
convida os líderes e os habitantes do mundo a se oporem à cultura do ódio e cria a
Fundação UNHATE.
Para a Benetton, resumindo os objetivos de se opor à cultura do ódio e
promovendo a proximidade entre os povos, crenças, culturas e a compreensão
pacífica das diversidades, a campanha dá visibilidade mundial a uma importante
ideia de tolerância, para convidar os cidadãos de todos os países, em um momento
histórico de grandes turbulências econômicas, políticas e sociais, a refletir sobre
como o ódio nasce. A campanha utiliza instrumentos como a web, as mídias sociais
e a imaginação artística, além de chamar para a ação aqueles que são o público-
alvo da campanha, ou seja, os cidadãos do mundo. Ao mesmo tempo, insere-se
plenamente nos valores e na história da Benetton que – escolhendo temas sociais e
promovendo ativamente causas humanitárias que não teriam tido a possibilidade de
serem comunicadas em escala global – deu sentido e valor à própria marca,
construindo um diálogo duradouro com as pessoas do mundo.
O projeto de comunicação inclui uma série de iniciativas e eventos que deram
início em novembro de 2011, nos principais jornais e sites do mundo. O tema central
é o beijo, o símbolo mais reconhecido do amor, entre líderes políticos e religiosos do
30
mundo. A campanha publicou, nesses veículos, imagens de Barack Obama e o líder
chinês Hu Jintao; o Papa Bento XVI e Ahmed Mohamed el-Tayeb, imã da mesquita
de AL-Azhar no Cairo (imagem que mais tarde foi retirada da campanha a pedido do
Vaticano); o presidente da Autoridade Nacional Palestina Mahmoud Abbas e o
primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu.
Trata-se de imagens simbólicas de reconciliação, com um toque de
esperança irônica e provocação construtiva, para solicitar uma reflexão sobre como
a política, a religião e as ideias, mesmo que diferentes e contrapostas, devem,
todavia, levar ao diálogo e à reflexão.
Faz parte da campanha um filme intitulado com o nome da Fundação, do
diretor francês Laurent Chanez, que conta o equilíbrio e o envolvimento entre o
impulso para o ódio e as razões do amor. É realizado com uma progressão de
imagens intencionalmente ambíguas: flertes com os olhos ou olhares desconfiados,
pessoas que se abraçam ou lutam, rebeliões ou festejos, brigas ou danças
desenfreadas. Momentos extremos de conflito ou de amor: dois lutadores depois de
um round e um casal que acaba de fazer amor. O filme foi veiculado na internet, no
site UNHATE, no endereço benetton.com e no Youtube, além de projetado em
alguns cinemas do mundo.
A campanha, a criação da Fundação e as outras iniciativas do projeto
UNHATE testemunham a vontade da Benetton de ser propulsora do desejo de
participação e mudança que anima os cidadãos do mundo, e sobretudo os jovens,
convidando-os a ser protagonistas ativos nas suas iniciativas para a comunidade,
principalmente por meio da internet, das mídias sociais e de outros aplicativos
digitais.
Em um cenário mundial marcado por ações colaborativas, a campanha é
mais um passo adiante da comunicação da Benetton que visa a atuação e a ação de
todos, em nome de uma democracia ampliada e aberta, sem limites físicos, políticos,
sociais ou ideológicos. E é nesse ambiente que entra a análise da representação do
real no filme. Buscaremos, a partir do capítulo seguinte, entender como o realismo é
tratado na publicidade e buscar compreender as suas funções estéticas, para então
observar como é feita a sua representação no trabalho de Chanez.
De modo geral, esse panorama das campanhas da Benetton e o trabalho feito
por Toscani como fotógrafo, servirá para entendermos a construção estética do
realismo no filme que analisaremos, tendo em vista que mesmo Toscani não
31
participando da construção visual da campanha, Chanez mantém, em alguns
momentos, referências que evidenciam o trabalho do fotógrafo e mostra que a
fórmula Benetton de fazer propaganda criada por Toscani ainda está presente nos
dias atuais.
32
2 O REALISMO E SUAS FORMAS Este capítulo aborda o Realismo sem que seja preciso se aprofundar na
pintura e seus artistas, mas sim trazendo a questão do real nas imagens de uma
forma geral e que a revela como sendo um ideário estético que conecta a
experiência com a representatividade da realidade. Nesse viés, é a imagem com o
“efeito real” tratada na publicidade que terá a maior importância nesta segunda parte
do estudo.
Partindo das ideias que deram surgimento ao movimento artístico na França,
um dos traços marcantes que o realismo pode trazer é o tom satírico e irônico, e ao
mesmo tempo, através de representações de figuras, podem ser reveladas também
preocupações sociais. Em outras palavras, além de ter uma linha irônica, o realismo
também pode carregar sua dose de crítica social. E é esse o aspecto estético do
realismo que vamos analisar na campanha UNHATE, da Benetton.
Grosso modo, o realismo estético, em suas diversas manifestações, produz
retratos da “vida como ela é”, como afirma Jaguaribe (2007). Ou seja, o realismo faz
uso da ficção e de recursos de intensificação dramática para criar mundos plausíveis
que forneçam uma interpretação da experiência contemporânea.
Partindo desse pressuposto, essas interpretações e ficções realistas fazem
uso do senso comum cotidiano, que se sustenta no verossímil. É por esse motivo
que muito do que se vê em filmes, fotografias e na TV que retrata o cotidiano,
sempre chama atenção por estar sustentado no verossímil. Jaguaribe reforça que
Embora possam até retratar de forma crítica e contundentes as mazelas do social, esses códigos realistas não abalam a noção da realidade, mas apenas reforçam sua exposição. (JAGUARIBE, 2007, p.12).
Esses códigos realistas (formas de tratar o real) buscam acentuar a
percepção de nossa condição no mundo por meio de imagens e narrativas que
desestabilizem clichês, sem que isso implique experimentos ao estilo das
vanguardas de antigamente. Na fotografia, no cinema, na literatura e nos meios de
comunicação, por exemplo, o realismo estético constitui-se como um senso comum
que permeia a percepção do cotidiano na modernidade.
33
Desde o século XIX, quando o realismo surge como uma nova estética, a
carga de sua legitimidade enquanto representação da realidade desenvolveu-se em
campos convergentes. Em linhas gerais, existe, de um lado, aqueles que aderem
aos ideários estéticos do realismo e enfatizam uma ligação entre representação e
experiência de realidade. De outro, aqueles que se opõem à legitimação privilegiada
dos códigos realistas e insistem que o realismo é uma convenção estilística que
mascara seus processos de ficcionalização porque as normas da percepção
cotidianas são medidas pela naturalização da visão de mundo realista do momento,
ou seja, as estéticas do realismo crítico almejam captar as maneiras cotidianas pelas
quais os indivíduos expressam seus dilemas existenciais por meio das experiências
subjetivas e sociais que estão em circulação nas montagens da realidade social. Em
outras palavras, o realismo passa a oferecer uma intensificação desses imaginários,
na tentativa de tornar o cotidiano disforme e disperso mais significativo, mesmo que,
na maioria das vezes, a representação social que resulte disso seja o de cenários
arrasados.
Quando, no primeiro capítulo deste estudo foi trazido à tona o histórico das
campanhas publicitárias de Oliviero Toscani para a Benetton, a ideia era mostrar
justamente essa tentativa de apresentar cenários arrasados que provinha do retrato
social/político da época em que as fotos foram tiradas, mesmo que aquelas fotos
fossem realidades ficcionalizadas. Há, nesse ponto, uma discussão paradoxal em
torno do realismo que é exatamente em inventar ficções que parecem realidades.
Porém, há um outro componente, como escreve Jaguaribe:
A realidade é socialmente fabricada, e uma das postulações da modernidade tardia é a percepção de que os imaginários culturais são parte da realidade e que nosso acesso ao real e à realidade somente se processa por meio de representações, narrativas e imagens. (JAGUARIBE, 2007, p. 16).
Dessa forma, se questionar se as estéticas do realismo são o meio mais
adequado de retratar a realidade é um assunto que necessita um longo e intenso
debate. Parece que a realidade nunca esteve em tanta demanda quanto agora na
nossa cultura global mediada pelos meios de comunicação e pelo cinema. Na
medida que há uma crescente demanda pela realidade, ela também é
crescentemente contestada.
34
É importante deixar claro que uma das consequências da globalização
cultural – trazidas até mesmo nas campanhas publicitárias da United Colors of
Benetton (ver primeiro capítulo) – foi a naturalização dos códigos do realismo como
forma de apreensão do cotidiano, por mais que esse cotidiano fosse, algumas
vezes, trabalhado com um viés fortemente crítico e contestador da sociedade.
O realismo como percepção do cotidiano e registro de realidade relacionada
na evidência dos fatos parece, desse modo, legitimar uma captação corriqueira da
realidade a partir daquilo que vivenciamos na vida. Além disso, pode até mesmo se
caracterizar por uma visão de mundo que tira ou põe em isolamento fantasias,
crenças e tradições que também se manifestam na fabricação social da realidade.
Jaguaribe (2007) afirma existir uma naturalização do registro realista na produção
dos noticiários, nos romances do cotidiano, no controle e expectativas do presente e
do futuro e, ao mesmo tempo, há um mundo de fantasias consumistas, devaneios
publicitários, práticas místicas, imagens e narrativas que nos evocam mundos
encantados, improváveis e delirantes. Sobre essa dialética do realismo e a ficção da
realidade, ela completa:
O que caracteriza a ficção realista, nos seus diversos avatares desde o seu surgimento no século XIX até hoje, é que a narrativa ou a imagem realista nos diz que está em sintonia com a experiência presente, que ela traduz a equiparação entre a representação do mundo e a realidade social. [...] no mundo global saturado pelos meios de comunicação, evidenciamos uma superprodução de imagens de realidade. (JAGUARIBE, 2007, p. 17).
É possível perceber que existe, em contrapartida, uma produção de realidade
exacerbada pelo sensacionalismo, pela propulsão do choque, pela necessidade de
produzir novidades, pela velocidade de informações fragmentárias que não
compõem um retrato total do social-global.
Se a arte realista, no século XIX, se insurgiu como crítica ao romantismo e ao
imaginário fantasioso, hoje ela pode ainda retratar a realidade de forma ficcional,
como acontece – algumas vezes – na publicidade. Dessa forma, o cotidiano banal
torna-se assunto de interesse artístico, uma vez que o intuito primário da arte
realista é oferecer uma observação da vida contemporânea.
Enquanto representação estética, o realismo é, nas palavras de Terry
Eagleton (2003) (tradução nossa), “um dos termos mais escorregadios”. Para ele, o
35
realismo artístico não pode significar “representar o mundo tal qual é” mas sim
“representá-lo de acordo com as convenções da representação do mundo real”. Esta
dimensão atesta não somente que uma multiplicidade de estilos e formas de
representação se expressa pela rubrica “realismo”, mas que a palavra “realismo”
traduz uma intensa conotação ideológica que enfatiza a conexão entre
representação artística e realidade. No seu sentido mais primário, o realismo estaria
conectado com a utilização da mimese3, ativando a noção da arte como cópia de
uma realidade e mundo material.
É possível entender até agora que o realismo estético do século XIX buscou
sempre proporcionar retratos da contemporaneidade, destacando a observação
distanciada, o olhar crítico sobre as formas de comportamento dos indivíduos na
sociedade e a construção ideológica de valores sociais, na tentativa de responder às
questões sociais urgentes do seu tempo. Essa busca por respostas em relação ao
mundo contemporâneo continua sendo visto hoje através de imagens realistas,
mesmo nos meios de comunicação.
Desse modo, ainda, o realismo acaba se firmando não como uma estética
que nos dá uma documentação factual ou completa, mas como fabricador de uma
ilusão de mundo que reconhecemos como real. Em outras palavras, “o realismo
busca uma representação extraída da experiência cotidiana de vivenciar o mundo
atrelada ao senso comum da percepção.” (JAGUARIBE, 2007, p. 27).
Sobre o realismo e suas formas, podemos entender que ora ele se configura
como reprodução da vida “tal qual ela é”, ora se mostra como uma representação
ficcionalizada, se apresentando como um retrato de realidade ou dando um efeito de
real aquilo que ela se propõe a (re) produzir. Ou seja, o realismo enfatiza a vida
costumeira, a representação figurativa, o retrato social e a psicologia dos
personagens como marcos definidores de um sentido comum cotidiano.
2.1 O REALISMO NA PUBLICIDADE
Com o desenvolvimento dos meios de comunicação estimulado pelo
progresso das tecnologias e pela produção industrial, a sociedade pós-moderna,
carimbada pelo consumo, a economia e a comunicação, testemunhou o nascimento
3 A mimese aqui é entendida como um ilusionismo espelhado, uma representação que parece copiar aquilo que existe no mundo. (JAGUARIBE, 2007, p. 26).
36
da era globalizada e midiatizada. É nesse cenário que a mensagem publicitária se
converte em um importante instrumento comunicacional, atuando na cultura, na
economia e no comportamento das pessoas, promovendo produtos e marcas.
É notório que o discurso publicitário, sobretudo as imagens, sofreram
transformações expressivas do ponto de vista de produção técnica, de conteúdo, na
estética visual e, principalmente, na construção de suas estratégias
comunicacionais.
Para falar especificamente do realismo na propaganda neste estudo e tentar
analisá-lo como aspecto comunicacional, foi preciso cruzar alguns teóricos que
falam sobre o realismo e o sincretismo entre a arte e a publicidade, como é o caso
de Giuliano Tosin, professor da PUC-Campinas, para então desenvolver esse
subcapítulo (além de Beatriz Jaguaribe e John Berger).
Atualmente existe um debate que mobiliza teóricos, artistas e publicitários,
sobre as possibilidades da propaganda como manifestação artística e que se utiliza
de estratégias estéticas, tais como o realismo. Em trabalho apresentado no VI
Encontro dos Núcleos de Pesquisa da Intercom, Tosin (2006) escreve que na
elaboração das marcas, ou seleção dos signos empregados em suas
representações, as influências artísticas na publicidade se fazem presentes nas
criações, de modo que é comum vermos nas peças publicitárias referências diretas
a artistas e movimentos.
A arte e a publicidade juntaram-se à vida cotidiana através dos processos de
espetacularização da cultura, permeando as subjetividades dos indivíduos, e
passando a manifestar suas influências e ideologias que transcendem as instâncias
do consumo, infiltrando-se em todos os setores da vida pública e privada.
Desse modo, algumas linguagens da comunicação passaram a manifestar-se
artisticamente, como é o caso da publicidade; e essa manifestação vem trazendo o
realismo em peças publicitárias gráficas e fílmicas, onde a hibridização com as artes
se deu com tal intensidade que, em alguns momentos, é impossível defini-las
isoladamente.
Para Tosin (2006, p. 7), a peça publicitária pode dialogar consigo própria,
consciente de sua presença na sociedade, e assumindo publicamente seu papel,
indo além de sua função comercial, deixando de ser meramente persuasiva e
passando a apresentar valores de contribuição cultural.
37
A forma da propaganda, que antes era voltada para a referencialidade, a
representar seus referentes de forma objetiva, visando convencer alguém em
relação a algo, ao se misturar com o pensamento artístico e, consequentemente,
aos seus movimentos, passa a concentrar-se não mais na representação do objeto
(produto), mas nos efeitos que a marca pode causar à subjetividade.
Em artigo publicado na revista Mediação, Viviane Loyola (2006, p. 135) chega
em um ponto que é possível ancorar de forma plausível o uso do realismo na
publicidade, uma vez que ela afirma que a publicidade é a vida cotidiana. Ou seja,
sua afirmação está em concordância ao que Jaguaribe (2007) afirma sobre as
questões do realismo. Segundo Loyola (2006, p. 136), não há como negar a perfeita
adequação da publicidade às expectativas do tempo vivido. A publicidade é, então,
fundida ao contexto social.
Portanto, nesse cruzamento entre o realismo trazido por Jaguaribe (2007) e
as ideias de Loyola (2006) quanto à publicidade, é possível perceber que as duas
podem caminhar juntas, desempenhando, também, seu papel revelador do mundo
real.
Em relação à publicidade, mesmo com o diminuto número de bibliografias
sobre o realismo enquanto estética valorativa a um determinado produto e/ou marca,
é possível analisar o que Jaguaribe (2007) escreve sobre a fotografia – e
posteriormente ao cinema – para, então, refletir suas ideias na publicidade.
A autora (2007, p. 30), escreve que a fotografia pode produzir um “efeito do
real” de outra ordem e categoria e que toda imagem fotográfica possui o índice de
que tal paisagem, objeto ou pessoa efetivamente esteve, durante um tempo
pretérito, imobilizado diante da câmera. Ou seja, a fotografia realiza uma
transformação do mundo em imagem. O apelo dos meios de comunicação, nesse
ponto, é justamente fazer com que a imagem ou a narrativa midiática seja mais rica
de realismo do que nossa realidade incompleta e individual.
Partindo desse ponto de vista, os enredos e imagens dos meios midiáticos,
como na publicidade, serão absorvidos no cotidiano de milhares de pessoas e se
transformarão nos códigos interpretativos com os quais elas delimitam o mundo e
enredam suas próprias narrativas pessoais. Jaguaribe (2007) aponta exatamente
essa construção de subjetividade quando diz que
38
[...] a câmera fotográfica, o cinema e posteriormente, no final dos séculos XX e XXI, a realidade virtual potencializaram o “efeito do real”. A realidade tornou-se mediada pelos meios de comunicação e os imaginários ficcionais e visuais fornecem os enredos e imagens com os quais construímos nossa subjetividade. (JAGUARIBE, 2007, p. 30).
Analisando os autores – a partir do que já vimos até agora –, é possível dizer
que a publicidade, mesmo representando o real de maneira ficcionalizada e
manipulada 4 , consegue criar realidades que serão interpretadas pelo
espectador/leitor e que fará, a partir daquele momento, parte de seu cotidiano, por
se propor a representar a vida tal como ela é e também de fabricar a realidade
através dos meios de comunicação. Para fortalecer esse pensamento, Jaguaribe
(2007, p. 27) afirma que na arte realista crítica, o “efeito do real” e a retórica da
verossimilhança deveriam ser acionados não para simplesmente configurar o quadro
mimético dos costumes, mas para mascarar os próprios processos de
ficcionalização e assim garantir ao leitor/espectador uma imersão no mundo da
representação que, entretanto, contivesse uma análise crítica do social e da
realidade.
Tanto Berger (1999) quanto Toscani (2009) concordam que em algumas
propagandas tudo é felicidade, sem guerras, sem a fome nos países pobres, um
verdadeiro encanto, sendo a beleza perpetuada por corpos com bela forma e pelo
luxo material. A mensagem publicitária se encontra entre o sonho idealizado e o
desejo de usar o produto na vida cotidiana. Por outro lado, Berger (1999, p. 134)
afirma que a publicidade é eficaz justamente porque se alimenta do real, no entanto
quando chegamos ao realismo como estratégia, a ideia trazida por Berger (1999)
sobre o uso da realidade diverge com a de Toscani. John Berger (1999, p. 143)
escreve no seu livro Modos de Ver, que
[...] as mídias usam meios extremamente táteis para jogar com o sentimento que o espectador experimenta de adquirir a coisa real que a imagem mostra. Ou seja, ele tem a sensação de poder quase tocar o que está representado na imagem, fazendo com que se lembre como poderia possuir, ou efetivamente possui, a coisa real. (BERGER, 1999, p. 143).
4 Gonçalves (2006, p. 133) escreve que “vivemos uma nova era no contexto fotográfico: os filmes são, cada vez mais, substituídos por dispositivos levados aos computadores que trabalham as imagens e as manipulam com tal grau de eficiência, que é possível criar o que não existe – a era virtual“.
39
Nesse caso, podemos dizer que o realismo aqui tem sua estratégia ligada ao
poder de venda de um determinado produto. Toscani (2009) se mantém na esfera
da publicidade enquanto instrumento de contestação social.
Atualmente, verifica-se o uso de estratégias publicitárias que superam os
elementos de representação de beleza e perfeição, explorados nos anúncios
convencionais. Daí o interesse deste trabalho em concentrar-se apenas nesses tipos
de estratégias (seja com a finalidade de venda, seja como ferramenta documental de
contestação social) que parecem romper com o protótipo do “mundo ideal”. São
estratégias que criam a ideia de preocupação com o destino do mundo, com as
tragédias e os problemas da humanidade. Surge, com essa fuga do lugar-comum da
publicidade, o uso de recursos, de meios e de metodologias de outras mídias, como
o jornalismo e o cinema documental.
Na dialética sobre o a produção de sentido real, existe hoje uma questão que
nos envolve numa discussão de que a mídia não é uma simples ferramenta de
registro de realidade, mas um instrumento de produção de realidade, uma realidade
espetacularizada, fabricada para a excitação dos sentidos, o que vai contra as
críticas em relação ao trabalho de Toscani de que seu trabalho era manipular a
realidade e que esta era, portanto, uma farsa.
Quando falamos em realismo na publicidade, podemos entender como
publicidade referencial, ou seja, usando como instrumento no processo criativo um
discurso que parece tratar da realidade, um discurso que procura se adequar à
realidade do público ao qual ela se destina. Confortin e Sprandel (2007), entendem
que esse tipo de publicidade exige do seu criador um caráter crítico e observador do
cotidiano, isso para criar argumentos informacionais que envolvam o público e a
mensagem ali apresentada.
Trata-se de uma publicidade de verdade, concebida como uma adequação da realidade, como uma construção. A publicidade referencial também procura, por meio de anúncios realistas, demonstrar que ao criar um anúncio, procura falar a verdade. (CONFORTIN; SPRANDEL, 2007, p. 230).
Aqui fica mais evidente como pode ter sido construído o processo criativo no
filme publicitário da campanha UNHATE, que analisaremos no terceiro capítulo.
Onde, de fato, está apoiada a linha criativa da Benetton? Na contestação política-
40
social e papel revelador dos problemas do mundo sem visar o lucro da marca ou
como estratégia valorativa do produto? Essas questões são possíveis pois o
realismo também pode se apresentar como estratégia subjetiva na interpretação do
consumidor – o que permite que uma linha criativa, a princípio desenvolvida para,
sim, revelar os problemas do mundo sem visar o lucro, possa mais tarde alcançar
um valor de marca justamente pela sua tentativa contestadora.
2.1.1 AS FUNÇÕES DO REALISMO NA PUBLICIDADE
Estamos em uma parte deste estudo que a bibliografia sobre o realismo
ligado especificamente à publicidade é objeto raro. Visto dessa forma,
continuaremos a nos valer do que Jaguaribe (2007) e Rocha (1995) defendem sobre
o realismo e as conceituações antropológicas da publicidade.
Segundo Jaguaribe (2007), o real e a realidade nos importam, de maneira
geral, porque pautam nossa possibilidade de significação do mundo e são
arduamente contestados e fabricados.
Num mundo de realidades em disputa, as estéticas do realismo no cinema, fotografia e literatura continuam a ser conclamadas a oferecer retratos candentes do real e da realidade, são acionadas a revelar a carne do mundo em toda sua imperfeição. (JAGUARIBE, 2007, p. 40).
Aqui estamos diante de uma análise feita a partir do realismo observado no
cinema, na fotografia e na literatura, mas se juntarmos as ideias trazidas por
Confortin e Sprandel (2007), podemos aplicar essa mesma análise de Jaguaribe
(2007) à publicidade.
Everardo Rocha (1995, p. 132) se apoia no realismo quando afirma que é no
momento da recepção que os anúncios e consumidores entram em contato, e é
neste momento que o anúncio intervém na realidade tal como esta era previamente
definida por aquele que a vivia. Ou seja, o consumidor pode vivenciar aquilo que
está no anúncio a partir do que ele interpreta e essa função pode ser revelada como
uma maneira de deixar produto e consumidor mais próximos. Nesse sentido,
podemos perceber que uma das funções do realismo na publicidade é envolver o
consumidor num fluxo de realidade próprio do anúncio.
41
[...] os anúncios publicitários podem ser tomados como mitos, como narrativas de modelos ideais do cotidiano, como ideologia do estilo de vida das classes dominantes. (ROCHA, 1995, p. 144).
Essa afirmação do autor nos permite analisar a publicidade como sendo
produtora de uma realidade que ainda não existe, mas que ao ser colocada diante
do consumidor, torna-se real.
Partindo desse pressuposto, se a imagem pode apreender uma equivalência
entre o real e sua representação, é possível afirmar que no mundo dos simulacros
não há mais real nem realidade. Há somente a realidade dos simulacros que são
narrativas, cópias e imagens independentes, que não têm lastro no real. Desse
modo, as notícias na TV que comentam eventos, atentados, celebridades, etc.,
estariam na plena ordem do simulacro, porque atuam em esfera própria, fabricando
enredos próprios como um jogo virtual.
A publicidade pode estar incorporando estratégias, sobretudo estéticas da
criação tradicional do fotojornalismo (talvez não com o acontecimento e o registro
instantâneo de um fato, mas ao retratar realidades tão quentes e que se aproximam
do que vivenciamos no cotidiano). Se é possível dizer isso sobre os anúncios
publicitários gráficos, podemos ancorar esse discurso também nos filmes
publicitários (objeto de análise neste estudo), uma vez que o filme UNHATE parece
se apropriar (em algumas cenas) de estilos deixados pelo gênero documentário do
cinema, por exemplo.
Esse uso estético do realismo na publicidade (que pode ter sua influência a
partir do fotojornalismo) tem como função, em parte, alcançar uma diferenciação em
relação as outras imagens publicitárias e, por outra, de ganhar respeitabilidade
(credibilidade e verdade) que são características não só do gênero fotográfico como
do gênero documentário.
Assim, a publicidade, ao fazer uso das estéticas documentais da fotografia e
do cinema como recurso da prática publicitária, beneficia-se ao fazer crer nos
atributos dos objetos para evocar efeitos de sentido. É nessa perspectiva que
buscaremos nos anúncios da Benetton, na campanha UNHATE, a forma de fazer
crer publicitária.
Outra função do realismo na publicidade é aquela defendida por Malpas
(2000, p. 76) de que o realismo encontra mais terreno para prosperar quando a
perspectiva é a de uma incredulidade e de um ativismo cuidadosamente
42
equilibrados. Ou seja, quando se pode demonstrar seriedade e rir ao mesmo tempo
diante de algo, por mais sarcástico que possa ser esse riso.
Essa função de sarcasmo e ironia que encontramos no movimento realista
artístico pode ser facilmente observada na publicidade se analisarmos os anúncios
que trazem os fatos cotidianos de forma tão cheia de significado que, ao interpretá-
las, o espectador/consumidor se veja diante de uma realidade ficcionalizada já
interpretada por ele. Esse reconhecimento da experiência vivida pode carregar sua
porção de sarcasmo ao intensificar sentidos críticos ao anúncio.
2.1.2 A MANIPULAÇÃO DO REAL NA PUBLICIDADE E QUANDO O
MANIPULADO SE TORNA REAL
Para falarmos de realidade na publicidade é preciso também se permitir
dialogar com a manipulação e, numa instância mais artística, com a manipulação
visual (fílmica e fotográfica), uma vez que a publicidade fabrica a realidade com base
numa experiência de cotidiano.
Aqui continuamos fazendo relações entre autores do realismo e da
publicidade para tentarmos encontrar um entendimento sobre a manipulação do real
na publicidade.
Jaguaribe (2007, p. 29) aponta que “desde o surgimento da máquina
fotográfica no século XIX, o status das estéticas realistas esteve fortemente
acoplado aos meios de reduplicação do real e da realidade fomentado pela cultura
visual e pelas novas tecnologias midiáticas”. Nessa linha podemos dizer que desde
o início da fotografia, na esfera da publicidade, o realismo estava ligado ao
manipulado, uma vez que para reproduzir uma imagem é necessário também
manipulá-la.
O surgimento de novos realismos na fotografia e no cinema nos séculos XX e
XXI, afirma Jaguaribe (2007), atesta uma necessidade de introduzir novos “efeitos
do real” em sociedades saturadas de imagens, narrativas e informações. Sobre
esses efeitos de realidade, a autora afirma que eles se diferem daqueles do século
XIX, na França, pois
43
[...] não se pautam somente na observação empírica ou distanciada, mas promovem uma intensificação e valorização da experiência vivida que, entretanto é ficcionalizada. (JAGUARIBE, 2007, p. 31).
Quando estamos diante de uma afirmação como essa, podemos nos
questionar, então, se o realismo depende do efeito produzido pela obra de arte –
aqui vou chamar de publicidade para entendermos a relação com o real –, a
imagem que sofre manipulação para ficar mais próximo da realidade continua sendo
chamada de real. Essa experiência real através da publicidade é ficcionalizada, mas
nem por isso deixará de representar a realidade, e ainda: compete ao artista
(publicitário) conceber outras formas de arquitetar a realidade idealizando novos
códigos ligados ao seu tempo.
Portanto, se o publicitário deve ser considerado inovador ao propor novas
formas de realismo na publicidade, a manipulação de uma realidade – uma imagem
que retrate a vida cotidiana –, mesmo fotografada ou filmada em um estúdio,
permanece, sim, possuindo seu efeito de real.
Se imaginarmos o cinema e o uso das tecnologias que ele faz, nos
questionaremos, por exemplo, se um filme que trabalhou com recursos de efeitos
especiais e conseguiu reproduzir uma realidade de um tempo passado, pode, ainda
assim, ser considerado realista.
Obviamente que as tecnologias facilitam o processo de manipulação quando
falamos de imagens digitais (hoje, a fotografia e o cinema), mas se pensarmos
mesmo no início do movimento realista, no século XIX, os pintores manipulavam o
momento real, ao produzir um cenário, colocar a modelo em determinada pose, com
determinadas vestimentas, para reproduzir com veracidade a imagem que era vista.
É diferente, portanto, de uma imagem jornalística, onde o fotógrafo capta a imagem
exatamente na hora que o fato aconteceu ou um filme documentário, onde as
imagens são gravadas como referência documental. Vimos que a publicidade
realista faz uso dessa estratégia do fotojornalismo, mas percebemos também que a
manipulação dela é feita para se aliar na composição da linguagem publicitária, ou
seja, a possibilidade de criar pela imagem e retratar emoções e sensações pela
fotografia ou pelo VT publicitário.
A transição entre o produzido (manipulado) e o real acontece quando
trabalhamos com o que Gutfreind (2011, p.3) apresenta como “impressão de
realidade”, onde a construção de um significado com essa impressão corresponde à
44
experiência vivida e o uso desse termo já é frequente no cinema, pois se apresenta
como uma técnica de reprodução das aparências, se valendo da busca pelo efeito
de real e a crença na aparência.
É nessa perspectiva que entendemos que aquilo que foi reproduzido e, neste
caso, manipulado, se torna real ao representar no manipulado as realidades.
Gutfreind (2011) cita exemplos como o filme fantástico ou a ficção científica que,
mesmo se distanciando do realismo, recorrem a ele em alguma instância. A
manipulação sofrida nesses gêneros, por exemplo, quando se ancoram ao realismo
para causar uma impressão de realidade, mesmo durante um período curto, se
transforma em real.
[...] a construção estética do mundo emerge num fluxo de discursos, subjetividades e imaginações. Em outros casos, a construção da realidade depende, em grande medida, do impacto do “choque do real” que, entretanto, deve construir significados que se diferenciem dos produtos comuns e correntes da mídia televisiva. (JAGUARIBE, 2007, p.104).
Tomando o termo de Gutfreind (2011) sobre “impressão de realidade”,
podemos concluir que ao reproduzir uma visão cotidiana do mundo usando a
manipulação de imagens (fotográficas e fílmicas, através da tecnologia de softwares
e a montagem, no caso do cinema), o manipulado passa a ter um sentido real, pois
se valeu da tanto de uma interpretação individual, quanto de uma intensificação de
real antes não possível (uso de efeitos especiais, cores mais vivas, etc.) que o
oferece uma impressão realista.
2.2 O CHOQUE DO REAL
O termo “choque do real” é definido por Jaguaribe (2007, p. 100), como sendo
a utilização de estéticas realistas que visam suscitar um efeito de espanto no leitor
ou espectador. Para ela, o termo busca provocar o incômodo e quer sensibilizar o
público (espectador/leitor) sem recair, necessariamente, em registros do grotesco,
espetacular ou sensacionalista. O impacto do “choque”, como ela diz, decorre da
representação de algo que não é necessariamente extraordinário, mas que é
exacerbado e intensificado. Ou seja, são ocorrências cotidianas da vivência
45
metropolitana, por exemplo, tais como violações, assassinatos, assaltos, lutas,
contatos eróticos, que provocam forte ressonância emotiva.
Essa definição do “choque do real” está relacionado a ocorrências cotidianas
históricas e sociais. Da perspectiva do criador artístico, entretanto, o uso do “choque
do real” tem como finalidade provocar o espanto, atiçar a denúncia social, ou aguçar
o sentimento crítico. Em qualquer dessas modalidades, o “choque do real”, afirma
Jaguaribe (2007, p. 100), quer desestabilizar a neutralidade do espectador/leitor sem
que isto acarrete, necessariamente, um agenciamento político.
No termo “choque do real”, a autora (2007, p. 101) faz uma observação sobre
os limites da representação e a escolha em relação à palavra “real”. Para ela, o real
[...] testa os limites da representação e supera os mecanismos seletivos do nosso controle consciente. Semelhante ao instante temporal que é vivido, mas que não pode ser conscientemente processado na instantaneidade de sua vivência temporal, o real somente pode ser apreendido após a filtragem cultural da linguagem e da representação. [...] o real tanto ultrapassa quanto permeia nossa experiência. (JAGUARIBE, 2007, p. 101).
Ou seja, se o real é a existência de um mundo que independe de nós, a
realidade social, ao contrário, é uma fatia do real que foi culturalmente produzida,
processada e fabricada por uma variedade de discursos, perspectivas dialógicas e
pontos de vista contraditórios.
Partindo desta ideia que estamos envoltos numa realidade construída
socialmente, buscamos simbolizar e produzir significados por meio de narrativas,
imagens e representações. As diversas estéticas do realismo são também formas
culturalmente geradas a partir da fabricação da realidade. Sobre essa discussão da
realidade produzida, Jaguaribe (2007, p. 101) diz que ao contrário dos repertórios
surrealistas da desfamiliarização ou das invenções da imaginação fantástica, as
estéticas do realismo podem oferecer retratos críticos da “experiência do mundo”
não porque produzem uma representação incomum de uma “realidade estranha”,
mas porque fazem a “realidade” tornar-se “real”. Ou seja, fabricam uma
representação de realidade carregada de “efeito do real”. Desse modo, a “mentira”
estética do realismo, como reforça Jaguaribe (2007), reside na sua capacidade de
organizar narrativas e imagens de modo a oferecerem uma intensidade do real
maior do que o fluxo disperso da cotidianidade.
46
Isso não implica que toda estética realista deve fazer uso da verossimilhança
ou que esteja estreitamente vinculada às convenções miméticas. Muitas formas
inovadoras do realismo conseguem introduzir um retrato inquietante da realidade, ao
enfatizarem aspectos pouco usuais que, entretanto, não devem ser processados
como fantasiosos, como afirma a autora:
o realismo crítico questiona, muitas vezes, as percepções do sentido comum e hegemônico da realidade que usualmente são decodificados como sendo a própria experiência do real objetivo. (JAGUARIBE, 2007, p. 102).
É possível analisar que como tantos outros esforços artísticos, certas
expressões do realismo estético buscam ir além dos mecanismos socialmente
produzidos da realidade.
Jaguaribe (2007) aponta que nas diversas abordagens da vida social,
experiência e interpretação da realidade, os diferentes códigos do realismo fazem
uso do efeito do real e que diferencia-se de acordo com cada momento histórico,
assim como depende dos variados materiais e suportes técnicos que são utilizados
enquanto meios para a representação. Isso significa que não importa quais sejam o
meio e a mensagem, esse “efeito do real” sempre depende da evocação de noções
culturalmente construídas da realidade que, muitas vezes, são absorvidas como
uma figura de linguagem do próprio real.
Existe uma dialética entre o “efeito do real” e o “choque do real” que é
refletido nas narrativas e imagens, sobre isso Jaguaribe coloca que
[...] enquanto o “efeito do real” busca, por meio do detalhe de ambientação, do fluxo da consciência ou de quaisquer outros meios narrativos, reforçar a tangibilidade de um mundo plausível, o “choque do real” visa produzir intensidade e descarga catártica. Refere-se a certas narrativas e imagens que desprendem uma carga emotiva intensa, dramática e mobilizadora que, entretanto, não dinamitam a noção da realidade em si. O elemento do “choque” reside na natureza do evento que é retratado e no uso convincente do “efeito do real” que abaliza a autenticidade da situação-limite. (JAGUARIBE, 2007, p. 103).
Vale enfatizar que atualmente as produções contemporâneas oferecem
excessos de “choque do real” sem o distanciamento da experimentação estética.
47
Para a autora (2007, p. 104), o impacto desses registros realistas depende dos
poderes persuasivos do “efeito do real” e da sua capacidade de oferecer narrativas e
âncoras visuais de significação em cenários urbanos fragmentados pela incerteza,
violência e desigualdade social. Essa produção de significados não potencializa
finais redentores, aspirações utópicas ou ações transformadoras, mas introduz
molduras interpretativas que intensificam a sensação do real e a apreensão crítica
da realidade.
Cineastas, fotógrafos e escritores que tentam produzir o “choque do real”
devem, nas palavras de Jaguaribe (2007), encontrar maneiras de aumentar a
intensidade estética sem o empacotamento costumeiro que envolve eventos
incongruentes, violentos e conflitantes. Partindo dessa afirmação, a “realidade”
agressiva, baixa, constrangedora e desigual choca, mas também canaliza a
percepção para vocabulários específicos de interpretação e códigos estéticos de
fácil apreensão.
Desse modo, é perceptível que a arte, a publicidade e a imagem que trabalha
com a “realidade” nesses aspectos, vai se valer da interpretação do
espectador/leitor/consumidor para possuir seu valor semântico compreendido
individualmente.
Neste capítulo entendemos o conceito do realismo e como ele aparece nas
mais diversas formas, mesmo na publicidade, onde sua função estratégica é de
deixar consumidor e produto mais próximos. Vimos também que a publicidade pode
ser vista como uma produtora de realidade que não existe e, mesmo assim,
mostrando uma realidade ficcionalizada, coloca-se num papel revelador do mundo,
onde as questões da sociedade são mostradas. Esse último, porém, depende
diretamente da interpretação do espectador. Identificamos que a manipulação da
realidade não acarreta numa desvalorização da imagem representada, pois mesmo
ao se valer do efeito de produzido, a “impressão de realidade” se mantém intacta e
que o choque do real, visa suscitar um efeito de espanto, ao representar algo
intensamente. Essa estratégia de trabalhar com o choque está diretamente ligado às
questões da publicidade crítica, se valendo dos problemas cotidianos para chamar
atenção a uma determinada problemática social. No próximo capítulo, então,
discorreremos sobre a utilização do realismo no filme UNHATE, do diretor francês
Laurent Chanez, e analisaremos se a narrativa do filme dialoga com o
48
consumidor/espectador, fazendo uso do realismo, no que se propuseram: criar uma
nova cultura contra o ódio.
49
3 O USO DO REALISMO EM UNHATE
Neste capítulo, utilizamos a pesquisa bibliográfica para construirmos uma
fundamentação teórica para encontrar e revisar livros e artigos de autores
brasileiros e estrangeiros que abordam o tema do realismo na publicidade. Stumpf
(2008) define a pesquisa bibliográfica como um conjunto de procedimentos que
identificam, selecionam, localizam e obtém documentos convenientes para
realização do trabalho acadêmico. Além desta técnica, nos valemos também da
análise da imagem fílmica como narrativa, tendo em vista um dos principais
objetivos deste estudo: a análise do uso do realismo na narrativa do filme UNHATE.
Desse modo, foi preciso utilizar-se da análise fílmica como narrativa através do
significado dado ao uso do termo na sua temática. Para tanto, como afirma
Coutinho (2008), nesse método, é necessário levar em consideração o
conhecimento e compreensão das características discursivas da grande narrativa
em que o registro visual se insere. Coutinho (2008, p. 343) completa, sobre a
análise da imagem cinética, que:
[...] ao atribuir sentido a dada imagem, e interpretá-la à luz das questões de pesquisa que orientam o projeto, é preciso considerar sua adequação ao estilo de linguagem do programa, filme ou categoria videográfica por meio da qual aquela mensagem visual é experimentada, ou consumida. Assim, uma mesma imagem pode ser interpretada de maneiras diferenciadas, e um telejornal e um comercial televisivo de 30 segundos, por exemplo.
Coutinho (2008) fala ainda que ao selecionar o tipo de imagem a ser
analisado e definir o objeto de estudo, é possível indicar a relevância daquele tipo
de mensagem para responder às questões de pesquisa.
Aumont e Marie (2009) colocam que a narrativa fílmica é um aspecto que
depende de códigos particulares e que merecem, portanto, ser tratados à parte, por
dois motivos: o primeiro porque a grande parcela dos filmes são, em maior ou
menos escala, narrativos e o segundo, porque os códigos da narrativa foram
estudados de forma mais aprofundada do que outros, e nesse aspecto a análise
fílmica pode aproveitar o que a crítica e a teoria literárias já fazem: análise
narrativa.
50
O processo metodológico foi feito a partir de averiguações de imagens que
apresentassem similaridades, diferenças ou neutralidade estética quanto as
imagens em movimento. A partir de uma análise mais detalhada, onde
pudéssemos, mesmo em um filme curto, propor uma divisão entre as cenas,
conseguimos chegar a conclusão quanto à forma que o realismo é apresentado no
filme. Logo após, passamos a identificar as imagens que, de acordo com a
interpretação do autor, possuem uma maior força simbólica no que diz respeito ao
“choque do real” nas imagens. Nesse segundo experimento foi possível analisar a
unidade estética entre o trabalho de Toscani e Chanez ao acrescentar a logomarca
da Benetton nas imagens, antes em movimento.
Por fim, para concluir a análise do filme quanto a sua temática, cria-se um
quadro representativo das imagens, mostrando que as cenas não se mantém
estáticas em categorias, mas que elas tendem a mudar de posição a partir da
interpretação de cada espectador.
3.1 ANÁLISE FÍLMICA
Sendo parte da campanha institucional da Fundação UNHATE, lançada em
16 de novembro de 2011, o filme UNHATE apresenta uma progressão de imagens
com duplos significados: flertes com os olhos ou olhares desconfiados, pessoas que
se abraçam ou lutam, rebeliões ou festejos, brigas ou danças desenfreadas.
Momentos extremos de conflito ou de amor: dois lutadores depois de um round e um
casal que acaba de fazer amor. O filme é fonte de questionamento e conta com o
equilíbrio e o envolvimento entre os estímulos que levam o impulso para o ódio e as
razões do amor. Com um minuto e oito segundos de duração, Chanez trabalhou
com imagens que desencadeiam, propositalmente, um duplo sentido que pode ser
explorado de acordo com a interpretação do espectador.
No filme (Anexo A), o diretor apresenta, através do filme, a realidade de
muitos jovens e adultos: as lutas por igualdade racial, sexual e religiosa – aspectos
sociais que causam movimentação política e civil – divididas entre momentos
interpretados como sendo representações de amor e ódio. O uso de uma estética
realista ao mostrar olhares de homens, crianças, negros, lutadores e mulheres de
burca conflita diretamente com a ideia de ambiguidade das imagens, uma vez que o
espectador pode ficar em dúvida sobre a intenção do diretor.
51
No entanto, ao analisar o filme UNHATE, percebemos que o choque emotivo
trazido nas campanhas anteriores da Benetton por Oliviero Toscani (apresentadas
no primeiro capítulo para contextualizar a linha criativa da marca), se perde nas
imagens do filme, onde é possível perceber também que a análise passa a ser um
processo individual e cabe ao analista refletir a respeito do que vê no filme e fazer
sua interpretação quanto a sua intensidade. Desse modo, é o receptor que faz sua
leitura sobre o filme e compreende as imagens através de sua contestação crítica.
Por estarem carregadas de ambiguidade, as imagens apresentadas no filme
podem, no entanto, refletir o sentimento crítico que a Benetton buscou suscitar com
a sua campanha e com a linha irônica que o realismo pode oferecer ao filme.
Ao representar, de forma ficcional, os retratos da “vida como ela é”, o diretor
usa de recursos de intensificação dramática, tais como o ódio, bullying, o amor
proibido, cenas de beijo gay, manifestações políticas e lutas estudantis, para criar
mundos reais que forneçam uma interpretação da experiência contemporânea.
Como representa o quadro abaixo, essas questões trazidas por Laurent
Chanez recaem sobre o mundo atual ao tentar reviver aquilo que é de conhecimento
coletivo (lutas pelos direitos dos homossexuais, políticas educacionais que inibam o
bullying entre crianças em escolas, lutas por liberdade política e religiosa em países
mulçumanos e jovens estudantes que reivindicam seus direitos):
Fluxograma 1 – Como se apresenta o realismo no filme publicitário UNHATE
Fonte: O autor (2012).
O uso dessa intensificação do drama contemporâneo recai na construção
ficcionalizada de mundos reais. Em linhas gerais, as interpretações da ficção realista
apresentada no filme faz uso do senso comum cotidiano, ou seja, esses fatos
apresentados em imagens se sustentam no verossímil e no imaginário do
espectador sobre determinado tema abordado.
52
Essas formas de tratar o real representados através da violência cotidiana, de
questões de intolerância religiosa e sexual, por exemplo, buscam aguçar a
percepção da condição humana no mundo por meio das imagens dramáticas e as
narrativas que desestabilizam clichês românticos, ao promoverem o choque cultural
ligado à sexualidade e que pode ser interpretado como sendo uma tentativa de ferir
os padrões morais religiosos, como a suposta cena de sexo entre dois homens (0:32
– ver figura 12, p. 56) e o beijo entre duas mulheres mulçumanas (0:50 ver figura 15,
p. 56), mostrando justamente que o tema da homossexualidade entra na narrativa
como crítica e/ou insulto à questão religiosa. Aqui identificamos o papel irônico e
crítico do uso do realismo enquanto estética.
Partindo desse ponto, é possível afirmar, a partir da análise do filme, que a
narrativa fílmica da peça está em sintonia com a experiência cotidiana, pois ela
transcreve o equilíbrio entre a representação do mundo e a realidade social. Em
outras palavras, o realismo ficcional do filme se firma como um fabricador de uma
ilusão de mundo que reconhecemos como real, buscando a representação cotidiana
ligada ao senso comum da percepção.
Ao fazer a análise do filme, um caso que acaba nos surpreendendo em
relação a ambiguidade da narrativa, é que as imagens não permanecem estanques
quanto a sua possibilidade de representação da ideia de real. Essa interpretação só
foi possível ao tentar estabelecer uma divisão entre cenas que pudessem ser
entendidas como representação da realidade “tal qual ela é” e cenas de
representação ficcionalizada. O resultado porém, é que não há como determinar,
com precisão, os tipos de representação do real no filme. O trabalho de Chanez de
envolver a narrativa numa questão ambígua pode ter impossibilitado uma análise
interpretativa concreta em relação às formas de representação do real no filme
publicitário. Essa constatação de que as imagens não permanecem estáticas em
suas formas de representação vai contra a ideia trazida no capítulo anterior de que
ora o realismo se configura como representação da vida, ora se mostra como uma
representação ficcionalizada. Na ideia de que inexiste um meio termo entre as
representações do real na publicidade é evidente que, mesmo assim, as imagens
oferecem um efeito de real naquilo que se propõem a (re) produzir.
Essa dificuldade em estabelecer critérios que realmente dividam as imagens
entre representação ficcionalizada da realidade e representação da vida “tal qual ela
é” provoca, ainda, uma outra observação: não é possível, talvez por conta da
53
ambiguidade da narrativa fílmica, apontar as intenções das imagens quanto a sua
significação temática, como veremos a seguir.
Chanez tenta abordar a questão dialética entre o amor e o ódio usando
imagens que conflitam com seus sentidos ambíguos. Representados por imagens
que caracterizam momentos intensos de cada um dos sentimentos trazidos no filme:
de um lado, imagens que reproduzem combates, lutas, protestos, agressões físicas,
de outro, o equilíbrio do abraço de chegada e o de partida, dos beijos e das
tentativas de poder amar alguém. No meio dessas representações, cenas
transitórias entre um sentimento e outro: a culpa do amor proibido e das relações
homossexuais. Fizemos, aqui, um outro experimento: estabelecemos três categorias
quanto à temática ligada às imagens (positivo, neutro ou transitória e negativa), onde
a categoria positiva está ligada às cenas de abraços e beijos; neutro ou transitória às
imagens que possuem maior intensificação da ambiguidade; e negativa às que
mostram imagens com valores semânticos mais ligados às lutas físicas e
manifestações populares, no entanto, ao analisar levando em consideração o quadro
1, onde apontamos que a intensificação dramática é construída a partir de
problemas vividos por indivíduos em diferentes locais do mundo e que, portanto, o
aspecto cultural está ligado à interpretação, percebe-se que as cenas também não
poderiam ser categorizadas de maneira fixa, sem permitir o trânsito de significados
das imagens e categorias, ou seja, as cenas de ódio, beijos, gestos obscenos, etc.,
podem tanto fazer parte da categoria positiva, quanto da transitória/neutra ou
negativa.
Na interpretação das cenas que seguem, usando apenas um ponto de vista
(do analista/pesquisador) para estabelecer a categoria de cada uma das imagens,
no entanto, elas não se mantém estáticas em suas divisões se levarmos em
consideração outros modos interpretativos de diferentes espectadores. Nesse caso,
as cenas podem passar do neutro/transitório para o negativo; negativo para positivo,
e assim por diante. Ou seja, as cenas deslizam de categoria em categoria,
dependendo da interpretação de cada um.
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Quadro 1 – Categorização das cenas, segundo o autor
Fonte: O autor (2012).
Mesmo com essa tentativa frustrada de categorizar semanticamente as cenas
do filme, esse experimento é importante para desvendar a ambiguidade da narrativa
que não é possível ser percebida com uma simples e rápida averiguação do filme, o
que mostra que aquilo que parece ser uma cena positiva, neutra ou negativa
depende do ponto de vista do espectador.
Essa dependência interpretativa que o filme possui pode causar uma
desconfiança quanto a sua proposta, que parece deixar de centralizar-se na
divulgação da Fundação e sua intenção, e passa a focar-se nos efeitos que a
Benetton pode causar à subjetividade enquanto marca de roupa. Ou seja, o filme,
apesar de tratar com clareza as questões sociais e o contato humano (beijo, abraço,
olhares, carinho, luta, etc.) através do realismo crítico, se perde na narrativa e acaba
não tratando sobre o ódio ou da falta dele nas imagens, para que o espectador
possa entender de forma clara a proposta da Fundação.
Lembrando o que foi trazido por Jaguaribe (2007, p. 27), onde ela abordava
que o “efeito do real” e a retórica da verossimilhança deveriam ser acionados, o
diretor consegue mascarar os próprios processos de ficcionalização com a narrativa
ambígua que, no entanto, possui um viés crítico do social e da realidade, e garantir,
assim, uma imersão no mundo da representação ao espectador. Apesar disso, o
filme se mostra ineficaz na sua proposta de contestação à intolerância e à criação de
55
uma nova cultura contra o ódio, pois se apega muito mais aos contatos humanos
que, de fato, às questões com valores críticos desejados pela marca.
Em outras palavras, mesmo que o filme se alimente da ideia de real através
de uma estratégia valorativa daquilo que a Fundação UNHATE se propõe a oferecer
enquanto marca à sociedade civil, esse ponto passa, facilmente, despercebido por
quem o interpreta, pois o filme acaba conflitando entre a representação intensa de
fatos cotidianos dramáticos que movem-se sem parar na ambiguidade das imagens
e a demora em responder com precisão aquilo que parece ser o objetivo central do
filme: incitar a criação de uma nova cultura contra o ódio.
Ainda nesse aspecto da temática fílmica, ao analisar a peça, é notória a
percepção que o que caracteriza o filme são as imagens carregadas de
ambiguidade, o que contribui muito para levar ao espectador/consumidor ora a um
sentimento crítico, uma desorientação e uma concepção nova quanto às imagens,
ora a nenhuma interpretação. Chanez usa a estética do realismo para deixar a
experiência cotidiana em sintonia com as questões críticas que pretende dialogar
com os espectadores. No entanto, estar em sintonia com a experiência cotidiana não
significa, necessariamente, responder às questões que a Fundação UNHATE e
Benetton se propõem a abordar. Isso porque estamos tratando do filme isolado do
restante das peças da campanha.
A partir da análise feita, é possível dizer que, das imagens que compõem o
filme, as que mais carregam sua porção de realismo crítico, são, sem dúvida, as
cenas da tentativa de beijo gay (0:20) e, posteriormente, o início da representação
do ódio intencionado por questões homossexuais (0:21), ambas na figura 10; o
bullying sofrido por uma criança negra na saída da escola (0:25), figura 11; o
momento íntimo de um casal gay (0:32), figura 12; o gesto obsceno de um
adolescente (0:36), figura 13; a manifestação política num país mulçumano (0:38),
figura 14; e o beijo de duas mulheres usando burcas (0:52), figura 15,
respectivamente. Se analisarmos essas imagens de forma isolada, poderemos
observar a semelhança entre as questões abordadas por Toscani em algumas de
suas peças para a Benetton, no que diz respeito às críticas feitas pelo fotógrafo e
intencionadas por Chanez.
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Figura 10 – Tentativa de beijo gay Figura 11 – Bullying sofrido por criança
Fonte: UNHATE, Youtube. Fonte: UNHATE, Youtube.
Figura 12 – Momento íntimo entre casal Figura 13 – Gesto obsceno
Fonte: UNHATE, Youtube. Fonte: UNHATE, Youtube.
Figura 14 – Manifestação política/religiosa Figura 15 – Beijo entre mulheres
Fonte: UNHATE, Youtube. Fonte: UNHATE, Youtube.
Esse experimento quanto à força crítica das imagens do filme é possível de
se fazer de tal forma que, ao acrescentar a logomarca da Benetton a esses trechos
(agora estáticos) do filme, presenciamos quase a mesma sensação de realidade
ficcionalizada das fotos de Toscani nas campanhas da marca.
Observemos, então, o experimento com a logomarca sob as imagens:
57
Figura 16 – Experimentação das imagens com logomarca
Fonte: O autor (2012).
Esse experimento revela que estamos diante de uma mesma construção
estética, tanto nas campanhas da marca (contextualizadas no primeiro capítulo),
quanto na campanha da Fundação UNHATE. Além disso, como já falado
anteriormente sobre o realismo na publicidade, podemos afirmar que o diretor usa
da publicidade referencial como instrumento no processo criativo para tratar o
discurso de forma mais próxima da realidade possível, que se adequa, a medida que
vai sendo interpretada, à realidade do público.
Como colocado por Confortin e Sprandel (2007) quanto ao tipo da publicidade
referencial, elas afirmam que esse modelo exige do seu criador, nesse caso do
diretor francês, um caráter crítico e observador do cotidiano de maneira que seja
possível criar argumentos informacionais que envolvam o público e a mensagem ali
apresentada.
Outro ponto importante de destacar na análise do filme quanto as suas
estratégias é o uso que ela faz dos recursos do gênero documentário como forma de
apresentar o real com mais credibilidade e verdade na narrativa. Exemplos do uso
desses recursos são as imagens que mostram dois homens de uma comunidade
disputando poder e força de forma física (0:30) e a de mulçumanos protestando
58
contra o poder político (0:38). Essas duas imagens específicas se diferem em
relação as demais pois se assemelham a trechos de documentários e ganham
respeitabilidade na representação da questão entre amor e ódio, trazido pela
campanha.
Fica claro que o filme capta as maneiras cotidianas pelas quais os indivíduos
expressam seus dilemas existenciais por meio das experiências pessoais e sociais
que fazem parte da montagem da realidade social buscada pelo diretor, oferecendo
uma intensificação desses imaginários e tentando tornar o cotidiano mais cheio de
significado buscando, assim, apresentar, mesmo que de forma (re)produzida,
cenários que apresentem o retrato social/político atual. O diretor, ao incitar a crítica
aos temas tratados no filme, põe em quarentena as fantasias, crenças e tradições
que também se manifestam na fabricação social da realidade mas, entretanto,
parece esquecer da proposta do filme de abordar o ódio ou a falta do ódio, como diz
o título do filme.
No caso do filme analisado, estamos diante de uma propaganda institucional
da Fundação UNHATE que, assim como nas demais campanhas da United Colors of
Benetton, a aposta é na mesma estética realista crítica usada por Toscani. Nesse
ponto, o realismo no filme cumpre o seu papel independente da estratégia
comunicacional traçada: envolver o público num fluxo de realidade próprio do
anúncio. Por outro lado, se o realismo usado no filme de Laurent Chanez faz o
consumidor vivenciar aquilo que está no filme, essa função pode ser revelada como
uma maneira de deixar o produto social da Fundação (subliminarmente a marca de
roupas) e consumidores mais próximos.
Nesse aspecto, podemos entender que o “choque do real” proposto por
Jaguaribe (2007) encontra sua representação no filme ao mostrar ocorrências
cotidianas, históricas e sociais, utilizando-se de estéticas realistas que conseguem
suscitar o efeito de espanto no espectador em relação a algumas imagens, sendo
capaz de provocar incômodos e sensibilização por parte do espectador, pois passa a
mostrar de forma exacerbada e intensificada, questões – sobretudo – sexuais, que
são possíveis de atiçar a denúncia social e aguçar o sentimento crítico em relação
às questões representadas no filme.
Por fim, a análise fílmica se apresenta como um revelador do papel do
realismo no filme publicitário UNHATE e, apesar da dificuldade em estabelecer uma
interpretação concreta quanto à proposta da Fundação, é capaz de oferecer aos
59
espectadores – cada qual a sua interpretação –, a produção do sentimento crítico
aos problemas da atualidade, colocando a publicidade como uma forte ferramenta
de denúncia social na sociedade.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS A publicidade sempre se valeu de representações ficcionalizadas da vida
cotidiana, principalmente representações fantasiosas e de uma estereotipização de
uma felicidade fingida que mostram sempre o lado bom do mundo - os produtos que
fazem milagres, a família ideal, etc. –, esquecendo-se que, como ferramenta de
comunicação, a propaganda pode também promover o questionamento e a crítica
social.
Comungando das ideias de Toscani que a publicidade deve repensar toda a
sua comunicação, sua filosofia e sua moral, apresentamos um estudo que tenta
compreender o uso do realismo no filme UNHATE, seja ele como contestação crítica
da sociedade, seja como mera estética publicitária.
Ao notar melhor as questões que fizeram Toscani fotografar imagens
carregadas de “impressão de realidade” e “choque do real”, conseguimos
compreender como a marca italiana de roupas fundada por Luciano Benetton
durante o pós-guerra logo conseguiu mexer com a moral das famílias, igrejas,
governos e até mesmo dos meios de comunicação ao trabalhar com o realismo em
seus anúncios.
Com a pouca bibliografia sobre o uso do realismo na publicidade, nos
valemos das ideias de Jaguaribe (2007) para tentar entender as questões ligadas ao
realismo estético e suas manifestações de produzir “retratos da vida como ela é”,
fazendo uso da ficção e de recursos de intensificação dramática para criar mundos
plausíveis que pudessem fornecer uma interpretação da experiência
contemporânea.
O trabalho problematiza a questão dos usos do realismo no filme UNHATE,
trazendo como objetivo a investigação dessa utilização das impressões de realidade,
as funções que ela desencadeia e identificar como pode ocorrer o processo de
significação e interpretação do filme.
Com o estudo, percebemos que os códigos realistas (formas de tratar o real)
trazidos no filme buscam aguçar a percepção de nossa condição enquanto
indivíduos por meio de imagens e narrativas que desestabilizam clichês cotidianos e
que o realismo, enquanto representação, sempre desenvolveu-se em linhas
diferentes: de um lado, os que defendem os ideários estéticos do realismo e
promovem a ligação entre representação e experiência de realidade, de outro, os
61
que insistem que o realismo é uma convenção estilística que mascara os processos
de ficcionalização. Essas referências foram importantes para ajudar no processo de
desenvolvimento da pesquisa, uma vez que para analisar o filme, levou-se em
consideração que o realismo, como percepção do cotidiano e registro de realidade
pautada na evidência dos fatos, parece legitimar uma captação corriqueira da
realidade através do que vivenciamos da vida e, quanto ao seu uso na publicidade, o
cotidiano banal torna-se assunto de interesse artístico, visto que o intuito primário da
arte realista (e nesse caso, a publicidade Benetton) é oferecer uma observação da
vida cotidiana de forma contestadora.
Na parte que trabalhamos o uso do realismo na publicidade, nos ancoramos
nas ideias de Tosin (2006) que traz a hibridização entre a arte e a publicidade,
mostrando que elas se juntam à vida cotidiana através dos processos de
espetacularização da cultura, permeando as subjetividades dos indivíduos e,
passando a manifestar suas influências e ideologias que transcendem as instâncias
do consumo, em outras linhas, isso representa que algumas linguagens da
comunicação passaram a manifestar-se artisticamente, como é o caso da
publicidade, e é natural que essa manifestação venha carregada de influências,
como o realismo, em anúncios gráficos e fílmicos, deixando claro que a hibridização
com as artes se dá com tal intensidade que, às vezes, é difícil defini-las
isoladamente.
Um outro aspecto importante que norteou este estudo foi a identificação do
realismo não como uma estética que nos dá uma documentação factual ou completa
do cotidiano, mas como fabricador de uma ilusão de mundo que percebemos como
real. A busca por um conceito que pudesse traduzir o sentido do realismo e as
diferenças entre os termos usados pelos autores, nos colocaram diante de um fator
muito mais relevante que o próprio termo realismo: a interpretação a partir da
experiência vivida. Por outro lado, pudemos observar que a manipulação do real,
uma vez que falamos sobre representação ficcionalizada da realidade e
“representação da vida tal qual ela é”, possibilitou produzir uma “impressão de
realidade” que não estava necessariamente fundida à ideia de experiência vivida,
dessa forma, o filme passou a fabricar a realidade com base numa vivência de
cotidiano.
Sendo possível dizer, portanto, que ora o realismo se mostrava como
representação da vida “tal qual ela é”, ora aparecia como uma representação
62
ficcionalizada, se apresentando como uma montagem de realidade ou dando um
“efeito de real” aquilo que ela se propõe a (re) produzir, a narrativa do filme passou a
depender diretamente da interpretação individual. Ou seja, o filme UNHATE, mesmo
de forma ficcionalizada e manipulada, consegue criar realidades que são
interpretadas pelo espectador. A grande questão de perceber a realidade em
contextos de representações ficcionalizadas é a interpretação, subjetiva a cada um.
Sobre as funções do realismo na publicidade, são discutidas as ideias de
Everardo Rocha (1995) em seu livro Magia e capitalismo: um estudo antropológico
da publicidade, onde ele aponta que o consumidor pode vivenciar aquilo que está no
anúncio a partir do que ele interpreta e essa função pode ser revelada como uma
maneira de deixar produto e consumidor mais próximos, ou seja, uma das funções
destacadas quanto ao realismo na publicidade é o envolvimento do consumidor num
fluxo de realidade do próprio anúncio. Essa ideia permitiu a análise da publicidade
como sendo produtora de uma realidade que ainda não existe, mas que ao ser
colocada diante do consumidor, se torna real.
Por fim, é trazida a análise do filme UNHATE, cruzando as teorias abordadas
nas duas primeiras partes com a narrativa fílmica, de tal modo que foi possível fazer
duas observações relevantes: a primeira sobre o uso das estéticas do realismo
crítico no filme e a outra sobre a temática que a campanha se propõe apresentar.
Esta última não responde, de forma clara, às respostas quanto à narrativa por se
tratar de imagens permeadas de ambiguidade.
Umas das hipóteses dessa problemática na narrativa é que, por estar
carregada de ambiguidade, as imagens (em movimento) não conseguiram
desempenhar a mesma função que as campanhas de Toscani apresentadas no
início do trabalho. Para tanto, foram produzidos dois experimentos e um esquema
para tentar cruzar as teorias com a análise. O esquema abordou as representações
da realidade no filme publicitário analisado, mostrando que a intensificação
dramática acontece quando, ao criar mundos reais, as representações através de
lutas, bullying, sexo, amor proibido e manifestações, mostram os problemas vividos
em diferentes locais do mundo (experiência coletiva ligada à ideia cultural),
resultando numa união entre a experiência vivida e as reproduções e fabricações de
realidades ficcionalizadas.
Quanto aos experimentos, o primeiro se dá na esfera da força crítica das
imagens (isolando a questão ambígua das imagens) no filme. É mostrado, ao
63
acrescentar a logomarca da Benetton em algumas imagens de intensificação
dramática em trechos do filme, a presença de quase a mesma sensação de
realidade ficcionalizada que encontramos nas fotos de Toscani. De tal modo que, se
fosse possível tirar a ambiguidade das imagens (deixa-las estáticas) e,
consequentemente, da narrativa do filme, estaríamos diante de uma mesma
construção estética.
O segundo experimento, no entanto, diz respeito à categoria temática na
narrativa fílmica. Dividimos as cenas do filme em três distintas áreas ou categorias:
1) positiva; 2) neutra ou transitória; 3) negativa. Essas categorias puderam auxiliar a
determinar a intensidade da narrativa fílmica – levando em conta a interpretação do
pesquisador em sua análise. No entanto, percebemos que essa mesma intensidade
narrativa não se mantinha estável, pois dependia da ideia subjetiva do espectador
em construir uma interpretação individual.
Ao analisar o filme de forma sistemática, acrescentando a ele o valor ambíguo
que carrega e a divisão de suas cenas, é possível dizer que, diferente das
campanhas da Benetton fotografadas por Toscani, Chanez não responde, de forma
clara, às questões críticas e sociais que a Benetton e, agora, a Fundação UNHATE
coloca à sociedade: tentar criar uma nova cultura contra o ódio. O filme acaba
tratando mais as questões de contato humano, quando vistas sistematizadas, que
de fato, da proposta apresentada no conceito da campanha.
Então, de acordo com tudo que foi apresentado neste estudo, é possível
afirmar que o uso do realismo no filme UNHATE serve para reforçar a estética
publicitária das campanhas Benetton e promover a ideia de que a propaganda pode
se valer de questões sociais para aguçar o sentimento crítico entre os
consumidores/espectadores e, ainda, ganhar respeitabilidade enquanto marca.
Contudo, o fator subjetivo ligado à interpretação que pode, de um lado, causar a
ausência de significado por parte do público em relação ao filme, e de outro, fazê-lo
construir um pensamento contestador em relação aos problemas do mundo, permite-
nos entender o trabalho de Chanez como não sendo capaz de deixar claro a
intenção da Fundação.
É preciso, porém, dar continuidade a esta pesquisa no que concerne à
adequação narrativa e o uso do realismo no contexto subjetivo do espectador, de
forma aprofundada e através do mesmo viés de representação do real.
64
REFERÊNCIAS
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ANEXO
ANEXO A - Filme UNHATE disponível em CD-ROM (1:08). Material complementar