Projeto Graduação 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS CURSO DE ARTES CÊNICAS O PRINCÍPIO DA OMISSÃO COMO PROCEDIMENTO TÉCNICO E SENSÍVEL NA CONCEPÇÃO DO PERSONAGEM PAI UBU PROJETO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO Ícaro Alexsander Costa Santa Maria, RS, Brasil 2012

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

CENTRO DE ARTES E LETRAS

CURSO DE ARTES CÊNICAS

O PRINCÍPIO DA OMISSÃO COMO PROCEDIMENTO

TÉCNICO E SENSÍVEL NA CONCEPÇÃO DO

PERSONAGEM PAI UBU

PROJETO DE ENSINO, PESQUISA E EXTENSÃO

Ícaro Alexsander Costa

Santa Maria, RS, Brasil

2012

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O PRINCÍPIO DA OMISSÃO COMO PROCEDIMENTO

TÉCNICO E SENSÍVEL NA CONCEPÇÃO DO

PERSONAGEM PAI UBU

Ícaro Alexsander Costa

Projeto de ensino, pesquisa e extensão apresentado ao

Curso de Artes Cênicas, da Universidade Federal de Santa Maria

UFSM, RS, como requisito parcial para obtenção do grau de

Bacharel em Artes Cênicas – Interpretação Teatral.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Mariane Magno

Santa Maria, RS, Brasil

2012

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................................... 04

2 JUSTIFICATIVA..................................................................................................... 06

3 OBJETIVO GERAL................................................................................................ 08

3.1 Objetivos Específicos....................................................................................... 08

4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS.............................................................. 09

5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA ................................................................................. 10

5.1 Diferenciando o corpo cotidiano do corpo extracotidiano........................... 10

5.2 O treinamento, segundo a Antropologia Teatral............................................ 11

5.2.1 Omissão.......................................................................................................... 12

5.2.2 Oposição......................................................................................................... 13

5.2.3. Dilatação......................................................................................................... 15

5.3 Autor e obra....................................................................................................... 16

6 CRONOGRAMA..................................................................................................... 19

7 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................... 20

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1 INTRODUÇÃO

O presente Projeto de Ensino, Pesquisa e Extensão O princípio da omissão

como procedimento técnico e sensível na concepção do personagem Pai Ubu,

também é requisito parcial para aprovação nas disciplinas Técnicas de

Representação VIII e Laboratório de Orientação IV1, do curso de Artes Cênicas da

Universidade Federal de Santa Maria, bem como para a obtenção do grau de

Bacharel em Interpretação Teatral do referido curso.

O objetivo técnico e criativo do trabalho está na investigação, na concepção e

no desenvolvimento do personagem Pai Ubu, que será criado com base técnica e

teórica a partir do princípio da omissão, apresentado pela Antropologia Teatral

(BARBA& SAVARESE: 2005). A criação do personagem Pai Ubu se dará durante o

processo criativo do espetáculo Ubu Rei sob direção de Luiza de Rossi, aluna do

curso de bacharelado em Artes Cênicas – Direção Teatral do mesmo departamento.

Convém salientar que os procedimentos metodológicos desta pesquisa

organizam-se em quatro diretrizes – teórica, prática, experimental e reflexiva – que

serão desenvolvidas de forma conjunta durante o andamento deste projeto.

Visando o desenvolvimento dramatúrgico, criativo e cênico, utilizar-se-á como

ponto de partida o texto dramático Ubu Rei, de Alfred Jarry (1972), adaptado pela

aluna-diretora Luiza de Rossi , cujo enredo será a matéria textual que fundamentará

a vivência investigativa e criativa do aluno-ator-pesquisador. Para o estudo do texto

de Jarry utilizaremos como base o eixo da estrutura básica de análise ativa proposta

pelo sistema de Konstantin Stanislávski (2002).

Esta pesquisa, que parte do estudo dramatúrgico do texto de Jarry e das

investigações teórico-práticas sobre o princípio da omissão, engloba, ainda, os

conceitos de oposição, dilatação e treinamento, segundo Barba&Savarese (1995),

como forma de fundamentar o conhecimento teórico desta pesquisa e também para

1 O aluno encontra-se em Situação 6 por conta de ter adoecido no mês de agosto de 2011, necessitando ficar em

repouso completo por dois meses e, consequentemente, impossibilitado de concluir seu espetáculo de formatura.

Considerando também que cada processo criativo é único e que o grupo no qual o aluno estava inserido já

encerrou a pesquisa, para cumprir as exigências das disciplinas Técnicas de Representação VIII e Laboratório de

Orientação IV é necessário que se refaça os procedimentos de Técnicas de Representação VII e Laboratório de

Orientação III, na forma de um novo projeto e de um novo processo criativo, ambos convergentes na concepção

de um espetáculo cênico.

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contribuir no entendimento teórico-prático em laboratório experimental, até chegar à

composição do personagem Pai Ubu e sua posterior reflexão.

Cabe ressaltar que esta pesquisa, que também é um trabalho de conclusão

de curso prevê, ainda, a participação em eventos científicos, a concretização do

espetáculo levado a público e a formatação de um relatório final que será submetido

à uma banca examinadora.

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2 JUSTIFICATIVA

No ano passado, 2011, desenvolvi uma pesquisa de iniciação científica,

também como trabalho de conclusão de curso, mas que não foi totalmente

concluída2, intitulada Um corpo apropriador: a Mímesis Corpórea como

procedimento técnico e sensível na composição da personagem. Naquele momento

(2011) me propus a investigar a concepção de um personagem feminino a partir da

técnica de Mímesis Corpórea3, tendo determinadas fotografias de mulheres como

ponto de partida para observação. As fotografias foram escolhidas a partir de dois

elementos organizados por Roland Barthes: Punctum4 e Studium5; e também em

função do personagem ser feminino.

Hoje identifico que, de certa maneira, o princípio da omissão já estava latente

no meu processo criativo do ano passado, como por exemplo, no intuito de

desenvolver a suavidade e a sinuosidade do movimento corporal do personagem

feminino no corpo masculino do ator foi concebido um treinamento a partir de uma

sequencia de movimentos com um leque. Esses movimentos acabaram fazendo

parte da concepção de diversas cenas após passarem por uma transformação, de

modo que a sequencia do leque (matriz) ficou oculta, mas certas qualidades de

movimentos e até determinados movimentos foram utilizados, porém, não estavam

evidentes. A omissão não estava em primeiro plano e nem totalmente consciente

naquele momento e naquela pesquisa, mas agora, conscientemente, ela passa a ser

o objeto central desta pesquisa teórico-prática e sensível.

2 Para a conclusão da pesquisa, faltou apenas a estreia do espetáculo.

3 A Mímesis Corpórea é uma técnica desenvolvida pelo Núcleo de Pesquisas Teatrais da Unicamp – LUME – e

baseia-se na observação minuciosa de ações cotidianas, executadas por indivíduos em situações corriqueiras.

Estas ações são posteriormente imitadas precisamente. Uma vez imitadas em seus mínimos detalhes, são codificadas, de maneira a serem reproduzidas, “re-apresentadas”, e/ou manipuladas. Somente a codificação

permite que o material primeiro, denominado “matriz”, possa ser alterado, reelaborado, teatralizado (SOUZA

apud FERRACINI, 2006, p. 114).

4 Punctum é um conceito utilizado por Barthes para nomear um “detalhe” na foto que chama a atenção daquele

que a olha, é uma espécie de “extracampo sutil, como se a imagem lançasse o desejo para além daquilo que ela

dá a ver” (BARTHES, 1984, p.89).

5 Studium é o vasto campo de estudo de uma fotografia, pré-determinado por uma pesquisa, que pode até causar

“uma espécie de interesse geral, às vezes emocionado, mas cuja emoção passa pelo revezamento judicioso de

uma cultura moral e política” (BARTHES, 1984, p.45).

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Para a concretização dramatúrgica do objetivo geral deste projeto, que é a

investigação e a criação de um personagem inserido em um espetáculo, assim como

o estudo de seus elementos constituintes, optou-se por um texto que refletisse de

um modo exagerado a sociedade e cultura ocidentais. Na obra de Alfred Jarry, é

retratada a história de Pai Ubu, um pequeno burguês, funcionário a serviço do Rei

da Polônia. Sob a pressão de Mãe Ubu, sua mulher ambiciosa, ele decide matar o

Rei para ocupar o seu lugar. Mas Pai Ubu é covarde e malcriado. Uma vez no trono,

revela-se cruel, estúpido e o seu pensamento político é absurdo. De pequeno

burguês, ele se transforma em um tirano sanguinário, mas não é desprovido de um

singular grão de razão, proferindo verdades inquietantes, como se fossem verdades

saindo da boca de uma criança.

Como fundamento psicotécnico para o trabalho do aluno-ator-pesquisador,

optou-se pelo princípio da omissão proposto pela Antropologia Teatral, por se tratar

de um procedimento que possibilita a investigação e a descoberta de novas

configurações corporais do ator, afastando-o de seu comportamento cotidiano e,

consequentemente, contribuindo para ampliar sua presença cênica através da

potencialização de suas ações e também pelas investigações e criações no campo

sensível no trabalho do ator.

Os conceitos oposição, dilatação e treinamento integram-se como

contribuição para o entendimento teórico-prático da presença de cena e também

para o trabalho criativo em laboratório, todos convergentes como vivência técnica e

sensível na construção do personagem Pai Ubu, inserido no espetáculo Ubu Rei.

Deste modo, este projeto está vinculado ao Projeto de Ensino Pesquisa e

Extensão Ubu: corpo e cena, desenvolvido nas disciplinas de Encenação V e VI pela

aluna Luiza de Rossi, acadêmica do curso de bacharelado em Artes Cênicas –

Direção Teatral.

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3 OBJETIVO GERAL

Investigar e criar o personagem Pai Ubu utilizando a fusão criativa entre o

texto adaptado Ubu Rei e o princípio da omissão como fundamento técnico e

sensível.

3.1 Objetivos Específicos

3.1.1. Realizar estudos teóricos sobre os princípios omissão, oposição e

dilatação e sobre o conceito de treinamento, segundo a Antropologia Teatral;

3.1.2. Identificar e estudar a estrutura dramatúrgica do texto Ubu Rei, de

Alfred Jarry, visando a composição do personagem Pai Ubu;

3.1.3. Investigar e exercitar sistematicamente em laboratórios individuais os

princípios omissão, oposição e dilatação como um caminho criativo tanto para

o treinamento do ator quanto à criação do personagem Pai Ubu;

3.1.4. Investigar e ampliar o repertório corporal;

3.1.5. Investigar, conceber e compor o personagem Pai Ubu a partir do texto

dramático e da utilização dos princípios técnicos treinados em laboratórios

individuais, todos à serviço dos procedimentos propostos pela diretora;

3.1.6. Apresentações públicas do espetáculo final;

3.1.7. Produzir um relatório reflexivo final da disciplina de Técnicas de

Representação VIII com o desenvolvimento do processo criativo, no segundo

semestre de 2012;

3.1.8. Defender o relatório, perante banca examinadora;

3.1.9. Apresentar este projeto em eventos científicos.

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4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Os procedimentos metodológicos deste Projeto de Iniciação Científica que

abrange o tripé Ensino, Pesquisa e Extensão, inclui o processo criativo do

personagem Pai Ubu a partir da fusão criativa do texto dramático e relaciona os

aspectos teóricos e práticos como diferentes prismas de uma unidade. Portanto esta

pesquisa dispõe-se didaticamente a partir de quatro diretrizes interdependentes:

1. Diretriz Teórica – compreende os estudos teóricos sobre os princípios

omissão, oposição, dilatação e o conceito de treinamento, apresentados

na Antropologia Teatral; abarca ainda o estudo do texto dramático Ubu Rei

e do autor Alfred Jarry.

2. Diretriz Prática – contempla a minha pesquisa e trabalho individuais, como

por exemplo, o treinamento em laboratório para investigar e sistematizar

um treinamento pessoal incluindo os princípios omissão, oposição e

dilatação.

3. Diretriz Experimental – engloba a investigação de procedimentos técnicos

para ampliar o repertório corporal do ator e para a criação de partituras;

abarca ainda o estudo destes procedimentos como forma de fundir, de

modo criativo, o trabalho do ator com o texto dramático. Vale lembrar que

o desenvolvimento desta diretriz estará predominantemente à serviço das

orientações da diretora do espetáculo no qual o personagem Pai Ubu está

inserido.

4. Diretriz Reflexiva – descrever e refletir sobre o processo, unindo a diretriz

teórica, prática e experimental, visando à formatação de um relatório final

de conclusão de curso que será defendido perante banca examinadora,

além de apresentar este projeto em eventos científicos.

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5 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Neste item abordaremos a distinção entre o corpo cotidiano e o corpo

extracotidiano, o treinamento do ator como forma de buscar a organicidade e os

princípios da omissão, oposição e dilatação que direcionarão o desenvolvimento

prático deste projeto.

5.1 Diferenciando o corpo cotidiano do corpo extracotidiano

(...) o primeiro e o mais natural objeto técnico, e ao mesmo tempo meio técnico, do homem, é seu corpo. (MAUSS, 2003, p.407)

Nascemos todos em uma sociedade, em um ambiente e em uma época

específica. No decorrer da infância e da adolescência passamos por um processo de

aculturação6, onde são organizados nossos comportamentos físicos e mentais, em

função da posição social, profissão e cultura na qual estamos inseridos. Geralmente

não temos essa consciência por que nossas ações do dia-a-dia são simplesmente

imitadas e habituais, ou seja, comuns ao meio.

Segundo o antropólogo francês Marcel Mauss (2003), cada sociedade tem

seus hábitos corporais próprios, que variam de acordo com seus costumes, suas

conveniências e educações. Vejamos o seguinte exemplo formulado por Mauss: na

hora do almoço, as crianças ocidentais, de um modo geral, são ensinadas desde

pequenas a sentarem-se em cadeiras dispostas em torno de uma mesa; ao passo

em que no Oriente, pelo fato das mesas serem mais baixas, as crianças são

condicionadas a sentarem-se no chão no momento das refeições. Para ambos são

ações cotidianas e naturais, porém determinadas por culturas distintas entre si e que

propõem ao corpo um condicionamento psicofísico cotidiano, específico de cada

cultura.

Mauss entende como técnicas do corpo as formas pelas quais os homens

servem-se de seus corpos a partir da utilização inconsciente das técnicas cotidianas.

Partindo deste entendimento sobre o uso do corpo, Barba afirma que a utilização do

corpo em estado extracotidiano deve ser substancialmente diferente da maneira

6 Aculturação é o processo de absorção de determinados hábitos e costumes estabelecidos pela cultura do local

em que se vive, ou mesmo de culturas diversas, que acabam por direcionar o nosso comportamento e

pensamento.

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como o empregamos no cotidiano. Evidentemente não seria teatro se um ator se

comportasse de modo anfêmero quando em situação de representação cênica.

A partir deste entendimento sobre o aprendizado corporal, organiza-se uma

das funções do treinamento no trabalho do ator, ou seja, buscar conhecer e se

desvencilhar dos condicionamentos psicofísicos cotidianos a fim de investigar e

descobrir outras possibilidades para o corpo agir e reagir artisticamente de modo

cênico.

Para tal objetivo, o ator deve desenvolver e ampliar o seu repertório corporal

por meio de procedimentos técnicos extracotidianos que sejam o oposto ao natural –

ou como Barba chama – que sejam artificiais.

Nosso uso social do corpo é necessariamente um produto de uma cultura: o corpo foi aculturado e colonizado. Ele conhece somente os usos e as perspectivas para os quais foi educado. A fim de encontrar outros ele deve distanciar-se de seus modelos. Deve inevitavelmente ser dirigido para uma nova forma de ‘cultura’ e passar por uma nova ‘colonização’. É este caminho que faz com que os atores descubram sua própria vida, sua própria independência e sua própria eloquência física. (BARBA, 1995, p.245)

5.2 O treinamento, segundo a Antropologia Teatral

A Antropologia Teatral propõe o estudo do comportamento do ser humano

quando ele usa sua presença psicofísica em situação organizada de representação,

partindo de certos princípios que são comuns em diferentes formas estilísticas de

atuação e que visam superar a conduta cotidiana do ator.

Segundo Barba, o exercício de um treinamento é o caminho para conquistar,

de forma consciente, o “calor” da organicidade por meio de uma técnica precisa.

Em outras palavras, é através da repetição de determinados exercícios que

tem por objetivo desenvolver no ator a conscientização dos princípios que podem

tornar seu corpo vivo quando em estado de representação (como o equilíbrio

precário, a omissão, a oposição, a dilatação, a variação de ritmos e velocidades) e

que, posteriormente, com a prática regular, serão apreendidos pelo corpo do ator de

forma a proporcionarem-lhe um desenvolvimento singular, permitindo-lhe realizar

uma viagem própria e, mais além, fazer com que o espectador acredite em todos os

seus sentidos, porque o corpo-mente do ator está afinado e totalmente concentrado

na ação.

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Uma vez que o ator domina o princípio de um exercício, se faz necessário

encontrar outros procedimentos técnicos para desenvolver e preservar esses

princípios vivos no corpo do ator; e ainda aplicar toda essa energia tanto no

momento criativo da improvisação e da representação como na ampliação do seu

repertório corporal.

Podemos perceber e identificar que os princípios desenvolvidos pela

Antropologia Teatral estão presentes em nosso cotidiano, porém de forma

inconsciente e não explorada cênica e artisticamente.

As crianças ocidentais desenvolvem alguns dos princípios como o equilíbrio, a

base, a dilatação do corpo e a oposição do movimento ao praticarem futebol, por

exemplo, porém sem terem consciência, pois na visão delas, o futebol é

simplesmente um esporte, um jogo e uma brincadeira. Diferente de uma criança

oriental que se inicia na prática da técnica dos samurais instruída por um mestre,

onde aprende que a técnica pressupõe uma filosofia, que exige um empenho

mental, espiritual e a consciência do que faz e para que faz. Há, além do objetivo

técnico, um objetivo estético, filosófico, ético e poético.

Sobre a importância do treinamento, encontramos equivalência deste

pensamento em Peter Brook, quando ele enuncia que:

“Entre nós, esse instrumento que é o corpo não se desenvolve tão bem durante a infância como no Oriente. Por isso, o ator ocidental deve compreender que precisa compensar essa deficiência” (BROOK, 2002, p.16).

Segundo Barba&Savarese (2005) no treinamento do ator em processo criativo

para desenvolver a conscientização dos princípios básicos é preciso antes realizar a

diferenciação entre o comportamento cotidiano e o comportamento extracotidiano,

ou seja, o que pode ser utilizado em estado cênico e o que não funciona.

Vale lembrar que não temos como objetivo pré-determinar os exercícios

técnicos a serem realizados, mas sim investigar em laboratório os melhores

procedimentos para atingir os objetivos técnicos e sensíveis pretendidos.

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5.2.1 Omissão

Segundo Barba, a omissão baseia-se na supressão de alguns elementos para

destacar outros que, deste modo, aparecem como essenciais na ação; e ainda

acentuam a presença cênica do ator. Este princípio torna-se evidente quando se

eliminam certos elementos visíveis das ações do ator como objetos, acessórios ou

instrumentos, tornando, assim, independentes a ação de seu objeto. Posteriormente

o ator pode trabalhar a posição ou ação sem seu objeto original e inserir a ação

(matriz) em outro contexto, atribuindo a ela outro sentido.

Para melhor entendimento, apresentamos o seguinte exemplo, retirado do

Dicionário de Antropologia Teatral.

À esquerda temos a representação de

um pregoeiro público medieval. Quando sua

flauta é eliminada, vemos a sua posição

independente da ação (dir.), com um novo

valor, porém intacta, podendo ser utilizada em

uma circunstância completamente diferente.

Mas o princípio da omissão também

pode ser aplicado no campo energético por

meio da absorção das ações. Segundo Barba,

este processo consiste na restrição do espaço

da ação, ao mesmo tempo em que se

conserva a sua energia, ou seja, os movimentos que se utilizam dos membros além

da coluna vertebral podem ser absorvidos por ela, conservando a mesma energia do

movimento originário, transformando-se em microações de um “corpo quase-imóvel

que age” (BARBA, 1994, p.48), ou seja, um corpo que age mais internamente do

que em expansão.

5.2.2 Oposição

Barba&Savarese (2005) apresentam o princípio da oposição como a

possibilidade de construir tensões de forças contrapostas no corpo. Se o ator inicia

um movimento pelo seu oposto, sua ação poderá tornar-se mais perceptível e,

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assim, guiar a atenção do espectador por meio de um efeito surpresa proporcionado

pela sua mudança de direção; ou ainda, a ação poderá ser acentuada através da

antecipação do movimento.

Fonte: A Arte Secreta do ator, p. 176

Mas pode-se ainda desenvolver o princípio da oposição em uma postura

“estática” ou em sequências de movimentos, a partir da conscientização do ator da

existência de vetores opostos que geram força interna em seu corpo. Para colaborar

com a compreensão desta ideia, em desenvolvimento no presente projeto, segue um

exemplo prático, partindo de um registro fotográfico de um laboratório individual.

Na primeira imagem vemos o ator tentando pegar o tecido em um exercício

de dinâmicas com objetos; na segunda imagem percebemos que o tecido foi omitido,

tornando a ação independente da ação geradora com o objeto, possibilitando dar a

ela (ação) um novo sentido (o ator nomeou essa posição como súplica). Na última

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ilustração, podemos observar que mesmo parado, o ator trabalha a oposição por

meio dos vetores opostos de forças internas em seu corpo (setas vermelhas): ao

passo em que uma força interna é gerada para cima, através da imagem de tentar

alcançar o tecido, o ato de encaixar os ombros gera uma força para baixo; e

enquanto o pé direito empurra todo o corpo para cima, o esquerdo é puxado para

baixo por uma força que sai pelo calcanhar. Desta forma, o ator tem quatro

possibilidades de iniciar um movimento partindo da posição apresentada: bastaria

permitir que um dos vetores de força se sobressaísse em relação aos outros, ou

ainda, que um novo vetor interno seja criado para impulsionar outra ação ou

deslocamento.

5.2.3 Dilatação

Os princípios apresentados pela Antropologia Teatral frequentemente

acontecem no âmbito do comportamento cotidiano; a diferença nas técnicas

extracotidianas está no grau de dilatação destes princípios. O ator deve encontrar

procedimentos que o levem a obter esse corpo dilatado, que como Barba define,

“(...) é acima de tudo um corpo incandescente, no sentido científico do termo: as

partículas que compõe o comportamento cotidiano foram excitadas e produzem mais

energia, sofreram um incremento de movimento, separam-se mais, atraem-se e

opõe-se com mais força, num espaço mais amplo ou reduzido”.

(BARBA&SAVARESE, 1995, p.54).

O principal procedimento a ser trabalhado nesta pesquisa visando à dilatação

do corpo é o próprio princípio da oposição, mas também se pretende investigar, em

laboratório prático, outros procedimentos técnicos e também sensíveis que,

posteriormente, assim como a oposição, serão omitidos em função da concepção do

personagem.

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5.3 Autor e obra

Aos quatorze anos, em um exercício de genialidade, Jarry escreveu sua

primeira obra dramatúrgica, intitulando-a como Ubu Rei ou Os Poloneses7. Esta, de

caráter satírico e linguajar neologista, mostra-se aparentemente despretensiosa,

sem deixar que transpareça de imediato seu forte potencial crítico a um período

fundamental para a história francesa: o Absolutismo.

Na França, a centralização do poder monárquico foi promovida pelo

amplamente conhecido “Rei Sol”, o rei Luís XIV, tendo ele durado no poder dentre

os anos 1643 e 1715. Além de “Rei Sol”, a Luís XIV foi atribuída a ilustre frase “o

Estado sou eu”, pois, diferentemente de seus antecessores, Luís XIV dispensou a

função do primeiro-ministro, abafando também a voz dos parlamentares e dos

Estados Gerais.

Retornando os olhos à peça de Jarry, escrita cerca de dois séculos após,

observamos as mesmas ações vinculadas ao personagem central, Pai Ubu. Este

que, por sua vez, leva suas imposições às últimas consequências, evidenciando-se

assim, a inescapável desestruturação de um reino, no caso fictício, do reino polonês.

Dessa maneira, Jarry propõe uma reviravolta em sua trama, ao utilizar-se de um

7 Sinopse: Influenciado por Mãe Ubu, o conde Pai Ubu reúne-se com o Capitão Bordadura e sua tropa em uma

missão conspiradora que provoca a queda do Rei da Polônia, Venceslau. Assim, matam a família real restando

somente um dos filhos, Bugrelau que, por sua vez, recebe a aparição mágica de um ancestral com uma espada

sagrada para retomar seu trono das mãos do novo Rei, Pai Ubu. O novo tripé do poder, composto por Pai e Mãe

Ubu e pelo Capitão Bordadura, realiza peripécias absurdamente ilógicas, gastos irrecuperáveis em banquetes e

orgias, mortes e cortes desnecessários. Como exemplo, o novo rei entrega ouro de graça ao povo para que pague

seus impostos. Lança uma disputa pelo ouro somente para se divertir assistindo aos pobres homens se matarem

para consegui-lo. Aliás, realiza uma chacina de nobres para tomar todas as suas posses e decide legislar sozinho,

iniciando por uma reforma na Justiça. Todos os que se opõem às impostas vontades de Pai Ubu, são jogados no

alçapão, juízes, magistrados, financistas, entre outros. No entanto, os dias de glória dos Ubu passam a ser

contados quando o Imperador da Rússia Alexis exige ao Capitão Bordadura que saia em missão para destroná-

los. Então, mais uma vez influenciado por Mãe Ubu, Pai Ubu decreta guerra aos inimigos da Polônia, ou seja, aos seus próprios inimigos, os russos. Parte, assim, rumo à luta, deixando o poder nas mãos dela que, consegue

fugir da revolta de Bugrelau e sua tropa atacando-a em Varsóvia. Enquanto isso, Ubu e o exército polonês em

marcha pela Ucrânia avistam o exército russo e escondem-se em um moinho. Ao serem encontrados, inicia-se

uma árdua e engraçadíssima batalha, na qual passam a ser perseguidos até que, Ubu, Pila e Cotica escondem-se

em uma caverna. De repente, surge um urso e o escândalo de Ubu torna a situação ainda mais cômica. Mas os

soldados, com muita dificuldade, eliminam o animal. Os dois soldados escapam da caverna durante o profundo

sono de Ubu. Eis que, subitamente, surge nesse local a oportunista Mãe Ubu. Esta se finge de urso, objetivando

convencer seu marido, com artifícios sobrenaturais, a perdoar seus furtos. Quando ele percebe a farsa, “ele a

rasga”, literalmente, mas ela ainda vive. Entram, nesse momento, Bugrelau e companhia, provocando enorme

confusão que, com extrema ironia, facilita a fuga do casal Ubu. Na última cena, Ubu e seu bando navegam no

Mar Báltico rumo à França e à Espanha (felizes para sempre).

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recurso cênico inaugurado por Shakespeare8. Recurso este que, em Ubu Rei,

configura-se pela aparição fantástica de um ancestral real diante do jovem príncipe

Bugrelau, incentivando-o a retomar o trono roubado, vingando também a morte de

seu nobre pai, Venceslau.

Além dessa citação shakespeariana, observamos também a forte influência

da personagem Mãe Ubu para concretização do golpe de estado realizado por Pai

Ubu. Esta influência faz referência a outro texto do dramaturgo inglês, Macbeth9. No

entanto, não há de fato um desenvolvimento similar, uma vez que Lady Macbeth

atinge profundo estado de loucura, enquanto que, Mãe Ubu simplesmente delicia-se

com o upgrade de seu status social e, quando perseguida, consegue partir em fuga

levando consigo o ouro real roubado.

Ao buscarmos observar os aspectos ideológicos da trama de Ubu, nos

deparamos com um reflexo exagerado de nossa sociedade e cultura ocidental, algo

maior que uma caricatura. Sua linguagem é utilizada como veículo destruidor e

sardônico que, através da lúdica figura de Pai Ubu, apresenta a encarnação do

poder, retrato irônico e grotesco dos vencedores. Uma imagem fiel do monstro que

domina os homens, por ter perdido, em parte, a sua humanidade. Diz-se em parte,

pois não há como negar a presença de um conflito interno nesse personagem: a

constante luta entre a coragem e a covardia, aspecto este que nos aproxima e, até

mesmo, nos identifica com ele, tornando-o assim, uma pintura caricatural, grosseira,

rude e primária, mas perfeitamente verossímil. Esse monstro que, em 1896 poderia

parecer exagerado até mesmo na ficção, foi superado de longe pela realidade dos

anos que seguiram 1945, com a aparição de diversos pais ubus ao redor do mundo,

tais como os ditadores Hitler10, Mussolini11, Cháves12 e Hussein13.

Em função desses elementos de releitura, a comédia de Jarry assume, de

fato, um caráter de paródia política, altamente fortalecido pelas inúmeras soluções

8 Shakespeare (Inglaterra: 1564-1616) escreveu, entre os anos de 1599 e 1601, a tragédia chamada Hamlet, na

qual um príncipe dinamarquês tenta vingar a morte de seu pai e retomar o poder, incentivado pelo fantasma ou

espectro do mesmo.

9 Escrita aproximadamente entre 1603 e 1607, essa tragédia inglesa apresenta o poder feminino como um fator

determinante para a tomada de um reino. No entanto, as consequências deste golpe retornam contra os assassinos

na forma de revolta armada, mortes e assombrações psíquicas. 10

Alemanha. 11

Itália. 12

Venezuela. 13

Iraque.

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patafísicas14 que o autor propõe. Dessa maneira, ela é considerada precursora de

um teatro inovador, no qual as convenções teatrais são refeitas de modo a

desestruturar o enredo dos padrões até então familiarizados pelo público vigente.

14

Criada por Jarry, a patafísica é uma ciência na qual fica estabelecido que todo e qualquer problema torna-se

passível de resolução através do redimensionamento do significado da palavra.

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