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Minerva, 6(2): 117-125 PROJETO DE UM PROTÓTIPO SUSTENTÁVEL Lívia Ferraz Damasceno Arquitetura urbanista pela Unesp-Bauru, e-mail: [email protected] Rosane Aparecida Gomes Battistelle Docente do Departamento de Engenharia Civil e do Curso de Pós-graduação em Engenharia de Produção, Unesp-Bauru, e-mail: [email protected] Maria Fernanda Nóbrega dos Santos Arquiteta urbanista, mestranda em Engenharia de Produção na área de Gestão Ambiental pela Unesp-Bauru. Bolsista do CNPq, e-mail: [email protected] Francisco Antonio Rocco Lahr Docente do Departamento de Engenharia de Estruturas e da Pós-graduação da Engenharia de Materiais, Interunidades, EESC-USP, São Carlos, e-mail: [email protected] Resumo A construção civil tem se destacado como área promissora em relação à busca da sustentabilidade, pois possibilita assimilar tanto tecnologias mais limpas quanto materiais mais sustentáveis. Desse modo, algumas empresas estão destinando atenção especial a essa possibilidade, como as cooperativas de reciclagem de resíduos plásticos, papel, borracha e alumínio, e arquitetos e engenheiros, com sua capacidade técnica, vêm aplicando materiais alternativos em seus projetos. As universidades também têm incentivado os conceitos de sustentabilidade junto à comunidade universitária. Assim, o objetivo deste trabalho é o desenvolvimento de um projeto para uma habitação ecológica, na qual é proposta a utilização de materiais e técnicas de construção sustentáveis, desenvolvidos pelos discentes e docentes dos cursos de Arquitetura, Engenharia de Produção, Engenharia Civil e Desenho Industrial da Unesp, Bauru. O resultado é apresentado na forma de pranchas arquitetônicas, com a descrição das técnicas construtivas empregadas. Palavras-chave: arquitetura sustentável, materiais de construção, chapas de partículas. Introdução Na atualidade, o aumento da população, aliado ao processo crescente de urbanização, tem evidenciado os problemas ambientais, como a crise energética, os padrões insustentáveis de consumo da sociedade e os impactos da geração e descarte dos resíduos sólidos. Paralelamente, observa- se que as questões ambientais são cada vez mais discutidas nos meios político, social e, principalmente, acadêmico. Os índices de poluição apresentam-se cada vez mais alarmantes nas cidades, tanto pelas contribuições atmosféricas da frota de carros, quanto pelo acúmulo de resíduos nas vias públicas, terrenos baldios, rios e fundo de vales, que não são enviados para o correto descarte final. Ou, mesmo, pela produção desenfreada de materiais sintéticos, como os produtos descartáveis, que ao final de sua vida útil são rejeitados na íntegra, contribuindo para o crescente aumento dos resíduos. Outro aspecto que colabora para esse panorama é a exploração dos recursos naturais (como o petróleo e a água potável) sem o devido planejamento, que também traz como consequência ambiental o incremento exponen- cial de resíduos industriais. Segundo John (2000), no modelo adotado por nosso processo de industrialização, os resíduos sempre são gerados na produção de bens de consumo, e ao final de sua vida útil apresentam-se em quantidades superiores aos produtos desenvolvidos. Em relação ao setor da construção civil, Gauzin- Müller (2002) comenta a margem muito significativa de participação desse empreendimento na degradação ambiental. De acordo com o pesquisador, a fase de construção e sua “vida útil” consomem mais de 50% dos recursos naturais extraídos e 40% de toda a energia produzida no planeta.

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PROJETO DE UM PROTÓTIPO SUSTENTÁVEL 117

PROJETO DE UMPROTÓTIPO SUSTENTÁVEL

Lívia Ferraz DamascenoArquitetura urbanista pela Unesp-Bauru,

e-mail: [email protected]

Rosane Aparecida Gomes BattistelleDocente do Departamento de Engenharia Civil e do Curso de Pós-graduação em

Engenharia de Produção, Unesp-Bauru, e-mail: [email protected]

Maria Fernanda Nóbrega dos SantosArquiteta urbanista, mestranda em Engenharia de Produção na área de Gestão Ambiental

pela Unesp-Bauru. Bolsista do CNPq, e-mail: [email protected]

Francisco Antonio Rocco LahrDocente do Departamento de Engenharia de Estruturas e da

Pós-graduação da Engenharia de Materiais, Interunidades,EESC-USP, São Carlos, e-mail: [email protected]

ResumoA construção civil tem se destacado como área promissora em relação à busca da sustentabilidade, pois possibilitaassimilar tanto tecnologias mais limpas quanto materiais mais sustentáveis. Desse modo, algumas empresas estãodestinando atenção especial a essa possibilidade, como as cooperativas de reciclagem de resíduos plásticos, papel,borracha e alumínio, e arquitetos e engenheiros, com sua capacidade técnica, vêm aplicando materiais alternativosem seus projetos. As universidades também têm incentivado os conceitos de sustentabilidade junto à comunidadeuniversitária. Assim, o objetivo deste trabalho é o desenvolvimento de um projeto para uma habitação ecológica, naqual é proposta a utilização de materiais e técnicas de construção sustentáveis, desenvolvidos pelos discentes edocentes dos cursos de Arquitetura, Engenharia de Produção, Engenharia Civil e Desenho Industrial da Unesp, Bauru.O resultado é apresentado na forma de pranchas arquitetônicas, com a descrição das técnicas construtivas empregadas.

Palavras-chave: arquitetura sustentável, materiais de construção, chapas de partículas.

IntroduçãoNa atualidade, o aumento da população, aliado ao

processo crescente de urbanização, tem evidenciado osproblemas ambientais, como a crise energética, os padrõesinsustentáveis de consumo da sociedade e os impactos dageração e descarte dos resíduos sólidos. Paralelamente, observa-se que as questões ambientais são cada vez mais discutidasnos meios político, social e, principalmente, acadêmico.

Os índices de poluição apresentam-se cada vez maisalarmantes nas cidades, tanto pelas contribuiçõesatmosféricas da frota de carros, quanto pelo acúmulo deresíduos nas vias públicas, terrenos baldios, rios e fundode vales, que não são enviados para o correto descartefinal. Ou, mesmo, pela produção desenfreada de materiaissintéticos, como os produtos descartáveis, que ao finalde sua vida útil são rejeitados na íntegra, contribuindopara o crescente aumento dos resíduos.

Outro aspecto que colabora para esse panorama éa exploração dos recursos naturais (como o petróleo e aágua potável) sem o devido planejamento, que tambémtraz como consequência ambiental o incremento exponen-cial de resíduos industriais.

Segundo John (2000), no modelo adotado por nossoprocesso de industrialização, os resíduos sempre são geradosna produção de bens de consumo, e ao final de sua vidaútil apresentam-se em quantidades superiores aos produtosdesenvolvidos.

Em relação ao setor da construção civil, Gauzin-Müller (2002) comenta a margem muito significativa departicipação desse empreendimento na degradaçãoambiental. De acordo com o pesquisador, a fase deconstrução e sua “vida útil” consomem mais de 50%dos recursos naturais extraídos e 40% de toda a energiaproduzida no planeta.

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Em contrapartida, segundo Cincotto (1988), essemesmo setor está apto a empregar grande diversidadede materiais descartados durante as diferentes etapas deconstrução e uso, podendo, assim, incorporar vários resíduos(desde que viáveis tecnologicamente) e oferecer umaalternativa para minimizar os danos ambientais.

A motivação básica deste trabalho está sintetizadana tentativa de englobar alguns trabalhos científicos previamentedesenvolvidos na Unesp de Bauru, nas áreas de Resíduos,Materiais de Construção e Sustentabilidade, a fim de apresentaruma aplicação conjunta desses materiais. Para tanto, foielaborado um projeto de uma habitação diferenciada, paraa qual é proposto o uso de materiais e técnicas de construçãomais “sustentáveis”, empregando diferentes materiaiscompostos de resíduos, a fim de minimizar a utilização demateriais impactantes e otimizar o uso de água e energia.

No entanto, é importante salientar que esta pesquisaé estritamente teórica, não apresentando qualquerexperimento, salvo os testes de caracterização do solona região indicada para sua futura instalação, a fim desugerir uma fundação mais adequada.

ObjetivoVisando contribuir com as metas do desenvolvimento

sustentável, o objetivo deste trabalho é desenvolver umprojeto de habitação ecológica, na qual serão empregadosmateriais e técnicas construtivas considerados de baixoimpacto ambiental. Os resultados serão apresentados pormeio de desenhos técnicos e imagens de simulações em3D. Além disso, busca-se demonstrar a viabilidadeconstrutiva e econômica da edificação proposta.

Desenvolvimento do TrabalhoEste trabalho foi dividido em duas partes. A primeira

se constituiu no levantamento dos materiais a seremaplicados na construção do projeto e na elaboração dosdesenhos técnicos, assim como das imagens de simulaçãodo protótipo em 3D. A segunda etapa se constituiu nodesenvolvimento do projeto do teto verde e do sistemade capitação e reaproveitamento de águas pluviais. Algunsdetalhes de acabamento (como pergolados, maçanetas ebeirais) foram incorporados ao projeto.

O projeto está apresentado na forma de desenhostécnicos e imagens de simulações do protótipo em 3D,desenvolvidos nos programas AutoCAD, Google SketchUpe 3D Studio MAX, tendo como ficha técnica:

� Destino: protótipo de uma habitação de um pavimentopara três pessoas.

� Localização: Av. Edmundo C. Coube, Universidade EstadualPaulista “Júlio de Mesquita Filho”, na área situada atrásdos Laboratórios da Engenharia, Figura 1.

� Superfície do lote: aproximadamente 238 m² de áreadisponível.

� Superfície a ser construída: 102 m² de área total e 53m² de área interna.

� Função: no interior da universidade este local poderáser utilizado para pequenas reuniões de trabalho, bibliotecaespecífica de construções sustentáveis ou uma área dedescanso para professores visitantes. Também poderáservir como habitação para atender a três pessoas.

É importante ressaltar que foram realizados estudosde orientação solar para a correta implantação do protótipo,a fim de aproveitar eficientemente a iluminação naturale ofereceer qualidade térmica e salubridade aos ambientespropostos.

Classificação do soloO estudo do solo, conforme Zimback (2003), tem

por objetivo determinar as características do solo e classificá-lo, estabelecendo, assim, seu comportamento para diferentesaplicações. Para este trabalho, foram colhidas amostrasdo solo na área sugerida para a futura instalação do projeto.Após as análises, os resultados constataram que o solopossui 69% de areia, 23% de silte e 8% de argila. Destaforma, o solo do local está constituído por uma areiafina argilosa residual de arenito, com característica colapsível(Ferreira, 1991), apropriado para a fabricação de adobese de solo-cimento.

Segundo pesquisas anteriores de Faria (2000) eNeves (2000), o melhor solo para a confecção dos tijolosde adobe é aquele que apresenta um traço de cerca de70% de areia e 30% de argila.

Tipo de fundaçãoA partir da análise realizada com o solo local

(considerando-se sua formação e propriedades) e tendopor base as experiências de construções realizadas noentorno e as características do projeto em questão, optou-se pela fundação do tipo sapata corrida de solo-cimentocom a inserção de resíduos de garrafas PET.

O material foi testado por Carbonieri (2002) napesquisa sobre reciclagem de garrafas PET em fôrmade fibras, para reforço de solos colapsíveis. Foram utilizadasfibras de formato retangular com dimensões de 2,5 mmpor 40 mm. Os resultaram demonstraram que a adiçãodessas fibras proporcionou acréscimo na resistência dosolo com aumento de sua ductilidade e queda em seuvalor de ruptura. A autora constatou que a porcentagem-limite de fibras inseridas no solo deveria ser de 1% dePET, acrescidos 9% de cimento (Figura 2).

Tijolos de adobeO adobe consiste numa técnica milenar de preparo

com terra crua, preferencialmente com solo arenoso, quedeve ser umedecido e moldado juntamente com as fibrasnaturais (capim, palha, resíduos de celulose, cinzas demadeira, esterco animal, etc.) ou artificiais (cal, resíduosde garrafa PET, embalagens Tetra Pak, cimento, gesso,betume, etc.) em fôrmas, geralmente, de madeira. Essamistura é compactada a golpes e, logo em seguida, os

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blocos são extraídos, permanecendo um período na sombrae depois ao sol, para a secagem completa.

Os materiais adicionados ao barro (estabilizadores)têm a função de garantir homogeneidade à mistura,melhorando sua resistência ao impacto e diminuindo oaparecimento de fissuras e retração durante a secagem.

Neste projeto, será utilizada a técnica para con-feccionar tijolos de adobe descrita no trabalho de Battistelle(2002), sendo misturado ao barro o resíduo provenientedo processo de fabricação de celulose e papel, em diferentesporcentagens. Os compósitos originados dessa misturaapresentam maior “liga” e menor retração, saindo commaior facilidade das fôrmas de madeira sem o esfarelamentode suas bordas. A quantidade de estabilizante inseridona mistura deve ser de no máximo 25%.

Estruturas de bambuO bambu é um dos materiais usados pelo homem

desde a mais remota antiguidade, seja para construir suacasa, para se alimentar ou mesmo em artesanatos,produzindo objetos de uso doméstico (de cestas a móveis),entre muitas outras aplicações (Pereira & Beraldo, 2007).

Como o campus da Unesp de Bauru possui umaplantação de diferentes espécies em seu campo experimental

agrícola, optou-se pelo bambu da espécie Dendrocalamusgiganteus (Figura 3), conhecido como bambu-gigante,que será utilizado no projeto:

� cobertura do projeto, como base para o teto jardim,beiral e forração da platibanda;

� estrutura para sustentar a cobertura;� delimitação da área da casa (fechamento);� calhas e estrutura de sustentação para o equipamento

de tratamento das águas pluviais coletadas pelo tetojardim;

� construção de alguns detalhes como as maçanetas, opergolado e o gradil da varanda.

A cobertura (Figura 4) será estruturada para receberum jardim, assim, os bambus deverão ser colocadoslado a lado e unidos com outros bambus cortados aomeio. A união deverá ser realizada com parafuso, paraevitar o rompimento das peças. Essa “laje de bambu”será parafusada nas vigas que se apoiam nos pilareslocados nos cantos internos de cada cômodo. As vigase os pilares também serão de bambu. Paralelamente,será montado um beiral de aproximadamente 80 cm deprojeção, que servirá de proteção para as paredes deadobe.

Fundeb

Acesso

Av. Edmundo Carrijo Coube

Lab. Eng. I

Lab. Eng. II

Área deimplantação

N

Figura 1 Localização do protótipo no interior do campus da Unesp-Bauru. Fonte: Damasceno (2009).

Figura 2 Amostras das fibras utilizadas na moldagem dos corpos-de-prova, com fibras de PET. Fonte: Carbonieri (2002).

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Chapas de partículasAs chapas de partículas são chapas compostas de

aglomerados oriundos de diferentes materiais, que podemser rejeitos ou não das indústrias, da construção civil eaté mesmo da natureza (fibras e cascas). Esses materiaistambém podem estar misturados a outros produtos. Pode-se mencionar alguns exemplos de resíduos que são utilizadospara a produção dessas chapas, como os das embalagensTetra Pak, garrafas PET, fibras de vidro, bagaço da cana-de-açúcar, bambu, dentre outros.

Essas chapas são destinadas a diferentes aplicaçõesna construção civil, sendo utilizadas como vedações, forros,divisórias e para a produção de mobiliário. As chapasbaseiam-se em materiais cujas características sãosemelhantes a alguns já utilizados, como o compensadoe o MDF (Medium Density Fiberboard) ou a chapa defibras de madeira de média densidade, conforme apresentadopor Lahr (2008).

Dois tipos diferentes de chapas desenvolvidas naUnesp serão utilizados neste trabalho:

� As chapas estudadas por Miyazato (2007), compostaspor resíduos de celulose, provenientes da IndústriaVotorantin Celulose e Papel, adicionadas ao refugodas embalagens cartonadas do tipo Tetra Pak (polietilenoe alumínio).

� As chapas desenvolvidas por Santos (2006), compostaspor resíduos de celulose, adicionadas às fibras dasfolhas caulinares do bambu triturado da espécieDendrocalamus giganteus, como mostra a Figura 5.

Estas chapas serão utilizadas para a produção dosseguintes itens:

� módulos pré-moldados para a cobertura, espécie decaixotes que estarão apoiados na base de bambu eque receberão o jardim da cobertura;

� portas divisórias dos ambientes, todas de correr;� janelas e esquadrias que seguram o vidro e o pano

externo, para barrar a luz incidente;� proteção da platibanda, que funcionará como uma

forração para a mesma.

Platibandade chapasPlatibandade chapas

Cobertura 1Cobertura 1

Pergolado de bambuPergolado de bambu

Beiral debambuBeiral debambuCobertura 2Cobertura 2

Cobertura 3Cobertura 3

Figura 3 Detalhe das moitas de bambu da espécie Dendrocalamus giganteus no campusda Unesp, Bauru. Fonte: Santos (2006).

Figura 4 Vista superior da cobertura do protótipo. Fonte: Damasceno (2009).

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Teto jardimO teto jardim, também conhecido como telhado

verde, tem por princípio a construção de um jardim sobrea superfície de uma cobertura (laje), seja ela de umaconstrução residencial, comercial ou industrial. Esta técnicaé bastante antiga, embora não seja muito disseminada,podendo ser encontrada tanto em países de frio intenso(Europa, Estados Unidos e Canadá) quanto em locaisonde o calor predomina (América Central).

O principal objetivo do teto jardim (Figura 6), nesteprojeto, é o de testar uma nova técnica de sustentaçãoda vegetação, pois será utilizada uma combinação demateriais: chapas de partículas fabricadas a partir dareciclagem das embalagens de Tetra Pak e celulose, tendoum papel de base sobre os bambus (módulos pré-elaborados).

O telhado proposto é composto por barras de bambu,lona plástica, bandejas elaboradas com as chapas, umacamada de pedrisco médio para drenagem e, sob estes,aproximadamente 20 cm de terra. Para a vegetação, éimportante que a espécie não cresça demasiadamente,possua raízes curtas e se comporte bem à exposição diretado sol e chuva (Figura 7).

As barras de bambu deverão ser colocadas lado alado e unidas com parafuso, para evitar o rompimentodas peças. Essa “laje de bambu” será parafusada nas vigastambém de bambu. Paralelamente, será montado um beiralde aproximadamente 80 cm de projeção. Sobre a lajeserão usadas as bandejas de chapas (Tetra Pak e celulose).

Com relação ao sistema de captação de água a serinstalado neste projeto, deve-se optar pelo mesmo modeloproposto por Vecchia et al. (2006), sendo que os coletoresserão modificados, ou seja, também deverão ser utilizadasbarras de bambus (Figura 8), além de um tanque dearmazenamento.

A concepção do espaçoA idéia inicial da divisão dos espaços teve o propósito

de tornar o projeto menos rígido, sem uma funçãoobrigatória. Assim, poderá ser utilizado não só como

residência, mas também para qualquer outro tipo de usoque seja conveniente (biblioteca ou sala de reuniões).

O ordenamento do espaço obedece ao seguinteaspecto: a entrada se faz pela varanda frontal, ou seja,pela face sul (Figura 9).

A partir da varanda se acessa a copa, que faz aconexão da cozinha com a sala. Ela também funcionacomo varanda, pois está numa área externa a casa. Apesarde externa, porém, essa área é coberta por um pergoladorevestido com chapas de policarbonato e vegetação. Avaranda também poderá ser fechada por um sistema de“parede-porta”, constituído pelas chapas de Tetra Pak ecelulose que estão fixadas de maneira a poderem correrde um lado a outro, funcionando como portas corrediças(Figura 10).

A cozinha, localizada do lado direito da copa (doponto de vista da entrada da casa), é separada desta tambémpelo sistema de “parede-porta”, que, quando aberta, permitea integração de ambos os ambientes.

Do lado esquerdo da copa está o setor sala/quarto/banheiro. A separação, neste caso, se faz por uma paredede adobe que contém uma porta de correr simples, paraacesso ao ambiente, e um pano de vidro que integravisualmente a sala e a copa. Essa estrutura se faz necessáriapara o caso de a copa ficar aberta. Neste bloco sala/quarto/banheiro também está presente o sistema “parede-porta”,porém, somente entre o quarto e a sala. Ou seja, quandonecessário, será possível integrar essas áreas correndo-se as chapas para detrás da parede do banheiro, transfor-mando a sala e o quarto num único ambiente.

O esquema de distribuição dos cômodos pode sermelhor visualizado na Figura 11, que contempla o layoutinterno da residência.

Resumidamente, no projeto serão utilizados osseguintes materiais e técnicas construtivas:

Fundação: sapata corrida feita de solo-cimento comadição de fibras de garrafa PET, opção empregadapara reduzir a quantidade de cimento e reciclar o plástico,já que ambos são produtos que carregam altos valoresde energia incorporada, além de serem muito poluentes.

Figura 5 Diferentes chapas de partículas com rejeitos agroindustriais. Fonte: Santos (2006).

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Figura 6 Esquema de implantação do teto jardim, ou telhado verde. Fonte: Damasceno (2009).

Camada terra

Camada seixos

Camada lona

Chapa partículas

Camada bambu

Legenda:

Calha captaçãoágua da chuva

Bambu de d = 15 cm que atua comoviga de apoio para os bambus menoresi = 3%

Todas as uniões entreos bambus e a viga sãofeitas com parafuso

Pilar de bambuque sustentaa cobertura

Cobertura dobeiral comchapa depolicarbonato

Figura 7 Detalhe do teto jardim e do beiral. Fonte: Damasceno (2009).

� Estrutura: todas as paredes externas serão de adobe.A terra deverá ser retirada no próprio local (poderáser a terra que sobrará da escavação das fundações edo próprio nivelamento do terreno), já o estabilizanteserá obtido com as fibras presentes no resíduo de celulosee papel.

� Divisões internas: confeccionadas com chapas departículas.

� Piso: a base será em solo-cimento com adição de garrafaPET, que depois de seca receberá uma aplicação deimpermeabilizante acrílico transparente como reves-timento, de forma a facilitar a visualização do resíduona mistura.

� Janelas e portas: também produzidas com chapas(celulose e bambu).

� Teto: a estrutura do teto será toda projetada em bambu.Sobre ele serão dispostas chapas (celulose com Tetra

Pak) que servirão de apoio para o teto jardim; o beiralpara proteger o adobe também será constituído de bambu;a platibanda será forrada com a chapa, também paraproteger a parede de adobe da ação das intempéries.

� Captação de águas pluviais: sistema adaptado comcanos de bambu.

� Detalhes: as maçanetas, gradis e pergolados serãoconfeccionados com bambu.

Custo da edificaçãoUma estimativa do custo da mão-de-obra e dos

valores dos materiais necessários para realizar a construçãodo projeto proposto perfaz um total de aproximadamenteR$ 21.000,00 (Tabela 1). Nesse montante não estãoconsideradas as etapas de limpeza do terreno, serviçode terraplenagem, bem como colocação das peçassanitárias.

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Canos coletoresem bambu

Encaixe do tipo“boca de peixe”

Amostradoresem bambu

Figura 8 Proposta de calha e amostradores de bambu para a captação das águas da chuva. Fonte: Damasceno (2009).

Figura 9 Perspectiva da entrada e fachada principal da residência. Fonte: Damasceno (2009).

Figura 10 Perspectiva da varanda e área de serviço da residência. Fonte: Damasceno (2009).

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Figura 11 Esquema do layout interno da edificação com mobiliário. Fonte: Damasceno (2009).

Tabela 1 Levantamento dos materiais e custos da edificação proposta. Fonte: Damasceno (2009).

Especificação dos materiais propostos Quant UnidPreço

unidTotal

Fundação sapata corrida com 7,4 m3 de volume feita de solo-cimento e fibras

de garrafa PET, sendo utilizado 9% de cimento (único material a ser

comprado). A densidade do cimento é de 1400 kg/m3924 kg 0,43 397,32

Contrapiso com 8,16 m3 de solo-cimento com fibras de garrafa PET. 9% de

cimento equivale a 0,74 m3 do material. Sendo d = 1400 kg/m3, serão

necessários 1036 kg de cimento

1036 kg 0,43 445,48

Paredes estruturais de adobe com resíduos de celulose e papel 116,05 m2 – –

Divisões internas, portas e janelas (folha maciça) de chapa-de-partículas com

resíduos de Tetra Pak e celulose, considerando-se uma sobra para batentes e

possíveis perdas (total de 28,57 m2 arredondados para 35 m2)

35 m2 8,82 308,7

Esquadrias de chapa-de-partículas com resíduos de Tetra Pak e celulose (7 unid.)

Chapas de partículas para segurar o vidro e para o acabamento dos trilhos 20 m2 8,82 176,4

Vidro 12 m2 30 360

Cobertura verde

Bambu 300 – – –

Módulos pré-elaborados de chapa de partícula de Tetra Pak 41 m2 8,82 361,62

Pedrisco 2,3 m2

66

Lona plástica 85 m2 1,5 127,5

Terra (substrato) 5,7 m2 70 399

Vegetação grama amendoim 30 m2 4 120

Cobertura de chapas de partículas de Tetra Pak para platibanda 35 m2 8,82 308,7

Revestimento com azulejo esmaltado liso no banheiro e na cozinha, com

100% de revestimento58,5 m2 14 819

Revestimento do piso (102 m2) com impermeabilizante acrílico transparente

(Vedacil Aqua, da Vedacit), sendo que 1 litro rende 8 m2 por demão (serão

aplicados aprox. 2 demãos); cada balde contém 18 litros

2 baldes 89 178

Mão-de-obra para a edificação geral com base em entrevista com pedreiros 52,46 m2

200 10492

Kit de captação da água da chuva proveniente do telhado verde (valor

aproximado)1 – 2500 2500

Total parcial 17145,52

Instalação elétrica: corresponde a 5% do total da obra 0,05 – 17145,52 857,276

Instalação hidráulica: corresponde a 5% do total da obra 0,05 – 17145,52 857,276

Detalhes como parafusos, colas, venenos para proteção do bambu, rejuntes:

10% do valor total da obra0,1 – 17145,52 1714,552

Total aproximado 20574,624

151,8

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Considerações FinaisEste trabalho propõe o desenvolvimento de um

projeto de habitação ecológica com aplicação de materiaisalternativos que, quando não são inteiramente naturais(bambu, adobe ou a própria a cobertura), são constituídospor produtos reciclados, como as chapas e o solo-cimentocom garrafas PET. Obviamente, não foi possível realizarum projeto com 100% de materiais não impactantes, poisquando se trata da construção civil sempre será empregadoum material tido como não sustentável, como, por exemplo,o uso do cimento como aglomerante, que neste projetofoi utilizado em pequena quantidade para produzir o solo-cimento, ou mesmo a resina uréia-formaldeído, o adesivomais empregado para a produção das chapas.

É importante salientar que a aplicação de uma resinatransparente na base de solo-cimento com resíduos degarrafa PET foi proposta com o objetivo não somentede proteger o pavimento, mas também de deixar à vistao piso para ser avaliado, posteriormente, no ambienteuniversitário em uso.

Outra mudança realizada foi o emprego de doistipos de chapas. Internamente foi aplicada a chapadesenvolvida por Santos (2006), com resíduos de bambue celulose. Externamente, porém, será usado o materialdesenvolvido por Miyazato (2007), que apresenta ótimascaracterísticas impermeabilizantes, uma vez que asembalagens Tetra Pak possuem o plástico e o alumíniocomo componentes de seus produtos, o que fornece melhordesempenho e durabilidade diante dos agentes climáticos.

Como enfatizado anteriormente, este é um trabalhoexclusivamente teórico, feito com base em levantamentosbibliográficos, experiências profissionais de projetos depesquisas já realizados na Unesp de Bauru e um poucode imaginação. A próxima etapa será a construção desseprotótipo no interior da universidade, que servirá de grandelaboratório prático para alunos e professores, que poderãodesenvolver novas pesquisas no que diz respeito ao tetojardim, construção com terra, uso do solo-cimento, captaçãode água da chuva, entre outros.

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Page 10: PROJETO DE UM PROTÓTIPO SUSTENTÁVEL - fipai.org.brfipai.org.br/Minerva 06(02) 02.pdf · Palavras-chave: arquitetura sustentável, materiais de construção, chapas de partículas.